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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação SOBRE CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE ADOLESCENTES NEGROS DE CLASSE MÉDIA Um estudo de caso em uma escola particular de Belo Horizonte - MG Pollyanna Alves Nicodemos Belo Horizonte 2011

SOBRE CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE ADOLESCENTES … · Sobre construções identitárias de adolescentes negros de classe média: ... vivenciaram situações de preconceito racial,

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Page 1: SOBRE CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE ADOLESCENTES … · Sobre construções identitárias de adolescentes negros de classe média: ... vivenciaram situações de preconceito racial,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Educação

SOBRE CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE ADOLESCENTES

NEGROS DE CLASSE MÉDIA

Um estudo de caso em uma escola particular de Belo Horizonte - MG

Pollyanna Alves Nicodemos

Belo Horizonte

2011

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Pollyanna Alves Nicodemos

SOBRE CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE ADOLESCENTES

NEGROS DE CLASSE MÉDIA:

Um estudo de caso em uma escola particular de Belo Horizonte - MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Sandra de Fátima Pereira Tosta

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Nicodemos, Pollyanna Alves N633s Sobre construções identitárias de adolescentes negros de classe média: um

estudo de caso em uma escola particular de Belo Horizonte - MG / Pollyanna Alves Nicodemos. Belo Horizonte, 2011.

154f.: Il. Orientadora: Sandra de Fátima Pereira Tosta Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Negros. 2. Adolescentes. 3. Escolas particulares - Belo Horizonte (MG). 4.

Classe alta. 5. Classe média. I. Tosta, Sandra de Fátima Pereira II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 376.74(815.1)

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Pollyanna Alves Nicodemos

Sobre construções identitárias de adolescentes negros de classe média: um estudo de

caso em uma escola particular de Belo Horizonte - MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais.

Profª. Drª. Sandra de Fátima Pereira Tosta (Orientadora) – PUC Minas

Profª. Drª. Neusa Maria Mendes de Gusmão - UNICAMP

Profª. Drª. Maria Inez Salgado de Souza – PUC Minas

Profª. Drª. Magali dos Reis - (Suplente) - PUC Minas

Belo Horizonte, 2011.

Page 5: SOBRE CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE ADOLESCENTES … · Sobre construções identitárias de adolescentes negros de classe média: ... vivenciaram situações de preconceito racial,

[...] Eu tenho um sonho que um dia nas colinas

vermelhas da Geórgia os filhos de antigos

escravos e os filhos de antigos proprietários de

escravos, poderão se sentar junto à mesa da

fraternidade. [...] Eu tenho um sonho que minhas

quatro pequenas crianças vão um dia viver em

uma nação onde elas não serão julgadas pela

cor da sua pele, mas pelo conteúdo de seu

caráter [...]

MARTIN LUTER KING

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Aos meus amados pais, Neide e Jesus, razão da minha

vida.

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AGRADECIMENTOS

À Deus todo poderoso, nosso pai Oxalá, que sempre esteve presente em todos os

momentos de minha vida, mostrando–me o caminho certo para alcançar meus objetivos e,

sobretudo, a paz e a felicidade.

Aos meus pais Neide e Jesus, negros guerreiros, razão de minha existência e de tudo

que sou e ainda serei. Obrigada por sempre ter afirmado a minha negritude e ter orgulho dos

valores pertencentes ao nosso grupo negro, permitindo que eu me tornasse essa mulher negra

que luta por uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos os cidadãos possam ser

respeitados em sua totalidade.

Agradeço por todo amor de minhas queridas irmãs Alessandra, Alexandrina e Ana

Paula, por sempre me apoiarem em todos meus sonhos, afirmando que nenhuma barreira iria

nos impedir de alcançarmos o que desejamos. À vocês os meus mais profundos

agradecimentos. Aos meus sobrinhos Carlos Daniel e Demétrio, obrigada por todo carinho.

Ao meu marido Divino agradeço pelo amor incondicional e pelos momentos

maravilhosos que passamos e, ainda, passaremos juntos, e, sobretudo, por me apoiar na luta

contra o preconceito e a discriminação racial, presente na vida de negros e negras brasileiros.

À querida amiga e orientadora Sandra Tosta, obrigada pelas orientações, amizade e,

especialmente, pelo apoio nessa caminhada, aprendi muito com você a partir de nossas

conversas e reflexões. Aprendizagens que contribuíram para meu crescimento acadêmico e

pessoal.

Agradeço aos adolescentes negros protagonistas desse trabalho, por suas valiosas

contribuições para o desenvolvimento dessa pesquisa, especialmente por terem acreditado em

mim no momento em que foram convidados a falarem de si mesmo e do lugar que ocupam na

sociedade enquanto negros. À todos da escola pesquisada que contribuíram de alguma forma

para o desenvolvimento dessa pesquisa, (Direção, Coordenação, Professores, estudantes e

funcionários) em destaque, agradeço à equipe do Serviço Social por todo apoio e respeito em

relação a este trabalho, a vocês os meus mais sinceros agradecimentos.

À FAPEMIG pelo apoio financeiro durante todo esse percurso.

Aos novos amigos que tive o prazer de encontrar no mestrado (professores, amigos de

turma, os bolsistas da linha de pesquisa, equipe da secretária, equipe de conservação do

programa e funcionários da biblioteca) bem como a todos os velhos amigos e amigas, em

especial à minha amiga Luciana Mendes. A vocês obrigada pela fraterna amizade.

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RESUMO

Este trabalho resulta de pesquisa desenvolvida junto ao programa de Pós – Graduação em

Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Trata-se de uma pesquisa de

natureza qualitativa, que teve por objetivo central compreender o processo de construção da

identidade de adolescentes negros de classe média e média alta do ensino médio, matriculados

e regulamente freqüentes em uma escola da rede privada de Belo Horizonte, Minas Gerais. A

escola é um dos espaços privilegiados para se observar como construções identitárias ocorrem

em meio às dinâmicas de socialização e aprendizagens, especialmente identidades étnicas e

raciais num contexto em que a presença de estudantes negros é historicamente precária. A

pesquisa está amparada em referências teóricas como: GUSMÃO (2003), GOFFMAN (1982),

GOMES; MUNANGA (2006), OLIVEIRA (2000), ROCHA; TOSTA (2009), RODRIGUES

(2007), dentre outros. A metodologia usada foi o estudo de caso, uma vez que tal

procedimento possibilitou à pesquisadora analisar, observar, descrever e, assim, reunir

informações detalhadas a partir de uma estada no campo por um período de nove meses, cujo

objetivo era apreender a totalidade da situação enfocada. Neste estudo foram empregadas

observações livres, seguidas da observação sistemática e participante, associadas ao uso de

entrevistas em profundidade, depoimentos, aplicação de questionários, além da pesquisa

documental. Os resultados alcançados evidenciaram que os adolescentes negros de classe

média apontam questões que nos permitem concluir que estes apresentam aspectos da

formação de uma identidade negra, embora, em certos momentos, seus depoimentos nos

revelam contradições ao assumir sua condição negra, com destaque para suas características

perceptíveis (cabelo e cor de pele). A relação entre “raça e classe” está presente no processo

de construção identitária desses estudantes, já que alguns acreditam que “o dinheiro dá poder”

e com isso, negros e negras estão imunes à possíveis situações de preconceito e discriminação

racial. No que se refere à socialização dos adolescentes negros com seus pares, estes, em

certos momentos, vivenciaram situações de preconceito racial, devido a sua condição de

negro, a exemplo dos apelidos. Contudo, a partir dos resultados alcançados foi possível

compreender os modos como estudantes negros de classe média e média alta estão inseridos

na escola privada e como essa vivência se configura em sua construção identitária.

PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes negros. Classe média e média alta. Identidade étnico-

racial. Ensino privado.

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ABSTRACT

This work results from research developed in the program of Post-Graduate in Education from

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. This is a qualitative research aimed to

central to understand the process of identity construction of young black middle class and

upper middle school, attending regularly and frequently in a private school in Belo Horizonte

- MG. The school is a central site to see how identity constructions took place amid the

dynamics of socialization and learning, especially ethnic identities - racial context in which

the presence of black students is historically very low. The research is supported by theorists

such as references: GUSMÃO (2003), GOFFMAN (1982), GOMES;MUNANGA (2006),

OLIVEIRA (2000), ROCHA;TOSTA (2009), RODRIGUES (2007), among others. The

methodology was a case study, therefore, this procedure enabled the researcher to analyze,

observe, describe, and thus gather detailed information from a stay in the field for nine

months, aiming to grasp the totality of the situation focused. This study employed the free

observations followed by systematic observation and participant associated with the use of in-

depth interviews, interviews, questionnaires, and documentary research. The results showed

that young black middle-class issues that point to the conclusion that they have aspects of the

formation of a black identity, although, at times, reveal contradictions in their testimonies to

take his black condition, highlighting their characteristics perceptible (hair and skin color).

The relationship between race and class "is present in the process of identity construction of

these students, since some believe that" giving money power "and with that, black men and

women are immune to possible situations of prejudice and racial discrimination. In referring

to the socialization of black teens with their peers, they experience situations at certain times

of racial prejudice because of their status as black, as in the case of nicknames. However,

from the results achieved could understand the ways in which black students from middle and

upper class are placed in private school and how that experience turned out to be their

identity.

KEYWORDS: Black teenagers. Middle and upper middle class. Ethnic identity-racial.

Private school.

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LISTAS DE TABELAS

Tabela 1 – Proporção de pessoas de baixa renda, por raça/cor – Unidade da Federação –

Belo Horizonte – 2008..........................................................................................38

Tabela 2 – Renda média domiciliar per capita, por ano e cor/raça – Região

Metropolitana de Belo Horizonte / MG – 2001, 2002, 2004, 2008...................38

Tabela 3 – Distribuição percentual do rendimento do 1% mais rico em relação ao total

de pessoas, por cor no Brasil em 2003................................................................39

Tabela 4 – Taxa de escolaridade da população de 15 anos mais, por cor/raça – Região

Metropolitana de Belo Horizonte - MG.............................................................39

Tabela 5 – Distribuição dos ocupados segundo escolaridade, cor e sexo – Região

Metropolitana de Belo Horizonte – agosto/2006 – julho 2007 .........................40

Tabela 6 – Informações sobre o domínio de língua estrangeira.........................................81

Tabela 7 – Informações sobre opções de lazer .....................................................................83

Tabela 8 – Informações sobre as opções de leituras............................................................84

Tabela 9 – Informações sobre os estilos de música preferidos ...........................................85

Tabela 10 – Informações sobre a opção religiosa ................................................................86

Tabela 11 – Opções de emissoras de TV...............................................................................86

Tabela 12 – Informações sobre conhecimentos de produtos específicos para negros......88

Tabela 13 – Informações sobre a frequência a algum tipo de associação cultural ou

grupo relacionado à cultura agro-brasileira .....................................................89

Tabela 14 – Informações sobre o padrão de beleza.............................................................92

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LISTAS DE QUADROS

Quadro 2 – Estudantes negros colaboradores .....................................................................76

Quadro 3 – Estudantes brancos colaboradores ...................................................................77

Quadro 4 – Professores colaboradores .................................................................................77

Quadro 5 – Funcionários colaboradores ..............................................................................77

Quadro 6 – Informações sobre: sexo, idade e ano de escolaridade dos entrevistados .....78

Quadro 7 – Informações sobre a escolarização dos pais.....................................................79

Quadro 8 – Informações sobre o curso superior pretendido..............................................82

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LISTAS DE SIGLAS

CEDEPALR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio – Econômicos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

INEP – Instituto Nacional Educacional de Pesquisa

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MEC - Ministério da Educação e do Desporto

PNAD – Programa Nacional de Amostra de Domicílios

PNUD – Programa Nacional das Nações

PUC – MG – Pontifícia Universidade Federal de Minas Gerais

RDH – Relatório de Desenvolvimento Humano

UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto

UFV – Universidade Federal de Viçosa

UNESCO – Organização das Nações Unidas

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas Para a Mulher

USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................14 1.1 A organização dos capítulos ............................................................................................14 1.2 A escolha do tema .............................................................................................................15

1.3 O caminho percorrido: Desafios, aproximações e estranhamentos.............................17

1.4 A Observadora, Observada!............................................................................................23 1.5 Outras Cenas.....................................................................................................................25

1.6 Notas Teóricas e Metodológicas ......................................................................................30 2 O NEGRO NO CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO: ASPECTOS G ERAIS ...........35 2.1 A Classe Média Negra no Contexto da Sociedade Brasileira .......................................41

2.2 A persistência do racismo, apesar da legislação, dos avanços científicos....................46

2.3 Uma distinção necessária: Diferença, diversidade e desigualdade ..............................54

2.4 Refletindo sobre diferença, diversidade e desigualdade na escola...............................58

3 UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE A ADOLESCÊNCIA COMO TEM POS BIOPSÍQUICOS E CULTURAIS: O ADOLESCENTE NEGRO NA ES COLA PARTICULAR .......................................................................................................................64 3.1 O processo de investigação...............................................................................................69 3.2 O campo de pesquisa ........................................................................................................70 3.3 Os sujeitos da pesquisa.....................................................................................................73 3.4 Perfil dos adolescentes negros entrevistados..................................................................77 3.5 Estilo de vida: Um retrato dos adolescentes negros! .....................................................80 3.6 Escolhas e gostos ...............................................................................................................81

3.6.1 Domínio de língua estrangeira.......................................................................................81 3.6.2 Curso universitário .........................................................................................................82

3.6.3 Lazer................................................................................................................................82

3.6.4 Ídolos...............................................................................................................................83

3.6.5 Opções de leituras...........................................................................................................84

3.6.6 Estilo de música preferido..............................................................................................84 3.6.7 Religião ...........................................................................................................................85

3.6.8 Emissoras de TV .............................................................................................................86

3.6.9 Alimentação ....................................................................................................................87

3.6.10 Produtos étnicos............................................................................................................87

3.6.11 Espaços de valorização do negro e da cultura Afro – Brasileira................................88

3.6.12 Preconceito e discriminação racial ..............................................................................90 3.6.13 A classe média negra ....................................................................................................90 3.6.14 Padrão de beleza ...........................................................................................................92

3.6.15 Contexto familiar e reflexões sobre as relações étnico-raciais no Brasil...................92

4 A ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO CULTURAL: O NECESSÁRIO D IÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E CULTURA....................................................................................94 4.1 As Ações da escola em relação à diversidade étnico-raciais. ........................................96

4.2 Eu fico olhando os negros daqui... Eu falo assim, gente! Como é que eles se sentem, né? ..........................................................................................................................................103

4.3 Outra coisa que eu acho insuportável é essa política de cotas! ..................................114

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5 NOTAS SOBRE A IDENTIDADE: AS FALAS NA PESQUISA.................................120

5.1 É... Eu queria que meu cabelo fosse aquele que atrapalhasse no vento e molhasse na água... .....................................................................................................................................122

5.2 Em relação à cor... Eu não sou uma negra... Assim, eu não sou preta! .....................131

5.3 O dinheiro dá poder! ......................................................................................................134 6 O QUE AINDA PODEMOS INTERPRETAR? ALGUMAS CONSIDER AÇÕES GERAIS.................................................................................................................................139

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................143

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1 INTRODUÇÃO

1.1 A organização dos capítulos

A presente dissertação está dividida em seis capítulos.

Capítulo 1 - Introdução - Busco o diálogo com os referenciais teóricos desenvolvendo

uma breve discussão sobre as categorias centrais utilizadas nesta pesquisa: cultura, identidade

étnico – racial, adolescentes e classe média. Mostro, também, através das observações

sistemáticas e participantes e das entrevistas realizadas no estudo de caso, como este processo

me permitiu refletir sobre o caminho percorrido durante os nove meses de investigação,

destacando os desafios, estranhamentos e aproximações vividos pela pesquisadora com os

diversos sujeitos da escola.

Capítulo 2 – O negro no contexto social brasileiro: aspectos gerais. Apresento uma

discussão sobre os conceitos de: diferença, diversidade e igualdade, além de apontar aspectos

gerais sobre a classe média negra e sua condição na sociedade, além de fazer referências à

realidade socioeconômica de negros e negras no contexto social brasileiro. Com isso vão

sendo apontados aspectos das contradições sociais, econômicas e culturais e a existência do

preconceito e da discriminação racial.

Capítulo 3 - Uma breve discussão sobre a adolescência como tempos biopsíquicos e

culturais: o adolescente negro na escola particular. Nessa discussão a adolescência foi

abordada como uma fase da vida em que os adolescentes estão abertos a incorporação de

novos valores e visões de mundo, além da (re) construção de suas identidades. Com esta

discussão trago os adolescentes negros pesquisados na escola e seus perfil em relação a seus

gostos, escolhas e estilo de vida como fatores dos vários grupos sociais que fazem parte de

uma determinada classe, uma vez que o universo simbólico hierarquiza os diversos grupos

presentes na sociedade. Neste capítulo também foi desenvolvida uma discussão sobre a escola

pesquisada, instituição de natureza confessional localizada na zona Sul de Belo Horizonte –

MG.

Capítulo 4 - A escola enquanto espaço cultural: O necessário diálogo entre educação

e cultura. Nesta parte da pesquisa busquei apresentar uma discussão sobre a escola enquanto

espaço cultural, de modo a analisar o papel da instituição pesquisada na promoção de ações

que tenham por objetivo a valorização e o respeito ao outro em sua totalidade, buscando a

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compreensão dos modos como se dá a integração dos adolescentes negros com seus pares no

processo de socialização no espaço escolar privado. E como essas vivências se configuram em

sua construção identitária.

Capítulo 5 - Notas sobre identidades – As falas na pesquisa. Neste capítulo são

registrados depoimentos dos adolescentes negros e brancos, professores negros e brancos,

funcionários e coordenação. Assim, foi possível descrever e interpretar as percepções que os

adolescentes negros apresentam sobre si mesmo, ou seja, como se identificam e se vêem

enquanto negros, bem como, compreender como os colegas brancos, professores e

funcionários negros e brancos os vêem no contexto escolar.

Capítulo 6 - O que ainda podemos interpretar? Algumas considerações Gerais. Nesse

capítulo, retomo algumas interpretações que foram feitas ao longo da pesquisa, de modo a

apresentar as possíveis conclusões que foram alcançadas a partir da problematização

construída e dos objetivos definidos nessa dissertação.

1.2 A escolha do tema

Ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro. (SOUZA, 1983, p.77).

Em meu contexto familiar os valores do grupo étnico-racial negro1 sempre estiveram

presentes em minha formação, pois, desde criança, meus pais afirmavam de modo positivo a

nossa negritude. Eles apontavam todas as injustiças vividas pelo nosso povo, destacando a

discriminação racial como fator que se constitui em um dos principais problemas existentes na

sociedade brasileira. Entendida como uma estrutura de dominação, a discriminação tem por

princípio a idéia da existência de uma classificação que hierarquiza os diferentes grupos

étnico-raciais presentes na sociedade.

Souza (1983) defende que, no Brasil, nascer com a pele negra ou com outros

caracteres do tipo negroíde, compartilhar de uma mesma história de desenraizamento,

escravidão e de discriminação racial, por si só, não são fatores suficientes que permitem a

formação da identidade negra. Ser negro, além de tudo isso, é ter a consciência de um

1 Em que pese no texto a referência a homens e mulheres, utilizar o primeiro é usual e recorrente na língua

portuguesa, não significando, com isto, que compartilho da idéia de que tal emprego possa sugerir a superioridade de um em relação ao outro. A opção se deu com a finalidade de tornar o texto mais leve e mais fluído para o leitor ou leitora.

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processo ideológico que, através de um discurso mítico em relação a si mesmo, produz uma

estrutura de desconhecimento que acaba aprisionando o sujeito em uma imagem alienada na

qual se reconhece. Ser negro é, sobretudo, tomar posse desta consciência e criar uma nova

consciência que reassegure do respeito às diferenças.

Considero tais argumentos relevantes que vão ao encontro de minha realidade, pois, a

formação que recebi em meu grupo familiar foi fundamental na construção da minha

identidade negra, em minhas escolhas, na determinação do que eu sou, como também em tudo

que acredito e defendo atualmente. Cresci assumindo e assumo a minha negritude sempre de

forma positiva e, acima de tudo, tendo a consciência de minha origem africana. Com isso,

posso afirmar que diante das situações de preconceito e discriminação com os quais me

deparei e ainda me deparo em vários espaços sociais (escola, trabalho, universidade, lojas

etc.), sempre estive preparada para combatê-las e fortalecer cada vez mais o meu

pertencimento ao grupo social negro.

Fortalecida pela experiência da afirmação da condição de negra, iniciei a escolarização

universitária numa universidade particular, entre os anos de 2002 a 2006, quando conclui a

licenciatura em História. Nesse período de graduação me deparei com um contexto totalmente

diferente, quando comparado com o ambiente educacional da escola pública que eu freqüentei

durante o período de educação básica. Um dos principais aspectos que me chamou atenção foi

o pequeno número de universitários negros presentes no ensino superior. Durante o curso, em

inúmeras ocasiões, encontrei algumas barreiras, devido a minha condição de mulher negra e,

principalmente, quanto ao meu posicionamento crítico sobre a condição histórica do negro na

sociedade brasileira. Situação esta que, por mais dolorosa que fosse, despertou e estimulou o

meu interesse pela pesquisa sobre a construção da identidade étnico-racial do negro,

especialmente no contexto educacional privado.

Além disso, e como profissional da educação, me preocupo com os problemas que

vêm assolando a construção de uma identidade positiva de negros brasileiros. Assim, na

tentativa de problematizar esta questão e outras tantas experiências que vivenciei e ainda

vivencio, desenvolvi esta pesquisa que teve por objetivo compreender “A construção da

identidade de adolescentes negros de classe média no ensino privado”. Neste contexto, eu

pude observar o modo como os alunos pesquisados criavam suas estratégias de convívio, que

estratégias eram estas, como eram produzidas e como a condição de negro estavam presentes

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nestas estratégias, se é que estavam presentes2. Para tanto, o pano de fundo central era o

processo de construção identitária desses estudantes.

1.3 O caminho percorrido: Desafios, aproximações e estranhamentos

Dada a complexidade da temática e dos princípios teóricos e categorias de análise que

orientaram essa pesquisa, a metodologia qualitativa foi escolhida, uma vez que suas

características permitem ao pesquisador chegar à compreensão ou interpretação dos

fenômenos sociais, com base nas perspectivas dos atores e através da participação em

situações de suas vidas, o que lhe possibilitaria compreender o significado que os outros dão

às suas próprias situações. Segundo Bogdan e Biklen:

Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. Como é que as pessoas negociam os significados? Como é que se começaram a utilizar certos termos e rótulos? Como é que determinadas nações começaram a fazer parte daquilo que consideramos ser o “sendo comum”? Qual a história natural da atividade ou acontecimentos que pretendemos estudar? (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).

Nesta abordagem para conseguir captar com coerência a maneira como os alunos aqui

observados, e com quem dialoguei, viam a si mesmos, as suas experiências e suas práticas,

fez-se necessário ampliar a coleta de dados que permitiria conhecer o processo de construção

da identidade compreendida como uma totalidade coerentemente observável, de traços que

compunham a identidade de adolescentes negros de classe média que cursavam o ensino

médio em uma escola da rede privada de Belo Horizonte/MG. Ademais, também as

perspectivas implícitas em suas ações e nos discursos dos diferentes atores sociais envolvidos

no processo educacional quando a eles se referiam.

Buscando apreender e interpretar esta realidade, o estudo de caso foi configurando

como um procedimento metodológico que tem como finalidade buscar e dar visibilidade a

2 A condição posta no “se é que estavam presentes” decorreu de reflexões e estudos de ordem teórica e

metodológica com os quais aprendi por sob suspeição qualquer afirmativa prévia sobre um outro que ainda conheceria no curso da investigação. E ao mesmo tempo, percorri uma aprendizagem difícil e não menos complexa de que era necessário estar atenta para a minha condição de negra e militante do movimento negro como parte de minha subjetividade de que estaria presente na pesquisa e na escrita sobre a pesquisa. Se tinha consciência da objetividade do pesquisador como algo desejável mas não possível, aprendi que era imprescindível o exercício da objetivação nos termos bem colocados por Bourdieu (1999).

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uma situação, numa complexa trama de relações totais. Com isso aprendi que o pesquisador

pode apontar aspectos inusitados e suscitar futuros estudos sobre a temática enfocada.

Conforme Becker (1999) o pesquisador que efetua o estudo de caso sobre uma

comunidade ou uma organização, normalmente faz uso do método da observação participante,

aliada a outros métodos mais estruturados, tais como as entrevistas que podem realizar-se

isoladamente ou em grupo. Para o desenvolvimento desse estudo, tanto a observação

participante, quanto as entrevistas foram utilizados.

Minayo (2004) atenta ao que diz Becker, afirmando que nas Ciências Sociais o

trabalho de campo é entendido como uma das fases da investigação científica que é realizado

em um determinado espaço da vida cotidiana e, nesse processo, o pesquisador realiza a coleta

de dados de forma a analisá-los posteriormente. Sendo essencial para o desenvolvimento da

pesquisa, já que apresenta várias complexidades, na medida em que o pesquisador trabalha

com agentes sociais que, como ele, também vivencia comportamentos que nem sempre são

previsíveis, cuja compreensão exige a interpretação das orientações e motivações precedentes.

Sem dúvida é na Antropologia que podemos aprofundar mais o entendimento da

pesquisa qualitativa. Rocha e Tosta (2009) ao analisar o “Sentido da Etnografia” em diálogo

com a fenomenologia do conhecimento, afirmam que a forma que entendemos uma

determinada situação está relacionada ao distanciamento que assumimos em relação à mesma.

Nesse sentido, destacam os autores, a experiência etnográfica constitui – se em um momento

privilegiado no que tange à compreensão das verdades e da produção do conhecimento social.

Além do mais, o trabalho de campo entendido como um “rito de passagem” exige uma

reeducação dos sentidos, articulada a uma atitude fenomenológica.

[...] a experiência etnográfica representa uma oportunidade única e singular no processo de compreensão do “outro”, de um lado exigindo do antropólogo um esforço constante de estranhamento e conjugação do universal com o particular na análise cultural, do outro possibilitando uma “fusão de horizontes” entre os pontos de vista do nativo e do antropólogo, propõe a fenomenologia. Mas, não se trata aí de uma fusão espiritual entre antropólogos e nativos, como se fosse uma única pessoa partilhando de uma mesma visão de mundo, uma única voz. Ao contrário, o processo de interpretação do significado de uma cultura corresponde na verdade a um processo de compreensão do que as pessoas dizem, pensam e acreditam que estão fazendo quando realizam uma ação social. (ROCHA; TOSTA, 2009, p.54).

Com isso os atores sociais investigados são construídos teoricamente enquanto sujeitos

de estudo, e no campo de pesquisa, estes fazem parte de uma relação de intersubjetividade e

de interação social com o pesquisador. Resultando, assim, em algo novo que estabelece

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confrontos, tanto com a realidade concreta, bem como com as hipóteses e os pressupostos

teóricos, em um processo mais amplo da construção do conhecimento.

Cruz Neto afirma que:

O trabalho de campo, em síntese, é fruto de um momento relacional e prático: as inquietações que nos levam ao desenvolvimento de uma pesquisa nascem no universo do cotidiano. O que atraí na produção do conhecimento é a existência do desconhecido, é o sentido da novidade e o confronto com o que nos é estranho. Essa produção, por sua vez, requer sucessivas aproximações em direção ao que se quer conhecer. E o pesquisador, ao se empenhar em gerar conhecimentos, não pode reduzir a pesquisa à denúncia, nem substituir os grupos estudados em suas tarefas políticos – sociais. (CRUZ NETO, 1998, p.64).

Por que destaco todas essas observações? Porque me permitiram refletir sobre minhas

ações enquanto pesquisadora, os limites, as subjetividades e possibilidades presentes entre

mim e os sujeitos pesquisados. Sobretudo no que se refere à similaridade étnico-racial entre

ambos.

Conforme argumenta Velho, em suas pesquisas sobre grupos que lhe são familiares:

Lido com indivíduos que narram suas experiências, contam suas histórias de vida para um pesquisador próximo, às vezes, conhecido. As preocupações, os temas cruciais são, em geral, comuns a entrevistados e entrevistador. A conversa não é sobre crenças e costumes exóticos à socialização do pesquisador. Pelo contrário, boa parte dela faz referência a experiências históricas, no sentido mais amplo, e cotidiano também do meu mundo, e às minhas aflições e perplexidades. Eu, o pesquisador, ao realizar entrevistas e recolher histórias de vida, estou aumentando diretamente o meu conhecimento sobre minha sociedade e o meio social em que estou mais diretamente inserido, ou seja, claramente envolvido em um processo de autoconhecimento. (VELHO, 2002, p.17).

Reforço meu aprendizado com este e outros autores e penso que, na pesquisa

qualitativa, a interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados é um processo

fundamental. Assim, na condição de pesquisadora negra, em vários momentos, tive que me

conter para não perder a “imparcialidade” 3, mas confesso que por mais que relutasse, em

determinadas situações isso não foi possível. Como no caso de uma situação vivenciada com

alunas brancas que, ao meu entender, insinuaram para que eu me levantasse do banco, no qual

estava sentada, para dar o lugar a elas.

Um grupo de alunas brancas em torno de seis ficam em pé em minha frente. Olho para o banco e vejo que ainda tem espaço considerável para comportar-las. Assim, as desejei um bom dia e indaguei: Vocês desejam sentar se? Uma delas respondeu: “Ah... Pode ficar!”. Dito isso, elas empilharam as mochilas ao lado que eu estava sentada e sentaram-se no banco. Em seguida ficaram cochichando e sorrindo.4

3 Imparcialidade no sentido da objetivação. 4 Dados das observações sistemáticas. Pesquisa de campo realizada na escola, em 08/07/2010.

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Esse acontecimento, levou-me a refletir sobre o fato ocorrido com a cidadã negra

norte-americana, Rosa Park5, ao recusar – se no ano de 1955 a ceder o seu lugar no chamado

autocarro (ônibus) a um cidadão branco, tornando-se o estopim do movimento “Boicote aos

autocarros de Montgomery”, que marcou posteriormente o início da luta anti-segregacionista

nos Estados Unidos da América (E.U.A).

Estas experiências foram tão marcantes, que me envolviam por completo, uma vez que

o objetivo maior da pesquisa era investigar a constituição identitária de adolescentes negros

de classe média estudantes do ensino médio de uma escola privada de Belo Horizonte. Deste

modo, eu buscava compreender as influências da condição étnico-racial na construção da sua

identidade, o modo como se vêem enquanto negros, como também analisar a existência ou

não de dificuldades no processo de socialização e educação no contexto da escola privada.

Da construção do problema à chegada a escola, eu já suspeitava que não seria fácil

conseguir que uma escola particular abrisse as portas para o desenvolvimento desse estudo.

Sabemos que existe muita resistência das instituições, não somente das escolas privadas,

quanto à presença de pesquisadores em seus espaços, sobretudo, quando a proposta é discutir

questões relacionadas ao grupo étnico-racial negro, pois, a exemplo da sociedade, não se

assume o racismo presente nestes espaços sociais.

As palavras de Nascimento são importantes nessa discussão para refletirmos sobre o

racismo mascarado presente em nossa sociedade:

As feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar sobre a realidade social do pais. A ideologia oficial ostensivamente apóia a discriminação econômica - para citar um exemplo – por motivo de raça. Até 1950, a discriminação em empregos era uma prática corrente, sancionada pela lei consuetudinária. Em geral os anúncios procurando empregados se publicavam com a explícita advertência: “não se aceitam pessoas de cor”. Mesmo após a lei Afonso Arinos, de 1951, proibindo categoricamente a discriminação racial, tudo continuou na mesma. Trata-se de uma lei que não é cumprida nem executada. Ela tem um valor puramente simbólico. Depois da lei, os anúncios se tornaram mais sofisticados que antes: requerem agora “pessoas de boa aparência”. Basta substituir “boa aparência” por “branco” para se obter a verdadeira significação do eufemismo. Com lei ou sem lei, a discriminação contra o negro permanece difusa, mas ativa. (NASCIMENTO, 1978, p.82).

Dentre estes espaços encontra-se a escola que, na verdade, não é uma instituição

neutra nesse processo de exclusão e discriminação. Nesse sentido, novamente nos fala Rocha

e Tosta:

5 Rosa Louise Mac Cawley, mais conhecida por Rosa Park, costureira negra norte – americana símbolo do

movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.

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[...] as culturas, enquanto expressões simbólicas se constituem num campo tensionado por disputas e alianças que conformam historicamente as sociedades. Diferenças culturais aparecem recorrentemente como um “problema” quando movimentos de integração homogeneizadora procuram suprimi – las ou mantê – las sob controle. Ou ainda tenta desconsiderar contradições políticas e econômicas e “naturalizar” o campo cultural. Desse cenário não podemos “expurgar” a educação, sob o risco impensado da naturalização de processos (educacionais) que são constituídos na e pela cultura. (ROCHA; TOSTA, 2009, p.120).

Questões como estas nos ajudam a compreender todo o processo pela busca da

instituição de ensino onde foi desenvolvido o presente estudo. Vários contatos foram feitos,

inclusive com pessoas que atuam como professores em escolas particulares, mas, na verdade,

não obtive respostas positivas e, em alguns casos, nenhum retorno. As “barreiras humanas”,

como porteiros, secretárias e funcionários, também impediram o meu contato com os

responsáveis em algumas escolas. Diante destas dificuldades, que colocavam claramente em

risco a viabilidade da investigação, decidimos nos valer de redes de amizades, de forma que

estas mediassem a minha aproximação com os responsáveis por algumas instituições

escolares. Foi assim que consegui permissão para entrar na escola como pesquisadora, onde

desenvolvi a coleta de dados para a construção da dissertação. A pesquisa de campo foi um

processo fundamental, pois de acordo com Rocha e Tosta:

[...] a experiência de uma antropologia da educação, conforme sistematizada e apresentada [...] coloca uma exigência: o trabalho de campo, em geral, traduzido nos estudos sobre o cotidiano, ou seja, estudos que buscam investigar o cotidiano de uma escola, de espaços educativos não formais, de um grupo, de uma comunidade, de uma aldeia, de um gueto, de uma instituição, enfim. (ROCHA; TOSTA, 2009, p.36).

Também é importante destacar que a aceitação da pesquisa foi da parte de uma escola

particular de zona Sul da capital e de natureza confessional. Assim para o desenvolvimento da

primeira fase do estudo, busquei inserir-me no campo de pesquisa levando em consideração

as três faculdades tão bem definidas por Oliveira (2000) “o olhar, o ouvir e o escrever”,

sobretudo, o olhar, que eu sempre busquei disciplinar, uma vez que estava entrando “em um

mundo desconhecido”. Além do mais, nesta primeira fase o objetivo principal era analisar,

através das observações sistemáticas, o processo de socialização dos alunos negros e brancos

de uma escola, além de estar aberta para compreender o campo sobre o qual havia a

possibilidade de novas revelações para o enriquecimento de minha pesquisa.

O “olhar” e o “ouvir” estão relacionados à percepção que construímos quanto as

nossas ações no trabalho de campo, ou seja, à realidade focalizada durante o desenvolvimento

da pesquisa empírica. Nesse sentido “escrever” passa a fazer parte indissociável do

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pensamento do pesquisador, haja vista que acaba sendo um ato simultâneo no momento de

nossas reflexões, já que, durante todo o processo da escrita, os nossos pensamentos caminham

de modo a encontrar soluções que dificilmente iram surgir antes da textualização, dos dados

coletados a partir de observações sistemáticas. Desse modo, afirma Oliveira (2000) ser

impossível dissociar o ato de “olhar” e o de “ouvir”, que permite ao pesquisador interpretar,

bem como, compreender a sociedade e a cultura do “outro” a partir de seu interior. Com isso:

Ao tentar penetrar em formas de vida que lhe são estranhas, a vivência que delas passa a ter cumpre uma função estratégica no ato da elaboração do texto, uma vez que essa vivência - só assegurada pela observação participante “estando lá”- passa a ser evocada durante a interpretação do material etnográfico no processo de sua inscrição no discurso da disciplina. (OLIVEIRA, 2000, p.34).

A observação participante contribuiu de maneira decisiva para a presente pesquisa

nessa primeira fase, por permitir conforme afirma Cruz Neto (1998), o contato direto do

pesquisador com os sujeitos culturais observados, de modo a obter informações no que se

refere à sua realidade no contexto escolar.

Nesse contexto, o pesquisador, enquanto parte da observação, acaba estabelecendo

uma relação com os sujeitos observados e com isso surge a possibilidade dele passar por

modificações, como também ver modificado o próprio espaço. Haja vista que as observações

sistemáticas permitem que ele absorve várias situações ou fenômenos que geralmente não são

obtidos por meio de perguntas, pois ao observar diretamente a própria realidade, transmite

aquilo que há de mais imponderável e evasivo na vida real. (CRUZ NETO, 1998).

Os contatos na instituição escolar ficaram marcados por um olhar de estranhamento

daquelas pessoas em relação a mim. Cheguei a me sentir como um “bicho exótico”, devido

aos olhares e a tantos elogios: “Nossa! Você parece a Helena”6; “Olha a nossa Helena aí”;

“Tão bonita e fazendo pesquisa!?”; “Você tinha que desfilar”; “Nossa, você desfila?”; “Meu

Deus olha o corpo dela”;; “Ela tem uma postura que marca, vejam”; “Olha a nossa Glória

Maria” 7, “Você parece com a Tina Turner8 e também com a Whitney Houston”9, “A voz

parece de cantora de jazz” (Informação Verbal)10. Foram comentários que ouvi nos primeiros

dias de minha estada na escola. Comentários aliados aos olhares intensos dos porteiros e

funcionários de um modo em geral.

6 Helena, Top model de renome internacional, vivida pela atriz negra Tháis Araújo, como protagonista na novela

“Viver a Vida” do autor Manuel Carlos, que foi ao ar no horário nobre da TV Globo no período de 14/09/2009 a 14/05/2010.

7 Jornalista e repórter negra da Tv Globo de Televisão. 8 Cantora e atriz negra norte-americana. 9 Contara e atriz negra norte-americana. 10 Informação obtida na escola pesquisada no início do trabalho de campo, em 03/03/2011.

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1.4 A Observadora, Observada!

Meu contato na escola foi semanal – nos períodos da entrada, recreio e saída dos

alunos, sempre observando atentamente as dinâmicas que ocorriam nestes momentos. Minha

presença na portaria, observando os estudantes, chamou a atenção daqueles que ali estavam

permanentemente executando seus trabalhos, com destaque para os porteiros e funcionárias da

recepção. Os olhares de estranhamento sempre foram muito intensos e ocorreram abordagens

desagradáveis em relação a minha figura, presente naquele lugar. Como no caso de um

porteiro que, ao me apresentar enquanto pesquisadora que tinha a permissão de responsáveis

pela escola para estar ali, respondeu com grosseira: “Não as coisas não podem ser assim! Não

me foi avisado nada, com isso preciso saber” (Informação verbal) 11.

Uma das funcionárias da recepção ficou olhando aquela cena e nada falou. Cabe

lembrar que eu já havia sido apresentada para ela. O porteiro continuava na minha frente, com

um olhar firme exigindo a veracidade da minha explicação como condição para a minha

entrada na escola. Confesso que fiquei sem ação, mas consegui me dirigir à funcionária da

recepção e dizer: “Você pode confirmar que tenho a permissão de entrar na escola, pois já me

viu aqui e fomos apresentadas, não foi? Ela me disse: “É verdade, ela está fazendo a pesquisa

aqui sim!” (Informação Verbal).12

Ao ouvir a confirmação, o porteiro foi se afastando e disse: “Me desculpe, mas

preciso ter certeza de seu credenciamento na escola, e essas são as normas da escola”.

(Informação Verbal)13. Em seguida ele me entregou um crachá, em cuja inscrição estava

escrito “visitante”. As palavras de Theodoro ajudam a refletir essa situação vivida por mim:

“O problema é a rejeição que sentimos quando entramos em qualquer lugar onde somos as

únicas pessoas negras e todos nos olham se perguntando: “o que é que essa neguinha está

fazendo aqui? ” (LOPES,1987, p.39).

É claro que ao narrar tais situações, não estou discordando de que o porteiro cumpria

suas funções relativas ao controle de quem entrava e saia do Colégio. O que ponho em

questão é a forma grosseira como ele se dirigiu a mim, criando uma situação constrangedora.

Após o acontecido, permaneci na portaria observando os alunos. De onde estava pude

observar uma mulher, de cor branca, com duas crianças, também brancas, se aproximando da

11 Informação obtida na escola pesquisada, durante a pesquisa de campo em 14/04/2010. 12 Informação obtida na escola pesquisada, durante a pesquisa de campo em 14/04/2010. 13 Informação obtida na escola pesquisada, durante a pesquisada de campo em 14/04/2010.

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portaria e posso afirmar que o tratamento dado a ela não foi o mesmo que dispensaram a mim.

O tom de voz do porteiro, ao recebê-la e direcioná-la ao local por ela procurado, foi outro .

Além do mais não foi solicitado a ela que usasse o crachá como um meio de identificação.

Fui invadida por um sentimento de raiva nesse momento, pois, analisando a forma

como fui abordada e a que foi dada à aquela senhora, tornou-se explícito o modo diferenciado

de tratamento e os possíveis motivos que levou aquele senhor da portaria a dirigir-se a mim

daquela forma. Confesso que, nesta cena, o principal motivo foi minha condição de negra,

lembrando que a representação social que se construiu em relação a nós, cidadãos negros, tem

sido quase sempre uma representação negativa, oriunda de um sistema cultural e social que

classifica e hierarquiza as pessoas pela cor da pele.

Silva (1995) diz que na sociedade brasileira os grupos étnicos dominados (negros e

índios) encontram-se em uma posição de desigualdade, tanto no que se refere ao nível

socioeconômico, quanto no pertencimento étnico-racial, se comparado com o grupo branco.

