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Sobreestelivro

UmfriocongelantereinavanasTerrasdoFiordes,quando Mandred Torgridson partiu com seuscompanheirosparacaçarumabestaqueaterrorizavaosarredoresde seupovoado.Noentanto,ogrupoacabaatacado de surpresa por uma fera meio javali, meiohomem. Somente Mandred se salva. Gravementeferido, consegue adentrar um círculo de pedras,mas,devidoàsdoreseaofriointenso,acabatomadoporumsonoprofundo.Quandosurpreendentementedesperta,está ao pé de um carvalho, que lhe oferece seusmilagrosos poderes de cura. Mandred então percebequeadentrouomisteriosomundodoselfos.

Tomadopelasuspeitadequeeradaliqueteriavindoomonstro,põe-sediantedabelarainhadopovoél coeexigevingançapelasvítimasdabesta.Arainhanegae,então, convoca a legendária Caçada dos Elfos paraacabar com a fera. Reúne seus melhores guerreiros,NuramoneFarodin,doiselfoscercadosdesegredos,eforma um grupo liderado por Mandred, que contaainda com Aigilaos, um centauro, como arqueiro;Brandan, um elfo rastreador; Vanna, a feiticeira; eLijema,amãedos lobos.Ogrupoparte, então,paraoMundo dos Homens e a perseguição começa,desdobrando-se em várias aventuras fantásticas. No

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entanto, seu alvo revela-se um demônio de temposremotoseassombrasdamorteedailusãologorecaemsobre a cruzada.Mandred,Nuramon e Farodin terãodepôràprovatodaasuacoragem,amizadeelealdadeparacumpriramissão.

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Sobreoautor

BernhardHennen,autordebestsellers,éumdosescritoresderomancesfantásticosmaisconhecidosdaEuropa.NascidoemKrefeld,Alemanha, em1966, é também jornalista.Escreveu seuprimeiro livro, DasJahrdesGreifen (o ano de Griffen, em tradução livre) em coautoria comWolfgangHohlbein em 1994.Depois de enveredar-se por romances históricos, firmou-se no gênero de fantasia. Esta saga Os Elfos,lançadaemtodaaEuropa,éoseutrabalhomaisconhecido,queaEditoraEuropatrazparaoBrasil.

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Nobosque,àluzdalua,vihápoucocavalgaremoselfos;ouvisoaremsuastrompasdecaça,

eotilintardeseusguizos.

Seusbrancoscavaloslevavamdouradoschifresdecervo

comocisnesselvagensvoavamcruzandooarvelozmente.

Sorridente,saudou-mearainha,sorridente,aopassarcavalgando,

seriapormeunovoamor,ouamortesignificaria?

HeinrichHeine

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Epígrafe

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Ohomem-javali

Naclareiracobertadenevejaziaocadáverdeumalce.Suacarnedestruídaaindafumegava.ParaMandredeseustrêscompanheiros couclarooqueissosigni cava:haviamafugentadoocaçador.Ocorpoestavacobertodesangue,eopesado crânio da presa, partido.Mandred não conhecia nenhum animal quecaçassepara sealimentar somentedocérebrodavítima.Umruídoabafadosefez ouvir. No m da clareira, a neve escorregava dos galhos de um enormepinheiro,formandocascatassinuosas.Oarestavatomadopor noscristaisdegelo.Descon ado,Mandredespiouporentreasmoitas.Obosqueagoraestavanovamenteemsilêncio.Sobreascopasdasárvores,assinistrasluzesverdesdasfadas se agitavamemumadança frenéticabemaltonocéu.Nãoeraumaboanoiteparacruzarflorestas!

—Sóumgalhoquesepartiucomopesodaneve—disseo louroGudleif,batendoemsuapesadacapaparatirarogelo—eparede carespiandoporaícomoumcãoraivoso.Vocêvaiver...No nal,oqueestamosseguindoésóumbandodelobos.

Apreocupação tomava aospoucosos coraçõesdosquatrohomens.Todospensavamnaspalavrasdoanciãoqueosalertarasobreumabestamortíferadasmontanhas. Ele devia ser levado a sério ou teria alucinações provocadas pelafebre?Mandrederaojarl1deFirnstayn,umpequenopovoadoatrásda orestajuntoao orde.Erasuaobrigaçãoafastarquaisquerperigosqueameaçassemoseuvilarejo.Aspalavrasdoanciãoforamtãopenetrantesqueosperseguiam.Ecomo...

Em invernos como este, que começavam cedo e traziam frio demais,quandoas luzesdasfadasfaiscavamnocéu,os lhosdosalbos2adentravamomundodoshomens.Mandredeseuscompanheirostambémsabiamdisso.

Asmund apoiara uma echa no chão e piscava nervosamente. O homemruivo e magricela nunca era de muitas palavras. Viera havia dois anos paraFirnstayn. Dizia-se ter sido um conhecido ladrão de gado no sul, e que o reiHorsa Starkschild teria prometido uma recompensa em troca dele. MasMandred não se importava com isso. Asmund era bom caçador; traziamuita

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carneparaovilarejo.Issocontavamaisquequalquerboato.

MandredconheciaGudleifeRagnardesdequandoeracriança.Amboserampescadores. Gudleif é um cara robusto, forte como um urso; sempre bem-humorado, temmuitos amigos,mesmo sendovisto comoumhomemrústico.Ragnarébaixoedecabelosescuros,bastantediferentedosaltosegeralmentelouros habitantes das terras do orde. Às vezes zombam dele por isso,chamando-odeduendepelascostas. Issoéumabsurdo.Ragnaréumhomemdecoraçãodeouro.Alguémemquemsepodeconfiarincondicionalmente!

Saudoso,MandredpensavaemFreya, suaesposa.Certamenteestavaagorasentadapertodobraseiroepermaneceriaàespreitaportodaanoite.Eletinhaconsigo o seu clarim de alerta. Um toque signi cava perigo; se soprasse duasvezes todos no vilarejo saberiam que tudo correra bem e que os caçadoresestavamacaminhodecasa.

Asmund baixou seu arco e pôs o dedo sobre os lábios, em sinal de alerta.Ergueu a cabeça como um cão de caça que farejava algo. Agora Mandredtambém sentia. Um cheiro estranho — como o de ovo podre — invadiu aclareira.

—Talvezsejaumtroll—sussurrouGudleif.—Dizemqueelesdescemasmontanhasnosinvernosrigorosos.Umtrollconsegueabaterumalcecomumsimplessoco.

Asmund encarou Gudleif de forma sombria, e fez um sinal para que secalasse.Amadeiradas árvores estalavabaixinhono frio.Mandred foi tomadopelasensaçãodeestarsendoobservado.Haviaalgumacoisaali.Emuitoperto.

De repente, os ramos de uma aveleira agitaram-se no ar, e duas silhuetasbrancas revoaram sobre a clareira num barulhento bater de asas. Mandredapontou sua lança involuntariamente para o alto, e então respirou aliviado.Eramapenaspombosdaneve!

Masoqueosassustara?Ragnarmirouseuarconadireçãodaárvore.Ojarlbaixouaarma,sentindoseuestômagoencolher.Estariaoperigoali,àespreita,escondidonosramos?Ficaramimóveiseemsilêncio.

Uma eternidade inteira pareceu passar, e nada ali se mexia. Os quatroformavam um semicírculo ao redor do arbusto. A tensão era insuportável.Mandredsentiao suorgeladoescorrerpor suascostase seacumularemcimado cinto. O caminho de volta para o vilarejo era longo. Se sua roupa casseempapadaenãooprotegessemaiscontraofrio,eleseriaobrigadoaarmarum

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acampamentoemalgumlugarefazerumafogueira.

OgordoGudleifajoelhou-sedenovoe ncousualançanochão.En ouasmãosnaneve fresca e, sem fazer ruído, formouumabola.GudleifolhouparaMandred, que consentiu com a cabeça. A bola de neve voou até acertar oarbusto.Nadasemoveu.

Mandred respirou aliviado.Omedoqueo grupo sentia tinhadado vida àssombrasdanoite.Foramelesmesmosquemafugentaramospombosdaneve!

Gudleifsorriualiviado:

— Isso não foi nada. Seja lá o que matou o alce, já deve ter subido asmontanhasfaztempo.

— Mas que belo bando de caçadores somos nós — zombou tambémRagnar. — Daqui a pouco também vamos fugir correndo do peido de umcoelhinho.

Gudleifselevantoueapanhoualança.

—Agoravouespetarassombras!—rindo,remexeucomalançadentrodamoita.

Derepente,foipuxadocomforça,deumsógolpe.Mandredviuumagrandemão em formato de garra segurar o cabo da lança. Gudleif deu um gritoestridente,quelogosetransformounumruídogutural.Ofortehomemrecuoucambaleante,comambasasmãosemtornodopescoço.Osangueespirravaporentreseusdedoseescorriaporseumantodepeledelobo.

Damoita saiuumvultogigantesco,meiohomememeio javali.Opesodesuaenormecabeçadejavalilhefaziacurvarmuitoparaafrente,eaindaassimele tinhamais deummetro emeiode altura.O seu corpo era extremamenterobusto;músculos fortes e cheios denós cobriam seus ombros e braços. Suasmãos terminavam em garras escuras. Abaixo dos joelhos, suas pernas eramestranhamente nas,cobertasdecerdasgrossascinza-escuras.Emvezdepés,acriaturatinhagrandescascos.

O homem-javali soltou um grunhido grave e rouco. Presas longas comopunhais saíam de seus maxilares, e seus olhos pareciam querer devorarMandred.

Asmund apontou seu arco para cima e disparou uma echa. Acertou alateral da cabeça domonstro, deixando um rastro no e vermelho.Mandredagarroumaisforteasualança.

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Gudleifcaiudejoelhos,vaciloualgunssegundoseentãotombouparaolado.Suasmãoscrispadassesoltaram.Osangueaindabrotavadesuagarganta,esuasfortespernastremiamdesamparadas.

Mandredfoitomadoporumafúriacega.Lançou-separaafrenteecravoualançanopeitodabesta.Tevea impressãodeteratacadoumarocha.Alâminada lança só resvalou no monstro, sem causar qualquer dano. Uma de suasgarraspuxouedespedaçouocabodaarma.

Para afastar a criatura de Mandred, Ragnar atacou-a pelo lado. Mas sualançatambémnãoconseguiuferi-la.

Mandredatirou-sesobreaneveetirouummachadodocinto.Eraumaboaarma,comalâmina naea ada.Ojarlgolpeoucomtodaaforçaostornozelosdafera.Omonstrogrunhiueentãoacertouoguerreirocomsuapesadacabeça.Uma presa acertou Mandred na parte interna da coxa, dilacerando seusmúsculosedespedaçandooclarimdeprataquependiadoseucinto.Emumsógolpe,osermonstruosojogouacabeçaparatrás,lançandoMandredporsobreaaveleira.

Meio anestesiadodedor, apertoua ferida comumamão, enquanto comaoutrarasgouumatiradetecidodesuacapa.Pressionourapidamentealãsobrea feridaabertaeentão tirouocintoparaamarrara tiranapernaeestancarosangue.

Aclareiraestava tomadadegritosestridentes.Mandredquebrouumgalhoda árvore e passou-opordentrodo cinto.Então apertoumais a tira de couroparadeixá-lamaisjustaemsuacoxa.Estavaquasedesmaiandodedor.

Os gritos na clareira silenciaram. Mandred espiou cuidadosamente porentre os galhos. Viu seus companheiros deitados na neve. Omonstro estavacurvado sobre Ragnar, ferindo-lhe mais e mais o peito com as presas. OmachadodeMandredjaziabemaoladodafera.Sóconseguiapensarempularperigosamentesobreomonstro,mesmodesarmado.Nãoerahonradofugirdeuma lutacomoessa!Eleerao jarl responsávelpelovilarejo.Por issoprecisavaavisar os que ainda estavam vivos, mas não podia simplesmente voltar paraFirnstayn. A sua pista levaria omonstro diretamente para a aldeia. Tinha deencontraroutrojeito.

Centímetro por centímetro, Mandred arrastou-se para trás, para fora doarbusto.Acadabarulhoqueosgalhosfaziam,seucoraçãoquaseparava.Masomonstronãopercebeu:agachadonaclareira,faziaseuhorripilantebanquete.

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Quando Mandred conseguiu, arrastando-se, sair do arbusto, arriscoulevantar. Uma dor aguda percorreu a sua perna. Apalpou os farrapos de lã.Crostasdegeloseformavamsobreeles.Porquantotemposuportariaofrio?

Ojarlpercorreumancandoacurtadistânciaatéolimiteda oresta.Olhouparaogranderochedodecumeescuroqueseerguiasobreofiorde.Aliemcimahaviaumantiquíssimocírculodepedras.Ebempertodali estava empilhadaalenha para a fogueira de alerta. Se conseguisse acender a fogueira, a aldeiaestariaavisada.Masocaminhoatéláemcimatinhamaisdetrêsquilômetros.

Mandredseguiaabordada oresta,masavançavalentamentesobreaneve.Encaravaangustiadovasto tapetebrancodiantede siquesuavemente formavauma subida em direção ao topo do rochedo. Ali mal havia vegetação e aspegadasqueeledeixarianãopassariamdespercebidas.Esgotado,recostou-senotronco de uma velha tília e reuniu forças. Se tivesse aomenos acreditadonaspalavrasdoancião!

Certamanhã, encontraram-nodiante da paliçada queprotegia a aldeia.Ofrio quase tirara a vida do pobre homem. Enquanto delirava de febre, contousobreumjavalimonstruosoqueandavasobreduaspernas.Sobreummonstroquevieradonorte,dasmontanhasdistantes,paraespalharamorteeadesgraçanasaldeiasdasterrasdo orde.Umdevoradordehumanos!Seovelhotivessefalado dos trolls, que vinham do fundo das montanhas, ou dos duendesperversos, que tingiam seus gorros de lã com o vermelho do sangue de suasvítimas, ou então da Caçada dos Elfos e seus lobos brancos, Mandred teriaacreditado.Massobreumjavaliqueandavaeretoesealimentavadehomens...De tal criatura ninguém jamais ouvira falar! Logo atribuíram o falatório dovelhoaconfusasalucinaçõesfebris.

Veio a noite do solstício de inverno. Em seu leito de morte, o estranhochamaraMandred, a quem fez jurar que procuraria o monstro e alertaria asoutrasaldeiasdo orde.Sóentão couempaz.Mandredaindanãoacreditavanoancião,maseraumhomemhonrado,quelevavaasérioosseusjuramentos.Porissosaíranaquelajornada...

Setivessemaomenossidomaiscautelosos!

Mandredrespiravaprofundamenteeseguiamancandosobreovastocamponevado. Sua perna esquerda estava totalmente entorpecida e di cultava o seucaminhar.Tropeçavaotempotodo.Meioempé,meioagachado,lutavaparairadiante.Aomenoso frio tinhaum ladobom:a feridaagoranãodoíamais. Jánãoouviamaisaterrívelcriatura.Teriaterminadoobanquete?

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Finalmente, chegou a uma vasta campina coberta de cascalho, ondeocorreraumaavalanchenoúltimooutono.Asuperfície traiçoeiraagoraestavaocultasobumagrossacamadadeneve.Mandredrespiravaaossoluços.Brancaseespessasnuvensdevaporseformavamdiantedesuaboca,esecondensavamemsuabarbacomogeada.Malditofrio!

O jarl lembrou-se do último verão. Viera ali com Freya algumas vezes,quandodeitaram-senagramaparaobservarocéuestrelado.Gabou-sedesuasaventuras de caça e contou-lhe sobre como escoltara o rei Horsa StarkschilddurantesuaexpediçãomilitarnacostadeFargon.Freyaouviapacientementeezombavaumpoucodelequandoexageravademaisnosseusfeitosheroicos.Àsvezes sua língua era a ada comouma faca!Mas ela beijava como...Não, sempensarnisso!Eleengoliacomdi culdade.Logoseriapai.Mas jamaisveriaseufilho.Seriaummenino?

Mandredrecostou-seemumarochaparadescansar.Jáconseguiratranspormetadedocaminhoaté lá emcima.Seuolharpercorriadevoltaos limitesdaoresta. A escuridão do bosque escondia a luz verde das fadas, mas ali, na

encostadasmontanhas,via-setudotãonitidamentecomonumaclaranoitedeluacheia.

Sempre gostara de noites como essas, embora aquela sinistra luz causassemedo namaioria dos habitantes das terras do norte. Parecia que um enormepanodeórbitas,tecidocomobrilhoresplandecentedasestrelas,foraestendidonocéu.

Alguns diziam que os elfos ocultavam-se nessa luz, quando cavalgavam ànoite para caçar sobre o gelado e límpido céu. Mandred sorriu. Freya cariacontente com esses pensamentos.Nas noites de inverno, ela amava se sentardiantedobraseiroeouvirhistórias;históriasdetrollsdasmontanhasdistantesoudeelfosdecoraçãotãofrioquantoasestrelasdeinverno.

Ummovimentonoslimitesda orestatirouMandreddeseusdevaneios.Ohomem-javali! Então a fera seguira a sua pista. A cada passo em direção aorochedo,eleeraatraídoparamaislongedovilarejo.Elesóprecisavaserforte...A fera poderia tranquilamente rasgar o seu peito para comer o seu coração,desdequeeleconseguisseacenderafogueiradealerta!

Mandreddesencostou-sedarochaetropeçou.Seuspés...elesaindaestavamlá,masjánãoossentiamais.Elenãodeveriaterparado!Issofoiloucura...Atéumacriançasabiaquedescansarnumfriocomoessepoderiasignificaramorte.

Mandred olhou desesperado para os pés. Congelados e sem qualquer

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sensibilidade, eles não o avisariam caso o cascalho debaixo dele escorregasse.Eleso traíram, aliaram-se ao inimigo—o inimigoquequeria impedirque eleacendesseachamadealerta.

Ojarldesatouarir.Masnoseurisonãohavianemsinaldealegria.Osseuspéslevaramoinimigoatéele.Queironia!Aospoucosfoiperdendoarazão.Ospés eram somente carne morta, a mesma carne morta que logo ele inteiroviraria.Furioso,tentouchutarorochedo.Nada!Comoseospésnãoestivessemlá.Maseleaindaconseguiaandar.Erasóumaquestãodevontade.Edeprestarmuitaatençãoondepisava.

Tomado pela preocupação, olhou para trás. A besta caminhava sobre ocampocobertodeneveeparecianãoterpressa.Saberiaelequeesteeraoúnicocaminhoparasubirorochedo?Mandrednãoconseguiriamaisescapar.Maselenãotinhamesmoessaintenção,desdequeconseguisseacenderofogo!

Um ruído o assustou. A fera rosnava.Mandred teve a sensação de que oolhavadiretamentenosolhos.Éclaroqueissonãoerapossívelàqueladistância,mas...Umageladalufadadearpareceusoprarsobreseucoração.

Ojarlacelerouseuspassos.Eleprecisavamantervantagem!Serianecessárioumpoucodetempoparaacenderafogueira.Suarespiraçãoassobiava.Quandoexpirava, o som era como o tilintar baixo dos pingentes de gelo que seacumulavamsobreascopasdospinheirosebatiamunscontraosoutroscomovento—masmais suave.O beijo da fada do gelo! Lembrou-se de uma lendaquesecontavaàscrianças:afadadogeloerainvisívelepasseavapelasterrasdoorde durante as noites em que, de tão frias, até mesmo a luz das estrelas

congelava.Quandoela seaproximava,ovaporda respiraçãodesapareciaeumtilintar soava no ar. Mas se ela chegasse tão perto a ponto de seus lábiostocaremafacedoviajante,entãoseubeijocausavaamorte.Qualeraomotivo?Porqueohomem-javalinãoousavaseaproximarmais?

Mais uma vezMandred olhou para trás. A fera não parecia fazer esforçopara semovimentarpelaneve.Na verdade, ela poderia alcançá-lomuitomaisrápido.Porqueestavabrincandodegatoeratocomele?

Mandredescorregouebateuacabeçacomforçacontraumarocha,masnãosentiu dor. Passou as luvas sobre a testa. Sentiu seu sangue escuro escorrer.Estavacomtontura.Issonãodeveriateracontecido!Acossado,olhavaparatrás.O homem-javali se detivera e de cabeça erguida olhava para cima, em suadireção.

Mandred não se aguentava mais sobre as pernas. Como fora tolo! Olhar

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paratráseandaraomesmotempo!

Comtodaa força, tentousubir.Masapernameiocongeladao impediadeprosseguir. Ele precisaria de uma grande rocha para conseguir se alçar paracima.Agoratinhadesearrastar.Quehumilhação!Ele,MandredTorgridson,omais conhecido guerreiro dos ordes, curvado e rastejando diante de seuinimigo! Só durante a expedição militar do rei Horsa, sete homens foramvencidosemdueloscontraMandred.Paracadaadversáriovencidofazia,cheiodeorgulho,umanovatrança.Eagorarastejavadiantedoinimigodessaforma.

Entretanto, esse era um outro tipo de luta, advertiu a simesmo.Não erapossível se impor com armas diante dessemonstro. Ele viu como a echa deAsmundricochetearaaoatingi-lo,ecomooseumachadonão lhe ferira.Não,essabatalhatinhaoutrasregras.Eleavenceriaseconseguisseacenderofogo.

Desesperado,Mandredrastejavasobreoscotovelos.Aospoucos,aforçadeseus braços também esvanecia.Mas o cume já não estava longe. O guerreiroolhou para as pedras erguidas; era como se vestissem gorros de neve, que asprotegesse do verde cintilante do céu. Logo atrás do círculo de pedras estavaempilhadaalenhaparaafogueiradealerta.

Apertando os olhos,Mandred continuava a rastejar sobre o cascalho liso.Diantedelesurgiuumdospilaresdocírculodepedras.Eleseapoiounapedrae,vacilante, pôs-se de pé. Suas pernas já não conseguiriam levá-lo para muitolonge.

Ocumeeraachatadoetãoplanoquantoofundodeumpratodemadeira.Normalmente ele teria feito a volta em torno do círculo de pedra. Ninguémpisava entre as pedras erguidas!Não era uma questão de coragem.Certa vez,durante o verão,Mandred observou o cume por uma tarde inteira. Nenhumpássarovoouporcimadocírculodepedras.

Uma trilha estreita rente ao rochedo contornava-o, epor isso erapossíveldar a volta no círculo.Mas com as pernas anestesiadas, ele já não tinhamaissegurança para se aventurar por esse caminho. Não lhe restava outra coisasenãopassarporentreaspedras.

Como que se preparando para receber um golpe repentino, Mandredencolheuacabeçaentreosombrosaopisarnocentrodocírculo.Dezpassosealcançariaooutrolado.Eraumtrechotãoridiculamentecurto...

Amedrontado,Mandredolhouaoredordesi.Nãohavianeveali.Eracomoseo invernonãoquisessepenetrarno interiordocírculo.Naspedrasestavam

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riscadosdesenhosestranhos,delinhascurvas.

Dali até o orde, o penhasco era quase vertical. Lá de baixo, do vilarejo,parecia que alguém havia colocado uma coroa rochosa sobre o seu cume.Osblocos de granito, que formavam um amplo círculo ao redor do planaltorochoso, erammaiores que a altura de três homens.Dizia-se que estavam alihavia muito tempo, desde antes de os seres humanos chegarem às terras doorde. Eles também eram enfeitados com inscrições curvilíneas.A trama que

formavam era tão na que nenhum homem seria capaz de imitá-la. E, aoobservá-la por muito tempo, a sensação era de se estar bêbado do pesado econdimentadohidromeldeinverno.

Certa vez, alguns anos antes, um escaldo—umbardo que declamava suapoesia—viajouaFirnstayn,a rmandoqueaspedrasalierguidaseramvelhosguerreiros él cos que teriam sido amaldiçoados por uma praga de seusancestrais, os albos. Estavam condenados a permanecer solitários e despertosportodaaeternidade,atéquenumdiadistanteoprópriopaísclamasseporsuaajuda e o feitiço então fosse quebrado. Na ocasião, Mandred fez troça doescaldo.Qualquercriançasabiaqueoselfos tinhambaixaestaturaenãoerammaisaltosqueoshomens.Aspedraseramvigorosasdemaisparaseremelfos.

Aoatravessarocírculo,Mandredfoigolpeadoporumventoglacial.Agoraestavaquaseconseguindo.Nadairialhe...Apilhadelenha!Daquielejádeveriaconseguir vê-la! Ela estava sobre uma saliência na pedra, protegida contra oventologoabaixodabordadopenhasco.Mandredcaiudejoelhoserastejouumpoucomais.Nãohavianadaali!

O penhasco descia por quase sessenta metros até as profundezas. Teriahavidoumaavalanche?Asaliência teriasepartido?Mandredtinhaasensaçãode que os deuses estavam lhe pregando uma peça. Empregara todas as suasforças para conseguir chegar até ali, e agora... Desesperado, lançou um olharsobreasterrasdo orde.Bemabaixo,dooutroladodobraçodemarcongelado,oseuvilarejodescansavasobreaneve.

Firnstayn.Eraformadoporquatrolongascasascomunaiseumpunhadodepequenascabanas,cercadodeumapaliçadaridiculamente frágil: amuralhademadeira, feita de troncos de pinheiro, servia para afastar os lobos e eraobstáculoparasaqueadores.Jamaisconseguiriadeterohomem-javali.

Ojarltomoucoragem,aproximou-secuidadosamentedoprecipícioeolhoupara baixo, para o orde. A luz das fadas no céu lançava a mágica de suassombras verdes sobre a paisagem coberta de neve. Não se podia ver homens

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nem animais. Dos fumeiros sob o vértice dos telhados subia uma fumaçabranca, que era des ada pelas rufadas de vento e varrida sobre o orde. EracertoqueFreyaestavasentadaaoladodobraseiro,atentaaosinaldoclarimqueanunciariaoretornodoscaçadores.

Se ao menos o clarim não tivesse sido destruído! Dali de cima, o seuchamado certamente seria ouvido da aldeia. Mas que peça cruel os deusespregavamneleenosseus!Seráqueassistiamatudoaquiloeriam?

Mandred ouviu um ruído seco. Então virou-se, fraco. Deu de cara com ohomem-javali, do outro lado do círculo de pedras. Deu a volta lentamente.Então ele também não ousava pisar entre as rochas? Em seguida, rastejouafastando-seda bordadopenhasco. Sua vida tinha acabado, ele sabia.Mas sepodiaescolher,preferiasermortopelofrioavirarcomidadefera.

O bater dos cascos foi candomais rápido. Precisava ainda de umúltimoesforço. Uma súbita arrancada e... Mandred conseguiu. Estava no círculomágico de pedras! Um cansaço de chumbo pesava sobre suas juntas. O friocongelante cortava sua garganta a cada respiração. Esgotado, recostou-se emuma das pedras. Um vento violento lhe repuxava as roupas duras de gelo. Ocintoemsuacoxaseafrouxara.Osangueatravessavaoretalhodelã.

Em voz baixa, Mandred rezava para seus deuses. Para Firn, senhor doinverno; para Norgrimm, senhor das batalhas; para Naida, a amazona dasnuvensqueregeos23ventos;eparaLuth,omestretecelãoque,comos osdodestino dos homens, tece uma preciosa tapeçaria para as paredes do átriodourado,aquelenoqualosdeusesbebemnacompanhiadosmaisvalentesentreosguerreirosmortos.

OsolhosdeMandredsefecharam.Eledormiriaolongosono...Perderaseulugarnoátriodosheróis.Eledeveriatermorridocomseuscompanheiros.Eraum covarde! Gudleif, Ragnar e Asmund — nenhum deles fugira. A pilha delenhaterdespencadodorochedoseriacertamenteumcastigodosdeuses.

— Você tem razão, Mandred Torgridson. Os deuses deixam de protegerquem é covarde—uma voz soou em sua cabeça. Era amorte?, perguntou-seMandred.Apenasumavoz?

—Maisqueumavoz!Olheparamim!

Ojarlmaleracapazdesustentarsuaspálpebras.Umhálitoquentesoprou-lheorosto.Eleolhoudentrodegrandesolhos,azuiscomoocéudeum mdetarde de verão, quando a lua e sol ali convivem. Eram os olhos do homem-

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javali!Aferaseagacharaaoseulado,logonaextremidadeexteriordocírculodepedras.Ababapingavade seu focinhocobertode sangue.Emumadas longaspresasaindapendiamfibrosospedaçosdecarne.

—Osdeusesdeixamdeprotegerquemécovarde—ressoouavozestranhanacabeçadeMandred.—Agoraosoutrospodempegarvocê”.

O homem-javali ergueu-se totalmente. Seus beiços tremiam. Ele quasepareciasorrir.Entãodeumeia-volta.Contornouocírculodepedraselogo coutotalmenteforadocampodevisão.

Mandred levantou a cabeça. A fantástica luz das fadas ainda dançava nocéu. Os outros? Logo foi cercado pela escuridão. Suas pálpebras teriamdespencado sem que percebesse? Dormir... só por pouco tempo. A escuridãoeratentadora.Eraumprenúnciodepaz.

1.TítulodenobrezaescandinavodaIdadeMédia.

2.Osancestraisdoselfos.

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Jogosdegalanteio

Noroelleestavasentadaàbeiradeumpequenolago,àsombradeduastílias,edeixava-seencantarpela autadeFarodineocantodeNuramon.Eracomose os dois pretendentes de modos afáveis lhe presenteassem com novassensações.Contemplavaojogodeluzesombrasnotetodefolhasmuitoacimadela. Seu olhar vagueou até a nascente que havia quase na fronteira dassombras, atraídopela luzdo solquecintilavanaspequenasondas. Inclinou-separa a frente, deixou a mãomolhar-se e sentiu um agradável formigamento,provocadopelamagiadaágua.

Seuolhar seguiuo cursodanascenteque formavao laguinho.Os raiosdesol chegavam até o fundo e faziam brilhar as pedras preciosas coloridas queNoroelle certa vez pusera ali com cuidado. Elas absorviam parte damagia danascente. O restante a uía, junto com a água, para um riacho. Lá fora, ospradossealimentavamdessamagia.E,ànoite,asfadasdascampinasdeixavamsuas oreseseencontravamparapassearsobaluzdasestrelasecelebrarcomseucantoabelezadaTerradosAlbos.

Os campos vestiam seus mantos de primavera em or. Um vento suavecarregavaoricoperfumedasplantase oresatéNoroelle;sobasárvores,elesemisturavaaodocearomadastílias.Umzumbidopairavasobreoselfos,queseunia ao canto dos pássaros e ao marulhar da água da nascente comoacompanhamento para a música de Farodin e Nuramon. Enquanto Farodinconseguia,comamelodiadesua auta,tecerum notecidodesonscomtodasasvibraçõesdolugar,Nuramonelevavasuavozsobreeleseinventavapalavrasque descreviam Noroelle como uma alba. Ela olhava afetuosamente paraNuramon, sentado sobre uma pedra plana perto da água, e novamente paraFarodin,recostadonotroncodamaiordasduastílias.

OrostodeFarodineraodeumpríncipeelfodasvelhasfábulas,cujanobrebelezaeraexaltadacomoobrilhodosalbos.Seusolhos,deumverde intenso,eramasjoiasdasuafaceeoscabelos,quasebrancosdetãolouros,lheserviamdemoldura.Vestiaotrajedostrovadores,etudo—acamisa,acalça,ocasaco,o lenço no pescoço — era feito da mais distinta seda vermelha das fadas.Apenasseussapatoseramdemaciocourodegelgerok.Noroelleobservavaseus

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dedos,quedançavamsobreaflauta.Poderiapassarodiatodoadmirando-os...

EnquantoFarodincorrespondiaaoidealdeumelfo,omesmonãosepodiadizer de Nuramon. As elfas da corte zombavam declaradamente de suaaparência,masdepoiscochichavamcomentusiasmosobresuabelezapeculiar.Nuramon tinha olhos castanho-claros e cabelos cor de mel, que caíam emondasumpoucoselvagensquaseatéseusombros.Comseustrajescordeareia,eledefatonãocorrespondiaà guradeumtrovador,masaindaeraumavisãoagradável. Em vez da seda, elegera das fadas o seu tecido de lã — quecertamente era menos precioso, mas tão rme e macio que provocava emNoroelleodesejodedeitaracabeçanoseupeitosóaoobservarsuacamisaeocasaco cor de bosque. Até suas botas de canomédio, cor de terra e feitas decourodegelgerok,despertavamemNoroelleodesejode tocá-las.Aexpressãoda face de Nuramon variava tanto quanto a sua voz, que dominava todas asformasdocantoedavavidaacadaemoçãocomosomquemelhor lhecabia.Seusolhoscastanhos,contudo,expressavamsaudadesemelancolia.

Farodin e Nuramon eram diferentes, mas cada um impressionava à suamaneira. Ambos tinham sua própria perfeição, assim como a luz do dia e aescuridãodanoiteeramencantadorascadaumaaseumodo,comooverãoeoinverno,aprimaveraeooutono.Noroellenãoqueriaabrirmãodenadadisso,ecompararaaparênciadeamboscertamentenãotornariamaisfácilsuadecisãoporumdeles.

AlgunsmembrosdacorteaconselhavamNoroellealevaremcontaparasuaescolha a linhagemda família de seu companheiro.Mas qual era omérito deFarodin no fato de que sua bisavó fora uma alba? E tinha Nuramon algumaculpapordescenderdeumafamíliaqueestavadistantedosalboshaviamuitasgerações? Noroelle queria que sua decisão não fosse condicionada pelosantepassadosdeles,massomenteporsiprópria.

