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 MIOHEt PéOHEUX - M1CHE'L FIOHANl -0/ o~ + Llbr air lo f r~1 9ql llJ>ll lllpero, Parill, 1969 Editori al Estam pa, Lda., Li sboa, 1971 Para 11 flngul . portuguesa  A HISTORI D S IEN I S 1971 E OI TO f ll AL E ST AMp Á LISBOA

Sobre a história das ciências Pêcheux[1]

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MIOHEt PéOHEUX - M1CHE'L FIOHANl'

,-0/' •.o~"+

Llbrairlo f'r~1)9qlllJ>lllllpero, Parill, 1969Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1971Para 11 flngul!. portuguesa

, A

A HISTORIA DAS CIENCIAS

1971

EOITOfl lAL ESTAMpÁLISBOA

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7

íNDICE

17

19

20

41

55

59

63

99

109109

131

131

159

9

11

o problema da história das ciênciasNota: De Galileu a Duhem .

A ideia de uma história das ciênciasO conceito de recorrência , .

A utilização do conceito de recorrênciaAnálise de um exemplo ."

Jeall-Sylvain Bai1ly: extracto do Prefácio deBistoire de l'Astrorwmie Anciel1ne depuis

son origine jusqtt'à l'établissement de l'écoled'Alexanl.lrie 00' , ••• '0 •• 0 161

TRAOUCAO

DE

FRANCISCO BAIR,RAO

TITULO 00 ORIGINAL

«SUR l'HISTOIRE pes SOl ENCES»

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B. Auguste Comte: extractos de L'Histoire d'uneSdence est autre chose que l'exposé de

cette scimce selon [,Ordre Historique '" '" 165

C. Gaston Bachelard: extracto de L'ActUCllíté de

l'Histoire des Sciences , '" '" 111

D. Gaston Bachelard: extracto. de Le Matéria-

lisme Ratioltlwl '" 179

E. Jean Cavailles: extracto de Les Mathémati-

ques sont UI1 devenir '" '" '" 181

F. Dedekind: extracto da sm\ correspondênciaCOm Upschitz '" o ••••• '" '" ••••••••• 185

8

de circunstélncias alheias à nossa von-

nos é possível publicar a lição que F. Regno dia 26 de Fevereiro de 1968 sob o

é um corte epistemológico'/», no qua

de Filosofia para homens de ciência».de M. Pécheux, que publicamos a seguir,problema il1dependente, que necessita

ser referido a alguns elementos teóricospor F. Regnault. P1'Opomos pois apre

lugar as seguintes definições precuja completa justificação obrigaria' aexposição.

Teoria.

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I

11

histórico da formação da física cien~chamaremos corte episteroológico o pontoregresso» (segundo a expressão de F. Rega partir do qual esta ciência começa.

histórico pode situmt~se nos trabalhossobre a queda dos corpos. Com efeito a

deles torna-se de facto impossível retomar asfísicas e cosmológicas aristotélicas e esCO-

Por outro lado, a elaboração dos conceitos(velocidade instantânea, aceleração) e mate(cálculo infinitesimal) que exige a própria

dos enunciados dinâmicos» de Galileu,de facto necessária (1).

<{pontosem regresso» constitui uma to

posição na polémica que opõe em episte-

A maior parte dos historiadores fala de «dinâmicaEsta. expressão pode causar algumas dificuldades

tomarmos à letra. Não devemos esquecer que é sôocom Newton que a dinâmica, na realidade, se funda.ciência de Newton, modelo de toda a ciência da época,

ciência de Galileu», escreve G. Canguilhem emo significado da obra e a lição do homem», Etudes

et de Philosophie eles Sciences, Paris, 1968.)

 

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é assim d.efinido por(por exemplo. à moral.

complexas de montagens depor um lado, e montagens

13

II

teóriças quedefil1.emi a espaç()um deslocamento para l,írn.

problemas, .

demarcações (ou rupturas intl'a-idioas aperfeiçaamentos, correcções, críticas, re",

negações de certas ideologias ou filosofiaslàgicamente o carte epistemológicO

de termos «aperfeiçoamentos, carrecassinala a existência de um pracesso de

que precede necessàriamente o mo~corte, e determina a canjuntura na qual

produzirá (cf. a «tísica do impetu.s» desenpela escola parisiense do século XIV, a fí~Benedetti). Isto significa que a cO/'tese efec-

o ponto que, no espaço das prablemasse encontra sobredeterminada pela acumu

de sucessivas configurações ideológicas enca·(na ocorrência: a definição de mavimenta).equivale a dizer que o pracessa de acumula

ser campreendido não como uma fase dee simples aberraçã.o pré-científica da qual nada

a dizer, mas como o tempo de formação da

em que se produzirá a corte. No cursoelementoS ligados à base econômica

de produção e processas de produçãa), àjurídico-política da sociedade e às

práticas (1) intervêm consoante modali-

MICHEL PItCHEUX-MICHEL FICHANT

12

(1) Estas breves frases de Koyré, extraida8 dos EtudesGaliléenes (Histoirede ia Pensée, XI, Hermann, 1966, p. 50)gustram, bem, neste as:pecto, a posição discontinuísta, tolnan~ocoxno. exemplo do impetus pré-galilaico:. «...A noçãodeimpetus!;~ .. uma noção muito confusa. No fundo, apenastraduzem termos «científicosl) uma concepção baseada n~\~xperiência quotidiana, baseada num dado do senso comum.. '. Que é com efeito o impetus, a forzf.i., a virtus motiva,senão uma condensação, se assim se pode dizer, do esforço

muscular e do ímpeto. Por isso se adapta com perfeiçãoaos factos - reais ou r.ão - que formam a base experiendaI da dinâmica medieval; e em particular ao «facto» daaceleração inicial do projéctil, que o explica: não é necessário um certo tempo para que o movimento se apodere domóbíl? Todos sabem aliás que «é preciso ganhar balançopara saltar um obstáculo»; assim quando se empurra ou sepuxa uma carroça esta arranc.'t lentamente e aumenta pro,gressivamente de velocidade; também ganha balanço; e todos sabem, mesmo as crianças que jogam a bola, que, para.bem atingir a baliza nos pomos a certa distânCia desta, nãomuito perto; e isto para permitir à bola ganhar balanço.>},Reportemo-nos, sobre este ponto, à obra de M. Ficham,

na segunda parte deste volume.

