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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito Ano académico 2010-2011 2º Semestre Sociologia judiciária Docente : Pierre Guibentif Sumários (Estado em 3 de Maio de 2011, fim do semestre) 19 de Março de 2011 (1) Apresentações. Estrutura da unidade curricular. Esquema de avaliação. Relações com os outros ensinos do docente: Sociologia do direito no ISCTE-IUL; Sociologia Jurídica na FD-UNL: ensinos de base, cujo material pedagógico será aproveitado nesta UC. Aqui, focalização no mundo judiciário, como um componente entre outros, da realidade jurídica. – Implicações para o funcionamento da UC do facto de se inserir em dois programas de mestrado diferentes. 19 de Março de 2011 (2) Primeira introdução geral às ciências sociais e à sociologia. (I) Surgimento das ciências humanas e sociais, entre as quais o direito: (i) considera-se como momento a partir do qual é possível reconstituir com algum rigor a evolução que conduz à diferenciação de ciências sociais a emergência da subjectividade renascentista. (ii) Conduz ao desenvolvimento de novas práticas científicas, e, também, de uma nova forma de poder, baseada no reforço do conhecimento do mundo / das pessoas a dominar: o poder de Estado. No âmbito dos Estados que formam então, desenvolvimento progressivo de mecanismos permitindo um melhor conhecimento da colectividade a governar, nos seus diversos aspectos. Surgimento da geografia, da economia, da história, do direito, e de primeiros ensaios anunciando o que se chamará mais tarde linguística, demografia, etc. (iii) A dinâmica intelectual renascentista, combinada com reflexões sobre as práticas dos Estados conduz aos trabalhos filosóficos que se identificam com o Iluminismo. Estes trabalhos inspiram as revoluções – em particular na América do Norte e em França – pelas quais o Estado deixa de ser pensado incorporado no Rei, passando a ser considerado como emanando do conjunto das pessoas que formam uma nação. O conhecimento que se tinha começado a produzir para reforçar o poder do monarca deveria, nesta circunstância, passar a ser um conhecimento útil para todos os cidadãos, nomeadamente para lhes dar uma formação adequada para que possam participar na vida política. Um momento revelador precisamente desta intenção, que conduz a uma

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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito Ano académico 2010-2011 2º Semestre

Sociologia judiciária Docente : Pierre Guibentif

Sumários (Estado em 3 de Maio de 2011, fim do semestre)

19 de Março de 2011 (1)

Apresentações. Estrutura da unidade curricular. Esquema de avaliação. Relações com os outros ensinos do docente: Sociologia do direito no ISCTE-IUL; Sociologia Jurídica na FD-UNL: ensinos de base, cujo material pedagógico será aproveitado nesta UC. Aqui, focalização no mundo judiciário, como um componente entre outros, da realidade jurídica. – Implicações para o funcionamento da UC do facto de se inserir em dois programas de mestrado diferentes.

19 de Março de 2011 (2)

Primeira introdução geral às ciências sociais e à sociologia. (I) Surgimento das ciências humanas e sociais, entre as quais o direito: (i) considera-se como momento a partir do qual é possível reconstituir com algum rigor a evolução que conduz à diferenciação de ciências sociais a emergência da subjectividade renascentista. (ii) Conduz ao desenvolvimento de novas práticas científicas, e, também, de uma nova forma de poder, baseada no reforço do conhecimento do mundo / das pessoas a dominar: o poder de Estado. No âmbito dos Estados que formam então, desenvolvimento progressivo de mecanismos permitindo um melhor conhecimento da colectividade a governar, nos seus diversos aspectos. Surgimento da geografia, da economia, da história, do direito, e de primeiros ensaios anunciando o que se chamará mais tarde linguística, demografia, etc. (iii) A dinâmica intelectual renascentista, combinada com reflexões sobre as práticas dos Estados conduz aos trabalhos filosóficos que se identificam com o Iluminismo. Estes trabalhos inspiram as revoluções – em particular na América do Norte e em França – pelas quais o Estado deixa de ser pensado incorporado no Rei, passando a ser considerado como emanando do conjunto das pessoas que formam uma nação. O conhecimento que se tinha começado a produzir para reforçar o poder do monarca deveria, nesta circunstância, passar a ser um conhecimento útil para todos os cidadãos, nomeadamente para lhes dar uma formação adequada para que possam participar na vida política. Um momento revelador precisamente desta intenção, que conduz a uma

