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Fernando Manuel Mendes de Brito Almeida Sistemas de Numeração Precursores do Sistema Indo-Árabe Tese submetida à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto para obtenção do grau de Mestre em Ensino da Matemática Orientada por Carlos Manuel Monteiro Correia de Sá Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Departamento de Matemática Pura Agosto / 2007

Sistemas de Numeração Precursores do Sistema Indo-Árabe · precursores do sistema indo-árabe, nomeadamente, os sistemas de numeração babilónico, hieroglífico egípcio, ático,

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Fernando Manuel Mendes de Brito Almeida

Sistemas de Numeração Precursores do

Sistema Indo-Árabe

Tese submetida à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

para obtenção do grau de Mestre em Ensino da Matemática

Orientada por

Carlos Manuel Monteiro Correia de Sá

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Departamento de Matemática Pura

Agosto / 2007

ii

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Carlos Manuel Monteiro Correia de Sá manifesto a minha

profunda gratidão pela disponibilidade, pelo posicionamento crítico, pelo incentivo e

pela compreensão que me concedeu ao longo da concretização deste estudo.

iii

SISTEMAS DE NUMERAÇÃO PRECURSORES DO SISTEMA INDO-ÁRABE

Fernando Manuel Mendes de Brito Almeida

Dissertação de Mestrado Universidade do Porto, 2007

APRESENTAÇÃO

A noção de número e as suas extraordinárias generalizações estão intimamente

ligadas à história da humanidade. Em todas as épocas da evolução humana, mesmo nas

mais atrasadas, encontra-se no homem o sentido do número. Essa faculdade permite-lhe

reconhecer que algo muda numa pequena colecção quando um objecto lhe é retirado ou

acrescentado, sem que ele tenha testemunhado directamente essa alteração.

Ao curso da história estarão indubitavelmente associados os sistemas de

numeração, o desenvolvimento do conceito de número e as práticas de cálculo e

medição (Cousquer, 1992). Na realidade os números são-nos tão familiares que

raramente pensamos como é que eles apareceram (Crossley, 1987). Mas tal como refere

Robson (2001), não nos poderemos deixar seduzir pelo pensamento de que uma

matemática simples tem necessariamente uma história simples.

Encetaremos então um percurso pela história de alguns dos sistemas de

numeração, convictos de que a história das ciências abre as nossas ideias fechadas sobre

as nossas disciplinas e sobre o nosso tempo, fundando seguramente uma cultura (Serres,

1991).

Neste trabalho efectua-se uma análise descritiva de alguns sistemas de numeração

precursores do sistema indo-árabe, nomeadamente, os sistemas de numeração

babilónico, hieroglífico egípcio, ático, romano e hindu. E neste trajecto, por algumas

das fascinantes etapas do pensamento matemático, poderemos constatar que a

descoberta da numeração de posição escapou à maioria dos povos da história (Ifrah,

1994). De facto, tal não ocorreu na matemática grega mas sim no subcontinente indiano,

apenas tendo chegado à Europa alguns séculos depois (Flegg, 1974a).

No capítulo I efectua-se um breve enquadramento do conceito de número e da

numeração no decurso da história da matemática.

iv

Nos capítulos II, III e IV apresentam-se os sistemas de numeração babilónico,

ático e hindu, analisam-se as concepções que essas civilizações tinham do número e

estudam-se as principais características de cada um destes sistemas.

Apresentam-se ainda os anexos I e II destinados, respectivamente, a uma

abordagem sucinta do sistema hieroglífico egípcio e do sistema romano.

v

NUMERICAL SYSTEMS PRECURSORS OF THE INDO-ARAB SYSTEM

Fernando Manuel Mendes de Brito Almeida

Master Dissertation Oporto University, 2007

ABSTRACT

The notion of number and its extraordinary generalisations are intimately

connected to the history of humanity. In all periods of the human evolution, even in the

remotest ones, we find out that Man already had the sense of the number. That skill

allows him to recognise that when an object is taken from or added to a small collection,

something changes, even if He hasn’t witnessed that alteration directly.

The numerical systems, the development of the number concept and the practices

of calculation and measurement will be undoubtedly associated with the course of

history (Cousquer, 1992). In reality, numbers are so familiar to us that we rarely think

of how they have appeared (Crossley, 1987). But as Robson (2001) refers, we should no

longer be seduced into thinking that simple mathematics necessarily has a simple

history.

We will begin a route throughout the history of some of the numerical systems,

convinced that the history of sciences will open up closed minds about our disciplines

and about our time, founding surely one culture (Serres, 1991).

In this work we will bring out a descriptive analysis of some of the numerical

systems precursors of the Indo-Arabic system, namely, the Babylonian, the Egyptian

hieroglyphic, the Attic, the Roman and the Hindu ones. In this route through some of

the most fascinating stages of the mathematical thought, we will be able to realise that

the discovery of the place-value notation eluded the majority of peoples in history

(Ifrah, 1994). In fact, such did not occur in Greek mathematics but it did in the Indian

subcontinent, arriving in Europe only some centuries later (Flegg, 1974a).

In chapter I a brief framing of the number concept and numeration in the course of

the mathematics history will take place.

vi

In chapters II, III and IV we will present the Babylonian, Attic and Hindu

numerical systems, will analyse the conceptions that those civilizations have of number

and will study the main characteristics of each one of those systems.

We will present the annexes I and II which will briefly approach the Egyptian

hieroglyphic and the Roman systems, respectively.

.

vii

Índice

AGRADECIMENTOS ii

APRESENTAÇÃO iii

ABSTRACT v

ÍNDICE vii

CAPÍTULO I – A IMPORTÂNCIA DA NUMERAÇÃO 1

1. A matemática, a história e o número

1.1. A história da escrita versus a história da numeração

1.2. O conceito de número

1.3. Os sistemas de numeração

1.4. A história da matemática versus a educação matemática

1

2

4

5

7

CAPÍTULO II – O SISTEMA BABILÓNICO 9

2.1. Contexto histórico e geográfico

2.2. Sistemas de numeração na Mesopotâmia

2.2.1. A numeração suméria

2.2.2. O sistema babilónico

2.3. Características do sistema posicional babilónico

2.3.1. A ausência do zero

2.3.2. Os números fraccionários

2.3.3. A ausência da vírgula

2.3.4. O carácter aditivo no interior de cada ordem de

unidades

2.3.5. Outras características

9

16

17

21

26

26

28

31

31

32

CAPÍTULO III – O SISTEMA ÁTICO 35

3.1. Contexto histórico e geográfico

3.1.1. O alfabeto grego

3.1.2. Períodos e fontes da matemática grega

35

39

41

viii

3.1.3. Concepções

3.2. Os números na Matemática Grega

3.2.1. Sistemas de numeração usados pelos gregos

3.2.2. Os incomensuráveis

3.2.3. O misticismo numérico

3.3. Caracterização do sistema ático

3.3.1. Os sistemas monetários

3.4. Os problemas e as limitações do sistema

44

45

45

48

49

51

55

56

CAPÍTULO IV – O SISTEMA HINDU 61

4.1. Contexto histórico e geográfico

4.1.1. A escrita

4.2. Matemática: algumas considerações gerais

4.3. Os números na matemática hindu

4.3.1. Os numerais kharosthi

4.3.2. Os primeiros sistemas brahmi

4.4. O sistema posicional hindu

4.5. Considerações adicionais

61

63

64

69

69

71

74

79

ANEXO I – O SISTEMA HIEROGLÍFICO EGÍPCIO 81

I.1. A escrita na civilização egípcia

I.2. O sistema de numeração hieroglífico

I.3. Os sistemas de escrita posteriores ao hieroglífico

81

83

86

ANEXO I I – O SISTEMA ROMANO 89

II.1. O sistema de numeração

II.2. Os princípios aditivo e subtractivo

89

92

BIBLIOGRAFI A 94

1

C A P Í T U L O I

A IMPORTÂNCIA DA NUMERAÇÃO

“O homem da guerra deve aprender a arte dos números

ou ele não saberá como dispor as suas tropas.”

Platão (citado em Horng, 2000, p. 37)

1. A matemática, a história e o número

São muitas as civilizações da Antiguidade, como as dos babilónios, egípcios,

gregos, chineses e hindus, que criaram os seus próprios sistemas numéricos. Os maias,

que viveram na América Central em tempos mais recentes, também desenvolveram um

modo interessante de registar números. É importante observar que estas civilizações não

vieram umas depois das outras. Pelo contrário, muitas coexistiram durante séculos e,

embora localizadas em regiões diferentes, mantiveram contacto umas com as outras.

Com a excepção dos maias, que habitavam a América, as civilizações da Europa,

Oriente e Médio Oriente, trocavam mercadorias e conhecimentos. O intercâmbio

cultural, que também envolveu os conhecimentos matemáticos daqueles povos,

reflectiu-se nas formas de contar e de escrever os números. Assim a matemática,

enquanto actividade humana há já algumas centenas de anos (Davis, 1995), deve ser

olhada

fundamentalmente como um produto da sociedade. A sua história fica incomensuravelmente mais rica se estudarmos as culturas que a produziram e onde e quando tal tenha acontecido. (Robson, 2000, p. 155)

Reciprocamente, a história da matemática faculta-nos as raízes humanas dos

conteúdos abordados (Swetz, 1994). Será então importante estarmos cientes que

“nenhum assunto perde mais do que a matemática na tentativa de dissociá-lo da sua

história” (Glaisher citado em Man-Keung, 2000, p. 3).

A Ciência pode ser encarada sob dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela tal como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada (…), ou se procura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente –

2

descobrem-se hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo de seguida surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições. (Caraça, 1998, p. xxiii)

Ainda segundo este mesmo autor, encarada desta forma, a ciência

aparece-nos como um organismo vivo, impregnado de condição humana, com as suas forças e as suas fraquezas e subordinado às grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e pela libertação (p. xxiii).

Sendo o processo de contagem uma das duas grandes problemáticas

características da matemática (a outra problemática seria a das situações espaciais)

(Bkouche, 2000), é nossa intenção fazermos o estudo de alguns sistemas de numeração

precursores do sistema indo-árabe. Coloca-se aqui a questão de sabermos por onde e

como começar. Estaremos no entanto cientes que os

sistemas de numeração, as práticas de cálculo, as práticas de medição e o desenvolvimento do conceito de número estão ligados ao curso da história. Estão igualmente ligados às concepções místicas sobre os números, os cálculos astrológicos e cálculos astronómicos. (Cousquer, 1994, p. 4)

Ao examinarmos os sistemas de numeração estaremos também a ter uma

percepção do desenvolvimento do conhecimento matemático, a possibilidade de

analisar os procedimentos utilizados, conhecer a utilização que era dada à matemática e

o tipo de problemas que foram importantes para os nossos antepassados. Estaremos

assim conscientes da importância da informação que nos é transmitida pelos velhos

textos matemáticos.

Eles fornecem-nos uma visão da cultura e da época em que foram escritos e dão-nos pistas das forças que moldaram e controlaram as preocupações matemáticas (Swetz, 2000a, p. 11).

Na opinião de D`Ambrósio (citado em Saraiva, 1999), a matemática é e

permanecerá uma ciência da demonstração. É bom, porém, não esquecer que “são as

épocas e os lugares que impõem o grau e o rigor da formalização” (p. 10).

1.1. A história da escrita versus a história da numeração

Será possível imaginarmos uma estrutura do pensamento anterior à escrita? Seria

certamente um pensamento alicerçado na memória, a qual se organizaria de forma a se

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perpetuar sem o auxílio do suporte escrito (Santillana, 1961). E até que a escrita se

desenvolvesse, as narrativas disseminaram-se, difundindo desta forma as informações

relativas ao conhecimento.

Estamos tão habituados a encarar os sistemas modernos de escrita como reflexões da língua falada, que pode ser salutar lembrarmo-nos que no começo isso não se passou assim. Para que uma sociedade desenvolva uma matemática que vá para além do simples cálculo, é necessário um suporte material de uma espécie ou outra. Sem escrita, as limitações da memória humana restringem o grau de sofisticação numérica que pode ser atingido. (Ritter, 1991a, 49)

Óscar Lopes lembra-nos que

a lógica linguística e a lógica matemática não são duas lógicas diferentes, mas dois graus ou usos (variavelmente eficazes) duma mesma lógica cuja identificação se está progressivamente fazendo desde há dois milénios e meio, pelo menos. (Óscar Lopes citado em Reis, 2000, p. 11)

No entanto, haverá aqui também uma necessidade da história da numeracia,

(Netz, 2002), lado a lado, e complementando o campo da história da literacia.

A história da numeracia deve ser vista como parte da história cognitiva: o estudo de práticas culturais específicas, nas quais as universais habilidades cognitivas do homem são reunidas e conjuntamente implementadas com a ajuda de ferramentas e tecnologias específicas (Netz, 2002, p. 1).

É pois fundamental o reconhecimento de conceitos abstractos e paralelamente o

desenvolvimento de uma linguagem adequada. Paulos (1991) fala-nos num

analfabetismo matemático que se traduz pela incapacidade de uma pessoa lidar com as

noções fundamentais dos números.

O conhecimento do significado dos números num dado contexto constitui uma componente da literacia quantitativa que envolve uma matemática activamente relacionada com o mundo que nos rodeia (Brocardo, 2005, p. 18).

A introdução da escrita e das numerações escritas determinam um passo

primordial na história da matemática.

Constitui um progresso crucial a introdução de uma ideografia que permita cálculos com os números, cada vez maiores, o que seria impossível oralmente (Cousquer, 1994, p. 4).

A introdução dos símbolos numéricos ocorreu, aparentemente, simultaneamente

com a escrita (Aleksandrov, 1982).

4

A matemática e a escrita têm entre si uma relação muito estreita. Nasceram ao mesmo tempo e ficaram muito ligadas. Este ponto é muito importante, pois estamos habituados a considerar a linguagem escrita como a transcrição da linguagem falada. Não foi assim no início, não assim com todas as línguas. Parece no entanto claro que, para que a matemática se desenvolva, haja necessidade de um suporte escrito. (…) Os primeiros textos mostram que a necessidade de guardar registos das transacções foi essencial para a invenção da escrita. (Cousquer, 1994, p. 11)

A escrita, enquanto sistema que permite anotar a linguagem articulada, é, sem

dúvida alguma, uma das mais poderosas ferramentas intelectuais do homem moderno,

uma vez que responde perfeitamente à necessidade de representar visualmente e de fixar

o pensamento humano e constitui um notável meio de expressão e de comunicação

durável (Ifrah, 1994, p. 153).

1.2. O conceito de número

É razoável admitir que a espécie humana nas épocas mais primitivas tivesse

algum entendimento numérico, reconhecendo minimamente os actos de acrescentar e de

retirar objectos de uma pequena colecção (Eves, 1997).

Posso conjecturar que o número é uma invenção humana, uma produção do seu pensamento; o homem, partindo do estado animal, construiu ele mesmo, no seu cérebro, a sua linguagem (…) e os seus números (Keller, 2000, p. 28).

O conceito de número, sendo um conceito abstracto, não originará uma imagem

instantânea, não podendo também ser exibido, sendo apenas concebido na mente.

Contudo, um outro progresso foi atingido com a criação dos nomes dos números,

processo que veio permitir a obtenção de uma designação oral, bem mais precisa, das

quantidades, facilitando-se desse modo a conquista do patamar de uma plena

abstracção. (Ifrah, 1994)

O pensamento formula-se na linguagem, e isto faz que sem nomes não possa haver conceitos. O símbolo é também um nome, só que não é oral mas sim escrito e apresenta-se na mente na forma de uma imagem visível. (Aleksandrov, 1982, p. 28)

A aplicação do número, como um pensamento abstracto (abstracto no sentido de

que não tem de estar relacionado com um objecto físico em particular), foi

indubitavelmente um dos maiores progressos na história do pensamento (Kline, 1982).

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Primeiro apareceram os números relacionados com objectos concretos, logo os números abstractos e finalmente o conceito de número em geral, de qualquer número possível. Cada um destes conceitos surgiu por combinação da experiência prática e de conceitos abstractos anteriores. (Aleksandrov, 1982, p. 35)

Poderemos assinalar duas etapas diferentes na evolução do conceito de número.

Numa primeira fase possuía-se um determinado tipo de numeração escrita e recorreu-se

a ela nos processos de contagem. Numa segunda fase reconheceu-se o conceito de

número e estudaram-se as suas propriedades. Este último desenvolvimento surgiu muito

mais tarde (Devlin, 1998).

Na opinião de Crossley (1987) a maior parte dos matemáticos, e a população em

geral, sustentam que os números têm um estatuto intemporal. Ainda segundo o autor, é

essa visão que devemos desafiar, pois

enquanto que toda a gente concorda que falar sobre os números depende do estado do nosso conhecimento, parecerá, (…) no entanto, que aquilo que um número é, e que números existem num determinado momento da história, também depende do estado de conhecimento nessa época e daquilo que os seres humanos fizeram (p. 1).

Possuir o sentido de número implicará “perceber que os números podem ser

usados em diferentes contextos e com diferentes significados" (Serrazina, 2005, p. 30).

Segundo Stewart (1995), os números estão ligados de forma tão próxima à

realidade, que temos tendência a pensar neles como qualquer coisa única e quase física.

Só após uma análise mais profunda, se torna claro que são uma invenção do espírito

humano, “um método através do qual o nosso cérebro consegue modelar certos aspectos

da natureza. Eles próprios não são a natureza.” (p. 46)

1.3. Os sistemas de numeração

A exiguidade de registos numéricos efectuados pelos primeiros indivíduos terá

sido uma consequência natural de uma necessidade diminuta. Porém o incremento da

troca de bens nessas sociedades terá exigido que algum tipo de registo de contagem

fosse utilizado (Kline, 1982).

É provável que a maneira mais antiga de contar se baseasse em algum método de registo simples, empregando o princípio da correspondência biunívoca (Eves, 1997, p. 26).

6

Nos seus primeiros registos numéricos o homem terá recorrido a incisões ou

traços mas, no entanto, rapidamente se deparou com as limitações de tal procedimento.

Todavia, dos esforços para se efectuarem registos permanentes, vários sistemas de

numeração escritos foram emergindo.

Os números não aparecem como entidades separadas, mas como um sistema com as suas relações mútuas e as suas regras (…) De facto, as propriedades de um dado número residem precisamente nas suas relações com outros números. (Aleksandrov, 1982, p. 27)

O conceito elementar de número não evoluiria sem que um instrumento simbólico

adequado, um sistema de numeração, fosse criado. Quando se tornou necessário

efectuar contagens mais extensas, o processo de contar foi sistematizado.

O homem possui aquilo a que poderemos chamar iniciativa simbólica, isto é, ele pode atribuir símbolos para representar objectos ou ideias, estabelecer relações entre eles e operar com eles num nível conceptual (Wilder, 1968, p. 4).

Os números foram dispostos em grupos precisos, sendo a ordem de grandeza

desses grupos determinada em grande parte pelo processo de correspondência utilizado

(Eves, 1997). Neste processo a solução passou por privilegiar um agrupamento

particular, adoptando-se um número b como base. A sequência regular dos números foi

então organizada segundo uma distribuição hierarquizada fundada nessa base.

Em termos não muito formais, mas suficientemente descritivos, diremos que “base” é o número de unidades que se convenciona tomar para com elas construir uma unidade maior, de ordem imediatamente superior, num processo que, em princípio, se pode repetir até ao infinito (Nogueira, 2001, p. 39).

As principais bases utilizadas, ao longo da história, foram as bases 2, 5, 6, 10, 12,

16, 20, 24, 60 (Cousquer, 1994).

A partir daqui o conteúdo do conceito de número assentará não só nos preceitos

de cada cultura específica, como também nas relações mútuas que ocorrem dentro do

sistema de números.

Mas, a maioria dos sistemas utilizados no decurso da história evidenciavam

diversas dificuldades estruturais. Um desses obstáculos residiu na representação de

valores elevados. No entanto, a existência de símbolos para valores superiores à base

permitiu a esses sistemas atenuar as dificuldades colocadas pela ausência de unidades

7

de certa ordem. Um passo marcante ocorreu quando o princípio de posição foi

implementado, passando desse modo o valor de um símbolo numérico a variar em

função da posição que este ocupa na sequência da escrita de um número.

Para que uma notação numérica seja perfeitamente adaptada à prática das operações escritas é necessário, não somente que ela repouse sobre o princípio de posição, mas que possua também símbolos significativos distintos (…) Outra condição fundamental para que um sistema de numeração seja tão perfeito e eficaz é possuir o zero. Enquanto outros povos usaram numerações não posicionais, a necessidade desse conceito não se fez sentir. (Ifrah, 1997, p. 684)

Fora a base, a criação de uma numeração estruturalmente idêntica à nossa será

totalmente independente dos símbolos utilizados. Pouco importa, com efeito, a natureza

dos símbolos escolhidos, desde que os sinais adoptados não sejam ambíguos, que o

sistema repouse sobre o princípio de posição e que tenha um símbolo para representar o

vazio – o zero.

1.4. A história da matemática versus a educação matemática

A matemática, tal como defende Bruckheimer (2000), deve ser apresentada como

uma actividade dinâmica em expansão e poderá fomentar-se a compreensão dos

conceitos quando os compararmos e contrastarmos com as suas formas prévias.

Os professores têm de estar conscientes da inerente relatividade do conhecimento, e do facto que, a longo termo, munir os estudantes com a visão adequada de como a ciência constrói o conhecimento é mais valioso do que a mera aquisição de factos. Há neste momento um crescente debate em torno do papel da história da matemática na educação matemática. (Grugnetti, 2000, p. 29)

Estudar não pode reduzir-se a uma acumulação de itens do conhecimento, mas a

um conjunto de atitudes críticas sobre o conhecimento.

