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Ensaio filosófico.
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1
A lgica de Aristteles
Robin Smith1
A lgica de Aristteles, especialmente sua teoria do silogismo, teve uma
influncia sem paralelo na histria do pensamento ocidental. Ela nem sempre esteve
nessa posio: no perodo Helenista, a lgica estica, e em particular a obra de
Crisipo, teve lugar de maior destaque. Porm, na Antigidade tardia, seguindo a obra
dos comentadores aristotlicos, a lgica de Aristteles se tornou dominante, e a lgica
aristotlica foi o que se transmitiu s tradies medievais latina e rabe, enquanto as
obras de Crisipo no sobreviveram.
Esta posio histrica nica nem sempre contribuiu para o entendimento das
obras lgicas de Aristteles. Kant pensava que Aristteles havia descoberto tudo o
que havia para se descobrir sobre lgica, e o historiador da lgica Prantl traou o
corolrio de que qualquer lgico que depois de Aristteles dissesse qualquer coisa
nova era confuso, estpido ou perverso. Durante a ascenso da lgica formal moderna
na esteira de Frege e Peirce, seguidores da lgica tradicional (vista como a
descendente da lgica aristotlica) e da nova lgica matemtica tendiam a se ver como
rivais, com noes incompatveis de lgica. Trabalhos mais recentes tm aplicado as
prprias tcnicas da lgica matemtica s teorias de Aristteles, revelando (na opinio
de muitos) muitas similaridades de abordagem e de interesses entre Aristteles e os
lgicos modernos.
Esse artigo escrito desta perspectiva mais recente. Como tal, ele trata da
lgica de Aristteles, o que nem sempre quer dizer a mesma coisa que aquilo que foi
chamado de lgica aristotlica.
1. Introduo
2. As Obras Lgicas de Aristteles: O Organon
3. O Assunto da Lgica: Silogismos 4. Premissas: As Estruturas das Asseres
5. A Silogstica
6. Demonstraes e Cincias Demonstrativas
1 Publicado na Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-logic/) em 14/12/2007 (ltima verso). Traduo de Henrique Brum e Vnia Silva, para uso didtico apenas.
2
7. Definies
8. Argumento Dialtico e a Arte da Dialtica
9. Dialtica e Retrica
10. Argumentos Sofsticos
11. No-Contradio e Metafsica
12. Tempo e Necessidade: A Batalha Naval 13. Glossrio da Terminologia Aristotlica
14. Bibliografia
I. Introduo
As obras lgicas de Aristteles contm o primeiro estudo formal da lgica que se
conhece. Portanto, do maior destaque que juntas elas compem uma teoria lgica
altamente desenvolvida, uma que foi capaz de despertar imenso respeito por muitos
sculos: Kant, que estava dez vezes mais distante de Aristteles do que estamos dele,
chegou a afirmar que nada de significante havia sido adicionado s idias de Aristteles
nos dois milnios que os separavam.
No ltimo sculo, a reputao de Aristteles como lgico sofreu dois reveses de
destaque. A ascenso da lgica formal moderna seguindo a obra de Frege e Russell
trouxe consigo o reconhecimento de muitas limitaes srias da lgica de Aristteles;
hoje, poucos tentariam sustentar que ela adequada como base para o entendimento
da cincia, da matemtica ou mesmo da argumentao ordinria. Ao mesmo tempo,
acadmicos treinados nas modernas tcnicas formais tm chegado a enxergar
Aristteles com um novo respeito, no tanto pela correo de seus resultados, mas
pela grande similaridade de esprito entre muito de sua obra e a lgica moderna.
Como afirma Jonathan Lear, Aristteles compartilha com os lgicos modernos um
interesse fundamental em metateoria: seu objetivo primrio no oferecer um guia
prtico para argumentao, mas estudar as propriedades dos sistemas de inferncias
eles mesmos.
3
2. As obras lgicas de Aristteles: O Organon
Os antigos comentadores agruparam vrios tratados de Aristteles sob o ttulo de
Organon (Instrumento) e os consideraram como constituindo suas obras lgicas:
1. Categorias
2. Da Interpretao
3. Primeiros Analticos
4. Segundos Analticos
5. Tpicos
6. Refutaes Sofsticas
De fato, o ttulo Organon reflete uma controvrsia muito mais tardia sobre se a
lgica uma parte da filosofia (como os esticos sustentavam) ou meramente uma
ferramenta usada pela filosofia (como os peripatticos tardios pensavam); chamar os
trabalhos lgicos de Instrumento uma maneira de escolher um partido na
discusso. O prprio Aristteles nunca usa esse termo, nem fornece muitas indicaes
de que estes tratados particulares formam algum tipo de grupo, embora haja
freqentes referncias cruzadas entre os Tpicos e os Analticos. Por outro lado,
Aristteles trata os Primeiros e os Segundos Analticos como uma nica obra e as
Refutaes Sofsticas como uma seo final, ou um apndice, aos Tpicos. A esses
trabalhos deveria ser adicionada a Retrica, que declara explicitamente sua relao com
os Tpicos.
3. O assunto da lgica: Silogismos
Toda lgica de Aristteles gira em torno de uma noo: a deduo
(sullogismos). Uma explicao meticulosa do que a deduo, e do que ela composta,
vai necessariamente nos levar atravs do todo de sua teoria. O que , ento, uma
deduo? Aristteles diz:
Uma deduo uma locuo (logos) em que, uma vez que certas coisas
sejam supostas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamente devido
4
mera presena dessas suposies como tais. (Primeiros Analticos I.2, 24b
18-20)
Cada uma das coisas supostas uma premissa (protasis) do argumento, e a
coisa distinta que necessariamente se segue a concluso (sumperasma).
O mago desta definio a noo de se seguir necessariamente (ex ananks
sumbainein). Isto corresponde noo moderna de conseqncia lgica: X resulta
necessariamente de Y e Z se for impossvel que X seja falso quando Y e Z forem
verdadeiros. Poderamos, portanto, tomar isto como uma definio geral de
argumento vlido.
3.1. Induo e deduo
A deduo uma das duas espcies de argumentos reconhecidas por
Aristteles. A outra espcie a induo (epagg). Ele tem mito menos a dizer sobre
esta do que sobre a deduo, fazendo pouco mais que caracteriz-la como o
argumento do particular para o universal. No entanto, a induo (ou algo muito
parecido com ela) desempenha um papel crucial na teoria do conhecimento cientfico
nos Segundos analticos: a induo, ou, em todo caso, um processo cognitivo que se
move dos particulares s suas generalizaes, que a base do conhecimento dos
primeiros princpios indemonstrveis das cincias.
3.2. Dedues aristotlicas e os argumentos vlidos modernos
Apesar de sua ampla generalidade, a definio de Aristteles de deduo no
um modelo preciso para a definio moderna de validade. Algumas das diferenas
podem ter importantes conseqncias:
1. Aristteles explicitamente diz que o que necessariamente resulta deve
ser diferente do que suposto. Isso excluiria argumentos nos quais a
concluso idntica a uma das premissas. Noes modernas de
5
validade consideram tais argumentos como vlidos, ainda que de
maneira trivial.
2. O fato de uma vez que certas coisas sejam supostas estar no plural
foi considerado por alguns comentadores antigos como uma forma de
excluir argumentos com apenas uma premissa.
3. A fora da qualificao devido mera presena dessas suposies
como tais foi por vezes vista como excluindo argumentos nos quais a
concluso no relevante para as premissas, por exemplo,
argumentos nos quais as premissas so inconsistentes, argumentos com
concluses que se seguiriam de toda premissa, quaisquer que elas
fossem, ou argumentos com premissas suprfluas.
Dessas trs restries possveis, a mais interessante seria a terceira. Isso
poderia ser (e foi) interpretado como comprometendo Aristteles com uma lgica de
relevncia. De fato, h passagens que parecem confirmar isso. No entanto, esse
assunto complexo demais para o discutirmos aqui.
Embora a definio seja passvel de interpretaes, est claro que Aristteles
no pretende restringi-la apenas a uma subdiviso dos argumentos vlidos. por isso,
que traduzi sullogismos como deduo invs de por seu cognato em portugus. No
uso moderno, silogismo significa um argumento com uma forma muito especfica.
Alm disso, o uso moderno faz a distino entre silogismos vlidos (cujas concluses
se seguem de suas premissas) e silogismos invlidos (cujas concluses no se seguem
de suas premissas). O segundo caso inconsistente com o uso de Aristteles: uma vez
que ele define um sullogismos como um argumento no qual a concluso resulta
necessariamente das premissas, sullogismos invlidos uma contradio em termos. O
primeiro caso tambm no mnimo altamente enganoso, j que Aristteles no parece
pensar que os sullogismoi so simplesmente uma interessante subdiviso dos
argumentos vlidos. Alm disso (ver abaixo), Aristteles despende grandes esforos
para argumentar que cada argumento vlido, no sentido amplo, pode ser reduzido a
um argumento ou sries de argumentos, em algo parecido com uma das formas
tradicionalmente chamadas de silogismo. Se traduzirmos sullogismos como silogismo,
isso se torna a alegao trivial todo silogismo um silogismo.
6
4. Premissas: As Estruturas das Asseres
Silogismos so estruturas de sentenas nas quais cada uma pode
significativamente ser chamada de verdadeira ou falsa: asseres (apophanseis), na
terminologia de Aristteles. De acordo com Aristteles cada sentena como esta deve
ter a mesma estrutura: ela deve conter um sujeito (hupokeimenon) e um predicado
e deve tambm afirmar ou negar o predicado do sujeito. Assim, toda assero
tambm ou a afirmao (kataphasis) ou a negao (apophasis) de um nico
predicado de um nico sujeito.
No Da Interpretao, Aristteles argumenta que uma nica assero deve
sempre afirmar ou negar um nico predicado de um nico sujeito. Assim, ele no
reconhece compostos sentenciais, como conjunes e disjunes, como asseres
simples. Esta parece ser uma escolha deliberada de sua parte: ele argumenta, por
exemplo, que uma conjuno simplesmente uma coleo de asseres, que no tem
mais unidade intrnseca do que a seqncia de sentenas em uma longa considerao (a
Ilada inteira, para tomar o exemplo do prprio Aristteles). Uma vez que ele tambm
trata as negaes como uma das duas espcies bsicas de asseres, ele no v as
negaes como compostos sentenciais. Seu tratamento das sentenas condicionais e
das disjunes mais difcil de avaliar, mas fica de todo modo claro que Aristteles
no fez esforos para desenvolver uma lgica sentencial. Algumas conseqncias disso
para a sua teoria da demonstrao so importantes.
4.1. Termos
Sujeitos e predicados de asseres so termos. Um termo (horos) pode ser
tanto individual, por exemplo, Scrates, Plato, quanto universal, por exemplo, homem,
cavalo, animal e branco. Sujeitos podem ser tanto individuais quanto universais, mas
predicados podem ser apenas universais: Scrates homem, Plato no um cavalo,
Cavalos so animais, Homens no so cavalos.
A palavra universal (katholou) parece ser uma criao aristotlica.
Literalmente, ela quer dizer de um todo; seu oposto , portanto, de um particular
(kath hekaston). Termos universais so aqueles que podem propriamente servir como
predicados, enquanto termos particulares so aqueles que no podem.
7
Essa distino no simplesmente uma questo de funo gramatical. Ns
podemos prontamente construir uma sentena com Scrates como seu predicado
gramatical: A pessoa sentada Scrates. Aristteles, no entanto, no considera isto
uma predicao genuna. Ao contrrio, ele a chama de uma predicao meramente
acidental ou incidental (kata sumbebkos). Tais sentenas so, para ele,
dependentes em seus valores de verdade de outras predicaes genunas (neste caso,
Scrates est sentado).
Conseqentemente, a predicao para Aristteles tanto uma questo
metafsica quanto uma questo de gramtica. A razo pela qual o termo Scrates um
termo individual e no um universal que a entidade que ele designa um indivduo,
no um universal. O que faz de branco e homem termos universais que eles designam
universais.
Discusses posteriores sobre estas questes podem se encontradas no verbete
sobre a metafsica de Aristteles2.
4.2. Afirmaes, negaes e contradies
Aristteles despende certo esforo no Da Interpretao para argumentar que a
cada afirmao corresponde exatamente uma negao tal que o que ela nega
exatamente o que a afirmao afirma. O par constitudo de uma afirmao e de sua
correspondente negao uma contradio (antiphasis). Em geral, sustenta
Aristteles, apenas um membro de qualquer contradio verdadeiro e um falso:
eles no podem ser ambos verdadeiros, nem ambos falsos. No entanto, aparentemente
ele abre uma exceo para proposies que tratam de eventos futuros, embora os
intrpretes tenham debatido extensivamente sobre o que poderia ser essa exceo
(ver a discusso posterior abaixo). O princpio de que os dois membros de um par
contraditrio no podem ser ambos verdadeiros tem importncia fundamental na
metafsica de Aristteles (ver discusso posterior abaixo).
2 Cf. Marc Cohen S., Aristotles Metaphysics in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-metaphysics/) em 09/06/2008 (ltima verso). (N. dos T.)
8
4.3. Todo, algum e nenhum
Uma grande diferena entre o entendimento de Aristteles da predicao e a
lgica moderna (isto , ps-fregeana) que Aristteles trata as predicaes individuais
e as gerais como similares em suas formas lgicas: ele fornece a mesma anlise para
Scrates um animal e Homens so animais. No entanto, ele percebe que quando
o sujeito um universal, a predicao toma duas formas: ela pode ser ou universal
ou particular. Essas expresses tm um paralelo com aquela com que Aristteles
distingue termos universais e particulares, e Aristteles est consciente disto,
distinguindo explicitamente entre ser um termo universal e ser um termo
universalmente predicado de outro.
O que quer que seja afirmado ou negado de um sujeito universal pode ser
afirmado ou negado dele universalmente (katholou ou de todos, kata pantos),
em parte (kata meros, men merei) ou indefinidamente (adihoristos).
Afirmaes Negaes
Universal P afirmado de
todos os S
Cada S P,
Todo(s) S (so) P
P negado de
todos os S
Nenhum S
P
Particular
P afirmado de
algum S
Algum(ns) S (so)
P
P negado de
algum S
Algum S no
P, Nem
todo S P
Indefinida P afirmado de S S P P negado de S S no P
4.3.1. O Quadrado de oposies
No Da Interpretao Aristteles expe como se segue as relaes de
contradies para sentenas com sujeitos universais:
Afirmao Negao
Universal Todo A B Nenhum A B
Particular Algum A B Nem todo A B
9
Embora aparentemente simples, esta tabela levanta importantes dificuldades de
interpretao (para uma discusso detalhada, ver o verbete sobre o quadrado de
oposies3).
Nos Primeiros Analticos Aristteles adota uma maneira algo artificial de
expressar predicaes: em vez de dizer X predicado de Y ele diz X pertence
(huparchei) a Y. Isto realmente deveria ser considerado como uma expresso tcnica.
O verbo huparchein usualmente significa tanto comear quanto existir, estar
presente, e o uso de Aristteles parece ser um desenvolvimento deste ltimo
sentido.
4.3.2. Algumas abreviaes convenientes
Por uma questo de clareza e brevidade, eu usarei as seguintes abreviaes
semi-tradicionais para as sentenas categricas aristotlicas (note-se que o termo
predicado vem em primeiro lugar e o termo sujeito em segundo).
5. A Silogstica
A mais famosa conquista de Aristteles como lgico a sua teoria da
inferncia, tradicionalmente chamada de silogstica (embora no por Aristteles).
Aquela teoria de fato a teoria de uma classe tipo muito especfica de inferncias:
inferncias com duas premissas, cada uma sendo uma sentena categrica, tendo
exatamente um termo em comum, e tendo como concluso uma sentena categrica
cujo os termos so exatamente aqueles dois termos no partilhados pelas premissas.
3 Cf. Parsons, T., The traditional square of opposition in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/square/) em 01/10/2008 (ltima verso). (N. dos T.)
Abreviao Sentena
Aab a pertence a todos os b (Todo b a)
Eab a no pertence a nenhum b (Nenhum b a)
Iab a pertence a algum b (Algum b a)
Oab a no pertence a todos os b (Algum b no a)
10
Aristteles chama o termo compartilhado pelas premissas de termo mdio (meson)
e cada um dos outros dois termos das premissas de um extremo (akron). O termo
mdio deve ser ou o sujeito ou o predicado de cada premissa, e isso pode ocorrer de
trs formas: o termo mdio pode ser o sujeito de uma premissa e o predicado da
outra, o predicado de ambas as premissas, ou o sujeito de ambas as premissas.
Aristteles refere-se a estes arranjos de termos como figuras (schmata):
5.1. As Figuras
Primeira Figura Segunda Figura Terceira Figura
Predicado Sujeito Predicado Sujeito Predicado Sujeito
Premissa a b a b a c
Premissa b c a c b c
Concluso a c b c a b
Aristteles chama o termo que predicado da concluso de termo maior e o
termo que sujeito da concluso de termo menor. A premissa que contm o termo
maior a premissa maior, e a premissa que contm o termo menor a
premissa menor.
O procedimento de Aristteles , portanto, uma investigao sistemtica das
possveis combinaes de premissas em cada uma das trs figuras. Para cada
combinao, ele procura demonstrar que alguma concluso se segue necessariamente
ou demonstrar que nenhuma concluso se segue. Os resultados que ele apresenta
esto exatamente corretos.
5.2. Mtodos de prova: Converso e Reduo
Aristteles mostra cada forma vlida como sendo vlida mostrando como
construir uma deduo de sua concluso a partir de suas premissas. Essas dedues,
por sua vez, podem tomar uma dessas duas formas: dedues diretas ou
probativas (deiktikos) e dedues pelo impossvel (dia to adunaton).
Uma deduo direta uma srie de passos que levam das premissas s
concluses, cada um deles sendo ou uma converso de um passo anterior ou uma
inferncia de dois passos anteriores que se embasa em uma deduo de primeira
11
figura. Fazer uma converso, por sua vez, significa inferir a partir de uma proposio
uma outra, que tem o sujeito e o predicado invertidos. Especificamente, Aristteles
argumenta que trs dessas converses so vlidas:
Eab Eba
Iab Iba
Aab Iba
Ele justifica isso nos Primeiros Analticos I.2. De um ponto de vista moderno, a
terceira por vezes olhada com suspeita. Usando-a pode-se chegar a Alguns monstros
so quimera a partir da aparentemente verdadeira Todas as quimeras so monstros, mas a
primeira (a concluso) freqentemente construda como implicando, por sua vez, em
Existe algo que um monstro e uma quimera, ou seja, que h monstros e h quimeras.
De fato, isso simplesmente expe algo sobre o sistema de Aristteles: Aristteles,
com efeito, supe que todos os termos nos silogismos so no-vazios. (Para uma
discusso ulterior desse ponto, ver o verbete sobre o quadrado de oposies4).
Como um exemplo deste procedimento podemos tomar a prova de Aristteles
de Camestres. Ele diz:
Se M pertence a todo N mas a nenhum X, ento tampouco ir N
pertencer a qualquer X. Pois se M no pertence a nenhum X, ento
tampouco X pertence a algum M; mas M pertencia a todo N; portanto,
X no pertencer a nenhum N (pois teve lugar a primeira figura). E uma
vez que a negao conversvel, tampouco ir N pertencer a qualquer
X. (Primeiros Analticos I.5, 27a9-12)
Deste texto podemos extrair uma prova forma exata, como se segue:
Passo Justificao Texto de Aristteles
1. MaN Se M pertence a todo N
2. MeX mas a nenhum X,
4 Cf. nota 3 supra. (N. dos T.)
12
A ser provado:
NeX
ento tampouco ir N pertencer a qualquer X.
3. MeX (2, premissa) Pois se M no pertence a nenhum X,
4. XeM (3, converso de e) ento tampouco X pertence a algum M;
5. MaN (1, premissa) mas M pertencia a todo N;
6. XeN (4, 5, Celarent) portanto, X no pertencer a nenhum N (pois
teve lugar a primeira figura).
7. NeX (6, converso de e) E uma vez que a negao conversvel,
tampouco ir N pertencer a qualquer X.
5.3 Mtodos de Refutao: Contra-exemplos e Termos
Aristteles prova a invalidade construindo contra-exemplos. Isto est muito no
esprito da teoria lgica moderna: tudo o que necessrio para mostrar que certa
forma invlida uma nica instncia de tal forma com premissas verdadeiras e uma
concluso falsa. No entanto, Aristteles apresenta seus resultados no dizendo que
certas combinaes premissa-concluso so invlidas, mas dizendo que certos pares de
premissas no silogizam: isto , que, dado o par em questo, podem ser construdos
exemplos nos quais premissas daquela forma so verdadeiras e uma concluso de
qualquer uma das quatro formas possveis falsa.