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mais clara identificação das disciplinas do conhecimento: a criação do Institut no decorrer da Revolução Francesa, entidade na qual se pretendia reunir as principais entidades produtoras das ciências, e que se destinava a coordenar um sistema de ensino dirigido a toda a população (ver Tabela 1). Pode-se sustentar que é nesse momento histórico que se identifica claramente um conjunto de disciplinas como ciências sociais, sob a designação de ciências morais e políticas. A partir desta data, afirmação progressiva, no âmbito das universidades transformadas com a entrada na modernidade (em Portugal: reforma Pombalina), das várias disciplinas das ciências sociais. Tabela 1: Instituto nacional das ciências e das artes (décret du

3 Brumaire an IV, 25 de Outubro de 1795)

Academia Francesa (Richelieu, 1635)

Academia Real de Escultura e Pintura (Mazarin, 1648)

Classe das Belas Artes

Academia Real das Ciências (Colbert, 1662)

Classe das Ciências Físicas e Matemáticas

Academia Real das Inscrições e Medalhas (Colbert, 1663)

Classe das Ciências Morais e Políticas (*) (**)

(*) Seis secções:

- Análise das sensações e das ideias - Moral - Ciências sociais e legislação - Economia politica - História - Geografia

(**) Abolida por Napoleão em 1803; reestabelecida por Guizot em 1832.

Fontes: Encyclopaedia Universalis (“Académies”), Gusdorf, Introduction aux sciences

humaines, Paris 1974, p. 276 s., 1978, p. 308 s.

(2) Motivos da criação, entre as ciências sociais, de uma disciplina generalista, a sociologia : - necessidade de se dotar de instrumentos para analisar as estatísticas sociais, que são produzidos nomeadamente para responder à necessidade de melhor conhecer a gravidade da « questão social »; - necessidade sentida de « pensar a sociedade como unidade » face a fenómenos de « desintegração social » (Europa) ou face à nova heterogeneidade do tecido social urbano (Estados Unidos da América); - necessidade de criar um contrapeso ao materialismo histórico, interpretação global da realidade social que emana de intelectuais próximos do movimento operário. Comentários às respostas recolhidas através do questionário preenchido na primeira aula. – A sociologia abordada através da sua evolução histórica (Tabela 2). Observações preliminares: (1) Apresenta-se a evolução da sociologia como disciplina académica, ou seja como dispositivo de produção de conhecimento por uma actividade colectiva devidamente organizada, isto é dotada de mecanismos específicos de formação, comunicação, etc. (cursos universitários, revistas, associações, etc.). Neste sentido, não se inclui aqui Auguste Comte (1798-1867), a quem se atribui o lançamento do termo “Sociologia”, mas que tinha da ciência uma concepção ainda próxima da religião. (2) O quadro servirá de pano de fundo as apresentações de autores que se seguirão. (3) A

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evolução da sociologia não deve ser analisada como um fenómeno especificamente científico; é reveladora da evolução que conheceu o nosso modo – tanto científico como de senso comum – de olharmos para a realidade social e de nos identificarmos como colectividades. Etapas de evolução: (i) Fundação da disciplina (lançamento de revistas; criação de cadeiras e departamentos universitários especializados) ligada à preocupação de entender as transformações sofridas pelas sociedades em relação ao processo de industrialização. Exemplares: as obras de Émile Durkheim e Max Weber. (ii) na Europa, recuo entre as duas guerras (mas de referir o caso particular da Escola de Frankfurt); desenvolvimento nos EUA; (iii) envolvimento no esforço de reconstrução empreendido pelos governos depois da II Guerra Mundial; a sociologia torna-se mais “funcional” e especializa-se; (iv) reacção face aos aspectos “disciplinadores” da etapa anterior; crítica de um conhecimento condicionado pela procura de saber dos governos; apelos à inter- e transdisciplinaridade; (v) normalização progressiva procurando conciliar contribuição construtiva com distanciamento crítico; (v) fase actual marcada pelos processos ditos de “globalização”. Esta não é apenas um dos grandes temas (além das “sociedades nacionais, que deixam de ser uma referência óbvia: ver Immanuel Wallerstein); também condiciona as condições nas quais se faz investigação sociológica: já não são quase exclusivamente os Estados que a sustentam, mas também organizações supranacionais (nomeadamente a UE), assim como organizações não governamentais e empresas. Por outro lado, em parte em reacção a esta evolução, os governos dirigem à sociologia solicitações muito mais focalizadas, sujeitando a produção científica a novos condicionalismos. Conclusão: a evolução da sociologia revela o impacte que tiveram no nosso pensamento, sucessivamente, as experiências – dos efeitos sociais da industrialização, – do totalitarismo, – do desenvolvimento incentivado pelos Estados, – dos processos de globalização. Tabela 2:

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Sociologia Fundação

Émile Durkheim 1858-1917

L’Année sociologique (1896)

Max Weber 1864-1920

Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1903)

American Journal of Sociology

(1895)

Apagamento / Resistência Escola de Francoforte

Max Horkheimer (1895-1973) Theodor W. Adorno (1903-69) Zeitschrift für Sozialforschung

(1931-41)

Reconstrução Talcott Parsons (1902-79)

Robert K. Merton (1910-2003)

Funcionalismo

Interaccionismo Simbólico Erving Goffman

(1922-1982) Críticas

Michel Foucault (1925-1984)

Jürgen Habermas (1929)

Consolidação Pierre Bourdieu

(1930-2002) Niklas Luhmann

(1927-1998)

Globalização Boaventura de Sousa Santos

(1940)

19 de Março de 2011 (3) No desenvolvimento da sociologia, etapas da sociologia do direito (Tabela 3): (1) Para os Fundadores da disciplina: capítulo indispensável de uma sociologia geral. (2) A sociologia utilizada por juristas para propor um fundamento do direito alternativo à teoria do direito positivo; com a ambição de apoiar regras sociais num conhecimento científico da sociedade. O que conduziu ao corporativismo e faz parte de evoluções que levaram ao autoritarismo e ao totalitarismo. (3) A Escola de Frankfurt: motivo da sua criação: a preocupação dos intelectuais críticos em identificar melhor os factores culturais que condicionam o pensamento – tarefa urgente para perceber melhor como os trabalhadores, que tinham convicções internacionalistas, se deixaram convencer pelo nacionalismo e entraram na guerra – e em dotarem-se de um instrumento adequado à prossecução deste objectivo: um instituto de investigação que possa tirar proveito dos avanços das ciências sociais e dos benefícios de um entorno universitário. Instituto dirigido por Max Horkheimer, a partir de 1930, que dinamiza um grupo de investigadores cuja actividade é documentada pela Zeitschrift für Sozialforschung, publicada de 1932-1941. Notável realização organizativa, considerando que durante este período, o Instituto teve que abandonar a Alemanha e instalar-se nos Estados Unidos para fugir aos nazis. Principal interrogação: o que é que facilitou o surgimento do autoritarismo e do anti-semitismo. Neste âmbito, em particular os trabalhos de Franz Neumann (Behemoth, 1944) incidem no direito. Tabela 3:

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Direito Sociologia Fundação Émile Durkheim

1858-1917 De la division du

travail social, 1893 L’Année sociologique

(1896)

Max Weber 1864-1920 Archiv für

Sozialwissenschaft und Sozialpolitik

(1903) Rechtssoziologie, 1911

American Journal of

Sociology (1895)

Apagamento / Resistência

A sociologia jurídica como alternativa ao

positivismo

Archives de philosophie du droit et

sociologie juridique (1931-1940)

Escola de Francoforte Max Horkheimer

(1895-1973) Theodor W. Adorno

(1903-69) Zeitschrift für

Sozialforschung (1931-41)

Franz Neumann, Behemoth, 1944

Reconstrução

Normativismo

Hans Kelsen (1881-1973)

Reine Rechtslehre, 1934

Talcott Parsons (1902-79)

Robert K. Merton (1910-2003)

Funcionalismo

Research Committee on Sociology of Law,

1962 Jean Carbonnier

(1908-2003) Sociologie juridique,

1972

Interaccionismo

Simbólico Erving Goffman

(1922-1982)

Críticas

“Critical Legal Studies” Michel Foucault (1925-1984)

Jürgen Habermas (1929)

“Critical Legal Studies” Richard Abel, Marc

Galanter, etc. Consolidação

Pierre Bourdieu (1930-2002)

Niklas Luhmann (1927-1998)

Rechtssoziologie, 1972

Globalização

Boaventura de Sousa Santos (1940)

Depois da II Guerra mundial, (4) uma etapa durante a qual se avança pouco em sociologia do direito. Os sociólogos entraram num processo de especialização, e não avançam no terreno do direito por este estar reservado às Faculdades de Direito; os juristas evitam a sociologia depois de doutrinas jurídicas inspiradas nela terem-se comprometido com os regimes autoritários. Ver a exigência de Hans Kelsen em voltar a um conhecimento do direito baseado apenas no próprio direito. (5) Sociologia jurídica promovida por juristas conscientes da necessidade de melhor conhecer as realidades sociais para melhor antecipar os efeitos das leis. Entre outros, Jean Carbonnier. Tomam a iniciativa da criação do Research Committee on Sociology of Law nos anos 1960. (6) critical legal studies : contra uma visão tecnocrática do direito, e insistindo na urgência de um trabalho transdisciplinar sobre o direito (7) regresso do direito como objecto de discussões genuinamente sociológicas, apoiadas em resultados de investigações

