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ANTONIO NASCIMENTO SOUZA SOBRE A INTERPRETAÇÃO ENGELSIANA DA FILOSOFIA DE MARX: UMA POLÊMICA NA ORTODOXIA DO MARXISMO. Dissertação de Mestrado Rio de Janeiro 1984

SOBRE A INTERPRETAÇÃO ENGELSIANA DA FILOSOFIA DE MARX… · natureza dialética do pensamento marxiano torna-o ... Karl Marx’s writings may be studied from “inside ... como

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ANTONIO NASCIMENTO SOUZA

SOBRE A INTERPRETAÇÃO ENGELSIANA DA FILOSOFIA DE

MARX:

UMA POLÊMICA NA ORTODOXIA DO MARXISMO.

Dissertação de Mestrado

Rio de Janeiro

1984

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ANTONIO N. SOUZA

SOBRE A INTERPRETAÇÃO ENGELSIANA DA FILOSOFIA DE

MARX:

UMA POLÊMICA NA ORTODOXIA DO MARXISMO

Tese submetida ao Corpo Docente do Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos

requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências

Sociais.

Aprovada por:

Professor:

_______________________________________________________

(Presidente da Banca)

Professor:

_______________________________________________________

Professor:

_______________________________________________________

Rio de Janeiro, RJ – BRASIL.

1984

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FICHA CATALOGRÁFICA:

SOUZA, Antonio N. Sobre a Interpretação Engelsiana da Filosofia de Marx: uma Polêmica na Ortodoxia do Marxismo. Rio de Janeiro, UFRJ, IFCS, 1984. 112 páginas. Tese: Mestre em Ciências Sociais

1.Marx 2. Marxismo 3. Ciência 4. Filosofia I.Universidade Federal do Rio de Janeiro – IFCS II.Título

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RESUMO

A idéia central que anima esta dissertação é: o pensamento de Karl Marx pode

ser dimensionado em três grandes regiões epistemológicas: Filosofia

(weltanschauung da totalidade), História (ciência geral do movimento), e

Economia (ciência social mais completa e mais complexa da moderna

sociedade). Outras ideias secundárias também animam esta dissertação: (I) a

natureza dialética do pensamento marxiano torna-o qualitativamente mais

completo e mais complexo à medida que evolui; (II) é possível estabelecer uma

periodização relativamente coerente para cada uma das dimensões e para o

pensamento de Marx como um todo, baseando-se na cronologia e área

temática de produção; (III) o pensamento de Marx pode ser reinterpretado à luz

de novas pesquisas e novo contexto histórico, independentemente das

apropriações de tal autor ou escola; (IV) pode-se estudar o pensamento de Karl

Marx “dentro do marxismo” (desde Engels, Lênin, etc.) e “fora do marxismo”.

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ABSTRACT

The central idea: Karl Marx’s Work could be dimensioned to form three great

epistemological categories: Philosophy (“weltanschauung” of a totality), History

(movements’ General Science), and Economy (a more complex and complete

social-scientific apprehension of the modern society). Other secondary ideas: (I)

the dialectical nature of Marx’s Denkweise allows the later to evolve onto

complexities till completeness; (II) it is possible to establish a more or less

coherent periodicizing for each of the dimensions and for Marx’s thinking

process as a whole; (III) Karl Marx’s Work can be reinterpreted by means of an

approach based on newly-planned researches regarding changed historical

relationships, apart from appropriations by authors or doctrinal schools

whatsoever; (IV) Karl Marx’s writings may be studied from “inside the marxista

cadre” (out from Engels, Lenine, etc.) and from “outside the Marxismus.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL – Página 7

1.O Objeto da Dissertação – Página 8

2.A filosofia de Marx e as Ciências Sociais – Página 13

3.A Metodologia de Investigação – Página 17

4.A Confecção da Dissertação – Página 22

1ª. PARTE: ESCRITOS FILOSÓFICOS DE MARX – Página 24

Capítulo I: Elementos da Problemática – Página 24

Capítulo II: Esboço Bibliográfico – Página 28

2ª. PARTE: A DIMENSÃO FILOSOFIA EM MARX – Página 40

Capítulo III: As obras de Definição – Página 40

1.O Ensaio de 1834 e a Carta de 1837 – Página 41

2.A Tese de Doutoramento de 1841 – Página 44

Capítulo IV: Obras de Filosofia Crítica – Página 47

1. Obras de Kreuznach – Página 48

a) CFDH

b) Sobre a Questão Judaica

2. As obras de Paris -- Página 56

a) A Introdução de 1844

b) Os Manuscritos de Paris

c) A Sagrada Família

CONCLUSÃO – Página 75

1. A Dimensão Filosofia

2. O Materialismo Dialético

3. Obras de Bruxelas: 1845-47

NOTAS – Página 93

ABREVIATURAS PARA ALGUMAS OBRAS DE MARX – Página 103

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS – Página 104

FICHA CATALOGRÁFICA – Página 112

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INTRODUÇÃO GERAL

Toda introdução é, em geral, uma antecipação às ideias e forma do texto

que obrigatoriamente se apresenta. Por isso, há quem prefira não lê-la a

priori para não se sentir conduzido (a). Outros, ao contrário, consideram que

uma leitura apriorística da introdução facilita a compreensão do texto que

segue. Quem de uma ou outra forma procede, ao ler textos de natureza

científica, deve certamente saber avaliar os significados de uma leitura a

priori ou a posteriori de tais escritos.

Se em geral toda introdução é uma antecipação, como dissemos, isto

não põe por terra o que é fundamental: o que realmente é importante é o

texto, onde as ideias, seus desdobramentos e suas demonstrações são

apresentados. O que precede, porém, também é importante, pois contribui

para clareá-lo, unificá-lo e é parte geral da forma. Assim, quem lê antes ou

depois uma introdução, de acordo com uma metodologia de leitura

previamente definida, acabaria percebendo (ou não) o que há de

fundamental no trabalho como um todo; considerando, é claro, seu nível de

coerência ou de pertinência.

Em particular, contudo, uma introdução é o espaço que o autor tem para

incluir o que faltou no texto: seja relações implícitas, que uma leitura

objetiva deixa escapar, seja relações explícitas, especialmente a inserção

do texto, o seu sentido, num contexto epistemológico, como também o

processo de sua composição. Consideramos aqui importantes os aspectos

geral e particular da introdução. A antecipação e a inclusão tendem a

caminhar, respectivamente, no sentido da exposição do texto (1); da sua

relação com nossa área de concentração (2); do método de investigação

(3); e das circunstâncias externas que permitiram a confecção dessa

dissertação (4).

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1.O OBJETO DA DISSERTAÇÃO

No Fausto, Goethe compõe contradições sobre o princípio de tudo: o

Verbo, o Sentido, a Energia, o Caos ou a Ação? Com personagens da

estatura de um doktor Fausto, de um Mefistófeles e de uma Gretchen, o

poeta alemão deixa ao leitor a rara oportunidade de ordenar sua causae

primae. Nosso “objeto” ganha forma a partir da dúvida goetheana: no

princípio, verbalizamos nossas ideias; chegamos ao caos, pois faltava-nos

condições de ordená-las; finalmente, saímos das contradições com a ação:

deixamos de lado as muitas cogitações e compomos o trabalho que

passamos a expor.

O objeto desta dissertação é a filosofia de Karl Marx. Há uma dimensão

filosofia na obra do autor d’ O Capital? Como desenhá-la, compará-la com

interpretações consagradas e, portanto, significá-la? Estas as questões

gerais de que trata esta dissertação.

Partimos de uma perspectiva generalizada: o pensamento de Marx,

objetivado numa vasta obra, pode ser apreendido ao nível de uma

interpretação dimensional: considerando-se a cronologia da produção de seus

inscritos concomitantemente com as temáticas desenvolvidas, desde os

trabalhos escolares às obras últimas de Economia Política, é possível

localizar o pensamento de Marx em dimensões de conhecimento. Pode-se

mesmo estabelecer uma periodização geral, de acordo com os critérios

acima, relativamente coerentes, já que toda periodização é circunstancial e

dependente de critérios e objetivos, capaz de melhor significá-las. Assim,

poderíamos apreender o pensamento de Marx numa dimensão filosofia,

numa dimensão história e numa dimensão economia. Tais dimensões

dependem rigorosamente da cronologia de produção e das temáticas

desenvolvidas. Por exemplo: O Ensaio de 1834 e A Miséria da Filosofia, de 1847,

são os extremos da dimensão filosofia em Marx; as obras que se iniciam

com o Manifesto Comunista, desde 1848, deixam claro o assentamento do

pensamento marxiano ao nível de uma perspectiva da história; e as obras

econômicas, estas, iniciam-se, propriamente, a partir de 1857, na célebre

Introdução, com a crítica ao método “científico” da Economia Política.

Ao longo do texto tentamos deixar mais ou menos claro o que significa

para nós uma “interpretação dimensional do pensamento de Karl Marx”. Por

aqui, é mister expor, ainda que sinteticamente, dificuldades e o objetivo de

tal apreensão.

Há, de um lado, uma dificuldade de natureza metodológica, a principal:

como dimensionar um pensamento unanimemente considerado dialético?

Esta questão, também pertinente à alínea 3 dessa introdução, é básica.

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Respondê-la é conditio sine gua non à coerência de nossas ideias.

Vejamos.

O pensamento de Marx comporta ideias de natureza bastante variada,

frutos de um trabalho intelectual, de uma prática em quase 50 anos. Prova-

o as antologias de excertos em Arte, Literatura, Estratégia e Tática, Política,

Feminismo, etc., etc. Isto para falar nos aspectos particulares de sua

produção – Recentemente, comemorando o centenário da morte de Marx, a

Editora Graal publicou uma coletânea de ensaios de intelectuais brasileiros,

ao todo são 19 ensaios, que vão desde um “Marx e o Meio Ambiente” até

um “Marx e a Democracia”. Na verdade, os grandes pensadores são

grandes porque são precisamente ricos em ideias. Alguns, como Aristóteles

e Hegel, por exemplo, tenderam a sistematizar – “criar um sistema” – suas

ideias em torno de amplos temas: Política, Estética, Fenomenologia, Lógica,

etc. Outros, como Marx, não tiveram tal preocupação. Nesses, interpretar o

pensamento torna-se mais difícil, pois apesar da coerência e qualidade

superior dos escritos ao longo de uma trajetória, não sistematizaram suas

obras. Em Marx, por exemplo, a obra inscreve-se em circunstâncias

históricas determinadas, específicas e contemporâneas: às vezes, por força

de uma prática política, por necessidade material, por um impulso de

natureza emotiva e por força de um “gênio” intelectual.

Em vida, Marx pouco se deu ao trabalho de explicar ou sistematizar o

corpo de sua obra. São exceções algumas cartas e trechos de trabalho

onde ele indica tal ou qual sentido de suas ideias; em geral, como na

famosa carta a Kugelman em que ele orienta a mulher deste a ler O Capital,

trata-se de questões “didáticas”. Coube a Friedrich Engels, que

praticamente acompanhou Marx em toda sua produção intelectual de peso,

desde 1843 até sua morte, compor o que para ele já era uma “doutrina”.

Engels, como grande revolucionário, interpretou a obra de Marx, inclusive

sua parte nesta, destacando o traço revolucionário do seu perfil. Para

Engels, como ele diz no Ludwig Feuerbach, obra publicada 5 anos após a

morte de Marx, as concepções do “materialismo dialético e histórico” levam

o nome de marxismo pois coube a Marx a maior e a melhor parte na

elaboração. Enfim, de Engels a nossos dias, poder-se-ia dividir a história

das interpretações do pensamento de Marx entre os que o veem “dentro do

Marxismo” e os que o veem “fora do Marxismo”, já que a definição

consagrada deste cabe a Engels. A versão engelsiana é portanto o principal

marco teórico de comparação.

Além dos aspectos particulares que as ideias de Marx comportam, há,

entretanto, elementos de natureza geral, possíveis de serem reunidos numa

sistematização. Assim, abstraindo a consagrada interpretação engelsiana

do marxismo - desde 1917 “oficializada” com a vitoriosa revolução soviética -

, consideramos que uma interpretação que acompanhe a trajetória

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biobibliográfica de Marx, em períodos determinados cronológica e

tematicamente, poderia muito contribuir para sistematizar o legado de Marx.

Desde já deixamos claro que nossa pretensão não passa de um esforço

acadêmico, talvez de caráter didático.

Nosso intento pode ser assim resumido: Marx move-se, primeiramente,

no contexto da “realidade filosófica alemã”, caminhando de acordo com uma

formação escolar e “nacional”, de crítica à filosofia clássica alemã: no

princípio, com outros, movendo-se criticamente sobre o legado de Hegel; ao

final, descaracterizando a especulação, a pura especulação filosófica do

sistema de Hegel na voz dos seus discípulos e daquele que teria ido além

de Hegel, Feuerbach. Esta trajetória inicial tem por temática geral a filosofia,

mais precisamente a crítica da filosofia alemã. Movendo-se no sentido de uma

superação dialética, incorporando concepções e vivendo-as na vida real, Marx

introduz à crítica da filosofia uma perspectiva histórica, realçando a “história

dos homens reais” e o papel revolucionário de uma “classe especial”, o

proletariado. Esta perspectiva histórica desenvolver-se-á plenamente a

partir de 1848, marcando uma ruptura interna com as questões filosóficas

que desenvolvera até então; isto é, a ruptura marca apenas o deslocamento

de temática ao nível da cronologia bibliográfica, já que não há contradição,

ou melhor, antagonismo entre o que Marx produziu em cada dimensão, e

sim um aprofundamento e desdobramentos de ideias ao visar o que em

dialética se chama síntese. É a teorização da luta de classes a sua

resultante, uma sociedade sem classes, que caracteriza a dimensão história

no pensamento de Marx, até suas obras clássicas de “comprovação da

teoria” com a realidade do movimento revolucionário europeu da época,

sobretudo baseando-se nos exemplos dos communards franceses. A ideia

de revolução social o absorve nesse período. Como não se pode

transformar aquilo que não se conhece - no máximo destrói-se pura e

simplesmente; daí a crítica às concepções anarquistas, que desenvolve

paralelamente com Engels – e como só se “conhece” através da Ciência,

Marx caminha no sentido da construção da teoria econômica da moderna

sociedade, no sentido da Crítica à Economia Política, subtítulo d’O Capital,

pois, como disse ele, é a Economia Política a Ciência que permite a

compreensão da moderna sociedade burguesa. Em termos de cronologia,

as obras econômicas de Marx, iniciam-se a partir de 1857, com a produção

de um esboço geral – tentamos demonstrar aqui, na dissertação, a

propósito, que a obra de 1844, intitulada Manuscritos Econômico-Filosóficos, é

precisamente uma crítica filosófica à economia, de um ponto de vista

feuerbachiano, não publicada por Marx, e que, na verdade, foi escrita sobre

o impacto da leitura do “genial esboço” de Engels, como ele reconhece no Prefácio de 1859.

Parece-nos que a questão do dimensionamento do pensamento de

Marx, por causa de sua dialeticidade (“La ventana de mi dialética es que digo

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las cosas poco a poco y, como creen que no puedo más, se apressuran a

refutarme; no hacen más que dejar ver su tonteria!” – Marx a Engels em

26.6.1867), deve necessariamente ter sempre presente a relação

geral/particular e vice-versa. No texto, voltaremos sempre a esta questão ao

relacionarmos os traços característicos da filosofia de Marx com os escritos

históricos e econômicos, na sua constituição e em parte do seu

desdobramento futuro. Mesmo limitando o objeto desta dissertação à

dimensão filosofia, temos sempre presente uma visão geral do pensamento

de Marx. Aliás, sem tal perspectiva não poderíamos realizar esta

dissertação. Cairíamos num esquematismo arbitrário. Aqui, ao contrário,

não desenvolvemos a parte – a dimensão filosofia – senão somente de

acordo com o todo – o pensamento de Marx. É uma questão de

metodologia, que desenvolveremos melhor na alínea 3 desta introdução.

Geral e particular, parte e todo, elemento e conjunto são, por assim dizer,

momentos do desenvolvimento da análise científica.

Uma outra dificuldade seria a pertinência da perspectiva biobibliográfica,

a cronologia e a análise dos textos, da apreensão dimensional. O que

objetivamos foi na 1ª parte da dissertação, assentar a base do pensamento

de Marx em filosofia, ao nível da localização da trajetória da vida e obra do

período, por um lado. Por outro, na 2ª parte, desenvolvemos o grosso das

nossas ideias, propriamente a dimensão filosofia em Marx, de acordo com a

natureza bibliográfica de nossa pesquisa; ou seja, analisando textos e

comparando interpretações.

Desde o início ficou claro que nossa apreensão, por situar-se na

epistemologia do marxismo, necessariamente se contrapunha as

interpretações consagradas e “oficializadas” sobre o pensamento filosófico

de Marx. Vimos também que tais interpretações tinham uma característica

geral: se situavam “dentro do marxismo”, desde a definição engelsiana da

filosofia de Marx. Tratava-se, portanto, de acordo com os objetivos e limites

desta dissertação, de deslocar a interpretação da filosofia de Marx para

“fora do marxismo”, numa comparação crítica final do nosso trabalho com a

interpretação engelsiana. É desnecessário dizer que, se chegamos a uma

conclusão diferente da de Engels, em função de uma perspectiva

metodológica diferente, não desmerecemos, nem o poderíamos fazer, o

marxismo, do qual Engels sem dúvida merece o título de co-realizador.

Nosso objetivo, como dissemos, é meramente acadêmico, no sentido de

tentar contribuir para as discussões em torno do pensamento de Marx,

cientificamente, sem de forma nenhuma ter pretensão de querer “negar” o marxismo.

Ao equacionarmos nossa problemática ao nível da contradição “dentro”

e “fora do marxismo”, percebemos que a interpretação engelsiana é, de

fato, o principal marco teórico que tem alimentado o pensamento marxista

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naquele particular. Nesse sentido, tentamos também localizar outras obras,

famosas e já clássicas na história do marxismo, que beberam da fonte

Friedrich Engels. Por uma questão de exposição, toda essa localização é

feita sintética e generalizadamente. A exceção é Althusser, que mereceu

um “tratamento especial” pois, ao sistematizar a produção teórica de Marx

com as categorias, emprestadas, de “corte epistemológico” e

“problemática”, a nosso ver, caiu na própria armadilha que Engels pensara

não ter criado: separou Althusser as ideias de Marx de “antes” e “depois” do

marxismo; ou melhor, as ideias que podem ser consideradas “marxistas”

das que “não são marxistas”. Este, a nosso ver, o erro central da

sistematização de Louis Althusser.

A crítica a Althusser, pela importância e contribuição de sua obra,

pareceu-nos procedente, pois sua sistematização “dos Marxs” enquadra-se

na interpretação geral de lavra engelsiana. Contrapomos portanto a

sistematização althusseriana com os resultados que aqui chegamos por

outros meios. Isto é, localizamos nossa problemática “fora do marxismo”,

descaracterizando dentro do pensamento de Marx a noção althusseriana de

corte epistemológico.

Nosso objetivo, repetimos, é de “contribuir” para as discussões em torno

do pensamento de Marx. Se há alguma pretensão nesta dissertação, é ela o

desejo de sofrer as críticas de quantos a lerem, como um trabalho de cunho

acadêmico, talvez didático, que “serviria”, porquanto roteiriza e sistematiza

ideias de Marx num período determinado, e que, sobretudo, objetiva o pré-

requisito para a obtenção do grau de mestre em Ciências Sociais. As ideias

e o método de exposição são de minha inteira responsabilidade.

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2.A FILOSOFIA DE MARX E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

A relação do objeto desta dissertação com a área de concentração em

Ciências Sociais é o objetivo dessa alínea. Justifica-se ela apenas ao nível

de uma introdução. Aqui, seremos breve.

Tentaremos responder a duas questões: (I) qual a relação da filosofia de

Marx com as Ciências Sociais?; (II) onde localizar em Marx os textos que,

tradicionalmente, interessam às Ciências Sociais?

Recentemente, * em 5.1.84, um editorialista do Jornal do Brasil, que

pretender ser um porta-voz do pensamento burguês-liberal no país,

justificava o uso de métodos mais “duros” no combate à violência urbana.

Criticava-o a interpretação sociológica, “responsável pela explicação

rotineira de que a violência urbana é invariavelmente (grifo nosso) fruto dos

descompassos sociais e econômicos, principalmente a fome, a miséria, a

desocupação”. Mais à frente, criando contradição arbitrária entre o geral e o

particular, entre a violência gerada pelas injustas relações de propriedades

e bem-estar com a violência de um isolado crime passional, o editorialista

pergunta: “como premiar os pulsos que esganaram a jovem e bela

psicóloga com a hipócrita piedade da explicação sociológica?” (grifo nosso).

Esta opinião do secretário da redação do JB, que assina o artigo, é bem

característica da relação que pretendemos desenvolver aqui. É evidente

que o articulista, sob o disfarce da indignação popular que o crime causou,

brada por métodos mais “duros” não em defesa do “cidadão” em si, mas sim

em defesa da propriedade privada em geral, já que o motivo inicial do crime

foi de “atentar contra a propriedade”. Contra a justa explicação sociológica,

ao equacionar a problemática social e não ações individuais isoladas, o

articulista chama de hipócrita exatamente o que seria a mais sofisticada

“Ciência Social” da sociedade burguesa que ele tão levianamente defende,

a Sociologia.

Sabe-se que no ocidente, mais precisamente nos países capitalistas,

entende-se por “Ciências Sociais” um conjunto de saberes ou “disciplinas”,

com objetos delimitados, fazendo ou não uso de certa

“interdisciplinaridade”, de acordo com tal ou qual perspectiva metodológica,

que estudam a multifacetada realidade social. Definir “Ciências Sociais”

e/ou “Ciências Humanas” é uma velha e exaustiva questão que não cabe

aqui**. Sabe-se, porém, que a Sociologia, antes de todas as outras, deveria

ocupar um lugar de destaque entre as Ciências Sociais, ainda que vozes

mais ou menos isoladas defendam tal lugar para a Antropologia, para a

História, para a Psicologia, para a Linguística, etc.etc., com todos, com

maior ou menor razão “puxando brasas para a sua sardinha”.

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Nisso tudo pelo menos uma certeza: as Ciências Sociais as constituem,

no ocidente, paralelamente e em oposição às interpretações das teorias

sociais revolucionárias do século XIX, sobretudo em oposição ao

“marxismo”, que partindo do geral para o particular “descobriria” a

explicação da problemática social ao nível da contradição no modo de

produção: seja contradição entre posse e não posse dos meios de produção,

seja contradição entre capital e trabalho, seja contradição entre meios de

produção e relação social de produção, ou seja, a resultante dessas

contradições: a luta de classes entre burgueses e proletários na moderna

sociedade. As Ciências Sociais, então, reduziriam seus objetos a níveis de

relações particulares, “empíricas”, evitando o “marxismo” e fugindo de

“teorias do conflito social” e de sua “necessidade” de resolvê-los

revolucionariamente.

Esta digressão absolutamente não esgota, nem aprofunda, os variados

aspectos (políticos, ideológicos, filosóficos, científicos) da relação Ciências

Sociais/”marxismo”. Serve-nos apenas para mostrar a importância que há

nela; a importância que há, em particular, na relação entre a filosofia de

Marx – e não, nesse caso, o marxismo – e as Ciências Sociais. O próprio

editorial que comentamos acima serve de exemplo: tirando o

“invariavelmente”, um termo muito “inteligente” que o articulista introduz

para descaracterizar a interpretação sociológica, é correto dizer, com a

análise sociológica, que em geral a nossa violência urbana “é fruto dos

descompassos sociais e econômicos, principalmente a fome, a miséria, a

desocupação”. Ou, de outra forma, traduzindo: a violência urbana é em geral

fruto das contradições que o regime de propriedade privada dos meios de

produção, de exploração e de distribuição das riquezas gera nas

sociedades capitalistas dependentes como o Brasil. Grosso modo, há relação

direta entre aquela explicação sociológica e a explicação que Marx

desenvolveu nas suas obras, inclusive nas de filosofia. O que o intelectual

que trabalha no órgão da imprensa liberal faz, na verdade, não é criticar a

“hipócrita piedade da explicação sociológica”, mas a análise da violência

urbana ao nível da “teoria dos conflitos”, sabidamente de origem marxiana.

Bem, há uma oposição entre os métodos do “marxismo” e das “Ciências

Sociais”. Mas há, por outro lado, uma aproximação de alguns resultados

teóricos de Marx com a análise das Ciências Sociais. A Sociologia, em

particular, incorpora a análise de Marx da realidade social, ainda que não

“exija” a transformação radical desta. Se considerarmos correto o que disse

sobre a explicação sociológica o editorialista do JB, a nosso ver é justo

afirmar que não há naquela explicitação nenhum antagonismo com o que

disse Marx em suas obras. A diferença nos parece, é que ao invés de tentar

“distanciar-se” das contradições num campo neutro, de pura análise, a

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perspectiva de Marx era levar a termo tais contradições,

revolucionariamente.

São inúmeros os exemplos dos usos de ideias de Marx pelas Ciências

Sociais. Isto, aliás, é uma práxis que só tende a enriquecer tanto um quanto

as outras. Citamos um exemplo, acima. Vimos um aspecto “político” da

oposição “marxismo versus Ciências Sociais”. Aproximamos a relação da

explicação sociológica com os trabalhos de Marx, sem definir contudo o

lugar daquela na filosofia marxiana senão sob o ponto de vista da

transformação. O exemplo que utilizamos é, entretanto, bastante

esclarecedor: a explicação sociológica, como foi posta acima, ao

equacionar o problema da violência urbana, corre o risco de ter o mesmo

efeito da análise marxista, ou seja, deixar claro que não é com mais

policiais na rua, com a pena de morte, nem com leis de exceções que se

combate contradições de base econômica; mas, ao contrário, com a

solução destas contradições, seja pela “via democrática”, seja pela “via

revolucionária”, como pretende o marxismo militante. É este o sentido que

se pode sacar da crítica hipócrita do secretário da redação do Jornal do

Brasil. Como sociólogo, dixi et salvavi animan mean.

A segunda questão responderemos mais brevemente ainda. Pela

importância contemporânea das ideias e pela riqueza metodológica de

análise, toda a obra de Marx interessa às Ciências Sociais. Quem não terá

discutido, ao longo de sua vida acadêmica, extratos, livros ou obras de Marx

e do pensamento marxista? Parece óbvio que, mesmo não concordando

com determinadas teorias de Marx, as Ciências Sociais absolutamente não

as “ignoram”. Há variações de faculdade para faculdade; de interesse maior

ou menor, de acordo com o pesquisador e sua pesquisa. No nosso caso, o

estudo, discussões e trabalhos sobre o pensamento de Marx e o marxismo

foi sempre uma constante em todo o tempo em que estivemos na

universidade. Nossa dissertação, portanto, está profundamente relacionada

com nossa formação em Ciências Sociais, tanto na graduação como na

pós.

No texto, ao dimensionarmos a filosofia marxiana, encontra-se análises

de obras familiares a estudantes de Ciências Sociais. A Ideologia Alemã,

quem não estudou pelo menos a 1ª parte, a mais importante, o Feuerbach?

E os Manuscritos de Paris, que revolucionaram as Ciências Sociais quando

publicados? Quem não leu Fromm, Sartre e até mesmo Althusser, e não se

sentiu “tocado” pela “descoberta de um humanismo na filosofia de Marx”? A

nosso ver, estas e outras obras do período filosófico de Marx, arroladas e

discutidas nesta dissertação, são importantes para as Ciências Sociais. Há

nelas questões sobre política, religião, arte, humanidade, classes sociais,

história, economia, etc., etc., de grande interesse.

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A localização que fizemos, também, poderia permitir que um leitor

menos familiarizado com a trajetória da produção intelectual de Marx

tivesse uma visão geral da filosofia marxiana. Daí o caráter didático desta

dissertação. Acreditamos que o pouco que foi dito nessa alínea sobre a

relação entre o objeto desta dissertação com nossa área de concentração,

de forma muito generalizada, ficará mais claro à frente, na leitura do texto.

________________

Referência página 12: * O que segue é uma interpretação do discurso da grande imprensa, sobre

uma questão que nos permitiu relacionar a “interpretação sociológica” com o “marxismo” e com

o pensamento de Marx em filosofia. Não nos preocupamos com a chamada “competência da

discussão”, ou com o “discurso competente” (M. Chauí), ou ainda com o “discurso inter-pares”.

O nosso objetivo é contemporaneizar a relação Filosofia de Marx e Ciências Sociais, tomando

como exemplo um editorial que lemos no processo de redação deste texto.

** Referência página 13: Em relação a Marx, caberia aqui uma discussão sobre ciência que

envolvesse Durkheim e Weber. Por exemplo: (I) Qual o sentido, em Durkheim e Marx, da

categoria “natureza humana”?; (II) Como Weber e Marx vêem o capitalismo? Não a encetamos

aqui porque isto talvez implicasse em exaustivas argumentações, o que tornaria ainda mais

“árida” esta dissertação. Na bibliografia, porém, há obras pertinentes dos “três clássicos das

Ciências Sociais” a tal discussão.

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3.METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO*

Vimos adiando desde a alínea 1 o aprofundamento de uma única

questão, básica à metodologia de investigação desta dissertação: como

dimensionar um pensamento considerado dialético? Propomos-nos aqui a,

pelo menos, tentar equacioná-la, já que é no texto que segue essa

introdução geral que poder-se-á perceber a pertinência (ou não) de uma

interpretação dimensional do pensamento de Karl Marx, tomando por base

a dimensão filosofia.

Marx, como é sabido, ficou-nos devendo um tratado sobre a dialética, que

prometera. São poucos, e em geral insuficientes, os momentos em que ele

interrompe seu trabalho para explicar o seu método. A Introdução de 1857, por

exemplo, onde, com esforço e leituras prévias, pode-se entender

razoavelmente a dialética marxiana com relação à ciência econômica, ficou

na gaveta, sem desenvolvimento posterior. No Prefácio da obra Contribuição à

Crítica da Economia Política, de 1859, ele justifica a exclusão da Introdução em

função de uma “metodologia de exposição”, pois seria uma “antecipação”,

que poderia confundir o leitor com resultados ainda por provar, desafiando a

segui-lo, a “ascender do particular para o geral”. Quer dizer: ao nível da

metodologia de exposição, ascende do particular para o geral; diz as coisas

“pouco a pouco”, como ele diz em carta a Engels, citada acima, na página

IV.

Marx, como também é sabido, distingue o método de exposição do

método de investigação. Esta distinção é uma característica de sua

dialética. No posfácio à segunda edição d’O Capital ele diz:

“Claro está que el método de exposición debe distinguirse formalmente del

método de investigación. La investigación ha de tender a assimilarse en detalle la

matéria investigada, a analizar sus diversas formas de desarrollo y a descubrir sus

nexos internos. Sólo después de coronada esta labor, puede el investigador

proceder a exponer adecuadamente el movimiento real. Y se sabe hacerlo y consigue

reflejar idealmente em la exposición la vida de la matéria, cabe siempre la posibilidad

de que se tenga la impresión de estar ante uma construcción a priori.”