l1tologia e em história das ciências a corrente «continuísta» (Brunschvicg e o espectáculo pel'mal1enteda espírito humano presente na ciência; Duhem e aquestãO' das precursores ...) à corrente «disconti

nuísta que podemos, par comadidade, designar pelos nom.es de Bachelard e de Koyré.

A pasiçãa discontinuísta recusa a noção. de «sabeY'>coma desel1volvinzento contínuo do «conhecimento. cO'mum» ao conhecimento científico», daaurora da ciência à ciência moderna (1).

O termO' princípio assinala a distinçãO'cam O'quepor vezes se designa por origem de uma ciência:falar de princípio significa qu.e o corte constitutivode wna .ciência se efectua necessàriamente numaconjectura definida, na qual as origens (as filaso-

 

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HISTóRIA DAS· CIENCIAS

Ci. sobre este ponto igualmente L. Althusser, LenineParis, Maspero, 1969.

por exemplo. o artigo de A. Koyré, Une expé·urs, inÉtudes d'Bistoire de Ia Pensée Scien·P. U. F" 1966.

de F. Regnault era essencialmente consagradadestes diferentes termos. A presente actuali

redígida a partir dela.

segundo lugar, o corte tem. COrno resultadovalidações, invalidações· ou segregações nodas filosofias implicadas· na. conjuntura

ocorrem. Numa palavra,traçarn-se

demarcação (1) a partir dele no· terrenoda filosofia.o corte tem como resultado deter·

uma autonomia relativa da nova ciência quea partir do corte, a nova cMncia

sua própria continuação, em relação àela está como que em suspenso. Esta canti·

de i/ue uma disciplina nascente está sus·sabemo-iOI da possibilidade de ins

um procedimento experimental que lhe seja

(2). Ela depende também das rupturas inou,~segundo a expressão de F. Regreformulações da problemática teórica

na l1.istóriade uma. ciência (Einstein).para terminar que o erro que con

em confundir as simples rupturas intra-ideo(ou demarcações), o corte epistemológico (ino seu efeito de ruptura), e as rupturas intra-

(ou ref01'mulações) (3), fingindo pensar quea reformulação é um novo corte e que o corte

· MICHEL FICHANT

reguladas, e é a condensaçãoque determina as condições histó.corte.

sigl1ifica ao mesmo tempo que o conceito denada tem a ver com o projecto voluntarista de

na ciência, um {(salto» fora da ideologia,nem com a conotação religiosa que inevitàvelmentese liga a ~ste projecto e os impossíveis «heróis daciência» que ele implica. O. nome de Galiletl, paratomar. o. exemplo que aqui nO$serve de fio con~dutor, é uma unidade mal escoll'lida, pois uma ciência não é o produto de um único homem. Galileu é oefeito, e não a causa do corte epistemológico que sedesigna pelo termo de «galileísmoll.

rlr

14

os efeitos epistemológicos produzidos pelocortei é conveniente fazer cenas distinções. Para começar, o corte tem por efeito tornar impossíveiscertos discursos ideológicos ou filosóficos que o precedetn; quer dizer, conduzir a·nova ciência a romperexplicitamente com eles: a ruptura epistemo[ógicasurge assim como wn efeito (<<denatureza» filosófica) do corte (o que recorda, correlativamente, que

não basta romper com uma ideologia para produzirm corte).

de comportamentos-condutas-atitudes_gestos, por outro.Todo o conjunto funciona como normas práticas que governam a atitude e a tornada de posição concreta dos homens em relação aos objectos reais e aos problemas reaisda sua existência social e individual, e da sua história."

 

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.é senão uma primeira reformulação,equívale aanular a própria eficácia dos conce.itos de corte e deruptura e a ceder pràticamente terreno à posição~(contínuísta» que já referimos (1)•...

(1) O. conceito de corte aplica-se aqui principalmente. àhistória da física. A utilização adequada deste conceito paraa análise da constituição científica de uma outra disciplinaexige sempre um trabalho epistemológico sobre a históriada disciplina em estudo, referida ao campo diferencial dahistória das ciências...

16

Michel Pécheux

IDEOLOGIAE HISTÚRIA DAS CIÊNCIAS

Os efeitos do corte galilaicona Física e na Biologia

 

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objectivo é apresentar os efeitos do cortefora do domínio da dinâmica.

este ~<forado» nem é simples nem homogé.

não só outras ciências (pertencentesao domínio das ciências físicas), mas tamnão científicos (a saber: as forma

teóricas e práticas, e as proprieinstrumentais das montagens e dispositivos

cuja relação com o elemento científico vauma ciência para outra. As diferenças é que

o nosso ponto de apoio.as pôr em evidência vamos examinar suces-

1) O efeito do corte galilaico na física;2) O efeito deste corte nas disciplinas cientí

ficas exteriores à física.

se trata de uma visão global sobre o horicientífico, que se pretende completa e nadana sombra. Também não se trata, como éde refazer, a propósito das outras ciências, o

já efectuado para as origens da dinâmica,, a análise da constituição de uma ciência

Trata-se principalmente, desta vez, de

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MICHEL PÉCHEUX -MICHEL FICHANT

uma análise transversal, de uma análise das relaçõesentre ciências.