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conduzidas por cientistas sociais com longa experiência em matéria de direito. (8) Esta dinâmica de trabalho empírico cruza-se com os trabalhos de vários sociólogos e cientistas sociais – entre estes os autores tratados na UC – interessados em elaborar teorias mais globais da realidade contemporânea, às quais, no entender deles, deveriam estar particularmente atentas ao papel do direito. Debate suscitado por intervenções de estudantes sobre as relações entre marxismo e sociologia, e entre ciência e política.

19 de Março de 2011 (4) Correspondendo a etapas muito diferentes no desenvolvimento da sociologia do direito, formularam-se conceitos também estes de natureza muito diversa. Podem distinguir-se em particular duas “gerações” de conceitos. Os conceitos desenvolvidos por juristas preocupados em distanciar-se da auto-representação do direito (tabela 4, últimas linhas), e os desenvolvidos por sociólogos, procurando inscrever a análise do direito numa análise mais abrangente da realidade socia.

Tabela 4:

O direito, tema central nas interpretações sociológicas clássicas Correspondência entre formas de sociedade e formas de direito

Sociedade

Direito

Durkheim Divisão do trabalho Direito cooperativo aumenta

traduz alterações da moral social

Weber

Racionalização Profissionalização

Dessacralização

Parsons Sistema Função de integração

Neumann

Conflito Instância de compromisso, sob certas condições

Instrumentalizável, até certo ponto

O direito, tema marginal no desenvolvimento da sociologia no Pós-Guerra A interacção, estruturada nomeadamente pelo direito

Parsons

Interacções em contextos profissionalizados

As profissões jurídicas entre as leis e as pessoas

Goffman

Interacções em instituições

Adaptação primária / segundária às regras

A sociologia jurídica fundada por juristas

Programar a observação empírica dos factos jurídicos

“Auto-entendimento” do direito Hipóteses juris-sociológicas

Carbonnier e outros

“Panjurismo”

Unidade

Atenção ao “Não direito”

Pluralismo jurídico

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Validade

Publicidade

Igualdade

Aplic. dispositivo

(In)efectividade

Knowledge and Opinion about Law

“Justiça de classe”

Efeitos inesperados

Os juristas sociólogos dos anos 1960: preocupação de orientar o trabalho de investigação empírica por hipóteses claramente formuladas. Construção destas hipóteses essencialmente pela negação das grandes características que o direito se dá, por assim dizer, a si próprio (ver tabela 4). Quanto aos sociólogos, deve analisar-se sucessivamente as concepções da realidade social em geral e, com este pano de fundo, os trabalhos sobre o direito. Conceptualização da realidade social: comentário ao quadro incluído na versão completa dos sumários. Dimensões: a realidade social é abordada (i) como composta de sub-conjuntos (de pessoas, de actividades) que nela coexistem (Composição); (ii) como feita de elementos de natureza diferente, que se poderão encontrar em muitos ou todos os sub-conjuntos (constituição); como animada por dinâmicas diferentes ) (iii). Principais evoluções: No plano da composição: importância primordial do tema da diferenciação social; diversificam-se os campos/sistemas estudados; torna-se mais abstracto e, logo, versátil, o conjunto de conceitos elaborados para os analisar; as classes sociais permanecem como tema importante, embora cada vez menos a título de actores, e mais como correspondendo a categorias pelas quais cada um se situa no universo social. Importância crescente de outros grupos sociais; entre estes os que resultam da actuação do próprio Estado. A tensão entre macro-estruturas e experiência das interacções, de motivo de debate entre escolas, passa a ser um tema teórico próprio. A tensão entre os discursos e as práticas motiva o desenvolvimento de uma sociologia do imaginário. Ganham terreno as teorias que procuram ter em conta simultaneamente as tendências para a integração e as para o conflito. Pode falar-se de “função integradora do conflito”. As concepções da mudança social sofrem uma profunda alteração: perde terreno a noção de “progresso”, face aos que sublinham os efeitos também negativos deste (“ambivalência da modernidade”), os que sublinham o carácter aleatórios dos processos evolutivos, e os que consideram que se deve deixar de procurar o “Progresso” e investir em processos locais de emergência de o “novo senso comum”. Os autores recentes afastam-se de uma noção de sociedade que corresponde à “sociedade nação”, considerando a importância das influências globais sobre os processos societais locais; a crescente individualização de muitos processos sociais; o facto de uma parte da população ficar de tal maneira desconectada das várias redes de sociabilidade que se pode falar em “exclusão social”. Tabela 5: Temas Fundação / Reconstrução Época recente (autores tratados)