É importante que os conteúdos culturais da matemática não sejam simplesmente sacrificados aos seus aspectos técnicos. Em particular, textos e referências históricas permitem a análise da interacção entre problemas da matemática e a construção de conceitos, e evidencia o papel central desempenhado pelo questionamento científico no desenvolvimento da matemática. Mais ainda, eles mostram que as ciências, e a matemática em particular, estão em perpétua evolução e que o dogmatismo não é aconselhável. (Michel-Pajus, 2000, p. 17)

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Nesta linha de raciocínio, o National Council of Teachers of Mathematics (2003)

enfatiza a importância da perspectiva histórica no ensino da matemática. Defende,

assim, que aos estudantes devem ser proporcionadas experiências relacionadas com a

evolução científica e histórica da matemática de forma que eles respeitem o papel da

matemática no desenvolvimento na sociedade contemporânea.

Questões colocadas há centenas, senão milhares de anos atrás, podem ser compreendidas, apreciadas e respondidas nas nossas aulas (Swetz, 2000b, p. 65).

Fauvel (1997) refere a importância de explorar processos que ajudem o ensino da

matemática, tornando-o mais rico, variado e eficaz. Referindo-se ao envolvimento de

experiências históricas em actividades de sala de aula, Swetz (1997) aponta-as como

actividades que poderão proporcionar aos alunos uma participação mais activa e

permitir que façam eles próprios algumas descobertas.

Também para Eves (1997), o recurso à história permitirá a aquisição de perícia e

ajudará os alunos a construir conceitos. Ainda na opinião do autor, um aluno poderá

compreender e apreciar melhor os sistemas de numeração, se os trabalhar de uma forma

efectiva.

As características do nosso sistema decimal, com as suas vantagens e as suas desvantagens, ficarão mais explícitas quando contrastadas com as de outros sistemas (Bruckheimer, 2000, p. 140).

Há todo um conjunto extraordinário de possibilidades intelectuais que resultam do

olhar interrogativo sobre os nossos conhecimentos em história. Convém no entanto não

esquecermos que há um axioma que nos diz que

a história de uma determinada matéria não pode ser devidamente apreciada sem que se tenha pelo menos um razoável conhecimento da própria matéria. (…) É interessante e pertinente que, reciprocamente, seja impossível uma apreciação verdadeira de um ramo da matemática sem algum conhecimento da história desse ramo, pois a matemática é, em grande parte, um estudo de ideias, e uma apreciação autêntica das ideias não é possível sem uma análise das suas origens. (Eves, 1997, p. 17)

Assim sendo, o conhecimento e a cultura matemática de que os professores

possam ser portadores irá indubitavelmente influenciar, segundo Ponte (1992), o seu

estilo de ensino.

9

C A P Í T U LO I I

O SISTEMA BABILÓNICO

“Leuconnoé, não procures,

seria uma desgraça sabê-lo,

que fim os Deuses nos reservam a ti e a mim;

nem interrogues também os números babilónicos…”

Horácio (citado em Guimarãis, 1972, p. 23)

2.1. Contexto histórico e geográfico

Vamos descrever, sumariamente, os contextos históricos e geográficos onde a

civilização Mesopotâmia emergiu, dando desta forma um teor à matemática

desenvolvida no decorrer desta civilização (Robson, 2000), conscientes de que esses

factores moldaram, de certa forma, cerca de cinco milénios de expansão da matemática.

(Mapa extraído de Blanchon, 1996, p. 23)

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A Mesopotâmia, “terra entre rios” (do grego, mesos e potamos), nome que os

gregos deram ao território situado entre as bacias dos rios Tigre e Eufrates, e os seus

afluentes, ficou inserida na região do Crescente Fértil (por ter o formato de uma Lua

crescente e ter um solo fértil), ocupando territórios onde actualmente se situam o Iraque,

parte do Irão e parte da Síria até ao Golfo Pérsico. Foi aí que as primeiras sociedades

urbanas surgiram e onde, um pouco antes do fim do IV milénio a.C., apareceu a

primeira escrita. Esta grande mudança na organização social teve consequências

importantes na história da matemática.

Os mesopotâmicos não se caracterizaram pela construção de uma unidade

política. Entre eles sempre predominaram os pequenos Estados que tinham o seu centro

político nas cidades. Este modelo de cidades-estado foi uma das formas de governação

característica no princípio da civilização sendo constituído por uma cidade e pela zona

rural envolvente (Eves, 1997).

Povos de diferentes etnias ocuparam a Mesopotâmia, destacando-se os Sumérios,

por volta de 4000 a.C., os Acádios, cerca de 2400 a.C. e, posteriormente, os Amoritas,

Hititas, Hurritas, Assírios, Elamitas, Cassitas, Medos e Persas (Cousquer, 1994; Ifrah,

1997).

Não obstante a diversidade dos povos que ocuparam a região, existiu sempre uma certa unidade cultural que permite que nos possamos referir à civilização correspondente, como civilização mesopotâmica. (Estrada, 2000b, p. 66)

Os Sumérios possuíam uma civilização avançada com uma organização social e

económica complexas, estruturas políticas e religiosas. Como os recursos naturais eram

escassos, as trocas comerciais com os povos vizinhos revestiam-se de grande

importância. Desta forma, e com o aumento do volume de trocas comerciais, torna-se

necessário um controlo administrativo mais eficaz.

Esta burocracia era comportada por um conjunto de escribas os quais, a partir de meados do terceiro milénio, emergiram como uma profissão especializada, a qual tinha vindo a ser ensinada em escolas especializadas. (Høyrup, 1994, p. 4)

Os sistemas de registo foram-se desenvolvendo num complexo sistema numérico

que permitia registar grandes quantidades de bens. Um destes sistemas de grafia evoluiu

para uma escrita moldada em caracteres “cuneiformes” (do latim cuneos, em forma de

cunha) e um primeiro sistema de contagem que, revelando-se pouco prático, evoluiu

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para um sistema sexagesimal. Segundo Høyrup (1994) a propagação deste sistema de

contagem rapidamente foi implementada em toda a administração do império, o que

constitui por si só um facto histórico raramente alcançado. E assim nasceu a escrita.

Na opinião de Powell (1976) já existiram evidências de notações numéricas cerca

de 3000 a.C. O número de escolas de escribas já seria significativo por volta de 2500

a.C., tão inúmeras eram as tarefas exigidas pelo complexo sistema burocrático

implementado.

A escola de escribas e a profissão de escriba parecem estar associadas às suas funções de serviço ao Estado, de forma que daqui não resultou um interesse na matemática, apesar das habilidades matemáticas demonstradas. (Høyrup, 1994, p. 5)

Agora, transacções comerciais, e em particular operações aritméticas, podiam ser

registadas. Os registos escritos eram feitos com um estilete em forma de cunha em

pequenas placas de barro húmido, as quais eram posteriormente expostas ao Sol para

secarem, assegurando-se assim a sua conservação (Flegg, 1974a; Lafforgue, 1979).

Foram encontradas milhares dessas placas e provavelmente muitas ainda não foram

descobertas. Apresentamos de seguida as imagens das diferentes perspectivas de uma

placa babilónica do Museu de Istambul.

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Fig. 2.1. – (imagens extraídas de Høyrup, 1982, p. 26).

No conjunto de placas já descobertas e decifradas, constatou-se que algumas

centenas delas têm um conteúdo matemático. Porém, ainda há milhares de placas por

decifrar (Estrada, 2000b).

Na origem da decifração da escrita cuneiforme, que ocorreu no séc. XIX, esteve

um diplomata inglês e assiriologista, Sir Henry C. Rawlinson, que o conseguiu em

1846. O exame e respectiva decifração das placas com conteúdos matemáticos começou

a ser feito nos anos vinte do séc. XX por Otto Neugebauer.

Apesar de no princípio o sistema Mesopotâmico de escrita ser pictográfico,

gradualmente se transformaria num conjunto de sinais silábicos e fonéticos. Porém,

segundo Burns (1977), nenhum alfabeto adveio dele.

No entanto Robson (2000) advoga que não é claro que língua representavam estes

sinais escritos, se é que se tratava de uma língua específica. Na melhor das hipóteses

seria sumério, dado que certamente esta foi a língua dos sucessivos estádios da escrita.

Høyrup (1994) salienta que, embora não tenha ocorrido o desenvolvimento de

uma sintaxe, as tábuas foram usadas como suporte da memória e também para registar

as transacções comerciais em curso num determinado momento.

Os problemas contidos nas placas mesopotâmicas de índole matemática revelam-

-nos o dia a dia da população. Nelas encontramos problemas sobre os mais diversos

assuntos: áreas de terrenos; quantidade de cereal produzido num terreno; peso original

de uma pedra; construções de canais e diques; medidas de sólidos cilíndricos;

13

empréstimos; etc. Encontraram-se também tabelas de multiplicação; tabelas de divisão;

tabelas de quadrados e de raízes quadradas; tabelas de conversão entre diferentes

unidades de medida, etc.

Fig. 2.2. - Tábua de multiplicação por 2.

Colecção do Museu de Arte e História de Genebra

(imagem extraída de Roux, 1988, p. 28)

Convém no entanto focar aqui que nunca foi uma prioridade da cultura

paleobabilónica obter uma modelação matemática apurada do mundo real, embora a

evidência dos métodos matemáticos continue ainda vaga e imprecisa (Robson, 2000).

No entanto temos de estar cientes, segundo Devlin (1998), que a adopção de uma

representação simbólica de certa quantidade de cereais não significa por si só um

reconhecimento explícito do conceito de número, no sentido que lhe é atribuído nos dias

de hoje, isto é, considerados como coisas, como objectos abstractos. “É difícil dizer,

exactamente, em que altura a humanidade conseguiu tal proeza” (Devlin, 1998, p. 18).

Nos textos matemáticos babilónicos o procedimento geral nunca era apontado. As

soluções dos problemas eram apresentadas mas os métodos utilizados para a obtenção

dessas soluções não eram descritos (Melville, 2002). Em alguns casos, na opinião de

Høyrup (referido em Radford, 2000), parece que estaria subjacente aos problemas

propostos uma configuração geométrica, na qual se basearia a solução apresentada. No

entanto, todos os textos se limitavam a expor um conjunto de procedimentos a partir de

um exemplo apresentado. Tal como questiona Cousquer (1994) “o procedimento geral

deveria ser intuído a partir dos exemplos? Não o sei.” (p.12)

Podemos assim constatar que a matemática desenvolvida assentava

exclusivamente em exemplos numéricos. “A ênfase inicial foi dada naturalmente à

aritmética prática e à medição” (Struik, 1992, p. 47).

14

Em vez de argumentos, encontramos simplesmente a descrição de processos.

Instruía-se: “Faça assim e assim”(Eves, 1997, p. 58).

Verificamos também que nos textos matemáticos babilónicos não se encontra,

para além de uma lista de palavras e números, um único sinal operatório. Os textos são

essencialmente retóricos, uma vez que os problemas são colocados recorrendo-se à

linguagem corrente, e são também numéricos, uma vez que os cálculos apresentados

assentam sempre em exemplos muito precisos e em algoritmos que descreviam os

procedimentos a seguir, para desse modo, se chegar ao resultado almejado.

De facto não encontrámos na matemática Babilónica teoremas ou a descrição de

métodos. As escolas babilónicas pretendiam unicamente treinar os procedimentos e

nunca tiveram como objectivo um entendimento teórico desses métodos. E tal como o

refere Høyrup (1994, p. 8) “mesmo quando a matemática babilónica é “pura” na

substância, permanece aplicada na forma”. Contudo, e ainda na opinião de Høyrup

(1994),

a unificação matemática e a sua coerência parecem ter sido produtos das escolas onde futuros escribas eram treinados, e onde as técnicas que eles iriam aplicar eram também desenvolvidas. (p. 4)

A escola de escribas foi moderadamente inquisitiva e definitivamente não crítica. (p. 83)

No início do segundo milénio a.C., tribos vindas da Arábia, os Amoritas e os

Elamitas, invadiram e conseguiram conquistar todo o vale da Mesopotâmia.

Posteriormente ocorreu um conflito entre os Amoritas e os Elamitas, que acabou com

uma vitória decisiva para os reis amoritas, e com a ascensão da cidade de Babilónia (em

semítico: a porta de deus), situada nas margens do rio Eufrates (Manfred, 1981, p. 21).

Por volta de 2000 a.C. o império de Ur III foi aniquilado sob os golpes dos elamitas (a leste) e dos amoritas (a oeste). A civilização suméria desapareceu enquanto tal para todo o sempre, deixando lugar a uma cultura nova: a do mundo assírio-babilónico. Semitas vindos do oeste (…) fundaram a cidade de Babilónia. (Bottero citado em Ifrah, 1997, p. 268)

A região constitui-se um grande e unificado império que tinha como centro

administrativo a cidade de Babilónia. O soberano que mais se destacou foi Hammurabi,

que viveu entre 1792 e 1750 a.C., elaborando leis que ficaram conhecidas como Código

de Hammurabi.

15

A Babilónia alterou a sua herança suméria, moldando-a e adaptando-a à sua cultura, e chegou a influenciar povos vizinhos, como o reino da Assíria. Hoje são conhecidos alguns documentos da literatura da Babilónia graças ao trabalho dos arqueólogos levado a cabo nos antigos domínios deste Império. O mais conhecido destes documentos é o Código de Hammurabi, datado do século XVIII a.C., que em conjunto com outros documentos permite que os estudiosos nos dêem algumas informações acerca da vida social, económica e cultural do Império da Babilónia. (in DVD-ROM Diciopédia X. Porto, 2006 (termo de busca “Civilização da Babilónia”))

Da civilização mesopotâmica recebemos um considerável número dos nossos

elementos culturais mais comuns: o ano de doze meses e a semana de sete dias; o facto

de os mostradores dos nossos relógios conterem os números de um até doze,

correspondentes à divisão caldaica do dia em doze horas duplas; a crença nos

horóscopos; a superstição de fazer o plantio de acordo com as fases da lua; os doze

signos do Zodíaco; o círculo de 360 graus (Burns, 1977; Kline, 1982).

Tornava-se difícil para os Babilónios separar totalmente as ciências e a astrologia.

Desta forma, será necessário compreender que “para eles a «ciência» dos presságios era

a disciplina fundamental.” (Cousquer, 1994, p. 12). Assim, os números usufruíam de

propriedades místicas, tendo estes sido usados na obtenção de predições. Para Flegg

(1974a) o misticismo associado à numerologia e influenciado pela astrologia, fez com

que os números fossem mais do que meros adjectivos.

Também não nos podemos esquecer que parte da perícia operatória demonstrada

pelos babilónios teria sido estimulada pelo seu excepcional interesse pela astronomia e a

consequente necessidade de efectuarem cálculos.

Para se ter uma ideia do grau de apuro alcançado pela astronomia babilónica basta referir que, estudando o movimento da Lua, calcularam o respectivo período de rotação com erro da ordem de 1 segundo. E, já no século IV a.C., podiam prever os eclipses com relativa precisão. (Guimarãis, 1972, p. 23)

A astronomia serviu muitos propósitos, tal como a necessidade de manter um

calendário, o qual era determinado pela posição do Sol, da Lua e das estrelas. Assim

sendo, o ano, o mês e o dia eram quantidades astronómicas. Conforme também realça

Garnier (1985), não podemos ignorar que uma parte do interesse pela astronomia

provinha do facto de na época ela constituir um pujante instrumento de poder sobre o

povo.

16

Por volta de 300 a. C. Alexandre Magno conquistou a Babilónia. O período que

daí decorre até ao nascimento de Cristo será designado por período Selêucida. Integram

a designação Selêucida os reis pertencentes à dinastia macedónica fundada por Seleuco

Nicator, general de Alexandre Magno, que recebeu deste a região da Síria,

transformando-a num vasto império entre o Eufrates e o Indo. A dinastia esteve no

poder entre 312 e 64 a. C., altura em que Pompeu integra a Síria no mundo romano.

É de referir que uma grande parte dos textos astronómicos encontrados tem a sua

origem no período Selêucida.

Depois da fundação do Império Selêucida, o prestígio da Babilónia acabou por

declinar, sendo abandonada pelos seus habitantes e acabando por desaparecer.

Em súmula poderemos dizer que a herança matemática herdada dos babilónios

não se alicerça num carácter verdadeiramente científico, pois nunca procuram

fundamentar as suas observações e métodos, tendo tudo ficado num plano meramente

empírico. A matemática babilónica estava confinada a dar solução a problemas práticos.

Contudo,

apesar das inúmeras mudanças de soberanos na Mesopotâmia, houve, na matemática, uma continuidade de pensamento, tradição e prática, desde os tempos mais antigos até ao tempo de Alexandre (Kline, 1972, p. 4).

2.2. Sistemas de numeração na Mesopotâmia

Os babilónios utilizaram numerosas bases diferentes para os mais diversos fins

práticos (Cousquer, 1994). Vamos contudo centralizar-nos no singular sistema de

numeração sexagesimal, ao qual este povo recorreu nas suas tábuas astronómicas, e o

qual foi posteriormente apreendido, totalmente ou parcialmente, por outras civilizações,

os gregos, os indianos, os árabes, para esses mesmos fins. Ao estudá-lo não nos

podemos esquecer que estaremos a focar a nossa atenção numa cidade-estado que

integrou uma grande civilização, a Mesopotâmia.

Temos de estar cientes que este sistema de numeração veicula consigo tradições

milenares, na origem das quais estiveram os sumérios, povo não semítico, que entrou na

Baixa Mesopotâmia pela Pérsia, proveniente da Ásia Central.

17

As civilizações mesopotâmicas começaram a desenvolver-se e a urbanizar--se no IV milénio a.C. com a aparição dos sumérios. (Biggs citado em Ifrah, 1997, p. 153)

Será assim necessário e pertinente que, para conhecermos e entendermos os

princípios do sistema de numeração que os babilónios utilizaram, estudemos

previamente e analisemos a numeração escrita suméria.

2.2.1. A numeração suméria

Os sumérios recorreram a um sistema de numeração cuja base era 60. Foram aliás

o único povo na história que criou e utilizou um sistema sexagesimal. Os símbolos

numéricos eram esculpidos em pequenas placas de argila, que serviam de base de

“impressão” da escrita cuneiforme. Eram usados os seguintes pictogramas:

• um pequeno “prego” vertical, , que representava a unidade.

• uma “viga”, , para representar a dezena.

• para o sexagésimo número recorreram a um “prego” vertical de maior dimensão

Encontraram-se também representações para 600 (60 ×10), para 3 600 (602), para

36 000 (602 × 10) e para 216 000 (603). Todavia, essas representações eram conseguidas

através de composições recorrendo aos pictogramas atrás apresentados.

• 600 unidades por um “prego” vertical associado a uma “viga”

• 3 600 unidades por um polígono formado pela reunião de quatro “pregos”

• 36 000 unidades por um polígono do tipo precedente, munido de uma “viga”

• 216 000 unidades combinando o polígono de 3 600 unidades com o prego das

sessenta unidades.

18

A partir dos símbolos da base, representar-se-ão os nove primeiros “números

naturais” repetindo-se o pictograma da unidade tantas vezes quantas as necessárias.

Para as 20 unidades, as 30 unidades, as 40 unidades e as 50 unidades, repetia-se o

número de vezes necessários o pictograma que exprimia a dezena. Aplicando o mesmo

princípio, as 120 unidades, as 180 unidades, as 240 unidades, e assim sucessivamente,

eram apresentadas repetindo o número de vezes necessários o pictograma das sessenta

unidades, e assim ordenadamente.

Apresentam-se de seguida dois exemplos, a figura 2.3. (representação cuneiforme

de duzentas e vinte e uma unidades) e a figura 2.4. (representação cuneiforme de cento e

dezassete unidades). Ambas as imagens foram extraídas de (Ifrah, 1997).

Fig. 2.3. Fig. 2.4.

O alicerce da numeração suméria assentava então no princípio aditivo, isto é,

representava-se o valor desejado repetindo, no interior de cada ordem de unidades, um

símbolo tantas vezes quantas as que fossem necessárias.

Tabela dos primeiros 59 “números” do sistema sexagesimal cuneiforme sumério:

(Imagem extraída de http://www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~history/Babylonian_numerals, em 10 - 10 -2006)

19

Tal como podemos constatar a partir da observação da tabela apresentada, os

sumérios agrupavam os símbolos idênticos, podendo-se assim determinar com

brevidade e comodidade os valores das reuniões no interior de cada ordem de unidades.

A numeração suméria exigia assim repetições, singularmente extensas, de sinais

idênticos, já que se apoiava no princípio da justaposição dos símbolos pela simples

adição de valores. Ifrah (1997) apresentou como exemplo desta situação o caso do

número 3599 para cuja representação seriam necessários 276 pictogramas.

Apareceram no entanto algumas irregularidades na notação cuneiforme dos

números sumérios, irregularidades que permitiram escrever valores de dimensão

considerável. Encontraram-se com efeito para os múltiplos de 36 000 as seguintes

notações como alternativa às que consistiriam em repetir o símbolo uma, duas, três,

quatro ou cinco vezes, conforme se pode observar na Fig 2.5.

Fig. 2.5. (imagem extraída de Ifrah, 1997, p.178)

Estas formas correspondem manifestamente às fórmulas aritméticas abaixo:

• 20600300072 ×= (em vez de 0003600036 + )

• 306003000108 ×= (em vez de 000360003600036 ++ )

• 406003000144 ×= (em vez de 00036000360003600036 +++ )

• 506003000180 ×= (em vez de 3600036000360003600036000 ++++ )

Agindo desta maneira, os sumérios não fizeram nada diferente do que

designaríamos hoje por colocar “um factor em evidência” (Ifrah, 1997, p.179).

Outras particularidades podem-se encontrar no sistema de numeração sumério.

Contudo não nos vamos delongar nelas, porque o objecto do nosso estudo é o sistema

numérico babilónico.