Escolhi os domínios. da electricidade e do magnetísmocomo principal lugar de encontro dos exemplos utilizados. Seria interessante efectuar o mesmo

trabalho sobre outros conceitos, como, por exemplo,o da energia.

Esperemos que a nossa exposição possa contribUir para tornar possíveis outros trabalhos namesma linha.

20

que os historiadores das ciências conhistória da física no SéCltlO XIX, terminapela evocação da obra de Maxwell e eisdo que se) diz;

em 1864, Maxwell apresentou à Royala sua teoria dinâmica do cam1JOelectro

que é a cúpula do seu pensamento ...notável construção que exprimia a con-

de todos os ramos da física punhaa uma etapa da ciência, mas abria aotempo um outro período de incompa

fecundidade.»(lu Encyclopédie de Ia Pléiade, p. 976. O su. blinhado é nosso.)

deste texto faremos duas observações:

diz respeito ao uso do termo «diná·sabe-se que Ampere o introduziu neste domía forma de «electrodinàmica», em cuja elatrabalhou de 1820 a 1827. Qual é pois aentre. a importação do termo e o sistema de

próprios da dinâmica galilaica? Deverenuma espécie de repetição da históriafora desta ciência? Podíamos então di

pelas palavras:

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MICHEt P:e,CHEUX- MICHEL FICHANT

Primeira repetição: .a relação entre a electrostática e a electrodinâmica.

Segunda repetição: a. relação entre a estáticasocial e a dil1âmica social na filosofia de A.Comte. Devemos acrescentar neste ponto quese A. Comte vai buscar a terminologia à me-cânica, no entanto, aplica na sua sociologiaos conceitos da biologia no século XIX e, antes do mais, uma relação conceptual queconstitui a:

Terceira repetição: a relação entre a anatomiae a fisiologia.

Sera portanto necessário interrogarmo-nos sobre

o estatuto desta oposição ({presente em todo o lado».F. Regnault já mostrou a relação pela qual «a dinâmica (ga1i1aica) .substitui doravante a estatica deArquirnedes no campo da física». A relação estática-dinâmica terá o mesmo estatuto epistemológico nosoutros domínios aqui evocados?Mais adiante encontraremos os diversos. elemen-

tos desta questão ..

A segunda observac;ão respeita à expressão «con

vergência de todos o.s ramos da física». Entende-sehabitualmente por ela a evolução que os diversosramos da física foram sucessivamente tomando a

partir do tronco da mecânica, pensada simultâneamente como princípio e origem hist6rica. deste desenvolvimento. Se assim fosse, o núcleo inicial(a «combinação» conceptual da estática e da dinâmica) surgiria como a lei interna do desenvolvimento das outras ciências, de tal modo que o factoepistemológico decisivo seria cada vez mais a importação de um sóe mesmo corte, a saber, o corte

galilaico.

22

no exemplo esc()lhido (a electriciesta concepção do desenconhecimentos científicos

desenvolvimento ...demonstrativo, •..querprogressiva das dência~ pela me~de um processo quase hiológico de

não explica certas dificuldades de nasao campo teórico do exemplo con-

histórico das difictcrldades de nascença»dos domínios te6ricos da electrici-

e do magnetismo.

por momentos, a tese de que a cons·conceitos científicos de electricidade eresulta da importação do corte gali

questão é então muito simples, bastariaefeitos da posição aristotélica (vitalismo e

e da posição galilaica (mecanismo) nonosso exemplo, para saber onde se en

o obstáculo e as «forças «epistemologica

progressivas». Há, infelizmente, uma «pc·dificuldade», o facto do mecanismo galilaico

realidade desempenhado durante um certoo .papel de um obstáculo à constituição dasem questão, como um inquérito histórico

demonstrar:

a filosofia platónica, e para o que seconvencionou chamar ~<opensamento anotigo», os fenómenos de atracção magnéticae e1éctrica são concebidos como efeitos da

simpatia secreta que certas substânciastêm umas para com as outras, de modo

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ferro para dele seO contacto do ferro é assim o «lugar

natural» do íman, quer dizer, para onde aalma do íman o leva, no mesmo sentidoem que a alma dos animais os leva para osseus lugares preferidos. Tal é o fundo de

um discurso que podemos em certa me·dida definir como aristotélico, embora opróprio Aristóteles tenha falado pouco demagnetismo.

b) Do tratado de William Gilbert, publicado em1600 com o título De Magnete, à obra deNewton, passando pelas investigações deKépler, assiste·-se ao que F. Regnault chamou {<asdemarcações», pelas quais a ideia

de atracção sedissocia da ideia de desejoque leva os corpos a irem ao encontro doseu lugar natural.Demarcação na ideologia teórica da elec·

triddade e do magnetismo (1), e não cons-

(1} Ver noutro contexto, mas no mesmo sentida, a nassareferência a Bachelard e à «primeira experiência», a p. 31 deJ. Bairrãó, «Breve Introdução. a Problemas de Epistemologia da Psicologia», in Novas Perspectivas das Ciências doHomem. Lisboa. Editorial Presença, 1970.- (N. do T.)