Quando possvel, ele faz isso por meio de um mtodo inteligente e econmico:
ele fornece dois trios de termos, um dos quais torna verdadeiras as premissas e
verdadeira uma concluso afirmativa universal, e o outro que torna verdadeiras as
premissas e verdadeira uma concluso negativa universal. O primeiro um contra-
exemplo para um argumento com uma concluso do tipo E ou O, e o segundo um
contra-exemplo para um argumento com uma concluso do tipo A ou I.
5.4 As Dedues nas Figuras (Modos)
Nos Primeiros Analticos I.4-6, Aristteles mostra que as combinaes de
premissas dadas na tabela a seguir geram dedues e que todas as outras combinaes
de premissas falham em gerar uma deduo. Na terminologia tradicional desde a Idade
13
Mdia, cada uma dessas combinaes conhecida como um modo (do latim modus,
que por sua vez uma traduo do grego tropos). Aristteles, no entanto, no usa essa
expresso e em vez disso se refere aos argumentos nas figuras.
Nessa tabela, separa as premissas da concluso; pode ser lido como
portanto. A segunda coluna lista o nome medieval mnemnico associado inferncia
(estes ainda so largamente usados, e cada um de fato um mnemnico para a prova
de Aristteles do modo em questo). A terceira coluna resume brevemente o
procedimento de Aristteles para demonstrar a deduo.
Tabela das Dedues nas Figuras
Forma Mnemnico Prova PRIMEIRA FIGURA Aab, Abc Aac Barbara Perfeito
Eab, Abc Eac Celarent Perfeito
Aab, Ibc Iac
Darii Perfeito: tambm por impossibilidade, de Camestres
Eab, Ibc Oac
Ferio Perfeito: tambm por impossibilidade, de Cesare
SEGUNDA FIGURA Eab, Aac Ebc
Cesare (Eab, Aac)(Eab, Aac) CelEbc
Aab, Eac Ebc
Camestres (Aab, Eac)(Aab, Eca)=(Eca, Aab) CelEcbEbc
Eab, Iac Obc
Festino (Eab, Iac)(Eba, Iac) FerObc
Aab, Oac Obc
Baroco (Aab, Oac +Abc) Bar(Aac, Oac) ImpObc
TERCEIRA FIGURA Aac, Abc Iab Darapti (Aac, Abc)(Aac, Icb) DarIab
Eac, Abc Oab
Felapton (Eac, Abc)(Eac, Icb) FerOab
Iac, Abc Iab
Disamis (Iac, Abc)(Ica, Abc)=(Abc, Ica) DarIbaIab
Aac, Ibc Iab
Datisi (Aac, Ibc)(Aac, Icb) DarIab
Oac, Abc Oab
Bocardo (Oac, +Aab, Abc) Bar(Aac, Oac) ImpOab
Eac, Ibc Oab
Ferison (Eac, Ibc)(Eac, Icb) FerOab
14
5.5. Resultados metatericos
Tendo estabelecido quais dedues nas figuras so possveis, Aristteles lista
uma multiplicidade de concluses metatericas, incluindo:
1. Nenhuma deduo tem duas premissas negativas
2. Nenhuma deduo tem duas premissas particulares
3. Uma deduo com uma concluso afirmativa deve ter duas premissas
afirmativas
4. Uma deduo com uma concluso negativa deve ter uma premissa negativa
5. Uma deduo com uma concluso universal deve ter duas premissas universais
Ele tambm prova o seguinte metateorema:
Todas as dedues podem ser reduzidas s duas dedues universais na
primeira figura.
Sua prova para isso elegante. Primeiro, ele mostra que as duas dedues
particulares da primeira figura podem ser reduzidas, via prova pela impossibilidade, s
dedues universais na segunda figura:
(Darii) (Aab, Ibc, +Eac) Camestres(Ebc, Ibc) ImpIac
(Ferio) (Eab, Ibc, +Aac) Cesare(Ebc, Ibc) ImpOac
Ele ento observa que, uma vez que ele j mostrou como reduzir todas as
dedues particulares nas outras figuras, exceto Baroco e Bocardo, para Darii e Ferio,
essas dedues podem ento ser reduzidas a Barbara e Celarent. Esta prova
impressionantemente similar, tanto em estrutura quanto em assunto, s provas
modernas da redundncia de axiomas em um sistema.
Muitos outros resultados metatericos, alguns deles bastante sofisticados, so
provados nos Primeiros Analticos I.45 e nos Segundos Analticos II. Como notado abaixo,
alguns dos resultados metatericos de Aristteles esto embasados nos argumentos
epistemolgicos dos Segundos Analticos.
15
5.6. Silogismos com modalidades
Aristteles continua seu tratamento dos argumentos nas figuras com uma
discusso muito mais longa e problemtica sobre o que acontece a esses argumentos
representados quando adicionamos as qualificaes necessariamente e
possivelmente s suas premissas de vrias formas. Em contraste com a silogstica em
si mesma (ou, como os comentadores gostam de cham-la, a silogstica assertrica),
essa silogstica modal parece ser muito menos satisfatria, alm de ser certamente
muito mais difcil de interpretar. Aqui, eu apenas perpasso por alto o pensamento de
Aristteles sobre esse assunto e fao notar alguns dos pontos principais das
controvrsias interpretativas.
5.6.1. As definies das modalidades
A lgica modal moderna trata a necessidade e a possibilidade como
interdefinveis: necessariamente P equivalente a no possivelmente no P, e
possivelmente P a no necessariamente no P. Aristteles fornece essas mesmas
equivalncias no Da Interpretao. No entanto, nos Primeiros Analticos, ele faz uma
distino entre duas noes de possibilidades. Na primeira, a qual ele toma como sua
noo favorita, possivelmente P equivalente no necessariamente P e no
necessariamente no P. Ele reconhece assim uma definio alternativa de possibilidade
que est de acordo com a equivalncia moderna, mas esta possui um papel apenas
secundrio em seu sistema.
5.6.2 A abordagem geral de Aristteles
Aristteles constri seu tratamento do silogismo modal sobre sua considerao
dos silogismos no-modais (assertricos): ele trilha seu caminho atravs dos
silogismos que j havia provado e considera as conseqncias de se adicionar uma
qualificao modal a uma ou ambas as premissas. Mais freqentemente, ento, as
questes que ele explora possuem a forma: eis aqui um silogismo assertrico; se eu
adiciono estas qualificaes modais s premissas, ento que forma modalmente
16
qualificada de concluso se segue (se que alguma o faz)?. Uma premissa pode ter
uma das trs modalidades: ela pode ser necessria, possvel ou assertrica. Aristteles
trabalha as combinaes destas na seguinte ordem:
Duas premissas necessrias
Uma premissa necessria e uma assertrica
Duas premissas possveis
Uma premissa assertrica e uma possvel
Uma premissa necessria e uma possvel
Embora ele geralmente considere apenas combinaes de premissas que
silogizam em suas formas assertricas, s vezes ele estende isso; similarmente, s
vezes ele considera concluses em adio quelas que se seguiriam de premissas
puramente assertricas.
Uma vez que este seu procedimento, conveniente descrever os silogismos
modais em termos de silogismos no-modais correspondentes mais um trio de letras
indicando as modalidades de premissas e concluso: N = necessrio, P = possvel,
A = assertrico. Ento, Barbara NAN significaria A forma Barbara com a premissa
maior necessria, a premissa menor assertrica, e a concluso necessria. Eu uso as
letras N e P como prefixos para premissas como tais; uma premissa sem prefixo
assertrica. Ento, Barbara NAN seria NAab, Abc NAac.
5.6.3. Converses modais
Como no caso dos silogismos assertrios, Aristteles faz uso de regras de
converso para provar a validade. As regras de converso para premissas necessrias
so exatamente anlogas quelas para premissas assertricas:
NEab NEba
NIab NIba
NAab NIba
17
No entanto, premissas possveis se comportam de maneira diferente. Uma vez
que ele define possvel como nem necessrio nem impossvel, segue-se que x
possivelmente F implica, e implicado, por x possivelmente no F. Aristteles generaliza
isto ao caso das sentenas categoriais como se segue:
PAab PEab
PEab PAab
PIab POab
POab PIab
Alm disso, Aristteles usa o princpio intermodal N A: ou seja, uma
premissa necessria implica em sua assertrica correspondente. No entanto, por causa
de sua definio de possibilidade, o princpio A P no vale de maneira geral: se ele
assim o fizesse, ento, N P seria vlido, mas, com base em sua definio,
necessariamente P e possivelmente P so de fato inconsistentes (possivelmente
P implica em possivelmente no P).
Isto leva a uma complicao ulterior. A negao de possivelmente P para
Aristteles ou necessariamente P ou necessariamente no P. A negao de
necessariamente P ainda mais difcil de ser expressa em termos de combinao de
modalidades: ou possivelmente P (e ento, possivelmente no P) ou necessariamente
no P. Isso importante por causa dos procedimentos probatrios de Aristteles, os
quais incluem a prova atravs da impossibilidade. Se ns damos uma prova atravs da
impossibilidade na qual assumimos uma premissa necessria, ento a concluso que ns
em ltima anlise estabelecemos simplesmente a negao daquela premissa
necessria, no a concluso possvel no sentido estabelecido por Aristteles. Tais
proposies de fato ocorrem em seu sistema, mas apenas sempre desse jeito, isto ,
como concluses estabelecidas por prova atravs da impossibilidade a partir de
asseres necessrias. De maneira um tanto confusa, Aristteles chama tais
proposies de possveis, mas imediatamente acrescenta no no sentido definido:
neste sentido, possivelmente Oab simplesmente a negao de necessariamente
Aab. Tais proposies aparecem apenas como premissas, nunca como concluses.
18
5.6.4. Silogismos com premissas necessrias
Aristteles sustenta que um silogismo assertrico permanece vlido se
necessariamente adicionado s premissas e concluso: a configurao modal
NNN sempre vlida. Ele no trata isso como uma conseqncia trivial, mas, em vez
disso, oferece provas; em todos os casos, com exceo de dois, estes so paralelos
queles oferecidos para o caso assertrico. As excees so Baroco e Bocardo, os quais
ele havia provado no caso assertrico atravs da impossibilidade: tentar usar tal
mtodo requereria dele neste caso que tomasse a negao de uma proposio
necessria O como uma hiptese, levando complicao notada acima, e ele deve
lanar mo de uma forma diferente de prova.
5.6.5 Combinaes NA/AN: O problema das Duas Barbaras e
outras dificuldades
Uma vez que uma premissa necessria implica em uma premissa assertrica,
toda combinao de premissas AN ou NA ir implicar no par correspondente AA e,
assim, na correspondente concluso A. Desse modo, silogismos ANA e NAA so
sempre vlidos. No entanto, Aristteles sustenta que algumas, mas no todas,
combinaes ANN e NAN so vlidas. Especificamente, ele aceita Barbara NAN e
rejeita Barbara ANN. Intrpretes quase contemporneos de Aristteles acharam as
razes dele para esta distino obscuras, ou no-persuasiva, ou ambas. Teofrasto, por
exemplo, adotou a regra mais simples de que a modalidade da concluso de um
silogismo era sempre a modalidade mais fraca encontrada em cada premissa, onde N
mais forte que A e A mais forte que P (e onde P provavelmente tem de ser
definido como no necessariamente no). Outras dificuldades se seguem do
problema das Duas Barbaras, como ele freqentemente chamado, e tem sido
muitas vezes sustentado que a silogstica modal inconsistente.
Este assunto rapidamente se torna complexo demais para ser resumido neste
breve apanhado. Para uma maior discusso, ver Becker, McCall, Patterson, van Rijen,
Striker, Nortmann, Thom e Thomason.
19
6. Demonstraes e Cincias Demonstrativas
Uma demonstrao (apodeixis) uma deduo que produz conhecimento.
Os Segundos Analticos de Aristteles contm suas consideraes sobre as
demonstraes e seu papel no conhecimento. De uma perspectiva moderna, ns
poderamos pensar que este assunto no se encontra na lgica, mas na epistemologia.
Da perspectiva de Aristteles, no entanto, a conexo da teoria dos sullogismoi com a
teoria do conhecimento especialmente prxima.
6.1. Cincias Aristotlicas
O assunto dos Segundos Analticos a epistm. Esta uma das muitas palavras
gregas que podem ser razoavelmente traduzidas como conhecimento, mas
Aristteles est preocupado apenas com um certo tipo de conhecimento (como ser
explicado abaixo). H uma longa tradio de se traduzir epistm nesse sentido tcnico
como cincia, e eu seguirei esta tradio aqui. No entanto, os leitores no deveriam
ser mal conduzidos pelo uso desta palavra. Em particular, a teoria de Aristteles sobre
a cincia no pode ser considerada uma correspondente Filosofia da Cincia
Moderna, pelo menos no sem qualificaes substanciais.
Ns temos um conhecimento cientfico, de acordo com Aristteles, quando
ns sabemos:
a causa pela qual a coisa , que aquela causa desta, e que isto no pode
ser de outra forma. (Segundos Analticos I.2)
Isto implica em duas fortes condies sobre o que pode ser objeto de
conhecimento cientfico:
1. Somente o que necessariamente o caso pode ser conhecido cientificamente
2. O conhecimento cientfico conhecimento de causas
Ele ento continua a considerar no que consistiria a cincia assim definida,
comeando com a observao de que, sobre qualquer aspecto, uma forma de cincia
20
consiste na posse de uma demonstrao (apodeixis), a qual ele define como uma
deduo cientfica:
por cientfica (epistmonikon), eu quero dizer que, em virtude de a
possuirmos, temos o conhecimento.
O restante dos Segundos Analticos I trata largamente de duas tarefas: esclarecer
a natureza da demonstrao e da cincia demonstrativa, e responder a um desafio
importante sua prpria possibilidade. Aristteles primeiramente nos diz que uma
demonstrao uma deduo na qual as premissa so:
1. verdadeiras
2. primrias (prota)
3. imediatas (amesa, sem um meio)
4. melhor conhecidas ou mais familiares (gnrintera) que a concluso
5. anterior concluso
6. causas (aitia) da concluso
A interpretao de todas estas condies exceto a primeira tem sido assunto
de muita controvrsia. Aristteles claramente pensa que a cincia o conhecimento
das causas e que, numa demonstrao, o conhecimento das premissas o que leva ao
conhecimento da concluso. A quarta condio mostra que o conhecedor de uma
demonstrao deve estar numa condio epistmica melhor do que ela, e assim
intrpretes modernos freqentemente supem que Aristteles definiu aqui um tipo de
justificao epistmica. No entanto, como notado acima, Aristteles est definindo
uma variedade especial de conhecimento. Comparaes com as discusses sobre a
justificao na epistemologia moderna podem, portanto, ser enganosas.
O mesmo pode ser dito dos termos primria, imediata e melhor
conhecidas. Intrpretes modernos s vezes consideram imediata como significando
auto-evidentes; Aristteles de fato diz que uma proposio imediata uma qual
nenhuma outra anterior, mas (como eu sugiro na prxima seo) a noo de
anterioridade envolvida provavelmente uma noo de anterioridade lgica, a qual
difcil de separar das teorias lgicas do prprio Aristteles. Melhor conhecidas tem
sido s vezes interpretado simplesmente como previamente conhecidas para o
21
conhecedor da demonstrao (isto , j conhecidas anteriormente demonstrao).
No entanto, Aristteles distingue explicitamente o que melhor conhecido por ns
daquilo que melhor conhecido por si mesmo ou por natureza e diz que quer
usar este ltimo sentido em sua definio. De fato, ele diz que o processo de aquisio
do conhecimento cientfico um processo de se mudar o que melhor conhecido
por ns, at que cheguemos condio na qual o que melhor conhecido por si
mesmo tambm melhor conhecido por ns.
6.2. O problema do regresso
Nos Segundos Analticos I.2, Aristteles considera dois desafios possibilidade da
cincia. Alguns (chamados de agnsticos por Jonathan Barnes), partiram das
seguintes premissas:
1. Tudo o que conhecido cientificamente deve ser demonstrado.
2. As premissas de uma demonstrao devem ser conhecidas cientificamente.
Eles, ento, argumentaram que a demonstrao impossvel com o seguinte
dilema:
1. Se as premissas de uma demonstrao so cientificamente conhecidas,
ento elas devem ser demonstradas.
2. As premissas das quais cada premissa demonstrada devem ser conhecidas
cientificamente.
3. Assim, ou este processo continua para sempre, criando um regresso infinito
de premissas, ou ele pra em algum ponto.
4. Se ele continua para sempre, ento no h premissas das quais as premissas
subseqentes so demonstradas, e ento nada demonstrvel.
5. Por outro lado, se ele pra em algum ponto, ento as premissas nas quais o
processo termina so indemonstrveis e, portanto, no so conhecidas
cientificamente; conseqentemente, tampouco o so todas as outras que so
delas deduzidas.
6. Portanto, nada pode ser demonstrado.
22
Um segundo grupo aceitou a posio dos agnsticos de que o conhecimento
cientfico vem apenas das demonstraes, mas rejeitou a sua concluso rejeitando o
dilema. Em vez disto, eles sustentaram:
A demonstrao em crculo possvel, de maneira que possvel para
todas as premissas ser tambm concluses, e, portanto, demonstrveis.
Aristteles no nos d muitas informaes sobre como a demonstrao
circular deveria funcionar, mas a interpretao mais plausvel seria supor que pelo
menos para um conjunto dos princpios fundamentais cada princpio poderia ser
deduzido dos outros. (Alguns intrpretes modernos compararam esta posio com
uma teoria coerentista do conhecimento). Independente do modo como sua posio
tenha funcionado, os demonstradores circulares alegaram ter uma terceira alternativa,
que evitava o dilema dos agnsticos, uma vez que a demonstrao circular nos fornece
um regresso que tanto sem-fim (no sentido de que nos nunca alcanamos premissas
nas quais ele pra) quanto finito (pois eles funciona atravessando um crculo finito de
premissas).
6.3. A Soluo de Aristteles: Em algum momento ele pra
Aristteles rejeita a demonstrao circular como uma noo incoerente
baseando-se no fato de que as premissas de qualquer demonstrao devem ser
anteriores (no sentido apropriado) concluso, enquanto que uma demonstrao
circular faria as mesmas premissas serem simultaneamente anterior e posterior umas
s outras (e, de fato, faria com que cada premissa fosse anterior e posterior a si
mesma). Ele concorda com a anlise dos agnsticos do problema do regresso: as
nicas opes plausveis so ou que ele continua indefinidamente ou que em algum
ponto ele pra. No entanto, ele pensa que tanto os agnsticos quanto os
demonstradores circulares esto errados em sustentar que o conhecimento cientfico
s possvel pela demonstrao a partir de premissas cientificamente conhecidas: em
vez disto, ele alega que h uma outra forma de conhecimento possvel para as
primeiras premissas, e que este fornece o ponto de partida para as demonstraes.
23
Para resolver este problema, Aristteles precisa fazer algo muito especfico. No
ser suficiente para ele estabelecer que ns podemos ter o conhecimento de algumas
proposies sem t-las demonstrado: a no ser que seja possvel deduzir daquelas
proposies todas as outras proposies de uma cincia, ns ainda no teremos
resolvido o problema do regresso. Alm disso (e obviamente), para Aristteles no
consiste em soluo alguma de tal problema simplesmente afirmar que possumos
conhecimento sem a demonstrao de alguns pontos de partida apropriados. Ele de
fato diz que a sua posio a de que ns temos tal conhecimento (Segundos Analticos
I.2), mas eles nos deve uma explicao do porqu de isto dever ser desse modo.
6.4. Conhecimento dos Primeiros Princpios: Nous
A considerao de Aristteles do conhecimento das premissas primeiras
indemonstrveis das cincias encontrada nos Segundos Analticos II.19, visto h muito
como um texto difcil de se interpretar. Brevemente, o que ele diz que existe um
outro estado cognitivo, nous (traduzido de modo variado, como insight, intuio,
inteligncia), que as conhece. H um amplo desacordo entre os comentadores sobre
a interpretao de sua considerao sobre como este estado alcanado; eu vou
oferecer uma interpretao possvel. Primeiramente, Aristteles identifica seu
problema explicando como os princpios podem tornar-se familiares para ns,
usando o mesmo termo familiar (gnrimos) que ele usou na apresentao do
problema do regresso. O que ele est apresentando, ento, no um mtodo de
descoberta mas um processo de se tornar sbio. Em segundo lugar, ele diz que para
que o conhecimento das premissas imediatas seja possvel, ns devemos ter um tipo
de conhecimento delas sem t-las aprendido, mas este conhecimento no deve ser to
preciso quanto o conhecimento que aquele que possui a cincia deve ter. O tipo de
conhecimento em questo acaba por ser uma capacidade ou poder (dunamis), o qual
Aristteles compara capacidade para a percepo sensorial: uma vez que nossos
sentidos so inatos, isto , se desenvolvem naturalmente, de certa forma correto
dizer que ns conhecemos, por exemplo, o aspecto comum a todas as cores antes de
as termos visto: ns temos a capacidade de v-las por natureza, e quando ns vemos
uma cor pela primeira vez ns exercitamos esta capacidade sem termos aprendido
como faz-lo anteriormente. De modo parecido, Aristteles sustenta que nossas
24
mentes tm naturalmente a capacidade de reconhecer os pontos de partida das
cincias.
No caso da sensao, a capacidade para a percepo nos rgos dos sentidos
atualizada pela operao dos objetos perceptveis nestes. Similarmente, Aristteles
sustenta que chegar a conhecer as premissas primeiras uma questo de uma
potencialidade na mente de ser atualizada pela experincia dos seus objetos prprios:
A alma de tal natureza que capaz de experimentar isso. Por isso, embora ns no
possamos chegar a conhecer as premissas primeiras sem a experincia necessria,
assim como no podemos ver cores sem a presena dos objetos coloridos, nossas
mentes j so constitudas como sendo capazes de reconhecer os objetos corretos,
assim como nossos olhos so constitudos como sendo capazes de perceber as cores
que existem.
consideravelmente menos claro o que estes objetos so e como que a
experincia atualiza as potencialidades relevantes na alma. Aristteles descreve uma
srie de estgios de cognio. O primeiro o que comum para todos os animais:
percepo do que est presente. O prximo a memria, que ele v como uma
reteno de uma sensao: apenas alguns animais tm esta capacidade. Um nmero
ainda menor deles tem a prxima capacidade, a capacidade de formar uma experincia
nica (empeiria) a partir de muitas repeties da mesma memria. Finalmente, muitas
experincias repetidas geram o conhecimento de um universal nico (katholou). Esta
ltima capacidade est presente somente em humanos.
Ver seo 7 do verbete sobre a psicologia de Aristteles para mais sobre sua
viso acerca da mente5.
7. Definies
A definio (horos, horismos) foi um importante tema para Plato e para a
Primeira Academia. A preocupao com a resposta questo O que isto ou
aquilo? est no centro da maioria dos dilogos de Plato, alguns dos quais (mais
elaboradamente o Sofista) propem mtodos para se encontrar definies. Fontes
externas (algumas vezes as observaes satricas dos comediantes) tambm refletem
5 Cf. Shields, C., Aristotles psychology in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/ aristotle-psychology/) em 28/04/2008 (ltima verso). (N. dos T.)
25
esta preocupao da Academia com definies. O prprio Aristteles remete a busca
por definies a Scrates.
7.1. Definies e Essncias
Para Aristteles, uma definio um discurso que significa aquilo que ser
para algo (logos ho to ti n einai smainei). A frase aquilo que ser e suas variantes
so cruciais: dar uma definio dizer, de alguma coisa existente, o que ela , no
simplesmente especificar o significado de uma palavra (Aristteles de fato reconhece
definies deste ltimo tipo, mas ele tem pouco interesse por elas).
A noo de aquilo que ser para uma coisa to dominante em Aristteles
que se tornou formular: o que uma definio expressa o aquilo-que--ser (to ti n
einai). Tradutores romanos, perplexos com esta estranha expresso grega, inventaram
uma palavra para ela, essentia, da qual nossa essncia descende. Assim, uma definio
aristotlica uma formulao da essncia de algo.
7.2. Espcies, Gnero e Diferena
Dado que uma definio define uma essncia, somente o que tem uma essncia
pode ser definido. O que tem uma essncia, ento? Essa uma das questes centrais
da metafsica de Aristteles; uma vez mais, ns devemos deixar os detalhes para outro
artigo. Em geral, porm, no so indivduos mas espcies (eidos: a palavra uma
daquelas que Plato usa para Forma) que tm essncias. Uma espcie definida
indicando-se seu gnero (genos) e sua diferena (diaphora): o gnero a classe sob
a qual se situam as espcies, e a diferena diz o que caracteriza as espcies dentro
daquele gnero. Por exemplo, homem pode ser definido como animal (o gnero) que
tem a capacidade de raciocinar (a diferena).
26
7.3. Predicao essencial e os Predicveis
Subjacente ao conceito de Aristteles de uma definio est o conceito de
predicao essencial (katgoreisthai em ti ti esti, predicao daquilo que ). Em
qualquer predicao afirmativa verdadeira, o predicado ou diz ou no diz o que o
sujeito , isto , o predicado ou ou no uma resposta aceitvel para a questo O
que ? perguntada sobre o sujeito. Bucfalo um cavalo, e um cavalo um animal;
ento, Bucfalo um cavalo e Bucfalo um animal so predicaes essenciais.
Porm, Bucfalo marrom, embora verdadeira, no diz o que Bucfalo , mas
somente algo sobre ele.
Uma vez que a definio de uma coisa diz o que ela , definies so predicadas
essencialmente. Porm, nem tudo que predicado essencialmente uma definio.
Dado que Bucfalo um cavalo, e cavalos so um tipo de mamfero, e mamferos so
um tipo de animal, cavalo, mamfero e animal so todos predicados essenciais de
Bucfalo. Alm disso, dado que um cavalo um tipo de mamfero, mamfero um
predicado essencial de cavalo. Quando o predicado X um predicado essencial de Y
mas tambm de outras coisas, ento X um gnero (genos) de Y.
Uma definio de X no deve somente ser predicada essencialmente dele mas
deve tambm ser predicada somente dele: para usar um termo dos Tpicos de
Aristteles, uma definio e o que ela define devem contrapredicar
(antikatgoreisthai) uma com a outra. X contrapredica com Y se X se aplica quilo que
Y se aplica, e Y se aplica quilo que X se aplica. Embora a definio de X deva
contrapredicar com X, nem tudo o que contrapredica com X sua definio. Capaz
de rir, por exemplo, contrapredica com humano mas falha em ser sua definio. Tal
predicado (no-essencial mas contrapredicativo) uma propriedade peculiar ou
prprio (idion).
Finalmente, se X predicado de Y mas no nem essencial nem
contrapredicado, ento X um acidente (sumbebkos) de Y.
Aristteles algumas vezes trata gnero, propriedade peculiar, definio, e
acidente como incluindo todas as possveis predicaes (por exemplo, Tpicos I).
Comentadores posteriores enumeraram estas quatro e a diferena como os cinco
predicveis, e como tal eles foram de grande importncia para a filosofia da
Antigidade Tardia e da Idade Mdia (por exemplo, Porfrio).
27
7.4. As Categorias
A noo de predicao essencial est conectada ao que tradicionalmente
chamado de as categorias (katgoriai). Numa palavra, Aristteles famoso por ter
sustentado uma doutrina das categorias. Mas o que foi esta doutrina e o que uma
categoria, j so questes consideravelmente mais embaraosas. Elas tambm nos
levam rapidamente da lgica para a metafsica de Aristteles. Aqui, eu tentarei dar um
panorama muito geral, comeando com a questo, de certa forma mais simples, Que
categorias existem?
Ns podemos responder esta questo listando as categorias. H duas passagens
contendo tais listas:
Ns devemos distinguir os tipos de predicaes (ta gen tn katgorin)
nas quais os quatro predicveis mencionados so encontrados. Estas so
em nmero de dez: o-que-, quantidade, qualidade, relao, onde,
quando, hbito, ter, fazer, padecer. Um acidente, um gnero, uma
propriedade prpria e uma definio iro estar sempre em uma destas
categorias. (Tpicos I.9, 103b20-25)
De coisas ditas sem qualquer combinao, cada uma significa ou
substncia ou quantidade ou qualidade ou uma relao ou onde ou
quando ou hbito ou posse ou fazer ou padecer. Para dar uma idia
superficial, exemplos de substncias so homem, cavalo; de quantidade:
quatro ps, cinco ps; de qualidade: branco, letrado; de uma relao:
dobro, metade, mais largo; de onde: no Liceu, no mercado; de quando:
ontem, ano passado; de uma posio: est deitado, est sentado; de
posse: est calado, est de armadura; de fazer: cortando, queimando;
de padecer: sendo cortado, sendo queimado. (Categorias 4, Ib25-2a4, tr.
Ackrill, levemente modificada).
Estas duas passagens oferecem listas de dez itens, idnticas exceto por seus
primeiros membros. Elas so listas de qu? Aqui esto trs modos como elas podem
ser interpretadas:
28
A palavra categoria (katgoria) quer dizer predicao. Aristteles sustenta
que predicaes e predicados podem ser agrupados em vrios grandes tipos de
predicaes (gene tn katgorin). Ele se refere a esta classificao freqentemente,
geralmente chamando os tipos de predicaes simplesmente de as predicaes, e
isto (via traduo latina) conduz nossa palavra categoria.
Primeiramente, as categorias podem ser tipos de predicado: predicados
(ou, mais precisamente, expresses predicativas) podem ser divididos
em dez classes separadas, com cada expresso pertencendo a somente
uma classe. Isto concorda bem com a raiz do significado da palavra
katgoria (predicao). Nesta interpretao, as categorias emergem a
partir da considerao dos tipos mais gerais de questes que podem ser
perguntadas sobre algo: O que ?; Quanto ?; De que tipo ?; Onde
?; O que est fazendo? Respostas apropriadas a uma destas questes
no fazem sentido em resposta outra (Quando ? Um cavalo).
Assim, as categorias podem excluir certos tipo de questes como mal-
formadas ou confusas. Isto desempenha uma importante funo na
metafsica de Aristteles.
Em segundo lugar, as categorias podem ser vistas como classificaes de
predicaes, ou seja, tipos de relaes que podem se sustentar entre o
predicado e o sujeito de uma predicao. Dizer de Scrates que ele
homem para dizer o que ele , ao passo que dizer que ele letrado
no dizer o que ele mas sim fornecer uma qualidade que ele tem.
Para Aristteles, a relao do predicado para com o sujeito nestas duas
sentenas muito diferente (neste respeito ele difere tanto de Plato
quanto dos lgicos modernos). As categorias podem ser interpretadas
como dez diferentes maneiras pelas quais um predicado pode ser
relacionado ao seu sujeito. Esta ltima diviso tem importncia tanto
para a lgica de Aristteles quanto para a sua metafsica.
Em terceiro lugar, as categorias podem ser vistas como tipos de
entidades, como os gneros ou tipos mais elevados das coisas que h.
Uma coisa dada pode ser classificada sob uma srie de gneros
progressivamente mais largos: Scrates um homem, um mamfero, um
animal, um ser vivo. As categorias so os mais altos de tais gneros.
29
Cada uma no est sob nenhum outro gnero, e cada uma
completamente separada das outras. Esta distino de importncia
crucial para a metafsica de Aristteles.
Qual destas interpretaes se encaixa melhor com as duas passagens acima? A
resposta parece ser diferente nos dois casos. Isto mais evidente se ns tomarmos
nota do ponto no qual elas diferem: as Categorias listam substncia (ousia) em
primeiro lugar, enquanto os Tpicos listam o-que- (ti esti). Uma substncia, para
Aristteles, um tipo de entidade, sugerindo que o que as Categorias listam uma lista
de tipos de entidades.
Por outro lado, a expresso o-que- sugere mais fortemente um tipo de
predicao. De fato, os Tpicos confirmam isso nos contando que podemos dizer o
que de uma entidade que cai sob cada uma das categorias:
uma expresso significando o-que- ir algumas vezes significar uma
substncia, algumas vezes uma quantidade, algumas vezes uma qualidade,
e algumas vezes uma das outras categorias.
Como Aristteles explica, se eu digo que Scrates um homem, ento eu disse
o que Scrates e signifiquei uma substncia; se eu digo que branco uma cor, ento
eu disse o que branco e signifiquei uma qualidade; se eu digo que alguma distncia
de um metro, ento eu disse o que isto e signifiquei uma quantidade; e tambm para
as outras categorias. O-que-, ento, designa aqui um tipo de predicao, no um tipo
de entidade.
Isto poderia nos levar a concluir que as categorias nos Tpicos devem ser
interpretadas somente como tipos de predicados ou predicaes, e que aquelas nas
Categorias como tipos de ser. Mesmo assim, ns poderamos ainda querer indagar qual
a relao entre estas duas listas quase idnticas de termos, dadas estas distintas
interpretaes. Porm, a situao muito mais complicada. Primeiro, h um punhado
de outras passagens nas quais as categorias aparecem. Em nenhum outro lugar ns
encontramos uma lista de dez, mas encontramos listas mais breves contendo oito, ou
seis, ou cinco, ou quatro delas (com substncia/o-que-, qualidade, quantidade, e
relao, sendo as mais comuns). Aristteles descreve do que estas listas tratam de
diferentes modos: elas nos dizem como o ser dividido, ou de quantos modos o
30
ser dito, ou as figuras de predicao (ta schmata ts katgorias). A designao da
primeira categoria tambm varia: ns encontramos no somente substncia e o que
mas tambm as expresses isto ou o isto (tode ti, to tode, to ti). Estas ltimas
expresses so intimamente associadas com a substncia, mas no dela sinnimos. Ele
at combina esta ltima com o-que- (Metafsica Z 1, 1028a10: ... um sentido
significa o que e o isto, um significa qualidade ...).
Alm disso, substncias so para Aristteles fundamentais para a predicao
bem como metafisicamente fundamentais. Ele nos diz que tudo o que existe existe
porque as substncias existem: se no houvesse substncias, no haveria nada mais. Ele
tambm concebe as predicaes como refletindo uma relao metafsica (ou talvez
mais de uma, dependendo do tipo de predicao). A sentena Scrates plido
extrai sua veracidade de um estado de coisas consistindo de uma substncia (Scrates)
e uma qualidade (brancura) a qual est naquela substncia. Neste ponto ns h muito
samos do domnio da lgica de Aristteles para entrarmos em sua metafsica, da qual a
questo fundamental, de acordo com Aristteles, O que uma substncia?. (Para
mais discusses deste tpico, ver o verbete sobre a metafsica de Aristteles, e em
particular, a seo 2, sobre as categorias.)6
Ver Fred 1981, Ebert 1985 para uma discusso adicional das listas de categorias
de Aristteles.
Para convenincia de referncia, eu inclui uma tabela das categorias, junto com
os exemplos de Aristteles e os nomes tradicionais usados com freqncia para elas.
Pelas razes explanadas acima, eu tratei o primeiro item na lista muito diferentemente,
uma vez que um exemplo de uma substncia e um exemplo de um o-que- esto
necessariamente (como algum poderia coloc-los) em diferentes categorias.
Nome
tradicional Literalmente Grego Exemplos
(Substncia)
substncia
isto
o-que-
ousia
tode ti
ti esti
homem, cavalo
Scrates
Scrates um homem
6 Cf. nota 2 supra. (N. dos T.)
31
Quantidade quanto poson um p, cinco ps
Qualidade de que tipo poion branco, letrado
Relao relativo a qu pros ti dobro, metade, maior
Local onde pou no Liceu, no mercado
Tempo quando pote ontem, ano passado
Posio estar situado keisthai deita, senta
Hbito tendo, posse echein est calado, est armado
Ao fazendo poiein corta, arde
Paixo sendo submetido paschein cortado, queimado
7.4. O Mtodo da Diviso
No Sofista, Plato introduz um procedimento de Diviso como um mtodo
para descobrir definies. Para encontrar uma definio de X, primeiro localize o
maior tipo de coisa sob a qual X est; ento, divida este tipo em duas partes e decida
sob qual das duas X se encontra. Repita esse mtodo com tal parte at X ter estado
completamente localizado.
Este mtodo parte do legado platnico de Aristteles. Sua atitude em relao
a isso, porm, complexa. Ele adota uma viso das estruturas prprias das definies
que est intimamente alinhada com isso: uma correta definio de X deve dar o
gnero (genos: tipo ou famlia) de X, que diz qual tipo de coisa X , e a diferena
(diaphora) que identifica singularmente X dentro daquele gnero. Alguma coisa definida
desse modo uma espcie (eidos: o termo um dos termos de Plato para
Forma), e a diferena assim a diferena que faz uma espcie (eidopoios diaphora,
diferena especfica). Nos Segundos Analticos II.13, ele fornece seu prprio relato do
uso da Diviso para descobrir definies.
Todavia, Aristteles fortemente crtico da viso platnica de Diviso como
um mtodo para estabelecer definies. Nos Primeiros Analticos I.31, ele contrasta a
Diviso com o mtodo silogstico que ele acabou de apresentar, argumentando que a
Diviso no pode na verdade provar nada, mas que, antes, ela assume a coisa mesma
que ela deveria estar provando. Ele tambm acusa os partidrios da Diviso de falhar
em entender o que seu prprio mtodo era capaz de provar.
32
7.5. Definio e demonstrao
Intimamente relacionada com isso est a discusso, nos Segundos Analticos II.3-
10, da questo se pode haver tanto definio quanto demonstrao da mesma coisa.
Uma vez que as definies nas quais Aristteles est interessado so declaraes de
essncias, conhecer uma definio conhecer, de alguma coisa que existe, o que ela .
Conseqentemente, a questo de Aristteles torna-se uma questo sobre se definir e
demonstrar podem ser modos alternativos de adquirir o mesmo conhecimento. Sua
resposta complexa:
1. Nem tudo o que demonstrvel pode ser conhecido pela descoberta de
definies, dado que todas as definies so universais e afirmativas ao
passo que algumas proposies demonstrveis so negativas.
2. Se uma coisa demonstrvel, ento conhec-la somente possuir sua
demonstrao; portanto, ela no pode ser conhecida somente por
definio.
3. No obstante, algumas definies podem ser entendidas como
demonstraes diferentemente arranjadas.
Como um exemplo do caso 3, Aristteles considera a definio Trovo a
extino de fogo nas nuvens. Ele a v como uma forma comprimida e rearranjada
desta demonstrao:
Um som acompanha o extinguir do fogo.
Fogo extingue-se nas nuvens.
Portanto, um som ocorre nas nuvens.
Ns podemos ver a conexo ao considerar as respostas de duas questes: O
que trovo? A extino do fogo nas nuvens (definio). Por que troveja?
Porque fogo extingue-se nas nuvens (demonstrao).
Com sua crtica Diviso, Aristteles est argumentando pela superioridade de
seu prprio conceito de cincia ante ao conceito platnico. O conhecimento
composto de demonstraes, mesmo que ele possa tambm incluir definies; o
33
mtodo da cincia demonstrativo, mesmo que ele possa tambm incluir o processo
de se definir.
8. Argumento Dialtico e a Arte da Dialtica
Aristteles freqentemente contrasta argumentos dialticos com demonstraes.
A diferena, ele nos diz, est no carter de suas premissas, no na sua estrutura lgica:
se um argumento um sullogismos somente uma questo de se sua concluso resulta
por necessidade de suas premissas. As premissas de demonstraes devem ser
verdadeiras e primrias, ou seja, no somente verdadeiras mas tambm anteriores s
suas concluses no modo explicado nos Segundos Analticos. As premissas das dedues
dialticas, em contraste, devem ser aceitas (endoxos).
8.1. Premissas Dialticas: O significado de Endoxos
Estudiosos recentes tm proposto diferentes interpretaes do termo endoxos
Aristteles geralmente usa este adjetivo como um substantivo: ta endoxa, coisas
aceitas, opinies aceitas. Em um entendimento, que descende do trabalho de G. E.
L. Owen e que foi desenvolvido mais completamente por Jonathan Barnes e
especialmente por Terence Irwin, os endoxa so uma compilao das vises mantidas
por vrias pessoas com alguma forma de prestgio: as vises de pessoas que refletem
honestamente, depois de alguma reflexo, na frase de Irwin. Dialtica ento
simplesmente um mtodo de argumento a partir [das] crenas comuns [mantidas por
estas pessoas]. Para Irwin, ento, endoxa so crenas comuns. Jonathan Barnes,
notando que endoxa so opinies com um certo prestgio, traduz com reputveis
Minha prpria viso que os textos de Aristteles sustentam uma
compreenso um pouco diferente. Ele tambm nos diz que premissas dialticas
diferem das demonstrativas no fato de que as primeiras so questes, ao passo que as
ltimas so assunes ou asseres: o demonstrador no pergunta, mas toma, ele diz.
Isto se encaixa mais naturalmente com uma viso da dialtica como argumento dirigido
a uma outra pessoa por pergunta e resposta, e conseqentemente tomando como
premissas as concesses desta outra pessoa. Qualquer argumentando desta maneira
34
ir, para ser bem sucedido, perguntar por premissas s quais o interlocutor
suscetvel de aceitar, e o melhor modo de ser bem sucedido nisto ter um inventrio
de premissas aceitveis, isto , premissas que so de fato aceitveis para pessoas de
tipos diferentes.
De fato, ns podemos discernir nos Tpicos (e na Retrica, a qual Aristteles diz
que depende da arte explicada nos Tpicos) uma arte da dialtica para uso em tais
disputas. Minha reconstruo desta arte (a qual no seria aceita por todos os
estudiosos) a seguinte.
8.2. Os dois elementos da Arte da Dialtica
Dado o quadro acima sobre o argumento dialtico, a arte dialtica consistir de
dois elementos. Um ser um mtodo para descobrir premissas das quais uma dada
concluso se segue, enquanto o outro ser um mtodo para determinar que premissas
um certo interlocutor ir provavelmente conceder. A primeira tarefa realizada
desenvolvendo um sistema para classificar premissas de acordo com sua estrutura
lgica. Ns poderamos esperar que Aristteles se utilizasse ele prprio aqui da
silogstica, mas de fato ele desenvolve uma outra aproximao, uma que parece menos
sistemtica e que repousa em variados termos comuns. A segunda tarefa realizada
desenvolvendo listas de premissas que so aceitveis para variados tipos de
interlocutores. Ento, uma vez que algum conhece o tipo de pessoa com quem se
est lidando, pode-se escolher premissas de acordo. Aristteles enfatiza que, como em
todas as artes, os dialticos devem estudar, no o que aceitvel para esta ou aquela
pessoa especfica, mas o que aceitvel para este ou aquele tipo de pessoa, assim
como o doutor estuda o que a sade para diferentes tipos de pessoas: arte do
universal.
8.2.1. O Sistema lgico dos Tpicos
O mtodo apresentado nos Tpicos para classificar os argumentos baseia-se na
presena, na concluso, de certos termos comuns (koina) comuns no sentido de
que eles no so peculiares a nenhum assunto, mas podem ter um papel nos
35
argumentos sobre qualquer coisa. Ns encontramos, por diversas vezes, enumeraes
de argumentos envolvendo estes termos em uma ordem similar. Tipicamente, eles
incluem:
I. Opostos (antikeimena, antitheseis)
1. Contrrios (enantia)
2. Contraditrios (apophaseis)
3. Possesso e privao (hexis kai stersis)
4. Relativos (pros ti)
II. Casos (ptseis)
III. Mais, Menos e Similarmente
Os quatro tipos de opostos so os melhores representados. Cada um designa
um tipo de par de termos, isto , um modo como dois termos podem ser opostos um
ao outro. Contrrios so opostos polares ou opostos extremos como quente e frio,
seco e molhado, bom e mau. Um par de contraditrios consiste de um termo e
sua negao: bom, no bom. Uma possesso (ou condio) e privao so
ilustradas por vista e cegueira. Relativos so termos relativos no sentido moderno:
um par consiste de um termo e seu correlato, por exemplo, grande e pequeno, pai e
filho.
Os padres argumentativos de Aristteles associados aos casos geralmente
envolvem inferir uma sentena contendo ou formas adverbiais ou declinadas de outra
sentena, que contm formas diferentes do mesmo tronco de palavras: se o que til
bom, ento o que feito utilmente feito bem, e a pessoa til boa. No uso
gramatical helenista, ptsis significava caso (por exemplo, nominativo, dativo,
acusativo); o uso de Aristteles aqui obviamente uma forma anterior a esta.
Sob o ttulo de mais, menos e similarmente, Aristteles agrupa um
variado sortimento de padres argumentativos, sendo que todos envolvem, de um
jeito ou de outro, os termos mais, menos, e similarmente. Exemplos: Se tudo o
que A B, ento, tudo o que for mais (menos) A ser mais (menos) B; Se A
mais similar a B do que C, e A no B, ento tampouco ser C; Se A mais similar
do que B e B o caso, ento A o caso.
36
8.2.2. Os Topoi
No corao dos Tpicos est uma coleo do que Aristteles chama topoi,
lugares ou localizaes. Infelizmente, embora seja claro que ele pretende que a
maior parte dos Tpicos (Livro II-VI) seja uma coleo destes, ele nunca explicitamente
define este termo. Intrpretes tm conseqentemente discordado consideravelmente
sobre o que de fato um topos. Discusses podem ser encontradas em Brunschwig
1967, Slomkowski 1996, Primavesi 1997 e Smith 1997.
8.3. Os Usos da Dialtica e Argumentos Dialticos
Uma arte da dialtica ser til onde quer que o argumento dialtico for til.
Aristteles menciona trs destes usos; cada qual merece algum comentrio.
8.3.1 Dialtica Ginstica
Primeiramente, parece ter havido uma forma de troca argumentativa estilizada
praticada na Academia no tempo de Aristteles. A principal evidncia para isto so
simplesmente os Tpicos de Aristteles, especialmente no Livro VIII, o qual faz
referncia freqente a procedimentos governados por regras, aparentemente
assumindo que a audincia os entender. Nestas trocas, um participante tinha o papel
de responder, e o outro o de questionar. O que respondia comeava por afirmar
alguma proposio (uma thesis: posio ou aceitao). O questionador ento fazia
perguntas ao respondedor numa tentativa de conseguir concesses das quais uma
contradio pudesse ser deduzida: ou seja, para refutar (elenchein) a posio do
respondedor. O questionador era limitado a perguntas que pudessem ser respondidas
por sim ou no; geralmente, o respondedor podia apenas responder com sim ou no,
embora em alguns casos os respondedores pudessem objetar a forma da questo.
Respondedores poderiam comprometer-se a responder de acordo com as vises de
um tipo particular de pessoa ou de uma pessoa em particular (por exemplo, um
filsofo famoso), ou eles poderiam responder de acordo com suas prprias
convices. Parece que havia juzes ou contadores de pontos para o processo. As
37
competies da Dialtica Ginstica eram algumas vezes, como o nome sugere, como
um exerccio para o desenvolvimento da habilidade argumentativa, mas eles podem
tambm ter sido levados a cabo como uma parte de um processo de investigao.
8.3.2. Dialtica que coloca prova
Aristteles tambm menciona uma arte de julgar, ou uma variedade de
argumento que coloca prova (a palavra grega o adjetivo peirastik, no feminino:
tais expresses com freqncia designam artes ou habilidades, por exemplo, rhtorik,
a arte da retrica). Sua funo examinar as alegaes daqueles que dizem ter algum
conhecimento, e pode ser praticada por algum que no possui o conhecimento em
questo. Este exame uma questo de refutao, baseado no princpio de que
qualquer um que conhea um assunto deve ter crenas consistentes sobre isso: logo,
se voc pode me mostrar que minhas crenas sobre alguma coisa levam a uma
contradio, ento voc mostrou que eu no tenho conhecimento sobre isso.
Isso fortemente remanescente do estilo de interrogao de Scrates, do qual
quase certamente descendente. De fato, Aristteles freqentemente indica que a
disputa dialtica por natureza refutativa.
8.3.3 Dialtica e Filosofia
A refutao dialtica no pode, por si mesma, estabelecer qualquer proposio
(exceto talvez a proposio de que alguns tipos de proposies so inconsistentes).
Mais especificamente, embora ao se deduzir uma contradio das minhas crenas possa
se mostrar que elas no constituem conhecimento, falhar em deduzir uma contradio
delas no prova que elas so verdadeiras. No surpreendentemente, ento, Aristteles
freqentemente insiste que a dialtica no prova nada e que a arte dialtica no
algum tipo de conhecimento universal.
Nos Tpicos I.2, porm, Aristteles diz que a arte da dialtica til em conexo
com as cincias filosficas. Uma razo que ele fornece para isto segue intimamente
da funo refutativa: se ns tivermos submetido nossas opinies (e as opinies de
nossos companheiros, e a dos sbios) a um exame refutativo, ns estaremos em uma
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posio muito melhor para julgar o que mais provavelmente verdadeiro ou falso. De
fato, ns encontramos este exato procedimento no incio de muitos tratados de
Aristteles: uma enumerao das opinies correntes sobre o assunto tratado, junto
com uma compilao dos enigmas levantados por estas opinies. Aristteles tem um
termo especial para este tipo de reviso: uma diaporia, um passar por entre enigmas.
Ele adiciona um segundo uso que mais difcil de entender e tambm mais
intrigante. Os Segundos Analticos argumentam que se algo pode ser provado, ento
nem tudo o que conhecido conhecido com um resultado de prova. Que meios
alternativos existem pelos quais os princpios primeiros das cincias so conhecidos? A
prpria resposta de Aristteles como encontrada nos Segundos Analticos II.19 difcil
de interpretar, e filsofos recentes tm freqentemente considerado-a insatisfatria
uma vez que (como freqentemente construda) parece comprometer Aristteles com
uma forma de apriorismo ou racionalismo, ambos indefensveis por si mesmos e no
consonantes com sua prpria insistncia na indispensabilidade da investigao emprica
na cincia natural.
Contra este pano de fundo, a passagem nos Tpicos I.2 pode ter importncia
especial:
tambm til na conexo com as coisas primeiras que concernem a
cada uma das cincias. Pois impossvel dizer qualquer coisa sobre a
cincia sob considerao com base nos seus prprios princpios bsicos,
pois os princpios so os primeiro de todos, e ns devemos trilhar
nosso caminho sobre estes por meios do que geralmente aceitos
sobre cada um. Mas isso peculiar, ou mais prprio, dialtica: pois
uma vez que ela examinativa a respeito dos princpios de todas as
cincias, ela possui um modo para se proceder.
Um grande nmero de intrpretes (comeando com Owen 1961) tem
trabalhado nesta passagem e em outras para encontrar a dialtica no corao do
mtodo filosfico de Aristteles. Discusses posteriores sobre esta questo nos
levariam muito alm do assunto deste artigo (o maior desenvolvimento est em Irwin
1988; ver tambm Nussbaum 1986 e Bolton 1990; para crticas, Hamlyn 1990, Smith
1997).
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9. Dialtica e Retrica
Aristteles diz que a retrica, isto , o estudo do discurso persuasivo, uma
contraparte (antistrophos) da dialtica e que a arte da retrica um tipo de
resultado (paraphues ti) da dialtica e do estudo dos tipos de carter. A
correspondncia com o mtodo dialtico direta: discursos retricos, como
argumentos dialticos, procuram persuadir outros a aceitar certas concluses com
base nas premissas que eles j aceitam. Portanto, as mesmas medidas que so teis nos
contextos dialticos iro, mutatis mutandis, ser teis aqui: saber em quais premissas
uma audincia de um certo tipo provavelmente acreditar, e saber como encontrar
premissas das quais as concluses desejadas se seguem.
