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OUTRAS CONTRIBUIÇÕES

Sistemas de ensino no Brasil: formação da identidade nacional e

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Outras COntribuições

sistemas de ensinO nO brasil: fOrmaçãO da identidade naCiOnal e efeitOs da glObalizaçãO

Diva Chaves Sarmento �

Amanda Saber Vaz��

Christiane Santos Silveira���

Glaucileia de Oliveira Poncilio Rodrigues����

ResumoO texto trata da formação da identidade nacional brasilei-ra através do sistema de ensino. Os sistemas nacionais de ensino foram importantes na construção da modernidade e dos Estados Nacionais, sendo responsáveis por constituir uma identidade nacional. A globalização parece afetar es-ses processos. Foram analisadas as legislações de ensino; os livros didáticos de língua portuguesa, história, geografia; a prática em três escolas pertencentes aos sistemas fede-ral, estadual e municipal de ensino; e entrevistas com os docentes. Foram utilizados como referência, entre outros, textos de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darci Ribeiro e Roberto Da Matta sobre as característi-cas brasileiras, e textos de Stuart Hall, Manuel Castells e Anthony Giddens sobre a questão da identidade. O estu-do mostrou que consolidada a identidade nacional o foco passou para a formação da cidadania. A ênfase na consci-ência dos direitos e deveres, a preocupação com os pro-blemas ambientais, a aceitação e o respeito às diferenças étnicas e sociais estão muito presentes na escola.

� Professora do PPGE/UFJF. Doutora em Educação pela UFRJ. E-mail: [email protected]

�� Bolsista de Iniciação Científica, aluna do Curso de Pedagogia da UFJF. E-mail:[email protected]

��� Bolsista de Iniciação Científica, aluna do Curso de Pedagogia da UFJF. Tel: 32-3224-6596

���� Bolsista de Iniciação Científica, aluna do Curso de Pedagogia da UFJF. Tel: 32-88012809

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AbstractThe text discusses the formation of a brazilian national identity through the teaching system. The national teaching systems were important to the construction of the modernity and the National States, being responsible for building a national identity. The globalization seens to affect these processes. This work analyzed the legislations about teaching; the didactic books of portuguese language, history, geography; the pratice in three schools that belong to federal, state and municipal teaching systems; and interviews with the teachers. And this work also utilized as reference, among many texts, those written by Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darci Ribeiro and Roberto da Matta about the brazilian characters, and those written by Stuart Hall, Manuel Castells and Anthony Giddens about the question of the identity. The study has shown that now the focus is on the formation of the citizenship, when the national identity is already consolidated. The emphasis on problems, the acceptation and the respect to the ethnic and social diferences are very present on the school.

Introdução

O texto apresenta o relato de um trabalho que analisou a constituição da identidade nacional no atual sistema de ensino bra-sileiro, frente aos movimentos da globalização que vêm interferindo nas questões do nosso dia-a-dia.

Neste contexto, trabalhamos inicialmente com a leitura de autores como Da Matta, Darcy Ribeiro, Alfredo Bosi, que ao longo de suas obras vêm delimitando o mito e o real da constituição do povo brasileiro. Stuart Hall, Giddens, Boaventura de Sousa Santos foram referências para o estudo das mudanças ocorridas em função do processo de globalização.

A metodologia adotada levou em consideração a impor-tância das disciplinas de Língua Portuguesa, História e Geografia, além de comemorações cívicas realizadas nas escolas, tendo em vista seu histórico em gerar conhecimento e transmitir valores nacionais. Com isso, optou-se pela observação das referidas disciplinas em tur-mas de 1ª a 4ª séries de três escolas pertencentes aos sistemas federal, estadual e municipal de ensino, assim como o dia-a-dia das escolas, em suas atividades e comemorações.

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Paralelamente a essas observações, foram feitas análises dos livros didáticos utilizados pelas mesmas, uma vez que são considera-dos como uma das fontes de conhecimento dentro das escolas, além de seu caráter reprodutivo dos valores vigentes na sociedade.

Analisamos, também, os livros de leitura do início do século passado, bem como a legislação educacional desde a década de 1920 até os dias atuais e documentos como os referentes ao Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – e os Parâmetros Curricu-lares Nacionais – PCN’S – das disciplinas, buscando entender as mudanças ocorridas nos propósitos políticos e consequentemente nas ideias difundidas no ambiente escolar ao longo dos anos. Finali-zando, foram realizadas entrevistas com os gestores e professores de cada escola para sabermos a visão dos mesmos sobre a questão.

Podemos dizer que os livros utilizados nas escolas no início do século XX, possuíam intenção claramente pedagógica e em sua maioria eram livros de leitura. Por isso, muitas vezes ficava difícil estabelecer uma separação nítida entre os livros de entretenimento puro e o de leitura para aquisição de conhecimentos e estudo nas escolas, na-quele período, conforme estudo de Klinke (2000). Percebe-se que a literatura infantil propriamente dita partiu do livro escolar, do livro útil e funcional, de objetivo eminentemente didático.