24

tituição de uma teoria científica deste domínio, até porque, Newton continua a pensar que as leis do magnetismo não podemser enunciadas nos termos da lei da atracção universal.

c) O terceiro elemento que define a conjunturateórica do problema que nos ocupa é re~presentado pelo cartesianismQ e especificamente pela posição de Descartes e doscartesianos acerca do conceito de atrac-

ção. Numa carta a Roberval, Descartes escreve:

«Para conceber uma tal atracção nãobasta supor que cada parte da universoé animada, mas até que estas almas são

inteligentes e inteiramente divinas parapoderem conhecer o que se passa em lugares tão afastados delas, sem nenhumcorreio a adverti-las, e para aí exerce-rem o seu poder.»

Descartes, portanto, a atracção é pura e simum conceito aristotêlico (sublinhámos no

acima os diferentes Índices desta identificaComo consequência a posição epistemológicacartesianos, quanto à electricidade e ao magneconsistirá em «expIicar» os fenómenos eléce magnéticos a partir dos princípios carte-(a saber: a extensão, afigura e o movimento).posição epistemológica define inteiramente

«respostasll que o cartesianismo produzirá faceproblema d<:'.atracção. Acerca da atracção dopelo iman, Decartes escreve, por exemplo: .

«Sempre que o ferro está na esfera de virtudedo Íman, esta. virtude é·lhe comunicada pelas

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MICHEL P~CHEUX· MICHEL FICHAN'l'

partes caneladas que expulsam o ar entre osdois corpos, obrigando por este meio a aproxi-marem-se.»

A ex.pressão «partes caneladas» remete-nos emDescartes a uma teoria do mundo que encara ol.mi

verso como possuindo:

a) «Partículas redondas muito pequenas»i

b) Raspaduras ou aparas provenientes da fricção das partículas umas contra as outras;

c) Corpos, quer dizer, conjuntos constituídospor aparas de matéria imbricadas umasnas outras (como os parafusos nas porcas)

e originando interstícios chamados canaisou poros,

A atracção magnética é, deste modo, interpretadacomo o efeito de movimentos em turbilhão nos canais que atravessam os corpos. Convém sublinhar,sobre este ponto, que tal interpretação dos fenómenos de atracção persistiu durante todo o sé·culo XVIII - século das luzes, da Razão e da Experiência - quer no discurso dos sábios, qu,erna prá-tica experimental destes,

_ Discurso dos sábios. Bachelard cita a este res

peito o exemplo de Nkolas Fuss (<<Ohservationsetexpériences SUl' les aimants artificiels, principalement sm la maniere de les fairc»,1778) precisandoque se tratava de um experimentadorde grandetalento, fabricante dos melhoresímam;; do seutempo. Ora Nicolas Fuss continua à explicar osfenômenos m.agnéticos pelos movimentos de umHuido nos poros do íman ...

26

A HISTóRIA DAS CIENCIAS

~<.. que concebamos unânimementefôrrrladospor tubos contíguos, paralelos e· eriçados; talcomo no caso das veias e dos vasos linfáticos eoutras condutas destinadas à circulação .··dos

na economia animal, (ex.istem)·peque

nos pêlos ou válvulas que, deitadas no mesmosentido, dão passagem livre ao fluido que seinsinua nos poros seguindo a mesma direcçãoerecusando-se a todo o movimento em direcçãooposta.»

(La Fonnation de l'Esprit Scientifique, Vrin1965, p. 162).

prática experimental. Podíamos alegar quee os cartesianos só puderam manter esta

pela recusa de aceitar quer os dados de ex-(al observação), quer a produçã.o de fenó-

experimemais (a experimentação).

realidade nada disso sucede na medida em queos poros e os turbilhões se tornavam

como fenómenos experimentais produzidos:

espectro magnético obtido polvilhando delimalha de ferro uma folha de papel colocadapor cima de um íman, garantia a visibiHdadedos turbilhões;

perda de faculdades atractivas pelo ímanaquecido ao rubro explicava-se pela modificação da forma dos poros sob o efeito docalor;

atracção que uma barra electrizada exerciasobre os corpos leves, tornava visível a electricidade como uma substância colante análoga ao visco.

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A HISTóRIA DAS CISNCIAS

das ideologias teóricas ligadas ao magne,tis11'W e à electricidade.

por isso a formação ideológica espe·com a qual romperam a electricidade e o mag~

em virtude de se constituírem como discicientíficas. Para conduzir este estudo, é pre

recordar um certo número de indicações forne~nos cursos precedentes, a saber: .Esta análise só pode ser efectuada a partir da

de um corte (uma ideologia teórica só éna descoberta de uma ciência).

Esta análise diz respeito não só à configuraçãoespecífica, mas igualmente ao campo dos

que estão ligados a esta configuração.a análise da ideologia teórica do meca.

põe em jogo simultâneamente:

29

o cartesianismo e seus desenvolvimentos;

Uma concepção do mundo em que o engenheirodesempenha um lugar dominante na socie-

tenazes, solidários» ..(Bachelard) dedecisiva na tomada de posiçãO dos sá~

no seu trabalho.outra forma, o estudo da relação entre aelec~

e a mecânica na constituição científica doda electricidade e do magnetismo, passa

pelo estudo da relação das suasteóricas, o que equivale a pôr uma relacomplexa de exterioridade entre as ciências, deque uma ciência tem necessàriamente como

específico outra coisa que as outras ciên~

MICHEL. 'P~CHEUX.MICHE1.. FICHANT

28

Por .outras .•palavras oSc3rtes\anos viammaterialmente ..oque.a sua. ideologia teóricalhe permitia ..•.' .

É pois.chegadoo.·.mo!l1ento\4eJI()siJlt~rrogáfln()S

acerca. da rel~ção.entre.°Inateri3lismodall1~cánicagalilaica.e· .o·materialismo quc·•.acabamosdeana.lisar. Propomos a seguinte resposta:estar(}lação éidêntica à que existe entre o. real teórico e o. irna-ginário ..