No parágrafo seguinte ele distingue seu método dialético do de Hegel,

especialmente no nível da weltanschauung.

Em síntese, o método da exposição seria a forma adequada de

apresentar o “objeto de estudo”. O método de investigação, a forma de

“assimilar a matéria em detalhes, analisar as diversas formas de desenvolvimento e a

descobrir seus nexos internos”. Esta precede àquela e ambas são

dependentes do “objeto de estudo” ou “matéria investigada”. Por exemplo,

n’O Capital, Marx analisa a “sociedade burguesa” e conclui por uma

18

18

exposição que inicia pela forma mais geral e mais simples dessa sociedade:

a mercadoria; a produção de mercadoria, a característica mais geral e mais

simples de se entender na e a sociedade burguesa.

Tocamos aí num dos aspectos fundamentais da dialética marxiana: a relação entre o

geral e o particular e entre o simples e o complexo. O geral é sempre o pressuposto: parte-se

sempre dele como pressuposição, como abstração. Nele encontram-se os particulares ou

até mesmo um particular que, dialeticamente torna-se geral, que constituem uma relação

concreta, real. No mesmo exemplo que demos acima, vemos que a produção de

mercadoria é uma característica geral do “modo de produção capitalista”, portanto um

ponto de partida para a análise, um pressuposto ou uma abstração. Ao analisá-la, chega-se

a relações concretas, aos particulares desse modo de produção, constituindo-se uma

teoria, a teoria do valor. Da mesma forma, dialeticamente, parte-se do mais simples ao

mais complexo: da relação mais simples dos valores de uso e troca à questão da mais-valia.

Talvez o traço mais característico da dialética marxiana, sua síntese, esteja no engajamento

direto da teoria com a prática: Marx tende sempre a evidenciar o movimento ao nível das

contradições da sociedade; denuncia-as, como no “fetichismo da mercadoria”, e

praticamente antecipa sua solução ao nível da História – a superação da sociedade

burguesa pelo socialismo proletário. Este talvez o traço mais difícil, porquanto

revolucionário, da dialética marxiana. É mister contudo dizer que: o método dialético de

Marx em O Capital e/ou desde a Introdução de 1857 pretende ser rigorosamente científico,

uma preocupação que ele não teve, pelo menos explicitamente, com suas obras

anteriores.

Permitimo-nos esse comentário sucinto da dialética marxiana por dois

motivos: (I) como dissemos, Marx não escreveu o tratado sobre dialética

que prometera; (II) a dialética marxiana, tal como podemos apreendê-la nas

suas obras, é importante ao equacionamento da questão que formulamos.

Continuamos, portanto.

A nosso ver, não se pode confundir o método dialético de Marx em

períodos distintos da sua obra. Ou seja: não há um método dialético em

geral para toda a obra de Marx. O que comentamos acima é sobretudo

pertinente à obra econômica de Marx, onde ele desenvolve explicitamente

uma perspectiva científica, criticando a Economia Política, seu métodos e

suas conclusões. Já nas suas obras com temáticas históricas, do que

chamamos aqui de “dimensão história” do pensamento de Marx, a análise

processa-se sobre uma teoria geral: a teoria da luta de classes. É certo que

Marx não abandona essa teoria nas suas obras de economia; é certo

também que a teoria marxiana não se reduz a uma teoria geral da luta de

classes: como grande pensador, rico em ideias, Marx não compôs uma,

mas diversas teorias ou teorizações. A questão, em relação às dimensões

história e economia, é que há interpenetração conceitual nos aportes teóricos

das conclusões de Marx. Pela coerência do desenvolvimento do seu

pensamento, as obras econômicas são efetivamente as mais complexas, na

19

19

medida em que as ideias anteriormente desenvolvidas são aprofundadas

em novas “matérias”. É mais ou menos como dissemos no resumo das

páginas III e IV: Marx move-se da filosofia à história e dessa à economia,

sem contradições de base e, absolutamente, sem antagonismos. Esta é

uma ideia geral que alimenta esta dissertação, que, a nosso ver, permite o

dimensionamento do pensamento de Karl Marx.

Nas obras iniciais de Marx, nas que aqui reunimos com a definição geral

de “obras filosóficas”, a questão metodológica não está de forma alguma

plenamente desenvolvida. Marx, como tentamos demonstrar no texto,

move-se dentro de um contexto histórico em que a formação escolar, a

realidade filosófica alemã e o jornalismo crítico praticamente determinam os

rumos do seu pensamento. Destaca-se, porém, o traço do homem sobre

sua história: há nas obras de Marx do período certa criatividade, uma

ousadia criativa, que se aprofunda exatamente pela crítica, às vezes irônica,

outras mordaz, e ainda contundente. É por isso que reputamos como

fundamental a esta dissertação o esboço biobibliográfico feito na 1ª parte.

O período filosófico é de solidificação das ideias, sobretudo nos seus anos

iniciais. Trata-se, para Marx, de aprender e de se definir. É curioso, nesse

período, o interregno literatura na sua obra. Há também uma intermediação

antes de sua superação da filosofia clássica alemã: é quando Marx “flerta”

como Hegel e os seus discípulos, criticamente, até Feuerbach, “a malha

intermediária que separa o pensamento de Hegel do de Marx”, como disse Engels.

Por fim, no que chamamos aqui de “Obras de Bruxelas”, já sob o impacto

do engajamento político que Engels lhe apontara, bem como a colaboração

intelectual do mesmo, Marx finalmente “conclui” sua obra de filosofia crítica

sobre a escola hegeliana e sobre Proudhon, ridicularizando neste tanto sua

“economia política” como sua má apreensão do método dialético. A Miséria

da Filosofia, aliás, é uma outra importante obra para se entender a dialética

marxiana, ainda que indiretamente.

Mais importante do que um método dialético geral, as obras de filosofia

de Marx apontam uma série de questões, ao nível da história e da

economia, que estão rigorosamente de acordo com o que ele desenvolveria

mais tarde. É mesmo a introdução da História – no sentido do movimento

social – e da economia – no sentido da ciência social mais importante à

compreensão da sociedade burguesa – que permite, a nosso ver, a

superação de Marx sobre a especulação filosófica alemã. É este um aspecto

dialético do seu pensamento: o particular, a dimensão filosofia, contém

elementos do geral, do seu pensamento como um todo.

Nossa investigação do pensamento filosófico de Marx, portanto, tem

como pressuposição uma visão geral da sua obra. Percebemos então que

as ideias filosóficas de Marx, dimensionadas cronológica e tematicamente,

20

20

são partes do seu pensamento como um todo, encontram-se em outros

lugares de sua obra. Trata-se de uma filosofia crítica, bem entendida. Isto é,

de um weltanschauung que privilegia a prática sobre a especulação; de uma

visão de mundo que busca assentar-se no movimento da história e na

Ciência; de uma clara tomada de posição em favor da transformação social

tendo por meio a ação revolucionária de uma “classe especial”, como ele

diz em 1843, o proletariado, na sociedade burguesa moderna.

É por isso que às vezes faz-se relação entre o que Marx formulou nos

anos iniciais de sua formação com fórmulas de um período maduro, sem

perda de coerência, pelo menos no conteúdo. Por exemplo: a filosofia de

Marx pode ser estendida a outras obras que não as do período 1834-1847.

Há aí, porém, um risco de se confundir o particular com o geral e vice-versa,

sobretudo ao nível da forma, caso não se esteja seguro da trajetória de

Marx e dos significados contextuais de sua bibliografia – um objetivo desta

dissertação é precisamente construir passo a passo a trajetória de Marx, em

filosofia, para evitar o confusionismo de relações arbitrárias de textos

compostos em distintas fases do pensamento marxiano. Um exemplo pode

tornar mais clara esta ideia.

Na mesma coletânea da Graal já citada, o filósofo brasileiro J. A. Gianotti

compôs um ensaio intitulado “Marx e a Filosofia”. Busca-o a relação de

Marx com a filosofia na sua obra máxima, O Capital. Redu-la, entretanto, à

relação com a teoria econômica, à análise de fenômenos sociais, que o

autor d’O Capital desenvolveu sob o ponto de vista rigorosamente objetivo da

Ciência, ainda que logicamente o que se conclui lá tenha um caráter às

vezes ético, engager, de posição, de partido, como preferia Lênin, pois Marx

negava que a própria Ciência era absolutamente neutra. Tudo bem. O

ensaio de Gianotti é bom, erudito, etc. De fato há n’O Capital uma “filosofia”,

ainda que para nós esta não possa ser reduzida, por uma questão da

dialética marxiana, à teoria econômica. A questão é que Gianotti tende a

estabelecer a relação de Marx com a filosofia não ao nível da

weltanschauung marxiana, como nos parece mais correto, mas ao nível de

uma análise de discurso teórico, próximo ao que modernamente se conhece

por “filosofia da linguagem”. Por isso, ao concluir basicamente suas ideias

na p. 163, ele apenas critica o traço dinâmico da teoria de Marx, ossificada

pela ação paralisante da ortodoxia do marxismo:

“Escrever sobre as relações de Marx com a Filosofia implica tão-

só perquirir suas descobertas com o intuito de desarticular a trama de suas

perguntas e preparar o terreno para perguntas futuras. Não há maior perigo do que

transformar a teoria numa pedagogia da luta de classes.”

Com este exemplo terminamos os comentários introdutórios sobre a

metodologia de investigação observada aqui. O dimensionamento de um

pensamento dialético, como o de Marx, é possível a partir do conhecimento

21

21

da sua obra como um todo, pelo menos um todo sistematizado cronológica

e tematicamente, por um lado. Por outro, talvez mais importante, é preciso

partir do conhecimento da dialética marxiana, dos seus aspectos principais,

apreendidos na própria obra de Marx, para não confundir o geral com o

particular, o simples com o complexo, nem fazer inferências sobre textos

descontextualizados. É esse o sentido desta dissertação.

De resto, esta é uma pesquisa de natureza bibliográfica. Tivemos à mão,

ao longo de muitos anos, textos diversos da bibliografia marxista, diversas

biografias de Marx, muitos textos pró e contra o marxismo e, o que é mais

importante, o contato direto com as obras completas de Marx, em

português, francês e espanhol. Lendo, relendo e comparando traduções,

em quase uma década de contatos com a bibliografia especializada, cremos

que pelo menos em parte superamos os obstáculos de uma não leitura dos

originais.

Como dissemos, esta dissertação é parte de um projeto maior que

desenvolveremos num futuro próximo. É responsabilidade e limite nossos,

também, a composição técnica do texto: (I) optamos por notações que nos

pareceram pertinentes à sustentação do texto, à medida em que (re)

escrevíamos e as referências surgiam; (II) incluímos uma bibliografia

básica, ao final, toda ela envolvida diretamente com a construção desta

dissertação**. Enfim, parafraseando Marx:

Investigamos nosso objeto de forma conscienciosa, buscando aplicar o

que aprendemos nesses anos de estudos, na Universidade e fora dela, com

os professores, colegas, amigos e companheiros diversos; resta contudo a

dúvida: apesar de tudo, não é possível que a construção do texto seja a

priori? Só a crítica dirá.

________________

Referência página 16:

* Não compomos aqui um minucioso roteiro “técnico-metodológico” da dissertação.

Esta questão, sem embargo, pode ser apreendida em diversas passagens (por ex.: pp.

V e VI da Introdução Geral; alínea 1 da Conclusão; etc.) do nosso discurso. Nesta

alínea, ao contrário, equacionamos a metodologia de investigação ao nível da

problemática que é a dialética marxiana. Isto se explica, a nosso ver, por ser o

pensamento de Marx (include vida e obra) um pensamento dialético.

Referência(página20)

** Sobre a bibliografia, esclarecemos: (I) as obras de Marx foram citadas em ordem

cronológica de produção, com exceção das três últimas, de correspondência

Marx/Engels e de textos escolhidos; (II) todos os autores citados estão em ordem

alfabética; (III) nossa bibliografia é mínima.

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22

4.A CONFECÇÃO DA DISSERTAÇÃO

Forma e conteúdos finais desta dissertação de mestrado são de minha

inteira responsabilidade. Não poderia, ainda que desejasse, me furtar do

significado de assinar o texto. Infelizmente, um trabalho dessa natureza tem

que ter um autor, quando na verdade o que em última instância o permitiu

foi uma série de circunstâncias externas ao indivíduo em si. Por exemplo,

sem uma passagem pela Universidade, com suas influências gerais, não

poderíamos estruturar o texto ou dissertação, tal como se exige para um

Trabalho dessa natureza; da mesma forma, a não reunião de uma série de

condições materiais objetivas, como o tempo para estudar, para ler e para

adquirir meios de informação, impossibilitaria a conclusão do trabalho.

Há, por outro lado, relações científico-filosóficas – que quase sempre

implicam relações ideológico-político – que permeiam, interferem e às vezes

determinam o trabalho acadêmico. O autor, o que assina, então, situa-se ao

nível dessas relações, dessas redes que emalham-no, determinando sua

captura ou sua negação, nesse caso, a fuga. O seu produto, confundindo

ou não com ele, autor, está necessariamente relacionado com sua história,

com a história de sua inserção no ambiente social. Por isso, também os

significados reduzidos às instâncias do ideológico-político desta dissertação

são de minha inteira responsabilidade.

Desejaria aqui, ao contrário, falar de relações sociais mais próximas à

confecção desta dissertação. Isto é, prestar o meu reconhecimento às

pessoas que me ajudaram neste trabalho. Este o objetivo desta última

alínea.

Diretamente, não fora a paciência, generosidade e inteligência da minha

orientadora, sobretudo sistematizando o melhor das nossas discussões,

não teria condição de estruturar o texto. Eximindo-a de responsabilidade

quanto às conclusões, contudo, devo a ela grande parte dos aportes

necessários à ordenação das minhas ideias. Minha orientadora, a

professora Stella Amorim, é o que eu chamaria aqui de co-artífice deste

modesto esforço.

Também não poderia deixar de agradecer aqui ao professor Francisco

(Chico) Ferraz, ao historiador Adamastor Camará e ao professor Michel

Misse. Eles, pacientemente, leram o texto, no seu “estado bruto”, e muito

me ajudaram com suas críticas, sempre pertinentes, que então fizeram.

Finalmente, sem o trabalho de revisão de Ednei Moutinho, meu amigo,

este texto não poderia ser apresentado. A todos, aos que aqui me desculpo

por citá-los, e aos que indiretamente estiveram envolvidos com esta

23

23

dissertação, meus mais sinceros agradecimentos. E, last but not least,

agradeço a Dayene Souza pelo enorme trabalho de digitação do texto

original, que está datilografado e amarelado pelo tempo, 30 anos depois!

Enfim, nessa digitação decidimos colocar as notas de 1 a 200 após o final

do texto.

Dedico esta dissertação de Mestrado a:

HOZANA, minha mãe.

Roberto, in memoriam.

Marx, id.

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24

PRIMEIRA PARTE

ESCRITOS FILOSÓFICOS DE MARX

CAPÍTULO I

ELEMENTOS DA PROBLEMÁTICA

A associação do pensamento de Karl Marx com a doutrina geral do

marxismo constitui, a priori, um obstáculo epistemológico¹. Justifica-se

contudo tal postura dos estudiosos de Marx dentro do marxismo pois: (I) a teoria

marxista confunde-se com a prática política e é esta que determinou o

estudo daquela; (II) a obra de Marx em conjunto só ficou sendo conhecida

com o passar dos anos; (III) Marx não estabeleceu um roteiro para se

estudar sua obra.

Por estas razões, o pensamento de Marx tem dado margem a várias

interpretações. Como descobrir dentro do marxismo o verdadeiro

pensamento de Karl Marx? Sem duvida, intérpretes célebres de Marx

trilharam este caminho inverso. Talvez o mais importante, pelo menos na

repercussão no Ocidente e no Brasil, tenha sido Louis Althusser, que

sistematizou as obras de Marx naquele sentido ².

Como, por outro lado, descobrir dentro da obra de Marx o verdadeiro

marxismo? Também por este caminho menos acidentado, mas nem por isso

mais fácil, trilhou muitos estudiosos do pensamento de Marx. Nesse caso,

os exemplos se perdem na incontrolável bibliografia que foi produzida. Em

geral, produziram-se obras que abordam uma temática específica que o

pensamento de Marx comporta: uma filosofia do “Jovem Marx”, o conceito

de classes sociais em Marx, as ideias econômicas de Marx, etc., são

exemplos válidos ³.

Provavelmente não haverá nunca um verdadeiro marxismo nem um

verdadeiro pensamento de Marx. Isto é, nem o conjunto nem o elemento esgotar-

se-ão numa apreensão teórica, por mais aprofundada que ela seja. As

probabilidades interpretativas de uma doutrina e de um pensamento,

considerando a hipótese de apreensão individual, serão tantas quantas

forem os indivíduos que a busquem fora do saber comum dado pela Escola,

pelo Estado e pela Igreja4.

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25

Descobrir o verdadeiro, a essência, a unidade, o em si das coisas e das

ideias cabe talvez à filosofia e não à ciência5. À ciência interessa antes as

relações que tornam cognoscível um determinado objeto. Assim,

estabelecendo relações, sistematizando interpretações e criando modelos,

não se poderiam dizer falsas (sobre tornar falsa uma teoria, cf. Popper, Karl,

A Lógica da Pesquisa Científica) as duas perspectivas de abordagem de que

falamos acima – a de conjunto, do estudo de Marx dentro do marxismo; e a

de elemento, do estudo do marxismo dentro de Marx.

Contudo, o elemento deu nome ao conjunto e constitui a sua base. Por

isso, volta-se necessariamente a Marx. A Interpretação do pensamento de

Marx dentro do marxismo separa portanto as obras que caracterizam a

ruptura de Marx com suas influências6. Indo além disso, inclusive, um

grande intérprete de Marx, Althusser, estabelece um quadro cronológico

que contém ideias bibliográficas:

Teremos assim a seguinte classificação:

1840 – 1844: Obras de Juventude.

1845: Obras do ‘Corte.

1845-1857: Obras da Maturação.

1857 – 1883: Obras da Maturidade “7.

Já Stepanova, um autor soviético, propõe no seu Esboço Biográfico de Karl

Marx a seguinte divisão:

“Período anterior a 1848: Obras que tratam dos princípios filosóficos do

comunismo científico8.

1848 1852: Desenvolvimento das ideias políticas e a estratégia e tática do proletariado.

Anos 50 e 60: Investigações Científicas de Marx “9.

Também, inversamente, o elemento depende do conjunto pois a evolução

deste - e agora sua história – torna aquele um pensamento atual e vivo,

numa prática em todo o mundo contemporâneo. Nesse sentido, falar sobre

o pensamento de Marx implica em falar sobre a história do marxismo.

Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Gramsci, Kautsky, Mao e

Althusser, só para citar alguns autores que acrescentaram seus nomes ao

marxismo, muito contribuíram para que a história deste continue a ser feita.

Parece-nos que a relação dialética entre a parte e o todo ou, como

chamamos aqui, entre o elemento e o conjunto permite interpretações

aplicáveis em modelos determinados. Isto é positivo. Não se descobre o

verdadeiro marxismo ou o verdadeiro Marx. Tal tarefa, repetimos, não cabe

à ciência. Descobre-se, ao contrário, relações que ambos (o elemento e o

conjunto) suportam. Não cabe aqui aprofundar uma análise de tais relações.

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26

Mas é importante notar que a associação apriorística do pensamento de

Marx com a doutrina geral do marxismo leva a interpretações equivocadas

de ambos. Isto porque o primeiro precede e determina a constituição do

segundo11.

Se se toma determinados pressupostos do marxismo como base, por

exemplo, os aspectos fundamentais do materialismo dialético, do materialismo

histórico, e da análise econômica d’O Capital, percebe-se a evolução do

pensamento de Marx considerando suas influências e rupturas. Nesse

sentido, estudar Marx dentro do marxismo, como foi exposto e defendido

em obras clássicas10, leva ao obstáculo epistemológico que apontamos: à

redução e associação do pensamento de Marx à sua resultante; à doutrina

básica do marxismo. A superação deste obstáculo por parte de estudiosos

como Althusser e Mondolfo, para citar dois de perspectivas diferentes, é

possível introduzindo cortes, no primeiro autor, e influências, no segundo.

É claro que, dentro do marxismo, o pensamento de Marx sofre necessariamente

rupturas ou cortes. Há um momento, em geral uma obra ou uma data

determinada (1841,1843, 1845-6, 1848, 1857, etc., dependendo do objetivo)

em que Marx obtém a síntese12. É esta a base para tal ou qual concepção

fundamental da doutrina do marxismo, vista após a interpretação

engelsiana. É claro também que Marx trabalha com os materiais da sua

época (as influências). Nesse caso, há sempre um pouco de Hegel, de Feuerbach,

de Ricardo, etc., nos trabalhos de Marx. E isto a despeito da síntese! Em

ambos os casos, supera-se o obstáculo taticamente: se se quiser

demonstrar os momentos fundamentais do marxismo, estabelece-se na

evolução do pensamento de Marx os elementos do “corte”; se se quiser

demonstrar que o marxismo não é um corpo teórico autônomo, estabelece-

se as influências que a base deste (o pensamento de Marx) depende. A

tática, também nesse caso teórico, subordina-se à estratégia.

Teoricamente, o ideal seria um estudo do pensamento de Marx que

levasse em conta, controlando tais variáveis, a relação entre o conjunto e o

elemento, entre a doutrina e o pensamento de Marx original. Para tanto,

contudo, seria necessário construir rigorosamente, definindo com precisão

cada etapa da evolução, os momentos da negação e da síntese e as

características gerais da doutrina marxista. Não conhecemos nenhuma obra

ou autor que tenha chegado a esse estágio. Temos, isto sim, trabalhos

“dentro do marxismo” e “fora do marxismo” que utilizam táticas teóricas de

acordo com fins determinados. A conjunção de elemento e conjunto,

especificamente com referência ao pensamento de Marx, é uma tarefa que

demandaria esforços futuros. Algumas dificuldades já foram apontadas;

mas é possível lançar alguma luz nessa estrada. Vejamos.

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27

Em primeiro lugar, é preciso conhecer a base. A evolução do

pensamento e suas partes constitutivas são estudos básicos. A composição

de uma teoria a partir da base, entretanto, tem que levar em conta os

esforços interpretativos já feitos. É o material original13 porém que serve e

deve ser trabalhado.

A base do pensamento, em segundo lugar, pode ser caracterizada em

função das concepções que a sustenta e na sua necessária evolução.

Antes de estabelecer “cortes”, é preciso traçar a trajetória, o trabalho que

permitiu, em última instância, assentar a base do pensamento. Em Marx,

dada a natureza polêmica e dialética do seu pensamento, a base ou as

ideias principais estão sempre relacionadas; são frutos de uma evolução

que o leva à “anatomia da sociedade moderna, burguesa”14, nos trabalhos

econômicos, mais precisamente n’O Capital.

Finalmente, em terceiro lugar, é necessário relacionar a obra com a vida

do pensador. São necessários estudos biobibliográficos. Só assim, nos

parece, é possível superar de outra forma, quiçá com mais rigor e com

menos limites, os obstáculos decorrentes da não percepção da evolução do

pensamento de Marx em cada uma das dimensões que o caracterizam –

Dedicamos o Capítulo II, 1ª. Parte da dissertação, à descrição da base do

pensamento de Marx ao nível da biobibliografia; trata-se de uma exposição

que visa, nos seus limites, localizar a trajetória da vida e obra de Marx no

período determinado.

Nosso objetivo é, portanto, traçar nos esboços biobibliográficos a trajetória

de Marx dentro da dimensão filosofia. Iniciamos com a filosofia, pois é esta

a primeira dimensão do pensamento de Marx dentro da sua trajetória

escolar e de pensador. A dimensão filosofia, entretanto, é a que tem mais

dado margem à polêmica sobre um “Marx pré-marxista”, um “jovem Marx”,

um “Marx idealista”, etc.15. Aqui, nossos esforços são no sentido de

contribuir para discussões do pensamento de Marx – e também do

marxismo – sem pretensões de apresentar “verdades absolutas”.

O esboço biobibliográfico, o nome denota, pretende localizar o

pensamento de Marx na sua constituição. A seguir, na 2ª. parte,

especificamente sobre a dimensão filosofia, localizaremos cada uma de

suas obras do período 1834-47. As dimensões história e economia serão

objeto de um trabalho futuro nosso, possivelmente relacionando-as, para

melhor apreender a dialeticidade do pensamento de Karl Marx. A relação

entre elas, contudo, como vimos na Introdução, é posta nos momentos em

que discutimos a ideia de uma interpretação dimensional do pensamento de

Marx.

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28

CAPÍTULO II

ESBOÇO BIOBIBLIOGRÁFICO

Os biógrafos de Marx resgataram um trabalho escolar em que o jovem

estudante da Escola Superior do Trier diz:

“A história chama grande a todos os homens que se enobrecem trabalhando

pelo universal”. A experiência aprecia como o mais feliz aquele que fez feliz mais

gente. A religião mesma ensina que o ideal por que lutamos, ele, se sacrifica pela

humanidade. E quem se atreveria a contradizer tal sabedoria?

“Uma vez que elegemos a vocação para melhor contribuir com a humanidade,

as cargas não poderão curvar-nos porque são somente sacrifícios para o bem de

todos. Não experimentamos então uma alegria fraca, limitada, egoísta, mas sim

que nossa felicidade pertence a milhões, nossos feitos perduram silenciosos,

mas eternamente efetivos, e as lágrimas derramadas pelos homens nobres cairão

sobre nossas cinzas.”16

.

Este ensaio foi escrito por volta de 1834, aos 16 anos. O biógrafo que

citamos, porém, adverte:

“Aqui também, os comentaristas buscaram descobrir um embrião da ideia

posterior de Marx da ‘unidade da teoria com a prática’. De novo, isto é ler no

ensaio de Marx mais do que nele há”.

Para Mclellan, o ensaio de Marx, reflexões de um Jovem Mclellan sobre a

Eleição de uma Profissão, “dá a entender que o tipo de profissão que se ocupa

de ideias abstratas deveria ser abordada com especial circunspecção”.

As conclusões a que chega David Mclellan na sua extensa biografia se

referem a uma perspectiva tipicamente evolucionista de alguns biógrafos e

estudiosos de Marx. Contradiz ele então A. Cornu e G. Mende, ambos

representantes da perspectiva de “descobrir nos trabalhos juvenis de Marx um

embrião da unidade de teoria e da prática”, que seria uma ideia posterior de

Marx. Para Mclellan, o ensaio escolar de Marx revelava um “idealismo puro,

juvenil”17

.

Não nos cabe discutir aqui as razões de Mclellan e as de Cornu e

Mende. É provável que os três, dentro dos objetivos a que se propuseram

demonstrar, tenham acertado em alguns pontos.

29

29

Mas o resgate do ensaio juvenil de Marx é fundamental para

compreendermos sua trajetória dentro da dimensão filosofia. A extensa

citação que fizemos acima, que constitui a parte final de Reflexões de um

Jovem sobre a Eleição de uma Profissão, revela, numa frase (“A história chama

grandes a todos os homens que se enobrecem trabalhando pelo universal”), duas

categorias pertencentes, por origem e por método, à filosofia: homem e

universal. Revela também a relação das categorias filosóficas com a história,

que permitiria posteriormente a própria crítica da filosofia alemã por Marx,

ao refutar a especulação filosófica de Feuerbach, nas Teses, ao nível de

uma “história dos homens reais”.

Não afirmamos, contudo que, já no ensaio juvenil, Marx tenha sido

original. É quase certo que tais categorias fizessem parte das concepções

de então, considerando a tradição escolástica e filosófica da Alemanha em

geral e do Trier, cidade milenária, em particular. Por outro lado, as

influências exercidas por Heinrich Marx, o pai, e por Ludwig Von

Westphalen, o barão, provavelmente permitiram ao jovem Marx a

familiaridade com tais categorias.

O que importa na passagem que analisamos não são as categorias em

si. O uso delas por um jovem de 16 anos num ensaio que serviria à

avaliação de seus estudos é certamente fruto dos estudos e da influência

da época. Segundo Mclellan, o professor que corrigiu o ensaio, além de

considerá-lo “realmente bom”, criticou a “exagerada busca de raras e imaginativas

expressões”18

.

O que importa no ensaio de Marx é a concatenação das categorias

história, homem e universal. Esta concatenação, conforme observou

Wyttenbach, o professor de história de Marx, talvez de forma um tanto ou

quanto ingênua, ao criticar “a busca de raras e imaginativas expressões”, significa

o traço singular que acompanha a bibliografia de Marx: a ousadia criativa.

Dois outros ensaios foram produzidos por Marx no final do seu curso

pré-universitário na Escola Superior de Trier. Um sobre o Imperador

Augusto, relacionado com a história do Trier. O outro, sobre religião. Para

Mclellan, ainda, o primeiro “carece de interesse”. Já o segundo, que tinha

como temática Uma demonstração, Segundo o Evangelho de São João, cap. 15,

Versículos 1-14, da Razão, Natureza, Necessidade e Efeitos da União dos Crentes

com Cristo, “estava escrito com um pathos considerável e com uma piedade

um tanto melosa”19.

Fica claro que cabe a Mclellan a responsabilidade pela interpretação dos

dois ensaios de Marx, da forma como foi exposto acima. Nosso propósito é

apenas localizar estes mais antigos escritos de Marx. Não podíamos ignorá-

los, se traçamos um esboço biobibliográfico de Marx. Ademais, o

encaminhamento das ideias de Mclellan já pressupõe uma concepção

30

30

definida: para ele, o Marx dessa época é necessariamente idealista, por

oposição ao materialista que viria a ser20.

Dos três ensaios é o último, Reflexões de um Jovem sobre a Eleição de uma

Profissão, que mais se adéqua a um quadro cronológico da trajetória de

Marx na dimensão filosofia. Há nele mais individualidade, criatividade e

segurança no uso de categorias da filosofia. Há ainda nele relação com sua

produção futura.

A advertência de Mclellan, de que não se deve “ler no ensaio mais do que

nele há”, parece-nos pertinente para o caso específico a que se refere. Isto

é, é uma advertência relacionada a Cornu e Mende. Não se trata de buscar

nos trabalhos juvenis de Marx o embrião de tal ou qual ideia que ele

assentaria em outras fases de sua vida. Nesse sentido, Mclellan tem razão.

Mas o uso dos mais antigos escritos de Marx, numa cronologia geral,

que objetive traçar sua trajetória, é conditio si ne qua non aqui. Assim, o

ensaio Reflexões de um Jovem sobre a Eleição de uma Profissão é uma obra

(pequena obra, é verdade) inicial da produção de Marx em filosofia. Deve o

ensaio portanto figurar como um trabalho pioneiro de Marx nessa dimensão

de conhecimento.

O período que vimos analisando vai até 1835. Marx ingressou na Escola

Superior do Trier em 1830. Em 1835 concluiu seu curso pré-universitário.

Não há registros quanto a um período escolar anterior a 1830. O mais

provável é que até os 12 anos o jovem Marx tenha tido sua formação no

seio da família21.

