Smith R. - A Lógica de Aristóteles

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Ensaio filosófico.

Citation preview

  • 1

    A lgica de Aristteles

    Robin Smith1

    A lgica de Aristteles, especialmente sua teoria do silogismo, teve uma

    influncia sem paralelo na histria do pensamento ocidental. Ela nem sempre esteve

    nessa posio: no perodo Helenista, a lgica estica, e em particular a obra de

    Crisipo, teve lugar de maior destaque. Porm, na Antigidade tardia, seguindo a obra

    dos comentadores aristotlicos, a lgica de Aristteles se tornou dominante, e a lgica

    aristotlica foi o que se transmitiu s tradies medievais latina e rabe, enquanto as

    obras de Crisipo no sobreviveram.

    Esta posio histrica nica nem sempre contribuiu para o entendimento das

    obras lgicas de Aristteles. Kant pensava que Aristteles havia descoberto tudo o

    que havia para se descobrir sobre lgica, e o historiador da lgica Prantl traou o

    corolrio de que qualquer lgico que depois de Aristteles dissesse qualquer coisa

    nova era confuso, estpido ou perverso. Durante a ascenso da lgica formal moderna

    na esteira de Frege e Peirce, seguidores da lgica tradicional (vista como a

    descendente da lgica aristotlica) e da nova lgica matemtica tendiam a se ver como

    rivais, com noes incompatveis de lgica. Trabalhos mais recentes tm aplicado as

    prprias tcnicas da lgica matemtica s teorias de Aristteles, revelando (na opinio

    de muitos) muitas similaridades de abordagem e de interesses entre Aristteles e os

    lgicos modernos.

    Esse artigo escrito desta perspectiva mais recente. Como tal, ele trata da

    lgica de Aristteles, o que nem sempre quer dizer a mesma coisa que aquilo que foi

    chamado de lgica aristotlica.

    1. Introduo

    2. As Obras Lgicas de Aristteles: O Organon

    3. O Assunto da Lgica: Silogismos 4. Premissas: As Estruturas das Asseres

    5. A Silogstica

    6. Demonstraes e Cincias Demonstrativas

    1 Publicado na Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-logic/) em 14/12/2007 (ltima verso). Traduo de Henrique Brum e Vnia Silva, para uso didtico apenas.

  • 2

    7. Definies

    8. Argumento Dialtico e a Arte da Dialtica

    9. Dialtica e Retrica

    10. Argumentos Sofsticos

    11. No-Contradio e Metafsica

    12. Tempo e Necessidade: A Batalha Naval 13. Glossrio da Terminologia Aristotlica

    14. Bibliografia

    I. Introduo

    As obras lgicas de Aristteles contm o primeiro estudo formal da lgica que se

    conhece. Portanto, do maior destaque que juntas elas compem uma teoria lgica

    altamente desenvolvida, uma que foi capaz de despertar imenso respeito por muitos

    sculos: Kant, que estava dez vezes mais distante de Aristteles do que estamos dele,

    chegou a afirmar que nada de significante havia sido adicionado s idias de Aristteles

    nos dois milnios que os separavam.

    No ltimo sculo, a reputao de Aristteles como lgico sofreu dois reveses de

    destaque. A ascenso da lgica formal moderna seguindo a obra de Frege e Russell

    trouxe consigo o reconhecimento de muitas limitaes srias da lgica de Aristteles;

    hoje, poucos tentariam sustentar que ela adequada como base para o entendimento

    da cincia, da matemtica ou mesmo da argumentao ordinria. Ao mesmo tempo,

    acadmicos treinados nas modernas tcnicas formais tm chegado a enxergar

    Aristteles com um novo respeito, no tanto pela correo de seus resultados, mas

    pela grande similaridade de esprito entre muito de sua obra e a lgica moderna.

    Como afirma Jonathan Lear, Aristteles compartilha com os lgicos modernos um

    interesse fundamental em metateoria: seu objetivo primrio no oferecer um guia

    prtico para argumentao, mas estudar as propriedades dos sistemas de inferncias

    eles mesmos.

  • 3

    2. As obras lgicas de Aristteles: O Organon

    Os antigos comentadores agruparam vrios tratados de Aristteles sob o ttulo de

    Organon (Instrumento) e os consideraram como constituindo suas obras lgicas:

    1. Categorias

    2. Da Interpretao

    3. Primeiros Analticos

    4. Segundos Analticos

    5. Tpicos

    6. Refutaes Sofsticas

    De fato, o ttulo Organon reflete uma controvrsia muito mais tardia sobre se a

    lgica uma parte da filosofia (como os esticos sustentavam) ou meramente uma

    ferramenta usada pela filosofia (como os peripatticos tardios pensavam); chamar os

    trabalhos lgicos de Instrumento uma maneira de escolher um partido na

    discusso. O prprio Aristteles nunca usa esse termo, nem fornece muitas indicaes

    de que estes tratados particulares formam algum tipo de grupo, embora haja

    freqentes referncias cruzadas entre os Tpicos e os Analticos. Por outro lado,

    Aristteles trata os Primeiros e os Segundos Analticos como uma nica obra e as

    Refutaes Sofsticas como uma seo final, ou um apndice, aos Tpicos. A esses

    trabalhos deveria ser adicionada a Retrica, que declara explicitamente sua relao com

    os Tpicos.

    3. O assunto da lgica: Silogismos

    Toda lgica de Aristteles gira em torno de uma noo: a deduo

    (sullogismos). Uma explicao meticulosa do que a deduo, e do que ela composta,

    vai necessariamente nos levar atravs do todo de sua teoria. O que , ento, uma

    deduo? Aristteles diz:

    Uma deduo uma locuo (logos) em que, uma vez que certas coisas

    sejam supostas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamente devido

  • 4

    mera presena dessas suposies como tais. (Primeiros Analticos I.2, 24b

    18-20)

    Cada uma das coisas supostas uma premissa (protasis) do argumento, e a

    coisa distinta que necessariamente se segue a concluso (sumperasma).

    O mago desta definio a noo de se seguir necessariamente (ex ananks

    sumbainein). Isto corresponde noo moderna de conseqncia lgica: X resulta

    necessariamente de Y e Z se for impossvel que X seja falso quando Y e Z forem

    verdadeiros. Poderamos, portanto, tomar isto como uma definio geral de

    argumento vlido.

    3.1. Induo e deduo

    A deduo uma das duas espcies de argumentos reconhecidas por

    Aristteles. A outra espcie a induo (epagg). Ele tem mito menos a dizer sobre

    esta do que sobre a deduo, fazendo pouco mais que caracteriz-la como o

    argumento do particular para o universal. No entanto, a induo (ou algo muito

    parecido com ela) desempenha um papel crucial na teoria do conhecimento cientfico

    nos Segundos analticos: a induo, ou, em todo caso, um processo cognitivo que se

    move dos particulares s suas generalizaes, que a base do conhecimento dos

    primeiros princpios indemonstrveis das cincias.

    3.2. Dedues aristotlicas e os argumentos vlidos modernos

    Apesar de sua ampla generalidade, a definio de Aristteles de deduo no

    um modelo preciso para a definio moderna de validade. Algumas das diferenas

    podem ter importantes conseqncias:

    1. Aristteles explicitamente diz que o que necessariamente resulta deve

    ser diferente do que suposto. Isso excluiria argumentos nos quais a

    concluso idntica a uma das premissas. Noes modernas de

  • 5

    validade consideram tais argumentos como vlidos, ainda que de

    maneira trivial.

    2. O fato de uma vez que certas coisas sejam supostas estar no plural

    foi considerado por alguns comentadores antigos como uma forma de

    excluir argumentos com apenas uma premissa.

    3. A fora da qualificao devido mera presena dessas suposies

    como tais foi por vezes vista como excluindo argumentos nos quais a

    concluso no relevante para as premissas, por exemplo,

    argumentos nos quais as premissas so inconsistentes, argumentos com

    concluses que se seguiriam de toda premissa, quaisquer que elas

    fossem, ou argumentos com premissas suprfluas.

    Dessas trs restries possveis, a mais interessante seria a terceira. Isso

    poderia ser (e foi) interpretado como comprometendo Aristteles com uma lgica de

    relevncia. De fato, h passagens que parecem confirmar isso. No entanto, esse

    assunto complexo demais para o discutirmos aqui.

    Embora a definio seja passvel de interpretaes, est claro que Aristteles

    no pretende restringi-la apenas a uma subdiviso dos argumentos vlidos. por isso,

    que traduzi sullogismos como deduo invs de por seu cognato em portugus. No

    uso moderno, silogismo significa um argumento com uma forma muito especfica.

    Alm disso, o uso moderno faz a distino entre silogismos vlidos (cujas concluses

    se seguem de suas premissas) e silogismos invlidos (cujas concluses no se seguem

    de suas premissas). O segundo caso inconsistente com o uso de Aristteles: uma vez

    que ele define um sullogismos como um argumento no qual a concluso resulta

    necessariamente das premissas, sullogismos invlidos uma contradio em termos. O

    primeiro caso tambm no mnimo altamente enganoso, j que Aristteles no parece

    pensar que os sullogismoi so simplesmente uma interessante subdiviso dos

    argumentos vlidos. Alm disso (ver abaixo), Aristteles despende grandes esforos

    para argumentar que cada argumento vlido, no sentido amplo, pode ser reduzido a

    um argumento ou sries de argumentos, em algo parecido com uma das formas

    tradicionalmente chamadas de silogismo. Se traduzirmos sullogismos como silogismo,

    isso se torna a alegao trivial todo silogismo um silogismo.

  • 6

    4. Premissas: As Estruturas das Asseres

    Silogismos so estruturas de sentenas nas quais cada uma pode

    significativamente ser chamada de verdadeira ou falsa: asseres (apophanseis), na

    terminologia de Aristteles. De acordo com Aristteles cada sentena como esta deve

    ter a mesma estrutura: ela deve conter um sujeito (hupokeimenon) e um predicado

    e deve tambm afirmar ou negar o predicado do sujeito. Assim, toda assero

    tambm ou a afirmao (kataphasis) ou a negao (apophasis) de um nico

    predicado de um nico sujeito.

    No Da Interpretao, Aristteles argumenta que uma nica assero deve

    sempre afirmar ou negar um nico predicado de um nico sujeito. Assim, ele no

    reconhece compostos sentenciais, como conjunes e disjunes, como asseres

    simples. Esta parece ser uma escolha deliberada de sua parte: ele argumenta, por

    exemplo, que uma conjuno simplesmente uma coleo de asseres, que no tem

    mais unidade intrnseca do que a seqncia de sentenas em uma longa considerao (a

    Ilada inteira, para tomar o exemplo do prprio Aristteles). Uma vez que ele tambm

    trata as negaes como uma das duas espcies bsicas de asseres, ele no v as

    negaes como compostos sentenciais. Seu tratamento das sentenas condicionais e

    das disjunes mais difcil de avaliar, mas fica de todo modo claro que Aristteles

    no fez esforos para desenvolver uma lgica sentencial. Algumas conseqncias disso

    para a sua teoria da demonstrao so importantes.