Os livros eram usados como pretexto para ensinar outros pon-tos da matéria, tornando a escola destinatária privilegiada da produção desses textos. A importância da escola para o desenvolvimento da litera-tura infantil, no período, deve-se ao fato de seu fortalecimento enquan-to instituição e às campanhas de escolarização. Além disso, o meio es-colar era visto, e ainda o é como lugar privilegiado para a disseminação dos valores da classe dominante entre as classes subalternas. Devido às grandes mudanças do período e à preocupação em transmitir uma ideia de país em modernização, muitos valores dessa sociedade foram passa-dos adiante através dos livros de leitura. Assim, estes possuíam muitas características em comum, centradas nas ideias de civismo, tendo uma missão formadora e patriótica para as crianças.

Já nos livros didáticos atuais não se percebe uma intenção tão acentuada voltada para a formação da identidade nacional, mas sim uma preocupação com a aceitação do outro, do diferente seja na pers-pectiva social ou étnica, da conscientização de que somos constituídos da mistura entre os povos e que isso deve ser respeitado. O meio am-biente e os atuais problemas causados, ao longo do processo de indus-trialização pelo homem, também são temas de grande importância

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nos livros, trazendo uma busca pela mudança de hábitos objetivando reverter, ou ao menos amenizar, os inúmeros danos ocasionados à na-tureza. É dada importância aos Direitos da Criança e do Adolescente, com o objetivo de formar cidadãos conscientes.

Poucas questões referentes à nacionalidade são trabalhadas, salvo a constante presença da letra do Hino Nacional no final de to-dos os livros analisados além de quadrinhos de personagens criados por Maurício de Sousa e Ziraldo, autores brasileiros. Essa nova rea-lidade, que implicações tem apresentado para a formação da identi-dade nacional, objeto da pesquisa em andamento?

Os estudos da Legislação Educacional foram iniciados com a Lei de 15 de outubro de 1827, que foi a primeira lei de educação no Brasil. Esta mostrava a grande preocupação, por parte do gover-no, com a moral cristã do país, e a constituição dos novos membros do Estado brasileiro.

Em seguida, passou-se ao estudo dos dois volumes do li-vro intitulado Coletânea Federal do Ensino: Da Reforma Benjamim Constant à Reforma Darcy Ribeiro – 1891 a 1996, de José Márcio de Aguiar, no qual nota-se que a ênfase na formação do cidadão brasileiro aparece pela primeira vez na Reforma João Luis Alves, de 1925, em que, com a introdução da Educação Moral e Cívica, o governo mostra-se atento à necessidade de formar indivíduos com o sentimento de nacionalismo e amor à pátria. Para tal, incentivava a exaltação de fatos históricos do país, heróis nacionais e da língua materna, através das instituições de ensino.

A partir daí, observa-se a recorrente tentativa de formar in-divíduos preocupados com as causas do país, chegando, assim, à Lei Darcy Ribeiro de 1996, na qual se percebe uma maior preocupação com o respeito à diversidade cultural existente no Brasil, não deixando de abordar a necessidade de estudo, entre outros, da história e da língua do país, destacando os aspectos comuns no meio das diferenças.

Ainda nesses estudos, fizeram-se importantes as análises das Constituições Brasileiras, onde encontramos as definições de quem é, ou pode ser considerado o brasileiro; bem como documentos di-rigidos diretamente à educação, como os guias do livro didático de história, geografia, língua portuguesa e os PCNs, em que os primei-ros visam delinear os pontos importantes a serem apresentados nos livros didáticos, e os segundos têm por objetivo orientar as escolas na elaboração de seus currículos, chamando a atenção para determi-nados pontos mais importantes a serem trabalhados. Os documen-

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tos se relacionam, em muito, com a LDB de 1996 no que se refere ao tema Pluralidade Cultural no Brasil. Há a preocupação de incluir o diferente, na tentativa de remodelar a sociedade brasileira a partir dos alunos que aprendem, na escola, como viver em sociedade.

Deste ponto em diante, passa-se a aprofundar os assuntos aqui apresentados, com base em autores estudados. Apresenta-se a legislação e sua relação com o que aparece nos livros didáticos e como as escolas observadas trabalham com a formação da identida-de nacional do brasileiro.

O brasileiro

O início do século XX foi marcado por movimentos volta-dos para o fortalecimento da identidade nacional, tendo como prin-cipal agente o Estado. Dentro deste processo esteve envolvida uma série de fatores para que determinadas representações fossem toma-das como nacionais, ampliando o sentimento e a ideia de pertenci-mento a uma nação. Tais fatores definem o que tem caracterizado as nações: uma história que estabelece continuidade, heróis nacionais, uma língua oficializada, monumentos culturais, lugares memoráveis e paisagem típica, identificações pitorescas (costumes, especialida-des culinárias ou animal emblemático), tornando-se essenciais para a autorepresentação das pessoas que se identificam com a nação.