A família de Marx, tanto da parte do pai quanto da parte da mãe,

descendia de judeus ilustres, muitos dos quais haviam sido rabinos no

Trier22. Não discutiremos nesse esboço a importância da origem judaica em

Marx. Sabe-se, entretanto, que o pai de Marx não foi um judeu ortodoxo, já

que aceitou ser convertido ao protestantismo para não perder seu emprego

de advogado no corpo jurídico da cidade. Heinrich Marx era uma espécie de

livre-pensador e orientou bastante o jovem Marx. Parece não haver dúvida

quando ao fato de ter sido dele a maior influência que Marx sofreu no seio

da família.

Da infância de Marx não se sabe muito. É provável, porém, e isso

interessa pouco aqui, que Marx tenha tido uma infância de “criança

respeitável”, comum às suas origens sociais e culturais: filho de uma família

que hoje chamaríamos classe média alta e descendente de ilustres rabinos

europeus. Diríamos que ambas as situações “foram contestadas” por Marx

nas usas obras futuras: primeiro, adotando o ponto de vista do proletariado;

segundo, fazendo a crítica da religião.

31

31

Já a adolescência, desenvolvida no seu período escolar de Trier, se

conhece um pouco mais. Vimos que é desse período que datam os ensaios

de Marx sobre História, Religião e Filosofia23

. Ensaios sem dúvida juvenis,

tendo sua importância apenas por Marx tê-los escrito, fazendo parte assim da

sua bibliografia.

É também na adolescência que Marx conheceria e travaria relações de

amizade com o barão Ludwig Von Westphalem. Com o barão “ele aprendeu a

admirar Homero e Shakespeare, admiração que preservou até o fim da sua vida”,

disse um biógrafo24. Foi também ao barão que Marx dedicou sua tese de

doutoramento. Foi com a filha do barão, Jenny, que Marx casou.

Não há entre os biógrafos de Marx aquele que não relacione o contato

de Marx com a família Westphalen. A nobreza dessa família, adquirida e

não hereditária, não correspondia, contudo às suas riquezas. Não eram

absolutamente ricos25. As famílias Marx e Westphalem se relacionaram,

pois os patriarcas faziam parte do mesmo conselho jurídico da cidade;

pertenciam ambos à pequena comunidade de protestantes da cidade; e

finalmente moravam próximos.

Sobre o barão, disse uma das filhas de Marx, Eleanor: “Encheu Marx de

entusiasmo pela escola romântica e, enquanto seu pai lia com ele Voltaire e Racine,

o barão lia-lhe Homero e Shakespeare”26

. Na época em que o jovem Marx travou

contato com o barão, este contava, mais ou menos, 60 anos. Consideramos

nesse esboço que um fato significativo na biografia de Marx desse período

foi sua amizade com o barão Westphalen.

Da mesma forma, consideramos o ensaio Reflexões de um Jovem sobre a

Eleição de uma Profissão como uma obra significativa do mesmo período. Aqui,

relacionamos esta como o primeiro trabalho de Marx que, além de traços de

individualidade, demonstrava uma problemática filosófica em alguns pontos.

Terminada a formação escolar no Trier, já de namoro com Jenny e em

entendimento intelectual com o pai, em outubro de 1835, com 17 anos,

Marx partiu para matricular-se na Faculdade de Direito da Universidade de

Bonn. Este segundo período da trajetória de Marx terminaria em 1841,

quando consegue o grau de doutor, in absentia, pela Universidade de

Yena27. Este período revela fatos significativos na biobibliografia de Marx.

A passagem de Marx da adolescência para a maturidade não se deu

sem os conflitos, ansiedades e paixões, que em geral caracterizam tal

transição, sobretudo nas camadas médias da sociedade e em especial nos

seus jovens mais sensíveis e inteligentes – diríamos que tal situação é

histórica, de acordo com o nível de estratificação social existente, com o

peso das variáveis econômicas e com o indivíduo em questão. Ao ingressar

na universidade de Bonn viu abrir diante de si um novo mundo, muito

32

32

diferente do que conhecia no Trier, cidade até certo ponto provinciana.

Sentiu-se também livre e só com uma razoável soma de dinheiro para

gastar.

E Marx foi prodígio em gastar o dinheiro que recebia do pai. Tal

despreocupação com o dinheiro, aliás, foi uma característica de toda sua

vida, deixando-o inclusive em diversas situações de penúria ao longo de

toda a vida. Na adolescência seus gastos foram em farras e noitadas de

bebedeira junto aos amigos do Clube da Taverna do Trier, que tinha como

membro Karl Grün, um futuro representante do “socialismo verdadeiro” na

Alemanha28.

Do ponto de vista biográfico, Marx, imbuído do ideal romântico que lhe

passara o barão Westphalen, viveu uma adolescência comum à época, às

suas posses e à sua condição social: farras, bebedeira, prisão por 24 horas

na cela da universidade de Bonn, um duelo aristocrático, que lhe causou uma

ferida sob o olho esquerdo, e incursões na poesia romântica, sem grandes

valores literários, tendo como musa Jenny Von Westphalen; isto para só

falar de fatos estranhos à personalidade que se formava29.

Passado um ano em Bonn, em outubro de 1836, Marx seguiu para

Berlim, onde permaneceu durante quatro anos e meio.

Nos primeiros anos de Berlim, que tinha “a melhor universidade alemã”,

Marx continuou a viver a atmosfera romântica que criara em torno do seu

amor por Jenny. Uma espécie de amor à moda romântica: não mais o

“sacrifício pela humanidade”, mas o “sacrifício do eu”30. Isto marca, de

acordo com o epistolário do período, com o pai e com Jenny, e os poemas

de Marx até fins de 1837, uma transição importante com relação ao período

que inicialmente analisamos. Sua produção literária até fins de 1837 revela,

como diz Mclellan, “um culto do gênio isolado e um interesse introvertido pelo

desenvolvimento de sua própria personalidade, à parte do resto da humanidade”31

.

Faltou Mclellan dizer: à parte de sua muda, Jenny.

A problemática romântica que Marx viveu – nunca é demais lembrar que

ela produziu na sua fase de clímax obras que engrossam a bibliografia – foi-

se ajustando aos poucos, num controle sobre as emoções. Tomá-la, a título

de demonstração científica, como um traço característico do perfil

psicológico da personalidade de Marx naquele período parece ser o mais

correto. Ele mesmo escreveria depois: “A personalidade é uma determinação da

pessoa”32

. Isto é, foi uma determinação que ele foi ajustando sua

personalidade aos reclamos da época. Sem abandonar jamais o grande amor

por Jenny, Marx, porém, acabou “pondo os pés no chão”.

E a época exigiu uma definição quanto a Hegel:

33

33

“A influência de Hegel dominava o meio universitário berlinense. Os

discípulos do filósofo se achavam divididos. Uns se prendiam aos elementos

conservadores da filosofia hegeliana, à apologia do Estado prussiano, à defesa da

ordem constituída: eram os hegelianos de direita. Outros procuravam aplicar o método

historicista do mestre à análise das questões sociais: eram os hegelianos de

esquerda”33

.

No período que vai até 1841, Marx engrossou as fileiras dos hegelianos

de esquerda.

É importante notar que a adesão de Marx aos hegelianos de esquerda foi,

para ele, um processo também intelectual. Tal adesão implicou na

assunção de uma nova postura romântica que vinha desenvolvendo.

Implicou também num contato fundamental à sua bibliografia: a participação

no Clube dos Doutores (Doktorklub)34.

Efetivamente, toda trajetória que implica em mudanças, como a de Marx,

é complexa na sua apreensão. Em Bonn e nos primeiros anos de Berlim,

por exemplo, Marx tinha seu interesse voltado à literatura, que, de certa

forma, objetivava nos poemas a Jenny, nos poemas líricos, no drama

Oulanem e no romance satírico Scorpion e Félix, que escreveu. Quando se

decidiu enfrentar Hegel e aderiu aos hegelianos de esquerda, em fins de 1837,

voltou-se à filosofia.

Para os efeitos deste esboço, que visa localizar a trajetória de Marx do

ponto de vista biobibliográfico, há dois fatos significativos que caracterizam

o período, adequados à nossa cronologia da dimensão filosofia em Marx.

O primeiro é a célebre carta-confissão, de novembro de 1837, endereçada

ao pai, em que Marx se define pelo hegelianismo: “Minhas infecundas e

fracassadas empresas intelectuais e a esgotadora cólera que me tomou, por ter que

converter em ídolo a ideia que odiava, me puseram enfermo”. Na carta ao pai,

Marx assumia uma nova postura intelectual, ingressando em cheio nas

discussões mais importantes da vida acadêmica de então: a discussão

sobre o legado de Hegel. Até mesmo seus hábitos anteriores, de escrever

poemas para Jenny e forçar uma barra na área literária foram suprimidos.

Antes de abandoná-los por completo, chegou mesmo a copiar poemas

recém-editados, que enviava à noiva35.

O segundo é a participação no Clube dos Doutores, que tinha como

membro um Bruno Bauer, que o iniciou praticamente nas discussões

filosóficas36.

Ambos os fatos significam uma mesma coisa: Marx, adotando Hegel e

participando da elite de esquerda da Universidade Alemã, dava passos

rápidos na confecção de sua tese de doutoramento, que o levaria, caso se

concretizasse seus objetivos, à academia como professor. Esse objetivo

inicial, como veremos, não se concretizou.

34

34

A carta ao pai é um documento importante na bibliografia de Marx, pois

significa um retorno às questões filosóficas, necessárias para a sua tese de

doutoramento. Marca ele a primeira relação de Marx com a filosofia

hegeliana. Desde a carta, a trajetória de Marx na dimensão filosofia estará

sempre próxima de Hegel, inclusive quando critica, mais tarde, os hegelianos

de esquerda e o sistema de Hegel37.

Sua participação junto à elite de esquerda deu-lhe a prática que o fez

concluir, em abril de 1841, sua tese. Destaca-se na elite em torno do Clube

dos Doutores, repetimos, a figura de Bruno Bauer, que insistiu bastante

para que Marx terminasse o “estúpido exame”38.

Não entramos aqui em detalhes da biografia de Marx no período e

tampouco em detalhes sobre o percurso até sua tese de 1841. Entretanto,

em torno das três pessoas chaves na formação da personalidade de Marx,

e chaves na sua transição para a maturidade, ocorreram fatos que convém

colocarmos. Primeiramente, em março de 1837, com o consentimento do

barão Westphalen, Marx e Jenny oficializaram o noivado. Em segundo

lugar, em maio de 1838, morre o pai, Heinrich Marx, que tanto o influenciara

e o ajudara. E, finalmente, em março de 1842, morre o barão Westphalen,

sem ter assistido ao casamento da filha com Marx.

O último período que analisamos da trajetória de Marx na dimensão

filosofia começa em 1841, quando faz a contundente crítica ao livro de

Proudhon, numa obra que teve o sugestivo título de A miséria da Filosofia.

Após a carta-confissão de novembro de 1837, Marx iniciou os estudos que

o levaram à tese. No processo de elaboração, ele produziu um diálogo

intitulado Cleantes ou o Ponto de Partida e Progresso Necessário da Filosofia.

Reafirmava aí sua conversão necessária ao hegelianismo:

“Minha última sentença era o princípio do sistema de Hegel e este

trabalho, que me tem causado uma interminável dor de cabeça, é o meu filho mais

querido que, criado à luz da lua, qual falsa sirene, me entrega nos braços do

inimigo.”39

A elaboração da tese, repetimos, se deu sob as discussões filosóficas

travadas junto ao Clube dos Doutores e sob a influência do sistema

hegeliano. Importa ressalvar aqui que Marx não podia ignorar o hegelianismo,

que era o eixo das discussões nas Universidades Alemãs. Isto contudo não

o fez um hegeliano strictu sensu. Ao contrário, sua própria “conversão” se

deu de “forma dolorosa”, como ele diz no epistolário com o pai. Talvez, em

função dos objetivos de doutorar-se, de forma tática. Por outro lado, após

1841, ele empreenderia a crítica aos hegelianos e ao próprio sistema de

Hegel. Enfim, para descaracterizar um Marx absolutamente hegeliano, diríamos

que seu traço característico, a ousadia criativa, não combinava de forma

alguma com a condição de discípulo.

35

35

Em torno do doutoramento de Marx, obtido in absentia no dia 15 de abril

de 1841, pela Universidade de Yenna, é mister que se diga: (I) Marx enviou

sua tese para Yenna, pois lá se dava “mais facilidades para a obtenção do título

de doutor”; (II) o objetivo de Marx era conseguir uma vaga na Universidade

de Bonn como Leitor de filosofia, através dos seus amigos do Clube dos

Doutores; e (III) com a tese encerrava seus estudos acadêmicos e teria que

aplicá-los em algum trabalho que lhe desse meios para sobreviver e casar.

Estes três pontos revelam, de certa forma, a ingressão de Marx na vida

prática. Para tornar-se Leitor de filosofia, as Universidades Alemãs exigiam,

além da tese, uma dissertação. O processo de elaboração dessa dissertação,

ao longo dos meses finais de 1841 e parte de 1842, foi acompanhado de

perto por Bruno Bauer, que foi o principal incentivador da malograda

carreira acadêmica de Marx40.

Mas na época, Frederico Guilherme IV, preocupado com o movimento

intelectual que a discussão do sistema Hegeliano causava, convocou a

Berlim, que era o modelo da Universidade Alemã, “o irracional Schelling”,

segundo uma expressão de Lukács, para “erradicar as perversas sementes do

hegelianismo”41

. O próprio Bruno Bauer perdeu seu emprego. Marx, que nas

notas da dissertação discordava de Schelling, desistiu então da carreira

acadêmica e ingressou no jornalismo, um campo onde ele podia

desenvolver a crítica e a natureza polêmica do seu discurso.

O primeiro artigo de Marx, Comentários Sobre as Últimas Disposições

Prussianas Sobre a Censura, foi enviado à Revista de Arnold Ruge em março

de 1842. Os Anais Alemãs (Deutsche Jahrbücher) não pôde contudo

publicá-lo, pois o artigo foi censurado” Este artigo, e outros também

censurados, saiu em forma de livro na Revista Anekdota, na Suíça, em 1843.

Seria numa colaboração futura com Ruge, em Paris, que Marx editaria suas

primeiras obras filosóficas com problemática definida.

Antes, ao longo da segunda metade de 1842, até março de 1843, Marx

trabalhou ativamente na Gazeta Renana (Rheinische Zeitung). Em outubro, já

era redator-chefe. Sob o comando de Marx, como se sabe42, a Gazeta

Renana popularizou-se na Alemanha.

O jornalismo foi importantíssimo na trajetória de Marx. Foi na atividade

jornalística que suas concepções revolucionárias encontraram o veículo de

divulgação. Ao longo de sua vida, sempre teve uma prática jornalística, com

variações de intensidade de acordo com as circunstâncias43. O traço

polêmico e vivo do seu discurso caía como uma luva no jornalismo

revolucionário do século XIX. É certo também que a prática jornalística, de

escrever rápido e sinteticamente, lhe deu experiência para a confecção de

suas obras.

36

36

Enfim, foi no jornalismo que Marx teve que se defrontar primeiramente

com as “questões materiais”: “Nos anos de 1842/43, como redator da Gazeta

Renana,vi-me pela primeira vez em apuros por ter que tomar parte na discussão

sobre os chamados interesses materiais”44

.

A Gazeta Renana deixou de circular em março de 1843. Em junho de

1843, Marx e Jenny contraíram por fim o matrimônio. Em fins de outubro de

1843, com Jenny grávida de quatro meses, a família Marx chegava a Paris,

onde viveria até janeiro de 1845, quando foi expulsa por ordem de Guizot,

ministro do interior do governo francês.

Em Paris, dá-se o contato de Marx com o movimento revolucionário

europeu45. Paris era a capital revolucionária da Europa. Paris abrigava

também a nata da elite de esquerda europeia. É em Paris que Marx trava

contatos mais estreitos com homens do porte de um Engels, Bakunin,

Proudhon, Heinè, etc. O contexto, as discussões e as amizades que travaria

em Paris foram fundamentais para Marx.

No exílio em Paris, Marx redigiu diversos escritos. Nos Anais Franco-

Alemães (Deutsch-Französische Jahrbücher), ele publicou dois extensos

artigos: um Sobre a Questão Judaica, que fora elaborado antes de sua

chegada a Paris, e uma Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.

Sobre a crítica de Hegel, aliás, Marx já havia escrito um pequeno trabalho

em fins de 1843 na cidade Renana de Kreuznach, onde casou. Esse

trabalho preliminar ficou conhecido como Crítica da Filosofia do Direito de

Hegel. Depois, já em Paris, em 1844, escreveu uma Introdução (a que foi

publicada nos Anais Franco-Alemães)46.

A ida a Paris se deveu a um acordo com Arnold Ruge para editar os

Anais Franco-Alemães. Mas o trabalho de Marx e Ruge nos Anais não foi à

frente. Saiu apenas um número duplo dos Anais, em fevereiro de 1844.

Houve entre ambos um desacordo quanto à perspectiva frente ao

movimento revolucionário, acirrado pelo artigo de Marx O Rei da Prússia e a

Reforma Social, publicado no Adiante (Vorwärts), uma publicação dos

emigrados alemães no exílio47.

A bibliografia parisiense de Marx inclui também os manuscritos de Paris,

que resultaram nos conhecidos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, e

também uma obra fundamental na filosofia do marxismo, A Sagrada Família,

que foi publicada em princípios de 1845. Nessa obra, Friedrich Engels

contribuiu com os capítulos I, II e III e alguns parágrafos dos capítulos IV, VI

e VII48.

Na perspectiva biobibliográfica que adotamos neste esboço, destacam-

se também na trajetória de Marx na dimensão filosofia mais dois fatos

significativos: (I) o entendimento intelectual e emocional com Engels, dando

37

37

início a uma colaboração singular que perdurou até a morte de Marx; (II) a

redação da Sagrada Família, obra que continha, de forma mais ou menos

clara, alguns princípios do chamado materialismo dialético, “a filosofia do

marxismo”.

O primeiro encontro de Marx com Engels, entretanto, aconteceu em

novembro de 1842, quando este visitou a redação da Gazeta Renana. Na

época, porém, diz Konder, “Marx não o recebeu com muita cordialidade,

pois desconfiava das ligações de Engels com o grupo comunista de Meyen,

em Berlim, e não apreciava o referido grupo”. Foi Engels, é bem verdade,

que conduziu Marx para o comunismo49.

Depois, Engels enviou aos Anais Franco-Alemães dois artigos que foram

publicados por Marx. Um deles, O Esboço Para a Crítica da Economia Política,

seria um artigo-base das concepções que ambos compartilharam pelo resto

de suas vidas50.

O terceiro contato entre ambos aconteceu em fins de 1844, em Paris.

Engels tinha já pronta sua clássica obra A Situação das Classes Trabalhadoras

na Inglaterra. Essa e mais o Esboço foram obras de grande influência na

bibliografia de Marx, desde então. Após vários dias de discussão e

confraternização, Marx e Engels iniciaram sua fecunda colaboração de mais

de 40 anos. Com muita modéstia, diria Engels depois:

“Antes e durante minha colaboração de cerca de quarenta anos com Marx, tive

uma certa parte independente no estabelecimento dos fundamentos da teoria e, mais

particularmente, na sua elaboração. Mas a maioria dos seus princípios básicos e

reitores, especialmente no domínio da economia e da história (sublinhado nosso), e

sobretudo sua afiada formulação final, pertencem a Marx. Pois tudo que a mim

corresponde – a exceção, em todo caso, do meu trabalho em certos campos

especiais – Marx poderia fazê-lo sem mim. Eu não chegaria aonde Marx chegou. Ele

foi muito mais alto, viu mais longe e tomou uma perspectiva muito mais ampla e viva

que o resto de nós. Marx era um gênio; os outros, no melhor dos casos, gente com

talento. Sem ele, a teoria não seria, em grande medida, o que é hoje. Leva portando

muito corretamente seu nome.”

Não é exagero dizer que Friedrich Engels foi o co-realizador do

marxismo. As suas obras iniciais, que citamos acima, muito influenciaram

Marx na adoção de uma perspectiva objetiva sobre a sociedade burguesa.

Engels já se identificava com o comunismo antes de Marx e,

provavelmente, apressou também sua conversão. Soma-se a isso a

colaboração direta em obras fundamentais na bibliografia do marxismo, a

começar pela Sagrada Família e o imprescindível apoio material,

emocional e crítico de Engels enquanto Marx viveu.

De acordo com nossa cronologia, o último período da trajetória de Marx

na dimensão filosofia inicia-se em janeiro de 1845 e finda em 1847, quando

38

38

termina o livro A Miséria da Filosofia. É o período de Bruxelas, das “obras

de Bruxelas”, como dividimos aqui.

Em janeiro de 1845, o ministro do interior francês ordenou o fechamento

da publicação Adiante e a consequente expulsão dos seus colaboradores.

Marx foi considerado persona non grata e, apesar dos protestos dos

democratas franceses, seguiu para o seu segundo exílio político, em

Bruxelas.

Desde a sua estada em Paris, Marx já combinava a atividade intelectual

de escritor e jornalista crítico com a prática política; em geral, esta se

resumia a contatos e discussões com a elite de esquerda emigrada em

Paris. Em Bruxelas, a despeito da proibição do governo belga, Marx não

abandonou tais práticas. Nunca as abandonou, aliás.

Seus contatos com os movimentos revolucionários franceses foram se

estreitando até que, em 1847, já era a principal cabeça da Liga dos

Comunistas, uma organização que ocupou o lugar da extinta Liga dos Justos,

fundada por Weitling, sobretudo por influência de Engels51. Também no

exílio de Bruxelas, Marx declinaria de sua posição de cidadão prussiano,

objetivando o visto de permanência em território belga e a não-extradição

que a polícia prussiana pedia.

O fato significativo na biografia de Marx no período de Bruxelas, a nosso

ver, foi sua gradual ingressão numa organização de ideologia proletária, a

Liga dos Justos, que em junho de 1847, no Congresso de Londres, foi

posteriormente chamada Liga dos Comunistas. Marx e Engels ocuparam

lugares de destaque, na verdade como principais teóricos da organização

proletária. Foi a partir dessa participação efetiva num organismo proletário

que, em janeiro de 1848, nasceu o célebre Manifesto Comunista.

A bibliografia filosófica desse período é a mais fecunda. Até 1844, Marx,

apesar do seu traço crítico, da sua individualidade e da não condição de

discípulo, movia-se no universo filosófico de Hegel e sob alguma influência de

Feuerbach52. Até 1944, pode-se, em parte, concordar com os autores que

colocaram as influências que o jovem Marx sofreu; a produção filosófica

ainda não se libertara totalmente da “ideologia alemã”.

É em Bruxelas que inicia propriamente seu “ajuste de contas” com o

idealismo alemão em filosofia, adotando, desde então, uma postura

claramente materialista, materialista dialética.

Desse período são as três principais obras de Marx em filosofia: (I) As

Teses Sobre Feuerbach, de 1845; (II) A Ideologia Alemã, de 1845/46, escrita em

colaboração com Engels; e (III) A Miséria da Filosofia, de 1847.

39

39

Com essas obras Marx assenta o que se convencionou chamar, desde a

interpretação engelsiana, materialismo dialético (“a filosofia do marxismo”),

superando, respectivamente, o materialismo ingênuo de Feuerbach, o idealismo

dos filósofos alemães e a estreita filosofia operária de Proudhon. Mas isto é

assunto para o capítulo seguinte – Discutimos na 2ª parte amplamente a

interpretação engelsiana, responsável direta pela construção da “filosofia do

marxismo”, “marxista-leninista”, desde 1917.

40

40

SEGUNDA PARTE

A DIMENSÃO FILOSOFIA EM MARX

CAPÍTULO III

AS OBRAS DE DEFINIÇÃO

Qual a extensão da filosofia em Marx? Essa questão norteia nossos

objetivos sobre a localização da produção intelectual de Marx em dimensões

de conhecimento. No caso primeiro da produção em filosofia, conforme o

esboço biobibliográfico correspondente, vimos que o pensamento de Marx

percorre uma trajetória mensurável: de 1834 a 1847.

A biobibliografia de Marx em filosofia permitiu portanto a periodização

que delimita temporariamente a extensão do pensamento na dimensão.

Não se deve contudo absolutizá-la pois: (I) se o critério objetivo é a

bibliografia do período, há elementos que escapam de uma problemática

estritamente filosófica53; (II) o método dialético que Marx faz uso, afirmando,

negando e superando na síntese, tornam as dimensões relacionáveis,

especialmente a dimensão filosofia, que é assentada incluindo, de forma

crítica, tópicos de história e de economia política54; e (III) o homem Marx se

move num contexto político-filosófico, portanto histórico, que também

determina sua produção na dimensão filosofia55.

Até agora, a extensão da filosofia em Marx tem sido vista pelo enfoque

biobibliográfico. Desenhamos seus limites, seus traços particulares e seu

perfil, de acordo com um esboço que acompanhou a trajetória do homem e

da obra no período de 1834 a 1847. Nossos traços pretenderam (e

pretendem) tocar apenas a superfície, localizando o que parece-nos

essencial para uma apreensão geral do pensamento de Marx em cada uma

das dimensões em particular, a iniciar-se pela filosofia.

Nesta alínea, nosso objetivo é colocar as características fundamentais

para se medir a extensão do pensamento de Karl Marx na dimensão

filosofia. Ainda aqui, dados os limites desta dissertação, ficaremos na

superfície, isto é, localizaremos de acordo com a bibliografia de Marx o que

sua filosofia parece apontar. Com isto, evitamos uma profunda e certamente

exaustiva discussão da filosofia de Marx, inclusive “dentro do marxismo”,

que estaria além dos nossos limites e da dissertação.

41

41

O Ensaio de 1834 e a Carta de 1837

As duas obras de Marx dos anos 30 do século passado ocupam lugares

específicos na dimensão filosofia. Não representam propriamente nenhuma

originalidade, nem tampouco colocam problemáticas que as aproximem do

que se convencionou chamar de “materialismo dialético”. Nem o Ensaio de

1834, nem a Carta de 1837 podem figurar na bibliografia filosófica de Marx

como obras do “materialismo dialético”. Mas qual então os seus lugares na

bibliografia de Marx e na dimensão filosofia?

O Ensaio figura como o primeiro trabalho de Marx que, sem ter um

desenvolvimento filosófico no seu todo, relaciona categorias da filosofia.

Marx diz no Ensaio Reflexões de um Jovem Sobre a Eleição de uma Profissão: “A

história chama grandes a todos os homens que se enobrecem trabalhando

pelo universal”. Há nessa frase uma Ética que destaca na eleição da

profissão o trabalho pela humanidade. Não é ela em si original, como vimos

no esboço biobibliográfico. Contudo, é significativa, pois é coerente com a

prática, sobretudo esta, do homem Marx até o fim de sua vida56.

Outra especificidade do Ensaio de 1834 é que ele relaciona o trabalho

humano (uma base do materialismo dialético) com a história. Se pensarmos

numa ética do trabalho humano, que se realiza no universal, como parece

indicar o trabalho juvenil de Marx, é significativa a relação filosofia/história

que ela comporta. Sobre esta relação, aliás, Marx escreveria em 1844: “É,

em primeiro lugar, a tarefa da filosofia, que está a serviço da história, depois

que foi desmascarada a forma santa da autoalienação humana,

desmascarar a autoalienação em suas formas profanas”57.

Não nos parece entretanto que há no Ensaio qualquer embrião de tópicos

da filosofia que Marx desenvolveria a partir da crítica de Hegel. Na época,

Marx contava apenas 16 anos. É pouco provável, por ex., que Marx tivesse

consciência de que seu Ensaio indicasse uma relação da “unidade da teoria

com a prática”, como teria pretendido A. Cornu. Marx tampouco tinha tal

objetivo no Ensaio. Resolveu seu problema – o Ensaio visava uma avaliação

final do curso – com os instrumentais que possuía na época, que, sem

dúvida, eram os de um jovem de boa formação e de grande inteligência.

Mas no Ensaio havia o traço característico da obra de Marx, o que

chamamos de ousadia criativa. Esta significava a “busca de raras e imaginativas

expressões”, como apontou Wittenbach, seu professor de história na Escola

Superior de Trier.

É pouco provável também que o uso de categorias da filosofia e a

relação destas com a história representassem no Ensaio a mesma

42

42

problemática que teria nas obras dos anos 40. No máximo, diríamos que do

ponto de vista da filosofia a concatenação das categorias homens

(humanidade) e universal, no Ensaio, se ajustam à Ética. Preferimos

enquadrar o Ensaio juvenil de Marx numa ética filosófica a taxá-lo de

“idealista e ingênuo”, como faz Mclellan. Ademais, buscar no Ensaio

relações mais profundas, “mais do que nele há”, com o materialismo

dialético não é pertinente pois este foi uma conquista dos estudos, da prática

política e do método de Marx num período posterior de sua trajetória. Neste

ponto, concordamos com a crítica de Mclellan a Cornu e Mende.

O lugar mais específico do Ensaio de 1834 na bibliografia filosófica de

Marx é o de um trabalho pioneiro que, dentro de uma temática própria,

como trabalho de fim de período escolar, faz uso de categorias da filosofia,

na parte conhecida por Ética. Figura na bibliografia, pois é o primeiro e o

mais antigo trabalho de Marx na dimensão filosofia. No sentido da extensão,

o Ensaio é um ponto distante na circunferência que traça os limites da

dimensão do pensamento de Marx em filosofia.

Mais próximo do centro da filosofia de Marx, do materialismo dialético,

está a Carta de 1837, a famosa carta de Marx ao pai, onde ele confessa sua

“dolorosa” trajetória até Hegel:

“Um véu havia caído, minha sancta sanctorum foi posta à parte e havia que

instalar novos deuses. Deixei para trás o idealismo que, no caminho, havia nutrido

com os de Kant e Fichte e fui buscar a idéia na própria realidade. Se os deuses antes

haviam habitado por cima do mundo, agora se converteram no seu centro”58

.

Segundo um especialista na filosofia de Marx, István Mészaros, com

isso, Marx

“estaria consciente que o desenvolvimento problemático da filosofia, enquanto

universidade alienada, era a manifestação de uma contradição objetiva e se

empenhava no sentido de encontrar uma solução para essa contradição”59

.

Ou seja: transformar o mundo. Para ele, há relação entre a Carta e o

momentum da superação de Marx com a filosofia especulativa, em 1845, na

famosa tese XI sobre Feuerbach, quando Marx diz: “Os filósofos não fizeram

mais que interpretar o mundo de diferentes maneiras; assim sendo, o que importa é

transformá-lo”.

É complexa a relação de Marx com Hegel, Feuerbach e, em geral, com

toda a filosofia clássica alemã. Mais adiante, tentaremos ver como tais

relações se encaixam dentro da dimensão filosofia em Marx. Por ora, é

mister localizar melhor o significado da Carta na bibliografia filosófica de

Marx.