Por outras ..palavras, o. materialismo dos cartesianos é um nzaterialísl1'1Omaginário, imaginário nosentido de «que vai buscar o seu fundamento àsimagens»: mais precisamente, poder-se-ia dizer quese trata de um jogo de palavras entre mecânica emecanismos.

A mecân.ica galilaica, enquanto que teoria da me·cânica, inaugurava uma nova leitura do Universo«escrito em língua matemática>~, leitura na qual osconceitos de exten~ão, de grandeza, de figura e demovimento tomavam um novo lugar. Ora aconteceqlle este acontecimento teórico teve, entre ouÜ'osefeitos, o de intervir na tecnologia dos mecCl11.isl11OS,

enquanto que domínio de aplicação: a transforma.ção dos instrumentos, ao mesmo tempo na ciênciamecânica e fora desta ciência, é um dos efeitos desteacontecimento. Dito isto, podemos enunciar que a

posição epistemológica dos cartesianos, neste particular, define-se pelo facto de que aquilo que é im-portado) não são conceitos pertencentes i~ciênciaInecânica, mas imagens que reflectem a tecrwlogiados mecanismos.Vemos assim que a resistência de Descartes e dos

cartesianos não se situa tanto ao nível conceptualda relação entre ciência da mecânica e a ciência daeIectriddade e do magnetismo, mas sim ao nívelsubterdneo das inwgens, enquanto que «tecido de

 

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assim ao seguinte resultado:

Electricidade como alteração profunda doda Natureza»,

31

A HISTóRIA DAS CIt!.NCIAS

«Aqui (na electricidade) vemos o curso da Nana aparência totalmente invertido nasfundamentais, e por causas que pare-

pouco consideráveis. E não s6 os maioressão produto de causas pouco considemas ainda daquelas com as quais parece

terem qualquer ligação ... Aqui, vê-se um pede metal frio, ou· mesmo a água ou olançarem fortes faíscas de fogo, a ponto

incendiarem várias substâncias inflamáveis.»

(Priestley, Histoire de l'Electricité, 1771.)

abade de Mangin, citado por Bachelard, aduzlado:

das {(Sessões eléctricas» que se reali,nos salões.

par:ticularidade permite cOlupreender'a ideo-teórica da electricidade do magnetismo como

de uma sobredeterminação: a taumatÚrgia.de um certo poder à distância. referementremeada, simultâneamente, a· alte-

da ordem aparente da Natureza ea oposiçãO'artesanal (por contiguidade) ao exer~

diversas modalidades do poder político

{(A electricidade parece englobar nela todasas;vantagens da fábula. do conto, da magia, doromance, do cómico ou do trágico.»

(ln Bachelard, La Formation de l'Esprit Scien.-tique, p. 35.)

dade (o mundo comoquina. Cf. Leonardo da

B quanto à electricidade e ao magnetismo?

Uma concepção moral e religiosa do mundo baseada na interioridade mística (cf. 0$ textosde Bachelard sobre a Alquimia em 1..,aForma-

tion de l'Esprit Scíentifique);

Os instrumentos da prática tradicional das «ar

tes químicas».

30

Verificarnos primeiro que o seu domínio instru-l1lental dispõe de um estatuto absolutamente partic\.llar: efectivamente, com raras excepções (fundamentalmente a bÚssola que instrumento quepermite referenciar a direcção facilitar as deslocações a longa distância se encontra assim ligado aomodo da produção da economia de mercado), as

montagens instrumentais são brinquedos liga.dos nãoao tempo da produção, mas ao dos ócios, quer dizer,a>sua função social é essencialmente de distrair certas classes da sociedade através do espanto que provocam (os Príncipes e os Grandes da Terra paracomeçar, em seguida a Burguesia): as bengalas, oscarrilhões, os «molinetes» eléctricos, ete., são viSIvelmente brinquedos; a garrafa de Leydee a máquina electrostática surgem como os acessórios in-

 

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32 33

com conotação religiosa (em memóuma história pitoresca conta que oNalIet imaginou um hissope eléctrico,

dúvida para distribuir um verdadeirode graças.

HISTóRIA DAS CltiNCIAS

do retrato sem qualquer perigo, facto queapresentará como testemunho de fidelidadeao Príncipe. Se várias pessoas em círculo receberem o choque, chamaremos à experiência: os Conjurados.»

(In Champeix, Savants mécol1l1.us, inven-tions oubliés, p. 73.)

toma, portanto, com facilidade auma «ciência" escabrosa, por vezes deo que não se explica inteiramente pela

da sua jovem idade (mais precisaa jovem ciência ainda não nasceu, e a ideo

se lhe opõe é muito velha): pensamos an-durante todo o século XVIII, a electricidade

trocaram os seus mistérios (a tra.

do mistério «em branco», como se diz a

_ com conotação moraL Experiênciadita do «beijo eléctrico»: marido e mulherestão ligados, sem que o saibam, a uma má ..

electrostática, de tal modo que na altura em que o marido beija a mulher, sofreum choque eléctrico. Propõe-se ent;io a umjovem da assistência que se aproxime e, por

vez, beije a jovem senhora: como seguroudiscretamente um condutor durante toda a

experiência, pôde beijar a jovem «sem qual ..quer perigo». O experimentador observa queinvertendo os lugares a experiência seria

moral».