Farodinsabiacomocortejarumaelfadeestirpe.Conheciatodasasregrasecostumes e agia sempre de forma tão apropriada e honrosa que era inevitáveladmirá-lo. Isso causava em Noroelle a impressão de que ele conhecia o seuâmago,deque era capazde tocá-lo, encontrando sempre aspalavrasprecisas,como se a todo momento compreendesse seus pensamentos e sentimentos.Maseraaíquetambémestavaoseudefeito.Farodinconheciatodasascançõesetodasashistóriasantigas.Sesempresabiaqualdocepalavradizer,eraporquejá ouvira todas elas antes. Então como saber quais eram as suas própriaspalavrasequaiseramdepoetasantigos?Essamelodiaeramesmosuaouelejáaouviraantes?Noroelle tevevontadede sorrir; taldefeitovisívelnãoestavaem

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Farodin, mas nela própria. Este lugar adorável não era exatamente como odescreveram os bardos antigos? O sol, as tílias, as sombras, a nascente, oencanto?Eles nãonos presentearam, portanto, comas canções perfeitas paraeste lindo lugar? Devia então repreender Farodin só por não fazer diferentedaquilo que já era tão apropriado?Não, ela não podia fazer isso. Farodin eraperfeito em todos os aspectos, e o seu cortejo faria feliz toda e qualquer elfasobreascampinas.

MasNoroelle seperguntavaquemFarodin realmente era.Ele se esquivavadela, assim como a nascente de Lyn repelia o olhar dos elfos com sua luzofuscante.Eladesejavaqueelebrilhassemenosporummomento,paraqueelapudesse lançar um olhar sobre sua própria nascente. Frequentemente tentavainduzi-loaisso,maselenãocompreendiaosseusgestos.Assim,foraatéentãoimpedida de conhecer o seu interior. E às vezes temia que ali dentro pudesseestaràespreitaalgodeobscuro,algoqueFarodinpretendiaesconderaqualquerpreço.Dequandoemquando,oseupreferidofazia longasviagens,masnuncafalavasobreelas—aondeiaeporqualmotivo.E,quandovoltava,surgiadiantedeNoroelleaindamaisfechadoqueantes,apesardaalegriadoreencontro.

Poroutrolado,noquediziarespeitoaNuramon,Noroellesabiaexatamentedequemsetratava.Jáouviraváriasvezesqueelenãoeraoelfocertoparaela,quenãoestavaàalturadeseubrio.Elenãosódescendiadeumclãnumeroso,mastambémdeumalinhagemmarcadaporumadesonra.Nuramoncarregavaemsiaalmadeumelfoque,emtodasasvidasquejáviveu,nãoencontrouumarealizaçãoparasuaexistência,equeporissonãoconheciaoluar.Aquelesquepermanecessem alheios a esse caminho renasceriam sempre na mesmalinhagem,atéqueoseudestinoserealizasse.Masnuncaseriamcapazesdeselembrardavidaanterior.

Ninguém havia reencarnado tantas vezes quanto Nuramon; já estava hámilêniossubmetidoao jogodevida,mortee renascimento. Juntocomaalma,herdou o seu nome. A rainha reconheceu nele a alma de seu avô, e por issobatizou-o assim. A busca por seu destino, que parecia ser in nita, provocouescárnio arrogante até mesmo na sua própria família. Ao menos ninguémprecisava se preocupar com aquele recém-nascido; porque, assim que elemorresse, sua alma retornaria imediatamente para lançar sua sombra sobre alinhagem.MasninguémsabiaquemdariaàluzopróximoNuramon.

Emsuma, elenãopodia realmenteprezara suaascendência e contar comelogios por ela. Ao contrário, todos diziam que Nuramon seguiria a mesmatrilha de antes— buscaria o seu destino,morreria e renasceria. Noroelle era

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contráriaaessepontodevista.Viasentadodiantedesiumhomemprimorosoe,enquantoNuramoncantavamaisumacançãoemhomenagemàsuabeleza,sentiaquecadaumadesuaspalavraseramotivadaporseuprofundoamorporela. Ele conseguira por si próprio tudo o que seu berço lhe havia negado. Sóuma coisa ainda não conquistara: a chance de se aproximar dela. Nunca atocara,nuncaousarafazercomoFarodin:segurarasuamãoebeijá-la.Semprequeelatentavademonstraroseucarinhoinocente,eleorejeitavacomdocesearrebatadoraspalavras.

DequalquerperspectivaqueNoroelleobservasseseuspretendentes, jamaisconseguia chegar a uma decisão. Se Farodin revelasse o seu íntimo, seria elequemelaescolheria.SeNuramonlheestendesseamãoesegurasseasua,seriadeleasuapreferência.Adecisãonãodependiadela.Taisgalanteioscomeçaramhavia apenas vinte anos;mais vinte anos provavelmente se passariam até quecomeçassem a esperar por uma decisão. E caso não tomasse nenhuma, entãoaquele que se mostrasse mais determinado cairia em suas graças. E casoprovassemteromesmovalor,entãoacortepoderiadurarparasempre—oquefaziaNoroellesorrirsódepensar.

Farodindeuotomdeumanovacanção,etocavadeformatãoprofundaqueNoroelle fechou os olhos. Ela conhecia amúsica, ouvira-a certo dia na corte.Mas cada nota que Farodin tocava superava a que ouvira naquela ocasião.Diantedisso,avozdeNuramonperdeuumpoucoacor,atéqueFarodininiciounovamenteumaoutracanção.

—Oh, veja, graciosa lha de albos!— cantava agoraNuramon.Noroelleabriuosolhos,surpresacomarepentinamudançaemsuavoz.—Ali,naágua,umrosto!

Eleolhouparaaágua,maselanãoconseguiuacompanharseusolhos,detãoencantadaqueestavacomavoz.

—Oh,Noroelle,vádepressa;dassombrasparaaluz.

Noroellelevantou-seeobedeceuàspalavras;elaseafastoualgunspassosdanascenteeajoelhou-senamargemdolago,paraolharparadentrodaágua.Nãohavianadaali.

Nuramoncontinuouacantar:

—Osolhosazuissãoumlago.

Noroelleviuosolhosazuis:eramseusprópriosolhos,queNuramongostavadecompararaumlago.

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—Osseuscabelosseagitamnabrisadaprimavera.

Viuentãooseuprópriocabelo,comotocavadeleveopescoço,esorriu.

—Vocêsorricomoumafada.Veja,graciosafilhadealbos!

Observou-se atentamente e escutou comoNuramon cantava a sua belezanas diferentes línguas dos lhos dos albos. Na língua das fadas tudo soavabonito,maselesabiafalaratéalínguadosduendesparalisonjeá-la.

Enquanto o ouvia, não eramais ela própria quem tinha diante dos olhos,mas outra elfa,muitomais bonita do que já se sentira, tão sublime quanto arainha e tão encantadora quanto diziam ser os albos. Ainda que não se vissedessaforma,sabiaqueaspalavrasdeNuramonvinhamdiretodocoração.

Quandoos seusqueridos emudeceram,desviou, insegura, o olharda água;fitouNuramonedepois,Farodin.

—Porquevocêspararam?

Farodinolhouparacima,paraotelhadodefolhasqueoscobria.

—Ospássarosestãoinquietos.Parecequenãoestãomaiscomvontadedecantar.

Noroellevirou-separaNuramon.

—Eramesmoomeurostooquevinaágua?Oueraumfeitiço?

Nuramonsorriu.

— Eu não z nenhum encanto... Apenas cantei. Mas, se você não vê adiferença,entãosinto-melisonjeado.

Farodin ergueu-se repentinamente.Nuramon tambémse levantoueolhoupara além do lago e das campinas. Um intenso toque de clarim soava,percorrendotodasaquelasterras.

Noroelletambémselevantou.

—Arainha?Oquepodeteracontecido?

Farodin estava a poucos passos de Noroelle, e pousou a mão sobre seuombro.

—Nãosepreocupe,Noroelle.

Nuramonseaproximouesussurrou-lheaoouvido:

— Certamente não é nada que não possa ser resolvido por um grupo de

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elfos.

Noroellesuspirou.

—Estavalindodemaisparadurarodiatodo.—Observoucomoospássaroslevantavamvoo e iam emdireção ao castelo da rainha, imponente sobreumacolina,dooutroladodascampinasedosbosques.—DaúltimavezarainhaochamouparaaCaçadadosElfos.Preocupo-mecomvocê,Farodin.

—Maseunãovoltei todasasvezes?ENuramonnãoadoçousempreasuaespera?

Noroellesoltou-sedeFarodinevoltou-separaambos:

—Esedestavezambostiveremdepartir?

— Não me con ariam essa tarefa — retrucou Nuramon. — Sempre foiassimesempreserá.

Farodinpermaneceucalado,masNoroelledisse:

—Eulhedareioreconhecimentoqueosoutroslhenegam,Nuramon.Masvãoagora!Apanhemosseuscavalosecavalguematélá!Euireiemseguidaeosvereihojeànoitenacorte.

Farodin tomou amãodeNoroelle, beijou-a e se despediu.AdespedidadeNuramon foi um sorriso carinhoso. Ele então foi até Felbion, o seu cavalobranco. Farodin já estava sentado no seu, que era baio.Noroelle acenou-lhesmaisumavez.

A elfa observou seus amados cavalgarem pelas campinas, desviando dasoresdasfadas,pelobosqueeatéocastelo,quejaziadooutrolado.Bebeuum

pouco de água da nascente e pôs-se a caminho. Andava descalça pelascampinas.Queria ir até oCarvalho dos Faunos. Sob a sua sombra, conseguiare etircomoemnenhumoutrolugar.Ocarvalhofalavacomelaemsilêncio,enajuventudelheensinaramuitasmagias.

Aolongodocaminho,pensavaemFarodineemNuramon.

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Odespertar

Surpreendente este calor, Mandred pensou assim que acordou. Ouvia ogorjeiodospássaros,mascertamentenãoadentraraoátriodosheróis.Lánãohaviapássaros...E jamaishaveriao forteodordehidromelquepairavano ar,muitomenosoaromadoceda resinosamadeiradepinheiroquequeimavanafogueira.

Sóprecisariaolharparacimaparasaberondeestava.MasMandredadiavaessemomento. Estava deitado sobre algomacio. Nada doía. Suasmãos e pésformigavamde leve.Nãoqueriasaberondeestava.Queriaapenasaproveitaromomento,jáquesesentiatãobem.Entãoassimeraestarmorto.

— Sei que está acordado — a voz soava como se tivesse di culdade deformaraspalavras.

Mandred levantouoolhar.Estavadeitado sobumaárvore, cujos galhos searqueavamsobreelecomoumacúpula.Umestranhoestavade joelhosao seulado e apalpava o seu corpo com mãos fortes. Os galhos chegavam até bemperto da cabeça dele, e seu rosto permanecia oculto sob uma dança de luz esombra.

Mandredpiscouparapodervermelhor.Havia algode errado.As sombraspareciam girar em torno do rosto do estranho como se quisessem escondê-lointencionalmente.

—Ondeestou?

—Emsegurança—respondeusucintooestranho.

Mandred queria se levantar. Então percebeu que suasmãos e pés estavamamarradosaosolo.Conseguiaapenasergueracabeça.

—Oquevocêpretendefazercomigo?Porqueestoupreso?

Doisolhos lampejarambrevementeentreassombras.Eramcordeâmbar-claro, como o que às vezes encontravam na costa do orde após fortestempestades.

—QuandoAttaAikhjartotivercuradovocê,poderáir.Háalgumtempojá

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não con omuitona sua sociedade, então achei prudentemantê-lo assim.Foiele quem insistiu que cuidássemos de suas feridas... — O estranho fazia umruído estranho, uma espécie de estalo.—O seu idioma dá um nó naminhalíngua.Elenãotemqualquer...beleza.

Mandred olhou em volta. Não havia ninguém além do estranho, oculto àmeia-luz de forma sinistra. Folhas caíam dos galhos mais baixos da árvoreimponente,comonumdiadeoutonosemvento,emergulhavamsuavementeebalançantesatéchão.

Oguerreiroolhouparacima,paraacopadaárvore.Estavadeitadosobumcarvalho. Sua folhagem brilhava num forte tom de verde-primavera, e seucheiro era de terra boa e escura, mas também de decomposição; de carneestragada.

Um raio de luz dourado atravessou a copa de folhas e iluminou suamãoesquerda.Agorapodiaveroqueomantinhapreso:eramasraízesdocarvalho!Elasenlaçavamoseupulso,nodosasegrossascomoumdedo.Eosseusdedosestavamcobertosporumadelicada ebranca teiade raízes.Eradali que vinhaaquelecheiropodre.

O guerreiro tentou se erguer, forçando contra as raízes que o prendiam,mas qualquer resistência era em vão. Elas o detinham com mais força quecorrentesdeferro.

—Oqueestáacontecendocomigo?

— Atta Aikhjarto se ofereceu para curá-lo. Sua morte era certa quandoatravessou o portal. Ele ordenou que eu o trouxesse até aqui.—O estranhoapontou para cima, para os galhos que se destacavam ao alto. — Ele estápagando um alto preço para acabar com a sua intoxicação pelo gelo e paradevolveràsuacarneacordaspétalasderosa.

—PorLuth,ondeestou?

Oestranhofezumruídodereprovação,quedelongelembravaumarisada.

— Você está onde os seus deuses já não têm mais poderes. Vocêprovavelmenteos irritou,porquenormalmenteelesprotegemvocês, lhosdoshomens,deatravessaressesportais.

—Portais?

—Ocírculodepedras.Nósouvimoscomovocêrezouparaosseusdeuses.—Novamente,oestranhoemitiuoruídodereprovação.—Vocêagoraestána

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TerradosAlbos,Mandred,comos lhosdosalbos.Aquiestamosmuitolongedosseusdeuses.

Oguerreiroseassustou.AquelesqueatravessavamosportaisparaoOutroMundoeramamaldiçoados! Já tinhaouvidohistórias su cientes sobreabuscaporhomensemulheresnoreinodos lhosdosalbos—enenhumadelastevenalfeliz.Mas...quandoalguémcorajosamenteoscruzava,àsvezespodiapedir

favores.Seráqueelessabiamsobreohomem-javali?

—PorqueoAttaAik...AttaAjek...ocarvalhoestámeajudando?

O estranho cou um tempo calado. Mandred queria conseguir ver o seurosto.Aquiloqueoprotegiadeseuolhardeformatãopersistentedeviaserumfeitiço.

—AttaAikhjartodeveacharquevocêéimportante,guerreiro.Asraízesdealgumasárvoresmuitovelhassãotãoprofundasqueestãopresasaoseumundo,humano.OqueAttaAikhjartosabesobrevocêdeve ter tantosigni cadoparaele que está sacri cando uma boa parte de suas forças por você. Ele estáabsorvendoo seuvenenoe lheoferecendoem trocaa sua seivadavida.—Oestranhoapontouparaas folhasquecaíam.—Eleestá sofrendonoseu lugar,homem.Edeagoraemdiantevocêtemaforçadeumcarvalhonoseusangue.Vocêjánãoémaiscomoosoutrosdasuaespécie,evai...

—Chega!—Umavozagudainterrompeuafaladoestranho.OsgalhosdaárvoreseabrirameumcentauroseaproximoudoleitodeMandred.

Oguerreiroobservouacriatura,perplexo.Nuncaouviranadasobreaquiloantes.O“homem-cavalo”tinhaotroncomusculosodeumhomem,quecresciado corpo de um cavalo! Seu rosto era emoldurado por uma barba torcida emcachos.Ocabeloeracortadocurtoeumcordãodeourodescansavasobresuatesta. Trazia nas costas uma aljava cheia de echas, atravessada entre osombros,enamãoesquerdatinhaumarcocurtodecaça.Poderiasepassarporumimponenteguerreiro,nãofosseocorpocastanhodecavalo.

OcentaurofezumarápidareverênciaaMandred:

— Meu nome é Aigilaos. A soberana da Terra dos Albos deseja vê-lo, econcedeu-meahonrade conduzi-lo até a corte real—disse comvoz grave emelodiosa.

Mandred sentiu a força de ferro das raízes se afrouxar, até libertá-lototalmente. Mas ele só tinha olhos para o centauro que, não sem motivo,recordava-lhe o homem-javali. Ele também era metade homem e metade

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animal.Comoseriaentãoaaparênciadasoberanaaquemessehomem-cavaloobedecia?

Mandred apalpou a coxa.A ferida profunda se fechara sem deixar sequeruma cicatriz. Experimentou estender as pernas. Nenhum formigamentodesagradável, nada de dor! Parecia totalmente curado, como se nunca tivessesidomutiladopelaferaepelofrio.

Levantou-se cuidadosamente, ainda sem con ar na força de suas pernas.Através da sola de suas botas podia sentir o macio chão do bosque. Isso eramágica!Umamágica poderosa que nenhuma bruxa das terras do orde seriacapaz de fazer. Seus pés e pernas estiveram mortos. Agora a sensibilidaderetornaraaeles.

O guerreiro aproximou-se do imenso tronco do carvalho. Nem cincohomens conseguiriam juntos, de braços esticados, abraçar a árvore.Devia terséculosdeidade.Mandredajoelhou-serespeitosamentediantedeleetocoucomatestaasuacascairregular:

— Agradeço a você, árvore. Devo-lhe a minha vida — pigarreou, então,constrangido. Como se agradece a uma árvore? A uma árvore com poderesmágicos,aqualoestranhosemfacetratavacomtantorespeito,comosefosseumrei.—Eu...Euretornareiedareiumafestaemsuahonra.Umafestacomoasquefazemosnasterrasdo orde.Eu...—Eleabriuosbraços.Eralamentávelagradecer àquele que salvara sua vida assim, com o nada como promessa.Precisavaseralgosólido...

Mandred rasgou uma tira de tecido de sua calça e amarrou-a em um dosgalhosmaisbaixos:

— Se houver algo que possa fazer por você, envie-me um mensageiro epeça-lhe que me entregue este pedaço de tecido. Eu juro pelo meu sangueimpregnadoneleque,dehojeemdiante,omeumachadosecolocaráentrevocêetodososseusinimigos.

Um ruído fez Mandred erguer os olhos. Uma bolota, fruto do carvalho,soltou-sedacopadaárvore,tocouoseuombroecaiusobreasfolhassecas.

— Fique com ela — disse o estranho em voz baixa. — Atta Aikhjartoraramentedápresentes.Eleaceitouasua jura.Guardebemabolota.Elapodeserumgrandetesouro.

—Um tesouroque todosos anos ganhamilharesde irmãos, que crescemnosgalhosdeAttaAikhjarto—zombouocentauro.—Tesouroscomosquais

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legiões de esquilos e ratos enchem suas barrigas. Você foi realmentepresenteadocommuitariqueza, lhodehumanos.Venhaagora,ouvaideixaranossasoberanaesperando?

Mandred examinou descon ado o centauro e curvou-se para apanhar abolota.Aigilaostinhaalgodesuspeito.

—Tenhomedodenãoconseguiracompanhá-lo.

Dentesmuitobrancos reluziramnomeiodabarbaespessa.Aigilaos sorriulargamente.

— Isso não será necessário, lho de humanos. Suba nasminhas costas esegure com força a tira de couro da minha aljava. No quesito força, eu nãoperderia para um cavalo de guerra do seumundo, e apostominha cauda quevenceria uma corrida contra qualquer equino que encontrasse. Ao mesmotempo,meu troteé tão levequenenhumcapimsedobrasobmeuscascos.EusouAigilaos,omaisrápidodoscentauros,enaltecidopor...

—...umalínguaaindamaisrápida—caçoouoestranho.—Dizemqueoscentauros têm a língua solta. Ela é tão rápida que às vezes ultrapassa até averdade.

—Evocê,Xern,dizemser tãorabugentoquesóasárvoresoaguentam—retrucouAigilaos, rindo.— E isso provavelmente só é assim porque elas nãoconseguemsaircorrendodevocê.

As folhasdogrande carvalho se remexeram, emboraMandrednão tivessenotadonemumabrisa.Folhasmurchascaíramcomonevedeprimavera.

O centauro olhou para cima, para o vigoroso carvalho. O sorrisodesapareceradesuaface.

—Comvocêeunãobrigo,AttaAikhjarto.

Umacornetasoouaolonge.Ocentauroderepentepareceualiviado.

—AscornetasdaTerradosElfoschamam.Devolevá-loàcortedarainha,filhodehumanos.

XernsaudouMandredcomacabeça.Ofeitiçoqueescondiaseusemblantedesapareceu por ummomento. Ele tinha o rosto estreito e belo, exceto pelosgrandeschifresquebrotavamdeseuscabelosgrossos.Oguerreiro cousemar.Recuouassustado.Entãoalisóhaviahomens-animais?

De repente todos os fatos se juntaram num quadro nítido diante de

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Mandred.Eradali que viera ohomem-javali! Ele o pouparadurante a caçada.Nãofoiporacasooúnicoaselivrardesermortoporele.Aperseguição...Teriasidopartedeumplano traiçoeiro? Seráque tinha sido levado atéo círculodepedras? Talvez tenha sido presa daquela fera, fazendo justamente o que elaqueria.Eleentrounocírculodepedras...

Ocentaurobateu,inquieto,oscascosnochão.

—Venha,Mandred!

Oguerreiroagarrouentãoo cintodaaljava e lançou-se sobre as costasdocentauro.Eleencarariaoqueoesperava!A nal,nãoeranenhumcovarde.Essamisteriosa soberana podia fazer soarmil cornetas que ainda assim ele não securvariadiantedela.Não,eleaencarariadecabeçaerguidaecheiodeorgulho,eexigiriaumaindenizaçãopeladesgraçaqueasuacriaturabizarracausaranasterrasdofiorde.

Aigilaos afastou com suas fortesmãos a cortinaprotetorade galhos e saiupara uma campina pedregosa. Mandred olhou em volta de si, admirado. Alireinavaaprimaveraeo céupareciamuitomais amplodoqueno orde!Mas,então,comoumabolotamadurapodiatercaídodaárvore?

O centauro iniciou um galope veloz. As mãos de Mandred se agarravamfortementeàaljava.Aigilaosnãomentira.Corriasobreascolinasrápidocomoo vento. Passou pelas ruínas de uma enorme torre. Atrás dela se erguia ummontecoroadoporumcírculodepedras.

Mandrednuncaforaumbomcavaleiro.Tinhacãibrasnosmúsculos,detãofortequepressionavaaspernascontraos ancosequinosdacriatura.Aigilaosria. Divertia-se às suas custas! Mandred, é claro, jurou para si mesmo, emsilêncio:jamaispediriaaocentauroquegalopassemaisdevagar.

Atravessaramum ralo bosque de bétulas.O ar estava repleto de sementesdouradas. Todas as árvores cresceram havia pouco e seus troncos brilhavamcomomar m.Nenhumdeles tinhaacascacaindoaospedaçosasárvoresqueconhecia nas terras do orde. Rosas selvagens subiam por rochas erráticassolitárias.Eraquasecomosenamatareinasseumaordemestranhaeselvagem.Poisquemdesperdiçariaoseutempoparacuidardeumpedaçode orestaquenãoproduzianenhumacolheita?CertamentenãoumsercomoAigilaos!

O caminho subia continuamente e logo tornava-se pouco mais que umaestreita trilha selvagem. As bétulas se alternavam com faias de copas tãoespessasquealuzmalconseguiaatravessá-las.ParaMandred,ostroncosaltose

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esguiossepareciamcomcolunascinzentas.Tudoestavaestranhamentecalmo.Ouviam-sesomenteasbatidasdoscascos,abafadaspelogrossotapetedefolhas.Devezemquando,Mandrednotavanascopasninhosesquisitos,quepareciamgrandes sacos de linho branco. Luzes brilhavam em alguns desses ninhos e oguerreirosentia-seobservado.Haviaalgoláemcimaqueosacompanhavacomseuolharcurioso.

Aigilaos ainda voava em seu galope vertiginoso. Cavalgaram uma hora ouatémaispelobosquesilencioso,até nalmentesubiremporumlargocaminho.Ocentaurosequersuava.

Obosqueentãotornou-semaisralo.Grossas faixasdecascalhocinzentoecobertodemusgo cortavamo chão escuro.Aigilaosdiminuiuopasso.Olhavaatentoemtornodesi.

Mandredavistououtrocírculodepedras,meioescondidoentreasárvores.Aspedraserguidasestavamcobertasdeheras.Umaimensaárvoreestavacaída,atravessandoocírculo.Olugarpareciaestarabandonadohámuitotempo.

Oguerreiro sentiu os cabelos de suanuca se arrepiarem.Ali, o ar era umpouco mais fresco. Oprimia-lhe a sensação de que algo estava à espreita umpouco forade seucampodevisão,algoestranhoatéparaocentauro.Porqueergueramestecírculodepedras?Oqueteriaacontecidonaquelelocal?

Ocaminhooslevavaaotopodeumrochedo.Avistasobreasterrasqueoscercavamerade tiraro fôlego.Logodiantedeleshaviaumamplodes ladeiroqueNaida,aamazonadasnuvens,pareciaumdia tercriadoaoracharochãopedregoso com um raio violento. Um estreito caminho esculpido na pedralevavaaumapontequeformavaumacentuadoarcosobreoabismo.

Do outro lado do des ladeiro havia suaves colinas que, na direção dohorizonte, iam se transformando emmontanhas cinzentas. Naquelamargemdorochedodesaguavaparadentrodoabismoumaporçãodepequenosriachosespumantes.

— Shalyn Falah, a ponte branca — disse Aigilaos respeitosamente. —Dizem que foi feita a partir do dedinho da gigante Dalagira. Quem a cruzaadentraocoraçãodaTerradosAlbos.Jásepassoumuitotempodesdequeumfilhodehumanosteveaoportunidadedeverestelugar.

Ocentauroseaproximoudadescidaparaodes ladeiro.Aáguaespumantemolhavaochãodecascalho liso.Começouadescercuidadosamente, tateandocomoscascosepraguejandoemumalínguaqueMandrednãocompreendia.

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Aochegaremaumaamplabordadepedra,AigilaospediuaMandredparadescer.Estavamdiantedaponte.Tinhaapenassessentacentímetrosdelarguraeasbordaseram levementecurvadaspara fora,paraqueos respingosdeáguapudessemescoaremvezdeseacumularempoças.Nãohaviacorrimão.

— Uma maravilhosa construção, de fato — murmurou Aigilaos, mal-humorado.—Os construtores sónão pensaramque por acaso pudesse havercriaturascomferradurasnoscascos.Émelhorparavocêqueatravesseapontecomseusprópriospés,Mandred.Éesperadodooutrolado.Vouporumdesvioesódevochegaraocasteloànoite,masasoberananãodeveesperar tanto—sorriu.—Esperoquenãotenhavertigem.

Aoobservaraponte lisacomoumespelho,Mandredsentiuumafraqueza.Masnãodemonstrariamedodiantedocentauro!

—Éclaroquenão tenhovertigem.Souumguerreirodo orde.Soucapazdeescalarcomoumacabra.

—Pelomenosnãoépeludocomoumacabra—Aigilaossorriu, insolente.—Nos vemos na corte da soberana.—O centauro deu-lhe as costas e logogalgouaíngremetrilhanabordadodesfiladeiro.

Mandred touaponte.Naslendasdaterradasfadas,osguerreirosmortaissempre precisavam passar por provações. Seria essa a sua prova? Teria sidoenganadopelocentauro?Nãofaziasentidoquebraracabeçacomisso!Pisounaponte, decidido. Surpreendeu-se que suas botas de inverno lhe davam bomapoio. Seguiu cautelosamente, pé ante pé.Os respingos d’água escorriampeloseurostoeoventoagarravasuabarbacommãosinvisíveis.Logoestavaempé,bemnomeiodo abismo.A água espirrava sobre a ponte emnuvens cada vezmaisdensas.Eraassimqueospássarosdeviamsesentirnasalturas,entreocéueaterra.

Curioso, examinava o chão de pedra.Não descobriu junções em nenhumlugar.Realmentepareciaqueapontehaviasidorecortadadeumaúnicarocha.Outeriamesmosidofeitadodedinhodeumagigante,comoa rmaraAigilaos?Era lisa como mar m polido. Mandred afastou esse pensamento. Se umagigantecomoessacaísse,sepultariasobsitodaaterrado orde.Essahistóriasópodiaserumalenda.

Quanto mais longe ia, mais seguro se sentia. Finalmente pisou do outrolado. Olhou para o abismo. As profundezas pareciam ter algo que o atraía edespertavamneleodesejodepular;deseentregaràliberdadedaqueda.Quantomaisolhava,maisforteficavaodesejodecederaessechamado.

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—Mandred?—Do véude vapor saiu umvulto alto e esguio. Estava todovestidodebranco.Suamãoesquerdarepousavasobreocabodaespadapresaaoseu cinto.Por re exo, amãodireitadeMandredbuscouo lugarno cintoqueabrigavaomachado.Foinessemomentoquesoubequeestavadesarmado.

Seuacompanhantepercebeuomovimento.

—Não sou seu inimigo, lho de humanos.—Afastou o cabelo do rostocomummovimentodisplicente.—MeunomeéOllowain. SouoguardiãodaShalynFalah.Minharainhameincumbiudeacompanhá-lonesteúltimotrechoatéocastelo.

Mandred examinouohomem.Ele semovimentava comadestrezadeumgato.Nãopareciamuitoforte,masumaauradeautocon ançaocercava,comose fosse o herói de muitas batalhas. Seu rosto era estreito e pálido. Orelhaspontudasespetavamocabelo louro-claro,desgrenhadopelorespingardaágua.Os olhos de Ollowain não revelavam o que estava pensando. Seu rosto eracomoumamáscara.

Mandredpensounashistóriasquecontavamnas longasnoitesde inverno.Nãohavia dúvida: aquele deveria ser um elfo! E ele também sabia o nomedeMandred...

—Porquetodosmeconhecemnestaterra?—perguntou,desconfiado.

—AsnotíciascorremrápidonaTerradosAlbos, lhodehumanos.Nossarainhanãodeixapassarnadaqueacontecenosseusdomínios.Elaenviaaseuslhos mensageiros que viajam com o vento. Mas agora venha. Temos uma

longa viagem diante de nós, e não permitirei que deixe minha soberanaesperando.Siga-me!—Oelfovirou-sesobreopatamarepisousobreapequenaribanceiraquehaviadepoisdaponte.

Mandredseguiaoelfocomosolhos,espantado.Masoqueeraaquilo?Nãoé assim que se trata uma visita, pensou ele, irritado. E irritava-se aindamaiscom o fato de que Ollowain aparentemente não duvidava em nenhummomento de que era acompanhado.Mal-humorado, seguia atrás do elfo pelaribanceira.Asparedesvermelhasdepedraeramtranspassadasporveioscinza-azulados e negros. Mas Mandred não tinha olhos para a beleza das cores.Continuavapensandoqueseguiaoelfocomoumcãosegueoseudono.

Se fosse tratadodessamaneiraporumhabitantedo orde,o teria abatidosem hesitar. Em sua terra natal ninguém ousaria tratá-lo de forma tãodesrespeitosa. Estava fazendo algo de errado? Talvez fosse falha sua? O elfo

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certamente era suscetível a elogios.Todoguerreirogostavade falar sobre suasarmas.

—Vocêlevaumaespadamagnífica,Ollowain.

Oelfonãorespondeu.

—Euprefirolutarcommachados.

Silêncio.

Mandred cerrou os punhos.Mas que carametido! Era o guardião de umaponteeserviçaldarainha.Dequeissovalia?Paraumguerreiroautêntico,oelfoerafranzinodemais.

—Naminha terra, sóoshomensmais fracoscarregamespadas.Oreidaslutaséomachado.Paralutarcomummachadoéprecisotercoragem,forçaehabilidade. Somente poucos guerreiros têm essas três virtudes na mesmamedida.

Oelfocontinuavasemesboçarnenhumareação.Oquemaisteriadedizerparatiraresselacaiodosério?

Asíngremesparedesdepedra nalmentecomeçaramarecuarederamemumamuralhaaltaebranca.Eraconstruídaemformade semicírculo, comoserecuasse diante do abismo. Mandred sabia qual era o sentido oculto disso: amuralha cavamaislonga.Dessaformahaverialugarparamaisarqueiros,casouminimigofosseloucoobastanteparaatacarocentrodaTerradosAlbosporestecaminho.

Nomeiodamuralhahaviaumatorreestreita.Umgrandeportãodebronzeseabriuquandoseaproximaram.

—Seaquelatorre casseno mdaponteou,melhorainda,láemcima,natrilha íngreme, seria mais fácil proteger a área central. Dessa forma umpunhadodehomens seria capazdedeter uma tropa inteira—disseMandredcasualmente.

—Não sepodederramar sangue sobre a ShalynFalah, lhodehumanos.Vocêrealmenteachaqueémaisespertoqueosconstrutoresdomeupovo?—Ollowainsequersedeuaotrabalhodesevirarenquantofalava.

—De fatonão tenhomuitorespeitoporconstrutoresqueseesquecemdocorrimãoaoconstruíremumaponte—retrucouMandred,afiado.

Oelfoparoudecaminhar.

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— Você é mesmo ingênuo assim, lho de humanos, ou está con andodemais na proteção da rainha? Sua ama não lhe contou o que os elfos fazemcomoshumanosqueosdesrespeitamdessejeito?

Nervoso, Mandred passou a língua sobre os lábios. Tinha cadocompletamente louco? Seria melhor ter cado com o bico calado! Mas seriahumilhantenãoresponderagora,seria...Elesorriu.Aindahaviaumasaída.

— Você mostra mesmo muita valentia ao zombar de um homemdesarmado,elfo.

Ollowain virou-se, girando a sua capa. Sua espada ergueu-seno ar, comocaboparaafrente,amenosdeumdedodedistânciadopeitodeMandred.

—Você acha que com uma arma namão é perigoso paramim, lho dehumanos?Poisentãotente!

Mandredsorriudeformainsolente.

—Estarialutandocontraalguémdesarmado.

— O primeiro sinal para reconhecer um covarde é a sua língua solta —replicouOllowain.—Esperoqueagoranãomolheascalças.

A mão de Mandred fez um movimento rápido e agarrou a espada deOllowain.Emseguida,deuumsaltoparatrás.Issoestavapassandodoslimites!Na verdade, não faria nada de mais contra esse cara arrogante, mas queriagolpeá-locomoladolargodaespadaemostrar-lhequesemeteracomapessoaerrada.Lançouumolharrápidoparaomerlãodamuralha,eviuqueninguémosobservava.Melhorassim,pensou.CertamentenãoseriaopróprioOllowainquesairiacontandoporaíquetinhalevadoumasurra.

Mandred examinou o oponente. Estava vestido de forma suntuosa, eraverdade,masheróioumágicoelecertamentenãoera.Quepessoacomacabeçano lugar seria colocada como guardiã de uma ponte que ninguém cogitaatravessar? Um babaca arrogante! Um zé-ninguém! Esse convencido agora iaaprenderaterrespeito.Mesmoquefosseumelfo.

Deu alguns golpes rápidos no ar para soltar os músculos. A arma eraestranhamente leve, muito diferente de uma espada humana. Era a ada dosdoislados.PrecisariatercuidadosenãoquisesseferirOllowainporengano.

— Você vai me atacar agora ou vai precisar de mais uma espada? —perguntouoelfo,entediado.

Mandred lançou-se para a frente. Levantou a espada como se quisesse

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rachar o crânio de Ollowain. No último segundo mudou a direção do golpe,paraacertar comas costasdamãooombrodireitodoelfo.Mas suaespadadaperdeu-senovazio.

Ollowain se afastara o su ciente para que Mandred errasse o golpe poralgumaspolegadas.Oguerreirovestidodebrancoriucompetulância.

Mandredtomoudistância.Oelfotinhaaestaturadeummenino,masaindaassimqueria lutar.Mandredtentariaoseumelhortruque:umaartimanhaquecustaraavidadetrêsinimigosseus.

Pisou para a frente com o pé esquerdo como se quisesse dar uma sonorabofetadaemOllowain.Aomesmotempo,deuumgolpedeespadadobrandoamão direita, mirando o joelho do oponente. Esse golpe de espada, dado commovimentosmínimos,sófoipercebidoporseusinimigosquandoalâminajáosatingira.Mas um soco desviou suamão para o lado. E um pontapé atingiu apontadaespada,fazendo-aerraroalvo.Oelfoentãocravou-lheojoelhoentreaspernas.

Mandredviuestrelas,enãoconseguiarespirardetantador.Umempurrãono peito tirou-lhe o equilíbrio, e uma segunda pancada o fez tropeçar. Elepiscavaparatentarvoltaraenxergarmelhor.Masoelfoeratãorápidoqueseusmovimentossumiam,comoespectrossobrenaturais.

Semforças,Mandreddeuumgiroparaseafastardoadversário.Algoatingiusuamãodireita.Seusdedosadormeceramdedor.A lâminadeMandredagorasóeraguiadaporseusinstintosdeguerreiro,edesenhouumsemicírculonoar.Sentia-sedesamparado,enquantoOllowainpareciaestaremtodososlugaresaomesmotempo.Entãoumempurrãoarrancouaarmadesuamão.Umgolpedearatingiuoguerreironoladodireitodaface.Ealutaentãoacabou.

Ollowain recuara alguns passos. Tinha a espada na bainha, como se nadativesseacontecido.Aospoucos,Mandredvoltavaaenxergarcomclareza.Haviamuito tempo que ninguém lhe dava uma sova como essa. O traiçoeiro elfoevitaraacertá-lonorosto,assimninguémnacorteperceberiaoqueaconteceu.

—Vocêdeveter cadocommuitomedo—disseMandred,ofegante—,jáqueprecisouusarmagiaparamevencer.

—Então,seosseusolhossãolentosdemaisparameacompanhar,trata-sedemagia?

—Nenhumhumanoécapazdesemovertãorápidosemmágica—insistiuMandred.

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OslábiosdeOllowainesboçaramumsorriso:

—Issomesmo,Mandred.Nenhumhumano.—Eleapontouparaoportãoda torre, que agora estavabemaberto.Ali dois cavalos selados esperavamporeles.—Vocêmedariaahonrademeseguir?

Todos os ossos de Mandred doíam. Com as pernas rígidas, andou até oportão.Oelfomantinha-seaoseulado.

— Não preciso do apoio de ninguém — resmungou Mandred, mal-humorado.

— Caso contrário faria papel de coitado também na corte. — Um olharamigávelsuavizouaacidezdaspalavrasdeOllowain.

Os cavalos aguardavampacientemente sob o arco do portão.Não se viamservos que os tivessem trazido até lá. Uma entrada abobadada penetrava naforte torre como um túnel. Ela estava vazia. Atrás dos merlões da muralhatambém não se via ninguém. De repente, Mandred mais uma vez se sentiaobservado. Será que os elfos queriam esconder algo, tão forte era a guarniçãoque guardava o portão para a área central? Será que o tomavam por uminimigo?Porumespião,talvez?Mas,sefosseassim,porqueocarvalhooteriacurado?

Dois cavalos, um branco e outro cinzento, esperavam por eles. Ollowaindirigiu-seaogaranhãobrancoeafagouseufocinho,brincalhão.Mandredteveaimpressão de que o cavalo cinza o encarava com expectativa. Não entendiamuitodecavalos.Estesanimaiseramdebaixaestatura;tinhamjuntasmagrasepareciamfrágeis.MaselejásedeixaraenganarpelaaparênciadeOllowain.Elesprovavelmente eram mais fortes e resistentes que qualquer outro cavalo quecavalgara até agora. Com a exceção de Aigilaos. A lembrança do centauropresunçosofê-losorrir.

Mandredgemeuao se lançar sobrea sela.Quandoestava sentadomaisoumenosereto,oguerreiroelfo sinalizouqueo seguisse.Opisardoscascos semferraduras ecoava surdo nas paredes do túnel do portão.Ollowain seguiu porumcaminhoquesubiapelasverdescolinaslevementeinclinadas.Foiumalongacavalgadaatéocastelodarainhadoselfos,passandoporbosquesescuroseporuma in nidade de pequenas pontes. Às vezes via-se ao longe casas comtelhados de abóboda muito curvados. Colocadas na paisagem com muitocuidado, lembravam aMandred pedras preciosas, trabalhadas e engastadas deformamuitoespecial.

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As terras que cruzava com Ollowain eram de primavera. Mais uma vezMandredseperguntavaquantotempoteriadormidosobocarvalho.Aslendasdiziamquenaterradoselfosaprimaverareinavaeternamente.Certamentenãosepassarammaisquedoisou trêsdiasdesdeque cruzarao círculodepedras.Talvez até um só! Esforçava-se para organizar os pensamentos, para não secolocardiantedarainhacomoumtolo.Nessemeio-temposeconvenceudequeohomem-javalivieradali,domundodoselfos.PensavaemXerneemAigilaos.Aqui não parecia ser nada incomum que homens e animais se fundissem—justamentecomonocasodacriaturaqueoatacara.

Quando os nobres das terras dos ordes se encontravam para falar dejustiça, cabia aMandred representarFirnstayn.Ele sabia o que eranecessáriofazer para cortar um con ito pela raiz. Se ocorresse um assassinato quevitimasse um homem, a família do assassino tinha de arcar com umaindenização à família da vítima. Feito isso, não havia mais motivos paravingança e derramamento de sangue. A criatura viera daqui. Por causa dela,Mandredperderatrêscompanheirosearainhadoselfostinharesponsabilidadesobre isso. Firnstayn era tão pequena que a perda de três homens robustospoderiaprejudicarasuaposição.Porissoexigiriaumaaltaindenização!SóLuthsabiaquantoshomensdeoutras aldeias forammortospela fera.Os lhosdosalboscausaramoprejuízo,eagoraprecisavamseresponsabilizarporele.Nadamaisjusto!

Certamenteoselfosnãotemeriamumcon itocontraasuaaldeia.Mas,porseus amigosmortos, era seu dever se pronunciar diante da rainha para exigirjustiça. Será que a soberana da Terra dos Albos pressentia isso? Sabia ela daculpaquetinha?Foiporissoqueordenouqueobuscassemcomtantapressaeolevassematéacorte?

No mda tarde avistarampelaprimeira vezo casteloda rainhados elfos.Estava ainda um pouco distante, sobre uma colina íngreme do outro lado deumaamplaregiãodebosquesecampinas.Asuavisão faziaMandredperderafala. O castelo parecia crescer diretamente da pedra e querer perfurar o céucomotopodastorresmaisaltas.Asmuralhaseramdeumbrancoreluzenteecontrastavamcomoverde-azuladodastorres—quelembravaotomdobronzevelho. Nenhum dos senhores das terras do norte tinha um domicílio quepudesse ser comparado à menor das torres deste castelo. Mesmo o átriodourado do rei Horsa pareceria insigni cante em comparação a todo esseesplendor.Quãopoderosadeviaserasenhoraquereinavanestasterras!Equãoricaparecia ser...Tão ricaque sóprecisaria estalarosdedosparamandarque

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cobrissemdeouro todasascasascomunaisdesuaaldeia.Eleprecisavare etirsobre o valor que estabeleceria como compensação pela morte de seuscompanheirosdecaça.

Embora não tivesse dito nada, Mandred estava surpreso com o quãolentamente se aproximavam do castelo. Os cavalos voavam sobre a terra,rápidoscomoovento,masnohorizonteocastelomalaumentavadetamanho.Passaram por uma árvore que parecia tão velha quanto as montanhas. Seutronco era robusto como uma torre e havia coisas esquisitas em seus ramosamplamenteespalhados.Eracomoseamadeiravivativesseproduzidocabanasredondasnas junçõesentreosgalhos.Haviapontesdecordaqueseesticavamligando as cabanas entre si. Entre os galhos,Mandred conseguia ver silhuetassemiocultas.SeriamelfoscomoOllowain?Ouaindaumoutropovoestranho?

De repente, uma revoada de pássaros levantou voo da árvore, como seobedecendo aumcomando inaudível. Suasplumagensbrilhavamem todosostonsdoarco-íris.PassaramvoandosobreMandred,muitopróximos, traçandoumamploarconocéu,eentãoderamvoltassobreosdoiscavaleiros.Pareciamsermilhares.Oarseencheudofarfalhardasasas.Adançadascoresdaspenasera tão maravilhosa que Mandred não conseguiu desviar o olhar, até que obandoaospoucossedissipou.

Ollowain caraemsilênciodurante todoopercurso.Parecia estarabsortoem pensamentos, e indiferente às belezas das terras centrais. Mandred, emcontrapartida,nãosefartavadeadmirá-las.

Passaramentãoporumlagoraso.Nofundoreluziampedraspreciosas.Quetipode seres eramaquelesque simplesmente jogavam tesouros comoessesnaágua?Bem, elepróprio já tinha feitooferendas aosdeuses.Numacalmanoitedeluacheia,levouomachadodoprimeirohomemquevenceuàFonteSagrada,nas profundezas das montanhas, e com ele presenteou Norgrimm, deus dasbatalhas.FreyaeasoutrasmulheresprestaramhomenagensaLuth,trançandoosgalhosda tíliadaaldeia com tirasde tecido feitas artisticamente.Masnadaque se comparasse àquilo.Já que o povo él co parecia tão rico, pareciaapropriadooferecer pedras preciosas a seus deuses.No entanto, tanta riquezairritavaMandred.Elenãosabiacomochegaraaqui,jáqueestereinonãopodiaestartãodistanteassimdasterrasdo orde.Eaquihaviatudoemabundância,enquanto seus semelhantes passavam necessidades no inverno. Apenas umapequena porção destes tesouros já seria capaz de acabar com a fome parasempre. Qualquer valor que exigisse como reparação por seus companheirosmortoscertamenteseriainsignificanteparaoselfos.

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Emvezdeouroepedraspreciosas,elequeriaoutracoisa.Queriavingança.Ocorpodaquelafera,ohomem-javali,teriadeserentreguesemvidaaseuspés!

Mandred observou Ollowain. Um guerreiro como ele certamente seriacapazdederrotaromonstrocomfacilidade.Suspirou.Agoratudopareciamaisfácil.

Chegaramaumralobosquedefaias.Osomdas autasdançavanoar.Emalgum lugar das copas das árvores soava uma voz tão pura que iluminava oscorações. Embora Mandred não entendesse uma palavra sequer, a sua iraevaporou.Oquesobroufoisomenteolutopelosamigosperdidos.

—Quemestácantandoali?—perguntouaOllowain.

Oguerreirovestidodebrancoolhouparaacopadasárvores.

—Umadonzeladopovoda oresta.Éumpovosolitárioesuavidaémuitoligadaàsárvores.Senãoqueremservistos,entãoninguémconsegueencontrá-los,anãoserosseussemelhantes, talvez.Sãoconhecidosporseucantoeporsua habilidade com o arco e movem-se pelos ramos como sombras. Tenhacautelaaoadentrarumadesuas orestasse tiverdiferençascomeles, lhodehumanos.

A ito,Mandredlevantouosolhosparaasárvores.Vezououtraacreditavaver sombras lá em cima, e estava satisfeito que logo deixariam o bosquenovamente.Osommornodasflautasaindaosacompanhouporumtempo.

Osoljátocavaasmontanhasnohorizontequandoalcançaramoamplovalesobreoqualocastelodarainhase impunha.Ao longodeumpequenoriachohaviaumacampamento.Estandartesdesedatremulavamaoventoeasbarracaspareciamcompetirumas comasoutras em suntuosidade.Nas colinas viam-secasascomcorredoresladeadosporcolunas.Algumasdelaseramligadasentresipor longoscaramanchõescobertosde rosaseheras.Asconstruçõesem tornodaencostaeramtãovariadasquenãoerapossíveldesviaroolhar.Porém,oquemais impressionava Mandred era o fato de não haver nenhuma muralhacercandoacolôniadoselfosenenhumatorredeobservaçãonascolinasaoseuredor.Elespareciam totalmente segurosdeque este vale jamais seria atacado.Nemmesmoocastelodarainha,comsuastãoimpressionantestorresdaalturado céu, funcionaria como uma poderosa estrutura de defesa. Muito aocontrário:elealegravaoolhardeumobservadorpací co,emvezde intimidarconquistadoressedentos.

Mandred e Ollowain prosseguiram até o portão por um largo caminho,

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totalmente cobertopelas copasdeárvores e iluminadopelobrilhodouradodaluz de lampiões a óleo. O túnel do portão era mais curto que o outro, naforti caçãonodes ladeiroapósShalynFalah.Guerreiroselfoscobertosatéostornozelos por cotas de malha recostavam-se sobre seus escudos. SeguiamMandred com o olhar — atentos, porém discretos. No amplo pátioaglomeravam-se nobres ricamente vestidos que o examinavam sem qualquerpudor. Seus olhares faziamMandred se sentir sujo e insigni cante. Todos alivestiam túnicas luxuosamente bordadas, a ponto de re etir a luz doscandeeiros. Os trajes eram repletos de pérolas e pedras queMandred sequerconseguia nomear. Ele, em contrapartida, estava vestido de trapos: uma calçarasgada emanchadade sangue, um colete de pele puído.Precisavapassar poreles comoummendigo.Maso fez altivamente,de cabeça erguida.Vestira,nafaltadealgomelhor,oseuorgulho!

Ollowainsaltoudasela.SóentãoMandrednotouum norasgonacapadoguerreiro. Teria o atingido durante o duelo? Era certo que Ollowain jamaisvestiriaumapeçaderouparasgadasemnecessidade.

Mandred também apeou. Um rapaz com pernas de bode aproximou-seapressado e agarrou as rédeas do cavalo. Mandred observou abismado ocuidador, que fedia como um bode velho. De novo um homem-animal! Eleseramaceitosatémesmonestemagníficocastelo!

Do grupo de cortesãos veio um elfo bem alto. Vestia uma longa túnicanegra,comabainhaornadadebordadosdeprataemformade folhase oresentrelaçadas.Tinhacabelosgrisalhoscomoprataatéaalturadosombroseumacoroa de folhas prateadasmuitomacias descansava sobre suas têmporas. Seurostoerapálido,quasesemcor,eos lábioseramapenaslinhas nas.Nosseusolhos queimava um azul frio e claro. Ollowain curvou-se rapidamente diantedele.Adiferençaentreosdoisnãopoderiasermaior:paraMandred,eleseramcomoluzesombra.

— Minhas saudações, mestre Alvias. Como nossa soberana Emerelledesejava, trouxeo lhodehumanosemsegurançaatéo castelo.—O tomdevoz deOllowain não deixava dúvidas de que o desejo de sua rainha era umaordem.

Ambos os elfos trocaram olhares, e a Mandred pareceu como seconversassemem silêncio. Finalmente,mestreAlviasdeu a entender comumgestoquedeveriasegui-lo.

O guerreiro sentiu-se como se estivesse preso em um pesadelo quando,

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seguindo mestre Alvias, começou a subir uma larga escada que levava a umcorredor com colunas. Tudo ao seu redor era de uma beleza opressora eimpregnadodeumaestranhaauramágica—umlugartãoperfeitoquecausavamedo.

Atravessaramdois amplos átrios.Cadaumdelespoderia abrigar todaumaaldeia. Do teto pendiam largos estandartes, enfeitados com águias e dragõesestilizados, mas também havia guras de animais que Mandred nunca viraantes.Emboranãopercebessenenhumacorrentedear,elessemovimentavamcomo se embalados por uma suave brisa. Ainda mais incomuns eram asparedes.Aoseaproximar,via-sequeeramfeitasdepedrabranca,assimcomoapontedeShalynFalaheaforti caçãodooutroladododes ladeiro.Apedradocastelo, contudo,pareciaenfeitiçada:dela irradiavauma luzpálidae feminina.A poucos passos de distância desaparecia a impressão de se estar cercado depedra.Quemaliestavaentãotinhaasensaçãodesemoverporumátriodeluz.

Sempreque seaproximavamdeumaporta, suas folhas seabriamcomosemovidas por uma mão invisível. No meio do segundo átrio havia uma fontecujas águas saíam da garganta de um monstro para desaguar em um lagopequeno e redondo. A besta estava cercada de guerreiros petri cados. A ito,Mandred sentia seu coração bater mais rápido. Se precisava de mais umademonstraçãodospoderesmágicosdarainha,jáatinha.Seaaborrecesse,elaotransformarianumenfeitedepedraparaoseucastelo!

Outro portão alto abriu-se diante deles. Adentraram um salão de paredesocultasporumacortinade águaprateada e cintilante.Não tinha teto: emvezdisso, era o brilho avermelhado do céu noturno que se arqueava sobre eles.Umamúsicabaixapairavanoar.Mandrednãosabiadizerquais instrumentosseriam capazes de emitir tão lindos sons. A música dissipou o medo quecresceraemseupeitodesdequepisaranopátiodocastelo.Estecertamentenãoeraumlugarfeitoparahumanos.Elenãodeveriaestaraqui.

Cercade trêsdúziasde elfos já esperavamno salão, cujosolhospousaramtodossobreMandred.Eraaprimeiravezqueoguerreiroviaelfas.Eramaltasemagras, tinham quadris mais masculinos que as fêmeas humanas e os seioserammiúdoserígidos.Quandosetratavadehumanos,Mandrednãogostavademulheresassim,quaseinfantis.Masaselfaseramdiferentes.Tinhamrostosdeumabelezacapazdefazeresquecertodooresto.Nãosabiadizerseeraculpadeseuslábioscurvos,dostraçossemidadeoudosolhosqueatraíamparaabismosque prometiam prazeres desconhecidos. Ao esconder as qualidades de seuscorpos magros, realçavam-nas ainda mais. Mandred não conseguia tirar os

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olhos de uma das elfas. Vestida de forma mais provocante que as demais, otecido de sua túnica deixava transpareceer as aréolas rosadas de seus seios eumasombraatraentedestacava-seentresuascoxas.Nenhumahumanaousariavestir-seassim.

Defronte do portão, sete degraus subiam até o trono do povo él co: umacadeiralisademadeiraescura,comincrustaçõesdepedraspretasebrancasnoformato de duas serpentes entrelaçadas. Ao lado do trono havia uma colunabaixacomumatigelarasadeprata.Diantedoassentodosoberanoestavaumajovemelfa. Eraumpoucomais baixa que as outrasna sala. Seu cabelo louro-escuro caía em ondas sobre os seus ombros nus e brancos como leite. Seuslábios tinham a cor das amoras silvestres e seus olhos eram castanhos-claroscomoapeledeum lhotedecorça.Trajavaumvestidoazul,com osdeprataentrelaçados.FoidiantedelaquemestreAlviassecurvou.

—Emerelle,soberana,esteéo lhodehumanosMandred,queadentrouovossoreinosemserchamado.

A rainha tou Mandred com um olhar penetrante. Ele não conseguiadecifraremseurostooqueelaestavapensandoepermanecia inerte,comosetalhadoempedra.Essemomentopareceudurarumaeternidade.Amúsica foibaixandoatésumir,eagorareinavaapenasosuavemurmúriodaágua.

—Qualéoseudesejo,MandredFilhodeHumanos?—Finalmentesoouaclaravozdarainha.

AbocadeMandredestavaseca.Duranteacavalgadapensaramuitonoquedeveriadizerquandoestivessedefrentecomarainhadoselfos.Masagorasuacabeça estava vazia, semnada alémdapreocupação comos seus e da ira pelamortedeseuscompanheiros.

—Exijoumaindenizaçãopeloassassinatoqueumdeseussúditoscometeu,soberana.Essaéaleidofiorde!—Deuumpassoadiante.

O barulho da água tornou-se mais alto. Atrás de si Mandred ouviumurmúriosdeindignação.

— Qual de meus súditos teria cometido tal assassinato? — perguntouEmerellecomvozcalma.

—Não sei onome,mas é ummonstrometadehomem,metade javali.Vimuitascriaturascomoeleaolongodocaminhoparavossocastelo.

Umarugaprofundasurgiuentreassobrancelhasdarainha.

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—Nãoconheçonenhumsercomooquevocêdescreve,MandredFilhodeHumanos.

Mandredsentiuosanguesubiratésuasfaces.Quementirainsolente!

—Vossomensageiro foi um centauro, e no pátio do castelo umhomem-bodelevouoscavalos.Deondemaispoderiatervindoumhomem-javalisenãodevossoreino,rainha?Euexijo...

Aáguaagoracorriaretumbanteparedeabaixo.

— Você ousa chamar nossa rainha de mentirosa! — indignou-se Alvias.UmamultidãodeelfoscercouMandred.

Oguerreirocerrouospunhos.

—Euseiexatamenteoquevi!

—Mantenham a hospitalidade!— A rainhamal levantou a voz, mas foiouvida por todos. — Fui eu quem convidou o lho de humanos a esta sala.Aquelequetocá-lotambémcutucaráaminhahonra!Evocê,Mandred,segureasualíngua.Eulhedigo:nãoexistenaTerradosAlbosumacriaturacomoaquese referiu.Conte-nos o que esse homem-javali fez. Seimuito bemque vocês,homens,evitamocírculodepedras.Porquevocêfugiuparacá?

Mandredcontousobreacaçadaemvãoesobreaforçadacriatura.Quandoterminou, viu que a ruga entre as sobrancelhas de Emerelle tornara-se aindamaisprofunda.

— Lamento pela morte de seus companheiros,Mandred. Que eles sejambemacolhidosnosátriosdeseusdeuses.

Oguerreiroencaravaarainha,surpreso.Esperavaqueelaprosseguisse,quelhe zesse uma proposta. Isso não podia ser tudo! O silêncio continuava.MandredpensouemFreya.Cadahoraperdidacolocava-aaindamaisemperigo—issoseaferajánãotivesseselançadosobreFirnstaynhátempos.

Envergonhado,baixouoolhar.Dequevaliaoseuorgulhoseforapagocomosanguedosseus?

—RainhaEmerelle,eu...eupeçoavossaajudanacaçaaessemonstro.Eu...peçoperdãoseaofendi.Sousóumhomemsimples.Lidarcompalavrasnãoéomeuforte.Eufalocomocoração.

—Vocêvemameucastelo,Mandred,ofende-mediantedeminhacorteeagora pergunta se eu arriscaria a vida de meus caçadores para cuidar de um

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problema seu? Você só pode mesmo estar falando com o coração, lho dehumanos.—AmãodeEmerellefezummovimentocircularsobreorecipientedeprata, e ela lançouum rápidoolhar sobre a água.—Eporminha ajuda, oquemeofereceemtroca?Oseupovonãopagasanguecomsangue?

Mandred surpreendeu-se. Os soberanos das terras do orde sempreexpressavamabertamentesuasexigências,sempechincharcomocomerciantes.Pôs-sedejoelhos:

—Liberteaminhapátriadaquelemonstroevossamajestadereinarásobremim.Estareiaovossodispor.

Emerelleriubaixo.

—Mandred,naverdadevocênãoéexatamenteumhomemqueeugostariade verpertodemim todososdias.—Ela se calou e voltou aolhardentrodatigela prateada. — Eu exijo o que Freya, sua esposa, carrega no ventre. Oprimeiro lhoquedaráavocê,MandredFilhodeHumanos.Nãoseconsegueaamizadedopovoél coapenascompalavrasvazias.Mandareibuscaracriançadaquiaumano.

EracomoseMandredtivessesidoatingidoporumraio.

—Omeu lho?—Voltouoolharparaosoutros elfos, comoquepedindoajuda. Mas em nenhum dos rostos havia compaixão. Como dizia mesmo ahistória infantil? Os corações dos elfos são gelados como as estrelas deinverno...—Crave-meumpunhalnopeito,rainha.Minhavidaterminaaquieagora. Pagarei esse preço sem hesitar se vossa majestade ajudar os meussemelhantesemtroca.

—Grandiosaspalavras,Mandred—replicouarainhacomfrieza.—Masdequeserviriaderramaroseusanguediantedosdegrausdomeutrono?

—Edequeserviriaumacriança?—protestouMandred,emdesespero.

— Essa criança será um elo entre os homens e os elfos — retrucoucalmamente. — Ela deverá crescer entre o meu povo, e terá os melhoresmestres.Quandooseu lhotiver idadesu ciente,poderádecidirsequer carconosco para sempre ou se deseja retornar para os seus irmãos humanos. Sequiser voltar, lhedaremos ricos presentes para levar consigo, e estou certa deque conquistaria o seu lugar entre os mais importantes do seu povo. Mas adádivamais importanteque levariaparaomundodoshomensseriaaamizadedopovoélfico.

Mandred tinhaa sensaçãodequeagraciosaelfa seguravaeapertavao seu

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coraçãocommãodeferro.Comopoderiaprometeraoselfoso lhoqueaindanãonascera?Mas,serecusasse,entãoacriançapoderiasequerchegaranascer.Quanto tempoduraria atéque aquelabesta adentrasseopequenopovoadonofiorde?Játeriachegadolá?

—Freya,minhaesposa,aindaestáviva?—perguntoutristemente.

Arainhapassouamãosuavementesobreatigeladeprata.

—Alguma coisa está escondendo a criatura que você chama de homem-javali.Mas ela aindaparece estarpróximado círculodepedras.Não atacouoseu vilarejo.—Ela ergueu os olhos e o encaroudiretamente.—Qual é a suadecisão,MandredFilhodeHumanos?

“Ainda terei outros lhos com Freya”, Mandred tenta convencer a simesmo.Talvezelatenhanoventreumamenina,eaperdaentãonãoseriatãodifícil.Eleeraojarldesuaaldeia,oresponsávelportodos.Oqueeraumavidasecomparadaatodasaquelasoutras?

—Vocêteráoqueexige,rainha.—AvozdeMandrednãoeramaisqueumsussurro.Seuslábiosqueriamtrancaraspalavras,maseleseobrigavaafalar.—Seosseuscaçadoresmataremohomem-javali,entãoomeu lhopertenceráavós.

Emerelleacenoucomacabeçanadireçãodeumelfovestidodecinza-claroepediu-lhequedesseumpassoàfrente.

— Farodin do clã Askalel, você já provou sua coragemmuitas vezes. Suasabedoriaeexperiênciatornarãoacaçadabem-sucedida.Convoco-oagoraparaaCaçadadosElfos.

Mandred sentiu um arrepio subir por suas costas. A Caçada dos Elfos!Quantashistóriasjáouvirasobreessasociedadecercadadesegredos!

Dizem que esses caçadores extraordinários não deixam passar nenhumapresa.Eoseualvosempreencontraamorte.Lobostãograndesquantocavalossão seus cães de caça e, nas veias de seus cavalos, corre fogo líquido. Elescavalgampelocéunoturno,escondidossobaluzdasfadas,eseatiramsobreaspresas como águias. Apenas os mais nobres e valentes podem participar dacaçada. Todos são tanto guerreiros quanto feiticeiros e tão poderosos que ostrolls escondem-se em seus castelos quando eles saem para caçar. Até osdragões os temem.Eu consegui colocá-los na pista daquela aberração, pensouMandred,exultante.Elesdestroçariamaferanumavingançasangrentaporseusamigosmortos!

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A rainha ainda chamoumais alguns nomes,mas os que foram chamadospareciamnãoestarnasaladotrono.Finalmenteindicouuma guravestidademarrom,queàprimeiravistapareciaassustadora.

—NuramondoclãWeldaron,asuahorachegou.

Ummurmúriotomoucontadoselfosaglomerados.

Umaelfa sedestacoudeumdosgrupos,dandoumpassoà frente.Pareciamaissurpresaqueosdemais.

—Minha soberana, você gostariamesmo de expô-lo a esse perigo? Vocêconheceasuasina!

—Foiporissomesmoqueoescolhi.

Mandred encarou furtivamente o elfo de cabelos castanhos. Ele pareciainseguro.Certamentenãoeraumcaçadorexperiente!

—Amanhã cedo aCaçadadosElfosdevepartir paramatar omonstrodeque nos contaram. E você, Mandred Filho de Humanos, será o líder, poisconheceaferaeasterrasqueelaassola.

Omurmurarnasalacessourepentinamente.Maisumavez,Mandredsentiatodososolharespousaremsobre ele.Elenãopodia acreditarnoqueEmerelleacabara de dizer. Ele, omenos nobre aos olhos dos presentes, fora escolhidopara lideraraCaçadadosElfos!QueriaapenasqueFreyaestivesseaoseu ladoagora.

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Umanoitenacorte

Nuramonestavadepénomeiodoseuquarto.ArainhaconvocaraseteelfosparaaCaçadadosElfos,ehaviasetequartos.Osaposentosforamconstruídospara que os caçadores pudessem se equipar e descansar. Era ali que os seusparentesprestavam-lheashonras.Ealiestavaele,completamentesozinho.

O quarto tinha paredes e teto ricamente decorados com afrescos eincrustadosdepedrascordeâmbarqueirradiavamumaluzquente.NaparedeàdireitadeNuramonhaviaumnichoonderepousavamalgumasarmaseoutrosequipamentos, mas também enfeites e joias cujos poderes mágicos ele podiasentir.AlgumdiaosseuspredecessorescarregaramtudoaquilonaCaçadadosElfos.Quandovoltavamdacaçadasempredeixavamalgonosquartos.

Portersidochamado,Nuramonpodiaseapoderardealgumasdessaspeças— ao menos foi o que Farodin lhe disse. Mas ele não queria tomar para sinenhuma dessas coisas; também não queria tirar o seu brilho. Então o seuequipamentopermaneceu sendoapenasoque jápossuía,oque, aliás,não eramuito.Oscostumesexigiamqueosparentesoencontrassemaquiparaprestarauxílioeequipá-lo.Masobancodepedradiantedonichonãoestavaservindodeassentoparanenhumparente,nemguardandoqualquerpresente.

Arainhanão lheprestaraumagrandehonraaoconvocá-loparaaCaçadadosElfos?Elenãomereciaque,comoeradehábito,oseuclãviesseatéeleparademonstrarsuaalegria?Emvezdisso,todossemostraramsurpresos.Sequerseesforçaram para cochichar quando zombavam dele. Ele era um renegado, etinhacertezadequenemmesmoarainhaseriacapazdemudarisso.

E o quemais havia nestemundoque o prendesse aqui, com a exceçãodeNoroelle?Seuspaisjáhaviampartidoparaoluarhaviamuitotempo.Nãotinhairmãos,somentepoucosamigos.SóhaviaNoroelle.Somenteelaparecianãosea igir com seu legado. Se tivesseouvido adecisãoda rainha, certamente teriadivididocomeleasuaalegria.Teriavindoatéelenestecômodo.

NuramonouviraashistóriasdaúltimaCaçadadosElfos.OscompanheirosafastaramumlídertrolldeKelpenwall.Asfamíliasofereceramarmase todootipodepreciosidadesparaosguerreiros escolherem.Eaqueles cujospresentes

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foramescolhidospeloscaçadoresencheram-sedeorgulho.

Neste momento, enquanto estava ali sozinho, seus companheiroscertamente recebiam equipamentos nos outros quartos.Com certeza tambémhavia algumas pessoas com o lho de humanos. Nuramon perguntou a simesmoseumelfojáinvejaraumhumanoalgumavezantes.

Obarulhodepassosdiantedaportatirou-odeseuspensamentos.Virou-senaesperançadequefossealgumdeseusprimos,primas, tios, tiasouqualquerumde sua família.Masantesqueaporta se abrisse,Nuramonouviuumavozfeminina chamar o seu nome. A porta se abriu. Uma elfa vestida com umatúnicacinzadefeiticeiraadentrouoquarto.

— Emerelle — disse ele, surpreso. A soberana tinha agora um aspectototalmentediferente.Pareciamenosumarainhaemaisumafeiticeiraviajantede grandes poderes. Seus olhos castanhos-claros brilhavam à luz das pedras enosseuslábioshaviaumsorriso.—Vocêveioatémim?—perguntouele.

Elafechouaporta.

—Eparecequesouaúnica.—Aproximou-sedelecomtamanhaelegânciae autoridade que Nuramon pensou ter diante de si uma elfa dos tempos dassagasheroicas.Arainhapresenciaraessesgrandestempos.Elanãoforageradade elfos; descendia diretamente dos albos e os vira antes que deixassem omundo.EmalgumlugardestecasteloEmerelleescondiaasuaPedradosElfos,ajoia que herdara dos albos e que ela só deveria utilizar para segui-los. Mas,então,porquevieraatéelecomoumamaga?

Comoselesseosseuspensamentos,elarespondeu:

—Éuma tradiçãoquea rainha façaumavisitaacadamembrodaCaçadadosElfos.Ecomoouvivozesemtodososlugares,excetonoseuquarto,decidicomeçar por aqui. — Permanecia de pé diante dele, e o encarava comexpectativa.Umhálitode oresfrescasdeprimaverainvadiuoseuolfato.Eraoperfumedarainhaqueoconfortava.

—Desculpe-me—disseemvozbaixa.—Nãoconheçomuitobemtodasastradições.—Olhouparabaixo.

— Você nunca sonhou em participar da Caçada dos Elfos? Toda criançasonha, conhece as tradições e cada um dos passos da trilha que se percorrenessanoite.

Nuramonsuspiroueaolhounosolhos:

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—Umacriançaquenãosesenteaceitaemlugarnenhumsonhacomcoisasmenores.

Lembrouotempoqueseseguiuàidadeseuspaisparaoluar.Eleaindaerapraticamenteumacriança,masninguémveioparacuidardele.Seusparentesorecusaram,eeleentãoretornouparaacasanaárvorequeforadeseuspais.Lácou sozinho. Somente os lhos dos albos, para os quais a maldição que os

elfos atribuíam a Nuramon não tinha nenhum signi cado, o aceitaram porperto.Enãotinhamsidomuitos.

— Eu sei como é difícil — disse a rainha, tirando Nuramon de suaslembrançascomsuaspalavras.—Masaminhadecisãoserásimbólicaparaosdemais.Agoraelesestãosurpresos,maslogoverãovocêcomoutrosolhos.

— Eu queria poder acreditar nisso — disse e se esquivou do olhar deEmerelle.

—Olheparamim,Nuramon!—elaexigiu.—Nãoseesqueçadequesouasuarainha.Nãopossofazercomqueosoutrosoamem.Masvoutratá-locomotrato os demais. Você se sente solitário e se pergunta se ainda pertence aoselfos,maslogoosoutrosoreconhecerãocomooquevocêrealmenteé.—Elabaixouoolhar.—Vocêsuperouadordasuatenra idade.ÉcomoseNoroelletivessedespertadoforçasemvocêqueninguémpensavaserempossíveis.Agorachegouomomentodeeulhedaroreconhecimentoquevocêmereceporsuasvirtudes.

—Euvouaproveitaressachance,Emerelle.

Arainhaolhouemvoltanadireçãodaporta.

— Já que ninguém vem e os caçadores sempre precisam estar equipados,gostaria de me encarregar de seu equipamento. Pedirei que o tragam a seusaposentosmaistarde.

—Mas...

—Nãodigaque issonãocompeteavocê!Olheparacima.—Elaapontouparaoretratodeumaelfaque lutavacontraumdragão.—AquelaéGaomee.Ela derrotou o dragãoDuanoc, que chegou a nossas campinas pelo portão deHalgaris.

Gaomee! Duanoc! Halgaris! Esses eram nomes do mito que remetia agrandesproezas,equelembravaosvelhostemposheroicos.

Muitos dragões já chegaram à Terra dos Albos, mas apenas poucos

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encontraram seu lugar neste mundo e zeram um pacto com os elfos. MasDuanoc estavamuito longe de aceitar umpacto desse tipo. Pelomenos era oquesecontava.Ea jovemGaomeeoabateu.UmarrepiosubiupelascostasdeNuramon.

Arainhacontinuou:

— Gaomee já não tinha mais família. Eu a escolhi, o que naquela épocacausou grande surpresa. Via nela algo que certa vez vi em mim mesma. —EmerellefechouosolhoseabsorveuNuramontotalmenteemseuencanto.Elenuncaviraaspálpebrasdarainhacerradas.Suaaparênciadeviaseressaquandodormiaesonhavacomcoisasquesomenteumaelfadepoderesextraordináriosseria capaz de compreender. — Vejo Gaomee com tanta clareza na minhalembrança...Elaestavaaquiempédiantedemim,elágrimascorriamporsuasfaces. Ela não tinha a armadura adequada para sair com os outros para lutarcom Duanoc. Então eu a equipei. Um guerreiro jamais pode estar malguarnecido,principalmenteaoadentraroreinodoshomens.

— Então eu aceito. — Nuramon olhou para cima, para o afresco deGaomee, e perdeu-se naquela visão. A rainha lhe abrira uma porta que elejamais acreditou que se abriria para ele. Há muito se contentava com suaposiçãoàmargemdosdemais.

— Eu sei que isso é novo para você — disse a rainha em voz baixa,arrancando-omaisumavezdeseuspensamentos.—Masesseéummomentode transição para a sua alma. Nunca alguém a quem se deu o nome deNuramonfezpartedaCaçadadosElfos.Vocêéoprimeiro.EcomoaCaçadadosElfostambémtemavercomglória,quandovocêretornar,muitosterãodedecidirseoreceberãocomescárniooucomreconhecimento.

Nuramonnãoconteveumsorriso.

—Porquesorri?Dividacomigoosseuspensamentos—pediuEmerelle.

— Não pude evitar pensar no medo que vi no rosto de meus parentesquando fui escolhido. Agora soumais que uma desonra: sou um perigo. Elesdevem temer que, caso eu morra, nasça uma criança com a minha alma.Deveriam estar aqui parame entregar amelhor armadura,mas a aversãoquetêmamimparecesermaiorqueomedodeminhamorte...

Emerelleencarou-ocombondade.

—Nãooscritiquetantoassim.Agoravocêprecisaseacostumaràsuanovaposição. Apenas os poucos que atravessam os séculos acostumam-se

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rapidamenteaonovo.Ninguémfaziaideiadequeeuochamaria.Nemmesmovocêesperava.

—Éverdade.

—Estáclarooquevaiaconteceragora?

Nuramon não sabia o que ela queria dizer. Estava falando de sua vida oudestaconversa?Antesqueelepudessedizeralgumacoisa,Emerelleprosseguiu:

—AquelesqueparticipamdaCaçadadosElfosenfrentamperigos.Porissoarainhadáacadaumdelesumconselhoparaacompanhá-losnessecaminho.

Nuramonestavaenvergonhadoporsuafaltadeconhecimento.

—Euoseguirei,qualquerqueseja.

—Quebomquecon aemmimtantoassim.—Colocouamãosobreseuombro.—Vocêédiferentedosoutros,Nuramon.Aoolharomundo,vocêvêalgodiferentedoqueos elfos comunsveem.Vocêvêbelezanoqueosoutrosdetestam. Você vê grandeza nos lugares que todos os outros percorrem comdesprezo.Evocê faladeharmoniaquandoosoutrosnãoapodemsuportar.Eporquevocêéassim,vourepetirumconselhoquecertavezouviooráculodeTelmareen pronunciar: escolha a sua própria família!Não se preocupe com asuaaparência!Poistudooquevocêéestádentrodevocê.

Nuramonpareciaestarsoboefeitodeumencantamento.TinhaoprivilégiodeouviraspalavrasdooráculodeTelmareendabocadarainha!Saboreouporumtempoessa sensação.Então,de repente,umapergunta surgiudentrodele.Hesitou,masporfimousoufazê-la:

— Você disse que ouviu o conselho. Mas, a nal, a quem o oráculoaconselhou?

Emerellesorriu.

—Sigaoconselhodarainha!—disseela,beijando-onatesta.—Foiamimqueaconselhou.—Comessaspalavras,elaseafastou,caminhandoemdireçãoàporta.

Perplexo,Nuramonseguiu-acomosolhos.Antesdefecharaportaatrásdesi,eladisse,semolharnovamenteparaele:

—ViNoroellenopomar.

Quando Emerelle se foi, Nuramon deixou-se despencar sobre o banco depedra, pensativo. O oráculo dera um dia esse conselho à rainha? Teria ela o

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chamadoporsereconhecernele?Derepente,Nuramontomouconsciênciadoquantoseenganaraemrelaçãoàela.Sempreaconsideraraumaelfainacessível,cujo brilho só se podia admirar da maneira como se admira uma estreladistante.Masjamaislheocorreraaideiadequepudessehaveralgoemcomumentreelesdois.

Emerelle era um exemplo e um ideal para todos os elfos e lhos de albosqueviviamsobsuaproteção.Comopuderaver-secomoumaexceção?Elatinhanãosomentereveladoaeleumcaminhoquecertaverpercorrera,mastambémsereferidoaGaomee.DuranteaCaçadadosElfos,Gaomeeseriaumexemploparaele.Mas,acimadisso,pairavaoconselhodarainha.

Aspalavrasdelamaisumavezvieramaoseupensamentoeentãotambémse lembrou deNoroelle.Deixou o quarto e viuMandred no mdo corredor,cercadoporalgunselfos.Nãosegurouumsorriso.ElenãotrocariadelugarcomMandredou comqualqueroutronaCaçadadosElfos,nempornenhumadasriquezasdaquelecastelo.

Enquantopercorriaocorredor,percebeuquenãohavianenhumaelfajuntoao lho de humanos. Não se admirou com isso. Aparentemente já seespalharampelacorteoscomentáriossobreaformaimoralcomoeleolhaparaaselfas.EstavafelizqueNoroellenãotinhasidoexpostaaoolhardeMandrednasaladotrono.Comoalguémpodiasertãogrosseiro?

NessemomentoMandredgritou:

— Agora, meus amigos! Digam um feitiço que me faça caber nestaarmadura,eentãoaaceitareicomsatisfação...Parem!Deixem-meempazcomessasespadaseoutrastralhasdecriança...EusouMandred!Vocêsnãotêmummachado?

Nuramon balançou a cabeça. Uma voz rouca e um coração grosseiro! Emodosquenãopassavamdespercebidos.

Nocaminhoatéopomar,Nuramonperguntou-secomoNoroellereceberiaa notícia de sua convocação. Será que o temor por ele prevaleceria sobre aalegria? As palavras da rainha incluíram um elogio a Noroelle. E aquela eramesmoa verdade: a sua amadao tinhamudado.Ela lhedera autocon ança esuaafeiçãoofizeracrescer.

Nuramon logo chegou aopomar.Ele cava sobreuma saliênciana rocha,acessível somente pelo castelo. Já anoitecera. Ele olhou para a lua. Esse era oobjetivodavida: nalmentepartirparaoluar!Portodosaquelesanosaluafora

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suacon dente.Seusantepassados—aquelesquejácarregaramsuaalmaeseunome antes— provavelmente também sentiram essa conexão com a lua. Osraios de luz que o atingiam eram como um sopro refrescante de vento, quedavam um pouco de frescor àquela quente noite de primavera. Nuramonavançoupordebaixodasárvores.

Parou sobumabétula eolhouao seu redor.Faziamuito tempoquepisaraneste jardimpelaúltimavez.Diziamquecadaumadasárvoresdali tinhaumaalmaeumespírito,equetodosquelhesprestassemouvidosseriamcapazesdeescutarosseussussurros.Nuramonprestouatenção,masnãoouviunada.Seráqueosseussentidosaindaeramfracosdemais?

Masagoraoque importavaeraencontrarNoroelle.Seesteeraumpomar,então ele deveria procurá-la sob uma árvore. Olhou em volta, buscando asárvores que davam frutas o ano todo. Viu maçãs e peras, cerejas e ameixas,damascos e pêssegos, limões e laranjas, mirtilos e... amoras. Noroelle amaamoras!

Quaseno mdojardimhaviaduasamoreiras,masNoroellenãoestavaali.Nuramonapoiou-senomuroeolhouasterrasláembaixo.Ànoite,asbarracasdiante do castelo pareciam lanternas coloridas. “Onde está você, Noroelle?”,perguntou-seNuramon,baixinho.

Foientãoqueeleouviuumsussurroquevinhadecima.

—Elanãoestáaqui,elanãoesteveaqui!

Virou-se,surpreso,eviuapenasasduasamoreiras.

—Somosnós—ouviudosramosdamaiordasárvores.

—Váatéopinheirodasfadas.Eleésábio—disseaárvoremenor.—Antesdeir,peguealgumasdenossasfrutas!

—Mas não dizem por aí que as amoreiras que têm alma são conhecidaspelapreocupaçãocomsuasfrutas?—perguntouNuramon,muitosurpreso.

Asfolhasdaárvoremaiorfarfalharam.

—Éverdade.Masnósnãosomoscomoasnossasirmãs,desalmadas.VocêiráencontrarNoroelle.

Aárvoremenorchacoalhou-se.

—Seriaumahonraparanósqueelasaboreasseasnossasfrutas.

DuasamorascaíramdiretamentesobreasmãosdeNuramon.Adaárvore

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menoreravermelho-escura;adamaior,branca.

—Agradeçomuitoavocêsduas—disseNuramoncomavozemocionada,pondo-seacaminho.Eleachavatervistoumpinheirobempróximodabétula.

Ao chegar ao pinheiro das fadas, lembrou-se delas. Quando era criança,brincavaalicomasfadasdascampinas.Opinheironãoeraaltonemlargoenaverdade era pouco vistoso.Mas era cercado de uma aura à qual nenhum frioresistia. Ele era dotado de um feitiço que o próprio Nuramon conhecia. Opinheirotinhapoderesdecura—elesentianitidamente.

Osseusgalhossemoveramnovento.

—Quemévocêquemeincomoda?—suacopasussurrou.

Um ruído instaurou-se em torno dele. Todos os lugares em que antesreinavaosilêncioagoraestavamtomadosporsussurros.

—Quemé?—asárvorespareciamperguntar.

—Umelfinhodenada—foiaresposta.

Opinheirodasfadaspediu:

—Silêncio!Deixem-noresponder!

— Eu sou só um humilde elfo— disse Nuramon.— E procuro aminhaamada.

—Comovocêsechama,elfinho?

—Nuramon.

—Nuramon— ouviu soar de uma das copas. As outras árvores tambémmurmuraramoseunome.

—Jáouvifalardevocê—esclareceuopinheiro.

—Demim?

— Você mora numa casa na árvore, num carvalho que se chama AlaenAikhwitan.AcasaéfeitadamadeiraqueumdiajáabrigouaalmadapoderosaCeren.VocêconheceoAlaenAikhwitan?EjáouviufalaremCeren?

— Ceren eu não conheço, mas o Alaen Aikhwitan, sim. Sinto a suapresençaquandoestouemcasa.Asuamagiamantémacasafrescanoverãoeaquecidanoinverno.Foicomelequeminhamãeaprendeuaartedacuraeeuaaprendicomela.Maselenuncaserevelouparamim.

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—Primeiroeleprecisaseacostumaravocê.Aindaéjovem.Osmensageirosdelemecontaram...dasuasolidão.

Nuramon tinha perguntas e mais perguntas na ponta da língua, mas aárvoreporsuavezperguntou:

—Masqueméasuaamada?

—ElasechamaNoroelle.

Umcochicho alegre circuloupor entre as copasdas árvores, e onomedeNoroelle também soou algumas vezes. Todavia, as vozes das árvores seconfundiamdetalformacomoseufarfalharcaracterísticoquenãoerapossívelcompreenderoquediziamsobreela.

Maselefoicapazdeentenderopinheirodasfadas.

—Elanãoestáaqui,etampoucoesteveaquiestanoite.

—Masarainhadissequeelaestavaaquinojardim.

—Arainhadizoquedeveserdito.Noroellenãoestáaqui,masestáperto.Váatéoterraço,aliondeháumatíliaeumaoliveiraladoalado!

Nuramon gostaria de perguntar sobre Ceren, mas naquela hora era maisimportante encontrar Noroelle. Ele então agradeceu à árvore e seguiu ocaminhoqueopinheiroindicou.

Logoviuatíliaeaoliveira.Ficavamsobreaparededepedraquealcançavaatéláemcima,noterraço.Aoseaproximar,encontrouumaescadaestreitaquesubia.

AliestavaNoroelle,detúnicabranca,apoiadasobreoparapeitodepedradoterraço. Parecia um espírito quedescera do luar.Aindanão o vira. Ele andouporbaixodatília.Opinheirodasfadastinharazão:arainhadisseraoquedeviaser dito. Ela teve o cuidado de trazê-lo a este lugar.Noroelle lá em cima, eleaquiembaixo!Estasituaçãoremetiaimediatamenteaumpoemadeclamadodasombradeumatíliaparaoalto,sobaluzdalua.

Noroelle disse alguma coisa. Estava falando com a lua? Ou com a noite?Agoraelesesentianolugarerrado,nahoraerrada.Eleaescutavasemqueelasoubesse.Elaentãovirou-separaooutrolado.Elanãofalavacomaluaoucomanoite,mascomumelfo.NumpiscardeolhosNuramonviuparaquemelasevoltara:Farodin.

Nuramon só queria ir adiante. Cambaleou da sombra da tília até a da

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oliveira.Recostadonotronco,deixava-seenvolverpelaspalavrasquediziamláem cima. Farodin falava num novo tom, e Noroelle parecia gostar. Pelaprimeiravez,expressavaoseuamordofundodocoração.

Eentãoessaconversatambémacabou...

Porentreosgalhos,NuramonobservouNoroelle,soba luzda lua,cederàmagia de Farodin. Nunca a vira tão feliz antes. Farodin despediu-se com umbeijo e então se retirou. Noroelle permaneceu onde estava, sorridente,observando anoite. EporqueNuramon a amava, nãopodia evitar elemesmoumsorriso.Não importavaqueFarodin tivessevencido.Asuaamadasorria,eissoocomovia.

NuramonobservouNoroelleporumbomtempoeviuosorrisoda facedasuaamadadesvanecer-semaisemais,atécederàtristeza.Seusorrisotambémdesapareceu.Prendeuarespiraçãoaoouvi-lapronunciaroseunomenanoite,emvozbaixa.Farodina fezsorrir,maselasea igiaaopensarnele.Aoveraslágrimascorrerempelorostoda feiticeira,nãosuportoumais.Tomou fôlegoesussurrou:

—Oh,ouça-me,graciosafilhadealbos.

Noroelleseassustou.

—Ouçaavozdaárvore!

Elaolhouparabaixo,seusolharesseencontraramelogoelavoltouasorrir.

—Euavejoaí,noventodanoite,comoafadadomeusonho.

Noroelleenxugouaslágrimas,respiroufundoedisseemvozbaixa:

—Mascomoumelfopodeseparecercomumafada?

—Ora—começouele,elogocontinuou—oseuvestidoédacordastílias.Elebrilhaemedeixacegodeamor.—Foidasombradaoliveiradevoltaparaadatília.—Acreditenavozdeumatília.Oh,ouça-me,graciosafilhadealbos!

—Estou ouvindo, espírito da árvore.Mas é a primeira vez que ouço umaárvorerecitarpoesia!

Elerespondeucochichando:

—Paramim tambémédifícil falar comvozde elfopara agradar aminhaamada.

—Paramimfoicomosetambémestivesseouvindoumaoliveirafalar.

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—Nossas raízes são interligadas.Nós somosumespírito emdois troncos.Emnósseconectamoamoreavida—retrucouele.

—Nãohábétulasbastantesaíembaixo?Porquevocêqueramim?

—Comovocêestávendo,euestouno mdojardim,comoolharlevantadoparavocê.Asenhoradeste lugarmedissequedevo carao ladodaquelesqueamamquandoelesdizempalavrasdeamoràsuaamada.

—Conheçoestejardim,eseiquevocêsópodecochichar,enãofalar.Vocêquebrouoseusilêncioporminhacausa?

—Todosprecisamemalgummomentoquebraroseusilêncio.Oin nitoélongoeamplo.

—Entãovocêmeama?

—Claroquesim.

Eleaviutocarumgalho.

—Vocêéumaárvoremagnífica.Eassuasfolhassãomacias.—Elapuxouogalhoparajuntodesiebeijouumafolha.—Issoébom,minhaárvore?

—Écomomágica.Egostariadepresenteá-laporisso.

—Umpresente?Talvezumaoliva?

—Não.Todosos quepisamaí em cimapegamumaoliva,mesmoque eunão esteja de acordo. Não quero lhe presentear com algo de mim que todospodemter.Paraaminhaamadaéprecisoquesejaalgoespecial;nenhumcustoé alto demais. Você sabe o ciúme que as amoreiras com alma têm de suasfrutas?

—Sim.Porissoémaisespertoprocurarassemalma.Porque,parasepararuma amoreira com alma de suas frutas, é necessário muito trabalho paraconvencê-la.

—Ora,masfoiexatamenteissooquefiz.Eu...Eusentiumventosopraratéasduasamoreirascujas raízesasprendemalino mdo jardim.Entãoaspedique cada uma delas me entregasse uma fruta. De início elas se recusaram,dizendoqueeu tambémerasóumaárvore,a nal.Oqueéqueeupodia fazercom as frutas? Mas quando elas descobriram que as frutas eram para você,entãosetornaramgenerosas.

—Mas como elas zeram para as amoras chegarem até você? Você estápresaaquie,comodiz,estãobemlongedevocê.

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—Ah,elaspassaramdeárvoreemárvoreeforampostasnagrama,eentãoestiqueiminhas raízese z esforçoodia todoparaalcançaropresenteparaaminhaamada.

—Entãovocêestácomasamoras?

—Sim,egostariadeentregá-lasavocê.

—Mascomo?Querqueeuváatévocê?Ouvocêascolocaráemumafolhaeasestenderáatémimcomumgalho?

— Nós, árvores, temos grandes poderes mágicos. Olhe aí! — Nuramonjogouaamoravermelha,quecaiusobreoparapeitodoterraço,bemnafrentedeNoroelle.Atirouaamorabrancaaseguir,queNoroelleapanhouhabilmente.—Chegaramasduas?

—Tenhoumanamão, e aoutra estádiantedemim.São tão lindas e tãofrescas!

Nuramon viu a elfa comer as amoras. Observava seus lábios como seestivesseenfeitiçado.

Apóstersaboreadoasfrutas,eladisse:

—Foramasamorasmaisdocesque já cominaminhavida.Mas, agora,oqueserádenós,meuespíritodeárvore?

—Vocênãoquerviratémimecriarraízesaquiembaixo?

—Masvocêtambémpodesoltarassuasraízesesubirasescadasatémim...

— Ouça-me! Escute a minha proposta! Na minha sombra há um rapazdormindoesonhando.Vocêporacasogostadele?

—Sim, junte-se a ele e venha atémim.O espíritopor trásda sua voznocorpodeleéoqueeuqueroestanoite.Venhaparamim,Nuramon!

O elfo hesitou.Hojenão era o dia dosmilagres?Ele fora chamadopara aCaçadadosElfos.Arainha lherevelouoseuoráculo.Asárvores falaramcomele.

Crioucoragem,pisouparaforadasombradatíliaesubiupelaescadaatéoterraço, ondeNoroelle o esperava. Primeiro quismanter distância dela, comosempre fazia, para não chegar perto demais. Não queria em hipótese algumatocá-la.Mas ali estava ela, sedutora como nunca. O vento da noite fazia seuvestido e os longos cabelos utuarem. Ela sorriu silenciosamente e inclinou acabeçaparaolado.

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—Fiqueisabendodoquearainhafez.Vocêdeve imaginaroquantoestoufeliz.

—Evocênãoconsegueesconderdemimasuaalegria.

—Eu sempredissequeumdia todos reconheceriamo seuverdadeiro ser.Eusabia.Oh,Nuramon!—Elamostrou-lheaspalmasdasmãosequisestendê-lasemsuadireção,massedeteve.

MasNuramonvenceuatimidezesegurouasmãosdela.

Noroelle olhou para baixo, como se precisasse se certi car de que erammesmoasmãosdelequeatocavam.

Eleabeijouternamentenaface, fazendo-asuspirar.Quandoos lábiosdelelentamenteseaproximaramdosseus,elacomeçouatremer.Equandoasbocasse tocaram, Nuramon sentiu como a tensão de Noroelle se dissolveu e elaretribuiu o beijo. Ela então pôs os braços ao seu redor e sussurrou-lhe aoouvido:

—Nahoracerta,Nuramon.Tãosurpreendente.

Eles se olharam longamente, e Nuramon teve a sensação de que nuncatinhasidodiferenteentreeles.

Depoisdealgumtempo,Noroellepediu:

—Conte-meoqueaconteceuhoje.

Nuramoncontou-lheoqueocorrera,semseesquecerdoelogioveladoquea rainha fez a ela. A ligação com Gaomee e a fala do oráculo pareceramemocioná-laemespecial.Nuramonterminoucomaspalavras:

— Eu sinto a mudança. A rainha acendeu em mim um fogo que agoraprecisa queimar. Sou o mesmo de antes, mas agora nalmente consigo lidarcomisso.

—Éporissoqueagoraconseguemetocar?

—Anteseutinhamedo.Equandotenhomedo,façotolices.Tinhamedodequemerejeitasse;tinhamedodequemeescolhesse.Eraumdilema.

—Você eFarodin, vocês sãoúnicos.Hojeno lago aindaparecia que vocênunca se aproximaria de mim, e que Farodin também jamais me mostrariasequerumsoprodesuaessência.Masestanoitevocêsdoissetransformaram.

—MasFarodinfoimaisrápidoqueeu.

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—Não seria correto,Nuramon... Só porque ele encontrou o caminho atémimprimeiro?Devopuni-loporquearainhaestevecomvocê?Não!Umanoiteparamiméummomentosó,eseamboschegaramamimestanoite,chegaramnamesmahora.Vocêvêotempocomoumbemescasso,Nuramon.

— É de se estranhar? Se sigo o caminho de meus antepassados, cadamomentoquemerestaéprecioso.

—Vocênão seguirá esse caminho.Vocêviverámuito tempoe caminharánoluar.

Nuramonolhouparaalua.

—Étãoesquisitoquealua,algoqueeuamotanto,eviteaminhaalmaportanto tempo.—Ficou em silêncio e pensou em todas as histórias sobre a luaque já ouvira. Sua avó lhe contara sobre a luano reinodoshomens.—VocêsabiaquenomundodeMandredaluamudadeformato?

—Não,nuncaouvifalardisso.

— Ela é muito menor que a nossa lua. E conforme os dias passam, elaemagrece, continua se transformando noite a noite em uma foice, atédesaparecertotalmente.Entãoelavoltaacrescerpoucoapoucoatéalcançaroseutamanhocompleto.

— Isso soa como um feitiço. Eu não sei muito sobre o Outro Mundo.Aprendialgumaslínguascomosmeuspais.Masnofundonãoseinadasobreomundodoshomens.Quemagia reina lá?Os elfos tambémpodempassearnoluardaterradoshomens?Oqueacontecesemorreremali?

—Essassãoperguntasquesomenteossábiospodemresponder.

—Masoquevocêacha,Nuramon?

—Eu acho que amagia que age lá é parecida com a nossa. Acredito queelfos podem andar no luar dos homens. Só que lá a lua camais distante. Éumaviagemmuitomaislonga.E,seumelfomorrenoreinodoshomens,nãoémuitodiferentedoqueaconteceseperdeavidaaqui.Porqueparaamortetodasascampinassãoiguais.—Eleaencaroueviuumsoprodepreocupaçãopassarporseurosto.—Vocêtemepornossavida.

—ACaçada dosElfos raramente chega até o reino dos homens.Você selembrasealgumelfojámorreuláevoltouanasceraqui?

—Dizemqueumdemeusantepassadosteriamorridodooutrolado.Eveja!

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Euestouaqui.

Ela riu, acariciou a face dele e voltou a observá-lo como que sob umencanto.

—Oseurostoétãoespecial.

—Eoseué...

Elaescorregouosdedosporsobreoslábiosdele.

—Não, vocême disse essas palavras por anos e anos. Agora a ordem é:cale-se, lindo lho de albos! — Ela tirou os dedos de seus lábios, e elepermaneceu calado. Então passou suavemente os dedos pelo cabelo deNuramon.—Você semprepensouque as elfas só zombariamde você. E elascertamentegostamdisso.Doseunome,doseudestino...Elasfazemissoporquesempre foi assim.Mas a sua presença especial também não foi ignorada porelas. Você não vai acreditar em tudo o que já ouvi pelas suas costas, nossegredosquejáouvicochicharem.—Nuramonqueriadizeralgo,masNoroellevoltou a pousar as pontas dos dedos sobre a sua boca. — Não. Você agoraprecisa se calar, como ambas as árvores ali embaixo.— Recolheu amão.—Você é muito mais que aquilo que as elfas normalmente veem em você. Ooráculo tem razão.Tudo o que você é está dentro de vocêmesmo! E eu amotudooqueestádentrodevocê,Nuramon.—E,então,elaobeijou.

Quando ela separou seus lábios dos dele e o encarou, Nuramoncautelosamentecomeçouafalar.

— Tudo mudou. Mal posso acreditar que estou aqui com você, trocandoestes carinhos e estaspalavras.Oqueaconteceu?—Eleolhouao redorde si,como se pudesse encontrar a resposta ali, no terraço, ou nas profundezas danoite.

—Éalgoquenemeu,nemvocê,nemFarodinteríamosconseguidorealizar,massomentearainha.Agoraomundoseabriuparavocê.

—Nãoéomundoaquilopeloqueanseio.

Elabalançouacabeçaafirmativamente.

—Depoisquevocêsvoltarem,então tomareiminhadecisão.Porquevocêsjá zeram tudo o que podiam fazer.Agora é porminha conta...Confesso tertidoaesperançadequepudessemmecortejaraindapormuitosanos,masissoeraumsonho.Precisoescolherumdevocês.Seráumaperda,tantofazqualdevocêstenhadeserrejeitado!Masquesortegrandeparaumaoutraelfa!

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Entreolharam-se em silêncio.Nuramon sabia o quanto uma rejeição seriadolorida. Para ele não havia outra elfa; nenhuma pela qual ele pudesse sentirum amor como este. Beijou mais uma vez as mãos dela, acariciou-lhe asbochechaseentãopediu:

—Nãovamospensarnissoagora.Melhorque queparaquandoFarodineeuretornarmos.

Elaconcordoucomacabeça.

—Amanhãvocêestarápresenteouestaéanossadespedida?

—Estareilá—disseela,emvozbaixa.

—Então,malpossoesperarporamanhã.Dequecorseráoseuvestido?

— Verde. Foi Obilee que fez — perdida em pensamentos, afastou umamecha de cabelo do rosto.Nuramon gostava desse seu gesto involuntário; elatomavaocabeloentreosdedosanelaremínimoaopuxá-loparatrás.

—Entãoovestidocomcertezaémaravilhoso.

—Estouansiosaparasaberoquearainhatraráparavocê.Oquequerqueseja, será mais precioso que qualquer coisa que outra pessoa poderia lhepresentear.

— Presentear? Eu o aceitarei para a Caçada dos Elfos. Mas, quandoretornarmos,devolvereiaela.

Noroellenãoconteveumsorriso.

—Não,Nuramon.Arainhaégenerosaenãooaceitarádevolta.

Eleabeijounatesta.

—Agoraeumevou,Noroelle.

—Quemsabeumdeseusparentesaindaconsigairvê-lonoseuquarto.

—Não, não acredito nisso— tomando asmãos dela, continuou—,masquemsabe.—Olhouparacima,paraasestrelas.—Estanoitetudopareceserpossível.—Esoltando-sedela:—Boanoite,Noroelle.

Deu-lheumbeijodedespedida.

Nuramondeixouoterraçoe,aochegaràportaparaosalãodefestas,olhoumaisumavezparaNoroelle.Elaera simplesmenteperfeita.Nunca tinhavistoissocomtantaclarezacomonestemomento.

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Quando chegou ao corredor que levava aos quartos dos elfos caçadores,percebeuqueagoratodasasportasestavamfechadas.Osvisitantesesperadosjátinham apresentado seus cumprimentos, e ninguém parecia contar commaisvisitas. A confusão de vozes que ainda se podia ouvir denunciava terem sidomuitososquevieram.

Paroudiantede suaprópriaportaepôs-sea escutar.Sóo silêncio.Queriatanto que aomenos um de seus parentes tivesse superado as suas sombras eestivesseali,esperandoporele.Nuramonabriuaportaeolhouparadentro.Aoladodacamadefatohaviaumasilhueta imóvel,decostasparaele.Suaalegriadurousóumminuto.Nasuaausência,alguémtrouxeraumsuporteparaasuaarmadura que, à fraca luz das pedras, pareceu-lhe um elfo, de tanto quedesejavaumavisita.

Decepcionado, fechou a porta atrás de si. Aproximou-se do suporte eobservouospresentesdarainha.Eramumacapa,umaarmaduraeumaespadacurta.

Nuramontirouacapacordevinhodosuporteesentiu-acomasmãos.Erapesada, feitade lãe linho;era tão trabalhadae tecidacomtantos osmágicosquenenhumgolpedeventoougotad’águaconseguiriaatravessá-laaolongodocaminho.Elaoprotegeriatantodocalorquantodofrio.

Noroelle tinha uma capa como aquela, que trouxera de Alvemer.Certamente não foi por acaso que a rainhamandou trazê-la. Um pedaço deAlvemer era um pedaço da terra natal deNoroelle. Se cavalgasse no invernopelomundodoshomens,elaoaqueceria.

Observou a armadura, curioso. Era feita da carcaça de um dragão.Armadurascomoessaeramconhecidasporseremaomesmotemporesistentese confortáveis. Para fabricá-las era preciso conhecer técnicas especiais. Eracompostade incontáveispedaçosdecourodedragão,eprotegiao troncoeosbraços. Quem a fez era certamente um mestre naquele ofício. O couro dedragão foi cortado em muitos fragmentos pequenos, que então foramorganizados e unidos da forma desejada. Entre cada pedaço foram xadosmateriais em forma de gota, que aparentemente eram escamas de dragãocortadasnoformatoadequado.Masserealmenteoeram,sóoartesãosabia—era o seu segredo.O couro tinha um cheiro agradável. O tratamento da peleacaboucomofedortípicodosdragõesedeulugaraumsuavearomadebosque.

SomenteemOlvedesaindaseproduziamarmadurasdedragão,poissóláofogo cuspido por essas criaturas ainda representava umperigo.Os produtores

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de armaduras de Olvedes eram conhecidos e marcavam o seu símbolo nostrabalhos que executavam. Nuramon soltou o cinturão de armas e tirou aarmadura do suporte. Procurou em seu interior a marca do mestre queconfeccionouaincrívelpeça.Encontrou-anaregiãodobusto.Haviaaestampadeumsole,logoabaixo,emletrapequena:Xeldaric.

Nuramon comoveu-se. Xeldaric era conhecido como um dos melhoresartesãos de armaduras que já existiram. Ele partira para o luar após terconseguido confeccionar para a rainha a sua obra-prima: uma armaduracompleta de albo. Nuramon ainda era criança quando ouviu a respeito dela.Xeldaric partiu para o luar na sala do trono do castelo, assim que a rainharecebeuaobra.

Vestir uma armadura feita pelasmãos deXeldaric era uma grande honra.Mesmoquemnãoseesforçasseparaencontraramarcadomestreeracapazdereconhecer que aquele era um bem verdadeiramente nobre. Mesmo que àprimeira vista não tivesse a uniformidade de uma armadura feita de chapas,cadaumde seuspedaçosestavano lugarcertoecontavaahistóriadacaçaaodragão.ApeleverdedosdragõesdeOlvedes fora trabalhadadamesma formaque o couro marrom dos dragões dos bosques de Galvelun e o dos dragõesvermelhosdosoldeIschemon.Juntos,osfragmentosformavamummosaicodecoresdaflorestaquesemisturavamumasàsoutrasdeformanatural.

Nuramon recolocou a armadura no suporte. Então pegou o cinturão daespadaquecolocarasobreacama.Neleencontrouumaespadaemumabainhadecourosimples.Seupomoeguardaeramdeouro, ricamenteenfeitados,eopunho feito de letes de cobre e madrepérola. Nuramon puxou a arma dabainha e prendeu a respiração.A lâmina era forjada de lustre de estrelas, ummetalquesóseencontravanospicosmaisaltos.Aarmatambémera,comoaarmadura, uma obra-prima. No meio da guarda, bastante larga, havia runasincrustadas. Só ao olhar pela segunda vez Nuramon reconheceu quem eraretratadoali:Gaomee!EletinhanasmãosaespadadeGaomee!ComestaarmaeladerrotouDuanoc.Eagoraeraelequemaconduziria.

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Ochamadodarainha

Farodindespediu-secedodasvisitas.Queria carsozinhoparapôrasideiasem ordem. Mal conseguia, pois do quarto vizinho vinha o barulho de umbanquete.O lhodehumanoseraummaluco!Ninguémemseu juízoperfeitoseembebedariananoiteanterioràCaçadadosElfos.EumarisadarelinchanterevelavaqueAigilaosoacompanhavanessatolice.

Deitou-sesobreacamadura,quejáconheciadeoutrasnoites,edeixou-setomar por uma alegria serena ao relembrar os acontecimentos desta noite.Finalmente tomara coragem para se abrir para Noroelle. Ousara falar do seuamor com suas próprias e desajeitadas palavras. E o quemilhares de cançõesnão conseguiram, suas próprias frases, vindas do coração, nalmentealcançaram:tinhaacertezadeterganhadoNoroelleparasi.

Batidas suaves na porta o arrancaram de seus pensamentos. Um duendecarregandoumlampiãoentrounoquarto.

— Desculpe-me por perturbar a sua tranquilidade na noite anterior àgrandecaçada,honorávelsenhor,masarainhagostariadevê-lo.Siga-me,porfavor.

Surpreso,oelfoalisouatúnicacomasmãos.Oqueteriaacontecido?

O duende olhou para fora, para o corredor. Seu nariz pareceu incharenquantobuscavaumapista,comoumcãofarejador.

— O ar está limpo, honorável senhor. — Com saltos largos, percorreuapressado o corredor e abriu uma porta escondida atrás de uma tapeçaria naparede que retratava uma caçada de cervos. Conduziu Farodin subindo umaescadaestreita,antessomenteusadaporduendesegnomos.Abriuoutraportaescondida sob um dos patamares da escada, por trás da qual se escondia umcorredor azulejado. De tempos em tempos, o duende virava-se para Farodin,sorridente. Aparentemente estava gostando do papel que Emerelle lhedestinara.

Chegaram a uma escada em caracol oculta dentro de uma grande coluna.Atravésdomuro,Farodin escutouumamúsica emvolumebaixo.Lembrou-se

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comangústiadaúltimavezqueEmerellelheatribuiuumencargosecreto.Maisde uma vez tivera de matar por ela. Durante as Guerras dos Trolls, haviasetecentos anos, algo se quebrara dentro dele.Apenas a rainha sabia, e tiraraproveito disso. Ele ocultou esse lado negro de sua alma. Na corte, todosconheciamsomenteo trovadoreleganteeumpoucosuper cial.AoencontrarNoroellepelaprimeiravez,brotouneleaesperançadevoltaraseraquelequejáforaumdia.Somenteelaseriacapazdeoperaressemilagre.

Oduendeparounofimdaescada,diantedeumportãodemadeiracinza.

—Apartirdaquijánãodevomaisguiá-lo,honorávelsenhor.—EntregouolampiãoaFarodin.—Vocêconheceocaminho.Estareiesperandoaqui.

Aocruzaroportão,Farodin sentiuumasuave lufadadeventono rosto.Amelodia da canção que pairava no ar era uma velha conhecida sua. Quandocriança,suamãesempreacantavaparaele.Falavadoêxododosalbos.

OcorredorlevouFarodinatéapartedetrásdaestátuadeumadríade.Comesforço,espremeu-seporumafrestaestreitaentreaestátuaeomuroechegoua um pequenomezanino, bem no alto damesma sala em que a água corria.Olhandoparacima,viuo telhadodeuma torre,que faziaumaespiral comoaconchadeumcaracoldomar.

— Alegro-me que tenha atendido ao meu chamado com tanta rapidez,Farodin—disseumavozmuitofamiliar.Oguerreiroelfovoltou-se.Atrásdeleestava Emerelle, de pé no mezanino. Vestia um robe leve e branco e traziasobre os ombros um xale no. — Estou muito preocupada, Farodin —prosseguiuEmerelle.—Umaauradedesgraçacircundaofilhodehumanos.Eletememsialgoqueseesquivadaminhamagia,emeassustaaformacomoveioparar aqui.Éoprimeiro lhodehumanos a vir semser chamado.Até então,nenhum deles atravessara o portal para a Terra dos Albos com suas própriasforças.

— Talvez tenha sido por acaso— retrucou Farodin. — Um capricho damagia.

Emerellebalançouacabeça,pensativa.

—Podeser.Mas talvezhajamaispor trásdisso.Háalgodooutro ladodocírculo de pedras... algo que está se escondendo de mim. E Mandred temrelaçãocom isso.Farodin, eu lhepeço, esteja especialmentealerta ao cavalgaraté oOutroMundo. A história deMandred não pode ser verdade!Hámuitotempomeaconselhocomosanciãos.Nenhumdeles jamaisouviu falardeum

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monstromeiohomem,meiojavali.—Emerellefezumapausae,aocontinuar,suas palavras não soavammais preocupadas,mas frias e autoritárias.— Se olho de humanos for um impostor, Farodin, então mate-o, assim como já

matou em meu nome o príncipe de Arkadien e todos os outros inimigos daTerradosAlbos.

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Anoitenocastelodoselfos

Mandredrecostou-senocorpodeAigilaos.Essabiritavermelho-rubiqueocentauro trouxe era realmente boa.Vinho!Mandred já ouvira falar dela,masemFirnstaynbebia-sesomentehidromelecerveja.

Ergueucambaleanteopesadocopodourado.

—Ànossaamizade,Aigil…Ailalaos!Esseseunomeéimpossível!

—Porque você aindanãoouviu os dos caolhos damontanhade pedra—retrucouo centauro, gaguejando.—Os trolls deDailos, eles sãopirados.Elessão tãomalucos que arrancam um olho em homenagem ao seus heróismaisaclamados.

Mandred estava impressionado. Isso é que era lealdade! Algo assimcertamentenãohaviaentreoselfos!Eleseramtão...Nãolheocorrianenhumapalavra apropriada. Frios, afetados, petulantes... Eles com certeza não sabiamcelebrar!Foiparaissoquetrouxeramastaçaseofereceramestapequenasaladefestasparapassaranoite.MasquandoeleeAigilaoscomeçaramrealmenteaseanimar,entãooselfosdespediram-seumaum.Frouxos!

—Umhomemquenãosabebebernãoéumhomemdeverdade!

—Sim,senhor!—concordouocentauro,comavozrouca.

Vacilante, Mandred recuou um pouco para brindar mais uma vez comAigilaos.Masastaçasdouradasnãoerammuitoboaspara isso.Tudooqueoselfosfaziamerabonito,masnãomuitorobusto.Suataçajátinhaamassadohámuito tempo. Isso não teria acontecido com os chifres de hidromel. Por ummomento,Mandred teveapreocupaçãodeque seaborrecessemcomele.Masos elfos tinham lhe dado ricos presentes. Se encrencassempor causa da taça,erasódevolveralgumdeles.

Oguerreiroobservou-os, en leiradosnobancodepedra ao ladodaporta.Umtrajedemalhade ferroquenemosnobresdas terrasdo ordepossuíam.Um elmo folheado a ouro com umamalha de ferro que chegava até a nuca.Uma aljava de couro ricamente bordada, repleta de echasmuito leves.Umalançade lâmina azulada e reluzente.Uma suntuosa sela junto com ferraduras

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deprata.Earainha lheprometeraqueamanhãmandaria trazerumcavalodeseupróprioestábulo.Umqueestivessedispostoobastanteparacarregaratéumlho de humanos, ela dissera. Mandred bufou, irritado. Como se um mero

cavalopudesselhecausaraborrecimentos!Seoanimalnãosecomportasse,elesimplesmente daria socos na sua cabeça, isso sempre funcionava. Ninguémgostavadisso,nemmesmocavalosteimosos.

—Vocêparececontrariado,amigo.—AigilaospassouobraçopelosombrosdeMandred.—Logovamosacabarcomessemonstro.Vocêvaiver.Amanhãànoitevamosatravessaracabeçadelecomumaestacaependurá-lanomeiodaaldeia.

—Nãoéprudentecantarvitóriaantesdahora—disseumavozfamiliar.

Mandred voltou-se. Na porta estava Ollowain, vestindo uma roupaimpecavelmente branca. O elfo saltou um monte de estrume que sujava osmosaicoscoloridosqueenfeitavamochão.

— Vocês conseguiram dar o charme de um estábulo a este quarto decaçador — disse ele, dando um sorriso de lábios nos. — Não vi ninguémconseguir essa proeza em todos esses séculos, desde que existe a Caçada dosElfos.

Mandredcolocou-senocaminhodoelfo,comaspernasbemabertas.

—Peloqueentendi,acaçadatambémnuncafoiconduzidaporumhumanoantes.

Ollowainabanouacabeçaafirmativamente,pensativo.

—Mesmoospoderososàsvezescometemerros.—Agarrouocinturãoquetrazianoquadrilesoltou-o.Embrulhou-ocuidadosamenteemtornodabainhadaespadaeestendeuaarmaaMandred.—Eunãodeviaterbatidoemvocê.

Mandredobservouadmiradoaespadaestreita,masnãoapegou.

—Porquê?

NãoteriaagidomuitodiferentedeOllowain.Oquehaviadedesonrosoembateremalguémburroosuficienteparadesafiarumoponentesuperior?

—Nãoéapropriado.Vocêéhóspededarainha.—Oelfomostrouorasgoemsuatúnica.—Vocênãomeacertouporumtriz.Você,umhumano!Issomeirritou...Mas,comodisse,eunãodeviaterbatidoemvocê.Vocêfoibem...paraumhumano.

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Mandred pegou a espada. Era a arma que usara para lutar comOllowain.Umaespadaquepareciaadeumrei.

—Naverdadenãosoumuitobomnalutadeespada—retrucouMandred,comumsorrisoirônico.—Vocêdeviatermedadoummachado.

AssobrancelhasdeOllowaintremeramumpouco,masorestodeseurostopermaneceu imóvel comoumamáscara inexpressiva. En ou amão por baixodesuatúnicaeapanhouumatrançadagrossuradeumdedo.—Issoéseu, lhodehumanos—seusolhosbrilharam.

Mandred demorou um instante para entender o que era aquilo queOllowain lhe estendia. Assustado, apalpou seu próprio cabelo. Ollowainseguravapoucoacimadesuatestaoscurtosedestruídosrestosdeumatrança.Foitomadopelafúria.

— Você... Você me mutilou, seu idiota dissimulado! Aberração! Elfocanalha! — Mandred quis puxar a espada, mas o cinto estava enrolado naguarda e na bainha, e ele não conseguiu puxá-la mais que uma polegada.Furioso, jogoua espadapara longee ergueuospunhos.—Vou socar esse seulindonarizatévirarmingau!

Oelfodesvioudogolpecomumpassobalançante.

— Vamos dar uma surra nele! — berrou Aigilaos, erguendo-se sobre aspernasdetrás.

Ollowainmergulhouporbaixodesuaspatasda frente,queseagitavamnoar,ergueu-senovamentesobreaspernascomummovimentoágileacertouumgolpenoquadrildocentauro.

Aigilaosdeuumgritofurioso.Aobaixaroscascosdevoltaparaochãolisodemosaico,escorregouemumapoçadevinhoderramado.

Paradesviardocentauroemqueda,Mandredquispular,masoamigotinhaabertoos braçosnuma tentativadesesperadade se segurarnele. Então amboscaíramjuntosnochão.AforçadochoquedeixouMandredsemar.Ofegouporuminstante,tentandorecuperararespiração.Commetadedocorpoesmagadadebaixodocentauro,elemalconseguiasemexer.

Ollowain agarrou-o pelo braço e puxou-o para a frente por baixo deAigilaos,enquantoesteúltimotentavainutilmentesereerguer.

—Respiredevagar!—ordenouoelfo.

Mandred arfava como um cão, e logo cou tonto. Mas pouco a pouco

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finalmenterecobrouarespiração.

—Comoalguémseatreveaseembebedarumanoiteantesdeumacaçadaperigosa?— Ollowain balançou a cabeça.— Todas as vezes que nos vemos,vocêconseguemefazerperderoautocontrole,MandredFilhodeHumanos!Sevocê não pensa em você mesmo, pense naqueles que o escoltarão. Amanhãvocê será o comandante, e responsável por eles!Voumandar alguns duendesparacáparalimpartodaestasujeira,tirarovinhodevocêsedeixaraquialgunsbaldes de água. Espero que até amanhã de manhã vocês tenham recuperadopelomenosumpoucodarazão.

—Filhinhodamamãe—balbuciouAigilaos.—Umapessoacomovocênãoécapazdeentenderumhomemdeverdade.

Oelfosorriu.

—Defato,eununcatenteiimaginarcomoumcavalodevepensar.

Mandredpermaneceucalado.QueriaterderrotadoOllowain,masagoraviaquenuncateriachancecontraele.Eopior:lánofundo,sabiaqueoelfoestavacerto.Eraestúpidoseembebedar.Fora seduzidopelodocee saborosovinhoeanestesiadopelomedo.MedodequeFreyajánãoestivessemaisviva;medodeenfrentarohomem-javalimaisumavez.

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Adespedida

A sala do trono raramente era tão movimentada quanto nesta manhã.Noroelleestavaalidepé,próximaaumadasparedespelasquaisaáguafluía.AoseuladoestavaObilee,emquemtantocon ava;tinhasóquinzeanosdeidadeeumportegracioso.Seusgestosdenunciavamsuatimidez,easexpressõesdeseurosto, a sua curiosidade. Ela vinha deAlvemer comoNoroelle e parecia ser airmãmais nova que ela sempre quisera ter.De cabelos louros e olhos verdes,Obilee mal tinha algo em comum com ela, mas eram íntimas como irmãs.AssimcomoNoroelle, tinha saído cedoda cidadedeorigem.Mas seNoroellevieraumdia com seuspais,Obilee fora entregue aos cuidadosdeNorolle porsuaavó.

—Veja,Noroelle— sussurrouObilee.—Todos estãoolhandopara você.Todosestãocuriososparasaberoqueseusamadoslevarãodevocênocaminho.Sejacuidadosa!Elesprestarãoatençãoemcadagestoepalavra.—Aproximou-sedaorelhadeNoroelle.—Énestemomentoquenascemosnovoscostumes.

Noroelleolhouemvoltarapidamente.Sentirtantosparesdeolhossobresicausava-lhe mal-estar. Embora estivesse sempre na corte, ainda não seacostumaraaisso.Respondeubaixinho:

—Vocêestáenganada.Éovestidoqueelesestãoolhando.Vocêsesuperoudestavez.Podematéacharquevocêtemmãosdefada.

—Talvez sejamosdois—disseObilee, sorrindo.Entãoolhoupor trásdeNoroelle,eseurostofoitomadopelaadmiração.

Noroelle seguiu o olhar de sua el amiga e viu mestre Alvias, que seaproximavaacenandoamigavelmentecomacabeça.

—Noroelle,arainhaestánotronoequervê-la.

Aelfapercebeuváriosolharescuriosos,masescondeuasuainsegurança.

—Voucomvocê,Alvias.—Evirando-separaObilee:—Venhacomigo!

—Maselasóquer...

—Venha comigo, Obilee.—Noroelle agarrou a jovem elfa pelamão.—

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Ouçabem:agoravamosverarainha,eelavaiperguntarquemévocê.

—Masarainhameconhece,nãoé?Elaconhecetodosqueestãoaqui.

—Mas você ainda não foi apresentada a ela.Depois que eu indicar o seunome,vocêpertenceráàsociedadedacorte.

—Masoqueeudevodizer?

—Sórespondaoquearainhaperguntar.

Alvias cou calado; não se via em sua sionomia nem um sorriso nemqualquer descon ança. Noroelle e Obilee seguiram omestre. As pessoas queNoroelle encontrou saudaram-na com palavras e gestos respeitosos. Aochegaremdiantedasoberana,mestreAlviaspôs-sedelado,enquantoNoroelleeObileefizeramumareverência.

—Minhasaudações,Noroelle.—EmerelleolhouparaObileeeperguntou:—Queméessaquevocêtrouxeatémim?

Noroelle virou-se um pouco e apontou para a jovem elfa, num gestoelegante:

—EstaéObilee,filhadeHalvariceOrone,deAlvemer.

Emerellesorriuparaajovemelfa.

—EntãovocêdescendedoclãdagrandeDanee.Vocêébisnetadela.Todosnós observaremos o seu caminho. Com Noroelle você está em boas mãos.Noroelle,chegouaosmeusouvidosqueumlaçoligavocêàCaçadadosElfos.

—Éissomesmo.

—VocêéaquelaqueFarodineNuramoncortejam.

—Sim,éverdade.

—UmaCaçadadosElfosemquearainhaeaamadanãoestejamdeacordoestá fadada ao fracasso desde o começo. Então lhe pergunto: na sua posição,vocêpermitequeseusamadosparticipemdaCaçadadosElfos?

Noroelle nãopôde evitar pensar nomedoque preenchera seus sonhosnaúltima noite; ela vira Farodin e Nuramon sofrerem. Apesar do orgulho quetinha deles, preferiria que eles não precisassem participar da caçada. Mas aperguntadarainhaeraapenasumaformalidade.Noroellenãoera livrepara ircontraodesejodeEmerelle.Searainhapediuaajudadeseusamados,Noroellenãopodiaimpedi-la.Elasuspiroubaixoepercebeuqueosilênciotomaraconta

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dasala.Obarulhodaáguaeratudooqueseouvia.

—EuoscedoavocêparaaCaçadadosElfos—dissepor mNoroelle.—Noquevocêcontarcomeles,elesofarãopormim.

Emerellelevantou-seeaproximou-sedeNoroelle.Disse:

— Então a rainha e a amada estão de acordo. — Ela tomou Noroelle eObileepelamãoeconduziu-asdegrausacima,aoladodotrono,parasentar-senovamente.

Noroelle cava ali em pé com frequência, mas como em todas as outrasvezes, sentia-se no lugar errado. Nos olhos de muitos dos presentes haviaadmiração,mas em outros via um ligeiro ar de deboche.Nenhum dos dois aagradava.

Comumgesto,arainhapediuaNoroellequesecurvassediantedela.

— Con e em mim, Noroelle — sussurrou em seu ouvido. — Já mandeimuitosparaacaçada.FarodineNuramonretornarão.

—Meusagradecimentos,Emerelle.Euconfioemvocê.

MestreAlviasaproximou-sedarainha.

—Emerelle,elesestãoaguardandodiantedoportão.

ArainhaacenoucomacabeçaaAlvias.Eledeumeia-volta,abriuosbraçosegritouemaltoebomsom:

— A Caçada dos Elfos está diante do portão.— Apontou o dedo para ooutroladodasala:—Umaveziniciada,elescaçarãooseualvoatécumprirematarefa,ouaté fracassarem.Umavezabertoesteportão,nãohaverámaisvoltaparaacaçada.—Eleatravessouavielaestreitaqueseformaranomeiodasala.— Como sempre, é necessário aconselhar a rainha. — Encarou alguns dospresentes,queclaramenterepresentavamtodososdemais.Entãocontinuou:—Considerem a situação. Uma besta poderosa! Nas campinas dos humanos!Perto das nossas fronteiras! Deve a rainha manter o portão fechado e dessaformatolerarquealgo quevagandoláfora,algoqueumdiatambémpodenosameaçar? Ou deve abrir o portão, para que possamos libertar dessa besta oshumanosdasterrasdo orde?Ambososcaminhospodemlevartantoàfortunaquanto à ruína. Caso o portão permaneça fechado, a besta pode um diaencontrarocaminhoaténós.Mas,abrindooportão,podeserqueosanguedoselfos seja derramado em prol dos humanos. A escolha é de vocês. — AlviasapontouparaEmerelle comumgesto suave.—Aconselhema rainha sobre o

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que deve decidir! — com essas palavras, Alvias virou-se novamente paraEmerelleecurvou-sediantedela.

Osolharesdospresentesdirigiam-seatéoportãoedevoltaparaarainha.Logoalgumasvozessemanifestaram,aconselhandoEmerelleaabriroportão.Mas havia outras que se pronunciaram contra. Noroelle viu que eram deparentesdeNuramon.Nãoesperavanadadiferente.Omedoestavaescritoemseusrostos;masnãoeraporNuramon,maspelasconsequênciasdamortedele.

Arainhaperguntavaacadaumdelesporquaismotivossedecidiamporissoou por aquilo, e escutava pacientemente as explicações. Desta vez ela ouviumais vozes do que jamais ouvira antes. Ao perguntar a Elemon, tio deNuramon,porqueelequeriaveroportãofechado,eledisse:

—Porquecasocontrário,comoAlviasdisse,podehaverdesventuras.

—Desventuras?—Arainhaencarou-ocominsistência.—Vocêtemrazão.Issopoderiaacontecer.

EntãoPelveric,deOlvedes,tomouafrente.Suapalavracontavamuitoentreosguerreiros.

— Emerelle, pense no sangue de elfos que pode ser derramado. Por quedevemosajudaroshumanos?Oquetemosavercomsuasdi culdades?Quandofoiaúltimavezquenosajudaram?

— Já fazmuito tempo— foi só o que Emerelle respondeu a Pelveric. Elanalmentevirou-separaNoroellee sussurrou:—Oseuconselhoéoquevou

ouvir.

Noroelle hesitou. Podia aconselhar a rainha a manter o portão fechado,falando,comomuitosoutros,dosanguedoselfoseda ingratidãodoshomens.Ela sabia, porém, que nessas palavras o que falaria era somente o amor pelosseus queridos. Mas aqui se tratava de algo maior do que ela própria. Dissebaixinho:

—Omeucoraçãotemepelosmeusamados.Masocertoéabriroportão.

A rainha levantou-se solenemente. O barulho da água nas paredesaumentou devagar.Mais emais água saía das fontes, descia paredes abaixo edesaguava ruidosamente no espelho-d’água. Emerelle olhava o portão. Parecianãopercebercomoocintilantevapordeáguaseespalhavanoar,subindoparaaamplaaberturanotetoeláfazendosurgir,sobaluzdosol,umgrandearco-íris.Derepente,asparedesportrásdaáguaseacenderam.Umzumbidosooueuma lufadadeventoatravessoua sala.As folhasdoportãoabriram-separaos

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lados, e o grupoda caçada cou visível para todos.A água se acalmou,mas ovaporeoarco-írispermaneceram.

Os caçadores se detiveram embaixo do arco do portão por um instante,antesdeentrar.ÀfrenteestavaMandred,o lhodehumanos,queobservavaoarco-íriscommuitaadmiração,mascujoolhar logoencontrouarainha.Atrásdele, à esquerda e à direita, vinham Farodin e Nuramon; mais atrás seguiamBrandan, o descobridor de rastros; Vanna, a feiticeira; Aigilaos, o arqueiro; eLijema,amãedoslobos.NãoeracomumverumhomemparticipardaCaçadados Elfos, embora seu porte fosse mais semelhante ao dos elfos que o deAigilaos,ocentauro.Entretanto,depoisdetodosaquelesanos,todosjáhaviamsehabituado ao fatodeque centaurospodiamparticipardaCaçadadosElfos.Masumhumano?ComoMandredvinhaprimeiro,issotornavatudoaindamaisestranho.Sempreeraumelfoquemlideravaacaçada.

Nuramon e Farodin lembravam os heróismíticos. Farodin, como sempre,era uma visão imaculada, enquanto Nuramon correspondia ao ideal pelaprimeiravezaosolhosdosoutros.Noroellepôde reconhecer issonitidamentenos rostos dos que os cercavam e estava feliz com isso. Mesmo que o seuprestígiopudessedurarpouco,ninguémpodiaprivá-lodessemomento.

Os caçadorespuseram-sedianteda rainha.Ao chegaremdianteda escadaparaotrono,oselfoscurvaram-sesobreojoelhodiantedeEmerelle,emesmoo centauro se esforçou para inclinar-se omáximo possível. ApenasMandredpermaneceuereto,epareciaestarsurpresocomademonstraçãoderespeitodeseuscompanheiros.Estavaapontodeimitá-losquandoarainhadirigiu-seaelenalínguahumana:

— Não, Mandred. No Outro Mundo você é o jarl da sua sociedade, umnobreentreoshumanos.Vocênãoprecisa sepôrde joelhosdianteda rainhadoselfos.

Mandredfezumacaradesurpresaepermaneceucalado.

— Todos os outros: levantem-se! — Emerelle disse, também emordlandês. Alguns dos presentes aparentemente não dominavam a língua e

olharamparaelaaborrecidos.

Fiordlandês! Os pais de Noroelle ensinaram-lhe muitas línguas humanas,maselanuncadeixaraaTerradosAlbos.Atéagora,elasóconheciaaselvagemterradoshumanosemsuaimaginação.

Arainhavirou-separaMandred.

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—Das minhas mãos você recebeu uma dupla honra. Você é o primeirolhodehumanosaparticipardaCaçadadosElfos.Ealémdisso, convoquei-o

comoo líder.Nãopossoesperardevocêquesecomportecomoumelfo.Essaescolhadeixoumuitos lhosdealbosindignados.MasaforçadeAttaAikhjartovive em você. Con o na sua intuição. Nenhum de nós conhece a sua terracomovocê,queseráumbomlíderparaosseuscompanheiros.Mas,emtudooquefizer,jamaisseesqueçadoquemeprometeu.

—Eumantenhoaminhapromessa,soberana.

Noroelle descobriu o pacto que o lho de humanos fez com a rainha.ExaminavaMandrede estava surpresa comseusmodos.Até então,não tiveranenhuma oportunidade de vê-lo, já que na noite anterior chegara à corte sómaistardeenãoarriscarapisarnaaladopalácioonde cavamosaposentosdoscaçadores. Contudo, ouviramuitos rumores sobre ele, embora provavelmentenãofossemtodosverdadeiros.Estavacertadequeeleeralargocomoumursoe,àprimeiravista,pareciaumpoucoameaçador,comtodoessecabelovermelhocomoopôrdosolcaindodeformaselvagemsobreosombros.Algumastrançasnasseentrelaçavamalinomeio,eeletambémtinhabarba,comomuitosdos

centauros. Suas feições eram grosseiras, porém honestas. Ele lhe pareciaestranhamentepálidoehaviagrandesanéisescurossobseusolhos.Talveznãotivesse dormido de ansiedade? Certamente estava muito orgulhoso dahomenagem da rainha. Ele agora carregava uma grande responsabilidade.Noroelleteveumarrepiosódepensarnopreçoqueeleteriadepagarporessaajuda. Ela jamais entregaria um lho seu, se é que umdia chegaria a ter um.Pensativa,encarouosseusdoispretendentes.Aperguntanãoerase,mascomqualdeleselaumdiateriaumfilho.

Como se tivesse ouvido os seus pensamentos, Mandred encarou-arapidamente e sorriu. Obilee agarrou a mão dela. Estava tremendo. Noroellepermaneceucalmae encarouosolhosazuisdo lhodehumanos.Apresençadelecertamente transmitiasegurança,eelapodia tranquilamentecon araeleosseusdoisamados.OlhouparaNuramoneFarodin.Hávinteanos,desdequeelesdeclararamseuamorporela,umdosdoissempreesteveporperto.Agoraelaficariasozinha,semsaberporquantotempo.

— Vocês sabem o que fazer — disse a rainha. — Estão equipados edescansados.Estãoprontosparapartir?

Oscaçadoresresponderamumapósooutro,comaspalavras:

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—Euestoupronto.

— Farodin e Nuramon, um passo adiante! — Ambos zeram o queEmerelle ordenou.—Eu souvossa rainha, e vocês estão sobminhaproteção.Mas também estão ao dispor de uma elfa, e eu não posso falar por ela. Elatomou a decisão. — Andou até Noroelle e conduziu-a degraus abaixo, atéFarodineNuramon.Obileeaseguiu.—Aquiestáela.

Noroellesegurouamãodeambososhomensedisse:

—Seestãoaomeudispor,vocêsestãoaodispordarainha.

—Entãonósserviremossemprearainha—declarouFarodin.

—Quenossosatostragamalegriaaambas—completouNuramon.

Elesbeijaramasmãosdela.

Noroelle sabia que agora viria a despedida.Mas era cedo demais; ela nãoqueriadizeradeusaseusamadosaqui,diantedosolhosdetodos.

—Avossaamadaaindatemumdesejo.Elagostariadeacompanhá-losatéoportãodeAikhjarto.

Farodin trocou um olhar com Nuramon. “Precisamos fazer o que nossaamadaexige.”

ArainhasorriuepegouamãodeNoroelle,assimcomoadeObilee.

—Aqui,Mandred,trago-lheestasduas,queestarãosobsuaproteçãoatéoportão.Trate-asbem.

—Assimofarei.

A rainhaolhouparacima, comosepudessever algona luzdo sol cobertapelovaporquenãoeravisívelaosolhosdosdemais.

—Odiaaindaéumacriança,Mandred!Váesalveasuaaldeia!

EntãoMandredcolocou-sediantedaCaçadadosElfos,enquantoNoroelleeObileeandavamnomeio.Nocaminho,os lhosdosalbosdesejavamsorteaoscaçadores.Noroellevirou-seelançouumolharparaarainha.Viuqueestavadepédiantedotronoeobservavaogruposedistanciarcomexpressãopreocupada.Estariacommedodequealgoosatingisse?Seeraassimquesesentia,atéagoraEmerelleesconderabemosseustemores.

ObileearrancouNoroelledeseuspensamentos.

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—EutambémqueriaestarnaCaçadadosElfos—disseela.

—Nestemomentoécomosevocêestivesse.

—Vocêsabeoquequerodizer—retrucouObilee.

—Éclaro.Masnãoouviuoquearainhadisse?Eeutambémjánãotinhaavisado que você se parece comDanee?Umdia você também alcançará umahonracomoessa,comoumagrandefeiticeiraquetambémserámestrenaartedaespada.

O grupo caminhou decididamente pelos salões até chegar ao ar livre. Opátiodocasteloestavarepletode lhosdealbos.AtéosduendeseosgnomostinhamvindoparaveraCaçadadosElfospartir.Umacaçada lideradaporumhumanoeraalgoespecial.Históriassobreestediaseriamcontadaspormuitosemuitosanos.

Os cavalos dos caçadores estavam prontos e o equipamento já estavapreparado. Apenas o centauro Aigilaos ainda amarrava algumas bolsas nascostasereclamavabaixinhodatensãoquesentiananuca.Pareciaqueparaeleaúltimanoitenãotinhasidomuitorelaxante.

Enquanto mestre Alvias buscava mais dois cavalos, Noroelle observavaFarodin e Nuramon. De repente eles pareciam tão inseguros... Logo os doisestariam separados dela. Que palavras ela podia dizer em tal situação?O queseriacapazdeconsolarosamados?

—ACaçadadosElfos estápronta?—perguntouMandred, comoexigiaoritual. Os companheiros con rmaram com a cabeça, e o lho de humanosgritou:—Entãovamos!

A Caçada dos Elfos pôs-se a caminho. Na frente cavalgava o lho dehumanos e, atrás dele,Noroelle.À sua esquerda estavaNuramon, e à direita,Farodin.Atrás dela cavalgavaObilee, cercada por Brandan,Vanna eAigilaos.Lijema fechava o pelotão.Altos gritos de despedida acompanharam-nos até oportão—osduendeseraminsuperáveisnisso.

OgrupoacabaradepassarpeloportãoeNoroellenãoacreditavanoquevia.Na campina havia tantos lhos de albos como ela nunca vira antes. Todosqueriam ver a partida daCaçada dos Elfos.No campo brilhavam sob o sol asasasdasfadasdascampinas;comotodossabiam,elaseramcuriosas.Próximosao caminho pelo qual o grupo seguiu estavam elfos do coração da Terra dosAlbos, mas também dos lugares mais distantes do reino. Muitos nãoconseguiramchegaràcortenodiaanterior,masnãoqueriamperderapartida

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daCaçadadosElfos.Oscompanheirosesbarravamemcumprimentosportodosos lados. Mesmo nas colinas próximas ao bosque os elfos saíam das casas eacenavamparaosenviados.

De repente, Noroelle viu uma pequena fada voar ao lado da cabeça deMandred. O humano tentou acertá-la como faria com um inseto chato, maserrouoalvo.AfadagritoueveiovoandoatéNoroelle.Mandredolhouemvolta.Eleouviraogrito,masaparentementenãotinhavistoafada.

Aos poucos, ele foi aumentando a velocidade. Parecia estar gostando decavalgarnumcavalodeelfos.Queiramosdeusesqueelenãocaia.DiziamquenãotinhamostradomuitojeitoaocavalgarnascostasdeAigilaos.

Quando deixaram os lhos dos albos e suas saudações para trás, tendodiantedesisomenteasvastascampinas,Lijemaultrapassou-osàdireitae logoposicionou-seaoladodeMandred.Eleaolhoucomsurpresa.MasLijematirousua auta de madeira do cinto e assoprou nela. Embora suas bochechashouvesseminfladovisivelmente,nãoseouviunenhumsom.

LogoaseguirObileegritou:

—Olhe lá!— Ela apontou para a direita. Algo branco se desprendera dasombradobosqueeseaproximavarapidamente.

—Láestãoeles!—disseAigilaos.

—Sãosete!—contouNuramon.

—Sete?—perguntouFarodin.—Inacreditável!

Mandredvirou-senasela.

—Seteoquê?

Noroelle sabia a resposta, como qualquer lho de albos. Eram os lobosbrancosdaCaçadadosElfos.NinguémsabiadizerquantosseguiriamaCaçadaaté quede fato se juntassema ela.Quantomaior onúmero,mais importanteeraaocasiãoemaioroperigo.Pelomenoseraoquesecontavaporaí.

—Estessãonossoslobos!—gritouLijemaparaMandred.

—Lobos?Masqueraiodelobosimensossãoesses!

Noroellenãoconteveumsorriso.Os lobosdepelobrancoe espessoeramdotamanhodepôneis.

— Eles são perigosos? — ouviu Mandred perguntar. Mas Lijema não

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entendeu, por causa do barulho do bater de cascos.—Eles são perigosos?—repetiu,maisalto.

Lijemasorriu.

—Maséclaro.

Quando os lobos os alcançaram, quatro deles colocaram-se diante daCaçada.Mais dois posicionaram-se à esquerda e à direita do grupo.O sétimolobocorriabemaoladodeLijema.

Logo que chegaram ao início da oresta, pararam para lançar um últimoolhardevoltaaocastelodarainha.MesmoMandredpareciaestaremocionado.Farodin e Nuramon também não podiam desviar o olhar. Principalmente orosto de Nuramon denunciava a preocupação que sentia por trás, enquantoFarodin tentava manter seus sentimentos ocultos. Mas Noroelle conseguiaenxergarportrásdasuamáscaradesangue-frio.

OslobosestavamimpacientesecercaramocavalodeMandred.O lhodehumanosparecianãosabermuitobemcomolidarcomeles.Nuncaosperdiadevista. Ele certamente já deve ter tido experiências negativas, pensouNoroelle.Talvez no seu mundo os lobos sejam um grande perigo, como os lobos deGalveluneramparaos lhosdosalbos.QuandoMandredpercebeuoolhardeNoroelle,abaixou-senasela.Comosequisesseprovarsuacoragem,acariciouapeledopescoçodolobomaior.Oanimalgostou!

—Devemosiradiante?—perguntouo lhodehumanos.OloborosnoueencarouMandred.

Lijemariu.

—Elenãofalafiordlandês,masgostadevocê.

Lijemaexplicouaoslobosemél cooporquêdenãoconseguirementenderMandred,eentãotraduziuoqueeleperguntara.Oloboabaixoubemacabeçaederepente couinquieto.Osoutrostambémsedeixaramcontagiareandavamem círculos, para a frente e de volta para Mandred. Os lobos queriamcontinuar.

—Entãoelesentendemoquevocêdiz?

—Cadapalavra.Sãomaisespertosquealgunselfos,podeacreditar.

—Eeles?Comofalam?—Mandredquissaber.

Lijemaacariciouapeledomaiordoslobosbrancos.

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—Elestêmsuapróprialíngua,eeuadomino.

Noroelle sorriu. Era fácil entender esse humano. Pela forma como eleobservouograndelobo,levantouumasobrancelhaeaomesmotempomordeuo lábio, ele só podia estar pensando uma coisa: um lobo como esse seria umcompanheirodecaçaperfeito.

—Elescomcertezasãoosmelhoresparceirosdecaça—disseMandred.

Noroelleprecisousecontrolarparanãoriralto.

—Issomesmo—respondeuLijemaaofilhodehumanos.

—Elessãotãofiéisquantocachorros?

Lijemariuanimadamente.

—Não, você não pode compará-los a cães. Eles sãomuitomais espertos.Digamaisumavezoquevocêacaboudedizer.

—Emfiordlandês?

—Sim.

—Devemosiradiante?

E mais uma vez os animais caram inquietos e esperaram até quefinalmentecontinuassem.

—Entãovamoslá!—gritouMandred,eogrupocontinuouseucaminho.

O silêncio entre Noroelle e seus amados continuava. Os sete lobosaumentaram a preocupação de Noroelle com eles. Os animais intuíam otamanhodoperigoqueesperavaoscaçadores.Elesmesmosdecidiamqualseriao tamanho da matilha que se juntaria à Caçada dos Elfos. Quando Gaomeecavalgou para enfrentar o dragão Duanoc, oito lobos a acompanharam. Quecriaturapodiaseressaqueesperavadooutroladodocírculodepedra?Noroellede fato con avana capacidadede seus amados,masmesmograndesheróis jámorreram na batalha. E se acontecesse o pior? E se Nuramon estivesseenganado e as almas dos elfos que morrem no reino dos homens nãorenascessemnaTerradosAlbos?

PassarampeloCarvalhodosFaunosepeloLagodeNoroelle.AindaontemestiveraaquicomFarodineNuramon.Noroelleseperguntavasevoltariaaverumdiacomoesse.

Quando a torre de forti cação ao pé da ponte Shalyn Falah surgiu no

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horizonte, zeramumabreveparadaparasedespedirdeAigilaos;elenãopodiaatravessar a ponte branca com as ferraduras em seus cascos. O centauropraguejouváriasvezescontraavelhaconstrução.

—Vejovocêsnoportal—disseele,esaiutrotando.

Noroelle seguiu o centauro com os olhos, e pensou em todas as históriassobreelequeseouviamporaí.Elecertamenteinvejavaoscavalosdoselfos,quesem ferraduras e com toda a sua agilidade eram capazes de cavalgar sobre apontesemdificuldade.

—Mas entãoporque ele ferrouospróprios cascos, se é esseomotivodenãopoderpassarpelaponte?—perguntouMandred.

—Dizemqueosduendesdacortecontaramaeleque,comferraduras,eleconseguiriacavalgarmaisrápido—respondeuLijema.—Agoraeleachaqueémaisrápido,masprecisairpelodesvio.

Mandredriu.

—IssoparecemesmocoisadoAigilaos!

Continuaram o caminho. Próximo à torre da Shalyn Falah, Ollowainaguardavaogrupo.Mandredrecebeu-ocomfrieza,oqueofezabrirumsorrisodivertido. Atravessaram o portão rapidamente. Noroelle perguntava-se o queteriaocorridoentreOllowaineMandred.

Eles atravessaram a Shalyn Falah e, do outro lado, seguiram pelo largocaminho que passava pelas ruínas deWelruun.Umdia os trolls destruíramocírculo de pedras. Ela própria não presenciara o fato, mas as árvores selembravam dele, como os espíritos da oresta. Antes, o portal de Welruunlevava a um dos principados dos trolls. Ali Noroelle sentia nitidamente ospoderesdassetetrilhasalbas,quesecruzavamformandoumagrandeestrela—aestreladosalbos.Ostrollshaviamfechadooportal.Enenhumelfosabiaqualforaamágicaqueusaramparaisso.

A mata tornava-se cada vez mais densa. Noroelle lembrou-se de quandovinhacomfrequênciaaestebosque.Gostavadele.Oscompanheirosdescerampelo caminho entre as bétulas e nalmente chegaram à grande clareira, ondehavia a colina como círculo de pedra. Foi nas ruínas da torre que, certo dia,Landowyn dera o último golpe contra os trolls. Triste, Noroelle pensava emquantoselfoshaviammorridoali.

OgruposedeteveaopédacolinaparaesperarporAigilaos.Mandredapeoue,silencioso,distanciou-sedoscompanheiros.QueriairatéAttaAikhjarto.

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Noroelleouviradizerqueocarvalhosalvaraasuavida.ElaseperguntavaoqueAttaAikhjartoviraemMandred.OCarvalhodosElfoscertavezcontaraaela que o velhoAttaAikhjarto podia prever o futuro. Então o que será que ovelhocarvalhosabia,paradecidirsacri carasuaforçaparasalvarum lhodehumanos?

Noroelle deixou que Farodin a ajudasse a descer do cavalo. Nuramonchegoutardedemais,eporissofoiObileequemeleajudouaapear.OgestodeNuramon agradou tanto a jovem elfa que a deixou com as faces coradas. Eleconduziu-aatéNoroelle.

Sentaram-sejuntossobreagrama,masaindaeracedodemaisparapalavras.Logo os outros companheiros também se calaram. Até os lobos estavamestranhamentequietos.

SóquandoAigilaoschegouelesvoltaramafalar.

—Demoreidemais?—perguntouele, sem fôlego.O suorbrilhavano seutronco.

—Não,Aigilaos.Nãosepreocupe—disseNoroelle.

Ocentauroestavaesgotadoeprecisavadescansar.Maisumavezosilênciotomoucontadogrupo.

Agora era Mandred quem estava faltando, e então a Caçada dos Elfospartiria de nitivamente. Mais de uma hora se passou até que o lho dehumanos retornasse até eles. Noroelle daria tudo para saber o queMandreddescobrirajuntoaAttaAikhjarto.Maselesóperguntou:

—Estãoprontos?

Oscompanheiroscon rmaramcomacabeça.Noroellesentia-seumpoucoculpada.Sabiaqueosilênciodogrupoerasuaculpaeagoraqueriaconsertarasituação.

—Venham,euosacompanhareiatéláemcima,atéocírculodepedras.

Nocaminhoatéo topo,Noroellesentiuopoderdaestrelaalbacomoumalufada de vento que ia de encontro a ela. O lugar não perdera nada de suamagia. Recostado em uma pedra, ali estava Xern, olhando para dentro docírculo,cujocentroestavatomadodenévoa.Semsevoltar,eleperguntou:

—Quem vai entrar?— como falou em ordlandês, aparentemente sabiaqueeraMandred.

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Ofilhodehumanostomouadianteiraerespondeu:

—ACaçadadosElfos!

Xernvirou-separaeles.

— Então o portal está aberto para vocês. Mandred, você chegou a estemundoquasesemnenhumafagulhadevida.EvocêodeixacomaforçadeAttaAikhjarto.Queospoderesdeleprotejamvocêeoseugrupo!—Mostroucomamãoacortinadefumaça.

Farodin e Nuramon encararam Noroelle, cheios de expectativa. Elafinalmentequebrouolongosilêncio.

—Lembrem-sedequeestãofazendoissopormim.Lembrem-sedequeosamomuito,osdois.Cuidemumdooutro;éoquepeçoavocês.

—CuidareideFarodincomaminhavida—disseNuramon.

Farodinconfirmou:

—OsofrimentodeNuramonseráomeupróprio.Oqueafetá-loafetaráamimtambém.

— Por todos os albos! Suplico a vocês: não descuidem de vocês mesmosparaprotegerosoutros.Nãotomemcontasódosoutros,mastambémdevocêsmesmos. Eunãoquero que o destino tomeminhadecisãopormimde formadolorosa.Retornemosdois!

—Fareidetudoparaqueambosretornemos—disseFarodin.

—Eeuprometoquenósdoisretornaremos—acrescentouNuramon.

Farodin parecia surpreso de ver seu companheiro prometer algo que nãopodia. A nal, quem sabia o que aconteceria lá fora?Mas era justamente essapromessaqueNoroellequeriaouvir.

ElafezumsinalaObileeevoltou-senovamenteparaseusamados.

—Gostariadelhesdarumpresentequeosfarálembrardemimduranteaviagem.

Obilee trouxe duas bolsinhas. Noroelle apanhou-as e entregou uma aFarodineoutraaNuramon.

—Abram!—pediuela.

Ambos obedeceram o seu desejo e olharam o conteúdo. Enquanto

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Nuramonsósorriu,Farodindissesurpreso:

—Amoras!

— Elas carregam um feitiço — explicou ela. — Darão força a vocês eenchem a barriga mais do que podem imaginar. Pensem em mim quandocomerem!

Osdoistrocaramumbreveolhar.Nuramonentãodisse:

—Faremosisso.Enãosóquandoascomermos.

Noroelle abraçou Farodin primeiro e deu-lhe um beijo de despedida. Elequeriadizeralgo,maselapôsosdedossobreseuslábios.

—Não.Sempalavrasdedespedida.Semdocesjurasdeamor.Euseioquevocê sente. Sua língua não precisa dizer o que já vejo no seu rosto. Uma sópalavraevocêvaimefazerchorar.Eeuaindaestousorrindo.—Elesecaloueacariciouoscabelosdaelfa.

Noroellesoltou-sedeFarodineabraçouNuramon,beijando-otambém.Eletomou-lhe o rosto entre as mãos e olhou-a longamente, como se quisesseguardarasuavisãonamemórianosmínimosdetalhes.Sorriupelaúltimavezesoltou-a.

Oscaçadoresmontaramemseuscavalos,excetoAigilaos,quenãoprecisavafazerisso,ejáobservavamacortinadefumaça.Mandredentãogritou:

—Sigam-me,companheiros!

EaCaçadadosElfosadentrouocírculodepedras.

FarodineNuramoncavalgavamatrásdoslobos,no mdogrupo.Olharampara trás, paraNoroelle, umaúltimavez... e então tambémdesapareceramnanévoa.

Xern afastou-se do círculo de pedras e começou a caminhar lentamente.Obilee agarrou a mão de Noroelle. Quando a névoa se dissipou, um grandemedo se apoderou da elfa. Tinha a sensação de ter visto Farodin eNuramonpelaúltimavez.

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Omundodoshomens

Quandoanévoasedissipou,ohálitogeladodomundodoshomensacertouos caçadores como um golpe. Nuramon murmurou algumas magias de calorpara expulsar o frio aomenos de suas roupas. Olhou em volta, curioso. Elesestavam em um círculo de pedras, no topo de um alto penhasco. Bem láembaixohaviaumvilarejo.

Mandredguiou seucavaloaté abordadopenhasco,dandoa impressãodequereratirá-loprofundezasabaixo.Aparentementeovilarejodooutro ladodoorde exercia sobre ele uma enorme força de atração.Devia ser essa a aldeia

sobreaqualelefalaranacorte.

—Encontreio rastro!—gritouBrandan.—Estámuito fresco, comoseotalhomem-javalitivesseestadoaquiagoramesmo.

O lugar era exposto aovento e lá emcimanãohavianadapara comer.Oque teria mantido a besta ali por tanto tempo? Teria cado esperando?Nuramonnãoconteveumsorriso.Éclaroqueeraloucura.

—Mandred!—chamouFarodin,comumavozcortante.

O lho de humanos se juntou a eles, puxando as rédeas e afastando suaéguadopenhasco.

—Desculpem. Eu só precisava saber como estão osmeus semelhantes.AbestapareceaindanãoteratacadoFirnstayn.

Ele tomou a dianteira do grupo e conduziu-o penhasco abaixo. A alcateiacaminhavadispersanafrentedeles.Elestambémhaviamencontradoapistadohomem-javali.

Embora o rastro claramente conduzisse para longe da aldeia, Nuramontinha a impressão de que o lho de humanos cava mais inquieto a cadamomento.

—Háalgodeerrado,Mandred?—perguntouaele.

—Os cavalos—murmurou o guerreiro, com a voz sufocada.—Eles sãoenfeitiçados,nãosão?

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Nuramonnãoentendeuoqueelequeriadizer.

—Porqueenfeitiçaríamososcavalos?

—Elesnãoafundamnaneve.Nãopode ser.Aquianeveestápelomenosnaalturadosjoelhos.

NuramonpercebeuFarodineBrandansorriremumparaooutro.Sabiamdealgumacoisa?

—Eporqueoscavalosdeveriamafundarnaneve?

—Porqueassimé!—Mandredrefreouaégua.—Seoscavalosnãoestãoenfeitiçados, então é a neve que está— ele se jogou da sela e num instanteafundounaneveatéosjoelhos.

Brandanriu.

—Eunão acho engraçado— interferiuAigilaos, correndo atéMandred edeixando pegadas profundas atrás de si. — Esses orelhas pontudas estão sedivertindoàsnossascustas.Atéhojenãoentendicomoelesconseguemandarsobreaneve.Feitiçocomcertezanãoé.E tambémnãodependedeoscavalosteremounãoferraduras.

Nuramonesperavaqueofilhodehumanosficasseofendido,masderepenteumbrilhoreluziuemseusolhos.

—Vocês acham que a rainhame daria o cavalo de presente quando nósvoltarmos?

—Sevocêtiverêxito,talvez,humano—opinouFarodin.

—Vocêsachamqueumdosmeusgaranhõespoderiacruzarcomessaégua?

Aigilaosdeuumagargalhadarelinchante.

Nuramonachouaideiabizarra.Oqueofilhodehumanosestavapensando?

—Nãopodemos caraquiàtoa,fazendopiada—advertiuVanna.—Logovaicomeçaranevar.Precisamosprosseguir,senãovamosperderorastro.

Mandredmontoueobandopôs-senovamenteemmovimento,seguindoorastro. Nuramon percorreu as terras com os olhos. Imaginara o mundo doshomens de outra maneira. Aqui a neve era rígida e áspera, e as cadeias demontanhastinhamsaliênciastãoirregularesqueeradifícilgravarapaisagemnamemória. Nada parecia combinar com nada. Como encontrariam o homem-javalinestecaos?Milcoisasatraíamoseuolhar,porseremdiferentesdecomo

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eramnaTerradosAlbos.

TodasessasnovasimpressõesdeixavamNuramoncansado.Eleesfregouosolhos.Estemundopareciavastodemaisparaoolhar.Quandoviaumaárvore,malconseguiaobservá-lacomoumtodo,detantoqueassuasparticularidadesoatraíam. Também era difícil estimar as distâncias— as coisas pareciam estarmais próximas do que de fato estavam, dando-lhe a impressão de que estemundo era muito apertado. Agora entendia por que a rainha convocaraMandredcomolíder.Tudoissoerafamiliarparaele.

Ogruposeguiuapistadabestadurante todoodia.Elescavalgavamrápidoquando seguiam o rastro numa campina aberta e cautelosamente quandoadentravam bosques ou passavam por terrenos pedregosos. Estavam sempreprestesadardecaracomoalvo.AomenoseraessaaimpressãoqueNuramontinha.

Nas últimas horas, Brandan enfatizara que o rastro do homem-javali lhepareciaestranho.Simplesmentetinhaaimpressãodesersemprefrescodemais.Era como se a neve se recusasse a cair sobre suas pegadas. Isso deixavaNuramon inquieto, e Lijema também tinha no rosto uma expressãopreocupada.OsoutrospareciamlevaroavisodeBrandanasério,masnenhumdeles parecia duvidar de que cumpririam a sua missão. A Caçada dos Elfospartira, e agora os lobos, que corriam com gosto, causavam em Nuramon asensação de que nada nem ninguém poderia detê-los, mesmo neste mundoesquisito.

À tarde a neve deu uma trégua aos caçadores. As pegadas levavam paradentro de um bosque denso, onde a besta podia estar à espreita em qualquerlugar. Mandred, então, ordenou que deveriam encontrar um lugar paraacampar.BrandanmemorizouadireçãodaspegadaseentãoseguiuMandred.Aexpressão de Farodin tornou-se estranhamente descon ada, tanto queNuramonnãofoicapazdeinterpretá-ladireito.

Chegaram à borda da oresta e alimontaram seu acampamento. Aigilaosestava com fome e queria caçar de qualquer jeito. Ele seguiu algumas pegadasacompanhadoporBrandan.

NuramoneFarodinapearam.Vanna,afeiticeira,fezumapequenafogueirano meio do acampamento. Seus pensamentos pareciam estar longe. Algo apreocupava. Lijema e Mandred se ocuparam dos lobos. A mãe dos animaisesclareceuao lhodehumanostudooqueelequeriasaber.Estavamcalmos,oqueNuramonviacomoumbomsinal.

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Farodinsoltouumadasselaseentãoparoupararespirar.

—FoiassimquevocêimaginouaCaçadadosElfos?

—Paradizeraverdade,não.

—Deforatudoparecesemprebemmaisbonitoereluzente.Nósseguimosa pista da nossa presa, a abatemos e, em seguida, retornamos até a nossasoberana.Nofundoémuitosimples.

—Vocêjáesteveaquinomundodoshomens,não?

—Sim,váriasvezes.Lembro-medaúltimavez.Tivemosdeencontrarumtraidor e levá-lo até a rainha. Foi como agora. Mal atravessamos o portal,também já encontramos a pista. Poucas horas mais tarde já estávamos nocaminhodevolta.MasnãofoiumaCaçadadosElfosdeverdade.

— E então? Para você o Outro Mundo parece tão estranho quanto paramim?

—Vocêestáfalandodasensaçãodeaperto?

—Sim,exatamentedisso.

—Éporcausadoar.Arainhameexplicouumavez.Oardaquiédiferente.Nãoétãopuroquantoonosso.

Nuramonrefletia.

— Aqui tudo é diferente — prosseguiu Farodin. — É em vão quererencontrarabelezaeapurezadaTerradosAlbos.Ascoisasnãocombinam.—Eleapontouparaumcarvalho.—Aquelaárvorenãocombinacomestaaqui—disse,tocandoocarvalhoquehaviapertodesi.—Nanossaterraascoisassãodiferentes, mas estão sempre em harmonia. Não é de surpreender que oshomensachemosnossoscampostãolindos.

Nuramonsecalou.Apesardetudoisso,achavaoOutroMundofascinante.Aquihaviamuitoadescobrir.E,umavezconhecendoosegredodestemundo,entãotalvezseriapossívelencontrarharmonianele.

— Para Mandred tudo parece estar em harmonia — disse baixinho, elançouumolharrápidosobreofilhodehumanos.

—Maselenãotemossentidosapuradoscomoosnossos.

Nuramon concordou com a cabeça; Farodin tinha razão. Mas... Talvezhouvesse uma ordempor trás de tudo ali, cuja compreensão exigisse sentidos

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aindamaisapurados—maisatéqueosdoselfos.

Quandotodootrabalhojátinhasidofeito,Nuramonsentou-seedeixouseuolharpassearpelapaisagem.Farodinjuntou-seaele,oferecendo-lheamorasdasuabolsa.

Nuramonficousurpreso.

—Devomesmo?

Ocompanheiroconsentiu.

Ele aceitou a oferta de Farodin. Comeram algumas amoras juntos e emsilêncio.

Quando o pôr do sol se aproximou, Lijema perguntou onde estariamBrandaneAigilaos.

Nuramonlevantou-se.

—Voubuscarosdois.

—Devoirjunto?—perguntouFarodin.

—Não.—Eleolhouparaafeiticeira.—ÉmelhorperguntarparaVannaseestá tudo bem — sussurrou. — Ela está há muito tempo calada, remoendoalgumacoisa.

Farodin sorriu e ergueu-se para se juntar à feiticeira. Nuramon deixou oacampamento,seguindoaspegadasdeAigilaoseBrandan.

Atrilhadosdoiserafácildeseguir.AsmarcasdasbotasdeBrandandefatoeram difíceis de reconhecer, mas Aigilaos deixara sulcos profundos na neve.Nuramonolhouparaospésváriasvezes,pensandoemMandredeemcomoeleafundavanochãocobertodebranco.Talvezfossemesmoumfeitiçooquefaziacomqueeleandassesobreanevesemafundar.Tentoudeixarpegadasnítidas,eaté conseguiu.Mas precisava se concentrar e pisar da formamais desajeitadapossível.Docontrário,seuspésserecusavamaafundar.

Poucodepois, aspegadas se tornaramdiferentes.Nuramonviuqueambosos companheiros começaram a seguir a pista de um cervo. Logo depois sesepararam:Aigilaos foiparaa esquerda, enquantoBrandan seguiuàdireita.Orastro do cervo seguiu em frente. Nuramon seguiu as pegadas de Aigilaos,porqueerammaisfáceisdereconhecer.

De repenteouviu algo.Deteve-se e couà espreita.Primeiro escutou sóoventoquesopravaatravésda oresta.Depoisouviuumruídobaixo.Nãodevia

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sernadaalémdeumpoucodegelosopradosobreumaárvore.Masoruídoserepetiaotempotodo.Àsvezeseramaislongo,àsvezesmaiscurto.Talvezfosseumanimaldafloresta.Mastambémpodiaserabestaqueestavamcaçando.

Cautelosamente, Nuramon deslizou amão até a espada. Pensava se deviagritar por Aigilaos e Brandan, mas decidiu não fazê-lo. O centauro,temperamental como era, certamente apontaria sua lança paraele, caso seprecipitasseeespantasseacaçacomseuchamado.

O barulho parecia estar bem perto. Mas Nuramon não queria con ardemais nos seus sentidos. Essemundo os enganava tanto!Hoje seus olhos játinham lhe pregado peças o bastante. Seus ouvidos podiam estar fazendo omesmo.

Com cuidado, Nuramon abandonou a pista de Aigilaos para ir atrás doruído.Logoviuumaclareiraentreasárvores.Obarulhopareciavirdali.

Quando chegou à borda da clareira, Nuramon fez o reconhecimento daárea. Quase nomeio havia três carvalhos. O vento trouxe até ele um cheirodesagradável, que perdurou por um momento. Havia algo de errado nessecheiro.Mas,paraossentidosdoselfos,oquehaviadecertonestemundo?

Adentrouaclareiracuidadosamenteeolhouemvolta.Nãohavianinguém.Masa cadapassoquedava,o ruído cavamaisalto.Qualquerque fossea suaorigem,eracertoqueestavaali,atrásdastrêsárvores.Apertoucommaisforçao cabo gelado da espada. Quando já estava quase junto às árvores, viu à suaesquerdaumamplorastroquevinhadafloresta.EramaspegadasdeAigilaos!

Ele se apressou na direção dos três carvalhos. O zumbido se tornarahorrivelmentealtoenítido.Quebradaecaídananeve,haviaumatiaradetesta.Nuramoncontornourápidoopequenogrupodeárvores—enãoacreditounoqueseusolhosviram.

Diantedele,naneve, estavaAigilaos!Tinhaacabeçamuito inclinadaparatráseabocaabertaemitiaaquelesom.Suabarbacacheadaestavatodacobertade sangue. E, no seu pescoço, Nuramon viu quatro feridas estreitas. Se nãofosseporelas,certamenteosgritosdocentauroteriamsidoouvidosemtodaaoresta.Mas, naquele estado,mal era capaz de emitir qualquer som. Sua voz

tinhasidoquasearrancada.Oseugritonãoeranadamaisqueumlongoetênuesoprodearquesaíadesuagarganta.

NorostodeAigilaosestavaestampadaamaiordorqueNuramonjáviraemum ser vivo. Tinha os olhos enormemente arregalados. A todo momento se

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encolhia,queriagritar,massóconseguiasoltarumruídodoloroso.

Asquatropatas do centauro estavamquebradas, e umadelas tinhao ossoexposto. O longo ventre estava rasgado, expondo suas vísceras. Uma grandepoçadesanguecongeladoseformarananeve.Umdosbraçosestavaenterradopor baixo do corpo; o outro, deslocado e quebrado como as pernas. Na pelehaviagrandesferidas,comoseumgrandepredadorotivesseatacado.

Nuramon não conseguia imaginar o tamanho da dor que Aigilaos deviaestar sentindo. Nunca tinha visto um ser tão destroçado como o centauroestavaagora.

—Farodin!Mandred!—gritouele,indecisoentreirbuscarajudaoutentarfazeralgoporAigilaos.Olhouparaasprópriasmãoseviucomoelastremiam.Precisava fazer algumacoisa!Comcertezaos companheirosnoacampamentotinhamouvidooseuchamado.

—Vouajudá-lo,Aigilaos!

O centauro parou com seus gritos sem voz, e, trêmulo, olhou paraNuramon.

Nãohaviaesperança.Sóaferidanoventrejáerasu cienteparamatá-lo.Easferidasnopescoçotambémtinhamcausadomuitosdanos.DeviamentirparaAigilaos?

—Primeirovoutentaraliviarassuasdores.—NuramonpôsasmãossobreatestadeAigilaoseencarouseusolhoscheiosdelágrimas.Eraummilagrequeainda estivesse consciente. — Tente aguentar só mais um instante! — disseNuramon,concentrando-senofeitiço.

Nuramon começou a sentir um formigamento nas pontas dos dedos.Prestou atenção na pulsação do amigo e sentiu um calafrio descer por seusbraços até as mãos. Percebeu a testa de Aigilaos se aquecer sob seus dedos.Sentiu o pulso acelerado do centauro e percebeu as batidas de seu própriocoração se ajustarem às do companheiro. Então os batimentos de ambos setornarammais lentos, eAigilaos se acalmou. Isso já era bastante,mesmoquenãofossemaispossívelsalvarocentauro.

Quando tirou asmãos da testa de Aigilaos, Nuramon percebeu como suaexpressão aos poucos se tornava mais relaxada. Com todo o sangue que via,continuavasurpresoqueocentauroaindaestivesseconsciente.Decidiuarriscaretentarimpediramortedocolega,mesmoqueissoparecesseinútil.Nãotinhaexperiênciacomcentauros.Quemsabeelepudessesobreviveraos ferimentos?

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Pousoucuidadosamenteamãosobreagargantaabertadoferido.

Aigilaos já não sentia mais dor e o olhava gravemente nos olhos. Entãochacoalhouacabeçaeolhouparaaespadadoelfo.

Nuramonestavahorrorizado.Aigilaos sabiaqueerao seu m.Eagoraeledeveria erguer a espada de Gaomee para aliviar o centauro com uma morterápida. A espada com a qual Gaomee certa vez abatera Duanoc numa lutaheroicaagoratinhadesermanchadacomosanguedeumcompanheiro.

Nuramonhesitou,masoolhardocentauroerade súplica, eelenãopodiaevitar.Tinhadefazê-lo.Porcompaixão!Entãopuxouaespada.

Aigilaosconsentiucomacabeça.

—Nosvemosdenovonapróximavida,Aigilaos!

Eleergueuaarmaedeixou-adescer.Masapontadaespadasedetevepoucoantesdeacertaropeitodocentauro.Aigilaosolhouparacima,semacreditar.

—Eunãoposso—disseNuramon,desesperado,balançandoacabeça.Aspalavrasquedissera ao sedespedirdo centauro repicavamem sua alma comoumsinoviolento.“Nos vemos de novona próxima vida!”Quem era capaz dedizeralgoassim?NuramonnãotinhacertezaseaalmadeAigilaosencontrariaseucaminhodevoltadestemundoatéaTerradosAlbos.Se tirasseasuavidaaqui,poderiaprivá-loparasempredachancederenascer.

Nuramonjogouaespadadelado.Quasemancharaaarmacomosanguedoparceiro. Só lhe restava uma coisa: lançarmão de seus poderesmágicos paratentarsalvarocolega.

Checoudenovo as feridasnopescoço.Mandreddescrevera o javali comoumaferaboçal.Masessas feridas foramcortadasnapelede formatãoprecisaquepareciamtersidofeitasporumafaca.Abestaquecaçavamseriacapazdemanejar armas? Ou teria sido outra fera quem estraçalhou Aigilaos dessamaneira?OquesurpreendiaNuramoneraque,anãoserpelosanguedocolega,nãoseviamaisnenhumapista,nemmesmoacontinuaçãodorastrodocervoque Aigilaos caçava. Também não se via nada de Brandan. Talvez tambémestivessecaídoporaí,emalgumlugardafloresta,igualmenteferido.

Nuramon sufocou o desejo de chamar pelos demais companheiros. Sóatrairia abesta com isso.Commuitocuidado,pôsasmãos sobreas feridas.Emalpensaranofeitiço,seusdedosjávoltaramaformigar—masdessavezsemoarrepioquehápoucosentiranosbraços.Emvezdisso,oformigamentovirouumador,queveiodaspontasdosdedoseseespalhoupelasmãoseportodasas

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juntas.Ador pela cura! Eranessa troca que consistia o seu feitiço.Quando ador nalmentediminuiu,NuramonsoltouasmãosdeAigilaoseobservouoseupescoço.Asferidastinhamfechado.

Ao observar o corte aberto na barriga, soube que suas forças ali nãoconseguiriamnada.Serianecessárioumencantoquereanimassetodoocorpo.Abaixou-sesobreotroncodeAigilaos.

—Aigilaos,agoravocêconseguefalar?—perguntouaocentauro.

—Nãofaçaisso,Nuramon!—pediuAigilaos,rouco.—Pegueaespadaedêumfimaisso!

NuramonpôsasmãossobreastêmporasdeAigilaos.

—Ésóumpoucodedor.

Ele sabiamuito bemque ferimentosmaiores causavam-lhedoresmaiores.Masaindaassimtentouseconcentrarerespirarcalmamente.

—Desejoavocêasortedosalbos,meuamigo—disseocentauro.

Em vez de responder, Nuramon deixou seus poderes mágicos uírem desuas mãos pelo corpo de Aigilaos. Ele pensou em todos que já havia curado.Tinhamsidomuitasárvoreseanimaise,maisraramente,atéelfos.

De uma só vez, uma dor aguda atravessou suas mãos e lhe subiu pelosbraços. Esse era o preço da cura, e tinha de suportá-lo! A dor então foicrescendoetornando-semonstruosa.Nuramonfechouosolhos,tentandolutarcontraela.Mastodasassuastentativasdedispersaradorfalhavam,eeracomoseumraiooestivesseatingindonacabeça.Elesabiaquebastariasesoltarparaqueadorpassasse.MasentãoAigilaosestariaperdido.

Não havia apenas as incontáveis feridas e o grande dano resultante doferimento na barriga; havia ainda algo mais — algo que Nuramon nãoconseguia tirar. Seria um veneno? Ou um feitiço? Nuramon tentava relaxar,masadorerafortedemais.Sentiusuasmãossecontraíremetodooseutroncocomeçaratremer.

—Nuramon!Nuramon!—eleouviuumavozroucagritar.—Portodososdeuses!

—Quieto!Eleestácurando-o!—disseavozdeumelfo.—Oh,Nuramon!

A dor crescia, e Nuramon apertava os dentes. Aquele sofrimento parecianão ter m; só aumentavamais emais. Ele sentiu que começava a perder os

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sentidos.PorummomentopensouemNoroelle.Ederepenteadorsumiu.

Tudoficouemsilêncio.

Nuramonabriuosolhosdevagar,eviuorostodeFarodinsobreele.

—Digaalgumacoisa,Nuramon!

—Aigilaos?—foitudooquesaiudeseuslábios.

Farodinolhouparaoladoeentãodevoltaparaele,echacoalhouacabeça.

OuviuMandredgritarbemperto:

—Não.Acorde!Acordedenovo!Nãováassim!Digaalgumacoisa!

Masocentaurocontinuavaquieto.

Nuramon tentouse levantar.Aospoucos, suas forças retornavam.Farodinajudou-oaseerguer.

—Vocêpodiatermorrido—sussurrouele.

Nuramonbaixouosolhos atéAigilaos;Mandred choravadebruçado sobreele.Emboraos traçosdocentauromortoparecessemrelaxados,o seucadáveraindaeraumavisãopavorosa.

—VocêseesqueceudoqueprometeuaNoroelle?

—Não,nãoesqueci—sussurrouNuramon.—E foipor issoqueAigilaostevedemorrer.

Nuramonquissevirareirembora,masFarodindeteve-ocomforça.

—Vocênãoteriaconseguidosalvá-lo.

—Esetivesseconseguido?

Farodincalou-se.

Mandredlevantou-seevirou-separaeles.

— Ele disse alguma coisa? — Mandred encarava Nuramon cheio deexpectativa.

—Elemedesejousorte.

—Vocêtentoudetudo.Euseidisso.—AspalavrasdeMandrednãoeramcapazesdeconsolarNuramon.

Ele pegou a espada de volta, observou-a e lembrou do desejo de Aigilaos.

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IssoelenãopodiacontaraMandred.

—Oqueaconteceu?EondeestáBrandan?—perguntouFarodin.

—Nãofaçoideia—retrucouNuramonlentamente.

Mandredchacoalhouacabeça.

—Estaremoscomsorte seeleaindaestivervivo.—OlhouparaAigilaosesuspirou ruidosamente.—Por todos os deuses!Ninguémdeviamorrer assim.—Entãoolhouemvolta.—Droga!Agoraestáescurodemais!

—EntãovamosencontrarBrandanrápido—disseFarodin.

LançaramumúltimoolharsobreAigilaosedecidiramvoltarparaapanhá-lomaistarde,ànoite,casoissofossepossíveldealgumaforma.

NuramonconduziuFarodineMandreddevoltaparaorastrodeBrandan.Anoitejáhaviacobertoaflorestacomseumantoescuro.

—Seaomenoseu tivesse trazidodoacampamentoaspedrasdebarin!—disse Farodin.A trilha já era difícil de seguir por si só,mas naquele breu erapraticamenteimpossível.Elesnãoerambonsleitoresderastros.

De repente, um uivo monstruoso soou um pouco atrás deles. Os três sevoltaram.Mandredentãogritou:

—Oacampamento!Vamos!

Elescorreramdevolta.NuramontinhaaimpressãodequeMandredtinhamuitadi culdadeparasemovimentarnaescuridão.Eleesbarravaotempotodoem galhos baixos, até que nalmente recuou para correr atrás de Farodin,seguindo-o.O lhodehumanospraguejavaporafundaratéascanelasnaneve,enquantooselfospercorriamadistânciacompéslevesporcimadela.

Finalmente alcançaram o acampamento. Estava abandonado. A fogueiraardia e os cavalos estavam quietos, mas Vanna, Lijema e os lobos haviamdesaparecido. Enquanto Farodin se ajoelhava ao lado dos alforjes de sua sela,Nuramondeu a volta no acampamento, procurando pegadas.Mandred estavacomoseparalisado,pensandoquetudoestavaperdido.

Aflorestaestavasilenciosa.

Nuramonencontrouo rastrodos lobos edas elfas. Seguiampelabordadaoresta.Não seviamquaisquer sinaisde lutaoualgodo tipo.Mal anuncioua

descoberta a seus companheiros, Farodin atirou-lhe uma pedramágica. Jogou

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tambémoutra paraMandred. Elas eram claras e iluminavam o caminho comumaintensaluzbranca.

Quando ouviramumuivo alto vindo da oresta, puseram-se novamente acaminho. Chamavam o tempo todo por Vanna e Lijema, mas não haviaresposta.

Entãoencontraramumrastrodesangue.Seguiram-no.Aparentemente,oslobos,VannaeLijema jáhaviamseguidoomesmorastroantesdeles.Logosedepararamcomumdos lobos.Tinha a gargantadilacerada e jánão semexia.Estavamorto.Tomadospelapreocupação,continuaramseguindoaspegadas.Oclima era sinistro: a cada poucos passos, sempre descobriamnovos rastros desangue.

Ouviram outro uivo. De repente, viram por entre as árvores os lobosbrancos saltando freneticamente. Atacavam uma sombra. Um vulto enorme,que se defendia com golpes selvagens em torno de si. O ganido de um lobotransformou-se num uivo abafado de dor. E, em seguida, um grito agudo,feminino,rasgouafloresta.

Nuramon, Farodin eMandred chegaram a uma clareira.O brilho de suaspedras mágicas afastava a escuridão. Nuramon viu os lobos perseguirem umvultograndeeagachadoedesapareceremnafloresta.

AluzdeNuramonencontrouVanna,afeiticeira,nomeiodaclareira.

—Voltem!Não temos tempoparavingança!—,gritouparaos lobos.Maselesnãoaouviam.Afeiticeirapôs-sedejoelhoseinclinou-sesobrealgo.

Mandred e Farodin já estavam bem perto dela. Nuramon só ousava seaproximarlentamente,olhandoemvolta.Trêslobosjaziammortosnaclareira,entreeles,o líder.Haviaalgoatravessadoemsuascostas.Nuramonsentiuumforte cheiro no ar. Era o mesmo fedor que sentira antes, perto de Aigilaos.Deviaserocheirodosuordabesta.

QuandoNuramon alcançou os companheiros, viu sob a luz das pedras debarin que Vanna estava curvada sobre Lijema. Quando a feiticeira se ergueu,Nuramon pôde ver que amãe dos lobos tinha o peito destroçado.Algo haviaperfurado o seu corpo e despedaçado coração e pulmões. Seus olhos aindabrilhavam,mas a face estava paralisada numamáscara horrorizada demorte.Vannapressionouseurostocarinhosamentecontraodela.

—Oqueaconteceu?—perguntouFarodin.

Vannacontinuoucalada.

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Farodinagarrouafeiticeirapelosombrosechacoalhou-adeleve.

—Vanna!

Com os olhos arregalados, ela parecia olhar através de Farodin. Apontouparaolado.

—AliatrásdaárvoreestáBrandan.Abestaopegou...

Vannanãoterminouafrase.

Nuramon pôs-se em marcha. Queria chegar a Brandan o mais rápidopossível.Tinhamedo,poisnãopodiaevitarpensaremAigilaos.Enquantoisso,MandredeFarodincomeçaramadiscutir.O lhodehumanosqueriaperseguirabesta,masFarodinnãoqueriapermitir.Comoeleseramcapazesdebrigarporalgoassimagora?TalvezBrandanaindaestivessevivo!

Nuramon chegou aos limites da oresta e encontrou Brandan. Odescobridorderastrosestavadeitadonochão.Tinhalevesferidasnastêmporase na perna. De fato, estava inconsciente, mas respirava lentamente e seucoração ainda batia.Nuramonpôs suasmãosmágicas sobre os ferimentos nacabeçaenaperna.Sentiuoformigamentocomeçarelogoseguiu-seador.Porfim,asferidascicatrizaramsobseusdedos.Issodeviabastarporenquanto.Maistardeocurariacompletamente.

Comesforço,NuramontomouBrandannosbraçose,compassospesados,começou a voltar até os outros.Graças ao peso extra, seus pés afundavamnaneve.OuviuavozpacientedeFarodintentandoconvencerMandred.

—A fera está brincando conosco. Não devemos nos deixar levar e fazerqualquercoisasempensardireito.Amanhãvamosatrásdela!

—Comoquiser—retrucouMandred,contrariado.

QuandoviramNuramon,foivisívelomedoqueostomou.Andaramaoseuencontro.

—Eleestá...?—balbuciouMandred.

—Não,eleestávivo.Masprecisamoslevá-loatéoacampamento.

Calados,Farodin,VannaeMandreddeixaramaclareira.

O caminho de volta até o acampamento foi cansativo.Mandred carregouBrandan,enquantoFarodineNuramon levaramocorpodeLijema.Deixaramoslobosondeestavam.Duranteopercurso,MandredtentouacordarBrandan.

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Masodescobridorderastrosestavaprofundamenteinconsciente.

Chegando ao acampamento, Farodin se encarregou de Lijema,embrulhandoseucorpoemumcobertor.MandredeVannasentaram-sepertodofogo,atentosaossonsda oresta.NuramonosobservavaenquantoacabeçadeBrandandescansavasobresuasmãos,recebendoasuamagia.Aposturadolho de humanos e da feiticeira dizia mais do que qualquer palavra. Dois

membros da Caçada dos Elfos estavam mortos; seus lobos que não haviammorridoestavamdesaparecidos.

Nuramonobservoua lua.Oquesuaavódisseestavacerto.Sósepodiavermetadedo astro, e ela eramuitomenordoquenaTerra dosAlbos.Voltou apensarnaconversaquetevecomNoroelle.Oqueaconteciaquandosemorriana reino dos homens? Esperava que Lijema pudesse renascer. Quanto aoscentauros, ele realmentenão sabia.Alguns lhos de albos dizemque eles vãodiretoparaoluaraomorrerem.Esperavaqueasalmasdosseuscolegasmortosnãoestivessemperdidas.

Quandoador searrastoudocorpodeBrandanpara suasmãos,NuramonfechouosolhosepensouemAigilaos.Farodinestavacerto:elejánãopodiasersalvo. Em seguida, pensando em em Noroelle e na promessa que zera,questionou-se sobre a culpa pela morte do centauro. Talvez com um poucomaisdeesforçotivesseconseguidosalvá-lo.

AdordesvaneceuderepenteeNuramonabriuosolhos.Farodin,MandredeVannaestavamaoseulado,comapreocupaçãoestampadaemseusrostos.ElesoltouBrandan.

—Nãotenhammedo.Estátudobem.

Pouco depois, Brandan despertou. Todos caram aliviados. Ele se sentiacansado,masconseguiucontaroqueaconteceu.

—Derepenteabestaestavalá,comaquelefedor.Foicomoseeuestivesseparalisado.Nãoconseguifazernada.Nada!

Ele fora golpeado pela fera até car inconsciente e serviu de isca para osdemais.Aúltimacoisadequeselembravaeradeumterrívelgritodeagonia.

Nuramon contou a Brandan e Vanna o que aconteceu com Aigilaos.Descreveu o seu m em todos os detalhes, omitindo somente que Aigilaossuplicara-lheamorte.Osrostosdoscompanheirosrefletiampurohorror.

Farodinsacudiuacabeça.

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—Háalgumacoisadeestranhocomessetalhomem-javali.Eleémaisqueumaferagrosseira.

Mandredretrucou:

—Sejaoquefor,sóvamosconseguiracabarcomelesenãonossepararmosmais.Vamosnos revezarpara car de guardaparanão sermos surpreendidosporesseporcomaldito.

Antesquedecidissemsobreoprimeiroturnodaguarda,doislobosvoltaramao acampamento, em silêncio e com o rabo entre as pernas. Não estavamferidos.Mandred coufelizemvê-loseacariciouacabeçadeumdeles.Vannaseencarregoudooutro.Oslobosestavamesgotadosefediamcomoohomem-javali.

—Oqueéaquiloali?—perguntouFarodin,apontandoparao focinhodoloboqueestavacomMandred.

ParaNuramon,pareciasangue.

Ofilhodehumanosexaminoumelhor.

—Ésanguecongelado.Vejamcomoéclaro!

Nuramonpercebeuumbrilhoprateado,masnãoeracapazdedizer seeraporcausadogelo.

Todosobservarammelhorosangue.Mandredentãodisse:

—Entãoépossível ferir abesta.Amanhãvamosdescobrirondeela está edarotroco!

Farodin sacudiu a cabeça, resoluto. Nuramon e Brandan tambémconcordaram.

SóVanna não respondeu.Observava o focinho do seu lobo, que tambémpareciaensanguentado.

—Oquehácomvocê?

Afeiticeiraergueu-se,deixouoloboesecolocouentreNuramoneFarodin.Tinhaumaexpressãopreocupada,einspirouprofundamente.

—Ouçambem.EstaCaçadadosElfosnão é comoasoutras.Enão estoudizendoissoporquefalhamosterrivelmenteedoiscompanheirosestãomortos.

—Oqueissoquerdizer?—perguntouMandred.—Vocêestásabendodealgoquenãosabemos?

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—No início era só uma suspeita. Elame parecia tão equivocada que nãodisse nada, assim descartei-a de imediato. Eu sentia uma presença diferente,queme era familiar.Quando estávamos na pista da besta, prestei atenção noseu cheiro.Edenovo tive aquela sensação,mas apenasomaucheironão eraumaprovasu ciente.Quando nalmente queidefrentecomelaevicomooslobosaenfrentavam;quandoeuolheinosseusolhosazuiseelalançoumãodesuamagia para ferir Lijema dessa forma, então eu soube com o que estamoslidando.Euaindanãoqueriaacreditar.Masagoraqueestouvendoessesanguenãohámaisdúvida...—Elasecalou.

—Doquê?—pressionouMandred.

—Talvezissonãodigamuitacoisaparavocê,Mandred,masacriaturaquevocê chama de homem-javali não é nadamais do que um devanthar, um serdemoníacodotempodosalbos.

Nuramonestavaperplexo.Nãoerapossível!Omesmohorrorqueelesentiaestava estampado no rosto de Farodin e Brandan. Era verdade queNuramonsabia muito pouco sobre os devanthares, mas diziam que eram seres dassombras que praticavam tão somente o caos e a destruição. Os albos oscombateram e os exterminaram. Era o que as lendas contavam;mas nelas sóhavia poucas palavras dedicadas a aqueles demônios.Diziam que eles podiammudar de aparência e que eram feiticeiros poderosos. Provavelmente só arainha sabia realmente do que se tratava. Mas Nuramon não achava queEmerelleosenviaria se soubessequeoalvodacaçadaeraumserdas sombrascomoesse.OqueVannadissenãopodiaserverdade!

Farodin encarou a feiticeira com uma expressão neutra e disse o queNuramonestavapensando:

—Issoéimpossível!Vocêsabe.

— Sim, foi o mesmo que pensei. Mesmo quando vi esse ser claramentediante de mim, eu não queria acreditar. Tentei me convencer de que estavaenganada.Masosanguecomesseestranhobrilhoprateadomeabriuosolhos.Esseseréumdevanthar.

— Bom, você é a feiticeira... É você quem tem a sabedoria dos nossosancestrais—disseFarodin, nemumpouco convencido coma constataçãodafeiticeira.

—Oquedevemosfazeragora?—perguntouBrandanemvozbaixa.

OolhardeVannapasseouportodoseles.

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—Nós somos a Caçada dos Elfos e precisamos pôr um m nisso. Entãovamoslutarcontraumserquefoiumadversárioàalturadosalbos.

O terror estava estampado nas feições de Mandred. Só agora ele pareciaentenderdoqueVannaestava falando.Aparentemente,osalboseseu imensopodereramconhecidosatéentreoshumanos.PodiaserqueparaMandredelesfossemalgoparecidocomdeuses.

—Aindanãohouveumelfoquetenhaconseguidomatarumdevanthar—desafiouFarodin.

Nuramon trocou um olhar com Farodin, e mais uma vez pensou napromessaquefizeraaNoroelle.

—Entãonósseremososprimeiros!—disseele,decidido.

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Osussurodassombras

Farodinserecolheranassombrasdabordada oresta.Maisumpoucoeoúltimo turno de vigília estaria terminado. Eles haviam decidido deixar oacampamento ainda antes da alvorada para buscar o rastro do devanthar.Permaneceriam juntos.Nãodeixariamque a criaturabrincasse comelesmaisumavezeosusassedeisca.

Depoisdemuitoqueimar,afogueiratransformara-senumapilhadebrasasescuras. O elfo evitava olhar diretamente para a luz para não prejudicar suavisão noturna. Ouviam-se roncos baixos. Mandred de fato estava dormindo.Desde ontem, quando viu do topo do penhasco que sua aldeia não foradevastada,elemudoudecomportamento.Apesardetodosossustos,mantinha-se calmo.Aparentemente ainda estava convencido de que aCaçada dos Elfosmataria omonstro—mesmodepois deVanna ter revelado contra quemelesforam lançados. A con ança ingênua do humano na caçada tinha algo deenternecedora.

De canto de olho Farodin percebeu um movimento. A menos de vintepassosdedistância,debaixodasárvores,haviaumasombra.Farodinempunhouoarcoquerepousavaemseucolo,masaseguirbaixouaarmanovamente.Ostroncos e a mata espessa tornavam impossível dar um tiro bem mirado. Acriaturaqueriaprovocá-lo,maselenãoentrarianojogo.

O elfo tirou algumas echas da aljava e ncou-as na neve diante de si.Assim poderia atirar mais rápido em caso de necessidade. Caso o devanthartentasse sair da oresta para atacar o acampamento, dispararia contra ele aomenos três vezes. Invulnerável ele com certeza não era! Já era hora de pagarpeloquetinhafeito.

Farodinpiscouosolhos.Acriaturaestariarealmenteali,dooutrolado?Ouera a escuridão que lhe pregava uma peça? Quando se observa uma orestasinistraportempodemais,pode-severqualquercoisanela.

“Controle-se”, o guerreiro elfo ralhou consigo mesmo em pensamento.Uma brisa leve varreu o manto branco que cobria o campo. Bem fundo namata, um galho estalou. Um dos dois lobos ergueu a cabeça e olhou para os

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limites da oresta, ali onde Farodin vira uma sombra. Emitiu um som delamentoeafundouacabeçanomaciogeladodaneve.

Umforte fedor tomoucontadoar.Foio tempodeuma inspiração,e logosentia-senovamentesóoodorfrescodofrio.

— Espero vocês nas montanhas, Farodin Mãos Sujas de Sangue. Não sedemorem.

Oelfoseassustou.Aspalavras...escutara-asdentrodele.

—Apareça!—Suavozerasomenteumsussurro.Aindanãoqueriaassustarosoutros.

—Mais uma vez encontro um de vocês sozinho— zombou a voz na suacabeça.—Vocêseachabomdemais,Farodin.Nãoseriamaisinteligenteacordarseuscolegas?

“Porquedevo fazeroquevocêespera?Aprevisibilidadeéamelhoramigada derrota. Por que devemos comparecer a um lugar escolhido por você?”,pensouoelfo.

—Éimportantefazerascoisasnolocalenahoracerta.Vocêplanejaolocaleahoraquandoviajaparaasmissõesdarainha.

“Porissoeuconheçoomotivoparanãoouvirvocê”,retrucouoelfo.

—Soucapazdematarcadaumdevocês sócomopensamento.Vocêsmalsão um pálido re exo dos albos. Esperava mais quando mandei o lho dehumanosparaoseumundo.

Farodin olhou para o local do acampamento. Ainda podia ouvir o roncobaixodeMandred.Deviacon arnaspalavrasdeumdevanthar?Arainhatinharazãoemsuasuspeita?

—Você acredita que o lho de humanos teria conseguido cruzar o portalcomsuasprópriasforças?

“Entãoporquevocêquasematouseuenviado?”

—Paraquefosseconvincente.Elenãosabiaaserviçodequemestava.Entãoarainhanãopôdedescobrirqualquermentiraemsuaspalavras.

“Sevocêdeseja anossamorte, então resolva issoagora,noacampamento.Vouacordarosoutros!”

— Não! Pergunte a Mandred sobre a caverna de Luth. Esperarei vocês lá

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daquiatrêsdias,àtarde.

Farodin pensou se devia tentar enrolá-lo mais um pouco, para conseguiracordarosoutros.Talvezoslobosotivessemferido.Seelesesentiainvencível,porquenãoaparecia?Deviammatá-loaquieagora!Nãonegociariacomele!

— Só com o pensamento já tenho força para matar, Farodin. Não meobrigueafazerisso!

“Porqueaindaestamosvivos?”,perguntouoelfo,bastantesegurodesi.

—Nestemesmomomento o coração de Brandan parou de bater, FarodinMãosSujasdeSangue.Suadúvidaomatou.Sedaquiatrêsdiasnãoestiveremnasmontanhas,entãoseráessaamortequevocêstodosencontrarão.Acheiquefosseumguerreiro.Pensebem:sequermorrercomaespadanamãosoboolhardo inimigo ou como Brandan, dormindo. Você pensa que é muito esperto.Quemsabevaimesmomematar?Esperovocês.

Amenosdetrêspassosdedistância,umvultomaciçodeuumpassoadiante.Farodin escorregou a mão até a espada. Como o devanthar conseguira seaproximar tão furtivamente sem que ele percebesse? Não houvera qualquerbarulho,qualquer sombra entre as árvores.Mesmoo cheirode enxofrequeodemônioexalavanãohaviaficadomaisforte.

Odevanthar balançou a cabeça como se o cumprimentasse com escárnio.Entãovoltouaseconfundircomassombras.

Farodincorreu.Depoisdemenosdeduasbatidasdecoraçãoestavaali,ondeo demônio estivera agora mesmo.Mas o devanthar já havia desaparecido hámuito.Não havia pegadas na neve.Nada comprovava que a besta acabara deestar ali. Será que o vulto sombrio fora somente uma miragem? Ou que odemônioqueria atraí-lopara longe?Farodinolhouparao acampamento. Seuscompanheiros ainda estavam deitados lá, junto ao fogo, enrolados emcobertores.Tudoestavacalmo.

As velhas histórias contavam que os devanthares eram capazes dementirduasvezescomumasópalavra.Farodinqueriapoderveroqueestavaportrásdaintimaçãodeirematéacaverna.

Ofriohaviaaumentado.Elebateucomasmãosnascoxasparaacabarcomo formigamento nos dedos. Então voltou até a árvore onde seu arco estavarecostado.

Apanhouas echasdaneveechecou-ascuidadosamente.Paraenfrentarodevanthar, escolhera echas de guerra, que tinham uma lâmina plana com

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farpascurvadasparadentro.Aspontaseramfrouxamente ncadasnoscabos.Caso alguém ferido com um projétil como esse tentasse arrancá-lo doferimento,ocaboentãosesoltava,easfarpascurvadasdapontapermaneciamprofundamente en adas na carne. Farodin queria ter podido atirar aomenosumadessasflechascontraabesta.

Olhou mais uma vez para onde estava o acampamento. Ele precisava tercerteza!“Elessãocapazesdementirduasvezescomumasópalavra”,sussurroubaixinho. Se retornasse agora para o acampamento, faria exatamente o que odemônio esperava dele. Tinha sido assim desde que cruzaram o portal deAikhjarto.

Farodin apanhou o arco e a aljava e foi até o braseiro que restava dafogueira.Cristais nosdegelodançavamnoar.Nuncasentirauminvernotãogelado antes. Como os humanos conseguiram se estabelecer numa região tãoinóspita?Deitouaarmasobresuacapa.Entãoajoelhou-seaoladodeBrandan.Orastreadorhaviaviradodelado.Tinhaumsorrisonoslábios.Comoqueseráqueestavasonhando?

Não perturbaria os sonhos do colega. Estava prestes a se alçar quandopercebeu um minúsculo cristal de gelo no canto da boca dele. Apavorado,Farodincurvou-sesobreocaçadoresacudiuoseuombro.

Brandannãosemexeu.Osorrisoquederaduranteosonoforaseuúltimosuspiro.

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Antigasferidas

Farodinseguravaatochajuntoàlenhaqueempilhara.Aschamastomavamconta lentamente dos ramos de pinheiro, provocando uma densa fumaçabranca que serpenteava emdireção ao céu e espalhava um aroma de oresta,ummistodefolhasdepinheiroederesina.

—Queofogoosguienaescuridão.

Entãovoltou-se.Trabalharaporhorasparaergueraquelapira.Finalmente,os caçadores trouxeramBrandan eLijema até a clareira.O centauro, esse eraimpossívelmover.

Mandredajoelhou-se junto ao fogo. Seus lábiosmoviam-se emsilêncio.OhumanosurpreendiaFarodin.PareciaterguardadoAigilaosnocoraçãocomosefosseumirmão.Eemtãopoucotempo!

O vento soprava e a fumaça os envolvia como um véu espesso. Logoespalhou-senoarumprimeirohálitodecarneembrasa.

Farodinreprimiuumacessodenáusea.

—Precisamospartir.Nossotempoestáacabando.

Nuramon encarou-o repreensivo, como se ele não tivesse coração. Ouestaria pressentindo alguma coisa? Vanna não conseguiu identi car do queBrandanmorreu.Farodinocultaradosdemaisessapartedeseudiálogocomodevanthar.Nãoqueria acabar coma coragemdeles,diziapara simesmo.Elesnão podiam saber que o devanthar era capaz de matar só com a força dopensamento!Talvez fosse sóumamentira.TalvezBrandan tivessemorridodealgodiferente.Jábastavaqueeleestivessesetorturandocomessapergunta.

—Vamospartir!—Mandredergueu-se,batendonacalçaparatiraraneve.—Vamosatrásdessacriaturaparaacabarcomeladeumavezportodas.

A pronúncia do ordlandês soava como um cochicho ameaçador aosouvidosdeFarodin.Arainhadeviaterseenganado.Estehumanonãoostrairia.Eleerasóumavítimadodevanthar,comotodoseles!

O elfo lançou-se sobre a sela. Sentia-se cansado. Além da con ança, boa

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partede suas forças tambémoabandonara.Ouera sentimentodeculpa?SeráqueBrandanaindaestariavivoseele,Farodin,nãotivessehesitado?Olhouparaos lobos. Somente dois dos caçadores selvagens ainda os acompanhavam.Amedrontados, traziam os rabos entre as pernas e mantinham-se semprepróximosaoscaçadoresaodeixaraclareira.

Farodin conduzia seu cavalo marrom bem ao lado do que o lho dehumanosmontava.

—Masquelugaréesse?AGrutadeLuth?

Comumgestonervoso,Mandredfezumsinalnoar.

—Umlugarmágicoepoderoso—disseele.—Luth,otecelãodos osdodestino, enfrentou um longo inverno ali. Estava tão frio que as paredes dacaverna tornaram-se brancas devido à sua respiração.—O guerreiro coçou oqueixobarbado.—Éumlugarsagrado.Lápoderemosacabarcomodevanthar,poisosdeusesestarãodonosso ladose...—Oolhardohumanocravou-senahastepolidadalançaquedescansavadiantedele,atravessadanasela.

—Seoquê?—completouFarodin.

—Sepermitiremquecheguemosatélá.—Mandredapontouparaonorte.—A gruta ca no topo dasmontanhas. Os des ladeiros estarão cobertos deneve.Ninguémvaiatélánomeiodoinverno.

—Masvocêjáestevelá?—perguntouoelfo,desconfiado.

Mandredsacudiuacabeça.

—Não,masosbarbasdeferronosindicarãoocaminho.

—Barbasdeferro?Oqueéisso?

Mandredsorriudistraído.

—Nãosãoinimigos,nãohánadaatemer.Nãoparanós,emtodocaso.Ostrollsosprotegemeforamossacerdotesqueoslevaram.São gurasdedeuses,feitas de troncos de carvalhos sagrados. Aqueles que sempre vão à Gruta deLuth fazem oferendas a eles. Para conquistar a sua simpatia... ao menos amaioria das pessoas. As estátuas de madeira têm longas barbas, nas quais aspessoas en am objetos de ferro. Pregos, facas velhas, lâminas quebradas demachado. Assim, com o tempo, as barbas de madeira se tornam barbas deferro.

— Vocês oferecem pregos aos seus deuses? — perguntou Farodin,

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incrédulo.

Mandredlançou-lheumolhardedesaprovação.

—Aqui, nas terras do orde, não vivemos na riqueza. O ferro é valioso.Malhasdeferrocomoasquetodososguardasdocastelodasuarainhavestem,naminhaterra,sóospríncipesereispossuem.Nossosdeusessabemdisso!

E os trolls têm medo de ferro, pensou Farodin, mas guardando essepensamentoparasi.Emvezdeferro,suasarmaseramdemadeiraoudepedra.O elfo lembrou-se da batalha em Welruun, quando os trolls destruíram ocírculodepedraquelevavaaovaledesuascavernasreais.Elesnãoprecisaramdeferrooudeaço.Suaforçabastavaparagolpearumelmocomospunhosnus,mas tocaro ferroeradesagradávelparaeles.Dessa forma,asarmaduraseramumaproteçãoseguracontraessesmonstros.Cheiodenojo,Farodinlembrou-sedalutacontraasgigantescascriaturas.Semprequepensavanelas,eracomosetivessenonarizocheirorançosoquesedesprendiadelas.

— Vocês precisam fazer oferendas para os barbas de ferro — a voz dohumanoarrancou-odeseuspensamentos.—Mesmoquenãoacreditemneles.

—Comcerteza.

Farodin balançou a cabeça. Não devia ter remexido nessas memórias.Aileen! Os trolls a haviammatado cinco passos diante dele. Lembrava-se daexpressão no seu olhar quando o imenso machado de pedra destroçou suamalha de ferro como se fosse seda. Setecentos anos se passaram até que elepudesse amar de novo. Durante todos esses séculos ele nunca deixou de teresperanças. Toda a família de Aileen morreu durante as Guerras dos Trolls,entãodemorouparaqueelarenascesse.Eninguémeracapazdesaberemqualfamília issoocorreria.Farodinprecisoudeséculosparaaprenderumfeitiçodebusca e nalmente descobrir que ela estava emAlvemer. Ela retornara comoNoroelle,masoelfonunca reveloua elanada sobreo seupassado.Elequeriaque ela se apaixonasse novamente por ele, que fosse puro amor, e não umaafeiçãonascidadosentimentodeumantigocompromisso.Setecentosanos...

— Você tem medo dos trolls, não é? — Mandred ergueu-se na sela edeslizouamãosobreocabodalança.—Nãosepreocupe!Nessecasoelesnosrespeitarão. E eles também tememomeu clã. Eles nunca conseguirammatarnenhumdosmeusantepassados.

— Então os seus antepassados têm algo em comum comigo — retrucouFarodin,furioso.

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—Oquevocêquerdizercomisso?Vocêjáestevealgumavezdiantedeumtroll?—perguntourespeitosamenteofilhodehumanos.

—Setenãosobreviveramaomeencontrar.—Farodinnãodiziaissoparasegabardesuasproezas.Todoaquelesanguedetrollsnãoconseguiaapagaroódioquequeimavadentrodele.

Mandredriu.

—Setetrolls!Ninguémmatasetetrolls.

—Acreditesequiser—rosnouFarodin.PuxouseugaranhãopelasrédeaserecuouatéqueNuramoneVannaoultrapassassem.Queria carsozinhocomseuspensamentoseconsigopróprio.

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Acavernadegelo

Mandred en ou os quatro anéis do traje demalha de ferro em um pregoenferrujado na barba da estátua de Firn. Bando de elfos convencidos, pensouele.ÉclaroquenenhumdelesfezqualqueroferendaparaoSenhordoInvernoquandopassaramcavalgandodiantedeumhomemdeferro.Eagoraosdeusesestavamraivosos!Anevascaestavacadavezmaisforte,eelesaindanãohaviamencontradoacaverna.

—Vocêvem,Mandred?

O guerreiro, enfurecido, olhou para Farodin. Ele era o pior de todos.Farodin tinha em si algo de sinistro. Às vezes cava calado demais, pensouMandred. Issoécoisadehomensque têmalgoaesconder.Apesardisso, fariaumaoferendaporeletambém.

