13
1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira 1 Resumo: Esse resumo é parte de um estudo de mestrado que visou mapear processos de ocupação das ruas pelos skatistas street de Rio Grande/RS, tendo em vista a produção de subjetividades nas suas relações com verdades morais e normas sociais vigentes. A cartografia social foi usada como referencial teórico-metodológico e o material empírico tratou-se de registros inscritos num Diário de rua. Aqui apresento conexões entre uma subjetividade masculina e héteronormativa historicamente individualizada nos skatistas e devires mulher e trans nos espaços ocupados. Os relatos intitulados “Corpos femininos na àrea” e “Skatista cor-de-rosa”, demonstram performances distintas de estar mulher nos espaços de prática, visibilizando relações de poder e de normalização entre as femi nilidades em jogo. No “As mulheres, o skate e o hip-hop”, são destacadas relações de aproximação do sujeito skatista com as mulheres praticantes de modo a produzirem sentidos estratégicos de legitimidade a si mesmos em tempos de empoderamento feminino. E, por fim, em “Um minuto de silêncio”, apresento esboços de um desconforto heteronormativo nos skatistas ao articular -se com pessoas trans, mesmo num momento de uma ascenção de políticas e discursos de combate a homo e transfobia. Assim, contata-se que as subjetividades skatísticas ainda apresentam traços de misoginia e hetenormatividade em curso, inclusive, em práticas de caráter inclusivo de tais minorias e, paradoxalmente, sob o slogan de revolucionárias. Palavras-chave: Skate; Subjetividade; Devir minoritário; Mulheres; Trans. Introdução São ínúmeras as possibilidades de experimentar os territórios existenciais sobre rodinhas do skateboard na atualidade. Segundo pesquisa do Instituto DataFolha (2015), os skatistas já são mais de 8 (oito) milhões espalhados em todo território nacional, 5% de aumento com relação ao último levantamento, de 2006. Aqui, destaco alguns olhares e análises sobre a prática do skate street 2 em Rio Grande/RS, especialmente, no que se refere aos processos de ocupação das ruas, tendo em vista a produção de subjetividades 3 nas suas relações com verdades morais e normas sociais vigentes. A verdade é aqui entendida como contigente e fabricada nas relações sociais, e insere-se como critério indispensável ao exercício do poder, uma vez que “não se pode dirigir os homens sem fazer operações na ordem do verdadeiro” (FOUCAULT, 2014, p.300). A norma é concebida não apenas 1 Doutoranda em Educação em Ciências: química da vida e saúde (PPGEC/FURG), Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande/RS, Brasil. 2 Segundo a Confederação Brasileira de Skate (CBSK), fundada em 1999, o skate street é uma das onze modalidades institucionalizadas do skate, as quais são (Banks, Bowl, Downhill speed, Downhill slide, Freestyle, Megarampa, Mini ramp, Push Race, Slalow, Vertical). Ele consiste em praticar o Skate em obstáculos que são encontrados nas ruas das cidades como: monumentos, praças, bancos, corrimãos, muretas, escadas, rampas de entrada de garagens, palcos, buracos, barrancos, guard-rails, paredes com inclinação entre 30º e 80º, entre outros. Também é praticado em Skateparks (pistas de Skate) onde existem rampas que simulam a arquitetura urbana de um modo adaptado ao Skate. Existem no nosso país mais de 300 competidores profissionais e mais de 10 mil competidores amadores, bem como é a modalidade com o maior número de adeptos, cerca de 95% dos praticantes. Disponível em: http://umti.dyndns.info:8040/paginas/categorias. Acessado em: 03 julh. 2017. 3 “A subjetividade é a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si mesmo num jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo. Se o sujeito se constitui, não é sobre o fundo de uma identidade psicológica, mas por meio de práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda por técnicas de si” (REVEL, 2005, p. 85)

SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

1

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO

SKATISTA

Juliana Cotting Teixeira1

Resumo: Esse resumo é parte de um estudo de mestrado que visou mapear processos de ocupação das ruas pelos

skatistas street de Rio Grande/RS, tendo em vista a produção de subjetividades nas suas relações com verdades morais e

normas sociais vigentes. A cartografia social foi usada como referencial teórico-metodológico e o material empírico

tratou-se de registros inscritos num Diário de rua. Aqui apresento conexões entre uma subjetividade masculina e

héteronormativa historicamente individualizada nos skatistas e devires mulher e trans nos espaços ocupados. Os relatos

intitulados “Corpos femininos na àrea” e “Skatista cor-de-rosa”, demonstram performances distintas de estar mulher nos

espaços de prática, visibilizando relações de poder e de normalização entre as feminilidades em jogo. No “As mulheres,

o skate e o hip-hop”, são destacadas relações de aproximação do sujeito skatista com as mulheres praticantes de modo a

produzirem sentidos estratégicos de legitimidade a si mesmos em tempos de empoderamento feminino. E, por fim, em

“Um minuto de silêncio”, apresento esboços de um desconforto heteronormativo nos skatistas ao articular-se com

pessoas trans, mesmo num momento de uma ascenção de políticas e discursos de combate a homo e transfobia. Assim,

contata-se que as subjetividades skatísticas ainda apresentam traços de misoginia e hetenormatividade em curso,

inclusive, em práticas de caráter inclusivo de tais minorias e, paradoxalmente, sob o slogan de revolucionárias.

Palavras-chave: Skate; Subjetividade; Devir minoritário; Mulheres; Trans.

Introdução

São ínúmeras as possibilidades de experimentar os territórios existenciais sobre rodinhas do

skateboard na atualidade. Segundo pesquisa do Instituto DataFolha (2015), os skatistas já são mais

de 8 (oito) milhões espalhados em todo território nacional, 5% de aumento com relação ao último

levantamento, de 2006. Aqui, destaco alguns olhares e análises sobre a prática do skate street2 em

Rio Grande/RS, especialmente, no que se refere aos processos de ocupação das ruas, tendo em vista

a produção de subjetividades3 nas suas relações com verdades morais e normas sociais vigentes. A

verdade é aqui entendida como contigente e fabricada nas relações sociais, e insere-se como

critério indispensável ao exercício do poder, uma vez que “não se pode dirigir os homens sem fazer

operações na ordem do verdadeiro” (FOUCAULT, 2014, p.300). A norma é concebida não apenas

1 Doutoranda em Educação em Ciências: química da vida e saúde (PPGEC/FURG), Universidade Federal do Rio

Grande (FURG), Rio Grande/RS, Brasil. 2 Segundo a Confederação Brasileira de Skate (CBSK), fundada em 1999, o skate street é uma das onze modalidades

institucionalizadas do skate, as quais são (Banks, Bowl, Downhill speed, Downhill slide, Freestyle, Megarampa, Mini

ramp, Push Race, Slalow, Vertical). Ele consiste em praticar o Skate em obstáculos que são encontrados nas ruas das

cidades como: monumentos, praças, bancos, corrimãos, muretas, escadas, rampas de entrada de garagens, palcos,

buracos, barrancos, guard-rails, paredes com inclinação entre 30º e 80º, entre outros. Também é praticado em

Skateparks (pistas de Skate) onde existem rampas que simulam a arquitetura urbana de um modo adaptado ao Skate.

Existem no nosso país mais de 300 competidores profissionais e mais de 10 mil competidores amadores, bem como é a

modalidade com o maior número de adeptos, cerca de 95% dos praticantes. Disponível em:

http://umti.dyndns.info:8040/paginas/categorias. Acessado em: 03 julh. 2017. 3 “A subjetividade é a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si mesmo num jogo de verdade, no qual ele se

relaciona consigo mesmo. Se o sujeito se constitui, não é sobre o fundo de uma identidade psicológica, mas por meio de

práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda por técnicas de si” (REVEL, 2005, p. 85)

Page 2: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

2

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

como código jurídico, mas sim, como norma social, como arte de julgar. Para Fonseca (2010),

“cabem, na abrangência de seu significado, as normas de comportamento, as normas sociais, as

normas de conduta, as normas que regulam os saberes, as normas que prescrevem ações”. Assim, é

a experiência do sujeito com determinadas normas sociais vigentes que vai possibilitar a

constituição moral da subjetividade skatista, na relação com um “conjunto de valores e regras de

ação propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos”

(FOUCAULT, 2014, p. 26).

Segundo estudos históricos, o skateboarding é migrado ao Brasil à moda californiana

nos anos 60, ainda muito vinculado à cultura surfista, através dos trajes coloridos e manobras

deslizantes, o que o tornou conhecido como “surfe de asfalto ou surfinho” (BRANDÃO, 2014, p.

294). Foi somente no final da década de 70 que o skate apresentou seus primeiros traços de

esportivização e especificidade, a partir de um movimento midiático e cultural que passou a

desarticular o skate do surfe e vinculá-lo ao imaginário punk e de radicalidade (BRANDÃO, 2008).

As skateparks e os campeonatos amadores e profissionais vão ganhar força na metade dos anos 80,

já configurando uma modalidade esportiva intitulada street, posteriormente institucionalizada junto

a outras modalidades com a criação da Confederação Brasileira de Skate (CBSK), em 1999.

Além da associação do skate street às características rebeldes da cultura punk, nos anos 80,

era possível notar em revistas especializadas, como a Yeah!, Esqueite, Overall, entre outras, uma

forte tendência e apologia ao desbravamento das ruas, através de enunciações como “ousadia de

encarar ruas desconhecidas e terrenos inexplorados; não acorde a cidade; vamos horrorizar o

trânsito” (BRANDÃO, 2008, p. 18). Assim intensificavam-se nessas mídias uma supervalorização

da ocupação das ruas e da transgressão da ordem como práticas legítimas a subjetividade do skatista

street que se constituía, que já nasce comprometido com o ideal anárquico herdado do punk.

Sobre as relações entre mulheres e skate no Brasil, o trabalho de Figueira e Goellner (2009),

identifica uma tendência masculina e masculinizante entre os skatistas e nas suas práticas

historiográficas, tornando as presenças das mulheres invisibilizadas e ofuscadas por um território

existencial predominantemente situado no homem heterossexual. Mais contemporaneamente,

assitimos a emergência de um processo de normalização das subjetividades skatistas visando

desconectarem-se de seus territórios existenciais instituídos historicamente sobre a figura do sujeito

anárquico, punk, contestador e predominantemente masculinizante, à uma subjetividade mais

flexível, que se ajusta às modificações dos valores morais do presente de forma a conduzir a sua

própria subjetivação.

Page 3: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

3

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Assim, o estudo de onde parte esse trabalho4 obteve, entre outros resultados, indícios de

relações estratégicas de aproximação entre os skatistas street de Rio Grande e uma série de práticas

de caráter inclusivo de indivíduos e grupos, sendo uma delas, a relação com as mulheres e com os

sujeitos trans, produzindo mutações nos territórios skatistas heteronormativos. Exponho aqui partir

quatro cenas urbanas. São elas: “Corpos femininos na àrea” e “Skatista cor-de-rosa”, que

demonstram performances distintas de estar mulher nos espaços de prática, visibilizando relações

de poder5 e de normalização entre as feminilidades em jogo. “As mulheres, o skate e o hip-hop”, em

que são destacadas relações de aproximação do sujeito skatista com as mulheres praticantes de

modo a produzirem sentidos estratégicos de legitimidade a si mesmos em tempos de

empoderamento feminino. E, por fim, em “Um minuto de silêncio”, apresento esboços de um

desconforto heteronormativo nos skatistas ao articular-se com pessoas trans, mesmo num momento

de uma ascenção de práticas de combate a homo e transfobia.

SOBRE UM MODO CARTOGRÁFICO DE PESQUISAR

Deleuze e Guattari (1995) apresentam uma série de características para pensarmos numa

composição cartográfica da realidade, a partir da noção de rizoma, traçado como forma de

afastamento a uma tendência arborescente do pensar. O rizoma, com suas seis características

aproximativas na composição de outro pensamento sobre a realidade6, tem, na cartografia, o seu

método de criação, ancorado na produção de territórios existenciais e de linhas de produção de

subjetividades, sempre dinâmicos e processuais. A cartografia, assim, consiste numa

experimentação ancorada no real (PASSOS, KASTRUP, ESCÓCIA, 2012)

O território existencial é o espaço ocupado por modos de viver. Diferentemente de território

geográfico, fixo, bem delimitado, o território existencial apresenta uma expressividade. “As

paisagens vão sendo povoadas por personagens e estes vão pertencendo a paisagem. Assim, se está

em constante processo de produção. O território é antes de tudo um lugar de passagem”

(ALVAREZ, PASSOS, 2010, p. 134). Ao mesmo tempo em que as linhas de força que atravessam o

4 Ver TEIXEIRA (2016). 5 O poder é aqui entendido na perspectiva foucaultiana. Assim, o poder não está, ele se exerce, manifestando-se através

de relações dinâmicas e provisórias e assimétricas de forças. O poder não é algo que se possui, mas que se utiliza, na

condução dos outros e de si mesmos. “O poder só se exerce sobre sujeitos livres, enquanto livres – entendendo-se por

isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidade onde diversas condutas, diversas

reações e diversos modos de comportamento podem acontecer” (FOUCAULT, 1995, p. 244) 6 São as seis características aproximativas do rizoma: princípio de conexão e de heterogeneidade; da multiplicidade; da

ruptura assignificante; e da decalcomania. Para mais, consultar Deleuze e Guattari (1995).

Page 4: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

4

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

território se imbricam na produção de certos tipos de subjetividades, há sempre um esforço para a

saída do território, um primado das linhas de fuga. Logo, “não há território sem um vetor de saída

do território e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um

esforço para se reterritorializar em outra parte” (DELEUZE, 1996, s/p).

Assentada na composição de mapas existenciais, a cartografia se faz pelo desenho de suas

linhas de constituição, que podem ser de territorialização ou normalização - que tentam definir e dar

uma rota segura ao território, bem como de desterritorialização ou de fuga - pelas quais um

pensamento foge sem parar, um vazamento numa tubulação, uma rachadura numa estrutura

(OLIVEIRA, PARAISO, 2012). O corpus de análise dessa pesquisa consiste num portólio de

registros diversos sobre as práticas dos skatistas de Rio Grande/RS. O material empírico utilizado

trata-se de falas de entrevistas gravadas ao rádio e à TV, escutas e conversas informais com

skatistas, cartazes de eventos, montagens de fotos e prints retiradas de redes sociais no modo

público, concentradas, especialmente, no período de janeiro a dezembro de 2015, todas registradas

no que chamei de “Diário de Rua”.

CENAS URBANAS: DEVIRES E (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA

Em meio as andanças junto as práticas do skate street em Rio Grande, pude perceber a

atualidade do caráter masculino e masculinizante presente nesse território e o esforço de

determinadas (e poucas) mulheres skatistas em produzir modos específicos de vivenciá-lo, seja

como praticante ou não, junto a cenários tomados por uma grande maioria de homens. Na tentativa

de destacar-se, puderam forjar modos específicos de estar mulher nos espaços do skate, criando, de

um lado, estratégias de visibilidade de suas feminilidades sintonizadas com um padrão

hetenormativo ali presente, instituindo a figura da “mina do skatista, ou daquela que o skatista

almeja se relacionar”, e, de outro, como skatista, demarcando uma visibilidade Cor-de-rosa, em que

o marcador de gênero funciona como destaque primeiro da presença da mulher no skate, em

detrimento de sua performance técnica e habilidade com as manobras. Aqui, a figura “da skatista

mulher, mas que não perde a feminilidade” ganha destaque.

CENA 1: Corpos femininos na área

Enquanto observava um evento de skate (1º Skate Summer no balneário Cassino), me deparo com

algo que despertou curiosidade. Me refiro à disposição das mulheres no espaço, a ocupação

diferenciada dessas quando andando de skate, acompanhando as práticas dos skatistas ou, até

Page 5: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

5

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

mesmo, como acompanhantes de skatistas. Percebo que a área da tenda abrigava algumas meninas

bonitas, de óculos de sol espelhados, bombetas, loiras e morenas de cabelos lisos, bronzeadas,

coxas torneadas a mostra, marquinhas de biquini, roupas de marca, todas acompanhadas de algum

skatista das equipes envolvidas, sejam eles juízes, locutores, DJs, MCS e patrocinadores. Havia

também algumas presenças passageiras de meninas ao redor do evento, observando, alguns casais

e poucas mulheres mais velhas. Me deslocando até as extremidades da área de competição, no que

sobrou de rua, percebo duas meninas andando de skate e mandando algumas manobras e rasgadas

no asfalto. Aproximo-me e noto bochechas vermelhas, cabelos presos, pele oleosa e suada,

respiração ofegante. Suas roupas já tinham alguns rasgões e sujeiras provocadas pelas quedas.

Pergunto às meninas skatistas, notadamente habilidosas, porque não quiseram competir, já que o

evento dispunha de categoria feminina (mesmo que nenhuma menina tenha se inscrito). Enquanto

uma delas apenas me acena um “não” com a cabeça, a outra me responde, um tanto desolada: eu

não vou competir, eles andam muito mais que a gente!”(Relato, Diário de Rua, fevereiro de

2015)

Sobre esse registro, que anuncia a composição de dois modos de visibilizar “corpos

femininos na área”, em que uma delas assenta-se na figura da “mina do skatista” e outra, na

“skatista não tão boa quanto os homens”, passo a articulá-lo a constituição histórica das

feminilidades. Passo a conceber se uma não presença na área de competição ou uma presença

condicionada a determinados arranjos e modos de ser mulher – junto a outros homens ou exercendo

ocupações específicas no território do skate – estaria assentada numa rede histórica de poderes que

localiza a mulher em práticas, papéis e espaços diferentes daqueles ocupados historicamente por

homens. Arranjos que inclinariam as mulheres, inicialmente, ao matrimônio e à reprodução, típicas

de um “dispositivo de aliança”, e, mais tarde, com a emergência de um “dispositivo de

sexualidade”, nas suas relações com o seu sexo e toda uma tecnologia de poder que impõem uma

espécie de temperança sexual a ela (FOUCAULT, 2014) e que implica, entre outras coisas, em

modos específicos de posicionar-se mulher na sociedade.

O sexo é aqui entendido para além de sua composição carnal, genital. “É nexo de

inteligibilidade, em que potência se conjuga com poder e a carne se constrói em corpos sexuados,

distribuídos em domínio e hierarquia na instituição de diferenças” (SWAIN, 2011, p. 393). Assim,

experimentar o território existencial do skatista street – masculino e masculinizante – por meio de

uma posição específica, como a figura “da mina do skatista ou daquele que ele almeja se

relacionar”, demarca uma visibilidade de poder desse sexo historicamente produzido às mulheres

como passivas, frágeis, e destinadas às funções da conjugalidade e reprodução (GOELLNER,

2003).

Já no caso das “skatistas não tão boas quanto os homens”, competir passa a enquadrá-las a

regras de juízo de performances produzidas com base numa referência técnica masculina,

Page 6: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

6

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

produzindo graus de culpabilização e inferiorização de si mesmas, sem, contudo, problematizarem

os motivos pelos quais a referência de “andar mais” está localizada numa performance instituída nas

e pelas práticas do skatista street homem.

A participação das mulheres em eventos esportivos restringia-se basicamente a

assistência e ao acompanhamento dos maridos, com pouca participação ativa nas

provas, ela é hoje muito mais ampla e diversificada. Todavia, isso não significa

afirmar que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades no campo

esportivo ou que preconceitos quanto à participação feminina inexistam

(GOELLNER, 2005, p. 96)

É preciso estar em alerta para os modos de participação das mulheres nos esportes

contemporâneos, uma vez que, algumas vezes, a simples existência da categoria feminina não

garante as mesmas condições de acesso e oportunidade. Ademais, nos territórios estudados, jamais

uma das meninas skatistas da cidade foi chamada para compor a bancada de juízes das competições

locais.

CENA 2: A skatista cor-de-rosa

Numa tarde de sábado do mês de abril, numa experimentação na pista de skate do Parque Marinha

– periferia de Rio Grande/RS, noto a presença de meninas no local observando, em grupos de três

ou quatro, algumas fumando cigarros e outras compartilhando garrafas de vinho com outros

observadores homens. Havia um número considerável de mulheres nos cantos e arredores do local

Porém, havia uma única menina sob a fluorescente luz branca projetada sobre a pista, uma menina

bem pequena vestindo, novamente, um camisetão que ia até os joelhos e um capacete cor-de-rosa.

Ela compartilhava as rampas com os meninos, descia, subia, chutava manobras, observava. A

presença da skatista, mesmo que produzindo vazamentos, enquanto menina num espaço na sua

maioria ocupado por meninos, territorializava um pertencimento ao feminino: o seu look todo

“rosa mais que cheguei”. A sua mãe e também esposa de skatista me diz: “Ela adora essa roupa

rosa! Ela ganhou num campeonato que fomos a Bagé, que o locutor anunciou que a primeira

mulher a ir lá à pista e dropar uma rampa ia levar aquele look todo rosa. Ela foi correndo e

ganhou” (Relato, Diário de rua, abril de 2015)

Com base nessa cena, passo a problematizar essa relação sexo-cor, e os efeitos de produção

de sentidos à presença de uma menina skatista em meio aos homens daí gerados. Aqui, mesmo

produzindo fissuras enquanto praticante e competidora, a menina incorpora o “cor-de-rosa” como

marcador de uma subjetividade que se feminiliza e assim se legitima nesse espaço. Logo, passo a

vislumbrar o “ser skatista mulher, mas amar o rosa” como atitude-limite de liberdade e ruptura com

as tendências masculinizantes do território, uma vez que nunca é possível resistir a tudo. “Inexiste

mundo sem forças. As relações de poder decorrem de um mundo de forças em afrontamento entre

campos de intensidades diferentes” (BRANCO, 2011, p. 139). Assim, a reserva de uma premiação

cor-de-rosa e a própria individualização de uma feminilidade em meio a um território

Page 7: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

7

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

predominantemente masculino, torna visível a atuação de linhas de forças que, ainda hoje, atuam

sobre as mulheres que ousam habitar espaços inventivos e libertários no esporte, em detrimento de

uma subjetividade maternal historicamente fabricada e dotada de perigos à feminilidade. Na cena

em questão, é possível ser skatista em meio aos homens, desde que cor-de-rosa.

CENA 3: As mulheres, o skate e o hip hop

Observando o 1º Intervenção Hip Hop Extremo Sul, no multipalco da Avenida Cassino, verão de

2015, noto o anúncio da realização de uma competição de skate nos obstáculos móveis dispostos

na rua, junto às atividades de grafite, rap e break, que ocorriam no local. Ao final do evento, por

volta das 22 h, é anunciada no palco uma batalha de b-girls, como última apresentação do evento.

Uma das meninas, também skatista, junto à outra, se apresentaram e mostraram domínio da dança.

Foram realizados três rounds para haver desempate, já que os aplausos se mostravam quase

unânimes para as duas. Após, o locutor profere uma fala com relação às meninas: “Isso aqui é pra

todos vocês verem que no rap, no skate e na arte urbana não há preconceito e nem machismo.

Homem e mulher aqui são iguais!”. Minutos após, são divulgados os resultados e entregues os

brindes da competição de skate, dos b-boys e das b-girls. Os locutores decidiram dividir a

premiação para as duas meninas por considerarem que seria injusto premiar somente uma delas.

Aliás, como disse o rapaz: “Elas representaram, mostraram presença, e é isso que importa!”. E

como não pude deixar de notar, ao fundo da sua fala, num tom mais baixo, tocava “Estilo

Cachorro” do Racionais MC´s. (Relato, Diário de Rua, janeiro de 2015)

Aqui destaco essa necessidade de anunciar a presença de mulheres no evento num cenário

marcado pela presença e comando de homens, como uma espécie de colocação estratégica da

mulher em destaque, num contexto atual de visibilidade feminina, em que as questões das mulheres

assumem protagonismo e destaque no campo legislativo, midiático e cultural. Passo a conectar as

falas: “isso aqui é pra verem que no rap, no skate e na arte urbana não há preconceito e nem

machismo” e “mostrar presença é o que importa”, a uma série de acontecimentos que,

especialmente, nesse momento, vem produzindo um desequilíbrio nas relações de poder

assimétricas entre homens e mulheres, pelo menos, no campo das estratégias e respostas

construídas.

No campo legislativo, a lei do feminicídio foi aprovada e uma série de campanhas e

protestos em prol da legalização do aborto e direito ao próprio corpo vem sendo tocadas por

mulheres em oposição à bancadas conservadoras no Congresso. No campo midiático, inúmeras

campanhas virtuais como #meuamigosecreto e #meuprimeiroassédio emergiram, denunciando

situações de opressão, violência, desigualdade e assédio vivido por mulheres, bem como, diversas

celebridades televisivas pronunciaram-se, via redes sociais e outras mídias, sobre desigualdade de

gênero e violência sexual. No campo educacional, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)

Page 8: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

8

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

tematizou a “persistência da violência contra a mulher”, referenciando a feminista e teórica francesa

Simone de Beauvoir. No campo cultural, o ano protagonizou falas de premiações consagradas,

reivindicando igualdade de gênero na indústria cinematográfica, como o de Patrícia Arquette,

vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano, bem como divulgou o lançamento do filme

“As sufragistas”, contando parte da história das mulheres pelo direito ao voto, anunciado como o

primeiro filme dirigido, roteirizado e protagonizado só por mulheres.

Passo a notar que, em tempos marcados por processos de normalização que se ajustam às

mais diferentes realidades e desejos emergentes, o desejo de “correr pelo certo” observado nos

territórios contemporâneos do sujeito skatista (TEIXEIRA, SILVA, 2017) passa também por uma

inclusão das mulheres às suas práticas7. O que experimento aqui, é um exercício de suspeita desse

movimento de “controle da inclusão e participação” (PASSETI, 2011) das mulheres nos espaços

predominantemente masculinos como prática benevolente, demonstrando, pelo contrário, o caráter

estratégico dessas ações num contexto contemporâneo de popularização do feminismo. Margareth

Rago (2015) vai anunciar que hoje o feminismo está na moda, virou pop. “E que bom!”,

complementa a autora, uma vez que vivemos um tempo de lutas transversais, e que, cada vez mais,

ser feminista vem sendo algo mais possível que há alguns anos.

Nesse sentido, abrir passagem a um devir-mulher8 no território skatista passa menos por

uma atitude de resistência aos poderes generificantes e hierarquizantes dos sexos, e mais como

manobra estratégicamente articulada ao “jogo do momento”, em que negar a participação da mulher

e as questões feministas caminham na contramão das ações políticas de grupos jovens

contemporâneos que procuram se afirmar no espaço público e conduzir a si mesmos. Para Passeti

(2011), “vivemos um tempo em que não se investe mais em detruir ou minimizar as resistências,

mas em capturá-las e incluí-las, por meio da convocação à participação” (p. 114). Ao mesmo tempo

em que podemos comemorar, assim como Rago (2015), “um mundo muito mais feminista” (s/p), é

preciso fazer o exame constante de sua inclusão como pauta por grupos, programas, mídias e ações

políticas em ascensão nos dias atuais, já que “nem tudo é ruim, mas tudo é perigoso” (FOUCAULT,

1995, p.256)

7 Conecto a essa articulação estratégica de homens às questões das mulheres ao movimento mundial “Eles por Elas”,

tomado pela ONU com um “um esforço global para envolver homens e meninos na remoção das barreiras sociais e

culturais que impedem as mulheres de atingir seu potencial, e ajudar homens e mulheres a modelarem juntos uma nova

sociedade”. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/elesporelas/. Acesso em: 03. Julh. 2017. 8 “A ideia de reconhecimento de identidade eu oporia uma ideia de processos transversais, de devires subjetivos que se

instauram através dos indivíduos e dos grupos sociais. A ideia de devir está ligada à possibilidade ou não de um

processo de singularizar. Singularidades femininas, poéticas, homossexuais ou negras podem entrar em ruptura com as

estratificações dominantes” (GUATTARI, ROLNIK, 2012, p. 86)

Page 9: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

9

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

CENA 4: Um minuto de silêncio

Foi durante o aquecimento da categoria Amador Open no evento Skate Summer que me deparo

com um acontecimento que me interpelou e tornou-se digno de relato. Do outro lado da Avenida

passava uma espécie de caminhão-trio elétrico, com um som muito alto, com algumas pessoas em

cima, divulgando um evento que aconteceria no balneário Cassino no dia seguinte. A voz feminina

um tanto rouca no microfone anunciava a Parada Gay Livre 2015, evento anual que tem por

objetivo “vencer todo o tipo de preconceito, não só o de gênero”, segundo as trans locutoras.

Logo, ao avistar a presença dos skatistas, uma delas realiza um contato com os mesmos, através do

microfone em volume máximo: “Vocês, skatistas, venham lutar contra o preconceito conosco. Nós

sabemos o quanto vocês também precisam vencer a discriminação, estamos todos juntos, vamos

juntos na luta contra o preconceito”. Logo, percebo que um grupo muito pequeno de skatistas, ao

ouvir a voz, ainda um pouco distante, começa a erguer os braços com os punhos fechados e a

pular, como se apoiassem a iniciativa. Logo, um deles agarra outro pelo braço e diz: “tu é louco

meu, vais apoiar esses viados” (acompanhado de risos). Os braços logo descem ao lado do corpo,

e alguns sorrisos constrangidos dão rapidamente lugar a uma série de sorrisinhos de ironia. Os

skates foram ao chão e sequer devolveram o sinal de cumplicidade e solidariedade estabelecido

pelas pessoas trans. A maioria esmagadora de skatistas no local se mostrou apática e imobilizada,

como se aquele som estrondoso do microfone não os estivesse chamando para um diálogo de

semelhantes, mas sim, tivesse instaurado um estranhamento, ou constrangimento. (Relato, Diário

de rua, fevereiro de 2015)

Diferentemente das relações com as mulheres, que, na contemporaneidade, apresenta traços

de legitimidade e consagração estratégica às práticas “de correr pelo certo” pelos skatistas, o

contato com os sujeitos trans demonstram a existência de uma heteronormatividade compondo

fortemente suas subjetividades no presente.

Em nossa sociedade, a norma que se estabelece historicamente remete ao homem branco,

heterossexual, de classe média, urbano e cristão, e essa passa a ser a referência que não

precisa mais ser nomeada. Serão os “outros” sujeitos sociais que se tornarão marcados, que

se definirão e serão denominados a partir dessa referência. Desta forma, a mulher é tomada

como o segundo sexo e gays e lésbicas descritos como desviantes da norma heterossexual

(LOURO, 2000, p. 15)

Mesmo que os skatistas produzam certas fissuras nas normas sobre a ocupação e circulação

na cidade habitando ruas e arquiteturas de modo inventivo, no que se refere a outras maneiras de

exercer a sexualidade e conduzir o próprio corpo, a relação possível estabelecida pelos skatistas

ainda é de estranhamento e apatia9. Guacira Louro vai nos remeter que “a admissão de uma nova

9 Em 2013, uma revista especializada em Skate, intitulada “Vista” publica em sua capa um beijo gay com a seguinte

legenda “Quando dois skatistas se beijam”, com o intuito de introduzir a discussão entre os skatistas. A referida capa foi

alvo de uma série de polêmicas e de revoltas pelo seu público leitor. Em virtude de tais acontecimentos, o fotógrafo

responsável pela capa foi chamado a se pronunciar por outras mídias especializadas, principalmente, no que se refere

aos possíveis motivos de tamanha repercussão. Ele anuncia, em novembro de 2013, ao blog de skate “Vice”, que “o

skatista se acha muito diferente, muito à parte da sociedade, mas reproduz doutrinamentos exatamente iguais a todo

Page 10: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

10

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

identidade sexual é considerada uma alteração essencial, que atinge a ‘essência’ do sujeito” (2000,

p. 13). Nesse sentido, deixar-se atravessar por um devir trans, agenciando à figura do sujeito

skatista à outras subjetividades minoritárias contemporâneas, passa por deixar afetar-se por esse

outro sexual, instituinte não só na figura da mulher, mas, sobretudo, desses sujeitos que exercitam

um modo de vida gay como prática de liberdade (PAIVA, 2011). Aqui, torna-se ainda mais evidente

o caráter provisório e dinâmico das resistências, uma vez que mesmo conduzindo suas condutas na

direção de uma outra relação com o esporte, com a estética, com a cidade, entre outros, o território

existencial do skatista street ainda inscreve-se sobre as linhas rígidas identitárias do ser: ser homem,

ser mais habilidoso tecnicamente no esporte, ser macho, ser hétero.

Em meio a um contexto sócio-cultural de fervilhar de políticas de inclusão de minorias e de

disseminação de discursos anti-homofóbicos pelas mais diversas instâncias, ainda é possível

experimentarmos territórios existenciais skatistas sedentários no que se refere aos seus corpos e

sexualidades. Aqui, um devir trans despertado provocou menos passagem e abertura à

singularização e mais reterritorialização histórica sob a figura do skatista rebelde. Rebelde, mas

nem tanto, e não com relação a tudo.

Referências

ALVAREZ, J; PASSOS, E. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, E;

KASTRUP, V; ESCÓSSIA, L. In: Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção e

produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012.

BRANCO, G. Atitude-limite e relações de poder: uma interpretação sobre o estatuto da liberdade

em Michel Foucault. ALBUQUERQUE, Durval; VEIGA-NETO, Alfredo; FILHO, Alípio (orgs).

Cartografias de Foucault. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p. 137-147.

BRANDÃO, L. De Jânio Quadros a Luiza Erundina: uma história da proibição e do incentivo ao

skate na cidade de São Paulo. Projeto História, São Paulo, n. 49, p.296-323, Abril de 2014.

_____. Entre a marginalização e a esportivização: Elementos para uma história da juventude

skatista no Brasil. Revista de História de Esporte, volume 1, número 2, dezembro de 2008.

CBSK. Penetração e Perfil dos Praticantes do skate, Data Folha (2015_. Disponível

em:http://umti.dyndns.info:8040/uploads/ckeditor/attachments/4449/Pesquisa_Datafolha_2015.pdf.

Acessado em: 03 julh. 2017

____. Modalidades do skate. Disponível em: http://umti.dyndns.info:8040/paginas/categorias.

Acessado em: 03 julh. 2017.

mundo. Ele é extremamente homofóbico e machista” (LOPES, s/p). Disponível em:

http://www.vice.com/pt_br/read/quando-dois-skatistas-se-beijam.

Page 11: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

11

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

DELEUZE, G; PARNET, C. L'abécédaire de Gilles Deleuze, entrevista feita por Claire Parnet,

filmada e dirigida por Pierre-André Boutang. Paris: Vidéo 202 Éditions Montparnasse, 1996

DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs: capistalismo e esquizofrenia. Vol. 5. São Paulo, Editora

34, 1997, 240 p.

FIGUEIRA, M; GOELLNER, S. Skate e mulheres no Brasil: fragmentos de um epsorte em

construção. Revista Brasileira de Ciencias do Esporte, Campinas, v. 30, n. 3, p. 95-110, maio 2009.

FONSECA, M. A época da norma. Disponível em: HTTP: < https://revistacult.uol.com.br/home/a-

epoca-da-norma/ >. Acesso em: 03 julh. 2017.

FOUCAULT, M. Do Governo dos Vivos: curso no College de France (1979-1980). São Paulo,

Editora WMF, Martins Fontes, 2014.

____________. História da Sexualidade 1: a vontade de saber Vol. 1, 1. Ed. São Paulo: Paz e

Terra, 2014, 174 p.

___________. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault:

uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1995, p. 231-249.

___________. Sobre a genealogia da ética: uma revisão do trabalho. In: DREYFUS, Hubert;

RABINOW, Paul. Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da

hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 253-278.

GOELLNER, S. Mulher e esporte no Brasil: entre incentivos e interdições elas fazem história.

Pensar a Prática, vol. 8, n. 1, jan.-jun, p. 85-100, 2005.

__________Bela, maternal e feminina: Imagens da mulher na Revista Educação Physica. Ijuí:

Unijuí, 2003 (Coleção Educação Física).

GUATTARI, F; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes,

2013, 439 p.

LOPES, D. Quando dois skatistas se beijam. Revista Vice. Disponível em:

https://www.vice.com/pt_br/article/mgq773/quando-dois-skatistas-se-beijam Acesso em 03 de julh.

2017.

LOURO, G. O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 9-

34.

OLIVEIRA, T; PARAÍSO, M. Mapas, danças, desenhos: a cartografia como método de pesquisa

em educação. Pro-posições, vol. 23, n. 3 (69), p. 159-178, set/dez, 2012.

ONU Mulheres, Movimento Eles por Elas. Disponível em:

http://www.onumulheres.org.br/elesporelas/. Acesso em 03 de julh. De 2017.

Page 12: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

12

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

PAIVA, A. Amizade e modos de vida gay: por uma vida não fascista. ALBUQUERQUE, Durval;

VEIGA-NETO, Alfredo; FILHO, Alípio (orgs). Cartografias de Foucault. 2ª ed. Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2011, p. 53-67.

PASSOS, E; KASTRUP, V; ESCÓSSIA, L. Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção

e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012, 207 p.

PASSETI, E. Michel Foucault e os guerreiros insurgentes: anotações sobre coragem e verdade no

anarquismo contemporâneo. ALBUQUERQUE, Durval; VEIGA-NETO, Alfredo; FILHO, Alípio

(orgs). Cartografias de Foucault. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p. 109-121.

RAGO, M. O feminismo está na moda. Virou Pop. Instituto Geledés. Disponível em:

https:<//www.geledes.org.br/margareth-rago-o-feminismo-esta-na-moda-virou-pop/#gs.YoGJri8>.

Acesso em 03 julh. 2017.

REVEL, J. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005, 96 p.

SWAIN, T. Para além do sexo, por uma estética da liberação. ALBUQUERQUE, Durval; VEIGA-

NETO, Alfredo; FILHO, Alípio (orgs). Cartografias de Foucault. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica

Editora, 2011, p. 393-405.

TEIXEIRA, J. Cenas urbanas: skatistas, ocupação da cidade e produção de subjetividades. 2016.

111 f. Dissertação (mestrado), Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Programa de Pós-

Graduação em Educação em Ciências: Química da vida e saúde (PPGEC), Rio Grande, RS.

TEIXEIRA, J; SILVA, M. Skatistas “correndo pelo certo”: normalização e produção de

subjetividades na contemporaneidade. Movimento, Porto Alegre, vol. 23, n. 2, abr.jun. 2017, p.

559-574.

Skate street and minority becoming: (de) territorialization of the subject skateboarder.

Abstract: This summary is part of a master's study that aimed map the process of occupation of the

streets by the skaters street from Rio Grande/RS, in view of the production of subjectivities in their

relations with moral truths and social norms in force. The social cartography was used as

theoretical-methodological referential and the empirical material it was treated of registered records

on a Street diary. Here I present connections between a male subjectivity and heteronormative

historically individualized in the skaters and becoming woman and trans in the occupied spaces.

The reports entitled "Female bodies in the area" and "Pink skateboarder", demonstrate different

performances of be woman in the spaces of practice, making visible the relations of power and of

normalization between the feminities in play. In "The women, the skate and the hip-hop" are

highlighted relationships of approach of the skater subject with the women practitioner in order to

produce strategic meanings of legitimacy to itself in times of feminine empowerment. And lastly in

"One minute of silence" I present sketches of one heteronormative discomfort in the skaters when

articulating themselves with trans people, even in a moment of ascension of politics and combat

speeches against the homophobia and transphobia. As soon, we contact that the skatistic

subjectivities still present traces of misogyny and heteronormative ongoing, including, in practices

of inclusive character of such minorities and, paradoxically, under the slogan of revolutionary.

Page 13: SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS …€¦ · SKATE STREET E DEVIRES MINORITÁRIOS: (DES)TERRITÓRIOS DO SUJEITO SKATISTA Juliana Cotting Teixeira1 Resumo: Esse

13

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Key words: Skateboard; Subjectivity; Women; Trans; Becoming Minority.