Coloca-se no entanto a seguinte questão: qual a razão que está por detrás da opção

feita pelos sumérios que os levou a adoptar uma base tão elevada?

Ao longo dos séculos várias hipóteses explicativas têm sido colocadas pelos

mais diversos estudiosos desta temática.

20

Teão de Alexandria alude a que o número elevado de divisores de 60, apesar deste

número ainda ser relativamente baixo, é uma vantagem. Afirma que, por estas razões, a

base 60 é a mais cómoda de todas.

Jonh Wallis (referido em Ifrah, 1997) invoca a favor da base 60 o facto de possuir

a propriedade de ter por factores os seis primeiros números inteiros.

Para Moritz Cantor (referido em Ifrah, 1997) o sistema teria na sua origem

considerações puramente “naturais”, tais como o número de dias do ano, arredondado

para 360, o que teria originado a divisão do círculo em 360 partes (para corrigirem a

contagem solar dos dias adoptada, entre duas sequências de seis anos os babilónios

intercalavam um décimo terceiro mês). Alegava ainda Cantor o facto de parecer

evidente que os babilónios tinham já conhecimento de que a corda do sextante (isto é,

1/6 do círculo) é igual ao raio correspondente, tendo esse número engendrado a divisão

do círculo em seis partes iguais, o que teria desde então privilegiado sessenta como

unidade de contagem.

Já Otto Neugebauer (referido em Wilder, 1968) considera que na origem desta

base estaria a metrologia (ciência que trata da medição das grandezas físicas e dos

sistemas de unidades) tendo assim ocorrido uma fusão dos diversos sistemas de medidas

em uso.

Struik (1992) também alega que na origem da escolha da base 60 esteve uma

tentativa de unificação de vários sistemas de numeração, tendo também tido influência

nesta escolha a circunstância de 60 ter muitos divisores.

Georges Ifrah (1997) considera que na génese da base 60 está uma simbiose entre

duas culturas diferentes, uma praticando uma contagem digital de base 5 e uma outra

que utilizaria um sistema de contagem das doze falanges de uma mão pelo polegar

oposto. A base 60 ter-se-ia assim imposto como uma grande unidade de contagem

graças à combinação dos dois sistemas manuais.

Outras hipóteses foram também anunciadas, mas na realidade nenhuma delas se

revelou completamente esclarecedora. Nenhuma das explicações até hoje apresentadas

recolheu a unanimidade dos historiadores.

21

Estamos no entanto cientes de algumas das vantagens que a base 60 suméria

possui, tais como:

• permite escrever números grandes, bem como números pequenos,

recorrendo a poucos símbolos;

• possui um número assaz excepcional de divisores, doze;

• permite que o inverso dos números 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, e 30 se

exprima de uma forma muito simples (por exemplo 121 por , 3

1

por , etc.).

2.2.2. O sistema babilónico

No início do II milénio, os sumérios dominaram ainda com as dinastias de Isin e de Larsa, mas depois do triunfo da Babilónia sob Hammurabi, Sumer desaparece politicamente, embora a língua suméria se torne uma língua sacerdotal e numerosos elementos da sua civilização, assimilados pelos semitas babilónicos, sobrevivam através da cultura mesopotâmica da Babilónia (G. Rachet, citado em Ifrah, 1997, p. 162).

A numeração suméria perdurará na Mesopotâmia, com o apogeu da Babilónia. O

enfoque do nosso estudo incidirá no sistema dos eruditos babilónios, os quais

introduziram o princípio da posição no sistema de numeração.

Em particular, pensou-se durante muito tempo que o sistema sexagesimal posicional, o qual representa numerais usando somente os sinais da unidade e da dezena, foi uma inovação posterior ao período paleobabilónico, de tal maneira que qualquer texto usando essa notação era assumido como datando do início do segundo milénio ou posterior. Contudo, sabemos agora que ele já estava a ser usado por volta de 2050 a. C., e que todo o trabalho estrutural para ele esteve a ser construído ao longo de algumas centenas de anos. (Robson, 2000, p. 152)

Segundo este princípio os símbolos usados têm um valor variável, o qual depende

da posição que ocupam na escrita dos números: um símbolo dado será associado às

unidades simples, às dezenas, às centenas ou aos milhares, conforme ocupe o primeiro,

o segundo, o terceiro ou o quarto lugar na expressão de um número, começando para tal

da direita para a esquerda. A importância do sistema posicional reside no facto de

permitir exprimir valores tão grandes quanto o que se exija, ou tão pequenos quanto o

que se pretenda, recorrendo a um conjunto diminuto de símbolos.

22

Os Babilónios usaram o princípio da posição, mas este não foi mais usado noutras culturas até cerca de 300 a.C. (Dubisch, 1952, p.17).

Para Neugebauer, citado em Wilder (1968, p. 47), a invenção do sistema de

numeração posicional foi “indubitavelmente uma das criações mais férteis da

humanidade” a qual pode ser comparada “à invenção do alfabeto em contraste com o

uso de pictogramas”.

O sistema dos eruditos mesopotâmicos foi engendrado a partir da antiga

numeração sexagesimal suméria, diferindo, não na natureza da sua base, mas no modo

de formação dos números. Diferentes assiriólogos encontraram exemplos desta

numeração em várias tábuas, que remontam ao final da I Dinastia Babilónica, tábuas

essas de carácter exclusivamente científico: tábuas destinadas a facilitarem a prática do

cálculo numérico (tábuas de multiplicação, divisão, inversos, quadrados, raízes

quadradas, cubos, razões cúbicas, etc.); tábuas astronómicas; colectâneas de exercícios

de aritmética prática ou de geometria elementar; listas de problemas matemáticos; etc.

Nestas tábuas encontramos, conforme salienta Ritter (1991b), dois tipos distintos

de textos: textos de procedimento “que ensinavam ao utilizador os meios para resolver

um dado problema”; tabelas às quais se referiam os textos anteriormente citados a título

de índice ou para consumar cálculos. Estaremos deste modo perante um matemática

prática e empírica.

Como já foi referido estas tábuas desvendaram uma numeração científica

posicional babilónica alicerçada numa base sexagesimal. Queremos com isto dizer que

sessenta unidades de uma certa ordem eram equivalentes a uma unidade de ordem

imediatamente superior.

Os números de 1 a 59 formavam então as unidades simples ou unidades da 1.ª

ordem; os múltiplos de 60, as “sessentenas”, constituíam as unidades da 2.ª ordem; os

múltiplos de 260 (ou "sessentenas de sessentenas") correspondiam às unidades da 3.ª

ordem; os múltiplos de 216 000 ( 360= ) formavam as unidades da 4.ª ordem, e assim

por diante. (Ifrah, 1997)

Os babilónios utilizavam apenas dois símbolos, um “prego” vertical que

representava a unidade e uma “viga” associada às dez unidades, o que os obrigava a

usar um sistema repetitivo, para representar os elementos componentes de cada ordem

de números (Cousquer, 1994; Ifrah, 1997; Estrada, 2000b).

23

Fig. 2.6.

As limitações que entretanto se verificaram no que concerne às ferramentas de

escrita terão, segundo Boyer, citado em Wilder (1968), limitado drasticamente a

variedade de possíveis marcas o que pode ter actuado como um impedimento à

invenção de novos símbolos.

Os números de 1 a 59 eram representados segundo o princípio aditivo, isto é, os

números menores que 60 eram expressos por um sistema de agrupamento simples de

base 10. A partir do símbolo da unidade e do símbolo da dezena qualquer outro número

se expressava pelo uso desses símbolos aditivamente, que se repetiriam o número de

vezes necessário (Eves, 1997).

Assim, por exemplo, 19 e 58 eram escritos da seguinte forma:

Fig. 2.7.

Até este ponto os babilónicos não introduziram alterações aos sistemas

precedentes. Mas para lá do 59 a escrita torna-se estritamente semiposicional (pelo facto

de o sistema não ter representação para o zero).

Para que um sistema de numeração seja posicional, depois de se ter escolhido a

base b , adoptam-se símbolos para 1,...,2,1,0 −b . Assim, há no sistema b símbolos

básicos. Qualquer número N pode ser escrito de maneira única na forma

012

21

1 ... ababababaN nn

nn +++++= −

− no qual nibai ,...,1,0,0 =<≤ . Assim sendo

representamos o número N na base b pela sequência de símbolos 0121 ... aaaaa nn − .

24

Assim, um símbolo básico em qualquer número dado representa um múltiplo de

alguma potência da base, potência que depende da posição ocupada pelo símbolo

básico. (Eves, 1997; van der Waerden, 1975a)

Agora, com este novo princípio, o da numeração posicional, números como por

exemplo o 75, que é igual a 15601 +× , e o 1000, que é igual a 406016 +× passarão a

ser escritos, respectivamente, do seguinte modo:

e

De forma análoga a notação , no sistema erudito

babilónico, simbolizará

3754231560366057601 23 =+×+×+×

Com a introdução deste sistema de escrita, os babilónios abreviaram de uma

forma expressiva a escrita dos seus números. Como exemplo, extraído de Ifrah (1997),

poderemos confrontar o mesmo valor, 1859, recorrendo-se para esse efeito aos dois

sistemas, sistema aditivo sumério versus sistema posicional babilónico. Verifica-se

então que a simplificação da escrita ocorre:

No sistema sumério (princípio aditivo):

9506006006001859 ++++=

No sistema babilónico (princípio posicional):

5960301859 +×=

Vislumbra-se facilmente nestas circunstâncias a diferença entre o sistema de

numeração suméria e o sistema erudito babilónico.

Os eruditos babilónicos aperceberam-se que esse princípio podia ser alargado à

representação de todos os inteiros, abolindo-se deste modo os antigos símbolos

sumérios para as unidades superiores a 60.

Relembra-nos ainda Wilder (1968) que, numa tábua do período paleobabilónico,

se encontra visivelmente impresso um quadrado com as suas diagonais, acompanhado

25

de números, indicando como calcular o comprimento da diagonal do quadrado a partir

do lado.

Como podemos observar na Fig. 2.9., a sequência representa a medida do

comprimento do lado do quadrado, a sequência representa a

medida do comprimento da sua diagonal e a razão entre estes dois valores é dada por

que, segundo Crossley (1987), é uma boa estimativa para 2 .

Na opinião de Wilder (1968), esta tábua será uma prova clara de que os babilónios

conheceriam o teorema de Pitágoras (muito antes do tempo em que este viveu) e

também, curiosamente, de que existia uma “associação, neste período tão prematuro, do

número (no sentido de “número real”) com a linha” (p. 90).

Fig. 2.8.

(imagem extraída de Wider, 1968, p. 91)

Fig. 2.9.

(imagem extraída de Swetz, 1994, p. 144)

A expressão do número alcançou no sistema erudito um grau de simplicidade, de homogeneidade e de abstracção que nunca se tinha ultrapassado. Como é que os babilónios chegaram a uma tal concepção abstracta do número? (Thureau Dangin citado em Cousquer, 1994, p. 13)

26

2.3. Características do sistema posicional babilónico

Esta admirável criação do homem da Mesopotâmia, o sistema de numeração

sexagesimal, comportava todavia algumas dificuldades e imprecisões. É nosso propósito

analisar agora, com maior pormenor, alguns dos incómodos que o sistema sexagesimal

babilónico continha. No entanto,

as ambiguidades referidas parecem-nos hoje de um grande inconveniente; contudo, no caso da matemática babilónica o inconveniente não era assim tão relevante, porque dada a natureza da base, o contexto permitia, em geral, interpretar correctamente a que ordem se refere cada símbolo ou grupo de símbolos (Estrada, 2000b, p. 72).

2.3.1. A ausência de zero

No início, os babilónios não dispunham de um símbolo para indicar a ausência de

um número numa determinada posição, e consequentemente os seus registos numéricos

ficavam por vezes dúbios.

Por exemplo podia simbolizar 80 ou 3620. Tudo dependeria de facto

de o primeiro símbolo representar 60 ou representar 3600. Verificou-se por vezes que

era deixado um espaço, para desse modo indicar uma não quantidade numa determinada

posição. Mas, obviamente, tal situação era propensa a criar confusões.

… não tinham nenhum símbolo para o zero; para obviar essa dificuldade, eles deixavam algumas vezes um espaço em branco quando não havia unidades de certa ordem, mas nunca esse espaço em branco aparecia no fim da representação de números (Estrada, 2000b, p. 71).

O princípio de posição, contudo, não é suficiente por ele mesmo. Terá de ser inventado um método de denotar a ausência de unidades. Isto constituirá um segundo estádio de desenvolvimento da presente notação para escrever números (…) Tanto quanto se sabe, não foi usado um tal símbolo pelos babilónios até cerca de 400 a.C. (Dubisch, 1952, p.18).

Como podemos então verificar, um símbolo para o zero nem sempre foi usado

pelos babilónios. Na notação posicional o papel do zero é a de um sinal marcando um

hiato, um vazio (van der Waerden, 1976a).

27

Note-se que na ausência de tal sinal, o zero, o valor posicional tinha que ser

deduzido em cada caso a partir do contexto. Por exemplo:

pode estar a querer representar cada uma das seguintes situações:

106021 +× ou 60106021 2 ×+× ou 106021 2 +×

e assim sucessivamente (Ebbinghaus, 1990).

O sistema de numeração posicional ressentiu-se, até depois do ano 300 a.C., da

falta de um símbolo para o zero que representasse as potências ausentes de 60,

originando deste modo alguns mal entendidos na expressão de um número dado.

Para tentar superar essa dificuldade, os escribas da Babilónia deixaram por vezes

um espaço vazio para sinalizar dessa forma a potência de sessenta que faltava.

Assim sendo, representaria:

35600601 2 +×+×

Finalmente introduziu-se um símbolo, ou , sendo este constituído por

dois pequenos “pregos” inclinados ou por duas pequenas “vigas” inclinadas. No

entanto, esse símbolo só era usado para indicar, dentro de um número, a ausência de

uma potência 60, e nunca quando ela ocorria no final da sequência. Esse símbolo era,

portanto, apenas um zero parcial, pois um zero verdadeiro serve para indicar as

potências ausentes da base, tanto no meio como no final das sequências de símbolos

numéricos.

(…) No período de selêucida, em vez do espaço em branco, aparece um símbolo (…) que noutros contextos era apenas uma marca de separação em escrita cuneiforme mas que também nunca é usado no fim da representação do número (Estrada, 2000b, p.71).

No III séc. a.C. um carácter da forma de duas vigas ligadas, foi utilizado para marcar um espaço em falta no meio de números; este carácter não era utilizado à direita de um número para precisar uma ordem de grandeza; a notação continuou assim ambígua. (Cousquer, 1994, p.6)

Podemos aqui mostrar um exemplo, referido por Ifrah (1997), que foi encontrado

numa tábua astronómica datando da época selêucida, onde surge o número:

28

460386025600602 234 +×+×+×+×

o qual, recorrendo à escrita cuneiforme, assumiria a seguinte configuração:

Mas o problema nem por isso foi resolvido. Esse espaço era frequentemente

omitido pelos escribas “distraídos ou pouco conscienciosos”(Ifrah, 1997, p. 685). Por

outro lado, era complicado, nessas condições, simbolizar a ausência de duas ou mais

ordens de unidades consecutivas.

Como representar, por exemplo, a ausência das unidades das 3ª e 4ª ordens por dois "brancos" consecutivos? Enfim, se em virtude da ausência do zero o algarismo 4, por exemplo, tanto podia representar 4 como 604× ,

2604× , 3604× , como se podia saber que se tratava de um ou de outro desses valores? (Ifrah, 1997, p. 307)

No entanto, apesar desta dificuldade, o contexto tornava claro o significado que o

escriba pretendia transmitir. Por muito insatisfatório que este sistema nos possa parecer,

não parece tê-lo sido para os babilónios.

2.3.2. Os números fraccionários

Cousquer (1994) relembra-nos que o sistema sexagesimal também era estendido

às partes fraccionárias, cujo denominador era uma potência de 60, com o “prego” a

simbolizar ...,60,60,60 321 −−− , e com as “vigas” a simbolizar

...,6010,60

10,6010

32

A extensão da notação posicional às fracções concretizou assim uma evolução, a

qual foi implementada pelos babilónios.

Isto é, relativamente à base 60, dispunham já os Babilónios de notações tão flexíveis e eficazes como as da nossa escrita decimal de hoje (latu sensu). (Guimarãis, 1972, p. 13)

Se o espaço vazio causava problemas com os inteiros, então surgia um problema

ainda maior com as fracções sexagesimais.

Os Babilónios usavam um sistema de fracções sexagesimais similar ao nosso

sistema decimal.

29

Como muito bem nos recorda Estrada (2000b), o facto de termos 2510 ×=

significa que na base 10 todas as fracções cujos denominadores são do tipo βα 52 × com

0, IN∈βα são redutíveis a fracções decimais, portanto, representáveis por dízimas

finitas. Como exemplos temos: 25,1100125

5255

25

22

2

2 ==××

= ; 8,0108

2524

54

==××

=

Assim sendo, todas as outras fracções que não estejam nestas condições, são

equivalentes a dízimas infinitas periódicas, como por exemplo:

( )6,032= ; ( )38,0

65= , etc.

Se aplicarmos este princípio ao sistema sexagesimal, como 53260 2 ××= , temos

que na base 60 todas as fracções cujos denominadores são do tipo δβα 532 ×× com

0,, IN∈δβα são representáveis por expressões sexagesimais finitas.

De um modo geral todos os racionais cujo denominador possa ser escrito sob uma forma reduzida por δβα 532 possuem um desenvolvimento sexagesimal finito. (Cousquer, 1994, p. 13)

O número de fracções sexagesimais com representação finita é superior ao

número de fracções decimais com representação finita. Alguns historiadores, tal como

já foi referido, pensam que este facto tem uma relação directa com a circunstância de os

babilónios terem optado pela base 60, embora nunca tal se tenha provado.

Ocorrem também dificuldades de leitura aquando da representação das fracções

sexagesimais. Por exemplo enquanto percebido como uma fracção podia

traduzir 6021 ou 260

160

20 + . Mais uma vez se faz sentir aqui a ambiguidade do

sistema de numeração babilónico (Kline, 1972).

E mais exemplos se poderiam apresentar, pois a ausência de uma vírgula, como

veremos mais à frente (em 2.3.3), impeliu por vezes a leitura dos numerais babilónicos

para hesitações.

São estas as dificuldades que veremos nas três interpretações seguintes (entre

tantas que se poderiam fazer) a partir de um exemplo apresentado por Ifrah (1997):

30

1ª interpretação 2ª interpretação 3ª interpretação

386025 +× 60

3825 + 360038

6025 +

É de salientar o facto do sistema sexagesimal ter sido usado na escrita de números

inteiros bem como na de números fraccionários e “estes últimos são entendidos como

entes matemáticos, e não como partes da unidade” (Estrada, 2000b, p. 72).

E perante o que até aqui foi analisado, temos de esperar que somente as fracções

sexagesimais finitas fossem compreendidas pelos babilónios. Usualmente nas tábuas de

recíprocos eram omitidos os recíprocos de números tais como o 7, 11, 13, 14,..., pois

estes “não dividiam” o 60, embora aproximações destes inversos tivessem sido

encontradas em alguns textos, segundo Wilder (1968). Contudo, a questão não é

exactamente a que Wilder põe. De facto 8 também não divide 60 e contudo o recíproco

de 8 têm uma expressão sexagesimal finita:

26030

607

81

+=

A questão é que 7, 11, 13, 14, … têm, na sua decomposição em factores primos,

outros factores primos além de 2, 3 e 5, que são os factores primos da base 60.

Todas as civilizações se confrontaram com o problema de quantidades às quais

não podiam dar um valor exacto. Assim, os Babilónios depressa se aperceberam que

71 levantava um problema de notação, uma vez que ele não possuía um

desenvolvimento finito na base sexagesimal. Em certas tábuas de inversos a linha

correspondente não aparece, de uma forma sistemática. Noutros casos, um valor

aproximado surge sem mais comentários.

Os Babilónios desenvolveram uma mística dos números cujo sentido nos escapa em grande parte. Estas concepções constituíram o objecto de uma transmissão oral. Cada número de 1 a 60 era associado a um deus, uma deusa ou a um demónio. Assim, o 7, ao qual os Babilónios sabiam que era impossível encontrar um inverso era associado a um demónio. (Cousquer, 1994, p. 12)

31

Porém os escribas Babilónicos evidenciaram conhecimento do facto que as fracções podiam ser tratadas como os inteiros nos cálculos, ao exprimi-las através do sistema posicional (Wilder, 1968, p. 53).

2.3.3. A ausência de vírgula

Os babilónios também não dispunham de nenhum símbolo correspondente à nossa

vírgula (ou ponto) decimal (Ebbinghaus, 1990), o que constituía uma outra fonte de

ambiguidades. Ficava assim muitas vezes dúbio onde se localizaria numa sequência de

símbolos, o término da parte inteira e consequentemente onde se iniciava a parte

fraccionária dessa mesma sequência.

Os Babilónios não podiam então, com o seu sistema, distinguir entre os números ...;60,60,60, 12 aaaa − etc. (Cousquer, 1994, p. 7)

Perante esta circunstância, podia representar:

20 ou 6020× ou 6020 ou 260

20 , etc.

Mais uma vez uma ambiguidade era introduzida.

As ambiguidades referidas parecem-nos hoje de um grande inconveniente, contudo, no caso da matemática babilónica o inconveniente não era assim tão relevante, porque dada a grandeza da base, o contexto permitia, em geral, interpretar correctamente a ordem de grandeza a que se refere cada símbolo ou grupo de símbolos. (Estrada, 2000b, p. 72)

2.3.4. O carácter aditivo no interior de cada ordem de unidades.

Apesar do seu carácter sexagesimal, a numeração erudita babilónica foi decimal,

seguindo o princípio aditivo, no interior de cada ordem de unidades. Este facto produziu

por si só várias situações duvidosas e esteve na origem de numerosos erros. Ifrah (1997)

apresenta como exemplo uma ocorrência encontrada num texto matemático de Susa.