    4.1. Termos

    Sujeitos e predicados de asseres so termos. Um termo (horos) pode ser

    tanto individual, por exemplo, Scrates, Plato, quanto universal, por exemplo, homem,

    cavalo, animal e branco. Sujeitos podem ser tanto individuais quanto universais, mas

    predicados podem ser apenas universais: Scrates homem, Plato no um cavalo,

    Cavalos so animais, Homens no so cavalos.

    A palavra universal (katholou) parece ser uma criao aristotlica.

    Literalmente, ela quer dizer de um todo; seu oposto , portanto, de um particular

    (kath hekaston). Termos universais so aqueles que podem propriamente servir como

    predicados, enquanto termos particulares so aqueles que no podem.

  • 7

    Essa distino no simplesmente uma questo de funo gramatical. Ns

    podemos prontamente construir uma sentena com Scrates como seu predicado

    gramatical: A pessoa sentada Scrates. Aristteles, no entanto, no considera isto

    uma predicao genuna. Ao contrrio, ele a chama de uma predicao meramente

    acidental ou incidental (kata sumbebkos). Tais sentenas so, para ele,

    dependentes em seus valores de verdade de outras predicaes genunas (neste caso,

    Scrates est sentado).

    Conseqentemente, a predicao para Aristteles tanto uma questo

    metafsica quanto uma questo de gramtica. A razo pela qual o termo Scrates um

    termo individual e no um universal que a entidade que ele designa um indivduo,

    no um universal. O que faz de branco e homem termos universais que eles designam

    universais.

    Discusses posteriores sobre estas questes podem se encontradas no verbete

    sobre a metafsica de Aristteles2.

    4.2. Afirmaes, negaes e contradies

    Aristteles despende certo esforo no Da Interpretao para argumentar que a

    cada afirmao corresponde exatamente uma negao tal que o que ela nega

    exatamente o que a afirmao afirma. O par constitudo de uma afirmao e de sua

    correspondente negao uma contradio (antiphasis). Em geral, sustenta

    Aristteles, apenas um membro de qualquer contradio verdadeiro e um falso:

    eles no podem ser ambos verdadeiros, nem ambos falsos. No entanto, aparentemente

    ele abre uma exceo para proposies que tratam de eventos futuros, embora os

    intrpretes tenham debatido extensivamente sobre o que poderia ser essa exceo

    (ver a discusso posterior abaixo). O princpio de que os dois membros de um par

    contraditrio no podem ser ambos verdadeiros tem importncia fundamental na

    metafsica de Aristteles (ver discusso posterior abaixo).

    2 Cf. Marc Cohen S., Aristotles Metaphysics in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/aristotle-metaphysics/) em 09/06/2008 (ltima verso). (N. dos T.)

  • 8

    4.3. Todo, algum e nenhum

    Uma grande diferena entre o entendimento de Aristteles da predicao e a

    lgica moderna (isto , ps-fregeana) que Aristteles trata as predicaes individuais

    e as gerais como similares em suas formas lgicas: ele fornece a mesma anlise para

    Scrates um animal e Homens so animais. No entanto, ele percebe que quando

    o sujeito um universal, a predicao toma duas formas: ela pode ser ou universal

    ou particular. Essas expresses tm um paralelo com aquela com que Aristteles

    distingue termos universais e particulares, e Aristteles est consciente disto,

    distinguindo explicitamente entre ser um termo universal e ser um termo

    universalmente predicado de outro.

    O que quer que seja afirmado ou negado de um sujeito universal pode ser

    afirmado ou negado dele universalmente (katholou ou de todos, kata pantos),

    em parte (kata meros, men merei) ou indefinidamente (adihoristos).

    Afirmaes Negaes

    Universal P afirmado de

    todos os S

    Cada S P,

    Todo(s) S (so) P

    P negado de

    todos os S

    Nenhum S

    P

    Particular

    P afirmado de

    algum S

    Algum(ns) S (so)

    P

    P negado de

    algum S

    Algum S no

    P, Nem

    todo S P

    Indefinida P afirmado de S S P P negado de S S no P

    4.3.1. O Quadrado de oposies

    No Da Interpretao Aristteles expe como se segue as relaes de

    contradies para sentenas com sujeitos universais:

    Afirmao Negao

    Universal Todo A B Nenhum A B

    Particular Algum A B Nem todo A B

  • 9

    Embora aparentemente simples, esta tabela levanta importantes dificuldades de

    interpretao (para uma discusso detalhada, ver o verbete sobre o quadrado de

    oposies3).

    Nos Primeiros Analticos Aristteles adota uma maneira algo artificial de

    expressar predicaes: em vez de dizer X predicado de Y ele diz X pertence

    (huparchei) a Y. Isto realmente deveria ser considerado como uma expresso tcnica.

    O verbo huparchein usualmente significa tanto comear quanto existir, estar

    presente, e o uso de Aristteles parece ser um desenvolvimento deste ltimo

    sentido.

    4.3.2. Algumas abreviaes convenientes

    Por uma questo de clareza e brevidade, eu usarei as seguintes abreviaes

    semi-tradicionais para as sentenas categricas aristotlicas (note-se que o termo

    predicado vem em primeiro lugar e o termo sujeito em segundo).

    5. A Silogstica

    A mais famosa conquista de Aristteles como lgico a sua teoria da

    inferncia, tradicionalmente chamada de silogstica (embora no por Aristteles).

    Aquela teoria de fato a teoria de uma classe tipo muito especfica de inferncias:

    inferncias com duas premissas, cada uma sendo uma sentena categrica, tendo

    exatamente um termo em comum, e tendo como concluso uma sentena categrica

    cujo os termos so exatamente aqueles dois termos no partilhados pelas premissas.

    3 Cf. Parsons, T., The traditional square of opposition in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/square/) em 01/10/2008 (ltima verso). (N. dos T.)

    Abreviao Sentena

    Aab a pertence a todos os b (Todo b a)

    Eab a no pertence a nenhum b (Nenhum b a)

    Iab a pertence a algum b (Algum b a)

    Oab a no pertence a todos os b (Algum b no a)

  • 10

    Aristteles chama o termo compartilhado pelas premissas de termo mdio (meson)

    e cada um dos outros dois termos das premissas de um extremo (akron). O termo

    mdio deve ser ou o sujeito ou o predicado de cada premissa, e isso pode ocorrer de

    trs formas: o termo mdio pode ser o sujeito de uma premissa e o predicado da

    outra, o predicado de ambas as premissas, ou o sujeito de ambas as premissas.

    Aristteles refere-se a estes arranjos de termos como figuras (schmata):

    5.1. As Figuras

    Primeira Figura Segunda Figura Terceira Figura

    Predicado Sujeito Predicado Sujeito Predicado Sujeito

    Premissa a b a b a c

    Premissa b c a c b c

    Concluso a c b c a b

    Aristteles chama o termo que predicado da concluso de termo maior e o

    termo que sujeito da concluso de termo menor. A premissa que contm o termo

    maior a premissa maior, e a premissa que contm o termo menor a

    premissa menor.

    O procedimento de Aristteles , portanto, uma investigao sistemtica das

    possveis combinaes de premissas em cada uma das trs figuras. Para cada

    combinao, ele procura demonstrar que alguma concluso se segue necessariamente

    ou demonstrar que nenhuma concluso se segue. Os resultados que ele apresenta

    esto exatamente corretos.

    5.2. Mtodos de prova: Converso e Reduo

    Aristteles mostra cada forma vlida como sendo vlida mostrando como

    construir uma deduo de sua concluso a partir de suas premissas. Essas dedues,

    por sua vez, podem tomar uma dessas duas formas: dedues diretas ou

    probativas (deiktikos) e dedues pelo impossvel (dia to adunaton).

    Uma deduo direta uma srie de passos que levam das premissas s

    concluses, cada um deles sendo ou uma converso de um passo anterior ou uma

    inferncia de dois passos anteriores que se embasa em uma deduo de primeira

  • 11

    figura. Fazer uma converso, por sua vez, significa inferir a partir de uma proposio

    uma outra, que tem o sujeito e o predicado invertidos. Especificamente, Aristteles

    argumenta que trs dessas converses so vlidas:

    Eab Eba

    Iab Iba

    Aab Iba

    Ele justifica isso nos Primeiros Analticos I.2. De um ponto de vista moderno, a

    terceira por vezes olhada com suspeita. Usando-a pode-se chegar a Alguns monstros

    so quimera a partir da aparentemente verdadeira Todas as quimeras so monstros, mas a

    primeira (a concluso) freqentemente construda como implicando, por sua vez, em

    Existe algo que um monstro e uma quimera, ou seja, que h monstros e h quimeras.

    De fato, isso simplesmente expe algo sobre o sistema de Aristteles: Aristteles,

    com efeito, supe que todos os termos nos silogismos so no-vazios. (Para uma

    discusso ulterior desse ponto, ver o verbete sobre o quadrado de oposies4).

    Como um exemplo deste procedimento podemos tomar a prova de Aristteles

    de Camestres. Ele diz:

    Se M pertence a todo N mas a nenhum X, ento tampouco ir N

    pertencer a qualquer X. Pois se M no pertence a nenhum X, ento

    tampouco X pertence a algum M; mas M pertencia a todo N; portanto,

    X no pertencer a nenhum N (pois teve lugar a primeira figura). E uma

    vez que a negao conversvel, tampouco ir N pertencer a qualquer

    X. (Primeiros Analticos I.5, 27a9-12)

    Deste texto podemos extrair uma prova forma exata, como se segue:

    Passo Justificao Texto de Aristteles

    1. MaN Se M pertence a todo N

    2. MeX mas a nenhum X,

    4 Cf. nota 3 supra. (N. dos T.)

  • 12

    A ser provado:

    NeX

    ento tampouco ir N pertencer a qualquer X.

    3. MeX (2, premissa) Pois se M no pertence a nenhum X,

    4. XeM (3, converso de e) ento tampouco X pertence a algum M;

    5. MaN (1, premissa) mas M pertencia a todo N;

    6. XeN (4, 5, Celarent) portanto, X no pertencer a nenhum N (pois

    teve lugar a primeira figura).

    7. NeX (6, converso de e) E uma vez que a negao conversvel,

    tampouco ir N pertencer a qualquer X.

    5.3 Mtodos de Refutao: Contra-exemplos e Termos

    Aristteles prova a invalidade construindo contra-exemplos. Isto est muito no

    esprito da teoria lgica moderna: tudo o que necessrio para mostrar que certa

    forma invlida uma nica instncia de tal forma com premissas verdadeiras e uma

    concluso falsa. No entanto, Aristteles apresenta seus resultados no dizendo que

    certas combinaes premissa-concluso so invlidas, mas dizendo que certos pares de

    premissas no silogizam: isto , que, dado o par em questo, podem ser construdos

    exemplos nos quais premissas daquela forma so verdadeiras e uma concluso de

    qualquer uma das quatro formas possveis falsa.