Diferenciação funcional

Divisão do trabalho social (Durkheim) Subsistemas sociais (Parsons)

Diferenciação funcional (Luhmann) Os campos sociais (Bourdieu) Diferenciação das esferas de acção / comunicação (Habermas)

Co

mp

o-s

ição

Classes / Estratificação

Classes sociais (Marx) Estratificação (Parsons)

A distinção (Bourdieu)

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Outras categorizações

Delinquência (Foucault) Género, Etnicidade

Interacções / Macro-estruturas

Estruturo-funcionalismo (Parsons) “vs.” Interaccionismo (Goffman)

Sistema e Lebenswelt (Habermas) Interacções, organizações, sistemas funcionais (Luhmann)

Con

stitu

ição

Discursos / Práticas

Infra-estruturas / Superstruturas (Marx)

Arqueologia / Genealogia (Foucault)

Integração Solidariedade social (Durkheim) Integração (Parsons)

Telos do entendimento (Habermas) Solidariedade cidadã (Habermas)

Conflito Luta de classes (Marx, Neumann) “Grondement de la bataille” (Foucault) O combate no campo (Bourdieu)

Din

âmic

as

Mudança social Racionalização (Weber) Sociedades modernas (Parsons)

Modernidade inacabada (Habermas) Evolução (Luhmann) Pós-modernidade (B.S.Santos)

Globalização Sociedade-Mundo (Luhmann/Habermas) Semi-periferia (B.S.Santos) Globalizações (B.S.Santos)

Individualização Sujeito (Foucault)

Fro

nte

iras

Exclusão Loucos/reclusos (Foucault) Misère du monde (Bourdieu) Meta-código exclusão (Luhmann)

Comentário a um mapa dos temas de sociologia jurídica (incluído no documento “Sumários completos”), construído a partir das dimensões da realidade social apresentadas na tabela anterior, e das três modalidades de inserção do direito na realidade social que se deixam derivar dos autores estudados: (i) o direito como “microcosmo” / “sistema” social, uma realidade social com alguma autonomia, algum grau de fechamento, uma dinâmica interna; (ii) o direito como um dispositivo com determinadas funções societais, susceptível de ser “solicitado”, abordado, utilizado por actores sociais que lhe são exteriores e que procurarão obter algo da intervenção do direito em contextos sociais estes também exteriores ao direito; (iii) o direito como realidade longínqua de outros contextos sociais, na perspectiva dos quais poderá apresentar-se como uma realidade opaca e distante, mas, mesmo assim, percepcionada, nomeadamente através dos relatos da comunicação social. Tabela 6: Temas Direito da sociedade Direito e sociedade Direito em sociedade

Diferenciação funcional

Diversidade das profissões, das instâncias, disciplinas, Relações entre estas

Papel do direito nos processos de diferenciação funcional

O direito como modelo de diferenciação funcional Realidade jurídica em contextos pouco diferenciados

Classes / Estratificação

Desigualdades nos meios jurídicos

Desigualdades no acesso ao dir.; combate às discriminações

(Des)Conhecimento como factor de desigualdades

Compo-sição

Outras categorizações

Divisões internas ao campo jurídico (novas profissões); género nas prof. jurídicas

Criação de categorias em processos jurídicos

“Pluralismo jurídico” / “Labelling”

Consti-tuição

Interacções / Macro-estruturas

Rel. entre juristas / Instituições, associações, revistas, etc.

Rel entre jurist. e não juristas Processos judiciários, legislativos, de consulta

Impacte simbólico do reconhecimento jurídico das pessoas / Imagem do Estado

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Discursos / Práticas

Argumentação jurídica / Materialidade do trabalho jurídico (novas tecnol.)

Proc. jurídicos como proc. Comunicacionais

Efeito disp. materiais do dir. Rel. entre cat. juríd. e repr.soc.

Integração

Cultura jurídica; reprodução do saber jurídico

Processos jurídicos de formação de colectivos (Const.)

Normas juríd. como referências posit./ negativas

Conflito xxx

Conflitualidade interna ao dir. / entre paradigmas

Trat. juríd. dos conflitos; mediação; "cause lawyering"

Conflitos no direito / conflitos societais

Dinâ-micas

Mudança social

Transformações internas do direito Direito pós-moderno

Direito como instrumento de políticas públicas Governança

Efeitos do direito s/ práticas sociais – Efeitos das práticas sobre o direito

Globalização

Globalização das profissões jurídicas, das temáticas do ensino do direito

Processos jurídicos de integração regional e de org. internacional

Impacte globalização institucional nas práticas locais

Individualização

Peso das organizações na prática do direito

Potencial individualizador da prática do direito

Impacte dir. humanos / lógica organizacional vs. direito

Fron-teiras

Exclusão

Selecção nas profissões jurídicas

Processos tendencialmente exclusivos / polít. de inclusão

Desorientação face à complexidade normativa

2 de Abril de 2011 (1) Depois dos conceitos, apresentação de “modelos”; elementos de teoria compondo vários conceitos para dar conta de processos concretos ou de características especificas da realidade jurídica. A partir do texto “Réflexions sur les effets du droit dans le domaine économique » (1993 ; incluído no caderno Abordagens sociológicas ao direito, publicado pela Danka, no ISCTE-IUL) e do capítulo “Modelos” no documento Sociologia do direito (2007, a disposição em formato electrónico no site da UC), discussão de cinco modelos, e sua localização no desenvolvimento da sociologia do direito (tabela 4): dois modelo “macro-sociais”: (a) interdependência entre direito e outros componentes da realidade social; (b) autonomia das esferas sociais; dois modelos “micro-sociais”: (c) os usos estratégicos / alternativos do direito; (d) a prática não reflectida do direito. Para além da distinção entre macro- e micro-sociológico: (e) a construção de sujeitos / actores nos processos jurídicos.

2 de Abril de 2011 (2)

Um modelo do direito na sociedade que faz a síntese das teorias do direito na sociedade elaboradas mais recentemente (discutidas em particular nas aulas de Sociologia

jurídica). Retira-se da comparação de Foucault, Luhmann, Habermas e Bourdieu um quadro teórico onde os principais conceitos são agrupados em dois conjuntos (ver gráfico incluído nos sumários completos) que correspondem cada um a uma perspectiva específica sobre a realidade social: caracterizada, por um lado, por ser tecida por actividades que têm alguma continuidade e inteligibilidade; por outro lado, por ser palco de forças que surgem e se confrontam; caracterizada também por ser mais ou menos diferenciada em actividades diferentes, ou por acolher forças mais ou menos individuadas.

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Gráfico 1:

Agir Instâncias

~ Luhmann~ Foucault 1~ Foucault 2

~ Bour-~ Habermas ~ Habermas

filósofo

Ind

ivid

uaçã

o

Dife

renc

iaçã

o

sociólogo -dieu

Sistemas sociais

Organizações

Discursos

Dispositivos

(Me

diu

m)

Lebenswelt

Solidariedadecidadã

ActoresSujeitos

Campos

Discussão

“Grondement

de la bataille”

Habitus Habitus

Campos

Comentários gerais sobre este esquema conceptual: (a) distinguem-se desta maneira duas perspectivas sobre a realidade social; a realidade é a mesma, mas abordamo-la com categorias diferentes; e não é facil passar de uma perspectiva para a outra; (b) não é uma invenção de sociólogos; corresponde a uma maneira mais generalizada que temos de olhar para a realidade; é inerente a uma certa forma de colectividade humana, que experiencia a través destas duas abordagens. Daí as dificuldades em passar de uma abordagem para a outra: pôr em causa a diferença entre as duas é pôr em causa a própria natureza de um tipo de sociedade: a sociedade moderna; (c) esta maneira de ver a realidade sob dois ângulos é um efeito de determinados dispositivos culturais entre os quais o próprio direito (pensar num processo judicial: encadeamento de operações “formalizadas”, “rotinizadas”; mas também ocasião de surgirem forças que colidem umas contra as outras). A partir deste modelo, o direito deve ser estudado sob duas perspectivas. Como uma instância própria, eventualmente dividida em sub-instâncias. Nesta perspectiva, trata-se de perceber o que distingue esta instância de outras, como funciona, que consistência tem. Como um elemento da realidade social onde se podem revelar forças sociais, eventualmente forças que já se afirmaram fora do direito e que se servem também do direito nas suas estratégias; ou que surgem dentro dos próprios procedimentos jurídicos. Exemplo um grupo que toma melhor consciência da sua coesão no âmbito de um processo de formalização jurídica do grupo, com a criação de uma associação ou outra figura jurídica que o reconheça (mais sobre este modelo em Guibentif, “Teorias sociológicas comparadas e aplicadas. Bourdieu, Foucault, Habermas e Luhmann face ao direito”, Cidades – Comunidades e Territórios, nº 14, texto à disposição no site da unidade curricular).