Realizando um levantamento sobre trabalhos que tivessem como enfoque a constituição do povo brasileiro, destacamos os es-tudos dos antropólogos: Roberto DaMatta e Darcy Ribeiro.

DaMatta (2004), na tentativa de encontrar um traço identi-ficatório para o país e para o povo, viu como essencial do brasileiro a capacidade de lidar com a realidade de maneira positiva. Desta-cou, no entanto, em seus estudos, três maneiras de ser. O Caxias, o cumpridor de leis, aquele que matem a ordem no trabalho e em ou-tros contextos; o malandro, caracterizado por aqueles que buscam vantagens com o mínimo de esforço; e o messias, com seu carisma, renunciando ao seu trabalho em benefício dos outros. Destaca ain-da três tipos de festas realizadas no Brasil, relacionadas com a ordem e a desordem. A procissão, simbolizando a postura de, em vez de discursar, rezar, em vez de ordenar, pedir; o carnaval, como expres-são da liberdade de viver uma ausência fantasiosa e utópica de miséria, trabalho, obrigações, pecado e deveres (DAMATTA, 2004, p. 38); e o

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desfile cívico, representando a ordem que requer a continência e a disciplina. Ainda para o autor, o modo de navegação social do bra-sileiro, as formas de cada um resolver seus problemas cotidianos, o Jeitinho, ou o “Você sabe com quem está falando?” são modos típi-cos do brasileiro, na tentativa de que as leis não sejam rigorosamente cumpridas, sendo usadas em favor dos que detêm o poder.

Darcy Ribeiro (1995) tenta responder algumas questões: Como se constitui o povo brasileiro? e Por que somos do jeito que somos?. Seu enfoque está na formação do povo brasileiro a partir da teoria das Três Raças, dando origem

a um povo novo que surge como uma etnia nacional, dife-renciada, culturalmente de suas matrizes formadoras, forte-mente mestiçadas, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos (RIBEIRO, 1995, p. 19).

O autor ressalta, ainda, o surgimento como um povo novo porque

é um novo modelo de estruturação societária, que inau-gura uma forma singular de organização sócio-econômi-ca, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial (RIBEIRO, 1995, p. 19).

Assim, o contexto no qual a questão da identidade nacional emerge, início do século XX, é o de uma complexidade evidente: é o de um país de formação colonial cuja difícil tarefa era a de construir um estado nacional e uma identidade nacional a partir desse legado de três séculos de colonização cuja ferida maior é a escravidão.

Naquele momento, a preocupação com o fortalecimento da identidade nacional brasileira criava margens para o desenvolvimento do movimento nacionalista que buscava a valorização das peculiarida-des da língua nacional e das tradições do país. Houve uma redefinição nas leis educacionais, com a introdução da disciplina Educação Moral e Cívica, que exaltava as comemorações das datas cívicas, bem como dos heróis nacionais, estando o Estado na base da difusão do senti-mento de pertencimento a uma nação. Portanto a escola passa a ser vista como principal agente difusor dos ideais que procuravam definir o caráter nacional brasileiro, tendo como aliado o livro didático.

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Entretanto, ao longo dos anos essa concepção foi modifi-cando-se. Com o aumento dos movimentos sociais, em busca de direitos iguais, o Estado viu-se obrigado a mudar o foco das con-cepções difundidas nas escolas, passando a valorizar o sentimento de igualdade entre as diferentes culturas, não mais na tentativa de homogeneizar a cultura. Outro fator que influenciou essa mudança de concepção foi o processo de globalização, que a cada dia mais tem interferido nos costumes locais, alterando assim a forma de se constituir uma identidade nacional, assunto que será abordado mais detalhadamente no próximo item.

Identidade em tempos de globalização

A questão da identidade vem sendo discutida na sociedade contemporânea a partir dos impactos sobre as culturas locais trazi-dos pelo processo de globalização, a partir do final do século XX. Ao mesmo tempo em que a globalização aproxima as nações e os povos dos avanços econômicos e sociais, diminuindo as fronteiras, por ou-tro lado, faz com que as culturas locais sejam influenciadas por cul-turas dominantes, fazendo surgir novas identidades, fragmentando o indivíduo moderno até aqui visto como um sujeito unificado.

De acordo com Hall (1988), na medida em que a globali-zação avança, as identidades vão sendo deslocadas ou descentradas. Velhas identidades que por muito tempo estabilizaram o mundo so-cial entram em declínio fazendo surgir novas identidades. Para ele, as sociedades tradicionais veem na tradição um meio de venerar o passado, perpetuando experiências de gerações. Já na modernidade os modos de vida são colocados em ação de uma forma diferente, pois rompem as tradicionais ordens sociais.