Essas desigualdades causam sérios problemas nas relações sociais entre os diferentes grupos,

passando a existir, em certas situações, hostilidades entre negros e brancos, em decorrência da

discriminação racial. Gomes afirma que:

Essa dificuldade em identificar quem é negro no Brasil, a existência de diversas nuances de cor de pele em nossa sociedade, o difícil processo de construção da identidade racial por parte dos negros e de seus descendentes é um fato que repercute em diversas instituições da sociedade e contribui para a perpetuação do racismo e da discriminação racial. A escola não pode ser considerada como um caso à parte nesse processo. Sabemos que ela não é uma instituição neutra, mas inserida dentro de um contexto social, sofrendo, direta e indiretamente, todas as suas influências. O aluno negro, ao ingressar na escola, além de encontrar a história de sua raça trabalhada de uma maneira folclorizada, ainda encontra reforços por parte do corpo docente no que diz respeito à negação de sua origem racial, através de uma linguagem permeada de nuances de cor. Repete-se e reproduz dentro da escola estereótipos sobre o índio, a mulher, o pobre, dentre outros. Como não pensarmos que tais situações interferem na construção de uma identidade racial distorcida, conflituosa e fragmentada? (GOMES, 1995, p. 89-90).

Situações como esta, em que estive envolvida por força das rotinas da pesquisa, me

permitiram refletir que aquilo que eu vivenciava nada mais era do que uma prática evidente de

preconceito racial. E, essas atitudes e comportamentos, desmascaram a idéia de que no Brasil

não existe preconceito em relação aos negros, além de denunciar o racismo como fator

presente em todos os níveis da sociedade, ou seja, escola, mercado de trabalho, universidade,

comércio, etc. Mais do que nunca, é preciso reafirmar e defender que o negro não deve ser

visto:

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[...] como cor de pele, mas como cultura, como maneira de ver o mundo, de entender a vida, de pensar; não como um simples problema epidérmico, mas que está profundamente ligado a uma reformulação de valores que não atinge única e exclusivamente a este pais, mas que atende a uma renovação de valores do mundo ocidental cristão, por que esses valores que estão aí não acabaram com a fome, acabaram com a guerra, não acabaram com racismo, não acabaram com a discriminação racial, não acabaram com as dificuldades que o homem tem como pessoa. (LOPES, 1987, p. 39).

Desse modo, discutir relações étnico-racias na sociedade brasileira, não é discutir

somente a importância da valorização e do respeito à diversidade biotípica, mas,

principalmente, combater a discriminação racial presente em nossa sociedade e que cria

obstáculos aos cidadãos negros e o direito de exercer sua cidadania plena.

1.5 Outras Cenas

Minha presença na escola gerou incômodos e desconfortos de lado a lado. O assédio

de alunos adolescentes e funcionários foi constante, na forma de interrogatórios sobre os reais

objetivos de minha pesquisa, como por exemplo: “Moça você trabalha aqui na escola”; “ Por

que você fica vigiando a gente”; “ Por que você fica anotando coisas da gente”; “Você está

estudando, pois só fica anotando”; “ A sua pesquisa é sobre o quê ?”; “Você pesquisa o que

dos alunos?”; “Como está a pesquisa”?, “Você já está conversando com os alunos?”; “Qual a

percepção que você já teve nessas observações em relação aos alunos?”; “A pessoa acaba

incomodando, pois só fica anotando”. (Informação Verbal) 14.

Por estas e por outras questões, tais indagações foram constantes e mesmo após três

meses em campo, considero que os alunos, bem como os funcionários, não havia se

acostumado com minha presença. Os olhares de estranhamentos me acompanharam sempre.

Posso afirma que em algumas situações cheguei a perceber no olhar dessas pessoas, certa

antipatia em relação a mim, como ocorreu em um evento do colégio do qual eu participei para

observar os alunos: “ Essa mulher chata de novo aqui também?” (Informação Verbal) 15. Os

relatos que apresento nessa dissertação são situações que, através das observações

sistemáticas, foram registradas no caderno de campo, já que este:

14 Informação obtida na pesquisa de campo, realizada durante o período de 03/03/2010 a 25/11/2010. 15 Informação obtida no festival de sorvete da escola pesquisada, em 14/05/2010.

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[...] evoca e supõe um estado de aprendiz, daquele que, por nada saber, tudo anota, não deixa passar nada. E é justamente por esse atributo que o caderno de campo, mais do que qualquer outro objeto do kit, representa e simboliza a prática e a atitude fundamental do antropólogo [...]. Diante da cultura dos outros, somos todos aprendizes e, quase sempre, aprendizes desajeitados. [...] E é do confronto de teorias e visões de mundo de nativos e antropólogos que surgem aqueles “resíduos reveladores” a que se refere Peirano16 e dos quais o caderno de campo é o primeiro testemunho. (MAGNANI, 1997, p. 04).

O mesmo autor afirma que o caderno de campo é um instrumento de pesquisa que

permite ao pesquisador, através das situações registradas, compreender o contexto no qual os

dados e as informações foram obtidas. Além de captar, afirma Magnani “informação que os

documentos, as entrevistas, os dados censitários, a descrição de rituais – obtidos por meio do

gravador, da máquina fotográfica, da filmadora, das transcrições - não transmitem”

(MAGNANI, 1997, p. 03).

Nesse sentido, foi possível registrar e observar olhares cruzados, risos e comentários

entre grupos de alunos e funcionários, bem como desconfianças em relação aos reais objetivos

daquela coleta de informações. Conforme ficou explícito neste comentário.

[...] eu também já fiz um trabalho com alunos da educação infantil, através da observação. É um trabalho complexo e apresenta muita subjetividade. Alunos da PUC, monitorados por professores, fizeram uma pesquisa aqui no [...] sobre violência na escola e acho que a pesquisa não apresentou um questionário claro. Levando os alunos a responder coisas que o pesquisador queria ouvir. “É preciso tomar cuidado, agindo assim acaba divulgando resultados que não são verdadeiros. Essas pesquisas são até mesmo publicadas!(Informação Verbal)17.

Também cheguei a ouvir colocações carregadas de preconceito em relação ao negro,

sobretudo, no que se refere à questão das cotas reservadas nas universidades:

[...] Eu não sou de acordo em relação a esse negócio de cotas para negros!. “Olha o Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Barbosa, ele venceu mesmo!” “Não precisou de cotas para chegar onde chegou”, “ O negro precisa ser bom ! bom mesmo, para vencer o branco”, “ Somente na música que o branco não tem chances de competir com o negro” , “ Porque aí o negro é o melhor, não tem jeito mesmo do branco competir, eles são os melhores [...]. (Informação Verbal) 18.

Parafraseando Pereira (1987) os mecanismos modeladores da opinião pública, bem

como os do comportamento social, sejam eles de indivíduos, de grupos ou da grande massa,

16 PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. 17 Informação obtida em conversa com a gestão da escola, durante a pesquisa de campo em 30/04/2010. 18 Informação obtida em conversa com a gestão da escola, durante a pesquisa de campo em 01/07/2010.

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podem atuar de forma explícita, ou não, na construção da figura do “negro caricatural”,

conforme pode ser lido no comentário acima.

Essa figura é construída a partir de estereótipos referentes às suas características

fenotípicas, como: feio, macaco, tição. Tais colocações, também se referem à sua

descaracterização social: malandro, rufião, delinqüente, maloqueiro, amasiado, bêbado,

vagabundo, mandingueiro, pernóstico, servil, ou até mesmo menções relacionadas com certas

qualidades “positivas”, como no caso das afirmações que os negros tem talento para a música,

que são astutos, ingênuos, ou então quando são associados ao preto velho bondoso, a meiga

mãe-preta ou o humilde e fiel servidor do homem branco, sendo menções que na realidade

estão relacionadas à nossa tradição paternalista e escravista. (PEREIRA, 1987).

Sobre essa questão o adolescente negro André19 relata:

Bom... Fica aquele negócio... Usa aquele boné para trás é negro é malandro. Aí tipo assim você entra na sala, aí os professores... Já vêm... Esse menino é malandro. Já me falaram, não que eu era negro, só falou ah... Esse menino com esse boné pra trás deve ser malandro. É tipo... Piadinhas assim, às vezes tem mas é... Tipo, sei que é brincadeira, meus amigos de verdade que fazem isso, tranqüilo. Agora pessoas que eu não conheço fazem isso aí eu tipo tesouro. (Estudante negro André) 20.

Nestas experiências vivenciadas no campo outro fato chamou minha atenção: somente

os alunos brancos se aproximavam para indagar sobre os motivos de minha presença na

escola, ao contrário dos negros, que sequer me olhavam. Nestas ocasiões o sentimento que

tive foi de evitação de alunos negros em relação à minha pessoa. Cheguei a pensar que esse

comportamento poderia colocar em risco o desenvolvimento do estudo, pois, agindo assim,

alguns alunos poderiam se recusar a participar das entrevistas planejadas. Gomes (2007a) nos

ajuda a compreender essa discussão ao afirmar que:

Para alguns negros permanecer ou ser visto publicamente em companhia de outros negros significa expor – se à associação, empreendida pelo olhar dos brancos (“estabelecidos”), com pessoas que trazem já em sua aparência o estigma da inferioridade social. Aproximar – se do dominante é uma estratégia, entre outras, de sobrevivência social criada em contextos de pressão e constante violência simbólica no sentido da negação do EU. Negar a identidade coletivamente atribuída, ou fugir à identificação com os “semelhantes” equivale a uma tentativa desesperada de escapar ao terror de enxergar – se menos humano. (GOMES, 2007a, p.537).

19 Alessandra, Ana 1, Ana 2, Ana3, André, Bernardo, Fabiana Gabriela, Jorge, Juliana, Laura, Lia, Lucas

Marília, Marcela, Mariza, Paula, Paulo, Roberto e Vanessa nomes que irão aparecer ao longo dessa dissertação são nomes fictícios dados pelos atores que contribuíram com está pesquisa.

20 Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na escola pesquisada em 14/09/2010.

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Esse acontecimento, inevitavelmente, nos coloca certas interpretações: Se fosse uma

pesquisadora de cor de pele branca ou mais clara, os atores sociais que atuavam naquele

espaço teriam outro olhar, atitudes e comportamentos diferentes comparativamente ao dado à

minha pessoa? Gomes (2008) comenta sobre isso a partir de suas experiências de

pesquisadora e de antropóloga e que, admito, mesmo sem ter feito uma etnografia, me ajudou

a refletir sobre minha iniciação na pesquisa de campo:

Se falar sobre as relações raciais e identidades negras é um exercício de fôlego para qualquer intelectual que se dedica a tal assunto, é possível imaginar como essa tarefa se torna ainda mais desafiadora se esse intelectual for uma mulher, negra, educadora e antropóloga. Essa explicitação subjetiva e política do lugar do/a perquisador/a, muitas vezes, recebe um olhar desconfiado no campo do conhecimento científico. Esse processo de suspeição recai também sobre outros pesquisadores e pesquisadoras que elegem como tema de investigação o seu próprio grupo social, cultural e étnico-racial, sobretudo, se esse fizer parte de um histórico de discriminação e de exclusão social. Tal situação nos revela que o antropólogo ocupa um lugar posicionado no mundo e no campo do conhecimento científico, por mais que alguns ainda apelem para certa “neutralidade etnográfica”, Ele/ela é um intelectual e um cidadão. E a escrita que o/a antropólogo produz, a ida a campo que realiza, as reflexões que socializa não se constroem no vazio, antes, são opções, escolhas e interpretações. Alguns intelectuais explicitam mais essa conjunção de fatores e outros menos, porém, isso não altera o fato de que tais fatores estão presentes na realização de toda a etnografia. Essa é uma tensão que ocorre no campo científico e que revela um pouco mais sobre as complexas relações entre identidade e diferença não só do “ponto de vista do nativo”, mas também do/antropólogo/a. (GOMES, 2008, p.134).

O campo é sempre um desafio, e aprendi com Oliveira (2000) que o “ouvir" é um dos

atos cognitivos que contribui para a aceitação do pesquisador entre os nativos. Pois o ato de

ouvir os atores estudados, contribui com a formação de uma “relação dialógica” entre ambos,

e conseqüentemente uma verdadeira interação, entendida por Oliveira, como observação

participante. E, neste processo, o pesquisador, ao assumir uma posição de destaque, viabiliza

uma melhor aceitação com o grupo pesquisado. Com isso:

Faz que os horizontes semânticos em confronto – o do pesquisador e o do nativo – abram – se um ao outro, de maneira que transforme um tal confronto em um verdadeiro “encontro etnográfico”. Cria um espaço semântico partilhado por ambos interlocutores, graças ao qual pode ocorrer aquela “fusão de horizontes” – Como os hermeneutas chamariam esse espaço -, desde que o pesquisador tenha a habilidade de ouvir o nativo e por ele ser igualmente ouvido, encetando formalmente um diálogo entre “iguais”, sem receio de estar, assim, contaminado o discurso do nativo com elementos de próprio discurso. (OLIVEIRA, 2000, p.24).

A paciência também é uma condição necessária no campo de pesquisa, e sobre esta

questão Rocha e Tosta (2009) diz que é preciso levar em consideração o tempo no trabalho de

campo, já que não será de imediato que iremos alcançar as respostas que buscamos. A

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“maturação do olhar”, conforme defendem os autores, também é importante durante todo o

processo, bem como o envolvimento entre o pesquisador e os atores pesquisados, que acaba

sendo uma aproximação “inevitável”. (ROCHA; TOSTA 2009). Desse modo, convém

lembrar que:

[...] estudar o cotidiano é ter claro que o tempo pode operar ou não a nosso favor! Um intervalo de tempo que dificilmente se precisa, mas sabe – se que não pode ser tão curto como aquele que remete à aplicação de um questionário e análise de dados, por exemplo, considerando que o tempo no cotidiano não é necessariamente, o tempo administrado e controlado pelos nossos recursos e desejos. (ROCHA; TOSTA, 2009, p. 138).

A plena realização em um trabalho de campo requer algumas articulações, com

destaque para a interação entre o pesquisador e os atores sociais envolvidos na pesquisa, uma

vez que, nesse processo, mesmo analisando planos desiguais, ambas as partes buscam uma

compreensão mútua, visto que o objetivo maior do pesquisador não é ser considerado igual,

mas ser aceito na convivência com os outros. (CRUZ NETO, 1998).

Esse interagir, entre pesquisador e atores pesquisados, não se limita às entrevistas e

conversas informais, mas também aponta para a compreensão da fala dos sujeitos em suas

ações. Vale lembrar que é através dessa compreensão que nos tornamos capazes de

compreender melhor os aspectos rotineiros, as relevâncias, os conflitos, os rituais, assim como

a delimitação dos espaços público e privado. Além do mais os atores pesquisados não são

ingênuos espectadores ou mesmo atores não-críticos. A observadora é também observada!

Com isso:

[...] o investigador ocupa um papel chave na pesquisa, pois cabe a ele observar, sistematizar e interpretar a realidade pesquisada identificando ao menos duas dimensões: a pública, portanto, o lado manifesto e explícito das relações sociais, e a privada, o lado ao qual se referem os elementos constitutivos e atuantes dos bastidores, aquilo que está, aparentemente, implícito e subsumido pela realidade enfocada. Fato que requer saber que no social o cotidiano é composto de mundos interdependentes aos quais o acesso depende do nível de interação que se estabelece entre o investigador e o grupo social pesquisado. E que evidencia que qualquer grupo humano tem regras próprias – traços culturais peculiares e nem sempre aparentes. (ROCHA; TOSTA, 2009, p.140).

Nessa perspectiva é importante refletir, que a educação e a antropologia são áreas das

Ciências Humanas que trabalham diretamente com o homem, sendo este o principal sujeito-

objeto da investigação. E a diversidade cultural está presente no humano, uma vez que é

construída ao longo do processo histórico, social e cultural e nesse contexto e que as relações

étnico- raciais se (re) constroem.(GOMES, 2008).

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1.6 Notas Teóricas e Metodológicas

Para o desenvolvimento da pesquisa, as categorias centrais utilizadas foram: cultura,

identidade étnico – racial, adolescentes negros e classe média. A partir de autores que passo a

explicitar rapidamente, na medida em que serão retomados ao longo da escrita desta

dissertação, foi possível compreender melhoras categorias aqui destacadas e como

contribuiem para a compreensão do objeto desta pesquisa.

Sobre o conceito de cultura, Cuche (2002) explica que sendo o homem um ser cultural

é a “noção de cultura” que permite refletirmos sobre a humanidade a partir de sua diversidade,

ou seja, a cultura nos apresenta as condições necessárias para compreendermos a diferença

entre os atores e grupos culturais, já que possibilita a adequação desses ao meio social, a

adaptação do meio à suas necessidades, bem como a própria transformação da natureza.

(CUCHE, 2002, p. 14).

Nesse sentido, sendo a cultura compreendida a partir do humano, a concepção de

cultura adotada para a realização deste trabalho, se baseia no sentido mais amplo do termo,

conforme destacam Cuche (2002) e Rocha e Tosta.

A cultura, no sentido amplo, significa a maneira total de viver de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Não significa isso uma defesa da Cultura com C maiúscula, no sentido absoluto do termo, mas também não se trata de uma defesa relativista e ingênua que, se tudo é cultura e cada um tem a sua cultura, logo, a cultura não existe porque tudo é cultura. Destarte, cultura é, antes de tudo, um instrumento utilizado por nós com o objetivo de apreendermos o significado das ações e representações sócias desenvolvidas pelas pessoas em seus rituais, mitos, festas, comportamentos rotineiros, enfim, no curso da vida social. Nesse sentido, pode – se apreender culturas, no plural, enquanto sistemas de símbolos e mecanismos de controle, orientação e classificação das condutas emocionais, intelectuais, corporais, estéticas, econômicas, políticas, religiosas e morais. (ROCHA; TOSTA, 2010, p. 345 -346).

O conceito identidade étnico-racial foi utilizado nesse estudo, por ele permite analisar

com um maior aprofundamento a construção identitária de adolescentes negros, buscando

compreender como estes se veem, enquanto integrantes ou não de um grupo étnico-racial

negro.

Grupos de cidadãos negros, bem como aqueles pertencentes a outros grupos étnicos,

construíram ao longo do processo histórico uma identidade étnica. Sendo um modo de ser e

ver o mundo a partir de uma visão histórico-cultural que os diferencia de outros grupos

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étnico-raciais. No caso dos negros, em seu processo de construção identitária, estes se

deparam com várias ambigüidades, em função do preconceito e da discriminação racial

presentes no contexto social brasileiro (GOMES, 2006). Nessa perspectiva Lopes afirma:

[...] numa sociedade absolutamente contraditória como a nossa, que nega a existência do negro e que diz que para o negro existir tem que ser branco, já que o negro no Brasil é educado para entender desde muito cedo, que para ser homem, ele deve ser branco. Na verdade, para se afirmar como pessoa, o negro precisa se negar, mas como tem que ser ele mesmo, entra em contradição total. (LOPES, 1987, p.38).

Na verdade, a construção identitária de negros e negras brasileiros não é um processo

fácil, sem dor, pois várias questões contribuem para a negação de si mesmo. Munanga (1996)

defende que a construção de uma identidade passa pela cor de pele, pela cultura, pela

construção histórica do grupo negro no Brasil, a partir de uma visão de mundo, da

recuperação da ancestralidade africana, da religião etc. Porém o que ocorre, é que para sentir-

se negro assumido, o indivíduo negro tem que freqüentar o candomblé, gostar de músicas de

origem negra como o samba, o rap, o samba-rock, o pagode etc. Mas, formar uma

consciência, no sentido de valorizar a cultura negra como diferente e não como inferior às

outras cultura, explica Munanga (1996):

A questão fundamental é simplesmente esse processo de tomada de consciência da nossa contribuição, do valor dessa cultura, da nossa visão do mundo, do nosso “ser” como seres humanos; e valorizar isso, utilizar isso como arma de luta para uma mobilização, isso é que é importante. Agora, já ouvi muitas vezes pessoas da minha cor se queixando que há muitos brancos no candomblé, brancos que são pais-de-santo e mães-de-santo. Qual é o problema? É uma visão do mundo; eles gostaram dessa religião, mais isso não impede que haja maioria de negros nessa religião. Creio que aí estão criando falsos problemas. Pagode pode ser uma música de péssima qualidade em relação ao samba, mais qual é o problema? É uma música de origem, de inspiração no ritmo negro africano; como qualquer elemento cultural, tem uma dinâmica, se transforma no tempo e no espaço, não vai ficar estático. Creio que nós não podemos criar problemas onde não há. É uma dificuldade séria construir uma identidade baseada na cor da pele que todos os negros não aceitam. (MUNANGA, 1996, p.225).

Então, por mais contraditório que seja o processo de construção identitária do negro,

esse é um dos fatores fundamentais no que se refere à sua visão de mundo, representação de si

mesmo e de outros sujeitos de cultura, nas relações sociais, bem como nos vários espaços que

o mesmo ocupa na sociedade. Nesse sentido é possível compreender que a construção da

identidade, seja ela qual for, não é estática, uma vez que sofre transformações a partir do

processo de socialização que os sujeitos culturais estabelecem durante a vida em vários

espaços da sociedade, dentre eles a escola.

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As relações sociais com outros sujeitos culturais contribuem para a transmissão de

uma imagem identitária que, na verdade, pode ser aceita ou recusada. Dessa forma, é possível

pensar que a identidade implica em um constante processo de identificação do “eu” com “o

outro” e do “outro” com o “eu”. Sendo assim o olhar estabelecido em relação ao outro aponta

as diferenças que, conseqüentemente, levam à consciência de uma identidade (D’ADESKY,

2005).

Em outros termos toda identidade é uma construção relacional. Como destaca Tosta

(2011) ao explicar que a concepção de identidade implica na observação das organizações

sociais e de suas especificidades. Falar sobre identidade é falar sobre identidade cultural, haja

vista que a identidade está relacionada aos sistemas de representações que os sujeitos culturais

vão estabelecendo a partir da relação com o outro, com as atribuições sociais, sentidos e,

também, com o lugar que ocupam na sociedade. (TOSTA, 2011, no prelo).

No caso do conceito de adolescente negro, cabe citar que o termo negro, foco principal

dessa pesquisa, envolve construções sócio-culturais e as próprias contradições que constituem

os sujeitos e, conseqüentemente, as relações que estes estabelecem ao longo de sua história.

O cidadão brasileiro, independente da sua condição étnico-racial, percebe a diferença

entre negros e brancos, seja na questão estética ou na condição social. O que distingue esta

diferença é que uns acreditam na diferença como algo dado e imutável, enquanto outros

entendem a diferença como construída e naturalizada, de forma a privilegiar um determinado

grupo em detrimento de outro destaca Santos (2007).

Fato é que as diferenças existentes entre negros e brancos são tão arraigadas na

sociedade, que os próprios negros tendem a depreciar sua cor e suas feições, devido ao

imaginário de negação que se construiu em relação àqueles que apresentam descendências

africanas. Construiu-se na sociedade brasileira, o que se reflete até os dias atuais, várias

nuances de cor em relação ao pertencimento étnico-racial do negro, tais como: moreno,

moreno-escuro, marrom-bombom, mulato, escuro etc., como forma de negar o pertencimento

ao “grupo negro”, ocorrendo, assim, a construção de uma identidade sempre vista pelo

negativo.

Gomes (1995) chama atenção que o “Movimento Negro”, ao utilizar o termo negro,

busca ressignificar o papel desta população na construção do processo histórico, não

relacionando o negro a uma definição carregada de preconceito ou a uma simples questão da

cor de pele. Mas sim, remetê-lo a uma origem racial, lembrando que este termo é utilizado

enquanto construção político-social, distanciando-o da idéia de raças superiores e inferiores,

e, sim, valorizando os atributos físicos e culturais daqueles que compõem a sociedade

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brasileira, sendo estes sujeitos concretos que constroem a história e não simplesmente a cor de

pele.

A partir das “características perceptíveis” (como a cor da pele e textura dos cabelos) e

da análise dos traços morfológicos21 (formato do nariz e da boca), foi possível configurar o

grupo de adolescentes vistos por mim como negros. Posteriormente em diálogo com estes,

pude constatar uma aproximação dessa análise com o posicionamento desses adolescentes, ao

afirmarem suas condições de negros. Fato que me surpreendeu, já que, no início da pesquisa

de campo, houve certa desconfiança deles em relação ao meu interesse por eles e a esta

questão, pois no senso comum existe a idéia de que os negros que se ascendem

economicamente, dependendo do lugar, “embranquecem”.

A adolescência deve ser compreendida a partir de uma construção social, cultural e

histórica, levando em consideração a pluralidade que cada um apresenta. Haja vista que, por

mais que as fases da vida estejam relacionadas no desenvolvimento bio-psíquico de cada

sujeito, esta, na verdade, não ocorre somente a partir dos fenômenos puramente naturais.

(PERALVA, 1997).

A escolha por trabalharmos nesta dissertação com adolescentes de classe média e

média alta se deu, pois, conforme defende Rodrigues (2007) por estes constituirem-se

enquanto atores sociais que estão passando por processos de formação. Com isso, apesar de já

apresentarem suas visões de mundo e valores, os mesmos estão abertos a novos diálogos, bem

como à incorporação de novos conhecimentos. Dessa forma, destaca Tosta (2005), neste

contexto de mudanças, o adolescente deseja ser compreendido e reconhecido a partir de sua

individualidade, de modo que seja visto como o protagonista de suas idéias e ações. Tosta

(2005) ainda defende:

[...] fica claro que pensar adolescentes e jovens no contexto atual apresenta configurações distintas e complexas que trazem questões próprias da época, principalmente quando se toma como referencia as grandes metrópoles. Em termos legais e de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ser jovem é estar na faixa etária entre 12 e 18 anos. Entretanto, estudos na Europa e no Brasil deslocando o foco da linha jurídica preferem trabalhar com uma faixa bastante mais alargada, que chega aos 30 anos ou mais, baseando – se em pesquisas que buscam a percepção dos sujeitos e consideram o contexto em que vivem. Nesta perspectiva o ser adolescente se apresenta muito mais como um sentimento de pertença e de experiência, de “estado de espírito” do que propriamente corresponde a um dado cronológico. (TOSTA, 2005, p. 03).

21 Os termos “Características perceptíveis” e “traços morfológicos” são categorias utilizadas por Kebengele

Munanga no prefácio da obra: Sem perder a raiz - Corpo e cabelo como símbolo da identidade negra, de autoria da antropóloga Nilma Lino Gomes ( 2006).

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Neste debate convém refletirmos sobre o adolescente negro, já que além dessas

necessidades, soma – se outras, como no caso da identidade étnico-racial, processo que

devido ao preconceito e discriminação do negro, pode apresentar complexidades e

ambigüidades e, em alguns casos, até mesmo a negação de ser negro.

Finalmente, convém destacar que a escolha por trabalhar a questão da identidade

étnico-racial com os adolescentes desta pesquisa se deu por essa ser uma fase da vida em que

na cultura eles começam a enfrentar o tempo como uma dimensão significativa e contraditória

da própria identidade. E nesse contexto, a formação e o fortalecimento de uma identidade

racial passa por várias mudanças, pois é nessa fase que o adolescente, especificamente, cria

várias expectativas em relação a sua aparência física, bem como a forma como os outros os

veem e como eles querem serem vistos. Na verdade, a (re) construção de uma identidade

ocorre a partir das relações entre os sujeitos pertencentes aos diferentes grupos étnico- raciais

presentes no contexto social em que o adolescente se insere.

Sobre a categoria “classe média”, uma primeira e importante observação a ser feita é

que o estudo desenvolvido se recobre, de fato, de alta relevância acadêmica e social, pois,

constatamos à época da construção do problema desta dissertação, uma escassez de trabalhos

cuja proposta é estudar negros da classe média brasileira. Acredito que a ausência de

pesquisas que tematizem a classe média negra no ensino privado se deve, também, a um certo

senso-comum já naturalizado de que a maior parte da população negra no Brasil se encontra

nos extratos inferiores da sociedade. O que não deixa de ser verdade, basta olhar os censos

demográficos.

Porém, enquanto pesquisadoras, acreditamos não ser possível deixar de considerar

que, mesmo em número reduzido, a população negra também pertence, mesmo que de modo

precário, a extratos economicamente mais elevados da sociedade e que seus modos de

interação e integração social se constituem em problemas sociologicamente relevantes para a

compreensão mais alargada da situação do negro no Brasil.

Nesse sentido a categoria classe média utilizada nessa dissertação está relacionada ao

conceito de “status social”, uma vez que “as diferentes posições no espaço social

correspondem estilos de vida, sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica

de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”. (BOURDIEU, 1983, p.

82).

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2 O NEGRO NO CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO: ASPECTOS G ERAIS

As desigualdades sociais são marcantes em nossa sociedade, principalmente quando

avaliadas sob a realidade da população negra, sendo esta uma das condições sociais mais

perversas presentes no tecido social brasileiro. Pesquisas desenvolvidas por órgãos como o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (IPEA), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

(DIEESE), o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM),

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) são consensuais ao apontar

que a população negra é menos favorecida no que se refere à educação básica, ao acesso ao

ensino superior, as condições de saúde, ocupação no mercado de trabalho, condição salarial,

etc.

Este contexto de desigualdades22 é reflexo da histórica escravidão brasileira, pois, esta

marca e afeta negativamente a vida, a trajetória e a inserção social dos negros no Brasil.

Lembrando, ainda, que a ausência de políticas sociais direcionadas a esses cidadãos, após a

abolição, contribuiu para que a população negra permanecesse na pobreza, reproduzindo,

assim, essa gigantesca desigualdade social entre negros e brancos, bem como o preconceito

racial.

Parafraseando Silva e Hasenbalg (1988) é possível refletir que a abolição do regime

escravista em 1888, deixou os ex-cativos nas piores condições socioeconômicas, uma vez que

os recém libertos foram submetidos a um sério desajuste social, não apresentando um preparo

adequado para assumir a condição de homem livre, sobretudo, no que se refere a nova

condição de trabalho. Por esses e outros fatores, as desigualdades sociais e raciais presentes

na sociedade foram reflexo de um processo inacabado de mobilidade social e de integração do

negro à sociedade de classes. Nesse sentido a mudança da condição servil para a de homem

livre, na verdade, ocultou as desvantagens acumuladas pelos “brancos” durante todo o

processo do regime escravista, além da permanência da subordinação social da população

negra, após o fim de tal regime.

A abolição sem proteção, sem mecanismos de inclusão e sem a presença de políticas

direcionadas à mão-de-obra recém-liberta, foi impulsionada pela crença de que a modernidade

viria com o “branqueamento” da nação brasileira. A escravidão era vista como um entrave à

22 Sem nenhuma pretensão de fazer um recuo na História do Brasil, vale recuperar fatos que são relevantes para a

compreensão da temática abordada neste texto.

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modernização da economia, além de ser um impedimento para a promoção da imigração

européia. Vale lembrar que a imigração foi parte de um projeto de modernização do Brasil, no

qual a idéia de embranquecimento da população brasileira era uma das conseqüências

almejadas. Nesse sentido, em decorrência do processo integracionista europeu, o espaço

socioeconômico que havia ficado disponível a população negra de um modo geral, foi

fechado para esses cidadãos. Em lugar destes vieram as levas de colonos europeus que

migraram para o Brasil para substituir os negros na área rural e, anos mais tarde, nas áreas

urbanas. Neste processo, restou mão-de-obra e, ao mesmo tempo, faltou ocupação. O que

resultou em um excedente significativo da força de trabalho do cidadão negro (THEODORO,

2007).

Sob esta ótica é válido afirmar que a iniciativa do Estado no processo de adoção da Lei

de Terras em 1850, garantiu a posse de terras para os grandes proprietários, alienando-as das

mãos de milhões de trabalhadores que dessas terras tiravam seu sustento. Com isso a abolição

da escravatura, a política de imigração e a Lei de Terras contribuíram para o surgimento de

dois problemas, que, desde então, tem atravessado a história brasileira: a falta da posse de

terras e o excedente de mão-de-obra, ocorrendo assim o desemprego e a informalidade

(THEODORO, 2007).

Um complexo de circunstâncias históricas atuou no sentido de limitar as oportunidades socioeconômicas da população de cor, durante quatro décadas seguintes à abolição. Dentre essas circunstâncias, [...] a mais importante foi a política de imigração, seguida durante esse período. Impregnada como estava de matizes racistas, essa política resultou não apenas na marginalização de negros e mulatos no sudeste, mas também reforçou o padrão de distribuição regional de brancos e não- brancos que se desenvolvera durante o regime escravista. Como conseqüência, uma maioria da população não-branca permaneceu fora do Sudeste, na região economicamente mais atrasada do país, onde as oportunidades educacionais e ocupacionais eram muito limitadas. (HASENBALG, 2005, p. 176).

Com efeito, a população negra, excluída das terras e das ocupações econômicas,

concentrou-se nos espaços mais pobres da sociedade, reforçando a associação pobreza/ cor.

Infelizmente, esse cenário de exclusão, ao longo do tempo, sofreu apenas uma pequena

alteração, já que no Brasil o novo recriou o arcaico, em uma dinâmica na qual a modernidade

acabou incorporando as desigualdades sociais, além do preconceito racial. Fator que merece

uma ampla reflexão sobre suas origens, pois índios e negros foram escravizados na sociedade

brasileira, para produzir riquezas em benefício do dominador, sendo considerados inferiores,

com baixo nível de inteligência, justificando, assim, uma motivação moral para mantê-los

sobre o regime escravista. A recorrência dessa condição de inferioridade, acaba por criar uma

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representação social negativa do negro, no sentido de pensar que tudo que vêm desta

população não presta, além da exclusão desse segmento dos principais espaços da sociedade.

(THEODORO, 2007).

Nesse contexto de desigualdades e exclusões, conforme afirma Paixão (2003),

somente no final da década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI, é que ocorreu uma

maior conscientização pública da condição social e das desigualdades raciais vividas pela

população negra. Tal cenário foi reflexo, sobretudo, das articulações dos movimentos negros,

da luta contra o racismo e o preconceito racial, de modo a alcançar condições sociais e

econômicas dignas para mais de 75 milhões de brasileiros pertencentes ao grupo negro.

Cabe citar, ainda segundo Paixão (2003), que o aumento da produção acadêmica, com

o desenvolvimento de estudos, publicação de livros, artigos, seminários, debates e pesquisas a

respeito das desigualdades sociais desse grupo também contribuíram para esse avanço. Com

isso as desigualdades raciais na sociedade brasileira passaram a ser vistas de forma mais

objetiva, favorecendo, uma maior legitimidade dos movimentos negros, além da reflexão

sobre os motivos que levaram, e ainda levam, a população negra permanecer à margem das

políticas universalistas de integração social, há mais de um século.O Relatório de

Desenvolvimento Humano produzido pelo PNUD (2005)23 aponta que no ano de 2000 a

população branca apresentava uma IDH- M24 DWE 0,814, enquanto o IDH-M da população

negra era de 0,703. Nesse sentido no que se refere à insuficiência de renda, pobreza e

indigência, 65% dos pobres e 70% dos indigentes são negros. Assim a proporção de negros

abaixo da linha de pobreza, analisando a partir do total da população negra no Brasil, é de

50%, enquanto que é 25 % a de brancos, tendo em vista o conjunto da população branca desde

1995, conforme aponta o Atlas Racial Brasileiro (2005).

23 O RDH (Relatório de Desenvolvimento Humano -2005) tem como principal objetivo provocar uma reflexão e

uma análise de racismo, pobreza e violência, apontando caminhos que tornem possível romper obstáculos ao desenvolvimento humano-não só de negros, mas de todos os brasileiros. Tendo como eixo norteador do estudo dados do PNUD (Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento) , Instituto Ethos, CEDEPLAR, (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) , PNAD (Programa Nacional de Amostra de Domicílios).

24 Do ponto de vista aritmético, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador sintético que varia entre 0 e 1. Quanto mais distante de 0, maior o desenvolvimento humano. Para fins analíticos, a um IDH até 0,499 se atribui a classificação de baixo desenvolvimento humano; entre 0,500 e 0,799 considera-se médio desenvolvimento humano; e, acima de 0,800,alto desenvolvimento humano. Essencialmente, o IDH é composto das seguintes dimensões: longevidade, educação e renda. (Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005.

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Tabela 1 – Proporção de pessoas de baixa renda, por raça/cor – Unidade da Federação – Belo Horizonte – 2008

Cor/raça – Unidade da Federação – MG Belo Horizonte Período 2008

Branca Preta Amarela Parda Indígena Total

1975868 554267 13131 2271222 13129 4827617

Total 1975868 554267 13131 2271222 13129 4827617

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - 2008

Essa desigualdade de renda resulta em uma inegável e inaceitável concentração de

pessoas negras abaixo da linha de pobreza, neste caso o Relatório de Desenvolvimento

Humano fundamenta, outra vez, no sentido de apresentar dados que contribuem para

compreensão do que foi explicitado acima. Embora mulheres e homens negros representem

44,7% da população brasileira, segundo dados do Censo de 2000, sua participação chega a

70% entre os 10% mais pobres.

Tabela 2 – Renda média domiciliar per capita, por ano e cor/raça – Região Metropolitana de Belo Horizonte / MG – 2001, 2002, 2004, 2008

Negros Brancos Indígenas Pardos Amarelos Total

2001 275,67 622,43 395,45 330,45 1672,87 415,29

2002 315,47 605 404,1 349,34 885,95 431

2004 353,51 572 504,66 332,17 1115,11 393,17

2006 369,15 600,67 495,28 391,73 669 446,23

2008

445,76 676,52 456,8 445,85 592,87 505,1

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – (PNAD) – 2008 1. O valor de referência, salário mínimo de 2008, é de R$ 415,00.

Em relação aos estratos mais altos, a presença da população negra diminuiu até atingir,

apenas, 16% no último estrato (os 10% mais ricos), situação que, praticamente, permaneceu

estática ao longo dos anos 90, lembrando que em todas as faixas o rendimento médio dos

brancos é superior ao dos negros.

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Tabela 3 – Distribuição percentual do rendimento do 1% mais rico em relação ao total de pessoas, por cor no Brasil em 2003.

BRANCA PRETA E PARDA

86,8 13,2 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Diretoria de Pesquisas, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003.

As desigualdades raciais na educação também são um fator preocupante, na medida

em que persistem altos índices de analfabetismo entre negros, se comparados aos brancos.

Pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)

aponta que ao longo das oito séries do ensino fundamental, a repetência escolar é maior entre

estudantes negros do que entre os brancos (INEP, 2004).

Tabela 4 – Taxa de escolaridade da população de 15 anos mais, por cor/raça – Região Metropolitana de Belo Horizonte - MG

Unidade da Federação Branca Preta Amarela Parda Indígena Total

Minas Gerais 1632865

471805

10669

1739929

12720

3867988

Total 1632865 471805 10669 1739929 12720 3867988

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – (PNAD) – 2008.

Porém, de acordo com a pesquisa desenvolvida pelo Quarto Relatório Nacional de

Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio as disparidades entre negros

e brancos sofreu uma diminuição, no que tange a educação, pois a universalização do ensino

fundamental, a partir de uma política geral, ou seja, não voltada para um grupo étnico

específico, beneficiou negros e brancos. Conforme aponta os dados referentes à educação

brasileira no ano de 1992 os cidadãos de 07 a 14 anos de idade que freqüentavam o ensino

fundamental eram de 75,3%, para os cidadãos negros e 87, 5% para brancos. Já no ano de

2008, as porcentagens entre esses dois grupos eram praticamente iguais, sendo 94,7% para

negros e 95, 4% para os brancos. De acordo com o estudo um dos efeitos desse resultado foi a

queda da desigualdade no analfabetismo. Já que na faixa etária de 15 a 24 anos, a taxa era de

95,6% para brancos e 86,8% para negros, no ano de1992. No ano de 2008, os números eram

parecidos, consistindo em 98,7% para os brancos e 97, 3% para os negros. No que se trata do

ensino médio, a desigualdade ainda é evidente, embora em um nível menor, pois no ano de

1992 a proporção de brancos com a faixa etária entre 15 a 17 anos matriculados no antigo

ensino colegial era de 27.1 %, sendo quase o triplo da dos negros, que chegavam a 9,2%. Em

2008, a diferença havia caído para 44%, ou seja, 61% entre os brancos e 42,2% entre negros.

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Analisando os dados do Ensino Fundamental, fica evidente que ocorreu um maior

acesso dos cidadãos negros a este nível de ensino e a redução do analfabetismo esteve

acompanhada do aumento da escolarização da população, que atingiu os diversos grupos e

segmentos da sociedade. O Relatório de Desenvolvimento Humano afirma, que uma das

conquistas mais importantes no Brasil no final do século XX e início do século XXI foi a

quase universalização do ensino fundamental, sendo que esta expansão educacional alcançou

crianças brancas e negras (PNUD, 2005).

Analisando esta situação na escolarização superior, é possível citar que, nos últimos

anos, o sistema universitário sofreu uma significativa expansão, porém, neste processo os

negros continuaram em desvantagem em relação aos brancos. Henriques (2001) explica que,

no Brasil, a condição racial em determinados espaços constitui um fator de privilégio para os

brancos e de exclusão e desvantagens para os negros. Levantamentos estatísticos, no que se

refere à realidade entre negros e brancos, assustam aqueles que têm a preocupação social e o

compromisso com a busca da igualdade efetiva e da qualidade de vida na sociedade brasileira.

Tabela 5 – Distribuição dos ocupados segundo escolaridade, cor e sexo – Região Metropolitana de Belo Horizonte – agosto/2006 – julho 2007

Cor e Sexo

Negra Não-negra

Escolaridade

Total Mulheres Homens Total Mulheres Homens TOTAL

Analfabeto 1,2 1,6 1,9 1,4 (2) (2) (2)

Ensino Fundamental

Completo

28,0 34,1 32,0 35,8 20,5 19,0 21,7

Ensino Médio Incompleto

18,5 20,7 18,2 22,7 15,7 12,8 18,2

Superior Incompleto

38,2 35,9 38,5 33,7 41,2 42,0 40,5

Superior Completo

14 7,8 9,4 6,4 21,9 25,3 19,0

Total 100 100 100 100 100 100 100

Fonte: DIEESE/Seade e entidades regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE

Tendo em vista este cenário, é possível afirmar que o sistema de ensino brasileiro

continua reproduzindo as históricas diferenças econômicas e sociais do País. No caso do

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acesso ao ensino superior, acredito que este quadro possa ser alterado com as políticas de

ações afirmativas. Tais políticas têm por objetivo possibilitar a oportunidade de acesso dos

grupos discriminados, como no caso dos negros, mulheres, indígenas etc, em diferentes

setores da vida econômica, política, institucional, cultural e social. A política de cotas tem

sido um mecanismo de transformação social rápido que pode estar contribuir com o acesso

desses cidadãos ao ensino superior. Esta política objetiva que o Estado e a sociedade

empreguem mecanismos que possibilitem a implantação de medidas de reversão das

desigualdades raciais, econômicas, políticas e sociais. (JACCOUD, 2002).