Nesse texto, o número 156010615 +×= é expresso do seguinte modo:

Fig. 2.10.

32

Dada a semelhança entre algumas das representações, as notações poderiam gerar

alguma confusão. Senão, repare-se nas pequenas diferenças (aproximação e/ou

afastamento entre os símbolos) entre a representação da figura 2.10. e as que se seguem:

, isto é, 25 ou , isto é, 56010601060536 2 +×+×=

Conhecedores das dificuldades inerentes ao seu sistema de numeração, os escribas

babilónios deixaram por vezes um espaço vazio para marcar bem a passagem de uma

ordem sexagesimal à seguinte.

Assim, no mesmo texto, o escriba contornou a dificuldade notando o número

10601070 +×= do seguinte modo:

As duas vigas da dezena foram assim muito nitidamente separadas, eliminando

portanto qualquer ambiguidade com a notação do número 20.

Um outro exemplo, que pode ser apresentado aqui, é o que diz respeito ao

número 126016016723 2 +×+×=

O espaço vazio deixado permitirá distinguir esta representação numérica da

representação que de seguida se expõe.

2.3.5. Outras características

Uma das razões que conduziram à "invenção" do sistema erudito babilónio é fácil

de compreender. É explicada por esse "acidente", segundo Cousquer (1994), que foi a

própria fonte de uma das maiores dificuldades da numeração cuneiforme suméria, pela

33

qual a unidade e as sessenta unidades eram representadas por um mesmo sinal, a saber,

o “prego” vertical.

O sistema passou a ter um outro potencial problema, uma vez que 2 também é

representado por dois caracteres cada um deles representando a unidade, e 61 é

representado por um carácter para sessenta unidades, no primeiro lugar, e um segundo

carácter idêntico para uma unidade no segundo lugar. Assim sendo os números

babilónicos 2 e 61 têm essencialmente a mesma representação. Os dois “pregos”

podiam também significar 602× , ou 602 , ou 3600

2 … Contudo, isto não foi

verdadeiramente um problema, uma vez que o espaçamento dos caracteres permitiu

comunicar a diferença. No caso do 2, os caracteres representando a unidade tocavam-se,

tornando-se assim um símbolo uno . Para se representar o número 61, inseria-se

um espaço entre os símbolos.

Do mesmo modo o símbolo da unidade veio a significar não apenas 1 ou 60 ou 260 ,..., mas também 160− etc.

Durante mais de um milénio todas essas ambiguidades não impediram os

matemáticos e os astrónomos da Babilónia de efectuarem, com a ajuda do seu sistema

imperfeito, muitos cálculos sofisticados. É verdade que esses eruditos tiveram sempre

em mente a ordem de grandeza em questão: todas as confusões engendradas pelo seu

sistema eram resolvidas essencialmente pelo contexto, isto é, pelos próprios dados do

problema.

Estaremos no entanto cientes de que a criação das matemáticas na Babilónia foi

especialmente um resultado da instituição escolar, as escolas de escribas, instituição

essa que foi competente para criar conhecimento e as ferramentas capazes de o

formular, transmitir e sistematizar.

A unificação da matemática e a sua coerência foram produto das escolas onde os futuros escribas eram treinados, e onde as técnicas por eles aplicadas eram também desenvolvidas (Høyrup, 1994, p. 4).

Curiosamente, Melville (2002) revela-nos uma das possíveis técnicas aplicadas

pelas escolas, segundo a qual muitos dos problemas da matemática babilónica teriam

sido construídos de fim para o início, isto é, teriam sido construídos partindo das

soluções conhecidas. Estaria deste modo garantido o sucesso do algoritmo empregue.

Mas

34

felizmente, nem todos os cálculos eram rigorosos, e os erros de cálculo nas fontes podem ser muito mais esclarecedores dos processos nos quais eles foram produzidos, tal como aqueles que são cometidos na sala de aula o são do modo como as crianças pensam sobre os objectos matemáticos (Høyrup, 2002, p. 194).

Contudo nem sempre se tem conseguido compreender completamente a forma de

pensar dos babilónios.

A maior parte das sociedades privilegiam um domínio cognitivo no qual ordenam e classificam o mundo em redor; esta escolha é função do tempo e do espaço. Infelizmente para nós, os Babilónios não deixaram qualquer introdução explícita à sua própria concepção deste domínio; o pensamento reflexivo, consciente de si próprio, não fazia parte da sua cultura escrita. (Ritter, 1991b, p. 45)

O conceito de demonstração, a noção de uma estrutura lógica baseada em princípios que garantam aceitação num ou noutro fundamento e a consideração de tais questões como as que advêm de determinar as condições de solubilidade dum problema, não se encontram nas matemáticas babilónicas (Kline , 1972, p.14).

Os Babilónios do II milénio não fizeram as mesmas escolhas que nós, mas as suas escolhas, tal como as nossas, são uma parte da história, da sua e da nossa (Ritter, 1991b, p. 46).

35

C A P Í T U LO I I I

O SISTEMA ÁTICO

“Onde quer que haja número, há beleza.”

Proclus (citado em Kline, 1972, p. 131)

3.1. Contexto histórico e geográfico

Encetaremos este capítulo fazendo uma contextualização histórica, geográfica,

política e social do mundo helénico. “Grego” foi a denominação pela qual os romanos

designaram os Helenos, habitantes da Hélade, que posteriormente ficou conhecida como

Grécia.

Mapa da colonização grega:

(imagem extraída de http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Location_greek_ancient.png, em 20 - 06- 2007)

A Grécia ocupava a parte sul da península dos Balcãs, região montanhosa com

baixa pluviosidade e solo pouco fértil, com uma linha de costa escarpada. Apenas áreas

isoladas, como a Lacónia e a Messénia no Sul, a Beócia na Grécia Central, a norte do

golfe de Corinto, e a Tessália na parte setentrional do país, se encontram planícies

férteis próprias para a agricultura.

O mar teve uma grande importância no desenvolvimento da sociedade grega. Como consequência de uma costa recortada, do grande número de baías e portos abrigados, da proximidade da Ásia Menor, a aventura

36

marítima e o comércio começaram muito cedo na Grécia. Os marinheiros podiam ir até ao mar Negro ou à Ásia Menor sem perderem a terra de vista. (Manfred, 1981, p. 44)

Segundo Burns (1977) para melhor se compreender a evolução da civilização

helénica é fundamental que analisemos o primeiro período da sua história: os tempos

homéricos que se estenderam aproximadamente de 1200 a 800 a.C.

Por volta de 1200 a.C. os gregos tinham ocupado grande parte da zona norte da

península e algumas localidades espalhadas ao longo da costa. A princípio, infiltrando-

-se lentamente, trouxeram com eles as suas manadas e os seus rebanhos e

estabeleceram-se nas áreas de menor densidade populacional. Parece que muitos desses

primeiros imigrantes pertenceram ao grupo que mais tarde veio a ser conhecido como

jónios. Outro grupo, formado pelos aqueus, dirigiu-se mais para sul, conquistou

Micenas e Tróia e, por fim, dominou Creta.

Logo depois de 1200 a.C. iniciaram-se as grandes invasões dos dórios, que

atingiram o seu ponto culminante mais ou menos dois séculos depois. Fossem aqueus,

jónios ou dórios, todos os gregos da época homérica possuíam essencialmente a mesma

cultura, relativamente primitiva quanto aos seus caracteres. Só no último século desse

período teriam conhecimento da escrita. Existem contudo provas de que alguns dos

jónios, que migraram para a margem da Ásia Menor, tinham adoptado já em 900 a.C. o

alfabeto fenício. Os da Europa só muito mais tarde fizeram uso dele.

Aproximadamente em 800 a.C. as comunidades dos tempos homéricos, que se

baseavam sobretudo em organizações de clã, começaram a dar lugar a unidades

políticas maiores. Na perspectiva de Manfred (1981), a propagação de ofícios e a sua

separação da agricultura, aliado ao crescimento do comércio, originou a fundação de

vários centros económicos (e políticos), verdadeiras cidades.

Embora as cidades já fossem mencionadas nos poemas de Homero, na verdade

estas pouco mais seriam do que agrupamentos fortificados. Mas, pouco a pouco, devido

a vários factores, estes aglomerados começaram a incorporar-se, tornando-se grandes

centros. À medida que aumentava a necessidade de defesa construía-se uma acrópole

em local elevado, desenvolvendo-se em torno dela uma cidade como sede de governo

para toda a comunidade. Surge assim a cidade-estado, a mais famosa unidade política

desenvolvida pelos gregos.

37

…deu-se a ascensão da polis grega, ou seja, a cidade-estado autónoma, facto que constituiu uma experiência social nova completamente diferente das antigas cidades-estado da Suméria e dos outros países orientais. (Struik, 1997, p. 72)

A polis grega, ou cidade-estado, tornou-se um dos elementos basilares da

civilização grega, tendo surgido como corolário da conjugação de variados factores. Ela

nasceu de factores de ordem geográfica, de uma volubilidade gerada depois da invasão

dórica e da falta de um poder centralizado defensor dos indivíduos, que os levou a

unirem-se em pequenos territórios.

Podem ser encontrados exemplos de cidades-estado em quase todas as partes do

mundo helénico, destacando-se: Atenas e Tebas, no continente; Esparta (na Lacónia) e

Corinto (no istmo que liga o Peloponeso ao resto da península); Mileto na costa da Ásia

Menor; Mitilene e Cálcis, nas ilhas do Egeu.

Característico das cidades gregas era o facto de cada uma delas se ter tornado

tanto num centro económico como político, constituindo o pólo da vida social de toda

uma região. Deste modo, cada cidade grega assemelhou-se a um pequeno estado

independente. É assim de realçar que a Grécia, nesta época, nunca constituiu um estado

unitário, mas um grupo de cidades-estado que tinham não só uma existência separada

mas, inclusivamente, se guerreavam entre si.

No século VI a.C., após o desmoronamento do Império Assírio, os Persas,

detentores de um exército poderoso e muito bem organizado, conquistaram as cidades

gregas da Ásia Menor. A invasão persa foi repelida nas batalhas de Maratona, Salamina

e Plateia e os gregos venceram triunfalmente os persas em Mycale, perto de Mileto, em

479 a.C., liderados pelo pai de Péricles, que teria sido aclamado como um herói.

Uma das consequências das vitórias gregas foi a expansão e hegemonia de

Atenas. Nessa cidade, e sob o domínio de Péricles na segunda metade do século V a.C.,

os elementos democráticos tornaram-se cada vez mais influentes. Constituíam a força

condutora da expansão económica e militar e fizeram de Atenas, por volta de 430 a.C.,

não apenas o centro do Império Grego, mas também o centro de uma nova e fascinante

civilização.

Do ponto de vista político, a Ática parece ter sido, inicialmente, dividida em doze pequenos estados clânicos que, após grandes rivalidades, acabaram por se congregar à volta da Acrópole de Atenas. Desde então, passaram a ter o mesmo culto (a deusa Atena), a obedecer ao mesmo rei (o soberano de

38

Atenas). Desde o século VII a.C., os pequenos estados da Ática fundiram-se com Atenas, constituindo assim o que os gregos chamavam polis, não sendo possível distinguir a história cultural de cada estado. Esta fusão traduziu-se no plano religioso pela realização da "festa de conjunto a Atena". (in DVD--ROM Diciopédia X Porto, 2006 (o termo da busca foi “ática”))

A cidade de Atenas foi erguida na Ática (Grécia central) numa região montanhosa

e pouco fértil. O solo da Ática não permitia cultivar cereais suficientes e assim sendo

Atenas não permaneceu um estado predominantemente agrário.

A Ática era uma pequena península da antiga Grécia, banhada a sul e a este pelo

mar Egeu. Cerca de metade do solo era ocupado por agrestes cadeias montanhosas, que

alternam com colinas nuas, por entre as quais se desenvolviam quatro modestas colinas

cultiváveis: a de Atenas, a de Mesogeia, a de Maratona e a de Elêusis. O litoral, apesar

do difícil acesso, dispunha de bastantes abrigos favoráveis à navegação e à pesca: as

baías de Salamina e de Elêusis, os portos de Pireu e de Zea, a enseada de Falera, etc.

A recortada costa da Ática facilitou e impulsionou o rápido desenvolvimento das

actividades marítimas e do comércio. Verificou-se então a expansão de um comércio

próspero e uma cultura essencialmente urbana foi implementada. A riqueza alcançada

através do comércio tornou Atenas uma das cidades mais ricas do seu tempo.

“Jónicos, Pitagóricos e intelectuais de um modo geral foram atraídos para

Atenas”, (Kline, 1972, p. 37). Estaremos perante “a idade de ouro da Grécia” (Struik,

1997, p. 75).

A vida em Atenas contrastou de maneira notória com a da maior parte das outras

civilizações. Uma das suas principais características foi o elevado grau de igualdade

social e económica que prevaleceu entre os seus habitantes. É unanimemente

reconhecido que a democracia ateniense atingiu a sua mais alta perfeição na época de

Péricles (461- 429 a.C.).

Sob o domínio de Péricles, Atenas tornou-se o principal centro da vida política e

cultural da Grécia. “Esta grande cidade, muito grande para aquela época, contava cerca

de 200 mil habitantes, era um centro de fermentação intelectual” (Manfred, 1981, p.

65).

39

3.1.1. O alfabeto grego

Tal como refere Guimarãis (1972), ocorreu uma disseminação geográfica dos

gregos através do Mediterrâneo, povo de marinheiros e mercadores, que erigiu várias

colónias em múltiplos pontos da costa mediterrânea, desde o sul de Itália até às ilhas e

angras que ladeavam o litoral da Ásia Menor, e mesmo até ao Mar Negro. À medida

que os gregos se estabeleciam iam desenvolvendo relações comerciais com os Egípcios

e os Babilónios.

A influência dos Egípcios e dos Babilónios sentiu-se essencialmente em Mileto,

cidade da Ásia Menor e local de nascimento de alguns dos primeiros filósofos e

matemáticos gregos. Mileto era uma grande e opulenta cidade de comércio no

Mediterrâneo. Navios oriundos do continente grego, da Fenícia e do Egipto chegavam

aos seus portos. Rotas de caravanas estabeleciam a ligação com a Mesopotâmia,

segundo Kline (1972).

Por volta de 775 a.C., segundo Kline (1972), os gregos substituíram vários

sistemas hieroglíficos de escrita pelo alfabeto fenício, o qual também era usado pelos

hebreus, e fizeram um novo e muito mais eficaz instrumento de escrita, mediante a

introdução de vogais.

A adopção de um alfabeto percorreu várias etapas ao longo do tempo, tendo-se

inclusivamente verificado a existência de diferentes variantes regionais. Assim

subsistiram, inicialmente, um grande número de alfabetos locais, divergindo estes

segundo o número dos seus caracteres e segundo as suas particularidades.

Parece (…) provável, que o empréstimo do alfabeto pelos fenícios aos gregos e sua adaptação à sua língua tenham tido lugar por volta do fim do II milénio ou o início do I (…) A unificação só foi feita pouco a pouco no século IV, tendo como modelo o alfabeto oriental de Mileto, dito “jónico”, depois de Atenas ter decidido oficialmente, em 403, adoptá-lo em substituição da escrita local (…) O alfabeto grego clássico do século IV compôs-se, finalmente, por vinte e quatro letras, vogais e consoantes (…) tornando-se o antepassado de todos os alfabetos europeus modernos. (Ifrah, 1997, p. 465)

Com a adopção de um alfabeto, os gregos tornaram-se mais capazes de registar a

sua história e as suas ideias. A importância do alfabeto grego é fundamental na nossa

história escrita bem como na história da civilização. Para além de ter servido para notar

a língua da cultura mais rica do mundo antigo, foi também o intermediário ocidental

40

entre o alfabeto semítico e o alfabeto latino, “intermediário não somente histórico,

geográfico e gráfico, mas estrutural, uma vez que foram os gregos os primeiros a terem

a ideia da notação rigorosa e integral das vogais” (Ifrah, 1997, p. 465).

A adopção de um alfabeto e o facto de os papiros estarem disponíveis na Grécia

no século VII a.C. terá proporcionado o desenvolvimento da actividade cultural por

volta de 600 a.C. “A disponibilidade deste suporte de escrita ajudou indubitavelmente

na propagação das ideias” (Kline, 1972, p. 25).

Quadro 3.1. Comparação entre os alfabetos gregos e fenício arcaico

(imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 466)

41

3.1.2. Períodos e fontes da matemática grega

Uma das grandes realizações dos gregos foi, na opinião de Burns (1977), o

desenvolvimento da filosofia num sentido mais vasto do que ela tivera até então. Antes

do fim do século VI a.C. a filosofia grega adquirira uma orientação metafísica, isto é,

deixou de se ocupar com os problemas do mundo físico e transferiu a sua atenção para

questões abstrusas como a natureza do ser, o sentido da verdade, a posição do divino no

esquema das coisas. Foi dada ênfase ao raciocínio abstracto, tendo-se estabelecido como

objectivo estender o domínio da razão sobre toda a natureza e o homem.

Em coerência com esta nova forma de pensar, os pitagóricos sustentaram que a

essência das coisas não seria uma substância material, mas sim um princípio abstracto, o

número. Segundo a filosofia dos pitagóricos

todo o universo era caracterizado pelos números e as suas relações, e assim o problema surgia de definir o que um número era. (Mainzer, 1990a, p. 12)

E contrariamente ao que de um modo geral se cogita, o período da civilização

helénica, e estritamente falando, não constituiu uma época de forte actividade científica.

Na época de Péricles, e no século que se seguiu, os gregos eram sobretudo especulativos

e artísticos, não havendo grande interesse pelo conforto material ou pelo domínio do

universo físico. Assim sendo, com excepção de alguns desenvolvimentos na

matemática, na biologia e na medicina, foram relativamente parcos os progressos

científicos.

Entre todos os povos do mundo antigo, o que melhor reflectiu o espírito do homem ocidental foi o helénico ou grego. Nenhuma outra nação deu provas de tão forte dedicação à causa da liberdade ou de uma crença tão firme na nobreza das realizações humanas. (Burns, 1977, p. 149)

Conquanto a antiga civilização Grega perdurasse até 600 d.C., do ponto de vista

da história da matemática é possível distinguir dois períodos, o período clássico, o qual

durou entre 600 e 300 a.C. e que abrangendo

…os séculos VI, V e IV a.C., em que o povo grego estava politicamente organizado em cidades-estado, tanto na Grécia propriamente dita como nas colónias da Ásia Menor e da Magna Grécia, costuma ser referido por período pré-euclideano, pois culmina com a actividade de Euclides e, sobretudo, com a publicação do seu tratado Elementos. (Sá, 2000, p. 225)

42

e um segundo período, denominado por Alexandrino ou Helenístico, o qual decorreu de

300 a.C. a 600 d.C. A designação de Alexandrino deriva do facto de o “mais importante

centro intelectual ser a cidade de Alexandria, no Egipto helenizado” (Sá, 2000, p. 225).

É de referir aqui que os manuscritos originais não estão disponíveis, e conforme o

realçam Cousquer (1994) e Sá (2000), as fontes para o conhecimento da matemática do

período clássico são as alusões ou comentários escritos durante o período Alexandrino,

as transcrições árabes das obras gregas e as transcrições em latim das obras árabes.

Assim, não podemos estar certos acerca da fidelidade destes documentos aos originais,

uma vez que a maioria destas transcrições não são reproduções literais mas sim edições

críticas, pelo que pode ter havido alterações introduzidas pelos seus editores. De igual

modo, não sabemos que alterações possam ter sido introduzidas nos textos originais

aquando das traduções árabes dos trabalhos gregos, bem como as versões em latim

derivadas dos trabalhos em árabe.

Embora haja alguma insuficiência de informação e frequentes omissões, a maioria

dos historiadores está de acordo que a matemática grega, desenvolvida no período

clássico, se produziu em diferentes centros que se sucederam uns aos outros apoiando-

-se no trabalho dos seus antecessores.

A primeira das escolas do período Jónico foi fundada por Tales de Mileto (640 a

546 a.C.).

A escassez de elementos não permite caracterizar de uma forma muito mais ampla o pensamento de Tales; no entanto, não será excessivo sublinhar que o tipo de argumentação racional que se supõe tenha empregue na tentativa de descrição do mundo, testemunha já, mesmo se de uma forma ainda imperfeita, o alvorecer do Logos no ocidente. (in DVD-ROM Diciopédia X Porto, 2006 (o termo da busca foi “Tales”))

Outras escolas se constituíram com o decorrer do tempo, disseminadas pela vasta

extensão geográfica do mundo helénico. Uma dessas escolas foi a pitagórica.

Os pitagóricos eram por assim dizer não só activos como escola matemática muito influente, onde foram os primeiros a elevar o requisito de uma matemática exacta e onde insistiam numa rígida educação em aritmética, geometria, astronomia e música para os seus membros, mas cumulativamente a isto tudo eles comprometiam-se a um estilo de vida ordeiro (Mainzer, 1990b, p. 28).

Efectivamente, a escola pitagórica propôs-se explicar todas as coisas, partindo da

noção de número que lhes constituiria a essência. (Guimarãis, 1972)

43

No decorrer do séc. V a.C., as concepções pitagóricas foram sujeitas a críticas por parte de várias novas escolas, que iam propondo sistemas alternativos. De todas as correntes filosóficas que se opuseram ao pitagorismo, a mais importante foi fundada por Parménides de Elea. (Sá, 2000, p. 240)

Zenão, um dos membros da escola dos Eleatas, teve um papel capital no combate

a alguns dos aspectos chave da doutrina pitagórica.