Donde:

~ ..Os efeitos tragicÔmicos da electricidade.edomagnetismo nos domínios da política, da moral eda religião,

COl1tentamo-nosaqui, em evocar alguns exemplos«engraçados» que devem ser lidos como sintomasde'llmainterdependência ideológica real entre todaa «Filosofia da Natureza» do século XVIII e as teorias políticas, morais e religiosas do século XIX(grosseiramente: a relação de Schelling a Hegel) (1).

Exemplo com conotações políticas. «Experiência do quadro mágico do rei e dos conjura

dos» (B. FrankHn): «Peguem num granderetrato gravado, com moldura e vidro, comopor exemplo o do Rei (que Deus o abençoe).))

.Fra,nkHn explica então como transformar oquadro de maneira a que funcione como umcondensador. Feito isto acrescenta: ~1••• Segu·rem o quadro horizontalmente pela parte superior e coloquem na cabeça do rei uma pe-quena coroa dourada err1óvel. Então, se oquadro estiver moderadamente e1ectrizado,todo aquele que segurar o quadro com umamão e tentar retirar a coroa com a outra receberá uma como<;ão e falhará o seu intento.Se o quadro estiver fortemente electl~izado, aconsequência poderá ser tãO fatal como ocrime de alta traição ... O físico, que parairapedir a queda da estampa segura pela

parte superior, Onde o quadro nã9 está dourado nada sentirá, podendo até tocar no rosto

(1) Cf. Anexo.

 

HISTóRIA DAS CI:e.NCIAS

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A análise efectuada mostra que o conflito resideentre duas ideologias teóricas, ligadas dernodo dife·rente às. «concepções do mundo» postas em jogo: oempreendimento dos cartesianos pode então defi·nir-se como uma tentativa para anular o núcleo de

imagens (o fantasma teórico) próprio de uma destasideologias por meio das imagens características daoutra (a saber o mecanismo), O que está em causaé pois um deslocamento intra-ideológico: segundo

o dito célebre de Adam Smith, citado e retomadopor A. Comte, {(nunca existiu um deus da gravidade}); a este dito, acrescentaremos por nossa conta,{{mas a fada da electricidade)}. Por outraspalavras, às ideologias teóricas da electricidade e domagnetismo acontecia terem uma certa conivênciacom os fantasmas do maravilhoso e do terrível; aopasso que o mecanismo, enquanto ideologia, visava explicá-Ios, simulando-os através de máquinas(Cf. sobre este ponto a função ambígua dos autó

matos nos sécuJos XVII e XVIII). O mecanismoreencontra deste modo o projecto político dos atomistas (Empédocles, Epicuro, Lucrécio); explicar,como possível, os mecanismos do maravilhoso edo terrível, para libertar o homem do medo, o queé precisamente um dos objectivos maiores da moral(;artesiana.

Compreende-se então como Descartes e os seussucessores puderam reencontrar as explicações dosatomistas antigos, por vezes na sua mais literalexpressão, Compare-se o texto de Descartes, citado

34

acima, com esta explicação de Empédocles

as propriedades da «pedra de Heracleia»:ferro é atraído para a pedra poreflúvios

saem de um e do outro, e pelo facto dosda pedra estarem adaptados aos eflúvios

ferro.»

provisórias.

encontram as disciplinas queo obstáculo animista e o obstá

imaginário mecanista; a comdestes dois elementos define a conjunturaas disciplinas se constituíram, quer dizer,sobredeterm:inado em que se produziu oas inaugura.

objectivo não é estudar este Último; acresapenas que podemos atribuí-Ia a Franklin,e Coulomb, A produção de um novo ins-(a balança electrostática de Coulomb),aqui o momento da transformação dateoria aos instrumentos, marcada pelade conceitos extraídos da dinâmica. Daí

dizer que a electricidade e o magnetismona física apoiando-se sobre uma ciên(a mecânica), o que é completamente

de uma absorção progressiva da electrimecânica. Podemos ainda dizer que ose de Ampere em primeiro lugar

o de Maxwell, representam reformu-

pelas ql1ais o escalonamento se torna

1: O corte epistemológico não se transciência para outra.

35

 

MICHEL P~CHEUX·MICHEL l"ICHANT

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nas ideologias práticas da moml, da relí·

efeito das concepções (ideoló·é pura e simplesmente postoum dos tamos da física, ao

Seu corte.

Ct podem ser importados por uma(no sentido. epistemológico

termo) após CI. Dir-se~á que C2 assenta

a fundamentaçao do electrom<;lgnetismo

à proposição 3: Este resultado éda física?

o c;orte específico do electroITlagne.dos seus efeitos é pôr definitivamenteas conotações morais, políticas, reli·

próprias da ideologia teórica ema ruptura se efectuou,conferindo-lhe

de iri:Congruêl1cias em relaçãoda ciência. Donde:

ligada à proposição 4: E. tal resultacIo ge-fora da física? .

do corte é transformar a relação em

teórica (efeito pedagógico) e i:lao campo instrumental. Bache·

de l'Esprit Sdentifique, p. 80) co-este ponto uma declaração de Marat

eléctrica:

36

Por outras palavras: uma .ciência não. pode efec~tuar no lugar doutra ciência o trabalho de «libertação» que exige a combinação ideológica específicada posição desta última.

Proposição 2: Um dos efeitos possíveis do corte(efectuado em relação a uma ciência Cl) é induzirum obstáculo epistemológico à constituição de umaciência C2. Não se trata de um efeito de Cl sobre C2

(não constituída enquanto ciência), mas de umefeito da ideologia teórica de Cl (filosofia· espontânea dos sábios (1) de Cl) sobre a ideologia específica de O.