Outro autor que analisa a transformação da identidade a partir da desestruturação da ordem social tradicional é Anthony Giddens, argumentando que tal ordem limitava a identidade dos indivíduos à localidade. A realidade atual, a qual denomina como Alta modernidade ou Modernidade tardia oferece por sua vez ao in-divíduo uma identidade móvel, instável que o concentra em um projeto reflexivo onde não reside mais a referência da tradição e sim um mundo de diversidade.

Ao alterar as relações sociais, a modernidade transformou a percepção dos indivíduos acerca da segurança, confiança, perigos

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e risco, tornando-os cada vez mais ansiosos e inseguros, entretanto, favorece novas possibilidades de revisão de hábitos e costumes tra-dicionais. Ampliando as sensações de incertezas e perigos, aumenta a sensação de mal-estar e desorientação. Neste contexto o mundo tornou-se um lugar inseguro e essa insegurança alcança o indivíduo mesmo em sua mais remota comunidade. O global passa a condi-cionar os acontecimentos locais. A identidade nacional, uma das importantes referências identitárias a partir do século XIX, também vê-se repensada no contexto da globalização.

Sousa Santos (2000) chama a atenção para o fato de que a modernidade abriu as fronteiras entre as nações. No entanto, embora o local e o global se interliguem, trazendo à tona a imensa diversidade cultural, os povos mantêm sua identidade, e movimentos, que buscam acentuar suas características, aparecem em várias partes do mundo.

Tendo em vistas os pontos levantados, cabe pensar como a educação veio tratando a questão da formação da identidade na-cional do brasileiro ao longo do tempo e as mudanças com a globa-lização e os questionamentos à modernidade. Nos próximos itens, vamos apresentar alguns pontos que identificamos nos textos legais e didáticos em análise e nas observações realizadas nas escolas.

A questão da nacionalidade e identidade nacional na legislação e documentos educacionais

A primeira lei de educação do Brasil data de 1827, cinco anos após a independência ser proclamada. O país precisava se estabelecer como tal e o importante era formar cidadãos com os princípios da moral cristã, que se fazia pelas doutrinas da Igreja Católica, até então a religião oficial da nova pátria, e formar, pelo ensino da História e da recente Constituição do Brasil, os membros do Estado que se consti-tuía. Havia, ainda, a separação na escola e do conteúdo escolar para os homens, que deveriam ser preparados para o mercado de trabalho, e para as mulheres, que aprendiam prendas domésticas.

No entanto, o objetivo deste trabalho é compreender como se dá a formação da identidade nacional a partir de, mais ou menos, os anos 1930. Assim, a primeira lei encontrada foi a Lei da Refor-ma João Luis Alves, de 1925, na qual aparece pela primeira vez a educação moral e cívica. Nesta época, o país já havia se firmado como tal e precisava criar nos indivíduos o sentimento de nação,

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de pertencentes a uma pátria da qual deveriam se orgulhar e a qual deveriam ter o desejo de defender, e a escola seria o melhor meio de transmissão desse sentimento.

A Educação Moral e Cívica tinha por fim exaltar, nos atos cívicos e em todos os outros momentos passados na escola, bem como em trabalhos de história e literatura, nas datas comemora-tivas, na língua pátria, os grandes heróis nacionais, os deveres do cidadão e o sentimento de patriotismo. O artigo quarenta e oito, parágrafo quinto da referida Lei, é claro nessa perspectiva:

Art.48 – §5º- O programa de ensino da instrução Moral e Cívica, no curso secundário, constará de ampliação do en-sino ministrado no curso primário (art.55 parágrafo segun-do), acrescido de noções positivas dos deveres do cidadão na família, na escola, na pátria e em todas as manifestações do sentimento de solidariedade humana, comemoração das grandes datas nacionais, dos grandes fatos da história pátria e universal, homenagem aos grandes vultos representativos das novas fases históricas e dos que influíram decisivamente no progresso humano.

Tais ideais não foram explicitamente apresentados na Consti-

tuição de 1934; porém, com olhar mais profundo, podemos perceber no artigo cento e cinquenta, parágrafo único, letra “d”, que o ensino deveria ser feito especificamente na língua pátria em todas as escolas, mesmo que de cunho particular, uma vez que se desejava impedir que algumas colônias de estrangeiros continuassem a executar seu ensino na língua de seu país de origem, como faziam colônias alemãs, no Rio Grande do Sul. Assim também o foi com a Constituição de 1937; porém, esta se preocupou mais em definir quem era o brasileiro e quem poderia votar no país. Com relação aos cultos cívicos, apenas os cita como obrigatórios, juntamente com a educação física e trabalhos manuais, em seu artigo cento e trinta e um e cento e trinta e dois. Quanto à Constituição de 1946, tem-se apenas a obrigatoriedade de que o ensino seja feito em língua pátria.