O problema da relação do discreto e do contínuo foi trazido ao centro da atenção por Zenão, que viveu no sul de Itália na cidade de Elea (…) ele propôs vários paradoxos dos quais quatro se relacionavam com o movimento (Kline, 1972, p. 35).

Seria também interessante fazer aqui uma referência à escola de Quios, da qual

fizeram parte alguns dos grandes pensadores gregos.

Ao longo dos séculos V e IV a.C., assistiu-se a uma das manifestações mais originais da civilização grega e com maior importância para o desenvolvimento da ciência: a axiomatização da matemática. O primeiro nome que a tradição associa a esta tendência é o de Hipócrates de Quios, o maior matemático do séc. V a.C. (Sá, 2000, p. 247)

Finalmente referir-nos-emos aos sofistas, activos a partir da última metade do

século quinto, que estavam particularmente concentrados em Atenas. A escola mais

célebre foi a Academia de Platão, onde Aristóteles foi aluno. A Academia teve uma

importância sem paralelo para o pensamento grego.

No que respeita às fontes da matemática grega sabe-se que os gregos terão

encontrado no Egipto e na Mesopotâmia os elementos de base para a sua astronomia e

geometria. De acordo com a tradição, Tales, Pitágoras, Demócrito e Eudoxo viajaram

por esses países. Segundo Cousquer (1994), o conhecimento dessas duas civilizações

terá sido essencial para a Grécia; contudo, “não está provado que, em virtude desses

contactos, a matemática grega tenha evoluído a partir das matemáticas orientais” (Sá,

2000, p. 226) pois “apesar das inquestionáveis influências do Egipto e da Babilónia nas

mentes Gregas, a matemática produzida pelos gregos difere radicalmente daquela que a

precedeu” (Kline, 1982, p. 42).

Contudo, Fowler (1999) admite que tenha havido uma influência da matemática

babilónica nas primeiras matemáticas gregas. Porém Høyrup é incisivo ao referir que:

44

Mesmo quando a matemática babilónica é “pura” em substância, continua aplicada na forma. Em contradição a isto, o protótipo da matemática Grega é puro na forma bem como na substância. (Høyrup, 1994, p.8)

Indo de encontro à afirmação de Høyrup (1994), Sá (2000) reforça este entendimento

ao afirmar que “a matemática grega é uma manifestação cultural de profunda

originalidade, com motivações, objectivos e métodos novos” (p. 226).

3.1.3. Concepções

O interesse dos gregos pela matemática não se alicerçou no seu carácter utilitário.

Pelo contrário, tal como acentua Devlin (1998), os gregos encaravam a matemática

como uma actividade intelectual que integrava elementos tanto de natureza estética

como religiosa.

É na Grécia que nasce o espírito científico (em indiviso progresso associado com o pensamento mais latamente filosófico), nascem ocidentais essas alvoradas do saber do próprio homem e do mundo, nelas radica e se condiciona até hoje o ulterior progresso humano (Guimarãis, 1972, p. 24).

Os gregos trouxeram uma nova concepção para a matemática, passando esta a ser

uma ciência dedutiva alicerçada sobre provas, em oposição ao que aconteceu com todas

as civilizações anteriores que utilizavam os conhecimentos adquiridos através de

raciocínios por analogia, pela experimentação e generalização a partir de exemplos.

Cousquer (1994) enfatiza o facto de os gregos terem sido os primeiros a imporem

uma exigência lógica de não contradição e a imporem provas de existência antes de

definirem. “A moderna matemática nasceu na atmosfera do racionalismo jónico, uma

matemática que colocava não só a questão «Como?», mas também a questão

«Porquê?»” (Struik, 1997, p. 73).

Um outro pormenor curioso reside no facto de os matemáticos gregos terem feito

uma distinção entre «aritmética», ou ciência dos números, (arithmoi), e «logística», ou

cálculo prático.

O termo arithmos exprimia somente um número natural, uma «quantidade composta de unidades» (Euclides, liv. VII, definição 2; isto significa também que «um» não era considerado número) (Struik, 1997, p. 108).

Também é com razão que o UM não é considerado um número. (Aristóteles na Metafísica, citado em Hallez, 2000, p. 109)

45

3.2. Os números na Matemática Grega

Um dos maiores contributos dado pelos Gregos para todos os conceitos da

matemática, foi

o reconhecimento consciente e a ênfase do facto de que as entidades matemáticas, os números, e as figuras geométricas, eram abstracções, ideias albergadas pela mente e nitidamente distintas de objectos físicos ou imagens (Kline, 1972, p. 29).

3.2.1. Sistemas de numeração usados pelos gregos

É certo que outras civilizações mais primitivas, e certamente os egípcios e os

mesopotâmicos, aprenderam a pensar sobre os números como divorciados do mundo

físico. Contudo é questionável (pelo menos nada o evidência) até que ponto eles

estavam conscientes da sua natureza abstracta. Um facto que reforça esta constatação

está na circunstância, que do ponto de vista geométrico, todas as civilizações anteriores

aos gregos estiveram definitivamente vinculadas ao concreto.

Esta contribuição dos gregos foi essencial, pois abordaram a matemática de uma

forma completamente nova, tornando-a abstracta. E, assim sendo, o conceito de número

foi conscientemente reconhecido.

Os pitagóricos terão reconhecido que a matemática lida com abstracções, embora

este reconhecimento possa não ter ocorrido numa fase inicial do seu trabalho (Kline,

1972). Os matemáticos gregos, em particular os pitagóricos, desenvolveram toda uma

filosofia do universo onde a noção de número (natural) tinha um papel fundamental.

Eles estavam convencidos que tudo se poderia exprimir recorrendo-se aos números

naturais.

Na procura das leis eternas do universo, os pitagóricos estudaram geometria, aritmética, astronomia e música (o que mais tarde se chamaria o quadrivium) (…) Os números, isto é, os inteiros, chamados arithmoi, eram divididos em classes: ímpares e pares, primos e compostos, perfeitos, amigos, triangulares, quadrados, pentagonais, etc. (…) os pitagóricos investigavam as propriedades desses números, acrescentando-lhes uma marca do seu misticismo e colocando-os no centro de uma filosofia cósmica que tentava reduzir todas as relações fundamentais a relações numéricas («tudo é número»). (Struik, 1997, p. 78)

46

Para compreender o sentido da famosa frase atribuída como mote a toda actividade Pitagórica em matéria de ciência – “tudo é número” – é indispensável precisar a noção que os Pitagóricos da primeira hora tinham do que fossem números (naturais). Não era a nossa noção abstracta de hoje, senão antes uma concepção muito concreta, ligada à teoria dos mónadas (termo de origem pitagórica, celebrizado no século XVII da nossa era por Leibniz, que definiu a “mónada” como uma “substância simples, isto é, sem partes, que entra nos compostos”. “As mónadas são os verdadeiros átomos da Natureza, os elementos das coisas”) de foro cosmológico. Retomando a tradição milesiana de tratar o problema da matéria, os Pitagóricos procuraram explicar a estrutura da matéria, postulando que a “substância primitiva” de Anaximandro (“origem comum de todas as coisas”) se concentrava em torno de centros monádicos, que, para cada espécie de matéria, apresentavam uma certa configuração característica. É neste sentido que as coisas são números, isto é, colecção de pontos, ou corpúsculos, tendo uma certa extensão, e dispostos segundo uma certa ordem geométrica: de quantidade e de ordem dos corpúsculos seus constituintes decorrem as propriedades de cada espécie de matéria. Por isso, para os pitagóricos, número é, em acepção autêntica, “número figurado”. (Guimarãis, 1972, p. 39)

Mas conforme o salienta Moreno-Armelli (2000), os números só podiam ser

aplicados no estudo de colecções discretas, significando isto que não havia a noção de

continuidade associada ao conceito de número.

No período clássico a matemática esteve assim cingida à aritmética (dos números

inteiros unicamente), à geometria, música e astronomia. E tal como disse Gémino,

citado em (Kline, 1972, p. 105): “A matemática estava separada em duas divisões

principais com a seguinte distinção: uma parte preocupada com os conceitos intelectuais

e a outra com os conceitos materiais”.

No decurso da sua história os gregos recorreram a dois sistemas de numeração

distintos, um mais antigo, o Ático, no qual arranjavam os números por ordem e os

agrupavam, tal como no sistema romano, e um posterior, mais erudito, o Jónico, sistema

de numeração alfabético que apareceu pela primeira vez no séc. V a.C., “ou até

anteriormente” (Flegg, 1974a, p. 14), mas “foi somente adoptado oficialmente em

Atenas por volta do séc. I a.C.” (Menninger, 1969, p. 268). Ambos os sistemas eram

decimais.

Os gregos, contudo, não adoptaram um sistema numérico posicional, facto que

não deixa de ser surpreendente. Perante isto, Wilder (1968) questiona:

Porque é que a ciência dos números babilónicos não afectou o pensamento grego por um processo de difusão? Poderemos simplesmente conjecturar.

47

Houve possivelmente conhecimento do sistema de numeração babilónico entre os filósofos gregos sem que tenham tido a percepção das possibilidades inerentes a ele. (p. 74)

Como é que os gregos resolveram então problemas práticos que implicavam a

necessidade de trabalhar com números? A ciência grega clássica era qualitativa. “As

pessoas instruídas não se preocupavam com problemas práticos” (Kline, 1972, p. 49). O

pensamento matemático estava desse modo separado das necessidades práticas. Os

gregos não mostraram grande interesse em tentar melhorar as técnicas aritméticas, nem

em desenvolver técnicas algébricas.

Os gregos clássicos chamaram à arte do cálculo logística. Eles reservavam a palavra aritmética para a teoria dos números. Os matemáticos do período clássico desprezavam a logística porque esta estava preocupada com cálculos práticos necessários nos negócios e no comércio. A arte de escrever e trabalhar com os números não continuou onde os Babilónios ficaram. Na logística os gregos parecem ter trabalhado os seus próprios princípios. (Kline, 1972, p. 131)

Um exemplo da reduzida e parca utilização dos números pelos intelectuais gregos

é-nos apresentada por Fowler (1999) quando ele constata que praticamente a única

notação numérica encontrada nos primeiros e melhores trabalhos de Euclides é usada

para etiquetar as proposições, com a única excepção de três numerais nos Elementos

XIII, e esses poucos números que foram usados no texto foram escritos como palavras.

“Este é um caso extremo”. (Fowler, 1999, p.222)

Contudo é certo que nas suas transacções comerciais e nas medições de terras os

gregos empregariam os números naturais, segundo Crossley (1987).

Os gregos utilizaram diferentes sistemas de numeração, mas os sistemas centrais

foram o ático e o alfabético. Estes dois sistemas tiveram a sua existência própria.

Apareceram independentemente um do outro, coexistiram, encontraram aplicações em

contextos diferentes e foram também concorrentes.

É possível encontrar registos destes sistemas em inscrições sobre pedra, mas

também são importantes as informações provenientes dos graffiti sobre a cerâmica e,

bem entendido, as das fontes literárias.

A base dos sistemas de numeração utilizados pelos gregos foi a base dez, a mesma

dos seus vizinhos próximos, os egípcios e os fenícios. O sistema decimal aparece

48

claramente no vocabulário empregue para designar os nomes e, bem entendido, na

maneira de os escrever.

A determinada altura, segundo Crossley (1987), Aristóteles estava consciente de

que na contagem não precisamos de um número infinito de números mas somente a

facilidade de contar até onde possamos precisar.

Contudo uma transição acabou por se operar. Efectivamente evoluiu-se para um

nível mais alto de abstracção: de números concretos (entes individuais, embora

abstractos) para números no geral, querendo-se com isto dizer que qualquer número

seria possível. A sucessão de números aparece como indefinidamente prolongável, e

com ela entra na matemática a noção de infinito. Esta ideia representa a possibilidade da

generalização de uma quantidade imensa de experiências anteriores com números

concretos, das quais se irão tirar as regras e os métodos para raciocínios gerais sobre os

números.

No século III a. C., os gregos tinham já reconhecido claramente duas ideias importantes: em primeiro lugar que a sucessão de números inteiros era susceptível de ser prolongada indefinidamente; em segundo lugar que não só era possível operar com quaisquer números dados, como também referir--se aos números em geral e formular e provar teoremas sobre eles. (Aleksandrov, 1982, p. 33)

E assim os gregos estabeleceram as bases da teoria dos números, sendo aqui de referir,

por exemplo, as suas investigações sobre os números primos (o teorema de Euclides

sobre a existência de um número infinito de números primos e o “crivo” de Eratóstenes

para a obtenção dos números primos).

O que Euclides de facto reivindica é que para além de qualquer colecção (finita) de primos existe um primo maior (Crossley, 1987, p. 33).

3.2.2. Os incomensuráveis

Em face da necessidade de prova na matemática Grega, a descoberta dos

incomensuráveis foi inevitável. “Embora seja questionável que esta descoberta tenha

gerado uma crise na matemática, a comensurabilidade teve um papel fundamental nas

provas geométricas gregas. Esta descoberta não podia ser ignorada”. (Barnett, 2000, p.

78)

49

No início, toda a matemática Grega se baseou nos números naturais, e, porque os

gregos procuraram as representações numéricas exactas de comprimentos obtidos,

escolhendo pequenas unidades apropriadas, a descoberta que o lado e a diagonal de um

quadrado eram incomensuráveis colidiu, segundo Flegg (1974b), com o sustentáculo do

seu pensamento matemático.

A descoberta da irracionalidade da diagonal do quadrado de lado 1 provocou uma grande crise filosófica, contemporânea praticamente aos paradoxos sobre o infinito de Zenão. A resposta a esta questão por parte dos gregos orientou todo o desenvolvimento da matemática por dois milénios. Ela consistiu em separar o conceito do número que para os gregos designava sempre um número inteiro e o conceito de grandeza que fundamentalmente depende da geometria. (Cousquer, 1994, p. 10)

Na perspectiva de Crossley (1987) a descoberta de números irracionais pelos

gregos tem sido vista ao longo dos tempos, erroneamente, como a causa de uma grande

crise na matemática grega. Para Barnett (2000) a resolução da suposta crise dos

incomensuráveis não conduziu a uma concepção mais geral do número, tendo sim

fortalecido a distinção entre grandezas contínuas e números discretos.

Para Cousquer (1994), os gregos foram incapazes de compreender o conceito de

número irracional, tendo desse modo criado limitações no seu trabalho, ocorrendo o

enfoque do seu esforço na geometria, que surgiu como a única forma susceptível de

proporcionar uma base rigorosa.

3.2.3. O misticismo numérico

Sejam quais forem os detalhes históricos parece-nos claro que o misticismo dos números teve um papel importante no amadurecimento do conceito de número e no início da teoria dos números. Com o misticismo pitagórico os números existiam independentemente do seu uso humano. (Wilder, 1968, p. 77)

São vários os estudiosos a fazerem alusão a esta característica dos gregos, que nas

suas escolas filosóficas imbuíram os números de um cariz místico-religioso, criando

inclusive

um conceito de perfeição para o número (número perfeito é aquele que é igual à soma de todos os seus divisores próprios mais o um). Só aceitavam os inteiros positivos (também designados por “naturais”, considerando que alguns eram masculinos e outros femininos) recusando a existência dos irracionais. (Nogueira, 2001, p. 12)

50

Também Aristóteles faz alusão, na sua obra Metafísica, à perspectiva que os

pitagóricos tinham dos números:

Os assim chamados Pitagóricos foram os primeiros a dedicar-se às matemáticas e a fazê-las avançar; e, como tinham sido educados nelas, pensaram que os princípios das matemáticas eram os princípios de todas as coisas. Como, de entre estes princípios, os números são, por natureza, os primeiros, e como julgam encontrar nos números, mais do que no fogo, na terra ou na água, semelhanças com as coisas que são e que devêm (…) como, além disso, viam nos números as propriedades e as razões da harmonia; enfim, como todas as outras coisas lhes pareciam, na sua inteira natureza, serem formadas à semelhança dos números, e os números lhes pareciam ser as realidades primordiais de toda a Natureza, eles consideravam que os princípios dos números eram os elementos de todas as coisas, e que os céus eram uma razão musical e um número. (Aristóteles, Metafísica, citado em Sá, 2000, p. 230)

Mas conforme salienta Kline (1972), embora o pensamento religioso pitagórico

tenha sido incontestavelmente místico, a sua filosofia natural foi decididamente

racional.

Ainda poderemos referir aqui as alusões de Wilder (1968) quando este menciona

o facto de os gregos terem, da mesma forma que os mesopotâmicos, atribuído aos

números figurações divinas:

…os números pares eram vistos como femininos, pertencendo à terra. Os números ímpares eram masculinos, participando da natureza celeste. Cada número era identificado com um atributo humano. O um associava-se à razão, porque era imutável, o dois à opinião, o quatro à justiça, porque era o primeiro quadrado perfeito, o cinco ao casamento, porque era a união do primeiro número feminino e o primeiro masculino (2+3). (Wilder, 1968, p. 75)

Uma justificação para todo este entendimento dos gregos, segundo Kline (1972),

justifica-se pelo facto de eles estarem impressionados com a circunstância de múltiplos

fenómenos exibirem propriedades matemáticas idênticas. Seriam então essas

propriedades matemáticas a essência desses fenómenos. Na procura das leis eternas do

universo, os pitagóricos estudaram geometria, aritmética, astronomia e música (o que

mais tarde se chamaria o quadrivium)

Para os Pitagóricos e os seus seguidores, a chave para a compreensão do mundo era o número, o que fazia surgir a aritmética como a ciência por excelência; a música, a astronomia e a geometria eram encaradas como ciências redutíveis à aritmética. (Sá, 2000, p. 230)

51

3.3. Caracterização do sistema ático

De acordo com Fowler (1999), e tal como já anteriormente havíamos referido, os

gregos aplicaram dois sistemas de numeração, o sistema ático e o sistema alfabético.

Encontraram-se contudo, segundo Kline (1972), alguns vestígios de um conjunto

de numerais arcaicos gregos em Creta, os quais serão de uma época anterior ao período

clássico, antecedendo o referido período em cerca de 500 anos. Só mais tarde, por volta

de 500 a.C., é que os gregos estariam já a utilizar um sistema de numeração, sistema

que alguns historiadores designam por ático, em alusão à região da antiga Grécia, a

Ática, na qual o sistema seria usado. Uma outra designação frequente é a de sistema

“acrofónico”, isto porque os sinais que o compõem são as iniciais das palavras que

designam os nomes.

A referência mais antiga de que se tem conhecimento a este sistema é uma

inscrição cuja datação aponta para cerca de 450 a.C. Em todo o caso no período clássico

já estão disponíveis um maior número de vestígios que permitem estudar a

implementação do sistema ático.

Encontraram-se igualmente noutras zonas do mundo grego várias inscrições que

comprovam a existência da utilização de notações “acrofónicas” inteiramente

semelhantes à numeração ática, isto no decorrer da segunda metade do primeiro

milénio. No entanto, deve-se aqui salientar que todas estas variantes eram claramente

distintas umas das outras, pois continham pormenores que permitiam diferenciá-las. Tal

ocorrência deve ser consequência do facto de nessa época cada um dos estados do

mundo grego possuir o seu próprio sistema ponderal e monetário, pois

estamos no meio da segunda metade do I milénio a.C. e o uso da moeda já se encontra largamente difundido na bacia mediterrânica (Ifrah, 1997, p.387).

O uso do sistema ático, o mais antigo e confirmado dos sistemas gregos

“acrofónicos”, ter-se-á generalizado gradualmente no século de Péricles, aquando do

apogeu de Atenas como cidade-estado. A supremacia de Atenas terá contribuído para o

sucesso do sistema. Os atenienses continuaram a utilizar a numeração ática durante

muito tempo, e assim o fizeram nas suas inscrições públicas, mesmo após a expansão da

numeração alfabética.

52

Estes numerais gregos foram usados em inscrições áticas desde meados do séc. V a.C. até ao séc. I a.C., principalmente nas listas públicas de tributo e contas que os oficiais de impostos da cidade apresentavam aos cidadãos (Menninger, 1969, p. 268).

São seis os símbolos de suporte do sistema ático. O número 1 é representado por

um traço vertical, constituindo a única situação em que não se recorreu à primeira letra

do nome do próprio número para o representar, assim o realça Eves (1997). Existem

também representações para os números 10 , 210 , 310 e 410 , as quais são,

respectivamente ∆, H, X e M. Estes quatro símbolos derivaram das iniciais dos nomes

gregos dos números que representam, a saber, deka (dez), hekaton (cem), chilioi (mil), e

myrioi ( dez mil). (Ore, 1948; Roux, 1988)

Havia também um símbolo para representar o número 5, a saber, Г , símbolo que

é uma antiga forma de Π (pi), a letra inicial da palavra grega pente (cinco).

Quadro 3.2. - Quadro síntese dos símbolos áticos Letra Inicial de… Significa…

Γ (pi) πεντε (pénte) Cinco ∆ (delta) ∆εκα (déka) Dez Η (eta) Ηεκατον (hékaton) Cem Χ (xi) χιλιοι (chilioi) Mil Μ (mu) Μυριοι (myrioi) Dez mil

Recorrendo assim aos símbolos numérico áticos, a seguinte sequência

representa duzentas e trinta e quatro unidades. Note-se que a ordem dos termos é

irrelevante para um eventual cálculo do número representado, pois o valor está ligado

aos próprios símbolos e não depende da posição que estes tomam na sequência. Assim

bastará somar os valores que cada um deles simboliza para se obter o número em

questão. Contudo, e de um modo geral, a convenção adoptada foi ordenar os símbolos

por ordem decrescente do seu valor da esquerda para a direita, o que parece lógico pois

corresponde à forma de escrita grega.