Proposição 3: Certos conceitos produzidos por

(1) No curso L. A1thusse:rjustifica assim 'O uso destaeXDressão:.-"Entre os elementos de um !"!r'ocessodos conhecimentos

CÍ(,;ut:ífkosfigura sempre algo ele filosófico.«Uma prática científica é, numa ciência determinada,

eff;ito específico do processo de produção de que dependeesta ciência. Os homens de ciência são os agentes de produção do processo de produção de uma ciência determinadanú campo da respectiva prática. Ocupam aí um lugare uma função definidas por esta prática e, em tíltima aná·lise, processo de que ela depende. Nas condições detoda e qualquer prática, figura. sempre algo do ideológico:a ideologia específica de uma prática científica é algo de

filosófico. Os homens de ciência são sempre veículo de algofilosófico figura na sua prática científica: enquantoveículos algo filosÓfico determinado, diz-se dos ho·mens de ciência que têm urna «filosofia espontânea desábíoS»...A filosofia espontânea dos sábios deve pois serentendida no sentido estrito da palavra filosofia; implicando uma relaçãO'privilegiada com as ciências. Por filosofia espontânea dos sábios, entendemos não o conjuntodas ideias que os sábios têm sobre o mundo (quer dizer asua «concepção do mundo») mas sômente o conjunto dasideiás que eles têm na cabeça (conscientes ou não) e quedizem respeito à sua prática científica e à ciência.»

 

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A HISTóRIA DAS CIêNCIAS

39

à proposição 6: Este resultado éda física?

aí se encontra realizado, esse pertencetemporalidade, que releva da teoria das

(1),

E.ncontra-se entre os "Admirables secrets du Granda descrição do «segredo maravilhoso para construir

ou abússula da simpatia, através da qual seescrever a um amigo afastado e dar-lhe a conhecerintenção, ao mesmo tempo, ou num momento de·termos escrito.» (Les admirables secrets d'Alvert

Office d'édition, p. 367).

5: O efeito das ideologias teóricas ema uma ciência Cl é localmente transformada

específico de Cl. (Efeito do corte sobrepedagógico da ciência.)

6: A relação em ordem ao campo insé modIficada pelo corte:

do corte, define-se tal relação por um

.efeito de reflexo, induzindo a impotência aver outra coisa que o que se deve ver, isto emfunção da ideologia teórica;

o corte assistimos a uma transformaçãocampo instrumental (montagens e dispo

sitivos), quer no processo de produção dosconhecÍlnentos, quer no processo ele produ-ção económico.

MICHEL P~CHEUX· MICHELFICHANT

38

«Comparam-na com razãoa'Umal)(JI11.b(l,es~creve ..Marat. A roda ..representa>opist~();osmoentessão a origem imediata donde a rodaextrai o fluido e o condutor isolado forma oreservatório onde ele o esgota.»

E Bachelard comenta:

«Assim, não exi.ste .mistério nem problema:pel'guntamo-nos como é que a extensão de uma

imagem como .aquela poderia servir.·para melhorar a técnica, para pensar a experiência.Arranjar-se-ão almofadas mais volumosas paraobter uma fonte mais abundante? Dar-se-á à

roda um movimento vaivém para imitar o

pistão? Precisamente a ciência moderna serve-seda analogia da bomba para ilustrar certos caraeteres dos geradores eléctricos, mas é paratentar esclarecer as ideias abstractas de dife-

de·potenciaI e de intensidade da corrente.Vemos aqui um contraste saliente elltre duasmentalidades: na mentalidade científica, a ana

logia hidráulica entra em jogo, logo após aeoria. Mas entra em jogo antes na mentalidadepré-científica.»

A transformaçiio do campo instrumental (da máquina electrostática ao dínamo) assinala-se pelamudança estatuto do instrumento, ao mesmotempo na prática experimental e no processoproduç;ão económico. Pode dizer-se que, de um certomodo, a «Fada Electricidade}} realiza os fantasmas

da taumaturgia e do poder à distância. exemplo, uma das primeiras aplicações electricidadefoi o telégrafo, cujo principio, enquanto que objecto

técnico, fundamenta-se na ciência eléctrica do séC'l.llo XIX. Quanto ao fal1tasma da cOl1umicação tI

 

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agora a questão propriamente dita daas ciências: utilizaremos o exemplo da

para mostrar que,ern relação à e1ectricimagnetismo, esta disciplina seguiu viaspara pôr termo à sua dependência rela

a uma form.ação ideológica teórica queno essencial, a n1.esma da qual see o magnetismo. Aí distin

efeito, os mesmos dois elementos ideoa saber, o a11.imismo e o me-

aos quais voltaremos em breve. Por outroacreditasse durante longo temponome da vida era a electricidade,

pelo contrário, a electricidade não sejaparticular da Vitalidade com um

Sobre este ponto, o já citado texto de

sobre a estrutura do íman pode servirvemos, claramente, que para este

é, ao mesmo tempo, um animal (comlinfáticos que permitem a circulaçãoe uma máquina (com tubos e válvulas

o circuito do fluido que os atravessa).todo o organismo animal é essen

reservatório de electricidade. Após apilha de Volta, todos os seres vivos sur-

 

MICHELP~ÇHEUX·MICHEL FICHA;NT

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origens newtonianas da noção de meiobastam ... para explicar o seu signifi

mecânico inicial e o uso que primeira-

A HISTóRIA DAS CI~NCIAS

que persegue os biologistas vitalistas doXVIII [ . .. ] São· newtonianos, homens

recusam aceitar hipóteses sobre a essênciafenómenos e· que pensam somente dever

e coordenar directamente, e sem pre~os efeitos, tal como eles os percepcio

O vitalismo é o Simples reconhecimentooriginalidade do facto vital».(Canguilhem, La Connaissance de Ia Vie,Vrin 1965, p. 156.)