A Carta significa, em primeiro lugar, o abandono do “idealismo romântico”

que Marx curtia. Vimos no esboço que este representava, no plano das

43

43

idéias, o que Marx vivia na prática: uma paixão arrebatadora por Jenny,

alimentada pela influência literária do pai e do barão Westphalen. Marx, por

certo, elevou ao máximo, sublimando, seu amor por Jenny. E nisso,

também, ele foi coerente. O “idealismo romântico” produziu, na área

literária, frutos em forma de poemas, drama e romance inacabados. O seu

desenvolvimento intelectual, até então, estava inextrincavelmente ligado às

emoções que o amor lhe causara. A própria Jenny percebia o fato ao dizer-

lhe:

“Oh Karl, minha tristeza surge precisamente pelo fato de que teu belo, patético

amor apaixonado, tuas descrições indescritivelmente formosas, as arrebatadoras

imagens que conjura tua imaginação e que encheriam de gozo a qualquer outra

mulher, só servem para sentir-me ansiosa e, inclusive, insegura”60

.

A Carta marca esta ruptura, desejada inclusive por Jenny e pelo pai,

preocupado com os devaneios do jovem. Ao considerá-la “dolorosa” Marx,

provavelmente, devia se sentir machucado, pois via frustrar-se o plano de

tornar-se poeta, escritor ou crítico literário. A ruptura, com a consequente

necessidade de ir buscar as “idéias na realidade”, exatamente no sistema

hegeliano, pois este era a realidade contemporânea das idéias alemãs da

época, implicava no abandono da literatura e na adoção da filosofia.

A Carta de 1837 é portanto uma importante obra filosófica de Marx. Mais

por ser um importante documento de início de sua relação com o sistema

hegeliano em particular e com a filosofia alemã em geral, do que por conter

originalidades ou por antecipar as grandes questões do materialismo

dialético.

Marx, ademais, pela formação intelectual, pela personalidade e pelo

gênio que possuía, não se prestava ao papel de discípulo. A Carta portanto

não significa, a priori, uma absoluta conversão ao hegelianismo. Ao

contrário, significa sua oportuna decisão de enfrentar, com consciência do

que representava, o sistema filosófico dominante.

Isto é mais ou menos claro se ligamos o fato à realidade universitária

alemã daquele tempo. Após a Carta, os contatos de Marx com os hegelianos

de esquerda se estreitaram, através do Doktorklub. Não é à toa que sua

filosofia marchou no sentido da crítica à religião e da crítica à política de

Hegel: as duas primeiras obras de Marx após sua tese, escritas em

Kreuznach em 1843, são: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e Sobre a

Questão Judaica. Ambas são frutos das discussões junto aos hegelianos de

esquerda.

Não nos cabe aqui discutir o hegelianismo de Marx desde a Carta de 1837.

Parece-nos que sua relação com o sistema de Hegel foi tácita e crítica. Mais

adiante, quando analisarmos as características de sua filosofia no período

44

44

1843-45, teremos oportunidade de voltar a esta importante questão.

Tampouco discutiremos as razões de I. Mészaros, por ex., no artigo Marx

“Filósofo”, acerca de que Marx tinha já em 1837 consciência da necessidade

de realizar a filosofia na prática, transformando o mundo e não somente

interpretando-o61. Parece-nos também que o que se colocava para Marx era

a realidade contemporânea das idéias do sistema de Hegel sobre o

idealismo romântico que trilhara até então, no ponto exato da ruptura que

significa, enquanto documento que sobreviveu, a Carta de 1837.

Localizaremos agora, dentro da dimensão filosofia, a tese de doutoramento

de Marx de 1841.

A Tese de Doutoramento de 1841

A tese de doutoramento tinha por título a Diferença Entre as Filosofias da

Natureza em Demócrito e Epicuro. Foi trabalhada entre 1839 e 1840, com Marx

portanto já definido pelo método hegeliano de investigação e de exposição.

Em abril, Marx a enviou a Yena; e poucos dias depois, no dia 15 de abril de

1841, obteve in absentia seu grau de doutor. Vimos já os aspectos

importantes do processo na trajetória que esboçamos na biobibliografia de

Marx.

Na tese, o método dialético adotado do sistema hegeliano se faz sentir

na divisão do trabalho. Marx parte do geral e chega ao particular: na primeira

parte da tese, ele discute a Diferença Geral Entre a Filosofia da Natureza em

Demócrito e Epicuro; na segunda, é a Diferença Particular dessas filosofias que

constitui o seu ponto de chegada. Esta relação geral/particular é uma

questão fundamental no seu método de investigação e de exposição62. E foi

Hegel que a expôs com maior clareza e primazia nas suas obras, ainda que

de “cabeça para baixo”, diria Marx depois63.

O lugar da tese na filosofia de Marx é de intermediação entre as obras de

definição de uma problemática (tanto o Ensaio de 1834 quanto a Carta de

1837), e as obras críticas do período pós-jornalismo, i.é as obras que inicia a

partir de 1843. Isto porque o seu objeto de estudo, a filosofia pós-aristotélica

dos atomistas gregos, tomando Epicuro por base, é específico em função do

objetivo de um lugar de dozent em Bonn, onde Bruno Bauer era professor e

garantia um lugar para Marx, desde que terminasse logo o “estúpido

exame”.

Interpretar a tese de Marx dentro da dimensão filosofia tomando por

base a distinção do pensamento marxiano do pensamento marxista, que

ocorreria em 1845, como sugeriu Althusser em Pour Marx e como

45

45

desenvolve J.A.M. Pessanha na Introdução da tese de Marx na versão em

português, é, no mínimo, um exercício intelectual questionável: em primeiro

lugar, não está suficientemente claro que a filosofia marxista, o materialismo

dialético, só se realiza pós 1845. O próprio Lênin, e com ele a escola russa,

já apontava na obra de 1844, a Sagrada Família, os princípios básicos do

materialismo dialético; e por que não antes de 1844, em 1843, por ex., nas

críticas da religião e de Hegel? Estas questões põem em xeque o que já

não é mais novidade, a noção althusseriana de corte epistemológico nas

obras de Marx64.

Em segundo lugar, o “estúpido exame” objetivado na tese deve ser

necessariamente visto à luz da questão prática que significa: a obtenção do

título de doutor e o desejo de ingressar no corpo docente da Universidade

de Bonn. Nesse sentido, como vimos no esboço, é significativo relacionar a

tese com a prática universitária de Marx no Doktorklub. É mais significativo

ainda localizá-la dentro da filosofia dos hegelianos de esquerda, que na época

buscavam demonstrar o ateísmo do sistema hegeliano65.

A tese, contudo, recoloca a relação filosofia/história que detectamos já

no Ensaio de 1834 e que será fundamental para Marx nas obras críticas, como

relação que permite superar a filosofia clássica alemã. Marx diz, justificando o

objeto da dissertação da tese:

“E afinal, se lançarmos um olhar à história, veremos o epicurismo, o estoicismo e

o cepticismo como fenômenos particulares? (...) Não terão uma essência

característica, intensiva e eterna que o próprio mundo moderno foi obrigado a conce-

der-lhes direitos de cidadania intelectual?”

E continua: “Só insisto nesse aspecto para recordar a importância histórica

desses sistemas...”66

Analisando as diferenças entre os materialistas gregos, Marx se define

por Epicuro, pois, como diz Pessanha, é nele “que encontra um tipo de

materialismo capaz de levar à liberdade que sempre principia pela sujeição dos

absolutos transcendentes e aterrorizadores”67

. Ouçamos o próprio Marx, ao

identificar a filosofia de Epicuro: “Epicuro encontra a satisfação e a felicidade na

filosofia”; citando-o, Marx aproxima o ideal de liberdade à tarefa de servir à

filosofia (“servir à humanidade como bem maior”, dizia no seu trabalho juvenil

de 1834): “Pois servir à filosofia significa liberdade”.

Ainda aqui, entretanto, esta questão se insere na filosofia dos hegelianos

de esquerda. Tratava-se, com efeito, de uma filosofia da autoconsciência; esta

autoconsciência (que Marx criticaria em bloco na Sagrada Família) era o

conceito central que os jovens hegelianos, tendo à frente Bruno Bauer,

elaboravam em filosofia.

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46

Parece claro que a tese de doutoramento de Marx não antecipa

nenhuma idéia central do materialismo dialético, a filosofia crítica de Marx. O

método de exposição, como vimos, é similar ao de Hegel, pois deste

provém, sobretudo ao descer do geral para o particular. Movendo-se no

campo de uma história da filosofia, a dos atomistas gregos, Marx se

sustenta na filosofia da autoconsciência, ateia, dos hegelianos de esquerda. E a

tese tinha uma problemática e objetivo específico: um lugar na Universidade

de Bonn. Estas, parece-nos, as características e, por conseguinte, os

lugares da tese na dimensão filosofia. Enquanto obra intermediária, a tese

significa um momentum da trajetória intelectual de Marx até sua filosofia

crítica. Mas, como disse C. Bailey em Karl Marx and Greek Atomism, “é quase

surpreendente ver quanto longe ele chegou, considerando os materiais então

disponíveis”68

.

Concluída a tese e frustrado o plano de ingressar como leitor de filosofia

na Universidade de Bonn, Marx ingressou no jornalismo. Até março de

1843, trabalhou como redator da... Rheinische Zeitung, onde adquiriu não só

conhecimento e prática de redação rápida, mas também uma consciência

política, democrática, frente à realidade alemã, em particular. É a partir do

fechamento da Rheinische Zeitung que Marx começa a filosofia crítica das

obras do período de 1843-45.

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47

CAPÍTULO IV

OBRAS DE FILOSOFIA CRÍTICA

As obras filosóficas do período 1843-45 são, respectivamente, pela

ordem em que foram escritas: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, de 1843,

escrita em Kreuznach, antes de Marx seguir para o exílio de Paris; Sobre a

Questão Judaica, também escrita em Kreuznach, nas mesmas condições; a

Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, que foi publicada no único

número dos Deutsch-Französische Jahrbücher, no início de 1844; os

Manuscritos Econômico-Filosóficos, escritos entre abril e agosto de 1844; e A

Sagrada Família, de 1844-45, que teve a colaboração de Engels em alguns

capítulos. Destas, a Crítica de Hegel de 1843 e os Manuscritos de Paris não

foram publicadas em vida de Marx.

A obra crítica à política e ao Estado de Hegel, de 1843, é na verdade

uma leitura da obra Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, publicada por

Hegel em 1820. Ainda que Marx considere o método de Hegel na

Fenomenologia do Espírito, de 1806, e na Ciência da Lógica, de 1812 – “Na

Lógica, observa-se a mesma transição entre a esfera do ser e a do conceito; e na

Filosofia da Natureza, entre a natureza inorgânica e a vida”69 -, o objeto de sua

leitura é especificamente a crítica da política e do Estado de Hegel. É portanto

uma crítica, onde concorda e discorda de Hegel.

Nesta nossa localização das obras de Marx na dimensão filosofia não nos

parece pertinente tomá-las em relação ao marxismo e portanto diferenciá-las

como obras juvenis do jovem Marx, do Marx da maturidade, etc., como na

cronologia althusseriana. I. é, não partimos de um estudo de Marx dentro do

marxismo. Logo, não se coloca como fundamental a questão

epistemológica de um Marx influenciado, tout court, por Hegel, Feuerbach,

etc. Nossa posição é a de que todo novo conhecimento que se afirma parte

dos materiais existentes em sua época, da forma como os tratou e da forma

como os superou. Por isso, insistimos na trajetória da produção intelectual

de Marx.

É importante entretanto, para uma visão geral do pensamento de Marx,

nosso objetivo, perceber as obras no que elas significam em cada período.

Assim, da mesma forma que localizarmos as obras de 1834 e 1837 e a tese

de 1841, é mister localizarmos as obras de 1843-45 como obras de filosofia

crítica. A periodização, é pertinente em função da temática e da forma como

ela é tratada. Assim, entre 1843-45 Marx inicia sua crítica filosófica ao

sistema hegeliano e aos discípulos mais importantes deste. Por isso,

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48

consideramos as obras deste período como obras de filosofia crítica. Se,

como diversos especialistas demonstraram70, Marx ainda está preso às

categorias, método e críticas de Hegel e de Feuerbach, o que não

discutiremos aqui, isto não implica necessariamente em afirmar com justeza

que as obras deste período se opõem às do Marx pós 1845, quando, de

fato, há o “ajuste de contas” e a superação filosofia clássica alemã.

O que percebemos é uma evolução do pensamento de Marx, de forma

coerente e qualitativamente superior. Afirmamos mesmo que sem esta

trajetória, marcada por influências, Marx não teria chegado a nenhuma

síntese filosófica conhecida por materialismo dialético. Trata-se portanto de

perceber a trajetória, ver que as obras pós 1845 só foram possíveis em

função de um caminho trilhado anteriormente. Nesse sentido, a primeira

obra do período pós-jornalismo a ser localizada é precisamente a leitura de

Marx da obra de Hegel, a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.

1. Obras de Kreuznach:

a) CFDH

Nessa obra há uma passagem bem característica da filosofia crítica, i.é, de

que a filosofia deve ter como ponto de partida os sujeitos reais, os homens

reais:

“Se Hegel tomasse como ponto de partida os sujeitos reais considerados como base

do Estado, não teria necessidade de o subjetivar de uma forma mística. ‘A

subjetividade – diz Hegel – é na realidade um sujeito, assim como a personalidade é

a pessoa’. Isto é igualmente uma mistificação; a subjetividade é uma determinação

do sujeito e a personalidade uma determinação da pessoa. Em lugar de as conceber

apenas como predicados dos seus sujeitos, Hegel torna os predicados

independentes e deixa-os transformarem-se, de forma mística, em seus sujeitos”71

.

Marx, em diversas passagens da CFDH, demonstra que Hegel inverte a

relação real do concreto ao abstrato. Fá-lo tomando por base a relação

sujeito-predicado:

“O que há de importante consiste no fato de Hegel transformar sempre a ideia em

sujeito e fazer do sujeito real propriamente dito, por exemplo, a ‘vocação política’, o

predicado. Mas o que se desenvolve é sempre o predicado”72

.

O que parece fundamental para localizar a obra de CFDH não é

propriamente o avanço de Marx sobre uma filosofia do Estado. Na leitura crítica

que ele faz da Filosofia do Direito de Hegel, o que destacamos é a sua

percepção das contradições do método do grande filósofo prussiano. Hegel

mistifica o real e o concebe como resultado do pensamento, da ideia.

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Criticando o § 262, onde é “formulado todo o mistério da filosofia do direito e da

filosofia hegeliana em geral”, Marx diz:

“A realidade empírica apresentar-se-á tal como é; é enunciada como racional, não

em si mesma, mas porque o acontecimento empírico, na sua existência empírica,

tem um significado distinto de si mesmo”

(Sobre a relação real/racional, ele diz adiante:

“O fato de o racional ser real está precisamente em contradição com a realidade

irracional, que é sempre o contrário daquilo que exprime e que exprime o contrário

daquilo que é” – p. 98).

O acontecimento que serve como ponto de partida não é concebido como tal, mas

sim como um resultado místico”73

.

Coerente com essa percepção da inversão da dialética hegeliana, que

faz da ideia o demiurgo – daí o idealismo de Hegel - , Marx ao contrário dirá

em 1857: “Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento

que se sintetiza em si, se aprofunda em si e se move por si mesmo”...74

.

E ainda, certamente d’accord com tudo isso, continua ele na célebre Introdução de 1857:

“Hegel, por exemplo, começa corretamente sua Filosofia do Direito com a posse

como a mais simples relação jurídica do sujeito. Todavia, não existe posse anterior à

família e às relações de senhor e servo, que são relações muito mais concretas

ainda. Ao contrário, seria justo dizer que existem famílias, tribos, que se limitam a

possuir, mas que não têm propriedade. (...) Pode-se imaginar um selvagem isolado

possuindo coisas, mas neste caso a posse não é uma relação jurídica”.

Esta questão é de método. E Marx percebe – cf. a crítica aos §§ 307 e

308 da CFDH – que a relação de propriedade, na forma jurídica que

assumiu, é histórica, dependendo do desenvolvimento das sociedades. De

forma não tanto segura como expressou em 1857, mas quase que

exatamente no mesmo sentido, ele diz na CFDH:

“A verdadeira razão da propriedade privada, a possessão (posse), é um fato, um fato

inexplicável, não é um direito. É somente através de determinações jurídicas que a

sociedade dá à possessão de fato, que adquire qualidade de possessão de direito, o

caráter de propriedade privada”75

.

Marx desenvolve sua leitura crítica acompanhando Hegel de acordo com

os parágrafos: o método de leitura de Marx é transcrever um parágrafo de

Hegel e comentá-lo. Discute com Hegel em torno da Constituição Interna Para

Si, o Poder Soberano, o Poder Governativo e o Poder Legislativo.

O que se sobressai na CFDH, a nosso ver, é a metodologia de Marx.

Percebe ele o misticismo de Hegel nas relações real/racional,

sujeito/predicado e individual/universal. Metodologicamente Marx tenta ler

Hegel, relacionando sua filosofia aos homens reais e à história. São estas

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relações fundamentais das obras de filosofia crítica do período de 1843-44.

Ademais, sem identificar contra quem investe, Marx aponta os erros de

Hegel e da crítica a este (provavelmente antecipando a famosa Crítica da

crítica, n’A Sagrada Família): “O principal erro de Hegel consiste em tomar a

contradição do fenômeno como unidade no ser, na ideia”... E,

“A crítica vulgar cai no erro dogmático oposto (...) Refere-se sistematicamente a

contradições; no entanto, é uma crítica dogmática que luta contra o seu objeto, do

mesmo modo que antigamente se recusava o dogma da Santíssima Trindade a partir

da contradição entre 1 e 3. A verdadeira crítica (a dos jovens hegelianos ou a dele?),

demonstra a gênese interior da Santíssima Trindade no cérebro humano, descreve a

sua ata de nascimento. Do mesmo modo, a crítica verdadeiramente filosófica... não

se limita a demonstrar a existência das contradições; explica-as, compreende-lhes a

gênese, a sua necessidade”76

.

Uma característica fundamental no pensamento de Marx, em toda a sua

trajetória, também aparece nesta obra de 1843. São as antíteses,

expressadas de forma contundente, necessárias às sínteses que buscava.

Ele diz, por exemplo, nas páginas 26 e 27 da CFDH que usamos: “O momento

filosófico não é a lógica do objeto, mas sim o objeto da lógica. A lógica não serve

para justificar o Estado; pelo contrário, é o Estado que serve para justificar a lógica”.

E, na página 47:

“O homem não existe devido à lei; esta é que existe devido a ele, sendo portanto

uma existência humana, enquanto que nas outras formas políticas o homem é a

existência legal. Eis a diferença fundamental da democracia.”

Para efeitos de comparação, vejamos o que diz Marx numa de suas

obras econômicas: “Não é o valor do salário que determina o valor das

mercadorias, mas sim o valor das mercadorias consumidas pelo operário que

determina o valor do salário”77

. Para melhor comparar, passemos à Questão

Judaica. Ao final, veremos os pontos em comum e as diferenças específicas

entre estas obras de Kreuznach.

b) Sobre a Questão Judaica

Do mesmo período e do mesmo lugar em que foi escrita a CFDH é a obra

Sobre a Questão Judaica. Diferentemente da primeira, que foi mais um caderno

de leitura crítica de Hegel, servindo de base se estudo, não sendo portanto

publicada, Sobre a Questão Judaica foi publicada em fevereiro de 1844 nos Deutsch-Französische Jahrbücher.

A obra era uma crítica, ainda branda, por certo, aos artigos de Bruno

Bauer Die Judenfrage (A Questão Judaica) e Die Fähigkeit der Heutigen Juden

uns Christen, frei zu Werden (Capacidade dos Atuais Judeus e Cristãos para

serem Livres), editados respectivamente em 1843 em Braunschweig, Zurich

e Winterthur. Como era amigo de Bruno Bauer, Marx leu os artigos logo que

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foram editados. E, no final de 1843, provavelmente logo após lê-los,

escreveu sua Zur Judenfrage (Sobre a Questão Judaica).

O primeiro artigo que Marx analisa é Die Judenfrage. Neste, a questão

fundamental discutida é a contradição entre emancipação religiosa e

emancipação política. E resolve-a indo além de Bauer, da seguinte forma:

“O problema das relações da emancipação política com a religião se converte, para

nós, no problema das relações da emancipação política com a emancipação

humana”78

.

E, mais adiante:

“Colocamos, pois, de manifesto como a emancipação política com respeito à religião

deixa em pé a religião, ainda que não uma religião privilegiada. A contradição em que

o fiel de uma religião especial se encontra com sua cidadania não é mais que uma

parte da contradição geral, secular, entre o Estado político e a sociedade burguesa.

A coroação do Estado cristão é o Estado que, professando ser um Estado, se abstrai

da religião de seus membros. A emancipação do Estado com respeito à religião não

é a emancipação do homem real com respeito a ela”.

E conclui da seguinte forma: “Toda emancipação é a redução do mundo

humano, das relações, ao homem mesmo” (Feuerbachiana ou não, é esta a

concepção básica dos Manuscritos Econômico-Filosóficos). Marx diz que essa

emancipação só será possível quando:

“... o homem individual real recobra em si ao cidadão abstrato e se converte, como

homem individual, em ser genérico (a origem dessa expressão se acha em

Feuerbach) em seu trabalho individual e em suas relações individuais; só quando o

homem tiver recorrido e organizado suas ‘forces propes’ (em francês no original)

como forças sociais e quando, portanto, não desliga já de si a força social sob a

forma de força política, só então se leva a cabo a emancipação humana”.

A solução da dita contradição é inspirada na obra de Hegel que Marx lera

e fizera uma Crítica. É na Filosofia do Direito de Hegel que Marx encontra,

diretamente, os subsídios para dizer que emancipação política depende da

redução do homem, enquanto membro da sociedade burguesa e cidadão

do Estado, ao indivíduo egoísta independente e à pessoa moral,

respectivamente. Duas passagens da CFDH servem para comparação.

(I). Criticando o poder soberano ou do Estado, ele diz: “Num Estado onde

toda a determinação existe para si, é necessário que a soberania do Estado seja

consolidada igualmente sob a forma de um indivíduo particular” (o príncipe);

(II). Reconhecendo o mérito de Hegel, mas indo além ele diz:

“A pessoa do direito privada e o sujeito da moral são a pessoa e o sujeito do Estado.

Hegel foi muito atacado devido a sua explicação da moral. Nada mais fez além de

desenvolver a moral do Estado moderno e do direito privado moderno. Tentou-se

separar muito mais a moral do Estado, emancipá-la muito mais. E o que se provou

com isso? Que a atual separação entre o Estado e a moral é moral, que a moral não é

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elemento do Estado e que o Estado não é moral. Cabe a Hegel o grande mérito, em

certo sentido inconsciente (no sentido de que Hegel nos dá o Estado, que tem a

moral como pressuposto, como a ideia real da moralidade), de ter posto a moral

moderna no seu verdadeiro lugar”79

.

É oportuno notar que Marx faz a crítica dos hegelianos a partir do próprio

Hegel. Mesmo na crítica branda ao artigo de Bruno Bauer, percebe-se que

Marx põe contra ele o mestre. No texto, aliás, ele rasga seda com Bauer e diz

que ele coloca em “termos novos o problema da emancipação dos judeus”; diz

ainda, elogiando Bauer, que ele “analisa a antítese religiosa entre o judaísmo e o

cristianismo e esclarece a essência do Estado cristão, tudo isso com audácia,

agudeza, espírito e profundidade e com um estilo tão preciso e rigoroso e

enérgico”80

.

Mas Bauer não escapa da crítica irônica de Marx:

“Bauer incorre em contradições, por não elevar o problema a esta altura (à

emancipação política como emancipação humana; e à dissolução da questão judaica

em ‘problema geral da época’ - nota minha). Põe condições que não tem seu

fundamento na essência da emancipação política mesma. Formula perguntas que

seu problema não contem e resolve problemas que deixam sua pergunta sem

resposta”81

.

A relação de Marx com Bruno Bauer, como vimos já no esboço

biobibliográfico, foi bastante intensa. Da amizade e de objetivos filosóficos

comuns – ambos, Marx por influência de Bruno, militaram sobre o legado de

Hegel – passaram à divergência em questões de metodologia e de

weltanschauung.

Na Questão Judaica, Marx diverge de Bauer sobretudo

metodologicamente quanto ao tratamento dialético que a temática exigia. A

questão é que Marx, diferentemente da Escola hegeliana, já tinha percebido

que o sistema de Hegel não encontrava correspondência na realidade, na

história dos homens reais. E sendo a base desse sistema o método

dialético, que se encontrava de “cabeça para baixo”, pois punha como

demiurgo e fim último a ideia, sendo portanto idealista, logo tratava-se de

desenvolver de outra forma a dialética de Hegel, capaz de superar as

contradições que ela apresentava82. Em 1873, ele explicava nos seguintes

termos a diferença entre o método dele e o de Hegel:

“Meu método não só é fundamentalmente distinto do método de Hegel, sendo que é,

em tudo e por tudo, a antítese dele (sublinhado meu). Para Hegel, o processo do

pensamento, que ele converte, inclusive, sob o nome de ideia, em sujeito com vida

própria, é o demiurgo do real, e isto a simples forma externa em que toma corpo.

Para mim, o ideal não é, pelo contrário, mais que o material traduzido e transposto

para a cabeça do homem”83

.

Há uma evolução coerente do pensamento de Marx. Nos artigos de 1843,

Marx já possuía os elementos básicos – a redução da filosofia à história e

ao mundo real – para a antítese do método de Hegel. E isto não ocorria com

53

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os discípulos do filósofo prussiano. Contra estes, Marx usaria o próprio

mestre para contestá-los, nas obras com Engels, A Sagrada Família e a

Ideologia Alemã. Nesta última diziam:

“Por dependerem de Hegel, nenhum destes modernos críticos tentou sequer fazer

uma crítica de conjunto ao sistema hegeliano, porém todos eles afirmam

convictamente terem ultrapassado Hegel. A polêmica, que contra ele dirigem e que

travam entre si, limita-se ao seguinte: cada um isola um aspecto qualquer do sistema

hegeliano e fá-lo chocar com a totalidade do sistema e com os aspectos que os

outros acharam por bem isolar”84

.

O distanciamento de Marx com Bauer, tal como com Proudhon em

questões econômicas e políticas, se deu também no plano da

weltanschauung. A trajetória de Marx ia de encontro ao comunismo a partir

da perspectiva histórica do proletariado; estes, ao contrário, quedaram-se

respectivamente na “crítica absoluta” da Allgemeine Literatur-Zeitung (A

Gazeta literária Universal de Bruno Bauer e consortes), e no caso de

Proudhon, no anarco-sindicalismo que, além de teoricamente falso, era

inconsequente para a sociedade futura, segundo Marx. Prova-o sua quase

extinção, atualmente; sua “história de nenhuma vitória”.

Além de resolver a contradição entre a emancipação política e religiosa

no plano geral da emancipação humana, a primeira parte de Sobre a Questão

Judaica se caracteriza por pelo menos três outros aspectos.

O primeiro é em torno da questão metodológica de saber formular um

problema: “Formular um problema é resolvê-lo”, diz Marx. E, mais adiante,

como vimos, que Bauer “formula perguntas que seu problema não contém e

resolve problemas que deixam sua pergunta sem resposta”. E o que faz Marx?

Resolve ironicamente o problema, após tê-lo formulado da seguinte forma:

“Antes de poder emancipar a outros, temos que começar por emancipar-nos a nós

mesmos”85.

É curioso notar, a favor de uma coerência evolutiva no pensamento de

Marx, o que ele colocava, mais ou menos, no mesmo sentido em 1859, no

Prefácio famoso:

“(...) É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver,

pois se se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria

tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já existem, ou, pelo

menos, são captadas no processo de seu devir”86

.

O segundo aspecto para localizar ainda mais a primeira parte da Questão

Judaica é a discussão em torno da emancipação política na forma da lei. Isto é, a

contradição entre teoria e prática nas sociedades políticas. Sobre a questão

dos direitos do homem e do cidadão, Marx reduz a emancipação política em torno

do direito ou da lei à sua verdade histórica, no caso, ao seu corolário na

sociedade burguesa:

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“Registremos, antes de tudo, o fato de que os chamados direitos humanos, droits de

l’homme, à diferença dos droits du citoyen, não são outra coisa que os direitos do

membro da sociedade burguesa, é dizer, do homem egoísta, do homem separado do

homem e da comunidade”.

Demonstra, com grande propriedade, que mesmo a “mais radical das

constituições, a Constituição de 1793”, ao assegurar que l’égalité, la liberté, la

sûreté e la proprieté são “direitos naturais e imprescritíveis”, é contraditória na

prática:

“(I) A aplicação prática do direito humano da liberdade é o direito humano da

propriedade privada;

(II) L’égalité, considerada em seu sentido não-político, não é outra coisa que a igualdade

de liberté... de propriedade privada;

(III) A seguridade é o supremo conceito social da sociedade burguesa, o conceito da

polícia, segundo o qual toda sociedade existe somente para garantir a cada um dos seus

membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade”87

.

Enfim, discutindo a questão fundamental da sociedade burguesa, o

direito de propriedade privada, Marx discute (antecipadamente em relação ao

materialismo dialético pós 1845) a evolução histórica das sociedades feudal

e burguesa, do ponto de vista do homem:

“A sociedade feudal se achava dissolta (dissolvida) no seu fundamento, no homem,

mas no homem tal e como realmente era seu fundamento, no homem egoísta. Este

homem, o membro da sociedade burguesa, é agora a base, a premissa do Estado

político. E como tal é reconhecido por ele nos direitos humanos”88

.

Na segunda parte de Sobre a Questão Judaica, Marx retoma a crítica branda

ao artigo de Bauer, Sobre a Capacidade dos Atuais Judeus e Cristãos para serem

Livres. A questão continua a mesma, i.é, nas palavras de Marx: “Bauer

converte aqui o problema da emancipação dos judeus numa questão puramente

religiosa”89.

Para Marx, ao contrário, em primeiro lugar, é necessário ver a questão

sob o ponto de vista geral da humanidade e do mundo atual: “A capacidade

de emancipação do judeu atual é a atitude do judaísmo ante a emancipação do

mundo de hoje”90.

Dissolve, por outro lado, o judeu às suas essências “A necessidade prática,

o interesse egoísta”; e o culto ao seu deus secular, o dinheiro91.

A seguir, Marx relaciona o interesse egoísta e o dinheiro, essências

judaicas, com o cristianismo e a sociedade burguesa: “O judaísmo chega a seu

apogeu com a coroação da sociedade burguesa, mas a sociedade burguesa só se

coroa no mundo cristão”92.

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Percebendo a questão tal como se coloca historicamente na sociedade

burguesa, Marx diz: “Os judeus têm-se emancipado, na medida em que os cristãos

fazem-se judeus”93.

E, finalmente, caminhando no sentido da antítese à dialética hegeliana,

num momentum claro de superação sobre Bruno Bauer, ele diz: “Não

busquemos o mistério do judeu na sua religião, mais sim busquemos o mistério da

religião no judeu real”94

. “A emancipação dos judeus é, em última instância, a

emancipação da humanidade do judaísmo”95

. “A emancipação social do judeu é a

emancipação da sociedade do judaísmo”96

.

As obras de filosofia crítica de 1843, obras de kreuznach, têm pontos gerais

em comum e diferenças específicas.

Ambas foram escritas no período pós-jornalismo da Gazeta Renana.

Ambas foram escritas na cidade de Kreuznach – 80 km do Trier, onde,

nessa época, viviam Jenny e a mãe e onde Marx casou -, no verão de 1843.

E, o que é mais importante, ambas foram escritas sob o impacto da filosofia

hegeliana em Marx – impacto este, como tentamos demonstrar, não tão

absoluto, já que Marx criticava Hegel quanto à inversão (“Hegel, que inverte

tudo isso”... Cf. CFDH, p. 134) e o consequente misticismo do filósofo

prussiano na obra CFDH e na Questão Judaica, criticando Bauer e, en passant,

Hegel.

Quanto às differentia specifica destacamos as seguintes:

(I)

(II) A CFDH foi uma leitura crítica, um rohentwurf (rascunho) não preparado

para publicação, em que o método de Marx consistia em copiar um

parágrafo da Filosofia do Direito de Hegel, para em seguida fazer a

crítica, acrescentando seus próprios parágrafos; já em Sobre a

Questão Judaica, o objetivo foi publicá-la no primeiro número dos Anais

Franco-Alemães, revista que Marx e Ruge planejavam editar em Paris,

consequentemente seguia uma exposição já própria do estilo de

Marx;

(III) Enquanto que na CFDH Marx criticava a concepção de Estado de

Hegel, chegando a taxá-lo de servil

(“Vê-se que o autor está totalmente contaminado pela miserável arrogância do

funcionalismo prussiano que, com o seu limitado espírito burocrático, olha

desdenhosamente a ‘confiança em si mesma’ da ‘opinião subjetiva do povo’. Para

Hegel, o ‘Estado’ identifica-se com o ‘governo’” – 97

),

na Questão Judaica a temática é outra: a contradição entre emancipação

política e religiosa;

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(I) na CFDH, Marx exercita contra Hegel sua antítese dialética; na Questão

Judaica, aplica-a contra Bruno Bauer;

(II) na CFDH, Marx não resolve a temática ao nível de historicidade

contemporânea; na Questão Judaica, ao contrário, é sob o pano de

fundo da sociedade burguesa que ele dissolve a contradição entre

emancipação religiosa e política.

Estes, a nosso ver, os principais pontos em comum e as diferenças

específicas que permitem a aproximação das duas primeiras obras de

filosofia crítica de Marx. E, talvez mais importante ainda, elas se encaixam,

de forma coerente e lógica, na dimensão filosofia como obras primeiras de

definição crítico-metodológica, como duas das primeiras obras de filosofia

crítica de Marx contra o sistema hegeliano e discípulos. São as obras de

Kreuznach.

2. As Obras de Paris

A bibliografia de Marx no período 1843-44 completa-se com as seguintes

obras: 1) Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (Zur Kritik der

Hegelschen Rechtsphilosophie Einleintung), de 1844; 2) Manuscritos

Econômico-Filosóficos, ou Manuscritos de Paris, de 1844: e 3) A Sagrada

Família (Die Heilige Familie), também escrita em 1844, com alguns capítulos

assinados por Engels.

Estas obras possuem, como veremos, características várias. São,

entretanto, obras escritas sob significativo impacto espaço-temporal: em

primeiro lugar, por terem sido escritas em Paris, capital dos exilados e

cidade que reunia a elite de esquerda da Europa; em segundo lugar, por

terem sido escritas sob as influências que o movimento de massas exercia

então: gradativamente Marx abandonaria a perspectiva teórico-especulativa

por uma interferência prática no movimento de massas98; é significativo o artigo

de Marx, O Rei de Prússia e a Reforma Social. Publicado em 1844 no Vorwärts

(Adiante), abordando favoravelmente a rebelião dos tecelões silesianos.

Reunimos aqui estas três obras de filosofia crítica como obras de Paris.

Dentro da dimensão filosofia em Marx, estas obras localizam-se a um passo da

superação da filosofia clássica alemã e, conseqüentemente, a um passo do

materialismo dialético, de acordo com a definição consagrada de Engels. Das

três, só os Manuscritos Econômico-Filosóficos não foi publicado em vida de

Marx, já que só foi “descoberto” em 1931, causando, desde então,

bastantes polêmicas, sobretudo por conter um humanismo estranho, no seu

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desenvolvimento, a outras obras de Marx. Vejamos agora cada obra em

particular.

a) A Introdução de 1844

A Introdução de 1844 (ICFDH) é, por algumas passagens de brilho e vigor

literário crítico – “A religião é o ópio do povo”; “Há que ensinar ao povo assustar-se

de si mesmo, para infundir-lhe ânimo”; “Ser radical é atacar o problema pela raiz. E a

raiz, para o homem, é o homem mesmo”; etc. - , uma das mais famosas e

citadas da bibliografia de Marx.

Nesta obra, Marx aprofunda os eixos da crítica à religião e ao Estado,

que fizera especificamente na leitura crítica de 1843. Desenvolve pela

primeira vez a concepção de emancipação política, tendo à frente uma classe

especial, o proletariado. Desenvolve ainda a emancipação política a nível

nacional, relacionando França e Alemanha. E, também fundamental ao

materialismo dialético, desenvolve as relações entre história e filosofia,

deixando claro que a filosofia se realiza na história.

A crítica à religião, como já tivemos oportunidade de observar, era a base

da crítica a Hegel pela Escola hegeliana de esquerda. Para os hegelianos de

esquerda dos anos 40, trata-se de demonstrar sua filosofia da autoconsciência,

demonstrando o ateísmo embutido no sistema de Hegel: o filósofo prussiano,

segundo eles, não pudera, por suas funções no Estado, declarar-se ateu99.

Enfim, acreditavam que a crítica à religião completaria o sistema de Hegel,

além de libertar o homem através da autoconsciência.

Marx entrou em contato com a Escola hegeliana quando esta já estava

formada. Sua entrada no Doktorklub pô-lo em contato com os hegelianos de

esquerda, levando-o à amizade e depois à crítica a sua maior cabeça, Bruno

Bauer. A crítica à religião por Marx começa, com efeito, sobre Bruno Bauer.

Depois, como veremos adiante, é Feuerbach, que teria ido mais a fundo no

sistema de Hegel, o elemento a ser superado100.

Marx inicia a Introdução de 1844 dizendo: “Na Alemanha, a crítica da

religião já chegou, no essencial, a seu fim, e a crítica da religião é a

premissa de toda crítica”101.

Este “no essencial” significa que a esfera religiosa desceu à terra: o

fundamento da crítica irreligiosa, diz Marx, é: “o homem faz a religião; a religião

não faz o homem”.

No centro da crítica à religião, se coloca portanto o homem E “o homem é

o mundo dos homens”. Logo, se se tem que libertar o homem do “vale de

lágrimas que a religião rodeia de um halo de santidade”, a crítica da religião é a

crítica do Estado e da sociedade, no “mundo invertido”, já que “a religião é a

teoria geral deste mundo”.

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Não discutiremos aqui o alcance do que Marx coloca; se é de Feuerbach

que ele extrai tal concepção, ou se o marxismo é um humanismo, já desde aqui

por situar o homem como centro da problemática religiosa. Toda

problemática religiosa da Introdução de 1844 é, aliás, ideológica e política.

Como nessa passagem:

“A crítica da religião desengana o homem para que pense, para evitar que atue e

organize sua realidade como um homem desenganado e que já entrou na razão, para

que gire em torno de si mesmo e de seu sol real. A religião é somente o sol ilusório

que gira em torno do homem quando este não gira em torno de si mesmo”.

A nosso ver, para se localizar a crítica da religião por Marx, é necessário

relacionar as obras Sobre a Questão Judaica com a Introdução de 1844 e

também com A Sagrada Família. Assim percebemos que a crítica à religião é,

em Marx, a filosofia crítica ao sistema hegeliano plasmada por seus discípulos

em crítica à religião. Ironicamente, a propósito, a crítica de Marx – e

também de Engels – chega ao seu “ajuste de contas” na Ideologia Alemã,

quando os discípulos de Hegel são jocosamente chamados de “São bruno”,

“São Max”, etc.

Mas, ao colocar a crítica da religião como premissa de toda crítica, pois

“desmascara a verdade do além”, Marx é coerente ao relacionar religião,

filosofia e história: (I) a crítica à religião desmascara a “forma de santidade da

auto-alienação humana”; (II) logo, a tarefa da filosofia (“que se encontra a

serviço da história”) é “desmascarar a auto-alienação em suas formas profanas”; e

(III) cabe à história “averiguar a verdade do mais aqui”102.

Considerando, com Marx, que “no essencial”, a crítica da religião chegou

ao seu fim, trata-se de ver a relação história/filosofia. I.é, como ele coloca

na Introdução de 1844 tal relação.

Já vimos que a intuição de uma necessidade do homem realizar-se na

história encontra-se, numa frase é certo, no Ensaio de 1834. Não há dúvida

de que tal intuição é o bom proveito que Marx sacou das lições do seu

professor de história, a quem dirigiu o Ensaio. Na Tese de 1841, mesmo

porque a temática exigia, Marx se envolvia com a filosofia da história ou a

história da filosofia e, citando Epicuro, dizia que “servir à filosofia significa

liberdade”. Nas obras de Kreuznach de filosofia crítica, Marx negava o

misticismo hegeliano e pedia uma “história dos homens reais”. Enfim, tal

relação encontra um outro significado, é dizer, uma outra conotação aqui na

Introdução de 1844103.

Marx, por exemplo, justifica seu objeto (A Crítica da Filosofia do Direito

de Hegel) de duas maneiras:

(I) “A filosofia alemã do direito e do Estado é a única história alemã que se acha de

acordo com o presente oficial moderno”;

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(II) “A exposição que se segue (...) se atém a uma cópia (o original seria a obra de

Hegel tomada diretamente, o que já havia feito), à filosofia alemã do direito e

do Estado, pela simples razão de que se atém à Alemanha”104.

A Introdução de 1844, nesse caso, antecipa não a concepção de revolução,

mas a de emancipação política; não a nível internacional, mundial, mas a nível

nacional, tomando por base as diferenças entre França e Alemanha.

Antecipa, de forma insegura, sem o domínio de categorias e do movimento

da história a partir da luta de classes, o Manifesto Comunista ao colocar o

proletariado como a classe especial e fundamental à emancipação da

humanidade. Claro que no sentido acima posto, de que o homem precisa

desalienar-se para “girar em torno de si mesmo”, e de que isto passa pela crítica,

respectivamente religiosa, filosófica e histórica.

Extraímos aqui passagens significativas dessa interpretação:

(I) “É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, que

o poder material tem que derrocar-se por meio do poder material, mas

também a teoria se converte em poder material tão pronto quanto se

apodera das massas. E a teoria é capaz de apoderar-se das massas

quando argumenta e demonstra ad hominen, e argumenta e demonstra ad

hominen quando se faz radical. Ser radical é atacar o problema pela raiz.

E a raiz, para o homem, é o homem mesmo”105

.

(II) “Em uma palavra, não podereis superar a filosofia sem realizá-la”106

.

(III) “A emancipação do alemão é a emancipação do homem. A cabeça desta

emancipação é a filosofia, seu coração, o proletariado. A filosofia não

pode chegar a realizar-se sem a abolição do proletariado; o proletariado

não pode chegar a abolir-se sem a realização da filosofia”107

.

É oportuno notar, contra os que vêem um pré-marxismo antes de 1845,

um “Jovem Marx”, que Engels – o co-realizador do marxismo – dizia a mesma

coisa em 1886, no seu Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã: “O

movimento operário na Alemanha é o herdeiro da Filosofia Clássica Alemã”108.

Do ponto de vista da localização dessa obra de Marx na dimensão

filosofia, o mais importante é destacar que a superação da filosofia clássica alemã

no sentido da síntese do materialismo dialético torna-se gradativamente mais

próxima com a concepção de que a filosofia deve se realizar na história e de que

esta, no mundo moderno, é a intervenção dos homens e de uma classe

especial – o proletariado – no social. Marx superará a filosofia clássica alemã

introduzindo contra esta os elementos de um materialismo histórico e

introduzindo os elementos da ciência capaz de desvendar os mistérios da

sociedade burguesa, a Economia Política109.

b) Os Manuscritos de Paris

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De acordo com o próprio Marx, os estudos preliminares de economia

que levaram à redação dos Manuscritos Econômico-Filosóficos datam de 1843-

44: “Nos anos de 1842-43, como redator da Gazeta Renana... deram-me os primeiros

motivos para ocupar-me de questões econômicas”110.

Mas

“... a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política.

Comecei o estudo desta matéria em Paris – Marx chegou a Paris em outubro de 1843

-, mas tive que continuá-la em Bruxelas, para onde me transferi em conseqüência de

uma ordem de expulsão do Sr. Guizot”111

.

O que motivou realmente Marx para o estudo da Economia Política de

forma aprofundada, entretanto, foi o Esboço de Uma Crítica à Economia Política

(“o genial esboço”) redigido por Engels em fins de 1843 e enviado aos Anais

Franco-Alemães.

A obra de Engels que Marx cita no Prefácio de 1859, Lage der Arbeitendem

Klase in England (A Situação da Classe Trabalhadora Na Inglaterra),

afirmando que teria chegado, “por outro caminho”, ao mesmo resultado que

ele, foi na verdade o resultado do “genial esboço”, sendo publicada em

Leipzig, em 1845. Nesse sentido, é pertinente a afirmação de Ernest

Mandel sobre a Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx:

“Se Marx desenvolveu quase sozinho toda a parte econômica da teoria marxista, é a

Engels que se deve a honra de primeiro ter levado Marx ao estudo da Economia

Política e de ter compreendido, num ‘genial esboço’, a importância central dessa

ciência para o comunismo”112

.

É importante perceber a trajetória de Marx no estudo da economia

política, pois ela revela o momentum em que ele introduz esta ciência para a

crítica da filosofia. Os Manuscritos de Paris, sob esse ponto de vista,

significam que a filosofia crítica desse período é enriquecida com os aportes

que a ciência econômica traz à compreensão da sociedade burguesa.

Ademais, a trajetória revela também a insegurança de Marx quanto aos

objetivos ao tomar contato com a economia, em especial com o Esboço de

Engels. É talvez menos insegurança e mais entusiasmo irrefletido, como

quando se é jovem e se depara com um horizonte, uma idéia ou um mundo

amplo em perspectivas e promessas.

Por exemplo, sob o impacto que a economia política lhe causara, Marx

inicia os Manuscritos de Paris visando uma grande obra. Após ler o Esboço de

Engels, Marx, que prometera nos Anais dar segmento à Introdução de 1844

escrevendo uma Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, é forçado a mudar de

ideia e de justificar sua nova posição:

“Já anunciei no Deutsch-Französlscher Jahrbücher uma crítica do Direito e da

ciência política sob a forma de crítica à filosofia hegeliana do Direito. Entretanto

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(caberia aqui usar contra Marx a mesma ironia que fez aos que no mesmo sentido

usaram ‘mas’..., ‘entretanto’..., ‘porém’... etc., dizendo: entretanto!), ao preparar o

trabalho a ser publicado, ficou evidente que seria assaz inconveniente... Ademais

(Ademais!), eu só poderia comprimir tal riqueza e diversidade de assuntos em um

único livro se escrevesse em estilo aforismático... Por conseguinte (Por

conseguinte!), publicarei minha crítica do Direito, Moral, Política, etc., em diversos

opúsculos separados... e por fim... apresentarei o conjunto inter-relacionado. É por

isso que, no presente trabalho, as relações da Economia Política com o Estado, o

Direito, a Moral, a vida civil etc., são apenas abordados na medida em que a própria

Economia Política trata desses assuntos”113

.

Esta extensa citação evidencia que por esse período Marx não se

mostrava absolutamente seguro quanto aos projetos intelectuais, em

função, por certo, do impacto que a economia lhe causara – se se olha à

frente, vê-se que o caminho que o levaria a’ O Capital foi bastante

tortuoso114.

As justificativas de Marx são, na verdade, um recurso válido. O que

importa não é ele ter cumprido o que prometera, mas ter tido escrúpulos

(marca da seriedade científica) de segurar os Manuscritos e não publicá-los,

enquanto não estivesse claro para ele mesmo o domínio da Economia

Política. Tais escrúpulos, aliás, o acompanhavam na redação d’ O Capital e,

inclusive, dificultaram sua publicação115.

Dito isto, não se poder ter como critério de análise dos Manuscritos de

Paris, nem mesmo a afirmação de Marx ainda no Prefácio aos Manuscritos:

“Não é preciso assegurar ao leitor familiarizado com a Economia Política que minhas

conclusões são o fruto de uma análise inteiramente empírica, baseadas em um

meticuloso estudo crítico da Economia Política”.

Por que causaram então tanta celeuma os Manuscritos de Paris? Por que,

como fiz Mclellan, “estes documentos foram aclamados por alguns, quando foram

totalmente publicados em 1932, como sua obra mais importante?”116. Estas

questões talvez fossem melhor respondidas dentro da relação

marxismo/Marx. Não é objetivo desta dissertação tal relação. Não

poderíamos contudo nos furtar de colocá-las aqui. De alguma forma, os

especialistas que estudaram os Manuscritos de Paris com relação à obra de

Marx e ao marxismo parecem ter se dividido entre os que afirmam uma

perspectiva humanista na filosofia de Marx e os que a negam117.

Sobre os Manuscritos de Paris, é mister que se diga mais, no sentido de

localizá-los melhor. Não há portanto dúvida de que eles foram escritos para

serem publicados pois, como vimos, Marx se dirige “ao leitor familiarizado com

a Economia Política”, assegurando que suas conclusões são “baseadas em um

meticuloso estudo crítico da Economia Política”118. Por que então nos os

publicou?

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Sugerimos acima que Marx segurou os Manuscritos de Paris por não

considerá-los adequados, do ponto de vista científico, para a publicação -

possivelmente após a crítica de Engels, mais familiarizado com aquela

ciência.

Se considerarmos o tempo em que ele travou conhecimento com a

Economia Política – entre o final de 1843 e início de 1844 – e a redação dos

Manuscritos de Paris – abril/agosto de 1844 – fica claro que, apesar da

voracidade de leitura de Marx e de sua prodigiosa capacidade de trabalho,

mesmo assim, ele não poderia tratar das questões da ciência econômica,

senão de um ponto de vista filosófico, crítico certamente, mas de acordo

com sua formação anterior.

Os Manuscritos de Paris, com efeito, baseiam-se em grande parte, nas

categorias filosóficas que Feuerbach introduzira em Das Wesen der

Christentums (A Essência do Cristianismo); como “ente-espécie”, “vida

espécie”, etc. Assim, Marx, definindo o homem, por oposição ao animal, diz:

“O homem é um ente-espécie não apenas no sentido de que ele faz da comunidade

(sua própria, assim como as de outras coisas – parênteses de Marx) seu objeto,

tanto prática quanto teoricamente, mas também (e isso é simplesmente outra

expressão da mesma coisa – id.) no sentido de tratar-se a si mesmo como a espécie

vivente, atual, como um ser universal consequentemente livre”119

.

Esta, aliás, é uma das tantas passagens obscuras, confusas, que os

Manuscritos de Paris apresentam. E isto no sentido de que a crítica de Marx é

basicamente uma crítica filosófica à Economia Política; uma crítica que em

pontos-chaves se fundamenta em categorias-pontes de Ludwig Feuerbach.

Por outro lado, Marx usa excessivamente expressões como “vida humana

alienada”, “ser essencial”, “consciência espécie”, “essência humana”, “alienação”,

etc., como expressões ou categorias filosóficas criadas por Marx ou sacadas

de Feuerbach, não importa que comprometiam a “análise inteiramente

empírica” que Marx anunciava no Prefácio.

Não havia, na verdade, uma “análise inteiramente empírica”, se se “entende

por esta uma análise axiologicamente desvinculada”, disse um comentador dos

Manuscritos de Paris120. Marx, ao contrário, por exemplo, na parte que

relaciona propriedade privada e comunismo (3º Manuscrito) posiciona-se

francamente:

“A partir daqui, ver-se-á como, em lugar da riqueza e pobreza da Economia Política,

teremos o homem rico e a plenitude da necessidade humana. (...) Não só a riqueza,

como também a pobreza do homem, adquire, em uma perspectiva socialista, o

significado humano e portanto social. (...) O ímpeto da entidade objetiva (o que é?)

dentro de mim, a erupção sensorial de minha atividade vital, é a paixão que aqui se

torna a atividade de meu ser”121

.

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Não se trata com isso, porém, em concluir que os trabalhos científicos

de Marx, especialmente considerando sua obra máxima, O Capital, são

axiologicamente neutros. Ao contrário, é mérito de Marx ter demonstrado

que em sociedades de classes não há neutralidade: a própria Economia

Política, segundo ele, denuncia na sua história determinados “pontos de

vista”122. Mas há uma enorme diferença entre os escritos de 1844 e os que

foram publicados a partir de 1867. Nos primeiros, a crítica econômica de

Marx é filosófica; nos segundos, a Crítica da Economia Política (subtítulo d’O

Capital) é científica.

O que descaracterizava a “análise inteiramente empírica” de Marx, também,

são os pronunciamentos dramáticos

(“Chegamos à conclusão de que o homem, o trabalhador, só se sente livremente

ativo em suas funções animais – comer, beber e procriar, ou no máximo também em

sua residência e no seu próprio embelezamento -, enquanto que em suas funções

humanas se reduz a um animal. O animal se torna humano e o homem se torna

animal” -123

)

e os juízos sacados da literatura (“... o dinheiro é o proxeneta entre a necessidade

e o objeto; entre a vida humana e os meios de subsistência. Mas o que medeia minha

vida medeia a existência de outros homens. Ele é para mim outra pessoa” -124).

Ora, o que tentamos dizer é que Marx deve ter percebido, por si só ou

por Engels, que deve ter lido os Manuscritos de Paris logo depois de escrito -

é de 28 de agosto de 1844 o encontro em que ambos acertaram a

colaboração que deveria durar até a morte de Marx -, que eles não

deveriam ser publicados, pois além de obscuros em alguns pontos, não

respondiam a contento o que Marx colocava no Prefácio, como “baseado em

análise inteiramente empírica e em um meticuloso estudo crítico da Economia

Política” (a paráfrase é nossa). É provável que Engels tenha dissuadido Marx,

pois estava muito mais familiarizado com tal ciência.

Sob este ponto de vista, localizar os Manuscritos de Paris na dimensão

filosofia, implica em caracterizá-lo como uma obra de filosofia crítica à

Economia Política. Uma obra que não atendeu aos objetivos propostos, pois

Marx não poderia ser preciso nessa crítica se não dominava a Economia

Política.

Desde os Manuscritos de Paris, Marx não se propôs a escrever sobre

Economia Política. Uma dia antes de seguir para o exílio em Bruxelas,

firmou um contrato com o editor Karl Leske, de Darnstadt, por um livro com

o título Crítica da Economia e a Política, que nunca escreveu125. Isto confirma o

que dissemos acima: Marx só faria uma crítica científica da Economia Política

quando tivesse domínio dessa ciência, o que só começa a ocorrer,

objetivamente, quando redige a famosa Introdução de 1857 e posteriormente,

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em 1859, quando publica o primeiro trabalho propriamente econômico, a

Contribuição à Crítica da Economia Política.

Os Manuscritos de Paris, contudo, colocava questões que Marx

desenvolveria em outras obras até O Capital. Em economia, a partir de

categorias básicas desta, como trabalho, propriedade privada (“A Economia

Política parte do fato da propriedade privada; não o explica” – p. 89), divisão do

trabalho e produção, Marx desenvolveria concepções originais.

A categoria trabalho, por exemplo, seria discutida amplamente na obra

Teorias Sobre a Mais Valia (Theorien über den Nehrwert) tomando-se por base

a distinção entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo. A alienação do

trabalho, a questão central dos Manuscritos de Paris, seria retomada n’O

Capital no capítulo inicial sobre a mercadoria. A relação de posse e não-posse

dos meios de produção, n’O Capital, relação em última instância de propriedade

privada, que Marx já vinha discutindo antes de 1844, como vimos, nortearia

a crítica de Marx na sua obra máxima. E ainda n’O Capital Marx faria uma

história da divisão do trabalho126.

Quanto à dimensão da história, os Manuscritos de Paris também

antecipava temáticas a serem desenvolvidas a partir de 1848, com o

lançamento do célebre Manifesto Comunista, dele e de Engels. Nesse

particular, destaca-se a 2ª. seção do 3º Manuscrito, intitulada Propriedade

Privada e Comunismo. Sobre este ele diz:

“O comunismo é a fase da negação da negação (categoria hegeliana que na dialética

marxiana significa síntese) e é, por conseguinte, para a próxima etapa do

desenvolvimento histórico, um fator real e necessário na emancipação e reabilitação

do homem. O comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro

imediato, mas o comunismo não é em si mesmo a meta do desenvolvimento – a

forma da sociedade futura”127.

E na dimensão filosofia, os Manuscritos de Paris significam que para a

superação da filosofia clássica alemã foram necessários os aportes de

Economia Política. É a perspectiva de uma história dos homens reais, de

uma história em movimento, somada à análise da sociedade moderna, a

sociedade burguesa, capaz somente, a partir do ponto de vista da

Economia Política, conforme Marx, que a filosofia crítica chegará ao

materialismo dialético dos anos 1845-47.

Com efeito, se Marx introduz contra Hegel um materialismo histórico,

dialetizando não mais a partir da consciência, mas do ser real, do ser social,

introduz contra a crítica moderna, i.é, a crítica da escola hegeliana, os

resultados de uma análise objetiva da sociedade, a partir da Economia

Política. A exceção da crítica de Marx nos Manuscritos de Paris é, como se

sabe, Ludwig Feuerbach.

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Já no Prefácio dos Manuscritos ele dizia:

“A crítica positiva, humanista e naturalista tem início com Feuerbach. Os trabalhos

menos espetaculares de Feuerbach são os mais certos, profundos, extensos e

duradouros em sua influência; eles são os únicos desde a Fenomenologia e a Lógica

de Hegel que contém uma verdadeira revolução teórica”128

.

E na CFDH, p. 162, “há um falso positivismo em Hegel”. Também diz Marx

ainda no último Manuscrito, adotando o naturalismo: “vemos, também, como só o

naturalismo está em condições de compreender o processo da história mundial”129.

Para Marx, com Feuerbach, o naturalismo e o humanismo distinguiam-se do

idealismo e materialismo ingênuo; e adotava aquela concepção pois ela unia o

essencial de ambas Weltanschauung (materialismo e idealismo). Marx, mais

adiante, não compartilhará de tal perspectiva feuerbachiana130.

Ainda sobre Feuerbach, Marx o considerava a “única pessoa” que “levou

de vencida a velha filosofia” e, continuando, arrola as grandes realizações de

Feuerbach:

(I) “Ter mostrado a filosofia nada mais ser do que a religião trazida para o

pensamento e desenvolvida por este, devendo ser igualmente condenada

como outra forma e modo de existência da alienação humana”;

(II) “Ter lançado os fundamentos do materialismo genuíno e da ciência positiva, ao

fazer da relação social do ‘homem para homem’ o princípio básico de sua

teoria”;

(III) e “Ter-se oposto à negação que alega ser o positivo absoluto um princípio

auto-subsistente, positivamente baseado em si mesmo”131.

É inegável que, do ponto de vista epistemológico, os Manuscritos de Paris

são uma filosofia crítica à Economia Política bastante dependente de Ludwig

Feuerbach. Nem Marx, nem Engels, a propósito, negaram esta influência

feuerbachiana132. Não é certo contudo reduzir esta obra a uma perspectiva

absolutamente feuerbachiana.

Vimos, ao contrário, que a trajetória de Marx até aqui tem sido marcada

por influências de homens, da época e de ideias dominantes. Mas há nas

obras filosóficas de Marx uma postura crítica, mesmo quando faz uso de

concepções de outros filósofos. Por outro lado, ele não esconde tal uso.

Logo, as influências de Hegel e de Feuerbach sobre o pensamento de

Marx, como vimos colocando, são referências em função de uma trajetória

que o seu pensamento percorre. Marx, repetimos, não chegou a ser

discípulo, ainda que não tenha nascido mestre. Seu pensamento flui de

maneira coerente e qualitativamente superior em relação aos trabalhos

precedentes.

66

66

Assim, da mesma forma que os Manuscritos de Paris estão além da crítica

filosófica anterior, sua última obra do período de filosofia crítica, A Sagrada

Família ou a Crítica da Crítica Crítica, é o último passo em direção ao

materialismo dialético. Ainda aqui, como veremos a seguir, Marx – e

também Engels – critica a escola hegeliana de um ponto de vista

feuerbachiano, ainda que com a devida reserva crítica.

c) A Sagrada Família

Numa carta a Engels, em 24.4.1867, Marx, referindo-se a uma releitura

d’A Sagrada Família, diz: “Me surpreendeu agradavelmente ver que não

necessitamos nos envergonhar desta obra. Se bem que o culto a Feuerbach produz

um efeito muito cômico agora”.

Já Engels, em 1888, no seu Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica

Alemã, disse:

“Só tendo vivido a ação liberadora deste livro (A Essência do Cristianismo),

poderia se formar uma ideia dele. O entusiasmo foi geral: de pronto todos nos

convertemos em feuerbachianos. Com que entusiasmo saudou Marx a nova ideia e

até que ponto se deixou influir por ela – em que pese a todas suas reservas críticas

(travessão de Engels) -, pode ver-se lendo A Sagrada Família”133

.

Em que pese o “culto a Feuerbach”, “a conversão em feuerbachianos” e

o “entusiasmo de Marx”, o que devemos sublinhar é o que vem entre

travessões: a reserva crítica de Marx. E é o próprio Engels, confundindo a data

de redação d’A Sagrada família (1844) com a data de publicação (1845), que

diz:

“O passo que Feuerbach não deu era preciso dar: era preciso substituir o culto

do homem abstrato, medula da nova religião de Feuerbach, por uma ciência dos

homens reais e do desenvolvimento histórico destes. Este desenvolvimento das

posições feuerbachianas, superando a Feuerbach, foi iniciado por Marx em 1845,

com A Sagrada Família”134

.

A favor dessa reserva crítica, que apesar do culto a Feuerbach não

impediu Marx de dar “o passo que ele não deu”, Lênin, que fez uma leitura

resumida d’A Sagrada Família e dos livros de Feuerbach, Lições Sobre a

Essência da Religião e Exposição, Análise e Crítica da Filosofia de Leibnitz, diz

sobre a obra de Marx e Engels: “Marx avança aqui da filosofia hegeliana para o

socialismo: este trânsito é claramente perceptível; resulta evidente o que Marx já

dominava e como passa a um novo círculo de ideias”135

.

Contrariamente a esta perspectiva evolucionista e qualitativamente

superior que Marx apresenta em cada obra, objetivando ser mais preciso e

visando efetivamente uma síntese – que se dá não no plano da especulação

filosófica ou científica, mas no plano da história e da ciência contemporâneas

67

67

– coloca-se o grande epistemológo do marxismo, francês de nascimento e

importante crítico de um marxismo humanista ou de um humanismo marxista,

Louis Althusser.

Não se nega o mérito de Althusser. Em especial, na contribuição à

retomada dos estudos sobre Marx e o marxismo nos anos 60 e 70 foi

importantíssima no Ocidente. Althusser, além de divulgar o marxismo,

também escreveu importantes obras, já pertencentes à história do

marxismo136.

O que refutamos é a perspectiva que Althusser assume quanto aos

escritos do “Jovem Marx”. Nesse caso, quanto a sua posição frente A

Sagrada Família. Por isso essa digressão. A crítica a Althusser, sem

embargo, já foi feita137. Não nos cabe aqui retomá-la senão sob o ponto de

vista geral desta dissertação. Isto é, sob o ponto de vista de que não há

corte epistemológico na produção intelectual de Marx; nesse caso, na sua

dimensão filosófica. Quando muito, se chegássemos a um “verdadeiro

marxismo”, talvez pudéssemos separar o que em Marx pertence ou não

pertence ao marxismo.

É claro que a estratégia teórica de Althusser se justifica. Melhor, ele a

justifica de acordo com os objetivos a que se propôs demonstrar. E, não há

dúvida, o maior objetivo da mais famosa obra de Althusser – Pour Marx – é a

cronologia que permite separar as obras do “Jovem Marx” – “feuerbachianas”,

segundo ele138 – das obras do “Marx maduro” – obras do “marxismo”, do

“materialismo histórico”, “dialético”, da “ciência do Marxismo”, etc.

Intermediando tal cronologia, Althusser estabelece também as obras do

corte, a partir da Ideologia Alemã.

Não se justifica contudo tal cronologia se se faz uma leitura passo a

passo da produção intelectual de Marx desde o princípio e em relação a sua

obra como um todo. Não haveria nenhum materialismo dialético, nem

marxismo, se Marx não trilhasse uma trajetória, às vezes, marcada por

influências pessoais, uso de conceitos, uso de sistemas para criar antíteses,

etc.

Ora, tampouco nenhum pensador pode produzir do nada. Marx trabalha,

sobretudo na juventude, com os materiais que a sorte lhe reservara. Um

jovem não pode escolher muito. O que distingue Marx não é ter passado

por influências – o próprio Althusser deduz sua categoria central, “corte

epistemológico”, de seu professor Gaston Bachelard, que nada tinha de

marxista -, mas ter tido sobre elas, para usar a ótima expressão de Engels,

reserva crítica.

Por outro lado, talvez seja uma questão de formação individual, de

psicologia. Há indivíduos que, no plano da vida ou no plano da produção,

68

68

mantêm uma coerência de comportamento e de perspectiva crítica. Em

Marx, pelo menos essa segunda, é certa. Como explicar tal coerência? Não

será tarefa da psicologia, para o comportamento, e da epistemologia, para a

produção intelectual? O certo é que Marx, intuitivamente por certo, teve tal

discernimento crítico em suas obras. Prova-o os seus escrúpulos em não dar

para publicação uma matéria que não dominava. E é singular, nesse

sentido, os Manuscritos de Paris, infelizmente não vistos nesta ótica,

quando da sua publicação, já que causaram tantas sensações.

Vejamos agora o que diz Althusser contrariamente ao que a lógica da

trajetória de Marx apresenta. Depois, continuamos com nossa localização

da última obra de Marx do período 1843-44.

De forma muito genérica, arrolando as obras da primeira metade dos

anos 40 como obras do “Jovem Marx”, Althusser diz:

“Mas tanto em A Questão Judaica como em A Filosofia do Estado de Hegel

(Althusser parafraseia o título em função da temática), etc.... e mesmo com muita

frequência em A Sagrada família, ele não passa de um feuerbachiano de vanguarda,

que aplica uma problemática ética à inteligência da história humana”139

.

A questão, em princípio, está mal colocada. Não dá, como vimos, para

reunir todas essas obras e dizer somente que elas são uma aplicação de

uma “problemática ética à inteligência humana”. A temática de cada uma é a

específica. Marx não repete. Por exemplo, para repetir o que já dissemos ao

localizar cada uma delas, na Questão Judaica, Marx resolve a contradição

entre emancipação política e religiosa, criticando Bauer, como uma questão de

emancipação humana. Ele evolui, desta obra de 1843, para uma outra, de

1844, dizendo que a emancipação humana depende de uma classe especial, o

proletariado, ainda que relacionando isto com a filosofia.

Não há na evolução do pensamento de Marx nada que se assemelhe a

“uma problemática ética à inteligência da história humana”. Há, é certo, na obra

clássica do humanismo em Marx, nos Manuscritos de Paris, conclusões éticas,

em algumas passagens, como quando no 2º Manuscrito coloca a questão

do dinheiro à moda shakesperiana: “o dinheiro é o proxeneta entre a necessidade

e o objeto...”140. Mas os Manuscritos de Paris não se reduzem a isso. Neles a

questão é antes, em que pese o uso de categorias feuerbachianas, uma

crítica filosófica à Economia Política; aliás, da mais alta valia para os

trabalhos futuros de Marx até O Capital.

Enfim, não é correta a generalização de Althusser naquela passagem;

nem tampouco reduzir todas aquelas obras a uma frase, que têm temáticas

próprias.

Althusser parece ter, de outra forma, caído na escravidão do conceito.

Basta ter descoberto – nem isso é mérito dele141 – conceitos

69

69

feuerbachianos das obras do período 1839-43 em Marx para reduzir esta

àquele:

“Quem leu os textos feuerbachianos do período 39-43 (Nota minha: Lênin leu-os e

nem por isso teve tal interpretação), não pode equivocar-se com a atribuição da

maior parte dos conceitos que justificam tradicionalmente as interpretações ‘éticas’

de Marx”142

.

Mesmo considerando que Althusser trata esta questão epistemológica

das influências sobre Marx sob o ponto de vista de um conceito –

problemática, que também não é dele, mas de Jacques Martin, como ele

mesmo diz -, afirmando que “Marx esposou toda uma problemática”, não se

justifica, senão enquanto estratégia teórica, a generalização das obras do

“Jovem Marx”, nem tampouco a afirmação de que Marx não passava de um

“feuerbachiano de vanguarda”, que aplica uma “problemática ética à inteligência

da história humana”. Um anti-marxista, o filósofo italiano Rodolfo Mondolfo, já

dizia muito antes a mesma coisa e de forma mais clara. Passemos agora à

localização d’A Sagrada Família.

Sobre o título dado por Marx e Engels à primeira obra em conjunto, disse

Lênin, em 1895, no Necrológico a Friedrich Engels: “A Sagrada Família é uma

denominação jocosa dada a dois filósofos, os irmãos Bauer (Bruno e Edgar), e aos

seus discípulos”143.

De fato, basta ler o seguinte trecho do Prefácio assinado por Marx e

Engels em Paris, setembro de 1844, para se evidenciar o significado do

título:

“A nossa exposição refere-se principalmente à Allgemeine Literatur-Zeitung (Gazeta

Literária Universal) de Bruno Bauer – cujos oito primeiros fascículos nos chegaram

às mãos -, por ser aí que a crítica baueriana e, juntamente com ela, toda a inépcia da

especulação alemã em geral, atinge o seu apogeu”.

O significado jocoso do título é que toda a obra é profundamente irônica

– A Sagrada Família, sobretudo nas partes escritas por Marx, é de um humor

cáustico e contundente, quase sempre relacionando Bauer e discípulos com

o Antigo Testamento:

“E eu vi e ouvi um anjo poderoso, o senhor Hirzel, levantar vôo de Zurich e cruzar os

céus. Trazia aberto na mão um pequeno livro, em tudo semelhante ao quinto

fascículo da Allgemeine Literatur-Zeitung; tinha o pé direito pousado sobre a massa

e o pé esquerdo sobre Clarlottenburg. Gritava, com a poderosa voz de um leão; e as

suas palavras elevavam-se como pombas, szz! para a região do Pathos, voando em

direção ao Juízo Final Crítico e sendo, em determinados aspectos, muito semelhante

ao trovão”144

.

Para Marx – e também para Engels – a ironia que caracteriza A Sagrada

Família é um método de exposição em função do objeto (os fascículos da

70

70

Gazeta, que eram uma “reprodução caricatural da filosofia especulativa”). Logo,

dizem: “A nossa exposição está, naturalmente, condicionada pelo objeto”145.

A obra se estende por nove capítulos. Um capítulo para cada um dos

oito fascículos da Allgemeine Literatur-Zeitung, e mais um capítulo para o Juízo

Final Crítico, de Marx. Engels escreveu os capítulos I, II, III, duas primeiras

alíneas do IV, a primeira parte da segunda alínea do VI e também a

segunda parte da segunda alínea do cap. VII. Marx escreveu o restante; é

dizer, 90% da obra.

A obra foi escrita num espaço de pouco mais de um mês, em que pese

suas 320 páginas: Marx e Engels encontraram-se em Paris a 28 de agosto

de 1844; e no final de setembro/início de outubro já tinham concluído o

trabalho. É muito provável que o sucesso dessa primeira obra em conjunto

tenha determinado a amizade e a comunhão de ideias que se prolongou por

quase 40 anos entre os dois.

O primeiro encontro de ambos, não é demais repetir, aconteceu em

novembro de 1842, quando Engels viajou à Renania e se encontrou com o

Redator da Gazeta Renana, o “doutor Karl Marx”. Foi um encontro frio, como

vimos no esboço biobibliográfico. Em paris, ao contrário, ambos entraram

em “completo acordo em todos os campos teóricos”, como disse depois

Engels146. Por esta época, a mulher de Marx achava-se no Trier, o que deve

ter facilitado o convívio sem interrupções dos dois amigos e a redação d’A

Sagrada Família.

O sucesso de tal colaboração para ambos foi tão importante que, poucos

meses depois, já em Bruxelas, iniciaram a redação a quatro mãos de dois

grossos volumes intitulados A Ideologia Alemã, onde segundo eles se dava a

famosa “liquidação com nossa consciência filosófica anterior”. Sobre isto, aliás, o

que reafirma a perspectiva de superação em Marx, o Prefácio d’A Sagrada

Família prometia novos trabalhos em que: “Desenvolveremos os nossos pontos

de vista e patentearemos a nossa posição perante as modernas doutrinas filosóficas

e sociais”.

É mister insistir um pouco mais sobre a relação de Marx e Engels nesse

período parisiense. É a partir do acordo com Engels que Marx inicia sua

prática política. E, se entendermos por esta também a prática do intelectual

em torno de polêmicas sobre weltanschauung distintas, podemos dizer que

é com A Sagrada Família que Marx inicia esta prática que nunca abandonará.

É precisamente n’A Sagrada Família que Marx adota uma posição política

frente à discussão intelectual. Apesar do tom jocoso da exposição, fica claro

que o objetivo é descaracterizar, sobretudo para o público alemão, a

especulação filosófica dos irmãos Bauer e consortes em torno da Literatur-

Zeitung. Nesse particular, é seguramente Engels que influencia Marx para

71

71

uma posição consequente na realidade, i.é, para uma posição no movimento

revolucionário europeu.

Os capítulos – pequenos capítulos - que Engels escreve n’A Sagrada

Família, como também os adendos a capítulos carecem de interesse no

contexto desta dissertação. De qualquer forma, a alínea 1 do capítulo IV é

significativa no sentido de que a posição de Engels no movimento

revolucionário já se definia pelo ponto de vista da classe operária. Esta

alínea discute a crítica de Edgar Bauer ao socialismo francês na pessoa de

Flora Tristan. Engels coloca a questão da seguinte maneira:

“Os socialistas franceses afirmam: o operário faz tudo, produz tudo e no entanto não

tem direitos, nem propriedade. Em duas palavras, não tem nada. A crítica, ao

contrário, diz que ‘para ser capaz de criar tudo, é preciso uma consciência mais forte

que uma consciência de operário’”... etc.

E Engels conclui da seguinte forma:

“A crítica crítica não cria nada; o operário cria tudo, e a tal ponto que, apesar de

criações intelectuais, envergonha toda a crítica: como prova disto, os operários

ingleses e franceses. O operário até cria o homem; o crítico continuará sempre um

monstro com, é verdade, a satisfação de ser um crítico crítico”147

.

Neste capítulo, as alíneas III (O Amor) e IV (Proudhon) são escritas por

Marx. A primeira vista, o leitor, que já se acomodara ao humor seco de

Engels, se surpreende com a superioridade do discurso crítico de Marx: a

ironia é refinada; o humor não compromete as conclusões sérias no texto;

Marx também é perfeito na dialética crítica. Resta acrescentar porém que a

relação anterior de Marx com Bruno Bauer e com os hegelianos de esquerda

torna a crítica da crítica crítica muito fácil, pessoal, e precisa para ele. Daí o

maior volume e a rapidez do discurso de Marx n’A Sagrada Família.

As alíneas III e IV deste capítulo servem para caracterizar o último

estágio da filosofia crítica em Marx. São duas características que antecipam a

superação da filosofia clássica alemã na forma – método de exposição – que

se apresentam pós 1845, desde as Teses Sobre Feuerbach. No todo, são

características gerais da exposição de Marx n’A Sagrada Família.

A primeira e mais importante refere-se ao método de Marx frente a

Hegel e à Escola hegeliana. Vimos que foi no processo da crítica a Hegel

que nasce a dialética marxiana. Para ele, um pensador do porte de Hegel não

poderia nunca ser tratado como um “cachorro morto”. Em 1873, ele escrevia:

“... coincidindo precisamente com os dias em que escrevia o primeiro volume do

Capital, esses arengadores, petulantes e medíocres epígonos, que hoje põem

cátedra na Alemanha, deram em arrematar contra Hegel do modo como o bom Moses

Mendelssohn arremetia contra Spinoza no tempo de Lessing: tratando-o como a um

‘cachorro morto’. Foi isto que me decidiu a declarar-me abertamente discípulo

72

72

daquele grande pensador, e até cheguei a coquetear de vez em quando, por exemplo

no capítulo consagrado à teoria do valor, com sua linguagem peculiar”148

.

É inegável que a dialética marxiana nasce a partir dos estudos da obra de

Hegel. Enquanto método de exposição, é filha dele. Não chega todavia às

mesmas conclusões de Hegel, implícitas ou explícitas. O próprio tom irônico

de Marx, que sempre o acompanhou, mas que tem seu apogeu n’A Sagrada

Família, ainda que se considere a ironia como uma qualidade do indivíduo, foi

desenvolvida a partir das leituras de Hegel. Na Carta de 1837 ele escreve ao

pai:

“Enquanto estive doente, li Hegel de cabo a rabo, com a maioria dos seus discípulos

(...). Nas discussões com eles, expunham-me muitas opiniões contrastantes e eu me

liguei cada vez mais estreitamente à moderna filosofia do mundo, à qual pensava

poder escapar; mas todas as correntes se enfraqueceram e eu fui assaltado por uma

verdadeira mania de ironia, coisa compreensível após todas aquelas negações”

(sublinhado meu – 149).

É precisamente de forma irônica que Marx escreve A Sagrada Família. Isto

também provaria a coerência da trajetória intelectual de Marx. E o método

dele contra a Escola hegeliana é precisamente este: usar contra os seus

discípulos o mestre, o velho Hegel. Na alínea III, onde ele critica a

concepção de amor de Edgar Bauer, isto é claro:

“A paixão do amor não pode ter pretensões a um desenvolvimento interior

interessante, porque ela não pode ser construída a priori, porque o seu

desenvolvimento é um desenvolvimento real que se opera no mundo sensível e entre

indivíduos especulativa reside nas questões: ‘donde vem?’ ‘para onde vai?’ O donde

corresponde cabalmente à ‘necessidade’ de um conceito, à sua prova e à sua

dedução (Hegel). A Questão para onde é a determinação ‘graças à qual cada elo

singular do ciclo especulativo, enquanto elemento animado pelo método, é ao

mesmo tempo o princípio de um novo elo’ (Hegel)”150

.

(O Amor enquanto temática abordada por Marx justifica este parênteses.

Vimos no esboço biobibliográfico que Marx viveu intensamente,

apaixonadamente, um amor romântico por Jenny até, precisamente, desviar

a direção do seu pensamento da literatura para a filosofia. É provável que

Hegel tenha-o levado à racionalização da temática. O próprio Hegel

escreveu uma teoria do amor151. E é altamente significativo comparar a

racionalização de Marx nesta alínea com a figura do jovem profundamente

apaixonado dos anos 1835-37).

Não é preciso insistir aqui que um traço, talvez o mais característico, da

superação gradativa sobre a filosofia clássica alemã por Marx é usar contra

a Escola hegeliana o seu próprio mestre; às vezes mostrando o misticismo

de Hegel; outras vezes fazendo ver aos próprios hegelianos que eles

estavam abaixo do mestre. A exceção é, claro, Feuerbach, pois, como já

vimos152:

73

73

“A Crítica positiva, humanista e naturalista tem início com Feuerbach” E (...)

“Feuerbach é a única pessoa que tem uma relação séria (não cabe então contra ele a

ironia? Por isto?) e crítica com a dialética de Hegel...”153

Fazendo justamente a crítica de Hegel e dos hegelianos, no VI capítulo

d’A Sagrada família, contra Bruno Bauer, o principal alvo da crítica da crítica

crítica, diz Marx, confirmando nossa interpretação acima:

“A crítica absoluta aprendeu, pelo menos, na Fenomenologia de Hegel a arte de

metamorfosear as cadeias reais objetivas, existindo fora de mim, em cadeias

puramente ideais, puramente subjetivas, existindo puramente em mim, e por

consequência todas as lutas exteriores e concretas em simples combates de

ideias”154

.

Com exceção das partes em que a crítica de Marx – e de Engels – se

limita ao objeto da crítica e este é quase sempre literário, por exemplo os

capítulos V, VII e VIII, o método de Marx se caracteriza por estar ao nível da

superação ocorre após 1845, pois há ainda aqui, como disse Engels, “uma

malha intermediária que separa o pensamento de Marx do de Hegel”, o filósofo

alemão Ludwig Feuerbach155.

A segunda característica em relação à localização d’A Sagrada Família é a

discussão em filosofia dos aportes da ciência econômica. Tal questão inicia-

se nos Manuscritos de Paris e é com essa introdução que Marx dá passos

largos em direção ao materialismo dialético.

N’A Sagrada Família a relação filosofia/economia é vista em torno de

Proudhon. É importante notar aqui, antecipadamente, que a última obra de

Marx na dimensão filosofia será exatamente contra Proudhon. Veremos então

a questão política, específica do materialismo dialético, da crítica de Marx a

Proudhon em diversas partes de sua obra até O Capital.

N’A Sagrada família, a relação de Marx com Proudhon é amistosa – Em

Paris, Marx conheceu Proudhon e até mesmo chegou a explicar para ele a

filosofia de Hegel – e tática, i.é, Marx defende Proudhon, que era o alvo da

crítica de Edgar Bauer na Literatur-Zeitung.

Toda alínea IV do capítulo é sobre Proudhon – são 46 páginas, caso

único de tanto espaço para uma temática em todo o livro. Marx coloca a

questão da seguinte forma:

“A obra de Proudhon (O que é a Propriedade?) sofre pois um duplo ataque do sr.

Edgar: um ataque tácito na tradução que a caracteriza e um ataque explícito nas

notas críticas marginais. Veremos que o Sr. Edgar é mais destruidor quando traduz

do que quando anota”156

.

O tom irônico de Marx é evidente. Ele divide a alínea IV em quatro

“Tradução caracterizante” e em cinco “nota Marginal crítica”. Nas primeiras,

de acordo com a exposição do texto, Marx demonstra, ad absurdum, até

74

74

onde vai a especulação filosófica da crítica, fazendo uma antítese entre o

“Proudhon caracterizado”, o “Proudhon da massa’, o “Proudhon crítico”,

etc., tal como o sr. Edgar coloca, e o “Proudhon real”, o Proudhon

economista que escreveu O Que é a Propriedade? Contra a crítica do sr.

Edgar, Marx defende tacitamente o “Proudhon real”.

Já nas segundas, nas cinco “Nota Marginal Crítica”, Marx discute

seriamente a Economia Política contra as interpretações do Sr. Edgar e, mais

importante, criticando também Proudhon:

“A primeira crítica de qualquer ciência está forçosamente presa a certos

pressupostos da ciência que combate. Assim, a obra de Proudhon: Qu’estce que la

Proprieté? é a crítica da Economia Política do ponto de vista da Economia Política.

(...) É a crítica da Economia Política que constitui a parte mais interessante dele. A

obra de Proudhon é pois cientificamente ultrapassada pela crítica da Economia

Política (o sublinhado é meu. Note-se que Marx já trabalhara nos Manuscritos de

Paris no sentido de uma crítica à economia política, ainda que filosoficamente),

incluindo mesmo a da economia política tal como Proudhon a concebe”157

.

As antíteses de cada uma “tradução caracterizante” são importantes do

ponto de vista do método de exposição de Marx, são extensos exemplos da

dialética marxiana, em que pese o tom quase sempre jocoso de Marx.

Vejamos um único exemplo:

“E, para terminar, o Proudhon crítico realiza este milagre: uma sociedade de 150

operários é capaz de sustentar um ‘marechal’, por consequência, um exército. No

Proudhon real, um marechal é apenas um ‘ferrador’ (marechal ferrant)”158

.

A parte dedicada a cada uma das “nota marginal crítica” supera em

importância toda a outra parte. Marx recoloca a importância da economia

política e o ponto de partida desta, a propriedade privada: “A economia política

que toma relações de propriedade privada por relações humanas e racionais está em

contradição permanente com a sua hipótese de base: a propriedade privada”159.

Marx, que nos Manuscritos de Paris já tentava uma solução para esta

contradição, apontando que o movimento social indicava

“que a distinção entre capitalista e proprietário de terras e entre trabalhador agrícola

e operário, tem de desaparecer, dividindo-se o conjunto da sociedade em duas

classes de possuidores de propriedades e trabalhadores sem propriedade”160,

retoma esta questão de um ponto de vista superior n’A Sagrada Família.

Possivelmente sob o impacto que o contato com Engels lhe causara,

Marx deduz esta contradição não mais de acordo com um ponto de vista

estritamente humanista, naturalista, feuerbachiano. Aqui, a solução depende do

proletariado:

75

75

“Inversamente, o proletariado é forçado, como proletariado, a abolir-se a si mesmo e

ao mesmo tempo abolir o seu contrário do qual depende e que faz dele proletariado:

a propriedade”161

E, mais adiante, confirmando a interpretação de Lênin de que já n’A

Sagrada Família Marx avançava no sentido do materialismo dialético:

“Não se trata de saber que objetivo este ou aquele proletário, ou até o proletariado

inteiro tem momentaneamente. Trata-se de saber o que é o proletariado e o que ele

será historicamente obrigado a fazer de acordo com este ser”162

.

Parece que isto tudo também confirma nossa interpretação. Não há corte

na evolução do pensamento de Marx. Esta última obra de filosofia crítica,

como outras anteriores o fizeram em certos aspectos, segue o caminho de

uma clara superação não só da especulação em filosofia mas também em

ciência econômica.

A Sagrada Família também inaugura, antecipa, o que Gramsci chamou de

Filosofia da Práxis. Há para Marx uma necessidade prática de transformar a

sociedade – “transformar o mundo”, diz ele na XI Tese sobre Feuerbach – e

cabe ao proletariado fazê-la. É esse o sentido da interpretação de Lênin. E

não foi à toa que Gramsci chama Marx de “o fundador da filosofia da práxis” e

Lênin de “o maior teórico moderno da filosofia da práxis”163.

Há contudo uma outra prática, que é sempre política, n’A Sagrada Família:

a prática do intelectual. Desde esta obra Marx, enquanto intelectual, atuará

no sentido de transformar o mundo, sobretudo através de suas obras,

polêmicas e de combate às correntes utópicas, equivocadas, anarquistas,

etc., no movimento revolucionário europeu.

A Sagrada Família destaca-se portanto como a obra mais importante do

período 1843-44, que aqui chamamos de obras de filosofia crítica. Aprofunda

ela uma concepção crítica da economia política e da história para

superação da especulação em filosofia na Alemanha.

O sentido da trajetória de Marx em filosofia chega ao apogeu nas obras

escritas em Bruxelas. Em três obras Marx – e também Engels – assenta,

sem insegurança e de forma contundente, conclusiva, os princípios básicos

do que veio a se chamar materialismo dialético. Coube a Marx iniciar esse

caminho sem volta numa síntese fantástica contra o único elo que o prendia ao

passado, Ludwig Feuerbach. Há nas Teses Sobre Feuerbach mais uma prova

da coerência intelectual de Marx: se houve, ou se ainda há dúvidas quanto

ao passado feuerbachiano de Marx, esta deixa de existir após as Teses. Com

as Teses, ele deixa registrado que Feuerbach está superado. As Teses são

sínteses do materialismo dialético.

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76

CONCLUSÃO

1. A Dimensão Filosofia

Antes de encerrarmos esta dissertação, definindo e localizando o

“materialismo dialético”, por uma questão de método, é necessário colocar,

de um lado, o que significa dividir o pensamento de Marx em dimensões de

conhecimento e, de outro, o que é a dimensão filosofia em Marx. Feito isto, aí

definiremos, num contexto geral, o materialismo dialético – é após a morte

de Marx, com Engels, que surge essa definição – e, a favor da nossa

interpretação, localizaremos as três obras finais de Marx em filosofia: As

Teses de 1845, A Ideologia Alemã, de 1845-46, e A Miséria da Filosofia, de 1847.

A ordem cronológica da produção intelectual de Marx indica um sentido

muito claro na bibliografia: são três dimensões de conhecimento que ela,

fundamentalmente, contém: filosofia, história e economia. É possível,

criteriosamente, traçar a seguinte periodização:

a) 1834 – 1847 = Dimensão Filosofia

b) 1848 – 1856 = Dimensão História

c) 1857 – 1882 = Dimensão Economia

As temáticas em cada um destes períodos são também características:

(I) na dimensão filosofia a questão é uma “visão de mundo”, uma

weltanschauung que seja transformadora, que tenha correspondência

na história dos homens reais e não abstratos; e isto inclusive nas três

obras que citamos como as de síntese;

(II) na dimensão história, concordamos com o que diz Marx n’A Ideologia

Alemã, quando afirma que só há uma ciência, a ciência da história; isto é,

a história enquanto ciência geral do movimento social, pois se Marx

reduzisse tudo a essa ciência, não teria estudado a economia

política, a ciência da moderna sociedade, para ele;

(III) na dimensão economia o pensamento de Marx chega ao particular (do

geral para o particular, aprendeu ele com Hegel e aplicou desde a Tese

de 1841), à sociedade burguesa – a obra máxima de Marx é O Capital; e

é ele, para usar uma expressão de Marx, “a anatomia da sociedade

capitalista”.

Vimos tentando aqui caracterizar a dimensão filosofia no pensamento de

Marx de acordo com uma trajetória biobibliográfica, na 1ª parte, e a

localização das obras, na 2ª parte. As duas outras dimensões que

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percebemos na biografia completa de Marx merecerão, da nossa parte, um

outro trabalho, talvez as relacionando, não sendo portanto objeto desta

dissertação. Logicamente tudo isto se justificaria em função da pertinência,

da cientificidade, da interpretação dimensional do pensamento de Karl Marx.

É mister portanto caracterizar aqui a dimensão filosofia, tal como a vimos

concebendo ao nível da extensão do pensamento de Marx em filosofia.

Deve ficar claro, contudo, que nossa interpretação não se reduz às

interpretações tradicionais do marxismo. Isto é, às que o reduzem a definições

específicas ou gerais. Nossa posição, por uma questão de método, discute a

trajetória do pensamento de Marx segundo o sentido que parece indicar,

biobibliograficamente, por um lado, e coerente com o sentido das obras, por

outro. Não discutimos, tampouco, Marx dentro do marxismo nesta dissertação.

Por essa trilha muitos já se perderam.

É claro que, no nosso contexto histórico e com os materiais á

disposição, muitos dos quais com interpretações próprias, localizáveis, não

abstraímos o marxismo para estudar Marx, como num laboratório, isolando-os

dos corpos que se agregam a ele, alguns estranhos. Consideramos aqui, de

acordo com a exposição, o justo valor das interpretações que nos precedem,

tanto as que nos favorecem, como as que se opõem à nossa – nesse

sentido, não negamos, no que se refere á localização das obras filosóficas

de Marx, pura e simplesmente, a tradição que, partindo de Engels, passa

por Lênin e chega até Althusser. O próprio Engels colocava: “Negar, em

dialética, não consiste pura e simplesmente em dizer não, em declarar que uma coisa

não existe ou em destruí-la por capricho”164.

Ao contrário, negamos o sentido monista, de doutrina, que deixam

transparecer. Desde Engels e com Lênin há um “marxismo-leninismo”;

observando estes nas obras de Marx uma interpretação que enfatiza o

eminentemente revolucionário.

O nosso enfoque é outro. Para localizar uma dimensão filosofia em Marx,

partimos basicamente de uma trajetória biobibliográfica. A seguir, numa

outra instância, na 2ª parte, interpretando-a, é claro, não podemos evitar o

choque com outras interpretações já assentadas. Não é nosso método aqui,

contudo, confrontar interpretações. Quando isto ocorre é porque

metodologicamente é necessário. Nosso objetivo é demonstrar que o

pensamento de Marx comporta uma dimensão filosofia e que esta é

apreensível numa trajetória que se inicia em 1834 e chega ao apogeu em

1847, numa última obra de filosofia síntese, que taticamente pode ser

chamada de “materialismo dialético”.

Efetivamente, tal dimensão filosofia é para nós uma parte, a base sobre a

qual se assentam e interpenetram as dimensões história e economia, característica

do pensamento de Marx. Vimos acentuando ao longo desta dissertação que

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Marx introduz à crítica da filosofia hegeliana e alemã a história, por um lado,

ao exigir uma “história dos homens reais” e, por outro lado, a economia,

sobretudo desde 1844, quando ao mesmo tempo em que faz uma crítica

filosófica à economia política, nos Manuscritos de Paris, faz também,

inversamente, uma crítica da filosofia pelo ponto de vista da economia

política.

As dimensões em Marx não são estanques, puras em si ou isoláveis;

elas, ao contrário, se relacionam. Nesse sentido, só uma perspectiva geral

do pensamento de Marx permitiria, logicamente, uma interpretação de uma

parte específica deste pensamento. Não temos, entretanto, como já

colocamos, nem a pretensão de descobrir aí o “verdadeiro Marx”, nem a de

significa-lo de acordo com uma perspectiva ideológica, como parece indicar

as duas posições sobre ter uma “visão geral”.

Nossa visão geral do pensamento de Marx, da qual partimos para

localizar nesta dissertação sua dimensão filosofia, é bibliográfica, dada a

natureza de nossa pesquisa. Isto é, percebemos que sua obra comporta

estas três dimensões. Nossa verificação, é verdade, se fundamenta

especificamente na primeira dimensão.

Mas uma outra característica do nosso método é ter incluído à

perspectiva bibliográfica a trajetória de Marx, o homem, em sua história. Por

isso é também biobibliográfica nossa interpretação dimensional do

pensamento de Marx. É inegável, e em Marx isso é evidente, que as

influências, o contexto e as circunstâncias são fundamentais a qualquer

obra, literária, pictórica, musical, etc. Há contudo quem supere as

determinações de sua história, objetivando um trabalho que a transcenda. E

em Marx, no seu espaço de conhecimento, isto é claro. Por Marx ter

chegado, 100 anos depois de sua morte, a ser discutido hoje, é porque

também sua vida de pensador e homem tem uma importância científica

contemporânea.

Com isto chegamos ao final da primeira questão que colocamos para

discutir nesta parte: o que significa dividir o pensamento de Marx em

dimensões de conhecimento. Acreditamos que a pertinência do nosso

método, que nesse caso inclui, em função do objeto de análise,

investigação e exposição próprias, servirá de critério para julgamento desta

dissertação. Oxalá a crítica, sempre importante, nos anime para um

trabalho além desse, que considere as três dimensões que apontamos e

suas relações no pensamento de Karl Marx.

A segunda questão é: o que é a dimensão filosofia em Marx? Também

aqui o caminho é tortuoso: “Na ciência não há calçadas reais e quem aspire a

remontar suas luminosas alturas, tem que estar disposto a escalar a montanha por

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caminhos escabrosos”165. Ficamos aqui, em que pese a modéstia e nossa

despretensão, com Marx.

Esta citação é pertinente pois, consideradas as reservas acima, dizer o

que é a dimensão filosofia em Marx implica em contradizer interpretações

correntes de Marx; vale dizer, é um risco, ter contra si os porta-vozes de tais

interpretações que, em alguns casos, como na ortodoxia marxista-leninista,

não percebem que o legado de Marx não é exclusividade de nenhum

partido, político ou filosófico166.

É claro que o significado da dimensão filosofia em Marx passa por uma

discussão sobre o que o pensamento marxista diz sobre tal questão. É

sobretudo dentro do marxismo que esta questão cresce em interesse.

Vimos que visamos significar a dimensão filosofia em Marx não

estritamente dentro do marxismo. Por isso, deixamos transparecer, ainda

que nossa metodologia não se restringe à confrontação, que para significar

nossa interpretação tivemos que contradizer uma certa tradição dentro do

marxismo. Em especial destacamos a crítica à interpretação althusseriana

da cronologia da produção literária de Marx e nessa a noção de corte

epistemológico.

A questão que Althusser coloca é original. Hoje é pertinente uma

interpretação bibliográfica de Marx graças, em grande parte, a Althusser.

Discordamos dele ao fazê-la apenas ao nível do marxismo, que para ele

inclui o leninismo167. Althusser se move dentro do marxismo. Para ele este

significava algo e Lênin tinha a ver com esse algo – esse algo deve ter a ver

com o eminentemente revolucionário que Engels e Lênin destacavam nas

concepções de Marx. Althusser, porém, contribui para a discussão em torno

do marxismo, portanto vivifica-o e suas obras hoje fazem parte dessa

história.

Nós, pelo contrário, evitamos discutir Marx dentro do marxismo nesta

dissertação. E o que descobrimos? Que o pensamento de Marx move-se

numa trajetória relativamente coerente e qualitativamente superior a cada

obra. Isto é, que não há um “jovem Marx” diferente de um “Marx maduro”

que assenta as bases do seu pensamento. Mas que o “Marx maduro” não é

independente do “jovem Marx” e que não haveria marxismo se o “jovem

Marx” não trilhasse toda uma trajetória etc.

A dimensão filosofia, tal como a esboçamos numa trajetória que percebe

os passos do homem e da obra, por um lado, e a localização das obras de

acordo com sua produção e periodização, por outro lado, antecipa, ainda

que de forma não absolutamente desenvolvida, as principais concepções

que Marx viria, na síntese filosófica do materialismo dialético, na sua

historiografia ou teoria da história enquanto ciência geral do movimento

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80

social e na economia política a desenvolver. É singular, nessa última, a

evolução dos Manuscritos de Paris até O Capital.

Com isto, necessariamente, teríamos que discordar da interpretação

althusseriana que fundamenta-se bastante em Lênin. É sobretudo

significativo, nesse sentido, a comunicação de Althusser à Sociedade de

Filosofia de França, em 1968, no que ficou conhecido como Lénine el la

Philosophie (Lênin e a Filosofia). Aí com Lênin e antes deste Engels, ele

diz: “A filosofia marxista (sublinhado meu) deveria, portanto, estar em atraso

relativamente à ciência marxista da história”168.

Althusser portanto vê a questão ao nível do marxismo. Talvez fosse justo

dizer que a filosofia de Marx, pelo processo dialético de sua construção,

chega à história para caracterizar o movimento social e à economia para

desvendar os mistérios da sociedade contemporânea, burguesa e

capitalista. Não o contrário. Marx parte da filosofia hegeliana, num

determinado período, como ele próprio confessou, usando uma ponte

chamada L. Feuerbach.

A discordância clara, explícita, de Althusser, não exclui a discordância

implícita de outras interpretações que visam a questão bibliográfica em

Marx ao nível do marxismo. Assim, procurando situar a questão

logicamente, cremos que os clássicos do marxismo trataram de realizar o

que a teoria parece indicar, revolucionariamente. Uma perspectiva como a

nossa para eles provavelmente seria um mero exercício acadêmico. E

nossa dissertação é um exercício acadêmico. Interessa-nos demonstrar que o

legado de Marx é passível de uma interpretação dimensional. Tentamos nos

posicionar ao nível da ciência e não da ideologia.

Em filosofia, por exemplo, como veremos na segunda parte desta

conclusão, na definição, no contexto geral do materialismo dialético a

tradição mais importante vem da interpretação engelsiana, do Anti-Dühring e

do Ludwig Feuerbach que localiza aí o marxismo, suas partes, o materialismo

histórico, o método dialético, a ciência, etc.

É nessa tradição que Lênin, acrescentando bastante, é verdade, constrói

sua obra filosófica. Ainda, esta tradição chega, com o traço particular e da

época, a Althusser. Aí, em todos eles, trata-se de significar a filosofia em

Marx dentro do Marxismo.

Também Gramsci, que chama Marx de “o fundador da filosofia da práxis” e

Lênin de “o maior teórico moderno da filosofia da práxis” não foge da tradição de

uma filosofia em Marx em torno de uma concepção de marxismo – apesar

de marxista-leninista, Gramsci deu “muito pouca bola” a Engels, daí a

especificidade do seu marxismo. Além, há também Plekhânov, o da

primeira fase, e Lukács, atado às teias da ortodoxia que Stalim impôs169.

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Enfim, discutimos a dimensão filosofia em Marx fora dessa tradição.

Nossa perspectiva, não ignorando nem desprezando os aportes desta, é

que a dimensão filosofia é uma das partes do pensamento de Marx. E esta, a

filosofia, completa sua espiral com a síntese do que concordamos possa ser

chamado de materialismo dialético, que na nossa periodização engloba três

obras e um espaço-tempo: em Bruxelas e até 1847. Dito isto, passemos à

definição.

2. O Materialismo Dialético

A questão de uma filosofia em Marx começa com Engels, que defende as

concepções de Marx e dele frente a Eugene Düring. Marx não escreveu

sobre a sua filosofia do período inicial. Quando muito, em carta ou prefácio

explicativos, faz alguma referência a sua relação com Hegel, Feuerbach e a

Escola hegeliana. Sua produção em filosofia, se nos permitem a expressão,

foi engolida por novos avanços na produção de conhecimentos em história e

economia.

Não haveria então uma “filosofia” no Manifesto Comunista, no 18 Brumário e

também n’O Capital? Sim, se se entende por esta uma weltanschauung, uma

visão de mundo crítica a partir da ciência. E não, se se entende que a

problemática filosófica, em método e até em temática, difere da

problemática científica. Marx ensaiava, como vimos, ao introduzir história e

economia à crítica da filosofia especulativa alemã, uma posição que o leva

à ciência. Para nós, a produção de Marx em história coloca esta como

ciência geral do movimento social e a economia política, segundo a definição

da época, como ciência particular para a compreensão da sociedade

moderna. Marx, intuitivamente ou não, não esquece nunca a lição de Hegel

sobre a descendência do geral para o particular. – isto especialmente no método

de exposição.

Sua filosofia, no segundo sentido acima colocado, de filosofia crítica,

termina efetivamente no livro contra Proudhon, na segunda parte, ao expor

o método dialético, a sua antítese da dialética hegeliana. Por outro lado, há

uma constatação bibliográfica: a temática filosófica cumpre sua trajetória,

dando lugar à história e, depois, à economia.

Não nos cabe aqui discutir a cientificidade ou não do método

historiográfico de Marx, nem tampouco se suas obras econômicas são ou

não são científicas, tal como se entende por isso atualmente. Isto talvez

possamos fazer num outro trabalho, já prometido e que completaria esta

dissertação. Aqui, interessa-nos observar que:

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(I) Marx não escreveu sobre sua filosofia – daí que o legado de Marx não

pode ser exclusividade de uma interpretação determinada, mas

demonstrada sua pertinência interpretativa -; fê-la num período

determinado na trajetória do seu pensamento;

(II) que há uma dimensão filosofia em Marx comumente discutida a partir da

interpretação engelsiana, que tomou a seu encargo colocar as

concepções fundamentais de Marx, para ele já uma doutrina170.

A questão, em que pese a necessária generalização, está

razoavelmente equacionada: enquanto weltanschauung é possível haver

nas obras de Marx como um todo, uma “filosofia”; enquanto tratamento

metodológico e discussão de temática específica, a filosofia de Marx, sem

aspas, termina naquele período que analisamos.

São extensas, tortuosas e discordantes as interpretações do legado de

Marx em filosofia. Mesmo antes de se divulgar os Manuscritos de Paris há

discussões sobre um Marx filósofo, fora da interpretação “oficial”,

engelsiana171. Quanto aos Manuscritos de Paris, todos sabem que eles

revigoraram as discussões em torno de uma filosofia humanista em Marx.

Nesta dissertação não cabe discutir tais questões. Basta-nos localizá-

las. E, localizando-as, percebemos que a interpretação de peso, que discute

a questão dentro do marxismo, é a de Friedrich Engels, tanto no Anti-Dühring

quanto no Ludwig Feuerbach. É sobre a interpretação engelsiana que

localizaremos, definindo, o “materialismo dialético”, comparando-o com o

que dissemos até aqui sobre a dimensão filosofia.

Engels foi o primeiro a falar de uma filosofia em Marx. Isto é, o primeiro

que, por seus vínculos com Marx e com sua obra, expôs com autoridade a

filosofia dialética em Marx.

Engels, contudo, desde o início dos anos 40, esposou as questões que

Marx desenvolveu – e ele teve participação nesse desenvolvimento –

revolucionariamente. Posicionou-se desde o início como comunista e

socialista, segundo a conotação que isto significou ao longo do movimento

revolucionário europeu daquela época172. Assim não se surpreende que

seus trabalhos sobre as concepções de Marx enfatizem o traço revolucionário

destas. Justa ou não, não é nosso problema aqui, a posição de Engels

tende à defesa do marxismo enquanto corpo teórico revolucionário. Isto é claro

em Engels, sobretudo após a morte de Marx.

No que se refere diretamente à questão em filosofia em Marx, destacam-

se duas obras de Engels. A primeira foi publicada em 1878 e leva por título

o Anti-Dühring – o décimo capítulo da obra, Sobre a “História Crítica”, foi escrito

por Marx, que não assinou. A segunda, para nós a mais importante, é o

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Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã173, publicada em 1888,

cinco anos após a morte de Marx.

Destaca-se na primeira obra, a mais trabalhada da interpretação

engelsiana, o objetivo de combater Eugene Dühring, que surgia “como

adepto e reformador do socialismo”. Quer dizer: a obra de Engels combate, a

favor do que ele, e segundo ele Marx, haviam assentado, o projeto de

Dühring de socialismo e suas concepções científicas e filosóficas. Para ele,

a questão é que as concepções de Marx sintetizem teoricamente o socialismo

científico:

“Estas duas descobertas: a concepção materialista da história e a revelação do

segredo da produção capitalista, que se resume na mais-valia, são devidas a Karl

Marx. Graças a estas descobertas, o socialismo converte-se numa ciência, que não é

preciso senão desenvolver em todos os seus detalhes e concatenações”174

.

Esta citação básica, pois revela exatamente o que Engels tenta

demonstrar, inclusive ridicularizando Dühring nas três partes constitutivas

da obra:

(I) A primeira parte leva por título Filosofia. Engels chega à conclusão, em

torno da dialética, da mesma forma que Lênin ao definir esta em Karl

Marx: “a missão da dialética... é estudar as leis gerais e ao desenvolvimento

da natureza e do pensamento”175;

(II) A segunda parte é sobre Economia Política. Para Engels, de acordo com a

reafirmação do “materialismo histórico”, em torno da luta de classes,

esta ciência é “essencialmente histórica”176;

(III) A parte final, de nove páginas, discute apenas os Traços Históricos do

Socialismo, enfatizando, contra a interpretação de Dühring, o

chamado “socialismo utópico” de Saint-Simon, de Owen e Fourier –

Muito tempo depois, em 1892, Engels publicou então sua clássica

obra Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico que completava esta

parte enfatizando o papel do proletariado revolucionário:

“E o socialismo científico, expressão teórica do movimento proletário, é o que deve

investigar as condições históricas e, com essa, a natureza mesma deste ato,

infundindo, deste modo, à classe chamada a fazer a revolução, a classe hoje

oprimida, a consciência das condições e a natureza de sua própria ação”177

.

É claro que no Anti-Dühring, Engels reduz as ideias filosóficas de Marx a

um movimento “dialético” da filosofia: a filosofia em Marx é para ele o

corolário de uma tradição filosófico-materialista-dialética, que Marx põe a

termo superando Hegel e Feuerbach. Esta perspectiva também o

acompanha no Ludwig Feuerbach.

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Nesse sentido, ele reduz a produção filosófica de Marx à sua resultante,

como já apontamos: o materialismo histórico. A citação acima é clara, pois

ele desenvolve esta primeira grande “descoberta” de Marx na parte

destinada à Filosofia. Entretanto, ao definir, não deixa de lado a dialética ao

discutir com Dühring a categoria hegeliana “negação da negação”, que

aparece n’O Capital. E é na discussão sobre a dialética que transparece a

filosofia de Marx.

De forma simples, a questão que Engels coloca então sobre a filosofia

em Marx pode ser assim resumida: Marx move-se na tradição materialista –

é célebre a divisão de Engels dos “campos filosóficos” materialismo e idealismo

– e, enquanto método, dialética. Por isso, a interpretação engelsiana

permitiu a definição da filosofia em Marx como materialismo dialético178.

Por outro lado, é curioso notar ainda, Engels não fez uma filosofia,

escreveu sobre filosofia. No máximo, modernamente, ele seria um

epistemólogo: um epistemólogo do marxismo. Não é à toa que seu discurso,

atual por certo, relaciona filosofia e ciência. Mas seu “socialismo científico”

seria, em última instância, o resultado das “grandes descobertas de Marx”,

segundo ele próprio.

Enfim, não é à toa também que a interpretação engelsiana encontra

ressonância na Rússia desde a Revolução de 1917, e na URSS, desde 1923,

onde a tradição filosófica, no sentido ocidental de desenvolvimento, inexiste.

Vejamos.

Dois dos mais importantes teóricos da Revolução de 1917 não foram

propriamente a Marx para definir o “materialismo dialético”. Pelo contrário,

como vimos colocando, eles localizam a filosofia em Marx, a partir de

Engels. Nisso, tendem não a dividir o pensamento de Marx em suas partes

constitutivas, mas a afirmar a doutrina, o marxismo. Esta tradição ampliou-se

sobretudo porque a Revolução Socialista tornou-se vitoriosa na Rússia.

Mesmo quando se coloca a filosofia, fica claro que essa reduz-se à doutrina, à

ortodoxia.

O precursor de marxismo na Rússia. G.V. Plekhânov, por exemplo, diz

em uma obra de 1908, “enquanto era marxista”, de acordo com uma paráfrase

de Lênin:

“A filosofia de Marx e de Engels não é somente uma filosofia materialista, ela é o

materialismo dialético. Mas combate-se esta doutrina (este sublinhado é meu)

dizendo, em primeiro lugar, que a dialética em si mesma não resiste à crítica e, em

segundo, que precisamente o materialismo é incompatível com a dialética...”179

Não é preciso dizer que Plekhânov esforça-se por demonstrar que a

filosofia de Marx e de Engels, apesar da crítica, é o materialismo dialético. E

ele faz isso, ao longo do livro, conforme Engels, reduzindo as partes

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constitutivas do pensamento de Marx – inclusive o materialismo dialético – à

resultante da interpretação engelsiana. É claro que tudo isso no livro de

Plekhânov. Até mesmo o prefaciador moderno do mesmo, D. Riazanov,

corrobora isto ao dizer:

“Por socialismo científico, entendemos a doutrina comunista que, desde 1840

(sublinhado meu), começou a se desprender do socialismo utópico, sob a forte

influência da filosofia hegeliana, de um lado (sublinhado meu), e da economia

clássica de outro; que deu, pela primeira vez, uma explicação real de todas as etapas

do desenvolvimento da civilização humana; que demoliu sem piedade os sofismas

dos teóricos burgueses e que, ‘armada de todo o saber de seu século” (Riazanov não

diz, mas a citação é uma paráfrase de Lênin no artigo Karl Marx), partiu em defesa do

proletariado”180

.

Este livro de Plekhânov não contradiz a interpretação leninista. Ao

contrário, é a mesma e usa o mesmo método de investigação, via Engels.

Talvez, pela precedência, devêssemos dizer que a interpretação de Lênin

não contradiz a de Plekhânov, nem a deste a de Engels.

Lênin, entretanto, em 1913, no artigo Karl Marx, localiza o “novo

materialismo”, que ele chama de “materialismo filosófico”, corretamente ao

dizer que ele se forma a partir de 1844-45. Mas sua referência é também

Engels, do Anti-Dühring e do Ludwig Feuerbach. Logo, o “materialismo

filosófico”, por oposição ao “velho materialismo”, é “histórico e dialético”.

A referência anterior de Lênin é especialmente às Teses Sobre Feuerbach,

de Marx, que foram publicadas pela primeira vez em 1888, como apêndice

ao livro de Engels de nome similar, “confirmando” assim sua interpretação.

É importante notar que Lênin escreveu este artigo cinco anos após ter

publicado sua principal obra filosófica, Materialismo e Empiriocriticismo. Não

cabe dúvidas portanto quanto à segurança de suas afirmações. No artigo, ele

separa a Doutrina de Marx de acordo com o desenvolvimento desta sobre

“as três principais correntes ideológicas do século XIX, nos três países mais

avançados da humanidade: a filosofia clássica alemã, a economia política clássica

inglesa e o socialismo francês, em ligação com as doutrinas revolucionárias

francesas em geral”181

.

Estamos de acordo com Lênin que a filosofia em Marx é fruto do

desenvolvimento sobre a filosofia clássica alemã. E também que o

“materialismo filosófico” é “dialético”. Discordamos contudo da interpretação

engelsiana que ele usa para concluir:

“Nada há de definitivo, de absoluto, de sagrado para a filosofia dialética (sublinhado

meu). Ela mostra a caducidade de todas as coisas e para ela nada mais existe senão

o processo ininterrupto do surgir e do perecer, da ascensão sem fim do interior para

o superior, de que ela própria não é senão o simples reflexo no cérebro pensante”182

.

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E, ainda com Engels, ele diz: “A dialética é a ciência das leis gerais do

movimento, tanto do mundo interior como do pensamento humano”183.

Enfim, Plekhânov e Lênin tratam o materialismo dialético de acordo com

a doutrina do marxismo; vale dizer dentro do marxismo. O desenvolvimento de

ambos é sobre a interpretação engelsiana, inclusive porque para eles Marx

e Engels, e não um ou outro, são os “fundadores do marxismo”.

Com a vitória dos bolcheviques (em russo quer dizer maioria), o marxismo

na URSS tornou-se marxismo-leninismo. E é do principal dirigente prático do

socialismo soviético a seguinte definição de materialismo dialético:

“O materialismo dialético é assim chamado, porque a sua maneira de considerar os

fenômenos da natureza, o seu método de investigação e de conhecimento é dialético

e a sua interpretação, a sua concepção dos fenômenos da natureza, a sua teoria é

materialista”184

.

Esta definição teve um objetivo didático. É de Josef Stalim. Ele, é claro,

não fez nada mais do que dar uma fórmula simples, didática à interpretação

engelsiana desenvolvida pelos “filósofos russos” Plekhânov e Lênin.

Com isto, encerramos nossa localização, a grandes traços, da origem da

questão “materialismo dialético” na filosofia de Marx. Resta acrescentar que

a interpretação engelsiana levou à divisão do marxismo, enquanto teoria,

em “materialismo dialético” e “materialismo histórico”.

E, sobre o primeiro, vale a pena citar as “três teses fundamentais” do

materialismo dialético de Engels, que, segundo Iring Fetscher, um crítico do

marxismo, “até hoje fazem parte do conteúdo fixo da ideologia marxista-leninista”:

“1. A unidade do mundo consiste na... sua materialidade; 2. As formas fundamentais

de todo ser são espaço e tempo e um ser fora do tempo seria tão impensável quanto

um ser fora do espaço; 3. O movimento é a forma de existência da matéria. Nunca e

em parte alguma houve matéria sem movimento, nem pode haver... Toda a

imobilidade, todo equilíbrio é apenas relativo, tem apenas sentido em relação a esta

ou aquela forma de movimento”185

.

Nossa questão sobre o materialismo dialético, diferentemente da

perspectiva engelsiana, e com ela da Escola russa, coloca este como o que

se pode chamar de síntese de Marx sobre a filosofia clássica alemã, no

desenvolvimento que termina em Hegel. É o resultado da produção

intelectual de Marx em filosofia. Não é o materialismo dialético, enquanto

resultado da trajetória de Marx em filosofia, uma perspectiva filosófica que

abarca o movimento da natureza e o movimento do pensamento.

É possível que enquanto weltanschauung, resultado ainda da síntese

sobre a filosofia alemã por Marx, o materialismo dialético seja parte

presente da obra posterior em história e economia. É possível ainda que o

esforço de Engels, sobretudo por causa do método dialético, em levar e

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unificar o materialismo dialético à “ciência geral do movimento natural e social”,

se se entende Engels como co-fundador do marxismo, tenha sido pertinente

no seu tempo. Tudo nesse caso é possível, pois o materialismo dialético é

parte da doutrina do marxismo e, enquanto tal, está a ela ligado.

Mas, no sentido de que o pensamento de Marx seja discutido de acordo

com uma trajetória biobibliográfica fundamentada numa localização das

obras do período 1834-47 em relação ao seu pensamento como um todo,

não é possível definir o materialismo dialético enquanto filosofia, numa

relação com a ciência. Cabe a Engels e não a Marx tal definição.

Marx, sobre o que se pode chamar de materialismo dialético, uma

expressão deduzida dele, expôs suas principais concepções,

conclusivamente, a partir de 1845 até 1847. E estas são sínteses sobre a

filosofia que ele se movia. São obras que chamamos de filosofia crítica.

É bem verdade que, conforme a expressão de Gramsci, a filosofia de

Marx, enquanto weltanschauung, é uma filosofia da práxis. Marx conclui sua

síntese fantástica dizendo que trata-se de transformar o mundo e não

somente interpretá-lo como fizeram os filósofos especulativos alemães.

Mas a filosofia de Marx, materialismo dialético ou filosofia da práxis, o nome

não importa aqui, se caracteriza por uma série de fundamentos – não os

fundamentos com relação à ciência natural, como quis Engels – que

passamos a colocar a seguir na parte final desta dissertação, localizando as

três principais obras da última volta da espiral do conhecimento da dimensão

filosofia.

3. Obras de Bruxelas: 1845-47

É significativo o fato de que o exílio de Marx em Bruxelas se deu por um

motivo político. O exílio parisiense, aliás, teria sido também político. A

diferença de conotação de político entre ambos os exílios é que, no primeiro

caso, Marx foi expulso de França, enquanto que, no segundo, foi uma

opção face à censura da imprensa prussiana.

Guizot, o ministro do interior francês em 1844, ordenou o fechamento da

publicação dos emigrados alemães em Paris, o Vorwärts (Adiante) e a

expulsão dos seus diretores e colaboradores. Nessa publicação, Marx

escreveu o artigo O Rei de Prússia e a Reforma Social. Sua expulsão foi

consequentemente decretada. Por isso, no início de 1845, Marx chegava a

Bruxelas, onde deveria viver até 1848.

O que caracteriza a trajetória do homem Marx desde a expulsão de

França é a prática política do intelectual. Esta é fundamental nas obras de

Bruxelas – fora da dimensão filosofia, o coroamento de tal prática, com a

consequente mudança de enfoque da sua produção intelectual, é sem

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dúvida nenhuma a obra dele e de Engels o Manifesto Comunista, escrita em

Bruxelas.

Na dimensão filosofia, tanto as Teses de 1845 como a Ideologia Alemã e

a Miséria da Filosofia, as obras têm um traço político, talvez o mais

importante, e que as caracteriza. Por político, com Gramsci e também Marx,

entendemos a ação, a prática. E é Marx que diz na Tese II:

“É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, é dizer, a realidade e o

poderio, a terrenalidade de seu pensamento. O litígio sobre a realidade ou irrealidade

de um pensamento que se isola da prática é um problema puramente escolástico”.

A prática do intelectual Marx, em Bruxelas, não se resume portanto a

discussões inter-pares nem a conferências. Significa sobretudo a liquidação

da filosofia especulativa alemã. E isto é feito sobre Feuerbach, nas Teses,

pois ele era o seu elo mais próximo de uma superação de Hegel. A crítica de

Hegel e de sua Escola, como vimos, nas Obras de Paris, Marx esteve com

Feuerbach, especificamente ao usar categorias chaves deste. Iniciar uma

nova weltanschauung sobre Feuerbach, desse ponto de vista, foi lógico para

Marx.

A nova weltanschauung adquire sua forma desenvolvida n’A Ideologia

Alemã, na parte intitulada FEUERBACH. A obra de Marx e Engels foi escrita

em 1845-46 e publicada pela primeira vez na URSS, em 1832 – é

importante ter em conta, nessa obra, a relação intelectual, afetiva, política e

econômica de Marx e Engels. A Ideologia Alemã é mais do que um ajuste de

contas com a “consciência filosófica anterior”, como enfatiza Althusser. Ela é,

também, dirigida contra a Escola hegeliana que, além de interpretar

erroneamente Hegel, tinha uma influência literária – Bauer e consortes – e

política – Karl Grün e os representantes do “socialismo verdadeiro”. Marx

diz logo no início, no FEUERBACH:

“Por dependerem de Hegel (a crítica alemã), nenhum destes modernos críticos

tentou sequer fazer uma crítica de conjunto ao sistema hegeliano, porém, todos eles

afirmam convictamente terem ultrapassado Hegel”186

.

É claro que o combate de Marx – e também de Engels – à Escola

hegeliana tem mais do que um simples “ajuste de contas”. Há uma disputa

política por uma superação do hegelianismo. A de Marx não deixa de dar a

Hegel os seus méritos, nem de considerá-lo “um grande pensador”187,

tampouco de tê-lo visto em conjunto, ao contrário dos seus discípulos. Até

mesmo Feuerbach, como diz acertadamente Engels no Ludwig Feuerbach,

não levou Hegel à sua antítese: “Feuerbach rompeu o sistema e o deixou

simplesmente de lado”188.

Numa terceira e última obra desse período, Marx faz a mesma liquidação

sobre Proudhon. Mas por que o “economista” Proudhon? Se alguém fizesse

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essa pergunta, não seria ingênuo. Proudhon, de fato, acompanha a

bibliografia de Marx até O Capital189. Ele é também, e é este o ponto, um

militante do movimento revolucionário europeu, enquanto um dos teóricos do

anarquismo.

A questão contra Proudhon, entretanto, que resulta na obra Miséria da

Filosofia, é também, em toda a sua segunda parte, filosófica. Marx

ridiculariza Proudhon da seguinte forma:

“O Sr. Proudhon tem a desgraça de ver-se incompreendido de singular maneira na

Europa. Na França lhe reconhecem o direito de ser um mau economista, porque tem

fama de ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha reconhecem-lhe o direito de ser

um mau filósofo, porque tem fama de ser um economista francês dos mais

abalizados. Em nossa qualidade de alemão e economista a um tempo, quisemos

protestar contra esse duplo erro”190

.

As obras de Bruxelas são as finais da filosofia marxiana. Cada uma

delas, na dimensão filosofia, o que excetua logicamente o Manifesto

Comunista, têm características particulares. O traço que as une, a nosso ver,

é a relação que têm com a prática intelectual de Marx. Vamos aos

particulares.

As Teses de 1845 são, sem exageros, uma síntese fantástica. Aí, Marx

coloca contra Feuerbach os fundamentos do “novo materialismo”. Marx

critica Feuerbach em seu “materialismo contemplativo” – sobre esse

“materialismo contemplativo”, Engels pergunta, criticando Feuerbach: “Mas

como um filósofo solitário podia, no retiro do campo, seguir os progressos da

ciência?”... 191.

Sobre este, Marx coloca a prática. As Teses I, II, III, V, VIII e XI enfatizam

a prática: “prático-crítica”, “problema prático”, “prática revolucionária”, “atividade

sensorial humana prática”, “vida social prática” e “transformar”, respectivamente.

As teses IV, V e VII liquidam com a crítica religiosa – “A crítica da religião é

a premissa de toda crítica”, dizia Marx na Introdução de 1844. Na sétima tese,

Marx diz que o “sentimento religioso” é também um produto social. Na quarta,

conclui assim: “Por conseguinte, depois de descobrir, na família terrenal o segredo

da sagrada família, há que criticar teoricamente e revolucionar praticamente aquela”.

A sexta tese é significativa ao colocar a crítica religiosa no plano político

– desde a obra Sobre a Questão Judaica, não é demais repetir, Marx resolvia o

problema religioso a nível de uma emancipação política. Marx critica aí

Feuerbach por “fazer abstração da trajetória histórica”. E ver o homem “isolado”

e, de outro lado, como “gênero”. Isto é, Feuerbach esquece que a sociedade

é dividida em classes sociais.

As teses IX e X fazem a síntese da antítese de Feuerbach sobre Hegel.

Isto é, supera o “materialismo contemplativo”, antigo, afirmando o novo

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materialismo. É o que diz a décima tese, por ex.: “O ponto de vista do antigo

materialismo é a sociedade ‘civil’; o do novo materialismo, a sociedade humana ou a

humanidade socializada”.

Marx nessa síntese fantástica, é bem verdade, desloca a importância da

filosofia. Na obra contra Proudhon, ele se diz economista. Funda ele então

uma outra “filosofia”? Diríamos que ele passa a mover-se numa outra

weltanschauung, em que não basta a simples “interpretação”, mas lutar pela

“transformação”. Nesse sentido, a tese XI é a mais característica, na sua

forma sintética, da problemática filosófica em Marx: “Os filósofos não têm feito

mais que interpretar de diversos modos o mundo, mas do que se trata é de

transformá-lo”.

Sua obra filosófica desde então, A Ideologia Alemã e a Miséria da Filosofia,

chega a seu termo assentando uma perspectiva que prima pelo

desenvolvimento histórico e real da evolução social, na primeira obra, e pelo

assentamento metodológico da dialética marxiana, na segunda, ensinando,

mais uma vez a Proudhon o processo dialético192:

“Tese: o monopólio feudal anterior à concorrência.

Antítese: a concorrência.

Síntese: o monopólio moderno”...193.

A Ideologia Alemã são

“dois grossos volumes em oitavo... abandonados à roedora crítica dos ratões, tanto

mais a gosto quando já havíamos alcançado nosso fim principal, aclarar nossas

próprias ideias”194.

Está portanto dividida a Ideologia Alemã em dois volumes. O primeiro

discute, ou melhor, expõe, antecipando, a perspectiva “histórica do

movimento social”. Isto é feito sobretudo na primeira parte, o FEUERBACH.

As segunda e terceira partes são SÃO BRUNO e SÃO MAX. Nessas, o

desenvolvimento é parecido com o d’A Sagrada Família: o tom irônico é sua

característica.

Transcende em importância a primeira parte. É aí que Marx reafirma, de

forma conclusiva, contundente, a história, já como ciência geral do movimento

social, sobre a filosofia – não se pode esquecer que na Introdução de 1844

Marx dizia: “a filosofia, que está a serviço da história”...

Uma citação pode tornar isto mais claro:

“O primeiro fato histórico é pois a produção dos meios que permitem satisfazer

essas necessidades, a produção da própria vida material; trata-se de um fato

histórico, de uma condição fundamental de toda a história, que é necessário, tanto

hoje como há milhões de anos, executar dia a dia, hora a hora, a fim de manter os

homens vivos”195

.

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Há quem veja na Ideologia Alemã os traços fundamentais do pensamento

de Marx. E isso especificamente nessa primeira parte, sobre FEUERBACH. É

relativamente certo, pois aí Marx coloca concepções do “materialismo

histórico” e da Economia Política, além de assentar a nova weltanschauung.

De acordo com o nosso ponto de vista, entretanto, Marx coloca na sua

síntese filosófica princípios gerais, não desenvolvidos e, sobretudo, não

comprovados na prática, no particular. Se considerarmos que sua bibliografia

move-se às dimensões história e economia, isto torna-se claro nas obras

clássicas sobre a história de França – especialmente o 18 Brumário – e, no

caso da economia, n’O Capital.

Marx, com efeito, coloca n’A Ideologia Alemã os princípios gerais de

concepções que viria, a partir daí, a resolver nos seus traços particulares, de

acordo com o método científico. O segundo volume é a comprovação disso.

Executando toda uma extensa parte em que a discussão com os

hegelianos é ainda irônica e repetitiva dos limites destes frente ao seu

mestre e a si mesmos, no segundo volume o que se destaca é a “Crítica ao

Socialismo Alemão na Pessoa dos Seus Diferentes Profetas”. O principal

deles é Karl Marx Grün, o mesmo que em Bonn era um dos representantes

do “Clube da Taverna do Trier”. Karl Grün foi um dos fundadores do

“socialismo verdadeiro” na Alemanha.

Marx coloca nesta parte última d’A Ideologia Alemã os princípios gerais da

teoria comunista que desenvolveria, também com Engels, no Manifesto

Comunista. Mas a questão é a prática política do intelectual: para Marx – e

também para Engels196 - o combate a concepções “ingênuas”, “utópicas”,

“equivocadas”, “ideológicas”, etc., era então uma necessidade. O “socialismo

verdadeiro” seria reduzido à sua significância no Manifesto Comunista, como

também outros tipos de “socialismos”197.

A última obra de Marx na dimensão filosofia que analisamos é a Miséria

da Filosofia – dissemos acima que há um sentido de liquidação da filosofia

por Marx nas obras de Bruxelas e, em que pese que a Miséria da filosofia é

um livro-resposta à Filosofia da Miséria, de Proudhon, é curiosa a

coincidência com o título da obra de Marx.

Marx escreveu esta obra após uma carta que lhe enviou Proudhon

juntamente com sua recente obra – Système des Contradictions

Économiques ou Philosophie de la Misère - , pedindo uma “crítica”. Marx

escreveu então a Miséria da Filosofia determinando, por parte de Proudhon,

que não deve ter achado nada engraçado ser ridicularizado de forma tão

contundente, o fim do relacionamento de ambos, que começara em Paris,

onde Marx ensinou a filosofia hegeliana a Proudhon198.

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A segunda parte da Miséria da Filosofia mostra, de fato, como Marx

antecipa que Proudhon não é nem economista nem filósofo, a despeito da

crítica francesa e alemã.

Simplesmente, Marx discute a questão central em Hegel: o método. Prova

que Proudhon não só não tinha compreendido Hegel, como a antítese há

havia sido feita por ele, Marx.

A antítese, no caso de Proudhon, era, no seu desdobramento, afirmar o

ponto de vista do proletariado, enquanto classe social na revolução social.

Marx nunca deixou de combater a posição equivocada do “proudhonismo”. Diz

Marx o seguinte, quase concluindo a obra:

“No transcurso de seu desenvolvimento, a classe operária substituirá a antiga

sociedade civil (esta expressão muda no Manifesto Comunista para ‘sociedade

burguesa’), por uma associação que exclua as classes e seus antagonismos (idem;

para o comunismo); e não existirá já um poder político propriamente dito, pois o

poder político é, precisamente, a expressão oficial do antagonismo de classe, dentro

da sociedade civil”199

.

É mister colocar, encerrando esta dissertação de mestrado, que o

materialismo dialético, tal como o concebeu Engels, não chega a ser uma

epistemologia da ciência, nem, no método, a “ciência das leis gerais do

movimento tanto do mundo exterior como do pensamento humano”.

Se considerarmos, com Engels et. al., que a filosofia de Marx é

materialista e dialética, portanto materialista dialética, vemos nessa uma

weltanschauung que, contra a especulação filosófica, afirma a prática dentro

de uma perspectiva histórica, e contra os “socialistas verdadeiros” e contra

o “socialista Proudhon” afirma o socialismo feito pelo proletariado

revolucionário.

Terminamos, com efeito, localizando as últimas palavras de Marx nessa

obra que, bibliograficamente, encerra nossa dissertação de mestrado e é o

fim da trajetória de Marx na dimensão filosofia:

Somente em uma ordem de coisas na qual já não existem classes e antagonismos de

classes, as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas. Até que esse

momento chegue, em vésperas de toda reorganização geral da sociedade, a última

palavra da ciência social será sempre:

“Lutar ou Morrer; a luta sangrenta ou o nada. Eis o dilema inexorável”200

.

George Sand

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93

NOTAS

¹ Usamos a expressão de Bacharelard no sentido de “causas de estagnação e mesmo de

regressão (...), de causas de inércia” que obstaculizam a compreensão do pensamento

de Marx – cf. La Formation de l’Esprit Scientifique, 1º capítulo. ² A obra de Althusser em questão é “A Favor de Marx” (Pour Marx), especialmente a

alínea II do prefácio (“Aujourd’hui”).

³ Respectivamente, por exemplo: Fromm, in Conceito Marxista do Homem; Ossowski, in

Estrutura de Classes na Consciência Social; e Mendel, in a Formação do Pensamento

Econômico de Karl Marx.

4

A Escola, o Estado e a Igreja são superestruturas que detêm a reprodução do saber,

pelo consenso ou pela força, construindo a(s) ideologia(s) dominante(s). Isto para grupo

ou sociedade determinados. Não especificamente, mas muito interessante, pois traz

bastantes subsídios para uma discussão sobre a reprodução da ideologia, pode-se

consultar a obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, de Althusser.

5 A relação filosofia e ciência, e vice-versa, é histórica. A célebre Ding na sich de Kant foi

refutada por Hegel, que exigia o conhecimento das propriedades (das nossas relações:

“Desde o momento em que conhecemos todas as propriedades de uma coisa,

conhecemos também a coisa mesma; só sobra de pé o fato de que esta coisa existe fora

de nós, e quando percebemos este fato, apreendemos até o último reduto a coisa em si,

a famosa e incognoscível Ding na sich de Kant”, disse então Hegel.

6 É a partir de uma releitura ou descoberta dos textos filosóficos de Marx que surgem

interpretações nesse sentido. A bibliografia existente vai de Lênin a Althusser, para usar

uma “medida”. Um bom representante desta corrente é: Markus, G., que inclusive

polemiza com Althusser, ver sua Teoria do Conhecimento no Jovem Marx.

7 A Favor de Marx, p. 25.

8 Stepanova, de acordo com Lênin, considera o ano/obra de 1844 (A Sagrada Família)

como de passagem ao materialismo dialético ou filosófico.

9 Stepanova, E., Esbozo Biográfico de Carlos Marx, Moscou, 1975, p. 57. Desde aqui,

todas as citações em língua estrangeira foram traduzidas livremente.

10 Não há nenhuma dúvida quanto a ser Friedrich Engels o principal expositor e defensor

do marxismo. Engels co-realizou a doutrina geral do marxismo. Outras obras clássicas,

de Marx (A Miséria da Filosofia) e de Lênin (a brochura “Karl Marx”), também servem

para caracterizar o marxismo. Mas, a obra de Engels, quase toda ela dedicada a esse fim,

se destaca.

11 A noção de “corte” é fundamental em toda a obra de Althusser. Ver, também, de El

Capital a la Filosofia de Marx, prefácio de Para Leer El Capital, PP. 18 a 77. Para o

segundo caso cf. Mondolfo, R., Estudos sobre Marx.

12 De acordo com o método dialético há a afirmação (tese), que é negada (antítese) e que,

por sua vez, também é negada (negação da negação em Hegel e síntese em Marx). A

síntese em Marx é a superação das duas condições anteriores, quando ele expõe sua

concepção crítica.

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13 É importante notar que as obras completas de Marx só ficaram conhecidas muito

tempo depois da sua morte. O próprio Lênin não conhecia a Ideologia Alemã senão por

referência. Quem adverte para a importância do original e para as obras que foram

publicadas por Marx é Antonio Gramsci. Ver Concepção Dialética da História,

Rio,PP.94a98.

14 Para Marx, só a Economia Política poderia desvendar as relações ocultas da sociedade

burguesa. Ver o epistolário: Marx e Engels, Correspondência Selecionada. Para a

expressão “anatomia da sociedade burguesa” (bürgerliche gesellschaft) veja

oPrefáciode1859.

15 Esta questão teve mais repercussão com Althusser.

16 Citado em Mclellan – Karl Marx – Su Vida y Sus Ideas – pp. 23 s., e na biografia de

l’Institut Du marxisme-léninisme – Karl Marx, Sa Vie, Son Oeuvre – pp. 165s.

17”Sua obra posterior, vindo, como era o caso, do tremendo impacto que sobre ele

exerceu Hegel e a escola hegeliana, continha questões totalmente diferentes e, por isso,

respostas distintas.”

18 O professor que corrigiu o ensaio de Marx foi Wyttenbach, liberal, posto em suspeita

pelos órgãos repressivos desde uma manifestação a favor da liberdade de imprensa –

Muito interessantes são os artigos de Marx no Rheinische Zeitung, de maio de 1842 – ver

“Marx e a Liberdade de Imprensa”, Porto Alegre, 1980.

19

p. 20.

20 Engels explica da seguinte forma tal oposição: “Os filósofos se dividiam em dois

grandes campos... Os que afirmavam o caráter primário do espírito frente à natureza, e

portanto admitiam, em última instância, uma criação do mundo sob uma ou outra forma

(...) formavam no campo do idealismo. Os outros, os que reputavam a natureza como

primária, figuram nas diversas escolas do materialismo.” In Engels, F., Ludwig

Feuerbach y el Fin de la Filosofia Clásica Alemana, p. 17s.

21

Não há registros de uma vida escolar de Marx antes da Escola Superior do Trier.

Famílias judaicas tradicionais, naquela época, por outro lado, tinham o hábito de

ministrar a primeira educação aos seus filhos (em Marx, há sólida influência do pai; em

Weber, ao contrário, é a mãe que o influencia na formação da personalidade). Para essa

interpretação, cf. Konder, L. in Marx, Vida e Obra.

22 Uma árvore genealógica dos Marx, desde o início do século XVI, encontra-se na

biografia de Mclellan.

23 Respectivamente, os ensaios Sobre o Imperador Augusto, Sobre o Evangelho de São

João e Sobre a Eleição de uma Profissão.

24 Konder, L., Marx, Vida e Obra.

25 Giannotti diz: “A vida de casada não foi fácil para essa mulher (Jenny) rica, inteligente

e dedicada.” Já Mclellan diz: “...se bem que, de modo algum, eram (Os Westphalen)

família rica.” O fato é que os Westphalen não eram ricos. Demonstra-se o pobre dote de

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Jenny ao casar e a insignificante herança que recebeu. Tinham, contudo, o que Luciano,

de Balzac, pensou ser seu melhor trunfo na corte: uma nobiliarquia adquirida por

processo “extra-hereditário”.

26 A referência é a brochura “Karl Marx”, de Eleanor Marx-Aveling.

27 Estimulado por Bruno Bauer, para dar um fim ao “estúpido exame”, Marx enviou sua

tese a Yena, nos primeiros dias de abril de 1841. No dia 15 da mesma data, recebeu in

absentia sua graduação. Não foi uma “brilhante defesa de tese”, disse Konder, op. cit., p.

43.

28 Na Ideologia Alemã, Marx e Engels criticariam impiedosamente o “Sr. Karl Grün, ver

vol. 2. Pp. 369 a 441.

29 Na verdade, considerando a genialidade de Marx, sua imensa obra e sua condição de

líder da revolução socialista, não é muito fácil acreditar que ele tenha vivido como um

simples mortal; em outras fases de sua vida, a farra também esteve presente; o hábito de

beber, nunca deixou; nos últimos dias de sua vida, “bebia um quarto de litro de leite por

dia e a cada quatro dias dava conta de uma garrafa de conhaque”, como disse Mclellan,

p. 519.

30 É como disse Lacan: “Estamos de acordo em que o amor é uma forma de suicídio”, in

os Escritos Técnicos de Freud, Seminário 1. É curiosa uma citação de Marx, extensa, de

Henriette Von Paalzow, romancista alemã, ao criticar Edgar Bauer, que se gabava de tê-la

“estudado a fundo”: “O amor... é um deus cruel que, como todas as divindades, quer

possuir o homem inteiro e só tem descanso quando o homem lhe tiver sacrificado não

só a alma mas ainda o seu Eu físico. O culto do amor é o sofrimento, e o apogeu deste

culto é o sacrifício de si mesmo, o suicídio”; cf. Marx e Engels, A Sagrada Família, p. 36.

31 Op. cit., p. 33.

32 “...a subjetividade é uma determinação do sujeito e a personalidade uma determinação

da pessoa”. Ver Marx, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, p. 36.

33 Konder, op. cit., p. 35s.

34 O DoktorKlub era formado por hegelianos de esquerda. Entre os líderes (Marx também

foi figura destacada), destacava-se Bruno Bauer.

35 “Marx havia deixado totalmente de escrever poemas e, quando em 1839, quis oferecer

(a Jenny) mais poemas, o que fez foi copiar notoriamente alguns dos que figuravam em

antologias recém-editadas” – Mclellan, p. 45.

36 Bruno Bauer foi professor de filosofia na Universidade de Bonn, até 1841, quando o

“reacionarismo alemão” alijou das universidades os hegelianos de esquerda.

37 Ver, por ex., A Ideologia Alemã e Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (CFDH).

38 O “estúpido exame”, quer dizer, a tese e a dissertação necessárias ao ingresso no

corpo docente da Universidade.

39 Citado em Mclellan, op. cit., p. 40.

40 Marx, em diversas passagens, ridicularizaria a atividade docente da época. Sobre o Sr.

Grün, numa carta a J.B. Schweitzer, de janeiro de 1865, ele disse: “Na qualidade de

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professor de filosofia alemã, leva-me a vantagem de não entender uma palavra da

matéria”.

41 Carta de F. Guilherme IV a Bunsen. Citado em Mclellan, op. cit., p. 52. Sobre o

“Irracional Schelling”, cf. Lukács in la Trayetória del Irracionalismo.

42 “Graças a Karl Marx, o jornal foi adquirindo uma orientação mais e mais

revolucionária” – in Stepanova, Esbozo Biográfico. Ver também o ensaio de N.W.Sodré,

“Marx e a Imprensa”.

43 No seu exílio londrino, por ex., Marx escreveu para o New York Daily Tribune, fazendo

“jornalismo científico”, por necessidade.

44 Marx, K., Prefácio de 1859.

45 A análise, muito pertinente, desse contato encontra-se em Lowy, M., La Théorie de la

Revolution Chez Le Jeune Marx.

46 A ICFDH saiu no Deutsch-Französische Jahrbücher, em fevereiro de 1844. Também o

artigo Zur Judenfrage (Sobre a Questão Judaica) foi escrito em Kreuznach, em 1843.

47 Engels assim se manifestou a propósito da ruptura Marx-Ruge: “Eu, por ex., não

consigo fazer entender a Jung (George) e a uma multidão que, entre Ruge e nós, existe

uma diferença de princípios; eles sempre julgam que trata-se unicamente de uma briga

pessoal. Quando dizemos que Ruge não é comunista, eles não acreditam e dizem que é

uma pena deixar inconsideravelmente de lado uma ‘autoridade literária’ tal como Ruge.”

In Lowy, M.

48 Cf. Lênin, Cuadernos Filosóficos, p. 17.

49 “Se Marx desenvolveu quase sozinho toda a parte econômica da teoria marxista, é a

Engels que se deve a honra de primeiro ter levado Marx ao estudo da Economia Política

e de ter compreendido, ‘num esboço genial’, a importância central dessa ciência para o

comunismo” – in Mandel, A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx.

50 É Marx que diz “genial esboço” ao artigo de Engels. Cf. o Prefácio de 1859.

51 Ver a carta de Engels “Al Comité Comunista de Correspondencia de Bruxelas”,

endereçada de Paris, em 23.10.1846.

52 Apesar de, a nosso ver, exagerar a influência de Feuerbach sobre Marx, Mondolfo

apresenta um extenso e importante capítulo intitulado: “Feuerbach e Marx”, in Estudos

sobre Marx.

53 Todo o capítulo primeiro da Miséria da Filosofia, por ex., discute uma questão central

da economia: a teoria do valor. Também nos Manuscritos de Paris, Marx passa, em

diversas partes do texto, da filosofia à ciência. E, a parte primeira da Ideologia Alemã,

evidencia questões a nível da ciência, a “ciência da história”.

54 Esta é uma ideia que discutimos no capítulo conclusivo desta dissertação.

55 Id., alínea 2.

56 Talvez, com Lênin, o traço mais significativo da biografia de Marx seja a do

revolucionário.

57 Marx, Introdução de 1844.

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58 In Mclellan, p. 38; e Mészaros, p. 161.

59 Mészaros, ibid.

60 In Mclellan, p. 34.

61 “Assim, quando chegou à conclusão... de que o problema não tinha sua origem no

interior da filosofia, mas no conjunto das relações entre ela e o mundo real, e que a

solução residia portanto na transformação desse mundo”...

62 Marx enfatizou a distinção dos dois métodos na Introdução de 1857.

63 Marx, O Capital (posfácio à 2ª. ed.)

64 Ver, respectivamente: Pessanha, Marx e os Atomistas Gregos; Lênin, Cuadernos

Filosóficos: e, para a crítica a Althusser, Vásquez, Ciência e Revolução.

65 Ruge, Bauer e Marx planejavam publicar uma revista intitulada “Arquivos de Ateísmo”.

66 Tese de 1841.

67 Pessanha, op. cit.

68 Cit. em Mclellan, p. 50.

69 Marx, CFDH, p. 15.

70 Ver, por ex., Fromm, in Conceito Marxista do Homem.

71 Id., p. 36.

72 Ibid., p. 16

73 p. 14.

74 Introdução de 1857; p. 246, na nossa obra de consulta-cf.bibliografia.

75 p. 168s.

76 p.140s.

77 Marx, História Crítica de la teoria de la Plusvalía (Theorien Über den Mehrwert), vol. II,

p. 58.

78 Marx, Sobre a Questão Judaica, p. 21.

79 CFDH, p. 166s.

80 A Questão Judaica, p. 17.

81 Id., p. 19.

82 Isto é, fazer a antítese da dialética hegeliana.

83 O Capital, p. XXIII.

84 A Ideologia Alemã, vol. 1, p. 15.

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85 Questão Judaica, p. 17

86 Prefácio de 1859.

87 Questão Judaica, p. 32s.

88 Questão Judaica, p. 36

89 Ibid., p. 38.

90 Ibid., p. 39.

91 Ibid., p. 40.

92 Ibid., p. 43.

93 Questão Judaica, p. 40.

94 Ibid., p. 30.

95 Ibid., p. 40.

96 Ibid., p. 44.

97 CFDH, p. 191.

98 Quer dizer, a prática do intelectual.

99 Em 1841, na dissertação para uma vaga de leitor em filosofia na Universidade de Bonn,

junto com os hegelianos, “Marx continuava com a reivindicação de que Hegel havia

invertido as tradicionais provas da existência de Deus e, com isso, as havia refutado”; já

para a confecção da CFDH, em 1843, Marx sofria influência de Feuerbach, considerando

que “a filosofia de Hegel era o último refúgio da teologia e, como tal, havia de ser

abolida”. In Mclellan. p. 53 e 83, respectivamente.

100 O trabalho de Feuerbach sobre religião que mais influenciou Marx, ainda segundo

Mclellan, foi “As Teses Preliminares Para a Reforma da Filosofia”.

101 ICFDH, p. 3, e 3 e 4 para cit. ss.

102 ICFDH, p. 4.

103 Nesta, a relação história-filosofia é referenciada no “mundo real”, a França e a

Alemanha.

104 ICFDH, pp. 7 e 8.

105 ICFDH, pp. 9 e 10.

106 Ibid., p. 8

107 Ibid., p. 15.

108 Engels, Ludwig Feuerbach, p. 53.

109 Veja, sobre esta ideia, a conclusão desta dissertação.

110 Prefácio de 1859.

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111 Id.

112 Mandel, p. 12.

113 Manuscritos de Paris, p. 87.

114 “Na ciência não há calçadas reais, e quem aspire a remontar suas luminosas alturas,

tem que estar disposto a escalar a montanha por caminhos escabrosos.” – prólogo à ed.

Francesa de O Capital.

115 Ver a correspondência de Marx e Engels sobre o tomo I de O Capital.

116 Op. cit., p. 125.

117 Cf., p. ex., Fromm, op. cit., e também Althusser, entre outras obras, De El Capital a La

Filosofia de Marx, in “Lire le Capital”.

118 p. 87.

119 Id., p. 94s.

120 Mclellan, p. 137, op. cit.

121 p. 125.

122 Veja a História Crítica de la Plusvalía, vol. 1.

123 p. 94.

124 p. 145.

125 Só em 1859 Marx publicaria seu primeiro livro de economia política: Contribuição à

Crítica da Economia Política.

126 Ver os caps. XXIII e XXIV, sobre o processo de acumulação de capital, e

especificamente o cap. VIII, sobre a jornada de trabalho.

127 pp. 126-27.

128 p. 88.

129 p. 159.

130 Isto sobretudo após 1845, com as Teses Sobre Feuerbach.

131 Manuscritos, p. 151.

132 Ver a carta de Marx a Engels, de 24.4.1867.

133 Op. cit., p. 15.

134 Id., p. 34.

135 Cuadernos Filosóficos, p. 18

136 Uma relação dos textos de Althusser (livros, artigos, ensaios, textos em compilação)

acha-se em Vázques, op. cit., pp. 175-78.

100

100

137 Veja o mesmo Vázques em Ciência e Revolução, onde ele critica “o marxismo de

Althusser”.

138 Althusser diz em “Pour Marx”: “... o Jovem Marx jamais foi hegeliano. De início,

kantiano-fichtiano; depois, feuerbachiano”.

139 Id., p. 36.

140 p. 145.

141 Muito antes dele, por ex. Mondolfo, no Feuerbach e Marx, já dizia isto.

142 A Favor de Marx, p. 35.

143 Obras Escolhidas, vol, 1, p. 31.

144 A Sagrada Família, p. 321.

145 p. 8.

146 “Nosso completo acordo em todos os campos teóricos se fez claro – escreveu Engels

-, e nossos trabalhos em conjunto datam daqueles dias” – In Sobre a História da Liga

dos Comunistas. Ver também o Ludwig Feuerbach, p. 35, onde ele diz: “Marx era um

gênio; nós, os demais, no melhor dos casos, homens de talento”.

147 A Sagrada Família, pp. 27, 28 e 29.

148 O capital, pp. XXI e XXII.

149 In Mészaros, op. cit., p. 168.

150 Op. cit., pp. 33 e 34.

151 Ver Hegel, “Esbozos sobre Religión y Amor” e “El Amor y la Propriedad”, in Escritos

de Juventud, pp. 239s., e 261s.

152 Feuerbach era exceção, pois foi o único que teve uma “atitude séria” frente à dialética

de Hegel.

153 Manuscritos de Paris, pp. 88 e 150.

154 p. 124.

155 Sobre as Teses Sobre Feuerbach, diz Engels que “trata-se de notas desenvolvidas

mais tarde... mas de um valor enorme por ser o primeiro documento em que se contém o

germem genial da nova concepção do mundo”.

156 p. 35.

157 pp. 46 e 47.

158 Tradução Caracterizante 3, p. 71.

159 Nota Marginal Crítica nº 1, p. 48.

160 Cf. Primeiro Manuscrito, p. 89.

161 A Sagrada Família, p. 53.

101

101

162 Id. P. 55.

163 Gramsci, Concepção Dialética da História.

164 Engels, Anti-Dühring, p. 120.

165 Ver nota 113.

166 Não dizemos isso, entretanto, no mesmo sentido em que Lênin ao afirmar que “Marx e

Engels foram em filosofia, do princípio ao fim, homens de partido” – “Os Partidos em

Filosofia e os Filósofos Acéfalos”, in Materialismo e Empiriocriticismo, p. 302.

167 Na sua “Auto-crítica”, Althusser se defende invocando Lênin.

168 Althusser, Lenine e a Filosofia, p. 36.

169 Cf. Plekhânov, Os Princípios Fundamentais do Marxismo, e Lukács, Os Princípios

Ontológicos Fundamentais de Marx (cap. IV da Ontologia do Ser Social).

170 No Ludwig Feuerbach (p. 35), Engels diz: “Mas da decomposição da escola hegeliana

brotou ademais outra corrente, a única que tem dado verdadeiros frutos, e esta corrente

vai associada primordialmente ao nome de Marx”.

171 Ver, por ex., o desenvolvimento do discurso de Plekhânov sobre as críticas à

interpretação engelsiana da “filosofia do marxismo”.

172 Ver a carta de Engels ao Comitê Comunista de Correspondência de Bruxelas

(23.10.1846) e a carta de Engels a Marx (23-24.10.1847) sobre a origem do Manifesto

Comunista.

173 Esta obra incluía, no final, as XI teses de Marx sobre Feuerbach. Se se considera a

importância de Feuerbach no pensamento de Marx, a obra de Engels é significativa aop

mostrar até onde vai tal influência e o ponto de superação.

174 Anti-Dühring, p. 24.

175 Engels, id., p. 120, e Lênin, Obras Escolhidas, p. 10.

176 Ibid., p. 127.

177 Engels, Del Socialismo Utópico al Socialismo Científico.

178 Na “escola russa”, ver Plekhânov e Stalin, opp. cits. na bibliografia.

179 p. 91.

180 In Os princípios Fundamentais do Marxismo, p. 1s.

181 Obras, vol. 1, p. 7.

182 A ideia básica da teoria de Lênin encontra-se na sua maior obra de filosofia,

Materialismo e Empiriocriticismo. Aí, p. 311, ele diz: “De não se conhecer a teoria

materialista segundo a qual a consciência humana reflete o mundo exterior

objetivamente real, desliza-se necessariamente para a sensação e para o psíquico

desencarnados, para a vontade e o espírito desencarnados”.

183 Obras Escolhidas, p. 10.

102

102

184 Stálin, p. 13.

185 Fetscher, I., Karl Marx e os Marxismos, pp. 165s.

186 Vol. 1, p. 15.

187 Marx, no artigo “Revolução na China e na Europa”, assim se refere a Hegel: “Um dos

especuladores mais profundos, e também dos mais fantásticos, sobre os princípios que

orientam os movimentos da Humanidade”... In Sobre o Colonialismo, vol. 1. p. 21.

188 p. 16.

189 Para divulgar O Capital, Engels escreveu sete artigos que foram publicados na

imprensa européia; Marx pediu para Engels não esquecer, nos artigos, que o livro era

também contra o “proudhonismo”.

190 Marx, Miséria da Filosofia, p. 29.

191 Ludwig Feuerbach, pp. 23 e 24.

192 Numa carta a J.B. Schweitzer, de 24.1.1865, Marx diz sobre Proudhon: “...contagiei-o

(Paris, 1844), para grande desgraça sua, pelo hegelianismo, que por seu

desconhecimento do idioma alemão, não pode estudar a fundo”.

193 Miséria da Filosofia, p. 143.

194 A Ideologia Alemã, p. 44, vol. 1.

195 Id., p. 33.

196 É muito provável que a parte primeira de A Ideologia Alemã, o Feuerbach, seja de

Marx; e a de Karl Grün, de influência ou de Engels.

197 Especialmente p. 36s do Manifesto de 1848.

198 Se considerarmos a Miséria da Filosofia, e a carta a Schweitzer, Proudhon deve ter

sido um péssimo aluno!

199 Miséria da Filosofia, p. 165.

200 “Le combat ou la mort; la lutte sanguinaire ou le nèant. C’est ainsi que la question est

invinciblement posée” (George Sand).

103

103

ABREVIATURAS PARA ALGUMAS OBRAS DE MARX

O Ensaio de 1834: Reflexões de um Jovem Sobre a Eleição de uma Profissão.

A Carta de 1837: Carta de Marx a Heinrich Marx.

A tese de 1841: Diferença entre as Filosofias da Natureza em Demócrito e Epicuro.

CFDH: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.

ICFDH: Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.

Introdução de 1844: Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.

Manuscritos de Paris: Manuscritos Econômico-Filosóficos.

Manuscritos de 1844: Manuscritos Econômico-Filosóficos.

Manifesto Comunista: Manifesto do Partido Comunista.

Introdução de 1857: Introdução Geral da Crítica da Economia Política.

Prefácio de 1859: Prefácio de Para a Crítica da Economia Política.

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104

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(Faltam 12 referências bibliográficas de Marx, devido a uma página da bibliografia

que não estava no texto enviado para digitação)

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FICHA CATALOGRÁFICA:

SOUZA, Antonio N.

Sobre a Interpretação Engelsiana da

Filosofia de Marx: Uma Polêmica na

Ortodoxia do Marxismo. Rio de Janeiro,

UFRJ, IFCS, 1984.

112 pág.

Tese: Mestre em Ciências Sociais

1. Marx 2. Marxismo 3. Ciência

4. Filosofia

I. Universidade Federal do Rio de

Janeiro-IFCS

II. Título