2.1 A Classe Média Negra no Contexto da Sociedade Brasileira

O fato da maior parte da população negra no Brasil estar situada nas camadas de

menor renda pode explicar a razão da existência de tão poucos estudos sobre negros de classe

média. Ademais, pode-se afirmar também a possibilidade de existência de certa representação

social já cristalizada, inclusive no campo acadêmico, de que estudar o grupo negro é, sem

dúvidas, estudar a camada da população mais pobre, com baixa escolarização e massivamente

presente na escola pública.

Credito esta dificuldade dos pesquisadores, de pesquisar a classe média negra, ao

reflexo da desigualdade da maior parte da população negra nos extratos inferiores da

sociedade. Sendo assim, penso que a maioria das opções pelo desenvolvimento de pesquisas

sobre o negro nesta condição é um mecanismo que os pesquisadores buscam para apontar

soluções, de modo que as políticas públicas possam contribuir com a reversão deste quadro de

injustiças e exclusões.

Dada a complexidade do próprio conceito de classe social é importante explícitá-lo

brevemente, a fim de situar o leitor na compreensão do que chamo neste texto de classe

média. Conforme afirma Figueiredo25 (2002), o termo classe ao longo dos anos, vem sofrendo

várias alterações, e o principal objetivo referem-se às próprias mudanças ocorridas nas

sociedades modernas. Hoje, encontramos dificuldades para definir classes sociais, como Marx

as definiu a partir de dois blocos: os donos dos meios de produção, de um lado, e ,de outro, os

trabalhadores que vendem sua força de trabalho. Com as diversificações ocorridas no mercado

25 Doutora em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução - SBI/IUPERJ (2003) atua nas seguintes áreas:

Antropologia e Sociologia, identidade negra, racismo embranquecimento, mobilidade social, classe média negra, relações de gênero, política do corpo, beleza negra, sexualidade e prevenção do HIV-AIDS.

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de trabalho, construíram-se espaços intermediários que não se enquadram dentro dessa

classificação. Uma possibilidade então foi estabelecer alguns critérios objetivos que pudessem

indicar a posição dos indivíduos enquanto classe, tais como a renda, somada a outros

determinantes sociais.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, o conceito de classe não se deu apenas, no

sentido da identificação econômica do grupo pesquisado, mas também à noção de “status

social”. Assim coube utilizar a noção de classe de Bourdieu26 (1989), pois, ao definir classe

social ele incluiu os gostos, os valores e o estilo de vida dos indivíduos, formando com isso

uma classe social que apresenta aspectos de sociabilidade e incentivos em comum. Dessa

forma, as classes vão sendo construídas relacionalmente, a partir de elementos diferenciadores

como no caso da condição econômica (renda), embora a renda não seja um fator que sozinho

explique a existência de um grupo homogêneo. Bourdieu (1989) entende a classe social como

um: “[...] conjunto de agentes que ocupam posições semelhantes que, colocados em condições

semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes interessantes semelhantes, logo práticas

e tomadas de posições semelhantes” (BOURDIEU, 1989, p. 136).

Entender a classe média, uma vez que não é um indicador trabalhado por órgãos como

o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contribuiria bastante para acertar um

recorte. Uma alternativa que nos pareceu razoável e mais segura foi abordar a noção de

“status” como categoria que nos permitisse, nesta pesquisa, operar com o segmento da

população escolhida na investigação. Brandão (2006) refere-se ao status como sendo uma

significação dupla que diz respeito, abstratamente, a uma posição em um determinado padrão

de cultura. Assim, cada indivíduo pode possuir vários status, dependendo de como cada um

toma parte nos padrões culturais existentes. Em sentido restrito, ter certo status social diz da

posição que o indivíduo ocupa na sociedade total. (TOSTA, 2011, no prelo). Ou seja, assim

pensada, a noção de status social permite referir aos grupos na sociedade em que a

concorrência extrapola o campo econômico para atingir o campo simbólico, evidenciando que

aspectos como a ocupação profissional, educação e acesso a bens de consumo são importantes

e servem de indicadores de um poder aquisitivo, referindo-se a um elevado status social.

Pastore (1979) 27, em estudo sobre mobilidade social, afirma que o status social

apresenta-se como um conceito chave, uma vez que o status individual tende a basear-se em

26Pesquisador Francês, formado em Filosofia, foi professor da École de Sociologie du Collège de France,onde

consagrau com um dos maiores intectuais de seu tempo, desenvolveu trabalho relacionados: a dominação, capus, habitus e capital social.

27 Ph. D. em Sociologia pela University of Wisconsin, Madson, Wisconsin, USA (1968) . Pesquisador dos seguintes temas: Desigualdades sociais, educação, trabalho, renda e emprego.

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características que os sujeitos podem adquirir ao longo de sua trajetória, como educação,

profissão, informações etc. Já nas sociedades estáticas e menos industrializadas, o status

individual tende a atrelar-se a critérios atribuídos como a herança, a cor, a religião, etc.

Portanto, o status atribuído ao pertencimento étnico-racial, em oposição ao adquirido a

partir da condição de classe, é extremamente importante quando a proposta é analisar a

construção identitária de negros que alcançaram a ascensão social, tornando possível

compreender se a ascensão econômica contribui para a aquisição do status de, que desfrutam

aqueles sujeitos que ocupam uma mesma classe social.

Figueiredo (2002) chama atenção para o fato de que os primeiros estudos no Brasil

sobre a inserção dos negros na sociedade de classe, iniciaram-se apenas a partir dos anos de

1930, com destaque para as pesquisas de Pierson (1940) e Azevedo (1955), como estudos

pioneiros. Esses pesquisadores descreveram o Brasil como sendo uma sociedade multirracial

e de classe, porém de convivência harmoniosa. No referido contexto, não se pode deixar de

notar a importância do mito da democracia racial, interpretado por vários intelectuais a partir

da obra “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freire. Osório28 explica que:

Uma das provas de que o racismo não existia ou era de pouca monta na sociedade brasileira, do ponto de vista de alguns dos advogados da tese da democracia racial, seria a mobilidade ascendente dos mulatos. O fato de que havia mestiços entre as elites econômicas e políticas, desempenhando - com reconhecimento social – ocupações prestigiosas, era tido como sinal da ausência de preconceito racial. Esses mestiços teriam obtido sucesso por estarem há mais tempo afastados da escravidão, por seus ancestrais terem se libertado ou sido libertados antes da abolição. Negros no extremo escuro da escala de cor não estariam tão integrados à sociedade livre – eles ou seus parentes ascendentes teriam experimentado uma escravidão mais recente, e esta seria a razão de sua condição social mais baixa. Com o tempo e o desenvolvimento econômico, todavia, oportunidades criar - se – iam e a situação reverter-se- ia. (OSÓRIO, 2004, p.08).

Compartilhando com este tipo de explicação, Osório (2004) explica que autores como

Pierson (1940), analisaram a problemática entre negros e brancos de forma harmônica, pois a

ascensão social dos cidadãos negros, e sua convivência no chamado mundo dos brancos, fez

com que os estudiosos e a sociedade, de um modo em geral, construíssem um imaginário de

que a ascensão do negro dependia somente de seus esforços pessoais, criando, assim, a idéia

de que o preconceito no Brasil não estaria relacionado à cor, mas sim à classe social.

Nos anos 50 novos estudos sobre as relações raciais brasileiras foram desenvolvidos a

partir de uma perspectiva mais crítica,que questionava as pesquisas desenvolvidas nos anos

28 Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (2009), pesquisador dos seguintes temas: estratificação e

mobilidade social, desigualdades raciais e de gênero e políticas públicas.

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30. Dentre os estudos desta época está o trabalho seminal de Florestan Fernandes (1978) 29. O

autor defende:

A absorção de negros e de mulatos na estrutura do sistema de classes assume proporções tão limitadas e continuidade tão vacilante, que se mantém, com relativa inflexibilidade, o velho círculo vicioso. A “cor” continua a operar como marca racial e como símbolo de posição social, indicando simultaneamente “raça dependente” e “condição social inferior”. Além disso, a “população de cor”, em sua quase totalidade, não possui elementos para livrar – se dessa confusão, vexatória e nociva ao mesmo tempo. O próprio “negro que sobe” – entidade privilegiada dessa população - tem de travar uma luta heróica, ininterrupta e inglória para desfrutar, pessoalmente, parcelas mínimas das prerrogativas polarizadas em torno de suas posições sociais. Essa compulsão igualitárias, por si mesma comprometida e oscilante, é diluída e anulada pelo contexto social. (FERNANDES, 1978, p. 286).

Em seu estudo, Fernandes (1978) argumenta que uma “pressão integracionista” levou

o negro a incorporar as normas e os padrões sociais da ordem social competitiva,

neutralizando a distância histórico-cultural que foi estabelecida entre a herança sócio-cultural

da população negra e o contexto da era industrial. Contudo, essa pressão não trouxe mudanças

nos padrões predominantes de concentração racial, de renda, bem como no prestígio social e

de poder arraigados na sociedade brasileira.

Fernandes (1978) chama atenção que a sociedade de classe, neste período, constitui-se

em um sistema social aberto no que se refere à organização das relações raciais, porém, não

passou por um processo de modernização, pois, os princípios de dominação racial herdados

do passado, os quais atribuíram o monopólio do poder aos brancos, considerados grupo

dominante, permaneceu. Dessa forma, a concepção de democratização das relações raciais na

sociedade brasileira surgiu como um processo histórico-social heterogêneo, lento e

descontínuo. A entrada do negro na estrutura do sistema de classes ocorreu de forma muito

limitada, sendo a cor da pele um fator forte neste processo, já que esta é vista como uma

marca e um símbolo de posição social. Uma vez que os negros eram associados à condição de

“raça dependente”, associado a “condição social inferior”; “negro não é gente”, “fazer papel

de negro”; “preto bom já nasce morto”; “coisa de negro”; “não passa de negro”; “logo vi que

era negro”; “negro quando não suja na entrada, suja na saída”; dentre tantas outras expressões

de igual conteúdo, revelam bem como a “cor da pele” é um elemento definidor do indivíduo e

de seu caráter no caso brasileiro.

29 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo: Ática, 1978 é considerado

nos meios acadêmicos como o grande divisor de águas entre as pesquisas anteriores e as que seriam feitas após seus estudos.

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Com isso, os negros que chegavam a alcançarem a ascensão social acabavam

enfrentando exclusões sociais para desfrutarem dos valores relacionados à sua posição social,

deparando-se com vários problemas, por desejar ser aceito pelo branco de nível social

equivalente e exigindo, mimeticamente, o mesmo tratamento que o branco estabelecia com

outros sujeitos. No entanto, ou o branco aceitava e tratava o negro como igual, ou, então, não

construía relações com o mesmo, mas, na maioria das vezes, a evitação impunha-se como a

solução mais utilizada. (FERNANDES, 1978).

Osório (2004) afirma que para os negros se inserirem no chamado mundo dos brancos,

estabelecido desde o princípio da colonização, eles tinham que se submeter a um

branqueamento psicossocial e moral. Neste caso as portas para o mundo dos brancos não

estariam totalmente fechadas, por mais que fosse difícil atravessá-las, pois envolveria a

submissão do negro, que deveria aderir , assim, à ideologia racial dos brancos e à renúncia a

sua cultura ancestral.

Aos negros, que apresentavam uma nuance de pele próxima ao do branco, foi

facilitada a ascensão a postos altos da hierarquia social, estando esta condicionada à adesão

na crença da democracia racial e a sua gradual transformação em negros socialmente

brancos. Ao compor a elite, esses negros passaram a se destacar pela sua inserção social,

sendo vistos como prova da existência da democracia racial brasileira. Osório contra-

argumenta defendendo que:

Diante de um negro e um branco de origem nas classes baixas, os dois com mesmo nível educacional, a sociedade privilegiará o branco na hora de recrutar para posições disponíveis nas classes intermediárias e superiores. Eventualmente, privilegiará mesmo um branco com menos educação em detrimento de um negro com maior grau de instrução. A despeito de ser por intermédio da educação que a maior parte das desigualdades raciais reproduz-se e viabiliza-se, o racismo não se imiscui somente dentro do sistema educacional. A origem pobre em uma sociedade na qual o melhor horizonte ascensional é a passagem ao status de um pouco menos pobre também é outro fator de peso na reprodução das desigualdades raciais. Some-se ainda a segmentação do mercado de trabalho, pois os serviços pesados e braçais. Embora não impeçam a presença de indivíduos negros nas camadas privilegiadas da sociedade, os diversos fatores relacionados predispõem o grupo racial do qual fazem parte a permanecer concentrado nas posições sociais subalternas. (OSÓRIO, 2004, p.21).

São problemas que explicitam como os negros que alcançam a ascensão social ainda são

vistos como exceções à regra, pois estes, majoritariamente, são representados a partir dos

extratos inferiores da hierarquia social brasileira. Neste caso é possível concluir que os negros

que compõem a classe média, de um modo geral, são estigmatizados, não tendo acesso ao

padrão de vida de que desfruta a classe média branca.

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Figueiredo (2004) coloca, ainda, que os negros que alcançaram a ascensão social

defendem a idéia de que, apesar de ter a consciência das dificuldades atuais de ascensão

através da escolarização, por conta, principalmente, da decadência da escola pública, os

mesmos reconhecem que a escolaridade é o caminho mais concreto para se alcançar uma

posição econômica favorável ou, pelo menos, para preservação de uma posição conquistada.

Dessa forma, privilegiam a educação formal dos filhos em escolas particulares, por que, além

do mais, a ascensão que muitos negros alcançaram esteve sempre associada ao investimento

na escolarização, uma vez que a origem humilde marcou o início de todas as trajetórias.

2.2 A persistência do racismo, apesar da legislação, dos avanços científicos...

No tocante à discussão que se segue, é importante destacar que a prática de racismo

causou, e ainda causa, sérios problemas não só ao Brasil, mas aos demais países do globo,

amparando na pseudo-construção e na construção da idéia de existência de uma suposta

superioridade de um grupo em relação ao outro. Além disso, é preciso lembrar que discutir o

racismo implica em analisar o termo “raça”, uma vez que são termos interdependentes. Por

essas razões, Munanga nos explica que:

Etimologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez veio do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie. Na história das ciências naturais, o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais. Foi neste sentido que o naturalista sueco, Carl Von Linné conhecido em Português como Lineu (1707-1778), o usou para classificar as plantas em 24 raças ou classes, classificação hoje inteiramente abandonada. (MUNANGA, 2004, p.15).

Munanga (2004) lembra que, no latim medieval, o termo raça passa a ser utilizado

para nomear descendência, linhagem, ou seja, um grupo de pessoas com um ancestral comum

e que apresentava as mesmas características físicas. No século XVII, o francês, François

Bernier utiliza o termo raça para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente

contrastados, denominados raças. Entre os séculos XVI e XVII, o mesmo conceito esteve

presente nas relações entre os grupos sociais do período, sendo utilizado pelos nobres que se

identificavam como francos de origem germânica, em oposição aos gauleses que eram

considerados como plebe.

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Ao longo do século XVIII, estendendo-se até os dias atuais, a cor da pele foi e

continua a ser considerada como um critério fundamental para distinguirmos as chamadas

raças, tanto que a espécie humana dividiu-se em três: negra, amarela e branca. Novamente

Munanga (2004) explica que a cor da pele se define devido à concentração de melanina que

também irá refletir na cor dos cabelos e dos olhos. Como a raça branca apresenta uma menor

quantidade de melanina, a cor da sua pele é clara e os cabelos e os olhos tendem a ser claros.

Já a raça negra apresenta maior quantidade de melanina terá a pele, cabelos e olhos escuros,

enquanto a raça amarela em uma posição intermediária terá definida sua cor de pele por

aproximação a cor amarela.

A partir do século XIX, além do critério da cor, outros fatores foram acrescentados.

Schwarcz (2000) lembra que outras explicações foram buscadas para entender as diferenças

entre as raças. A partir da frenalogia e da craniologia (medição do crânio para estabelecer

diferenças entre as raças) na medicina legal, buscou-se estabelecer uma relação entre

aparência e caráter (mau caráter ou genialidade). Partindo dessas suposições, é importante

citar que a forma do nariz, lábios, queixo, crânio alongado (dolicocéfalo) era considerada

característica dos brancos nórdicos, já o crânio arredondado (branquicefalo) era característico

dos negros e amarelos.

É importante citar que sendo a cor da pele reflexo da concentração da melanina,

substância que todos nós possuímos, este é um critério relativamente artificial, uma vez que

menos de 1% dos genes constituem o patrimônio genético de um indivíduo, implicados na

transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos.

De posse dessa descrição fenotípica, indivíduos da raça branca foram considerados

superiores em relação aos outros grupos, devido as suas características físicas hereditárias, as

quais são atribuídas critérios estéticos de beleza e de traços morais positivos. Assim tais

indivíduos estavam aptos a aprender mais e dominar os outros, considerados inaptos e

inferiores, ou seja, destituídos de capacidade de aprender.

Essas doutrinas causaram graves problemas no mundo, pois, fundamentaram ações

políticas desastrosas, como no caso dos genocídios na América, no México e o holocausto na

Alemanha. Todorov (1999) alerta que milhares de povos indígenas foram escravizados e

mortos na América, devido à “certeza” de um modelo universalista do homem branco e

ocidental como dominante e superior.

Deste modo, por exemplo, fica explícito e justificado o não-reconhecimento do direito

dos povos indígenas, sendo considerados como objetos vivos e explorados como mão-de-obra

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escrava. A partir dos relatos de Michele de Cuneo citada por Todorov, é possível analisar

como se dava o tráfico dos povos indígenas:

Quando nossas caravelas tiveram de partir para a Espanha, reunimos em nosso acampamento mil e seiscentos pessoas, machos e fêmeas desses índios, dos quais embarcamos em nossas caravelas, a 17 de fevereiro de 1495, quinhentas e cinqüenta almas entre os melhores machos e fêmeas. Quanto aos que restaram, foi anunciado nos arredores que quem quisesse poderia pegar tantos deles quanto desejasse, o que foi feito. E, quando todos estavam, servidos, sobravam ainda quatrocentos, aproximadamente, a quem demos permissão para ir onde quisessem. Entre eles haviam muitas mulheres com crianças de colo. Como temiam que voltássemos para pegá-las e para escapar de nós facilmente, deixaram os filhos em qualquer lugar no chão e puseram-se a fugir como desesperadas; e algumas fugiram para tão longe que foram parar a sete ou oito dias de nosso acampamento em Isabela, além das montanhas e atrás de imensos rios; o que faz com que, de agora em diante, só os alcançaremos com grande esforço”. Assim começa a operação, eis aqui seu desenlace: Mas quando atingimos as águas que cercam a Espanha uns duzentos dos índios morreram, creio que por causa do ar ao qual não estavam habituados, mais frio do que o deles. Foram jogados no mar (...). Desembarcamos todos os escravos, a metade deles doente. (CUNEO apud TODOROV, 1999, p.56-57).

Fatos históricos como estes remetem ao pensamento etnocêntrico, na sua forma e ação

mais radical, o de considerar como valores universais aqueles que são próprios da sociedade a

que o indivíduo pertence. Partindo de particularidades e generalizações que, acima de tudo,

devem ser encontrados no outro, os indivíduos se vêem como superiores em relação àqueles

que se distanciam dos seus valores. Tal posicionamento de superioridade discrimina, exclui,

marginaliza e mata.

Mais recentemente, tal fato volta a se repetir na história, durante o período da 2º

Guerra Mundial (1939-1945), quando o partido nazista utilizou o conceito de raça atribuindo-

lhe um sentido biológico, de modo a justificar uma suposta supremacia dos arianos que eram

considerados raça pura em relação a outros grupos. O resultado todos nós conhecemos:

catástrofes incomensuráveis, com a morte de milhões de pessoas e a segregação e dominação

de povos.

Conflitos como estes motivaram ainda biólogos, geneticistas e antropólogos, dentre

outros cientistas, a aprofundarem-se em estudos que contribuíssem para esclarecer

cientificamente a impropriedade da noção de raça, contribuindo para minimizar seu uso como

mecanismo de distinção da superioridade de indivíduos sobre outros. Na perspectiva científica

mais radical a proposta era que a noção desaparecesse. A explicação de Guimarães é bastante

esclarecedora, pois:

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Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de “raça” permite – ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos - tal conceito tem uma realidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite. (GUIMARÃES, 1999, p.09).

Com o progresso da genética humana concluí-se que, patrimônios genéticos de

indivíduos pertencentes ao mesmo grupo étnico, podem ser mais distantes que aqueles que

pertencem a grupos étnicos diferentes, ou seja, um marcador genético que é característico de

um determinado grupo racial pode ser encontrado, embora como menor incidência, em outro.

Estudos mais recentes como o de Barbujani (2007) chamam a atenção que raça não

identifica nenhuma realidade biológica que esteja relacionado ao que seja reconhecível no

DNA da espécie humana. Assim não há nada de inevitável ou genético no que se refere às

identidades étnicas e culturais. Além do mais, existe apenas uma raça humana, como

cientificamente já está comprovado. Somos todos parentes, embora sejamos diferentes. Com

isso a construção de termos para “representar” o outro, baseada em traços fisionômicos,

fenótipo e genótipo não possui nenhum fundamento científico. Essas análises esclarecem que

o termo raça não pode ser entendido como uma realidade biológica e, tão somente, como um

conceito pseudocientífico para explicar a diversidade humana e as identidades sociais.

Considerando este debate e os avanços científicos no campo da biogenética, mas

também a realidade das relações sociais, é possível perceber que que o termo raça, seja na

escola, seja em outros lugares, gera reações as mais diversas. É comum a prevalência da

representação do termo raça como associado ao determinismo biológico e à classificação de

raças em superiores e inferiores. Neste sentido, compreendo que tais reações sejam reflexo de

dimensões existentes na própria noção que, na realidade, contribuiem para essa complexidade,

como também, no que se refere à forma que o termo raça foi utilizado, para a dominação

político-cultural de um indivíduo sobre o outro.

Nesse sentido, considero as palavras de Schwartz muito importantes nesta discussão,

quando afirma que:

[...] demonstrar as limitações do conceito biológico, desconstruir o seu significado histórico, não leva a abrir mão de suas implicações sociais. De um lado, o racismo persiste enquanto fenômeno social, justificado ou não por fundamentos biológicos. De, outro, no caso brasileiro, a mestiçagem e a aposta no branqueamento da população geraram um racismo à la brasileira, que percebe antes colorações do que

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raças, que admite a discriminação apenas na esfera privada e difunde a universalidade das leis , que impõem a desigualdade nas condições de vida mas é assimilacionista no plano da cultura. É por isso mesmo que no país seguem-se muito mais as marcas da aparência física, que, por sua vez, integram status e condição social, do que regras físicas ou delimitações geracionais. É também por esse motivo que a cidadania é defendida com base na garantia de direitos formais, porém são ignoradas limitações dadas pela pobreza, pela violência cotidiana e pelas distinções sociais e econômicas. (SCHWARTZ, 1999, p. 184).

Projetando este debate para os movimentos, estudos e militâncias ligados aos

movimentos negros, o termo raça é utilizado não a partir da idéia da existência de raças

superiores e inferiores, mas sim através da ressignificação do termo, ou seja, o objetivo, em

linhas gerais é relacionar-se

[...] ao reconhecimento da diferença entre grupos humanos, sem atribuir qualidades positivas ou negativas, ao reconhecimento da condição,das origens ancestrais e identidades próprias de cada um deles. Esse uso tem um sentido social e político, que diz respeito à história da população negra no Brasil e à complexa relação entre raça, racismo, preconceito e discriminação racial. (GOMES; MUNANGA, 2006, p.175).

Compartilho com esta perspectiva e assumo, nesta dissertação, que o termo raça deve

ser utilizado no sentido político, social e cultural, relacionando-se à história de lutas e

resistência do povo negro no Brasil e de sua atual situação. Entendo que tal utilização do

termo permite denunciar a existência da discriminação, do racismo, como também de outras

formas de preconceito presentes na sociedade.

Moore (2007) fortalece esta posição ao definir o racismo como um fenômeno

histórico ligado a sérios conflitos sociais, sendo um comportamento que corresponde a uma

forma específica de ódio, ou seja, um ódio direcionado a uma parte específica da humanidade,

identificada pelos seus aspectos fenotípicos, tais como: cor da pele, tipo de cabelo etc; Esta

parte gera o ódio, um ódio profundo, extenso e duradouro, levando a sérios conflitos,

exclusões, discriminações, inclusive, a morte.

Assim, na medida em que esse ódio concentra-se em um grupo específico,

identificado, sobretudo, devido a suas características fenotípicas, o ódio do racista converte-se

em um sistema normativo da realidade social. Isto é, o ódio, em relação a um grupo que

denominamos racista, torna-se uma estruturação sistêmica que direciona o destino da

sociedade racializada. Diante de um quadro como este, é impossível virar as costas para uma

das mais marcantes realidades da humanidade, uma vez que o racismo impede, de forma

direta ou indireta, o acesso daqueles que o sofrem a vários espaços da sociedade como a

educação, os serviços públicos, o poder político, o comércio, os espaços de lazer, etc;

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limitando para alguns, devido a seu fenótipo, as vantagens, os benefícios e as liberdades que a

sociedade outorga a outros, também, em função das características físicas. De acordo com

Moore:

A função básica do racismo é de blindar os privilégios do segmento hegemônico da sociedade, cuja dominância se expressa por meio de um continuum de características fenotípicas, ao tempo que fragiliza, fraciona e torna impotente o segmento subalternizado. A estigmatização da diferença com o fim de “tirar proveito” (privilégios, vantagens e direitos) da situação assim criada é o próprio fundamento do racismo. Esse nunca poderia separar-se do conjunto dos processos sistêmicos que ele regula e sobre os quais preside tanto em nível nacional quanto internacional. (MOORE, 2000, p.284).

Conforme destaca este autor, o racismo, compreendido como uma ideologia,

manifesta-se a partir do preconceito presente na sociedade e nas relações sociais. Também na

prática de discriminação racial é a ação que afeta os cidadãos negros nas relações cotidianas

de um modo geral. Nessa direção Martins (2000) também afirma que, embora não tenha sido

construído no Brasil uma intervenção direta do Estado para a manutenção de um regime de

segregação racial, o racismo não pode ser visto como algo individual. É preciso levar em

consideração as características do Estado brasileiro enquanto principal instituição social na

construção da sociedade civil oriunda das relações coloniais.

A esse propósito, convém lembrar que, até recentemente, o Estado brasileiro não

reconhecia a existência das desigualdades e da discriminação racial no país, mantendo-se

omisso diante das injustiças e exclusões.30

Maio (1998) destaca que na década de 50, a partir do apoio institucional da

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura – UNESCO, foram

desenvolvidas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil com o objetivo de apresentar para

outros países a realidade das relações raciais brasileiras que, até então, eram vistas a partir de

uma existência harmônica, ou seja, construiu-se a idéia de que o Brasil era um verdadeiro

“paraíso racial”, sobretudo, quando comparado com a realidade de outros países que

conviviam com a persistência do racismo, como no caso dos Estados Unidos e da África do

Sul, com sua política do apharteid social que vigorou por lei entre os anos de 1948 até 1994.

Mas o que se constatou foi uma realidade diferente, pois, na verdade, os resultados

dos estudos mostraram que o Brasil não era uma “democracia racial”, mas, sim, uma

sociedade onde o preconceito e a discriminação racial estavam presentes, uma vez que os

30 Só recentemente que o racismo, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil no ano de 1988, em

suas variadas manifestações foi criminalizado legalmente.

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cidadãos negros apresentavam graves situações de desigualdades sociais e econômicas se

comparando com a realidade dos cidadãos brancos.

Tais estudos, desenvolvidos pela UNESCO, contribuíram para questionar a idéia de

relações raciais harmoniosas que se diziam existentes no Brasil, além de terem se tornados

indicadores para novas pesquisas e áreas como a sociologia e a antropologia que passaram a

desenvolver estudos aprofundados sobre a realidade racial brasileira.

Na verdade, construiu-se no Brasil uma cultura racista que contribuiu para o processo

de hierarquização entre os cidadãos e da seletividade nas oportunidades. A conseqüência mais

imediata foi, e continua sendo, a dificuldade dos negros se inserirem nos principais espaços da

sociedade. A partir dos estudos de Schwarcz (1999) e possível refletir que:

Tudo isso indica que estamos diante de um tipo particular de racismo, um racismo silencioso e sem cara que se esconde por trás de uma suposta garantia de universalidade e da igualdade das leis, e que lança para o terreno do privado o jogo da discriminação. Com efeito, em uma sociedade marcada historicamente pela desigualdade, pelo paternalismo das relações e pelo clientelismo, o racismo só se afirma na intimidade. E da ordem do privado, pois não se regula pela lei, não se afirma publicamente. No entanto, depende da esfera pública para a sua explicitação, numa complicada demonstração de etiqueta que mistura raça com educação e composição social e econômica. “Preto rico no Brasil é branco, assim como branco pobre é preto”, diz o dito popular. Não se “preconceitua ”um vereador negro, a menos que não se saiba que é um vereador; só se discrimina um estrangeiro igualmente negro enquanto sua condição estiver pouco especificada. (SCHWARCZ, 1999, p.182).

Schwarcz (1999) também nos permite pensar que vivemos em uma sociedade que

defende de forma explícita, ou não, que o branco é sinônimo de superioridade, ou seja, que se

trata de uma qualidade social, na qual ele é classificado como aquele cidadão instruído que

apresenta boas maneiras, ocupando uma posição social privilegiada. E o que ocorre é que os

cidadãos negros, certamente, relacionam suas condições socioeconômicas atuais ao tempo de

seus antepassados, sem compreender que o lugar que ocupam no contexto social foi, em parte,

previamente contemplado no projeto de desenvolvimento do país, por uma elite política

racista contribuição do próprio Estado.

Assim, acredito que não restam dúvidas de que a discriminação racial, presente em

nossa sociedade, dificulta e prejudica a vida da população negra, devendo ser as práticas de

discriminação racial combatidas e, sobretudo, criminalizadas.

Em termos legais, a sociedade brasileira já está amparada em um estatuto jurídico-

legal que combate a discriminação, haja vista a Constituição Brasileira de 1988 que defende a

promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

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outras formas de discriminação. É nessa constituição que diversos outros artigos condenam as

práticas discriminatórias. Silva Júnior lembra que:

[...] o Preâmbulo da Constituição Federal consigna o repúdio ao preconceito; O Art. 3 º, IV, proíbe o preconceito e qualquer outra forma de discriminação (do qual se pode inferir que preconceito seria espécie do gênero discriminação); Art. 4º, VIII, assinala a repulsa ao racismo no âmbito das relações internacionais; Art. 5º, XLI, prescreve que a lei punirá qualquer forma de discriminação atentatória aos direitos e garantias fundamentais; o mesmo Art. 5º, XLII, criminaliza a prática do racismo; Art. 7º, XXX, proíbe diferença de salários e de critério de admissão por motivo de cor, dentre outras motivações, e finalmente o Art. 227 que atribui ao Estado o dever de colocar a criança a salvo de toda a forma de discriminação. (SILVA JÚNIOR, 2000, p. 371).

O inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal da República de 1988, que

criminaliza a prática de racismo, foi regulamentado pela Lei Federal Especial nº 7.716 de

1989, do deputado negro Carlos Alberto Caó, ficando conhecida como a Lei Caó. Por meio

desta lei foi revogada a Lei nº 1.390 de 1951, Lei Afonso Arinos que incluía, entre as

contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou cor

(CARNEIRO, 2000).

Estes dispositivos legais, previstos na Constituição Federal, reconhecem a prática do

racismo presente em nossa sociedade, pregando-o como um crime inafiançável e

imprescritível. Cabe citar que a legislação só foi possível, graças às lutas dos movimentos

sociais, consagrando esforços de mobilização no nível nacional. Contudo, faz-se necessário

reconhecer que, apesar desse arcabouço jurídico-legal, as vítimas de discriminação racial

ainda encontram obstáculos para a punição de práticas discriminatórias.

Assim sendo, no plano da aplicação concreta da legislação, entende-se que essas

medidas legais estão destinadas à idéia das “leis que não pegam”, pois o que vêm se

constatando é a prevalência da impunidade frente às praticas de discriminação. Carneiro

(2000) argumenta que:

Sem admitir que há vidas que valem mais do que outras, sem admitir que há pessoas que valem mais do que outras para o conjunto da sociedade, para a justiça e demais poderes, e que esta hierarquia é, na maioria dos casos, estabelecida com base na raça, sexo e classe dos indivíduos, não é possível compreender a impunidade, a complacência e a tolerância de nossa sociedade com a violação dos direitos humanos, manifesto em massacres, extermínios, tortura, violência doméstica e sexual, racismo, discriminação e desigualdade racial. Crimes contra a igualdade a serviço da perpetuação de privilégios, que fazem que o máximo de cidadania e respeito aos direitos humanos só possa ser desfrutado pelo indivíduo que atender a quatro características básicas: seja branco, macho, rico, heterossexual [...] (CARNEIRO, 2000, p.320-321).

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Fato é que, sem a mobilização permanente e a participação ativa da sociedade civil

organizada, a legislação se tornará letra morta, não possuindo eficácia na promoção da

igualdade e da emancipação do homem e dos segmentos que são marginalizados na

sociedade.

2.3 Uma distinção necessária: Diferença, diversidade e desigualdade

Se atentarmos para os usos e “abusos” destes termos, certamente, poderemos

encontrá-los como sinônimos; e não são, pelo menos na ótica de alguns estudiosos que tratam

de questões referentes ao multiculturalismo, políticas neocoloniais, estudos culturais e outros.

Um dos pesquisadores no Brasil que permite compreender essa distinção é Pierucci (1999) 31,

pois defende que a diversidade é:

[...] algo vivido, experimentado e percebido, gozado ou sofrido na vida quotidiana: na imediatez do dado sensível ao mesmo tempo que mediante códigos de diferenciação que implicam classificações, organizam avaliações, secretam hierarquizações, desencadeiam subordinações. (PIERUCCI, 1999, p.33).

Caldeira e Tosta (2008) argumentam sobre a distinção entre diversidade e diferença,

fundamentando-se no argumento de Pierucci (1999) para quem “[...] a diferença deve ser

entendida como uma variedade humana, como um dado incontornável da natureza, que se

manifesta e/ou se apresenta de um ser humano para outro ser humano na forma exterior

(visível) ou interior (nível das idéias)”. Ainda segundo Pierucci:

[...] somos diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes na pele e nos olhos, temos sexo e gênero diferentes além de preferências sexuais diferentes, somos diferentes na origem familiar e regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses diferentes, diferentes hábitos e gostos, diferentes estilos ou falta de estilo; em suma, somos portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também diferentes de direito. É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente. (PIERUCCI, 1999, p.07).

31 Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (1985), pesquisador da área de Sociologia Urbana e

Sociologia Política com foco em Comportamento Eleitoral, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica Alemã.

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Para Bhaba (2007)32 a diversidade cultural é um objeto epistemológico e a diferença

cultural é o processo de enunciação da cultura como algo “conhecível”, legítimo, adequado à

construção de sistemas de identificação cultural. Assim, se a diversidade é uma categoria da

ética, estética ou etnologia comparativa, a diferença cultural é um processo de significação

através do qual afirmações de cultura ou sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam

a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade. Sendo a diversidade

cultural o reconhecimento de conteúdos e costumes culturais pré - dados, mantidos em

enquadramento temporal relativista, ela dá origem a noções liberais de multiculturalismo, de

intercâmbio cultural ou de uma pretensa cultura da humanidade.

Bhaba (2007) explica que a diversidade é também a representação de uma retórica

radical da separação de culturas totalizadas que existem intocadas pela intertextualidade de

seus locais históricos, protegidos por uma memória mítica de uma identidade coletiva e única

e como um sistema de articulação e intercâmbio de signos culturais em certos relatos

antropológicos do início do estruturalismo.

Brah (2006)33 contribui nesta discussão, sugerindo quatro vias para conceituar a

diferença, a saber: a diferença como experiência, a diferença como relação social, a diferença

como subjetividade e a diferença como identidade.

No que se refere à diferença como experiência, esta é conceituada a partir da

experiência e da formação do sujeito como um processo, permitindo reformular a questão da

“agência” 34. Assim o “eu” e o “nós” que agem não desaparecem, mas o que desaparece é a

noção de que essas categorias são entidades unificadas, fixas e já existentes e não

modalidades de múltipla localidade, marcadas por práticas culturais e políticas cotidianas. A

experiência também deve ser entendida como um espaço de contestação, ou seja, um espaço

discursivo onde as posições dos sujeitos e as subjetividades diferentes e diferenciais são

inscritas, reiteradas ou repudiadas.

A diferença como relação social se refere à maneira como a diferença é constituída e

organizada em relações sistemáticas, através de discursos econômicos, culturais, políticos e

práticas institucionais. Ela também pode ser entendida como as trajetórias históricas e

contemporâneas das circunstâncias matérias e práticas culturais que produzem as condições

para a construção das identidades de um grupo. A diferença como relação social, aponta o

32 Professor Visitante de Ciências Humans no University College de Londres, trabalha com a Teoria da Cultura e

Teoria da Literatura na Universidade de Chicago. 33 Ph. D. Professora de Sociology, memberships: Academy of Learned Societies of the Social Sciences y British

Sociological Association. 34 “Agency”, já conhecido como “agência” ou intervenção, ou “empowerment”, traduzido como aquisição de

poder. (BHABHA, 2007).

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momento em que os legados da escravidão, do colonialismo ou do imperialismo são

invocados ou quando a atenção se volta para a “nova” divisão internacional do trabalho e o

posicionamento diferencial dos diferentes grupos no sistema de produção em contínua

evolução, que resulta em desigualdades em diversos espaços da sociedade. Ela também

enfatiza a articulação histórica e variável de micro e macro regimes de poder, dentro da qual

modos de diferenciação como gênero, classe e racismo são instituídos em termos de

formações estruturadas.

A diferença como subjetividade é entendida como o reconhecimento de que as

emoções, sentimentos, desejos e fantasias mais íntimas do indivíduo, com suas múltiplas

contradições, não podem ser compreendidas puramente em termos dos imperativos das

instituições sociais, ocorrendo, assim, um entendimento mais complexo da vida psíquica.

Com isso a subjetividade não é nem unificada nem fixada, mas sim fragmentada, uma vez que

está constantemente em processo de (re) construção. Na realidade os processos de formação

da subjetividade são, ao mesmo tempo, sociais e subjetivos e podem ajudar a compreender os

investimentos psíquicos que são construídos ao assumir posições específicas, socialmente

produzidas.

Por fim, a diferença como identidade pode ser compreendida a partir da idéia de que as

identidades são marcadas pela multiplicidade de posições dos sujeitos que as constituem.

Assim, as identidades não são nem fixas nem singulares, na realidade, elas são uma

multiplicidade relacional que está em constante mudança. É no curso desse fluxo que as

identidades assumem padrões específicos, diante de conjuntos particulares de circunstâncias

pessoais, sociais e históricas. Além do mais, as lutas sobre a imposição de significados são,

também, lutas sobre diferentes modos de ser, ou seja, diferentes identidades. (BRAH, 2006, p.

359-376) e (MAIA; MELO 2010, p. 384-385).

As questões em pauta são importantes por evidenciarem a função e o papel da escola,

na medida em que esta é uma das instituições sociais onde há o encontro de diferentes

sujeitos, sendo um espaço social marcado por culturas, símbolos, crenças, rituais etc. Dessa

forma, é preciso compreender o espaço escolar a partir da diversidade, uma vez que educar

para a diversidade possibilita reconhecer as diferenças, respeitando-as, aceitando-as e

inserindo-as na agenda do processo educacional.

De igual modo, o conceito de desigualdade também é importante para a compreensão

da realidade social. Portanto, abordar a desigualdade implica levar em consideração a

multiplicidade de espaços em que esta pode ser avaliada. Avalia-se a desigualdade a partir de

determinados critérios, ou de certos espaços de critérios, como renda, riqueza, acesso a

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serviços ou a bens primários, capacidade, etc. Lembrando que questionar acerca da

desigualdade demanda sempre a elaboração de uma nova pergunta: desigualdade de quê? Em

relação a quê? (BARROS, 2006)35. Desigualdade sempre é circunstancial, seja por estar

localizada historicamente dentro de um processo, seja por estar necessariamente situada

dentro de determinado espaço de reflexão ou de uma interpretação que a especificará. Desse

modo, falar sobre desigualdade implica colocarmos o discurso sob um ponto de vista, em

determinado patamar ou espaço de reflexão econômico, político, jurídico, social, implicando

em arbitrar ou estabelecer critérios mais ou menos claros dentro de cada espaço potencial de

reflexão. (BARROS, 2006).

O mesmo autor coloca que qualquer noção de desigualdade não pode ser, senão,

circunstancial em parte, pois a desigualdade está sempre sujeita a um incessante devir

histórico, além dos próprios critérios diante dos quais ela poderia ser pressentida ou avaliada.

As noções que afetam o mundo das hierarquias sociais e políticas transfiguram-se,

entrelaçam-se e desentrelaçam- se, de acordo com os processos históricos e sociais. Barros

(2006) aponta que nos tempos modernos, os três grandes âmbitos em que se pode estabelecer

uma hierarquia social de qualquer tipo, ou seja, os três grandes âmbitos que regem o mundo

da desigualdade humana são a riqueza, o poder e o prestígio, podendo incluir, ainda, a cultura,

no sentido institucionalizado.

Outra circunstância que Barros (2006) relaciona à desigualdade refere-se ao fato de

que qualquer desigualdade imposta a um determinado indivíduo está sujeita à própria

circunstância histórica, podendo ser, em última instância, até mesmo irreversível. Neste

sentido, o grupo humano que está privado de determinados direitos pode reverter sua situação

por meio da ação social, em defesa dos direitos de especificação, como no caso dos

movimentos de negros, mulheres, homossexuais, etc.

Em tese, o autor afirma que não existem desigualdades imobilizadas no mundo social,

mas, analisando a partir do mundo das diferenças, teríamos na oposição biológica entre

homens e mulheres, uma realidade inevitável, da mesma forma que os seres humanos

mostram-se todos sujeitos a atravessar diferentes faixas etárias sem reversibilidade possível.

Contudo, as desigualdades relacionam-se freqüentemente ao estar ou mesmo ao ter (pode-se

ter mais riqueza, mais liberdade, mais direitos políticos, etc.). Em outros termos, as

35 Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Professor Adjunto da Universidade Federal Rural

do Rio de Janeiro. Atuado principalmente nas seguintes áreas: Historiografia, Teoria da História, Metodologia da História, História Cultural, História da Arte, Cinema-História.

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desigualdades são reversíveis quando referidas à mudança do Estado. Cuche (2002) considera

que:

Todo esforço das minorias consiste em se reapropriar dos meios de definir sua identidade, segundo seus próprios critérios, e não apenas em se reapropriar de uma identidade, em muitos casos, concedida pelo grupo dominante. Trata – se então da transformação da hetero – identidade que é freqüentemente uma identidade negativa em uma identidade positiva. Em um primeiro momento, a revolta contra a estigmatização se traduzirá pela reviravolta do estigma, como no caso exemplar do Black is beautilful. Em um segundo momento, o esforço consistirá em impor uma definição tão autônoma quanto possível de identidade (para retomar o exemplo dos negros americanos, pode – se observar o surgimento da reivindicação de uma identidade “afro – americana” ou de Black Muslims ou ainda de Black Hebrews). (CUCHE, 2002, p. 190-191).

Como se pode perceber, questões de identidade estão ligadas à experiência, à

subjetividade e às relações sociais, uma vez que identidades são inscritas através de

experiências culturalmente construídas nas relações sociais. Portanto, a subjetividade aparece

como lugar onde se dá sentido às nossas relações com o mundo. É a modalidade em que a

natureza precária e contraditória do sujeito em processo ganha significado ou é experimentado

como identidade

2.4 Refletindo sobre diferença, diversidade e desigualdade na escola

A instituição de ensino possui um papel potencial no processo educacional, além do

mais, é um espaço cultural de convivência entre cidadãos que pertencem a origens étnico-

raciais distintas, integrados num processo contínuo de construção de suas identidades. Assim

sendo, cabe à escola assumir o seu papel de agente transformadora, promovendo o

conhecimento mútuo entre todos os sujeitos culturais presentes em seu espaço, sejam eles

negros, índios, brancos, homens, mulheres, crianças, jovens ou adultos, a partir de uma

proposta educacional democrática e voltada para o respeito à diversidade.

De acordo com Gusmão:

Nem a igualdade absoluta, nem a diferença relativa são efetivamente adequadas para compreender e solucionar o problema da diversidade social e cultural. Nisso residem o paradoxo e o desafio de nossas práticas e propostas educativas. Nelas o que está em jogo, mais que as diferenças e a imensa diversidade que nos informa, é a alteridade – espaço permanente de enfrentamento, tensão e complementaridade. Nessa medida a escola, mais que um espaço de socialização, torna – se um espaço

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de sociabilidades, ou seja, um espaço de encontros e desencontros, de buscas e de perdas, de descobertas e de encobrimentos, de vida e de negação da vida. A escola por essa perspectiva é, antes de mais nada, um espaço sociocultural. (GUSMÃO, 2003, p.94).

Nesse processo contraditório, mediado por uma sociedade em que vigoram o

preconceito racial, desigualdade e a necessidade de (re) construção da identidade pelos

negros, é fundamental que o ambiente escolar desenvolva trabalhos de valorização e respeito

ao outro em sua totalidade, de forma a despertar nos alunos os valores éticos de cidadãos,

contribuindo para a efetiva prática da cidadania. Gomes (2007) afirma que:

A escola brasileira, pública e particular, está desafiada a realizar uma revisão de posturas, valores, conhecimentos, currículos na perspectiva da diversidade étnico-racial. Nos dias atuais, a superação da situação de subalternização dos saberes produzidos pela comunidade negra, a presença dos estereótipos raciais nos manuais didáticos, a estigmatização do negro, os apelidos pejorativos e a versão pedagógica do mito da democracia racial (igualdade que apaga as diferenças) precisam e devem ser superados no ambiente escolar não somente devido ao fato de serem parte do compromisso social e pedagógico da escola no combate ao racismo e à discriminação racial, mas, também, por força da lei. Essa situação revela mais um aspecto da ambigüidade do racismo brasileiro e sua expressão na educação: é somente por forma da lei 10.639/03 que a questão racial começa a ser pedagógica e politicamente assumida pelo Estado, pelas escolas, pelos currículos e pelos processos de formação docente no Brasil. E, mesmo assim, com inúmeras resistências. (GOMES, 2007b, p.104).

Diante deste quadro é possível realizar as seguintes indagações: Como os alunos

negros de classe média interagem no processo de socialização no espaço escolar do ensino

privado? Eles se identificam e são conscientes da trajetória histórica do seu grupo étnico-

racial? Esses alunos fazem uso de alguma estratégia de convívio neste espaço? Perante a essas

indagações, como as escolas e os colegas atuam nos processos de construção da identidade

étnico-racial dos alunos negros?

Na formulação dessas perguntas e de outras que o “campo” suscitou, partimos do

pressuposto de que os conteúdos pedagógicos selecionados nas escolas podem contribuir ou

não para uma melhor interação em sala de aula e demais espaços escolares, principalmente,

entre aluno/escola, considerando o primeiro como um ser social e histórico, e a segundo como

uma instituição multicultural que deve acolher diferentes sujeitos, o que diz de diferentes

padrões de auto-estima, confiança e cidadania.

Parafraseando Gusmão (2003), a heterogeneidade cultural dos sujeitos presentes no

espaço escolar, na maior parte das vezes, encontra-se institucionalmente negada. Uma vez que

as instituições escolares transmitem uma imagem homogênea da realidade social, através de

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um conhecimento formal e abstrato que, na verdade, é totalmente distante da realidade do

aluno, o conhecimento presente na escola não leva em consideração a bagagem cultural

presente em cada sujeito. Com isso, muita das vezes, acredita-se que “[...] o aluno é uma

tabula rasa sobre a qual deve - se inscrever o conhecimento tido como real e legítimo”

(GUSMÃO, 2003, p.95).36

Nessa perspectiva, o professor não pode ver o aluno somente como aluno, pois na

realidade ele chega à escola com seus conhecimentos, vivências e experiências que foram

adquiridos em diversos espaços sociais com os quais convive. As observações de Dayrell

(2006) fortalecem essa afirmativa de que:

A educação, portanto, ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais, num complexo de experiências, relações e atividade, cujos limites estão afixados pela estrutura material e simbólica da sociedade, em determinado momento histórico. Nesse campo educativo amplo estão incluídas as instituições (família, escola, igreja etc.), assim como também o cotidiano difuso do trabalho, do bairro, do lazer etc. (DAYRELL, 2006, p.142-143)

Mais recentemente, os resultados da dissertação de Soares (2010), em sua busca pelo

entendimento da construção do “Ofício de aluno”, evidenciou que o “ser aluno” não é

simplesmente cumprir as tarefas escolares, ter sucesso nas avaliações,entre outras atividades.

Tal condição deve ser compreendida de modo mais amplo, ou seja, a partir das relações com

tempo e os espaços desses sujeitos culturais. Uma vez que:

[...] a sala de aula é importante, mas não mais importante do que outros espaços escolares onde os sujeitos estabelecem vínculos, novos laços, produzem significados, convivem e interagem. O ofício do aluno é produção e produto vinculados aos valores, princípios, forma de proceder de uma escola, ou seja, é cultural. É expressão e expressa o pensar, o agir o relacionar dos sujeitos em um contexto. (SOARES, 2010, p.114 - 115).

O professor, também, não é detentor de todo o conhecimento, com isso, surge a

necessidade de descobrir a alteridade e compreender a condição cultural e social de cada

sujeito. Mas para que isso ocorra, é preciso refletir sobre o que somos e o que não somos,

enfim, reconhecer o mundo do outro no nosso mundo, estabelecendo diálogos de forma a

construímos uma educação mais solidária e justa, “[...] sem transformar o outro num igual

sem face, mas admitir sua igualdade de direitos, de cidadania ou que mais seja, preservando –

lhe a diferença” (GUSMÃO, 2003, p.102.). Além do mais, não é demais repetir que a escola

36 Afirmação que evoca claramente e torna mais que atual as análises, críticas e propostas formuladas pelo

educador brasileiro, à realidade da educação no Brasil. (FREIRE, 1983).

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deve ser sempre vista e compreendida como uma instituição social, onde deveria ocorrer a

concretização do multiculturalismo, ou seja,

[...] princípio ético que tem orientado a ação de grupos culturalmente dominados, aos quais foi negado o direito de preservarem suas características culturais. Está é, portanto, uma das condições que favoreceu a emergência de movimentos multiculturalistas. No início, esses expressavam exclusivamente a reivindicação de grupos étnicos. A partir da segunda metade de nosso século abarcam um universo cultural mais amplo e contam com a aliança de outras minorias ou outros grupos culturalmente dominados e juntos, reagem por meio de suas organizações políticas, para serem reconhecidos e respeitados quanto aos seus direitos civis’ (GONÇALVES; SILVA, 2000, p.20).

A política da igualdade, baseada na luta contra as diferenciações de classe, acabou

deixando de fora outras formas de discriminação como a étnico-racial, a despeito da

orientação sexual, da faixa etária, etc. Formas importantes para se refletir sobre a necessidade

de se entender os alunos como sujeitos de cultura, ou seja, sujeitos sociais que apresentam

saberes, valores e princípios acumulados ao logo de suas experiências37 de vida. Assim, é

preciso que a escola leve em consideração aquelas diferenças, buscando superar políticas

educacionais baseadas historicamente numa pretensa homogeneidade.

Rocha e Tosta (2009) argumentam que, no contexto da cultura escolar, várias cores

podem ser vistas e admiradas, sendo um espaço de encontro de diferentes culturas que se

interagem nas relações de sociabilidade, construídas a partir de diferentes visões de mundo,

emoções, desejos, comportamentos e costumes que lhe são próprios. Neste processo não é

possível pensar em uma cultura única presente na escola. Assim, é preciso pensar a educação

e suas práticas educacionais como espaços de diferentes grupos que apresentam necessidades

diferentes, que vão se definindo a partir de construções identitárias dinâmicas, uma vez que

sofrem modificações em função da convivência entre os sujeitos, nas relações sociais, onde os

sujeitos de cultura vão se defrontar e confrontar entre si.

Neste processo é possível constatar semelhanças em relação aos outros, e, ao mesmo

tempo, se reconhecer e ser reconhecido como diferente. Com isso, afirma-se a diferença em

termos individuais ou de grupo, acolhendo igualdade e reciprocidade neste mesmo

movimento. Além disso, reconheço que a Antropologia nos permite compreender as

diferenças, as diversidades ou questões relacionadas a “nós e ao outro”, pontos fundamentais

desta ciência, base da organização de qualquer sociedade.

37 Experiências nem sempre é exclusivamente ancoradas à condição de classe.

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62

De acordo com Capelo (2003), o estudo da diversidade cultural na sociedade, bem

como na escola, demanda compreender que na situação de classe agrega-se outras condições

como o pertencimento étnico-racial, as diferenças etárias e de gênero, as geográficas,

religiosas, as visões de mundo, projetos individuais, desejos, valores, experiências, etc. Nesse

contexto, se as diferenças culturais encontram-se agregadas à condição de classe social, não se

trata de categorias que se opõem, nem de categorias que possam ser substituídas uma pela

outra. Pois, existem situações entendidas como culturais que são utilizadas para manter

segmentos sociais na exclusão e na desigualdade. (CAPELO, 2003, p.108).

Por essas questões e por outras, o trato da diversidade cultural em diálogo com a

educação, permite identificar a presença ou a ausência de ações excludentes presentes no

espaço escolar. Haja vista que em certos casos as exclusões são escamoteadas através do

princípio da igualdade. (CAPELO, 2003, p.108 - 109).

A diferença, o desvio, a inclinação e o não idêntico conforme a intimidade de cada

um, afastando-nos, assim, da identidade que o outro nos dá. A educação busca fazer de cada

sujeito social um alguém, ou seja, uma alguém com uma identidade definida a partir de certa

normalidade. Assim, tanto a diferença, a identidade e a diversidade, na verdade, são termos

que falam de tudo e, ao mesmo tempo, do nada, no que se refere aos seres humanos. Haja

vista que, essas três palavras na educação, infelizmente, acabam virando tópicos vazios, uma

vez que muita vezes não são desenvolvidas reflexões aprofundadas em relação à educação,

em diálogo com a cultura, sendo a discussão sobre a diversidade cultural uma questão ausente

nas reflexões pedagógicas (SODRÉ, 2006).

Mas o que ocorre, conforme defende Arroyo (1996), é que por mais que as instituições

escolares se mostrem resistentes no trato com a diversidade, o que se constata é que, cada vez

mais, torna-se impossível ignorar esta questão. Uma vez que a diversidade é uma realidade

em nossa sociedade, e esta presente em todos os espaços sociais, bem como nas instituições

de ensino públicas e privadas. Porém, certas ações presentes na escola, tratam de forma

homogênea, a classe social, a condição racial e a cultura daqueles que ali encontram – se.

Além do mais, é preciso refletir que, por mais que tenhamos alcançado mudanças, a

escola ainda está organizada a partir de uma concepção de mercado que, em si, é seletiva e

excludente. Entretanto, a diversidade cultural é um fator que está presente nesse espaço e, por

mais que tente, cada vez mais, torna-se impossível silenciar diante deste fato, sobretudo,

quando esse silêncio é construído a partir do princípio da igualdade.

Nesse sentido, Arroyo (1996) afirma:

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Na medida em que a escola vai-se instituindo como tempo-espaço de socialização, construção de identidades e apreensão dos saberes vai se tornando mais exposta à realidade do diferente, tanto nos mestres como nos alunos. Nossa escola, pública ou privada, não tem como fugir a essa realidade tão conflitiva em nossa história. Quando a escola, seus administradores, seus mestres, pais e alunos pensam que a questão da diversidade sócio-cultural está tranqüila, pode ser um sinal de que ela está sendo desconsiderada, o discurso da igualdade está presente no ideário pedagógico, mais o ideal de igualdade não poderá ser realidade sem integrar e assumir a diversidade cultural. Quando esta é ignorada ou escamoteada, a igualdade não acontece, fica em discurso encobridor das desigualdades. (ARROYO, 1996, p.50).

A concepção de igualdade que muitos educadores acreditam, na maioria das vezes,

não apresenta nenhuma relação com aspecto político, ou seja, no sentido dessa igualdade ser

relacionada aos direitos sociais dos seres humanos. (ARROYO, 1996).

O reconhecimento do ser humano como portador de direitos alienáveis, foi um dos

principais desafios da modernidade. Assim sendo, os direitos à vida e à liberdade são

conaturais aos homens, mulheres e crianças, com isso, todos nascem iguais e nada há que

preceda, em termos de hierarquia, a esses valores naturais, nem mesmo a nascença, nem o

sangue, nem a cor, nem a religião, nem o sexo, nem a etnia ou outra diferença. Entretanto, em

situações de discriminação racial esses direitos acabam sendo violados. (CURY, 2007). Nesse

sentido, Gomes chama atenção que:

Se aceitarmos o desafio de desconstruir o discurso homogeneizante e unificador que paira no nosso imaginário social e na escola, teremos que concordar com o fato de que os alunos negros estão na sua maioria alocados nas ditas últimas classes, assentados no fundo das salas de aula, ausentes dos números, festinhas e teatros em que aparecem príncipes, princesas e fadas. Deveremos, também, assumir que a rara presença de alunos e professores negros nas escolas particulares (principalmente as de grande porte) não se restringe à situação sócio-econômica ou a uma questão de competência, mas, principalmente, a forma seletivas e segregacionistas de admissão, próprias de uma sociedade racista. Até quando a escola continuará negando que tais práticas cotidianas está impregnadas de racismo? (GOMES, 1996, p.54).

No caso da concepção de igualdade presente na escola, esta continua apresentando um

caráter homogenizador, pois, ao que se pode constatar, esta noção tem conduzido a escola,

costumeiramente, a desconsiderar as experiências e visões de mundo que cada sujeito de

cultura leva para o seu espaço. O que torna inevitável analisar as escolas, sejam elas públicas

ou particulares, a partir do princípio da diversidade. (GOMES, 1996).

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64

3 UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE A ADOLESCÊNCIA COMO TEM POS

BIOPSÍQUICOS E CULTURAIS: O ADOLESCENTE NEGRO NA ES COLA

PARTICULAR

Inicialmente, é necessário considerar a adolescência como uma etapa do

desenvolvimento humano, tendo em vista suas peculiaridades, da mesma forma que as demais

fases como a infância, a idade adulta e a velhice. No entanto, a adolescência apresenta

características que a define, não apenas como um período de transição entre a infância e a

idade adulta, emas como uma etapa caracterizada por várias transformações, envolvendo

fatores culturais e biológicos (CARVALHO; PINTO, 2002).

De acordo com o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), a juventude é cronologicamente

considerada como um momento da vida que vai dos 14 aos 25 anos, sendo considerados

adolescentes aqueles que apresentam idades entre os 14 aos e 17 anos, e jovens entre os 18 e

25 anos (IPEA, 2007). Entretanto, é válido citar que essa classificação não deve ser

compreendida de forma rígida, uma vez que tal classificação cronológica é uma forma que

permite aos órgãos públicos desenvolverem políticas públicas, bem como o desenvolvimento

de estudos e pesquisas sobre as diferentes categorias.

De qualquer forma, cabe compreender a adolescência de forma ampla, e não apenas

como uma fase da juventude, em que, o primeiro desafio esta relacionado em definir quem é

jovem ou adolescente na contemporaneidade. Sendo uma tarefa complexa, pois tanto a

adolescência quanto a juventude são termos polissêmicos, já que apresentam dimensões e

mediações de múltiplas origens, desde a biológica que emite sinais da passagem dos tempos

da vida, a dimensão cultural que articulada à natureza, demanda a construção de um olhar

mais atento e aberto à realidade social (TOSTA, 2005).

Partindo dessas questões, convém citar que a juventude, enquanto categoria de análise,

vem sendo estudada por diferentes pesquisadores das ciências humanas e sociais. Silva (2009)

chama a atenção que o conceito de juventude, enquanto uma construção social, histórica,

cultural e relacional, a partir de diferentes épocas e processos históricos e sociais, vem

adquirindo denotações e delimitações diferentes, como aparecem em estudos realizados por

FORACCHI (1972), LEVI; SCHMITT (1996), FEIXA (1999), DICK (2003), DÁVILA

LEÓN (2004), ÁRIES (2006), MARGULIS; URRESTI (2008), NOVAES (2006), entre

outros.

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Dayrell e Gomes (2008) defendem que a juventude é, ao mesmo tempo, uma condição

social como também um tipo de representação, lembrando que de um lado existe um caráter

universal, dado pelas transformações do sujeito em uma determinada faixa etária, e de outro

estão presentes diferentes construções históricas e sociais, relacionadas ao ciclo da vida. De

um modo geral a entrada na juventude, ocorre pela fase da vida conhecida como adolescência,

por um período marcado por mudanças psicológicas, transformações biológicas e de inserção

social. Tosta (2005) alerta que qualquer tentativa para falar, seja de adolescência, seja de

juventude, precisa ser demarcada espaço-temporalmente, pois, são noções que guardam as

marcas de sua historicidade.

É preciso compreender adolescência e juventude como parte de um processo mais amplo

de constituição de sujeitos que apresentam suas especificidades, constituindo-se em

momentos determinados, mas que não se reduzem a uma passagem de fase da vida. E se todo

esse processo é influenciado pelo meio social, fica claro que não existe um único modo de ser

adolescente e jovem, mas sim variados modos. Portanto, ao falar de adolescência e juventude

é imperativo que tais categorias sejam abordadas no plural.

[...] à maneira de ser, à situação de alguém perante a vida, perante a sociedade. Mas, também, se refere às circunstâncias necessárias para que se verifique essa maneira ou tal situação. Assim existe uma dupla dimensão presente quando falamos em condição juvenil. Refere-se ao modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida, no contexto de uma dimensão histórico-geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, gênero, etnia etc. [...] (DAYRELL, 2007, p.108).

As adolescências apresentam características multideterminadas, conferindo, assim, um

caráter de singularidade na história dos sujeitos sociais, uma vez que elas são determinadas

por fatores biológicos, familiares, escolares, bem como nas relações grupais e parentais, nas

práticas culturais e no processo de socialização de cada sujeito no seu meio. Dessa forma,

sendo uma unidade integrada, as transformações fisiológicas pelas quais passam os

adolescentes apresentam um forte impacto em suas emoções, pensamentos e relacionamentos

(CARVALHO; PINTO, 2002).

Assim sendo, as variações ocorridas nas dimensões corporais, a maturação sexual, as

alterações hormonais, devem ser consideradas no relacionamento dos adolescentes, pois, na

verdade, todas essas transformações influenciam a percepção que eles tem de si mesmo.

Lembrando que essa forma de se ver, possivelmente, pode ter sido influenciada por

experiências anteriores que podem ter levados esses indivíduos a se verem enquanto uma

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pessoa atrativa ou não, forte ou fraca, masculina ou feminina, independente dos fatores reais

de sua aparência física e capacitações (CARVALHO; PINTO, 2002).

É importante destacar que, associada a essas transformações, ocorre a aquisição de

outras novas capacidades cognitivas, como também de novas responsabilidades, no que se

refere ao seu papel social, diferentes exigências e expectativas da família, dos amigos, bem

como de outros grupos, sugerindo o desenvolvimento gradual de sua própria autonomia na

perspectiva de que, na idade adulta, o adolescente tenha desenvolvido a capacidade de tomar

decisões, exercer julgamentos e de regular seu próprio comportamento.

É nesse contexto complexo e ambíguo que o adolescente busca reconstruir e

reformular sua identidade que, até então, foi construída a partir de um esquema corporal

infantil e, sendo essa reconstrução um processo interpessoal, no que se refere ao nível de

sociabilidade entre os sujeitos, ocorrendo mudanças na identidade do adolescente que levam à

modificações nas suas relações sociais, sobretudo, com os familiares que costumaram ter sua

identidade questionada, deixando de ser vistos como “heróis”, bem como referências centrais

para o adolescente. Os grupos de amigos aparecem como abrigo e proteção que antes eram

ocupados pela família

Outro aspecto destacado por estudiosos é que a maturação psicológica não acompanha

necessariamente o desenvolvimento sexual. Nesse sentido, o adolescente utiliza o seu grupo

para proteger-se de seus medos, incertezas e angustias. Essa referência grupal atua como um

elemento facilitador para a aceitação de sua nova condição de ex-criança e quase adulto junto

a seus iguais, que também se encontram na mesma situação. Decorre disso, a formação de

“grupinhos” de ajuda mútua em que a exclusão daqueles que, por algum motivo, não se

encaixam nos padrões estabelecidos por eles, não constitui problema (CARVALHO; PINTO,

2002).

Entrando nesse debate, Loureiro (2004) defende que, durante o processo de

identificação, a partir da socialização estabelecida nos grupos, processo que contribuiu para a

definição de suas identidades, os adolescentes buscam inserir-se em grupos que se

assemelham a sua forma de vestir, pentear e agir. Com isso costuma ser comum uma

superidentificação com ídolos eleitos, que traduzem uma “imitação” da figura escolhida,

buscando, assim, assemelharem-se com as pessoas que admiram, imitando-os em seus papéis.

Através de seus ídolos, os adolescentes vão se descobrindo e percebendo o que são e o que

gostariam de ser. E se inicialmente esse reconhecer-se no outro ou nos outros aparenta uma

perda de identidade, na realidade, o que se constata é que o objetivo maior é estabelecê-la,

uma vez que:

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Muitas vezes recusam proximidade com outros grupos de adolescentes que consideram diferentes do seu. No grupo, vencem muitas das dificuldades dessa etapa. O problema dos grupos acontece quando se excedem no espírito de clã e excluem, com crueldade, todo aquele que é “diferente”. Nesse caso, há um preconceito exacerbado contra diferenças étnicas, culturais, maneiras de vestir, agir ou simplesmente, o fato de não ser membro do grupo. (LOUREIRO, 2004, p.40).

Essa mesma autora nos leva a refletir que, em determinados grupos, é presente a prova

da lealdade, bem como a coragem daqueles que compõem o grupo, que é testada em certos

laços, a partir de rituais perversos, na medida em que há necessidade do indivíduo de testar

limites38 e provar aos outros certa audácia, força, lealdade, bem como seu valor perante seus

pares.

Desse modo, busco compreender a constituição das identidades dos adolescentes

negros de classe média no contexto da escola privada, uma vez que é na busca de uma causa,

ou na inserção em um determinado grupo ao qual ele possa ser fiel, que o adolescente, ao

mesmo tempo, busca a definição e a afirmação de sua própria identidade, criando uma

expectativa de que a sociedade a confirmará por meio do reconhecimento do seu potencial , e

lhe oferecerá oportunidades de engajamentos em grupos onde se sentirá inserido.

É nesse contexto que buscamos compreender os alunos adolescentes desse estudo,

enquanto sujeitos inseridos em um contexto educacional que contribui para o processo de

socialização, interação, bem como de (re) construção de suas identidades, uma vez que este

ocorre a partir da relação com outros sujeitos culturais que também atuam nesse espaço. Em

outros termos, a formação identitária ocorrerá a partir do momento em que o sujeito passa a

estabelecer relações na vida social, com isso, o mesmo sente-se valorizado e útil. Nesse

sentido, o que se constata é uma confirmação de sua identidade, em que o adolescente passa a

ter a certeza de que pertence ao grupo no qual está inserido e, acima de tudo, é um sujeito

verdadeiramente aceito.

Marra e Tosta (2010) explicam que, sendo a identidade construída a partir do contexto

social e das transformações recorrentes das relações sociais, os processos sociais presentes na

formação, bem como, na manutenção da identidade vão sendo determinados pela estruturas

sociais, com isso, a determinação da identidade, a partir da relação com o outro, permite

distinguirmos tipos de identidade, como no caso da identidade individual ou social. As

autoras também afirmam, que:

38 Sobre especificamente esses sentimentos que orientam comportamentos juvenis, conferir texto de Tosta e

Pereira (2009) em que ambos analisam “Rebelde sem causa”, que torna célebre a emblemática figura de ator, morto ainda jovem, James Dean.

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[...] o processos de identificação é sempre um processo político de organização social, a partir do qual um grupo se define por contraste a outro como sendo diferente. Portanto, processos de construção de identidade são, ao mesmo tempo, processo de construção de uma diferença. É o que nos permite pensar, em última instância, a identidade como ideologia e forma de representação coletiva. (MARRA; TOSTA, 2010, p.641).

Neste sentido, a semelhança e a diferença são fatores importantes na consolidação da

identidade, já que a identificação é um processo político da organização social em que os

grupos culturais vão se definindo a partir do contraste com o outro (MARRA; TOSTA 2010).

Tanto na adolescência, como em qualquer outra fase da vida, um dos pontos

fundamentais esta relacionado ao Eu ativo39 e seletivo, pois este assume o comando e adquire

a capacidade necessária para fazê-lo, devido a uma estrutura social que fornece aos sujeitos,

em cada etapa da vida, as condições necessárias para sua inserção em espaços nos quais

necessitam deles e dos quais ele necessita. Na verdade, seria o que cada sujeito espera da

estrutura social em que vive, no sentido de inserir-se em um lugar em que possa realizar-se e

ser efetivamente útil (LOREIRO, 2004).

Nesse sentido, ocorre é que, em um sistema etnocêntrico conduzido por uma

ideologia de dominação e exploração dos grupos que são excluídos da sociedade (negros,

índios, mulheres, homossexuais) aos quais já foi “pré-definido” um lugar menor no contexto

social, fica difícil para o adolescente, que pertence a esses grupos, o estabelecimento de uma

identidade da qual emirja um Eu ativo e seletivo que assuma o comando e possa

democraticamente realizar escolhas, pois nessa etapa o sujeito também compreende a história

de sua cultura e sua história pessoal (LOUREIRO, 2004).

A mente do adolescente se encontra entre a moral, que foi aprendida nas fases anteriores, e a ética, que vai se desenvolver na fase adulta. Essa etapa do desenvolvimento humano é crucial para o estabelecimento da identidade positiva e dominante do eu, e que envolve processos sociais e psicológicos. Tem uma dimensão pessoal, que se relaciona com a compreensão de todas as experiências vividas até a adolescência, e tem uma dimensão coletiva, que vai se ampliando com a inserção do jovem em grupos e segmentos sociais. O estabelecimento da identidade é um processo complexo na qual aspectos pessoais, sociais e históricos se relacionam. (LOUREIRO, 2004, p.47).

39 A identidade do Eu é um processo psicológico que reflete processos sociais e tem uma dimensão consciente e

outra inconsciente. Mas também pode ser concebida como um processo social que reflete processos psicológicos. É um processo em constante construção. Apesar da crise da adolescência, esta não é única, há outras crises em anos posteriores. A unidade da personalidade, o estabelecimento de um sentido de identidade vivido pelo indivíduo e reconhecido pelos outros, constituem o significado fundamental da identidade. (ERIKSON, 1976).

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Segundo Erikson (1976), os adolescentes também poderão torna-se dedicados a um

grupo, intolerantes e cruéis, na sua exclusão de outros que são “diferentes” na cor da pele,

formação cultural, nos gostos, talentos, como também em aspectos relacionados ao modo de

se vestir e gestos que na verdade são sinais de “ser do grupo” ou “não ser do grupo”. Nesse

sentido, é importante compreender que tal intolerância pode ser, por algum tempo, uma defesa

necessária contra um sentimento de perda de sua identidade.

Essas questões são inevitáveis em um período da vida em que o corpo muda

radicalmente de proporções, em que a puberdade genital inunda o corpo e a imaginação, com

toda a espécie de impulsos, em que a intimidade com o outro sexo se aproxima e,

ocasionalmente, é imposta à pessoa jovem; e em que o futuro imediato a coloca diante de um

contexto de várias situações conflitantes. Erikson (1976) também afirma que os adolescentes

não só ajudam uns aos outros, já que no decorrer desse conturbado período acabam se

formando turmas, estereotipando-se a si mesmo, os seus ideais e os seus inimigos, mas

também testam insistentemente as capacidades mútuas para lealdades constantes em meio a

inevitáveis conflitos de valores.

3.1 O processo de investigação

Conforme discutido na introdução desta dissertação, está pesquisa apresentou uma

abordagem qualitativa, desenvolvida a partir do estudo de caso, com o processo de

observações sistemáticas, aliadas à realização de entrevistas, bem como à aplicação de um

questionário. Sendo estas as técnicas que nortearam a coleta de dados durante a pesquisa de

campo, processo que ocorreu no período de nove meses do ano letivo de 2010. O estudo de

caso possibilita ao pesquisador reunir informações detalhadas com vistas a apreender a

totalidade de uma dada situação, uma vez que consiste na observação detalhada de um

determinado contexto, de um indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um

acontecimento específico. (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

As observações sistemáticas são primordiais neste processo, já que, permitem ao

pesquisador acompanhar o cotidiano dos atores sociais pesquisados, além de uma

aproximação entre ambos, possibilitando, assim, a interpretação dos códigos e das ações

construídas individualmente ou na coletividade.

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A pesquisa foi desenvolvida com nove adolescentes negros. Apesar de esse número

ser relativamente pequeno, contudo, conforme foi discutido, a presença de estudantes negros

no espaço da pesquisa é irrisória, sobretudo, por se tratar de uma “escola de elite”, localizada

na Zona Sul de Belo Horizonte, ou seja, num espaço de elite, predominantemente uma “elite

branca”. Por questões históricas, econômicas e sociais os negros que fazem parte desse espaço

são uma “minoria”, sobretudo, quando se trata daqueles que compõem as classes média e alta.

A escolha dos adolescentes negros para participarem desta pesquisa foi feita a partir

da heteroclassificação da pesquisadora em relação àqueles que apresentavam características

perceptíveis e traços morfológicos relacionadas ao grupo étnico-racial negro (textura dos

cabelos, cor de pele, formato do nariz e boca). A condição de não ser bolsista, também foi

uma dos aspectos levado em consideração, já que o colégio possui um programa de gratuidade

e a maioria dos estudantes negros fazem parte desse projeto.

Outro aspecto que convém apresentar refere - -se à participação de adolescentes

brancos nesta pesquisa, conforme foi discutido. Ressaltando esta questão, convém citar que

suas participações ocorreram devido ao questionamento dos próprios adolescentes negros em

entrevistas. E enquanto pesquisadora, eu não podemos isso ignorar questões que o campo me

apresenta ou até mesmo me questiona. Com isso, busquei ouvi-los de modo a compreender a

leitura que estes adolescentes fazem da sua relação com outros estudantes negros ali

presentes.

3.2 O campo de pesquisa

A instituição onde foi desenvolvido esse estudo localiza-se numa região nobre da

cidade de Belo Horizonte/MG, sendo uma escola de natureza confessional. A escola oferece a

educação infantil e o ensino fundamental no período da tarde e o ensino médio no período da

manhã.

Essa instituição escolar atendia a um total de novecentos e oitenta e oito estudantes,

estes, em sua em sua maioria, parte de uma classe média e média alta, fato que aparece com

freqüência nas falas dos entrevistados, sobretudo, dos professores e estudantes. Conforme

apontou o professor negro Jorge “[...] não adianta negar, é de elite, de elite, não adianta a

gente negar” (Professor negro Jorge).

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A escola existe há oitenta e um anos e sempre foi reconhecida como uma instituição

cujo ensino é de qualidade e onde o aluno é muito exigido. E, em relação ao perfil econômico

do alunado do colégio, sobressaem aqueles de classe média e média alta e as interações na

ótica da estudante branca Paula é:

O [...] é um colégio elitizado mesmo! A própria região onde ele está na região Sul de BH. Então, os moradores das aproximidades optam pelo [...] , por ser um colégio mais elitizado. Então eu sinto que [...] dentro da sala de aula existe alunos da classe média normal, como todo mundo e existem alunos que tem tipo bolsa ou alunos que eram do antigo noturno, então estão inseridos na sala em um outro contexto desses alunos mais elitizado. Então assim... Não há um desrespeito, mas você vê não há... Um interesse em procurar os alunos de um grupo mais elitizado não! Tem interesse às vezes. [...]. São gente muito rica, muito rica mesmo, assim meu avó, você não sabe? Meu pai, meu pai tem esse nome, minha mãe é fulana de tal! Então assim dentro do colégio eu sinto que há! [...] a classe média baixa e a classe média se interage muito bem! Muito bem mesmo! Agora a classe média alta há os que são tranquilíssimos e há aqueles que não se enturmam e ficam lá no grupo deles. São muito ricos! Quem é rico aqui no [...] é muito rico. Então tem hora que você fica meio assim...! Sabe? Tem hora que você fica meio assim. (Estudante branca Paula).

Considero relevante apresentar outros aspectos apontados por essa mesma estudante:

[...] então eu acho que dentro da sala há uma hierarquia, ainda que escondido dentro da sala. Os ricos e os elitizados, eles podem pagar professores particulares, então estudam menos e tem mais tempo para fazerem outras coisas e eles não escondem que tudo para eles na vida é mais fácil... E aí, isso inibe todo mundo e a classe média e a classe baixa, fica aí meu Deus! Né? ... Aí fica como que são melhores, como que são superiores... Então assim dentro dessa hierarquia. (Estudante branca Paula).

As impressões da aluna parecem dizer claramente da existência, no colégio, de alunos

economicamente muito favorecidos e outros menos, grupo esse no qual ela se situa. É deste

lugar que ela relata como o poder aquisitivo marca distinções e hierarquias entre os

estudantes, associando o “sucesso” confortável de colegas da elite a esse poder de usufruir de

mecanismos de ajuda nas tarefas escolares.

Sendo a instituição pesquisada de natureza confessional, sua proposta pedagógica está

pautada na vida de um santo da religião Católica que, no imaginário popular e devocional, é

aquele que se despojou inteiramente dos bens matérias em favor dos pobres, necessitados e

dos pequenos animais. Conforme aparece em seu Projeto Político Pastoral Pedagógico (PPP),

o compromisso da escola é com a formação humana, tendo como eixo norteador de todo esse

processo a ética, a autonomia, a responsabilidade, a solidariedade, a simplicidade, os direitos

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e os deveres, o respeito ao bem comum, à diversidade das manifestações artísticas e

culturais40.

Contudo, tais princípios não são percebidos e confirmados nas falas de professores e

alunos. Mas, a fala de uma professora, como a da estudante, apresenta aspectos importantes

sobre essa questão:

Tem hora que eu fico achando que eu estou em um lugar errado, eu não concordo com uma educação de elite! Aqui é uma escola de elite sabe? Se não é de elite no dinheiro que de fato tem muitas pessoas que tem, é de elite na capacidade de aprender, de conhecimento e de estudo entendeu? Porque quem não dá conta disso sai! Vai ficar tomando bomba toda vida? É uma peneira, uma peneira, uma peneira, querendo ou não é uma peneira (Professora branca Marília).

A “peneira”, a qual a professora se refere, diz de algo que tem sido comum às escolas,

principalmente as particulares, ou seja, a entrada de seus alunos na universidade possibilitada

pelo sucesso no vestibular. Preocupação traduzida em “valor” mercadológico que se estende

às famílias e aos alunos em geral. Em outros termos, a imagem e conceito positivos de uma

escola em relação a outras do mesmo gênero, diz diretamente de índices de aprovação no

vestibular. Tanto que o currículo do ensino médio, especialmente o do último ano, é

consagrado pela preparação do aluno para enfrentar, e muito bem, a seleção para o ensino

superior.

E, indubitavelmente, a instituição pesquisada encontra-se no ranking de aprovação nos

exames dos vestibulares, com destaque para as maiores universidades públicas do país41,

sendo a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal de Juiz de

Fora (UFJF), a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a

Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e a Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais (PUC Minas).

Por estes e outros indicadores, esse colégio é considerado um espaço de “excelência”

acadêmica. Sobre isso, a professora Marília disse que a coordenação pedagógica não concorda

com esta orientação, mas, infelizmente outras questões estão postas e impostas pela direção:

Porque o [...] não tem uma visão de vestibular, ele não tem! Eu já presenciei reuniões, ele falando “Gente não é só isso que interessa”. Só que tem uma coisa, se não consegue um número de meninos que passa no vestibular ele vai ser cobrado. E quem não cobrar dele, não cobrar... Os pais vai cobrar desse que... Ai assim entendeu? Uma estrutura que tem que ser mudada. Então na minha opinião eu acho que deveria ter uma maior integração das escolas e uma preocupação com a

40 Informações construídas a partir do Projeto Político Pastoral Pedagógico (PPPP) da instituição pesquisada. 41 Informações obtidas com a ida da pesquisadora este ano (2011) na escola pesquisada.

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formação crítica de ajudar o menino a pensar, de criar a sua autonomia de verdade. E não adianta dizer que a escola faz isso, escola nenhuma vai conseguir fazer isso enquanto tiver no jugo do vestibular, nenhuma. Porque as escolas públicas não vai dar conta, vai ficar na mesmice não vai sair do lugar! É as escolas que tem que dar o retorno para a sociedade e elas ocupam um lugar de elite e os pais colocam ali, porque eles querem para os filhos o melhor. (Professora branca Marília).

A verdade é que a educação não pode estar voltada somente para o vestibular, em

detrimento da formação42 social, cultural e ética dos sujeitos que nela se encontram. Penso

que a educação e a escola precisam retomar e discutir aspectos relevantes a esta formação. E,

no caso da escola investigada, basta ir ao seu Projeto Político Pastoral Pedagógico, para

darmos conta de que nele estão inscritos que, naquela escola, a missão é formar sujeitos

valorizando os aspectos biopsíquico, econômico, social, político, pessoal e cultural, sem

descuidar das singularidades de cada um deles. 43

3.3 Os sujeitos da pesquisa

No primeiro momento da coleta de dados foram feitas observações no que se refere à

presença de alunos negros no contexto da escola e se davam as interações entre eles e os

colegas brancos. Neste momento, ficou explícito o pequeno número de estudantes negros na

escola, sendo praticamente invisível, inclusive quanto ao número de professores negros. Ali

naquele colégio predominavam alunos, professores e funcionários de cor clara.

Assim, a partir da heteroclassificação, identifiquei como negros aqueles estudantes

que apresentavam características físicas características do grupo étnico-racial negro como a

cor da pele, a textura dos cabelos, o formato do nariz e boca, de modo que, posteriormente, eu

pudesse comparar com a autoclassificação feita por eles próprios através do questionário que

seria aplicado. A partir desta heteroclassificação foram identificados quinze alunos. Porém,

42 No desenvolvimento da entrevista a adolescente negra Juliana, explicou que a escola apresentava “oficinas”

sobre a questão da diversidade étnico – racial. De acordo com a estudante, as atividades eram ministradas por uma psicóloga e uma Irmã de Caridade, sendo, três encontros durante o ano. Entretanto convém citar que a coordenação pedagógica e funcionários da instituição pesquisada, em nenhum momento de nossas conversas falou ou fez referência sobre a existência desse trabalho. Lembrando que ocorreram várias conversas e encontros entre eu e estas pessoas. Apesar de entender a importância dessas oficinas no desenvolvimento das construções identitárias dos adolescentes negros, esse "silenciamento" impediu que essas atividades fossem tematizadas nas entrevistas e mesmo agora, já no fechamento do texto da dissertação foram feitas várias tentativas de se obter informações a respeito destas oficinas, o que não aconteceu.

43 Informações obtidas através do Projeto Político Pastoral Pedagógico (PPPP) da instituição pesquisada.

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entre esses, três eram bolsistas, e sendo o objetivo da pesquisa trabalhar com os adolescentes

de classe média e alta, esse número foi reduzido para doze .

Em conversa com a Assistente Social da escola, eu e minha orientadora, de acordo

com o que regulamenta as normas éticas da pesquisa, encaminhamos aos responsáveis dos

doze estudantes negros, uma carta com o termo de consentimento livre esclarecido. Tivemos o

retorno positivo de oito estudantes. Dos outros quatro, não tive retorno nem positivo nem

negativo, com isso os procurei para indaga – los se iriam ou não participarem da pesquisa.

Dois disseram que haviam esquecido o termo de consentimento livre e esclarecido e que

entregariam o mais rápido possível com a assinatura dos pais, (mas não entregaram); uma

aluna disse que não poderia colaborar por que estava muito atarefada com os estudos; e o

outro aluno afirmou que já havia entregue ao Serviço Social, local que combinamos para a

devolução do documento. Porém ao checar com a responsável pelo serviço, sua versão não foi

confirmada.

Foram aplicados então oito questionários, sendo sete alunos entrevistados. Um dos

alunos não participou da entrevista, alegando que estava se preparando para o vestibular, com

isso seu tempo estava muito limitado. Cheguei a explicá-lo que poderíamos conversar no

horário que fosse melhor para ele, pois estava à disposição, e que também poderíamos marcar

até mesmo na parte da tarde, já que eles ficam no colégio depois das atividades do período da

manhã. Dito isso, ele ficou de me retornar, mas também não me procurou. Ao avistá-lo, em

algumas dependências da escola, percebi que, ao me ver, caminhava mais rápido, virava às

costas, entrava na sala, enfim, deixando claro que não queria me encontrar. Com isso conclui

que, por mais que estivesse envolvido com seus estudos, bem como se preparando para os

exames do vestibular, ele não queria participar da pesquisa.

Após o termino das entrevistas, fui indagada por duas alunas: “você tá conversando só

com os neguinhos”? “Ah... só uma pergunta, você entrevistou os colegas brancos?” Levei

essas questões para analisar com minha orientadora, concluímos que se ouvíssemos alguns

alunos de pele branca, completaríamos melhor a pesquisa, pois era uma forma de

compreender qual a percepção que estes tinham em relação aos colegas negros. Esta

passagem evidenciou o quanto é importante “escutarmos” o campo e, mais ainda, para o

estudo de caso em curso, não poderia faltar a percepção do estudante branco em relação aos

colegas no âmbito dos objetivos propostos no estudo.

Solicitei à escola que me indicasse duas meninas e dois meninos (brancos) para que eu

pudesse entrevistá-los. Assim, entrei em contato com estudantes e, nesse processo, vivenciei

uma situação que foi muito enriquecedora para a minha pesquisa, bem como para minhas

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discussões sobre as relações raciais no Brasil, tendo em vista que uma das estudantes foi

classificada como branca, porém suas características físicas a enquadravam no grupo étnico-

racial negro. Fiquei muito intrigada com essa questão, pois, até então, eu estava fazendo uma

heteroclassificação.

Nesse sentido, cheguei a concluir que, antes de iniciar a entrevista, conforme feito com

todos os estudantes, conversaria com a aluna sobre o objetivo da pesquisa e, com isso, pediria

a ela que se auto declarasse quanto ao seu grupo étnico-racial. Feito a pergunta, a aluna se

autodeclarou negra, além de colocar situações fortes de preconceito e discriminação racial

vividas na escola, como também em seu seio familiar, devido a sua origem africana.

Essa situação levou-me a refletir que, à medida que os negros, sobretudo, aqueles que

são frutos de casamentos inter-raciais, (negro-brancos). apresentam uma nuance de cor mais

clara, cabelos cacheados, entre outras características físicas que o distanciam do grupo negro,

em alguns casos eles mesmos, bem como a sociedade, os veem como “brancos”,

desconsiderando a sua ascendência africana. Eles passam a ser vistos como “mestiços

disfarçáveis”, conforme ocorreu com essa garota.

Mas quem nunca ouviu colocações do tipo “Não, ele é um negro de traços finos”, “Ela

nasceu com o cabelo bom”, “Ele é uma negro puri”. Assim, ao questionar à pessoa, que me

indicou os alunos sobre o ocorrido, ouvi a seguinte questão “Não ... mais... olha aqui, ela tem

a pele bem clarinha !!”44. Munanga explica que “[...] no Brasil o que fala mais alto são a cor

da nossa pele e a geografia do nosso corpo, do que qualquer outra coisa. (MUNANGA, 2010,

p. 15).

Foram entrevistados doze estudantes, sendo nove estudantes negros, e três estudantes

brancos. No que se refere ao sexo, foram entrevistados cinco meninas negras, quatro meninos

negros e três meninas brancas, não sendo possível entrevistar os estudantes homens brancos,

uma vez que confirmaram presença por duas vezes, mas não compareceram. Alguns

professores foram ouvidos, sendo a professora de Ensino Religioso (branca), o professor de

Língua Portuguesa (negro), o professor de História (branco) e o responsável pela

Coordenação Pedagógica (branco).

Vale citar que o professor de Língua Portuguesa até o final da coleta de dados, em

conversa com alunos, professores e coordenação foi o único professor classificado como

negro. Porém a partir de observações nas dependências do colégio, identifiquei uma

professora negra, pois a mesma apresenta características físicas (cabelos, cor de pele, formato

44 Informação obtida em conversa informal com um funcionário da escola pesquisada em 28/10/2010.

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de nariz, lábios) que a enquadra no grupo ético negro. Inclusive fomos apresentadas, quando

tive a oportunidade de explicá-la sobre o tema de minha pesquisa, ela considerou muito

interessante e falou: “Puxa eu tenho uma aluna que adora literatura africana, e tenho certeza

que ela poderia lhe ajudar”. Daí, eu a perguntei sobre o nome da estudante, por que

possivelmente já devia ter conversado com a mesma. Ela me disse e, na verdade, já havia

contatado de que se tratava da mesma estudante.

Convidei a professora para colaborar com minha pesquisa, através de uma entrevista,

uma vez que estava ouvindo também alguns professores, além do mais criei a expectativa que

ela poderia apontar dados valiosos para a pesquisa, já que era a única mulher negra professora

daquele espaço. O convite foi aceito, mas ela não compareceu no dia e horário marcados.

Assim, ao tentar novos contatos e informações sobre os possíveis dias que eu pudesse contatá-

la no colégio, ouvi a seguinte colocação: “Ah... mas ela não chega a ser negra não! Você viu o

cabelo dela? (Informação verbal). 45

A professora possui cabelos bem cacheados, mas isso não a torna não negra? Mas,

como foi colocado anteriormente, as características físicas referentes aos negros em nossa

sociedade diz muito, assim, parafraseando Nogueira (1998), é preciso refletir que o

preconceito no Brasil, é de “marca e não de origem”.

Outros funcionários do colégio também contribuíram com a pesquisa, como a auxiliar

de serviços gerais (negra), a secretária (branca), a bibliotecária (negra), o psicólogo (negro) e

a assistente social (Parda). Nesse sentido, o estudo contou com dezenove colaboradores

ficando definidos da seguinte forma:

NOME IDADE TURMA Ana 1 16 anos 1º E Ana 2 17 anos 3º G Ana 3 17 anos 3º H André 17 anos 3º E Bernardo 18 anos Gº F Gabriela 15 anos 1 ºF Juliana 17 anos 2º E Lia 18 anos 3 ºG Roberto 18 anos 3º G Quadro 1 – Estudantes negros colaboradores Fonte: Dados da pesquisa.

45 Informação obtida em conversa informal com um funcionário da escola pesquisada em 28/10/2010.

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NOME IDADE TURMA Marcela 16 anos 2º C

Paula 16 anos 2° F

Vanessa 16 anos 2º A

Quadro 2 – Estudantes brancos colaboradores Fonte: Dados da pesquisa.

NOME DISCIPLINA COR

Jorge Língua Portuguesa Negro

Marília Ensino Religioso Branca

Paulo História Branco

Quadro 3 – Professores colaboradores Fonte: Dados da pesquisa.

NOME FUNÇÃO COR

Alessandra Auxiliar de serviços gerais Negra

Fabiana Bibliotecária Negra

Lucas Psicólogo Negro

Laura Assistente Social Parda

Mariza Secretária Branca

Quadro 4 – Funcionários colaboradores Fonte: Dados da pesquisa.

3.4 Perfil dos adolescentes negros entrevistados

Os sujeitos desse estudo estavam em uma faixa etária entre quinze e dezoito anos de

idade. Destes, cinco cursavam o terceiro ano, três o primeiro e um o segundo ano do ensino

médio.

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SEXO IDADE ANO DE ESCOLARIDADE

1. Feminino 15 anos

1º ano do ensino médio

2. Feminino 16 anos

1º ano do ensino médio

3. Feminino 17 anos

2º ano do ensino médio

4. Feminino 17 anos

3º no do ensino médio

5. Feminino 16 anos

1º ano do ensino médio

6. Masculino 17 anos

3º ano do ensino médio

7. Masculino 18 anos

3º ano do ensino médio

8. Masculino 18 anos

3º ano do ensino médio

9. Masculino 18 anos

3º ano do ensino médio

Quadro 5 – Informações sobre: sexo, idade e ano de escolaridade dos entrevistados Fonte: Dados da pesquisa.

No que se refere à composição familiar, todos os adolescentes faziam parte da

tradicional família nuclear, ou seja, residiam com pai, mãe e irmãos nos seguintes bairros:

Funcionários,, Palmares, Padre Eustáquio, Santa Efigênia, Esplanada, Nossa senhora da

Glória, e Bandeirantes. Convém citar que bairros como Funcionários, Palmares, Padre

Eustáquio e Bandeirantes são ocupados predominantemente por grupos de classe média e

média alta.

Apenas uma adolescente morava com colegas em república estudantil localizada no

bairro Funcionários. Ela é natural de Itabira/MG e, em consenso com os pais, optou em vir

para Belo Horizonte/MG para estudar na escola pesquisada. Segundo ela, a escolha se deu

porque a escola era considera como uma das melhores instituições de ensino particular em

Belo Horizonte/MG, famosa por preparar os estudantes aprovação nos exames vestibulares,

sobretudo, nas universidades públicas, como no caso da UFMG. Além do mais, afirmou a

estudante: “[...] pretendo cursar medicina, que é um curso de alta concorrência”. (Estudante

negra Gabriela) 46.

No que tange a escolarização dos pais apareceu da seguinte forma:

46 Dados da entrevista. Pesquisa de campo realizada na escola pesquisada em 14/09/2010.

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MÃES PAIS

1. Administração

1. Direito

2. Ensino Médio Completo

2. Ensino médio completo

3. Enfermagem

3. Ensino médio completo

4. Geografia

4. Ensino médio incompleto

5. História

5. Ensino médio incompleto

6. Pedagogia

6. Ensino técnico

7. Pós – Graduação Lato Sensu

7. Pós – Graduação Strictu Sensu

8. Pós – Graduação Lato Sensu

8. Pós – Graduação Lato Sensu

9. Pós – Graduação Strictu Sensu

9. Administração

Quadro 6 – Informações sobre a escolarização dos pais Fonte: Dados da pesquisa.

Em relação à condição sócio-econômica desses adolescentes, o próprio fato de serem

alunos de uma escola particular de elite já aponta que eles fazem parte de uma classe média e

média alta da cidade. Haja vista que a mensalidade do primeiro e segundo ano do ensino

médio era no valor de oitocentos e quarenta e seis reais e setenta e um centavos (R$ 846,71) e

do terceiro ano do ensino médio era no valor de oitocentos e sessenta e cinco reais e quarenta

e oito centavos (R$865.48).

Além da mensalidade escolar, existem outros gastos como transporte, almoço, lanches,

uma vez que os estudantes permanecem no colégio em dois turnos (manhã - tarde), o que

sinaliza para a necessidade da família ter uma renda alta para arcar com estas e outras

despesas, lembrando que devido ao colégio estar localizado na região Centro-Sul da cidade,

restaurantes e lanchonetes não oferecem preços acessíveis aos seus produtos.

Outro fator a ser contabilizado são as excursões programadas pela escola, (embora

estas não sejam obrigatórias), que também demandam altos gastos, já que se tratam de

viagens nacionais e internacionais, como Milho verde - MG, interior de São Paulo, Angra dos

Reis - RJ, Curitiba, Gramado, Serras Gaúchas, Porto Alegre e Foz do Iguaçu – no Sul do

Brasil, como também, Montevidéu, no Uruguai, Buenos Aires, na Argentina e Cidade do

Leste no Paraguai.

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Considerando tais condições, nos momentos de recreação foi possível observar alguns

objetos usados pelos adolescentes, como tênis de marcas (Nike, Adidas, Timberland, All Star,

sandálias da Mellisa etc), aparelhos celulares de última geração, MPs, dentre outros. Ao

analisar as respostas apontadas pelos adolescentes negros nos questionários, no que se refere

ao seu estilo de vida, foi possível também identificar, ficou evidente que eles fazem parte de

uma classe média e média alta de Belo Horizonte - MG.

Dentre o número de alunos do colégio, no turno observado, é possível constatar que

aquela instituição é um espaço formado por estudantes que fazem parte de uma “elite”,

sobretudo, de um a elite de sujeitos “brancos”, já que o número de estudantes negros nesse

espaço é muito pequeno.

3.4 Estilo de vida: Um retrato dos adolescentes negros!

Na verdade não foi nossa intenção desenvolvermos, nessa pesquisa, uma exegese do

conceito de “estilo de vida”, mas como o estudo proposto buscou desenvolver uma análise,

em relação ao processo de construção identitária de adolescentes negros, estudantes de uma

escola privada, tornou-se necessário interpretar os modos como esses constroem seus “estilos

de vida”. Assim o conceito desenvolvido por Bourdieu (1983) apresenta aspectos importantes

para a discussão que se segue. Este autor entende por “estilo de vida” as diferentes posições

que os sujeitos sociais ocupam no contexto social, incluindo: os gostos, preferências e modo

de vida de diferentes grupos sociais.

O estilo de vida é um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou hexis corporal, a mesma intenção expressiva, princípio da unidade de estilo que se entrega diretamente à intuição e que a análise destrói ao recortá – lo em universos separados. (BORDIEU, 1983, p. 83-84).

O estilo de vida deve ser compreendido a partir dos gostos, preferências e modo de

vida dos diferentes grupos sociais presente na sociedade. Nesse entendimento o “universo

simbólico”, ou seja, escolhas por mobílias, vestimentas, linguagens, entre outros objetos

hierarquizam esses grupos sociais. (BOURDIEU, 1983).

Orientada por estas contribuições teóricas, o objetivo em trabalhar com as escolhas e

gostos e estilo de vida dos adolescentes negros de classe média, ocorreu para se tentar

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identificar aspectos que permitissem enquadrá-los em uma determinado grupo ou classe

social. Desse modo, ao aplicarmos o questionário, buscamos abordar os seguintes aspectos:

a) Domínio de língua estrangeira,

b) Curso universitário que pretendia fazer

c) Preferências de lazer

d) Ídolos

e) Interesse na área de leituras

f) Estilo de Música

g) Opção religiosa

h) Emissora de rádio

i) TV

j) Alimentos de preferência

k) Conhecimentos sobre produtos étnicos para negros

l) Atuação em associação cultural ou grupo relacionada à cultura afro – brasileira

3.6 Escolhas e gostos

3.6.1 Domínio de língua estrangeira

Em relação ao domínio de língua estrangeira, dos nove estudantes entrevistados,

quatro afirmaram dominar tanto a língua inglesa, quanto a língua espanhola, três apontaram

dominar somente o inglês, sendo estes os idiomas que a maioria domina. Com exceção de

dois adolescentes que está freqüentando curso de língua inglesa, mas que ainda, não domina e

outro que não dominam nenhuma das opções apontadas ou outra.

Tabela 6 – Informações sobre o domínio de língua estrangeira

Língua estrangeira Nº respostas dadas Inglês 06

Espanhol 04 Francês - Italiano - Outro -

Nenhum 02 Fonte: Dados da pesquisa.

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3.6.2 Curso universitário

Sobre o curso universitário, as opções se concentraram na área de humanas, sendo as

seguintes opções apontadas: direito, relações internacionais, medicina e história. Um fator que

merece destaque é a opção pelo curso de direito, sendo uma escolha que predomina entre os

adolescentes. Entre os entrevistados apenas um, ainda não haviam decidido qual o curso que

iriam escolher.

ENTREVISTADO CURSO NÃO SABE

Ana - X

Bernardo Direito

Gabriela Medicina

Roberto Relações Internacionais

Ana Relações Internacionais

André Direito

Ana Direito

Robson História

Aline Direito

Quadro 7 – Informações sobre o curso superior pretendido Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.3 Lazer

O lazer é algo crucial na vida social, pois, constitui-se em um momento de descanso e

descontração, ou seja, é o tempo do não trabalho, já que permite ao cidadão, realizar suas

escolhas, no que se refere à freqüência em determinados espaços sociais, sejam eles:

(cinemas, bares, restaurantes, rodas de amizades, shoppings, clubes, entre outros.) em alguns

casos estes lugares, podem contribuir ou não para a formação de um sentimento de

pertencimento e de solidariedade entre aqueles que ali se encontram, chegando até mesmo, a

estabelecer a formação de grupos de amizade, bem como possíveis oportunidades de

relacionamentos afetivos. (SOARES, 2004).

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Nesse item, buscamos compreender o que os adolescentes fazem em seu tempo livre

(férias escolares e finais de semana), ou seja, qual a principal atividade que costumam

realizar. Com isso, foram apontadas as seguintes atividades de entretenimento: passeio no

shopping cinema, viagens no Brasil e para o exterior, dançar, freqüentar clube, visitar amigos

e usar a internet.

Tabela 7 – Informações sobre opções de lazer

Curso superior pretendido Nº de respostas dadas

Shopping 03

Cinema 05

Viajar – Brasil 04

Viajar – Exterior 02

Dançar 01

Clube 02

Visitar amigos 05

Navegar na internet 03

Outro -

Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.4 Ídolos

Sobre os ídolos, foram apontados os seguintes: Los Hermanos, Elis Regina, Selton

Mello, Beyoncé, Ashton Kutcher47, Black Eyed Peas48, David Guetta49, Ray Charles, Glória

Pires, Adriano (jogador de futebol), Marcelo Adnet50, Halle Berry51, Robinho (jogador de

futebol), Tiago Lacerda, Chico Buarque, Jim Carey, Diego Tardelli (jogador de futebol),

Jason Mraz52, Daniel Radcliffe53, Kaká (jogador de futebol), Simon Philip Cowell. Marcelo

Adnet e Black Eyed Peas. Estes estão entre as preferências dos adolescentes, conforme

apontado no quadro.Nesse item, existe a configuração clara de um gosto, que remonta ao 47 Ator e produtor norte – americano e co – fundador da Katalyst (estúdio de mídia social). 48 Grupo de hip hop formado em Los Angeles – Califórnia. 49 Músico Frances. Atua no gênero de música house, sendo produtor musical e DJ. 50 Ator, músico, comediante e apresentador de TV. 51 Atriz negra estadunidense, vencedora dos prêmios: Oscar, Urso de Prata e Emmy. Mais conhecida por

interpretar “Tempestade” na trilogia X – Mem. 52 Cantor, violinista e compositor, estadunidense. Sua influência reggae, pop rock, folk, jazz e hip hop. 53 Ator inglês que ganhou destaque com o personagem na série de filmes “Harry Potter”.

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“gosto” certamente cultivado na família, como no caso da opção musical, do estilo cantado

por Elis Regina, (o fino da bossa nova, MPB e o samba), Ray Charles ( Jazz e Soul) e Chico

Buarque (MPB). Das personalidades negras, foram citados os seguintes artistas: Beyonce,

Ray Charles, Adriano, Robinho, Diego Tardelli e, no caso da grupo Black Eyed Peas , dois de

seus integrantes são negros.

3.6.5 Opções de leituras

Dentre as opções de leituras: livros, revistas, jornal, revistas em quadrinhos. Destaca-

se um maior interesse por livros e revistas.

Tabela 8 – Informações sobre as opções de leituras

Leitura preferida Nº respostas dadas

Livros 05

Revistas 05

Jornais 03

Quadrinhos 03

Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.6 Estilo de música preferido

Os estilos musicais dos adolescentes passam pela combinação de Pop rock, Black

Music, Samba, Rock’in Roll, MPB, Jazz, Música eletrônica. Sendo o Jazz, Pop Rock e o Samba

os estilos musicais mais citados. É importante observar que há uma coerência entre o estilo

musical e os ídolos ligados à música (Elis Regina, Chico Buarque, Ray Charles, David

Guetta, Black Eyed Peas e Jason Mraz).

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Tabela 9 – Informações sobre os estilos de música preferidos

Estilos musicais Nº respostas dadas

MPB 01

Axé -

Reggae -

Pop Rock 03

Rock’in Roll 01

Sertanejo 01

Samba 02

Jazz 03

Música Clássica -

Outros 01

Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.7 Religião

A sociedade brasileira é marcada por um forte sincretismo religioso e, de acordo com

o censo 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de

70% de brasileiros declararam-se católicos apostólicos romanos, 15,4% evangélicos, 7,4%

sem religião, 1,3% espíritas, 0,3% seguidores de religiões de matriz africana, 1,8% adeptos de

outras religiões.

Assim, no que se refere à opção religiosa, a católica foi a mais citada, sendo que os

demais jovens se definem como protestante, ateu e até mesmo um estudante que se declarou

sem religião. Outro dado a der destacado é que não há adeptos de religiões de matriz africana,

como no caso da Umbanda e do Candomblé. Convém citar que os movimentos sociais vêm

lutando em defesa da tolerância religiosa, pois, alguns cidadãos brasileiros ainda apresentam

dificuldades para assumir a sua preferência, enquanto adepto de religiões afro-brasileira, já

que estas foram e ainda são perseguidas por serem associadas ao “mal”.

As religiões de matriz africana é uma das formas de afirmação da identidade negra,

porém, é importante refletir que para “ser negro”, o cidadão não tem que freqüentar, apenas a

umbanda ou o candomblé, além do mais, é preciso que as liberdades individuais sejam

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respeitadas. Mas, na luta pela afirmação da negritude, negros e negras, precisam ter a

consciência da importância dos valores culturais afro-brasileiros em nossa formação. 54

Tabela 10 – Informações sobre a opção religiosa

Religião Nº respostas dadas

Católica 06

Protestante 01

Espírita -

Umbanda -

Candomblé -

Umbanda -

Judaica -

Outra 02

Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.8 Emissoras de TV

Em relação à emissora de TV, em primeiro lugar, apareceu o interesse dos

entrevistados pela Rede Globo de Televisão e, em segundo, a MTV, e, em terceiro, opções

por canais da TV por assinatura, com destaque para o Multishow, a Disney Channel, a

Warner, o Telecine, a Sony e a Fox .

Tabela 11 – Opções de emissoras de TV

Emissoras de TV Nº de respostas dadas

SBT -

Globo 06

Rede TV 02

Bandeirantes -

Rede Record -

TV Minas -

TV por assinatura 04

Fonte: Dados da pesquisa.

54 Registro da fala da Professora Dª Íris Maria da Costa Amâncio em sessão de defesa da dissertação, ocorrida

em Julho de 2009, no Programa de Pós – Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.

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3.6.9 Alimentação

Os pratos escolhidos pelos entrevistados foram nacionais, internacionais, pizza,

tropeiro, lasanha, arroz, feijão, bife de frango, farofa, carnes em geral, macarrão a carbonara,

bife e batata frita, pão de queijo, pernil, strogonoff, bobó de camarão, sanduíches,

hambúrguer, sorvete. Dentre essas preferências alimentares, a opção pela lasanha foi destaque

nas escolhas dos adolescentes.

Dentre estas opções alimentares é possível observar que determinados pratos citados

pelos adolescentes são poucos conhecidos e até mesmo caros. A opção pela massa,

possivelmente possa ser devido à praticidade que a preparação do prato oferece.

A feijoada prato elaborado pelos escravos, a partir de partes do porco que os senhores

de engenho não consumiam e considerado desde 1930, como símbolo da nacionalidade

brasileira não apareceu entre as escolha dos adolescentes.

3.6.10 Produtos étnicos

A indústria cosmética de certa forma, sempre investiu em produtos para mulheres

brancas, como no caso de: batons, bases para pele, cremes faciais, xampus, meias finas de

nylon55 entre outros produtos. Com isso, estes acabaram sendo utilizados por mulheres de

outros grupos étnico-raciais, como no caso das mulheres negras que, até então, enfrentavam

dificuldades para encontrar produtos específicos para a sua pele. Alguns desses produtos,

como no caso das bases faciais em certas nuances de pele negra, não apresentava uma sintonia

com a cor da pele, ou seja, em alguns casos chegava até mesmo a “embranquecer”.

(SOARES, 2004).

Devido a essa dificuldade, bem como a possibilidade de lucro, houve um investimento

das indústrias de cosméticos nos produtos étnicos, ou seja, em produtos específicos para

homens e mulheres negras, como: os permanentes afros, xampus, condicionadores,

maquiagens, hidratantes, meias finas de nylon e bases para a pele com variedades de tons ,

entre outros produtos. Soares (2004) explica que:

55 No que se referem às meias finas de nylon, lembro - me que quando criança, minha mãe e minhas irmãs

mulheres negras, tingiam meias de tom tabaco, com tintol de cor marrom de modo a alcançar um tom que entrasse em sintonia com pele negra.

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Os negros gastam cerca de trezentos milhões de dólares por ano em cosméticos. Desta forma, há um mercado expressivo para grandes empresas que, ultimamente, têm investido nesse consumidor, criando produtos próprios para negros, processo impulsionado nos últimos cinco anos com o lançamento de produtos antes associados apenas a brancos, como o sabonete Lux, o hidratante Vasenol e o xampu Seda. A descoberta desse novo nicho de mercado fez com que várias empresas não utilizassem os negros apenas como figurante nas propagandas, mas também como protagonistas. (SOARES, 2004, p.141 – 142).

O autor também alerta que, apesar do investimento do mercado em produtos étnicos

para negros, esse crescimento tenha sido um ganho para este segmento a população, na

medida em que a preocupação dos grandes empresários, na realidade, não é com a alteridade

do grupo, mas, sim, atingir o público negro, enquanto consumidores que ocupam a classe

média e média alta, já que muitos desses produtos apresentam valores altos, como no caso dos

preços dos cosméticos.

Os adolescentes entrevistados, ao serem indagados se conheciam produtos específicos

para negros, assinalaram conhecer os seguintes produtos como condicionadores para cabelos,

xampus, hidratantes para o corpo e maquiagens, com destaque para produtos como hidratantes

corporais e maquiagem. Vale citar que dois adolescentes assinalaram não terem conhecimento

sobre a existência dos produtos citados, bem como de outros do mesmo gênero.

Tabela 12 – Informações sobre conhecimentos de produtos específicos para negros Produtos específicos Nº de respostas dadas

Condicionador 04 Shampoo 03 Hidratante 06 Maquiagem 05

Outros - Não conhece 02

Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.11 Espaços de valorização do negro e da cultura Afro – Brasileira

Sobre essa questão, foram apontadas as seguintes opções: roda de capoeira, grupo de

hip hop, break, rap e grafite. Apenas duas adolescentes responderam a essa questão. A

primeira estudante afirmou freqüentar uma livraria relacionada à cultura Afro-Brasileira e a

outra marcando a opção outros, especificou fazer danças folclóricas. Ao contrário dos outros,

sete entrevistados assinalaram não freqüentar nenhum desses espaços.

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Analisando o posicionamento dos entrevistados, foi possível compreender que estes

em sua maioria, não freqüentam o “mundo negro” 56, já que estes não tem acesso à espaços

nos quais a cultura, a valorização e a afirmação dos afros - brasileiros estão presentes. Estes

dados apresentam uma aproximação com as escolhas destes, ao serem indagados sobre as

atividades que costumam realizar em seus momentos de lazer. Destacaram seguintes

atividades: viajar para o exterior, viajar para o Brasil, freqüentar shopping, freqüentar clube,

que na verdade são atividades que de certa forma são típicas de classes mais favorecidas.

Soares (2004) explica que:

[...] os negros de classe média acabam formando um microcosmo que não estabelece vínculos com o “mundo negro” de forma mais ampla, além de terem dificuldade para participar do “mundo branco”. Ou seja, os negros em ascensão acabam conformando um espaço social bem delimitado: “um mundo paralelo dentro do mundo paralelo. (SOARES, 2004, p.146).

Alguns cidadãos negros que ocupam a classe média e média alta, normalmente, vivem

em um isolamento relativo, pois, costumam não freqüentar entidades negras ou espaços, os

quais está presente a cultura afro-brasileira. Em alguns espaços, os negros chegam até mesmo

a não ter contato com pessoas que não fazem parte de sua classe social. E de certa forma,

algumas entidades negras, movimentos sociais, rodas de capoeira, grupos de danças entre

outros espaços, são formados por cidadãos negros que fazem parte das classes mais baixas

economicamente (SOARES, 2004).

Tabela 13 – Informações sobre a frequência a algum tipo de associação cultural ou grupo relacionado à cultura agro-brasileira

Tipo de associação cultural ou grupo Nº respostas dadas Capoeira -

Hip hop, Break, Rap, Grafitagem - Movimento Social -

Livraria 01 Outro 01

Não frequenta 07 Fonte: Dados da pesquisa.

56 Termo usado por Soares (2004), entendido como sistema de relações sociais estabelecido a partir das

instituições (religiões afro – brasileiras, bailes black, escola de samba etc.) que proporcionam sociabilidade, permitindo o resgate de auto-estima dos negros.

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3.6.12 Preconceito e discriminação racial

No que se refere à existência do preconceito e de discriminação racial em relação aos

negros, todos os adolescentes entrevistados afirmaram que estes estão presentes na sociedade

brasileira. E apontam os seguintes motivos: questões culturais que perpassam de geração a

geração, resquícios de um passado segregador, questões históricas, a raça negra ser

considerada inferior, a maioria dos negros não terem acesso a oportunidades como empregos

de qualidade, ensino superior etc.; a raça negra ser ainda meio marginalizada, porque são

freqüentes as piadas quanto à questão racial.

Embora ainda existam cidadãos que afirmam desconhecer a existência do preconceito

e da discriminação racial na vida de negros e negras no Brasil, é interessante perceber que os

adolescentes são conscientes dessa realidade, já que apontam questões que permite

compreendermos os motivos que contribuíram e contribuem com a real condição dos negro

nos principais espaços da sociedade.Contudo ao serem questionados sobre a existência da

discriminação racial e do preconceito em relação aos negros que ocupam as classes média e

alta as respostas não apresentaram um consenso conforme apareceu nesta questão.

3.6.13 A classe média negra

Sobre a existência ou não do preconceito racial na vida dos negros que ocupam a

classe média e alta, cinco dos adolescentes que responderam ao questionário, acreditam que

estes sofrem discriminação racial sim, por mais que tenha alcançado ascensão social. Dos

outros quatro, uma adolescente optou por não responder a essa questão e os outros três

afirmaram que negros de classe média e alta não são vítimas de preconceito e de

discriminação racial. Nesse sentido, considero importante apresentar a fala do professor negro

Jorge:

[...] quando o negro se insere nessa classe eu percebo que ele não sofre discriminação, porque aí eu acho Pollyanna uma coisa até mesmo delicada, porque, ele passa a ser aceito numa nova classe social e passa a se comportar por uma questão até de reforço de afirmação, como alguém dessa classe a ponto de nós ouvirmos, não sei se você já ouviu, que muitos negros tem preconceito dos próprios negros que não pertence à classe social deles, não é? Então eu acho que vai dar uma

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diferença oceânica, entre o negro que já se inseriu em uma classe social favorecida, daqueles que ainda não chegaram lá, mas a diferença no tratamento social é uma coisa visível, salto os olhos o negro ao volante de um carro com um negro que anda á pé. Vamos supor, aquele que está ao volante de um carro, aquele que tem um bom emprego que anda nas altas classes sociais é visto de uma forma e aquele que ainda não chegou a esse patamar da sociedade, pode ser discriminado sim! (Professor negro Jorge).

A idéia de uma suposta harmonia entre os grupos étnico-raciais,criou-se no imaginário

social brasileiro que o preconceito não é racial, mas sim de classe, ou seja, à medida que os

negros vão se ascendendo, estes vão ocupando espaços que até então não tinham acesso e,

sobretudo sendo respeitados. Assim, os adolescentes que acreditavam que os cidadãos negros

que compõem a classe média não são vítimas de discriminação e preconceito racial,

afirmaram: o dinheiro dá poder, não sofrem preconceito aquele que tem poder aquisitivo maior, e

um disse supor que existiam casos, mas que desconhecia. Os que defendem a existência, na

sociedade, da discriminação racial, apontaram os seguintes motivos: as relações interpessoais

não são iguais para cidadãos negros e brancos, as pessoas não acreditam na real condição

financeira deles, para o mundo todo preto é pobre, a integração, às vezes, não é tão grande

quanto a de pessoas brancas, a condição financeira, algumas vezes não contribui para a

integração social.

Retomando as explicações de Soares:

Segundo o padrão das relações raciais no Brasil não é de bom tom a manifestação publica do preconceito racial. Dessa forma, o preconceito e a discriminação nem sempre aparecem de uma forma clara, cristalina. A sutileza é uma constante nas situações cotidianas, no que diz respeito às relações raciais. Sendo assim, um negro pode chegar a um restaurante sofisticado e depois de aguardar atendimento, ser informado, educadamente, pelo gerente do estabelecimento, que as poucas mesas desocupadas estavam reservadas e que, por falha de um funcionário, não haviam sido devidamente sinalizadas. Mas, por outro lado, os negros desenvolvem uma sensibilidade muito específica para esse tipo de situação e conseguem identificar as atitudes discriminatórias. (SOARES, 2004, p.218).

Nesse sentido, um fato chamou minha atenção, pois os adolescentes que afirmaram

que os negros que alcançam ascensão social não sofrem discriminações raciais por serem

negros, durante a entrevista apresentaram situações de discriminação vividas por eles

mesmos, situação que foi apresentada na discussão sobre a classe média negra nesta

dissertação.

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3.6.14 Padrão de beleza

A beleza é algo construído a partir da cultura, ou seja, é uma construção social,

cultural e histórica, uma vez que nenhum objeto apresenta uma beleza natural. Haja vista que,

é a partir da relação com o outro que os padrões de beleza vão sendo (re) construídos. No

Brasil, os padrões de beleza apresentam uma forte relação com a cultura européia, com isso,

os valores culturais dos cidadãos brancos são vistos como modelo a ser seguidos, já que,

muitos os consideram como legítimos, como no caso da mídia, das passarelas, entre outros

espaços. Com isso, os valores dos outros grupos culturais são desconsiderados, como no caso,

dos descendentes de africanos. (GOMES, 2006).

Ao indagar os adolescentes sobre o padrão de beleza que consideram mais bonito, das

opções que aparecerão no questionário: africanas, norte-americanas, européias, brasileiras e

asiáticas, foram as belezas brasileira e européia as mais apontadas pelos adolescentes, ficando

em terceiro lugar a beleza asiática. Já a africana não apareceu em nenhuma das opções.

Tabela 14 – Informações sobre o padrão de beleza

Padrão de beleza Nº de respostas dadas Africano -

Norte-americano - Europeu 2 Brasileiro 4 Asiático 1 Outro 1

Fonte: Dados da pesquisa.

3.6.15 Contexto familiar e reflexões sobre as relações étnico-raciais no Brasil

O diálogo, seja ele, na escola, na família, no trabalho, nas universidades, entre outros

espaços, é uma das estratégias na luta contra qualquer forma de preconceito, pois, através

deste é possível estabelecer medidas que possam contribuir com a construção de uma

sociedade mais igualitária. (ARROYO, 2007).

Deste modo, em termos de diálogos no contexto familiar, sobre as relações étnico –

raciais no Brasil, predominaram nas respostas dos adolescentes que essas reflexões não

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ocorrem com freqüência, ou seja, muito pouco. Somente dois estudantes afirmaram que esses

assuntos são discutidos sempre no meio familiar. Dos temas que são refletidos, foram

apontados os seguintes: assuntos da atualidade, o quão discriminado os negros são,

preconceito, como agir em situação de preconceito etc.; discriminação e cultura afro-

brasileira, as durezas do preconceito, principalmente a questão de cotas nas universidades,

cotas e desigualdades, história do negro.

Rodrigues (2007) considera que “Família e escola são dois agentes importantes na

socialização de crianças, adolescentes e jovens, a forma como interagem com estes agentes,

determinará quais valores o grupo de jovens e adolescentes adotará na construção de outros

valores” (RODRIGUES, 2007, p.73).

Conforme foi apontado nesta pesquisa, a família apresenta uma função crucial na

construção de uma identidade negra positiva, haja vista que o contexto familiar é um dos

espaços que pode possibilitar a desconstrução de estereótipos, o esclarecimento frente à

dimensão da discriminação racial presente na sociedade, o fortalecimento da auto-estima,

possibilitando as condições necessárias para que o cidadão possa esta preparado para

enfrentar as possíveis situações de conflitos que até então negros e negras estão sujeitos a

encontrar em sua vida cotidiana.

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4 A ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO CULTURAL: O NECESSÁRIO D IÁLOGO

ENTRE EDUCAÇÃO E CULTURA

Como já dito anteriormente, a instituição de ensino possui um papel potencial no

processo educacional é um espaço sócio-cultural de convivência de cidadãos que pertencem a

origens étnico-racial diferentes, integradas num processo contínuo de construção de suas

identidades e de sua formação escolar. Nesse processo contraditório, mediado por uma

sociedade em que vigoram o preconceito racial, desigualdade penso que a necessidade de (re)

construção da identidade de quaisquer aluno demanda que o ambiente escolar desenvolva

trabalhos de valorização e respeito ao outro em sua totalidade, de forma a despertar nos

alunos os valores éticos de cidadãos, contribuindo para a efetiva prática da cidadania,

especialmente, no caso do aluno negro, dada sua condição quase sempre desigual no contexto

social.

Além desta condição, já bastante evidenciada neste texto, outros fatores contribuíram

para a escolha da temática da pesquisa, dentre eles o pressuposto de que a função da escola é

formar o ser humano em sua totalidade, isto é, proporcionar um ambiente favorável para o

desenvolvimento da capacidade de leitura crítica da realidade, da convivência e respeito entre

os que nela estão em todos os aspectos: cognitivo, afetivo, social, étnico-racial, ético, sexual e

psicológico. É preciso compreender que a escola é um espaço de encontro de sujeitos

culturais, que representam a diversidade cultural presente em nossa sociedade. Rocha e Tosta

(2009) explicam:

No mesmo espaço da cultura da escola, outras tantas cores podem ser vistas e apreciadas: processos mais particulares e contingentes das diversas culturas presentes no cotidiano da escola, nas interações e nas redes de sociabilidade que ali são trançadas. E que, multicoloridas, carregam tons variados de outros tempos lugares ou de bricolagem desses outros tempos e lugares, oferecendo outras tessituras que traduzem as experiências dos diferentes sujeitos e participantes das dinâmicas educacionais na escola. (ROCHA; TOSTA, 2009, p.131).

Concordando com os autores citados, é legítimo e necessário colocar que não existe

uma única cultura no contexto escolar. Portanto é preciso dar conta da importância de pensar

e fazer a educação a partir do diálogo entre cultura, em vista da compreensão dos sujeitos

sociais tendo sempre como referente o exercício da alteridade. Se as práticas escolares

ocorrem a partir da interação de diferentes grupos étnicos (negros indígenas e brancos), disso

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decorrem necessidades diferentes que, na realidade, se definem a partir das identidades, sejam

elas individuais ou coletivas.

E se a formação das identidades, como explicado anteriormente, ocorre a partir da

relação com o outro, este é um processo que pressupõe a dimensão da alteridade, vista como

uma categoria relacional e social, uma vez que as identidades são construídas a partir de

experiências comuns, nas quais sujeitos sociais defrontam-se entre si. Sendo um movimento

que apresenta uma dupla dimensão: perceber-se semelhante e ao mesmo tempo afirma se

diferente enquanto indivíduo ou grupo, ou seja, articular o princípio de igualdade e de

reciprocidade em um movimento único.

Entendendo que o espaço escolar é um espaço sócio-cultural, é preciso ampliar os

nossos conhecimentos para além daqueles com os quais a pedagogia sempre conversou como

a Psicologia, Sociologia, dentre outros. Em outros termos, é fundamental aprofundar nosso

diálogo com a Antropologia, no sentido de compreender e problematizar a realidade do

cotidiano escolar que é plural e diferente. (TOSTA; ROCHA, 2009). Gusmão (1997),

reafirma:

Hoje, quando vemos as dificuldades das escolas, em particular, das escolas públicas de periferia, o fato de a escola como valor não fazer eco entre os estudantes, a indisciplina violenta, a evasão escolar e sua face mais cruel, a exclusão social, só para citar alguns problemas de nosso tempo, cabe perguntar qual a natureza dos riscos de que falava Boas. Qual a natureza dos riscos de hoje? Para ele, a realidade de seu tempo apontava um risco para os povos do futuro e para o futuro da própria civilização. A razão era que, historicamente, a nossa sociedade e a escola que lhe é própria não desenvolviam – e não desenvolvem – mecanismos democráticos, perante as diversidades social e cultural. (GUSMÃO, 1997, p.03).

Partindo dessa perspectiva a abordagem antropológica em diálogo com a educação,

viabiliza o debate, a reflexão e a intervenção que irá acolher desde o contexto cultural da

aprendizagem, a diversidade cultural em sua totalidade, como também os sucessos e os

insucessos do sistema escolar. Haja vista que a Antropologia como ciência, em particular

como ciência aplicada, permite compreendermos as complexidade do universo das diferenças,

bem como das práticas educativas.

Desse modo, é que eu acredito que a Antropologia e a educação estabelecem um

diálogo do qual fazem parte, ao mesmo tempo, o debate teórico e metodológico das pesquisas

educativas que, relacionadas a várias e diferentes formas de vida, estão ainda por desafiar o

conhecimento, estando em jogo as singularidades e as particularidades dos diferentes grupos

sócio-culturais em suas complexidades e mudanças ao longo do processo histórico

(GUSMÃO, 1997).

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Assim como Rocha e Tosta (2009), Gusmão (1997) e outros pesquisadores dos

campos da Antropologia e Educação é possível compreender que devemos nos opor ao

etnocentrismo na educação, pois, seria ingênuo negar que nas instituições escolares, bem

como nas universidades, o conhecimento ainda não esteja centrado nos valores europeus. Na

tradição dos estudos antropológicos, é possível encontrar subsídios na busca da superação do

mundo intersubjetivo, tendo como objetivo maior romper com o etnocentrismo, que,

resultando do encontro entre civilização ocidental e outros sujeitos de cultura, implicou em

violência e distorções sobre esses povos. Revendo essa história que tão fortemente atingiu os

negros, tornar-se preemente conhecer a realidade do outro, de modo a estabelecer as bases do

conhecimento, tendo sempre no horizonte o estabelecimento de relações simétricas. Com

objetivos mais simétricos, as relações entre homens e mulheres, na construção do saber e da

cultura, patrimônio da humanidade.

4.1 As Ações da escola em relação à diversidade étnico-raciais.

A educação é um dos principais mecanismos de transformação de uma nação. A partir

dessa premissa, é função das escolas, públicas ou privadas, bem como das universidades, a

partir de princípios democráticos, estimularem a formação dos sujeitos em todos os aspectos:

cultural, social, político e econômico, bem como, a formação de valores que respeitem os

diferentes grupos étnico-raciais, presentes na sociedade. E nesse processo, o diálogo da

educação com a cultura é essencial, conforme foi discutido nesta dissertação.

Haja vista que é na dimensão da cultura que compreendemos as práticas humanas,

enquanto práticas significativas, viabilizando, assim, diferentes formas de interpretação da

experiência humana. A relativização dos saberes e a conexão entre os diversos saberes,

somente tornaram possíveis em razão das experiências vividas entre sujeitos de cultura e, a

partir da integração no mundo e na cultura de cada um deles sejam essa de: raça, gênero,

escolha sexual, idade etc. É necessário que o processo educacional estabeleça diálogos com as

realidades culturais, (GOMES; SILVA, 2002), pois:

A sociedade brasileira é pluriétnica. Alunos, professores e funcionários de estabelecimentos de ensino são, antes de mais nada, sujeitos sociais – homens e mulheres, crianças, adolescentes, jovens e adultos, pertencentes a diferentes grupos étnico – raciais, integrantes de distintos grupos sociais. São sujeitos com histórias de vida, representações, experiências, identidades, crenças, valores e costumes próprios

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que impregnam os ambientes educacionais por onde transitam com suas particularidades e semelhanças, compondo o contexto da diversidade. Por isso ao planejar, desencadear e avaliar processos educativos e formadores, não podemos considerar a diferença como um estigma. Ela é, sim, mais um constituinte do nosso processo de humanização. Por meio dela, nós nos tornamos partícipes do complexo processo da formação humana. (GOMES; SILVA, 2002, p. 22 – 23).

A diversidade cultural é uma condição constituinte da formação humana, pois está

presente em qualquer sociedade e em diversos espaços sociais que transitamos (GOMES;

SILVA, 2002). No entanto, as ações das escolas, no trato com a diversidade, ainda apresentam

um caráter segregador e discriminatório. Conforme estudos desenvolvidos por Rocha e Tosta

(2009), Silva (1995), Gonçalves (1985), Cavalleiro (2003), Gomes (2006), Santos (2007),

Gomes e Silva (2002), Capelo (2003), Gusmão (2003), entre outros, as dificuldades e

contradições das instituições escolares, no trato com a diversidade ainda é muito grande.

Infelizmente é real a ausência de um questionamento crítico no que se refere ao

tratamento das relações étnico-raciais em algumas instituições de ensino. Esse silenciamento

frente à situação,confirma o despreparo e a omissão dos professores para tratar da questão.

Sobretudo, quando se trata das questões relacionadas ao negro, conforme aparece na fala do

adolescente negro André, em entrevista sobre as ações da escola, no que se refere a questões

relacionadas à população negra: “ [...] é só coisa acadêmica mesmo, os negros foram libertos,

os escravos foram libertados em 1889 blá... blá... blá teve essa lei aqui, lei aqui... Tudo

acadêmico nada tipo, gente é... Racismo é ruim isso não” (Estudante negro André).

Durante a entrevista cheguei a indagar, a um professor negro da área de Português, se

durante o período de sua graduação ele havia cursado disciplinas relacionadas à diversidade

étnico-racial e ele me respondeu da seguinte forma:

Eu não sei até que ponto, mais na minha época, não! Quer dizer, se eu conceber a escola com as próprias disciplinas que eu estudei como um lugar perfeito que tudo acontece com uma perfeição impressionante que não há diferenças que não há choque culturais, e... Há e muito, então eu nunca havia pensado quer dizer que seria uma boa sugestão isso nas disciplinas pedagógicas quer dizer nem curso de Letras e nas matérias correspondentes ao curso de educação não há nenhuma coisa teórica, nenhum texto se quer que prepare o professor para a diversidade que ele vai encontrar inevitavelmente no espaço em que ele vai trabalhar. (Professor negro Jorge).

A fala do professor torna evidente o desinteresse das instituições educacionais

(escolas públicas, privadas e universidades) em incluir em seus currículos questões referentes

à diversidade. E o que ocorre é que nesses espaços ocorre o encontro de diferentes sociais,

com isso, por mais que haja uma interação com estes no dia – a – dia da escola, na realidade

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não existe uma preocupação do corpo docente em conhecer suas especificidades e

necessidades (CAVALLEIRO, 2003).

Sobre essa questão, Rodrigues (2007) também defende que, de maneira geral,

crianças negras e de outras etnias não recebem o mesmo tratamento na escola, espaço de

convivência, interação e aprendizado, muito importante na vida delas, independente de sua

origem racial e social. O fato de pertencerem a etnias e raças diferenciadas, entretanto, não

tem sido levado em conta por essa instituição, especialmente quando as crianças pertencem à

raça negra. (RODRIGUES, 2007, p. 79).

Ao indagar, aos nove estudantes negros, como os assuntos referentes aos

afrosdescendentes, bem como dos povos africanos, eram discutidos nas disciplinas escolares,

as respostas não foram muito animadoras. A maioria afirmou que as questões relacionadas aos

cidadãos negros não aparecem e não tem visibilidade no currículo da escola. E nos poucos

momentos em que aparecem elas se limitam à escravidão.

Na fala da adolescente negra Ana1:

Que eu vi na História pela primeira vez que falaram mais de negro foi falado sobre a escravidão, que a escravidão começou porque o próprio negro escravizava o outro negro e parou aí; Eu vi negócio da Revolta dos Malês, ai a professora pincelou alguma coisa da região que eles vinham, mais nada com aprofundamento. [...] você tem que ter conhecimento de tudo, você não tem... Você não pode ficar muito restrito a uma coisa que... Eu tenho que fazer um curso e depois eu vou esquecer, mas para a vida inteira... Você deixa de aprender um tanto e coisa que foi... Ia ser construtiva para cumprir currículo? Eu não vou lembrar tipo Abril do ano que vêm, se eu estiver passado no vestibular, eu não vou lembrar mais como é que é um vetor assim, assado, eu não vou lembrar mais a questão do planalto, meso... Atlântico e de não sei o quê das quantas, eu preciso aprender coisas que vão me dar base para o resto da vida, de conviver com o outro, como eu respeito o outro essas coisas. (Estudante negra Ana).

Nesse sentido, convém analisar as colocações do adolescente pardo Robson:

Porque todo mundo xinga, igual a História, a História, a História da Revolução Inglesa, lógico que isso é importante... maior do que muitos outros países. Mas a gente não vê nada de História da África, na faculdade você viu? Aí, por que não? É lógico que tem que entrar nas civilizações, talvez tenha maior importância, mas tem maior importância para os países ricos que dominaram... O fato é que tem muitas outras civilizações que também foram importante. É... Falam que não, mais a questão é que está tudo muito abitolado no vestibular, por mais que tem o vestibular outras coisas além a gente tem que estudar. Tá certo que a gente quer chegar em algum lugar, tem que estudar para o vestibular eu acho que é isso mesmo, eu acho que o colégio, professores da área de humanas trata mais desse tipo de assunto. Na minha opinião eles são muito, muito ciente do que estão fazendo, eles mostram essa parte discriminação é errado. Mostram isso entendeu? Mas não sei se em outros colégios acontece isso, acho que deve acontecer também. Acaba que agente estuda o que vai cair no vestibular. E não vai cair assunto da África né? Coisa desse tipo no vestibular não. (Estudante pardo Robson).

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Ao indagar a adolescente negra Juliana, como as questões relacionadas à História da

África e dos afro-brasileiros são discutidas em sala de aula, ela apontou aspectos interessantes

conforme aparece no depoimento que segue. A fala da aluna trás questões que, até então, não

haviam sido colocadas por nenhum dos sujeitos que contribuíram com o estudo (professores,

estudantes, funcionários). A omissão da Coordenação Pedagógica que também foi

entrevistada, além das conversas mantidas comigo durante minha estada na instituição:

O único lugar que aparece é na oficina... A oficina é... Como... A gente encontra, é um encontro entre a turma, um Psicólogo e a irmã [...] que é uma irmã que trabalha com projetos sociais aqui dentro do colégio e tal! Tem até uma creche é... Acho que ela é coordenadora alguma coisa assim é... E é nesses encontros que a gente discute essas questões sociais, a questão racial. E no primeiro ano o tema é mesmo racismo e aí a gente tem uma visita aos Arturos em Contagem é... Agente debate um pouco essas questões do preconceito racial e tal! Mas só aí e acaba que a turma vê isso como um lazer, que como tipo é um dia inteiro de aula que a gente fica discutindo e a gente encontra duas vezes no ano, duas vezes no ano. Uma no início, outra no final e essa visita no Arturos e quando tem a oficina a turma fica ah... Tem oficina igual a última oficina que teve da minha sala foram dezessete de quarenta e tantos todo mundo foi matar aula ! ... Entendeu? E aí... Assim acaba que, que... O... Assim... Acaba que eu acho que não consegue atingir o objetivo. [...] Eu... Eu assim eu gosto muito, muito mesmo, mas eu percebo que o colégio... Os alunos em si, não dão o devido valor. (Estudante negra Juliana).

E mesmo com a promulgação de instrumentos normativos as escolas, também

conforme outras pesquisas, não tem considerado a importância da discussão sobre a

diversidade presente em nossa sociedade. A adolescente negra Ana1 destaca que:

Eu acho que... Pelo o que foi interessante nunca foi a cultura da África, porque o mundo inteiro, tava olhando para a Europa ai chamou isso de uma História, de politicamente correta em que todo mundo é igual, aí vamos começar a discutir a questão da África, mais aí ninguém dá... tipo Português uma coisa interessante no segundo ano era Literatura Africana, só que a gente nunca viu a parte de Literatura Africana, o máximo de negro que a gente viu foi Castro Alves , falando rs...rs...rs que Castro Alves era um negro meio embranquecido, é mais a parte que tinha de literatura da África, literatura negra a gente não deu tempo de chegar, porque não é o que o vestibular quer, não é o que o currículo pede, fala de romantismo, de parnasianismo o que interessava era isso, agora o outro era cultura a mais, era cultura .... Que bom que você sabe, que você é inteligente, mas ninguém te cobra isso ... Não é do interesse deles. [...] Olha, aquilo que é considerado como não importante e que não vai render fruto, isso não é foco, não cai no vestibular, então... é só cultura, não te agrega, não vai te agregar dinheiro, nem conhecimento de empresa que você vai poder trabalhar melhor sua empresa e ter mais lucro assim, então para quê que investir, muita gente pensa por esse sentido. [...] Não, é... aqui é mais vestibular, né ?! Então, o currículo não dá tempo né? (Estudante negra Ana1).

A educação escolar brasileira propõe elementos que aparecem em leis de modo a

respaldar ações voltadas para a valorização dos grupos que foram discriminados ao longo da

História, como no caso da população negra e indígena. A Lei no 4.024/61 reconheceu a

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necessidade de contemplar as diferenças de raça, credo e classe social presentes no contexto

escolar. Em seu artigo 1º, sobre a finalidade da educação, afirma que “A educação nacional,

inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana tem por fim: A

condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica ou religiosa,

bem como a qualquer preconceito de classe ou raça”. (BRASIL, 1961). Já a Lei no 5.692/71,

em seu artigo 4º diz que “Os currículos de ensino primeiro e segundo graus terão um núcleo

comum obrigatório em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender, conforme as

necessidades e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos

estabelecimentos e as diferenças individuais dos alunos”. No texto dessa lei é possível

perceber o reconhecimento que a escola é um espaço de encontro de sujeitos de cultura,

abrindo caminho para leis mais abrangentes das relações étnico-raciais (BRASIL, 1971).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 9.394/96 define que a educação,

em geral, abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na

convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos

sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996).

O artigo apresenta iniciativas de reconhecimento da diversidade cultural existente no

Brasil, diversidade está presente nas escolas, nas universidades nos espaços de trabalho, no

contexto familiar, nos movimentos sociais e nas relações sociais, estimulando o debate sobre a

pluralidade cultural do país.

No ano de 1997, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) reconhece a

diversidade cultural da população brasileira, através da edição dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN’S), com temas transversais como ética, pluralidade cultural, meio ambiente,

saúde e orientação sexual, que deveriam ser incluídos nas disciplinas curriculares.

Em 2003, a Lei no 10.639/2003, de 09 de Janeiro de 2003, altera a Lei nº 9.394, de 20

Dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no

currículo oficial da Rede de Ensino público e particular a obrigatoriedade da temática

“História da África e Cultura Afro-Brasileira. Em 2008, a Lei no 10.639/2003 foi alterada pela

Lei no 11.645/2008, instituindo a obrigatoriedade nos currículos oficiais dos estabelecimentos

de ensino público e privados o ensino da História da África, dos afros- brasileiros, bem como

dos povos indígenas.

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Em entrevista com uma professora branca de Ensino Religioso do colégio, eu

perguntei se a Lei no 10.639/200357 vinha sendo aplicada no colégio. Ela respondeu: “Olha eu

acredito que sim, sabe?! É... dentro de conteúdos” (Professora branca Marília). Confesso que

não senti firmeza em sua colocação, pois, pude perceber que ela ficou confusa ao me

responder. Em seguida, indaguei como ela trabalhava a lei na disciplina de Ensino Religioso a

qual leciona:

Trabalho na perspectiva das religiões e assim [...] Olha eu fiquei assim é... fiquei surpresa, foi a primeira vez que eu vi aqui na escola. Nós fizemos... foi muito legal tem até as fotos depois eu vou te mostrar é ... Então teve grupo que ficou com a Umbanda, com o Candomblé, eu comprei... os CDs de músicas religiosas do Candomblé eu fui no terreiro de Candomblé eu trouxe e apresentei para ele né! Os Orixás, eu comprei os Orixás é... Pequenininho e tal, então assim... A postura não foi de deboche de gozação tá, se não foi para não perder ponto, se não foi para eu como autoridade não puni – lo, porque eu iria fazer isso, não sei... Ou se não teve porque dentro deles há essa atitude de respeito tá! Isso aí eu não posso responder para você. Mas eu sei que pelo menos na postura eles não tiveram assim, de rir, que debochasse. Igual tem gente que fica fazendo assim “Ah... Sarava que não sei o que” Não teve nada disso. [...] a pontuação maior... Mais no conteúdo foi na criatividade e postura bom! Agora teve quando eu estava apresentando na... da show esse terreiro que eu fui é ... Algumas danças e tal, explicando eles... Ficam assim curiosos [...] E... Aí no final uma menina que é evangélica, ela chegou perto e falou, [...] eu não consigo entender isso! Eu não consigo aceitar isso, isso para mim e muito esquisito... Mas foi autêntica ela teve uma postura de respeito, foi absolutamente autêntica... Verdadeira. [...] Agora para a Consciência Negra, dia da Consciência Negra, eu não sei como que a gente vai fazer, a gente vai fazer alguma coisa, eu já to no processo de trabalho com os meninos para não chegar só assim “Ah hoje é dia da Consciência Negra”... A gente tá assistindo o filme “Invictus” que vai trazer essa questão (Professora branca Marília).

Nessa perspectiva, trago a fala de um professor branco de História que, durante a

entrevista, também foi indagado sobre a lei 10.639/2003. Em um primeiro momento da

conversa, ele afirmou ter conhecimento da lei. Considerei conveniente esclarecer o que é a lei

e o seu objetivo maior. Depois, voltei a perguntar: A História da África e da cultura afro-

brasileira são trabalhados em sua disciplina?

No meu caso aparece, por que no ensino médio eu vou trabalhar... No ensino fundamental também. No ensino médio no caso eu trabalho com o Brasil Colônia, então justamente eu to trazendo os escravos negros é... Isso aparece, não aparece muito, mas aparece. E no ensino fundamental aparece, por que eu trabalho com o Neo – Colonialismo, então aí a gente trabalha com a questão de uma herança africana. Aí a gente pontua algumas coisas que tem que ver com o Brasil e aí a gente começa a mostrar a cultura presente em nossa sociedade. (Professor branco Paulo).

57 Ao referir-se nesta dissertação à Lei no 10.639/2003, não significa que desconsidero a alteração desta pela Lei

no 11.645/2008, bem como de sua importância na luta pelo respeito ao outro em sua totalidade. A escolha se deu devido a primeira tratar diretamente dos povos Africanos bem como, dos Afros- brasileiro.

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Santos (2005) explica que a lei não surge “do nada” e, sim, de uma demanda social,

principalmente do movimento negro, que resultou de anos de luta em prol do combate ao

racismo. Entretanto, só a lei não mudará uma situação desigual existente entre negros e

brancos no país, e uma história educacional que não privilegiava outro lugar aos negros a não

ser o “tronco”, ou seja, o negro como escravo, deixando de lado todo o legado africano que

constituiu a formação da nacionalidade e da sociedade brasileira.

Esse mesmo professor também afirmou que a escola chegou a oferecer aos

professores que lecionam a disciplina de História, um curso de História da África.

[...] ano passado o colégio propiciou para a gente aqui do [...] um curso de História da África. Então nos professores de História tivemos m curso é... Patrocinado pelo próprio colégio e justamente para poder... Porque o que acontece quando a gente discute muito a África agente pensa a África ou nos conflitos, ou no neo – colonialismo. Mas a História em si da África a gente pouco conhece, por que são poucos que conhece aqui no Brasil. Então por isso que o [...] nos propiciou isso daí, pra gente poder ter esse conhecimento porque é importante ter. Não é só aquela questão da História da Europa que já foi fechada é ver também a construção de uma História Africana, não só no sentido do acho legal e também daquela questão o africano, porque ninguém chega para você e diz o latino americano, a gente fala o africano e a gente não pode às vezes generalizar, porque existe Histórias dentro a África que tem que ser respeitadas eu acho que é isso daí é uma vantagem”. (Professor branco Paulo).

Na fala do professor alguns aspectos mostram à importância da lei, ao mesmo tempo

em que ela é resultado de luta, também chama atenção e levanta questionamentos para um

problema que deve ser considerado, mesmo que ele não esteja sendo implementada

plenamente. Santos (2005) defende que “Os movimentos sociais negros, bem como muitos

intelectuais negros engajados na luta anti-racismo, levaram mais de meio século para

conseguir a obrigatoriedade de estudo da história do continente africano e dos africanos, da

luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade

nacional brasileira. Contudo, torná-los obrigatórios, embora seja condição necessária, não é

condição suficiente para a sua implementação de fato”.

Concordando com este mesmo autor, entendo que a Lei nº 10.639/2003, apresenta

falhas que podem inviabilizar o seu real objetivo, qual seja, a valorização dos negros e o fim

do “embranquecimento cultural” do sistema de ensino brasileiro. A lei federal,

simultaneamente, aponta sensibilidade às reivindicações e pressões históricas dos movimentos

negros e anti-racistas brasileiros, como também indica certa falta de compromisso vigoroso

com a sua execução e, principalmente com sua a eficácia, de vez que não estendeu aquela

obrigatoriedade aos programas de ensino e / ou cursos de graduação, especialmente os de

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licenciatura das universidades públicas e privadas, conforme uma das reivindicações da

Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasília-DF em agosto de

1986. (SANTOS, 2005, p. 34 - 35).

E, ao que parece, as instituições educacionais não vêm tomando as medidas

necessárias para a implantação substantiva da mesma. Medeiros e Almeida (2007)

argumentam que a lei causou inquietação no meio acadêmico, pois para o seu cumprimento

demandaria uma mudança efetiva, tanto no que se refere à grade curricular, quanto na

formação continuada dos professores.

Se o Brasil acredita ser uma democracia racial e propalada a existência da harmonia racial, por que a discussão sobre a questão racial e diversidade não se constitui em um dos eixos da reflexão educacional e dos currículos escolares brasileiros? Como pode o Brasil ser uma sociedade que lida tão bem com a ancestralidade africana e com a presença negra na sua conformação histórica e cultural se há um desconhecimento quase generalizado sobre a história, a cultura, as relações políticas, as formas de luta e resistência e os problemas que afligem a África, a diáspora africana e a realidade da população negra brasileira? Essas são indagações desencadeadas pela atual luta do Movimento Negro em prol de uma educação anti – racista que tem na lei 10.639/2003 a sua maior expressão. (GOMES, 2007, p. 104).

E embora tenha profissionais que lutam pela construção de uma educação anti-racista,

empenhando-se na publicação de livros, ministrando cursos de formação de professores

(História e Cultura Afro-brasileira, entre outros), desenvolvendo simpósios, semanas

acadêmicas, pesquisas e discussões nas salas de aula e nas universidades, ainda existem

aqueles que apresentam desconhecimento frente a essa discussão. Conforme explica Gomes

(2007b), existe no espaço escolar das escolas públicas ou privadas, bem como das

universidades, uma concepção de que a questão racial é uma tarefa daqueles que assumem a

causa, ou então tarefa somente dos negros.

4.2 Eu fico olhando os negros daqui... Eu falo assim, gente! Como é que eles se sentem,

né?

A discussão sobre as relações étnico-raciais inclui todos os grupos étnicos que

compõem a sociedade brasileira: negros, índios, brancos e orientais. Silva e Verrangia

explicam que:

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Entendem-se aqui, por relações étnico-raciais, aquelas estabelecidas entre os distintos grupos sociais, e entre indivíduos destes grupos, informadas por conceitos e idéias sobre as diferenças e semelhanças relativas ao pertencimento racial destes indivíduos e dos grupos a que pertencem. (SILVA; VERRANGIA, 2010, p. 709).

Portanto, a escola apresenta uma importante função na educação das relações étnico-

raciais, haja vista que é uma das instituições sociais que recebem diferentes sujeitos de

cultura. É uma das instituições sociais em que aprendemos e compartilhamos não só

conteúdos e saberes escolares, mas, também, valores, crenças e hábitos, assim como

preconceitos, sejam eles: raciais, de gênero, de classe e de idade (GOMES, 2003). Com isso,

em suas práticas didático-pedagógicas, cabe à mesma desenvolver ações que possam

contribuir para que seu espaço seja democrático de modo que todos que ali se encontram

sejam respeitados em sua totalidade.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

étnico-raciais, publicada em 2004, alunos, professores e todos aqueles inseridos no espaço

escolar devem ser valorizados. Contudo, tudo isso irá depender da forma como as relações

étnico-raciais são trabalhadas, da valorização do trabalho coletivo, na articulação entre escola,

políticas públicas e movimentos sociais. Visto que a reeducação das relações étnico-raciais,

não pode ser limitada somente à escola, mas a sociedade como um todo, compreendendo que

a educação é algo de todos os espaços.

Porém, o que observamos é o silenciamento ou a incompreensão sobre este princípio

da igualdade, ou então, discursos que reforçam estereótipos é representações sociais negativas

em relação aos negros. Gonçalves (1987) alerta:

Se a produção e a transmissão do saber, na escola, não forem mediados pela particularidade cultural (enquanto exigência totalizadora) da população negra, as práticas pedagógicas continuarão punindo as crianças negras que o sistema de ensino não conseguiu ainda excluir, aplicando – lhes o seguinte castigo: reclusão, ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo, cujo o resultado imediato é o silenciamento da criança negra, a curto prazo, e o cidadão, para o resto da vida. (GONÇALVES, 1987, p. 29).

Esse silêncio se dá no sentido de não contrariar a falaciosa idéia de harmonia existente

entre os grupos étnicos – raciais, sobretudo, no que se refere à relação entre negros e brancos.

Mas o que ocorre é que desde as séries iniciais da educação infantil, aprendemos que todos

nós somos iguais, porém, a partir das relações sociais com o outro, essa igualdade caí por

terra. Exemplo disso são apelidos que crianças e adolescentes recebem na escola como:

“cabelo de bombril”, “resto de incêndio”, “urubu’, “frango de macumba”, “picolé de asfalto”,

“carvão” etc. (SANTOS, 2007).

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Silva chama atenção que na escola, onde desenvolveu seu estudo, pode concluir que

existe hostilidade entre alunos negros e brancos, devido à discriminação étnico-racial.

Afirmando que a linguagem é utilizada pelas crianças do grupo étnico economicamente

dominante para discrimina às outras racialmente diferenciadas, como no caso destes

entrevistados por ela em sua pesquisa:

Eles colocam apelido na gente e chama a gente de negrinha, pretinha e falam também: que menina feia! Quando eles me chamam de negrinha e pretinha eu fico triste e humilhada. Ele também chama a gente de bisorro, urubu”. Quando alguma pessoa coloca apelido em mim eu me sinto humilhada e triste. Vou dar alguns apelidos. Nega, urubu, filha do Mussum. Que me chama destas coisas é o T. (SILVA, 1995, p.60-61).

Fato é que, os conteúdos pedagógicos selecionados nas escolas podem contribuir ou

não para uma melhor interação em sala de aula e, principalmente, para a relação aluno -

escola, considerando o primeiro um ser social e histórico, e a segunda uma instituição

multicultural que deve acolher diferentes sujeitos, o que diz de diferentes padrões de auto-

estima, confiança e cidadania. Sobre as percepções dos adolescentes brancos em relação aos

adolescentes negros, as falas apareceram da seguinte forma:

No [...] os alunos quanto mais dificuldades os alunos tem, mais ele corre atrás, sabe? Então no colégio normalmente alunos negros e eventualmente reprimidos, são os que procuram, são os que dedicam, são os que tem os cadernos completos, são os que fazem tudo. Ainda que aquilo não vá valer muito à pena, por exemplo: “Isto não há necessidade de fazer, eles fazem, todos, entendeu? (Estudante branca Marcela).

Na fala da adolescente branca, Marcela, é possível identificar que os adolescentes

negros tem “maior dedicação nos estudos”. Dedicação que pode ser um mecanismo que esses

adolescentes buscam para serem reconhecidos: “Negro tem que ser o melhor”. Sobre essa

questão o adolescente negro Bernardo diz:

[...] como eu te falei que meus pais falam que eu tenho que ser melhor e tal! Eu gosto de me arrumar, eu gosto de andar bem arrumado para, para... Não falando que negro é mal arrumado, mas para me cuidar e não dá motivo para falar nada sabe? Para não dar foco para o preconceito, eu gosto de andar muito arrumado, gosto de andar perfumado... Então eu nunca tive... normalmente eu só recebo elogios! Sendo muito modesto né? Rs...rs...rs. (Estudante negro Bernardo).

Outra questão destacada pela adolescente branca, Marcela, é a timidez apresentada

pelos adolescentes negros, conforme aparece em sua fala:

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[...] muitas vezes alunos negros são alunos tímidos, alunos que não se envolvem muito, então não falam assim ... A opinião prevalece dos falam mais, dos que tem mais opinião, sendo uma maioria branca. Então é a opinião branca que prevalece. A opinião branca e a opinião de livro mesmo! Aquela coisa o preconceito é feio, o preconceito e falho, não devemos ter preconceito. Mas assim a discussão é bem rala mesmo! Eu acho que é normal, por que o [...] é um colégio elitizado e normalmente a elite adolescente é uma elite alienada, normalmente a elite adolescente normalmente é muito alienada. Assim, que vive para viaja para os E.U.A, tem um computador da moda e pronto! Normalmente a elite jovem é elitizada, então a discussão em relação a isso são normalmente ralas, são vazias, porque os alunos não tem vivências e nem conteúdo às vezes para falar. Os negros normalmente silenciam não tem muito para falar , sendo uma minoria na sala. (Estudante branca Marcela).

A fala da estudante apresenta aspectos importantes para refletirmos sobre o por quê os

adolescentes negros são ”tímidos”, “não envolvem muito”, “não falam e preferem silenciar”?

Acredito que esse comportamento não ocorre no vazio. Com isso e revendo minha

experiência escolar, chego a pensar que esse silêncio é reflexo da dificuldade de identificação

em um meio onde este é uma minoria, da forma como as questões relacionadas aos negros são

abordadas e, sobretudo, devido ao medo de ser ridicularizado e humilhado. Sobre isso o

professor negro Jorge, aponta algumas reflexões:

[...] ás vezes Pollyanna eu fico olhando os negros daqui eu falo assim, gente! Como é que eles se sentem, né? Será que eles se sentem diferentes, quer dizer, não é tratado de forma diferente, mas ele dentro da conivência de adolescente de questão de criança de... Tem uma leitura de mundo ainda um pouco frouxa, que não sabe entender a razão das coisas, não sabe entender nem o motivo pelo qual está aqui num colégio de elite, que é uma elite branca que estuda. Então eu fico imaginando [...] (Professor negro Jorge).

A imaginação do professor me leva a destacar, por exemplo, sobre como os grupos de

amizade são formados por uma maioria de adolescentes brancos, com a presença de apenas

um adolescente negro. Assim, a partir das observações, principalmente durante o período do

recreio, pude constatar que os estudantes integrantes dos grupos os quais apresentam

adolescentes negros, interagem, (conversam, sorrir, lancham, se abraçam), sendo sempre os

mesmos integrantes. Esta situação me leva a refletir sobre a fala de Gomes (2007a), pois,

explica que existem negros e negras que como forma de serem vistos positivamente, em um

espaço em que sua imagem normalmente é associada a uma construção social negativa,

acabam, lançando mão dos padrões aceitos pelo grupo.

Por essas questões e por outras, constatei que essa “minoria negra”, aparentemente,

possui um “bom” relacionamento com a maioria branca, pois, durante o período que estive os

observando, não ouvi, e nem mesmo identifiquei, situações que me apontassem o contrário. E

em conversa com esses adolescentes negros, essa realidade foi comprovada pela maioria ao

indagados se gostavam da escola, dos colegas, bem como, dos professores e funcionários.

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Dentre as respostas, Bernardo, adolescente negro, afirma: “Não tem lugar melhor para

estudar não, aqui é o melhor de todos, sou apaixonado por esse lugar aqui não saio nem por

decreto, vai ser triste sair daqui esse ano. [...] Isso aqui é maravilhoso aqui é espetacular!”

(Estudante negro Bernardo). A adolescente negra Juliana diz: “Eu gosto muito, muito, muito

da escola, assim... Apesar de ser muito apertada muito... Tem pessoas assim... Eu acho os

amigos que a gente faz aqui é muito bom! Isso que me faz gostar muito daqui também!”

(Estudante negra Juliana).

Apenas a adolescente negra Gabriela afirmou, logo no início de nossa conversa, não

gostar da escola, já que considera que os colegas não são simpáticos:

Ah... Não sei tipo é... Mas eu não fui muito bem recebida, não pelos professores, pelo colega. Ah... Não sei... Tipo na minha sala... É chato falar rs...rs...rs. Na minha sala o povo é muito é muito rico rs...rs...rs, Nossa é o povo rico é chato rs...rs...rs E eu não sou rica que nem eles né? Não chego nem aos pés deles e... Tipo eles não são muito simpáticos com quem não é rico que nem eles. Tipo assim eles não falam mal de mim, mas a gente não conversa, não chegam para conversar comigo não. [...] primeiro eles... Eles zuavam de mim, porque eu era do interior e eu falava meio roceiro rs...rs...rs Eu falava meio roceiro rs...rs...rs Aí eles me zuavam, eu não gosto que me zoa aí, mas só que eu não falava nada não. Eu ficava rindo tá! [...] Aí qualquer coisa tipo que acontecia eles perguntavam Itabira também é assim? Não Itabira não é assim, perguntava se em Itabira a TV já chegou, essas coisas rs...rs...rs. (Estudante negra Gabriela).

Os estudantes negros fazem uma classificação dentro da classe na qual estão situados

no colégio: são de classe média e alta, porém, os brancos, na fala dos negros, aparecem

sempre como mais ricos! Muito mais! (Estudante negra Gabriela).

Estes relatos e outros foram aparecendo à medida que fui conversando com os

adolescentes negros. Com isso pude perceber que o processo de interação desses estudantes

não se dava em um contexto de total “harmonia”, pois, em certos momentos das entrevistas,

esses sujeitos narraram situações vividas no espaço escolar que a meu ver não são, nem um

pouco respeitosas, conforme aparece na fala da adolescente negra Gabriela:

[...] eles fazem uma coisa adote um novato58 essas coisas... Mostrar os professores essas coisinhas... E ajudar todo o dia... Incluir em seu grupo, essas coisas. Eles tentam, mas isso vai muito da pessoa, se você quiser andar com essa pessoa você vai, ninguém te obriga. Ninguém me adotou rs...rs...rs.. Não, eu que conheci a escola, eu não sabia os nomes do professores, eu que tinha que chegar para as pessoas e perguntar tudo assim... E ninguém me adotou não!” (Estudante negra Gabriela).

58 “Adotar um novato é uma proposta da escola que tem por objetivo, envolver os estudantes novatos com os

veteranos. No sentido de estabelecer amizades, esclarecer dúvidas em relação à dinâmica da escola, apresentá-los aos professores, funcionário, enfim, ser solidário com o colega.

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Ainda sobre essa questão, convém citar outra passagem da fala dessa mesma

estudante, ao descrever certas características de seus colegas de classe:

Na minha sala tem um povo mais popular do colégio, assim eu não sabia... E gente popular se acha! Popular tem muito amigo, sai todo final de semana essas coisas. São meninas que no recreio vão ali e compram uma Melissa, sei lá? Uma Melissa é mais de R$100, 00, vai ali compra e volta... E elas têm muito dinheiro, e elas são lindas, vem toda maquiada para a escola, vêm sabe? Arruma o cabelo, prancham o cabelo inteiro essas coisas e... Elas ficam lá, todo mundo mela para elas... E elas se acham e quanto mais gente melando para elas, elas ficam lá. [...] São loiras, é... Olho verde essas coisa. [...] eu no começo quis conversar com elas, mas depois eu vi... Qual era a delas... Não foram muito simpáticas, não me maltrataram não sabe? Mas ah... É eu não sou bonita que nem elas, eu não vou bonitona [...] (Estudante negra Gabriela).

Analisando esses depoimentos, é possível dizer que fazer parte de determinados

grupos desse espaço não é um processo fácil, sobretudo, nos chamados grupos formados pelos

estudantes “populares”59, já que, para ser aceito, eles precisam incorporar “valores”

construídos do grupo. Juliana chama atenção sobre essa questão:

[...] tem aqueles grupos que são grupos fechados, então o grupinho da farra, que saímos todo final de semana e quem não sai todo final de semana não é do grupinho. Mas tem assim é... Eu acho que não tem essa questão de... de... é certo preconceito tipo em relação a... Não, acho que não só a cor, mais a fisionomia eu conheço alguns pessoas do colégio algumas pessoas do colégio que assim... Ah somos do grupinho das bonitas... Andamos com as bonitas então? Tem algumas coisas assim... (Estudante negra Juliana).

Na visão de um dos professores entrevistados, o processo de socialização dos

adolescentes está pautado na condição sócio-econômica dos estudantes.

Conforme ele diz:

[...] Se tirar a questão social a interação acontece de uma forma muito natural, não é uma coisa forçada, não é... Entendeu? É uma vez eu estava conversando com os alunos que eu tive mais liberdade que eram negros e falei assim vocês sentem alguma coisa... Não entendeu? Assumiam, assumiam que era negro entendeu? Tanto é que o Joãozinho uma figura fantástica, não sei o que quê foi é... Que teve uma vez que ele brincou que ele acertou um negócio, ele falou assim: “Ah negão”, então ele se assume, se assume, ele é bem resolvido, porque igual eu te falei há uma aceitação tranqüila. [...] aí eu acho uma coisa interessante e que a dificuldade de inserção é mais uma questão econômica e não racial. Uma coisa que eu percebo, por exemplo, até com os próprios brancos, fica mesmo uma questão econômica, eles não se inserem entre eles. Enquanto que, por exemplo, existem vários negros que se inserem tranquilamente, devido a equivalência econômica, então assim ser negro não é um problema entendeu? Mas a questão econômica é importantíssima entendeu? Eu vejo assim... Eles não se misturam muito a certo preconceito com a questão econômica – social do que racial”. (Professor branco Paulo).

59 Termo utilizado para denominar um grupo de adolescentes , desenho animado “Padrinhos Mágicos” exibido

na Rede Globo de Televisão onde os personagens mais ricos são chamados de “os populares”.

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O depoimento da bibliotecária negra, Fabiana, também apresenta aspectos importantes

sobre a socialização entre os alunos negros e brancos:

[...] igual tem um negro aqui que se auto – isola, ele isola não precisa de ninguém falar nada, ele já fica no cantinho isolado, ele não se envolve nunca. Não é de muitos amigos entendeu? [...] Sei lá, porque ele deve ter sofrido muita coisa e tem medo de sofrer, continuar sabe? No processo. Então ele prefere isolar do que ter o contato e acabar sofrendo de novo os tipos de preconceito. Tipo assim ele já pode ter sofrido vários tipos de preconceito antes em outro ambiente e acaba se isolando por medo de acontecer de novo e não saber lidar com a situação. [...] a escola é bem branca não tem... Sabe? Uma mistura tipo assim... Se você vê um negro mais um branco, você vê que tipo assim ele meio que se destaca, ele é... Uma coisa sabe? Diferente na questão do branco. Não, não, não tem grupos só de negros. (Bibliotecária negra Fabiana).

Barbosa (1983) lembra que, devido à criança ser alvo de atitudes racistas, os familiares

que não forneciam aos seus filhos uma socialização que os preparassem para o enfrentamento

desta situação, passam a tomar as primeiras providências em relação à questão, quando seus

filhos são vítimas de piadas e apelidos preconceituosos. Com isso passam a preparar os filhos

para possíveis problemas futuros que estes poderiam enfrentar devido à sua condição negra.

A autora destaca o caso de uma garota negra cuja família a havia isolado de todo o

problema racial, pois no seio familiar não era discutido assuntos relacionados à realidade dos

cidadãos negros na sociedade. Assim a experiência crítica desta estudante, devido sua

condição de negra foi na escola, já que os colegas a impediram de participar de uma

brincadeira dizendo: “preto não entra”; ouvindo xingos de colegas; cada vez que comia

bananas no momento da merenda, diziam: “você já parece macaco e ainda come bananas!”.

Esta situação remete ao bullying, entendido como um tipo de violência física ou psicológica,

praticados por um indivíduo ou grupos, com o objetivo de intimidar ou agredir aquele que não

é capaz de se defender.

Tosta (2009) afirma que o bulliyng expressa, segundo estudiosos, o desejo consciente

de maltratar uma pessoa e colocá-la sob tensão: são os xingamentos, agressões físicas,

agressões verbais, extorsões, apelidos pejorativos, piadas, atitudes etnocêntricas em geral, e os

vários tipos de xenofobismos, conforme mostra Tosta (2009), a respeito de pesquisa realizada

sobre violência na rede particular de MG.

Gonçalves60 também entende que:

60 Doutor em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (1994), atuando principalmente nos

seguintes temas: Movimento negro e racismo.

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O processo de alienação da criança brasileira se faz, sobretudo através da escola, onde se dá o reforço de um conjunto de idéias elitistas que discorre os valores culturais e nega a participação dos oprimidos no processo histórico brasileiro. Ora um povo que não sabe do seu passado, um povo sem história, não pode visualizar os caminhos e empreender quanto ao seu futuro. No caso da criança negra, é justamente na escola que se dá a quebra de sua estrutura psicológica, emocional e cultural através da internalização da ideologia do branqueamento, dos mitos do brasileiro cordial e do mito da democracia racial. No final desse processo se ela não reage, acaba por se envergonhar das suas origens e da sua condição de negra [...] A educação deve ser um instrumento de libertação e não de alienação do povo. Portanto, devemos lutar pela transformação não só da estrutura, como dos conteúdos do sistema educacional brasileiro, exigindo a colocação, no mesmo nível da história européia, a história da áfrica assim como a ênfase sobre a participação do negro e do índio na formação sócio-cultural do Brasil. (GONÇALVES, 1985, p. 207).

É válido lembrar que, se a família em seu processo de socialização apresenta

ambigüidades no que se refere à construção de uma identidade negra positiva, a escola,

normalmente não fornece nenhum elemento que possa auxiliar e contribuir para a formação

positiva dessa identidade, como também do respeito ao outro em sua totalidade.

Esta é tantas outras questões relativas à dificuldade da escola lidar positivamente com

a diferença já foi historicamente demonstrada, em trabalhos como o de Gonçalves (1985) em

seu estudo “O silêncio: um ritual pedagógico a favor da discriminação racial estudo acerca da

discriminação racial na escola pública de 1º grau de Belo Horizonte”, mostra a forma como a

discriminação racial se manifesta na escola, como nos matérias didáticos, nas informações

transmitidas pelos professores e nos rituais pedagógicos. Dentre esses rituais ficou evidente o

silêncio dos professores perante ações discriminatórias contra crianças negras.

Fazzi (2004) em sua pesquisa “O drama racial de crianças brasileiras – socialização

entre pares e preconceito”, analisou o processo de socialização racial entre crianças de grupos

étnico-raciais diferentes, dando ênfase para a socialização entre pares. A pesquisadora

destacou que a construção de uma realidade preconceituosa por parte das crianças apresenta

fundamental importância na sustentação das características da realidade racial presente na

sociedade brasileira.

A autora aponta que a socialização entre pares constitui num espaço-tempo

privilegiado, onde crenças e noções raciais já incorporadas são experimentadas e testadas

pelas crianças. Com isso nas interações, elas vão aprendendo o significado de pertencer a um

determinado grupo étnico-racial, passando a criar e recriar o significado social de raça. Neste

processo, observou-se uma espécie de jogo de classificação e auto-classificação racial, sendo

estabelecida negociação, manipulação e disputa para não ser identificado como um sujeito que

pertence ao grupo étnico-racial negro.

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A autora coloca que o drama desse jogo é a negação, associada à categoria negro. Pois

o termo na realidade é carregado de estereótipos negativos, com isso as crianças negras são

inferiorizadas, sendo atingidas por xingamentos e gozações (“preto é feio”, “preto parece

diabo”, “ preto é ladrão”).

Outra questão observada por Fazzi (2004) foi o discurso relativizador presente no

processo de socialização das crianças, como no caso dos argumentos religiosos (todo mundo é

filho de Deus do mesmo jeito), o argumento laico (“somos todos humanos”) e a dicotomia

relacionada à idéia de “por dentro e por fora”, no sentido de afirmarem que (“por dentro todo

mundo é igual”).

Neste sentido, Fazzi (2004) defende a importância da construção de uma sociedade

igualitária no que se refere às questões das relações étnico-raciais, em que o preconceito não

opere em nenhum nível das relações intersubjetivas. Sendo necessário e urgente nos

orientarmos através de uma ética da responsabilidade, de forma a desconstruirmos as

situações de discriminação e preconceito. E devido à centralização da escola na socialização

infantil e a importância da interação entre pares, uma política eficaz contra o preconceito,

deve ser pensada para crianças a partir dos três anos de idade momento em que a identidade

racial está em processo de elaboração.

Já Silva (1995) em sua pesquisa “A construção da identidade no processo educativo:

um estudo de auto-representação dos alunos negros no universo da escola pública de Belo

Horizonte”, analisa como se dá o processo de construção da identidade negra no espaço

escolar, diante das situações de racismo que são veladas e que contribuem com a exclusão dos

negros na sala de aula. Conclui que o esquema estrutural de dominação entre brancos e negros

se reproduz no contexto educacional, afirmando que possivelmente, o baixo desempenho dos

alunos negros está relacionado às relações inter-étnicas que ocorre no interior do espaço

escolar. E que as interações conflituosas que se dão, a partir de apelidos em relação aos

negros, apresentam a necessidade e urgência dos atores sociais que compõem o contexto

educacional conhecer os mecanismos discriminatórios existentes em seu espaço.

Silva (1995) também constatou que as crianças e os adolescentes negros apresentam

dificuldades de socializar com as crianças que pertencem ao grupo étnico-racial branco, e os

familiares ao serem informados que seus filhos são discriminados apresentam atitudes

indecisas em relação à denúncia feita pelo filho. Assim, com os relatos feitos pelos

entrevistados, a autora concluiu que os pais acreditam que os filhos possam estar mentindo ao

relatar as situações de discriminação, além de ficar inseguros em tomar um atitude e a escola

vir a punir seu filho. A autora chama atenção que a discriminação racial está presente sim no

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interior da escola, mas os dominados silenciam, não denunciando a situação, devido a vários

fatores permanecendo, assim, imobilizados no lugar que a estrutura social determinou para

eles.

Cavalleiro61 (2003), em seu estudo “Do silêncio do lar ao silêncio escolar, racismo,

preconceito e discriminação na educação infantil,” buscou compreender o processo de

socialização da criança negra no reconhecimento da diferença étnica levando em consideração

o mito da democracia racial. Nesta pesquisa a criança negra foi analisada no convívio social, a

partir de suas relações multiétnicas no espaço da pré-escola e a pesquisadora buscou entender

como ela lidava com suas primeiras experiências étnicas e como as pensava e elaborava.

Ao final do estudo, a autora aponta que, no que tange ao espaço escolar, as crianças

estão tendo infinitas possibilidades para a interiorização de comportamentos e atitudes

preconceituosas e discriminatórias em relação aos cidadãos negros. Na escola estudada,

Cavalleiro (2003) encontrou educadoras que se disseram compromissadas com a profissão,

mas na realidade ignoravam as ações de discriminação, principalmente quando são

questionadas sobre as relações estabelecidas no cotidiano da pré-escola.

De forma silenciosa ocorrem situações no espaço escolar que podem influenciar a

socialização das crianças, apontando lugares diferentes na sociedade para negros e brancos. A

escola também oferece aos alunos negros e brancos oportunidades diferenciadas para se

sentirem aceitos, respeitados e positivamente participantes da sociedade brasileira.

De acordo com Cavalleiro (2003), a origem étnica condiciona um tratamento

diferenciado na escola. Com isso a existência de preconceito e de discriminação étnico no

espaço escolar, confere à criança negra a incerteza de ser aceita pelos educadores, compelindo

a ter vergonha de ser quem é, pois sente fazer parte de um grupo inferiorizado dentro da

escola, o que pode fragmentar sua identidade. À criança branca resta a compreensão da sua

superioridade étnica, irreal, e o entendimento da inferioridade, igualmente irreal dos negros.

No entanto, Cavalleiro (2003) aponta que não há como negar que o preconceito e a

discriminação são problemas que afetam em maior grau a criança negra, pois ela sofre direta e

indiretamente e cotidianamente, maus tratos, agressões e injustiças, afetando a sua infância,

além de comprometer todo seu desenvolvimento.

Questões como estas, mesmo não se referindo ao adolescente negro, me permite

refletir sobre o contexto da escola privada, uma vez que este espaço é composto por

61 Doutora pela Faculdade de Educação da USP (2003), pesquisadora dos seguintes temas: Racismo,

preconceito, discriminação racial, diversidade e inclusão educacional.

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adolescentes brancos, em sua maioria, ou seja, as marcas deste branqueamento e de negação

do negro estão postas desde muito cedo. E nunca é demais frisar que:

[...] a escola, como uma instituição social, é construída por sujeitos socioculturais (reconhecimento que fornece visibilidade ao fato de que alunos, famílias e professores vivenciam diferentes processos nas suas relações com o mundo do trabalho e da escola), tratando-se, portanto, de um espaço que abriga a diversidade étnico-cultural. De uma instituição que acolhe sujeitos crianças, adolescentes e adultos; homens mulheres que cultivam o sentimento de pertencer a determinados e diferentes grupos sociais, religiosos e políticos que estão expostos a outros meios de informação, e que levam para a escola suas visões de mundo e de homem, seus valores morais, religiosos, tradição e preconceitos. (TOSTA, 1998, p.19).

O depoimento da professora branca, Marília, provoca reflexões sobre como o sentido de pertencimento pode ser confuso:

Assim eu tenho uma menina da 9º série é negra também, ela entrou aqui depois que já tinha começado o ano, uma menina fantástica! Levadíssima! Linda também! Um espetáculo! Líder! Negativa! Não porque ela seja negra... Porque assim ela vive um momento que não quer construir com ninguém... Que não sei o que e tal! E uma menina que eu tive que aprender a lidar com ela! Se posiciona defende idéia e tal! Todo mundo tem a sua essência e a turma é fantástica! A turma a ajuda rever a atitude dela. Então eles falam “ou, não é assim”! “Ah... Só podia ser você”, “Ah não, fica quieta que isso aí que você está falando não tem sentido! Não no sentido de desrespeito... E poderia usar, Ah... tá, ela é negra e tá querendo criar confusão na turma, não! [...] chegam nela ajudam no estudo, tem umas mais próximas que chamam a atenção dela, conversam com ela, eu mesmo conversei várias vezes, com outras colegas perto brancas, ela falando também: Ah ... professora ... Mas tá errado, ela fala assim. Mas tem coisa que você está dentro de uma instituição, você tem que ter limites, você tem que saber respeitar , hora disso daquilo (Professora branca Marília).

Ambigüidades e inseguranças são características próprias da adolescência. Mas como

a escola, os colegas e professores, receberam está estudante? Por essas questões convém

refletir que sendo as instituições escolares, espaços de integração social, demanda que suas

práticas pedagógicas tenham também por objetivo a promoção da integração, bem como o

respeito de todos aqueles que dela fazem parte.

Porém, a partir do depoimento da professora Marília, foi possível constatar certa

dificuldade no trato com a diversidade. Talvez possa afirmar que a escola sejam estas,

instituições públicas ou privadas ao desenvolver discussões acerca da diversidade cultural

existente na sociedade em alguns momentos acabam apresentando uma história distorcida e

carregada de estereótipos negativos. Chegando em certas situações a desconsiderar a imensa

contribuição dos diversos grupos culturais na construção, da história e da cultura desse país.

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Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico – raciais não são tarefas exclusivas das escolas. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam um espaço democrático, de produção e divulgação do de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante para a eliminação das discriminações e para a emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avanços, indispensáveis para a consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários (BRASIL, 2004, p.14-15).

Além disso, nunca é demais relembrar que a educação é um direito de todos e que o

espaço escolar deve estar preparado para receber todas as diferenças e desigualdades culturais.

Neste contexto cabe aos professores, educadores e pesquisadores, incorporarem práticas que

possibilitem a inclusão dos cidadãos negros na estrutura educacional, sendo necessário que a

escola reconheça as diferenças e as respeitem. Tais marcas, devem ser compreendidas como

parte de nossas vivências e não como algo extraordinário e distante de nossa realidade.

4.3 Outra coisa que eu acho insuportável é essa política de cotas!

Durante conversas e entrevistas com professores, coordenação pedagógica e

adolescentes, embora não fosse objetivo desse estudo, a questão das cotas para os cidadãos

negros nas universidades apareceu com freqüência em seus discursos. Por isso, considerei

relevante trazer os posicionamentos desses sujeitos para essa pesquisa, já que à maioria dos

entrevistados mostrou “incomodado” em relação a essa questão, chegando até mesmo a

proferir argumentos carregados de preconceito, conforme aparecem na fala abaixo:

Você viu? Estávamos em uma reunião na UFMG, reunião da COPEVE, e quando começaram a falar sobre cotas, simplesmente colocamos “Nossos alunos não precisam de cotas”, pois de acordo com o regulamento as cotas não se estende aos alunos de escola privada. Mas na verdade isso para mim não vale de nada, pois para mim esse negócio de cotas só vai beneficiar alunos de escola pública como o CEFET e COLTEC, os alunos de outras escolas públicas não chegaram nem na porta da UFMG. Por isso que eu não sou de acordo em relação a esse negócio de cotas para negros. [...] (Coordenação Pedagógica).

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Na verdade, não foi a primeira vez que ouvi comentários dessa natureza, já que no

início da minha estada na escola, ao colocar o objetivo de minha pesquisa, cheguei a ouvir

questões relacionadas ao sistema de cotas carregados de tons preconceituosos.

Muitos são os teóricos que se encarregam de fazer uma análise critica da importância

da implantação das políticas de ações afirmativas para a população negra, visando o acesso e

a permanência dos mesmos nos principais setores existentes em nossa sociedade, como

Gomes (2006), Munanga (2003), Henriques (2001), Wedderburn (2005), Jaccoud (2002),

Silva Júnior (2000), Theodoro (2005), entre outros.

As políticas de reparações e de reconhecimento e valorização de ações

afirmativas explicitam a exclusão social e o racismo que foi criado na cultura, no processo

educacional, político, cultural e histórico de nosso país. Assim, elas visam que o Estado e a

sociedade empreguem vários mecanismos que possam possibilitar a implantação de medidas

de reversão das desigualdades raciais, econômicas, políticas e sociais em nossa sociedade.

A respeito disso Jaccoud afirma:

As ações afirmativas são aqui entendidas como políticas que têm por objetivo a oportunidade de acesso dos grupos discriminados, ampliando sua participação em diferentes setores da vida econômica, política, institucional, cultural e social. Elas se caracterizam por serem temporárias e por serem focalizadas no grupo discriminado: ou seja, por dispensarem, num determinado prazo, um tratamento diferenciado e favorável com vistas a reverter um quadro Histórico de discriminação e exclusão. (JACCOUD, 2002, p. 67).

Ao se posicionar sobre o sistema de cotas para os cidadãos negros na universidade o

adolescente negro Bernardo defende:

Outra coisa que eu acho insuportável é essa política de cotas, porque essa política de cotas para mim é maior é... Tá demonstrando que o preconceito tá ali. Tá falando que negro de escola pública não tem capacidade de estudar o mesmo tanto que outras pessoas, eu acho que isso é a maior idiotice! Eu acho que tinha que melhorar o ensino da escola brasileira pra... É dar oportunidade para os negros entrarem. Isso para mim parece assim “Ah eles não tem oportunidade, ah eles são piores, não tem que ter cota para conseguir entrar na universidade isso para mim é maior idiotice do mundo. [...] vamos supor, mesma coisa de entrar um branco de escola pública, diminui o nível da faculdade, porque ele não teve uma base boa de estudo e normalmente quem entra na faculdade são os melhores que são selecionados pelo vestibular, aí acaba que diminui o nível da faculdade. Então eu acho que tem que melhorar o nível das escolas brasileiras, tinha que é ... focar nisso! Porque eu acho que essa é uma política que ia ser boa, porque essa forma de inserir negros eu acho que gera mais o preconceito. Eu acho que como o governo tá focando acabar com o preconceito eu acho que esse foco não é muito claro. (Estudante negro Bernardo) .

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Convém refletir que a inserção de qualquer cidadão no ensino superior não pode ser

compreendida apenas a partir do mérito acadêmico, pois a educação é e deve ser

compreendida como um direito de todos.

Outra questão apontada pelo adolescente é sobre a questão da “diminuição do nível da

universidade” ao receber estudantes de escola pública, bem como àqueles que são cotistas,

pois ao contrário do que se diz estudantes cotistas apresentam níveis satisfatórios de

desenvolvimentos acadêmicos, chegando até mesmo se sobressair melhor do que aqueles que

não são. Assim, ao analisar a fala do adolescente negro, Bernardo, foi possível refletir na

seguinte questão: Será que ele não está a reproduzir discursos do senso comum e da própria

família, como negro de classe média ? Uma vez que alguns cidadãos negros que se ascendem

na escala social não tendem a reproduzir o esquema de dominação, antes sofrido por eles?

O Brasil é um país onde o preconceito e a discriminação ainda vigoram, ou seja, os

cidadãos negros e brancos não são vistos a partir da desigualdade, pois o branco na maioria

das vezes sofre preconceito no que se refere a sua condição econômica, já o negro e

discriminado pela sua condição de ser negro e também sócio-econômica.

Embora a maioria dos sujeitos entrevistados tenham se posicionado contra ao sistema

de cotas, convém citar que alguns são à favor, apresentando como justificativa o seguinte

discurso, conforme aparece na fala do adolescente negro André:

É... Eu acho que é desfavorecido se comparada ao caucasiano, o negro é desfavorecido. [...] É eu acho que o sistema de cotas lá que eles estavam colocando, não é um racismo deles não! Porque se você pensar, colocando um exemplo dois cachorros, aí quando o cachorro é novinho você tira a pata de um desses cachorros aí, quando esses cachorros ficarem velhos um desses cachorros vão ser desfavorecidos se você não ajudar ele com alguma coisa ele nunca vai conseguir recuperar. Quando a escravidão do Brasil acabou em 1889, comecinho do século XIX, quase no século XX, não deram nada para os negros tipo, se viram aí, o racismo que eles sofreram, foram gigantesco, ou seja, eles sofreram prá caramba se refugiaram em favelas e hoje em dia eles são discriminados por causa disso. Então nada mais justo do que ajudar eles. (Estudante negro André).

As dificuldades históricas que a população enfrentou e ainda enfrenta no Brasil,

causou sérios problemas: raciais, sociais, econômicos e até mesmo psicológicos. Os

argumentos apresentados pelo entrevistado justificam do meu ponto de vista, que a políticas

de ações afirmativas, referindo-se especificamente às cotas para estudantes negros é uma das

formas de indenização para compensar as injustiças que sobrecarregam a população negra,

possibilitando, assim, uma maior mobilidade sócio- econômica destes na sociedade.

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De acordo com Henriques (2001), do total dos universitários, 97% são brancos, em

relação a 2% de negros e 1% de descendentes orientais. Acerca dos 22 milhões de brasileiros

que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros. Dos 53 milhões de brasileiros

que vivem na pobreza, 63% deles são negros (HENRIQUES, 2001). Nesse sentido, os dados

são irrefutáveis e mostram que as chamadas políticas universais não possibilitam mudanças

concretas para os cidadãos negros. Segundo Gomes (2005):

Até a década de 80, a luta do movimento negro brasileiro, no que se refere ao acesso à educação ,tinha um discurso mais universalista: mais escolas. acesso à educação básica e mais vagas na universidade para todos. Porém, à medida que o movimento negro foi constando que as políticas públicas de educação de caráter universal, ao serem implementadas, não atendiam a grande parcela do povo negro, o seu discurso e suas reivindicações começaram a mudar. É nesse momento que as cotas, que já não eram uma discussão estranha no interior da militância, emergem como uma possibilidade e, hoje, passam a ser uma demanda política real e radical. (GOMES, 2005, p. 40).

E por mais que o objetivo do sistema de cotas nas universidades esteja voltado para

esse propósito, ainda a “meritocracia” é forte nos discursos de muitos cidadãos, conforme

defende o professor branco Paulo:

Eu não sei se você vai levantar aqui a questão das cotas, eu sou contra! Porque, eu sou contra, porque está desmerecendo... Dá um ensino de qualidade público para todos... Entendeu? E põem para concorrer é igual, o problema é que não estão dando um ensino de qualidade. Aí é fácil fazer uma profecia, parece que está aparecendo que tá... Perái... Dá um ensino de qualidade que a maioria que in felizmente dos negros, por uma questão econômica estão em escolas públicas, estão em escolas públicas. E aí você não dá uma escola pública de qualidade, por que é fácil de dominar é fácil controlar entendeu? Dá uma escola pública... Por que qual a minha maior preocupação, você vai colocar o negro na universidade, mas não deu uma escola boa desde o primário, você tem evasão. [...] O negro em uma escola de engenharia que não teve... E entrou pela cota... Aí o que acontece... E mesmo esse bônus que também está dando de escola pública errado, entendeu? Por que não dá um de qualidade! Por exemplo quando eu estudava no colégio, tinha escolas públicas excelentes em BH/MG, Marconi e Estadual Central, eram escolas excelentes, competiam com a gente do mesmo jeito nos vestibulares passavam ... Os meninos passavam nas faculdades com notão! Agora uma engenharia que é fácil de entrar, mas lá dentro é complicadíssimo aí o cara vai e sai? Que inserção você fez? Ah... nós vamos fazer inserção, inserção e ele formar e ele ter condições de desenvolver, crescer, isso para mim que é inserção! Não é só entrar na faculdade não! Isso para mim é uma lei para inglês vê entendeu? [...] não funciona você tem que dar qualidade, não é número, não é quantidade de... Negro ou de pobre na faculdade, educação de base boa, aí ele sabe, ele fez o ensino fundamental bom, o ensino médio bom e ele vai concorrer de igual para igual com todos os outros. Aí se ele entra, ele não sai e na hora que forma tem empregos bons . Agora o que acontece se não dar ensino bom para eles, ele vai entrar em cotas no meio do curso ele não consegue, por que ele não aprendeu nada na escola média, não consegue raciocinar, não consegue desenvolver ou se consegue o diploma, não consegue uma profissão e aí o que adianta? (Professor branco Paulo).

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Em outros termos, Paulo diz da necessidade de mudanças na qualidade das escolas

públicas, proposta mais cabível, porém, diante das contradições presentes na educação

brasileira, não podemos negar que tal proposta não será resolvida de imediato. Com isso, as

ações afirmativas em destaque para as cotas em benefício dos cidadãos negros é um dos

instrumentos mais rápido de transformação social, principalmente no processo de mobilidade

sócio-econômico, aspecto que também contribui com a desigualdade racial. (MUNANGA,

2003).

Convém refletir que o sistema de cotas seja implantado de forma mais ampla, a médio

e longo prazo, estando articulado com as políticas de permanência, pois, não basta inserir os

estudantes nas Universidades, é preciso proporcionar condições para que eles possam

desenvolver seus cursos com sucesso e tranqüilidade, de forma que não haja interrupção em

sua vida acadêmica.

De acordo Silva Júnior (2000):

Noutro termos: Uma sociedade como a brasileira, desfigurada por séculos de discriminação generalizada, não é suficiente que o Estado se abstenha de praticar a discriminação de suas leis. Vale dizer, incube ao Estado esforçar-se para favorecer a criação de condições que permita a todos se beneficiar da igualdade de oportunidades e eliminar qualquer fonte de discriminação direta ou indireta. A isso se dá o nome de ação afirmativa, ou ação positiva, compreendido como comportamento ativo do Estado em contraposição à atitude negativa passiva limitada à mera intenção de não discriminar. (SILVA JÚNIOR, 2000, p. 64).

Embora existam justificativas históricas cabais para a importância e a necessidade do

processo de implantação de Políticas de Ações Afirmativas, tais medidas despertam várias

polêmicas, com destaque para o sistema de cotas, conforme aparece nas falas dos sujeitos que

contribuíram com esse estudo. Penso que, boa parte desses posicionamentos contrários, pode

está relacionada a certo “receio” das pessoas em relação a uma possível “democratização” das

universidades públicas. Na fala da adolescente branca Paula:

[...] com certeza priorizo a universidade pública rs ... rs ... rs E é meio sacanagem depois dos meus pais ficarem pagando onze anos escola particular e a gente ter que tentar [...], que é uma escola boa. Mais também tem que pagar! A gente vai para a Federal que também é uma escola boa e é pública. (Estudante branca Paula).

Sabemos que na sociedade brasileira nunca existiu uma verdadeira democracia racial e

social, mas sim um contexto de desigualdades, exclusão, discriminação e marginalização,

impedindo que os negros tenham acesso aos principais setores que constituem a nossa

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sociedade, como no caso do acesso à universidade. Lembrando que as políticas universais não

atingem os grupos que estão à margem da sociedade, como no caso dos cidadãos negros.

A adolescente negra Gabriela defende:

[...] eu tenho uma amiga que ela é branquinha, ela é muito branquinha, aí a gente discute coisas de... Tipo esse negócio de cotas para negro, ela é muito contra! Eu falo você não é preta né? Se você fosse é... Se você fosse preta você gostava! [...] escola pública 90% dos caras são negros! Lógico que tem os brancos, não to falando que não tem brancos pobres, tem um tantão altas pessoas brancas pobres por aí... Mas têm muito mais negros... E escola pública é uma bosta! [...] é triste de ver! [...] várias universidades, ver quantos negros tem lá, 1% que tá li ninguém é negro na universidade, universidade só tem gente rica, que é quem consegue pagar escola particular e tal. Fez cursinho, sei lá! Aí o povo negro assim... Eles não tiveram estudo e tal! Sei lá, cota para negro e meio... É uma forma de preconceito, todo preto é burro? Não é isso, mais é porque a escola pública é péssima. E quando eles entrassem o povo fala assim que a escola vai ficar pior... Assim se entrasse os negros que ia até diminuir o nível da escola não! Por que eles tem uma oportunidade para aprender e vencer na vida ... Tá precisando de vencer na vida. (Estudante negra Gabriela).

Para finalizar este capítulo, como a estudante entrevistada Gabriela, reafirmo a

necessidade de implantação de ações sociais que possam inserir de forma efetiva esses

cidadãos que foram excluídos historicamente de vários espaços sociais, incluindo-os de forma

real em espaços onde estes raramente tem acesso.

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5 NOTAS SOBRE A IDENTIDADE: AS FALAS NA PESQUISA

A discussão sobre a identidade apresenta certa complexidade, pois, conforme afirma

Munanga (2006) “[...] a identidade apresenta uma dinâmica inesgotável no tempo e no espaço

e [...] algumas explicações e conclusões que podem tirar sobre seu estudo serão sempre

provisória” (MUNANGA, 2006, p.02). Assim, para a discussão que se segue, o conceito de

identidade foi amparado em pesquisadores que discutem o conceito de identidade a partir de

uma perspectiva da antropologia social.

A identidade deve ser compreendida como um processo político, cultural e social que

se constrói a partir das relações sociais, ou seja, família, grupos de amizades, escola etc.

Nessa perspectiva, Silva (1987) defende: “a identidade de cada um, então, está vinculada a

uma classe, um grupo social, uma comunidade que a afirma e confirma” (SILVA, 1987, p.

142). Nesse sentido a identidade pressupõe uma relação entre: sujeitos sociais, sociedades e

culturas. Haja vista que, na constituição de uma identidade, seja ela qual for essa está

relacionada em compreender a si mesmo, o outro, bem como conhecer a identidade do mundo

exterior e ser compreendido (TEODORO, 1987). Munanga (2006) entende a identidade como

[...] uma realidade sempre presente em todas as sociedades humanas. Qualquer grupo humano, através do seu sistema axiológico, sempre selecionou alguns aspectos pertinentes de sua cultura para definir – se em contraposição ao alheio. A definição de si (auto-definição) e a definição dos outros (identidade atribuída) têm funções conhecidas; a defesa da unidade do grupo, a proteção do território contra os inimigos externos, as manipulações ideológicas por interesses econômicos, políticos, psicológicos etc. (MUNANGA, 2006, p.17).

As identidades são construídas a partir de uma perspectiva histórico-cultural, seja ela

étnico-racial, de gênero ou de classe. Com isso, os sujeitos culturais, ao se reconhecerem em

cada uma dessas, respondem afirmativamente a uma interpelação, estabelecendo assim um

sentimento de pertencimento a um determinado grupo social. Sendo um processo que

apresenta várias complexidades, pois essas múltiplas identidades podem cobrar dos sujeitos

lealdades distintas e divergentes, além de contradições (GOMES, 2003). Dessa forma,

convém acrescentar que:

A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros. É um fator importante na criação das redes de relações e de referências culturais dos grupos sociais. Indica traços culturais que se expressão através de práticas lingüísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições

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populares referências civilizatórias que marcam a condição humana (GOMES, 2003, p, 41).

Na interação do “eu” com o “outro” é transmitido uma imagem identitária que pode

ser aceita ou recusada, com isso a identidade passa por um processo constante de identificação

do “eu” com o “outro”, e do “outro” com o “eu”. Assim, o olhar em relação ao “outro”

contribui com o surgimento das diferenças, resultando na constituição de uma identidade

(D’ADESKY, 2005). Já que, ao compartilharmos a nossa identidade com o “outro”,

estabelecemos também aquilo que nos é próprio, ou seja, aquilo que nos diferencia de outros

sujeitos de cultura. Com isso, torna-se necessário compreender que a marca da diferença é um

fator presente no processo da construção identitária, pois a formação de uma identidade, se dá

através da diferenciação (MOREIRA; MACEDO, 2002).

Toda a identidade é construída a partir das referências concretas de um determinado

território, assim no caso da identidade ocidental, constata-se que a mesma apóia-se em um

território dito “europeu”, mas que na realidade não passa de uma sedentarização no império

propulsionada pelo capital. Assim, a consciência branca do homem ocidental, defende a

marcação própria de seu território. Afirmam a sua hegemonia a partir da dominação, já que as

identidades são construídas no interior de relações de poder assimétricas, com isso eles

acabam escondendo no essencialismo absolutista da pele a relação histórica de poder, tanto as

situações imperiais ou coloniais, quanto as condições sociais para a hegemonia

socioeconômica de um determinado grupo real, bem como aqueles ligados à civilização

européia. (SODRÉ, 1999). Esse mesmo autor leva a refletir que:

No trabalho, na vizinhança, no clube, na escola, no hospital, na mídia, no relacionamento dos corpos, é preciso que a alteridade se faça presente de modo prolongado e convivial. Não o “convivialismo” tolerante ou orgiástico – muitas vezes exaltado no quadro de pensamentos impulsionados pela “liberação” mercadológica das consciências -, mas a efetiva partilha dos territórios, que, entretanto se choca freqüentemente com as estratégias elitistas doa blocos hegemônicos no Estado, sempre tendentes a jogar com as desigualdades de classe e de cor para lidar com as múltiplas formas da movimentação popular. (SODRÉ, 1999, p.262).

Convém destacar que o sentimento de pertença de uma identidade, seja ela qual for,

implica na aceitação de uma origem e na recusa da ideologia do branqueamento, impregnada

de valores eurocêntricos. Tais ideologias levam à legitimação e à dominação de um grupo

étnico-racial que se julga “naturalmente” superior e que tenta promover uma homogeneização

da sociedade de modo a favorecer-lhe.

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5.1 É... Eu queria que meu cabelo fosse aquele que atrapalhasse no vento e molhasse na

água...

Retomando os objetivos desta dissertação a pesquisa buscou analisar o processo de

construção da identidade de adolescentes negros de classe média e alta, matriculados e

freqüentando regularmente o ensino médio em uma escola da rede privada de Belo

Horizonte/MG. Partindo do pressuposto de que a escola é um dos espaços privilegiados para

se observar como construções identitárias ocorrem em meio a dinâmicas de socialização e

aprendizagem, especialmente, identidades étnico-raciais em contextos onde a presença de

alunos negros é, historicamente, muito pequena.

Esta realidade remonta ao século XIX, quando foi editado o Decreto n. 1331, de 17 de

Fevereiro de 1854, que estabelecia que nas escolas públicas do país eram proibido a entrada

de escravos. No caso da previsão de instrução para os adultos negros, dependia da

disponibilidade de professores, para a sua inserção. O Decreto n. 7.031 – A, de 6 de setembro

de 1878, estabelecia que os negros somente podiam freqüentar as escolas no período noturno.

Essa legislação excludente e preconceituosa apontava para o futuro as estratégias utilizadas

pela elite política branca, para impedir aos negros o acesso pleno nas escolas. (Diretrizes

Curriculares Nacionais pra a Educação das Relações Étnico-Raciais, 2004).

Por mais que seja complexo o processo de construção da identidade étnico-racial dos

cidadãos negro, esse é um dos fatores determinantes da visão de mundo, da representação de

si mesmo, do outro, do relacionamento na família, nos grupos de amizades, vizinhança, na

trajetória escolar, profissional, bem como, em espaços onde os valores pertencentes ao grupo

negros são preservados (movimentos negros, terreiros de umbanda, grupos de dança etc.).

Lembrando que esse processo como posto na cultura é dinâmico e mutável a partir das

relações sociais e da inserção no mundo (GOMES, 2003).

A identidade negra entendida neste estudo diz respeito a:

[...] uma construção social, histórica, cultural e plural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmo, a partir da relação com o outro. Construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar – se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros brasileiros. Será que, na escola, estamos atentos a essa questão? Será que incorporamos essa realidade de maneira séria e responsável quando discutimos, nos processos de formação de professores, sobre a importância da diversidade cultural? (GOMES, 2003, p. 171).

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Nesse sentido, convém destacar por que falar de uma identidade negra. Munanga

(2006) responde a essa questão, defendendo que aqueles que apresentam a cor de pele branca

e amarela, não passaram pelo processo de exploração, como no caso dos negros descendentes

dos povos africanos. Lembrando que estes foram capturados de seu território de origem para

serem escravizados nas Américas, sendo separados de seu mundo, dos seus laços familiares,

bem como, de seus valores culturais. Esta é uma realidade que se difere a dos imigrantes

japoneses, italianos e árabes, que saíram de seus países por decisões próprias, além de terem a

influência da realidade econômica, social, política e histórica interna e internacional da época.

Mas também não podemos negar, como afirma o pesquisador, que esses cidadãos

também passaram por processos de ruptura, dificuldades sociais, de adaptação e econômicas

nesse novo território. “Mas em nenhum momento a cor de sua pele clara foi objeto de

representações negativas e de construção de uma identidade negativa, que embora

inicialmente atribuída, acabou sendo introjetada, interiorizada e naturalizada pelas próprias

vítimas da discriminação racial.” (MUNANGA, 2006, p. 01-02). É importante trazer a fala do

adolescente negro Bernardo:

[...] normalmente o preconceito com o branco acontece assim, por causa da condição financeira, acaba que ele não tem essa questão nossa ... você é branco e tal ! E não vai sofrer preconceito. Acaba que como a gente é às vezes negro, a gente sofre o preconceito mais assim [...] o povo sempre teve problemas por causa de cor de pele, acaba tendo maior identificação, acaba que não vê que o comum ... o preconceito vêm da pele sabe ? Uma coisa ridícula aí... Mas é vem por causa da pele, por isso que tem esse negócio de orgulho negro e tal! (Estudante negro Bernardo).

As representações sociais em relação aos negros são carregadas de estereótipos

negativos, sobretudo, no que se refere à sua corporeidade (cor da pele, textura dos cabelos,

formato do nariz, boca). Nesse sentido, a concepção de identidade negra defendida por alguns

integrantes do movimento negro, cidadãos e pesquisadores, se dá no sentido de buscar a

valorização da “particularidade cultural negra” bem como a valorização do “orgulho negro”

que até então foi destruído pela estrutura racista presente na sociedade. Gomes amplia essa

discussão ao indagar as seguintes questões:

Quantas vezes não ouvimos frases como “O negro fede”; “O cabelo rastafári é sujo e não se pode lavá – lo; “ O negro que alisa o cabelo tem desejo de embranquecer”; “por que você não penteia esse cabelo pixaim”; “esses meninos de hoje usam roupas estranhas, parecem pivete”? Quantas vezes essas frases não são repetidas pelos próprios docentes, dentro de sala de aula, nas conversas informais e nos conselhos de classe ? Quantas vezes essas frases não são emitidas nos corredores das faculdades de educação e nas universidades ? (GOMES, 2003, p. 173-174 ).

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Laborne (2008) esclarece que a identidade negra é uma das possibilidades no processo

de construção da identidade étnico-racial. Assim, para compreendermos a identidade negra

torna-se necessário levar em consideração a forma com o categoria raça (no sentido

sociológico), opera na vida dos sujeitos sociais no caso das hierarquias presentes nas

instituições sociais como a escola, universidade, mercado de trabalho, mídia dentre outros

espaços. Diante dessa realidade, negros e negras vivem em um contexto de contradições

sociais, carregadas de preconceito e de discriminação racial, fatores que infelizmente estão

presente na estrutura social brasileira. Como afirma Lopes:

Nós recebemos uma lição perfeita de como ser negro no Brasil. Aprendemos a escamotear as nossas contradições. Surge, então, um problema enorme de identidade do negro que para sobreviver, tem que escamotear, mas também tem que enfrentar essa escamoteação. Esse é um problema difícil! É uma confrontação que cada um precisa fazer consigo mesmo e que é dolorosa! Ser negro no Brasil [...] é viver em conflito permanente: dentro da família, no meio social, no meio cultural, no meio profissional. É muito difícil conseguir se sair bem, conciliando vida pessoal, social e profissional. (LOPES, 1987, p.39).

Essa “lição” é oportuna para analisar as falas dos adolescentes, relativamente desses

sujeitos sociais e como isso interfere em suas construções identitárias. Convém relembrar que

no início da coleta de dados, devido à indiferença dos estudantes negros em relação à minha

presença nos tempos e espaços da escola nos quais desenvolvia minhas observações. Cheguei

mesmo a pensar que estes ao serem indagados sobre sua condição étnico-racial não se viriam

enquanto negros, devido as próprias dificuldades que atingem direto e indiretamente o modo

de vida desses cidadãos, mesmos em condição de integrantes de uma classe média e alta.

Mas é necessário levar em consideração que não é possível exigir que negros e negras

não tenham um discurso, em certos momentos, permeados de ambigüidades e contradições, ao

se referirem em questões relacionadas à sua condição, enquanto integrantes do grupo étnico-

racial negro (LABORNE, 2008), pois “Falar do lugar de classificação racial no contexto

brasileiro não é só falar de si. É falar de processos densos e tensos da construção da diferença.

Uma diferença étnico – racial que, [...] foi transformada em desigualdade” (LARBONE, 2008,

p. 30.).

Ao realizar as entrevistas, foi possível perceber que esses adolescentes negros de

classe média, apresentam aspectos de uma identidade negra positiva, embora em

determinados momentos tenham aparecido algumas contradições no que se refere à essa

identificação no referido grupo. Conforme pude constatar na fala da adolescente negra

Gabriela:

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Eu não sou preta! preta, preta, azul. Sabe aqueles pretos... pretos ... pretos rs...rs...rs... Eu falo que minha mãe salvou a minha cor, porque minha mãe e branca e meu pai é muito preto. Ah... meu pai é lindo ! Ele é muito fofo rs.. ...rs ...rs.. aí ... mesmo eu não sendo muito preta eu já sofri preconceito, altos ... não foi uma vez é ... é meu pai já sofreu muito com isso. O povo fala assim o brasileiro tem preconceito... é tipo assim por debaixo dos panos, mas nem sempre rs...rs...rs... nem sempre. (Estudante negra Gabriela).

Durante a entrevista essa aluna apresentou em sua fala aspectos positivos de uma

identidade étnico - racial negra, além de uma consciência no que se refere à condição social

do negro no contexto social brasileiro. Ao mesmo tempo é importante dizer, que a estudante

ao discorrer sobre à sua condição negra, e da presença de sua mãe branca em sua formação foi

possível identificar que seu argumento apresentava aspectos contraditórios como a afirmação

que, sua mãe (branca) “salvou” à sua cor, já que seu pai é “muito preto”. Gomes (2007b)

explica:

É importante lembrar que a identidade construída pelos negros brasileiros (pretos e pardos) se dá não apenas por oposição ao branco, mas, também, pela negociação, pelo conflito e pelo diálogo com este e outros grupos étnico – raciais. As identidades e as diferenças implicam processos de aproximação e distanciamento. Nesse jogo complexo, vamos aprendendo, aos poucos, que os contornos da nossa identidade são estabelecidos pelas diferenças e pelo trato social, cultural, histórico e político que estas recebem durante seu percurso na sociedade. (GOMES, 2007b, p.98)

Nesse sentido, convém citar que as relações étnico-raciais, no contexto social

brasileiro, é permeada, sim, de complexidades, destacando a questão da identificação dos

sujeitos negros enquanto integrantes do grupo negro, uma vez que o processo de afirmação da

negritude não é processo simples, e não se pode negar que um dos motivos para isso são as

representações sociais negativas que foram construídas ao longo processo histórico em

relação aquele que não apresentava característica físicas do branco.

Segundo Laborne (2008),

A identidade racial diz respeito ao lugar ocupado pelos sujeitos no contexto das relações raciais. É importante não nos esquecermos desse aspecto. Portanto, ela não é uma construção que surge do vazio. É o próprio contexto das relações raciais que possibilita a sua existência. A identidade racial se aplica a negros, brancos, pardos e mestiços morenos, entre outros. Enfim, àqueles cuja à classificação de cor é construída no contexto histórico, social, cultural e político das relações raciais no Brasil. Ela ocupa esferas públicas e privadas da vida social e coloca em ação a relação do sujeito com o mundo em um contexto específico das representações sociais, a saber, aquele em que a corporeidade de um sujeito é considerada como forma de expressão ou não, de aproximações ou não de uma ancestralidade negra e africana e a intensidade da mesma. Estamos, portanto, no campo das representações sócio-raciais e do seu peso na vida dos sujeitos e da sociedade. (LABORNE, 2008, p. 29).

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Posso afirmar que, nesse processo contraditório, as famílias possuem uma função

primordial, cabendo a elas introduzir em seus processos de socialização assuntos que digam

respeito à questão racial, propiciando o debate de toda a sua complexidade, não construindo,

assim, uma “cápsula protetora”. Tal capa na realidade que na realidade contribui para o

retardamento da questão, como também, com uma falsa proteção frente aos problemas que

serão enfrentados pelos filhos. Como me disse a adolescente negra Ana:

[...] minha mãe... Meu pai é branco e minha mãe é negra, só que eu fico pensando que negro não é só a cor da pele né ? É cultura e raiz [...] eu conversei com minha mãe, com meu pai assim ... eu percebo que ser negro não é você ter pele um pouco mais clara um pouco mais escura, é sentir, você tem que sentir que tem uma raiz, é uma coisa por dentro assim que se identifica com alguma coisa, eu vejo assim [...] (Estudante negra Ana 1).

Mas a família também pode interferir de forma negativa, no processo de uma

identidade étnico-racial, como disse a adolescente negra Juliana:

[...] infelizmente eu sofro maior preconceito dentro da minha família sobre a questão do negro, mesmo assim de... De eu me assumir uma pessoa negra, por que a minha família é negra, mais ela não se assume, e o fato de eu assumir, isso é meio... É meio complicado para eles aceitarem. Incomoda por que assim, para eles, ah... Eles se consideram negros, mas... É aquela coisa assim, sou negro, mas não queria ser, entendeu? Se eu pudesse eu não seria, é mais ou menos isso [...] ah ... Como que já me chamaram... A minha família tem um tal de bico de anu sabe? Aquele pássaro que tem um bico assim... Anu. É um preto, então! Já me chamaram de bico de anu, entendeu? (Estudante negra Juliana).

Para uma melhor interpretação do depoimento de Juliana, considero válido trazer

Goffman (1982), um dos expoentes da corrente denominada de interacionismo simbólico, em

seu estudo sobre estigma. Partindo do princípio que a sociedade estabelece os meios de

categorizar as pessoas e os atributos considerados como comuns e naturais para os membros

de cada uma delas, quando uma pessoa “estranha” é apresentada, seus primeiros aspectos

permitem prever a sua categoria, seus atributos, como também a sua “identidade social”.

[...] capacidade de uma família e, em menor grau, da vizinhança local, em se constituir numa cápsula protetora para seu jovem membro. Dentro de tal cápsula, uma criança estigmatizada desde o seu nascimento pode ser cuidadosamente protegida pelo controle de informação. Neste círculo encantado, impede-se que entrem definições que o diminuam, enquanto se dá amplo acesso a outras concepções que levam a criança encapsulada a se considerar um ser humano inteiramente qualificado que possui uma identidade normal quanto a questões básicas como sexo e idade. (GOFFMAN, 1982, p.42).

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Nesse processo, cria – se uma “identidade virtual” que é diferente dos atributos que a

pessoa possui. Assim, ao apresentar um atributo diferente, do que aquele que foi construído, o

cidadão passa a ser diminuído, e seu atributo é considerado como estigma. Sobre essa questão

as palavras do adolescente negro Bernardo, permite refletir sobre essa questão, pois ele afirma

que:

[...] uma única vez que eu sofri preconceito foi na segunda série na escola que eu estudei há muito tempo atrás, mais foi assim o menino já era problemático, [...] ele me chamou de frango defumado, aí eu fiquei muito irritado, aí eu fui brigar com ele. A única vez eu... Eu realmente, eu não ligo... Eu acho assim que, por exemplo, a gente tem que ser superior, todo mundo tem os mesmos direitos. E se a pessoa está falando isso tem que ter dó dela [...] Então porque que eu vou caçar briga! Eu vou? Gente... Deixa... Ela falando, sabe! Pois é, gente pequena, cabeça fechada. (Estudante negro Bernardo).

Na visão goffminiana, a identidade está relacionada ao estigma, podendo ser entendida

como uma marca que as pessoas carregam por toda a vida. Neste caso uma pessoa pode

transmitir informações sobre sua identidade social, mesmo contra sua vontade. Sendo

informações de natureza reflexiva e corporificada, ou seja, o corpo se expressa através de uma

linguagem não-verbal, que se exprime também, através de signos, podendo confirmar

informações que se referem à identidade social de uma pessoa, como no caso da cor da pele,

que é um símbolo de natureza permanente, termo defendido por Goffman (1982).

Nos primeiros momentos da entrevista percebi que Bernardo estava de certa forma,

meio “incomodado”, digo isso devido ao seu comportamento meio “agitado”, quando iniciei

as perguntas. Cheguei até mesmo a refletir que um dos motivos que o levou a se comportar

dessa forma, foi o próprio assunto que até então estava sendo tratado na pesquisa. Uma vez

que não é possível negar, que existe toda uma resistência em se tratar de questões

relacionadas ao grupo étnico-racial negro.

No início da entrevista, Bernardo afirmou desconhecer a existência do preconceito em

relação ao negro em espaços onde predominam uma classe média e alta, condição social ao

qual o estudante pertence. Assim, ele afirma que:

A questão é que na sociedade em que eu freqüento, eu não costumo ver, porque é... Eu acho que como eu freqüento uma sociedade média para alta, aqui é mais, aqui e mais... Não que seja controlado, ainda existe mais é menos, como e que você falou? Explícito do que no resto da sociedade. Acho que em outros... Outros níveis sociais devem ser mais explícitos. (Estudante negro Bernardo).

“O dinheiro embranquece”? Está é uma pergunta feita ao discurso de Bernardo, dada a

existência no senso comum de que negro que é rico não sofre preconceito. Mas a continuidade

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de entrevista com o aluno, ele próprio apontou situação de discriminação racial vivenciada

por ele em região nobre de Belo Horizonte / MG e que mostra que o preconceito em relação

ao negros no Brasil não se resolve com sua ascensão social. Segundo ele,

[...] teve uma vez que no ônibus que eu sentei... eu não lembro, eu não lembro ! ... e que faz muito tempo, eu estou lembrando nisso aqui agora. No questionário eu nem coloquei. Eu peguei o ônibus tinha uma mulher que estava com uma criança no colo, uma mulher branca, com uma criança sentada no colo, ai eu sentei, ai ela chegou para mim e falou com o filho vamos sair daqui porque tem um pretinho do meu lado. Aí eu falei é... Pode ir embora é bom que sobra lugar para mim, não devo nada não ! Foi na região do Mangabeiras, pois é, eu acho isso um absurdo! (Estudante negro Bernardo).

Mas como a mulher saberia que ele era rico? Se sim, a reação seria a mesma?

Munanga (2010) apresenta um argumento muito esclarecedor sobre essa questão, pois afirma

que os negros que alcançam a ascensão social, na verdade, podem estar proporcionando a si

mesmo, bem como à sua família melhores condições de vida, como no caso: de uma educação

de qualidade, conforto, uma boa saúde entre outras possibilidades. Mas acreditar que o

dinheiro irá resolver o problema da discriminação, não é possível, pois a discriminação e o

preconceito racial continuarão existindo.

Munanga (2010) também chama atenção que “[...] Pode ser um milionário no Brasil,

porém, se for negro, é diferente. Se eu e você fôssemos milionários e visitássemos a periferia

de qualquer cidade brasileira, ninguém diria que éramos milionários, seríamos tratados como

são tratados os negros na periferia, inclusive pela polícia” (MUNANGA, 2010, p. 14 - 15).

Outra questão que merece ser destacada nessa pesquisa, refere – se ao posicionamento

desses adolescentes negros de classe média e alta, em relação à sua descendência africana, ou

seja, à sua corporeidade ao serem indagados sobre o que pensam sobre os seus corpos.

Novamente as palavras de Munanga (2010) são esclarecedoras:

[...] “nosso62” corpo e seus atributos constituem o suporte e a sede material de qualquer processo de construção da identidade. Através das relações “raciais” no Brasil como em outras partes do mundo marcadas pelas práticas racistas, aos negros foi atribuída uma identidade corporal inferior que eles introjetaram, e os brancos se auto – atribuíram uma identidade corporal superior. Ora, para liberta – se dessa inferiorização, é preciso reverter a imagem negativa do corpo negro, através de um processo de desconstrução da imagem anterior e reconstrução de uma nova imagem positiva. Ou seja, construir novos cânones da beleza e da estética que dão positividade às características corporais do negro. (MUNANGA, 2006, p. 15-16).

62 Referência à corporeidade negra.

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Ao longo das conversas que tive com os alunos negros da pesquisa uma das

características físicas que mais foi destacada por todos eles foi o cabelo. Conforme aparece na

fala do adolescente negro André: “Eu não tenho nada não, apesar de que eu queria que meu

cabelo fosse melhor. Eu queria que meu cabelo fosse aquele que atrapalhasse no vento e

molhasse na água, liso. [...] é uma questão de gosto”. (Estudante negro André).

André tem razão o cabelo apresenta aspectos marcantes em nossa sociedade, pois é um

“veículo de expressão, além de ser símbolo da resistência cultural”. Ademais o padrão de

beleza no Brasil aproxima – se das características físicas daqueles que são descendentes dos

povos de origem européia. Nas palavras de Munanga, ele recorda que

Desde a construção da ideologia racista, a cor branca com seus atributos nunca deixou de ser considerada como referencial da beleza humana com base na qual foram projetados os cânones da estética humana. Por uma pressão psicológica visando à manutenção e à reprodução dessa ideologia que, sabe – se, subentende a dominação e a hegemonia “racial” de um grupo sobre os outros, os negros introjetaram e internalizaram a feiúra do seu corpo forjada contra eles, enquanto os brancos internalizavam a beleza do seu corpo forjada em seu favor. (MUNANGA, 2006, p. 15).

A representação hegemônica no contexto social brasileiro diz que o “belo” é traduzido

pelas características perceptíveis nos cidadãos brancos, dentre essas características está o

cabelo. Assim o padrão socialmente aceito é “o cabelo liso” idealizado no “quanto mais liso

melhor”. Bernardo afirma:

Eu acho a cultura européia muito bonita! Como eu falei no negócio. Mas olha eu também sou muito bonito! rs... rs...rs Eu também sou muito bonito viu ?! Esse ano eu estou um pouquinho mais feio, porque eu não estou tendo tempo para mim, cuidar de mim melhor. Eu gosto muito do meu cabelo! Que é uma coisa diferente, mesmo não sendo uma coisa comum aqui, porque todo mundo tem o cabelo lisinho mais lisinho e tal! Eu mesmo... Eu não ligo! Assim de vez em quando fazem piada com o meu cabelo, eu também de vez em quando eu faço a propaganda do L’oréal paris, para mexer meu cabelo mesmo, mais eu gosto do meu cabelo, acho diferente, eu acho minhas feições... Minhas características físicas diferentes acho muito bonito, acho que combina! A mistura do meu pai e da minha mãe ficou uma coisa muito bonita rs. rs. rs . (Estudante negro Bernardo).

Na verdade o que eu propus a esses adolescentes foi uma reflexão em relação ao

processo de suas construções identitárias, de forma que estes olhassem para si mesmo e

refletissem sobre sua condição em quanto integrante do grupo étnico-racial negro, tendo a

escola particular, espaço de uma minoria negra como palco de todo esse processo, bem como

a condição social, enquanto integrantes de uma classe média/alta. Goffman (1982) diz:

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O momento crítico na vida do indivíduo protegido, aquele em que o círculo doméstico não pode mais protegê-lo, varia segundo a classe social, lugar de residência e tipo de estigma, mas, em cada caso, a sua aparição dará origem a uma experiência moral. Assim, freqüentemente se assinala o ingresso na escola pública como a ocasião para a aprendizagem do estigma, experiência que às vezes se produz de maneira bastante precipitada no primeiro dia de aula, com insultos, caçoadas, ostracismo e brigas. (GOFFMAN, 1982, p.42).

Acredito que tais reflexões contribuam para se entender como o cidadão negro toma

consciência do significado de seu pertencimento étnico-racial e da importância que está

condição apresenta em suas relações sociais, uma vez que representa a fonte do preconceito

que aparecerá em momentos em que sofrerem discriminação. Quando a condição racial é

abalada traz sérias decepções e choques de identidade. Nesse sentido é oportuna a fala da

adolescente negra Juliana:

Não... Teve uma vez que estava ali no Café vai, aí tem... Aí os meninos estavam comentando sobre o meu cabelo e tal, aí foi... Falou assim... Sabe aquela propaganda do Mon Biju? Me chama de Mon Biju, que não si o que, que não sei o que ... Aí o menino já falou assim, você pode falar assim na propaganda “me chama de Mon Biju ... nan, nan, nan” eu olhei assim para ele ... Por quê? Aí ele entendeu que eu não gostei aí ficou calado. [...] É um Bombril é a marca de um bombril, ele estava associando meu cabelo ao bombril. Eu virei e falei, porque que eu vou falar um tipo desses? A gente estava brincando de propaganda e tal! Aí ele falou assim ah... Você pode falar assim: Me chama de Mon Biju nan, nan, nan. E tem mais uma coisa, eu virei e falei porque que eu vou fazer isso, tipo eu não vejo significado no que você está fazendo, para mim não é assim, aí ele olhou assim, tipo ela não gostou... (Estudante negra Juliana).

O reconhecimento de uma identidade negra de forma positiva parece ser algo bastante

complicado em situações como estas, como diz Silva:

Para ter identidade e ser reconhecido, o negro abre mão de si mesmo e busca se espelhar no branco e nos conceitos da sociedade em que vive. A escolaridade é um fator importante para sua ascensão, isto é certo, mas o que se constata é que vencido essa etapa, ele mesmo anula, nega a cultura de origem. Sua luta torna-se individual, incorpora os valores socialmente aceitos mesmo tendo consciência da importância dos seus ancestrais para a configuração atual da sociedade. (SILVA, 2005, p. 38-40).

Frente a essa realidade, acredito que a concretização dessa identidade se articula a

partir do momento que os negros criarem consciência de que foram e são parte mais que

fundamental na construção da história do país, através do acesso aos meios educacionais e

institucionais, bem como de maior participação nas esferas políticas.

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5.2 Em relação à cor... Eu não sou uma negra... Assim, eu não sou preta!

Ao propor o estudo sobre os alunos negros de classe média no processo educacional

privado, é necessário compreender a dinâmica social em relação à ascensão sócio-econômica

dos alunos negros. Apesar da chamada “democracia racial,” interpretada por vários

intelectuais, a partir de Gilberto Freyre (1933), em “Casa Grande e Senzala”, a sociedade

brasileira, em sua concretude, não vive essa democracia. O que torna - se relevante

compreender como se dá o processo de socialização dos adolescentes negros de classe média,

no contexto da escola privada.

Ser negro no Brasil envolve construções sócio-culturais, sendo as próprias

contradições que constituem os sujeitos e, conseqüentemente, as relações que estes

estabelecem ao longo do processo histórico. O cidadão brasileiro independente da sua

condição étnico-racial percebe a diferença entre negros e brancos, seja na questão estética ou

na condição social e o que distingue esta diferença é que uns acreditam na diferença como

algo dado e imutável, enquanto outros entendem a diferença, como construída e naturalizada,

de forma a privilegiar um determinado grupo em detrimento de outro (SANTOS, 2007).

No Brasil das características físicas como a “cor da pele” é um dos fatores que

apresenta uma forte influência nas relações étnico-raciais. Sendo um determinante social que

não possui uma conotação no que se refere a uma origem, é sim a elementos relacionados á

aparência física, ou seja, aos aspectos corporais (PIZA, 2000). Nesse sentido, cito a afirmação

de Oracy Nogueira (1998), ao defender que o “preconceito no Brasil não é de origem, mas

sim de marca”:

Na vida social, em geral, os caracteres negroídes implicam preterição de seu portador quando em competição, em igualdade de outras condições, com indivíduos brancos ou de aparência menos negroíde. Conseqüentemente, o status ou o sucesso do indivíduo negroíde depende, em grande parte, da compensação ou neutralização de seus traços – ou de seu agravamento – pela associação com outras condições, inatas ou adquiridas, socialmente tidas como de valor positivo ou negativo – grau de instrução, ocupação, aspecto estético, trato pessoal, dom artístico, traços de caráter etc. (NOGUEIRA, 1998, p.200).

Independente desse quadro de exclusão e injustiça social, negros e negras precisam

buscar mecanismos que possam viabilizar a sua inserção no contexto social, de forma a

conquistarem o seu espaço. Mas o que ocorre é que nesse processo complexo, muitos

costumam abrir mão da sua negritude de modo a obter aceitação. Com isso, construiu-se na

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sociedade, várias nuances de cor, tais como: moreno, moreno-escuro, marrom-bombom,

mulato, escuro etc.; Como forma de negar à condição ao grupo negro, dificultando uma

possível construção de uma identidade mais definida. A adolescente negra Juliana em

entrevista afirmou:

[...] Eu antigamente não usava batom escuro pra... Tipo eu... Gente! Minha boca já é... Já é grande se eu passar um batom escuro vai aparecer mais ainda, entendeu? Com medo... tipo de não mostrar, não aparecer. Em relação a minha cor não, eu nunca tive, porque até mesmo eu acho que em relação a cor eu não sou uma negra, assim eu não sou preta! Entendeu? (Estudante negra Juliana).

Conforme foi discutido nesse estudo a cor da pele é uma das características humanas

perceptíveis que apresentam aspectos marcantes em nossa sociedade e utilizados para

classificar quem é negro e quem é branco no Brasil (GOMES, 2006). Assim, ao analisar a fala

da adolescente negra Juliana é possível identificar uma contradição em seu discurso, pois a

estudante auto-declara negra e, inclusive, chega apontar situações de discriminação e

preconceito vividas na família, bem como em outros espaços, como no caso da escola. Mas ao

mesmo tempo afirma que: “eu não sou uma negra, assim eu não sou preta!”.

A adolescente Juliana possui uma nuance de pele negra tipo miscigenado, ou seja,

mais claro. Devido a essa condição, no contexto social brasileiro existem cidadãos negros que

se comportam da mesma forma, haja vista que em nosso contexto social, existem “várias

gradações de negrura por meio das quais a população brasileira se auto-classifica nos censos

demográficos” (GOMES, 2006, p. 22). Sendo esta uma forma de buscar se distanciar da

condição étnico-racial negra.

Assim, é plausível dizer que a identificação racial no Brasil apresenta um caráter

relacional e até mesmo de “negociação”, pois depende do posicionamento de cada sujeito, de

quem pergunta do lugar onde está e da forma como as questões relacionadas ao grupo negro

são discutidas (na família, na escola, na universidade, no trabalho etc.) ou até mesmo

silenciadas (SCHWARTZ, 2001).

É preciso considerar que: “Durante gerações, a sociedade branca tem feito deles uma

imagem depreciativa à qual alguns [...] não tiveram força para resistir, pois introjetaram e

criaram uma auto-depreciação que hoje se tornou uma das armas mais eficazes de sua própria

opressão” (MUNANGA, 2006, p.05).

Souza defende que

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O negro que se empenha na conquista da ascensão social paga o preço do massacre mais ou menos dramático de sua identidade. Afastando de seus valores originais representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco como modelo de identificação, como a única possibilidade de torna - se gente. (SOUZA, 1983, p. 18).

O adolescente negro, Bernardo, diz que devido ao racismo presente em nossa

sociedade, os negros podem apresentar dificuldades de identificação ao afirmar a sua

condição negra, conforme ocorreu com ele:

[...] eu quando eu era mais novo eu passei por esse processo de... Identificação eu tinha um amigo... Meu melhor amigo era loiro, loirinho do olho azul, meu sonho, meu sonho era ter cabelo liso loiro, eu falei com minha mãe que ia pintar o meu cabelo, minha mãe perguntou eu falava. Eu via a foto do Michael Jackson e falava Nossa Senhora ele ficou branco? Eu também quero ficar! Entendeu? Eu achava que... Pelo menos os brancos não gostava de mim. Aí... Não tem nada ver meu Deus e fiquei... Eu era muito pequeno sabe? Eu tinha cinco anos sabe? E como eu estudava em escola ... eu acho que eu era o único negro, o único pardo para negro eu era o único. Como eu só ficava no meio de pessoas brancas, eu ficava assim... Eu achava estranho e falava eu tenho que adequar, sabe? Mas eu acho que a sociedade... Alguns negros devem ter dificuldade de identificar na sociedade, e eu acho que isso tem que ser resolvido de algum jeito, o governo tem que fazer deixa eu ver ... Publicar mais coisas de negro, tipo... Ah propagandas... Valorizar mais a figura do negro, porque o negro ele é muito desvalorizado, mito... Muito foco de tipo... Eu já ouvi altas piadas aqui no colégio. Eu andando aqui tipo assim ah... A pessoa é feia e ainda é preta! É eu já ouvi e acaba que negro fica como um... Um xingamento. Não, todo mundo tem as mesmas coisas, não tem nada a ver... Que negro é feio não, gente tem tanta pessoa muito bonita! E não é porque é negro é feio não, é beleza diferente né? (Estudante negro Bernardo).

Nessa perspectiva, a identidade étnico-racial deve ser compreendida como uma

sentimento de pertencimento a um grupo étnico, seja este negro, branco, ou indígena. E esse

posicionamento, positivo ou negativo, é reflexo de construções sociais, políticas e culturais,

bem como da própria história de vida que cada sujeito compartilha durante a sua vida. Gomes

afirma, que:

[...] a identidade construída pelo negro dá – se não só por oposição ao branco, também, pela negociação, pelo conflito e pelo diálogo com este. As diferenças implicam processos de aproximação e distanciamento. Nesse jogo complexo, vamos aprendendo, aos poucos, que a diferença estabelece os contornos da nossa identidade. (GOMES, 2002, p. 02).

No caso dos cidadãos negros, devido ao preconceito, exclusão e discriminação racial,

assumir uma identidade negra não é um processo tão fácil, sendo em alguns casos um

processo doloroso, sobretudo na vida daqueles sujeitos que estão ou estiveram em espaços

onde o grupo negro não é valorizado. Sendo assim, a identidade étnico-racial diz de uma

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consciência político/cultural, adquirida a partir de relações sociais com o “outro”, seja esse

sujeito pertencente a um mesmo grupo étnico-racial ou não.

5.3 O dinheiro dá poder!

Com o processo de abolição da escravidão no Brasil a problemática racial tornou-se

ainda mais complexa, pois o negro aparece como um fator dinâmico na vida social e

econômica, assim sua posição passa a ser reavaliada ideologicamente pelos intelectuais e

produtores de cultura.

E em decorrência desta suposta “integração” do negro na vida brasileira , tornou-se

possível a elaboração da idéia da fusão de três grupos raciais: negro, índio e o branco.

Entretanto está não foi uma conciliação simples, como não é até hoje com os debates sobre a

mestiçagem. Na medida em que nesta tentativa de costura de uma identidade nacional,

atribuiu-se a raça branca uma posição de superioridade na construção da civilização brasileira,

o negro e o indígena se apresentavam como entraves a esse processo civilizatório.

Com isso, estava posto um problema teórico fundamental para os “cientistas” do

período, como tratar a identidade nacional diante da disparidade racial. E assim que se viu o

elemento “mestiço” que, para os pensadores do século XIX, representou uma categoria

através da qual se exprimiu uma necessidade política e social, que era a elaboração de uma

identidade nacional. Munanga discute a seguinte questão:

A pluralidade racial nascida do processo colonial representava, na cabeça dessa elite, uma ameaça e um grande obstáculo no caminho da construção de uma nação que se pensava branca; daí por que a raça tornou – se o eixo do grande debate nacional que se travava a partir do fim do século XIX e que repercutiu até meados do século XX. Elaborações especulativas e ideológicas vestidas de cientificismo dos intelectuais e pensadores dessa época ajudariam hoje, se bem reinterpretadas, a compreender as dificuldades que os negros e seus descendentes mestiços encontram para construir uma identidade coletiva, politicamente mobilizadora. (MUNANGA, 2004, p. 54).

Neste sentido o mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais

encerrava para os autores da época os defeitos transmitidos através da herança biológica, tais

como: a apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral e intelectual, a inconsistência seriam

qualidades naturais do elemento brasileiro. A mestiçagem simbólica traduzia assim a

realidade inferiorizada do elemento mestiço concreto.

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Nesse contexto a miscigenação moral, intelectual e racial do povo brasileiro só poderia

existir enquanto possibilidade, já que o ideal nacional era uma utopia que só seria realizada no

futuro, com o “branqueamento da raça”. Acreditava-se que seria na cadeia da evolução social

que poderia ser eliminado o estigma das “raças inferiores”, colocando, politicamente, a

construção de um Estado Nacional como meta e não como realidade presente. Jaccoud afirma,

baseando-se em Hasenbal; Hofbauer que

O processo de produção e reprodução da desigualdade racial não corresponde a um fenômeno simples, seja em termos de causalidades ou de conseqüências. Se suas origens remontam ao processo histórico de afirmação da supremacia racial branca durante os quase quatro séculos em que o país conviveu com a escravidão, esse processo foi reafirmado em novas bases após a abolição. Em um primeiro momento a chamada teoria do branqueamento reorganizou a leitura da hierarquia racial da sociedade brasileira. Em momentos posteriores, onde a tese da democracia racial já se fazia hegemônica, a reprodução da desigualdade sustentou-se tanto nos entraves à mobilidade social dos grupos mais pobres, como nos mecanismos mais ou menos sutis de discriminação, onde as categorias negro e branco continuaram a ser utilizadas na sociedade brasileira, influenciando no processo de mobilidade, restringindo o lugar social dos negros e operando mecanismos de inclusão e exclusão. (JACCOUD, 2008, p. 133).

A sociedade escravista ao transformar o africano em escravo, definiu o negro como

raça, definindo seu lugar, a maneira de tratar e ser tratado, os padrões de interação com os

brancos, instituindo a relação entre cor negra e posição social inferior. Por essas questões e

por muitas outras o negro tendo que livrar-se da concepção tradicionalista que o definia como

inferior e submisso, não possuindo outra concepção positiva de si mesmo, o negro foi

obrigado a ter o branco como modelo de identidade ao buscar a sua ascensão social. (SOUZA,

1983). Ampliando esse debate, novamente as palavras de Munanga são esclarecedoras, pois

defende que:

A maior parte das populações afro – brasileiras vive hoje nessa zona vaga e flutuante. O sonho de realizar um dia o “passing” que neles habita enfraquece o sentimento de solidariedade com os negros indisfarçáveis. Estes, por sua vez interiorizaram os preconceitos negativos contra eles forjados e projetam sua salvação na assimilação dos valores culturais do mundo branco dominante. Daí a alienação que dificulta a formação do sentimento de solidariedade necessário em qualquer processo de identificação e de identidade coletivas. Tantos os mulatos quanto os chamados negros “puros” caíram na armadilha de um branqueamento ao qual não terão todos acessos, abrindo mão da formação de sua identidade de “excluídos”. (MUNANGA, 2004, p. 97).

Por isso que o negro, ao se empenhar na conquista de sua ascensão social, acaba

pagando o preço do massacre dramático de sua identidade, afastando de seus valores

originais, representados, fundamentalmente, por sua herança religiosa e cultural. O negro

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tomou o branco como modelo de identificação e como única possibilidade de “torna-se

gente”. Consistindo em um processo que esteve relacionado à assimilação e aos padrões

brancos, ou seja, uma história permeada de submissões ideológica e de renúncia de suas

identidades (SOUZA, 1983).

Analisando os discursos dos adolescentes negros de classe média, bem como de alguns

professores, (entre estes um professor negro) foi possível identificar em suas falas aspectos

que remetem à idéia de que os negros ricos não sofrem preconceito e discriminação racial, por

apresentar uma posição sócio – econômica favorável. Conforme afirmou o adolescente negro

André:

Eu acho que... Eu acho... Que no momento que o negro tivesse mais acesso ele iria conseguir mais poder aquisitivo. Tipo... Se eu pegar um negro que se veste mal e tem um carro ruim e pegar um negro que tem um carro muito bom e se veste muito bem, ele não vai sofrer qualquer tipo de racismo. O cara é poderoso tem dinheiro! (Estudante negro André).

Sobre essa questão, a fala do professor Paulo também merece atenção, já que afirma

que:

[...] a questão econômica e social é uma coisa que existe, e é uma herança que o Brasil tem. Eu tenho vários amigos e alguns deles concordam comigo, é negros, que no Brasil tem mais o preconceito social do que o racial é uma herança portuguesa que nós temos. Os portugueses eram assim, os portugueses tinham maior preconceito da questão social, por quê? O que acontecia quem é quem fazia o trabalho pesado que era o manual era o escravo, então o preconceito que agente cria em relação a questão do Brasil é um preconceito social. Quem é que faz o trabalho, os trabalhos de hoje no mundo capitalista é... Os trabalhos depreciativos... Entendeu? Então por exemplo só para comparar, se eu for mal arrumado no BH Shopping numa loja eu vou ser mal atendido, concorda comigo? Se você for bem arrumada, você vai ser super, bem atendida, o preconceito não é racial é social. Tem um professor aqui o [...] ele é negro e eu e o [...] Uma vez estávamos conversando sobre isso e ele concordou! E falou assim, aconteceu comigo: Uma vez eu estava em uma loja de imóveis e eu fui dar um cheque o povo da loja é... Pediu... Para mim, não pediu nenhum comprovante e nem nada. E o [...] anda na linha, de terno, todo alinhado, para o casal que estava do lado que não estava bem vestido, pediram, não o quê! Entendeu? A questão social eu acho que é muito forte dentro aqui, não só o colégio é uma questão do Brasil. (Professor Paulo).

Eu tive a oportunidade de entrevistar o professor negro Jorge, citado pelo professor

Paulo. Ao indagá-lo se os negros que compõem a classe média/ alta enfrentam situações de

preconceito e discriminação racial seu posicionamento foi o seguinte:

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[...] sofrem menos ou ás vezes nenhum, sofrem menos ou às vezes nenhum, então por isso que eu sempre liguei né? A questão do preconceito, não... Sei se essa frase e de um tanto repetitiva, mas o preconceito não é bem racial ele é social, então o negro inserido no mercado de trabalho. Assim, desde considerado de curso superior essas profissões ditas como aquelas é... Que para quais se devem freqüentar uma universidade, então, quando o negro se insere nessa classe eu percebo que ele não sofre discriminação por que, por aí eu acho Pollyanna uma coisa até mesmo delicada, por que ele passa, eu retomo aquilo que eu disse, ele passa a ser aceito, numa nova classe social e passa a se comportar como alguém dessa classe social, por que ele se viu aceito nessa classe. Então, ele passa a se comportar por uma questão até de esforço de afirmação, ele passa a se comportar como alguém dessa classe a ponto de nós ouvirmos, não sei se você já ouviu que muitos negros tem preconceito dos próprios negros que não pertence à classe social deles, não é? Então eu acho que vai dar uma diferença oceânica, entre negro que já se inseriu daquela que ainda não chegaram, mas a diferença no tratamento social é uma caso visível solta aos olhos, o negro ao volante de um carro, com um negro que anda á pé, tudo isso observado e, vamos supor aquele que está ao volante de um carro, aquele que tem um bom emprego ele é visto de uma forma e aquele que ainda não chegou a essa, a esse patamar da sociedade ele pode ser discriminado sim ! (Professor negro Jorge).

Porém, revendo as entrevista, sobretudo no que se refere aos depoimentos dos

adolescentes negros de classe média, essa idéia de que a ascensão econômica resolve o

problema da discriminação é questionada a partir de situações de preconceito e discriminação

vividas por eles mesmos. Como no caso do adolescente André para quem: “o dinheiro dá

poder”. Porém ele afirma ter passado por situações as quais foi discriminado. Conforme ele

conta:

[...] bom uma das experiências foi ser barrado pela polícia, perto de casa. É... Porque era Natal o índice de furto estava muito grande e a maioria das pessoas tinha o meu aspecto ai eu parecia um suspeito e foi motivo pra ...Num primeiro momento foi como se eu fosse um ladrão de verdade, depois que ele viu que eu era estudante ... Eu tinha os documentos da escola na minha mochila e ele mudou o tratamento. Teve outro caso, foi bem recente por sinal, foi no Diamonld, eu tava perto do carro que meu pai tinha acabado de comprar, aí eles acharam que eu ia roubar o carro, aí vieram os seguranças e tal, e eram cinco segurança. Esse tratamento foi muito pior, muito pior do que o da polícia. Eles chegaram derrubaram a gente. E a gente chamou a polícia, vamos processar o shopping e... Meu pai tinha acabado de comprar, era um HOGGAR, é a picape da Peugeot. (Estudante negro André).

Situações como estas narradas por André são importantes e leva a constatação de que

negros que ocupam a classe média e alta não desfrutam com tranqüilidade do reconhecimento

de sua posição social. O mesmo aconteceu com a adolescente negra Gabriela, ao transitar em

região nobre de Belo Horizonte/MG:

[...] que nem.. Eu saio aqui no bairro, tem gente que acha que eu sou empregada do povo aqui... Não moro aqui [...] o prédio que eu moro é um prédio de classe média alta, só que eu não pago assim, eu divido com minhas amigas. [...] é um pensionato minha mãe aluga por quarto. Na verdade se você for olhar só tem eu rs...rs...rs é. [...] quando eu ando com a camisa do Flamengo aqui todo mundo, todo mundo fica meio desconfiado, olhando... “Pará eu não vou te assaltar” rs...rs...rs (Estudante negra Gabriela).

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Essa desconfiança da sociedade diz de algo como estes “atores sociais estão fora do

lugar”, conforme afirma Figueiredo (2002). E o ditado popular, “negro rico é branco”, na

verdade, não apresenta nenhuma relação com a realidade dos negros em ascensão social, já

que esses em certos espaços comuns aos cidadãos brancos são vistos e tratados como

estrangeiros.

Outro aspecto que merece atenção é a idéia de embranquecimento social, pois existe

uma associação de que os negros que ascendem, incorporam valores do grupo étnico-racial

branco. Mas é preciso que essa questão seja analisada de forma mais cautelosa.

Conforme explica Figueiredo (2002), os valores culturais do grupo étnico-racial negro,

geralmente estão relacionado à cultura, às religiões de matriz africana, à dança e à culinária,

enquanto a cultura do grupo étnico-racial branco, de um modo geral é identificada a partir da

educação formal, da tecnologia, da política, bem como dos meios de informação. Sendo

assim, já que estamos inseridos em um contexto onde todos esses fatores estão presentes no

desenvolvimento da vida social, torna-se impossível não vivenciar também aspectos da

“cultura branca”. Com isso, completa a autora“embranquecer é, aparentemente inevitável”

(FIGUEIREDO, 2002, p.104)

Arriscaria afirmar que quase todos nós nascemos embranquecidos, visto que há uma predominância dos aspectos da cultura branca – se é que assim podemos denominá – la – em nossa sociedade, e só enegrecem ou se tornam negros ao longo dos anos os que optam por incluir em suas vidas os aspectos identificados com a “cultura negra” e se tornam curiosos em conhecer o seu passado e a sua história. (FIGUEIREDO, 2002, p. 104).

Diante dessa realidade, defendo, porém, que, independente de negros e negras

ocuparem ou não as chamadas classes média ou média alta, são cidadãos que jamais devem

esquecer da real condição da população negra na sociedade. Creio que buscar mecanismos,

sejam eles na militância negra, na família, espaços de amizades, escolas, universidades entre

outras possibilidades, podem contribuir com a afirmação da negritude, entendida aqui como

um discurso afirmativo que ressalta e se orgulha da cor ou da “raça”, numa fala positiva sobre

o ser negro; enfim um “discurso negro” individual, que pode ser vivenciado sem que participe

de uma comunidade negra. (FIGUEIREDO, 2002, p. 111). Só assim, poderá ocorrer a

afirmação de uma identidade negra, e o fortalecimento na luta por uma sociedade mais

igualitária, onde os negros e negras possam, de fato e de direito, ter acesso e ser respeitados

em todos as esferas da vida social.

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6 O QUE AINDA PODEMOS INTERPRETAR? ALGUMAS CONSIDER AÇÕES

GERAIS

Consciente de que a tentativa, nesta dissertação, foi a de manter a conversa entre teoria

e empiria desde o inicio da investigação proposta, e que tal empreendimento, se não realizado

plenamente, me permitiu ir tecendo ao longo do trabalho algumas análises conclusivas é que

retomo os objetivos dessa dissertação para tentar uma “conclusão”. Pois bem, o estudo buscou

analisar os processos de construção identitária de adolescentes negros de classe média e alta,

estudantes matriculados e freqüentando o ensino médio, em uma escola particular de Belo

Horizonte/MG. Tendo como pressuposto que a escola é um dos espaços privilegiados para se

observar como construções identitárias ocorrem em meio às dinâmicas de socialização e

aprendizagens.

Para isto, procurei investigar como os adolescentes negros interagem com seus pares

no processo de socialização no espaço escolar, de modo a analisar de que modos se

identificavam e/ou revelavam ter percepção da trajetória histórica do grupo étnico-racial

negro, se criavam alguma estratégia específica de convívio no espaço escolar por conta da sua

cor de pele, e se nestas dinâmicas que elementos articulavam no processo de construção de

sua identidade e se era possível perceber nestes elementos, aspectos de uma identidade negra.

A primeira consideração a ser destacada é que o desenvolvimento de estudos sobre

negros que ocupam as classes média e média alta, não é algo que se encontra com facilidade

no campo das discussões das relações étnico – raciais brasileiras. Fato que se destaca o estudo

realizado dado que recobre de alta relevância acadêmica e social a discussão que foi

desenvolvida nesta dissertação.

Acredito, ainda, que a escassez de pesquisas tematizando a classe média negra na

escola privada, se deve, também, a certo senso já naturalizado na própria academia, de que a

população negra no Brasil encontra-se nos extratos inferiores da sociedade e freqüentam

escolas públicas.

Se isso não deixa de ser verdade, basta olharmos os indicadores dos censos

demográficos mostrados nesta dissertação, não deixa de ser verdade, também, que, no quadro

de mobilidade social no Brasil, segmentos da população negra alcançaram a ascensão social.

Ainda que, defrontando-se com comentários que os “acusam” de terem “embranquecido”, ou

seja, de ter negado suas origens africanas para poder viver no “mundo dos bancos”. Mas o

fato é que a mobilidade social envolve negros, ainda que, estatisticamente, em uma escala

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muito menor que os brancos. Entendemos, então, que a pesquisa se justifica e, ainda que

preliminarmente, trás dados instigantes e importantes para os estudos sobre a questão étnico-

racial e a educação no Brasil, particularmente na cidade de Belo Horizonte-MG.

Um destes dados, por exemplo, é que a classificação étnico-racial dos estudantes é um

dado ausente nos registros da escola pesquisada. Tanto que foi necessário a pesquisadora

identificar os adolescentes negros que apresentavam sinais diacríticos relacionados ao grupo

étnico – racial negro a partir da heteroclassificação. E sobre isso convém citar que a análise

desenvolvida, aproximou da autoclassificação dos adolescentes ao se identificaram como

negros e pardos no questionário e nas entrevistas realizadas com eles no decorrer da

investigação.

Através da metodologia do estudo de caso associado com as observações livres

seguidas da observação sistemática e participante, uso de questionários e de entrevistas, foi

possível observar, descrever e, assim, reunir informações detalhadas sobre o processo de

socialização e interação dos adolescentes negros na escola, além de apreender a totalidade da

situação focada. Tudo isso viabilizou a compreensão da forma como esses adolescentes se

vêem enquanto negros de classe média e alta e os sentidos que estes atribuem ao lugar que

ocupam em uma escola de elite, ou seja, uma “escola de e para brancos”.

Se não houve nenhuma pretensão de nossa parte de esgotar a discussão que foi

proposta nesta dissertação, haja vista que a temática estudada apresenta certo ineditismo, é

certo que foram abertas várias possibilidades para estudos futuros. De todo modo, os dados

coletados, em diálogo permanente com as discussões teóricas, nos permite apontar algumas

conclusões.

A pesquisa revelou que estes estudantes apresentaram em seus depoimentos, posições

contraditórias sobre o “ser negro”, além de não ter acesso ao chamado “mundo negro”.

Embora, em certos momentos, estes tenham apontado em seus depoimentos posições que me

permitiram concluir que eles apresentam e valorizam aspectos da formação de uma identidade

negra, ou melhor, de identidades negras. E que tal processo de construção identitária

apresenta contradições, chegando, em alguns casos, ser mesmo doloroso. O que me leva a

refletir que não é possível pensar em uma única forma de ser negro, e sim em várias

possibilidades de se assumir a negritude e que esta não é uma construção fácil, isenta de

ambigüidades e de dor. Ou seja, falar de identidades é falar de aspectos cognitivos e de

aspectos afetivos que estão expostos nos depoimentos dos alunos nesta pesquisa.

A respeito do processo de socialização dos adolescentes negros com os brancos, a

partir das observações sistemáticas foi possível identificar uma certa “harmonia” entre estes e

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os colegas, especialmente nos momentos de recreação na escola. Todavia, em conversa com

os estudantes negros, constatei em suas falas que, de forma direta ou indireta, eles enfrentam

situações com os colegas que não são nada agradáveis, ao contrário, são preconceituosas,

como no caso de apelidos e piadas relacionadas às características físicas (cor da pele e textura

dos cabelos).

A explicação dos adolescentes sobre está questão de um modo geral ficou na idéia de

que isso é brincadeira dos colegas brancos, já que quem as faz são seus amigos e vindo deles,

não são ofensivas. O que contraria, em parte, as teses de Loureiro (2004), sobre a interação e a

conformação identitária de adolescentes em seus grupos de convivência. Ou seja, a “piadinha”

vinda de um colega do grupo, está isenta de preconceito na fala do colega negro! Quanto à

postura dos adolescentes brancos em relação aos negros, os discursos apresentam aspectos

ambíguos e preconceituosos, pois os qualificam como: “os mais tímidos”, “os mais

esforçados”, e “os que não se posicionam” frente às situações postas em sala de aula.

Analisando os depoimentos dos professores e coordenação pedagógica, de um modo

geral, eles defendem que nessa instituição todos os atores culturais que ali estão são

respeitados em sua totalidade, não existindo, assim, nenhuma dificuldade de socialização e

integração. Os princípios que norteiam o processo de ensino e aprendizagem estão em

constante diálogo com a solidariedade e o respeito ao outro, disseram eles.

Outro dado que convém ser realçado, refere – se à relação entre raça e classe, questão

que envolve posicionamentos diversos, conforme apareceu nos depoimentos dos estudantes,

professores e coordenação pedagógica. Destacando a idéia de que negros que ocupam as

classes mais favorecidas não enfrentam o problema da discriminação racial, pois, conforme

foi dito “o dinheiro dá poder” e o “preconceito no Brasil não é de cor e sim de classe”.

Entretanto, durante as entrevistas com os adolescentes foram pontuadas situações

vividas por eles, que nos mostrou que o negro que alcança a ascensão social do ponto de vista

econômico, também é vítima do preconceito racial, uma vez, que estes também enfrentam

dificuldades ao buscar ter acesso a certos espaços sociais que sua condição de classe o

permite, mas que social e culturalmente a eles estão interditados pela cor da pele, pelo fato de

serem negros.

Quanto às ações da escola no desafio de uma educação para as relações étnico-raciais,

foi possível constatar que esta discussão apresentava problemas, pois, a preocupação maior,

sem dúvida, era com a preparação para o vestibular e, com isso, os conteúdos didáticos

pedagógicos estavam em constante diálogo com os assuntos cobrados nos exames das maiores

universidades públicas do país.

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Deste modo, mesmo existindo a lei 10.639/2003 que institui a obrigatoriedade do

ensino da História e Cultura afro – brasileira e dos povos indígenas nos currículos das escolas

públicas e privadas, o que percebi é que no colégio pesquisado, tal exigência não vinha sendo

aplicada. O que nos permite compreender que a escola não vem apresentando ações efetivas

que possam contribuir para a construção e formação de uma identidade negra positiva na vida

daqueles adolescentes negros. O que se constatou nesse campo foi o princípio da igualdade.

Em outros termos, a concepção posta é a de que a convivência e interação entre os

cidadãos presentes neste espaço, ocorrem em “perfeita harmonia”, conforme colocado pela

coordenação no primeiro dia em que iniciei a pesquisa de campo. Com isso, situações de

preconceito, bem como de discriminação racial, acabam sendo “encobertas”, quando não

tratadas como “brincadeiras”. Fatos que estimulam ainda mais, penso eu, estudos que

busquem tematizar a construção identitária de adolescentes negros integrantes de classes

média e alta em escola particular, este é um desafio colocado todo o tempo do processo de

investigação.

Desafio que se revelou, principalmente, devido a minha condição de negra, conforme

discutido na introdução desta dissertação. Sendo os adolescentes negros os protagonistas desta

pesquisa, não posso negar que, em várias situações, destacando algumas entrevistas (momento

em que tive o prazer de ouvi-los falarem de si mesmos, de suas frustrações, conquistas,

desafios e objetivos) seus depoimentos levaram-me a refletir sobre meus tempos de

adolescente negra estudante, sobre minhas escolhas atuais e ações em defesa de uma

sociedade mais democrática e igualitária.

Outro dado importante desta vivência na pesquisa é que o contato com estes

estudantes, em diálogo permanente com as possibilidades e escolhas teóricas feitas, também

reforçou sobre a importância do ouvir o “outro”, bem como de “disciplinar” nossos olhares,

escutas e escritas, levando sempre em consideração a alteridade imprescindível ao

pesquisador.

Devo dizer, finalmente, que o estudo contribuiu muito para meu crescimento em todos

os aspectos, ou seja, étnico-racial, cultural, social e acadêmico. Especialmente no que se

refere à minha condição enquanto pesquisadora negra, do campo das relações étnico – raciais,

comprometida com o fortalecimento da afirmação de minha negritude e da cultura com a qual

me identifico em todos os espaços da sociedade.

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