    Quando possvel, ele faz isso por meio de um mtodo inteligente e econmico:

    ele fornece dois trios de termos, um dos quais torna verdadeiras as premissas e

    verdadeira uma concluso afirmativa universal, e o outro que torna verdadeiras as

    premissas e verdadeira uma concluso negativa universal. O primeiro um contra-

    exemplo para um argumento com uma concluso do tipo E ou O, e o segundo um

    contra-exemplo para um argumento com uma concluso do tipo A ou I.

    5.4 As Dedues nas Figuras (Modos)

    Nos Primeiros Analticos I.4-6, Aristteles mostra que as combinaes de

    premissas dadas na tabela a seguir geram dedues e que todas as outras combinaes

    de premissas falham em gerar uma deduo. Na terminologia tradicional desde a Idade

  • 13

    Mdia, cada uma dessas combinaes conhecida como um modo (do latim modus,

    que por sua vez uma traduo do grego tropos). Aristteles, no entanto, no usa essa

    expresso e em vez disso se refere aos argumentos nas figuras.

    Nessa tabela, separa as premissas da concluso; pode ser lido como

    portanto. A segunda coluna lista o nome medieval mnemnico associado inferncia

    (estes ainda so largamente usados, e cada um de fato um mnemnico para a prova

    de Aristteles do modo em questo). A terceira coluna resume brevemente o

    procedimento de Aristteles para demonstrar a deduo.

    Tabela das Dedues nas Figuras

    Forma Mnemnico Prova PRIMEIRA FIGURA Aab, Abc Aac Barbara Perfeito

    Eab, Abc Eac Celarent Perfeito

    Aab, Ibc Iac

    Darii Perfeito: tambm por impossibilidade, de Camestres

    Eab, Ibc Oac

    Ferio Perfeito: tambm por impossibilidade, de Cesare

    SEGUNDA FIGURA Eab, Aac Ebc

    Cesare (Eab, Aac)(Eab, Aac) CelEbc

    Aab, Eac Ebc

    Camestres (Aab, Eac)(Aab, Eca)=(Eca, Aab) CelEcbEbc

    Eab, Iac Obc

    Festino (Eab, Iac)(Eba, Iac) FerObc

    Aab, Oac Obc

    Baroco (Aab, Oac +Abc) Bar(Aac, Oac) ImpObc

    TERCEIRA FIGURA Aac, Abc Iab Darapti (Aac, Abc)(Aac, Icb) DarIab

    Eac, Abc Oab

    Felapton (Eac, Abc)(Eac, Icb) FerOab

    Iac, Abc Iab

    Disamis (Iac, Abc)(Ica, Abc)=(Abc, Ica) DarIbaIab

    Aac, Ibc Iab

    Datisi (Aac, Ibc)(Aac, Icb) DarIab

    Oac, Abc Oab

    Bocardo (Oac, +Aab, Abc) Bar(Aac, Oac) ImpOab

    Eac, Ibc Oab

    Ferison (Eac, Ibc)(Eac, Icb) FerOab

  • 14

    5.5. Resultados metatericos

    Tendo estabelecido quais dedues nas figuras so possveis, Aristteles lista

    uma multiplicidade de concluses metatericas, incluindo:

    1. Nenhuma deduo tem duas premissas negativas

    2. Nenhuma deduo tem duas premissas particulares

    3. Uma deduo com uma concluso afirmativa deve ter duas premissas

    afirmativas

    4. Uma deduo com uma concluso negativa deve ter uma premissa negativa

    5. Uma deduo com uma concluso universal deve ter duas premissas universais

    Ele tambm prova o seguinte metateorema:

    Todas as dedues podem ser reduzidas s duas dedues universais na

    primeira figura.

    Sua prova para isso elegante. Primeiro, ele mostra que as duas dedues

    particulares da primeira figura podem ser reduzidas, via prova pela impossibilidade, s

    dedues universais na segunda figura:

    (Darii) (Aab, Ibc, +Eac) Camestres(Ebc, Ibc) ImpIac

    (Ferio) (Eab, Ibc, +Aac) Cesare(Ebc, Ibc) ImpOac

    Ele ento observa que, uma vez que ele j mostrou como reduzir todas as

    dedues particulares nas outras figuras, exceto Baroco e Bocardo, para Darii e Ferio,

    essas dedues podem ento ser reduzidas a Barbara e Celarent. Esta prova

    impressionantemente similar, tanto em estrutura quanto em assunto, s provas

    modernas da redundncia de axiomas em um sistema.

    Muitos outros resultados metatericos, alguns deles bastante sofisticados, so

    provados nos Primeiros Analticos I.45 e nos Segundos Analticos II. Como notado abaixo,

    alguns dos resultados metatericos de Aristteles esto embasados nos argumentos

    epistemolgicos dos Segundos Analticos.

  • 15

    5.6. Silogismos com modalidades

    Aristteles continua seu tratamento dos argumentos nas figuras com uma

    discusso muito mais longa e problemtica sobre o que acontece a esses argumentos

    representados quando adicionamos as qualificaes necessariamente e

    possivelmente s suas premissas de vrias formas. Em contraste com a silogstica em

    si mesma (ou, como os comentadores gostam de cham-la, a silogstica assertrica),

    essa silogstica modal parece ser muito menos satisfatria, alm de ser certamente

    muito mais difcil de interpretar. Aqui, eu apenas perpasso por alto o pensamento de

    Aristteles sobre esse assunto e fao notar alguns dos pontos principais das

    controvrsias interpretativas.

    5.6.1. As definies das modalidades

    A lgica modal moderna trata a necessidade e a possibilidade como

    interdefinveis: necessariamente P equivalente a no possivelmente no P, e

    possivelmente P a no necessariamente no P. Aristteles fornece essas mesmas

    equivalncias no Da Interpretao. No entanto, nos Primeiros Analticos, ele faz uma

    distino entre duas noes de possibilidades. Na primeira, a qual ele toma como sua

    noo favorita, possivelmente P equivalente no necessariamente P e no

    necessariamente no P. Ele reconhece assim uma definio alternativa de possibilidade

    que est de acordo com a equivalncia moderna, mas esta possui um papel apenas

    secundrio em seu sistema.

    5.6.2 A abordagem geral de Aristteles

    Aristteles constri seu tratamento do silogismo modal sobre sua considerao

    dos silogismos no-modais (assertricos): ele trilha seu caminho atravs dos

    silogismos que j havia provado e considera as conseqncias de se adicionar uma

    qualificao modal a uma ou ambas as premissas. Mais freqentemente, ento, as

    questes que ele explora possuem a forma: eis aqui um silogismo assertrico; se eu

    adiciono estas qualificaes modais s premissas, ento que forma modalmente

  • 16

    qualificada de concluso se segue (se que alguma o faz)?. Uma premissa pode ter

    uma das trs modalidades: ela pode ser necessria, possvel ou assertrica. Aristteles

    trabalha as combinaes destas na seguinte ordem:

    Duas premissas necessrias

    Uma premissa necessria e uma assertrica

    Duas premissas possveis

    Uma premissa assertrica e uma possvel

    Uma premissa necessria e uma possvel

    Embora ele geralmente considere apenas combinaes de premissas que

    silogizam em suas formas assertricas, s vezes ele estende isso; similarmente, s

    vezes ele considera concluses em adio quelas que se seguiriam de premissas

    puramente assertricas.

    Uma vez que este seu procedimento, conveniente descrever os silogismos

    modais em termos de silogismos no-modais correspondentes mais um trio de letras

    indicando as modalidades de premissas e concluso: N = necessrio, P = possvel,

    A = assertrico. Ento, Barbara NAN significaria A forma Barbara com a premissa

    maior necessria, a premissa menor assertrica, e a concluso necessria. Eu uso as

    letras N e P como prefixos para premissas como tais; uma premissa sem prefixo

    assertrica. Ento, Barbara NAN seria NAab, Abc NAac.

    5.6.3. Converses modais

    Como no caso dos silogismos assertrios, Aristteles faz uso de regras de

    converso para provar a validade. As regras de converso para premissas necessrias

    so exatamente anlogas quelas para premissas assertricas:

    NEab NEba

    NIab NIba

    NAab NIba

  • 17

    No entanto, premissas possveis se comportam de maneira diferente. Uma vez

    que ele define possvel como nem necessrio nem impossvel, segue-se que x

    possivelmente F implica, e implicado, por x possivelmente no F. Aristteles generaliza

    isto ao caso das sentenas categoriais como se segue:

    PAab PEab

    PEab PAab

    PIab POab

    POab PIab

    Alm disso, Aristteles usa o princpio intermodal N A: ou seja, uma

    premissa necessria implica em sua assertrica correspondente. No entanto, por causa

    de sua definio de possibilidade, o princpio A P no vale de maneira geral: se ele

    assim o fizesse, ento, N P seria vlido, mas, com base em sua definio,

    necessariamente P e possivelmente P so de fato inconsistentes (possivelmente

    P implica em possivelmente no P).

    Isto leva a uma complicao ulterior. A negao de possivelmente P para

    Aristteles ou necessariamente P ou necessariamente no P. A negao de

    necessariamente P ainda mais difcil de ser expressa em termos de combinao de

    modalidades: ou possivelmente P (e ento, possivelmente no P) ou necessariamente

    no P. Isso importante por causa dos procedimentos probatrios de Aristteles, os

    quais incluem a prova atravs da impossibilidade. Se ns damos uma prova atravs da

    impossibilidade na qual assumimos uma premissa necessria, ento a concluso que ns

    em ltima anlise estabelecemos simplesmente a negao daquela premissa

    necessria, no a concluso possvel no sentido estabelecido por Aristteles. Tais

    proposies de fato ocorrem em seu sistema, mas apenas sempre desse jeito, isto ,

    como concluses estabelecidas por prova atravs da impossibilidade a partir de

    asseres necessrias. De maneira um tanto confusa, Aristteles chama tais

    proposies de possveis, mas imediatamente acrescenta no no sentido definido:

    neste sentido, possivelmente Oab simplesmente a negao de necessariamente

    Aab. Tais proposies aparecem apenas como premissas, nunca como concluses.

  • 18

    5.6.4. Silogismos com premissas necessrias

    Aristteles sustenta que um silogismo assertrico permanece vlido se

    necessariamente adicionado s premissas e concluso: a configurao modal

    NNN sempre vlida. Ele no trata isso como uma conseqncia trivial, mas, em vez

    disso, oferece provas; em todos os casos, com exceo de dois, estes so paralelos

    queles oferecidos para o caso assertrico. As excees so Baroco e Bocardo, os quais

    ele havia provado no caso assertrico atravs da impossibilidade: tentar usar tal

    mtodo requereria dele neste caso que tomasse a negao de uma proposio

    necessria O como uma hiptese, levando complicao notada acima, e ele deve

    lanar mo de uma forma diferente de prova.