Porém, entre 1942 e 1946, as Leis Orgânicas do ensino, as-sim chamadas por terem o objetivo de organizar o ensino primário e médio, também deram ênfase à Educação Moral e Cívica. Foram, ao todo, sete Leis Orgânicas, que são muito parecidas no que diz respeito à formação do caráter nacionalista dos alunos, pois este en-

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sino não deveria ser restrito a apenas uma disciplina, sendo que o aluno deveria comparecer aos ritos oficiais, sob pena de não poder realizar as últimas avaliações necessárias à sua promoção na esco-la. Isto foi o que encontramos explicitamente no artigo quarenta e nove, parágrafo segundo da Lei Orgânica do ensino Industrial.

Do culto cívicoArt.49 § 2º – Os alunos regulares, menores de dezoito anos, que faltarem a trinta por cento das comemorações especiais do centro cívico, não poderão prestar exames finais, de pri-meira ou de segunda época.

A prática da execução do Hino Nacional brasileiro é encon-trada no artigo vinte e quatro, parágrafo terceiro da Lei Orgânica do Ensino Secundário, que torna obrigatório o canto orfeônico, com destaque para o referido hino.

Durante o Regime Militar, iniciado em 1964, aparece no-vamente o nacionalismo se fazendo presente no governo, que ten-tava passar tal sentimento através das escolas. Assim, em 1971, a Reforma de 1º e 2º graus torna mais uma vez obrigatória a inclusão da Educação Moral e Cívica nas escolas, como se percebe no artigo sétimo da Lei 5692/71.

Do ensino do 1º e 2º graus(�) Art.7º. Será obrigatória a inclusão de educação Moral e Cívica, Educação física, Educação artística e programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observando quanto à primeira o disposto no Decre-to-Lei nº869, de 12 de setembro de 1969.

De acordo com Cunha e Góes (1985), as finalidades da Educação Moral e Cívica eram:

a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob inspiração de Deus;b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade; c) o fortalecimento da unidade nacional;d) o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e os grandes vultos da história;

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e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o co-nhecimento da organização sócio-politico-econômica do país;g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cí-vicas, com fundamento moral, no patriotismo e na ação construtiva visando ao bem comum;h) o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade

Com a redemocratização do país, a Constituição de 1988 trouxe apenas o artigo treze, parágrafo primeiro. Nele consta: (...) a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil (...) e são seus símbolos a bandeira, o hino, as armas, o escudo, re-presentando a honra, a glória e a nobreza do país; e o selo nacional, utilizado para provar a autenticidade dos atos do governo.

Com o início dos anos 1990, o mundo começa a passar por uma intensificação dos processos de globalização, como já explici-tado no início deste artigo. A relação entre os diferentes povos traz, portanto, a necessidade de se trabalhar no povo brasileiro a valori-zação da igualdade, o reconhecimento das diferenças e da origem das desigualdades, passando-se assim a haver maior percepção das diferenças raciais dentro do próprio país, e até mesmo nas bases da formação deste povo, que aprendemos ter sido formado por três di-ferentes raças. A partir dessa nova concepção e da necessidade de se formar o cidadão consciente, a LDB 9394/96 mostra maior impor-tância com respeito às diferentes regionalidades do Brasil, expressão da língua portuguesa e diferentes culturas na formação do brasilei-ro, como pode ser visto no artigo vinte e seis, parágrafo quarto.

Art.26- § 4º - O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia.

Essas representações observadas na legislação estão presentes em documentos didáticos com a perspectiva de orientar as escolas e influenciar o educando ao longo do tempo. Como mais um demons-trativo desse processo, observa-se que os órgãos governamentais sem-pre se preocuparam em controlar o que seria veiculado nas escolas.

No início do século, o Conselho Superior de Instrução Pú-blica da Capital Federal, então o Rio de Janeiro, analisava e aprova-

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va os livros adotados nas escolas. Tal aprovação se estendia, também, por outros estados, além do Distrito Federal. Isso foi verificado na análise do livro “Língua Portuguesa” escrito por Olavo Bilac e Ma-nuel Bomfim, no início do século passado.

Atualmente, essa análise é coordenada pelo Programa Na-cional do Livro Didático-PNLD. Também o currículo escolar tem sido cuidadosamente pensado em função dos valores e propósitos que a sociedade tem para o País.

Nesse trabalho vale destacar alguns pontos enfatizados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e nas orientações para análise dos livros didáticos aprovados pelo PNLD (2007).

Nota-se, nos anos 1990, uma mudança de foco que pode ser caracterizada como: da formação da nacionalidade para a formação da cidadania. Chama-se a atenção para a percepção de que histórias individuais se integram e fazem parte do que se denomina história nacional e de outros lugares. A diversidade é a marca da vida social brasileira, convivendo no território nacional diversas etnias indígenas que guardam cada uma delas identidade própria, além de uma po-pulação formada por descendentes de povos africanos, de imigrantes e descendentes de povos originários de diferentes continentes, com tradições culturais e religiosas diversas. Ressalta-se o papel da esco-la onde se pode dar a convivência entre crianças de origens e níveis socioeconômicos diferentes, com visões de mundo diversas das que compartilham em família. Enfatizam-se as variadas heranças cultu-rais que convivem na população brasileira, sendo importante oferecer orientações que contribuam para a formação de novas mentalidades e para a superação de todas as formas de discriminação e exclusão. Apesar do reconhecimento da diversidade que constitui a sociedade brasileira, afirma-se a constituição de algo intangível que se tem chama-do de brasilidade, que permite a cada um reconhecer-se como brasileiro (PCN, 1997). O Brasil tem se constituído um espaço onde as expe-riências de convívio e interetnicidade, a reelaboração das culturas de origem estão presentes. Destaca-se também que o Brasil representa uma esperança de superação de fronteiras e de construção da relação de confiança na humanidade. A composição cultural do brasileiro a partir do entrelaçamento de influências recíprocas tem levado à con-figuração e à permanente redefinição da identidade nacional. Um dos objetivos gerais do ensino fundamental, indicados pelos PCN’s, é conhecer as características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressiva-

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mente a noção de identidade nacional e pessoal, e o sentimento de pertinência ao país. Desse modo, entende-se ser importante respeitar a diversidade social e cultural, marca do país, buscando, ao mesmo tempo, pontos comuns que fortaleçam a unidade nacional. Alerta-se para o sentimento de desvalorização cultural, traço característico de país colonizado, presente ao longo de nossa história. Outro destaque é entender ser um imperativo do trabalho educativo voltado para a cidadania valorizar a diversidade cultural, superar as discriminações, uma vez que a desvalorização cultural e a discriminação são entraves à plenitude da cidadania para todos, e, portanto, para o próprio sen-timento de nação.

Identidade Nacional: ideias e expectativas traduzidas nos livros didáticos

Analisando livros didáticos utilizados nas escolas brasileiras ao longo do século passado, verifica-se que seu conteúdo reflete o ideário presente nas legislações de cada período histórico.

Os livros didáticos, do início do século, ofereciam ensina-mentos morais e cívicos com o objetivo de, por um lado, educar, ins-truir, formar o homem e, por outro, preparar o cidadão habilitando-o para a vida em sociedade, arregimentando-o para a nação. Esperava-se que desde jovem desenvolvesse um amor, um orgulho pelo passado e pelas tradições de sua Pátria. O conhecimento da história do país, do valor de seus heróis era visto como importante para formar o orgulho de sua raça e uma consciência de sua nacionalidade e confiança no futuro da Pátria. Os textos oferecidos aos alunos para leitura procu-ravam fazer uma retrospectiva da história através de contos, relatos sobre a vida de figuras históricas, fatos locais, regionais e nacionais, e sobre costumes e valores que se pretendia divulgar.

As figuras ilustrativas dos livros também muito se aproxi-mam destes objetivos, pois remontam aos acontecimentos relatados nos textos. Pode-se perceber algumas diferenças em edições poste-riores dos mesmos livros, uma vez que no início do século procura-va-se acentuar as marcas que remontassem à vida que levavam, por exemplo, o sertanejo, o caipira, em comparação com os doutores. Em textos do final do século procurava-se passar a ideia de igualdade.

De acordo com as leituras dos livros Livro de Leitura Comple-mentar das Escolas Primárias, de Olavo Bilac e Manuel Bomfim (edi-

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ção de 1926), Histórias da Terra Mineira de Carlos Góes, livro cuja primeira edição é de 1913 e a edição analisada é de 2001, e Contos Pá-trios de Olavo Bilac e Coelho Neto, edição de 1931, observa-se que, de maneira geral, alguns aspectos comuns estão presentes. Há uma ênfase nas tradições regionais e nacionais, carregadas de descrições de tais tradições, costumes e hábitos que procuram formar a identidade do indivíduo fortalecendo sua cultura e seus valores.

Estimula-se a participação na luta política com uma reflexão sobre as origens e condições do Brasil na perspectiva de mudanças no futuro. Aparece a chamada grandeza heroica dos mitos e também dos brasileiros que dedicaram sua vida à construção da pátria: José Bonifácio, Tiradentes, Duque de Caxias, Marechal Deodoro, entre outros. Muitas vezes, o patriotismo se vê arraigado à questão da ter-ra, que leva a grande valorização da defesa do território, da luta pela Pátria, que se expressa no sentimento de pertencimento à nação: por fazer parte da pátria caberia a seus patriotas sua defesa e luta pela preservação de sua grandeza territorial.