A Retrica de fato se encaixa nesta descrio geral: Aristteles inclui tanto
discusses dos tipos de pessoas quanto dos de audincia (com generalizaes sobre o
que cada tipo tende a acreditar), alm de uma verso sumria (em II.23) dos padres
de argumento discutidos nos Tpicos. Para maiores discusses de sua retrica ver o
verbete sobre a retrica de Aristteles7.
10. Argumentos Sofsticos
Demonstraes e argumentos dialticos so ambos formas de argumentos
vlidos, para Aristteles. Porm, ele tambm estuda o que ele chama de argumentos
contenciosos (eristikos) ou sofsticos: estes, ele define como argumentos que
apenas aparentemente estabelecem suas concluses. De fato, Aristteles define estes
como aparentes (mas no genunos) sullogismoi dialticos. Eles podem ter esta
aparncia em algum dos dois modos:
1. Argumentos nos quais a concluso somente parece seguir da
necessidade das premissas (aparentes, mas no genunos, sullogismoi).
2. Genunos sullogismoi cujas premissas so apenas aparentemente, mas
no genuinamente, aceitveis.
7 Cf. Rapp, C., Aristotles rhetoric in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/ aristotle-rhetoric/) em 02/05/2002 (ltima verso). (N. dos T.)
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Argumentos do primeiro tipo, nos termos modernos, parecem ser vlidos mas
so de fato invlidos. Argumentos do segundo tipo trazem a princpio mais
perplexidade: dado que aceitabilidade uma questo de o que as pessoas acreditam,
poderia parecer que qualquer coisa que parece ser endoxos deve de fato ser endoxos.
Todavia, Aristteles provavelmente tem em mente argumentos com premissas que
podem de incio parecer aceitveis mas que, to logo se d um momento de reflexo,
ns imediatamente percebemos que na verdade no as aceitamos. Considere este
exemplo do tempo de Aristteles:
O que quer que voc no perdeu, voc ainda tem
Voc no perdeu chifres
Ento, voc ainda tem chifres
Ele transparentemente ruim, mas o problema no que ele seja invlido: o
problema est, antes, na primeira premissa que, embora seja superficialmente plausvel,
falsa. De fato, qualquer um com uma habilidade mnima de seguir um argumento
perceber isto to logo vir este mesmo argumento.
Os estudos sofsticos de Aristteles esto contidos nas Refutaes Sofisticas, que
na verdade um tipo de apndice dos Tpicos.
Em uma notvel extenso, discusses contemporneas sobre as falcias
reproduzem as prprias classificaes de Aristteles. Ver Dorion 1995 para maiores
discusses.
11. A No-Contradio e a Metafsica
Dois freqentes temas da considerao de Aristteles sobre a cincia so (1)
que o os princpios primeiros das cincias no so demonstrveis e (2) que no h uma
nica cincia universal que inclua todas as outras cincias como suas partes. Todas as
coisas no esto em um nico gnero, diz ele, e mesmo se estivessem, todos os
seres no poderiam recair sob os mesmos princpios (Refutaes Sofisticas 11). Assim,
exatamente a aplicabilidade universal da dialtica que o leva a negar-lhe o status de
uma cincia.
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Na Metafsica IV (), porm, Aristteles toma o que parece ser um caminho
diferente. Primeiro, ele argumenta que h, de um modo, uma cincia que toma o ser
como seu gnero (seu nome para ela filosofia primeira). Em segundo lugar, ele
argumenta que os princpios desta cincia sero, de certo modo, os princpios
primeiros de tudo (embora ele no afirme que os princpios das outras cincias podem
ser demonstrados a partir deles). Em terceiro lugar, ele identifica um dos seus
princpios primeiros como o mais seguro de todos os princpios: o princpio da no-
contradio. Como ele o estabelece,
impossvel para a mesma coisa pertencer e no pertencer
simultaneamente mesma coisa sob o mesmo aspecto (Met.)
Este o mais seguros dos princpios, Aristteles nos diz, porque impossvel
estar no erro sobre isso. Dado que este um princpio primeiro, ele no pode ser
demonstrado; aqueles que pensam de outro modo so ignorantes nos analticos.
Porm, Aristteles procede ento oferecendo o que ele chama uma demonstrao
refutativa (apodeixai elenkiks) deste princpio.
Maiores discusses deste princpio e os argumentos de Aristteles sobre este
pertencem a um tratamento de sua metafsica (ver o verbete sobre a metafsica de
Aristteles). Porm, deveria ser notado que: (1) estes argumentos se apiam na viso
de Aristteles sobre a lgica numa extenso maior do qualquer tratado exterior s
suas prprias obras lgicas; (2) nas obras lgicas, o princpio da no-contradio uma
das ilustraes favoritas de Aristteles dos princpios comuns (koinai archai) que
fundamentam a arte da dialtica.
Ver o verbete A metafsica de Aristteles, Dancy 1975 e Code 1986 para
maiores discusses.
12. Tempo e Necessidade: A Batalha Naval
A passagem das obras lgicas de Aristteles que tem recebido talvez a mais
intensa discusso nas dcadas recentes Da Interpretao 9, onde Aristteles discute a
questo se toda proposio sobre o futuro tem que ser ou verdadeira ou falsa.
Embora tenha algo de uma discusso lateral em seu contexto, a passagem levanta um
42
problema de grande importncia para os contemporneos prximos de Aristteles (e
talvez para os contemporneos).
Uma contradio (antiphasis) um par de proposies uma das quais afirma
o que a outra nega. Um importante objetivo de Da Interpretao discutir a tese de
que, de toda contradio assim, um membro tem que ser verdadeiro e o outro falso.
No curso de sua discusso, Aristteles permite algumas excees. Um caso o que
ele chama proposies indefinidas, tais como Um homem est andando: nada
impede esta proposio e Um homem no est andando sejam ambas
simultaneamente verdadeiras. Esta exceo pode ser esclarecida em bases
relativamente simples.
Uma exceo diferente surge por razes mais complexas. Considere estas duas
proposies:
1. Haver uma batalha naval amanh
2. No haver uma batalha naval amanh
Parece que exatamente uma destas tem que ser verdadeira e a outra falsa. Mas
se (1) agora verdadeira, ento tem que haver uma batalha naval amanh, e no pode
no haver uma batalha naval amanh. O resultado, de acordo com este enigma, que
nada possvel exceto o que acontece atualmente: no existem possibilidades no
atualizadas.
Tal concluso , e Aristteles rapidamente o nota, um problema tanto para sua
prpria viso metafsica sobre potencialidades tanto quanto para a noo do senso
comum de que algumas coisas dependem de ns. Ele portanto prope outra exceo
para a tese geral sobre pares contraditrios.
At aqui isso seria provavelmente aceito pela maioria dos intrpretes. Que
restrio esta, porm, e o que exatamente a motiva, so questes de amplo
desacordo. Foi proposto, por exemplo, que Aristteles adotou, ou menos flertou com,
uma lgica trivalente para proposies futuras, ou que ele admitiu vcuos nos valores
de verdade, ou que sua soluo inclui um raciocnio ainda mais abstruso. A literatura
muito complexa demais para se resumir: ver Anscombe, Hintikka, D. Frede, Whitaker,
Waterlow.
Historicamente, ao menos, provvel que Aristteles esteja respondendo a um
argumento originando na Escola Megrica. O Estagirita atribui a tese de que somente o
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que acontece possvel aos Megricos na Metafsica IX (). O enigma com o qual ele
est preocupado decididamente lembra o Argumento Dominador de Diodoro
Crono, especialmente em certos detalhes subseqentes. Por exemplo, Aristteles
imagina a declarao sobre a batalha naval de amanh como tendo sido proferida h
dez mil anos atrs. Se ela era verdadeira, ento sua verdade era um fato sobre o
passado; se o passado agora imodificvel, ento tambm o o valor de verdade
daquele discurso passado. Isto lembra a premissa do Argumento Dominador de que o
que passado necessrio. Diodoro Crono esteve em atividade pouco depois de
Aristteles, e ele foi um Megrico (ver Dorion 1995 para crticas da tentativa de David
Sedley de rejeitar isso). Parece-me razovel concluir que o objetivo de Aristteles aqui
algum argumento Megrico, talvez uma verso anterior do Dominador.
13. Glossrio da Terminologia Aristtelica
Aceitar: tithenai (no argumento dialtico)
Aceito: endoxos (tambm reputado, opinio comum)
Acidental: kata sumbebkos
Acidente: sumbebkos (ver Incidental)
Afirmao: kataphasis
Afirmativa: kataphatikos
Assero: apophansis (sentena com um valor de verdade, sentena
declarativa)
Assuno: hupothesis
Categoria: katgoria (ver a discusso na Seo 7.3)
Cincia: epistm
Contradio: antiphasis (no sentido de par contraditrio de
proposies e tambm no sentido de negao de uma proposio)
Contradizer: antiphanai
Contrrio: enantion
Deduo: sullogismos
Definio: horos, horismos
Demonstrao: apodeixis
Dialtica: dialektik (a arte da dialtica)
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Diferena: diaphora; diferena especfica, eidopoios diaphora
Direta: deiktikos (sobre provas; oposto de atravs da impossibilidade)
Espcie: eidos
Especfico: eidopoios (da diferena que faz uma espcie, eidopoios
diaphora)
Essncia: to ti esti, to ti n einai
Essencial: en ti ti esti (sobre predicados)
Extremo: akron (dos termos maior e menor de uma deduo)
Figura: schma
Forma: eidos (ver tambm Espcie)
Gnero: genos
Hiptese: hupothesis
Imediato: amesos (sem um meio)
Impossvel: adunaton; atravs do impossvel (dia tou adunatou), sobre
algumas provas.
Incidental: ver Acidental
Induo: epagg
Meio, termo mdio (de uma deduo): meson
Negao (de um termo): apophasis
Negao (de uma proposio): apophasis
Objeo: enstasis
Particular: en merei, epi meros (sobre uma proposio); kathhekaston
(sobre os individuais)
Pertencer: huparchein
Possvel: dunaton, endechomenon; endechesthai (verbo: ser possvel)
Predicao: katgoria (ato ou instncia de predicar, tipo de predicao)
Predicado: katgorein (verbo); kategoroumenon (o que predicado)
Primrio: prton
Princpio: arch (ponto de partida da demonstrao)
Prprio, Propriedade prpria: idios, idion
Qualidade: poion
Reduzir, Reduo: anagein, anagg
Refutar: elenchein; refutao: elenchos
Substncia: ousia
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Sujeito: hupokeimenon