face desta posição ergue·se o mecanismo comoconquistadora. Esta ideologia teóricacomo já indicámos, nos efeitos da trang-tecnológica induzida pela ciência mecão ser vivo como sendo um mecanismo

de mecanismos. Ora, isto de·con8equência rela tivarnentedo ser vivo, a saber, que é de

homogênea ao próprio ser vivo ou aindao ser vivo por todas as partes, por

o próprio ser vivo, mais não é que partesno espaço, no meio de outros corpos

a ele próprio. Assim o conceito de meio,buscar as suas origens à filosofia vitalista

sob o nome de cosmos, encontra um

no interior da mecânica tal como eladepois de Newton.conjuntura teórica, donlinada pelo mecaa biologia se constituiu no decurso doum exemplo deste predomínio é-nos

por G. Canguilhem, precisamente acercade meio ambiente.

42

(I) Seremos levados pois a cital'abundantemente esteautor em tudo o que se refere à biologia.

giram como outras tantas «pilhasanil11ais)),para Ó

que as experiências do biologista Galvani, em 1780,trou.:'i.:eramuma aparente verificação, pois não julgara este verna contracção muscular os efeitos daelectricidade animal? Bachelard escreve a propósito:

«Acontracção·.muscular foi para a escola deGalvani um movimento privilegiado, carregadode ..carácter e· de sentido, de certo modo ummovhnento vivido. Redprocamente, pensou-seque este movimento bioeléctrico era o maisapropriado para explicar os fenómenos davida.»)

(La Formation de l'Esprit Scientifique,p.l66.)

A ele(:tricidade e o magnetismo, por um lado, a

biologia, por outro, podem pois referendar-se pelomesmo espaço ideológico de referência, com asmesmas posições-chave: o :omimismotoma em biologia o.uome de vitalismo; o mecanismo permanecemecanismo ou cartesianismo, ou ainda o «iatrome·ca,nismo»),ou seja, etimolõgicamente, a.mecânica damedicina;De novo, é conveniente precavermo-nos contra

uma interpretação histórica na qual o mecanismo se·ria incondicionalmente progressista. G. Canguilhemdemonstrou brilhantemente nas suas inúmeras pesquisas sobre a história dos conceitos biológicos, aimportância da posição do vitalismo (I):

«(Cumpre acabar, escreve, com a acusaçãometafísica, portanto de fantasia para não dIzer

 

A HISTóRIA DAS CI:aNCIASMICHEL

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4S

mecanizava o ser vivo e consideo vitalisroo uma loucura, A descoberta das

int~rnas, a formação do conceito deo pôr em evidência algunsfenó~

claro que na perspectiva de Comte; a.anatoestudo da estrutura dos órgãos num.o capítulo da estática em biologia,

que a fisiologia, enquanto estudo dasrepresenta o da dinâmica, quer dizer, enestudo do funcionamento correspondente

portanto, finalmente enquanto anato-em movimento.

que deve correctamente pôr.se é agoracomo explicar que duas disciplinas tão

sua ideologia pré-teórica tenham tidotão diferente? Como explicar que ae o magnetismo se tenham constituído

ciência no interior da física, apoiando-se nae que a biologia tenha conhecido um de-

científico específico e exterior à físicamodo que a física e a química lhe estejam

ponto subordinadas?necessário, para resolver esta questão,um certo número de pequenas diferen

na realidade são fundamentais.primeiro qu'e o papel desempenhadonaelectricidade não é o mesmo quena biologia. Na electricidade o aniao nível das imagens. Em biologia,

representa uma posição conceptual queefectivamente em certos momentos da

desta ciência. Aludindo à deslocaçãoocorreu entre F. Magendie. o Últimoe· Cl. Bernard, discípulo de Magencomo o fundador da fisiologia,

nota:

44

«Auguste Comte acaba de pôr o problemabiológico das relações. do organismo é do meiosob a forma de um problema matemático: «Numdeterminado meio sendo dado um órgã.o, encon·trar a ftmção e redprocamente.»

Assim se acha directamente estabelecido I) elo como que dissemos acerca da relação anatomia-fisiolo-

mente dele se fez.;.~u~llste.Ç()rnt?, ••.ropondoem 1838 .•..a ••.liçãoX< cli).C Qurs dejP!zilisophiePositiveurna. teoriabiohJgicager:OlLd.oI11do ..mobientei.·•·te.m•..•..•.e11tiInetÜodeelllPrcg~r«lneio»como um neologisUl? ereivírrdica a responsabiHdad~de erigi-loeulnoçãoU11ivers,-\lpabstractada explicaçã()ernbiologia.J1A ..Comte diz queentenderá por isso, daí em dianteil.1ãojá apenas

fluido no qual um corpo se encontra mergulhado», (o que confirma bem as origens mecânicas da noção), IDas «o conjunto total das circunstâncias exteriores necessárias à existênciade cada organismo». Mas tamb;;;m se observaem Comte- que tem o sentimento perfeitamente nítido das origens da noção - simultâ·neamente, o alcance que quer conferir-lhe em

biologia, mas que a sua utilização vai permanecer dominada precisarn.ente pela origem mecânica desta e até mesmo do termo,»

(lbid., p. 132 e seguintes.)

Aqui, Canguilhem explica erectivamente que a relação entre o organismo e o meio, é concebida porA. Comte, segundo o princípio newtoniano da acçãoe .da reacção. Ora à excepção do homem,. a acçãodo ser vivo sobre o meio é pràticamente desprezível,do ponto de vista mecânico. Como consequêncía

acrescenta Canguilhem: