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O livro “Só em Beagá – Histórias, Crônicas e Reportagens sobre o olhar de uma cidade” é a principal obra mineira sobre as peculiaridades da capital mineira dos últimos dez anos. Nos textos estão uma visão crítica da “Cidade de Minas”, assim chamada à época de sua inauguração ainda no século XIX, e de alguns dos fatos mais marcantes de sua história, como lendas urbanas, visão política e do contidiano local. O livro traz temas como o Capeta do Vilarinho, a Loira do Bonfim, as Torres Gêmeas de Santa Tereza, o mercado central, o Minascentro, a Praça da Liberdade, os rios canalizados sobre as avenidas urbanas, o viaduto da Almas, entre outras.
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Histórias, crônicas e reportagenssob o olhar de uma cidade
Eduardo Ferrari
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P Ponto de afluência de pessoas e mer-
cadorias, as cidades são, por isso
mesmo, o relato-síntese das regiões
onde estão incrustadas. O seu res-
surgimento ao final da Idade Média
anunciava, desde já, o reaparecimento
do comércio em larga escala, desalo-
jando o ruralismo mítico europeu para,
enfim, alargar as fronteiras do conti-
nente a todos os cantos do mundo.
Antes da modernidade, portanto,
cristalizada nas chaminés e no di-
nheiro, vieram as cidades.
Em Minas Gerias, as aglomerações ur-
banas nasceram a esmo, pulverizadas
e desconexas, ao entorno das jazidas
de ouro e diamante. O surgimento de
Belo Horizonte, comprovando o papel
de síntese regional desempenhado
pelas cidades, refletia a decadência de
todo um Estado, ameaçado, desde
sempre, a nunca existir como uma
unidade territorial.
Uma cidade que "caiu do céu",
habitada por mineiros "inventados"
pela elite dirigente local, tem, por
si só, especificidades marcantes.
Merecia, ou exigia, um cronista que
passeasse por suas ruas, visse seus
monumentos e casarios, observasse
a sua gente e seus costumes para
encontrar, em tudo isso, História e
estórias.
Tal como Nicolai Gogol imortalizou
São Petersburgo num caminhar pela
Avenida Niévski; tal como James Joyce
eternizou Dublin ao narrar um único
e desesperado dia na vida de um
homem; Eduardo Ferrari coloca Belo
Horizonte ao alcance de todos, numa
narrativa despretensiosa e singular.
Nos transcursos que faz, reencontra a
cidade que abrigou sua infância, a sua
juventude — a sua história pessoal,
enfim. Mas, mais do que isso: avista
uma cidade dos dias que correm,
divisando nela seu próprio passado
(ou o que sobrou dele), e indaga a res-
peito do tempo aberto à frente. Ape-
nas por isso, sem precisar de mais
nenhuma razão, "Só em Beagá" é
leitura obrigatória.
Danilo Jorge Vieira
jornalista e mestre em
Economia pela Unicamp
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Belo Horizonte | 2008
1ª edição
Histórias, crônicas e reportagenssob o olhar de uma cidade
Eduardo Ferrari
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Esta obra é uma co-edição Medialuna Comunicação e Editora e Mondana Editorial.Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra,
por quaisquer meios, sem a prévia autorização das editoras.
Esta obra integra o Projeto Letras Gerais, iniciativaconjunta das editoras Mondana Editorial e alberti & Carnevali
para promover a literatura mineira.
© 2008, Eduardo Ferrari
Av. do Contorno, 3.861 conj. 101 - São Lucas30110-021 - Belo Horizonte - MG
Telefone (31) 3309-2420Fax (31) 3309-2423
www.medialuna.com.br
Concepção e edição
Design gráfico, editoração e capa
Revisão
Eduardo Ferrari
Christina Castilho | Mondana:IB
Andréa Simões Lobato MoreiraMaria Carmen Lopes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ferrari, Eduardo.Só em Beagá: histórias e reportagens sob o olhar de
uma cidade / Eduardo Ferrari — 1. ed. — Belo Horizonte :Medialuna Editora : Mondana Editorial, 2008.
ISBN 978-85-61242-06-0
1. Artigos jornalísticos 2. Belo Horizonte (MG) – Descri-ção 3. Belo Horizonte (MG) – História 4. Crônicas brasileiras5. Jornalismo – Belo Horizonte (MG) I. Título.
08-05973 CDD-070.444098151
Índices para catálogo sistemático:1. Belo Horizonte : Minas Gerais : Crônicas
jornalísticas 070.444098151
www.letrasgerais.com.br
Rua Fernandes Tourinho, 470 s/ 709 - Savassi30.112-000 - Belo Horizonte - MG
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www.mondana.com.br
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Ivana, por idealizar este livro e por me tornar umapessoa melhor do que realmente sou.
Pedro e Gabriel, por serem minha credencial humana.
Danilo Jorge, por quase me convencer de que eu escrevo bem.
Sílvio Ribas, por ter me dado a idéia de criar um blog.
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Sumário
Prefácio
A cidade desconhecida
Os mineiros inventadosOrdem e progresso na terra do sol
O morro dos ventos ruminantes
Vive la indifference!
Os garatujas das montanhas
Alice passou por aqui
Horizonte perdido
A cidade da razão
Liberdade, liberdade
Foi um rio que passou por uma cidade
O mercado que quase veio abaixo
Assim como em ''Babel''
Perdidos no espaço
O último café da praçaSave our yellow cabbies
Artigo 334
A grande feira de artesanato do Brasil
No espelho
Il viaggio di un discendente italiano
Como professor Higgins diria: — Bullying!Quando fiz as pazes com o leite
Crianças dos “malls”
Os gritos do silêncio
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Lendas urbanas
O dia em que o capeta subiu a montanha
A lenda da mulher fantasma
O homem da camisa amarela
As gêmeas esquecidas de Santa TerezaA última passagem de 200 almas
O menino que quase virou um burrinho
Atleticanos com cruzeirenses
Balada de um gorila latino-americano
Gostosuras ou travessuras
Com que letra eu vou?Alma, Corpo e Mente
Brincadeira de criança
A palavra é...
The book is on the table
Relógio de sol
Muito além do jardimPrimeira, segunda e terceira
Não é de ninguém
''Era uma vez'' não é mais aquele
Maior Abandonado
Brincadeiras de pai para filho
Esta é a imagem de BH?
Epitáfio
Rapsódia em outubro
Meu amigo itabirano
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Prefácio
A cidade desconhecida
“Diga, você que não é daqui, qual imagem tem de Belo Horizonte?”.
A pergunta do jornalista Eduardo Ferrari, num dos primeiros textos
postados no soembeaga.blog.com, abriu espaço para várias referências
sobre a cidade — e muita polêmica — nos comentários dos internautas
que visitaram o blog, de fora e de dentro da metrópole.
Há décadas, a capital mineira tenta emplacar uma campanha ou
slogan com sua identidade. No início dos anos 80, surgiu “Eu amo a
Savassi”, a região que concentra grande parte do comércio chique. Seguia
os moldes do “I love NY”, que existe desde 1970.
Em 1997, ano do centenário da cidade, a campanha voltou com um
coração gráfico substituindo a palavra “amo”, num plágio completo da
versão novaiorquina. Recentemente, já no século 21, surgiu o selo “Eu
amo BH” acrescido do “Radicalmente”, que estampou propagandas na
tevê, camisetas, adesivos e outras tantas coisas.
Para Eduardo Ferrari, essa campanha foi uma tentativa forçada de
vincular a cidade aos esportes radicais. “Sinceramente, não consigo ver
BH como a Auckland brasileira”, diz ele, numa referência à cidade da Nova
Zelândia que se autoproclama “capital mundial dos esportes radicais".
Segundo Ferrari, nunca houve eventos e espaços na capital mineira que
justifiquem o título.
No blog, onde escreveu regularmente sobre a cidade por mais de dois
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anos, o jornalista mineiro fala do que considera marcas verdadeiras de
Beagá. Conta das imagens que vem registrando há quatro décadas, prin-
cipalmente das peculiaridades que só existem, ou existiram, neste e em
nenhum outro lugar.
No livro “Só em Beagá” está uma seleção dos textos mais significa-
tivos sobre a capital mineira no blog de Eduardo Ferrari, entre agosto de
2006 e fevereiro de 2008. Ricas em detalhes e informações históricas, as
crônicas do autor são verdadeiras reportagens sobre a cidade.
Num passeio pelas páginas a seguir, o leitor descobrirá esta Belo
Horizonte onde vive o único exemplar de gorila de toda a América do Sul;
onde está a maior feira em espaço aberto da América Latina; onde foi
inventado o jogo de peteca; e onde, em plena era de combate à pirataria
e ao contrabando, um “shopping popular” — imenso aglomerado de
camelôs — cresce com as bênçãos dos órgãos públicos e já é ponto turís-
tico obrigatório.
O leitor também se surpreenderá com as versões criativas paras as
famosas lendas urbanas da Loira do Bonfim e do Capeta do Vilarinho.
Então me diga, você leitor, era essa a imagem que tinha da cidade?
Ivana Moreira
Jornalista
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Os mineiros inventados
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Ordem e progressona terra do sol (1)
12 de Dezembro de 2007
Ao longo da existência de Belo Horizonte, a campanha de construção
da civilização foi, como escreveu Euclides da Cunha, um refluxo para o pas-
sado. Há 110 anos, o Brasil tentava encerrar o modelo imperial. Uma nova
cidade incrustada nas montanhas de Minas era um sinal desses tempos. En-
tretanto, na tentativa de romper com o passado, seus construtores perpetua-
vam um jeito de ver o mundo como os nobres o viram durante séculos.
Para tirar o poder de Ouro Preto, dos coronéis e das famílias abas-
tadas, quase todas ainda ligadas à monarquia, uma nova capital foi plane-
jada. Um dos seus lemas era a higienização, com largas avenidas, praças e
amplas sedes para o poder público — que ainda podem ser vistas no en-
torno da Praça da Liberdade. Um só caminho levava a todos os pontos da
cidade: a Avenida 17 de dezembro (hoje, do Contorno), dia originalmente
escolhido para a inauguração da Capital de Minas, mas que teve sua data
alterada em cinco dias devido ao medo de protestos de grupos da antiga
Vila Rica. Se eles vieram, chegaram com a cidade inaugurada.
Enquanto o Brasil republicano, da ordem e do progresso, construía
uma nova civilização nas montanhas mineiras, outra era expugnada nos
sertões baianos. Essas duas palavras do dístico da bandeira nacional aju-
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(1) O título deste post é uma referência a “Deus e o diabo na terra do sol”, filme deGlauber Rocha, a quem peço licença pelo uso.
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dam a explicar porque isso aconteceu. De inspiração na criação do filósofo
Augusto Comte, originalmente agregadas em três significantes (“O Amor
por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim”), o modelo re-
publicano nacional esqueceu convenientemente o amor. Bastava ordem e
progresso, sentenciavam. Em nome da ordem uma nação foi destruída.
Em nome do progresso outra nação foi construída.
Belo Horizonte se tornou o símbolo da jovem república, dos novos
tempos para o Brasil, mas significou o fortalecimento da exclusão social.
Enquanto prédios, avenidas e praças nasciam entre as montanhas; case-
bres e pessoas eram dizimadas na terra do sol pelo exército brasileiro por
um único crime de serem pobres. Em Minas, a tentativa de construir uma
nova cultura falhara e as mesmas elites que dominaram as cidades coloniais
mudaram apenas e progressivamente seus endereços para a nova capital.
Mas “Canudos não se rendeu” e todo o significado de sua morte
ajuda a explicar porque ainda hoje ricos e pobres travam sua batalha so-
cial no Brasil. Belo Horizonte, a primeira cidade planejada do Brasil, é o
reflexo dessa exclusão social onde ocorreu mais um “esmagamento ine-
vitável das raças fracas pelas raças fortes”.
Por aqui, ninguém gosta de se lembrar dessas derrotas da capital
mineira que levaram nos últimos 110 anos ao crescimento sempre pro-
gressivo da exclusão social, mas que começou ainda nas primeiras mal
traçadas linhas de seus criadores.
As campanhas dos governos locais preferem ser ufanistas. Talvez seja
por isso que a cidade não comemora seu aniversário com um feriado mu-
nicipal, como fazem cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Porque os
mortos em nome da ordem e do progresso merecem no mínimo umsilêncio respeitoso. Fechemos esta crônica.
NOTAS DO AUTOR
I. Todas as citações são do livro “Os Sertões", de Euclides da Cunha. Em 1897, Canudosfoi vencida em outubro quase ao mesmo tempo em que Belo Horizonte ficava prontae se preparava para sua inauguração.
II. Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, completa hoje, dia 12 de dezembro de 2007,seus 110 anos de existência. Eu nasci nessa cidade em julho de 1968. São quase 40anos de convivência, de chegadas, de partidas, de amores, de dissabores, de erros,de acertos. Sou belorizontino e justamente por isso me reservo o direito de ser críticoem relação à minha cidade. Ainda bem.
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(1) O título deste texto é apenas uma citação incidental do original “O Morro dos ven-tos uivantes”, de Emily Bronte, escrito em 1827, porque quando publicado teve umareação de rejeição. A diferença é que “ruminantes” é um predicado auto explicativodo conceito que se faz de alguns mineiros.
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O morro dosventos ruminantes (1)
01 de Novembro de 2007
A mineiridade está se transformando num mito vazio. Perdi a conta
das vezes que vi em jornais, ou de outros autores mineiros, que nascer
entre as montanhas proporcionava prospecção, comedimento, sabedoria,
conciliação e inteligência. De fato, penso que esse sentimento rima mais
com palavras como medo, mentira, hipocrisia, comodismo e atraso.
Quando eu era adolescente e li que Otto Lara Resende escreveu que “o
mineiro só era solidário no câncer”, eu confesso que achei um exagero e
uma piada de mau gosto. Mas nada como uma ou duas décadas de expe-
riências vividas para reconhecer quem estava certo.
Não por um acaso veio de Minas a figura mais famosa do governo
Lula e que ganhou o apelido de “Valerioduto”, o publicitário Marcos
Valério. A prática de se usar as agências de publicidade para financiar
eventos do governo não é nenhuma surpresa para os mineiros. Durante
anos, em administrações dos mais diversos grupos partidários, de direita
ou de esquerda, foram as agências de publicidade mineiras que repas-
saram o dinheiro para financiar sem licitação diversas ações, algumas com
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ampla divulgação e apoio da mídia.
É claro que corrupção não é uma exclusividade mineira, mas fica ine-
vitável acreditar que por aqui o hábito das confidências deixou apenas
maus exemplos. Ou será que alguém acreditaria ver por aqui uma cam-
panha como a da paulista Fiesp — “Eu sou contra a CPMF”? A história
de obediência das entidades patronais mineiras às vontades dos governos,
sejam municipais, estaduais ou federais, é histórica.
Os falsos portadores da mineiridade tornam o estado um mau exem-
plo em várias áreas. Este é um lugar onde mérito profissional perde para
a escolha dos amigos; onde a competência é menos importante do que
quem indicou e os resultados ficam em segundo plano quando o lucro
fica com quem assina os documentos.
Essas figuras abissais são como fantasmas que assombram em vários
setores e envergonham Minas. Nesses dias de comemoração do halloween
temos que ter medo é desses vivos. Agora e provavelmente depois deste
texto serei julgado figura não grata por muitos moralistas e porta-vozes do
sentimento mineiro. Não me importo. Se, como diziam no tempo em que
eu era menino numa escola pública, a carapuça serviu, fiquem à vontade
para não serem anônimos.
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(1) A expressão “vive la diffèrence” surgiu em Paris, na França, ainda na década de 60,para promover a valorização das diferenças entre homens e mulheres, em plena re-
volução sexual. Depois virou lugar comum pelo mundo afora na boca de pessoasque diziam que ser diferente é que era bom. Todos deviam ser diferentes, o que tam-bém é um outro jeito de dizer que ninguém é. Belo Horizonte parece acreditar quea indiferença é um caminho melhor do que o respeito às diferenças.
17
Vive la indifference! (1)
12 de Agosto de 2007
Quanto mais eu vivo, mais fé tenho no Brasil. Às vezes e entretanto,
confesso que o problema do Brasil são pessoas que deveriam ser a sua
solução. Não faz muito tempo, tivemos um presidente que, fosse a um
país mais civilizado, teria sido um sucesso. Fernando Henrique Cardoso
tinha tudo para dar certo. Sociólogo, doutor, engajado em causas sociais,
democrata, história de lutas políticas contra a ditadura. Nada disso foi
garantia de um bom governo.
No outro lado da moeda, mais uma vez, um modelo de presidente
que também tinha tudo para dar certo, Luiz Inácio Lula da Silva. Reti-
rante, operário, líder sindical, fundador de um dos maiores partidos
democráticos do país, um modelo de cidadão que se fez por seus próprios
méritos. Mais uma vez, um revés na expectativa da população.
Pessoalmente, tenho uma teoria sobre o que acontece com a elite
brasileira a partir do exemplo do microcosmo de Belo Horizonte. No fim
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da década de 80, Belo Horizonte foi considerada numa pesquisa da ONU
a melhor cidade da América Latina para se viver. Era a trigésima colocada
no ranking mundial. Sempre achei um exagero, mas uma capa na Na-
tional Geografic dava credibilidade ao resultado. Logo depois, outra
pesquisa feita à época pela Unicamp dava sinais preocupantes sobre o
pensamento local. Entre as capitais abaixo da região nordeste, BH era
a que tinha o maior índice de xenofobia contra imigrantes — 65% da
população reprovava a chegada, principalmente, dos nordestinos para
viver e trabalhar na cidade.
O fato é que Belo Horizonte perdeu muito em qualidade de vida nos
últimos dez anos e essa perda coincide com o crescimento econômico
local. Como explicar essa contradição e a xenofobia local? Simples: a
cidade recebeu e ainda recebe grandes investimentos. Isso faz com que os
imigrantes do norte que, naturalmente, já passariam por aqui, uma vez
que a cidade está na rota para São Paulo e Rio de Janeiro, acabem ficando
ao invés de seguirem viagem.
Assim, o cinturão de pobreza apenas aumentou enquanto a elite en-
riqueceu. Beagá tem uma característica única em relação a outras capi-
tais. A parte rica vive num raio muito restrito ao redor da avenida do
Contorno, chega no máximo até a reunião do BH Shopping, no bairro
Belvedere, quase uma cópia da Barra, no Rio de Janeiro, só que sem a
praia.
Alguns bairros, como Carmo, Funcionários, Lourdes, Mangabeiras e
Sion, têm IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) de
países nórdicos e superam um nível de alto desenvolvimento humano
(IDH-M de pelo menos 0,800).Enquanto isso, outras regiões da cidade têm resultados inferiores aos
piores municípios brasileiros, que não por um acaso, também estão em
Minas Gerais no chamado Vale da Miséria, região do Jequitinhonha. Para
as pessoas que vivem na parte rica, esse complexo de cidadão do primeiro
mundo, gera uma arrogância muito peculiar e, talvez, pouco conhecida de
quem é apenas um turista ou forasteiro de passagem pela cidade.
Então, a cidade quase sempre pacata revela nessa população seu traçode personalidade sombrio. Quanto mais endinheiradas e esclarecidas
(sinto muito, mas não posso denominá-las “cultas”) as pessoas, mais dese-
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ducadas e arrogantes se tornam. Essa situação se reflete no dia-a-dia da
cidade e ajuda a explicar muita coisa. Porque Belo Horizonte tem um dos
piores trânsitos do país? Ora, por causa dessa característica. Porque os
motoristas brigam até em estacionamento de shopping center por uma
vaga? Pronto, mais uma vez a tal característica. Porque os administradores
públicos locais ignoram as reais necessidades da população, como segu-
rança, e afirmam ser este o estado que mais cresce no país? Mais uma vez,
vem a arrogância como explicação.
Belo Horizonte é uma cidade arrogante e tem vários exemplares hu-
manos nessa linha de frente. Em geral, nos restaurantes, as pessoas mal-
tratam os atendentes porque ao pagarem pelo serviço acreditam que têm
esse direito. Se estiverem num carro melhor do que os outros, acreditam
que podem parar em fila dupla ou invadir a contramão, mesmo num
pátio interno de manobras, porque são mais importantes do que os ou-
tros e estão acima das leis.
Até aquelas pessoas que deveriam dar o exemplo porque viajaram
para fora do país, e conhecem outras culturas, ao chegarem aqui ficam
mais arrogantes ainda. Mesmo que em suas estadas no hemisfério norte
tenha sido cidadão de segunda classe (embora não o confessem em
público), se julgam no direito de ser arrogantes. Essas pessoas, e não são
poucas em Belo Horizonte, porque ocupam quase todos os metros
quadrados da avenida circular da região central, simplesmente não
aceitam a diferença — de opinião, de modo de vida ou de valores.
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(1) O garatujas das montanhas é uma figura de linguagem para o personagem fictício daterras mineiras. Ele, é óbvio, não existe, mas ajuda a explicar a ingenuidade dos
mineirinhos diante das grandes metrópoles, como a própria capital da serra do Cur-ral, ou ainda histórias de sertanejos que ao chegar pela primeira vez por aqui com-praram lotes ou áreas inteiras do Parque Municipal de “corretores” que faziamnegócios de oportunidade.
Os garatujas das montanhas (1)
27 de Julho de 2007
A capital de Minas, por vezes, parece ser uma cidade de garatujas.
Foi o escritor José de Alencar, ainda no século XIX, que utilizou o termo
para definir o que acontecia nos tempos coloniais da capital da terra Brasil.
A história é a primeira da coleção “Alfarrábios”, lançada em 1873, onde o
autor falava das “pieguices e ingenuidades” de nosso país, segundo suas
próprias palavras.
O texto original descrevia o ano de 1659, ou dois séculos antes de
sua publicação, quando a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro quase
encontrou uma revolução. Para Alencar, pré-homônimo do atual vice-
presidente do Brasil, depois de 200 anos, as crianças se mostravam mais
espertas do que os adultos do século 17.
Talvez venha daí a utilização do termo. Para psicólogos e pedagogos,
nas teorias criadas a partir do século 20, a criança passa pelo estágio da
“garatuja” entre dois e quatro anos de idade. Ela, a criança, sente prazer em
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(2) Algumas pessoas me perguntam porque a capital mineira é chamada de a tal “roçailuminada”, que os próprios habitantes falam. De fato, não tenho certeza, mas o per-sonagem das garatujas é minha teoria. Que cada um crie a sua própria história.
21
traçar linhas em todos os sentidos, sem levantar o lápis, o qual é como se
fosse o prolongamento de sua mão. Os traços estão em relação direta com
o “eu” (ego) das crianças: quando felizes, as linhas sairão fortes e ocuparão
um grande espaço na folha; quando instáveis, deixarão cair o lápis;
quando não estão se desenvolvendo bem, não o sabem segurar. Piaget de-
terminou esse período de desenvolvimento como pré-operacional.
A capital mineira, assim como a carioca, já teve nomes inusitados.
Começou a nascer numa prancheta ainda na região que era chamada de
Curral Del Rey. Foi inaugurada como Cidade de Minas e, apenas na dé-
cada de 20, virou Belo Horizonte que ganhou o diminutivo de Beagá, na
pronúncia das letras que formam a sigla de seu nome.
Talvez porque a capital mineira é muito mais nova do que a capital
fluminense, seja compreensível que os belorizontinos estejam passando
hoje o que José de Alencar escreveu sobre o século 17 sobre os cariocas,
que ainda nem tinham esse gentílico como referência. Dizia Alencar que
“o homem é sempre menino até morrer de velhice; e que depois das crian-
çadas do pirralho, vêm as travessuras do rapazola, e por último as estre-
polias (sic) dos barbaças, as quais são as piores, sobretudo quando
começa-lhe a grisar o pêlo.”
Isso talvez ajude a explicar porque algumas pessoas, muitas delas
nascidas em Belo Horizonte, dizem que a cidade é a “roça” iluminada (2).
A junção de mineiros vindos de todas as partes do estado para inventar a
nova capital uniu o rural com o urbano, as montanhas com os sertões, os
pensadores com os construtores, mas não preparou nenhum deles para a
cidade quase cosmopolita que seus idealizadores imaginavam. É certo que
a cidade salvou Minas Gerais da fragmentação e impediu que as capitaisde São Paulo e Rio de Janeiro influenciassem ainda mais os territórios
gerais das minas decadentes de ouro e pedras preciosas. E olhem que,
ainda assim, a Zona da Mata é tão carioca quanto o Triângulo Mineiro é
paulista.
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A capital mineira reuniu uma síntese de um estado síntese do Brasil.
Quantas vezes não ouvimos que se o Brasil fosse dividido em regiões
menores criaria países com índices europeus, como se territórios menores
fossem garantia de desenvolvimento por serem mais fáceis de adminis-
trar. Pergunte a grande parte da América espanhola ou da África se isso é
verdade e terá, provavelmente, uma negativa como resposta. Além disso,
é fácil querer separar o sudeste depois que ele foi construído pelo esforço
do nordeste. Lembrem-se que a região rica do país no período colonial
estava bem acima do trópico de capricórnio.
Hoje, no século XXI, BH tem um núcleo central onde vivem menos
de 500 mil pessoas, menos de um quinto da população, que concentra
tudo que acontece por aqui. É, inusitadamente, a planta original da cidade,
que fica no máximo ao redor da avenida do Contorno (que ao ser inau-
gurada ganhou o nome da data de aniversário, 17 de dezembro). De fato,
a cidade teve antecipada sua abertura para 12 de dezembro para impedir
que protestantes da capital antiga, Ouro Preto, atrapalhassem o evento —
a avenida não resistiu ao nome fictício e virou o contorno de tudo.
Essa característica atravessou um século e fez com que quase todos
se conhecessem na cidade. Ainda hoje, é difícil não encontrar alguém que
lá no fundo não seja conhecido de alguém da sua família ou de seus ami-
gos. Não é à toa que paulistas e cariocas por vezes reclamam que em
Minas você precisa ter relacionamentos, conhecer e se fazer conhecer pelas
pessoas seja para o que for. Se por um lado isso dá aos mineiros sua fama
de desconfiados e de solidários apenas no câncer, conforme escreveu Otto
Lara Resende bem antes deste texto, também proporciona a quem con-
quista a simpatia do mineiro uma amizade eterna. E isso não é pouco.
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Alice passou por aqui
10 de Novembro de 2006
Numa revista mineira, encontro matéria sobre a venda de aparta-
mentos por dia em Belo Horizonte. Vende-se um apartamento de meio
milhão de reais por dia e há fila para conseguir desembolsar a quantia. Os
dados são baseados em pesquisa sobre o mercado imobiliário mineiro do
Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas
Gerais (Ipead). O levantamento mostra que, desde 2005, foram negocia-
dos mais de 300 imóveis nessa faixa de preço.
Descubro, quase por acaso, que a ilha da fantasia está aqui mesmo,
dentro da Avenida do Contorno. Ou num raio de até cinco quilômetros
ao sul da cidade. Quem não conhece a capital ou está aqui de passagem
pode imaginar que Belo Horizonte — tão presenteada no passado por
dinheiro da Europa, de onde vieram siderúrgicas e praças para enfeitar o
frontispício de palácios governamentais — é a própria Bélgica.
Nada contra os ricos, mas a questão é o outro lado da montanha.
Algo como definiu o economista Edmar Bacha, em 1974, quando cunhou
a expressão “Belíndia” para o que seria a distribuição de renda no Brasil,
uma mistura entre a pequena e rica Bélgica e uma imensa e pobre Índia.
Essa mesma expressão foi usada depois pelo escritor Luiz Fernando Verís-
simo para criar uma bem-humorada disputa olímpica entre os imagi-nários belgas e indianos do Brasil. No futebol, de cara, dava Índia.
Barbada. No golfe, dava Bélgica. Por W.O.
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No campo da distribuição de riquezas, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1992 e 1999, o rendimento dos
10% mais ricos e dos 40% mais pobres cresceu percentualmente a mesma
coisa. O que significa dizer que, em termos absolutos, o fosso aumentou.
Se em 1992 a diferença de renda entre os dois grupos era próxima de
R$ 1.800,00, em 1999, último ano em que a pesquisa foi divulgada, ela
passou para perto de R$ 2.300,00. Um aumento de R$ 500,00.
Como nunca antes na história deste país, isso ajuda a explicar porque
um governo corrupto (o leitor, mesmo partidário, conhece algum governo
que realmente não seja?), mas que investiu pesado num programa de dis-
tribuição de renda, se elegeu com a maioria esmagadora, mesmo com os
formadores de opinião do país tentando impedir.
NOTA DO AUTOR
I. O título é uma referência ao mundo dos sonhos de Lewis Carroll, onde Alice vivia nummundo onde encantamento e perversidade conviviam sem remorsos. Um dia, en-tretanto, ela acordou de volta à realidade.
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Horizonte perdido (1)
08 de Setembro de 2006
Belo Horizonte carrega o título de ser a primeira cidade moderna
planejada do Brasil. Depois dela, vieram Brasília e Goiânia, para citar ape-
nas outras capitais. O feito, um colosso para o fim do século XIX, mostrou
a falta de visão dos idealizadores do projeto. Este, inspirado em cidades
como La Plata e Washington, previa que Belo Horizonte teria 100 mil
habitantes quando a cidade completasse 100 anos de vida. Nessa data, em
12 de dezembro de 1997, a população ultrapassava a marca de 2 milhões
(mais de 2.000% além do planejado).
A planta original, que consistia apenas na área dentro da avenida do
Contorno (na época com o nome de avenida 17 de Dezembro), havia ex-
trapolado para dezenas de quilômetros além desse limite. Essa quebra do
“Tratado de Tordesillas”(2) começou poucos anos após a abertura oficial da
(1) “Horizonte perdido", o título dessa crônica, é também o nome homônimo do livro deJames Hilton, sobre a descoberta de Sangri-Lá, um mosteiro de monges budistasonde ninguém envelhece. A obra foi publicada em 1933 e sintetizava o descon-tentamento com os valores ocidentais. Acho que é quase isso que aconteceu comBH: o horizonte e ideais de seus fundadores foram perdidos e não importa o que
digam sobre a qualidade da cidade. Há um descontentamento no ar e isso pode serpositivo para repensarmos que cidade queremos para nossos descendentes.
(2) Tratado de Tordesillas: acordo entre portugueses e espanhóis que definia qual a áreadas América do Sul seria de cada um desses países tenho como referência a linha
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capital. Os operários recrutados para a realização das obras ficaram sem
lugar para morar e logo foram construídos os primeiros prédios e con-
juntos habitacionais fora da área externa da avenida (quase como um anel
rodoviário, embora naquela época ninguém soubesse o que era isso) que
estavam muito longe da cidade ou da parte dela que interessava aos cons-
trutores.
Se faltou visão aos construtores, faltou mais ainda aos adminis-
tradores (leiam claramente: prefeitos!) da cidade ao longo desses mais de
100 anos: em toda a história da cidade jamais houve um planejamento
consistente que previsse os desafios da grande metrópole que se tornaria.
Seria uma irresponsabilidade culpar quem construiu a cidade pelo destino
que ela tomou sem eles.
Apenas na década de 40, a cidade realmente começou a ter vida em
suas “ruas empoeiradas”, com o primeiro grande movimento imigratório
que chegou à capital, vindos de várias outras cidades do interior do estado
de Minas Gerais. Mas como a cidade não havia sido planejada para esses
“pobres” surgiram bairros inteiros fora da área original — erro que se
repetiu em Brasília, com as cidades que surgiram fora do plano piloto ou
do “mundo perfeito”(3) das pranchetas.
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do Trópico de Capricórnio. O acordo selou a paz entre as nações e funcionou muitobem. No papel. Os portugueses não respeitaram a fronteira e ampliaram o territóriobrasileiro.
(3) Mundo Perfeito: poucas vezes vi a definição desse conceito expressa claramente. Al-guns publicitários com quem conversei me explicaram que se trata de uma definiçãosubliminar do que é retratado pela publicidade nos anúncios e campanhas: sempreé um “mundo perfeito”, mas que não tem antes, nem depois. Apenas aquele mo-mento. O mais clássico deles é a família reunida para saborear uma margarina (todaa felicidade do mundo no rosto de todos, uma cozinha incrível e o sabor insuperáveldo produto. E só. Não há nada depois disso. As pessoas que estão assistindo quetentem reproduzir esse mundo para elas).
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A cidade da razão
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Liberdade, Liberdade (1)
24 de Agosto de 2006
Há algum tempo recebi um “spam” com uma mensagem planfetária
que dizia “precisamos impedir a criação da Praça da Cultura em Belo Ho-
rizonte”. O argumento é que o projeto irá desfigurar patrimônio histórico,
alterar construções e promover a invasão do espaço público que é a prin-
cipal praça da cidade, a Liberdade.
Vi pouca ou nenhuma cobertura da imprensa local sobre o projeto
em si (que inclui reformular os prédios históricos ao redor da praça como
centros culturais, teatros, cinemas e restaurantes) e quais serão as altera-
ções na praça, mas sinceramente achei a discussão e, principalmente, este
spam muito rasos. Fica parecendo a verdade: discussão de terceiro mundo
e de quem tem pouca informação sobre o assunto.
Basta ver exemplos de lugares mais desenvolvidos, como o Royal On-
tario Museum (ROM), o maior museu de Toronto e do Canadá, que está
passando por um projeto que une a construção centenária com formas
modernas, ou o Wembley Stadium, em Londres, que teve preservado ape-
nas seus pilares da entrada, ou ainda o Louvre, em Paris, que já teve
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(1) Nome original de uma das obras pioneiras do teatro de resistência, a peça Liber-
dade, Liberdade, escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, reúne textos de dife-rentes épocas e estilos para falar de um direito que estava prestes a ser seqüestrado.
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grandes obras (ou alguém imagina que a cúpula em forma de prisma é do
século XIX) para citar apenas alguns.
Mesmo Belo Horizonte tem um ótimo exemplo nessa área. O Minas
Tênis Clube, o maior e mais tradicional clube da cidade, reconstruiu em
2001 seu ginásio esportivo nas proximidades da própria Praça da Liber-
dade. Demoliu o antigo, da década de 40, e ergueu uma arena multiuso de
última geração. Quaisquer protestos sumiram, assim que o novo espaço
tomou conta da paisagem, mostrou sua funcionalidade e revitalizou a
região.
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(1) O título do post é uma referência incidental e intencional da canção “Foi um rio quepassou em minha vida”, de Paulinho da Viola: “Minha alegria voltar / Não posso definiraquele azul / Não era do céu; nem era do mar / Foi um rio que passou em minha vida/ E meu coração se deixou levar”. A letra, composta em 1970, é uma homenagem à
escola de samba Portela, feita após uma desavença do compositor com os diretoresda agremiação. Paulinho da Viola, nascido e criado na Portela, não voltou mais a des-filar pela escola depois de escrever essa canção. Numa figura de linguagem, Beagánasceu por causa de um rio e o rio morreu por causa de Beagá.
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Foi um rio que passoupor uma cidade (1)
01 de Dezembro de 2007
Belo Horizonte são águas passadas. Por baixo de quase todas as suas
principais avenidas passam rios ou pelo menos o que sobrou deles. Não
mais do que há duas décadas, a própria Afonso Pena, a principal avenida
da capital, expunha seu córrego. A canalização era fechada apenas até a
praça Tiradentes. A transformação desse e de dezenas de outros rios em
tubos de esgoto, no pior sentido da palavra, vem desde o início da história
da cidade quando seus construtores pensavam em “higienizar” as avenidas
escondendo os córregos ao invés de integrá-los à paisagem e se fortale-
ceu, recentemente, a partir de 1979, ano em que a cidade foi vítima da
maior enchente de sua história.
Naquele tempo, o rio Arrudas, ainda não totalmente canalizado,
subiu dezenas de metros além do seu leito e as águas invadiram as escadas
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de embarque da rodoviária, algo perto de 10 metros de altura acima da
Avenida Andradas onde o rio fica escondido. Por aí, se pode imaginar o
volume de água que saiu do rio. Assim como hoje, os políticos da época,
prefeito de Belo Horizonte Maurício Campos e governador de Minas
Francelino Pereira, colocaram a culpa das enchentes no grande volume
de chuvas que caíram sobre a região. Notícias que a cada ano se repetem
no discurso das autoridades com o apoio da própria imprensa que se
limita a dizer quantos morreram e o volume de águas por centímetro
cúbico.
Um passeio pela região Centro-Sul da capital esconde dezenas de
córregos, rios e riachos desaparecidos. As avenidas Bandeirantes, Uruguai,
Nossa Senhora do Carmo, Agulhas Negras, Mem de Sá, Francisco Des-
landes, Prudente de Morais, Brasil, Bias Fortes, Francisco Sales, Carandaí,
Alfredo Balena, Silviano Brandão, além das já citadas Afonso Pena e An-
dradas, mostram o potencial de nascentes destruídas e o impacto am-
biental que a urbanização provoca. Quem se preocupa com outros em-
preendimentos, como mineração, por exemplo, deveria saber que o maior
impacto ambiental que pode existir é o da criação de uma cidade.
Outro agravante é o que se esconde por baixo dos rios desaparecidos.
Recebo um trabalho de um grupo de alunos do curso de engenharia civil
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que fez um estudo
sobre o desgaste das lajes de fundo das galerias de águas pluviais (da
chuva) de Belo Horizonte. As imagens quase despertam um sentimento
de vergonha. Algo como se varrêssemos a sujeira para debaixo do tapete
de nossas casas para escondê-la das visitas. A diferença é que, neste caso,
a nossa casa é a cidade que, em última instância, é o planeta. A sujeira nãoé exatamente varrida para debaixo de algo. Vai para a água de um riacho
transformado em esgoto que vai para outro rio e outro rio e outro rio e
outro até um dia alcançar o mar. É a colaboração de Belo Horizonte, dos
seus políticos e da população da cidade de Minas (nome original da BH)
para a degradação ambiental do planeta.
Os defensores de projetos para fechamento (ou deveria dizer: sepul-
tamento) dos rios, como é o caso da recente obra da Linha Verde doribeirão Arrudas, tão alardeada pelo governador Aécio Neves, deveriam
conhecer um pouco mais do que acontece sob seus pés. BH tem um plano
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diretor de drenagem urbana que, segundo o estudo dos alunos da UFMG,
inspecionou 74 canais revestidos e fechados do Ribeirão Arrudas e 52
canais revestidos e fechados do Ribeirão do Onça, totalizando 120
quilômetros de galerias. Em todas, como nos córregos Cardoso, sob a
Avenida Mem de Sá; da Serra, que inclui trechos da Avenida do Contorno,
e do Francisco Deslandes, sob a avenida homônima, a situação é, para
dizer o mínimo, aterradora.
A corrosão já tomou conta dos leitos artificiais, não há qualquer con-
trole do esgoto recebido nas águas — que nem merecem mais o nome da
fórmula H2O — e o lixo acumulado inclui até objetos de grande porte
como máquinas de lavar. Essa situação mostra o que qualquer morador
das cidades brasileiras sabe. Não há fiscalização, controle ou trabalho de
conservação do que está fora do alcance dos olhos da população. Provavel-
mente, Belo Horizonte verá novamente dias em que suas avenidas foram
engolidas pelas águas, como em trechos da Mem de Sá e Andradas, e tudo
que a administração pública fará é pedir mais dinheiro para consertar os
estragos da chuva e da ira divina.
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(1) O Mercado Central de Belo Horizonte fica na avenida Augusto de Lima (nº 744). Tem
estacionamento, como nos modernos shoppings centers, mas o melhor mesmo é ircaminhando até lá, pois a região em que está instalado também é um atração. Omercado funciona em horários que variam de 7 às 19 horas, menos aos domingos eferiados, quando fica aberto até as 13 horas.
O mercado quequase veio abaixo
22 de Janeiro de 2007
Foi no Mercado Central(1) que eu, então com dez anos de idade, vi
pela primeira vez um pêssego. Minha surpresa foi tão grande que per-
guntei ao feirante o que era “aquilo” e ganhei de presente duas frutas. Até
então, eu, um menino completamente urbano, apenas tinha visto o
pêssego em caldas, embalado nas latinhas e sem o caroço. Isso foi em 1978.
Também passei vários sábados com meu pai, mas principalmente
com alguns dos meus irmãos mais velhos, indo ao mercado para comer a
famosa carne com cebola — aqui vai a confissão de que eu nunca comia
a cebola, apenas a carne —, nos “botecos” que ficam na entrada ou saída
do mercado e onde se formam filas para experimentar a “iguaria”.
Apesar dos quase 80 anos de existência, o Mercado Central não
perdeu o seu charme e ainda é uma das atrações mais típicas da cidade.
São cerca de 200 lojas com uma variedade de quase dois mil produtos.
Nele, o visitante (seja de Belo Horizonte ou um turista de outra cidade)
encontra desde artesanato até os melhores produtos naturais de Minas.
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Em geral seus produtos; bebidas, legumes, frutas, carnes e queijos,
custam mais do que no sacolão da esquina ou em “delicatessens”. Esse fato
se explica pela qualidade dos produtos do mercado. O queijo minas está
caro? Pode comprar porque ele é muito mais novo do que em outros lo-
cais. A cachaça mineira custa acima da média? Desafio o leitor a encon-
trar outro local que tenha tanta variedade e garantia de procedência. A
carne está com o preço salgado? Tenha certeza de que é fresca e sem qual-
quer conservante.
O Mercado Central de Belo Horizonte foi construído em 1929
quando a cidade tinha apenas 47 mil habitantes. Ele unificou as duas
grandes feiras de produtos existentes, a da Praça da Estação e a da praça
da atual rodoviária. Num terreno de 22 lotes, gigantesco para a época,
próximo à Praça Raul Soares, as barracas de madeira se enfileiravam nos
14 mil m2 do terreno descoberto, circundado pelas carroças que trans-
portavam os produtos. Uma imagem muito diferente da atual.
Foi assim até 1964, quando o prefeito resolveu vender o terreno e
quase acabou com o local. Nesse ano foi erguido o galpão que hoje é a ca-
racterística principal do mercado. Com o risco de venda da área, os
feirantes se uniram e passaram a administrar o mercado. Em apenas 15
dias, quatro construtoras ergueram, cada uma delas, uma lateral do
galpão. O feito impediu a venda do terreno pela prefeitura e a desativação
do mercado.
Outro fato curioso aconteceu em 1969, quando o presidente do Chile
veio a Belo Horizonte e visitou o mercado. Ele gostou tanto que quis cons-
truir um em seu país. Saiu de BH com a planta original do Mercado Cen-
tral. Alguns anos depois, a cidade de Santiago do Chile ganhou ummercado semelhante ao belorizontino.
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(1) Babel, que significa “confusão”, foi o nome dado ao local que ficou conhecido pelaconstrução de uma grande torre. Segundo as Escrituras Bíblicas, muito tempo depoisdo dilúvio, quando todo o mundo ainda falava a mesma língua, a população da terrafoi habitar as planícies do Oriente e decidiram construir uma cidade e uma torre paraserem famosos e não se separarem uns dos outros. Isso foi uma desobediência àsordens de Deus para que se espalhassem e povoassem a terra. A torre também seriaum lugar de adoração ao Sol, à Lua e às estrelas — um culto à criação e não ao Cria-dor. Então, Deus confundiu as palavras de todos; criando diferentes idiomas e obri-gando o povo a se espalhar pela terra.
Assim como em “Babel” (1)
14 de Agosto de 2006
Na quarta temporada de “The Simpsons”, que foi ao ar entre os anos
de 1993 e 94, há uma episódio chamado “Marge contra o Monotrilho”
(do original “Marge vs. the Monorail”). A história é previsível: conta como
Springfield ganhou uma indenização do capitalista local (Sr. Burns), por
irregularidades ambientais cometidas no seu conglomerado empresarial,
e fez “uma audiência pública” para decidir como utilizar o dinheiro.
De várias propostas, que incluíam consertar a avenida principal,
venceu a de construção de um monotrilho (um trem de superfície). De-
pois de muitas desventuras, o empreendimento quase provoca um aci-
dente, mas todos se salvam. Marge termina o episódio contando que a
cidade “aprendeu” com a experiência e depois disso nunca mais se inte-
ressou por construções bizarras, a não ser um arranha-céu de fibra de
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vidro que ficava balançando ou uma escada rolante que chegava às nu-
vens, mas que não ia a lugar nenhum e quem se atrevia a utilizá-la caía das
alturas ou ainda...
De vez em quando, Belo Horizonte parece ser acometida pelo espírito
de Springfield. A mais recente aventura na área é uma torre que é divulgada
com o criativo nome de “A Torre”. O empreendimento faz parte de um
shopping center e, segundo seus criadores, trata-se da maior torre do Brasil,
com 101 metros. Ela também está instalada numa região montanhosa que
a coloca a mais de 400 metros de altura da região central da cidade.
A construção foi anunciada com pompa e circunstância, mas sempre
que passo próximo tenho a impressão de se tratar de uma torre anã. Talvez
porque tenha sido construída junto ao complexo do shopping e isso fez
com que perdesse metade do seu aparente tamanho — a torre está prati-
camente “colada” a um pavilhão quase do tamanho dela.
O resultado foi que, até agora e embora a torre seja realmente muito
bonita, ela não está atraindo a atenção de ninguém. O próprio shopping
praticamente não tem lojas funcionando e apenas uma franquia interna-
cional resiste no local (muito mais pela tradição festeira da cidade e da
curisiodade da meninada que ainda não conhecia a franquia). Até as salas
de cinema fecharam, temporariamente dizem os empreendedores, por
falta de público.
Além da impressão da torre ser bem menor do que parece, não sei o
porquê do seu “fracasso”. É claro que Belo Horizonte já tem mirantes na-
turais suficientes para não motivar ninguém a pagar para subir num ar-
tificial. O que fica claro é que a cidade está repleta de histórias de
empreendimentos que vieram com muitos anúncios e desapareceramno anonimato. A lista inclui desde casas de shows (como Olímpia) até
shoppings centers (como o Central Shopping), mas o capítulo final da
“Torre” ainda está para ser escrito.
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Perdidos no espaço
19 de Outubro de 2006
Parece estar chegando ao capítulo final o destino da “torre” de Belo
Horizonte. O que era para ser a maior atração do Altavila Center Class
virou um símbolo de fracasso. Na próxima segunda-feira, dia 23, vários
lojistas apresentam à Justiça pedidos de indenização por danos morais
causados pelo insucesso do empreendimento.
A história não é nova. De tempos em tempos, a cidade é agitada por
anúncios de novos centros comerciais e, na seqüência, surpreendida pelo
fechamento repentino desses negócios. Antes do Altavila, que custou
R$ 50 milhões, os shoppings Central e Bahia também consumiram
grandes fortunas e viram seus esforços sucumbirem à falta de público.
O Central Shopping, à época de sua inauguração, foi anunciado
como um novo tempo para a cidade. Era, depois de quase duas décadas,
o primeiro novo shopping da cidade. Antes, a capital mineira havia sido
a segunda cidade brasileira a ter um shopping, logo depois do Rio de
Janeiro. Um feito para aqueles anos finais da década de 70, pois até São
Paulo ganhou o seu depois de Minas. O BH foi tão importante que
virou sinônimo de shopping. Mesmo hoje quem é da cidade fala ir ao
“shopping” se referindo a ele. Mas o Central, que tinha tudo para ser um
grande sucesso rapidamente ganhou o apelido de “ZN” (zona norte) e viu seu público ir minguando gradativamente até fechar em meados da
década de 90.
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A idéia do empreendimento, entretanto, era tão boa que o seu suces-
sor, construído também no hipercentro da cidade, se tornou um dos
shoppings mais rentáveis do país. O sucesso do shopping Cidade, que fica
a menos de um quilômetro do antigo Central, levou provavelmente ao
fracasso outro empreendimento, o Bahia Shopping. Instalado no antigo
espaço da mais famosa das lojas de departamentos que existiram em Belo
Horizonte, o Bahia não conseguiu escapar do mesmo destino da Sears —
que existe até hoje em países do primeiro mundo. Contra ele deve ter pe-
sado a distância de uma quadra do Cidade. Motivo similar que talvez ex-
plique a decadência quase instantânea do Altavila, construído a menos de
um quilômetro do BH.
A lista de empreendimentos comerciais que fracassaram na cidade é
longa e inclui marcas famosas como a própria Sears, Mesbla, Pão de Açu-
car e Embrava; shoppings menores como Casa Raja Shopping e Shopping
Jardim; ou outros negócios que vieram com marcas fortes, como Arturo's,
Bob's, Chicken In, Hipodromo e Olímpia, mas tiveram pouco tempo de
glória. Ainda assim, Belo Horizonte é uma das cidades brasileiras com
maior número de freqüentadores em shopping centers como Del Rey,
Diamond, Minas, Pátio Savassei e Ponteio.
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O último café da praça
27 de Outubro de 2006
“A Cafeteria” da Praça da Savassi fechou. Em seu lugar, surgiu mais
uma loja de telefonia móvel. Inaugurada em 1996 como “Três Corações”,
mudou de nome quando a marca do café foi vendida para um grupo is-
raelense. Durante uma década foi uma tradição passar pelo local antes ou
depois do cinema ou do teatro para tomar um cappuccino e degustar uma
trufa. Com seu fechamento, chega ao fim mais um capítulo da história
gastronômica da Praça.
Tudo começou na década de 40, quando os irmãos Hugo e José Gui-
lherme Savassi inauguraram a Padaria e Confeitaria Savassi na então
chamada Praça 13 de Maio. A padaria era o estabelecimento mais luxuoso
e moderno do Brasil (alardeavam seu donos à época) com balcões de
cristal, luz indireta nas vitrines, mesas de metal cromado e mármore,
cadeiras de sucupira que compunham o salão de chá.
A atração foi tamanha que primeiro a praça e depois o bairro ado-
taram seu nome. No fim dos anos 60, os proprietários venderam o ponto,
que ficava entre a avenida Cristóvão Colombo e rua Pernambuco, onde
hoje existe uma loja de telefonia celular. A Padaria Savassi migrou para a
rua Rio Grande do Norte, mas nunca mais repetiu seu sucesso.
Durante a década de 70 e início dos anos 80, foi a vez de outra con-feitaria atrair as atenções na Praça. Com o sugestivo nome de “Torre
Eiffel”, seus salgados e doces eram motivo de “romaria” na região. Pessoas
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de outros bairros costumavam encomendar bolos para festa de aniver-
sário ou apenas para saboreá-los em casa. A rede de confeitarias, que pos-
suía outras unidades espalhadas pela cidade, também não resistiu à
especulação financeira e vendeu seu ponto. Atualmente, a marca Torre
Eiffel ainda existe apenas como fornecedora de salgados para outras
padarias e lanchonetes de Belo Horizonte.
A Cafeteria Três Corações ocupava todo um corner da praça. O inte-
rior era mobiliado com madeira e aço e as mesas decoradas com grãos de
café sob vidro. Foi inaugurada como um modelo, diziam seus proprie-
tários, para criação de franquias por todo o país. Não deu certo, embora
o movimento da unidade fosse muito grande, mesmo com a fama de um
atendimento ruim.
O charme e qualidade do café garantiram a espera de mesas nos fins
de semana, às vezes, por mais de uma hora. O início do fim, provavel-
mente, coincide com a perda da bandeira Três Corações e a ocupação do
espaço público ao redor da cafeteria com dezenas de mesas. Depois disso,
sempre foi possível ver mais pessoas fora do que dentro dela.
Em breve, a Praça da Savassi será apenas um ponto de referência para
outras atrações do bairro. À noite, estará entregue aos neons que ilumi-
nam as lojas de “quinquilharias eletrônicas descartáveis” (serão quatro as
operadoras de telefonia móvel no local, uma em cada esquina da Praça).
Restará apenas o McDonald’s, o que não pode ser chamado exatamente
de uma “atração gastronômica”.
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(1) “Salve nossos táxis amarelos” é o nome de uma campanha que acontece em NewYork pela manutenção do modelo e cor dos táxis da cidade. Belo Horizonte também
já teve seus carros amarelos. Eles mudaram de cor porque os taxistas reclamavamda desvalorização dos veículos na hora da revenda. No tempos dos amarelinhos, oserviço era muito melhor (nota do autor) e talvez até merecesse o título. A mudançade cor aconteceu no fim dos anos 80. Hoje, são brancos ou azuis.
Save our yellow cabbies (1)
09 de Outubro de 2006
A Prefeitura de Belo Horizonte acredita que a cidade tem o melhor
serviço de táxis das Américas. De onde ela tirou esse título, não se sabe
exatamente. A primeira vez que essa história surgiu foi na reunião geral da
Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que aconteceu em 1997.
Naquela época, a BHTRANS, empresa de transporte público local, entu-
siasmada com a presença de representantes de 34 países do continente
(seriam 35, mas Cuba foi excluído), “vendeu” um curso de capacitação
em inglês e espanhol aos taxistas para atenderem estrangeiros. É desse
período que surgiu um adesivo para ser colocado no vidro dos “carros de
aluguel” — o melhor serviço de táxi das Américas.
Ao contrário do que a BHTRANS previa, a maioria dos estrangeiros
foi transportada por serviços particulares de vans. Os taxistas ficaram na
vontade e não recuperaram nem os custos dos cursos de capacitação.
Desde então, o título de melhor permaneceu nos adesivos esquecidos nos
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carros. Difícil é ver alguma diferença dos táxis mineiros para paulistas ou
cariocas. Apenas as distâncias, menores em BH, facilitam o trânsito e tor-
nam os preços mais acessíveis. Fora isso, é a mesma coisa.
Recentemente, a BHTRANS ressuscitou um serviço que existiu por
aqui nos anos 80, os táxis-lotação. Os carros fazem apenas rotas de ida e
volta nas avenidas Afonso Pena e do Contorno. Identificados por adesivos
em forma de setas, a passagem custa R$ 2,00 por pessoa. A “lotação” é de
três passageiros por veículo, mas muitas vezes é possível ver quatro pas-
sageiros além do motorista. Eu mesmo já fui obrigado a me espremer den-
tro do carro por “ordem” do taxista.
As irregularidades não páram por aí. Como os táxis utilizam os mes-
mos pontos dos ônibus, o cerco aos passageiros é ostensivo, com taxistas
interrompendo a passagem para brigar pelo embarque. Em alguns pon-
tos, os motoristas estão “contratando” aliciadores para buscar os pas-
sageiros. A fiscalização mais uma vez está ausente, embora seja possível
ver, a poucos metros, os agentes de trânsito da BHTRANS mais preocu-
pados em multar carros retidos nas faixas de pedestres devido ao conges-
tionamento.
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(1) No código penal brasileiro, o “delito de contrabando e descaminho” é definido no ar-tigo 334. O mesmo crime também está previsto na lei 8.137 de 1990.
Artigo 334 (1)
08 de Outubro de 2006
Enquanto o país só fala em segundo turno, um caminho tem
chamado a atenção em Belo Horizonte. Da Praça Sete, são pouco mais de
dois quilômetros de um centro de compras popular, o Oiapoque, conhe-
cido como shopping Oi (nenhuma ligação com a operadora de telefonia
celular).
Seguindo pela rua Rio de Janeiro até a avenida dos Andradas chega-
se quase na porta do shopping. Todos os dias, é possível ver pequenos gru-
pos nessa rota. Este pode ser chamado o “caminho legalizado da
contravenção”. Há quase 5 anos, a Prefeitura, na tentativa de eliminar os
ambulantes que infestavam o centro, criou o primeiro camelódromo da
cidade. Em pouco tempo, eles proliferaram ocupando antigos galpões e
instalações de lojas que fecharam no início da década de 90, como a Mes-
bla Veículos.
O pioneiro shopping Oi é como a galeria Pajé em São Paulo. No
começo, nenhum dos ambulantes queria ir para lá. Agora, há uma dis-
puta por pontos e cada um deles é vendido ou alugado com ágios de até
800%. Faria um bem para a cidade, não fosse o fato das mercadorias
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serem vendidas sem nota fiscal. Os clientes, pensando fazer um bom negó-
cio, participam de um comércio ilícito que financia, entre outras coisas, o
crime organizado. Ou alguém imagina que a venda de um celular de úl-
tima geração sem nota é fruto da bondade do fornecedor? E os preços não
são mais baratos. O “desconto” fica nos 15%, o que significa que sequer o
percentual de impostos é retirado do produto.
Dados da Polícia Internacional (Interpol), mostram que a venda de
produtos ilegais no mundo, principalmente falsificados ou de contra-
bando, geraram U$ 516 bilhões em 2005. Esse valor supera os U$ 322 bi-
lhões do tráfico de drogas internacional. Daí a importância do poder
público não institucionalizar o contrabando com a desculpa de que pre-
cisa gerar empregos, pois é justamente o que os produtos ilegais elimi-
nam, os empregos formais, muitas vezes os dos próprios compradores. A
Prefeitura exime-se de culpa dizendo que a fiscalização cabe à polícia.
Uma pena que o Brasil, como país pobre que é, não tem polícia nem para
o básico, quanto mais para fiscalizar “shoppings populares” ou quaisquer
outros nomes que se dêem a esses lugares.
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A grande feira deartesanato do Brasil
10 de Setembro de 2006
A maior feira montada em espaço aberto da América Latina está em
Belo Horizonte. Antes que isso soe ofensivo a cidades como Recife, Belém
ou Fortaleza, esclareço que se trata de uma feira ao ar livre, montada e
desmontada uma vez por semana, em apenas 12 horas. Já se chamou
Hippie, da Praça da Liberdade e agora é de Arte e Artesanato. Os registros
dão conta de que a feira surgiu em 1969, criada por um grupo de artistas
mineiros e críticos de arte.
No início, a feira era apenas mais uma atração da praça. Com o
tempo, a Feira Hippie deixou de ser “alternativa” e se tornou um grande
negócio. Cresceu tanto que passou a acontecer duas vezes por semana;
quintas à noite e domingos de manhã. Na década de 80, eram tantos os ex-
positores e freqüentadores que a área geográfica da praça ficou pequena.
A destruição permanente do mobiliário da praça também cresceu e nos
demais dias em que não havia feira se tornou impossível freqüentar o
local. Começava a polêmica sobre o destino da feira.
Obviamente, os artistas “donos” da feira se sentiam no direito de não
terem seu endereço alterado. O debate se arrastou por quase uma década
e por três governos municipais. O mais improvável deles, um prefeito que
assumira o cargo devido à saída do titular e que não tinha experiênciacomo político profissional, tomou a decisão que mudaria a história da
feira e a transformaria no único evento permanente da cidade que atrai
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turistas e compradores de todo o país.
Em 1991, foi transferida para a avenida Afonso Pena, a principal da
cidade, e perdeu o charme dos hippies para se tornar um negócio de arte-
sanato quase industrializado. Para a mudança de lugar, que ampliou o
tamanho do evento, houve um grande leilão de barracas. Os expositores
da feira original tiveram seu lugar garantido, mas foram obrigados a re-
fazer o cadastro para participar da nova feira. Uma infinidade de novos
“artesões” foi incluída e selecionada.
Um grande leilão paralelo também ocorreu para a ocupação dos es-
paços que foram vendidos com ágio. Um dos resultados foi que do grupo
original de 12 artistas fundadores da “Feira Hippie” nenhum deles con-
tinuou na feira. A nova feira se extende por quase um quilômetro na
avenida, ganhou cores de barracas por tipo de produto e dobrou o
número de negócios e turistas.
Com 17 setores e três mil expositores, os bastidores de produção da
feira são muito interessantes. Na virada de sábado para domingo, a partir
das duas horas da madrugada, os expositores começam a montagem das
barracas e os primeiros compradores, na maioria das vezes vindos de ou-
tras cidades, também começam a chegar para suas compras. Por volta das
5 horas da manhã, a feira já está em pleno movimento.
Essa característica faz com que a feira seja povoada de públicos dife-
rentes à medida em que as horas passam. O freqüentador das 9 horas é di-
ferente do freqüentador do meio-dia. Por volta das duas horas da tarde, a
feira começa a se desmontar, o público diminui e os primeiros garis
começam a chegar para limpar o local. Às 4 horas da tarde, a avenida já
está liberada com a pista completamente lavada. Quem chega à capitalpela primeira vez, passando pelo local, nem acreditaria que horas antes
milhares de pessoas andavam pelo asfalto.
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No espelho
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Il viaggio di undiscendente italiano
18 de Janeiro de 2007
Guglielmo Ferrari desembarcou no Porto de Santos, em 1897, no
mesmo ano da inauguração de Belo Horizonte. Na época ele ainda não
sabia. Seu destino estaria diretamente ligado à cidade. Mais de um século
depois, são muitos os seus descendentes na capital mineira. De Fabbrico,
onde nasceu em 1869, na região de Reggio Emilia, norte da Itália, ele fez
um caminho árduo naqueles dias do século XIX até o planalto central
mineiro na cidade de Paracatu. Após a segunda década do século XX, seus
filhos — entre eles, meu pai, Orlando Ferrrari — migraram para Beagá.
Por quase uma década, motivado pela busca das origens da família,
procurei os documentos de meu avô. Pesquisei com familiares (existiam
apenas dois documentos incompletos de referência, as certidões de casa-
mento e óbito), advogados, cartórios e dezenas de sites na internet. A
constatação mais comum desse período é um sem número de desinfor-
mações e de oportunistas, seja na vida real ou na “world wide web”.
Mas foi justamente o desenvolvimento da internet que me propor-
cionou o final feliz. Ao me deparar com o site da ‘Comune di Fabbrico’,
descobri que o prefeito da cidade tinha o nome de um dos meus irmãos,
Roberto Ferrari. Não resisti à tentação de contar-lhe a minha história e
saber mais sobre a cidade. Embora não tivesse pedido para procurar a cer-tidão de meu avô, ele me respondeu dizendo que a encontrara e me en-
viaria pelo correio.
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Acreditem: não gastei um único centavo para ter em mãos, em menos
de um mês, o documento original do meu avô, uma certidão que resistiu
no cartório de Fabbrico por quase 140 anos. Nunca vou me esquecer da
emoção de receber pelo correio o documento de meu avô que chegou no
dia de Natal de 2003.
Embora a cidadania italiana tenha critérios de descendência
sangüínea — que passa de uma geração à outra indefinidamente —, os
documentos nos cartórios italianos estão entre os mais difíceis do mundo
para serem recuperados. Principalmente se datarem de antes da Segunda
Grande Guerra Mundial. Isso porque os alemães, ao invadirem as cidades,
buscavam os cartórios para identificar quem era judeu. Assim, os povoa-
dos enviaram grande parte dos documentos para as igrejas e perderam
outra parte saqueada pelos nazistas.
Para cada geração até o descendente italiano, necessita-se de todos
os documentos originais. Em caso de incorreção nos dados faz-se uma
revisão judicial nos cartórios para alterar os nomes — porque muitas
vezes o nome italiano original é diferente na certidão do descendente,
como foi o meu caso. Meu avô de Guilhermo no Brasil voltou para o ita-
liano Guglielmo. Hoje, a minha família já tem o direito à cidadania ita-
liana, uma vontade que meu avô sempre alimentou.
NOTAS DO AUTOR
I. A imigração italiana é a segunda maior do país, atrás — obviamente — apenas daportuguesa. Mais de 25 milhões de italianos desembarcaram no Brasil até a década
de 40. Belo Horizonte é a quarta cidade brasileira em número de descendentes. Até2005, eram mais de 15 mil pessoas com o título de dupla cidadania ítalo-brasileira.II. Este texto é dedicado ao advogado Eduardo Chelotti que nos últimos dois anos, além
de ter se mostrado sempre um profissional sério em suas orientações sobre oprocesso de cidadania da minha família, se tornou um grande amigo.
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Como professor Higginsdiria: — Bullying!
12 de Setembro de 2007
Eu não estudei em muitas escolas. Duas ou três que me lembro entre
o período fundamental até o ensino médio. Alguns anos em escolas públi-
cas outros em particulares. Numa época em que a violência era muito
menor que nos dias de hoje — na rotina do dia-a-dia e nos meios de co-
municação. O fato é que mesmo sendo um tempo mais ingênuo — hoje,
uma criança entre 7 e 12 anos é muito mais esperta do que eu era há mais
de duas décadas nessa idade —, sempre houveram nos ambientes esco-
lares os chamados alunos brigões.
Em geral, maiores do que seus pares na mesma idade, esses meninos
(sim, eram quase sempre os meninos!) passavam o tempo que tinham
fora da sala de aula; ainda no ambiente escolar, como corredores e pátios
de recreio, humilhando e intimidando quaisquer crianças que fossem di-
ferentes ou mais fracas. Lembro de um menino maior que brigou comigo
durante um jogo de futebol e tentou levar a disputa para fora da quadra.
Mal sabia ele que eu era o mais novo de dez irmãos; entre eles, oito
homens, e que disputas e brincadeiras nem sempre gentis faziam parte da
minha rotina e que isso me dava, digamos, uma vantagem competitiva.
Ele precisou de apenas um golpe para nunca mais me incomodar e por
tabela todos os demais brigões que souberam da minha fama.Mas a história toda por trás desse nariz de cera é que mesmo com
essas tentativas de humilhação e intimidação física ou verbal, eu sobre-
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vivi praticamente ileso daqueles dias. O mesmo aconteceu com dezenas de
outros colegas e até os tais brigões se tornaram pessoas do bem — até
onde eu soube no tempo da minha faculdade quando ainda tive notícias
de alguns deles.
Não me lembro bem que nome dávamos a esses garotos ou ao que
eles faziam; mas, atualmente, mídia, escolas e pedagogos andam adotando
o termo “bullying”. A primeira vez que ouvi essa palavra foi há vários anos
atrás quando assisti ao filme “My fair lady” e meu professor de inglês me
explicava o traço característico do professor Henry Higgins (Rex Harri-
son). Para ensinar fonética à Eliza Doolittle (Audrey Hepburn), o profes-
sor utiliza-se de pequenas peças de humilhação. O fim do enredo é
conhecido, mas aquele humor ácido é, na verdade, a personalidade dos
anglo-saxões e seu trato com outras pessoas. Por tabela, países de língua
e colonização inglesa herdaram esse sentimento e por isso, por lá, essa ex-
pressão se aplica melhor. Tanto que o filme se passa em Londres, mas sua
produção é dos Estados Unidos.
Mas o engraçado nessa história toda é a incapacidade brasileira de ter
sua própria palavra para o tema. Não bastasse a colonização permanente,
nosso vocabulário não consegue expressar mais “humilhação”. Uma ação
chamada “Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Es-
tudantes”, patrocinada por empresas e governos, tenta definir o bullying
e usa para isso 28 palavras para dizer do que se trata — colocar apelidos,
ofender, zoar, gozar, encarnar, sacanear, humilhar, fazer sofrer, discriminar,
excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, ame-
drontar, tiranizar, dominar, agredir, bater, chutar, empurrar, ferir, roubar
e quebrar pertences.Tardiamente, a imprensa de Belo Horizonte abordou o tema em
matérias que foram publicadas quase que simultaneamente em diversas
mídias locais, desde semanários e jornais diários até entrevistas em emis-
soras de rádio e tevês. Parece até trabalho de uma assessoria de imprensa,
tamanha a semelhança de abordagem (provavelmente foi uma escola par-
ticular que soprou a pauta). Infelizmente, entretanto, os entrevistados
foram sempre pais, alunos e professores das escolas voltadas para as classesmais altas da capital. O “bullying” foi mostrado como coisa de gente rica.
Nas escolas públicas ou dos bairros mais afastados ninguém deve nem co-
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nhecer a tal expressão.
Pedadagos, professores e psicólogos que passaram a usar o termo
devem até arrepiar se lerem esta crônica, mas não consigo deixar de pen-
sar que há coisas mais importantes acontecendo e que poderiam ser
chamadas de “bullying”. Como, por exemplo, quando nossos governantes
se acham acima da lei e preferem impor uma votação secreta que absolve
um político corrupto (leia bem claro: Renan Calheiros foi absolvido hoje,
quarta-feira, dia 12 de setembro, pelos senadores), embora a opinião
pública dissesse o contrário. Essa humilhação sim pode deixar seqüelas
para sempre nas pessoas.
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Quando fiz aspazes com o leite
16 de Janeiro de 2007
Minas Gerais produz um terço do leite do país. Não importa em que
região do Brasil as pessoas vivam. Mesmo que nunca tenham vindo ao
estado, já provaram do leite mineiro ou produtos derivados desse leite.
Eu me lembro do tempo em que leite nem era vendido em saquinhos e
passeava pelas ruas de Belo Horizonte um caminhão de leite. Essa imagem
era relativamente rara em outras cidades brasileiras, pois o leite vinha en-
sacado de Minas.
O veículo era um mini caminhão-pipa e tinha desenhado em seu
tanque uma vaquinha. Seu trajeto incluía vários bairros e na avenida em
que eu morava, à época, me lembro de minha mãe levando os potes de
leite para encher numa “torneirinha” do tanque do caminhão.
Era o ano de 1973 e eu, com meus cinco anos de idade, acreditava
que o leite vinha daquele caminhãozinho. Mesmo quando o leite pas-
sou a ser ensacado e o caminhão parou de circular, minha memória
guardou sua imagem. Em 1977 fui, finalmente, apresentado às legíti-
mas produtoras do leite, as vacas, e confesso o choque. “O que? O leite
vem daquilo? Nunca mais vou voltar a beber leite!”, sempre me con-
tavam meus irmãos mais velhos sobre o que falei a respeito da des-
coberta.Algum tempo depois, em 1978, meu pai apareceu em casa com os
primeiros pacotes de leite longa vida (hoje conhecidos pela marca Tetra
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Pak) e ficou irresistível não voltar a beber o “toddy” de todas as manhãs.
Estavam feitas as pazes com o leite.
NOTAS DO AUTOR
I. Numa cena clássica do filme “A laranja mecânica” (A Clockwork Orange, StanleyKubrick, 1971), o vilão prefere beber leite apesar de toda a violência de que é capaz.Quem não se lembra de vários filmes onde os vilões chegam ao bar e pedem leite?
II. A aproximação do homo sapiens com o leite ocorreu provavelmente com as cabras,fato testemunhado em desenhos rupestres, datados de 20.000 a.C., nos quais ascabras são representadas como animais comumente caçados. Existe uma contro-vérsia se este fenômeno teria ocorrido na Mesopotâmia, por volta de 10 mil anosatrás, ou mais a leste, na Ásia.
III. O primeiro registro histórico e concreto da utilização do leite como alimento é umapeça encontrada em Tell Ubaid, atual Iraque, datada de 3100 a.C., conhecida comoFriso dos Ordenhadores. Nela, podem ser constatadas não só a ordenha mas tam-bém a filtragem do leite.
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Crianças dos “malls”
26 de Agosto de 2007
Uma atração quase desconhecida de Belo Horizonte é um museu de
brinquedos. Há poucos dias estive lá com meu filho de três anos. Fomos
uns dos sete visitantes diários do local. Não se assuste, é exatamente o que
você leu: durante todo o dia, o espaço recebeu a multidão citada. Isso num
sábado, dia em que, teoricamente, os pais poderiam aproveitar com seus
filhos.
Enquanto estávamos por lá, por cerca de três horas, uma cena me
chamou a atenção. Outro pai veio ao museu com seu filho, entre seis ou
sete anos de idade, e conseguiu ficar exatos dez minutos no local. Foi o
tempo de uma passagem pela galeria de quase 800 brinquedos em ex-
posição e pronto. Porta a fora rumo a um McDonald's qualquer.
A surpresa não está no fato da rapidez da visita do outro pai, mas no
desperdício de uma oportunidade de convivência. O museu é realmente
interessante e merece uma visita detalhada. A pressa do adulto certamente
não era a pressa da criança. Mesmo meu filho, do alto de seus apenas três,
quase quatro anos, ao me ouvir contar que muitos daqueles brinquedos
foram partes da vida de seu pai, de sua mãe, tios e até avós parou diante
deles e quis saber ainda mais.
Na seqüência, descobriu que em vários outros espaços — além dagaleria que inclui brinquedos raros como o primeiro Lego fabricado em
1940 ainda em peças de madeira ou os famosos robôs japoneses feitos em
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metal ou ainda locomotivas do Ferrorama — ele mesmo poderia brincar
com brinquedos que nunca tinha visto ou estão à venda nas modernas
lojas high tech dos malls atuais. Depois, também encontrou no pátio ex-
terno da casa, onde o museu está instalado, mais brinquedos, alguns
muito conhecidos das áreas de lazer pagas onde os pais deixam seus filhos
enquanto fazem compras ou apenas para distraí-los e ter um tempo para
si mesmos.
O projeto do museu, que fica na avenida Afonso Pena (2.564), é he-
roicamente financiado pela Fundação Luiza de Azevedo Meyer, nome que
homenageia a matriarca da família que tinha como sonho fundar o es-
paço e durante décadas colecionou mais de cinco mil brinquedos de todas
as partes do mundo e que demonstra o potencial do local para crescer seu
acervo em exposição. A casa sede, também tombada pelo patrimônio es-
tadual (uma garantia de que não será literalmente tombada pela especu-
lação imobiliária como já ocorreu em dezenas de construções na própria
avenida), foi doada por um amigo da família.
Durante a semana, o museu costuma receber visitas de escolas, o que
lhe garante uma freqüência maior e talvez também sua existência. O preço
para visitantes individuais é de R$ 5,00 e vale a pena se o adulto estiver
disposto a aproveitar melhor o tempo com seu filho ou pelo menos quiser
reviver suas lembranças da infância quando os brinquedos usavam menos
pilhas e não se resumiam a cópias da programação do cinema e da tele-
visão.
Segundo a Embratur, o Museu dos Brinquedos de Belo Horizonte é
pioneiro no Brasil. Em outubro, ele completa um ano de existên-
cia.Várias cidades pelo mundo têm seus já tradicionais museus destina-dos aos brinquedos. Em Nashville, estado de Indiana, um dos mais antigos
dos Estados Unidos, o slogan do museu “é mostrar uma página da história
americana para preservar também o futuro”. De certa forma, eles têm
razão. Faltava dizer isso aos pais para que nossas crianças não se trans-
formem apenas em freqüentadoras de shoppings centers. Não falta mais.
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(1) “Os Gritos do Silêncio”, do título original “The Killing Fields”, que talvez seja um dosmelhores títulos traduzidos do cinema no Brasil, embora diferente do literal “Camposda Morte”, fala justamente dos gritos nunca ouvidos daqueles que morreram.Ninguém ouviu essas crianças gritarem, mas a simples imagem de seu possível sofri-mento deveria fazer com que os políticos se sentissem responsáveis pela mortedelas e fizessem o trabalho para o qual são pagos ao invés de criar desculpas e cam-panhas publicitárias apenas.
Os gritos do silêncio (1)
24 de Setembro de 2007
Há cerca de um ano, em 8 de agosto de 2006, um menino de 11 anos
desapareceu numa tarde de terça-feira, quando saiu para comprar lápis
de cor a menos de duas quadras de casa. O local do desaparecimento não
foi numa periferia erma, mas menos de 500 metros do Palácio da Liber-
dade ou da praça que leva o mesmo nome, área nobre da capital mineira.
À época, os familiares do menino fizeram milhares de cartazes que foram
espalhados em bares, repartições públicas, escolas e quaisquer outros lo-
cais de grande movimento de pessoas. Parecia mais um caso de pessoas
desaparecidas que ficaria sem explicação.
Este mês, uma notícia deixou os pais de luto. Uma ossada de criança
foi encontrada num terreno baldio na região noroeste da cidade e os exa-
mes de DNA, feitos a partir de amostras de sangue dos pais do menino,
comprovaram que se tratava dos restos mortais de Pedro Augusto.
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Numa entrevista concedida por representantes da Polícia Civil de
Minas Gerais para falar do assunto, ficou claro o quanto a população está
refém da violência. Os tais representantes, dois delegados, não sabiam dar
quaisquer informações sobre suspeitos e ainda pediam ajuda para alguém
que tivesse visto qualquer coisa na região onde o corpo foi encontrado. Ou
seja: mais de um ano depois do seqüestro que matou o menino, nada
avançou da investigação — se é que ocorreu uma — e possíveis suspeitos
jamais foram identificados.
O número de casos de desaparecimentos em Minas, principalmente
de crianças, não pára de crescer. Segundo dados da própria Polícia Civil
há 1.346 inquéritos em aberto sobre pessoas desaparecidas em Minas,
sendo que 239 são crianças. Já a Polícia Militar de Minas Gerais tem em
seu site oficial o dado de que, desde 2000 até hoje, foram registrados o de-
saparecimento de 754 crianças e adolescentes. Destes, 407 foram encon-
tradas e 347 continuam desaparecidas.
Como se vê, o Governo de Minas sequer consegue entrar em acordo
sobre a quantidade de desaparecidos, o que indica que este número deve
ser ainda maior. Tudo que o governo estadual realizou neste último ano,
provavelmente pressionado pela opinião pública, foi lançar uma cam-
panha tapa-buraco ou cala-boca (conforme preferirem denominá-la)
chamada “Volta", em que anúncios de rádio, jornal e televisão divulgavam
nomes e imagens de pessoas desaparecidas, inclusive de Pedro Augusto,
pedindo para que voltassem para casa.
Realmente deve ser incrível: a criança seqüestrada vê sua foto na tele-
visão e isso faz com que volte imediatamente para casa. Uma campanha
realmente eficaz (sic) e sobre a qual eu me recuso divulgar os dados go- vernamentais (serão verdadeiros?). Sou capaz de apostar que se o desa-
parecido fosse filho de algum político, a polícia estaria mobilizada para
encontrá-lo. Não é o que acontece para a maioria da população.
Eu confesso: estou doente e cansado dos políticos. Estou doente e
cansado das autoridades que fazem apenas jogo de cena. Estou doente e
cansado dessas pessoas públicas que vivem na ilha da fantasia, em suas
fortalezas de luxo, que freqüentam sorridentes festas de colunas sociais epermitem que fatos como esse continuem acontecendo.
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NOTA DO AUTOR
I. No próximo dia 29 de setembro, sábado, acontece em Belo Horizonte, o 2° AtoPúblico ‘Onde Estão Nossas Crianças?’, às 9 horas, nas esquinas das ruas da Bahiae Goiás, próximo ao local onde Pedro Augusto desapareceu, numa caminhada até
a praça e o Palácio da Liberdade. Pena que, certamente, o governador e sua trupeestarão no Rio de Janeiro, como fazem a cada fim de semana, e não verão tal ato.De qualquer forma, o ato também deve ter uma adesão pequena já que a imprensalocal não tem prestigiado o assunto a não ser do ponto de vista oficial, quando pu-blica os anúncios pagos da tal campanha “Volta”, ou quando acontece o pior, comoachar ossadas de crianças.
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Lendas urbanas
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(1) Tony Manero é o nome do personagem de John Travolta, no filme “Os embalos desábado à noite” (do original “Saturday Night Fever”), um jovem sem perspectivas devida, que só vê razão na sua existência quando está em uma pista de dança.
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O dia em que o capetasubiu a montanha
27 de Fevereiro de 2007
Alex era um rapaz que morava na periferia de Belo Horizonte. Com
seus 20 anos de idade, sua única diversão eram os bailes nos fins de se-
mana nas quadras da avenida Vilarinho. Um dia resolveu fazer uma brin-
cadeira. Vestiu-se de “Tony Manero”(1) e foi para seus embalos de sábado
à noite. Aproximou-se de uma bela moça e chamou-a para dançar.
Dançaram por longo tempo e ele era um excelente dançarino, dominando
do forró ao funk, do samba à dance music. A moça se encantou por ele e
acompanhou-o na dança, até que seu chapéu caiu ao chão e colocou à
mostra chifres que estavam na sua cabeça.
Alex estava usando uma máscara de borracha, mas então era tarde
demais para explicar o ocorrido. A moça aprontou uma gritaria que
provocou uma comoção geral nos freqüentadores do local. Na correria
que se seguiu, houve até quem afirmasse ver as patas de bode no capeta em
fuga. No início dos anos 90, essa história ficou conhecida como o “Capeta
do Vilarinho”.
Na região leste de Belo Horizonte, a Vilarinho é a principal avenida
do bairro Venda Nova, uma periferia que há tempos tomou vida própria
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(2) O humorista mineiro Pascoal escreveu e interpretou um funk que veiculava em seuprograma matinal de rádio à época: “só quero dançar... só quero dançar... só mais um
pouquinho! só quero dançar... só quero dançar... lá no vilarinho!"
e vive quase independente da capital. As quadras da Vilarinho ficaram
famosas pelos forrós, gafieiras e bailes de todo tipo que atraíam jovens de
todas as partes da cidade. Foi num desses bailes (ninguém sabe dizer qual)
que num dia qualquer teria acontecido a história desta lenda.
A notícia da aparição do capeta se espalhou rapidamente no bairro
e alcançou as rádios e TVs de toda a cidade. Uma música(2) foi feita para
narrar o episódio. Repórteres foram enviados ao local para tentar cobrir
uma nova aparição do ser, mas ele não apareceu mais. Apesar de
chamarem o capeta de Alex, o autor da brincadeira nunca apareceu para
ficar com os créditos. Se foi verdade, o Capeta do Vilarinho ficou tão as-
sustado que não voltou mais para dançar por aquelas “bandas”. Mais uma
história que entrou para o hall dos personagens mitológicos da cidade.
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A lenda da mulher fantasma
10 de Fevereiro de 2007
Belo Horizonte tem sua “adoração” do Bonfim, mas ao contrário do
santo baiano, a versão mineira se refere a uma mulher que talvez nunca
tenha existido e virou lenda urbana há 50 anos.
A Loira do Bonfim é um personagem mitológico da cidade. Tudo
começou entre as décadas de 40 e 50 quando ficou conhecida como a
história de uma mulher loira que conquistava os homens no centro da
cidade e os convencia a ir à sua casa, no bairro do Bonfim. Ao chegar lá,
ela se dirigia ao cemitério e dizia ser ali sua morada.
Naquela época, Belo Horizonte possuía apenas dois cemitérios (o
público municipal “Da Saudade” e o particular, e por isso mesmo, con-
siderado da elite local, “Do Bonfim”). A diferença entre os dois cemitérios
dá uma idéia do que significava ser de um e não de outro. Na Saudade, as
lápides são marcadas apenas com uma cruz, enquanto no Bonfim há
mausoléus familiares que em alguns casos são como pequenas igrejas
onde se pode entrar para visitar o túmulo.
Conta a história da época que a Loira do Bonfim sempre aparecia
por volta das duas da madrugada e conquistava os boêmios no ponto do
bonde no centro, em frente a uma drogaria. A loira era belíssima e vestia-
se sempre de branco. Dizia que morava no bairro do Bonfim e que que-ria fazer um “programa”. Ninguém resistia a seu convite. Ela levava suas
vítimas para o cemitério do Bonfim. Assustados com a lenda, os condu-
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tores dos bondes se recusavam a trabalhar à noite. Às vezes, ela apenas
chamava um táxi para levá-la ao Bonfim e desaparecia no cemitério. Uma
vez, dizem, ela se dirigiu a uma delegacia, no bairro Lagoinha, onde pediu
a um policial que a acompanhasse até sua casa. Ao chegarem, a casa era o
cemitério.
Não existe muita literatura sobre a lenda da Loira do Bonfim de Belo
Horizonte. As mais conhecidas estão na obra de Carlos Drummond de
Andrade, com a poesia “Canção da Moça Fantasma de Belo Horizonte”
(do livro “O Sentimento do Mundo”); a obra “Belo Horizonte”, do
quadrinista espanhol Miguelanxo Prado (para a coleção Cidades
Ilustradas da editora Casa 21) que escreveu no seu livro sobre uma mu-
lher loira por quem o protagonista cai de amores e que morava também
no cemitério do Bonfim.
Por fim, na tradição popular da cidade, o mito da loira sobrevive em
alguns trabalhos esporádicos como na revista Celton, do quadrinista de
rua Lacarmélio, onde a aparição fantasmagórica tem participação em um
dos episódios.
Uma das explicações para a crença da Loira do Bonfim é devido à
violação de vários túmulos e a ossos que apareceram fora dos mausoléus.
O cemitério também foi palco da desova de cadáveres, provavelmente as-
sassinados. A partir daí, a lenda da loira foi ligada a esses eventos nunca
esclarecidos.
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O homem da camisa amarela
16 de Outubro de 2006
Do meu tempo de menino lembro da história de uma mulher que
andava por parques e praças e seqüestrava crianças sozinhas ou que fos-
sem para lá sem a autorização dos pais. Essa era uma tática usada pelos
adultos para que os adolescentes sempre dissessem onde iam. Naquela
época, no início dos anos 80, essas histórias eram chamadas de “crendices
populares”. Sempre incluíam boatos sobre seqüestros, táticas utilizadas
por meliantes para assaltar motoristas no trânsito ou pedestres (neste úl-
timo, apelidado de “Boa Noite, Cinderela!”) e aparições fantasmagóricas.
De fato, Belo Horizonte é fértil nessas histórias. A mais conhecida
talvez seja a da “Loira do Bonfim” sobre uma mulher sedutora que apare-
cia em bares e que morava no cemitério do Bonfim. Há ainda a história
do “Capeta do Vilarinho” sobre um demônio que se transformava em
gente e freqüentava bailes na avenida Vilarinho, na região leste da cidade.
No tempo dessas histórias, elas se propagavam pelo rádio, jornais ou de-
poimento de amigos. Hoje, o nome foi modernizado para “Lendas Ur-
banas” e o jeito mais comum de divulgação é pela internet com nossos
e-mails sendo invadidos quase que diariamente por histórias fantásticas.
Recentemente, recebi um e-mail sobre a tentativa de seqüestro de
crianças próximo às escolas da cidade. O que impressiona é a credibili-dade que algumas pessoas dão a esses spams. Veja só: você está levando seu
filho de pouco mais de dois anos de idade para a escola ou berçário e, no
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caminho, há menos de uma quadra da escola, é abordado por alguém que
tenta arrancar seu filho do seu colo. Se tivesse conseguido, o tal homem
sairia correndo sozinho e você apenas ficaria olhando. Depois, você chega
à escola apavorado e fica sabendo que não foi a primeira vítima do dia.
Você, como a outra vítima, não consegue dar muitos detalhes do agressor
(apenas que usava uma camisa amarela). Ninguém na escola faz nada e
também não chamam a polícia.
Ainda assim, querendo ser prestativo, corre para seu computador e
produz um texto com o ocorrido para avisar outros pais desinformados.
Apesar do depoimento emocionado, não consegue dizer a descrição do
sujeito de camisa amarela. Também não se lembra de dizer em qual bairro
ocorreu ou qual o nome da escola. Termina o depoimento pedindo para
todos repassarem aquele e-mail pois é muito importante.
Belo Horizonte teve recentemente alguns casos de crianças desa-
parecidas (como várias cidades que se têm notícias no mundo), mas cor-
rentes por e-mail que não têm informações corretas não ajudam em nada.
Mais efetivo é ensinar as orientações da Polícia para as crianças e adoles-
centes e, se realmente algo como a tentativa de “roubo” da criança acon-
tecer, chamar a polícia imediatamente.
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(1) O edifício condomínio San Martin é propriedade da massa falida da Jet Engenharia e
da Corporações Comércio e Construções Ltda (CCC Ltda). Essas empresas fizeramvenda irregular dos apartamentos. Os donos das empresas desapareceram em 1992deixando a obra parada e os clientes sem os apartamentos. Em 1996, a Justiça de-cretou a falência das instituições. Antes dessa data, entre 1994 e 1995, já constamregistros policiais do início das ocupações do imóvel abandonado.
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As gêmeas esquecidasde Santa Tereza
04 de Abril de 2007
Em 1995, duas pequenas construtoras mineiras tentaram ser grandes
e falharam. A tentativa atingiu um dos bairros mais tradicionais de Belo
Horizonte. Na região leste da cidade, o bairro Santa Tereza, escrito assim
mesmo com Z (diferentemente do homônimo famoso do Rio de Janeiro),
foi uma região boêmia, de efervescência cultural durante duas décadas
desde os anos 70 e formado por uma paisagem de casas típicas mineiras
(algumas delas como na época colonial com suas eiras, beiras e esmeiras),
propriedades de importantes famílias locais.
Foi no bairro, por exemplo, que Milton Nascimento, Tavinho Moura,
Beto Guedes e Fernando Brant formaram os primeiros acordes do “Clube
da Esquina”. Também está por lá, a mais tradicional espagueteria da
cidade, chamada pelo sugestivo nome de “Bolão” e destino de quem, sem-
pre às madrugadas, quer comer algo antes ou depois de suas noitadas —
hoje conhecidas pelos mais jovens como “baladas”.
A obra em questão era o condomínio San Martin(1), na rua Clorita,
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formado por dois (talvez) modernos edifícios de 20 andares, que se
destacariam na paisagem do bairro. Mesmo hoje, são poucos os prédios
existentes e nunca mais do que com cinco pavimentos. O empreendi-
mento prometia mudar a face do bairro tradicional. E mudou. Para pior.
Com a falência da construtora, as duas torres jamais foram concluídas.
Ficaram apenas no seu esqueleto de concreto aparente e, abandonadas às
intempéries, não resistiram à invasão.
O bairro Santa Tereza, que tinha tudo para ser ainda mais valorizado
devido a sua posição geográfica estratégica, próxima à zona sul e à região
hospitalar, com uma via de acesso que deu origem a Linha Verde, viu, ao
contrário, surgir uma favela em pé.
As torres gêmeas de Belo Horizonte, como popularmente ficaram
conhecidos os edifícios duplos, viraram um transtorno para a região e
para os moradores se tornaram o motivo de todas as mazelas da área,
como assaltos, assassinatos e tráfico de drogas. De fato, desde que os pré-
dios ficaram abandonados às margens da avenida dos Andradas, foram
invadidos por 150 famílias sem-teto. Hoje, cerca de 400 pessoas vivem na
construção. São todos pobres vindos de favelas, cidades do interior ou das
próprias ruas. Nas janelas dos prédios é possível ver os apartamentos ina-
cabados e mesmo com 20 andares a serem percorridos de escada há
moradores em todos os apartamentos. Praticamente não há água e luz e
os poucos pontos existentes são, obviamente, clandestinos.
Em 2002, um fato marcou a história das torres e opôs “invasores” e
“invadidos”. O proprietário de um dos armazéns mais antigos do bairro,
conhecido como Sr. Nelson, foi assassinato e o autor do crime foi preso
num dos apartamentos das torres. Desde então, há a constante associaçãodo crime e outros acontecimentos relacionados à violência com a ocu-
pação do condomínio. Os moradores do bairro passaram a pressionar o
poder público para ampliar o policiamento local e dar outro endereço aos
sem-teto.
Por sua vez, os sem-teto ingressaram numa batalha jurídica para per-
manecer nos prédios. Em 2003, os sem-teto conseguiram o apoio da Pas-
toral de Rua de Belo Horizonte e do departamento de apoio jurídico daPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e chegaram
a acreditar que poderiam ter a posse dos imóveis. Mas a pressão externa
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reverteu o quadro. O reaparecimento, mesmo que tímido, dos represen-
tantes da construtora e dos compradores que perderam seus investimen-
tos na compra dos apartamentos impediram até as tentativas de
vereadores de propor a desapropriação dos imóveis. Todos os projetos a
esse respeito, inclusive um recente de 2006, foram vetados pelas comis-
sões especiais encarregadas de apreciar a legalidade de projetos de lei.
Segundo dados da Fundação João Pinheiro, existem outros 20 pré-
dios invadidos em todas as regiões da capital. Assim como nas torres
gêmeas, os sem-teto, mais do que simples invasores que cometem um
crime, representam um problema coletivo da cidade e sua população —
desemprego, miséria, passado de abandono social e falta de condições
básicas de sobrevivência.
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A última passagemde 200 almas
08 de Janeiro de 2007
Oficialmente, 200 pessoas deixaram suas almas no viaduto Vila Rica.
Foram dezenas de acidentes presenciados na ponte de 262 metros de com-
primento, construída em curva a cerca de 30 metros de altura na rodovia
que sai de Belo Horizonte rumo ao Rio de Janeiro. O mais grave deles
ocorreu em agosto de 1969, quando um ônibus vindo do litoral flumi-
nense caiu da ponte e matou 30 pessoas.
Depois de mais de 50 anos, finalmente o “funil” do viaduto irá desa-
parecer e dar lugar a uma construção mais moderna com 460 metros de
extensão, 60 de altura, 21 de largura e, ao contrário da curva do antigo,
será em linha reta. Mas quem passar pelo km 592 da BR-040, entre Itabi-
rito e Congonhas (região Central de Minas), pelos próximos dois anos
não deve se animar muito. Isso mesmo, esse será o tempo necessário para
a conclusão da obra. Enquanto isso, se for mantida a média de mortes do
local a cada ano, mais oito pessoas correm o risco de entregar suas almas.
O viaduto foi construído em 1957 e, embora tenha hoje o nome ofi-
cial de Vila Rica, foi batizado inicialmente como “das Almas”, não numa
profecia ao número de mortes que provocaria, mas por estar sobre o Cór-
rego das Almas, chamado assim devido à superstição dos moradores das
vizinhanças. Havia sempre muita neblina em volta do córrego e o povoacreditava que almas penadas flutuavam no ar envoltas pela névoa. Com
os diversos desastres, o medo do córrego ficou ainda mais forte e por esse
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motivo a ponte teve o nome trocado.
O Córrego das Almas, da região da cidade de Conselheiro Lafaiete,
onde fica o viaduto Vila Rica, é um afluente do Rio das Velhas, que por sua
vez deságua no Rio São Francisco, mas há um Rio de mesmo nome no
Triângulo Mineiro, afluente do Rio Araguari (que deu origem a
hidrelétrica de Nova Ponte).
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O menino que quasevirou um burrinho
10 de Novembro de 2006
Até a década de 80 era possível ver por algumas ruas e avenidas do
centro de Belo Horizonte, a caminhada da tropa de burrinhos rumo ao
Parque Municipal. Era uma cena inusitada: 20 a 30 animais trotavam guia-
dos por meninos que montavam outros burrinhos. Eles íam todos para o
parque onde eram (e ainda são) uma atração para as crianças fazerem
passeios como se fossem pequenos cavalos e as crianças urbanas, que às
vezes nem podem ver esses animais ao vivo, fossem tropeiros rumo a ter-
ras distantes.
A cena dos burrinhos nos meio dos prédios, entre os carros, nos pas-
seios disputando espaço com os pedestres e chamando a atenção de quem
cruzasse com eles, não existe mais. Hoje, os burrinhos são levados ao par-
que em pequenos caminhões ou caminhonetes. Quando eu era menino,
essa imagem me marcou muito por causa da história do Pinóquio.
Devo ter visto o desenho da Disney pela primeira vez com meus 10
anos de idade, justo na época em que os burrinhos deviam estar no auge
de suas caminhadas urbanas, vindo de algum bairro da periferia até o par-
que. E meu pai e minha mãe e até meus irmãos mais velhos me contavam
que os burrinhos do parque eram crianças que tinham se transformado
nos animais porque pararam de estudar, de obedecer seus pais ou faziamcoisas que não deviam na idade que tinham. Bem como acontece no de-
senho.
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Pinóquio, antes de ser engolido pela baleia, parou com suas traves-
suras bem a tempo de impedir que virasse um burrinho. Ganhou apenas
as orelhas e a cauda de burrinho. Depois se transformou num menino de
verdade. Hoje eu sei que burrinhos já nasceram assim, mas não deixo de
lembrar com uma certa ternura e gratidão daqueles que fizeram da minha
infância um tempo de aprendizado e lições para o futuro. Para as novas
gerações, pelo menos o filme está disponível em DVD e os burrinhos
ainda estão no parque municipal da cidade.
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Atleticanos com cruzeirenses
14 de Janeiro de 2007
Existe um endereço em Belo Horizonte onde atleticanos e
cruzeirenses convivem em harmonia. É no Barreiro, bairro mais extremo
ao oeste da cidade, onde duas ruas com o nome das torcidas se cruzam.
Neste endereço bastante peculiar, mora Mário Esteves de Souza, que nesta
segunda-feira, 15 de janeiro, completa 91 anos. Torcedor do América,
“seu” Mário, bisavô do Pedro, meu filho, vive ali há mais de duas décadas
e é um exemplo de convívio pacífico, inclusive com a própria família, a
maioria dela de atleticanos.
De fato, o endereço deve ser uma das poucas regiões onde ambos
são homenageados sem conflito. No mais, atleticanos e cruzeirenses
travam há dezenas de anos uma luta pela hegemonia de Belo Horizonte.
Não é uma luta para saber quem é o maior clube ou a maior torcida sim-
plesmente. A cada nova partida entre eles ou do rival contra outro ad-
versário qualquer, fica difícil saber quem venceu ou perdeu, tamanho é
o buzinaço que atravessa a noite da capital. Foram muitos momentos
famosos.
Um deles aconteceu quando o Cruzeiro chegou, em 1997, à final do
Mundial Interclubes, disputou e perdeu para Borussia Dortmund e,
naquela manhã, o carnaval tomou conta da cidade. A festa, é claro, foi datorcida atleticana que chegou a comprar camisas na cor do time alemão.
Depois disso, em 1999, quando o Atlético perdeu o título brasileiro para
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(1) Ivan Pavlov foi um médico russo descobridor dos comportamentos que são reflexoscondicionados. Enquanto estudava a digestão de cães, descobriu que certos sinaisprovocavam a salivação no animal, uma reação que deveria ocorrer apenas quando
houvesse ingestão de alimento. Teorizou que o comportamento estava condicionadoa esses sinais, que habitualmente precediam a chegada do alimento, e que faziam ocão antecipar seus reflexos alimentares. Pavlov fez a experiência de soar uma cam-painha anunciando o alimento e constatou que em pouco tempo o cão respondiacom salivação ao estímulo da campainha mesmo sem comida.
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o Corinthians, foi a vez da torcida cruzeirense festejar com fogos de ar-
tifício por toda a noite e não deixar ninguém dormir.
Depois de atravessar um longo período sem títulos, os atleticanos
amargaram ver os cruzeirenses viverem justamente o outro lado da
moeda, o maior período do time em conquista de títulos. Isso acabou re-
tirando do palco dos campos a disputa entre os times. Enquanto atleti-
canos diziam que os cruzeirenses eram afeminados — uma piada corrente
em Minas é que com a torcida do Atlético, o estádio Mineirão treme e
com a torcida do Cruzeiro, o estádio rebola —, os cruzeirenses revidam
dizendo que os atleticanos só têm uma palavra no seu vocabulário. Qual-
quer som que ouvem, respondem com o grito de “Galo”, mascote do time
— como na “Teoria do Reflexo Condicionado” de Pavlov (1), utilizada no
treinamento de cães, onde um som gera um reflexo involuntário. Segundo
os cruzeirenses, os atleticanos não têm cérebro, pois se tivessem gostariam
de futebol e torceriam para o Cruzeiro.
Piadas à parte, os atleticanos também se orgulham de ter a maior tor-
cida de Minas. Mesmo que a cada nova pesquisa, os resultados digam o
contrário. Segundo dados de 2006 da revista Placar, especializada em fute-
bol, cerca de 3% da população brasileira torce pelo Cruzeiro e 2% pelo
Atlético. Em Minas Gerais, o Cruzeiro tem 26% contra 15% do seu rival.
Na capital, a vantagem do Cruzeiro é pouco maior: 38% contra 37%. O
atleticano, entretanto, tem dados que o faz contestar tais resultados. O
time foi o primeiro clube brasileiro a completar 10 milhões de pessoas
nos jogos do campeonato brasileiro. Enquanto isso, os cruzeirenses
mostram que os maiores públicos da história do Mineirão, como os 132
mil torcedores da Final do Campeonato Mineiro de 1997, foram com otime em campo (e sem o Atlético como adversário).
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Quando o tema é resultados, novamente os rivais não se entendem.
Dados oficiais de um e de outro mostram desempenhos diferentes para
os times. Segundo o Cruzeiro foram 425 jogos entre os dois times com
141 vitórias para o time azul contra 170 derrotas. Já para o Atlético
foram 447 com 185 vitórias dos alvinegros contra 146 derrotas. A dife-
rença se explica pelo tempo em que o Cruzeiro era chamado de Palestra
Itália, assim como seu parente paulista (atual Palmeiras), e mudou de
nome no início da Segunda Grande Guerra Mundial. Para felicidade dos
cruzeirenses, todavia, quando o assunto é o confronto da era Mineirão,
inaugurado em 1965, os dados mostram que o time tem 73 vitórias con-
tra 70 do rival.
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Balada de um gorilalatino-americano
12 de Agosto de 2006
Um dos passeios mais interessantes de Belo Horizonte é o zoológico.
Para quem (como eu) tem uma criança em casa, é parada obrigatória num
fim de semana ensolarado. Embora meio abandonado pelo poder público
(apenas a entrada do zoo foi reformada recentemente e causa boa im-
pressão aos visitantes), a variedade de animais de todos os continentes faz
o passeio valer a pena. Para a garotada é quase como ver, ao vivo, o filme
Rei Leão.
Cada pessoa paga apenas um real para entrar (crianças menores de
5 anos, obviamente, não pagam) e o valor para entrar com o carro é de três
reais, mas o melhor é estacionar logo na entrada, pois a diversão está em
caminhar seguindo o mapa que você recebe na portaria.
Ir ao zoológico é mesmo um programa para o dia todo, no mínimo,
quatro ou cinco horas. Logo na entrada estão os felinos que você somente
consegue ver acordados no fim da tarde (quase às 16 horas pouco antes do
zoo fechar), então dê uma espiada rápida e volte no fim do passeio. Os
animais mais ativos são as aves, avestruzes, emas, girafas, zebras, elefantes,
chimpanzés e tamanduás. Já ver o hipopótamo é quase impossível em
qualquer hora do dia (em 30 anos indo ao zoo desde menino, eu me lem-
bro de vê-lo apenas uma única vez). Outros que estão sempre imóveis,em qualquer horário, são os jacarés e as tartarugas.
Mas o animal que é uma raridade, aliás, é o único exemplar de sua es-
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pécie na América Latina, é o gorila. Para ver um como ele, é preciso ir até
os Estados Unidos ou então atravessar o oceano Atlântico, pois recente-
mente o outro exemplar brasileiro (que ficava em São Paulo) faleceu. Idi
Amin é o nome do gorila que completou 30 anos em 2005 e já está em
idade avançada. Isso quer dizer que, em breve, ele também não deverá
estar mais no zoológico. Idi, como é chamado pelos funcionários, já teve
duas esposas que não se adaptaram e morreram antes dele (entre os go-
rilas, quem escolhe o parceiro são as fêmeas quase como entre nós mes-
mos). Então, o destino de Idi foi ficar sozinho e ele passa praticamente o
dia todo deitado num canto, mesmo quando está acordado. Ainda assim,
é um dos mais visitados e o único onde, às vezes, encontramos um fun-
cionário do zoo para contar sua triste história.
Idi Amin, o gorila, é homônimo do ditador genocida (Idi Amin
Dada) e leva esse nome por também ter nascido na África. De qualquer
forma, a alcunha não deu muita sorte ao pobre animal que deve morrer
sozinho e longe de seu país, repetindo a sina do ditador.
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Gostosuras ou travessuras
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Com que letra eu vou?
09 de Dezembro de 2006
Durante minha adolescência, eu costumava jogar com meu irmãos
e sobrinhos um jogo que chamávamos de ABC. Eu sempre terminava em
segundo ou terceiro lugar na contagem final de pontos. O primeiro lugar
cabia ao meu irmão “do meio”, logo acima da minha idade — de fato, não
tenho “um” irmão do meio, mas vários, pois sou de uma família de dez ir-
mãos que tem pelo menos três gerações separadas por cerca de uma dé-
cada; aqueles que nasceram nos anos 40, depois nos 50 e, por fim, nos 60.
Eu fui o último em 1968.
Mas o jogo em si, que tinha um de seus nomes de “ABC”, também
pode ser conhecido como “Dedanha” ou ainda “Abecedário”. Jogávamos
assim: lápis e papel na mão, alguns itens, cerca de 10 ou 12, eram escolhi-
dos — tais como animal, artista, bebida, carro, cidade, cigarro, filme, país
e outros que surgissem na hora.
Depois sorteávamos a letra com cada um dos participantes, em geral
de 5 a 8 pessoas, colocando um número com a mão, de zero a cinco. Os
dedos todos somados — e daí vem o nome a “Dedanha” — davam o
número da letra. Doze? Letra “m". Então cada um numa folha de papel
colocava os itens com aquela letra. Animal? Macaco. Carro? Maverick.
Cigarro? Minister. País? México.Se na outra rodada se repetisse a letra, então era escolhida a letra
seguinte. Havia algumas letras bem difíceis que ninguém conseguia lem-
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brar mais de uma única opção para o item e quase todos empatavam a
pontuação. Por exemplo, carro com letra “i”? Tente achar outro sem ser
Impala. Ou animal com letra “h”? Só consigo me lembrar de hipopótamo.
Com “w” ou “x” eu nem me atrevo a tentar...
O primeiro a escrever todos os itens avisava e os demais participantes
tinham que parar onde estavam. Quem escolhia um nome sozinho ga-
nhava dez pontos. Nomes que outro tivesse repetido faziam com que
ambos (ou todos que o repetissem) ganhassem apenas cinco pontos.
E, é claro, que quem deixasse de preencher algum item levava zero
ponto. Depois de 20 rodadas, ou do número de rodadas que os partici-
pantes definissem, ganhava quem fizesse mais pontos. Na minha família,
jogávamos por horas, principalmente no sítio ou nas viagens que fazíamos
à praia. Foi sempre uma boa oportunidade de juntar a todos, trocar idéias
e se divertir.
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(1) ACM, todos agora sabem, significa Associação Cristã de Moços, mas nas nossasaulas de judô usavámos “Alma, Corpo e Mente” como sinônimo e inspiração.
87
Alma, Corpo e Mente
22 de Novembro de 2006
A ACM(1) Aimorés foi vendida. A unidade, que fica na rua de mesmo
nome (nº 309), no bairro Funcionários, já está fechada. Em seu lugar, sur-
girá um prédio de luxo. Perto de 900 associados ficam sem o clube que
existia por lá desde a década de 40. A Associação Cristã de Moços, cantada
em inglês na música YMCA do grupo Village People, é famosa no mundo
inteiro por motivos além da canção.
Foi a Young Men’s Christian Association que criou alguns dos es-
portes mais populares do planeta, como volei e basquete, e Belo Hori-
zonte está incluída nessa história, justamente por causa da unidade da rua
Aimorés, com a criação das regras da peteca, incluindo o formato da
própria peteca, que projetou a modalidade como esporte competitivo. O
esporte foi tão popular que mobilizava uma legião de praticantes em com-
petições no extinto Campo do Lazer (ex-estádio do Atlético Mineiro e
atual shopping Diamond Mall) e tornou obrigatória a existência das
quadras de petecas nas áreas de lazer dos edifícios da cidade.
Na ACM Aimorés aprendi a jogar peteca junto dos meus irmãos.
Também participei da equipe de judô do clube e tive alguns do meus me-
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lhores momentos esportivos. De fato fui o segundo aluno da primeira
turma do esporte no clube. O primeiro aluno foi meu irmão Alexandre
com quem formei a dupla de treinamento inicial. Tinha então apenas sete
anos. Depois disso, entre dez e dezessete anos, fiquei sete anos invicto em
Minas, em várias categorias, e fui o atleta a ser batido naqueles dias dos
anos 80. Horas de treinamento, sempre nas tardes e noites das segundas
e quartas, na preparação para as competições.
Nunca vou me esquecer da emoção da primeira vitória no campeo-
nato mineiro, isso bem antes da Associação Mineira de Judô ser envolvida
por denúncias de corrupção e as competições praticamente desapare-
cerem do calendário e dos jornais. Na minha categoria, havia um atleta
que não perdia há vários anos. Depois de ser derrotado na fase elimi-
natória, ele foi obrigado a torcer para que eu chegasse à final e o próprio
pudesse disputar a medalha de bronze. Depois disso, nos outros torneios,
a sua torcida passou a ser para não me enfrentar antes da final. Foram
vários domingos de disputas seguidos pela satisfação de ver, no dia
seguinte, meu nome no caderno de esportes do jornal Estado de Minas
como vencedor da minha categoria, igual a uma lista de aprovados no
vestibular.
Aqueles eram tempos de clubes fortes na modalidade como Elefante
Branco, Minas Tênis Clube e Usipa. Enquanto eles entravam com 200
atletas a cada competição, a ACM tinha apenas 15 ou 20 judocas, um por
cada categoria, mas nos orgulhávamos de vencer e, embora nunca fôsse-
mos campeões por equipe, levar as medalhas de primeiro lugar.
O fato é que o fim da ACM sinaliza a crise pela qual passam os clubes
recreativos — o Olímpico, que já teve uma das principais equipes de fut-
sal do estado e do país, é obrigado a vender cotas sem fim e está cada vez
mais difícil freqüentar o clube por falta de espaço para os associados; o
Ginástico, que marcou época pela equipe de basquete, viu seu ginásio
virar um supermercado; enquanto o Minas Tênis Clube é o único que
conseguiu ampliar sua atuação.
Nos Estados Unidos, a YMCA tem mais de 20 milhões de associa-
dos e um grupo de trabalho voluntário que ultrapassa a um milhão de
pessoas. Por aqui, resta a memória daqueles que tiveram a oportu-
nidade de freqüentar esses clubes e viver aventuras que, à época, foram
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sentidas como pioneiras e épicas. É assim que eu me vejo, ainda naquele
longínquo ano de 1975, quando fui parte da primeira turma de judô
da ACM e comecei as minhas primeiras lições de grupo além dos muros
familiares.
NOTA DO AUTOR
I. Este texto é dedicado ao meu mestre e “sensei”, Caio Procópio de Alvarenga, queme deu as primeiras lições de auto-controle e foi uma inspiração na infância e naadolescência. A última vez que tive notícias dele, no início dos anos 90, soube quese especializou nas técnicas de “do-in”, depois de viver alguns anos na China. A ele,meu reconhecimento e homenagem.
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Brincadeira de criança
20 de Outubro de 2006
Nesses tempos de brinquedos Fisher-Price e Little Tikes vendidos na
Pbkids ou Ri Happy, inspirados nos desenhos do Discovery Kids — não
por um acaso, todas com palavras em inglês —, uma loja de brinquedos
resiste ao tempo em Belo Horizonte. Com o nome de “Rei dos Brinque-
dos”, que provavelmente encontra similares pelo país inteiro (quem nunca
viu em sua cidade uma loja que se intitulasse “rei disso ou daquilo”?),
existe desde o tempo em que eu mesmo, mal saído das fraldas, ia com meu
pai para ser testemunha da compra do presente dos Dia das Crianças.
Também perdi a conta de quantas vezes fomos até lá na véspera do
Natal para escolher o brinquedo que queria “ganhar” do Papai Noel. Isso
foi há mais de 30 anos atrás. Nesse mesmo período, outras grandes lojas
locais, como Bakanas (que tinha uma rede espalhada pela cidade) ou
Brinquedolândia, desapareceram sem deixar rastro.
Fora dos shoppings-centers ou de regiões de grande comércio, o “Rei
dos Brinquedos” ocupa um espaço nobre na esquina das avenidas Getúlio
Vargas e Afonso Pena, próxima ao bairro Savassi. É de surpreender que o
crescimento imobiliário não tenha a engolido para a construção de um
prédio comercial. É uma loja simples, mas com grande variedade de brin-
quedos, alguns que não são mais encontrados nas atuais redes de lojaspirotécnicas ou tecnológicas. Onde mais você poderia encontrar um “João
Bobo”, como aquele que ganhou quando completou 8 anos e tinha que
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encher a base de areia; ou rever os famosos velocípedes que foram seu
primeiro “meio de transporte”; ou, ainda, comprar novas bolinhas para o
seu jogo de “Totó”; ou aquele trenzinho de metal que apita e dá um tra-
balho danado para montar; ou, para dar um exemplo politicamente in-
correto, aqueles revólveres de espoleta?
Sempre que passo em frente à loja há um cliente comprando algum
brinquedo. Em geral, são os adultos que freqüentam o lugar e este é o
ponto que a difere das franquias. O espaço foi feito para estocar os brin-
quedos e não para crianças que querem brincar com eles. Ao mesmo
tempo, numa Ri Happy de qualquer shopping-center, dúzias delas estão
se divertindo e não comprando nada. O “Rei dos Brinquedos” vale uma
visita até mesmo para relembrarmos tempos mais ingênuos da infância,
quando jogos eletrônicos ainda não eram regra, as marcas mais famosas
eram Gulliver, Estrela ou Trol e nossos personagens favoritos estavam nos
contos infantis e não na programação da televisão a cabo.
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A palavra é...
23 de Setembro de 2006
Você já jogou “Dicionário"? Não, não estou falando em pegar o livro
e jogar em algum lugar qualquer para nunca mais encontrá-lo. Quando
eu estava no meio da faculdade, lá pelos meus 20 anos, costumava jogar
esse jogo com os colegas de curso. “Dicionário” não está escrito em ne-
nhum manual de instruções de jogos de salão, nem é vendido em caixas
como “Imagem & Ação” ou “War”. Por isso mesmo, é um jogo acessível e
criativo. Basta ter um dicionário, quanto mais antigo melhor, só não valem
versões miniaturas do livro — nada do “Minidicionário do Aurélio”, por
favor!
Podem jogar quantas pessoas quiserem. Pelo menos quatro (mais é
melhor). Funciona assim: um mediador escolhe uma palavra e escreve
seu significado num papel. Todos, inclusive quem escolheu a palavra,
criam seu significado. O “mediador” recebe todos significados e lê para
os demais. Se são quatro pessoas jogando, então temos cinco definições.
Uma verdadeira e quatro falsas.
Depois disso, cada participante vota na definição que acha que é ver-
dadeira. Quem acerta, ganha um ponto e quem tem sua definição votada
também ganha um ponto. Se apenas uma pessoa acertar a verdadeira, ela
recebe o dicionário e é sua vez de escolher a palavra. Se ninguém ou maisde um acertar, há um sorteio para girar o dicionário de mãos.
Depois das aulas da manhã, íamos para a biblioteca pública da PUC
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(algumas vezes, na casa de um ou de outro) e ficávamos tardes inteiras
jogando, usando os dicionários da própria biblioteca, alguns deles escritos
na década de 40, com palavras que nunca tínhamos sequer ouvido ou lido
em qualquer outra publicação. Isso tornava o jogo ainda mais interes-
sante. O resultado eram muitas risadas e a capacidade de desenvolvermos
ainda mais a criatividade.
Por exemplo: a palavra “jalapa” pode ser o “som reproduzido por
grandes frutas ao caírem no chão” ou “indivíduo que tem parte do corpo
de tamanhos desproporcionais em relação ao todo” ou será “bebida fer-
mentada com sabor amargo”? Já a palavra “podricalho” é “um pedaço de
um objeto que apodreceu por falta de uso” ou “indivíduo destituído de
energia e por isso preguiçoso” ou pode ser “um ornamento utilizado no
Brasil Colônia para identificar salões destinados às refeições”? Por sua vez,
“sangagu” é um “ser mitológico das tribos indígenas Tupi-Guarani” ou
“comida típica do vale do Jequitinhonha em Minas Gerais” ou “alguém
que diz coisas que te fazem ter mais curiosidade"?
Como faz alguns anos que nunca mais joguei e nem vi mais
ninguém jogar, talvez os meus exemplos não tenham sido dos melhores.
Ando meio enferrujado. De qualquer forma, é uma lembrança de um
tempo onde tudo era novidade, principalmente para quem estudava co-
municação social e tinha na palavra sua ferramenta de trabalho. Re-
comendo a todos tentarem jogar “Dicionário”. Quanto mais nonsense as
definições, melhor.
NOTAS DO AUTOR
I. Confira o significado das palavras segundo o Dicionário Houaiss: (1) Jalapa: vinho debaixa qualidade e de mau sabor; (2) Podricalho: preguiçoso, destituído de energia,moleirão; (3) Sangagu: comentário intrigante.
II. Antes que alguém diga “Eu conheço esse jogo! Chama-se Academia e é vendido emlojas de brinquedos...”, eu explico: eu também conheço o jogo, mas há vinte anos elenão existia. Além disso, você precisa gastar mais de R$ 50,00 para comprá-lo.Melhor investir num bom dicionário, poder jogar e ainda tirar suas dúvidas de vo-
cabulário.
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The book is on the table
18 de Setembro de 2006
Eu nunca entendi porque essa é uma das primeiras frases que vemos
na escola quando começamos a aprender a língua inglesa. Que fique claro
aqui que estou falando de aulas de inglês no ensino regular e não das es-
colas ou franquias brasileiras de línguas. Onde eu talvez nem saiba como
é, pois sempre tive aula apenas com professor particular e em intercâmbios
em países onde o inglês é a língua nativa. Mas o fato é que “O livro está
sobre a mesa...” é tão marcante para um geração de alunos de escolas públi-
cas que até a turma do Casseta & Planeta já fez piada com a expressão.
Eu continuo estudando e considero, cada dia mais, o inglês uma lín-
gua muito interessante. Lembro até de como foi uma das minhas
primeiras aulas, quando o professor descreveu a origem do inglês como
um idioma de “cachorros” e tirou todo o glamour que poderia haver na
língua. Isso tudo aconteceu porque o inglês surgiu de uma mistura de
idiomas durante as invasões bárbaras e, por essa razão, as pessoas tinham
que falar muito rápido (quase como um latido). Não deixa de ser curioso
quando começamos a nos expressar no inglês e ver que algumas palavras
são realmente curtas e têm sons bem diferentes de sua grafia.
Mas o motivo desse texto vem justamente das minhas aulas de in-
glês. Meu professor, ao ler algumas vezes o meu blog, disse que eu deve-ria fazer meus textos em inglês. Embora, logo de cara, eu tenha dito que
meu inglês ainda precisa evoluir para poder escrever textos interessantes,
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ele afirmou que todo aluno é assim mesmo: acha que fala e escreve pior
do que realmente é. Então, colocamos um desafio de, num prazo de um
ano, escrever meus textos também em inglês.
Embora eu ache que vá perder a aposta, tenho que reconhecer que in-
glês é a língua do mundo. Já existe até uma vertente de professores que
falam de um “inglês internacional”, ou seja, um inglês que não é nativo de
país nenhum, falado com diversos sotaques e compreendido por todos.
Eu, que não sou nenhum estudioso, concordo. Nas minhas passagens por
outros países, encontrei muitos estrangeiros (embora tenha tido a sorte de
morar com nativos) que falavam inglês e sempre nos entendíamos bem.
A própria internet é uma prova desse domínio linguístico. Uma visita
ao site Wikipedia mostra que em inglês são mais de 1,3 milhão de artigos
registrados. Em segundo lugar, está o alemão, com mais de 465 mil arti-
gos, seguido pelo Francês com 360 mil artigos. A língua portuguesa está
apenas em 9º lugar (num total de dez idiomas) com pouco mais de 180
mil artigos.
NOTAS DO AUTOR
I. Este texto é dedicado ao professor de inglês, Marcelo Rayel, que em todas as aulasdescobre um jeito novo de tornar o inglês mais interessante. E isso não é pouco.
II. Inglês versus mandarim: quem pensa que o inglês será substituído pelo idiomachinês precisa conhecer a opinião dos próprios chineses sobre a questão. Conver-sando com alguns deles durante meu intercâmbio, todos sempre me diziam que omandarim é uma língua muito complexa para ser difundida. Haveria uma rejeiçãomuito grande ao mandarim porque ele não oferece o que o inglês tem — um padrão
de construção das estruturas verbais. Algo como se você sabe um frase no presenteentão basta trocar o tempo verbal para o passado ou futuro. E isso já é o suficientepara não se perder em nenhuma rua do planeta. Mesmo que a China domine omundo, o mandarim não é uma língua capaz de oferecer isso.
III. Sempre achei muito divertido quando visitava escolas de inglês, com alguns amigos,na época de festas como Halloween. Quinze anos atrás, ou mais do que isso, essasfestas simplesmente não davam audiência, mas havia um esforço sincero dos pro-fessores em se fazer passar por nativos e parecer viver nos Estados Unidos. Hoje, agarotada está mais globalizada e o “Dia das Bruxas” tomou conta do fim do mês de
outubro.
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Relógio de sol
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(1) Até a década de 50, um dos títulos de BH era “Cidade Jardim”. Essa realidade mudoufaz tempo e, hoje, a cidade é 'muito além de um jardim' e flores. O título do post éuma referência ao filme “Muito além do jardim” (do original “Being there”) onde opersonagem principal, Chance Garden (interpretado antologicamente por PeterSellers), um jardineiro que nunca havia deixado a mansão onde trabalhara a vidatoda e que após a morte de seu patrão é obrigado a enfrentar o mundo exterior —quase como BH precisa fazer com seu futuro.
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Muito além do jardim (1)
12 de Março de 2007
Belo Horizonte não é lugar para turistas. Os bons resultados de
Minas Gerais no turismo interno (segundo colocado logo atrás apenas de
São Paulo) e a ocupação de mais de 60% da rede hoteleira da capital du-
rante todo o ano não representam a realidade do turismo da cidade.
A capital não foi construída, desde o seu início no projeto do século
XIX e mesmo na sucessão mais recente de planos governamentais (ou
seria falta deles?), para receber as pessoas. Acabo de retornar de uma via-
gem a Buenos Aires e, embora a comparação não seja inteiramente justa,
foi impossível não pensar nos erros e acertos das duas cidades. Foi minha
terceira visita. Passei por lá pela última vez há quase dez anos. Muita coisa
mudou na última década. De austral para pesos, de caudilhos para de-
mocratas, de prédios abandonados para áreas revitalizadas. Apenas al-
guns exemplos que poderíamos aprender com eles.
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Vista de cima, Belo Horizonte está sempre dominada pelos carros,
circulando pelas ruas ou estacionados junto às calçadas. Essa invasão de
carros, quase 800 mil veículos, mostra que a cidade não tem futuro como
destino turístico. É necessário acabar com os rebaixamentos dos passeios
e priorizá-los para os pedestres. A solução para carros são estacionamen-
tos subterrâneos. E que não venham dizer que a capital mineira com um
orçamento próprio anual de R$ 1 bilhão não tem dinheiro para obras.
Falta a BH um grande museu central que atraia público, mas não
falta espaço para sediar um. O Minascentro seria espaço perfeito para criar
junto ao Mercado Central um núcleo de atração turística que incluíria
ainda a Praça Raul Soares, num circuito Centro-Barro Preto. A criação de
circuitos turísticos com descrições e mapas distribuídos gratuitamente
em aeroportos e hotéis é ferramenta indispensável para cidades que
querem atrair turistas e engordar suas economias. Belo Horizonte não
consegue nem se beneficiar do fato de ser caminho obrigatório para a
Minas Gerais Barroca, principalmente Ouro Preto, uma das cidades mais
procuradas por turistas internacionais.
Circuitos como os bairros Centro, Barro Preto, Belvedere, Manga-
beiras, Savassi e Lourdes já bastariam para transformar a cidade. Revi-
talizar áreas centrais que atualmente são favelas com opções de parques e
praças. Colocar o bloco na rua e mostrar que segurança se faz com pro-
jetos sociais, mas também com a presença saudável e preventiva dos poli-
ciais, não apenas passeando de carro pela cidade, mas presente a pé em
cada esquina e em qualquer horário. Como tem feito muito bem Buenos
Aires. Tente encontrar uma dupla de policiais às duas da manhã na Praça
da Liberdade; se achar, terá encontrado uma agulha no palheiro.Não sou nenhum especialista em turismo, mas fico impressionado
que ainda não tenha surgido uma liderança política com coragem para
pensar Belo Horizonte como sugere o nome da cidade e como poderia
ser em 20 ou 30 anos à frente. Nenhuma das idéias que abstraí, sem de-
talhar, são originais. Na década de 30, a área do Central Park em Nova
Iorque era um grande cortiço, quase uma favela. Apenas em 1989, a região
de Puerto Madero, em Buenos Aires, ficou pronta depois de estar aban-donada por mais de 50 anos e o resultado hoje é uma área gastronômica
que faz inveja a qualquer cidade do mundo.
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Mesmo o Brasil tem bons exemplos em cidades que não nasceram
como destinos turísticos naturais mas conseguiram construir suas
atrações. Curitiba, capital do estado do Paraná, não possui nenhuma
grande riqueza natural, mas bons planejamentos levaram a cidade a ser
uma referência em urbanismo e estar entre as mais visitadas por es-
trangeiros no país.
Belo Horizonte perdeu ao longo dos anos muitas oportunidades que,
se bem trabalhadas, teriam garantido à cidade atrações turísticas interes-
santes. Para que serve a principal região comercial da zona sul, nos cruza-
mentos das avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas, ter somente
lojas de telefonia móvel nas esquinas? A Praça da Savassi deveria ter, como
já teve em passado recente, cafés, padarias e restaurantes. Seriam uma
referência e chamariam mais público para outros pontos criando um cir-
cuito gastronômico no bairro nobre. O discurso de que foi o mercado
quem determinou o destino da região não convence, pois essa deveria ser
uma política administrativa para a cidade determinada pelo poder
público, assim como ocorreu em muitas outras cidades do planeta. Lei
municipal de uso e ocupação do solo.
O exemplo de transformação do Minascentro num grande museu
central que mostrasse a arte mineira ao longo dos anos teria um impacto
incrível para Belo Horizonte. As feiras iriam para onde têm que ir, o Ex-
pominas. Então, imaginem um prédio histórico como ele transformado
num local de convivência e encontro de culturas, isso próximo ao que a
cidade tem de melhor que é o Mercado Central.
Mesmo empreendimentos privados recentes da cidade causariam um
impacto muito maior se tivessem sido melhor planejados. Ou alguém du- vida que a bela Torre do shopping Alta Vila faria um sucesso incrível se es-
tivesse localizada num bairro central e se tornasse uma referência na
paisagem ao invés de estar perdida no meio de montanhas maiores do
que ela? Belo Horizonte sequer consegue ter um único local onde o pão
de queijo, uma iguaria reconhecidamente mineira, seja vendida com o re-
quinte que merece.
E o que dizer da temporada cultural onde os espetáculos de teatro,dança ou música (isso numa cidade que apresentou ao mundo artistas
como Milton Nascimento, Beto Guedes, Skank, Corpo e Galpão) nunca
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(2) Segundo dados do Relatório 2007 de Competitividade no Setor de Viagem e Turismo,do Fórum Econômico Mundial, o setor de viagens e turismo emprega 234 milhões depessoas e é um importante fator de crescimento econômico. Em 2006 respondeupor 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. No topo da lista do relatório apare-cem Suíça, Áustria e Alemanha, países europeus vizinhos, seguidos pela Islândia epelos Estados Unidos.
(3) França, país mais visitado do mundo, ficou em 12º lugar; Espanha, segundo país maisprocurado por turistas, ficou na 15ª posição e Itália, terceira colocada na lista dedestinos mais visitados e lar do maior número de locais incluídos no Patrimônio
Histórico da Humanidade, ficou em um 33º lugar, e isso em virtude de vários proble-mas, entre os quais suas regras e regulamentações políticas. Enquanto isso, o Brasilfoi apenas o 36º destino mais visitado do mundo com cerca de 5 milhões de turistasestrangeiros.
ultrapassam a um fim de semana de exibição? Não há turista que se sinta
seduzido a vir conhecer as montanhas dessa maneira... Quem duvida que
o grupo Corpo tenha prestígio suficiente para atrair as pessoas para um
“espaço Corpo”, com agenda permanente de pequenas apresentações dos
seus artistas ou mesmo dos seus alunos? É o que o Bolshoi faz em Joinville.
A casa do renomado grupo de dança está sempre cheia.
Belo Horizonte não está sozinha no fracasso infelizmente. O Brasil
também apresenta resultados pífios no turismo na análise mundial. Re-
centemente, em uma lista elaborada pelo Fórum Econômico Mundial(2),
que classificou 124 países segundo as possibilidades de desenvolvimento
do setor de viagem e turismo, o país recebeu a 59ª colocação (3). A única
coisa que o Ministério do Turismo brasileiro fez foi criticar a divulgação
da lista como se fosse mentira que o país vai mal em infra-estrutura (veja
o caos das estradas e aeroportos!) e segurança pública (ou algum es-
trangeiro é capaz de escolher o Rio de Janeiro e passear tranqüilo por
qualquer ponto turístico depois de notícias sobre crianças sendo arras-
tadas pelas ruas?), justamente alguns do critérios avaliados pelo Fórum.
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Primeira, segunda e terceira
03 de Outubro de 2006
Belo Horizonte é a porta de entrada para a Minas Gerais colonial,
aquela que atraiu a atenção da Coroa Portuguesa devido as minas de ouro
e diamantes. Esse período de riqueza e prosperidade criou obras em
cidades como Sabará, Ouro Preto, Mariana, Catas Altas, Santa Bárbara,
Congonhas, Tiradentes, São João del-Rei e até Diamantina somente com-
paráveis à Europa. Em Minas (como em todo o Brasil) cada período
chegou atrasado em relação ao original europeu. Talvez por causa desse
invervalo, algumas obras apresentem uma maturidade marcante que
valem a visita.
Ouro Preto tem o maior conjunto barroco preservado do país, um
dos maiores do mundo. Congonhas possui as mais impressionantes obras
do maior artista nacional do Barroco, o Aleijadinho (“Via Sacra” e “Os
profetas”). Diamantina foi a única cidade-estado do Brasil. Tiradentes é
a nova meca da Minas típica e histórica. Cada uma delas se auto-proclama
como a melhor opção e, no caminho entre a capital e as cidades (num
raio de 300 quilômetros), há ainda a Estrada Real, “o maior projeto turís-
tico do país”, como definem seus criadores e apoiadores.
Tudo realmente muito bonito e interessante não fossem algumas di-
ficuldades estruturais mineiras (que são comuns no Brasil, mas que poraqui se tornaram crônicas). As estradas que vão para essas cidades são al-
gumas das mais perigosas do país em número de acidentes. Faltam infor-
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mações adequadas sobre as opções turísticas de cada cidade (tente en-
contrar e marcar alguma coisa pela internet e vai entender). As comuni-
cações, inclusive de internet e celular, são precárias. Os preços de produtos
e serviços são abusivos.
É claro que a paisagem compensa o sacrifício, mas às vezes fica difí-
cil convencer alguém a enfrentar essa dura realidade. Tarefa que o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Federação das Indústrias
do Estado de Minas Gerais (Fiemg) estão tentando enfrentar, nesta se-
mana, com um seminário em Belo Horizonte, entre as cidades-pólo da
Estrada Real, sobre as alternativas para a consolidação do projeto.
Recentemente, fiz uma viagem a Tiradentes, como eu disse “a nova
sensação das tradições mineiras” com seus festivais de cinema e gas-
tronomia, seus investimentos em novos hotéis e restaurantes ou ainda
com a concentração de alguns dos melhores artistas artesanais do estado,
como “Oficina de Agosto”, na comunidade de Bichinhos. A viagem é
muito agradável, mas a cidade em si, que eu já conhecia de outras visitas,
continua com graves problemas. Algo mais ou menos assim: o preço é de
primeira classe, o serviço é de segunda classe e o atendimento é de ter-
ceira classe. Embora o turismo por aqui seja mais qualificado do que em
Ouro Preto, marcada pela presença estudantil e suas “repúblicas”, ainda
assim carece de profissionalização.
Mesmo com dinheiro na mão, é impossível não passar raiva em
várias lojas, hotéis, bares ou restaurantes. Cidades históricas ou que têm
atrações naturais em outros países, conseguem dar um banho em Minas,
quando o assunto é atendimento e estrutura para os turistas. Ainda assim,
Minas Gerais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE), é o segundo estado brasileiro em turismo interno, atrás
de São Paulo, e o quinto em turistas estrangeiros, o que não deixa de ser
um “feito” para uma região sem acesso litorâneo (que lideram a lista de tu-
rismo externo).
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(1) O título do post faz uma referência incidental ao refrão da música “IndependenteFutebol Clube”, do Ultrage a Rigor, para explicar a falta de identidade de quem pra-tica atos de vandalismo com bens públicos.
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Não é de ninguém (1)
30 de Agosto de 2006
Em 1999, o relógio da torre da Prefeitura de Belo Horizonte foi pi-
chado por vândalos. A ação foi cinematográfica. A torre e o relógio estão
numa altura de oito andares e no meio do prédio público, um complexo
de dois mil metros quadrados. Seguranças rondam o prédio 24 horas do
dia. Há câmeras monitorando o local. Ainda assim, alguém conseguiu in-
vadir o prédio, escalar a torre e pichar demoradamente o relógio octo-
genário récem-restaurado.
Em 2001, a Basílica de Nossa Senhora de Lourdes também foi vítima
de pichações poucos dias após ser concluída uma obra de restauração ex-
terna. A igreja é considerada como a mais nobre da cidade onde se casam
as famílias abastadas. A reforma foi paga com doações da comunidade
para a paróquia.
A história mais recente dessas ações de vandalismo aconteceu este
ano com a “Cow Parade”. Três estátuas foram pichadas no bairro da
Savassi, região de comércio elegante da cidade, e duas estátuas das
vaquinha foram danificadas na Praça da Liberdade, que também tem o
seu próprio histórico de depredações, como no período da iluminação de
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natal onde grande parte das lâmpadas e cabos de energia são furtados.
Não é incomum encontrar na imprensa local, logo após cada uma
dessas ações, discursos inflamados de cidadãos e de jornalistas afirmando
que o povo é “muito mal educado” e que “todos nós ficamos indignados
com essa falta de respeito”. No dia seguinte, estão todos de volta à sua rotina
esperando apenas mais um episódio para externarem sua indignação.
O que esses formadores de opinião ignoram é a formação da so-
ciedade e a realidade que esses “mal-educados” (sic) enfrentam. Os críti-
cos imaginam que o brasileiro médio tem o seu perfil (trabalha, tem
família, carro, casa, estudo são alguns itens). Essa análise vem do meio em
que estão inseridos. Mas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE), essa não é a realidade da maioria da população.
Menos de 30% têm acesso aos itens citados.
No Brasil, apenas 5% da população consegue concluir o ensino su-
perior e o presidente da república é um exemplo de quem, embora tenha
se dado bem, não estudou. Outro exemplo sintomático é o sucesso do
Baú da Felicidade, aquele mesmo do Grupo Sílvio Santos, que oferece
casas através de jogos de azar para quem compra seu carnê.
Vários estudos como do departamento de psicologia da Universidade
de São Paulo (USP) mostram que a falta de estrutura familiar acaba por
desviar a personalidade de jovens e adolescentes para o convívio social. Algo
como: falta educação, não apenas a formal; aquela que se consegue sentado
num banco de escola, mas a do exemplo familiar e dos bons modos.
Dizer “bom dia", “com sua licença”, “como vai” para um atendente
antes mesmo de pedir um café numa lanchonete, como fazem americanos,
canadenses, chilenos, argentinos, italianos... apenas para citar alguns exem-plos. O que esses críticos desconsideram é que não somos referência, in-
cluindo eu e você, prezado leitor, para o padrão da sociedade brasileira.
Então, afirmar que as ações de vandalismo são apenas “falta de ver-
gonha e respeito” é muito pouco para entender a sociedade brasileira. O
Brasil ainda irá levar uns 300 anos, segundo estudo recente divulgado pela
BBC, para atingir o nível de desenvolvimento dos países do primeiro
mundo. Então, a partir do século XXV, talvez possamos falar que se tratade falta de vergonha de alguns indivíduos, que por enquanto são as ver-
dadeiras vítimas do vandalismo político e social.
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“Era uma vez”não é mais aquele
26 de Agosto de 2006
A era do politicamente correto parece ter atingido inclusive o pas-
sado. Ainda bem que a turma dessa onda não possui uma máquina do
tempo. Caso tivesse, a história seria alterada e provavelmente nem exis-
tiríamos. Outro dia li uma nota na internet (sempre ela!) sobre a questão
do consumo de carne. — “Deveríamos proibir o consumo de carne ani-
mal!”, sentenciava a nota escrita por não sei quem.
Se a raça humana assim o tivesse feito no período da pré-história,
talvez a terra estivesse dominada pelos chimpanzés. O autor da frase ig-
nora que nosso cérebro cresceu impulsionado pelo consumo da energia
que a carne traz. Tivemos que nos tornar predadores para poder evoluir.
Mas pelo menos seríamos poupados de comentários como esse.
A vítima mais recente dessa onda do “politicamente correto” foi
Tom & Jerry. Eu me lembro quando menino, na faixa dos dez anos de
idade, que a grande atração dos meus sábados à tarde era assistir aos de-
senhos do gato e do rato em sessões concorridas nos cines Santa Tereza,
Floresta e Odeon, antigas salas de exibição de Belo Horizonte. Passei al-
guns anos indo nessas apresentações, incluindo os desenhos dessa
polêmica do Tom fumante.
Se a onda continuar, em pouco tempo vamos ter que proibir toda asérie, pois não me lembro de nenhum episódio clássico onde Tom ou Jerry
não tentassem quase matar um ao outro (a fase Hanna Barbera não conta,
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pois foi justamente quando eles perderam a graça e acabaram).
De fato, faz tempo que me pergunto sobre essas mudanças e ame-
nizações dos clássicos. Quem está na faixa dos 40 talvez se lembre que, no
passado, “Os Três Porquinhos” tinham um final bem diferente. O lobo
mal caía no caldeirão, morria e os porquinhos colocavam sua pele de-
pendurada na porta para espantar outros lobos. Atualmente, o lobo ape-
nas se queima e foge.
Também “Chapeuzinho Vermelho” tinha um final bem mais trágico.
O lobo engolia a vovó e chapeuzinho e somente depois de morto é que o
caçador abria a barriga do lobo e retirava ambas ainda vivas. Hoje, vovó
se esconde dentro do armário e chapeuzinho foge da casa quando en-
contra o caçador que espanta o lobo. Por fim, nos desenhos da Disney,
antes da era Pixar, sempre havia um momento dramático (como a morte
da mãe de Bambi ou do pai de Cinderela) e isso servia mais como um
aprendizado para as crianças alertas do que para torná-las do mal.
Isso mostra que não foram os desenhos que passaram a ser incorre-
tos e a influenciar negativamente, mas sim a ausência do adulto na vida
das crianças se tornou maior. Sempre brinquei com armas de brinquedos
daquelas que tinham “espoletas” quando criança e depois com as espin-
gardas de “chumbinhos”. Mesmo com essas influências, não virei um fu-
mante ou psicopata armado. Meu pai sempre esteve por perto para me
dizer e ensinar o que é certo e o que é errado.
Não sou psicólogo ou sociólogo ou antropólogo ou coisa que valha,
mas creio que a turma do policitamente correto deveria se preocupar mais
em lutar para que as pessoas tivessem estrutura familiar do que proibir
essa ou aquela expressão do passado ou do futuro. Talvez devêssemos tam- bém ter mais capacidade de rir de nós mesmos como Os Simpsons fize-
ram na paródia de “Itchy & Scratchy” (Comichão e Coçadinha).
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Maior Abandonado
20 de Agosto de 2006
Nas duas últimas semanas, por questões de trabalho, tive a oportu-
nidade de visitar duas unidades de internação de adolescentes infratores
em Belo Horizonte. Uma só de meninos e outra de meninas. São unidades
ou novas (como no caso dos meninos) ou muito bem administradas e
bem conservadas (como no caso das meninas).
Com os meninos não tive a chance de conversar, pois se tratava de
uma transferência deles para a unidade e havia várias normas de segu-
rança. Já com as meninas, como era num dia de rotina, pude conhecer as
oficinas de trabalhos manuais e conversar com pelo menos três delas.
Parecem meninas gentis, entre 15 e 17 anos, conversam com a voz doce e
têm sempre um sorriso para mostrar. É difícil acreditar que estão naquela
unidade pelo crime de homicídio. Isso mesmo: cada uma delas já matou
alguém e está cumprindo uma “medida socioeducativa” (não se deve falar
que menores e adolescentes estão cumprindo pena).
Se vivêssemos 100 anos não conseguiríamos ter as experiências que
essas meninas (e também os meninos) passaram. A história é sempre de
violência e total ausência de vínculo familiar. Foram violentadas por
padastros, a mãe as obriga a pedir esmolas nas ruas (e ai delas se voltarem
para casa sem dinheiro!), têm casos de drogas e prostituição e acabam seenvolvendo com crimes por completa falta de perspectiva.
Na unidade de internação, essas mesmas meninas sem qualquer
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referência familiar são capazes, entretanto, de fazer belas obras de arte-
sanato e pintura que são todas vendidas em feiras na cidade (o ponto prin-
cipal é na Feira das Flores, às sexta-feiras, nas quadras fechadas da avenida
Carandaí — um bom programa de fim de tarde na cidade). O resultado
é de surpreender qualquer um.
Na minha visita, eu cheguei bem na hora em que elas, as meninas,
gravavam uma participação para um jornal de TV falando sobre as car-
tas que escrevem para amigos e familiares. Elas leram as cartas para a
equipe de reportagem e é de supreender, novamente, que as cartas falem
mais das esperanças que elas têm do futuro e de uma fé em Deus do que
de suas próprias agruras.
Mas o mais dramático disso tudo é ver o trabalho obstinado dos
coordenadores dessas unidades e saber que muito provavelmente mais de
90% (nos dados dos próprios coordenadores) dos internos irá voltar para
lá depois de sair por cometer novas infrações. Dentro das unidades elas
acabam recebendo o que não têm fora delas: respeito e perspectivas.
A sociedade (e os políticos que são resultado dela) deveria discutir e
ter mais sensibilidade sobre que futuro quer ter. De mais penitenciárias
para criminosos ou de mais escolas e trabalho para esses adolescentes. Ou
então vai chegar o dia em que os abandonados (à própria sorte) seremos
nós, os maiores.
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Brincadeiras de pai para filho
17 de Agosto de 2006
Quando eu era apenas um menino, lá com meus 6 ou 7 anos de
idade, uma dos programas mais divertidos da cidade era ir ao parque
Mangueiras. Era um parque de diversões nos melhores moldes daqueles
que vemos nos filmes (em geral, americanos) com brinquedos de todos os
tipos.
Sempre íamos nos sábados à noite com meus irmãos ou irmã mais
velhos e não saíamos de lá enquanto eu não andasse em todos os brin-
quedos mais de uma vez. Os meus favoritos sempre foram os carrinhos de
bate-bate (que no parque têm o nome de “Auto-pista”); a “Lagarta” que é
quase uma montanha-russa ou ainda o Trem-Fantasma. Somente quando
eu já era adolescente é que soube que o nome correto do parque era “Gua-
nabara” — o nome do parque fora confundido com o de um antigo
restaurante que existia próximo ao local, erro comum a todos os fre-
qüentadores do parque.
A própria história do parque é muito interessante. Ele se chama Gua-
nabara porque surgiu no estado do Rio de Janeiro, no meio da década de
50, e por várias vezes se instalou nas proximidades da baía de mesmo
nome. Naquele tempo, os parques tinham a tradição de percorrer várias
cidades e cumprir temporadas, assim como acontece até hoje com algunscircos. Somente no fim dos anos 60, o parque se fixou definitivamente em
Belo Horizonte, na orla da lagoa da Pampulha, em frente à igrejinha.
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Quase meio século depois, o parque continua por lá e demonstra
uma vitalidade impressionante. O espaço e os brinquedos têm uma qua-
lidade rara em comparação com quaisquer outras cidades brasileiras.
Ainda bem que Belo Horizonte consegue preservar essas tradições e, hoje,
eu posso recontar essa história indo ao parque com meu filho Pedro(1).
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(1) O “carrossel” de caminhões (chamado de “Comboio”) é o favorito do Pedro que nãose cansou de andar nele. Pelo menos umas dez vezes antes de trocar de brinquedo.Acho mesmo que o único risco do parque é esse. Não queremos parar de brincarnunca.
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Esta é a imagem de BH?
16 de Agosto de 2006
Há décadas, Belo Horizonte tenta emplacar um campanha ou slo-
gan como sua identidade. No início dos anos 80, surgiu “Eu amo a
Savassi” nos mesmos moldes de “I love NY”, que existe desde 1970. Depois
repetiram o coração que substituía “amo” no ano do centenário da cidade
e foi então que a campanha tornou-se o plágio completo da versão no-
vaiorquina.
Agora, surgiu novamente o “Eu Amo BH” acrescido do “Radical-
mente”, talvez com a tentativa forçada de vincular a cidade aos esportes
radicais (sic). Tudo o que eu vi na mídia mineira sobre a campanha foi
uma reação ufanista e partidária.
Sinceramente, eu não consigo ver BH como uma Auckland(1)
brasileira e praticamente não há eventos ou espaços na cidade que justi-
fiquem o título. Mas agora me diga, você que não é daqui: qual imagem
tem de Belo Horizonte?
(1) Auckland, na Nova Zelândia, se auto proclama Capital Mundial dos Esportes Radicais.É a maior cidade daquele país e, às vezes, confundida como a capital que, na verdade,é Wellington.
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Epitáfio
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Rapsódia em outubro
11 de Outubro de 2007
Hoje faleceu Stela Martins, a última parente remanescente da gera-
ção de meu pai. Nascida em 5 de janeiro de 1913, seu velório teve um tom
bem diferente de outros que tive que ir. O choro tão comum nesses mo-
mentos foi substituído por palavras de lembrança e por músicas escolhi-
das por ela própria para serem cantadas nessa data. Sim, ela sabia que esse
momento iria chegar e deixou tudo pronto, inclusive a escolha da urna
mortuária e dos dizeres das coroas de flores. Tudo pago por ela mesma.
A primeira lembrança que tenho dessa senhora vem dos meus cinco
anos de idade quando ia à sua casa com minha mãe, no bairro Sagrada
Família, e ela me oferecia biscoitos sempre dizendo “pegue mais um”. Eu
me sentava à mesa e fitava um quadro em alto relevo da Santa Ceia que fi-
cava à cabeceira. — “É para nunca faltar comida à mesa”, ela me expli-
cava. Cresci com a certeza de que quando tivesse minha própria casa
também colocaria um quadro como aquele.
Stela Martins nasceu Stela Martins de Mello e Franco, um sobrenome
nobre para quem foi protagonista entre os anos 30, 40 e 50 ainda no século
XX. Mas como muitas outras histórias, a riqueza da família não acom-
panhou todos os seus descendentes e minha tia Stela, que havia vivido até
a adolescência com ares de princesa, viu-se de uma hora para outra napobreza. Em meados da década de 60, cansada de dar explicações às pes-
soas porque uma Mello e Franco era pobre, Tia Stela pediu a um tabelião
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amigo que retirasse o sobrenome famoso de sua certidão. Algo impen-
sável nos dias atuais, o cartório fez-lhe esse favor. Tia Stela mudava volun-
tariamente sua história e seu destino. A prima de segundo grau do próprio
Afonso Arinos seria então uma lembrança apenas dela.
Mas as dificuldades ao invés de fazerem dela uma pessoa amargu-
rada, a tornaram ainda mais determinada. Do tempo em que viveu sua
“belle epoque”, Stela acumulou uma experiência que lhe possibilitou ser
uma costureira de roupas nobres, vestidos de festas e noivas. De fato, ela
não voltou à riqueza, mas pôde ter uma vida digna. Houve um tempo que
Stela teve mais de uma dezena de costureiras trabalhando com ela e sua
fila de pedidos ultrapassava a um ano. Lembro-me de ir à sua casa e ver
sempre dezenas de vestidos em produção.
Stela nunca se casou embora tivesse sido muito cortejada. Primeiro a
pedido de sua mãe, algo também impensável que filhos façam nos nossos
dias de virada de séculos XX e XXI. Depois porque o exemplo de sua mãe
também deixou suas marcas. Foi por causa de um segundo casamento que
a riqueza da família se perdeu. Por fim, tia Stela, dona de seu próprio des-
tino, não precisava mais se casar para que fosse mantida por um marido,
mais uma realidade já perdida no tempo. Tia Stela teve filhos. Todos ado-
tivos. Além de mudar seu destino, mudou também de quem estava à sua
volta. Eles todos cresceram e estiveram com ela até o fim.
O tempo passou e as lembranças de biscoitos da minha infância se
repetiram mais de três décadas depois com meu filho. Ele, Pedro, não de-
verá se lembrar dela além das fotos que fez ao seu lado, mas eu nunca vou
me esquecer de suas gentilezas e palavras doces para comigo — que sem-
pre tive a fama de o “zangado” da família. Ainda assim, ela jamais me jul-gou por isso.
Tia Stela foi para o céu nessa véspera de Nossa Senhora Aparecida.
Provavelmente, sem grandes arrependimentos. Nesses tempos estranhos,
onde os jovens se julgam imortais, mas morrem cada vez mais cedo por
causa de abusos que cometem, viver quase cem anos e fazê-lo com
tamanha dignidade é mesmo um bom motivo para não se ver muitas lá-
grimas num dia como o de hoje.
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Meu amigo itabirano
1 de fevereiro de 2008
Como mineiro é uma heresia, quase um pecado, o que vou dizer:
nunca gostei de Carlos Drummond de Andrade. Ou, pelo menos, ele
nunca esteve entre os meus preferidos. Vinícius de Moraes sempre me
tocou mais com suas poesias do que o autor itabirano. É claro que não
discuto a importância e a qualidade do poeta mineiro. Ele, assim como
Euclides da Cunha e Machado de Assis, é um ícone da literatura brasileira.
Mesmo que os gaúchos prefiram Mário Quintana, os pernambucanos es-
colham Manuel Bandeira, os paulistas não abram mão de Mário de An-
drade e o próprio Vinícius seja a escolha óbvia dos cariocas, Drummond
ganha na preferência nacional.
Minha má vontade para com o poeta aumentou depois que vivi al-
guns anos de martírio em sua terra natal. Por causa do trabalho, caí no
meio de uma mina de minério de ferro, a segunda personalidade mais
famosa de Itabira, e o fato é que não fui muito bem recebido por aquelas
bandas, principalmente, pelos nativos do lugar. Porque talvez eu tenha me
portado como um estrangeiro em terras distantes ou por causa do meu ar
arrogante e cosmopolita de quem vinha da cidade grande para ensinar
novas lições. Então passei grandes apuros nas mãos dos itabiranos e não
pude deixar de pensar em Drummond como produto daquele lugar.Em Itabira, todos acreditam que podem produzir textos com o
mesmo talento que o poeta conterrâneo e o resultado é uma avalanche de
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frases desconexas, plágios explícitos e versos remotamente recitados ca-
pazes de desgastar à exaustão mesmo a obra mais completa. Foi assim que
entendi porque o próprio filho da terra a transformou apenas em um re-
trato na parede e preferiu encerrar seus dias no Rio de Janeiro.
Apesar de todas essas pedras no meio do caminho, eu tive um amigo
itabirano. Um sujeito simples e que talvez por isso tenha sido um dos úni-
cos que não ficou com o orgulho ferido por causa da minha presença.
Todas as manhãs de segunda-feira, Rinaldo, o motorista que atendia ao
meu departamento na empresa, me buscava na rodoviária e era respon-
sável pelo primeiro bom dia da minha semana. Em geral, era ele quem
me fazia rir logo cedo depois de eu ter acordado às quatro horas da manhã
e enfrentado mais de duas horas de viagem num ônibus precário na via-
gem entre Belo Horizonte e Itabira. E sempre foi ele quem se oferecia para
me buscar, uma ação que estava além de suas obrigações e que por isso
mesmo provocava um certo ciúme no restante das pessoas que traba-
lhavam comigo.
De fato, alguns dos outros itabiranos presentes há décadas nas mes-
mas cadeiras sempre se acharam donos dos seus lugares e mesmo não
tendo cargos hierarquicamente maiores do que o meu (como dizemos no
mundo corporativo, eram não mais do que pares), tentaram de todas as
formas dar ordens em Rinaldo para que ele não fosse meu amigo. Ainda
assim, mesmo quando eu não pedia, lá estava ele.
Houve um tempo, em que eu praticamente ia e voltava quase todos
os dias de Itabira e Belo Horizonte, logo após o trabalho. Quando perdia
um ônibus, geralmente o das 18 horas, só conseguia pegar outro, uma
hora e meia depois e chegava em casa quase às dez da noite. No das seiseu já jantava com minha esposa e filho perto das oito e meia. Rinaldo sem-
pre me oferecia sua carona preciosa, além do seu turno de trabalho, me
deixando na estrada para pegar o ônibus que eu havia perdido na
rodoviária.
Além disso, nas diversas noites em que eu fiquei em Itabira, Rinaldo
era o único com quem eu tinha a oportunidade de conversar sobre outra
coisa que não fosse trabalho. Ele me levava até o hotel e sempre faláva-mos sobre futebol e viagens. Sofreu muito comigo que sou torcedor do
Cruzeiro enquanto ele era o atleticano mais chato, mas também bem hu-
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morado, que conheci. Não foram poucas as vezes que um fugiu do outro
em dias de vitória do rival apenas para não ter que agüentar a gozação
alheia.
A mesma estrada por onde rodei semanalmente mais de mil
quilômetros durante quatro anos, levou meu amigo itabirano. Cansei de,
entre idas e vindas, ver acidentes fatais na rodovia que faz o caminho entre
Belo Horizonte e João Monlevade, uma cidade que prossegue além de
Itabira, e que tem seu trecho mais perigoso próximo à serra de Caeté. Al-
guns eram conhecidos meus que também trabalhavam na mesma em-
presa, mas o acidente que levou Rinaldo me marcou muito mais. Soube
da notícia de sua morte por um telefonema de umas das pessoas que,
ironicamente, chefiava o movimento “não deixe os itabiranos ajudarem
forasteiros”.
Na segunda-feira, quando cheguei à Itabira, fui ao velório de Rinaldo,
mas não vi sua face de morte. Preferi ficar de longe. Guardo na memória
a imagem da última carona que recebi dele e, quando a caminho do meu
ônibus, ficou a promessa de uma visita à Belo Horizonte para conhecer
minha família. Ele se despediu de mim sorrindo e disse que no próximo
jogo entre o Galo e a Raposa iria incluir minha casa no roteiro para
comemorar a vitória atleticana.
Não se passou muito tempo e o destino também me libertou de
Itabira. Eu sequer consigo me lembrar em que época ocorreu o acidente
que matou Rinaldo. Mas sempre que me lembro das lições itabiranas, os
encontros e desencontros profissionais têm pouca relevância. Rinaldo,
aquele sujeito simples que era “apenas” um motorista, me deu as ver-
dadeiras lições que alguém pode querer aprender na vida — respeito, afetoe solidariedade. Eu nunca mais estive em Itabira, mas por causa dele
Itabira vai sempre estar em mim. Desde então, fiz as pazes com o poeta
maior.
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Autor
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Sobre o autor
Neto de imigrante italiano
que desembarcou no Brasil em
1897, ano da inauguração de
Belo Horizonte, Eduardo Ferrari
nasceu na cidade em 1968.
Caçula de uma família de dez
filhos, viveu nela até 23 anos,quando se formou em jorna-
lismo pela Pontifícia Universi-
dade Católica de Minas Gerais.
De lá pra cá, passou vários anos
em outras cidades e no exterior,
mas de tempos em tempos retor-
nava à terrinha.Especialista em Marketing pela Universidade Federal de Minas
Gerais, tem larga experiência em comunicação corporativa e institucional,
com passagem por grandes empresas, como Companhia Vale do Rio
Doce, Telemig Celular, Brasilprev, e órgãos públicos, como a Assessoria
de Imprensa da Prefeitura de Belo Horizonte e a Secretaria de Estado de
Comunicação Social de Minas Gerais.
O jornalista está de volta à cidade natal desde 2002, quando se casoucom a também jornalista Ivana Moreira. Tem dois filhos, Pedro, de qua-
tro anos, e Gabriel, com menos de um ano.
F O T O : K Á T I A L O M B A R D I
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O projeto LETRAS GERAIS
é uma iniciativa conjunta das
editoras alberti & Carnevali
e Mondana Editorial com o
intuito de valorizar e difundir
a literatura mineira.
Busca facilitar o acesso de novos
escritores de Minas Gerais ao
mercado editorial, incentivar a leitura
das obras produzidas no Estado e
fomentar a literatura como forma
de entretenimento.
www.letrasgerais.com.br
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Este livro foi composto nas tipologias Vectora e Minion
e impresso em outubro de 2008.
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O jornalista Eduardo Ferrari costuma dizer que Belo Horizonte, sua
terra natal, é uma cidade injustiçada. Pela mídia, pelos colunistas,
pelos forasteiros, até pelos moradores. Depois de ter passado tempo-
radas em outras cidades do país e do exterior, ele garante que a capi-
tal mineira tem peculiaridades que não são encontradas em nenhum
outro lugar e emprestam à cidade, a primeira a ser inventada em
prancheta no Brasil, um charme único.
Das defesas e críticas inflamadas do jornalista nasceram as crônicas
deste livro. No "Só em Beagá", ele fala do que acontece só nesta e em
nenhuma outra cidade. E, às vezes, do sentimento de estar só em BH,
com uma opinião que ninguém mais parece compartilhar.
Leia o livro e descubra esta Belo Horizonte onde vive o único exemplar
de gorila da América do Sul; onde está a maior feira de artesanato em
espaço aberto da América Latina, onde "atleticanos com cruzeirenses"
não é sinônimo de briga e sim um endereço pacato na periferia; e sur-
preenda-se com versões criativas para as famosas lendas urbanas da
Loira do Bonfim e do Capeta do Vilarinho.