No quadro seguinte poderemos observar os números de um a dez seguindo o

princípio da representação ática:

53

Uma dificuldade surge aqui, pois, se recorrermos à base dez, num sistema de

numeração que é aditivo, serão necessários vários caracteres para expressar

determinadas quantidades como, por exemplo, o caso de 9999 o qual requereria 36

símbolos. A situação aqui contemplada constituía efectivamente um obstáculo que no

entanto foi superado.

No antigo sistema ático grego (…) todavia a introdução de novos símbolos para 5, 50, 500, permitiu uma abreviatura da escrita (Cousquer, 1994, p. 7).

O símbolo do número cinco, Γ, tanto foi usado sozinho, como também apareceu

em combinação com outros símbolos, com o objectivo de encurtar a representação

numérica. Recorreu-se aqui a um princípio multiplicativo. Numa notação quase

estenográfica, o Γ do cinco é também associado às letras das potências de 10: um

pequeno ∆ inscrito no Γ designará 50, e assim por diante.

Quanto aos sinais respectivamente associados aos números 50, 500, 5 000, 50 000, são visivelmente compostos … segundo o princípio multiplicativo. Noutras palavras, no sistema ático, para quintuplicar o valor de uma das letras-numerais ∆, H, X e M bastava colocá-la no interior da letra Г = 5. (Ifrah, 1997, p. 384)

Podemos observar no quadro seguinte alguns exemplos onde se aplicou este

princípio multiplicativo, dando assim origem a uma representação reduzida de valores

mais elevados:

Apresentaremos de seguida dois exemplos, nos quais ocorreu o recurso aos

princípios supracitados:

representa o número 1957

54

representa o número 61200

Sintetizando tudo aquilo que até agora foi dito, poderemos dizer que o sistema de

numeração ático constituiu um sistema de contagem de agrupamentos simples de base

10, conforme o recordam Eves (1997) e Struik (1997). Contudo, este sistema de

agrupamento simples, em determinados momentos, evoluía para um tipo de numeração

que poderemos designar por um sistema de agrupamento multiplicativo. “Neste sistema

teremos cifras para o grupo básico e uma segunda classe de símbolos para um grupo

mais elevado. As cifras serão então usadas de uma forma multiplicativa” (van der

Waerden, 1976a, p. 18).

Estamos então perante um sistema do tipo aditivo, em que cada algarismo

possuirá um valor próprio independentemente de sua posição nas representações. O

sistema de numeração ático, porém, apresenta uma característica peculiar: alicerçado

numa base decimal, recorrendo ao princípio da adição, apresenta um símbolo particular

para cada um dos números 1, 10, 100, 1 000, bem como para cada um dos números: 5,

50, 500, 5 000, e assim continuadamente.

Examinando então este tipo de sistemas, após a escolha de um número m , que

constituirá a base, verificamos que se designam símbolos para 1, m , 2m , 3m , etc.

Posteriormente, qualquer número será expresso pelo uso desses símbolos de uma forma

aditiva, repetindo-se cada um deles o número de vezes necessário. Podemos então,

formalmente, sintetizar o que aqui foi dito do seguinte modo, seguindo a síntese de Ifrah

(1997):

Designemos por k o divisor da base m , representando k uma base auxiliar e m

a base principal. Teremos então, no caso específico do sistema ático, 10=m e 5=k .

Será assim possível observar que este sistema atribui um algarismo particular não

somente a cada potência da base (1, m , 2m , 3m , …), mas também ao produto de k por

cada uma delas ( k , km , 2km , 3km , …).

No quadro seguinte, sugerido por Ifrah (1997, p. 695), pode-se observar a

estrutura matemática que se encontra na progressão regular dos algarismos da

numeração ática:

Numeração grega ática (m = 10 e k = 5) 1 k m km 2m

2km 3m 3km …

1 5 10 105× 210 2105× 10 3105× …

55

3.3.1. Os sistemas monetários

Contudo, paulatinamente, o sistema de trocas de produtos por produtos foi dando lugar a uma economia monetária e, tradicionalmente (de acordo com Heródoto), atribuiu-se a primeira cunhagem de moeda ao reino da Lídia, na época de Creso (c. 547 a.C.), ainda no século VI a. C., aproveitando os recursos auríferos desse território. (in DVD-ROM Diciopédia X. Porto, 2006 (o termo da busca foi “Atenas: recursos e actividades”))

Podemo-nos questionar onde e como era empregue a numeração ática. Na

realidade ela só serviu para notar os números cardinais. Foi empregue na metrologia

(pesos, medidas, etc.) e na expressão das somas monetárias. Nessa época, cada Estado

grego já possuía o seu próprio sistema ponderal, bem como o seu próprio sistema

monetário, pois estamos no meio da segunda metade do I milénio a.C. e o uso da moeda

já se encontra largamente difundido na bacia mediterrânica.

A base da unidade monetária era a dracma (├). Havia uma unidade maior, o

talento, correspondendo 1 talento (T) a 60 minas. Uma mina equivalia a 100 dracmas. O

dracma, por sua vez, subdividia-se em óbolos, “antiga moeda grega de prata, de valor

igual à sexta parte de um dracma” (Menninger, 1969, p. 268). Ainda existiam neste

sistema monetário os khalkos equivalendo esta subunidade a 81 de óbolo.

As diferentes unidades monetárias indicavam-se modificando a notação para as

unidades no número. Assim, para notar somas expressas em dracmas, os atenienses

recorriam aos símbolos áticos, repetiam-nos tantas vezes quantas fosse necessário,

substituindo, contudo, a barra vertical da unidade pelo símbolo ├ que representava o

dracma. Por exemplo:

representa 5678 dracmas

Seguindo o mesmo princípio que o anteriormente descrito, então:

representa 3807 talentos

56

Leitura e interpretação de Roux:

Fig. 3.1. - Pilar da estátua de Atena (imagens extraídas de Roux, 1988, p. 60)

Neste pilar, que se encontra no Museu Epigráfico de Atenas, é possível verem-se

vários valores gravados, tendo-se para isso recorrido à simbologia ática. Essas

quantidades seriam os registos dos montantes devidos aos diversos artesãos

(trabalhadores, ourives, etc.) pela execução do trabalho.

3.4. Os problemas e as limitações do sistema

Em relação ao modo como os gregos usaram os símbolos do sistema ático para

escrever os números, não subsistem dúvidas. No entanto, “é-nos muito difícil perceber

como é que calculavam com eles” (Menninger, 1969, p. 270).

O sistema grego, ao contrário da nossa notação posicional, não era puramente posicional e o cálculo era bastante tedioso (Mainzer, 1990a, p. 11).

Mas nem todos os historiadores têm esta perspectiva. Podemos aqui referir Eves

(1997), para quem as dificuldades que encontramos nos cálculos quando recorremos ao

700 talentos

520 dracmas

30 talentos 300 dracmas

57

sistema ático resultam da falta de familiaridade com o sistema. O autor supracitado

alega ainda:

É claro que a adição e a subtracção num sistema de agrupamentos simples requer apenas a capacidade de contar o número de símbolos de cada espécie e a conversão, a seguir, em unidades de ordem superior. Não se necessita de nenhuma memorização de combinações de números. (Eves, 1997, p. 39)

Mas na realidade, nos trezentos anos que decorreram de Tales a Euclides, os

gregos não prestaram atenção ao cálculo, pelo que não houve progressos nessa área. É

significativo o facto de os livros, segundo Kline (1972), não abordarem práticas

aritméticas.

Porém para resolverem as suas dificuldades de cálculo os gregos acabaram por

recorrer ao ábaco (a palavra latina abacus deriva do grego abax significando “tabuleiro

de areia”). O ábaco terá sido o mais antigo instrumento de computação usado pelo

homem e, segundo Netz (2002), foi um meio da manipulação numérica por excelência.

Foi encontrado um ábaco na ilha de Salamis, em 1846, por um arqueólogo grego,

Rhangabés. Trata-se de uma enorme peça de mármore de 149 cm de largura por 76 cm

de lado, na qual

são traçadas, a 25 centímetros de cada um dos lados, cinco linhas paralelas, a 50 centímetros da última dessas linhas, onze outras linhas igualmente dispostas em paralelo, cortadas por uma linha perpendicular e de que a terceira, a sexta e a nona são marcadas por uma cruz no ponto de intersecção. Além disso, três séries, mais ou menos idênticas, de letras ou de sinais gregos são arranjadas na mesma ordem, nos três lados da mesa. A mais completa das séries compreende os treze sinais seguintes:

Esses símbolos correspondiam, na verdade, a sinais numéricos: os da numeração ática, servindo aqui para notar somas monetárias expressas em talentos, dracmas, óbolos e khalkos, isto é, múltiplos e submúltiplos do dracma. (Ifrah, 1997, p. 426)

58

Fig. 3.2. – Ábaco de Salamis – (imagem extraída

de Ifrah, 1997, p. 425)

Fig. 3.3. - Reprodução do ábaco de

Salamis – (imagem extraída de

Bouat, 1996, p. 234)

Os números eram marcados recorrendo a pequenas pedras, em latim calculi, daqui a origem latina dos nossos termos cálculo e calcular (Ore, 1948, p. 15).

Outra evidência arqueológica da utilização pelos gregos do ábaco surgiu em 1851

com a descoberta de uma ânfora, o “Vaso de Dario”.

Trata-se de um vaso pintado proveniente de Canossa, na Itália do Sul, (outrora colónia grega) e datando de aproximadamente 350 a.C. As diversas pinturas que ornam o vaso supõe-se que descrevem as actividades de Dario,

59

quando das suas expedições militares. Num detalhe desse documento percebe-se o tesoureiro do rei da Pérsia que determina, executando operações mediante peças na mesa de contar, o montante do tributo imposto a uma cidade conquistada. (Ifrah, 1997, p.425).

Fig. 3.4. - Detalhe de um vaso de Dario 350 a.C. (proveniência: Canossa, Itália do

Sul). Peça do Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. (imagem extraída de

Ifrah, 1997, p. 424)

Contudo podem referir-se outras dificuldades inerentes ao sistema ático. Uma

delas reside num inconveniente do princípio aditivo adoptado, o qual requeria um uso

enorme de símbolos, idênticos, mesmo após a introdução do princípio multiplicativo,

como já referimos, para a representação de determinados valores. Podemos aqui

mencionar, como exemplo, a representação do número 7699, a qual exigia o recurso a

15 símbolos do sistema ático.

Um outro facto reside na circunstância de os gregos não possuírem o zero,

conjuntura que resulta de um sistema de numeração aditivo como o ático.

Não há necessidade de um símbolo para o zero nos sistemas de numeração gregos, embora o zero fosse usado em certos trabalhos gregos de astronomia (Flegg, 1974b, p. 15).

Também é de se registar aqui, na sequência das nossas referências a algumas das

limitações deste período clássico, a circunstância de os gregos não terem utilizado

fracções.

Diz-se que os gregos do período clássico consideravam os inteiros como os únicos números existentes. As fracções não poderiam existir como números na medida em que os gregos consideravam como sendo impossível a divisão da unidade. (Cousquer, 1994, p.42)

As fracções foram então ignoradas, pois para os gregos “coisas visíveis são

divisíveis, mas unidades matemáticas não” (van der Waerden, 1976b, p. 38).

60

Também as doutrinas filosóficas dos gregos, no período clássico, delimitaram de

certa forma os progressos na matemática. Isto resultou do facto de eles acreditarem que

o homem não criava os factos matemáticos: eles preexistiam. “O homem limitar-se-ia a

averiguar, a comprovar e a registá-los” (Kline, 1972, p. 176).

Em súmula, poderemos aqui dizer que

Pelo facto de os gregos terem convertido as ideias aritméticas em geométricas e pelo facto de se terem dedicado ao estudo da geometria, essa tendência dominou a matemática até ao século dezanove (…) Os gregos não só falharam no desenvolvimento do sistema de numeração e da álgebra, bem como dificultaram o progresso das gerações futuras ao influenciá-las a adoptarem a incómoda abordagem geométrica (…) Os europeus ficaram tão vinculados às formas e métodos gregos de tal forma que a civilização ocidental teve de esperar que os árabes trouxessem um sistema de numeração da longínqua Índia. (Kline, 1982, p. 57)

61

C A P Í T U LO I V

O SISTEMA HINDU

“A matemática é uma grande aventura nas ideias;

a sua história reflecte alguns dos mais

nobres pensamentos de inúmeras gerações.” (Struik, 1997, p. 17)

4.1. Contexto histórico e geográfico

É nosso objectivo descrever aqui os contextos geográficos e históricos onde a

civilização hindu apareceu. Será importante fazer referência à vastidão territorial do

subcontinente indiano, cerca de 20000004 Km , sendo também muito grande a

amplitude de latitudes (entre os 5º e os 35º N).

(Mapa extraído de Blanchon, 1996, p. 51)

62

As condições naturais da antiga Índia eram extremamente variadas, em parte

devido à grande extensão do país. As condições naturais do Norte da Índia, zona que

abarca a bacia dos rios Ganges e Indo, eram mais ou menos uniformes e semelhantes às

do Egipto e da Mesopotâmia. As inundações do Ganges e do Indo garantiam a

fertilidade do solo. No sul da Índia o solo era menos fértil, mas em contrapartida essa

região tinha uma floresta densa e era rica em metais preciosos (ouro, diamantes, etc.).

Uma outra característica da Índia

era o seu isolamento geográfico, o país estava separado do mundo que o rodeava pelas altas cordilheiras dos Himalaias e pelo mar (Manfred, 1981, p. 34).

Os Dravídicos terão sido um dos primeiros povos, segundo Manfred (1981), a

habitarem a Índia, designando-se então por Dravídico o primeiro período da história

indiana. Esta antiga civilização oriental remonta, pelo menos, ao terceiro milénio antes

de Cristo, como testemunham descobertas arqueológicas feitas nas antigas cidades de

Mohenjo-daro, local situado a nordeste da cidade de Karachi no Paquistão, e de

Harappa, tendo sido descobertas ruínas que comprovam que duas grandes e bem

planeadas cidades tinham sido construídas nesses locais.

A partir das ruínas dos edifícios públicos, a partir dos sistemas de canais de rega e drenagem e a partir das pinturas em artigos de cerâmica, concluímos indirectamente que uma certa quantidade de conhecimentos matemáticos foi um dos elementos que proporcionaram uma cultura tão elevada. (van der Waerden, 1976a, p. 33)

O nível de desenvolvimento das tribos dravídicas terá sido semelhante ao da

sociedade sumero-acádica. Tudo indica que a população se dedicava essencialmente ao

cultivo de terras irrigadas e à criação de gado. A existência de escrita revela que um

nível avançado de desenvolvimento terá ocorrido.

Porém não se sabe o fim que esse povo teve, salienta Eves (1997). Alguns séculos

mais tarde, por volta de 1500 a.C., os indo-europeus arianos, designação que provém da

palavra sânscrita que significa “nobre” ou “proprietário de terras”, invadiram o vale do

Indo, e dispersaram-se pela região do rio Ganges, impondo-se sobre as populações que

lá habitavam, “e forçaram-nas à condição de castas inferiores e servis.” (Menninger,

1969, p. 393). Era

um regime de castas que privilegiavam os guerreiros e os brâhmanas. Estes últimos eram sacerdotes que se dedicavam não só ao culto de Brâhma, o

63

Deus Absoluto, mas também às artes e à filosofia. Ao longo de cerca de mil anos, este povo invasor foi-se enraizando, a sua religião foi evoluindo gradualmente para o hinduísmo e foi-se desenvolvendo uma literatura científica na qual eram compostos, em língua sânscrita, textos sagrados dessa doutrina. (Silva, 2000, p. 375)

No séc. IV a.C., a parte noroeste do país será conquistada por Alexandre Magno.

O contacto entre os conquistadores e a população local terá originado eventualmente

uma transferência de influências mútuas entre as culturas grega e indiana.

Depois da retirada de Alexandre Magno, surgiu um movimento de libertação sob a chefia de Chandragupta Maurya (322 - 297 a.C.), cujas origens se perdem na lenda (Manfred, 1969, p. 37).

Chandragupta fundou um Estado poderoso, cuja influência se estendeu a uma

grande parte do território indiano. Asoka sucedeu-lhe, mas depois da sua morte a Índia

entrará num período de declínio. Mais tarde, no início do séc. I a.C., segundo Manfred

(1969), os Citas invadiram a Índia pelo norte e fundaram o Estado Indo-Cita.

Dando um salto no tempo e ao reportarmo-nos ao séc. V d.C., verificaremos que

entretanto ocorreu um processo de feudalização na Índia. O poder assenta agora numa

hierarquia de príncipes feudais. Este período será também marcado por importantes

realizações culturais como, por exemplo, a edificação de grandes obras arquitectónicas

tais como o templo de Tanjore e o templo de rocha em Ellora. A literatura deste período

caracteriza-se por obras de cariz filosófico e também por vários textos dedicados a

príncipes, nos quais estes eram enaltecidos.

4.1.1. A escrita

O sânscrito foi a língua que serviu de suporte aos registos hindus, sendo a sua

origem desconhecida, mas crê-se que terá sido introduzido pelos guerreiros arianos, isto

é, no séc. XVI a.C. O sânscrito é uma das mais antigas línguas da família Indo-Europeia

e também uma das línguas oficiais da Índia actual. O seu alfabeto original era o

devanagari, “a escrita da cidade dos deuses”. Posteriormente, o sânscrito ter-se-á

ramificado em duas variantes: o védico e o clássico. Um facto interessante e importante

que realçamos aqui, reside na circunstância de o sânscrito ter influenciado praticamente

todos os idiomas ocidentais.

64

No período Védico (1500-600 a.C.) foi composto o Rig Veda, o documento mais

antigo da civilização indo-europeia, no qual poderemos encontrar uma colecção de

hinos numa forma arcaica do sânscrito, que se centravam no ritual védico.

Através do Rig Veda conhecemos com segurança alguns aspectos da religião védica. Estas ideias desenvolvem-se extensamente nos Brahamanas, grupo de textos compostos por e para sacerdotes em língua sânscrita no século X a.C. (in DVD-ROM Diciopédia X. Porto: 2006 (o termo de busca foi “literatura sânscrita”))

Note-se no entanto que os brahmanas se opuseram à divulgação da escrita,

garantindo assim a sua supremacia no sistema de castas. E assim sendo, os hinos Vedas

(textos sagrados) eram difundidos essencialmente por via oral. Segundo Menninger

(1969) a sua memorização e a sua preservação eram garantidas pelo facto de estes hinos

serem compostos sob a forma de versos. Todavia, verifica-se que nos primeiros Vedas

ainda não há registo de qualquer actividade matemática, conforme salienta Silva (2000).

Contudo no séc. VI a.C. assistiu-se ao início do Budismo, uma religião popular que apareceu em parte para combater a exclusividade dos Brâmanes. Agora, finalmente, uma literatura rica começa a surgir (…) relatos fiáveis da história da Índia serão feitos. (Menninger, 1969, p. 393)

No séc. III a.C. poderemos já verificar a existência de várias escritas silábicas.

Nessa altura surgem algumas das grandes obras de poesia épica da cultura hindu: o

Mahabharata (descrição da luta entres os filhos de Bharata) e o Ramayana (descrição

das proezas do herói lendário Rama).

Segundo Manfred (1981) é também nessa altura que surge um calendário que

dividia o ano em doze meses de trinta dias, tendo-lhe os hindus acrescentado mais um

mês ao fim de cada cinco anos, conseguindo deste modo ajustá-lo ao movimento dos

astros.

4.2. Matemática: algumas considerações gerais

Os primeiros indícios de actividade matemática hindu foram encontrados,

segundo Cousquer (1994), em hinos litúrgicos que datam do séc. XV a.C. Também se

encontraram elementos geométricos aplicados na construção de edifícios religiosos.

Contudo existe por vezes uma dificuldade em descrever e datar, com precisão e o

devido rigor, algumas das descobertas feitas pelos hindus, pois, segundo Eves (1997),

65

estes recorreram a materiais muito perecíveis para suporte dos seus registos escritos, tais

como cascas de árvore e de bambu. Não temos contudo qualquer dúvida de que no séc.

VIII a.C. já havia actividade matemática. Serão dessa altura os textos mais antigos,

denominados Sulvasutras, como adiante referiremos, os quais apresentam um conjunto

de regras sob a forma de versos. Contudo, e assim o salienta Cousquer (1994), a

tradição matemática é descontínua, o que por sua vez coloca uma dificuldade adicional

na datação dos textos.

Todavia Cousquer afirma, sem qualquer tipo de dúvida, que:

Foi no norte da Índia, por volta do séc. V da nossa era, que nasceu o antepassado do nosso sistema de numeração e onde foram estabelecidas as bases do cálculo escrito que conhecemos hoje (Cousquer, 1994, p. 46).

Mas esta certeza não foi partilhada por todos os estudiosos ao longo do tempo. Na

realidade não existem documentos hindus que nos testemunhem, com exactidão, quando

e como os hindus chegaram ao sistema de numeração decimal posicional. Alguns

estudiosos desta questão chegaram a defender que os hindus teriam ido buscar os

princípios do sistema de numeração aos gregos, segundo Cousquer (1994), quando no

século IV a.C., a parte noroeste do país foi conquistada por Alexandre Magno.

Obviamente que o contacto entre os conquistadores e a população local facultou a troca

de conhecimentos entre as culturas grega e indiana, conforme o salienta Manfred

(1981). Todavia hoje em dia existe uma concordância geral na comunidade científica

quando se atribui aos hindus a proveniência do nosso sistema de numeração. Cousquer

(1994) reforça esta ideia ao referir o testemunho de autores sírios, em 662, e chineses,

em 718, os quais certificam a origem desta numeração. A referência de Cousquer é

também reiterada por Struik quando nos recorda que

a referência mais antiga, fora da Índia, ao sistema de valor de posição dos hindus encontra-se num trabalho de 662, escrito por Severus Sebokht, um bispo sírio (Struik, 1997, p. 119).