Assim, ao analisar Contos Pátrios de Olavo Bilac e Coelho Neto, que conta as histórias dos escravos, sertanistas e militares no contexto de suas revoltas, fala-se muito dos heróis de guerra, da va-lorização dos soldados, daqueles que morrem para defender a pátria. Verifica-se que os textos constantes nos livros analisados correspon-diam ao contexto e ao que preconizava a legislação da época.

Criticava-se o pessimismo nas escolas, presente em textos que difundiam, por exemplo, a inutilidade do esforço num meio social, condenado pelas leis fatais da história a ser campo de exploração de industriais de outras nações (ARARIPE JúNIOR, 1926). Criticava-se, também, o ensino oferecido, que, na visão de Rui Barbosa (1926), era uma ameaça contra a existência constitucional e livre da nação.

Ao longo do século XX houve momentos de maior ou me-nor ênfase nas questões da formação da nacionalidade, acompa-nhando o contexto refletido nas determinações legais. A mudança presente na legislação e nos documentos dos anos 1990 em diante também aparece nos livros didáticos analisados.

Ao analisar os livros didáticos utilizados nas escolas, a par-tir dos anos 1990, percebe-se uma preocupação com a aceitação dos diferentes povos. Essa característica está presente em gravuras e ilustrações onde sempre são destacadas pessoas de diferentes etnias inter-relacionando-se, ou em textos que falam da importância de se interagir com o diferente. Os livros analisados e utilizados desta-

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cam, ainda, a pluralidade cultural presente na sociedade brasileira, a preocupação em se preservar o meio ambiente, a questão dos di-reitos e deveres de cidadania. Um aspecto que também aparece são as contribuições dos diversos povos para a formação da cultura bra-sileira, na língua, na alimentação, na arte, etc. Em relação ao Meio Ambiente, observa-se que a Carta de Responsabilidades: vamos cuidar do Brasil, resultante da II Conferência Nacional Infanto – Juvenil pelo Meio Ambiente, está no final de quase todos os livros. Pôde-se perceber a presença do Hino Nacional em quase todos os livros, bem como o destaque às lendas do folclore, porém, sem o objetivo explícito, presente no início do século, de produzir o sentimento de nacionalismo nos alunos. Há uma ênfase na formação da cidadania, do sujeito ativo, voltado para a integração entre os povos, para o respeito ao diferente e para a inclusão social. A prática da cidadania, a ênfase na solidariedade e no conhecimento dos direitos e deveres são partes dos textos oferecidos para a leitura do educando.

A identidade nacional nas escolas

Foram observadas, durante dois semestres, três escolas perten-centes aos sistemas federal, estadual e municipal respectivamente. A partir das análises e das discussões realizadas no grupo de pesquisa, foi possível concluir que há pontos comuns em relação ao trabalho realiza-do nas escolas e, também, diferenças marcadas pela organização e recur-sos oferecidos pelos sistemas a que pertencem. Para complementar as observações, foram realizadas entrevistas com os docentes das escolas.

Uma conclusão inicial é a de que existe uma preocupação maior com o domínio de conteúdos, principalmente os de português e matemática. A identidade nacional tratada pela escola é refletida como uma identidade plural, formada pelo conjunto de diferenças de diversas etnias que contribuem para a formação do brasileiro. Outro aspecto destacado nas escolas é o folclore, com a realização de diversas atividades: pesquisa, teatro, gincanas, desenhos e confec-ção de figuras como Saci-Pererê, Caapora, Boi-Tatá, etc. Em relação a personagens da História, houve referência a Santos Dumont em uma escola. Os livros didáticos e os professores utilizam personagens de Maurício de Sousa e Ziraldo como a Turma da Mônica o Menino Maluquinho em suas atividades, mas nas capas de cadernos, objetos escolares e brincadeiras o que está muito presente são personagens

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como Piu-Piu, Homem-Aranha, Bob Esponja, Hello Kity, Yu-Gi-Oh!, divulgados pela mídia.

O brasileiro é visto como um povo que se integra e recebe bem o outro. Outras características destacadas no brasileiro são a de ser um povo lutador, religioso, que acredita no ser humano, um povo alegre, hospitaleiro, solidário, criativo, tolerante, mas descom-promissado com a política e com a economia, embora seja um povo trabalhador. Na fala dos docentes aparece a preocupação em formar os valores cívicos, a consciência dos direitos e deveres de cidadania e a consciência ambiental. Problemas ambientais, como a questão da água, da poluição e dos recursos minerais foram temas extensa-mente trabalhados durante as aulas. As questões relativas ao meio ambiente, à conscientização em relação aos direitos e deveres e a busca pela aceitação das diferenças sociais e étnicas existentes em nosso país estão muito presentes no dia-a-dia das escolas. O Brasil é apresentado entre outras nações como um país que tem problemas a enfrentar, como outros países, porém constituído por um povo mais alegre, comunicativo e esperançoso, o que é tido como positivo. Os pontos observados quanto ao que se espera em relação ao futuro do país e de seu povo são a defesa da intolerância com relação às injus-tiças e às desigualdades sociais e a falta de políticas públicas que ga-rantam os direitos básicos de cidadania para todos, como: moradia, educação de qualidade, saúde, alimentação, emprego. Um país onde não houvesse mais pessoas morando nas ruas, crianças trabalhando, governantes corruptos, falta de assistência aos direitos básicos do ci-dadão. Um país que use a pluralidade encontrada no seu povo como condição para o desenvolvimento. Espera-se a formação, através da escola, de um ser reflexivo, autônomo, consciente de seu papel na sociedade e sabendo respeitar a si mesmo e ao próximo. Os símbolos nacionais aparecem pouco, assim como apenas se informam os fe-riados como dia da Independência do Brasil. Uma data comemora-da foi o Dia da Consciência Negra pela obrigatoriedade de trabalhar na escola a cultura afro-descendente. Em duas escolas foram realiza-das visitas a museus, pesquisas sobre monumentos e observação do entorno da escola. Observa-se também certa desvalorização do que é nosso. Na análise dos livros didáticos, destacam-se as cores verde e amarela presentes em contorno de atividades, rabiscos e ilustrações. A figura do papagaio aparece como animal emblemático do Brasil, presente nos livros didáticos desde a citação da carta de Pero Vaz de Caminha. Sua presença, muitas vezes, faz pensar que o povo brasi-

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leiro é aquele capaz apenas de reproduzir, imitar aquilo que outras nações apresentam. No entanto, apareceu nas entrevistas com os docentes a preocupação em destacar que o brasileiro não pode ficar a mercê das situações, mas precisa aproveitar as oportunidades, sen-do capaz de criar, mudar, não aceitando só o estabelecido. Reconhe-ce-se a necessidade de ter produção intelectual e cultural própria.

Conclusão

Partindo de todas as análises realizadas, foi possível concluir que há uma grande diferença entre os ideais que se pretendeu passar, através da escola, ao longo do tempo. Dependendo da situação e das condições que o país possuía em determinado momento, houve mudanças. O início do século XX foi marcado pela necessidade de se estabelecer, nos indivíduos, o sentimento de pertencer a uma pá-tria, e, para tal, foi mobilizado todo o sistema educacional, através de leis e orientações que se refletiam tanto na rotina das escolas, quanto nos atos cívicos e trabalhos específicos sobre heróis nacio-nais e nos livros didáticos. Os textos de leitura promoviam a exalta-ção destes mesmos heróis, dos fatos históricos e dos valores a serem incorporados. A formação e a preservação da identidade nacional, do ser brasileiro, valorizando suas características e o compromisso com o país eram os pontos focalizados.

Com o processo de globalização, as necessidades da so-ciedade mudaram e lidar com a identidade nacional tornou-se uma questão mais complexa. Há o reconhecimento de que temos identidade própria, caracterizada por essa brasilidade resultante de nossa formação histórica, com características próprias reconheci-das, mas ao mesmo tempo em constante redefinição. No tema em pauta destaca-se a capacidade de conviver com a diversidade, de integrar culturas sem perder as próprias peculiaridades, sendo os brasileiros vistos como a esperança da superação de fronteiras e confiança no futuro. Por outro lado, paradoxalmente, há dificul-dades de lidar com os preconceitos, configurando-se o mito da democracia racial. Nos últimos anos, em função de movimentos de grupos que se sentem discriminados, principalmente negros e in-dígenas, que lutam pelo reconhecimento de seu papel na formação do brasileiro e valorização cultural, assim como acesso, em igual-dades de condições, aos bens públicos, foram aprovadas legislações

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para garantir condições de superar as desvantagens de origem. Há maior consciência dos direitos de todos. Nesse sentido é impor-tante verificar que tanto a legislação quanto os documentos volta-dos para orientar as escolas refletem as mudanças e propõem ações no sentido de uma educação cidadã, democrática, reconhecendo o direito de todos de viver a sua brasilidade apesar das diferenças. Um aspecto importante do processo é agora formar um sujeito que seja capaz de compreender e estabelecer relações com o dife-rente e com as demais nacionalidades, sem perder os aspectos que nos unificam e nos constituem como um povo, uma nação. Nesse contexto, procura-se traduzir nos livros didáticos e nas atividades escolares a necessidade de uma formação voltada para o respeito ao outro, destacando-se a pluralidade cultural como aspecto maior da maneira de ser do brasileiro. Em todas as formas de análise da pesquisa, observação nas escolas, entrevista com os docentes, e em especial nas análises dos livros didáticos, o que mais se destacou foi o desejo de que haja respeito ao próximo, com sua cultura e seus costumes diferentes. O que importa é que todos são cidadãos brasileiros e merecem ser igualmente respeitados.

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Data de recebimento: out/2008Data de aceite: fev/2009