    5.6.5 Combinaes NA/AN: O problema das Duas Barbaras e

    outras dificuldades

    Uma vez que uma premissa necessria implica em uma premissa assertrica,

    toda combinao de premissas AN ou NA ir implicar no par correspondente AA e,

    assim, na correspondente concluso A. Desse modo, silogismos ANA e NAA so

    sempre vlidos. No entanto, Aristteles sustenta que algumas, mas no todas,

    combinaes ANN e NAN so vlidas. Especificamente, ele aceita Barbara NAN e

    rejeita Barbara ANN. Intrpretes quase contemporneos de Aristteles acharam as

    razes dele para esta distino obscuras, ou no-persuasiva, ou ambas. Teofrasto, por

    exemplo, adotou a regra mais simples de que a modalidade da concluso de um

    silogismo era sempre a modalidade mais fraca encontrada em cada premissa, onde N

    mais forte que A e A mais forte que P (e onde P provavelmente tem de ser

    definido como no necessariamente no). Outras dificuldades se seguem do

    problema das Duas Barbaras, como ele freqentemente chamado, e tem sido

    muitas vezes sustentado que a silogstica modal inconsistente.

    Este assunto rapidamente se torna complexo demais para ser resumido neste

    breve apanhado. Para uma maior discusso, ver Becker, McCall, Patterson, van Rijen,

    Striker, Nortmann, Thom e Thomason.

  • 19

    6. Demonstraes e Cincias Demonstrativas

    Uma demonstrao (apodeixis) uma deduo que produz conhecimento.

    Os Segundos Analticos de Aristteles contm suas consideraes sobre as

    demonstraes e seu papel no conhecimento. De uma perspectiva moderna, ns

    poderamos pensar que este assunto no se encontra na lgica, mas na epistemologia.

    Da perspectiva de Aristteles, no entanto, a conexo da teoria dos sullogismoi com a

    teoria do conhecimento especialmente prxima.

    6.1. Cincias Aristotlicas

    O assunto dos Segundos Analticos a epistm. Esta uma das muitas palavras

    gregas que podem ser razoavelmente traduzidas como conhecimento, mas

    Aristteles est preocupado apenas com um certo tipo de conhecimento (como ser

    explicado abaixo). H uma longa tradio de se traduzir epistm nesse sentido tcnico

    como cincia, e eu seguirei esta tradio aqui. No entanto, os leitores no deveriam

    ser mal conduzidos pelo uso desta palavra. Em particular, a teoria de Aristteles sobre

    a cincia no pode ser considerada uma correspondente Filosofia da Cincia

    Moderna, pelo menos no sem qualificaes substanciais.

    Ns temos um conhecimento cientfico, de acordo com Aristteles, quando

    ns sabemos:

    a causa pela qual a coisa , que aquela causa desta, e que isto no pode

    ser de outra forma. (Segundos Analticos I.2)

    Isto implica em duas fortes condies sobre o que pode ser objeto de

    conhecimento cientfico:

    1. Somente o que necessariamente o caso pode ser conhecido cientificamente

    2. O conhecimento cientfico conhecimento de causas

    Ele ento continua a considerar no que consistiria a cincia assim definida,

    comeando com a observao de que, sobre qualquer aspecto, uma forma de cincia

  • 20

    consiste na posse de uma demonstrao (apodeixis), a qual ele define como uma

    deduo cientfica:

    por cientfica (epistmonikon), eu quero dizer que, em virtude de a

    possuirmos, temos o conhecimento.

    O restante dos Segundos Analticos I trata largamente de duas tarefas: esclarecer

    a natureza da demonstrao e da cincia demonstrativa, e responder a um desafio

    importante sua prpria possibilidade. Aristteles primeiramente nos diz que uma

    demonstrao uma deduo na qual as premissa so:

    1. verdadeiras

    2. primrias (prota)

    3. imediatas (amesa, sem um meio)

    4. melhor conhecidas ou mais familiares (gnrintera) que a concluso

    5. anterior concluso

    6. causas (aitia) da concluso

    A interpretao de todas estas condies exceto a primeira tem sido assunto

    de muita controvrsia. Aristteles claramente pensa que a cincia o conhecimento

    das causas e que, numa demonstrao, o conhecimento das premissas o que leva ao

    conhecimento da concluso. A quarta condio mostra que o conhecedor de uma

    demonstrao deve estar numa condio epistmica melhor do que ela, e assim

    intrpretes modernos freqentemente supem que Aristteles definiu aqui um tipo de

    justificao epistmica. No entanto, como notado acima, Aristteles est definindo

    uma variedade especial de conhecimento. Comparaes com as discusses sobre a

    justificao na epistemologia moderna podem, portanto, ser enganosas.

    O mesmo pode ser dito dos termos primria, imediata e melhor

    conhecidas. Intrpretes modernos s vezes consideram imediata como significando

    auto-evidentes; Aristteles de fato diz que uma proposio imediata uma qual

    nenhuma outra anterior, mas (como eu sugiro na prxima seo) a noo de

    anterioridade envolvida provavelmente uma noo de anterioridade lgica, a qual

    difcil de separar das teorias lgicas do prprio Aristteles. Melhor conhecidas tem

    sido s vezes interpretado simplesmente como previamente conhecidas para o

  • 21

    conhecedor da demonstrao (isto , j conhecidas anteriormente demonstrao).

    No entanto, Aristteles distingue explicitamente o que melhor conhecido por ns

    daquilo que melhor conhecido por si mesmo ou por natureza e diz que quer

    usar este ltimo sentido em sua definio. De fato, ele diz que o processo de aquisio

    do conhecimento cientfico um processo de se mudar o que melhor conhecido

    por ns, at que cheguemos condio na qual o que melhor conhecido por si

    mesmo tambm melhor conhecido por ns.

    6.2. O problema do regresso

    Nos Segundos Analticos I.2, Aristteles considera dois desafios possibilidade da

    cincia. Alguns (chamados de agnsticos por Jonathan Barnes), partiram das

    seguintes premissas:

    1. Tudo o que conhecido cientificamente deve ser demonstrado.

    2. As premissas de uma demonstrao devem ser conhecidas cientificamente.

    Eles, ento, argumentaram que a demonstrao impossvel com o seguinte

    dilema:

    1. Se as premissas de uma demonstrao so cientificamente conhecidas,

    ento elas devem ser demonstradas.

    2. As premissas das quais cada premissa demonstrada devem ser conhecidas

    cientificamente.

    3. Assim, ou este processo continua para sempre, criando um regresso infinito

    de premissas, ou ele pra em algum ponto.

    4. Se ele continua para sempre, ento no h premissas das quais as premissas

    subseqentes so demonstradas, e ento nada demonstrvel.

    5. Por outro lado, se ele pra em algum ponto, ento as premissas nas quais o

    processo termina so indemonstrveis e, portanto, no so conhecidas

    cientificamente; conseqentemente, tampouco o so todas as outras que so

    delas deduzidas.

    6. Portanto, nada pode ser demonstrado.

  • 22

    Um segundo grupo aceitou a posio dos agnsticos de que o conhecimento

    cientfico vem apenas das demonstraes, mas rejeitou a sua concluso rejeitando o

    dilema. Em vez disto, eles sustentaram:

    A demonstrao em crculo possvel, de maneira que possvel para

    todas as premissas ser tambm concluses, e, portanto, demonstrveis.

    Aristteles no nos d muitas informaes sobre como a demonstrao

    circular deveria funcionar, mas a interpretao mais plausvel seria supor que pelo

    menos para um conjunto dos princpios fundamentais cada princpio poderia ser

    deduzido dos outros. (Alguns intrpretes modernos compararam esta posio com

    uma teoria coerentista do conhecimento). Independente do modo como sua posio

    tenha funcionado, os demonstradores circulares alegaram ter uma terceira alternativa,

    que evitava o dilema dos agnsticos, uma vez que a demonstrao circular nos fornece

    um regresso que tanto sem-fim (no sentido de que nos nunca alcanamos premissas

    nas quais ele pra) quanto finito (pois eles funciona atravessando um crculo finito de

    premissas).

    6.3. A Soluo de Aristteles: Em algum momento ele pra

    Aristteles rejeita a demonstrao circular como uma noo incoerente

    baseando-se no fato de que as premissas de qualquer demonstrao devem ser

    anteriores (no sentido apropriado) concluso, enquanto que uma demonstrao

    circular faria as mesmas premissas serem simultaneamente anterior e posterior umas

    s outras (e, de fato, faria com que cada premissa fosse anterior e posterior a si

    mesma). Ele concorda com a anlise dos agnsticos do problema do regresso: as

    nicas opes plausveis so ou que ele continua indefinidamente ou que em algum

    ponto ele pra. No entanto, ele pensa que tanto os agnsticos quanto os

    demonstradores circulares esto errados em sustentar que o conhecimento cientfico

    s possvel pela demonstrao a partir de premissas cientificamente conhecidas: em

    vez disto, ele alega que h uma outra forma de conhecimento possvel para as

    primeiras premissas, e que este fornece o ponto de partida para as demonstraes.

  • 23

    Para resolver este problema, Aristteles precisa fazer algo muito especfico. No

    ser suficiente para ele estabelecer que ns podemos ter o conhecimento de algumas

    proposies sem t-las demonstrado: a no ser que seja possvel deduzir daquelas

    proposies todas as outras proposies de uma cincia, ns ainda no teremos

    resolvido o problema do regresso. Alm disso (e obviamente), para Aristteles no

    consiste em soluo alguma de tal problema simplesmente afirmar que possumos

    conhecimento sem a demonstrao de alguns pontos de partida apropriados. Ele de

    fato diz que a sua posio a de que ns temos tal conhecimento (Segundos Analticos

    I.2), mas eles nos deve uma explicao do porqu de isto dever ser desse modo.

    6.4. Conhecimento dos Primeiros Princpios: Nous

    A considerao de Aristteles do conhecimento das premissas primeiras

    indemonstrveis das cincias encontrada nos Segundos Analticos II.19, visto h muito

    como um texto difcil de se interpretar. Brevemente, o que ele diz que existe um

    outro estado cognitivo, nous (traduzido de modo variado, como insight, intuio,

    inteligncia), que as conhece. H um amplo desacordo entre os comentadores sobre

    a interpretao de sua considerao sobre como este estado alcanado; eu vou

    oferecer uma interpretao possvel. Primeiramente, Aristteles identifica seu

    problema explicando como os princpios podem tornar-se familiares para ns,

    usando o mesmo termo familiar (gnrimos) que ele usou na apresentao do

    problema do regresso. O que ele est apresentando, ento, no um mtodo de

    descoberta mas um processo de se tornar sbio. Em segundo lugar, ele diz que para

    que o conhecimento das premissas imediatas seja possvel, ns devemos ter um tipo

    de conhecimento delas sem t-las aprendido, mas este conhecimento no deve ser to

    preciso quanto o conhecimento que aquele que possui a cincia deve ter. O tipo de

    conhecimento em questo acaba por ser uma capacidade ou poder (dunamis), o qual

    Aristteles compara capacidade para a percepo sensorial: uma vez que nossos

    sentidos so inatos, isto , se desenvolvem naturalmente, de certa forma correto

    dizer que ns conhecemos, por exemplo, o aspecto comum a todas as cores antes de

    as termos visto: ns temos a capacidade de v-las por natureza, e quando ns vemos

    uma cor pela primeira vez ns exercitamos esta capacidade sem termos aprendido

    como faz-lo anteriormente. De modo parecido, Aristteles sustenta que nossas

  • 24

    mentes tm naturalmente a capacidade de reconhecer os pontos de partida das

    cincias.

    No caso da sensao, a capacidade para a percepo nos rgos dos sentidos

    atualizada pela operao dos objetos perceptveis nestes. Similarmente, Aristteles

    sustenta que chegar a conhecer as premissas primeiras uma questo de uma

    potencialidade na mente de ser atualizada pela experincia dos seus objetos prprios:

    A alma de tal natureza que capaz de experimentar isso. Por isso, embora ns no

    possamos chegar a conhecer as premissas primeiras sem a experincia necessria,

    assim como no podemos ver cores sem a presena dos objetos coloridos, nossas

    mentes j so constitudas como sendo capazes de reconhecer os objetos corretos,

    assim como nossos olhos so constitudos como sendo capazes de perceber as cores

    que existem.

    consideravelmente menos claro o que estes objetos so e como que a

    experincia atualiza as potencialidades relevantes na alma. Aristteles descreve uma

    srie de estgios de cognio. O primeiro o que comum para todos os animais:

    percepo do que est presente. O prximo a memria, que ele v como uma

    reteno de uma sensao: apenas alguns animais tm esta capacidade. Um nmero

    ainda menor deles tem a prxima capacidade, a capacidade de formar uma experincia

    nica (empeiria) a partir de muitas repeties da mesma memria. Finalmente, muitas

    experincias repetidas geram o conhecimento de um universal nico (katholou). Esta

    ltima capacidade est presente somente em humanos.

    Ver seo 7 do verbete sobre a psicologia de Aristteles para mais sobre sua

    viso acerca da mente5.

    7. Definies

    A definio (horos, horismos) foi um importante tema para Plato e para a

    Primeira Academia. A preocupao com a resposta questo O que isto ou

    aquilo? est no centro da maioria dos dilogos de Plato, alguns dos quais (mais

    elaboradamente o Sofista) propem mtodos para se encontrar definies. Fontes

    externas (algumas vezes as observaes satricas dos comediantes) tambm refletem

    5 Cf. Shields, C., Aristotles psychology in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/ aristotle-psychology/) em 28/04/2008 (ltima verso). (N. dos T.)

  • 25

    esta preocupao da Academia com definies. O prprio Aristteles remete a busca

    por definies a Scrates.

    7.1. Definies e Essncias

    Para Aristteles, uma definio um discurso que significa aquilo que ser

    para algo (logos ho to ti n einai smainei). A frase aquilo que ser e suas variantes

    so cruciais: dar uma definio dizer, de alguma coisa existente, o que ela , no

    simplesmente especificar o significado de uma palavra (Aristteles de fato reconhece

    definies deste ltimo tipo, mas ele tem pouco interesse por elas).

    A noo de aquilo que ser para uma coisa to dominante em Aristteles

    que se tornou formular: o que uma definio expressa o aquilo-que--ser (to ti n

    einai). Tradutores romanos, perplexos com esta estranha expresso grega, inventaram

    uma palavra para ela, essentia, da qual nossa essncia descende. Assim, uma definio

    aristotlica uma formulao da essncia de algo.

    7.2. Espcies, Gnero e Diferena

    Dado que uma definio define uma essncia, somente o que tem uma essncia

    pode ser definido. O que tem uma essncia, ento? Essa uma das questes centrais

    da metafsica de Aristteles; uma vez mais, ns devemos deixar os detalhes para outro

    artigo. Em geral, porm, no so indivduos mas espcies (eidos: a palavra uma

    daquelas que Plato usa para Forma) que tm essncias. Uma espcie definida

    indicando-se seu gnero (genos) e sua diferena (diaphora): o gnero a classe sob

    a qual se situam as espcies, e a diferena diz o que caracteriza as espcies dentro

    daquele gnero. Por exemplo, homem pode ser definido como animal (o gnero) que

    tem a capacidade de raciocinar (a diferena).

  • 26

    7.3. Predicao essencial e os Predicveis

    Subjacente ao conceito de Aristteles de uma definio est o conceito de

    predicao essencial (katgoreisthai em ti ti esti, predicao daquilo que ). Em

    qualquer predicao afirmativa verdadeira, o predicado ou diz ou no diz o que o

    sujeito , isto , o predicado ou ou no uma resposta aceitvel para a questo O

    que ? perguntada sobre o sujeito. Bucfalo um cavalo, e um cavalo um animal;

    ento, Bucfalo um cavalo e Bucfalo um animal so predicaes essenciais.

    Porm, Bucfalo marrom, embora verdadeira, no diz o que Bucfalo , mas

    somente algo sobre ele.

    Uma vez que a definio de uma coisa diz o que ela , definies so predicadas

    essencialmente. Porm, nem tudo que predicado essencialmente uma definio.

    Dado que Bucfalo um cavalo, e cavalos so um tipo de mamfero, e mamferos so

    um tipo de animal, cavalo, mamfero e animal so todos predicados essenciais de

    Bucfalo. Alm disso, dado que um cavalo um tipo de mamfero, mamfero um

    predicado essencial de cavalo. Quando o predicado X um predicado essencial de Y

    mas tambm de outras coisas, ento X um gnero (genos) de Y.

    Uma definio de X no deve somente ser predicada essencialmente dele mas

    deve tambm ser predicada somente dele: para usar um termo dos Tpicos de

    Aristteles, uma definio e o que ela define devem contrapredicar

    (antikatgoreisthai) uma com a outra. X contrapredica com Y se X se aplica quilo que

    Y se aplica, e Y se aplica quilo que X se aplica. Embora a definio de X deva

    contrapredicar com X, nem tudo o que contrapredica com X sua definio. Capaz

    de rir, por exemplo, contrapredica com humano mas falha em ser sua definio. Tal

    predicado (no-essencial mas contrapredicativo) uma propriedade peculiar ou

    prprio (idion).

    Finalmente, se X predicado de Y mas no nem essencial nem

    contrapredicado, ento X um acidente (sumbebkos) de Y.

    Aristteles algumas vezes trata gnero, propriedade peculiar, definio, e

    acidente como incluindo todas as possveis predicaes (por exemplo, Tpicos I).

    Comentadores posteriores enumeraram estas quatro e a diferena como os cinco

    predicveis, e como tal eles foram de grande importncia para a filosofia da

    Antigidade Tardia e da Idade Mdia (por exemplo, Porfrio).

  • 27

    7.4. As Categorias

    A noo de predicao essencial est conectada ao que tradicionalmente

    chamado de as categorias (katgoriai). Numa palavra, Aristteles famoso por ter

    sustentado uma doutrina das categorias. Mas o que foi esta doutrina e o que uma

    categoria, j so questes consideravelmente mais embaraosas. Elas tambm nos

    levam rapidamente da lgica para a metafsica de Aristteles. Aqui, eu tentarei dar um

    panorama muito geral, comeando com a questo, de certa forma mais simples, Que

    categorias existem?

    Ns podemos responder esta questo listando as categorias. H duas passagens

    contendo tais listas:

    Ns devemos distinguir os tipos de predicaes (ta gen tn katgorin)

    nas quais os quatro predicveis mencionados so encontrados. Estas so

    em nmero de dez: o-que-, quantidade, qualidade, relao, onde,

    quando, hbito, ter, fazer, padecer. Um acidente, um gnero, uma

    propriedade prpria e uma definio iro estar sempre em uma destas

    categorias. (Tpicos I.9, 103b20-25)

    De coisas ditas sem qualquer combinao, cada uma significa ou

    substncia ou quantidade ou qualidade ou uma relao ou onde ou

    quando ou hbito ou posse ou fazer ou padecer. Para dar uma idia

    superficial, exemplos de substncias so homem, cavalo; de quantidade:

    quatro ps, cinco ps; de qualidade: branco, letrado; de uma relao:

    dobro, metade, mais largo; de onde: no Liceu, no mercado; de quando:

    ontem, ano passado; de uma posio: est deitado, est sentado; de

    posse: est calado, est de armadura; de fazer: cortando, queimando;

    de padecer: sendo cortado, sendo queimado. (Categorias 4, Ib25-2a4, tr.

    Ackrill, levemente modificada).

    Estas duas passagens oferecem listas de dez itens, idnticas exceto por seus

    primeiros membros. Elas so listas de qu? Aqui esto trs modos como elas podem

    ser interpretadas:

  • 28

    A palavra categoria (katgoria) quer dizer predicao. Aristteles sustenta

    que predicaes e predicados podem ser agrupados em vrios grandes tipos de

    predicaes (gene tn katgorin). Ele se refere a esta classificao freqentemente,

    geralmente chamando os tipos de predicaes simplesmente de as predicaes, e

    isto (via traduo latina) conduz nossa palavra categoria.

    Primeiramente, as categorias podem ser tipos de predicado: predicados

    (ou, mais precisamente, expresses predicativas) podem ser divididos

    em dez classes separadas, com cada expresso pertencendo a somente

    uma classe. Isto concorda bem com a raiz do significado da palavra

    katgoria (predicao). Nesta interpretao, as categorias emergem a

    partir da considerao dos tipos mais gerais de questes que podem ser

    perguntadas sobre algo: O que ?; Quanto ?; De que tipo ?; Onde

    ?; O que est fazendo? Respostas apropriadas a uma destas questes

    no fazem sentido em resposta outra (Quando ? Um cavalo).

    Assim, as categorias podem excluir certos tipo de questes como mal-

    formadas ou confusas. Isto desempenha uma importante funo na

    metafsica de Aristteles.

    Em segundo lugar, as categorias podem ser vistas como classificaes de

    predicaes, ou seja, tipos de relaes que podem se sustentar entre o

    predicado e o sujeito de uma predicao. Dizer de Scrates que ele

    homem para dizer o que ele , ao passo que dizer que ele letrado

    no dizer o que ele mas sim fornecer uma qualidade que ele tem.

    Para Aristteles, a relao do predicado para com o sujeito nestas duas

    sentenas muito diferente (neste respeito ele difere tanto de Plato

    quanto dos lgicos modernos). As categorias podem ser interpretadas

    como dez diferentes maneiras pelas quais um predicado pode ser

    relacionado ao seu sujeito. Esta ltima diviso tem importncia tanto

    para a lgica de Aristteles quanto para a sua metafsica.

    Em terceiro lugar, as categorias podem ser vistas como tipos de

    entidades, como os gneros ou tipos mais elevados das coisas que h.

    Uma coisa dada pode ser classificada sob uma srie de gneros

    progressivamente mais largos: Scrates um homem, um mamfero, um

    animal, um ser vivo. As categorias so os mais altos de tais gneros.

  • 29

    Cada uma no est sob nenhum outro gnero, e cada uma

    completamente separada das outras. Esta distino de importncia

    crucial para a metafsica de Aristteles.

    Qual destas interpretaes se encaixa melhor com as duas passagens acima? A

    resposta parece ser diferente nos dois casos. Isto mais evidente se ns tomarmos

    nota do ponto no qual elas diferem: as Categorias listam substncia (ousia) em

    primeiro lugar, enquanto os Tpicos listam o-que- (ti esti). Uma substncia, para

    Aristteles, um tipo de entidade, sugerindo que o que as Categorias listam uma lista

    de tipos de entidades.

    Por outro lado, a expresso o-que- sugere mais fortemente um tipo de

    predicao. De fato, os Tpicos confirmam isso nos contando que podemos dizer o

    que de uma entidade que cai sob cada uma das categorias:

    uma expresso significando o-que- ir algumas vezes significar uma

    substncia, algumas vezes uma quantidade, algumas vezes uma qualidade,

    e algumas vezes uma das outras categorias.

    Como Aristteles explica, se eu digo que Scrates um homem, ento eu disse

    o que Scrates e signifiquei uma substncia; se eu digo que branco uma cor, ento

    eu disse o que branco e signifiquei uma qualidade; se eu digo que alguma distncia

    de um metro, ento eu disse o que isto e signifiquei uma quantidade; e tambm para

    as outras categorias. O-que-, ento, designa aqui um tipo de predicao, no um tipo

    de entidade.

    Isto poderia nos levar a concluir que as categorias nos Tpicos devem ser

    interpretadas somente como tipos de predicados ou predicaes, e que aquelas nas

    Categorias como tipos de ser. Mesmo assim, ns poderamos ainda querer indagar qual

    a relao entre estas duas listas quase idnticas de termos, dadas estas distintas

    interpretaes. Porm, a situao muito mais complicada. Primeiro, h um punhado

    de outras passagens nas quais as categorias aparecem. Em nenhum outro lugar ns

    encontramos uma lista de dez, mas encontramos listas mais breves contendo oito, ou

    seis, ou cinco, ou quatro delas (com substncia/o-que-, qualidade, quantidade, e

    relao, sendo as mais comuns). Aristteles descreve do que estas listas tratam de

    diferentes modos: elas nos dizem como o ser dividido, ou de quantos modos o

  • 30

    ser dito, ou as figuras de predicao (ta schmata ts katgorias). A designao da

    primeira categoria tambm varia: ns encontramos no somente substncia e o que

    mas tambm as expresses isto ou o isto (tode ti, to tode, to ti). Estas ltimas

    expresses so intimamente associadas com a substncia, mas no dela sinnimos. Ele

    at combina esta ltima com o-que- (Metafsica Z 1, 1028a10: ... um sentido

    significa o que e o isto, um significa qualidade ...).

    Alm disso, substncias so para Aristteles fundamentais para a predicao

    bem como metafisicamente fundamentais. Ele nos diz que tudo o que existe existe

    porque as substncias existem: se no houvesse substncias, no haveria nada mais. Ele

    tambm concebe as predicaes como refletindo uma relao metafsica (ou talvez

    mais de uma, dependendo do tipo de predicao). A sentena Scrates plido

    extrai sua veracidade de um estado de coisas consistindo de uma substncia (Scrates)

    e uma qualidade (brancura) a qual est naquela substncia. Neste ponto ns h muito

    samos do domnio da lgica de Aristteles para entrarmos em sua metafsica, da qual a

    questo fundamental, de acordo com Aristteles, O que uma substncia?. (Para

    mais discusses deste tpico, ver o verbete sobre a metafsica de Aristteles, e em

    particular, a seo 2, sobre as categorias.)6

    Ver Fred 1981, Ebert 1985 para uma discusso adicional das listas de categorias

    de Aristteles.

    Para convenincia de referncia, eu inclui uma tabela das categorias, junto com

    os exemplos de Aristteles e os nomes tradicionais usados com freqncia para elas.

    Pelas razes explanadas acima, eu tratei o primeiro item na lista muito diferentemente,

    uma vez que um exemplo de uma substncia e um exemplo de um o-que- esto

    necessariamente (como algum poderia coloc-los) em diferentes categorias.

    Nome

    tradicional Literalmente Grego Exemplos

    (Substncia)

    substncia

    isto

    o-que-

    ousia

    tode ti

    ti esti

    homem, cavalo

    Scrates

    Scrates um homem

    6 Cf. nota 2 supra. (N. dos T.)

  • 31

    Quantidade quanto poson um p, cinco ps

    Qualidade de que tipo poion branco, letrado

    Relao relativo a qu pros ti dobro, metade, maior

    Local onde pou no Liceu, no mercado

    Tempo quando pote ontem, ano passado

    Posio estar situado keisthai deita, senta

    Hbito tendo, posse echein est calado, est armado

    Ao fazendo poiein corta, arde

    Paixo sendo submetido paschein cortado, queimado

    7.4. O Mtodo da Diviso

    No Sofista, Plato introduz um procedimento de Diviso como um mtodo

    para descobrir definies. Para encontrar uma definio de X, primeiro localize o

    maior tipo de coisa sob a qual X est; ento, divida este tipo em duas partes e decida

    sob qual das duas X se encontra. Repita esse mtodo com tal parte at X ter estado

    completamente localizado.

    Este mtodo parte do legado platnico de Aristteles. Sua atitude em relao

    a isso, porm, complexa. Ele adota uma viso das estruturas prprias das definies

    que est intimamente alinhada com isso: uma correta definio de X deve dar o

    gnero (genos: tipo ou famlia) de X, que diz qual tipo de coisa X , e a diferena

    (diaphora) que identifica singularmente X dentro daquele gnero. Alguma coisa definida

    desse modo uma espcie (eidos: o termo um dos termos de Plato para

    Forma), e a diferena assim a diferena que faz uma espcie (eidopoios diaphora,

    diferena especfica). Nos Segundos Analticos II.13, ele fornece seu prprio relato do

    uso da Diviso para descobrir definies.

    Todavia, Aristteles fortemente crtico da viso platnica de Diviso como

    um mtodo para estabelecer definies. Nos Primeiros Analticos I.31, ele contrasta a

    Diviso com o mtodo silogstico que ele acabou de apresentar, argumentando que a

    Diviso no pode na verdade provar nada, mas que, antes, ela assume a coisa mesma

    que ela deveria estar provando. Ele tambm acusa os partidrios da Diviso de falhar

    em entender o que seu prprio mtodo era capaz de provar.

  • 32

    7.5. Definio e demonstrao

    Intimamente relacionada com isso est a discusso, nos Segundos Analticos II.3-

    10, da questo se pode haver tanto definio quanto demonstrao da mesma coisa.

    Uma vez que as definies nas quais Aristteles est interessado so declaraes de

    essncias, conhecer uma definio conhecer, de alguma coisa que existe, o que ela .

    Conseqentemente, a questo de Aristteles torna-se uma questo sobre se definir e

    demonstrar podem ser modos alternativos de adquirir o mesmo conhecimento. Sua

    resposta complexa:

    1. Nem tudo o que demonstrvel pode ser conhecido pela descoberta de

    definies, dado que todas as definies so universais e afirmativas ao

    passo que algumas proposies demonstrveis so negativas.

    2. Se uma coisa demonstrvel, ento conhec-la somente possuir sua

    demonstrao; portanto, ela no pode ser conhecida somente por

    definio.

    3. No obstante, algumas definies podem ser entendidas como

    demonstraes diferentemente arranjadas.

    Como um exemplo do caso 3, Aristteles considera a definio Trovo a

    extino de fogo nas nuvens. Ele a v como uma forma comprimida e rearranjada

    desta demonstrao:

    Um som acompanha o extinguir do fogo.

    Fogo extingue-se nas nuvens.

    Portanto, um som ocorre nas nuvens.

    Ns podemos ver a conexo ao considerar as respostas de duas questes: O

    que trovo? A extino do fogo nas nuvens (definio). Por que troveja?

    Porque fogo extingue-se nas nuvens (demonstrao).

    Com sua crtica Diviso, Aristteles est argumentando pela superioridade de

    seu prprio conceito de cincia ante ao conceito platnico. O conhecimento

    composto de demonstraes, mesmo que ele possa tambm incluir definies; o

  • 33

    mtodo da cincia demonstrativo, mesmo que ele possa tambm incluir o processo

    de se definir.

    8. Argumento Dialtico e a Arte da Dialtica

    Aristteles freqentemente contrasta argumentos dialticos com demonstraes.

    A diferena, ele nos diz, est no carter de suas premissas, no na sua estrutura lgica:

    se um argumento um sullogismos somente uma questo de se sua concluso resulta

    por necessidade de suas premissas. As premissas de demonstraes devem ser

    verdadeiras e primrias, ou seja, no somente verdadeiras mas tambm anteriores s

    suas concluses no modo explicado nos Segundos Analticos. As premissas das dedues

    dialticas, em contraste, devem ser aceitas (endoxos).

    8.1. Premissas Dialticas: O significado de Endoxos

    Estudiosos recentes tm proposto diferentes interpretaes do termo endoxos

    Aristteles geralmente usa este adjetivo como um substantivo: ta endoxa, coisas

    aceitas, opinies aceitas. Em um entendimento, que descende do trabalho de G. E.

    L. Owen e que foi desenvolvido mais completamente por Jonathan Barnes e

    especialmente por Terence Irwin, os endoxa so uma compilao das vises mantidas

    por vrias pessoas com alguma forma de prestgio: as vises de pessoas que refletem

    honestamente, depois de alguma reflexo, na frase de Irwin. Dialtica ento

    simplesmente um mtodo de argumento a partir [das] crenas comuns [mantidas por

    estas pessoas]. Para Irwin, ento, endoxa so crenas comuns. Jonathan Barnes,

    notando que endoxa so opinies com um certo prestgio, traduz com reputveis

    Minha prpria viso que os textos de Aristteles sustentam uma

    compreenso um pouco diferente. Ele tambm nos diz que premissas dialticas

    diferem das demonstrativas no fato de que as primeiras so questes, ao passo que as

    ltimas so assunes ou asseres: o demonstrador no pergunta, mas toma, ele diz.

    Isto se encaixa mais naturalmente com uma viso da dialtica como argumento dirigido

    a uma outra pessoa por pergunta e resposta, e conseqentemente tomando como

    premissas as concesses desta outra pessoa. Qualquer argumentando desta maneira

  • 34

    ir, para ser bem sucedido, perguntar por premissas s quais o interlocutor

    suscetvel de aceitar, e o melhor modo de ser bem sucedido nisto ter um inventrio

    de premissas aceitveis, isto , premissas que so de fato aceitveis para pessoas de

    tipos diferentes.

    De fato, ns podemos discernir nos Tpicos (e na Retrica, a qual Aristteles diz

    que depende da arte explicada nos Tpicos) uma arte da dialtica para uso em tais

    disputas. Minha reconstruo desta arte (a qual no seria aceita por todos os

    estudiosos) a seguinte.

    8.2. Os dois elementos da Arte da Dialtica

    Dado o quadro acima sobre o argumento dialtico, a arte dialtica consistir de

    dois elementos. Um ser um mtodo para descobrir premissas das quais uma dada

    concluso se segue, enquanto o outro ser um mtodo para determinar que premissas

    um certo interlocutor ir provavelmente conceder. A primeira tarefa realizada

    desenvolvendo um sistema para classificar premissas de acordo com sua estrutura

    lgica. Ns poderamos esperar que Aristteles se utilizasse ele prprio aqui da

    silogstica, mas de fato ele desenvolve uma outra aproximao, uma que parece menos

    sistemtica e que repousa em variados termos comuns. A segunda tarefa realizada

    desenvolvendo listas de premissas que so aceitveis para variados tipos de

    interlocutores. Ento, uma vez que algum conhece o tipo de pessoa com quem se

    est lidando, pode-se escolher premissas de acordo. Aristteles enfatiza que, como em

    todas as artes, os dialticos devem estudar, no o que aceitvel para esta ou aquela

    pessoa especfica, mas o que aceitvel para este ou aquele tipo de pessoa, assim

    como o doutor estuda o que a sade para diferentes tipos de pessoas: arte do

    universal.

    8.2.1. O Sistema lgico dos Tpicos

    O mtodo apresentado nos Tpicos para classificar os argumentos baseia-se na

    presena, na concluso, de certos termos comuns (koina) comuns no sentido de

    que eles no so peculiares a nenhum assunto, mas podem ter um papel nos

  • 35

    argumentos sobre qualquer coisa. Ns encontramos, por diversas vezes, enumeraes

    de argumentos envolvendo estes termos em uma ordem similar. Tipicamente, eles

    incluem:

    I. Opostos (antikeimena, antitheseis)

    1. Contrrios (enantia)

    2. Contraditrios (apophaseis)

    3. Possesso e privao (hexis kai stersis)

    4. Relativos (pros ti)

    II. Casos (ptseis)

    III. Mais, Menos e Similarmente

    Os quatro tipos de opostos so os melhores representados. Cada um designa

    um tipo de par de termos, isto , um modo como dois termos podem ser opostos um

    ao outro. Contrrios so opostos polares ou opostos extremos como quente e frio,

    seco e molhado, bom e mau. Um par de contraditrios consiste de um termo e

    sua negao: bom, no bom. Uma possesso (ou condio) e privao so

    ilustradas por vista e cegueira. Relativos so termos relativos no sentido moderno:

    um par consiste de um termo e seu correlato, por exemplo, grande e pequeno, pai e

    filho.

    Os padres argumentativos de Aristteles associados aos casos geralmente

    envolvem inferir uma sentena contendo ou formas adverbiais ou declinadas de outra

    sentena, que contm formas diferentes do mesmo tronco de palavras: se o que til

    bom, ento o que feito utilmente feito bem, e a pessoa til boa. No uso

    gramatical helenista, ptsis significava caso (por exemplo, nominativo, dativo,

    acusativo); o uso de Aristteles aqui obviamente uma forma anterior a esta.

    Sob o ttulo de mais, menos e similarmente, Aristteles agrupa um

    variado sortimento de padres argumentativos, sendo que todos envolvem, de um

    jeito ou de outro, os termos mais, menos, e similarmente. Exemplos: Se tudo o

    que A B, ento, tudo o que for mais (menos) A ser mais (menos) B; Se A

    mais similar a B do que C, e A no B, ento tampouco ser C; Se A mais similar

    do que B e B o caso, ento A o caso.

  • 36

    8.2.2. Os Topoi

    No corao dos Tpicos est uma coleo do que Aristteles chama topoi,

    lugares ou localizaes. Infelizmente, embora seja claro que ele pretende que a

    maior parte dos Tpicos (Livro II-VI) seja uma coleo destes, ele nunca explicitamente

    define este termo. Intrpretes tm conseqentemente discordado consideravelmente

    sobre o que de fato um topos. Discusses podem ser encontradas em Brunschwig

    1967, Slomkowski 1996, Primavesi 1997 e Smith 1997.

    8.3. Os Usos da Dialtica e Argumentos Dialticos

    Uma arte da dialtica ser til onde quer que o argumento dialtico for til.

    Aristteles menciona trs destes usos; cada qual merece algum comentrio.

    8.3.1 Dialtica Ginstica

    Primeiramente, parece ter havido uma forma de troca argumentativa estilizada

    praticada na Academia no tempo de Aristteles. A principal evidncia para isto so

    simplesmente os Tpicos de Aristteles, especialmente no Livro VIII, o qual faz

    referncia freqente a procedimentos governados por regras, aparentemente

    assumindo que a audincia os entender. Nestas trocas, um participante tinha o papel

    de responder, e o outro o de questionar. O que respondia comeava por afirmar

    alguma proposio (uma thesis: posio ou aceitao). O questionador ento fazia

    perguntas ao respondedor numa tentativa de conseguir concesses das quais uma

    contradio pudesse ser deduzida: ou seja, para refutar (elenchein) a posio do

    respondedor. O questionador era limitado a perguntas que pudessem ser respondidas

    por sim ou no; geralmente, o respondedor podia apenas responder com sim ou no,

    embora em alguns casos os respondedores pudessem objetar a forma da questo.

    Respondedores poderiam comprometer-se a responder de acordo com as vises de

    um tipo particular de pessoa ou de uma pessoa em particular (por exemplo, um

    filsofo famoso), ou eles poderiam responder de acordo com suas prprias

    convices. Parece que havia juzes ou contadores de pontos para o processo. As

  • 37

    competies da Dialtica Ginstica eram algumas vezes, como o nome sugere, como

    um exerccio para o desenvolvimento da habilidade argumentativa, mas eles podem

    tambm ter sido levados a cabo como uma parte de um processo de investigao.

    8.3.2. Dialtica que coloca prova

    Aristteles tambm menciona uma arte de julgar, ou uma variedade de

    argumento que coloca prova (a palavra grega o adjetivo peirastik, no feminino:

    tais expresses com freqncia designam artes ou habilidades, por exemplo, rhtorik,

    a arte da retrica). Sua funo examinar as alegaes daqueles que dizem ter algum

    conhecimento, e pode ser praticada por algum que no possui o conhecimento em

    questo. Este exame uma questo de refutao, baseado no princpio de que

    qualquer um que conhea um assunto deve ter crenas consistentes sobre isso: logo,

    se voc pode me mostrar que minhas crenas sobre alguma coisa levam a uma

    contradio, ento voc mostrou que eu no tenho conhecimento sobre isso.

    Isso fortemente remanescente do estilo de interrogao de Scrates, do qual

    quase certamente descendente. De fato, Aristteles freqentemente indica que a

    disputa dialtica por natureza refutativa.

    8.3.3 Dialtica e Filosofia

    A refutao dialtica no pode, por si mesma, estabelecer qualquer proposio

    (exceto talvez a proposio de que alguns tipos de proposies so inconsistentes).

    Mais especificamente, embora ao se deduzir uma contradio das minhas crenas possa

    se mostrar que elas no constituem conhecimento, falhar em deduzir uma contradio

    delas no prova que elas so verdadeiras. No surpreendentemente, ento, Aristteles

    freqentemente insiste que a dialtica no prova nada e que a arte dialtica no

    algum tipo de conhecimento universal.

    Nos Tpicos I.2, porm, Aristteles diz que a arte da dialtica til em conexo

    com as cincias filosficas. Uma razo que ele fornece para isto segue intimamente

    da funo refutativa: se ns tivermos submetido nossas opinies (e as opinies de

    nossos companheiros, e a dos sbios) a um exame refutativo, ns estaremos em uma

  • 38

    posio muito melhor para julgar o que mais provavelmente verdadeiro ou falso. De

    fato, ns encontramos este exato procedimento no incio de muitos tratados de

    Aristteles: uma enumerao das opinies correntes sobre o assunto tratado, junto

    com uma compilao dos enigmas levantados por estas opinies. Aristteles tem um

    termo especial para este tipo de reviso: uma diaporia, um passar por entre enigmas.

    Ele adiciona um segundo uso que mais difcil de entender e tambm mais

    intrigante. Os Segundos Analticos argumentam que se algo pode ser provado, ento

    nem tudo o que conhecido conhecido com um resultado de prova. Que meios

    alternativos existem pelos quais os princpios primeiros das cincias so conhecidos? A

    prpria resposta de Aristteles como encontrada nos Segundos Analticos II.19 difcil

    de interpretar, e filsofos recentes tm freqentemente considerado-a insatisfatria

    uma vez que (como freqentemente construda) parece comprometer Aristteles com

    uma forma de apriorismo ou racionalismo, ambos indefensveis por si mesmos e no

    consonantes com sua prpria insistncia na indispensabilidade da investigao emprica

    na cincia natural.

    Contra este pano de fundo, a passagem nos Tpicos I.2 pode ter importncia

    especial:

    tambm til na conexo com as coisas primeiras que concernem a

    cada uma das cincias. Pois impossvel dizer qualquer coisa sobre a

    cincia sob considerao com base nos seus prprios princpios bsicos,

    pois os princpios so os primeiro de todos, e ns devemos trilhar

    nosso caminho sobre estes por meios do que geralmente aceitos

    sobre cada um. Mas isso peculiar, ou mais prprio, dialtica: pois

    uma vez que ela examinativa a respeito dos princpios de todas as

    cincias, ela possui um modo para se proceder.

    Um grande nmero de intrpretes (comeando com Owen 1961) tem

    trabalhado nesta passagem e em outras para encontrar a dialtica no corao do

    mtodo filosfico de Aristteles. Discusses posteriores sobre esta questo nos

    levariam muito alm do assunto deste artigo (o maior desenvolvimento est em Irwin

    1988; ver tambm Nussbaum 1986 e Bolton 1990; para crticas, Hamlyn 1990, Smith

    1997).

  • 39

    9. Dialtica e Retrica

    Aristteles diz que a retrica, isto , o estudo do discurso persuasivo, uma

    contraparte (antistrophos) da dialtica e que a arte da retrica um tipo de

    resultado (paraphues ti) da dialtica e do estudo dos tipos de carter. A

    correspondncia com o mtodo dialtico direta: discursos retricos, como

    argumentos dialticos, procuram persuadir outros a aceitar certas concluses com

    base nas premissas que eles j aceitam. Portanto, as mesmas medidas que so teis nos

    contextos dialticos iro, mutatis mutandis, ser teis aqui: saber em quais premissas

    uma audincia de um certo tipo provavelmente acreditar, e saber como encontrar

    premissas das quais as concluses desejadas se seguem.

    A Retrica de fato se encaixa nesta descrio geral: Aristteles inclui tanto

    discusses dos tipos de pessoas quanto dos de audincia (com generalizaes sobre o

    que cada tipo tende a acreditar), alm de uma verso sumria (em II.23) dos padres

    de argumento discutidos nos Tpicos. Para maiores discusses de sua retrica ver o

    verbete sobre a retrica de Aristteles7.

    10. Argumentos Sofsticos

    Demonstraes e argumentos dialticos so ambos formas de argumentos

    vlidos, para Aristteles. Porm, ele tambm estuda o que ele chama de argumentos

    contenciosos (eristikos) ou sofsticos: estes, ele define como argumentos que

    apenas aparentemente estabelecem suas concluses. De fato, Aristteles define estes

    como aparentes (mas no genunos) sullogismoi dialticos. Eles podem ter esta

    aparncia em algum dos dois modos:

    1. Argumentos nos quais a concluso somente parece seguir da

    necessidade das premissas (aparentes, mas no genunos, sullogismoi).

    2. Genunos sullogismoi cujas premissas so apenas aparentemente, mas

    no genuinamente, aceitveis.

    7 Cf. Rapp, C., Aristotles rhetoric in: Stanford Encyclopedia of Philosophy (http://plato.stanford.edu/entries/ aristotle-rhetoric/) em 02/05/2002 (ltima verso). (N. dos T.)

  • 40

    Argumentos do primeiro tipo, nos termos modernos, parecem ser vlidos mas

    so de fato invlidos. Argumentos do segundo tipo trazem a princpio mais

    perplexidade: dado que aceitabilidade uma questo de o que as pessoas acreditam,

    poderia parecer que qualquer coisa que parece ser endoxos deve de fato ser endoxos.

    Todavia, Aristteles provavelmente tem em mente argumentos com premissas que

    podem de incio parecer aceitveis mas que, to logo se d um momento de reflexo,

    ns imediatamente percebemos que na verdade no as aceitamos. Considere este

    exemplo do tempo de Aristteles:

    O que quer que voc no perdeu, voc ainda tem

    Voc no perdeu chifres

    Ento, voc ainda tem chifres

    Ele transparentemente ruim, mas o problema no que ele seja invlido: o

    problema est, antes, na primeira premissa que, embora seja superficialmente plausvel,

    falsa. De fato, qualquer um com uma habilidade mnima de seguir um argumento

    perceber isto to logo vir este mesmo argumento.

    Os estudos sofsticos de Aristteles esto contidos nas Refutaes Sofisticas, que

    na verdade um tipo de apndice dos Tpicos.

    Em uma notvel extenso, discusses contemporneas sobre as falcias

    reproduzem as prprias classificaes de Aristteles. Ver Dorion 1995 para maiores

    discusses.

    11. A No-Contradio e a Metafsica

    Dois freqentes temas da considerao de Aristteles sobre a cincia so (1)

    que o os princpios primeiros das cincias no so demonstrveis e (2) que no h uma

    nica cincia universal que inclua todas as outras cincias como suas partes. Todas as

    coisas no esto em um nico gnero, diz ele, e mesmo se estivessem, todos os

    seres no poderiam recair sob os mesmos princpios (Refutaes Sofisticas 11). Assim,

    exatamente a aplicabilidade universal da dialtica que o leva a negar-lhe o status de

    uma cincia.

  • 41

    Na Metafsica IV (), porm, Aristteles toma o que parece ser um caminho

    diferente. Primeiro, ele argumenta que h, de um modo, uma cincia que toma o ser

    como seu gnero (seu nome para ela filosofia primeira). Em segundo lugar, ele

    argumenta que os princpios desta cincia sero, de certo modo, os princpios

    primeiros de tudo (embora ele no afirme que os princpios das outras cincias podem

    ser demonstrados a partir deles). Em terceiro lugar, ele identifica um dos seus

    princpios primeiros como o mais seguro de todos os princpios: o princpio da no-

    contradio. Como ele o estabelece,

    impossvel para a mesma coisa pertencer e no pertencer

    simultaneamente mesma coisa sob o mesmo aspecto (Met.)

    Este o mais seguros dos princpios, Aristteles nos diz, porque impossvel

    estar no erro sobre isso. Dado que este um princpio primeiro, ele no pode ser

    demonstrado; aqueles que pensam de outro modo so ignorantes nos analticos.

    Porm, Aristteles procede ento oferecendo o que ele chama uma demonstrao

    refutativa (apodeixai elenkiks) deste princpio.

    Maiores discusses deste princpio e os argumentos de Aristteles sobre este

    pertencem a um tratamento de sua metafsica (ver o verbete sobre a metafsica de

    Aristteles). Porm, deveria ser notado que: (1) estes argumentos se apiam na viso

    de Aristteles sobre a lgica numa extenso maior do qualquer tratado exterior s

    suas prprias obras lgicas; (2) nas obras lgicas, o princpio da no-contradio uma

    das ilustraes favoritas de Aristteles dos princpios comuns (koinai archai) que

    fundamentam a arte da dialtica.

    Ver o verbete A metafsica de Aristteles, Dancy 1975 e Code 1986 para

    maiores discusses.

    12. Tempo e Necessidade: A Batalha Naval

    A passagem das obras lgicas de Aristteles que tem recebido talvez a mais

    intensa discusso nas dcadas recentes Da Interpretao 9, onde Aristteles discute a

    questo se toda proposio sobre o futuro tem que ser ou verdadeira ou falsa.

    Embora tenha algo de uma discusso lateral em seu contexto, a passagem levanta um

  • 42

    problema de grande importncia para os contemporneos prximos de Aristteles (e

    talvez para os contemporneos).

    Uma contradio (antiphasis) um par de proposies uma das quais afirma

    o que a outra nega. Um importante objetivo de Da Interpretao discutir a tese de

    que, de toda contradio assim, um membro tem que ser verdadeiro e o outro falso.

    No curso de sua discusso, Aristteles permite algumas excees. Um caso o que

    ele chama proposies indefinidas, tais como Um homem est andando: nada

    impede esta proposio e Um homem no est andando sejam ambas

    simultaneamente verdadeiras. Esta exceo pode ser esclarecida em bases

    relativamente simples.

    Uma exceo diferente surge por razes mais complexas. Considere estas duas

    proposies:

    1. Haver uma batalha naval amanh

    2. No haver uma batalha naval amanh

    Parece que exatamente uma destas tem que ser verdadeira e a outra falsa. Mas

    se (1) agora verdadeira, ento tem que haver uma batalha naval amanh, e no pode

    no haver uma batalha naval amanh. O resultado, de acordo com este enigma, que

    nada possvel exceto o que acontece atualmente: no existem possibilidades no

    atualizadas.

    Tal concluso , e Aristteles rapidamente o nota, um problema tanto para sua

    prpria viso metafsica sobre potencialidades tanto quanto para a noo do senso

    comum de que algumas coisas dependem de ns. Ele portanto prope outra exceo

    para a tese geral sobre pares contraditrios.

    At aqui isso seria provavelmente aceito pela maioria dos intrpretes. Que

    restrio esta, porm, e o que exatamente a motiva, so questes de amplo

    desacordo. Foi proposto, por exemplo, que Aristteles adotou, ou menos flertou com,

    uma lgica trivalente para proposies futuras, ou que ele admitiu vcuos nos valores

    de verdade, ou que sua soluo inclui um raciocnio ainda mais abstruso. A literatura

    muito complexa demais para se resumir: ver Anscombe, Hintikka, D. Frede, Whitaker,

    Waterlow.

    Historicamente, ao menos, provvel que Aristteles esteja respondendo a um

    argumento originando na Escola Megrica. O Estagirita atribui a tese de que somente o

  • 43

    que acontece possvel aos Megricos na Metafsica IX (). O enigma com o qual ele

    est preocupado decididamente lembra o Argumento Dominador de Diodoro

    Crono, especialmente em certos detalhes subseqentes. Por exemplo, Aristteles

    imagina a declarao sobre a batalha naval de amanh como tendo sido proferida h

    dez mil anos atrs. Se ela era verdadeira, ento sua verdade era um fato sobre o

    passado; se o passado agora imodificvel, ento tambm o o valor de verdade

    daquele discurso passado. Isto lembra a premissa do Argumento Dominador de que o

    que passado necessrio. Diodoro Crono esteve em atividade pouco depois de

    Aristteles, e ele foi um Megrico (ver Dorion 1995 para crticas da tentativa de David

    Sedley de rejeitar isso). Parece-me razovel concluir que o objetivo de Aristteles aqui

    algum argumento Megrico, talvez uma verso anterior do Dominador.

    13. Glossrio da Terminologia Aristtelica

    Aceitar: tithenai (no argumento dialtico)

    Aceito: endoxos (tambm reputado, opinio comum)

    Acidental: kata sumbebkos

    Acidente: sumbebkos (ver Incidental)

    Afirmao: kataphasis

    Afirmativa: kataphatikos

    Assero: apophansis (sentena com um valor de verdade, sentena

    declarativa)

    Assuno: hupothesis

    Categoria: katgoria (ver a discusso na Seo 7.3)

    Cincia: epistm

    Contradio: antiphasis (no sentido de par contraditrio de

    proposies e tambm no sentido de negao de uma proposio)

    Contradizer: antiphanai

    Contrrio: enantion

    Deduo: sullogismos

    Definio: horos, horismos

    Demonstrao: apodeixis

    Dialtica: dialektik (a arte da dialtica)

  • 44

    Diferena: diaphora; diferena especfica, eidopoios diaphora

    Direta: deiktikos (sobre provas; oposto de atravs da impossibilidade)

    Espcie: eidos

    Especfico: eidopoios (da diferena que faz uma espcie, eidopoios

    diaphora)

    Essncia: to ti esti, to ti n einai

    Essencial: en ti ti esti (sobre predicados)

    Extremo: akron (dos termos maior e menor de uma deduo)

    Figura: schma

    Forma: eidos (ver tambm Espcie)

    Gnero: genos

    Hiptese: hupothesis

    Imediato: amesos (sem um meio)

    Impossvel: adunaton; atravs do impossvel (dia tou adunatou), sobre

    algumas provas.

    Incidental: ver Acidental

    Induo: epagg

    Meio, termo mdio (de uma deduo): meson

    Negao (de um termo): apophasis

    Negao (de uma proposio): apophasis

    Objeo: enstasis

    Particular: en merei, epi meros (sobre uma proposio); kathhekaston

    (sobre os individuais)

    Pertencer: huparchein

    Possvel: dunaton, endechomenon; endechesthai (verbo: ser possvel)

    Predicao: katgoria (ato ou instncia de predicar, tipo de predicao)

    Predicado: katgorein (verbo); kategoroumenon (o que predicado)

    Primrio: prton

    Princpio: arch (ponto de partida da demonstrao)

    Prprio, Propriedade prpria: idios, idion

    Qualidade: poion

    Reduzir, Reduo: anagein, anagg

    Refutar: elenchein; refutao: elenchos

    Substncia: ousia

  • 45

    Sujeito: hupokeimenon