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Sistema Preventivo e Direitos Humanos

Sistema Preventivo e Direitos Humanos - UNISALSistema Preventivo e Direitos Humanos São Paulo, 2009 Circulação interna Inspetoria Salesiana de São Paulo Largo Coração de Jesus,

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Sistema Preventivo e Direitos Humanos

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Sistema Preventivo e Direitos Humanos

São Paulo, 2009

Circulação interna

Inspetoria Salesiana de São PauloLargo Coração de Jesus, 140Campos Elíseos01215-020 São Paulo SPTelefone: (11) 3225-5800www.salesianos.com.br

COLEÇÃO PROTAGONISTA

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Conteúdo

Apresentação .............................................................................................. 7

Intervenções no Congresso Internacional

A missão salesiana e os Direitos Humanos especialmente os Direitos dos Menores ..................................................... 111 A emergência educativa da nossa sociedade ...................................................122 A experiência de Dom Bosco .........................................................................143 Elementos constitutivos do Sistema Preventivo de Dom Bosco .................................153.1 Centralidade e protagonismo dos jovens, sobretudo dos mais pobres .................. 163.2 Cultura da preventividade .................................................................................. 173.3 Experiência comunitária ..................................................................................... 183.4 Projeto educativo integral .................................................................................. 193.5 Visão cristã da pessoa e da vida .......................................................................... 203.6 Projeção social da ação educativa ....................................................................... 214 A promoção dos Direitos Humanos, principalmente dos menores ...................224.1 Promover os direitos humanos como educadores ................................................ 234.2 Promover a cultura dos direitos .......................................................................... 244.3 Algumas exigências ............................................................................................ 25À maneira de conclusão .....................................................................................28

Os valores mais significativos do Sistema Preventivo .................................. 30Introdução ........................................................................................................301 APedagogiadaConfiança .............................................................................312 A Pedagogia da Esperança .............................................................................333 A Pedagogia da Aliança .................................................................................35Conclusão .........................................................................................................36

Educar aos e pelos Direitos Humanos ........................................................ 381 Qualosignificadodepelosdireitoshumanos .................................................391.1 Doissignificadosirrenunciáveisparaosdireitoshumanos .................................... 421.2 Indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos: civis, culturais,

econômicos, políticos e sociais. ........................................................................... 431.3 Uma responsabilidade comum a assumir ............................................................ 442 Porque educar aos e para os Direitos Humanos ..............................................46

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3 Comoeducaraosepelosdireitoshumanos ....................................................483.1 Educação aos e pelos direitos humanos e não ensino........................................... 493.2 Interdisciplinaridade e integralidade da educação aos e pelos direitos humanos ... 503.3 Educação permanente para uma cultura popular difusa dos direitos humanos ...... 51

A caminhada dos direitos humanos: uma cronologia .................................. 52

Discurso de encerramento do reitor-mor no Congresso Internacional Sistema Preventivo e Direitos Humanos .......... 581 Ocarismasalesianoeanossaresponsabilidadepelosdireitoshumanos ..........592 Centralidade da qualidade da educação .........................................................603 Reciprocidadefrutuosaentresistemapreventivoedireitoshumanos ...............624 Conclusão .....................................................................................................63

Artigo

Direitos Humanos numa perspectiva cristã ................................................ 671 Conceito de Direitos Humanos .......................................................................682 Direitos Humanos e cultura cristã ...................................................................683 Declarações dos Direitos ................................................................................704 DireitoshumanoseMagistériodaIgrejaCatólica ............................................715 Éticaedireitoshumanos ................................................................................756 Educaçãocomocaminhoprivilegiado ............................................................77Consideraçõesfinais ..........................................................................................78

Apresentação

A Família Salesiana expandiu-se rapidamente em todas as partes do mundo levando a todos os lugares e pessoas o carisma de São João Bosco, promovendo a cultura da vida e a mudança das estruturas sociais, educa-cionais e familiares. Para tanto, serviu-se e continua a servir-se do Sistema Preventivo como plataforma de diálogo para uma nova cultura dos direitos e da solidariedade.Aofalardedireitosesolidariedade,oPapaBentoXVIafirmouque“a

dignidadedohomemsóérealmentegarantidaquandotodososseusdireitosfundamentaissãoreconhecidos,tuteladosepromovidos”;eisso,particular-mentequandoserespira“umaatmosferadifusa,umamentalidadeeumaformadeculturaquefazemduvidardovalordapessoahumana,doprópriosignificadodaverdadeedobem,emsíntese,dabondadedavida”.DomBoscoaovisitarasprisõesdaTurime“verturmasdejovens,de12

a18anos,todoselessãos,robustos,edevivoengenho,massemnadafazer,picadospelosinsetos,àmínguadepãoespiritualetemporal”,ficouhorrori-zadoesedispôsatrabalharpelobemdeles.AFamíliaSalesiana,fielaoseuFundador,serve-sedoSistemaPreventivo

dandocentralidadeeprotagonismoaosjovens,sobretudoosmaispobres,prevenindo-oscontraasintempériesdavidaelevando-osafazerexperiên-ciacomunitária.OSistemaPreventivopropõe-seaserumprojetoeducativointegral, fundamentadonavisãocristãdapessoaedavida,comprojeçãosocial na ação educativa.ForamestesostemasdesenvolvidosnoCongressosobre“SistemaPreven-

tivoeDireitosHumanos”,realizadoemRomade2a6dejaneirode2009edo qual participaram membros da Família Salesiana do mundo inteiro.

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Intervenções no Congresso Internacional

OencontrofoidesejadopeloP.PascualChávezVillanueva,reitor-mordosSalesianos,“comafinalidadedeofereceraosdireitoshumanos,sobretudoaos das acrianças e adolescentes, a contribuição enriquecedora das motiva-ções,dasreflexõesedasexperiênciasprópriasdoSistemaPreventivo,e,aomesmo tempo, abrir o Sistema Preventivo a este relativamente recente cami-nhodepromoçãodapessoaedoseucrescimento”.EstevolumequeponhonasmãosdosSalesianosedosgruposdaFamí-

liaSalesianadaInspetoriadeNossaSenhoraAuxiliadora,deSãoPaulo,éoresultadodesseCongresso.Esperoquesejalido,estudadoevividoemnossodiaadiadeeducadores,ecompartilhadotambémcomoutroseducadoreseeducadoras. Agradeço ao P. Antonio Ramos Prado, coordenador da Pastoral Juvenil em nossa Inspetoria, pela participação no Congresso e a edição deste volume.

SãoPaulo,julhode2009.

P.MarcoBiaggiinspetor salesiano

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A missão salesiana e os Direitos Humanos especialmente os Direitos dos Menores

P. Pascual Chávez Villanuevareitor-mor

Caros Participantes do Congresso Internacional Sistema Preventivo e Di-reitos Humanos

Alegra-me, antes de tudo, cumprimentá-los e, ao mesmo tempo, dirigir-lhesapalavraencorajadoraeempenhativasobreumatemáticaquemeestáparticularmente a peito, no 60º aniversário da Declaração Universal dos Di-reitosdoHomem.OPapaBentoXVIafirmouemdezembropassado:

Há sessenta anos, em 10 de dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em Paris, adotou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que aindahojeéumaltíssimopontodereferênciadodiálogointerculturalsobrealiberdadeeosdireitosdohomem.Adignidadedetodohomemestárealmentegarantida somente quando todos os seus direitos fundamentais são reconhe-cidos, tutelados e promovidos. Desde sempre a Igreja insiste que os direitosfundamentais,paraalémdaformulaçãodiversaedopesodiversoquepossamrevestir no âmbito das várias culturas, são um dado universal, porque conaturais àmesmanaturezadohomem.1

Como Salesianos, estamos conscientes e convencidos disso e por isso tra-balhamosnaeducaçãoepromoçãodaculturadaeducação.Agradeço,também,aoProf.VernorMuñozpeloquenosdissesobrea

importância de promover a educação como um direito fundamental, espe-cialmenteaeducaçãodosmenores, comafinalidadedeconstruircidada-nias ativas, inclusivas, responsáveis e autônomas. Ele apresentou-nos com granderealismoascausasqueimpedemaeducaçãodemilhõesdemenoresno mundo todo, mantendo graves situações de exclusão e discriminação.

1 BENTOXVI,DiscursodoSantoPadreporocasiãodo60oaniversáriodosdireitosdohomem,Roma10de dezembro de 2008.

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Como salesiano, reencontro-me em suas palavras e estou convencido de que odesafiomaisurgenteéatransformaçãodessaculturaquegeraexclusãoemarginalização.Estoutambémconscientedequehojeaeducaçãoéoins-trumento mais precioso e importante para a construção de uma sociedade maisjustaesolidárianaqualtodos,principalmenteosmaisjovens,frágeisecarentespossamolharcomesperançaparaumfuturodignoefeliz.

1 A emergência educativa da nossa sociedade

Nossa época demonstra ter confiança na educação; empenha-se porestendê-laatodos;procuraadequá-laconstantementeaosdesafiosquesur-gemno campodo trabalho, dos conhecimentos e daorganização social;confia-a sempremais a instituições especializadas. A educação tornou-seumdireito reconhecidoeumaaspiraçãode todapessoa.Apesarda con-fiançanaeducação, temosa impressãodequeháemrelaçãoaelaumadistância sempre crescente entre aspirações e possibilidades, entre decla-raçõeseexecuções,entreintençõeserealizações.Torna-sedifícildefinir-sediante da educação numa cultura marcada pelo pluralismo das convicções ecomportamentos;pelacaducidadeesubstituiçãovelozdosconhecimen-tos;pelasocializaçãodosbensculturais;pelaescolarizaçãogeneralizadaeauniversidadedemassa;pelopapeldominantedosmeiosdecomunicaçãosocialnaculturamoderna;pelodesenvolvimentodosetorquaternárioqueprivilegia a inovação constante e a pesquisa. Sociedades e instituições de todos os tipos parecem frágeis e desorientadas diante do pedido de sentido feitopelosjovens.Chega,então,oportunamente,oapelodoPapaBentoXVIsobreaemer-

gênciaeducativa.NacartaàDioceseeàCidadedeRoma,eleafirma:Educarnunca foi fácil,ehojeparece tornar-se sempremaisdifícil.Sabem-nobemospais,osprofessores,ossacerdotese todososquedesempenhamres-ponsabilidades educativas diretas. Fala-se por isso de uma grande ‘emergência educativa’,confirmadapelosinsucessoscomosquaiscommuitafrequênciaseconfrontamosnossosesforçosparaformarpessoassólidas,capazesdecolaborarcomosoutrosedarumsentidoàprópriavida.(....)Háumaatmosferadifun-dida, uma mentalidade e uma forma de cultura que fazem duvidar do valor da pessoahumana,doprópriosignificadodaverdadeedobem,emsíntese,da

bondade da vida. Torna-se difícil, então, transmitir de uma geração a outra algo deválidoedecerto,regrasdecomportamento,objetivoscríveisembaseaosquaisconstruiraprópriavida.2

Essaemergênciatorna-setrágicaquandonãoégarantidoodireitouni-versalmentereconhecidoàeducação,sobretudoemalgunscontextosepa-íses em vias de desenvolvimento. Como falar de direito à educação quando existem imensas massas de crianças e adolescentes que morrem de fome na África ou na Ásia, de menores vendidos ou explorados sexualmente? Onde está o direito à educação das crianças obrigadas aos cinco anos a traba-lhospesadosnasminas,ou respirando substâncias tóxicasnas fábricasdecalçadosourepetindoosmesmosgestosdurantelonguíssimasjornadasdetrabalhonascadeiasdemontagem,semnadaaprender,mas funcionandosimplesmentecomopeçasdaprópriaengrenagemdeprodução?Sabe-sequeosinteresseseconômicosfixamasprioridadesdasociedade

materialistaequeapublicidade,oincitamentoaoconsumo,éavarinhamá-gicausadapelaavidezinsaciáveldasmultinacionais.Sóassociedadesagres-sivasecompetitivassubsistem,eesteestilotambémentrounasentidadeseassociações educativas. O que fazer, então?Aeducaçãodevesersempremaisumajanelaescancaradasobrearea-

lidademundialeummotordesensibilizaçãoetransformaçãodahumani-dade. Por isso, sem ideologizações ou manipulações, deve-se escutar a voz daqueles que não têm voz, sentir a fome e a sede, ver a nudez de tantos povosesquecidos;comcoerência,devem-setornarconhecidososesforçosdetantagenteempenhadanasgrandescausasdadignidadedamulher,dapaz,do respeito ao criado... Felizmente, diversas situações e instâncias (ONGs, Voluntariados...)começamaconvergirnadefesadavida,doserhumano,dos povos, do planeta e de seus direitos.Diantedestaemergênciaeducativa,nósSalesianossomosportadoresde

umcarismapedagógicoque,maisdoquenunca,éatualenecessário:oSis-tema Preventivo de Dom Bosco.Esteéonossotesouro,acontribuiçãoquenóssomoschamadosadaraosjovenseàsociedadeatual,anossaprofecia.

Agora, eu gostaria de atrair a atenção de todos sobre a necessidade de renovar o Sistema Preventivo de Dom Bosco em estreita relação com a pro-moçãoedefesadosDireitosHumanos,especialmentedosDireitosdosMe-

2 BENTO XVI, Carta à diocese e à cidade de Roma sobre a tarefa urgente da educação, Roma 21 de janeirode2008.

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nores, como proposta educativa capaz de gerar cultura e pôr a sociedade em estado de educação.

2 A experiência de Dom Bosco

Diantedasituaçãodosjovensdoseutempo,DomBoscofazaopçãodaeducação:umtipodeeducaçãoqueprevineomalpormeiodaconfiançanobemqueexistenocoraçãodetodojovem,desenvolvesuaspotencialidadescomperseverança e paciência, constrói a identidade pessoal de cada um.Trata-se de uma educação que forma pessoas solidárias, cidadãos ativos e responsáveis,pessoasabertasaosvaloresdavidaedafé,homensemulherescapazes de viver com sentido, alegria, responsabilidade e competência. Este mododeeducartorna-severdadeiraexperiênciaespiritual,quehaurena“ca-ridade de Deus que se antecipa a toda criatura com a sua Providência, segue-a comsuapresençaesalva-acomadoaçãodaprópriavida”(Const.SDB20).EmcontatocomosjovensdocárceredeTurimDomBoscoficahorrori-

zado. Ele escreve: Verturmasdejovens,de12a18anos,todoselessãos,robustos,edevivoen-genho,massemnadafazer,picadospelosinsetos,àmínguadepãoespiritualetemporal,foialgoquemehorrorizou.3

DomBosco vê a realidade social, percebe o seu significado e tira suasconclusões. Dessa experiência nasce nele uma imensa compaixão por aqueles jovensdesafortunadoseexplorados;cresceemseucoraçãoumaopçãopessoaldevida:“consagrar-seaobemdajuventude”,comodisseàmarquesaBaroloquelhedavaaalternativadedeixaraobradosmeninosouaobradoRefúgio.4 Asuaopçãoestáfundamentadanumaprofundafénapaternidademisericor-diosadeDeuseemsuaProvidência;elasefundamentatambémnaconvicçãodequetodojovem,mesmoomaistransviadooudesafortunado,possuiumpontoacessívelaobemeque,quandoestimuladoeapoiado,eleécapazdenãosedeixarlevarpelomaleescolheroscaminhosdavidaedobem.

Nessas ocasiões descobri que muitos voltavam àquele lugar porque abandona-dosasipróprios.Quemsabe–diziademimparamim–,setivessemláfora

um amigo que tomasse conta deles, os assistisse e instruísse na religião nos dias festivos, quem sabe não se poderiam manter afastados da ruína ou pelo menos nãodiminuiriaonúmerodosqueretornamaocárcere?Comuniqueiessepen-samentoaopadreCafasso,ecomoseuconselhoecomsuas luzespus-meaestudar a maneira de levá-lo a efeito.5

Com imaginação e generosidade, Dom Bosco cria um ambiente de aco-lhida, ricodequalidadeshumanas e cristãs, noqual os educadores estãopresentesentreosjovenscomproximidadeafetivaeefetiva.OOratóriodeValdocco torna-se a sua realização ideal e ponto de referência para o futuro, umautênticolaboratóriopedagógicodoSistemaPreventivo.

Nesse ambiente, Dom Bosco atua de fato uma proposta educativa com aqualdesejaprevenirasexperiênciasnegativasdosmeninosquechegamaTurimembuscadetrabalho,dosórfãosouaquelescujospaisnãopodemou não querem cuidar, dos vagabundos que ainda não se tornaram desones-tos.Essapropostaofereceaosjovensumaeducaçãoquedesenvolveosseusrecursosmelhores;fazrenasceraconfiançaemsieosentidodadignidadepessoal;criaumambientepositivodealegriaeamizadenoqualassumemquaseporcontágioosvaloresmoraisereligiosos; incluiapráticareligiosapropostaevividadetalmodoqueosjovensfiquemespontaneamenteen-volvidos por elas.Conscientedaimportânciadaeducaçãodajuventudeedopovoparaa

transformaçãodasociedade,DomBoscofaz-sepromotordenovosprojetossociais de prevenção e assistência; pense-se na relação comomundo dotrabalho,noscontratos,notempolivre,napromoçãodainstruçãoeculturapopular. Dom Bosco sabe que não basta mitigar a situação de insatisfação eabandonoemquevivemaquelesjovens(açãopaliativa);elesente-sele-vado a fazer uma mudança cultural (ação transformativa) por meio de um ambiente e uma proposta educativa que envolva muitíssimas pessoas identi-ficadascomeleecomasuamissão.

3 Elementos constitutivos do Sistema Preventivo de Dom Bosco

ComoviverhojeestamesmaexperiênciaespiritualeeducativaqueDomBoscoamadureceucomosjovensemValdoccoecomoinculturá-lanoslu-3 J.Bosco,MemóriasdoOratóriodeSãoFranciscodeSales,aoscuidadosdeA.daSilvaFerreira,Editora

Salesiana, São Paulo, 3a edição, 2005, p. 120.4 Idem, pag. 158. 5 Idem, pag. 121.

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garesmaisdiversosemqueserealizaamissãosalesiana?Ocaminhoéodeaprofundar e tornar operativos os seus elementos fundamentais, que indica-moshojeemnossalinguagemcomonomede“critériooratoriano”.

3.1 Centralidade e protagonismo dos jovens, sobretudo dos mais pobres

A educação inspirada na pedagogia de Dom Bosco coloca a pessoa dos jovensnocentrodaaçãoedoprojetoeducativo-pastoral,ouvindosuasvozes,identificando suas expectativas,desejos,desilusões e esperanças, acompa-nhando-osnabuscadoconhecimentodasprópriascapacidades,aumentan-dosuaconfiançanaspossibilidadesdedesenvolvê-laseseremprotagonistasdoprojetopessoaldevida.ColocarosjovensnocentrodaatençãoeducativaeapostólicaéumdoselementosmaisespecíficosdoricopatrimônioespiritualqueDomBos-conosdeixou.Eatarefaquenoséconfiadaédelevá-loatodasasculturasaon-denósvamosetrabalhamose,aonde,comfrequência,osjovensnãocontam.6

Épreciso,sobretudo,fazeraopçãoemfavordosjovensmaispobreseem situação de risco, individualizando as suas situações de insatisfação visível ouoculta,apostandoemseusrecursospositivos,quetambémosmaisdes-troçadospelavidapossuem,empenhando-setotalmentepelasuaeducaçãoe evangelização.QuantomaisconheçoaCongregaçãoespalhadanoscincocontinentes,

mais percebo que nós Salesianos procuramos ser fiéis a esse critério fun-damentaldeestarpróximosesolidárioscomosmaiscarenteseverasre-alidades juvenisquea sociedadenãoquer ver;por exemplo,osmeninosderua,osadolescentessoldados,ascriançasoperárias,ojovensexploradospelomalditoturismosexualetc.Cresceuentrenósasensibilidadeparacomosmaispobres;otrabalhodospioneirosque,àsvezes,trabalharamcomo“livresbatedores”,foiassumidopelainstituição;sobretudo,todosestãoad-quirindoumamentalidadequenospermiteestarondequerquesejacomestachavedeleitura.

3.2 Cultura da preventividade

A urgência da preventividade, suas vantagens e sua importância vão-se impondocomdadossempremaisalarmantes;contudoassumi-lacomoprin-cípioeatuá-lacomeficácianãoé,emmuitoscontextos,coisagarantida.Aculturadapreventividadenãoéaculturaprevalente.Aocontrario!Todavia,aprevençãocustamenoserendemaisdoqueasócontenção

dosdesviosedarecuperaçãotardia.Defato,elapermiteàmaioriadosjo-vens viverem livres do peso das experiências negativas, que colocam em perigoasaúdefísica,oamadurecimentopsicológico,odesenvolvimentodaspotencialidades,afelicidadeeterna.Permite,também,queelesdesprendamasmelhoresenergias,aproveitemdemaneiraexcelenteos caminhosmaisqualificadosesólidosdaeducação,recuperem-sedesdeosprimeirospassosdiante de uma queda eventual.Estapedagogia“tendeaumaeducaçãonaconfiança,confiançanosjo-

vensdehojeeconfiançanofuturo,justamentequandoaaceitaçãodosdesa-fiosdamodernidadesetornairrenunciável”.Nassociedadesatuais,intensa-mentecompetitivasedificilmenteorientadasainvestimentosdeconfiança,corremosoriscodeseremsempremaisnumerosososmeninosejovenscon-denadosaficaràmargem,aterquesearranjarparasobreviversempodervalorizaroqueéreconhecidocomodireitodeles:saúde,instrução,trabalhoetc. Por isso, seguindo o ensinamento de Dom Bosco e mirando os direitos reconhecidosaosmenores,queremosempenhar-nosnapromoçãodaculturada preventividade.DomBosco estava convencido de que o coração dos jovens, de todo

jovem,ébom,queexistemgermesdebondadeatémesmonosjovensmaisdesgraçadosequeatarefadoeducadorsábioédescobri-lasedesenvolvê-las.É preciso, então, criar ambientes positivos nas obras educativas, com propos-tasqueestimulemoreconhecimentodessesrecursospositivos,promovamoseu desenvolvimento e abram ao sentido da vida e ao gosto pelo bem.BastariapensarnahistóriadeMiguelMagone,o“generaldopátio”,na

estação de Carmagnola; Dom Bosco oferece-lhe a amizade, depois omi-croclimaeducativonoOratóriodeValdocco,depoisaindaasuaorientaçãocompetente (“CaroMagone,gostariaquemefizessesumfavor,...quemedeixassesserporummomentodonodoteucoração”),atéfazê-loencontraremDeusosentidodavidaeafontedaverdadeirafelicidade(“Oh!quanto

6 P.ChávezVillanueva,OCG26:Umacartadenavegaçãoacaminhodojubileude2015namarcado“Damihianimas,ceteratolle”,DiscursodoReitor-MornoencerramentodoCG26,in“Damihianimas,ceteratolle”.Documentoscapitulares,Roma2008,pag.158(EditoraSalesiana,SãoPaulo,2008).

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soufeliz!”)etorná-lomodeloparaosjovensdeontemedehoje.Apreventi-vidade deve ser, portanto, a qualidade intrínseca e fundamental da educação quepodeassimanteciparosurgimentodesituaçõesehábitosnegativos,ma-teriais ou espirituais, e ao mesmo tempo multiplicar as iniciativas que orien-tamosrecursosaindasadiosdapessoaparaprojetosfascinanteseválidos.

3.3 Experiência comunitária

DomBoscocriounoOratórioumacomunidade,istoé,umafamíliaemque ele estava presente, um ambiente de encontro, de familiaridade, no qual osvaloreshumanose cristãoseramvividose causavamalegriaaté tornardesejávelapropostadasantidade.ParaDomBoscotodaobrasalesianadeveseruma“casa”,istoé,famíliaparaosjovensquenãotêmfamília;ambienteno qual se privilegiam as relações pessoais, a presença e o diálogo dos educa-doresentreosjovens,oprotagonismojuvenileavidadegrupo,comolugarprivilegiado de personalização.DomBoscofezdogrupoaopçãoqualificadoradasuapedagogia:ogru-

pocomolugarnoqualosjovensvivemabuscadesentidoeaconstruçãodaprópriaidentidade;espaçodecriatividadeeprotagonismo;escolaondeaprendemainserir-secomresponsabilidadenomundosocialenoterritório;mediaçãoprivilegiadadaexperiênciadeIgreja.Dessaforma,ogrupotorna-setambémambientedapartilhaediálogoentrejovenseadultos,noacom-panhamentorecíprocoenointercâmbiodeentregacontínua.

Esta experiência comunitária desenvolve um novo estilo de relação edu-cativacaracterizadapelaamabilidadequeéamormanifestadoevividonamedidadojovem,particularmentedomaispobre;amorexpressopormeiodegestosdefamiliaridadequemanifestamogostoeodesejodeestarcomosjovenseparticipardavidadelesedassuasiniciativas;amizadequeabreocoraçãodojovemàconfiançaetornapossívelacomunicaçãoeducativaque sabe falar ao coração, tocar a profundidade da consciência, infundir se-gurançainteriornosjovensesustentaroesforçodoseucrescimentohumanoe cristão.Paraoeducadorsalesiano,o“lugareducativo”fundamentalnoqualele

viveestaexperiênciacomunitáriaéopátio,oambienteda iniciativaedacriatividadejuvenil,doseuprotagonismoeespontaneidade.Neleoseduca-

dores têm a tarefa de participar, favorecendo a criatividade e o protagonismo juvenil,oferecerumapalavradeencorajamentoemotivação,epromoveravidadegrupoeiniciativasculturais,sociaisereligiosassignificativas.

3.4 Projeto educativo integral

Dom Bosco quer dar uma resposta integral às necessidades e expectativas dosseusjovens;oferece-lhesumacasaparaacolhê-losefazercomqueexpe-rimentemocalordafamíliaquefaltaamuitosdeles;garanteparaelesumespaço, o pátio, no qual possam exprimir espontaneamente suas energias devidaeseudesejodefelicidadeeamizade;preocupa-secomaformaçãoculturaldeleseasuapreparaçãoparaotrabalho,pormeiodoqualpodemolharcomconfiançaoseufuturoe inserir-secomresponsabilidadenaso-ciedade;propõe-lhesaformaçãocristãeumaexperiênciaadequadadefé,quefazavidacristãatraenteesignificativa.Essapropostaeducativatorna-severdadeirocaminhodeevangelizaçãoelevaosjovensaexperimentaremaalegriadavidacristãatéametadasantidade.7

Aoseguiressemesmocaminho,osSalesianosassumemaeducaçãocomoseucampoespecíficodeevangelização;ouseja,anunciamJesusCristoele-vamosjovensàvidacristãplenapormeiodeumcaminhodedesenvolvi-mentohumanointegralquepartedasituaçãoemqueosjovensseencon-tram,apoiam-seemseusrecursosinterioresegarantemoacompanhamentopaciente do seu crescimento humano e cristão. A educação e a evangeli-zação,vividasentãoemestreitarelação,constituemumcaminhoúnicodedesenvolvimento integraleenriquecem-se reciprocamente,comoafirmaoPapa Bento XVI: Efetivamente,semeducaçãonãoháevangelizaçãoduradouraeprofunda,nãohácrescimentonemamadurecimento,nãoaconteceumamudançadementali-dade e de cultura.8

A proposta de educação integral torna-se sempre mais difícil de atuar numa sociedade laicista que apresenta uma visão redutiva e instrumental da

7 Cf. CG 26 n. 25.8 BENTOXVI,CartaaoP.PascualChavezVillanueva,Reitor-MordosSDBporocasiãodoCapítuloGeral26,in“Danihianimasceteratolle”Documentoscapitulares,pag.110,(EditoraSalesiana,SãoPaulo,2008).

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pessoahumana.Exige-se,pois,queacomunidadeeducativo-pastoralintei-raaassumacomcoragemeseempenheporcuidarcomatençãoespecialdodesenvolvimentodosvaloreshumanosesociaispresentesnasociedade,superando decididamente o desequilíbrio nela presente entre liberdade e verdade,liberdadeesentidoético,podereconsciência,progressotecnoló-gicoeprogressosocial.Elaéchamadaadialogarcomosdiversosuniversosculturaisvividospelosjovenseavalorizarasgrandesenergiasdehumani-zaçãoqueafécristãtemparaocrescimentopessoalesocialdosjovenseatransformação da sociedade.

3.5 Visão cristã da pessoa e da vida

Ébemconhecidaasituaçãodeindiferençaàrealidadereligiosaemquecresceamaiorpartedosjovenseuropeus.Essaindiferençatemumaextra-ordináriarelevânciacultural.Aexperiênciareligiosaéapresentadacomto-nalidades negativas, como fenômeno de infantilismo, realidade que gera sentimento de culpa, obstáculo para o desenvolvimento pleno da pessoa, do progressocientíficoedapazsocial;porisso,tende-seareduziraexperiênciareligiosa à esfera do privado.

Basta debruçar-se sobre o mundo da literatura e do cinema. É difícil en-contrarnosúltimosdecêniosounasobrasmaisrepresentativasoudesuces-soalgumaproduçãocujosprotagonistasrecebamdocristianismoinspiraçãopara a vida ou para a dignidade da sua existência.Essamentalidadevai-seestendendotambémaoutroscontextossociaise

culturaisnosquaissevêsempremaiscomdesconfiançaapresençapúblicadareligião,sobretudodocristianismocomofatosocialoudafécristãcomoexpressão de vida.Airrelevânciadafénaculturaenavidafazcomqueosjovenssetornem

indiferenteseestranhosaomundoreligioso,tornainsignificanteaquestãosobre Deus, esvazia de sentido a linguagem religiosa e põe em perigo o valor absolutodosmesmosdireitoshumanos,deixando-osmuitasvezessubalter-nos ao interesse econômico ou ao poder político.

O educador segundo o coração de Dom Bosco está consciente de que a educação do Sistema Preventivo se fundamenta numa visão cristã da pessoa edavida;eleestáconvencidodequeariquezamaisprofundaesignificativa

dapessoaéasuaaberturaaDeuseasuavocaçãodefilhodeDeus.Porisso,eleprocuradespertarouaprofundarnosjovensaaberturaaosentidoreligio-so da vida, desenvolver a capacidade de descobrir na realidade cotidiana os sinais da presença e ação de Deus, comunicar a convicção da profunda coe-rênciaentreaféeosvaloreshumanosdesolidariedade,liberdade,verdade,justiça,paz.ElecrêqueoEvangelhoassumeassuasexpressõesautênticas,regeneraosaspectoshumanamentefrágeiseosenriquece,abrindoaohori-zonte de Deus.

3.6 Projeção social da ação educativa

ParaDomBoscoera importanteocuidadodos jovensquevinhamaoOratório,mas era igualmente importante para ele a preocupação de ir àprocuradetodososqueficaramfora.Preocupava-secomodesenvolvimentodapessoaatéoseuplenoamadurecimentohumanoecristão,mastambémsepreocupavacomatransformaçãodasociedadeatravésdaeducaçãodajuventude.Conscientedaimportânciadaeducaçãodajuventudeedopovoparaa

transformaçãodasociedade,DomBoscofaz-sepromotordenovosprojetossociais de prevenção e assistência; pense-se na relação comomundo dotrabalho,noscontratos,notempolivre,napromoçãodainstruçãoeculturapopular por meio da imprensa.AsociedadequeDomBoscotinhaemmenteeraumasociedadecristã,

construídasobreosfundamentosdamoraledareligião.Hoje,avisãodeso-ciedade transformou-se: vivemos numa sociedade secular, construída sobre osprincípiosdaigualdade,daliberdade,daparticipação;apropostaedu-cativasalesiana,porém,conservaasuacapacidadedeformarumcidadãoconscientedesuasresponsabilidadessociais,profissionais,políticas,capazdetrabalharpelajustiçaepromoverobemcomum,comsensibilidadeespecialepreocupaçãopelosgruposmaisfrágeisemarginalizados.Deve-setrabalhar,portanto,pelamudançadecritériosedavisãodevida,pelapromoçãodaculturadooutro,deumestilodevidasóbrio,deumaatitudeconstantedegratuidade,delutapelajustiçaeadignidadedetodavidahumana.A fimde realizar esse projetoDomBosco envolve círculos amplos de

pessoas,sonhaummovimentovastocomoomundocomacolaboraçãoe

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complementaridade das pessoas de boa vontade interessadas na educação dosjovensenofuturodasociedade.

Por isso, toda obra salesiana deve ser pensada sempre como centro de acolhidaeconvocaçãodomaiornúmeropossíveldepessoas,quesetornesempremaisnúcleoanimadorcapazdealargar-separaoexterior,envolven-dodeformasemodosdiversostodososquedesejamtrabalharpelapromo-çãoeasalvaçãodosjovens.

Essa qualidade social da educação salesiana poderá encontrar ainda mais claracompreensãoerealizaçãonoempenhopelapromoçãodosdireitoshu-manose,demodoparticular,daquelesdosmenores;e issocomocaminhoprivilegiadoderealizaçãonosdiversoscontextosdotrabalhodeprevenção,dodesenvolvimentohumanointegral,daconstruçãodeummundomaisjustoe,pari passu, para inserir a nossa pedagogia nas diversas culturas do mundo.

4 A promoção dos Direitos Humanos, principalmente dos menores

Somosherdeiroseportadoresdeumcarismaeducativoquetendeàpro-moção de uma cultura da vida e à mudança das estruturas. Por isso, temos o deverdepromoverosdireitoshumanos.AhistóriadaFamíliaSalesianaeasuarapidíssimaexpansãotambémemsituaçõesculturaisereligiosasmuitodistantesediversasdaquelasqueviramoseusurgimento,testemunhacomoo Sistema Preventivo de Dom Bosco seja uma porta de acesso garantidoparaaeducaçãojuvenildequalquercontextoeumaplataformadediálogopara uma nova cultura dos direitos e da solidariedade. Como Salesianos, a educaçãoaosdireitoshumanos,principalmentedosmenores,éocaminhoprivilegiadopararealizar,nosdiversoscontextos,otrabalhodeprevenção,desenvolvimentohumano,construçãodeummundomaishonesto,maisjus-to,maissaudável.Alinguagemdosdireitoshumanospermite-nostambémodiálogo e a inserção da nossa pedagogia nas diferentes culturas do mundo.9

4.1 Promover os direitos humanos como educadores

Diantedetantassituaçõesproblemáticasvividaspelosmeninosejovensemtodasaspartesdomundo,somoschamados,aexemplodeDomBosco,a estar ao lado deles para defender a sua dignidade e garantir para eles um futuro digno e positivo.Onossoempenhonapromoçãodosdireitoshumanos,principalmente

dosmenores,deveiralémdopuroassistencialismo,mesmoseàsvezesso-mos obrigados a cobrir situações de emergência, sem nos limitarmos à defe-sa dos seus direitos, quando são violados ou esquecidos. Devemos assumir o empenhoprópriodoeducadorquebuscaocrescimentopessoaldojovemedajovemeoseudesenvolvimentointegral,conscientesdasuadignidadeeresponsabilidade.DomBoscosentiu-seenviadoporDeuspara responderaoclamordos jovenspobres e intuiu que, se era importante dar respostas imediatas ao seu sofrimen-to, era ainda mais importante prevenir suas causas. A seu exemplo, queremos ir aoencontrodeles,convencidosdequeaaçãopreventivaéjustamenteomodomaiseficazderesponderàssuaspobrezas.10

Emváriasdeminhasintervenções11 procurei demonstrar que a educação éocaminhoprivilegiadoparaessaaçãopreventivaerenovadoradasmúlti-plassituaçõesdeinsatisfaçãoemarginalizaçãoquealcançamosjovenseasjovensnomundo.ApresenteioSistemaPreventivodeDomBosco,sobretudonumaóticadeaceitaçãoconscientederesponsabilidadesporpartedoedu-cando,quesetransformadeobjetodeproteçãodevidoàssuasnecessidades,emsujeitoresponsávelquetemseusdireitosereconheceosdireitosalheios,preparandoassimnojovemdehojeocidadãodeamanhã.

O Sistema Preventivo procura prevenir o mal por meio da educação, masaomesmotempoajudaosjovensareconstruíremaprópriaidentidadepessoal, revitalizarem os valores que não conseguiram desenvolver, elabo-raredescobrir,justamentepelasuasituaçãodemarginalização,razõespara

9 Osdireitoseconômicos,sociaiseculturaisforamsancionadosna“Declaraçãouniversaldosdireitosdohomem”daONUem1948.Nosanossucessivosforamaprovadososdireitosdospovosàautode-terminação,àpaz,aodesenvolvimento,aoequilíbrioecológico,aocontroledosrecursosnacionais,àdefesaambiental.Háosdireitosrelacionadosaorespeitodohomem,àsmanipulaçõesgenéticas,àbioéticaeàsnovatecnologiasdecomunicação.Hátambéma“ConvençãodaONUsobreosdireitosdascriançasedosadolescentes”,adotadapelaAssembleiaGeraldasNaçõesUnidasem20denovem-brode1989eratificadaatualmentepor192Estados.

10 CG 26, 98.11Cf.P.CHÁVEZ,Primachesiatroppotardisalviamoiragazzi,ilfuturodelmondo,IntervençãonoCa-pitólio,Roma27denovembrode2002,porocasiãodacomemoraçãodafundaçãodoBorgoRagazziDon Bosco.

P.CHÁVEZ,Daredipiùachihaavutodimeno.Unripensamentoeducativoperilcambioculturale,EncontroCISIsobreamarginalizaçãoeinsatisfaçãojuvenil,Frascati29dedezembrode2004.

P. CHÁVEZ, Educazione e cittadinanza. Formare salesianamente il cittadino. ‘Lectio magisterialis’ para aLáurea‘honoriscausa’daUniversidadedeGênova.23deabrilde2007.

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viver com sentido, alegria, responsabilidade e competência. Tal Sistema crê tambémdecididamentequeadimensãoreligiosadapessoaéasuariquezamaisprofundaemaissignificativa;porisso,procuraorientartodojovemàrealizaçãodavocaçãopessoaldefilhodeDeuscomofinalidadeúltimadetodas as suas propostas.Fiéis,portanto,aessaherançapreciosa,devemosempenhar-noscomo

educadoresnapromoçãoedefesadosdireitoshumanosedosdireitosdosmenores, preocupados, sobretudo, pelo desenvolvimento integral da pes-soadosjovens.ConvémrecordarochamadourgentequeeumesmoenósSalesianos do mundo inteiro, reunidos no Capítulo Geral 25, de 2002, en-dereçamos aos responsáveis e interessados pelo futuro da humanidade eprincipalmentedosjovens:Estamoscomos jovensporqueconfiamosneles,confiamosemseudesejodeaprender,deestudar,desairdapobreza,deassumiroprópriofuturo.(...)Somospelosjovensporqueacreditamosnovalordapessoahumana,napossibilidadedeummundodiferentee,sobretudo,nograndevalordoempenhoeducativo.(...)Educarosjovenséoúnicomododeprepararumfuturopositivoparatodoomundo!12

4.2 Promover a cultura dos direitos

Aeducaçãopropõe-setambémoobjetivodeconstruirumaculturadosdireitoshumanos,capazdedialogar,persuadire,emúltimainstância,preve-nir as violações dos mesmos direitos, mais do que puni-las e reprimi-las.

A pobreza e a marginalização não são um fenômeno meramente econô-mico,masumarealidadequetocaaconsciênciadaspessoasedesafiaamen-talidadedasociedade,istoé,acultura;éprecisopassardaculturadoter,doparecer,dodominar,àculturadoser,dagratuidadeedapartilha.Nestepontoquero me referir às palavras do Papa Bento XVI em seu discurso de abertura daVConferênciaGeraldoCELAMemAparecida(Brasil).DiziaoPapa:Comoresponderaograndedesafiodapobrezaedamiséria?(...)Tantoocapita-lismocomoomarxismoprometeramencontrarocaminhoparaacriaçãodees-truturasjustaseafirmaramqueestas,umavezestabelecidas,funcionariamporsi

mesmas;afirmaramquenãosónãoteriamtidonecessidadedeumaprecedentemoralidadeindividual,mastambémquefomentariamamoralidadecomum.Eestapromessaideológicademonstrou-sefalsa.Osfatosocomprovam.Osistemamarxista,ondegovernou,deixounãosóumatristeherançadedestruiçõeseco-nômicaseecológicas,mastambémumadolorosaopressãodasalmas.Eomes-movemostambémnoocidente,ondecresceconstantementeadistânciaentrepobres e ricos e se produz uma inquietadora degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e as sutis ilusões de felicidade.Asestruturasjustassão,comojádisse,umacondiçãoindispensávelparaumasociedadejusta,masnãonascemnemfuncionamsemumconsensomoraldasociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valorescomasnecessáriasrenúncias,inclusivecontraointeressepessoal.OndeDeusestáausente,oDeusdorostohumanodeJesusCristo,estesvaloresnãose mostram com toda a sua força, nem se produz um consenso sobre eles. Não quero dizer que os não-crentes não podem viver uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus está ausente nãoencontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver se-gundoapautadestesvalores,tambémcontraosprópriosinteresses.13

OSistemaPreventivoeoespíritodeDomBoscochamam-noshojeaumdecididoempenhoindividualecoletivo,voltadoatransformarasestruturasda pobreza e do subdesenvolvimento e, sobretudo, a promover os valores morais que garantem a renovação das mentalidades e das atitudes que es-tãonabasedas situaçõesde injustiça.Queremos,pormeiodaeducação,promover a cultura do outro, da sobriedade no estilo de vida e de consumo, dadisponibilidadeacompartilhargratuitamente,dajustiçaentendidacomoatençãoaodireitodetodos;éestaaculturadadignidadedavida,dotraba-lhosolidário,daaberturaàTranscendência.

4.3 Algumas exigências

Apromoçãodosdireitoshumanosedosdireitosdosmenoresdeveserem nossas mãos um poderoso instrumento de educação e transformação

12 Cf. CG25, n. 140.13 BENTO XVI, Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe,

Aparecida, 13 de maio de 2007, n. 4.

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cultural. Isso requer que se cuide de algumas exigências importantes que garantamesseempenho.

Uma releitura salesiana dos direitosCada um de nós que, como educador e educadora, escolheu a visão

antropológicacristã,amesmavisãoqueinspirouDomBosco,deveserumdefensor e promotor dos direitos humanos e dosmenores. A esta altura,pode-nos ajudar uma releitura salesiana dos princípios postos como seusfundamentos. Eis alguns elementos dessa leitura, sobretudo em relação aos direitos dos menores.• Integridadedapessoaeaplicaçãodoprincípiode indivisibilidadee

interdependência de todos os direitos fundamentais da pessoa: civis, culturais, religiosos, econômicos, políticos e sociais.

• “Desejoquevocêssejamfelizesagoraesempre”eaaplicaçãodoprin-cípiododesenvolvimentohumanointegral,desenvolvimentoque,navisãoholísticadaConvençãodosdireitosdosmenores,compreendeos aspectos físicos, mentais, culturais, espirituais, morais, sociais, polí-ticos.Nãobastaumalógicadeassistênciaoudegarantiadasobrevi-vência;éprecisoofereceraosmenoresoselementosnecessáriosparao seudesenvolvimentoadequadoepleno; issonosempenhaadaratenção às situações que, de fato, limitam essa integridade na dinâmi-ca cotidiana do processo educativo.

• O“umporum”eoprincípiodo interesse superiordacriança.EsteprincípiodaConvençãosublinhaanecessidadedeconheceradequa-damente cada situação e cada aspecto da vida da criança e saber valo-rizarasopiniõesdosmenoresparaescolhereorientarasintervençõeseducativas para o seu verdadeiro bem. Essa atenção à situação concre-tadojovemébasilarnapráticadoSistemaPreventivo.

• Centralidadedomenor como sujeito ativo e o princípio dapartici-pação. Ouvir, envolver, tornar os menores participantes nas questões quesereferemàvidadeleséocaminhopararesponsabilizá-loscomomembrosdasociedadeemquevivemepotencializarsuashabilidadessociais.Comesseespírito,devem-sereverasformasdeacolhidaepar-ticipação dos menores em nossos programas e atividades educativas.

• O“bastaseremjovensparaqueeuosamemuito”eaaplicaçãodoprincípiodenãodiscriminação. Isso se conjuga coma identificação

dosdestinatáriosprivilegiadosdamissãosalesiana:osjovensmaispo-bres e desfavorecidos, aqueles que correm o risco de serem margina-lizados,osportadoresdedeficiência,osrefugiados,osimigrantes,osabandonados,osjovensvítimasdeabusosetc.Nestesentido,deverí-amos favorecer a participação e o protagonismo dos mais frágeis nos ambientes educativos, nas atividades propostas, nos diversos tipos de grupos etc.

Uma renovada opção de partilha comunitáriaOcarátercomunitáriodaexperiênciapedagógicasalesianaexigetraba-

lharsempreemgrupo,comocomunidadeeducativa.Nãoépossívelfazertudosozinho,comopioneiros,oumover-sedemodoautorreferencial.Sóemcomunidadeépossívelgarantirascondiçõesdeumambienteedeumaação realmente educativa. Urge desenvolver a mentalidade de rede, quer entreasdiversasrealidadesdaCongregação,quercomosdemaissujeitosque têm a peito a educação e a vida dos menores. Transformar a socieda-de a partir de dentro, realizando a nossa missão educativa, exige desper-tarnovasenergiasculturaisesociais,superarsituaçõesdeclara injustiça,apelar para as responsabilidades sociais de todos. Como Salesianos, com os nossosmúltiplos recursos e com o nosso rico patrimônio espiritual epedagógico,temosumaimportanteresponsabilidade.Devemossernúcleoanimador e centro de convocação de todos os que estão dispostos a assu-mirsolidariamenteotrabalhoeducativosegundooestilodeDomBosco.Compartilharadefesadosdireitoshumanosedosmenorespodeserumaforte motivação para garantir solidez a essa colaboração e sustentar o duro esforço cotidiano.

Uma renovada intencionalidade pastoralAfimdegarantiraeficáciadocaminhodosdireitoshumanosnaação

educativo-pastoral salesiana deve-se amadurecer a convicção da relação irre-nunciável entre educação e evangelização.

Deve-se recordar que a evangelização sempre se desenvolveu com a promoção humanaeaautênticalibertaçãocristã.AmaraDeuseamaraopróximofundem-seentresi:nomaishumildeencontramosJesusmesmoeemJesusencontramosDeus (cf.Deus caritas est15).Poressemotivo, será tambémnecessáriaumacatequesesocialeumaadequadaformaçãonadoutrinasocialdaIgreja...Avida

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cristãnãoseexprimesomentenasvirtudespessoais,mastambémnasvirtudessociais e políticas.14

A ação salesiana compreende sempre a preocupação pela salvação inte-graldapessoa:conhecimentodeDeus,comunhãofilialcomElepormeiodaacolhidadeCristo,mediaçãosacramentaldaIgreja.Tendoescolhidoajuven-tudeeosjovenspobres,osSalesianosaceitamospontosdepartidanoqualosjovensseencontrameassuaspossibilidadesdefazerumacaminhadaparaafé.Emtodainiciativaderecuperação,educaçãoepromoçãodapessoa,anun-cia-se e realiza-se a salvação que será ulteriormente explicitada na medida em queossujeitossetornemcapazesdela.Cristoéumdireitodetodos.Deveseranunciado sem forçar os tempos, mas sem deixá-los passar em vão.Justamente a referência a Cristo, o Homem novo, pode-nos ajudar a

repensaroempenhodapromoçãodosdireitoshumanosedaeducaçãodosjovensmaispobreseemsituaçãoderisco,fazendo-noscompreenderametadarealizaçãointegraldavidahumana.OconfrontocomJesusdeNazaré...nãodeixaoutrapassagem,alternativaousu-cessivaàquelaparaaqualestãoacaminhooshomensempenhadosnapromo-çãodosdireitoshumanos.Repensa-aereformula-anaverdadedoserhomemoumulhernoprojetodeDeus.15

À maneira de conclusão

Permitam-meconcluircomopequenopoemadeGabrielaMistral,breve,mascheiodesentidoprofético,quedáarazãodoporquehoje,maisdoquenunca,sedevafalarde“emergênciaeducativa”ecomohoje,maisdoquenunca,ocaminhodesaídaestejanocoraçãodeDomBosco:HisNameis“Today”Weareguiltyofmanyerrors,ofmanyfaults,Butourworstcrimeisabandoningthechildren,Neglectingthefountainoflife.Manyofthethingsweneedcanwait.

Thechildcannot.Rightnowisthetimehisbonesarebeingformed,Hisbloodisbeingmadeandhissensesarebeingdeveloped.Tohimwecannotanswer“Tomorrow”.Hisnameis“Today”.16

(GabrielaMistralNobelPrize-winningpoetfromChile)

14 BENTO XVI, Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe, Aparecida, 13 de maio de 2007, n. 3.

15 R. TONELLI, Uma pastorale giovanile attenta ai diritti umani?. Note di Pastorale Giovanile, 37 (2003) 1, p. 5.

16Seunomeé“hoje”.Nóssomosculpadosdemuitoserros,demuitasfalhas,masnossocrimemaiorestánoabandonodascrianças,negligenciandoafontedavida.Muitasdascoisasdequenósprecisamospodem esperar. A criança não pode. É agora o tempo em que seus ossos estão recebendo forma, seu sangueestásendofeitoeseussentidosestãosendodesenvolvidos.Aelenósnãopodemosresponder“amanhã”.Seunomeé“hoje”.

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Os valores mais significativos do Sistema Preventivo

Jean-Marie Petitclercsalesiano, atual diretor da comunidade

Domingos Sávio, de Lyon, França

Nãopodemosesquecerquemuitasvezesaviolênciaé,defato,omodomaisnaturaldeadministrarumconflito,deexprimirumaraiva.Nãoénatu-ral,porém,masfrutodaeducação,oconvívio,apaz,oestabelecimentoderelaçõesrespeitosasdiantedequemédiferentedenós.

O problema prioritário que as nossas sociedades modernas devem en-frentaréaeducação.Esta foia intuiçãodeDomBosconoséculo19.Re-cordemos as palavras que ele pronunciou em Paris em sua viagem triunfal de1883:“Nãodemoreisemocupar-vosdosjovens,casocontrárioelesnãotardarãoemocupar-sedevós!”Nosperíodoscaracterizadospela incertezaeaperdadeconfiançanas

instituições tradicionais, a autoridade do educador baseia-se não tanto no mandatoquantonasuacredibilidadeperanteosjovens.Eraessaaconvicçãode João Bosco, que fundamenta todo o seu Sistema Preventivo na qualidade darelaçãoadulto-jovem.Éesseoeixoprincipaldoprojetopedagógicodo“Valdocco”naFrança,queatuaaçõesdeprevençãoentreosjovensemdifi-culdadedasperiferiasdePariseLyon.Nãonosesqueçamosdequehoje,comonostemposdeDomBosco,os

elementoscaracterizadoresdajuventudesãotrês:• perdadeconfiançadiantedosadultos• angústiaquantoaofuturo• dificuldadesencontradasduranteoprocessodesocialização.Os elementos fundamentais do Sistema Preventivo, que continua a ser

tãosignificativonestestemposdecrise,são:restabeleceropapeldaautori-dademedianteaelaboraçãodeumarelaçãoeducativabaseadanaconfian-ça,sertestemunhasdeesperançaafimdepermitiraojovemprojetar-separao futuro, fazer com que se façam experiências educativas de convivência entrejovenseadultos,colocando-nosemjogonessaaliança.Detenhamo-nosagoranessestrêsvaloresdapedagogiasalesiana:con-

fiança,esperança,aliança.

1 A Pedagogia da Confiança

Semconfiançanãoháeducação.EsteéoprincípioqueestánabasedosistemaeducativodeDomBosco.Sósepodefundamentaroconceitodeau-toridadeatravésdeumarelaçãodeconfiançaentreojovemeoeducador.

Introdução

OSistemaPreventivodeDomBoscoaindaseráatualparaumajuven-tudeque,emnossassociedadesmodernas,vivecomdificuldadeaprópriacondição?Algunsentrenossoseducadoressãocéticosquantoàideiadeumeducadordoséculo19,epadre,sercapazdedar,dopontodevistapedagó-gico, uma resposta adequada neste momento.Asituaçãosocioeconômicadosnossospaísesnoalvorecernoséculo21

étãodiversadaqueladeTurimnoséculo19,contudoasduasépocassãocaracterizadasporumelementocomum,queéodeserumasociedadeemcrise. Nos tempos de Dom Bosco passava-se da sociedade agrícola à indus-trial, da sociedade rural à urbana, da sociedade monárquica à republicada. Hoje,tambémvivemosumperíododecrise,marcadopormudançasimpor-tantesnoplanoeconômico,tecnológicoecultural.Estamosaentrarnumasociedadequeoseconomistasesociólogosqualificamdepós-industrialoupós-moderna.E,comoemtodasasépocasdecrisesocial,oproblemacrucialétransmitirpontosdereferência:osproblemasdosjovenssãosempremaisevidentes,sobretudoosligadosaosfenômenosmigratórios.

Todos os períodos de profunda mutação são marcados por fortes turbu-lênciasparaosjovensqueseinterrogamsobreoprópriofuturo,sobretudoos que são psicologicamente mais frágeis e, entre estes, os que vivem em situações de exclusão social.

A intuição genial de Dom Bosco, que continua muito atual na socieda-dedehoje,consistiuemsaberdecodificarosfenômenosdeviolênciaqueobservavanasperiferiasdeTurimcomosintomasevidentesdadeficiênciaeducativa.

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Os estudos atuais, centrados no tema da capacidade de se recobrar fa-cilmente,confirmamqueacapacidadedetransformaçãodeumjovemca-ído em comportamentos recidivos está ligada ao encontro com um adulto quesoubedirigirparaeleumolhardeconfiança,libertando-odoprópriopassado.Comoinstauraressaconfiança?DomBosco,longederecomendaruma

técnicaeducativa,respondeapenas“comoafeto”.Éeleoeducadordosé-culo19que,depoisdetodasascorrentespedagógicashiper-racionalistasdoséculodasluzes,reabilitouaesferaafetivanointeriordarelaçãoeducativa.Aexperiênciaensinaqueaesferaafetivaéconstitutivadequalquerre-

laçãohumana.Dessaforma,emvezdeexcluí-lanointeriordarelaçãoedu-cativa,eleaconselhaaoeducadorasabê-laadministrarpara instaurarumclima de confiança. “Sem afeto não há confiança. Sem confiança não háeducação”.Éessa,hojecomoontem,amelhorsíntesedopensamentoedu-cativo de Dom Bosco.Umaeducaçãobaseadanaconfiançaéumaeducaçãobaseadanarazão.

Oeducadoragedemaneirarazoável,convencidosempredequeojovemédotadoderazão,capazdecompreenderondeestãoosseusinteresses.OSistema Preventivo baseia-se nessa convicção.Qualquerque sejao comportamentodeum jovem,porquanto inade-

quadoeerradopossapareceràprimeiravista,emsetratandodeumjovemenvolvido na deliquência, na dependência das drogas, ou em outros tipos de comportamentos de risco, ele sempre tem algumas razões para adotar deter-minadocomportamento.Nãodigo,comcerteza,queeletenharazão,poispode fazer mal a si mesmo e aos outros, mas tem as suas razões. E, enquanto oeducadornãotiverdecifradoessasrazões,éjustamentearespostadoedu-cadorquecorreoriscodesererrada,insuficienteouinadequada.

Há, como nos diz Dom Bosco, dois modos de educar uma criança:• a dissuasão, que é o método repressivo, fundado no medo da

punição,• apersuasão, que é ométodopreventivo, inteiramente fundadonorespeitodosdireitoshumanosdacriança.

Aeducaçãofundadanaconfiançabaseia-senumafésólidanaeducabi-lidadedacriança,quaisquerquesejamasdificuldadesqueacercam.Crernos jovenssignificater todojovem,qualquerquesejamassuaspobrezas,como uma oportunidade de crescimento para o grupo e não como um peso.

Defato,abempensar,ésempreojovememdificuldadequefazoeduca-dorprogrediremsuaartepedagógica:ojovemobriga-oaquestionar-se,acolocar-secontinuamenteemjogo.

2 A Pedagogia da Esperança

A tese transmitida por Dom Bosco aos seus discípulos merece ser com-preendida:“Osalesianojamaisselamentadoprópriotempo”.Nãosetratade lamentar-se,masdeajudaros jovensautilizarem todosos vetoresdoprogressoparaumasociedademaisjusta,maisfraterna,maisvivível.

É muito importante nas situações que vivemos ensinar à criança, ao ado-lescente, saber admirar-se diante da beleza, do progresso! É preciso, cer-tamente, colocá-lo em guarda quanto aos possíveis desvios do uso incon-venientedoprogresso.Masdeve-seteratençãoparaqueaocolocá-loemguarda não se bloqueie nele a faculdade de admirar-se diante do que vai surgindo.“Fazmaisbarulhoumaárvorequecaidoqueumaflorestaquecresce”,

dizoprovérbioafricano.Étempo,paraomoraldosnossosjovens,denãooprimi-los constantemente com o rumor das árvores que caem, o que a mí-dia faz largamente, mas sabê-los abrir à beleza da germinação. É esta aten-çãoaoprocessodegerminaçãoquecaracterizaoolhardeDomBoscosobreosjovens.Ahistóriadasemente,chamadaaserumagrandeárvore,ésemdúvidaamaisbelaparábolasobreaeducação.Hátrêscategoriasdehomensemulherescomparáveisàsemente.Pri-

meiramente,háosquenãoveemna sementeoutra coisaquea semente(perspectivalimitada!).Depois,háosqueaoverasemente,nãofazemoutracoisasenãosonharaárvore(masosgrandes idealistas, sonhando,corremogranderiscodedestruirasemente).Enfim,osqueveemarelaçãoentreasementeeaárvore.Estes,então,ficamatentosaoterreno.Educarsegun-doDomBosco,significaofereceromelhorterrenoparapermitiràcriançaenraizar-senaherançafamiliar,social,cultural,comafinalidadedeabrir-secomonovosujeito.Eéaalegria,sempresegundoDomBosco,quemelhorcaracterizaum

terreno. Grande parte da arte educativa consiste em saber instaurar ao seu redorumclimadepazedealegreserenidade.Aalegriaénecessáriapara

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odesenvolvimentodacriança.Umainfânciatristeéumacondenaçãoparanós.Parece-nosqueaalegriaéocomponenteessencialdoclimaeducativosalesiano. Entretanto, trata-se sempre menos de uma conquista (nada soa mais falso do que os comportamentos daqueles que são alegres por dever) e mais de um fruto: a alegria está sempre presente em superabundância na-queles que vivem na verdade e no amor.Vernojovemtantoacriançaqueaindaéquantooadultoqueéchama-

doaser;esteéoolhardeJoãoBoscosobreosjovens,aúnicamaneiraderespeitar o direito da criança a crescer. Não se trata nem de mantê-la para sempre em estado infantil, nem de considerá-la um adulto em miniatura.Desenvolverumprojetoque leveemcontaa criança, a sua realidade

atualeasuapotencialidadedoadultodeamanhã,significatanto“dar-lhesegurança”quanto“responsabilizá-lo”.Aartedopedagogosalesianoestánaarticulaçãosadiaentreessasduaslinhasdeforça.Aquilodequemaispadecemosjovensemdificuldadeéafaltadese-

gurança!Osbairrosdasnossascidadesondereinaamaiorinsegurançanãoserãotalvezaquelesnosquaisosjovenssesentemmaisinsegurosemrelaçãoaoprópriofuturo?Darsegurança...ésaberexprimirocaráter incondicionaldoafetoque

nosligaaojovem...Mas,aomesmotempo,ésertambémgarantidordeumconjuntoderegrasquepermaneçamapesardastentativasdetransgressãoda adolescência...Darsegurançaé,enfim,ajudarojovemafazermemóriadosucesso.O

dramademuitosjovensqueabandonamaescola,équeainstituiçãolhesensinaapenasarecordarafalência,eissogeraaperdadeconfiançaemsi,eaperdadeconfiançaemsilevadenovoàfalência.Essaespiralsópodeserrompidaaofazerexperimentarosucesso.Trata-

sesempredefocalizarosaberfazerdojovem,voltaraatençãosobreoqueele sabe fazer, convidando-o a progredir. Não será esta, quem sabe, a mensa-gem deixada por Dom Bosco ao narrar o primeiro encontro com Bartolomeu Garelli?Darsegurança,mastambémresponsabilizar,poissóseaprendeaserres-

ponsávelexercendoresponsabilidades.Muitosadolescentesdehojesofremjustamentepornãoteremapossibilidadedeexercerqualquerresponsabili-daderealnointeriordasociedade,eissoéparticularmenteverdadeparaosjovensemsituaçãodeexclusãosocial.Nãonosadmiremos,pois,dassuasati-

tudesdefuga!Omaiordramadaexclusãoestánosentimentodeinutilidadesocialqueelagera.Oqueumgrandenúmerodejovensprecisaénãotantoencontraradultosquelhesofereçamaprópriaajuda,masadultoscapazesdedizer:“Precisodevocê”.DomBoscogostavadedizeraosseusjovensnoboa-noite:“Semaajudadevocês,eunadapoderiafazer”.Desdeoiníciodasuaobraeducativa,eleteveaideiaderesponsabilizarosmaisvelhosemrelaçãoaosmaisjovens.

3 A Pedagogia da Aliança

Nummundomarcadopelatendênciadosjovensaviveremapenasentreelesepeladificuldadederelaçãoentreasgerações,DomBoscorecomendaa pedagogia da aliança.Nãosetratadefazerpara,mascomojovem,consideradonãosócomo

destinatário,mascompanheirodaaçãoeducativa.“Precisoquenosponha-mosdeacordo...”,eraoqueDomBoscogostavadedizernoboa-noite.Éesteo segredo de uma pedagogia fundada no respeito dos direitos da criança.Paraestabelecerumarelaçãodessetipocomosjovens,éprecisoqueo

educadorconsigaencontrarasuajustaposição.Eledeveestarsuficientemen-tepróximoparanãoserindiferente,esuficientementedistanteparanãoserconsiderado indiferenciado.

A arte educativa consiste essencialmente em conseguir encontrar o ponto deequilíbrioentreaboadistânciaeaboaproximidadeemrelaçãoaojo-vem.Umadasgrandesdificuldadeseducativas,porém–eisporquepareceseremDomBoscomaisartedoqueciência–,équeaboadistânciaeaboaproximidadeaestabelecercomosjovensdependemdecadaindivíduo.

Recordemos que o importante em termos de educação, e mais ainda em relaçãoaosjovensafetivamentecarentes,nãoéaintençãoquecolocamosnogesto,masapercepçãoqueacriançatemdela;issoexigefundamentalmenteda parte do educador uma grande prudência.DomBoscogostavaderepetiraosseuseducadores:“Nãobastaamaros

jovens;éimportantequeelessesintamamados”.Emoutrostermos,acoisaessencial,amaisimportante,éapercepçãodacriança.Estegrandeeduca-dor, considerado na tradição eclesial como “Pai eMestre da Juventude”,noséapresentadocomfrequência,noimagináriopopular,comostraçosde

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um equilibrista. Contudo, foi preciso certo tempo para compreender o peso dessa apresentação. Ela evoca, decerto, o período da adolescência, quando Joãozinho brincava de saltimbanco para reunir os amigos. Entretanto, hátambém uma representação simbólica: a arte de educar, não será talvez,como a arte do saltimbanco?Saberdizersim,mastambémsaberdizernão;estarsuficientementepró-

ximo,mas tambémsuficientementedistante;dar segurança,mas tambémresponsabilizar. Trata-se sempre de uma questão de equilíbrio.Éprecisoquesecriealiançanãosócomojovem,mastambémcomo

grupode jovens.Viverogrupo,nãocomopeso,mascomopossibilidade,em vista do processo de socialização. Diante do grupo, o educador tem às vezesatendênciadesóperceberasomadasrelaçõesindividuais,enquantosetratadefazerinteragirosmembrosdogrupoentresi.JoãoBosco,homemde inegável talento de ator, sabia tornar-se aliado do grupo e ver a dinâmica do grupo não como elemento de peso, mas instrumento para desenvolver a responsabilidade de uns em relação aos outros. Pensemos de modo particu-larnaherançadasCompanhias.Trata-se,enfim,detambémconstruirumaaliançaentreosadultosenvol-

vidosnaeducaçãodojovem.Naúltimacartaenviadaaosdiretoresantesdamorte, Dom Bosco mostrou-se muito atento à qualidade das ligações entre osmembrosdacomunidadeeducativa.Oprimeirodireitodacriançaé,semdúvida,acoerênciadosadultosquecaminhamcomelaemseuitineráriodecrescimento. É frequente estabelecer uma ligação entre o nível de violência de uma criança ou de um adolescente e o nível da incoerência dos adultos queosacompanham!

Conclusão

ConcluoemprestandoaspalavrasdeJeanDuvallet,antigocompanheirodoAbbéPierre,queassimsedirigeaosjovenssalesianos:Vocêstêmobras,colégios,oratóriosparajovens,masumúnicotesouro:ape-dagogia de Dom Bosco. Arrisquem tudo o que são apenas meios, mas salvem apedagogia.Vinteanosdeministérionareeducaçãoobrigam-meadizer-lhes:sejamresponsáveisporessetesouro.

Nummundonoqualoshomenseosjovenssãoesmigalhados,dissecados,tritu-rados,classificados,psicanalisados;noqualascriançaseoshomenssãoutiliza-doscomoobjetosdeexperimentaçõesematériasprimas,oSenhorconfiou-lhesumapedagogianaqualtriunfaorespeitopelojovem,pelasuagrandezaepelasuafragilidade,pelasuadignidadedefilhodeDeus.Conservem-na,rejuvenes-çam-na, enriqueçam-na com todas as descobertas modernas, adaptem-na aos seus jovensmaltratadosnummodocomo jamaisDomBoscovira...mas,porcaridade,conservem-na.Mudemtudo,percamsuascasas, se forocaso;queimporta?Conservemparanós,porém,estetesouro:omododeJoãoBoscoamaresalvarosjovens,quepalpitaemmilharesdecorações.

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Educar aos e pelos Direitos Humanos

Carola CarazzoneResponsável pelo Escritório Direitos Humanos do

Voluntariato Internazionale per lo Sviluppo (VIS)

ComoFamíliaSalesiana,defato,odesafiocentra-separanósnapreven-ção, no rompimento do círculo vicioso que perpetua as contínuas violações dosdireitoshumanosedadignidadedapessoa,napromoçãodeumacultu-rapopulardifusadedireitoshumanos,capazdesairdassalasdosjuristasedosfilósofosdodireitoparafazer-sepatrimôniodahumanidade.Odesafioparanóséeducaros jovensàparticipação,à justiça,àsoli-

dariedade e ao empenho e à responsabilidade individual e social para odesenvolvimentohumano,aseremsujeitosativosdecidadaniaresponsável,cidadaniaquenãoémaisiussoliouiussanguinis,masuniversal.Éumdesafiopedagógicoeeducativoaoprópriocarismasalesiano.OquesignificahojeparaaFamíliaSalesianaformarocidadãohonesto?O que significa hoje educar para a cidadania mundial responsável e

solidária, que tenha a peito as sortes da sociedade e da humanidade jáglobalizada?

Pretendo intervir, então, sobre o tema da educação aos e pelos direi-toshumanoscomoviaprivilegiadadeatuaçãodoSistemaPreventivoedaformaçãointegralatualdebonscristãosehonestoscidadãosprovocandoavossa atenção sobre três questões preliminares:• Qualosignificadodepelosdireitoshumanos• Porqueeducaraosepelosdireitoshumanos• Comoeducaraosepelosdireitoshumanos

1 Qual o significado de pelos direitos humanos

Paraentenderolongocaminhoquelevaaoreconhecimentointernacio-naldosdireitoshumanos,oProfessorPapiscausaumametáfora,adeumriocujaáguaaocorrerdebaixodecompactassuperfíciesrochosasencontraummodo de emergir.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos; isso foi o pontodepartidaenãocertamentedechegada,eexprimeaemersão,emsedeinternacional,doquefoiamadurecidoeconquistadocomreflexões,lutasetestemunhosaolongodosséculos,oumelhor,demilênios,emmuitasdiversasculturasecivilizaçõesparaaafirmaçãodadignidadedapessoahumana.

Espero que possa contribuir com alguma provocação para o debate que se dará sobre tema tão envolvente quanto atual da educação aos e pelos direitoshumanoscomoumdosinstrumentosatuaisdaPastoralJuvenil(nãocertamenteoúnico,masumdosinstrumentoshojemaiseficazes).Há150anosaFamíliaSalesianatrabalhaem130paísespelapromoçãoe

proteçãodaquelesquehojeosjuristasdefinemcomoosdireitosdascriançase dos adolescentes, especialmente, segundo a opção preferencial salesiana, dos mais pobres e vulneráveis.SãomuitíssimososSalesianoscotidianamenteempenhadosemfavordodi-

reitodascriançasedosadolescentes,afimdedar-lhesdignidadeevozeromperocírculoviciosoentrepobreza,violaçõesdedireitoshumanos,subdesenvolvi-mento;quemsabesemjamaisteraprofundadoasconvenções,declaraçõesere-soluçõesdasNaçõesUnidasoudasOrganizaçõesregionaisparaosdireitoshuma-nos, mas simplesmente ocupados em amar e educar à maneira de Dom Bosco.Contudo,odesafioapaixonante, educativoe social,queoReitor-Mor

nos lançou com a Estreia para 2008,17equedesejamosenfrentarcomesteCongressoInternacionalecomocaminhoquepartirádestasexposiçõesain-daémaisamploerefere-seatodasasobrassalesianas:escolas,oratórios,paróquias,enãosóàsobrasqueseocupamdamarginalização.

17“Promoverosdireitoshumanos,especialmenteosdosmenores,comocaminhosalesianoparaapro-moção de uma cultura da vida e da mudança das estruturas. O Sistema Preventivo de Dom Bosco tem umagrandeprojeçãosocial:quercolaborarcommuitasoutrasagênciasparatransformaçãodasocie-dade,trabalhandoparaamudançadecritériosevisõesdevida,paraapromoçãodaculturadooutro,umestilodevidasóbrio,deumaatitudeconstantedepartilhagratuitaedecompromissopelajustiçaeadignidadedetodaapessoahumana.Aeducaçãoaosdireitoshumanos,especialmenteaosdireitosdosmenores,éaviaprivilegiadapararealizaressetrabalhodeprevençãonosdiversoscontextos,de-senvolvimentohumanointegral,construçãodeummundomaishonesto,maisjusto,maissaudável.Alinguagemdosdireitoshumanospermite-nostambémodiálogoeainserçãodanossapedagogianasdiversasculturasdonossomundo”(conteúdosfundamentaisdaEstreiadoReitor-Morpara2008).

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Éadignidade,absolutaesemcondições,dapessoahumana,ocentro,ocoração,arazãodeserdosdireitoshumanos,fundamento–comoafirmaopreâmbulodaDeclaraçãoUniversal–daliberdade,dajustiçaedapaznomundo.Osdireitoshumanossãoasgarantiasuniversais,invioláveiseindisponí-

veispostasrecentemente(emrelaçãoàhistóriadahumanidade)acimadasoberania do Estado, como baluarte e salvaguarda da dignidade de toda pessoa“semdistinçãoalgumaderaça,cor,sexo,língua,religião,opiniãopo-lítica ou outro gênero, de origem nacional ou social, de riqueza, nascimento ououtracondição”.18

Quaissão,então,essasgarantias,quaissãoosdireitoshumanos?Hoje,infelizmente,assistimosaoabusodessalocução–“direitoshuma-

nos” – que saiu do debate restrito dos juristas e filósofos para suscitar ointeresse de umaopinião pública alargada,mas em relação à qual aindaatualmente reina muita confusão.Hoje,infelizmente,muitostendolidoquemsabecomdificuldadeaDe-

claraçãoUniversalesemjamaisteraprofundadoalgumacoisasobreosdi-reitoshumanos, falammuitode“direitoshumanos”econfundemdireitoshumanoscommerosdireitossubjetivos19 ou mascaram, por ignorância ou, piorainda,pordolo,comodireitoshumanos,arrogâncias,privilégios,capri-chos,reivindicaçõesdosupérfluo,luxos,simplesinteresses,àsvezestambémde parte.AlocuçãotambéméusadaporalgunsEstadosparareivindicaralegiti-

midadedeintervençõesmilitaresoudaguerra“ética”nalutaaoterrorismo;porcidadãosdepaíses ricospara invocaraproteçãodosprópriosdireitosdeconsumidores;porpaísesdaUniãoEuropeiaparanegarajudaapaísespobresqueos violam;porChefesdeGovernoautocráticospara sustentarqueosdireitoshumanossãoanovajustificativadocolonialismodoOcidenteeexigiranãoingerêncianosassimchamadosnegóciosinternos;pelamídiaparacaptarcomaviolênciaadiscretaatençãodeumaopiniãopúblicamui-tasvezesvolúvelesuperficial.Oriscopreocupanteéque,diantedacomplexidadedasmuitasramifica-

çõesedafragmentaçãododireitointernacionalemrelaçãoaosdireitoshu-

manos(atualmentesão130asfontesjurídicasprimáriasarespeito)perca-sedevistaovalordoconjuntoe,aomesmotempo,decadaumadaspartes.Aafirmaçãodeumdireitointernacionaldosdireitoshumanosembateu-se

eembate-seemtodososcontinentesnãosócomosfortesimpulsosdasobera-nianacionaledefesadanãoingerêncianosnegóciosinternos,comotambémcom contrastantes interesses políticos, geopolíticos e, sobretudo, econômicos.Osdireitoshumanosvãoincidirsobreostatusquo,asestruturasdopo-

dereosestilosdevidadominantes;elessãoomeioatualmaispoderosoànossa disposição para a promoção e proteção dos mais vulneráveis, sobretu-do,dosmaisjovens,maisfracos,maiscarentes.Ahistóriadosdireitoshumanoséumahistóriadelutas:éahistóriadas

lutasdahumanidadepeladignidadeealiberdade.Certamente,veja-sebem,nãosetratadequalquerliberdade.Quandofalamosdedireitoshumanosreferimo-nosapenasesomenteàs

liberdadesfundamentaisparaadignidadedapessoa–inherentrightsandfundamental freedoms –quepodemos exemplificar comumdos grandespais da Declaração Universal, Delano Roosevelt: liberdade de palavra, de credo, de oportunidades e liberdade do medo.Todaconvenção,todoacordointernacional,todoórgãodeputadoàpro-

moçãoouàproteçãodeumoumaisdireitoshumanosfoiumaconquista,oresultado de um processo de consultas, pressões, compromissos que durou anos,àsvezesdecêniosemobilizouotrabalho,osrecursosnãosódeintelec-tuais,comotambémdeconsideráveismovimentosdepessoas.Aoseolharparaahistóriadosdireitoshumanosemperspectivadiacrô-

nica não se pode deixar de notar que os progressos feitos a partir de 1990 provavelmentenãoeramnemsequerpossíveisdeesperaratéaquedadomuro de Berlim.Em1990só10%dospaísesdomundotinhamratificadoasentãoseis

principaisConvenções Internacionaisparaosdireitoshumanos; em2008,essenúmeroaumentoudemodoespetacular,chegandoaquasemetadedetodosospaíses,comcincodasConvençõesfundamentaisratificadaspormaisde 160 países.MuitíssimospaísesdoLeste,depoisdaquedadomurodeBerlim,tam-

bém inseriram os direitos humanos nas próprias Constituições nacionais,como acontecera anteriormente em muitos países afro-asiáticos, quando al-cançaram a independência dos regimes coloniais.

18 Assim reza o art. 2 da Declaração Universal.19Comobemexpressopeloart.1deDeclaraçãoUniversal,osdireitoshumanossãoinatos,inerentesà

dignidade da pessoa enquanto tal. Eles preexistem à lei escrita e tornam-se ius positum em virtude do seureconhecimento,nãodasuaatribuiçãocomoacontececomossimplesdireitossubjetivos.

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Muitospaísesintroduziram,nosanosmaisrecentes,aeducaçãoaosdirei-toshumanosnosprogramasescolaresecriaramnovasinstituiçõesparapro-moverosdireitoshumanoseenfrentarassuasviolações:autoridadesgaran-tes, comissões nacionais independentes, ombudspersons, defensores civis.Osanos90tambémviramainstituiçãodosTribunaisPenaisInternacio-

nais para a ex-Jugoslávia e Ruanda, e em 2000 foi criada a Corte Especial paraSerraLeoa,em2003,oTribunalEspecialparaoCambojae,em1ºdejulhode2002,apósmeioséculodecampanhaspelasuainstituição,entrouem vigor a Corte Penal Internacional Permanente.

Sendo verdade que não se pode deixar de levar em conta esses resul-tados,éogrito–ondeéaomenosgritoenãosilêncioensurdecedor–dasmaciças violações da dignidade e das liberdades da pessoa que ressoa todos os dias nos quatro cantos da terra.Gritodeumbilhãoecemmilhõesdepessoasquevivemcommenosde

umdólarpordia;dos2,8bilhõesdepessoasquevivemcommenosde2dólarespordia;dos200milhõesquenãotêmacessoàáguapotáveledos2,6bilhõesquenãotêmacessoaqualquertipodecuidadosmédicos;dos854milhõesdepessoasadultasanalfabetas;20dos25milhõesdepessoasinternallydisplaced(obrigadasarefugiar-senointeriordopróprioPaís),21 de umaemtrêsmulheresnomundo,quesofreualgumaviolência.22

1.1 Dois significados irrenunciáveis para os direitos humanos

Muitospaísesadotamcomfrequênciapolíticasfictíciasdosdireitoshu-manos,porqueseletivasedicotômicas:algunsdireitossim,outrosnão;paraalgunsgruposvulneráveissim,paraoutrosnão;reconhecimentoteóricotal-vez,efetiva justificabilidade–comasconsequentes restrições tambémemtermosdesoberanianacional–quasenunca.Nãoexistempaísesousocie-dades imunes.Justamenteospaísesqueseautodefinemcomo“democraciaavançada”

adotamsemprecommaisfrequênciapolíticasdedireitoshumanosquepode-mosdefinir“dedoispesoseduasmedidas”(tecnicamentedoublestandard).

A Comunidade internacional deve individualizar novos modos e meios de remo-verosobstáculosatuaiseenfrentarosdesafiosparaaplenarealizaçãodetodososdireitoshumanoseeliminaraviolaçãocontínuadosdireitoshumanosaindaexistentes no mundo.23

Éesteodesafiosobreosdireitoshumanos:comogarantiraefetividadeprática dos direitos abstratamente proclamados? O que fazer para eliminar a violaçãocontínuadosdireitoshumanosqueaindaexistenomundo?Oquefazer para preveni-la? Quais as mudanças de pensamento e de ação a propor parapôrfimaosinsucessosdehoje?

1.2 Indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos: civis, culturais, econômicos, políticos e sociais.

Osdireitoshumanossãoinerentesàpessoahumana,comosefossemins-critos em seu DNA. O Estado não os concede, não os atribui, mas limita-se a reconhecê-los.Osdireitoscivis,culturais,econômicos,políticosesociaissãotodos igualmente necessários para a dignidade e a liberdade de qualquer ser humano.Apessoahumanaéuna:almaecorpo,espíritoematéria,emsuaintegralidadeindissolúvel.

Entretanto, por cinquenta anos, os países socialistas sustentaram que era necessário cancelar os direitos civis e políticos para promover os direitos eco-nômicosesociais;enquantoisso,algunspaísesdoblocoocidentalafirmaramo oposto, que era necessário suprimir os direitos econômicos e sociais para garantir os direitos civis e políticos.Hojejánãoépossíveljustificaravelhadicotomiadaguerrafriae,como

ainda acontece em muitos países, a violação dos direitos civis e políticos para promover os direitos econômicos e sociais ou viceversa, enquanto uns sópodemserefetivamentegozadosquandosedispõe,aomesmotempo,tambémdosoutros.Osdireitoshumanossão,defato,indivisíveisenquantonocentrodeles

estáapessoahumana,comoseudireitoinvioláveldeviverumavidadignaem todas as dimensões: civil, cultural, econômica, política e social.Osdireitoshumanossãotambéminterdependentes,nosentidoqueos

direitos civis e políticos, sem os direitos econômicos e sociais, são vazios e 20UNDP,ReltóriosobreoDesenvolvimentoHumano,2006.21 UNHCR, 2007.22AmnestyInternacional,2007. 23PreâmbulodaDeclaraçãodaConferênciaMundialsobreosDireitosHumanosdeViena,1993.

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viceversa. Entre realização dos direitos civis e políticos e realização dos direi-toseconômicosesociaisnãohárelaçãodesubordinação,masdereciproci-dade vital. Eles alimentam-se reciprocamente ativando um círculo virtuoso e anulam-se reciprocamente pondo em movimento um círculo vicioso.Contudo, indivisibilidade e interdependência de todos os direitos hu-

manos ainda são palavras extremamente distantes da realidade dos fatos, conceitosabstratosemrelaçãoàatualidade.Aindahojedireitoshumanossignificam pelo ius positummuito frequentemente apenas direitos civis epolíticos.

Em nível mundial, mesmo em sede de Nações Unidas, aguça-se sem-pre mais a fratura entre os países, numa visão de ambos os lados sempre maisincompletadosdireitoshumanosedaindivisibilidadeeintegralidadedapessoa;algunspaísesquegozamdeumbomníveldedesenvolvimentoeconômicodesejamconservarostatusquoeospaísespobresreivindicamcom insistência o direito ao desenvolvimento e a alguns direitos econômicos, sociaiseculturais.Umaopiniãopública(ou,vistoporoutrolado,umelei-torado)quenaEuropaenaAméricadoNorteseproclamamuitosensívelaosdireitoshumanos,narealidadeoésóemvistadealgunsdireitoscivisepolíticos.Defato,écômodoapontarodedoparaospaísesnosquaisasmulhe-

ressãoimpedidasdedenunciarasviolênciassexuaissofridas;e,aomesmotempo, fazer de conta que o degrado ambiental não nos diga respeito ou que a dramática indigência da maior parte das pessoas no mundo não exista ou não dependa dos nossos modelos de produção e consumo e dos nossos estilos de vida. É igualmente cômodo proclamar-se paladinos dos direitos humanossemprequenãoserefiramaosimigranteseaosquepedemasiloou cooperação para o desenvolvimento.

1.3 Uma responsabilidade comum a assumir

Servir-sedalinguagemdosdireitoshumanosapresentabenefíciosnotá-veis,maspodeservirtambémparafáceisinstrumentalizações.Sãomuitososbenefíciostrazidospelousodalinguagemdosdireitoshu-

manos como instrumento de mudança social para que cada pessoa em cada cantodaterrapossagozardeumavidadignaelivre.Osdireitoshumanos

no novo contexto globalizado são um instrumento capaz de ultrapassar os limitesnacionaisrestritosparapôrlimiteseobjetivoscomuns,criaraliançaseestratégiasemobilizarrecursoshumanoseeconômicos.Entretanto,dizíamos,alinguagemdosdireitoshumanostorna-seperigo-

sa ou falsa e desviante se não for integrada com deveres e responsabilidades, pessoais e sociais. Juridicamente, só existemdireitos relacionados adeve-res, caso contrário são expectativas, interesses, sentimentos que aquecem o coração.Se,emrelaçãoaosprópriosdireitos,seestáprontoacompilarumalon-

guíssima listaeachamardedireitos,ouaindapior,dedireitoshumanos,simples interesses, enquanto no que se refere aos direitos dos outros, não seestádispostoareconhecernemmesmoasresponsabilidadeseosdeverescorrespondentesaosdireitosvitaismaisbasilares,serámelhor,provavelmen-te,evitarfalardedireitoshumanos.Aperspectivadosdireitoshumanosé,defato,inclusivaporsuamesma

natureza:todososdireitoshumanosparatodos.Responsabilidadedetodosedecadaum:personalismocomunitárioehumanismointegral.Osdireitosdascrianças,dasmulheres,dasminorias,daspessoasporta-

dorasdedeficiêncianãosãodireitos“especiais”.Todapessoahumanatemodireito de gozar de todos os direitos fundamentais e o Estado, a comunidade, osdemaisindivíduostêmodeverdetrabalharparagarantiraoindivíduoomelhorcontentamentopossível,levandoemcontaasuaespecialidadeeasua diversidade.

É imprescindível e urgente superar a exclusividade da responsabilidade estatale identificaras responsabilidadesde todososatores: institucionais,econômicosesociaiscapazesdeinfluirnaefetivarealizaçãodosdireitoshu-manos.Nonovo contextoglobalizado, a responsabilidadeestatal é,hoje,indispensável,masnãosuficiente.Aexclusividadedaperspectivaindivíduo-Estado,herdadadoiluminismoeuropeuenorteamericanodosséculos18e19, que ainda tanto caracteriza os mecanismos atuais de promoção e prote-çãodosdireitoshumanos,éinsuficiente.Hoje,portanto, éprecisoum sistemamuitomaisdiferenciadode res-

ponsabilidade (responsabilidade comum diferenciada) para a promoção e aproteçãodosdireitoshumanosqueenvolva,alémdosEstados, tambémas organizações globais e instituições financeiras internacionais (Organiza-çãoMundialdoComércio,BancoMundial,FundoMonetárioInternacional),

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empresas, organizações não governativas, mídias, escolas, comunidades, fa-mília, indivíduos: todos eles atores capazes de ter um impacto imenso no efetivogozodosdireitoshumanos.

2 Porque educar aos e para os Direitos Humanos

Antesdetudoporque,comonosexortaoReitor-Mor,queremoseducaros jovensaosepelosdireitoshumanos comafinalidadede construirummundonovo,“maisjusto,maishonesto,massaudável”;etambémporquefacilmenteaeducaçãoatualéumaeducaçãodemercadoaserviçodama-nutenção do status quo que continua, na era da globalização, a concentrar a riqueza sempre mais em poucas mãos, pessoas, grupos ou países, e socializar a pobreza.“Dramadahumanidademoderna–ensina-nosoReitor-Mor24–éafra-

tura entre educação e sociedade, o desnível entre escola e cidadania”. Aeducaçãosalesianadeveser,porém,“umaeducaçãoaosvalores,promotoraecriadoradecidadaniaresponsável”.OReitor-Morfala-nosdeeducaçãohumanizadoraedepastoraldecom-

promisso,afirmandoqueapropostaeducativaalteroculturalsalesiana,porumaculturadejustiça,solidariedade,mudançadasestruturas,emboranas-cendo da opção preferencial pelos mais pobres, deve considerar todas as obras salesianas e não se reduzir às obras da marginalização.Emsegundolugar,queremoseducarosjovensaosepelosdireitoshuma-

nosporqueafamíliasalesianaeducatodososanosmilhõesdejovensetemumarepresentatividademundialúnica,incomparávelemrelaçãoaqualqueroutra agência educativa, por ter voz em capítulo em nível mundial na pro-moçãodosdireitoshumanos.Colaborando com outras agências, a Família Salesiana é capaz de ter

umimpactodeterminanteecolaborardemodosignificativocomcontribui-çõesinovadoraseprópriasdocarismasalesiano.Sabemos,comefeito,queaquestãodaeducaçãoaosdireitoshumanoséumaquestãomuitorecente.Odireitointernacionaldosdireitoshumanosfoilentonoreconheceraedu-

caçãoaosdireitoshumanoscomofimemeioprecípuodedesenvolvimentohumanoeinstrumentoprimárioeirrenunciáveldeprevenção.25

A educação foi considerada por muito tempo como mera instrução, como questão de acesso, ou questão de quantidade e não de qualidade, e não uma questãodedireitoshumanosemsi.Pormuito tempo tambéma perspectiva domovimento pelos direitos

humanosfoicomfrequência“punitiva”:denunciarasviolaçõesdepoisdejáterem sido cometidas.Ora,adenúnciadasviolaçõesdosdireitoshumanoséseguramenteuma

arma fundamental à disposição das organizações não governativas, das asso-ciações,dosindivíduos;e,commaiorrazãohoje,devidoàeradainformaçãoqueopermitepelasnovastecnologias(blog,chat,fórumonline);mastam-bémpelocomputadorepeloacessoàinternet,sendopossíveladeriracam-panhasinternacionais,movimentos,apelosemfavordosdireitoshumanos.Adenúnciapodeservir,àsvezes,parasalvaravidadavítima.Adenúncia

podeserútiltambémparasensibilizarnovaspessoas,gentecomumquenor-malmentenãose interessariapelas temáticasdosdireitoshumanos.Pensonasgrandescampanhascontraousodecriançassoldados,contraapenademortenasquaisopapeldaopiniãopúblicafoifundamental.Denunciaréuminstrumentovitalnãosóexpostparaprotegerdireitos

já violados, fazer justiça,mas tambémex ante para promover os direitoshumanos,sensibilizarparaprevenirasviolações.Aquestão,porém,équeaexclusividadedaperspectivadadenúncia,quecaracterizouatéostemposmaisrecentesmuitodaaçãopelosdireitoshumanos,podeserredutiva.Defato,éprecisodifundiraculturadosdireitoshumanos,educarpara

osdireitoshumanos,persuadir,alémdeproibir;prevenir,alémdecurar.Atéagoraforaminvestidosrecursosirrisóriosnaprevenção,naeducaçãoescolareextraescolaraosdireitoshumanos.Mesmoasorganizaçõesnãogoverna-tivas só recentemente começarama investir recursosparaaeducaçãoaosdireitoshumanos.AFamíliaSalesianapodedarumacontribuiçãoúnicaeinsubstituível à proposta preventiva, à educação preventiva aos e pelos di-reitoshumanos.

24Veja-seP.PascualChávezVillanueva,Educazioneecittadinanza.LectioMagistralisperlaLaureaHono-ris Causa, Gênova, 23 de abril de 2007.

25Indicam-secomofontedodireito-deverdeeducaçãoaosdireitoshumanososseguintesinstrumentosdodireito internacionaldosdireitoshumanos:art.26.2daDeclaraçãoUniversal;art.13doPactoInternacionalsobreosdireitoseconômicossociaiseculturais;art.7daConvençãosobreaeliminaçãodetodaformadediscriminaçãoracial;art.10daConvençãosobreaeliminaçãodetodaformadediscriminaçãoemrelaçãoàmulher;art.29e42daConvençãosobreosdireitosdascriançasedosadolescentes.

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3 Como educar aos e pelos direitos humanos

Umaeducaçãoquenãofossealémdadescriçãodassituaçõesdein-justiçamundialedeviolaçõesdosdireitoshumanosseriainevitavelmentecúmplicedessa injustiça.A educação aosdireitos nãopode se limitar atornarpassivamenteconhecidososdireitoshumanos,masdeveserumaeducaçãonãosóAOS,mastambémPELOSdireitoshumanos,develevaraocompromisso,àsolidariedade,àação.Afinalidadenãoé,decerto,con-templaçãoabstratadosvalores,massuaencarnação;devesereducaçãoorientada à ação, ao gesto, à tomada de posição, de responsabilidade, à análise crítica, ao pensar, ao informar-se, relativizando as informações re-cebidasdosjornais,dasmídias;éumaeducaçãoquedeveserpermanentee cotidiana.Aeducaçãoaosepelosdireitoshumanos,emsuavisãoevolutivaenão

estática,defatonãoéenempodeserrevelaçãodeumaverdadeimóveleimutável, mas diálogo, confronto que, tendo a peito o contexto internacional e a situação mundial,26éatualizadoecontextualizadonarealidadelocal.Nesta perspectiva, a educação aos direitos humanos deve ser neces-

sariamente multidimensional e caracterizar-se como educação integral e permanente à cidadania ativa e responsável, capaz de unir o descritivo ao prescritivo, o saber ao ser, e integrar transmissão do saber e formação da personalidade. Sobre esses fundamentos, a educação aos e pelos direitos humanosdevecompreender,comoescreveoReitor-MornoComentárioàEstreia, ao menos três dimensões:• a dimensão cognitiva (conhecer, pensar criticamente, conceitualizar,julgar;DomBoscodiria:razão),

• a dimensão afetiva (provar, fazer experiência, empatia; DomBoscodiria: cordialidade),

• adimensãovolitivacomportamentalativa(fazeropçõeseações,pôrematocomportamentosorientados;DomBoscodiria:religião).

3.1 Educação aos e pelos direitos humanos e não ensino

Se entendermos por ensino uma atividade didática de tipo tradicional no qual apenas um, o professor, tem algo a ensinar, e todos os outros (estudan-tes,alunos)têmapenasqueescutareaprender,osdireitoshumanosnãoseensinam:aosdireitoshumanoseduca-se.Osdireitoshumanosnãoseensinamdecimaparabaixo,assimcomonão

seimpõem.Aosdireitoshumanoseduca-se(dolatimeducere);osdireitoshumanossetransmitemeseaprendem,seconsiderarmosqueexistenessaspalavras um espaço para o confronto recíproco, o diálogo e a reelaboração pessoal.Osdireitoshumanosaindasãoumamatériaparaadidosaostrabalhos

que,esporadicamentesaltamàshonras(oudesonras)dacrônicaparade-pois,poucodepois,desapareceremeretornaremaorecintodassalasdeju-ristasefilósofosdodireito.Aeducaçãoaosdireitoshumanosdevesairdoâmbitorestritodecom-

petência de juristas e advogados, semqualquer aspiração interdisciplinar,para ser patrimônio de todos, de quem quer que se sinta pronto a abrir-se ao diálogo intercultural, e sustentá-lo, buscando seu fundamento nos direitos humanos.Aeducaçãoaosdireitoshumanoséumaeducaçãoemtodososníveise

emtodososcontextossociais.Todos,crianças,jovens,adolescentes,adultospodemsereducadosaovaloréticodosdireitoshumanoseaosseusefeitospráticos sobre o viver social.Cadaqual,mesmoumjovem(pense-senosinstrumentosoferecidospela

assimchamadapeertopeereducation,educaçãoentrepares)podeser,porvez,educadordedireitoshumanoseseupromotor.Aeducaçãoaosdireitoshumanosfoientendidanopassado(eoéàsvezesaindahoje)comoeduca-ção cívica na escola.Talperspectivaéextremamentelimitadaelimitante,aomenosporqua-

trorazões:a)enquantoautorreferênciaemrelaçãoaoprópriocontexto;b)enquantoreduzidamuitasvezesaumensinomeramentecognitivoeteórico-normativodeumamatériatidaapenascomojurídicaoufilosófica,comoen-sinodosdireitoshumanosancoradoaindanasnormasjurídicas;c)enquantolimitadaaosadultos,capazdenomáximochegaràscriançaseadolescentes;d) enquanto limitada ao ambiente escolar.

26 Em particular no sentido indicado pelo art. 26, 2 da Declaração Universal, pelo art. 13 do Pacto sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, e pelo art. 29 da Convenção sobre os direitos das crianças e dos adolescentes.

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Hoje,muitaspesquisasconfirmamoslimitesdessaaproximaçãotradicio-nal(civiclearning)baseadaapenasnoconhecimentodasinstituiçõespolíti-casedasuahistóriaeexigemumaaproximaçãomaisampla,sócio-civicle-arning, que estimule à experiência prática, à aceitação de responsabilidades e à participação, aproximação que tem muitos elementos em comum com o estilo educativo salesiano.

3.2 Interdisciplinaridade e integralidade da educação aos e pelos direitos humanos

Osdireitoshumanosnãosãoapenasumamatériajurídicaoufilosófica;elessãoumamatériainterdisciplinar.Naescola,podemserexplicadosediscutidosnoâmbitodenumerosasmatérias:história,geografia,línguasestrangeiras,li-teratura,biologia,música,economia.Osdireitoshumanosdeveriamfazerpar-teintegrantedaformaçãoeatualizaçãodosprofessoresparaqueelesprópriospossam reelaborá-los e transmiti-los numa aproximação multidisciplinar como leitmotivetransversal(ainstreaming)nointeriordasdiversasmatérias.Isso,entretanto,continuaaindamuitolongedeacontecer,eosdireitoshu-

manosaindasãomatériadecunhoespecial,nãotransversal,mesmoemníveluniversitário.Aeducaçãoaosdireitoshumanosemnívelescolar,depois,em-borafundamental,nãocobre,nempoderájamaiscobrir,amultiplicidadedospossíveiscaminhosapercorrerparaadifusãodaculturadosdireitoshumanos.Organizações não governativas, associações, oratórios, centros sociais,

centrosdeagregaçãojuvenil,centrosdiurnospodemrealizarumpapelchavenaeducaçãoaosepelosdireitoshumanos.

A solução excelente seria uma verdadeira educação integral aos direitos humanos,quecoloqueladoaladoelementosformais,elementosnãofor-mais e elementos informais, uma educação integral que envolva âmbitos escolares e extra-escolares.Aeducação integralpelosdireitoshumanos superaadimensãomera-

mente jurídicaecognitiva,para favorecerapassagemdoconhecimentoàinteriorização,aoempenhoeàaceitaçãoderesponsabilidades.

De fato, pode-se dizer que a educação à cidadania, à democracia, à paz atravésdosdireitoshumanosenvolvetodososambienteseducativosearti-cula-se em três fases sucessivas:

• aprimeiraéoconhecimentodosprópriosdireitos,dosprópriosdeve-resedosvaloresqueosembasam;

• a segunda é a reflexão pessoal, a interiorização desses valores edireitos;

• aterceiraéaprenderapraticá-loseaprenderadefenderosprópriosdireitoseosdireitosalheios.

3.3 Educação permanente para uma cultura popular difusa dos direitos humanos

Falar,então,deeducaçãopermanenteparaumaculturadosdireitoshu-manossignificaeducaraempenhar-sepelascausasequestõesqueselevan-tarão dia a dia na vida cotidiana em nível local e em nível internacional.Éimportante,defato,sublinharoaspectosistemáticorelacionadocomo

conceito de cultura. Não se trata de inserções esporádicas, mas de princípios éticoscoerentes,interdependentes,quedevemproduziroportunosconheci-mentos,habilidades,hábitos,afirmaçõesnãoestéreis,masações.Hoje, educar significa também ensinar à pessoa a autoeducar-se sem

pararnumambienteculturalfluidoenumasociedadeemconstanteevolu-ção.Deaquianecessidadedaquelaquesedefineeducaçãopermanente.AFamília Salesiana tem, talvez, comonenhumaoutraagência formativa,osinstrumentospedagógicosaxiopráticosparachegaràmenteeaocoraçãodojovem,acapacidadedealternaraprofundamentoseexperiênciaspráticas,pormeiodautilizaçãodetécnicasmultidimensionais:teatro,música,espor-te,concursosartísticos,discussãodefilme,participação,voluntariado.Hoje,aFamíliaSalesianatemtambémàdisposiçãoasnovastecnologias,

tãoenvolventesparaos jovens,eapossibilidadedeproporfórumonline,blog,chatsobreostemasdosdireitoshumanos.AAssembleiadasNaçõesUnidasdeclarou2009o“anointernacionaldoaprendizadodosdireitoshu-manos”.AFamíliaSalesianapodedarumacontribuiçãomuitosignificativaa esta causa.

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A caminhada dos direitos humanos: uma cronologia

1960 Primeira sessão da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.1963 É fundada a Organização para a Unidade Africana.1965 Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção

ONU para a eliminação de todas as formas de discriminação racial.1966 Aprovação pela Assembleia Geral do Pacto Internacional sobre os di-

reitos civis e políticos. Aprovação pela Assembleia Geral do Pacto Internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais.

1968 Teerã, primeira conferência mundial sobre os Direitos Humanos.1969 Aprovação da Convenção Americana dos Direitos Humanos.1973 Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção

Internacionalparaaeliminaçãoepuniçãodocrimedeapartheid.1976 AmnestyInternationalvenceoNobelparaapaz.1979 Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção

ONU para a eliminação de toda forma de discriminação contra as mulheres(CEDAW).EntraemfunçãoaCorteInteramericanaparaosDireitos Humanos.

1981 ÉaprovadaaCartaafricanadosdireitoshumanosedospovos.1983 ÉfundadaaOrganizaçãoÁrabeparaosdireitoshumanos.1984 Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Conven-

çãoONUcontraa torturaeoutraspunições cruéis,desumanasoudegradantes.

1985 É instituído o Comitê ONU para os direitos econômicos, sociais e culturais.

1986 É aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre o direito ao desenvolvimento.

1988 ÉinstituídaaComissãoafricanaparaosdireitoshumanosedospo-vos. Adoção do protocolo adicional à Convenção Americana dos Di-reitos Humanos (Protocolo de San Salvador).

1989 Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção ONU sobre os direitos da infância e da adolescência (CRC). Queda do murodeBerlim.MassacredaPraçaTienanmen.

1990 Aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas da Convenção sobre os direitos dos trabalhadores imigrantes e dosmembros desuas famílias.

1993 ConferênciaMundialsobreosdireitoshumanosdeViena.InstituiçãodoAltoComissariadoparaosdireitoshumanosdasNaçõesUnidas.

1945 Instituição da Organização das Nações Unidas (ONU). Nasce a Liga Árabe.

1946 Nascemo FundoMonetário Internacional e oBanco InternacionalparaaReconstruçãoeoDesenvolvimento(depoisBancoMundial).Éinstituída a Comissão para os Direitos Humanos das Nações Unidas. Nasce a UNICEF.

1948 Aprovação pela Assembleia Geral da ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nasce a Organização dos Estados Americanos (OEA). Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

1949 NasceoConselhodaEuropa.GuerrasdelibertaçãonacionalnaÁsiae África.

1950 Alguns países obtêm a independência. Estados Unidos: movimento pelos direitos civis e políticos contra a segregação racial. Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos.

1954 Comissão Europeia dos Direitos Humanos.1955 Conferência de Bandung, na qual 29 Estados africanos e asiáticos

condenam o colonialismo, a discriminação racial, o armamento atômicoepropõereivindicaçõesporumacooperaçãopacíficapelodesenvolvimento.

1957 ComunidadeEconômicaEuropeia(CEE)eoEURATOM.1959 Instituição da Corte Europeia dos Direitos Humanos. Criação da

Comissão Interamericana para os Direitos Humanos. Continuam as guerras de libertação nacional nos países ainda sob domínio colonial. As lutas levam gradualmente à independência e à autodeterminação em muitos países. Os movimentos feministas pedem paridade de di-reitos e oportunidades.

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Instituição dos Tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para Ruanda.

1994 Conferência mundial sobre a população e desenvolvimento no Cairo. Fim da segregação racial na África do Sul. Convenção Interamericana paraprevenir,sancionareerradicaraviolênciacontraamulher(Con-vençãodeBelémdoPará).

1988 É aprovado o Estatuto da Corte Penal Internacional Permanente para oscrimesdeguerra,degenocídioecontraahumanidade.

1999 ConflitoOTAN–RepúblicaIugoslávianoKosovo;guerranaChechê-nia e em Timor Leste. É aprovado o Protocolo Opcional para a CE-DAW que permite o recurso individual.

2000 São aprovados os dois Protocolos Opcionais contra o uso de crianças-soldado e contra o abuso sexual e a prostituição de menores na CRC. É instituída a Corte Penal Especial para Serra Leoa.

2001 ConferênciaMundialcontraoRacismo,aDiscriminaçãoRacial,aXe-nofobia e as Formas relacionadas com a Intolerância, Durban.

2002 Em vigor o Estatuto da Corte Penal Internacional Permanente para os crimesdeguerra,degenocídioecontraahumanidade.

2003 15 de fevereiro: manifestação mundial pela paz da qual participam, segundoaCNN,110milhõesdepessoasemmaisde600cidadesdoPlaneta.

2004 Entra em vigor o Protocolo opcional à Carta africana dos direitos da pessoa e dos povos para a constituição de uma Corte africana dos direitoshumanos.ALigadosEstadosÁrabesadotaaCartaárabedosdireitoshumanos.

2006 OnovoConselhodosDireitosHumanosdaONUsubstituiaComis-sãodosdireitoshumanos.AdoçãopelaAssembleiaGeraldasNaçõesUnidas da Convenção ONU sobre os Direitos das Pessoas portadoras dedeficiência.AdoçãopelaAssembleiaGeraldasNaçõesUnidasdaConvenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado.

2008 Entra em vigor a Convenção ONU sobre os direitos das pessoas com desabilidades e o Protocolo opcional. Entra em vigor a Carta árabe dosdireitoshumanos.AdoçãopeloConselhoparaosDireitosHuma-nos das Nações Unidas do Protocolo Opcional que permite o recurso individual.

As Convenções fundamentais das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos

Convenção Adotada Entrada em vigor

Estados participantes

Convenção internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial 1965 1969 173

Pacto internacional sobre os direitos civis e políticos 1966 1976 161Pacto internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais 1966 1976 157

Convenção internacional para a eliminação de toda formadediscriminaçãoemrelaçãoàmulher 1979 1981 185

Convenção internacional contra a tortura e qualquer outra forma de tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante

1984 1987 145

Convenção internacional para os direitos da infância e da adolescência 1989 1990 193

Convenção internacional para a proteção dos direitos de todosostrabalhadoresimigrantesedesuasfamílias 1990 2003 35

Convenção internacional sobre os direitos das pessoas com desabilidades 2006 2008 20

Convenção internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado 2006

ainda não entrou em

vigor4

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Discurso de encerramento do reitor-mor no Congresso Internacional

Sistema Preventivo e Direitos Humanos

aglóriadeDeuseasalvaçãodasalmas,especialmentedasmaisnecessitadasdeinstrução e de educação.27

Hoje os temposmudaram; também as condições emque nos encon-tramos a viver a vocação salesiana são diferentes. Está isto a nos pedir uma contínuareflexãoe,peranteosnovosdesafios,umarespostaatualizada.Nãomudaramaoinvésamissãosalesianaesuasfinalidades,osdestinatáriosaquemsomosenviados,oscritériosdaaçãoqueDomBosconoslegoucomopreciosaherança.Foiexatamentenestaconjunturaecircunstânciasquequisemosrefletir

sobre“SistemaPreventivoeDireitosHumanos”,comafinalidadedeofereceraosdireitoshumanos,sobretudoaosdascriançaseadolescentes,acontribui-çãoenriquecedoradasmotivações,dasreflexõesedasexperiênciasprópriasdo Sistema Preventivo, e ao mesmo tempo abrir o Sistema Preventivo a este relativamenterecentecaminhodepromoçãodapessoaedoseucrescimen-to.Apresento-vosagoraalgunstópicosparacontinuaranossacaminhada,tendoemvistaopçõesestratégicasparaofuturo.

1 O carisma salesiano e a nossa responsabilidade pelos direitos humanos

NestaAula–emqueégrandeamultiplicidadedeetnias,apluralidadede culturas, adiversidadede línguas– todosnos reconhecemosnoúnicocarismadeDomBoscoeestamos renovandoos seus sonhosmissionários,sonhosquetêmvistoapresençaeotrabalhodosseusfilhosemfavordosjovensemtodoomundo.ÉumpatrimôniomaravilhosoessedequeaFamíliaSalesianadispõe:

15milhõesdecrianças,adolescentese jovens,em130paísesdomundo.Muitoprovavelmente,nenhumaoutraagênciaeducativa–no-lorecordouoRelatorespecialdasNaçõesUnidassobreodireitoàeducação–possuaumatalrepresentatividadegeográficaecultural,que,sendoúnica,favorecedemododeterminanteaformaçãodasjovensgeraçõesemnívelmundial.Reconhecemo-lonãosócomhumildademastambémcomconsciência.

Trata-se na verdade de um patrimônio inestimável que implica a assun-ção de uma grande responsabilidade: a de contribuir, inspirando-nos no

Caríssimos Irmãos e Irmãs,

desejoencerraresteCongressosobre“SistemaPreventivoeDireitosHu-manos”,quenosmantevereunidosde2a6dejaneirode2009,antesdetudocomumapalavradeagradecimentoatodosvós,pelarespostaaomeuconvite,pelaparticipaçãoemtodooprograma,peloempenhoporseubomêxito.Nãoéindiferenteadatadarealizaçãodestegrandeevento:decorreuno

tempodoSantoNataldeJesus,quemarcaanascimentodanovahumanida-deemCristo,novoAdão,modeloemetadetodapessoahumana.Omistérioda Encarnação ilumina de fato a nossa compreensão da dignidade da pessoa humanaemotivaonossoempenhoemfavordosdireitoshumanos.NãoétampoucoindiferenteofatodequeoCongressoserealizouno

iníciodesteanojubilaremquecelebramosoSesquicentenáriodeFunda-ção da Congregação Salesiana. Esta celebração deverá estimular-nos a uma renovadafidelidadeaDomBoscoeaosjovens,comomesmoentusiasmoe convicção do primeiro grupo de Salesianos que no dia 18 de dezembro de 1859 deram início à Congregação. Reuniram-se eles nos aposentos de Dom Bosco comafinalidadeenumespíritodepromovereconservaroespíritodeverdadei-racaridadequalseexigenaobradosOratóriosparaajuventudeabandonadaepericlitante,quenestestemposcalamitososédemilmaneirassubmetidaase-duções com dano para a sociedade e atirada à impiedade e à irreligião. Aprouve portanto aos mesmos Congregados erigir-se em Sociedade ou Congregação, que tendoemmiraomútuoauxílionaprópriasantificaçãosepropusessepromover

27 Ata de fundação da Sociedade de São Francisco de Sales, 18 de dezembro de 1859.

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evangelhodeJesusenocarismadeDomBosco,parapromoveratransfor-maçãodasociedade,removerascausasprofundasdainjustiça,dapobreza,daexclusão,potenciarocrescimentodapessoahumananasuadignidadee,enfim,evangelizarosjovens,sobretudoosmaispobres.ArazãodeserdaCongregaçãoéasalvaçãointegraldosjovens.Como

Dom Bosco no seu tempo, não podemos ser apenas expectadores. Impõe-se-nossertambémprotagonistasdasuasalvação.ACartadeRoma,de1884,pede-nostambémhojecolocaro“jovemnocentro”comoempenhocotidia-no de cada um de nossos gestos e como opção permanente de vida de cada umadasnossascomunidades.Porisso,paraasalvaçãointegraldosjovens,oevangelhoeonossocarismahojenospedembatertambémaestradadosdireitoshumanos;trata-sedeumcaminhoedeumalinguagemnova,quenão podemos descuidar. Nada se pode deixar intentado quando se busca a salvaçãodosjovens:nãopoderíamosolharhoje,nosolhos,aumacriançasenãonosfizéssemospromotorestambémdosseusdireitos.

2 Centralidade da qualidade da educação

Sóaeducaçãopodepromoverummundonovoemquecadahomem,cadamulherecadacriançapossamviverempazumavidalivreedigna.Aeducaçãoéoutrossimomeiomaisradicalparaextirparascausasqueimpe-dem tal promoção.Perantea“emergênciaeducativa”,caracterizadaporgrandespolaridades

eambivalências,peranteumaeducaçãoquecomfrequênciaéconsideradana“lógicademercado”,peranteumaeducaçãodirecionadaamanterumstatusquoobjetivandoprivatizarariquezaesocializar todasas formasdepobreza,somos–comoCongregaçãosalesianajuntocomosjovens,osleigoseasfamílias–chamadosa:• avaliaraqualidadedanossapropostaeducativo-pastoral;acapacida-dedelevaramaturarnosjovensosvaloresuniversais:derespeitoedepromoçãodadignidadedapessoahumana,deresponsabilidadepessoalesocialpelajustiçaeasolidariedade,edecidadaniaativa;

• avaliaracapacidadedanossapropostaeducativo-pastoraldecomuni-caroevangelhoedelevarosjovensaencontrar-secomJesus,tambématravésdeumaeducaçãoqueoslivredetodapobrezaeexclusão;

• avaliaracapacidadedeviveremplenitude,emnossascomunidadessalesianas e em nossas comunidades educativo-pastorais, os valores da promoçãodadignidadedapessoa,nãosóinstruindo-osmastambémdando-lhestestemunho.

Essaavaliaçãonoslevaconsequentementeaprocederaalgumasescolhasmaisprofundasdonossacarisma;pede-nosespecialmente:• renovaraopçãodepartirdosúltimosemtodasasobras salesianas(cf.CG26106),educandoàresponsabilidadepelosdireitoshumanosem todas as nossas atividades e obras: escolas, centros de formação profissional,universidades,oratóriosecentrosjuvenis,paróquias,as-sociações,grupos.Tambémasobrasquenãoseocupamdiretamentede necessidade e marginalização podem e devem educar aos/e para os direitoshumanos(cf.CG26,107).Osdireitoshumanosvãomexercomo status quo, as estruturas de poder e os estilos de vida dominantes, os modelosdeconsumo;elessãoumpoderosomeioànossadisposiçãopara a promoção e a proteção dos menores mais periclitantes, mais fracos, mais desvalidos.

• renovaraopçãoporumaeducaçãointegral,emqueeducaçãoeevan-gelizaçãosejamcomoasduasfacesdeumamesmamedalha(cf.CG2629). Tal educação integral demanda formar os jovens ao empenhosocialepolítico,segundoainspiraçãodadoutrinasocialdaIgreja(cf.CG2643).Nocapítulo25deMateus,osquesãobenditosporhaverdadodecomeraquemtinhafomeedebeberaquemtinhasedeper-guntamaDeusquandootinhamvistofamintoousedento:eofazemporquepensamhaverfeitoumaaçãosimplesmentehumanitária,semqualquerreferênciaàvidaeterna.ApalavradoevangelhorespondeidentificandoapresençadeDeusSalvadornapessoadosúltimos.

Ousaria dizer que quando o salesiano, premido pelo amor de Deus, se devotaàpromoçãodosdireitoshumanos,estácelebrandoaliturgiadosdi-reitoshumanos,porqueaglóriadeDeuséoHomemVivente(Sl150);éporissoqueeuousariafalardeliturgiadosdireitoshumanos.ComodiscípulosdeJesus,àluzdafé,podemosvalorizarosdireitoshuma-

noscomo‘historicização’doprojetodeDeus,semesquecerquesãoelesumarespostaprovidencialaogritodemilhõesdemulheresedehomens,mesmonão-crentes,queclamampordignidadequandoestalheséespezinhada.

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3 Reciprocidade frutuosa entre sistema preventivo e direitos humanos

O sistema preventivo e os direitos humanos interagem enriquecendo-semutuamente. O sistema preventivo confere aos direitos humanos umaabordagem educativa única e inovadora relativamente aomovimento depromoção e proteção dos direitos humanos, até agora caracterizado pelaperspectivadadenúncia«aposteriori»(expost):adenúnciadeviolaçõesjácometidas.Osistemapreventivoofereceaosdireitoshumanosaeducaçãopreventiva,ouseja,aaçãoeaproposta«apriori»(exante).Comopessoasdefé,podemosdizerqueosistemapreventivoofereceaos

direitoshumanosumaantropologiaquesedeixainspirarpelaespiritualida-deevangélicaeconsideracomofundamentodosdireitoshumanosodadoôntico da dignidade de cada pessoa semdistinçãodequalquerespécie,sejaderaça,cor,sexo,língua,religião,opi-nião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimen-to, ou qualquer outra condição.28

Domesmomodoosdireitoshumanosoferecemaosistemapreventivonovas fronteiras e oportunidades de diálogo e colaboração em rede, com outrossujeitos,afimdemostrareremoverascausasdeinjustiça,iniquidadeeviolência.Osdireitoshumanosalémdissooferecemaosistemapreventivonovas fronteiras e oportunidades de impacto sociocultural como resposta eficaz ao “dramadahumanidademodernapela fratura entre educaçãoesociedade,dafraturaentreescolaecidadania”.29

Noatualcontextoglobalizado,osdireitoshumanossetornamumins-trumentoemcondiçãodeultrapassarosangustosconfinsnacionaiscomquecolocar limiteseobjetivoscomuns,criaraliançaseestratégias,emobilizarrecursos,humanoseeconômicos.

28 Assim reza o art. 2 da Declaração Universal.29V.DonPascualChávezVillanueva,Educazioneecittadinanza.LectioMagistralisperlaLaureaHonoris

Causa, Genova, 23 aprile 2007.

4 Conclusão

DomBosconãopodiafalardedireitoshumanosdascriançasedosado-lescentes,porquenãoexistiasequeracategoriajurídica;masDomBoscofoium precursor de tantos elementos da visão da criança e do adolescente que hojevemdefinidacomolinguagemdosdireitoshumanos.AssimtambémDomBoscofoiumprecursordetantoselementosdaquelaquehojesedefineeducação à cidadania mundial responsável.

Caros irmãos e irmãs, este Congresso não quis ser o evento de conclusão do ano da Estreia para 2008, mas aspira a ser um impulso decisivo para in-centivarodesenvolvimentodeumacaminhadadebusca,formaçãoeaçãoque devemos levar avante agora em nossas realidades inspetoriais e locais. EstáistoemsintoniacomoCG26,confiadojáànossaconcretização,sobre-tudonoquedizrespeitoaosnúcleosdaurgênciadeevangelizar,dapobrezaevangélicaedasnovasfronteiras.EsteéocaminhodaCongregação.EstoufelizporteremestadopresentesaoCongressotambémrepresen-

tantesdegruposdaFamíliasalesiana:seráassimmaisfácilrefletir,formar-seetrabalharunidos,tambémnestanovafrentedaeducação.Aolongodestesdiasacompanhou-nosumsímboloquequisrepresentar

tantooCristo,quedoaltonosatraioolhar,quantonósmesmos,chamadosavivercomospésnaterraeoolharnoscéus,quantoaindaosjovens,espe-cialmenteospobres,abandonadosepericlitantes,aquemdevemosajudarasetornarembonscristãos,honestoscidadãoseumdiacidadãosdocéu.Éuma das metáforas da liberdade e da alegria de viver na plenitude da digni-dadehumana.ConfioaNossaSenhoraAuxiliadora,nossaMãeeMestra,asvossaspes-

soas,ovossotrabalho,onossoempenhodefidelidadeaDomBoscoeaosjovens. Ela continuará a guiar-nos e amodelar o nosso coração pastoral,como o fez com Dom Bosco.

Roma,6dejaneirode2009Solenidade da Epifania

P.PascualChávezVillanuevaReitor-Mor

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Artigo

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Direitos Humanos numa perspectiva cristã

P. Orestes Carlinhos Fistarolinspetor salesiano

Inspetoria Salesiana São Pio X

A partir da Declaração das Nações Unidas de 1948, o tema dos direitos humanosdespertoumuitointeressenareflexãoenapráxisdasNaçõesedospovos. Pode-se dizer que a humanidade foi dando saltos qualitativos nasquotasdehumanização.Suahumanizaçãoeseucrescimentoserealizaramgraçasàsrelaçõeshumanas.Taltemasuscitouinteressetambémnareflexãoteológicaenavidacristã,

suscitando inúmeras iniciativasnocampoecumênicoe inter-religiosopelobemdetodaahumanidade.É importante refletir sobreoque seentendepordireitoshumanose

crescernabuscadosfundamentos.Apesardosdesafios,éfundamentalper-ceberqueoqueahumanidadetemcodificadoeticamenteejuridicamentehoje, em relação aos direitos humanos, é fruto dos saltos de qualidadequeasNaçõeseospovos foramfazendoembuscadahumanização.Asdeclaraçõesoficiaisfuncionamcomoesteiosquepermitemahumanidadeavançar.AIgrejaCatólica,atravésdesuapráxismilenar,alémdedarsuacontri-

buiçãosignificativaparaqueosdireitosdossereshumanosfossemassegura-dos,contribuiu,sobretudo,paraqueahumanidadenuncaperdessedevistaofundamentodaéticaedodireito.Qualquer sociedadeque sepreze é chamada a acreditar na educação

comocaminhoprivilegiadoparaatransmissãoevivênciadosdireitoshuma-nos em âmbito pessoal e social.

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1 Conceito de Direitos Humanos

Asexpressões“direitoshumanos”ou“direitosdohomem”sãoformula-çõeshistóricasnascidasnaépocamodernadaculturaocidental,querecolhemassensibilidadesmoraisbásicasdadignidadehumana.30 No mundo inteiro o conceito passa a ser mais difundido quando, em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adota a Declaração Universal dos Direitos Humanos.Herkenhoffentendepordireitoshumanosaquelesdireitosfundamentaisqueohomempossuipelofatodeserhomem,porsuapróprianaturezahumana,peladignidadequeaelaéinerente.Sãodireitosque não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.31 Esteconceitonãoéabsolutamenteunânimenasculturas.Contudo,no

seunúcleocentral,alcançaumarealuniversalidadenomundocontemporâ-neo.Eleéresultadodeumaevoluçãodopensamentofilosófico,jurídicoepolíticodahumanidade.Éimportanteressaltarquenosubstratodoenuncia-dotécnico-jurídicomoderno,hánoconjuntodotextovaloresmilenaresquedãoalmaàDeclaraçãode1948,quecontém30artigos.

Existem nações que vivenciam mais e outras menos os artigos emanados naDeclaraçãode1948.Observandoarealidademundial,pode-seafirmarqueelesaindanãosedimentamaorganizaçãodasnações.AprópriaDecla-ração das Nações Unidas propõe a Justiça, a Paz e a Igualdade, como ideais da civilização,mas não fornece instrumentos para a plena eficácia dessesprincípios gerais. Nessa perspectiva eles podem ser vistos e sentidos muito maiscomoumprojetohistóricoaserrealizado.32

2 Direitos Humanos e cultura cristã

Asgrandes religiões e sistemasfilosóficosdahumanidade concordam,nos seus grandes postulados, com as ideias centrais que caracterizam este conjuntodeprincípiosquedenominamos“DireitosHumanos”.33

30Cf.VIDAL,Marciano.DicionáriodeMoral.Aparecida,EditoraSantuário,s.d.,p.168.31HERKENHOFF,JoãoBaptista.CursodeDireitosHumanos.Vol.1–GênesedosDireitosHumanos.SãoPaulo,EditoraAcadêmica,1994,p.30-31.OautoréconsideradoumdosmaioresjuristasdoBrasileespecialista em Direitos Humanos.

32 Cf. Ibidem, p. 31-32.33 Cf. Ibidem, p. 33 ss.

Naculturacristãosvaloresqueorientamos“DireitosHumanos”estãopresentesnaSagradaEscritura.Paraoscatólicos,alémdaSagradaEscrituraacrescentem-seaTradiçãoeoMagistérioeclesial.

Na literatura veterotestamentária podemos evidenciar tais valores. O gri-topela justiça (Amós,Miqueias).A igualdade entre as pessoas.O acolhi-mento ao estrangeiro. O direito de asilo, o repouso dominical, o direito à alimentação superpondo-se ao direito da propriedade privada. A proteção dos instrumentosdetrabalhoemfacedopenhor,asacralidadedosalário(Deuteronômio).Asolidariedadeparacomoórfãoeaviúva(DeuteronômioeProvérbios).Acondenaçãodausura(Êxodo,Neemias).A identidadedeorigemdossereshumanoscriadosàimagemdeDeus(GênesiseSalmos).Afraternidade(Levítico,Provérbios).Apaz(Miqueias).Nahistória,DeusfaloupormeiodeseuFilhoJesus(Hb1,1ss),comquem

chegaaplenitudedostempos(Gl4,4).Deus,queéSantoeamaossereshu-manos,chamaatodos,pormeiodeJesus,aseremsantos(cf.Ef1,4-5).Jesusfazdosdiscípulosseusfamiliares,porquecompartilhacomelesamesmavidaqueprocededoPaielhespede,comodiscípulos,umauniãoíntimacomele,obediência à palavra do Pai, para produzirem frutos de amor em abundância.34 Jesus anunciou e instaurou em sua pessoa e em suas obras o Reino de

Deus,novoeaomesmotempodefinitivo.Exigeumaconversão,umamu-dançadementalidadeporpartedosdiscípulos.Anuncia-lhesanovajustiça,medianteaqualelesimitarãooPaiceleste:“Sede,portanto,perfeitoscomovossoPaidocéuéperfeito”(Mt5,48);“Sejammisericordiosos,comotam-bémoPaidevocêsémisericordioso”(Lc6,36).Comoconsequênciadessanovajustiçaconsiderarãoetratarãoatodosossereshumanoscomoirmãose irmãs.Jesusassumiuapartedospobresedos infiéis, condenouadurezade

coraçãodossoberbosedosricosquedepositamsuaesperançanosprópriosbens. Com suas palavras e com seu exemplo, Jesus no momento de sua mor-teeressurreiçãoadotouaatitudedaentregatotaledosacrifíciodaprópriavidapelahumanidade.“Ele,apesardesuacondiçãodivina,nãofezalardedeserigualaDeus”(Fl2,6).Apesardepossuirtodososdireitosdivinosehumanos,renunciouimpô-lose,destaforma,“seesvazioudesi”(Fl2,7).“Tornando-seobedienteatéamorte”(Fl2,8),derramoueofereceuparao

34DOCUMENTODEAPARECIDA.SãoPaulo,Co-ediçãoCNBB-Paulus-Paulinas,n.133.

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bemdetodosossereshumanosoprópriosanguenuma“novaaliança”(Hb8-10).Osescritos apostólicosmostrama Igrejadosdiscípulosde Jesus como

umanovacriaçãoefetuadapeloEspíritoSanto.MediantesuaaçãoaspessoashumanassãoenriquecidascomadignidadedefilhosadotivosdeDeus.Emrelaçãocomosoutrossereshumanos,osfrutosdoEspíritoSantonocristãoenacristãsão:amor,alegria,paz,paciência,amabilidade,bondade,fideli-dade,modéstia,autodomínio.Poroutrolado,estatransformaçãointerioremoralexcluiasdiscórdias,asrivalidades,acólera,asfacções,asdivisões,ainveja,oshomicídios(cf.Gl5,19-23).

O traço de união indissociável entre Cristianismo e Direitos Humanos re-sultadequeovalordoserhumanodiantedeDeusnãoestánemnacordesua pele, nem no seu sexo, nem no seu estatuto social, nem muito menos na suariqueza,masnofatodequeemCristoeleéaceitocomofilhodeDeus.35

OApóstoloPaulo,naprimeiraCartaaosCoríntios refere-seaoserhu-manocomotemplodoEspíritoSanto:“VocêsnãosabemquesãotemplodeDeusequeoEspíritodeDeushabitaemvocês?SealguémdestróiotemplodeDeus,Deusodestruirá.PoisotemplodeDeusésanto,eessetemplosãovocês”(1Cor3,16-17).EstaafirmaçãoéricadeconsequênciasnoqueserefereaosDireitosHumanos.ComoumserqueétemplodoEspíritoSanto,ouseja,moradadopróprioDeus,podeserexplorado,discriminado,morrerdefome?Nenhumaviolaçãodosdireitoshumanosserácoerentecomapro-clamaçãodoserhumanocomocasadeDeus.36

3 Declarações dos Direitos

EmboranoCódigodeHamurábi,emanadonaBabilônianoséculoXVIIIantesdeCristo, já tenhamsidoasseguradosdireitosaossereshumanos,aconsciênciadadignidadehumanavaificandomaisevidentenahistóriacomoreconhecimentosocialdaliberdadehumana.Aliberdadeentendidacomovalor moral.Tantoadignidadehumanaquantooreconhecimentosocialdesualiberda-

derecebemsuajustificativaesuaverificaçãonaIdadeModerna,nasDeclara-

35Cf.aCartaaosRomanosetambémGl3,25-29.36Cf.HERKENHOFF,p.36.

ções dos Direitos Humanos. As Declarações como bases das estruturas política ejurídicadasociedademoderna,começamcomadeclaraçãodeindependên-ciadosEstadosUnidosdaAmérica(1776)quedáporpressupostos“certosdireitosinalienáveis”.Desdeentão,asDeclaraçõesmaisimportantessão:a)DeclaraçãodeDireitosdaVirgínia(1776).Éaprimeiraquecontémumalistaespecíficadedireitosdoserhumanoedocidadão.

b) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793), adotada pela Assembleia constituinte francesa. Essa declaração encarnou, du-ranteoséculoXIX,osideaisdasociedadeliberal,esobasuabandei-ra transformou-se na estrutura política e social do Ocidente. Inspira declarações dos direitos que aparecem nas constituições liberais de muitospaísesduranteoséculoXIX.Paulatinamente,asdeclaraçõesdedireitosdapessoavãosendocomunsatodosospaísese,até,coexis-tem com todas as formas de governo, incluindo as de tipo autoritário ou totalitário.

c) Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), adotada em Pa-ris pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Nela aparece um equilí-brio entre as liberdades individuais e os direitos sociais.

Pactos, declarações, convenções e atividades de organizações interna-cionais ligadas à Organização das Nações Unidas realizados posteriormente representamavançosparatutelarosdireitoshumanosdesdeaapariçãodoEstadomoderno.Istomostraqueosdireitoshumanosnãoficaramestabili-zados na Declaração Universal, proclamada em 1948, mas continuaram e continuamsendoconstruidosnadialéticadahistória.37

4 Direitos humanos e Magistério da Igreja Católica

ApartirdofinaldoséculoXIX,sobopontificadodoPapaLeãoXIII,adoutrinaoficialdaIgrejaCatólicaadotouumaforteposiçãoafavordosdi-reitoshumanos.38OMagistérioaprecioupositivamenteaDeclaraçãoprocla-mada pelas Nações Unidas.

37 Cf. VIDAL, p. 169-170.38 O Papa Leão XIII publicou aos 15 de maio de 1891 a Encíclica social Rerum Novarum,“sobre asituaçãodosoperários”.Comelase iniciaachamada“DoutrinaSocialda Igreja”.OsPapasqueosucederam insistiram em comemorar este acontecimento.

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A Encíclica Pacem in terris, do Papa João XXIII, considera positiva a De-claração de 10 de dezembro de 1948.39Nelafaz-setambémumaDeclaraçãodosdireitoshumanosdopontodevistacristão.40 OconjuntodosdocumentosdoConcílioVaticanoIIofereceumaexposi-

çãosistemáticadosdireitosfundamentaisdoserhumano.Formulaexpres-samenteumaatitudepositivafrenteaestarealidadedaépocaatual.DizaConstituiçãoquefaladaIgrejanomundodehoje:Ohomemdehojeestáacaminhodedesenvolvermaisplenamenteasuaperso-nalidadeededescobrireafirmar,cadadiamais,osseusdireitos.MascomofoiconfiadoàIgrejamanifestaromistériodeDeus,desteDeusqueéofimúltimodohomem,aomesmotemporevelaaohomemosentidodesuaprópriaexis-tência,asaber,averdadeessencialarespeitodohomem.AIgrejasabeperfei-tamentequesóDeus,aoqualserve,respondeàsaspiraçõesprofundíssimasdocoraçãohumano,quenuncasesaciaplenamentecomosalimentosterrestres.Sabealémdissoqueohomem,impulsionadosemcessarpeloEspíritodeDeus,jamaisserádetodoindiferenteaosproblemasdareligião,comosecomprovanãosópelaexperiênciadosséculospassados,mastambémpeloabundantetes-temunhodosnossostempos.Ohomem,comefeito,desejarásempreconhecer,aomenosconfusamente,osignificadodesuavida,desuaatividadeedesuamorte.AprópriapresençadaIgrejarecorda-lheestesproblemas.Ora,somenteDeus,quecriouohomemàsuaimagemeoremiudopecado,ofereceumarespostasatisfatóriaaestasquestões.RealizaistopelarevelaçãoemseuFilho,quesefezhomem.TodoaquelequesegueCristo,oHomemperfeito,torna-seeletambémmaishomem.Apoiadanestafé,aIgrejapodesubtrairadignidadedanaturezahumanaatodasas mudanças de opiniões que, por exemplo, ou deprimem demasiadamente ou exaltamsemmedidasocorpohumano.Adignidadepessoalealiberdadedohomemnãopodemseradequadamenteasseguradaspornenhumaleihumana,comoosãopeloEvangelhodeCristoconfiadoàIgreja.Comefeito,esteEvange-lhoanunciaeproclamaaliberdadedosfilhosdeDeus.Rejeitatodaaservidãoderivada,emúltimaanálise,dopecado.Respeitaescrupulosamenteadignidadeda consciência e a sua decisão livre. Adverte, sem cansar, que todos os talentos humanosdevemserreduplicadosparaoserviçodeDeuseobemdoshomens.E,finalmente,recomendatodosàcaridadedetodos.Istocorrespondeàleifun-

39 Cf. JOÃO XXIII. Pacem in terris. São Paulo, Paulinas, 1963, n. 143-144.40 Cf. Ibidem, n. 11-27.

damentaldaeconomiacristã.AindaqueomesmoDeusCriadorsejaSalvadore igualmenteSenhor, tantodahistóriahumanacomo tambémdahistóriadasalvação,contudo,estaprópriaordemdivina,longedesuprimiraautonomiajustadacriaturaeprincipalmentedohomem,antesarestabeleceeconfirmaemsua dignidade.AIgreja,portanto,porforçadoEvangelhoquelhefoiconfiado,proclamaosdi-reitosdoshomenseadmiteeapreciamuitoodinamismodotempodehoje,quepromoveestesdireitosportodaparte.MasestemovimentodeveseranimadopeloespíritodoEvangelhoeprotegidocontratodasasaparênciasdafalsaauto-nomia. Pois somos expostos à tentação de pensar que os nossos direitos pessoais sóestãoplenamentegarantidosquandonosdesligamosdetodasasnormasdaLeidivina.Porestecaminho,porém,longedesersalva,adignidadedapessoahumanaperece.41

OPapaPauloVI,naCartaApostólicaOctogésima adveniens, ao mesmo tempoemqueapreciaasdeclaraçõesdosdireitoshumanos,fazumacríticaaosistemajurídicocorrespondente,pedindoapassagemdoreconhecimentoformalaoreconhecimentoreal(OA,n.23).Aproclamaçãoeadefesadosdireitoshumanosforamumaconstantenão

sónasEncíclicassociais,masemtodoomagistériodoPapaJoãoPauloII.42 Eleenfatizoucomoaspectopositivoocrescenterespeitopelosdireitoshuma-nosnoContinenteAmericano.Recordouque“ofundamentosobreoqualseapoiamtodososdireitoshumanoséadignidadedapessoa”43ereafirmou:osdireitosfundamentaisdapessoahumanaestãoinscritosnamesmanatureza.São queridos por Deus e, portanto, exigem seu universal respeito e aceitação. Nenhuma autoridade humana pode transgredi-los, fazendo apelo amaioriasou a consensos políticos, com o pretexto de que deste modo são respeitados o pluralismoeademocracia.AIgrejadeve,porisso,empenhar-senaformaçãoenoacompanhamentodosleigosqueatuamnoâmbitolegislativo,nogovernoenaadministraçãodajustiça,afimdequeasleisexprimamsempreprincípiosevaloresmoraisqueestejamdeacordocomumasadiaantropologiaequete-nhampresenteobemcomum.44

41 Gaudium et spes,n.41inCompêndiodoVaticanoII.Constituições,Decretos,Declarações.Petrópo-lis, Vozes, 1996, 25ª ed.

42 A primeira Encíclica de João Paulo II foi a Redemptor hominis, publicada em março de 1979. Ressalte-se dela o n. 17. As três Encíclicas sociais de João Paulo II foram: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e Centesimus annus (1991).

43 JOÃO PAULO II. Ecclesia in América. São Paulo, Paulinas, 1999, n. 57.44 Ibidem, n. 57.

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Contudo,JoãoPauloIIafirmouque,aoseremconsideradasasviolaçõesdos direitos das pessoas e de grupos sociais no Continente Americano, per-manece muito a ser feito.45 AIIIConferênciadoEpiscopadoLatino-Americano(Puebla–1979)en-

fatiza:“adeclaraçãodosdireitosfundamentaisdapessoahumana,hojeenofuturo,éeseráparteindispensáveldesuamissãoevangelizadora”46 e apre-senta uma lista dos direitos mais importantes no momento atual.47

ODocumentodeSantoDomingoabordaotemadosdireitoshumanoscomonovossinaisdostemposnocampodapromoçãohumanaedenunciaa sua violação:Osdireitoshumanossãovioladosnãosóporterrorismo,repressão,assassinatos,mastambémpelaexistênciadecondiçõesdeextremapobrezaedeestruturaseconômicasinjustasqueoriginamgrandesdesigualdades.Aintolerânciapolíticae o indiferentismo diante da situação de empobrecimento generalizado mos-tramdesprezopela vidahumana concretaquenãopodemos calar.Merecemumadenúnciaespecialasviolênciascontraosdireitosdascrianças,damulheredos grupos mais pobres da sociedade: camponeses, indígenas e afroamericanos. Énecessáriodenunciartambémocomérciodonarcotráfico.48

OPapaBentoXVI,atravésdesuabrilhanteCartaEncíclicaDeus caritas est, convida à vivência do amor, mandamento fundamental de Jesus, como forma de fazer entrar no mundo a luz de Deus: Afé,quetomaconsciênciadoamordeDeusreveladonocoraçãotrespassadodeJesusnacruz,suscita,porsuavez,oamor.Aqueleamordivinoéaluz–fun-damentalmente,aúnica–queiluminaincessantementeummundoàsescurasenosdáacoragemdevivereagir.Oamorépossível,enóssomoscapazesdepraticá-lo porque criados à imagem de Deus.49 A V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, atenden-

do à proposta do Papa Bento XVI no discurso inaugural da mesma, propõe, diante do fenômeno da globalização:sentimosfortechamadoparapromoverumaglobalizaçãodiferente,queestejamarcadapelasolidariedade,pelajustiçaepelorespeitoaosdireitoshumanos,

45 Ibidem, n. 19.46IIICONFERÊNCIAGERALDOEPISCOPADOLATINO-AMERICANO–PUEBLA.Evangelizaçãonopresen-teenofuturodaAméricaLatina.SãoPaulo,Paulinas,2ªed.,n.1270.

47 Ibidem, n. 1271-1273.48IVCONFERÊNCIADOEPISCOPADOLATINO-AMERICANO–SANTODOMINGO.Novaevangelização,promoçãohumana,culturacristã.SãoPaulo,Paulinas,1992,n.167.

49 BENTO XVI. Deus caritas est. São Paulo, Paulinas, 2006, n. 39.

fazendodaAméricaLatinaedoCaribenãosóoContinentedaesperança,mastambémocontinentedoamor.50 Intimamenteconexocomotemadosdireitosestátambémotemados

deveresdoserhumano,51emboraestenãosejaoobjetodenossareflexãono momento.EsterápidoacenoaalgunsdocumentosrecentesdaIgrejamostracomoo

temadosdireitoshumanosdespertainteressenareflexãoteológica,noMa-gistérioenavidacristã,suscitandoinclusiveinúmerasiniciativasnocampoecumênicoeinter-religiosopelobemdetodaahumanidade.

5 Ética e direitos humanos

Arealidadedosdireitoshumanoséricaepodeserestudadaemdiferen-tes perspectivas e por diversos ramos da ciência.Dopontodevistaético,paraqueosdireitoshumanosadquiramoestatu-

tode“direitossubjetivos”oude“liberdadespúblicas”,precisamdoreconhe-cimentoqueprocededeumanormajurídica.Osdireitoshumanosnascemdeumafonteerequeremumconjuntodegarantiasquepertencemaoplanojurídico.Contudo,éprecisodizerqueacategoria“direitoshumanos”nãoesgotaoseusignificadonoplanojurídico.Ainstânciaéticadosdireitoshu-manoséumaevidênciaprimária.Todoodireitorepresentainteresseseideaisquepretendedefenderourealizar.Osdireitosfundamentaisdoserhumanosãocategoriaséticasenquantoexprimemvaloresbásicosqueanormajurí-dicanãopodetraduzirnemexprimircompletamente.Osdireitoshumanostraduzemumaideiadejustiçaquepretendeconverter-seemnorma.Osdireitoshumanossãoexpressõeshistóricasdaconsciênciaético-jurí-

dicadahumanidade.Existemdireitosfundamentaisqueoserhumanotempelofatodeserhumano,porsuapróprianaturezaedignidade.Direitosquelhesãoinerenteseque,longedenasceremdeumaconcessãodasociedadepolítica, devem ser por ela consagrados e garantidos.OPapaBentoXVI,nodiscursoquepronunciouporocasiãodosexagé-

simo aniversário da Declaração dos Direitos Humanos editado pela Assem-bleiageraldasNaçõesUnidas,afirmou:50DOCUMENTODEAPARECIDA,n.64.51PONTIFÍCIOCONSELHO“JUSTIÇAEPAZ”.CompêndiodaDoutrinaSocialdaIgreja.SãoPaulo,Pauli-

nas, n. 156

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Desde semprea Igreja reafirmaqueosdireitos fundamentais, alémdasdife-rentes formulações e do diverso peso de que podem se revestir no âmbito das váriasculturas,sãoumdadouniversal,porqueestãoínsitosnapróprianaturezadohomem.Aleinatural,escritaporDeusnaconsciênciahumana,éumdeno-minadorcomumatodososhomenseatodosospovos.Éumguiauniversalquetodospodemconhecereemcujabasetodospodemsecompreender.Osdireitosdohomemestão,portanto,fundadosemDeuscriador,oqualconcedeuacadauminteligênciaeliberdade.Seseprescindirdestasólidabaseética,osdireitoshumanospermanecerãofrágeisporqueprivadosdefundamentosólido.52 Aéticatemafunçãodeajudarnavivênciadosdireitoshumanosatravés

deorientaçãoeproteçãodetalformaquesetenhaumconjuntodegaran-tiasquetornempossívelarealizaçãodosmesmosemcadasituaçãohistóricaconcreta.Fazercomqueoconteúdonãofiqueemmeraretórica,masalcancea efetividade social.Nasociedadeodiscurso sobreosdireitoshumanosestápermeadode

ideologias.Umadasfunçõesdaéticaédefuncionarcomoinstânciacríticaquepermita libertarodiscurso sobreosdireitoshumanosdas ideologias.Estaspodemferirapromoçãodadignidadeinalienáveldoserhumanocomomembroativoereconhecidodeumasociedadeetambémapromoçãodobem comum.53

Esse esforço permite gerar uma práxis de diálogo entre todos os seres humanosdeboavontadequebuscamaconstruçãodeumasociedademaisjustaehumana.Odiscursosobreosdireitoshumanossetornarealidadenamedida em que começa a fazer parte da cultura de todos os povos, porque a culturarepresentaamemóriadosvaloresdeumgruposocial.54 Ora, a incul-turaçãodosdireitoshumanos,enquantovaloresbásicosdetodaumasocie-dade,configuraasestruturaseasinstituiçõessociaisefomentaosentidodesolidariedade nos povos e entre os povos.55

52BENTOXVI.DiscursonacomemoraçãodosexagésimoaniversáriodaDeclaraçãodasNaçõesUnidasinL’OSSERVATOREROMANO,Vaticano,Ediçãosemanalemportuguês,n.51,20/12/2008,p.3.

53Cf.paramaioresesclarecimentosMIFSUD,Tony.Unaconstruccionéticadelautopiacristiana–Moraldediscernimiento–TomoIV.Chile,Paulinas,1992,p.442ss.

54 Cf. Ibidem, p. 385 ss.55Entenda-seporinculturação:“oprocessofundamentaldatransmissãodumageraçãoaoutradopa-trimônioculturaldumasociedadenoseuconjunto,comafinalidadedeconservar,deperpetuaressepatrimôniodeconhecimentos,deideias,decostumesqueasociedadepossuieaoqualatribuisumaimportância”.Cf.VIDAL,p.324.

6 Educação como caminho privilegiado

A cultura encontra na educação um meio privilegiado para transmitir os valores coletivos de geração em geração. Embora a relação educação e culturasejacomplexanosdiasdehoje,pode-sedizerquetalrelaçãoexiste,namedidaemqueumprojetoousistemaeducativoincidenaculturaepodegerarmudançasocialtendoemvistaumasociedademaishumana.Oprojetoeducativoéchamadoarespeitaraoriginalidade(pessoa)ea

sociabilidade(comunidade)doserhumanojáquedeoutramaneiraovio-lentariaemsuaprópriaconstituição.Istoquerdizerqueaeducaçãoadquiresua autêntica relevância na sociedadenão enquanto “produz”peçasparauma sociedade já funcionando,mas enquantoajudaa formarpessoasnatarefa de construir uma sociedade.Oobjetivodetodaaeducaçãogenuínaéodehumanizarepersonalizaro

serhumano,orientando-oeficazmenteparaoseufimúltimoquetranscendeaofinito.Esseobjetivosóseráatingidoseexistirumprojetoeducativoquetenhaclarezadotipodeserhumanoquequerformar.Nasociedadeexis-temdiversosprojetosesistemaseducativos.Todoselesrefletemtendênciasantropológicasesedistinguementresipelafinalidadequequeremalcançar.Quantomaisaeducação seabreà transcendência, istoé,àverdadeeaoSumoBem,maishumanizadoraserá.56

Em1815,anodonascimentodeJoãoBosco,ahumanidadejáconheciaduasDeclaraçõesdosdireitoshumanos.Noséculoemqueeleviveumuitospaísesforamreformulandosuaslegislaçõesincorporandoosavançosdahu-manidadenessesentido.Elenãoestevealheioatodaessareflexão.Profun-damente inserido na realidade de seu tempo, percebeu muitos adolescentes ejovensdesrespeitadosnosseusdireitosfundamentaisnacidadedeTurim,marcada pelo grande fenômeno da revolução industrial.Após sua ordenação sacerdotal, depois de longo discernimento, Dom

Boscodecideconcretizarmaisaindaosonhoquetevenainfância:dedicar-setotalmenteàsalvaçãodosjovens,principalmenteosmaispobres.Escolheuocaminhodaeducaçãoeadotouumsistema,ummétododenominadopre-ventivovisandoaeducação integraldeles.Esseéogrande tesouroqueaFamília Salesiana tem para oferecer à sociedade.57

56 Cf. Gravissimum Educacionis, n.1 in Compêndio do Vaticano II.57 Para maiores esclarecimentos sobre o tema cf. CHÁVEZ, Pascual. Estreia 2008. Eduquemos com o

coração de Dom Bosco. São Paulo, Editora Salesiana, 2008.

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A educação salesiana, comprometida com a formação e a promoção dos adolescentesejovens,conhececlaramenteoquenecessitamparaumcresci-mentosadio:amor,limitesfirmesevaloresprofundos.

Considerações finais

Pormaiorquesejaograudedesenvolvimentodahumanidade,jamaisexistiránestemundooreinodobemdefinitivamenteconsolidadoondeosdireitosdos sereshumanos são totalmente respeitados.Quemprometesseissofariaumapromessafalsa.Ignorariaaliberdadehumana.Aliberdadehu-mana precisa ser incessantemente conquistada para o bem.58Eissoétarefanuncaconcluídaentreosmortais.Empenhacadaserhumano,asinstituiçõese a sociedade.Aeducação,amelhorianasestruturassociais,oprogressotécnico-cientí-

fico,asciênciascontribuemmuitoparaahumanizaçãodomundoedospo-vos,massãoinsuficientesparadarsentidoplenoàexistênciahumana.“QuemnãoconheceaDeus,mesmopodendotermuitasesperanças,nofundoestásemesperança,semagrandeesperançaquesustentetodaavida”.59

Somente fundamentada nesse valor supremo, princípio e fonte de todos os outros valores, poderá a sociedade apontar para um futuro onde será possívelhaver respeitoentre todosossereshumanos,entreospovoseasnaçõesdaterra.Mas,mesmoparaaquelesqueaindanãoreconhecemessevalorsupremo,osdireitoshumanoscontinuarãosendoumcaminhoparaaintegraçãodahumanidade.

58 Cf. BENTO XVI. Spe salvi. São Paulo, Paulinas, 2007, n. 24-26.59 Ibidem, n. 27.

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