FD-UNL Sociologia judiciária 2010-2011 – Sumários – página 11

Breve aplicação dos cinco modelos apresentados em primeiro lugar ao mundo judiciário. Uma aplicação do último modelo proposto será exposta na próxima aula.

14 de Maio de 2011 (1)

Discussão da noção de justiça a partir do conceito de base seguinte: distinção justo / injusto corresponde à experiência “É-me reconhecido / ou não / o meu lugar numa determinada colectividade”. A partir deste conceito, poderá denunciar-se uma injustiça sempre que uma determinada colectividade tenha uma consistência suficiente para justificar um apelo no sentido de se reestabelecer a posição que foi posta em causa, e o que será considerado como injusto dependerá essencialmente das características da comunidade em causa. Tipologia das noções de justiça derivadas deste conceito, esquematizada no gráfico 2, e apoiada na capítulo “Direito, justiça, conflito” no documento Sociologia do direito, e no texto “A perpétua vontade de justiça” (ver textos colocados à disposição dos estudantes). Gráfico 2

14 de Maio de 2011 (2)

As várias experiências sucessivas de justiça implicaram uma progressiva complexificação do aparelho pelo qual se responde à denúncias de injustiça. A prática actual da justiça é uma composição de relacionamentos que se sobrepuseram progressivamente na história da justiça. Assim a justiça relaciona-se, óbviamente, (1) com uma experiência colectiva onde surgiu um conflito, (2) com práticas de resolução destes conflitos que se desenvolveram ao longo do tempo, (3) com estruturas de poder,

FD-UNL Sociologia judiciária 2010-2011 – Sumários – página 12

que desde cedo procuraram tirar proveito da prática da justiça como de uma instância de manifestação do poder, (4) com o direito, a partir do momento em que este se diferenciou das ordens de um monarca, (5) com a economia, que requereu a mobilização de categorias específicas no tratamento de certos tipos de litigios característicos da actividade económica, e que deu uma impulsão particularmente forte ao desenvolvimento dos mecanismos de tratamentos dos litígios.

27 de Maio de 2011 (1)

Complementos à exposição sobre os contextos societais da justiça (exposição apoiada no grafico 3. – (a) Primeiro contexto: a conflitualidade social. Dificuldade em captar esta realidade, em boa medida construída pelos próprios dispositivos de resolução de litígios. Ter em conta (i) a selectividade destes dispositivos que tratam apenas uma fracção dos casos que se verificam na realidade; (ii) a maneira como estes dispositivos qualificam os casos tratados (discutido em particular em criminologia; pela labelling

approach). (b) O Estado; ter em conta a sua evolução na modernidade, que diferencia um sistema administrativo, por um lado, político por outro. (c) O direito; impacte sobre o tratamento dos casos apresentados à justiça do facto de estes casos passarem a ser tratados para produzir jurisprudência, isto é novos elementos de direito. (d) A economia. – Outras instâncias: em particular as actividades especializadas, como a (e) ciência, (f) a arte, a (g) comunicação social. – De maneira geral, o funcionamento da justiça condicionado, por um lado, pelo facto de cada um dos universos agora inventariados gerar conflitos que são em parte pelo menos encaminhados para a justiça (fraudes no domínio científico, plágios nos domínios da arte e da ciência, etc.), por outro lado, pelo facto de estes universos contribuirem para as condições da prática judicial (peritagem científica, arquitectura dos tribunais, cobertura da justiça pela comunicação social). Gráfico 3:

FD-UNL Sociologia judiciária 2010-2011 – Sumários – página 13

27 de Maio de 2011 (2)

Últimos complementos ao gráfico: (1) as várias “instâncias” limitadas graficamente a uma esfera que, implicitamente, simboliza uma sociedade nacional, devem ser concebidas como estendendo-se muito além desta comunidade, mesmo que existam estruturas mais estreitamente ligadas aos âmbitos nacionais. Uma provável excepção: a política. A ciência, o direito, a economia globalizaram-se; cada esfera política nacional tem estruturas próprias (em particular o leque de partidos) que muito dificilmente correspondem as estruturas de outros países. Primeiros passos no espaço europeu no sentido de se formar um espaço político europeu. (2) Num “formato” análogo aos tribunais, deve ter-se em conta a existência de inúmeras organizações, isto é entidades que aproveitam para o seu funcionamento o que se produz na economia, no direito, na ciência, etc., mas que são implantadas localmente, que têm meios humanos e materiais próprios. – Inventário sumário das forças / dinâmicas que atravessam estas instâncias e podem contribuir para condicionar a justiça. Forças que podem surgir dentro de processos judiciários em particular; forças que se podem manifestar-se nestes processos ou no desenvolvimento das estruturais judiciárias. Durante algum tempo a força do próprio direito (temas da litigation; da judiciarização de esferas sociais entre as quais nomeadamente a política). Nestas últimas decadas, a força de uma forma de racionalização organizacional vindo nomeadamente do mundo das empresas, que condiciona internacionalmente as recentes reformas da justiça.

3 de Junho de 2011 (1)

Exposição de Renato Militão: “A progressão do securitarismo” e discussão da mesma.

3 de Junho de 2011 (2)

Exposição de Sofia Agostinho: “A vida para lá dos muros. Retrato de um sistema prisional” e discussão da mesma.

3 de Junho de 2011 (3)

As relações entre justiça e comunicação social. Caracterização da comunicação social : diferencia-se depois das principais esferas culturais características das sociedades modernas (ciência, direito, arte). Com as funções (i) de fazer circular informações entre estas esferas, que tendem a fecharem-se umas em relação às outras, (ii) de estabelecer ligações entre estas esferas e as experiências individuais da generalidade da população, que ganham em importância com o estabelecimento da democracia e com o desenvolvimento da economia de mercado e (iii) de propor a estas experiências individuais (dos leitores, mais tarde ouvintes, telespectadores, etc.) a noção de pertencer um “público”. Características da comunicação social neste contexto: (i) deve dedicar grande atenção aos mundos sociais diferenciados que são o Estado, a economia, a ciência, o direito, a arte, etc., emanando muitos dos seus conteúdos dos discursos produzidos nestes mundos, e existindo uma dependência da comunicação social em relação a estes mundos, com os quais deve estabelecer relações estruturadas (“fontes”).

FD-UNL Sociologia judiciária 2010-2011 – Sumários – página 14

(ii) Especializa-progressivamente na produção de um discurso diferente dos já produzidos nas esferas culturais especializadas, diferente pela sua maneira de reduzir as diferenças entre cognitivo, normativo e estético que caracterizam os discursos especializados científicos, jurídicos e artísticos, e de oferecer discursos “não vinculativos”, sempre sujeitos a reapreciação de especialistas, e susceptíveis de facilitar ensaios de formulação que poderão mais tarde ser retomados pelos discursos especializados. Tipicamente: pretende-se distinguir informação e opinião, mas a distinção não é absolutamente rigorosa: as páginas de opinão informam; as reportagens incluem expressões de opinião; e as opiniões enunciam normas mas estas não são – ainda – vinculativas; terão que ser retomadas em instâncias deliberativas (parlamentos, governos, tribunais, etc.). A comunicação assim entendida pode relacionar com a justiça segundo, pelo menos, cinco modalidades: (1) pode informar sobre a justiça, um mundo entre outros que se pretende conhecer melhor; (2) pode informar sobre casos de justiça, aproveitando o discurso produzido por instâncias judiciárias sobre os processos em curso; (3) pode opinar sobre a justiça em si, que pode ser objecto de debates normativos (“Que fazer face à ‘crise da justiça’?”), (4) pode opinar sobre casos de justiça, ou apresentados como merecendo ser “julgados”, entrando assim eventualmente em competição com a justiça na maneira de enunciar ou sugerir apreciações valorativas do que sucedeu e eventualmente do que foi a reacção da justiça face ao sucedido. (5) (menos central) informação sobre casos que dão lugar a decisões de justiça no meio de universos especializados, noticiados não tanto pela sua relevância directa para o público, mas pelo que revelam da diversidade do nosso universo social diferenciado (casos que sucederam no mundo científico ou artístico, por exemplo; ou ainda no mundo desportivo!). O discursos produzido nestas cinco diferentes perspectivas sobre a justiça pode acabar, segundo o seu impacto sobre as representações sociais das pessoas no público, condicionar nalguma medida as condições nas quais funciona a justiça (temas que são aprofundados em Guibentif, Gorjão, Cheta, 2002; certos elementos desta investigação sintetizados em Guibentif, “A comunicação jurídica no quotidiano lisboeta”, 2001).

3 de Junho de 2011 (4)

Ensaio de aplicação das grelhas de análise introduzidas durante o semestre a um conjunto de artigos publicados no Público de 15 de Maio de 2011, sob o título: “Consenso para reformar a Justiça é urgente, mas será difícil”.