Se efectivamente os hindus recorreram a um sistema de numeração posicional, a

realidade é que no decurso da sua história nem sempre foi assim, como adiante se verá.

Também fará sentido relembrar aqui que “a nossa expressão algarismos árabes é

enganosa ao nível histórico” (Cousquer, 1994, p. 46). Se é certo que devemos aos

árabes o conhecimento deste sistema de numeração, eles mesmos o retomaram dos

indianos.

66

O sistema posicional decimal que hoje usamos ter-se-á originado na Índia. Depois, ter-se-á espalhado pelas regiões vizinhas; os povos islâmicos terão tido dele conhecimento ainda no século VIII, ou directamente, ou através de uma visita de sábios hindus a Bagdad, no tempo de al-Mansur (754-775). Estes sábios terão trazido um texto astronómico, Siddhanta, que depois de traduzido terá influenciado o interesse dos sábios islâmicos pela astronomia e pelo sistema de numeração decimal. (Estrada, 2000c, p. 409)

Mas os matemáticos hindus, para além deste importantíssimo marco na história da

matemática que foi o desenvolvimento e implementação do nosso actual sistema de

numeração posicional, também foram profícuos noutros campos da matemática.

Os textos hindus mais antigos que existem provêem talvez de meados do primeiro

milénio antes de Cristo. Nessa altura existem os chamados Sulvasutras, segundo Struik

(1997), que constituíam uma espécie de apêndices a um dos Vedas.

Dos Sulvasutras são conhecidas três versões, datando da época de Pitágoras, das quais a mais conhecida é a de Apastamba. Os Sulvasutras, ou regras das cordas (sulva significa corda utilizada para medir e sutra quer dizer conjunto de regras), continham conhecimentos necessários à construção de templos sagrados e de altares. (Silva, 2000, p. 375)

As regras, a que Silva (2000) faz alusão, podem ser encontradas entre os preceitos

rituais, estando algumas delas relacionadas com a construção de altares. “Encontramos

aí fórmulas para a construção de quadrados e rectângulos e expressões para a relação

entre a diagonal e os lados do quadrado” (Struik, 1997, p. 64). A matemática à qual

recorriam alicerçava-se basicamente em regras empíricas de geometria. De um modo

geral não eram apresentadas explicações dos resultados empregues.

Constata-se também, surpreendentemente, que estes resultados não são referidos

ou utilizados em trabalhos subsequentes, “o que mostra que não se pode falar de

continuidade na tradição matemática hindu, tão típica nos egípcios e nos babilónios”

(Struik, 1997, p. 65).

Por volta de 200 a.C. trocas entre a Grécia, a Mesopotâmia e a Índia permitem dar a conhecer aos matemáticos indianos os trabalhos dos sábios gregos e do Médio Oriente (Cousquer, 1994, p. 46).

O período da história da matemática hindu que se segue, isto é, o período que vai

decorrer sensivelmente entre 200 a.C. e 1200 d.C. será uma das mais fecundas etapas da

matemática hindu, segundo Kline (1972). Terá havido todavia alguma influência grega

67

no início deste período. Tal facto pode deduzir-se das palavras do astrónomo hindu

Varãhamihira quando ele afirma que

os gregos, se bem que impuros [todos os que tivessem fé diferente eram impuros], têm de ser honrados, uma vez que eram ensinados nas ciências e aí excederam outros. O que, então, poderemos dizer de um Brahman se ele reunir com a sua pureza a elevação da ciência? (Varãhamihira citado em Kline, 1972, p.184)

Foi também neste período que os matemáticos hindus obtiveram importantes

resultados no campo da aritmética e da álgebra, segundo Aleksandrov (1982). Podemos

aqui destacar os nomes de Aryabhata, nascido aproximadamente em 476 d.C.,

Brahmagupta, que viveu aproximadamente entre 598 e 660 d.C., Mahavira no séc. XI e

Bhaskara no séc. XII.

Brahmagupta definiu regras para operações algébricas, sob a forma de axiomas.

Poderemos ver um exemplo dessas regras no seguinte excerto:

Regra para a adição de quantidades afirmativas e negativas e cifra: … A soma de duas quantidades afirmativas é afirmativa; de duas negativas é negativa; de uma afirmativa e uma negativa é a sua diferença… (numa tradução de Colebrooke citado em Crossley, 1987, p. 64)

Foi também com grande destreza e facilidade que os matemáticos hindus

recorreram ao cálculo e manusearam os números, segundo Ifrah (1994).

enquanto a matemática grega mostrava pouco interesse nos cálculos aritméticos, os quais permaneciam muito em segundo plano comparados com as construções geométricas e as provas de proposições por inferência lógica, o desenvolvimento do conceito do número ganhou um ímpeto decisivo a partir da influência da álgebra indo-árabe. (Mainzer, 1990b, p. 32)

Nos seus trabalhos Brahmagupta apresentou soluções de equações do terceiro

grau, segundo Cousquer (1994), tendo também considerado as raízes negativas das

equações. Flegg (1974b) lembra-nos que o uso dos números negativos ocorreu nos

hindus.

Os teoremas geométricos gregos de subtracção, implicitamente, envolviam quantidades negativas, mas foram os hindus que os converteram em regras numéricas actuais envolvendo números negativos como tal (Flegg, 1974b, p. 16).

É ainda possível observarmos que Brahmagupta manipulou ternos pitagóricos e

usou letras para representar incógnitas.

68

Constata-se também que os hindus nas manipulações aritméticas socorreram-se de

técnicas hábeis, tais como o método da “falsa posição” (Eves, 1997, p. 255), e o

método da inversão, no qual se trabalha para trás (substituição de cada operação pela

sua inversa), a partir dos dados. Os hindus também

somavam progressões aritméticas e geométricas e resolviam problemas comerciais envolvendo juros simples e compostos (…) Grande parte do conhecimento aritmético dos hindus provém do texto Lilavati de Bhaskara. (Eves, 1997, p. 255)

Foi também Bhaskara que considerou que uma quantidade tal como 0a deveria

ser considerada como infinita. Podemos aqui notar que a concepção de uma colecção

infinita era conhecida na Índia

A ideia de repetições infinitas emerge. Aqui está uma nova e usualmente não declarada suposição, isto é, que poderemos continuar a contar (repetindo) tanto quanto queiramos. A apresentação mais elegante de um tal sistema é o decimal, que usa os numerais hindu-arábicos. (Crossley, 1987, p. 156)

Será também importante referirmos aqui que uma parte significativa do trabalho

dos matemáticos hindus aparece em textos de astronomia e astrologia. “Na realidade,

não há textos matemáticos separados; o material matemático está presente em capítulos

de trabalhos em astronomia” (Kline, 1972, p.185).

Os indianos desenvolveram métodos de astronomia, os Siddhãntãs,

provavelmente baseados em trabalhos gregos e mesopotâmicos. Até ao séc. V o

meridiano de referência era o de Alexandria, segundo Cousquer (1994), tendo os hindus

optado ulteriormente por utilizar uma cidade indiana como novo ponto de referência.

As primeiras contribuições indianas bem conservadas para as ciências exactas são os Siddhãntãs, dos quais o Suraya se pode assemelhar, na forma, ao original (300-400 d.C.). Estes livros relacionam-se essencialmente com a astronomia e operam com epiciclos e fracções sexagesimais. Estes factos sugerem a influência da astronomia grega, talvez transmitida num período anterior ao Almagesto; pode também indicar um contacto directo com a astronomia babilónica. (Struik, 1997, p. 116)

69

4.3. Os números na matemática hindu

Nas ruínas de Mohenjo-Daro, que constituem os vestígios de um dos primeiros

povoamentos no vale do Indo, e que datam de meados do primeiro milénio, foi

encontrada uma forma pré-hindu de escrever, segundo Menninger (1969), não tendo

sido encontrados todavia quaisquer indícios de registos numéricos.

Antes de surgir o sistema decimal posicional, houve vários alfabetos na região da Índia dos dias de hoje, e por conseguinte várias maneiras de escrever os números. (van der Waerden, 1976a, p. 36)

Ao longo da sua história foram diversos os métodos aos quais os hindus

recorreram para escrever números, até 600 d.C., alguns dos quais “até incluíam palavras

ou sílabas para simbolizar números” (Kline, 1972, p.185).

Poderemos no entanto destacar aqui duas formas de escrita que se distinguiram na

civilização indiana: o kaharosthi e o brahmi (ambos estabelecidos por decreto do

Imperador Asoka, séc. III a.C.). A primeira destas formas, o kaharosthi, terá tido a sua

origem no noroeste do território, tendo sido usado entre o séc. V a.C. e o séc. III a.C. O

brahmi, a escrita mais importante, é “a mãe de todos os (200 diferentes) alfabetos

Indianos, incluindo o (Deva-)Nagari alfabeto o qual é o mais amplamente usado hoje”

(Menninger, 1969, p. 394). Muitas das linguagens da Índia, como o hindi sânscrito,

marati, kashmiri, bihari, bhili, konkani, bhojpuri e nepali, usam o devanagari.

Derivaram daqui

essencialmente três formas de escrever números pelos Indianos, o kharosthi, o brahmi e, em terceiro lugar, a familiar notação posicional com o sinal do zero, a qual usamos hoje e que fez uso dos numerais brahmi desenvolvendo-se directamente a partir deles (Menninger, 1969, p. 394).

4.3.1. Os numerais kharosthi

A escrita kharosthi, que era registada da direita para a esquerda, disseminou-se

pelo norte da Índia, na sua parte ocidental, acima da província de Gandhara (parte

oriental do Afeganistão e setentrional do Punjab), entre o séc. V a.C. e o III séc. d.C.,

segundo van der Waerden (1976a).

70

Não tendo menos importância na história dos números está o facto de a parte noroeste da Índia (Gandhara) ter sido uma parte do Império Persa a partir do séc. VI a.C. Aquando das invasões de Alexandre o Grande, entre 327 e 325 a.C., esta terra estava na rota da sua conquista da Pérsia, e não só persas bem como gregos (incluindo matemáticos e astrónomos) refugiaram--se na Índia. (Menninger, 1969, p. 393)

O kharosthi ter-se-á desenvolvido a partir do alfabeto sírio-aramaico, por

influência, segundo alguns autores, do contacto tido com os persas no séc. VI a.C. Este

foi na realidade um alfabeto usado essencialmente na escrita de negócios, segundo van

der Waerden (1976a).

O sistema de números kharosthi caracterizava-se pelo facto de existirem símbolos

específicos para os seguintes números:

Fig. 4.1. - (imagem extraída de van der Waerden, 1976a, p. 36)

Recorria-se ao princípio aditivo para se obterem “os números de 1 a 8, e quase de

certeza o 9 (este número não foi encontrado em textos preservados).” (van der Waerden,

1976a, p. 36). Poderemos então no quadro seguinte antever a formação dos números

supra citados:

Fig. 4.2. - (imagem extraída de van der Waerden, 1976a, p. 36)

Um processo análogo era utilizado para se obter os múltiplos de 10, conforme se

poderá observar no quadro subsequente:

Fig. 4.3. - (imagem extraída de van der Waerden, 1976a, p. 36)

1 4 10 20 100

71

Apresentamos de seguida dois exemplos nos quais se recorreu ao sistema de

numeração kharosthi:

4.3.2. Os primeiros sistemas brahmi

Os mais antigos exemplos dos nossos actuais símbolos numéricos foram

encontrados em colunas de pedra erigidas na Índia por volta do ano 250 a.C. Contudo

Essas primeiras amostras não contêm nenhum zero e não utilizam a notação posicional (Eves, 1997, p. 40).

Também, segundo Eves (1997), encontraram-se registos talhados, por volta do

início do séc. I a.C., nas paredes de uma caverna situada numa colina perto de Poona,

assim como algumas inscrições, que datam do ano 200 d.C., gravadas nas cavernas de

Nasik.

Os numerais brahmi foram usados durante mais de 2000 anos, ou ainda mais no Sri Lanka (Ceilão), onde eles chegaram ao mesmo tempo que o budismo e estiveram em uso até ao séc. XIX (van der Waerden, 1976a, p. 37).

O alfabeto brahmi é historicamente mais importante do que o kharosthi, com o

qual contrasta, pois é escrito da esquerda para a direita. Desde o tempo de Asoka (séc.

III a.C.), inscrições brahmi têm sido encontradas em quase todo o subcontinente

indiano. No que diz respeito à sua origem, alguns estudiosos consideram que esta terá

sido nativa, enquanto outros sustentam que será originário do grupo de alfabetos

semíticos.

Este sistema de numeração, de base decimal, atribuía um símbolo a cada uma das

unidades, das dezenas, das centenas, dos milhares, das dezenas de milhar, “seguindo o

mesmo princípio da numeração grega” (Cousquer, 1994, p. 47). Estamos perante um

sistema sem a notação de valor de posição.

representa 122

representa 274

72

No entanto, pela primeira vez na história, este sistema adquire uma característica

que vários autores destacam: as unidades não são mais construídas pela lei da

acumulação ou agrupamento que vimos noutros sistemas de numeração. Achamos pois

ser pertinente destacar aqui algumas das observações efectuadas:

Mais propriamente cada unidade recebe um símbolo individual, uma “figura”. A existência de símbolos especiais para 1 … 9 é uma das importantes características da aritmética hindu e proporciona o pré-requisito para se avançar para um sistema decimal posicional. (van der Waerden, 1976a, p. 37)

O que é significativo neste conjunto são os símbolos separados para cada número de 1 a 9 (Kline, 1972, p.183).

Os símbolos utilizados para escrever as unidades prefiguravam os futuros algarismos indianos (Cousquer, 1994, p. 47).

Destaca-se o facto de cada unidade não ser constituída por mera agregação de símbolos, mas sim designada por um único símbolo, e também a existência de um símbolo especial para os números de um a nove (Silva, 2000, p. 394).

Efectivamente, esta particularidade que o sistema de numeração brahmi adquiriu

irá facilitar mais tarde a transição para um sistema de numeração posicional.

Os numerais brahmi exibiam, no séc. III a.C., na época do rei Asoka, símbolos

diferentes para os números um, quatro … nove, dez, vinte, trinta, … cem, duzentos,

trezentos, … mil, …

Fig. 4.4. - (imagem extraída de Kline, 1972, p. 183)

Os longos passos que foram dados em direcção a um sistema de numeração escrito amadurecido são perfeitamente claros. Mas em todos os tempos alguma coisa acontecia que parcialmente negava este grande avanço: os dez, 20, 30, 40, 50, 60 70, 80 e 90, estavam igualmente “cifrados”, cada um deles adquiria o seu próprio símbolo. (Menninger, 1969, p. 395)

Constata-se então que o sistema brahmi apresentava também símbolos individuais

para as dezenas e “isto deve ser olhado como um obstáculo no caminho em direcção a

um consistente sistema posicional” (van der Waerden, 1976a, p. 37).

73

Fig. 4.5. - (imagem extraída de van der Waerden, 1976a, p. 37)

Também (Silva, 2000, p. 394) diz que “o facto de serem utilizados símbolos para

unidades numéricas superiores a 100 pode ter constituído um entrave ao

desenvolvimento do sistema”.

Podemos de seguida ver a representação simbólica a que o sistema de numeração

brahmi recorreu para enunciar alguns valores superiores.

100 ; 200 ; 500 ; 1000 ; 4000 ; 70000

Fig. 4.6. - (imagem extraída de van der Waerden, 1976a, p. 37)

Este sistema era por isso limitado para escrever números grandes, tal como precisavam os astrónomos (Cousquer, 1994, p. 47).

Em vários documentos da época, de carácter religioso, alusivos ao Buda, é usual

depararmo-nos com referências, por palavras, a números muito grandes, o que por si só

revela que existiam algumas especulações místicas que recorriam aos números. Estas

especulações mostram-nos que a sequência dos números hindus é decimal há já muito

tempo. Em sânscrito há palavras para 1 … 9, para 10, 100, e outras mais potências de

10.

Uma das características hindus é que a terminologia para as potências de dez não parou em 410 , tal como nos Gregos, ou tal como nos Romanos em

310 ; eles já tinham sinais para potências de dez até 5310 no terceiro século a.C. Por conseguinte parece que o sistema hindu de escrever números era baseado no número 10 numa era da qual não há evidências escritas. (van der Waerden, 1976a, p. 35)

O interesse maior desta utilização de uma lista de potências de dez é que a evolução em direcção a uma numeração de posição é natural, a título de abreviação. Pela força de hábito, como as potências de dez eram sempre enunciadas pela ordem crescente, os matemáticos e astrónomos indianos ganharam o hábito de não nomear as potências de dez sucessivas. (Cousquer, 1994, p. 4)

74

4.4. O sistema posicional hindu

Alguns historiadores consideram que o sistema numérico posicional com dez

símbolos foi usado pela primeira vez por Aryabhata no séc. V, segundo Silva (2000).

Outros fixam esse momento um pouco depois, entre Aryabhata e o seu discípulo

Bhaskara I, outros ainda, colocam-no no séc. VII.

De qualquer modo, decorreu um grande lapso de tempo entre o chamado sistema Brahmi e o sistema decimal de posição (Silva, 2000, p. 394).

Com crescimento do budismo e do jainismo verifica-se um interesse crescente

pelo estudo da cosmologia. Associada a este interesse, surge a necessidade do recurso a

manipulações aritméticas nas quais são utilizados números muito grandes.

Num trabalho budista do séc. I a.C., o Lalitavistara, aparecem números da ordem

5310 e num trabalho jaina da mesma época, o Anuyogadrârasutra, um número da ordem 962 (Silva, 2000, p. 376).

Também van der Waerden (1976a) refere a utilização de números grandes nos

trabalhos dos astrónomos Aryabhata e Brahmagupta, onde surge, por exemplo, a

referência ao “Grande Ano” (Mayayuga) de 4 320 000 anos.

Torna-se assim evidente a necessidade de se criar um sistema de numeração mais

eficaz, um sistema de numeração posicional.

A sua primeira ocorrência na Índia encontra-se num prato do ano 595, onde a data 346 é escrita na notação do sistema decimal de posição. Os Hindus, muito antes destes registos epigráficos, tinham um sistema para expressar grandes números através de palavras agrupadas de acordo com o método do valor de posição. (Struik, 1997, p. 118)

“De onde é que surgiu esta alteração para um sistema posicional?” (Menninger,

1969, p. 397). Existem algumas divergências em torno desta questão. Investigadores,

sobretudo indianos, sustentam que este sistema se terá desenvolvido na Índia sem que

tenham existido para tal influências exteriores. Não existirá contudo nenhuma evidência

que permita certificar solidamente esta posição. Mas também não se conhecem

evidências que suportem as posições que advogam a existência de uma influência

externa.

Na Índia, provavelmente no séc. VI d.C., o sistema de numerais brahmi foi transformado num genuíno sistema posicional. Ocorreu esta transformação sem que tenha havido influências externas ou foi influenciada por ideias

75

vindas do exterior da Índia? Ainda não sabemos a resposta para esta questão. (van der Waerden, 1976a, p. 38)

Será então por volta do ano 600 d.C. que os hindus “regressaram aos velhos

símbolos brahmi” (Kline, 1972, p.185). Emerge então um sistema de numeração que vai

reutilizar apenas os primeiros nove dígitos dos numerais brahmi, isto é, somente os

dígitos brahmi para as unidades.

Várias explicações são apresentadas para dessa forma se perceber o que terá

estado na origem do desenvolvimento do sistema de numeração posicional.

Um dos factores mais importantes terá residido na circunstância de o sistema

brahmi já dispor de símbolos distintos para os números de 1 a 9. Um outro aspecto

relevante terá a ver com o facto de os hindus recorrerem frequentemente a potências de

base 10.

As grandes potências de dez já existiam no estádio anterior. Embora esses números nunca tenham provavelmente sido usados em cálculos, os textos indicam que os matemáticos hindus estavam conscientes do facto de que a sequência de potências podia ser desenvolvida indefinidamente. Esta consciência é um importante passo em direcção ao sistema de numeração posicional decimal. (van der Waerden, 1976a, p. 38)

Menninger realça o facto de os hindus já recorrerem a tábuas de contar, isto é,

tábuas que eram cobertas por uma fina camada de areia, como o atestam vários

documentos onde a expressão indiana dhuli-karma, literalmente “trabalho na areia”, é

usada com o significado de “cálculos superiores” (Menninger, 1969, p. 397).

Perante a necessidade de marcar a ausência de unidades numa certa posição, os

hindus recorreram a um novo símbolo, que posteriormente designaremos por zero. Este

“possui ao mesmo tempo um verdadeiro significado numérico: aquele de número

«nulo»” (Ifrah, 1997, p. 700).

Ao contarem, por exemplo, o número 702, deixavam um espaço vazio na coluna dos dez. Este espaço vazio traduzir-se-ia na escrita na necessidade de ter algo para o assinalar. (van der Waerden, 1976a, p. 38)

Um outro exemplo que se poderá referir é o da gravação que foi encontrada na

parede de um pequeno templo em Gvalior, localidade dos subúrbios de Lashkar, na

Índia Central. Nessa inscrição pode-se ver a data 933, correspondendo esta a 870 d.C.

na nossa datação, segundo Menninger (1969).

76

Neste novo sistema 933 já não é escrito 900´30´3´ tal como na forma Brahmi, mas somente com as unidades numa notação posicional (Menninger, 1969, p. 397).

Podemos observar o registo do número 933 [ ] na linha do topo, assinalado

por um ponto na imagem seguinte, onde se pode observar a inscrição de Gvalior:

Fig. 4.7. - Inscrição de Gvalior – (imagem extraída de Menninger, 1969, p.397)

Poder-se-á ainda ver nesta inscrição na quarta linha a partir do topo, assinalado

por uma seta, o número 270 [ ] na notação posicional. É ainda visível na quinta

linha, e desta vez assinalado por dois pontos, o número 187 [ ].

Podemos dar por concluído o percurso na evolução dos sistemas de numeração em

direcção ao nosso sistema posicional. Obviamente que irão ainda surgir várias

transformações no aspecto destes números ao longo do seu trajecto até aos nossos dias,

alterações que resultam de uma viagem no espaço e no tempo aos longo de vários

séculos, passando por vários povos e culminando o seu percurso na Europa por

intermédio dos Árabes.

A partir de agora as únicas diferenças eram as inevitáveis alterações na forma a qual resultou do facto destes numerais terem passado por muitas mãos, indianas, árabes e ocidentais, antes que eles tomassem a aparência que têm hoje (Menninger, 1969, p. 397).

77

A estabilização dos símbolos para os números foi um processo lento (Dubisch, 1952, p. 22).

Por volta de 600 d.C. eles reverteram aos velhos símbolos Brahmi, se bem que a forma precisa desses símbolos se tenha alterado ao longo dos tempos (Kline, 1972, p.185).

A civilização hindu conseguiu reunir num sistema completo e coeso todo um

conjunto das condições necessárias para chegar a uma numeração aprovisionada das

mesmas potencialidades do nosso sistema actual. Os sinais gráficos que utilizou eram

“livres de qualquer intuição sensível, evocando visualmente apenas o número de

unidades representadas” (Ifrah, 1994, p. 690), o valor dos algarismos passou a variar em

consonância com o lugar ocupado na representação numérica e criou-se uma

representação para o zero, que permitiu substituir o vazio das unidades em falta.

Mas este «produto final», que agora utilizamos, é resultado de uma evolução lenta de conceitos e notações que passa por vários e significativos estádios de desenvolvimento como, por exemplo, pela ideia de usar letras para representar números e de atribuir ao mesmo algarismo valores diferentes consoante a posição que ocupe na representação do número. (Silva, 2000, p. 394)

Esta história da Índia na sua grande parte está para lá da nossa capacidade de compreensão. Contudo devemos estar familiarizados pelo menos com os seus pontos altos, para que possamos ter a consciência completa de quão tarde, quando comparado com o Egipto e a Babilónia, e também com a Grécia, a Índia finalmente fez a sua grande contribuição para o

Fig. 4.8. (imagem extraída de Menninger, 1969, p. 419)

78

desenvolvimento do moderno sistema de escrita dos números. (Menninger, 1969, p. 393)

Conseguiu-se finalmente com o sistema de numeração hindu alcançar um nível de

perfeição que durante muitos séculos se procurou atingir. A partir deste momento

poder-se-ia ainda adoptar uma outra base e também seria possível alterar o aspecto

gráfico dos símbolos. Porém,

este sistema tornou-se estável desde então em razão da sua perfeição matemática (Ifrah, 1994, p. 691).

O sistema numérico hindu é um sistema numérico posicional decimal. É decimal

porque se exprime na base 10 e é posicional porque o valor dos algarismos é

determinado pela sua posição na escrita dos números.

A posição de um algarismo na representação do número determina o seu valor. Assim, o algarismo a colocado na posição x representa xa 10. . (Silva, 2000, p. 394)

E tal como já foi referido, este sistema é decimal porque a sua base é dez, sendo

esse também o número de símbolos usados. Os sistemas de numeração de base m

posicionais, com 2≥m , são dotados de um zero totalmente operacional e de outros

( )1−m símbolos abstractos. (Ifrah, 1997). Este sistema de numeração, sendo posicional,

necessita consequentemente de um zero.

O sistema hindu é um sistema posicional puro. Somente um sistema posicional puro precisa de um símbolo para uma quantidade em falta, para um valor não existente, o zero. (van der Waerden, 1976a, p. 33)

Certamente a ideia de número tornou-se cada vez mais abstracta e essa abstracção

tornou possível a consideração do zero. Foi com os hindus que ocorreu a introdução

sistemática do zero, segundo Aleksandrov (1982).

Somente os hindus, dentro do contexto das civilizações indo-europeias, tiveram um uso consistente do zero (van der Waerden, 1976a, p. 33).

A palavra sunya, que em sânscrito traduz “vazio”, foi encontrada em vários textos

onde era utilizada explicitamente como “zero” (Menninger, 1969; Struik, 1997). Tudo

indica que o primeiro símbolo para o zero foi um ponto e não um círculo, segundo van

der Waerden (1976a), podendo-se observar tal facto nos textos de Subandhu, um

famoso poeta dos finais do séc. VI. Também em Brahmagupta, nas suas regras dos

79

sinais, já anteriormente referidas, encontramos referências ao uso do zero, sendo este

aqui considerado um número, segundo Cousquer (1994).

Vimos também que o símbolo para o zero existia no sistema decimal hindu. Este surgimento de um símbolo para o zero originalmente significava nada mais do que a necessidade de representar um espaço vazio, apesar de mais tarde o zero ser olhado como um número para fins operacionais e ainda posteriormente tornar-se um número no sentido conceptual. (Flegg, 1974b, p. 15)

Wilder (1968) reforça esta ideia, quando nos diz que o zero se torna um número

no sentido operacional, uma vez que é usado como qualquer outro número nas

operações.

4.5. Considerações adicionais

Será interessante aqui referir que os hindus introduziram os números negativos,

tendo recorrido a sinais para distinguir os positivos dos negativos. Segundo Mainzer

(1990a), “dhana” ou ”sva” denotavam posse e “rina” ou ”ksaya” indicavam débito. Nos

seus trabalhos Brahmagupta especifica as regras para as quatro operações com números

negativos. Contudo “os hindus não aceitaram incondicionalmente os números

negativos” (Kline, 1972, p.185), pois “não há nada que indique que os números

negativos fossem reconhecidos como soluções de equações” (Mainzer, 1990a, p. 13).

Foram também os hindus os primeiros a encarar os irracionais na sua aritmética.

[Os hindus] começaram a operar com estes números utilizando procedimentos correctos, os quais, pensa-se, não foram de um modo geral provados, mas permitiram que conclusões úteis fossem extraídas (…) Contudo os hindus foram menos sofisticados que os gregos, pois falharam em ver as dificuldades lógicas envolvendo o conceito de números irracionais. (Kline, 1972, p.185)

Finalizamos este capítulo destacando o facto singular de os números hindus terem

mantido ao longo dos séculos, no essencial, a sua forma original, apesar de terem sido

adoptados por muitas e variadas culturas.

Por mais novos e misteriosos que eles tenham parecido para aqueles que se familiarizaram com eles pela primeira vez, eles continuaram a assemelhar--se às suas formas originais! (Menninger, 1969, p. 418)

80

Fig. 4.9. Árvore da família dos numerais indianos – (imagem extraída de Flegg, 1974a, p. 19)

Numerais Brahmi, séc. II

Inscrição de Gvalior, 870 d.C.

Escrita hindu moderna (Nâgari)Números Gobar, s/ data (Manuscrito árabe ocidental)

Números árabes orientais modernos

Codex Vigilanus, Espanha, 976 d.C. Ápices, primeira metade

séc. XI (MS, Erlangen 879)

Durer, séc. XVI Primeiros números impressos, 1474

81

ANEXO I

O SISTEMA HIEROGLÍFICO EGÍPCIO

“Os homens que conceberam as pirâmides devem

ter tido acesso a princípios científicos,

dificilmente atribuídos aos Egípcios,

partindo unicamente dos seus documentos escritos” (Grifftih citado em Estrada, 2000a, p. 22)

I.1. A escrita na civilização egípcia

Uma das primeiras e grandes civilizações da antiguidade, o Egipto, designação

que deriva do antigo vocábulo grego aigyptos, emergiu no Nordeste de África no vale

do Nilo. “Os próprios egípcios chamavam ao seu país keme - país negro - devido à cor

do solo daqueles lugares” (Piotrovski, 1989, p. 46).

(Mapa extraído de Blanchon, 1996, p. 34)

82

Os egípcios criaram um elaborado sistema de escrita, que incluía também uma

forma de registo numérico. “Isso ocorreu por volta de 3000 antes da nossa era, ou seja,

mais ou menos ao mesmo tempo que na Mesopotâmia” (Ifrah, 1997, p. 331).

Pode-se dizer que a Egiptologia começou quando se puderam decifrar os caracteres da escrita egípcia.

Isso só aconteceu a partir de 1799, com a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto. Foram os soldados franceses que encontraram a Este de Alexandria, perto de Rosetta, uma pedra negra de basalto (pedra de Rosetta) contendo uma inscrição em 3 línguas: grego, hieroglífico e demótico. Foi graças ao trabalho do inglês Thomas Young e do francês Jean François Champollion que os hieróglifos foram decifrados, por comparação com o texto grego. (Estrada, 2000a, p. 23)

A escrita hieroglífica era pictórica, isto é, cada símbolo era a imagem de um

objecto ou de um ser. Este processo de escrita imperou desde o terceiro milénio a.C. até

aos primeiros séculos da era cristã.

Os hieróglifos eram desenhos de seres vivos e de objectos diversos, e cada figura significava a palavra correspondente ao objecto representado. Os sons eram representados por hieróglifos que reproduziam nomes de objectos com esse som. (Piotrovski, 1989, p. 55)

No entanto estes pictogramas não constituíram uma escrita no sentido estrito da palavra, na medida em que não permitem uma figuração detalhada do discurso falado e não dependem de uma língua determinada. (Ifrah, 1997, p. 334)

Constata-se no entanto que a partir de determinado momento a escrita hieroglífica

passou a ser usada unicamente em inscrições formais, ou em pedra, segundo Estrada

(2000a).

Para indicar os números inteiros em suas diversas inscrições monumentais, os lapidadores egípcios usaram essencialmente o sistema hieroglífico. Mas esse sistema não foi aquele que os escribas empregaram mais correntemente. (Ifrah, 1997, p. 354)

De facto a partir de cerca de 2500 a.C., segundo Kline (1972), os escribas egípcios

começaram a usar o sistema hierático nos seus registos escritos. Este sistema empregava

símbolos convencionais, os quais inicialmente eram meras simplificações dos

hieróglifos.

83

A escrita hierática, (…) é uma escrita mais abreviada do que a hieroglífica e a mais adequada para escrever nos papiros, onde foi frequentemente usada. (Estrada, 2000a, p. 24)

Por volta do séc. VII a.C. surge no Norte do Egipto, segundo Piotrovski (1989), a

escrita demótica, cuja designação significa «escrita popular». Este método de escrita

derivou de uma simplificação da escrita hierática, segundo Estrada (2000a).

I.2. O sistema de numeração hieroglífico

A base do sistema de numeração hieroglífico é 10, existindo símbolos para 1, 10,

100, 1 000, 10 000 e 1 000 000, como se poderá observar na figura que se segue.

Fig. I.1. - Símbolos do sistema hieroglífico (imagem extraída de Gullberg, 1997, p. 34)

O símbolo da unidade é um pequeno traço vertical. O da dezena é um sinal em forma de asa. A centena é representada por uma espiral mais ou menos enrolada. O milhar é figurado por uma flor de lótus acompanhada de seu caule, a dezena de milhar pelo desenho de um dedo levantado, a centena de milhar por um girino e o milhão por um homem ajoelhado levantando os braços na direcção do céu. (Ifrah, 1997, p. 341)

No entanto Estrada (2000a) refere também a existência de um símbolo para

assinalar 710 , símbolo esse que seria: .

Relativamente à forma como o sistema se organiza, Eves (1997) classifica-o como

sendo um sistema de agrupamentos simples. Ter-se-á assim uma base b , e escolhem-se

símbolos para 1, b , 2b , 3b , etc.

Cada símbolo podia ser repetido até nove vezes, exprimindo adição. Num sistema deste tipo a ordem dos símbolos não tem consequências, mas os egípcios usualmente escreviam os símbolos por ordem decrescente, ou da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. (Gullberg, 1997, P. 34)

84

Quadro I.1. (imagens extraídas de Menninger, 1969, p. 42)

Apresentamos de seguida como exemplo a representação no sistema hieróglifo do

número 2541431

Fig. I.2. - (imagem extraída de Gullberg, 1997, p. 34)

Menninger (1969) destaca o facto de os egípcios terem ordenado e agrupado os

seus símbolos numéricos. Ao formarem grupos de ordem, os egípcios deram um grande

passo na representação simbólica.

Agrupar é um importante avanço em relação a uma contagem desorganizada feita por mera colocação dos objectos a ser contados em séries. (Menninger, 1969, p. 42)

Duas outras especificidades deste sistema podem-se aqui acrescentar: a primeira

reside na circunstância de este sistema de numeração não dispor de um zero; a segunda

advém do facto de a ordem pela qual se dispõem os símbolos não ser importante para a

leitura do valor representado.

Van der Waerden (1976a) apresenta como exemplo da primeira situação

anteriormente referida o caso dos números 218 e 2018.

1º Grupo de ordem

2º Grupo de ordem

3º Grupo de ordem

4º Grupo de ordem

85

Fig. I.3. - (imagem extraída de Austin, 2000, p. 80)

218 ;

2018

Também 246 está apresentado de uma forma inequívoca pela seguinte

representação

apesar de neste caso se ter começado a sequência de

símbolos pelos de maior valor.

Será importante dizer aqui que as inscrições em hieróglifos podem ser lidas da

esquerda para a direita ou da direita para a esquerda.

Todos os hieróglifos que representam animais, faces humanas ou outros elementos orientáveis estão desenhados voltados para o lado donde a escrita foi iniciada (Estrada, 2000a, p. 27).

Podemos observar nos dois exemplos seguintes, apresentados previamente por

Ifrah (1997), o que aqui foi referido.

Leitura da esquerda para a direita:

Leitura da direita para a esquerda:

No entanto este sistema de numeração continha algumas dificuldades do ponto de

vista prático, pois “o número 9999 necessita, para ser escrito, de 36 símbolos

diferentes” (Cousquer, 1994, p. 18). No entanto pode-se observar no papiro de Harris,

que se encontra actualmente no Museu Britânico, a aplicação de uma técnica com a qual

se assinalava o registo de grandes quantidades, recorrendo-se para isso à sobreposição

de sinais, para desse modo se exprimir um princípio multiplicativo, como o defende

Austin (2000).

8004948004)900010()4000100( =+×+×

86

Será também interessante referir aqui as representações numéricas das fracções no

sistema de hieróglifos.

Não ficou registado nos papiros o conceito que os egípcios tinham de fracção, mas apenas vários cálculos com fracções, especialmente com um tipo especial de fracções: as fracções unitárias. (Estrada, 2000a, p. 30)

O sinal era usado para indicar que os símbolos dos números colocados por

baixo dele representavam o denominador de uma fracção unitária, segundo Mainzer

(1990a).

Fig. I.4. - (imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 348)

Contudo, símbolos especiais foram também usados para representar outras

farcções, segundo Gullberg (1997).

I.3. Sistemas de escrita posteriores ao hieroglífico

A notação hieroglífica não permitia que se procedesse a uma escrita rápida em

virtude das suas características. Perante esta circunstância, os escribas desenvolveram

gradualmente um outro tipo de inscrição, muito mais simples, o qual os gregos

designaram por escrita hierática, segundo Ifrah (1997).

Tais como os outros sinais gráficos, os símbolos manuscritos egípcios sofreram pouco a pouco uma profunda modificação de traçado e evoluíram em seguida independentemente dos seus modelos (Ifrah, 1997, p. 359).

No papiro de Rhind é possível encontrar um vasto texto de cariz matemático,

escrito em caracteres hieráticos.

41

= ; 2

1= ; ou

32

= ; 4

3=

87

Fig. I.5. – Detalhe do papiro de Rhind (imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 358)

No entanto, Flegg (1974a) chama a atenção para o facto de que, apesar de o

princípio repetitivo ainda continuar muito em evidência nas formas hieráticas de

representação dos números, visivelmente se pode observar o desenvolvimento de uma

expressiva criptografia.

À medida que os documentos iam sendo copiados, os escribas abreviavam os numerais envolvendo símbolos repetidos ao introduzirem novas, concisas, e distintas marcas (Flegg, 1974a, p. 14).

Também consciente destas transformações, van der Waerden (1976a) lembra-nos:

porque a prática comum dos historiadores é transcrever os textos em hierático, tais como o papiro de Rhind, para hieróglifos com o objectivo de os discutir, uma falsa impressão é dada à relativa importância dos numerais hieróglifos e hieráticos. (…) Boyer diz: as alternativas formas hieráticas (ou demóticas) usualmente não são mencionadas ou são referidas casualmente,

88

pensando-se que elas não usam ou exibem novos princípios. (…) Isto constituiu uma interpretação errada da notação egípcia e dos princípios fundamentais da numeração. (van der Waerden, 1976a, p. 7)

De facto os símbolos numéricos hieráticos não têm, na sua grande maioria,

nenhum ponto em comum com os seus correspondentes símbolos hieróglifos e “não

parecem corresponder ao mesmo princípio” (Ifrah, 1997, p. 364).

Fig. I.6. – Números hieráticos (imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 354)

89

ANEXO I I

O SISTEMA ROMANO

“Os números são criações livres do intelecto humano,

eles servem de suporte para a compreensão mais fácil

e mais nítida da diversidade das coisas.”

Dedekind (citado Ebbinghaus, 1990, p. 9)

II.1. O sistema de numeração

(Mapa extraído do DVD-ROM Diciopédia X. Porto, 2006 (termo de busca “Romano”))

O sistema de numeração romano foi edificado como um sistema de agrupamento

simples de base dez, segundo Eves (1997). Os símbolos gráficos a que este sistema

recorre, tal como os conhecemos hoje, parecem ter sido extraídos de letras do alfabeto

latino.

90

Fig. II.1. – (imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 397)

Como é que podemos explicar os numerais romanos? (…) Os numerais C e M podem ser explicados como as primeiras letras de centum e mille mas I , V e X não são de certeza as primeiras letras de unus, quinque e decem. (van der Waerden, 1975b, p. 39)

Note-se no entanto que alguns destes grafismos não faziam parte do conjunto das

formas primitivas deste sistema. Eles foram de facto precedidos por outros sinais

gráficos. Não se encontraram registos anteriores ao séc. I a.C. nos quais ocorra o uso

das letras L , D e M enquanto sinais de numeração, segundo Ifrah (1997).

Que saibamos, a mais antiga inscrição romana, atribuindo a letra L para 50, data apenas de 44 a.C. Quanto à primeira menção conhecida do emprego das letras numerais M e D , figura numa inscrição latina datada de 89 a.C. (Ifrah, 1997, p. 397)

Foram encontrados grafismos diferentes dos que se apresentam na Fig. II.1., como

símbolos representativos dos valores 50, 500 e 1000. Originalmente os símbolos

tiveram o seguinte aspecto gráfico:

Fig. II.2. – (imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 397)

Contudo, com o decorrer do tempo, foram introduzidas alterações, tendo-se

registado uma transformação no aspecto gráfico de alguns desses símbolos. Podemos

aqui apresentar como exemplo o caso da evolução do grafismo associado a 50, o qual na

última fase desse processo evolutivo adquiriu o formato L , tendo isto se verificado pela

primeira vez por volta do séc. I a.C.

Evolução do grafismo L :

Fig. II.3. – (imagem extraída de Ifrah, 1997, p. 397)

91

Também para os símbolos D e M foram encontradas representações alternativas

em inscrições anteriores ao séc. I. O número 1000 foi inicialmente representado por

, segundo Gullberg (1997). Também a partir desta representação ter-se-á gerado

o símbolo antecessor D , tendo-se para isso tomado a metade direita do símbolo

associado a 1000. Assim sendo a representação de 500 foi .

Será interessante mencionar aqui o facto de ser possível obter representações 10

vezes superiores às mencionadas no parágrafo anterior. Bastava para isso se acrescentar

à representação gráfica inicial ou , conforme se trate de um múltiplo de 100

ou de 50, respectivamente. Podemos observar de seguida alguns exemplos.

Um dos primeiros registo destas representações do sistema numérico romano

encontra-se na Columna rostrata, coluna comemorativa que foi erigida em Roma para

celebrar a vitória sobre Cartago em 260 a.C. (Menninger, 1969).

5000

1000

10 000

50 000

100 000

1 000 000

92

Fig. II.4. – (imagem extraída de Menninger, 1969, p. 44)

II.2. Os princípios aditivo e subtractivo

O sistema de numeração romano recorreu simultaneamente ao princípio aditivo e

ao princípio subtractivo. O princípio aditivo por si só não constituiu uma novidade,

outros povos recorreram a este princípio, como por exemplo os gregos no seu sistema

ático, sistema que nos propusemos analisar no capítulo III. Interessa então aqui

examinar o princípio subtractivo, segundo o qual um símbolo de uma unidade menor

colocado antes do símbolo de uma unidade maior significa a diferença entre as duas

unidades.

No uso do princípio subtractivo deve-se levar em conta, porém, a seguinte regra: o I só pode preceder o V ou X , o X só pode preceder o L ou o C e o C só pode preceder o D ou o M (Eves, 1997, p. 32).

Como exemplo de utilização do princípio aqui descrito, podemos apresentar o

caso do número 1944 . Se o único princípio aplicado fosse o aditivo, este número

escrever-se-ia IIIIMDCCCCXXXX . Aplicando-se o princípio subtractivo, o número

seria então representado pela sequência MCMXLIV .

93

É possível observar a aplicação destes princípios numa inscrição militar

encontrada na Via Popilia, em Lucânia (Itália Meridional) e conservada no Museo della

Civiltà Romana, Roma.

Fig. II.5. - (imagem retirada de van der Waerden, 1975b, p. 28)

O número XXCIIII (= 84) na quarta linha da inscrição revela os princípios repetitivos, aditivos e subtractivos do sistema romano (van der Waerden, 1976a, p.28).

Podemos também observar que 4 está escrito na forma IIII. A notação IV data da

Idade Média e não é encontrada em fontes clássicas (van der Waerden, 1976a).

94

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