—Perdoe-os,Firn—sussurrouMandred,fazendoosinaldoolhoprotetor.— Eles vêm de um lugar onde há primavera no meio do inverno. Eles nãosabemdenada.

O guerreiro se ergueu,mas só para logo depois apoiar-se pesadamente nocabo de sua lança. Precisava tomar ar. Nunca havia estado tão alto nasmontanhas. Já tinham deixado a fronteira das árvores para trás havia muitotempo. Aqui já não havia mais nada além de rochas e neve. Quando o céuestava claro, viam-se bem perto o Barba Dentada e o Cabeça de Troll, doiscumessobreosquaisanevenuncaderretia—mesmonosverõesmaisquentes.Estavamtãopróximosdosdeusesquemesmoumpequenoesforçojáosdeixavacomarespiraçãocurta.Aquelelugarnãoforafeitoparahumanos!

Mandred agarrou as rédeas de sua égua. Para ela, o frio parecia nãoimportar.Tambémnãosecansavaparaabrircaminho.Tantofaziaoquãofrágileraacamadadegelosobreanevealta:elanuncaafundava,exatamentecomoosdoisloboseoselfos.ElesdeixavamqueMandredfossenafrente,paraditaroritmo.Semele,certamenteteriamchegadoatéaliduasvezesmaisrápido.

Obstinado,Mandredfuravaoventogelado.Anevecravava-senoseurostocomoagulhas.Elepiscavaetentavaprotegerosolhoscomamãoomelhorqueconseguia.Torciaparaqueotemponãoficasseaindapior!

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Subiram numa longa geleira, cujo lado esquerdo era contornado por umaencosta de rochas íngremes. A tempestade de inverno rebentava-se em uivosnos cumes de pedra, bem acima de suas cabeças. “Tomara que seja só atempestade o que está uivando lá em cima”, pensou Mandred, angustiado.Dizemquenoinvernohátrollsali.

Oguerreiroolhoude voltaparaos elfos.Este friomalditoparecianão serproblemaparaeles.Certamente zeramalgumfeitiçoparaseproteger.Maselenãoficariaselamentandonempediriaqualquercoisaquefosse!

Havia escurecido rápido. Logo precisariam parar. Seguir na escuridãosigni cava correr enorme risco de cair em alguma fenda na geleira. Malditoclima!Mandredesfregoua testa,nervoso.Suas sobrancelhasestavamcobertasporumacrostadeneve.Precisavaesclareceraosdemaisque jánão faziamaissentido continuar procurando.Mesmo que não se acidentassem, era possívelque,nomeiodatempestadedeneve,passassempelagrutaenãoavissem.

O guerreiro deteve-se repentinamente. Sentia um cheiro podre que lhelembravaosuordabesta!Olhouatravésdanevasca.Nada!Teriasidosomenteasuaimaginação?

Umdoslobossoltouumuivolongoearrastado.

Aferaestavaali!Bemperto!Mandredsoltouasrédeaseapertouocabodalançacomambasasmãos.Umpoucoadianteumasombrasurgiunaneve.

—PorAigilaos!—gritouoguerreiro.

Só no último momento ele reconheceu do que se tratava. Era um outrohomemde ferro!Dessavez,porém,elenãoolhavaparaa frente,porcimadageleira,masdiretamenteparaoparedãodepedra.Umatrilhaestreitalevavaatéláemcima.Estreitademaisparaqueoscavalospudessemgalgá-la.

— Aí está.— Vanna aproximou-se deMandred e apontou para cima datrilhana rocha.—Emalgum lugar lá emcimavárias trilhas albas se cruzam,formandoumaestrelaalba.

—Oqueéumaestrelaalba?—perguntouMandred.

— Um lugar mágico; é o ponto onde dois ou mais caminhos albos secruzam.

Mandrednãotinhacertezadoqueelaqueriadizercomisso.Provavelmenteeramcaminhosqueanteserampercorridospelosalboscomfrequência.MasoqueelesbuscavamnaGrutadeLuth?Seráquevinhamparacultuaralgumdeus?

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—Jáestouobservandoessatrilhaháhoras—prosseguiuVanna.—Sesetecaminhossecruzaremnesselugar,terãoformadoumportal.

Admirado,oguerreiroencarouaelfa.

—Umportal?Lánãohánenhumacasaenenhumatorre.Éumacaverna.

Vannasorriu.

—Seéoquevocêdiz...

Farodinapanhouacobertaquea velaraatrásdesuasela.Puxoupara forauma segunda espada e a velou o cinto em torno de seus quadris. A arma deBrandan!Entãodesenrolouacobertaejogou-aemcimadeseucavalo.

—Oscavalosprocurarãoumlugarparaseabrigardoventoeesperarãopornós enquanto suportarem o frio— explicou Vanna. Ela afagou omenor dosdoislobosentreasorelhas,etentouconvencê-loeacalmá-lo:—Você caaquiparaprotegeroscavalosdostrolls—disse,piscandoparaMandred.

Os colegas imitaram o gesto de Farodin e também protegeram os outrosanimaiscomcobertas.

“Eles parecem estar com bem menos frio que eu”, pensou Mandred,aborrecido. Acariciou o focinho da sua égua e se aborreceu com a maneiracomoosolhosnegrosdaequinaoencaracam.Seráqueelasabiadealgosobreoseudestino?Nãoeranormalqueumcavaloparecessetãotristeassim!

—Nós vamos rasgar a barriga desse porcomaldito e desaparecer daqui omais rápidopossível.Aqui está friodemais para carmosdemorando—disseMandred,tentandoelemesmocriarcoragem.

A égua pressionou as narinasmacias contra amão deMandred, soltandoumnitridosuave.

—Vocêestápronto?—perguntouVannadeformabranda.

Emvezderesponder,Mandredaproximou-sedaparededepedra.Oclimadesgastara a pedra cinzenta, esculpindo degraus. O guerreiro tateavacuidadosamente à sua frente. O gelo estalava sob seus passos. Firmou amãoesquerda na pedra, para que fosse um apoio amais. Os degraus tornavam-secadavezmaisestreitos.Nofinal,malhavialugarparaumpéinteiro.

Mandredjáestavaofegantequando nalmentechegouao mdatrilha.Umdes ladeiro cujas paredes eram tão próximas que dois homens nãoconseguiriampassarumaoladodooutrosurgiuàsuafrente.

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Mandredpraguejouempensamento.Odevantharnãoescolheraeste lugarpor acaso. Aqui teriam de chegar a ele um de cada vez. Bem acima dodes ladeiro brilhava uma luz vermelha, que fazia a neve acumulada sobre arochaparecer sangue congelado.Mandred fezo sinaldoolhoprotetor.Entãoavançou lentamente. O ar rarefeito estava impregnado de fumaça. Em algumlugar lá emcimaardiaa resinosamadeiradepinho!Oodorencobririaomaucheirodabesta.

—Porcomaldito!—Mandreddeixouescapar.

Atéentão,foramsurpreendidospelodevanthartodasasvezes.Eracomoseeleconseguisse carinvisível.Sóoseuodordenunciavasuapresença.Mandredavançavasorrateiramente.Emcimadele,bemnoalto,haviaumenormeblocode pedra calçado entre as paredes, cobrindo o caminho como um enormebatente.SeráquefoidestelugarqueVannafalouquandosereferiuaumportal?Ouviuo ruídode cascalho emumadasparedesdepedra.Assustado, ergueu alança.Algoescalavaodes ladeiroacimadele,masaescuridãonãopermitiaqueeleidentificasseacriatura.

Oguerreiroacelerouospassos.Odesfiladeiroalargava-seaospoucosatéumpequenobarranco.Amenosdecempassosdele,umagargantasombriaabria-senarocha.AGrutadeLuth!Ochãodovaleeracobertodegrandesrochas.Umafogueiraqueimavapertodagruta.

— Saia daí e renda-se! — Mandred ergueu a lança sobre a cabeça, emdesafio.—Aquiestamos!—Avozecoavanasrochas.

— Ele só vai sair quando estivermos exatamente onde ele quer! — disseFarodin ferozmente.Oelfo soltouobrochede suacapaedeixou-aescorregaratéochão.

Mandredpensou rapidamente se tambémdeveria tirar sua pesada capadepele. Talvez ela pudesse di cultar seus movimentos na luta. Mas estava friodemais.Porviadasdúvidas,eleconseguiriatirá-lacomumsimplesmovimentodemão.

AgoraFarodinavançava.Movia-seentreasrochascomagilidadefelina.

— Vamos car juntos — ordenou Mandred. — Assim podemos nosdefendermelhor.

OmedodeVannaeranitidamenteperceptível.Tinhaosolhosarregaladosealançaemsuasmãostremialevemente.

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Nuramon foioúltimoa chegar aobarranco.O lobo restantemantinha-sebemaseulado.Tinhaasorelhasbaixasepareciatermedo.

—Aindaháalgoquevocêpossanoscontarsobreosdevanthares,feiticeira?—perguntouMandred.

—Ninguémsabemuitosobreeles—retrucouVannarapidamente.—Elessão descritos de forma diferente a cada história. Às vezes são comparados adragões; outras, a espíritos das sombras ou a serpentes imensas. Dizem quepodemsetransformareassumirformasdiferentes.Masnuncaouvifalardeumqueassumisseaformadeumhomem-javali.

— Isso não nos ajuda muito — murmurou Mandred, desapontado,descendoparadentrodopequenovale.

Farodinosesperavapertodafogueira.Láhaviaumagrandepilhadelenha,troncosdespedaçadosegalhosverdesdepinheiro.Oelfoafastouumdosgalhosparaolado.Aliembaixojaziaumtroncodemadeiramaisescura.Mandredsóoreconheceudepoisdeolharmelhor.

—Odevantharparecenãoterrespeitopelosseusdeuses.

Mandredpuxouopesado ídoloqueestavadebaixodosgalhos.Eraumdoshomens de ferro, que desta vez representava Luth. Muitas das oferendashaviam sido arrancadas da madeira, deixando cortes profundos. Mandredapalpou,incrédulo,aestátuaprofanada.

—Elevaimorrer—murmurouele.—Morrer!Ninguémzombadosdeusessemserpunido.Vocêoviu?—dirigiu-seaFarodin.

OelfoapontouparaacavernacomaespadadeBrandan.

—Suponhoqueeleestejanosesperandoládentro.

Mandredabriuosbraçoseolhouparaocéunoturno.

— Senhores do céu e da terra! Deem-nos forças para ser as mãos queoperamavossavingança!Norgrimm,guiadasbatalhas!Ajude-meaaniquilaronosso inimigo! — Voltou-se para a caverna. — E você, criatura demoníaca,temaaminhaira!Atirareioseufígadoaoscãesecorvos!

Decidido,Mandredcaminhouatéa cavernae fezmaisumavezo sinaldoolhoprotetor.Atrásdaentradahaviaumtúnelquefaziaumaacentuadacurvaàesquerda, e poucos passos depois dava em uma cavernamaior que o salão debaile de um rei. Era de uma beleza estonteante.No centro dela havia umagranderocha,diantedaqualochãoeraescurecidodeferrugem.“Devetersido

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aquiqueLuthsentou-sepertodofogo”,pensouMandredrespeitosamente.

As paredes estavam cobertas de gelo brilhante. Parecia haver luzes presaspordetrásdelas.Assemelhavam-seapequenaschamasemoviam-separacima,atéoteto,ondeseubrilhosere etiaemcentenasdecristaisdegelo.Dentrodacavernaeraquasetãoclaroquantoemumacampinaemumdiadeverão.

Entreoscristaisdegelo,desciamdotetocolunasderochaquesefundiamarobustosespinhos,tambémderocha,quevinhamdochão.Mandrednuncaviraalgoassimantes.Eracomoseaquiarochacrescesse,assimcomooscristaisdegelocresciam,descendodos telhadosdascasascomunais.Esteeramesmoumlugardosdeuses!

Ostrêselfostambémjáhaviamentradoeolhavamemvolta,admirados.

—Estousentindoapenascinco—disseVanna.

Mandred olhou para os companheiros. Não haviamais ninguém ali alémdeles!

—Cincooquê?

—Nestelugarcruzam-secincotrilhasalbas.Paraosconhecedores,aquiseabreumcaminhoentreosmundos.Quemcomeçasuaviagemnumlocalcomoeste não irá se perder. Mas este portal está selado. Não acho que sejamoscapazesdeabri-lo.

Mandred encarou os elfos, admirado. Não entendia nem uma palavra doquediziam.Maluquicesdeelfo!

—Evocêstambémnãoabrirãoesteportal,poissuaviagemterminaaqui —ressoouumavozemseuspensamentos.

Apavorado, o jarl deu a volta. Ali estava a besta, na entrada da caverna.Agora a criatura parecia ainda maior que na noite que o encontrou pelaprimeiravez.Eissoporqueaenormefiguraestavabastantecurvada.

A cabeça do devanthar era a cabeça de um javali selvagem, densamentecoberta por cerdas negras. Só os seus olhos azuis não lembravam os de umanimal.Brilhavam,debochados.Em seu focinho cresciampresas longas comopunhais.

Seu torso era comoodeumhomem forte,masosbraços erambemmaislongosependiamquaseatéosjoelhos.Aformadaspernaseraumamisturademembros humanos e patas traseiras de javali. Elas terminavam em grandescascosfendidos.

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Omonstro abriu bem as mãos, e das pontas de seus dedos despontaramgarras.Mandredsentiu-semaldiantedessavisão.Odevanthar tinhamesmo setransformado!ElenãotinhagarrastãolongasquandoatacouaeleeaseustrêscompanheirosnaclareirapertodeFirnstayn.

Olobosoltouumrosnadograveegutural.Haviabaixadoasorelhasecoladoacaudaentreaspatastraseiras.Tinha,aomesmotempo,recolhidoosbeiços,emostravaosdentesdeformaameaçadora.

Odevantharergueuacabeçaesoltouumgritohorripilante,umurrosurdoquesetornoucadavezmaisagudoatévirarumguinchoestridente.

Vanna apertou as mãos sobre os ouvidos e pôs-se de joelhos. Seria umfeitiço? Mandred avançou, e um pedaço de gelo caiu diante de seus pés. Oguerreiroolhouparaoteto,assustado.Nomesmoinstante,centenasdecristaisdegelosoltaram-sedoteto,despencandocomopunhaisdevidro.

Mandred pôs asmãos sobre a cabeça para se proteger. O som do gelo seestilhaçando tomou conta da caverna. Algo arranhou sua testa. Junto a eledespencou um cristal de gelo do tamanho de um braço, despedaçando-se nochão. Também sentiu algo atingir suas costas. E uma forte cacetada atingiu apartedetrásdesuacabeça.

Vanna estava no chão, deitada e muito encolhida. Um cristal de gelotrespassara sua coxa, e sua calça de couro de antílope estava encharcada desangue.Nuramon foraatingidona cabeça, e estava recostadonumacolunadepedra,tonto,esfregandoatesta.SóFarodinparecianãoestarferido.

—Chegadebrincadeira!—Oelfopuxouambasas espadas e ergueuumadas lâminas.— Você reconhece esta arma? O seu dono está morto, e agoravocêiráencontrá-lo.Vaisercomelaquevouarrancarasuavida!

Em vez de responder, o devanthar correu para dentro da caverna.Vannatentousearrastarparafugirdele,mas,antesqueseucoraçãobatessedenovo,acriaturajáestavaemcimadela.Comumsimplestapacomascostasdamão,elea nocauteou completamente. Pisoteou-a com um dos cascos. Seu crânioespatifou-secomoumjarrodevinhoquecaisobreochãodepedra.

Nuramon lançou-se sobre o monstro com um grito estridente. Mas odevanthar reagiu surpreendentemente rápido.Desviou o golpe de espada comummovimentofirmee,comsuamãoemgarra,dilacerouacapadoelfo.

Mandred pulou para a frente e tentou cravar a lança entre as costelas dafera.Umgolpedegarraatingiua lâmina,eporpouconãoarrancouaarmada

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mãodoguerreiro.Mandredescorregounochãorepletodegelo.

O lobo enterrou seus dentes em uma das pernas do devanthar, enquantoFarodin o atacava com um turbilhão de golpes. Mas, em vez de desviar dasespadadas, a criatura saltouparaa frente e atacou, com força,usandoumadesuasgarras.Farodinrecuou,esquivando-se,masnãoosu cienteparaevitarosquatro profundos sulcos que se formaram na sua face esquerda. O loboarrastava apernadodevanthar.Mandreddesejouquenão tivessemdeixadoooutrolobocomoscavalos.Aquieleseriadegrandeajuda!

Aferafezumavoltaedeuumafortepancadanascostasdolobo.Mandredouviu um estalo intenso. O animal ganiu. Trêmulas, suas patas traseirasvergaram-separaolado,enquantoseusdentescontinuavamcravadosnapernadoinimigo.Sangueclarobrotavaentreascerdasnegras.Noentanto,bastouumsimplespisãocomumdoscascosparadespedaçaramandíbulaeosdentesdolobo.

Odevantharseremexeudeformaselvagem.Nuramontentaraatacá-loportrás.Umgolpedegarranamãodoelfoderrubouaespadacurta,eumasegundapancadadilacerouacouraçadepelededragãoquelhecobriaopeito.

— Não pensem! — gritou Farodin. — Ele conhece todos os seuspensamentos.Nãoplanejemoquequeremfazer.Simplesmenteataquem!

Então a lança de Mandred rasgou a carne da fera. Fizera-lhe um cortefundo, bem embaixo das costelas. A criatura girou, bufando de raiva. Oguerreirolevantouaarmaparadeterumgolpequetentouacertarsuacabeça.Ocabo da lança quebrou-se com a força do choque.Mandred foi lançado paratrás.Antesqueabestaviesseaoseuencontro,Farodinsecolocouàfrentedela.Com impetuosos golpes de espada, o elfo a afastou de Mandred, dando aohumanoachancedeserecuperarpenosamente.

Ojarlolhouparaaarmadestruída.Alâminada lançatinhaotamanhodeumaespadacurta.Jogouforaametadeinútildocabo.Osanguedesciapeloseubraço.Elesequertinhapercebidoqueforaatingido.

Enquantoisso,Farodineaferagiravamumaoredordooutro,numadançamortal,buscandoamelhorposiçãoparaoataque.Movimentavam-setãorápidoqueMandrednãoousavaavançar,comreceiodeatrapalharFarodin.

Arespiraçãodoelfo tornou-seofegante.Oar rarefeito!MandredpôdevercomoosmovimentosdeFarodintornaram-semaislentos.Comumtilintar,umgolpedegarra rasgou-lheo trajedemalhade ferro,bemacimade seuombro

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esquerdo. No mesmo instante, a espada de Brandan se ergueu. Sangue clarojorrou, eumadas garrasdodevanthar rodopiouno ar.A espadada amputara-lheopulso.

Odevanthargrunhiuerecuouumpouco.Seriamedoaquiloquesere etiaemseusolhosazuis?

Farodin avançou. A besta, por sua vez, baixou a cabeça e imitou o gesto.Suaspresasfincaram-senopeitodeFarodin.Ambosdespencaramnochão.

—Mandred...

ApontadaespadadeBrandanestavaatravessadanoventredafera,saindopor suas costas. E mesmo assim ainda havia vida na criatura. Com horror,Mandredaviuselevantar.

—Nuramon...—OsangueescorreudoslábiosdeFarodin.—Digaaela...—Eseuolharseturvou.

—Farodin!

DerepenteNuramonestavasobreodevanthar.Ergueuaespadacomambasasmãosedeixou-adespencarsobreacabeçadafera.Comumsomlancinante,a lâmina escorregou, deixando um sulco profundo e sangrento, mas sempenetrar.Comaforçadoprópriogolpe,Nuramonrecuou,vacilante.Seurostoeraaestampadepurohorror.

Aindameio curvada, a besta voltou-se, perseguindo o elfo. Foi então queparouderepente.

“Estaéaminhaúltimachance!”,pensouMandred.Oguerreiro,então,agiurápido,aproveitando-sequea feraseocupavadeNuramon.Deuavoltae,portrásdodevanthar,agarrou,resoluto,suapresacomamãoesquerda,puxando-acom força e fazendo com que o monstro virasse a enorme cabeça para trás.Semperder tempo,comamãodireitacravoua lâminada lançanumdaquelesaterradoresolhosazuis.Semencontrarresistênciadestavez,oaçoforjadocomaexcelênciaélficaenterrou-seprofundamentenocrâniodafera.

Odevantharserevolveuumaúltimavez.MandredfoiarremessadocontraaimensapedrasobreaqualLuthumdiasesentou.Umadorpesadapalpitavaemseupeito.

—Oscãescomerãooseufígado.—exclamouMandred,tossindo.

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Umsonho

OsonhoqueacometeuNoroellenaquelanoitefoinítido.Primeiroseuolharvagueou pelas imediações primaveris de sua casa, e depois sobre a costa deAlvemer. De repente ela viu uma estranha paisagem de inverno, montanhasescarpadas e orestas densas, permeadas por vozes e gritos. Diante de umtronco de carvalho jazia um centauro morto, ferido tão terrivelmente comonuncaviraantes.EraAigilaos.DesúbitotinhaLijemadiantedosolhos,deitadainerte na neve, com um enorme ferimento no ventre. De Lijema foi atéBrandan,quejaziaimóvelaoladodeumafogueiradeacampamento,enquantoberrossofridosdelobosecoavamdafloresta.

O olhar deNoroelle encontrou uma caverna de gelo, tomada por sons deluta. Ela não podia ver quem lutava ali. Via somente os que haviam sidoabatidos.LáestavamVanna,afeiticeira,etambémumlobo.Comumgolpe,oruídode lutacessou,eNoroelleviuFarodinnochão.Tinhaumaferidaabertanopeito,eemseusolhosparecianãohavervida.

Noroellegritouegritou,semrespirar...

De repente estava novamente na sala da rainha, ao lado do trono vazio.Olhou em volta. Estava sozinha. As paredes estavam secas, não haviamais odoce murmúrio da água. A luz do dia atravessava o teto e re etia no salão.Noroelleolhouparabaixoeviuquevestiaumacamisolabranca.

Oportãoabriu-selentamente.Elfasvestidasdebranco,comasfacesocultaspor véus, traziam duas macas, uma ao lado da outra. Noroelle sabia quemtraziam até ela. Desesperada, virou-se de costas. Não conseguiria suportar avisão.

Aselfasseaproximavammaisemais.Finalmentepararamdiantedaescadaatéotrono.Decantodeolho,Noroelleobservavaascarregadorasdasmacasaliempé,mudaseimóveiscomosefossemestátuas.Nãoqueriadeformaalgumaveros corpos semvidade seusamados.Mas, emvezdeobedecê-la, seuolharvagouatéoscorposdeFarodineNuramon.Pareciamestarintactos,masaelesfaltavaqualquervida.

Tremendo, Noroelle olhou em volta de si, como se ali tivesse de haver

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alguém para apoiá-la. Mas não havia uma pessoa sequer. Então viu sangueescorrendopelasparedes.Olhouparacimaeobservouqueelevinhadasfontes.

Noroelle correu dali. Atravessou a porta lateral, que era restrita à rainha,deixando o salão. Correu o mais rápido que podia, sem prestar atenção nodestinoaqueseuspésalevavam.

Derepente,estavadenovoàmargemdeumlago.Foiatéanascentee coualiviadaaoencontrar águaemvezde sangue.Esgotada, recostou-seno troncode uma das duas tílias e chorou. Ela sabia que era somente um sonho. Mastambém sabia quantas vezes vira em sonho amais pura verdade. Então tinhamedododespertar.

Pouco depois, ajoelhou-se junto ao lago e observou seu semblante nasuperfíciedaágua.NãorestaranadadoqueFarodineNuramonviamnela.Suaslágrimascaíamnaáguaeturvavamoseureflexo.

—Noroelle!—ouviuumavozfamiliardizer.

Elaselevantouedeumeia-volta.EraNuramon.

—Évocêmesmo?

Elevestiaumacalçaeumacamisadelinhosimples.Estavadescalço.

—Sim—disseele,sorrindo.

Noroelle sentou-se sobre a pedra ao lado da água e sinalizou para que eleviessejuntodesi.

Eleseacomodoupertodelaesegurousuamão.

—Vocêchorou.

—Tiveumsonhoruim.Masagora jápassou.Vocêestáaqui.—Elaolhouemvolta.—Éestranho.Tudoétãonítido.Comosenãofossesonho.

—Vocêtempoderessobreestemundodesonho.Issoéoquesinto.Oquevocêquiservaiacontecer.Ador lheconferiuessa força.Eladespertoudesejosemvocê.

—Nãoéaprimeiravezquevejovocêemmeussonhos,Nuramon.Vocêselembradaúltimavezquenosencontramosaqui,duranteomeusono?

—Não.PoiseunãosouoNuramondosseussonhos.Eunãosouaimagemquevocêfazdemim.Euvimdeforadoseusonho.

—Masporquê?

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—Porque precisome desculpar. Eu quebrei a minha promessa. Nós nãovoltaremos— disse isso com a voz tão suave que ela permaneceu totalmentecalma.

—Entãooquevihápoucoeraverdade?

Eleconcordoucomacabeça.

—ACaçadadosElfosfracassou.Estamostodosmortos.

—Masvocêestáaqui.

—Sim,masnãoposso carmuito. Sou somenteumespírito que amortelogovailevarequeumdiarenascerá.Agoravocêsabeoqueaconteceu.Evocênãooouviudabocadequalqueroutrapessoa.—Eleselevantou.—Eulamentotanto,Noroelle.

Nuramonolhou-a,jásentindosaudades.

Elapôs-sedepé.

—Vocêdissequetenhopoderessobreestesonho.

Eleconfirmoucomacabeça.

—Entãosegureaminhamão,Nuramon!

Eleaobedeceu.

—Fecheosolhos!

Nuramonsatisfezodesejo.

Noroellepensounoquartodela.Muitasvezeshaviaimaginadoodiaemquelevaria Farodin ouNuramon aos seus aposentos. E como nomundo despertoisso não aconteceria jamais, ela decidiu fazê-lo acontecer ali, no sonho. Ela oconduziu alguns passos sobre a campina, e desejou que estivessem em seuquarto.De repente haviamuros ao redor deles. As plantas se transformaramem hera que subia pelas paredes e tomava todo o teto. O lago desapareceu,assimcomoastílias.Nolugardeleochãosetransformouempedraemóveisdetreliçacresceramdele.Raramentesentianossonhosterumpodercomoesse.

—Abraosolhos,meuamado.—Eladisseemvozbaixa.

Nuramonfezisso,eolhouemvoltacomumsorriso.

—Édiferentedoquetinhaimaginado.

—Sóétãograndenosonho.Enãoédeadmirarqueaquicresçamplantas

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portodososlados.

Elepôsasmãossobreosombrosdela.

—Euqueriatantotercumpridominhapromessa...

—Eeunãoqueriaqueodestinotivessemeprivadodeminhadecisão.Tudooquenosrestaéestesonho.

Elaesperouqueeledissesseou zessealgumacoisa,masNuramonhesitava.Se ele não tivesse evitado tocá-la por todos esses anos, ela teria ido ao seuencontrohaviamuitotempo.Adecisãoeradele,eelanãoatomariaparasi.

Quando ele soltou as tas da camisola de seus ombros, Noroelle respiroualiviada. Finalmente ele ousava dar esse passo! Ele encarou-a xamente nosolhos.O pavor queNuramon enfrentou nomundo dos homens omudou—agoraelepareciamaissério.

Acamisolaescorregoupeloseucorpoatécairnochão.

Nuramonbaixouoolhar.

Ela não esperava por isso. Ele certamente devia estar curioso sobre o seucorpo, que ele tantas vezes havia cantado. Mas o olhar dele não se desviourápido demais? Então ela pensou no que ele havia dito. Logo ele precisavapartir.Nãolhesrestavamuitotempo.Enadaseriapiorqueseremseparadosumdooutronomomentoerrado.

EleenlaçouNoroellecomosbraçosesussurrou-lheaoouvido:

—Me desculpe. Eu não soumais aquele que você conheceu. Paramim édifícilestaraqui.Eusouapenasasombradaquelequejáfuiumdia.

Noroelle calou-se; não queria dizer nada sobre isso. Ela também não seatreviaaimaginarqualseriaopreçoqueNuramonpagariaporenganaramortepor alguns instantes, para poder estar ali com ela. Ela deu alguns passos paratráseesperou.

Nuramonsedespiu.Haviaalgumacoisadeerrado...Elaoobservou.Nãoerano seu corpo, que estava perfeito. Ela se lembrou do que as elfas diziam nacorte.Algumasdelasdesejavamumanoitede amorcomele.Agoraque ele sedespia totalmente diante dela, Noroelle conseguia entender melhor o porquêdessas elfas se esquecerem de tudo o que contavam sobre a maldição deNuramon.Elanuncaimaginouqueeletivesseaaparênciadeumdoslendáriostrovadores cujas aventuras amorosas faziam as elfas delirarem. Como haviaconseguidoesconderessecorpo?

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AoobservarnovamenteorostodeNuramon,Noroellepor mreconheceuoquehaviadeerradocomoseuamado.Nosseustraçosestavaestampadaumadorintensaemuda.Tinhasofridomuito.

Nuramonaproximou-se timidamente.Estendeuamão e tocou-a, como sequisesseseassegurardequeelaestavarealmenteali.Acariciousuavementeseuombro.

Noroelle percorreu o cabelo rebelde deNuramon com asmãos, descendopelo pescoço e tocando o seu peito. A pele dele eramacia. Cercou-o com osbraços e o beijou, fechando os olhos. Arrepiou-se ao sentir os dedos quentesdeleescorregandosuavementeporsuascostas.Juntos,deixaram-secairsobreacama.Eradiferentedomundodesperto.Astreliçasdemadeiraeramumpoucomais nas, e a folhagemmacia parecia ser mais espessa. Nuramon alisou asfolhas. Será que nunca tinha visto uma cama como essa antes? Ou só estavaadmiradocomasuamaciez?

Ficaramimóveiseentreolharam-selongamente.Entãoeraesseo mdeseulongo caminho. Sonharam com esse momento tantas vezes. E embora issotambémfosse sóumsonho,ela sentia tudode forma tão intensacomonuncaantes.

Nuramon tocou o cabelo dela e apertou suavemente umamecha entre osdedos,beijando-a.Acariciousuafacecomaspalmasdasmãos,eentãotrilhoucom elas um caminho pelo pescoço e colo, parando-as ali. Noroellecontemplou-ocarinhosamente.Seusolhosqueriammostrarqueelepodiaousartudo.

De repente Noroelle sentiu a mão dele escorregar entre seus seios, atéchegar ao umbigo. Um arrepio percorreu o seu corpo. Não era apenas umarrepiocausadopelotoque,mastambémportodaaquelamagia.NãoeracapazdedizerseeraporcausadasmãosdeNuramoneseupoderdecura,oudeseussentidosdefeiticeira.Talvezumacombinaçãodosdois.

As mãos passaram pelos quadris e deslizaram até as costas dela. Entãosoltaram-se de seu corpo, mas permaneceram tão perto que Noroelle podiasentir o calor dos dedos. Ela fechou os olhos e deixou-se afundar na cama.Sentiu-ovirlentamentesobreela,comasmãosacariciandoseusseiosedepoisafagandoo seu rosto.Era incrível comoo corpodele estavaquente.Devia serumfeitiçoqueproduziaessecalor.

Aosentiroseumembrolhetocarascoxas,NoroelleenlaçouNuramoncomaspernas.Arrepiospercorriamoseucorpoumapósooutro.

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Quandoapenetrou,arespiraçãodelaparou.Elasempresonharacomnoitesde amor comFarodin ouNuramon, sentia desejo e satisfazia-o,mas nenhumsonho fora tão rico em prazeres sensuais como este.Desta vez todos os seussentidosdefeiticeiraestavamdespertos.Entãonomundorealtambémdeviaserassim.Teriasidoassim,se...

Nuramondeteve-se.Elaseperguntouoqueeleestavaesperando.Abriuosolhoseviuorostodelesobreela.Quasetímido,eleaobservou.Seráqueohaviaassustadoquandoparouderespirar?Noroelleacariciouocabelodele,eentãoosseuslábios.Seusorrisodiriatudoaele.

Cuidadosamente,elecomeçouasemoverdentrodela.

Nomesmomomento,tudodesapareceudiantedeseusolhos.Elanãosabiaseeraporcausadosonhoouseeraasuamagiaouadelequeintensi cavasuasensibilidadeeinebriavaosseussentidos.

Um novomundo parecia se abrir a cadamovimento de Nuramon. Havialuzes e cores por todos os lados. E lá estava o rosto dele, que ia e vinha, epareciamais lindo do que nunca. E o seu perfume! Era como se ela sentissetodos os aromas que associava a ele: das ores de tília, de amoras e do velhocarvalho sobre o qual cava a casa dele. Para ela, era como se um feitiçotrouxesseessescheirosdassuaslembrançasparaosonho.

ApelemaciadeNuramoneraigualmentesedutora.Pareciaabraçá-lacomouma coberta macia, e esquentou seu corpo frio por muito tempo. Noroellepodia sentir a respiração ritmada de Nuramon. Era um longo sopro, que elagostavadeinspiraresaborear.

DerepenteelaouviuasiprópriasussurrandoonomedeNuramon.Falavacadavezmaisalto;tanto,queestavasurpresaconsigomesma.Entãohouveumgrito! Todas as sensações que seus sentidos percebiam misturaram-se numêxtase.

Noroelleacordousubitamente.Tudooqueelasentiunomomentoanteriordesvaneceu-se; fugiu, enquanto sentiaum formigamentono corpo.Elanão seatreveu a abrir os olhos para ver o que já estava sentindo há muito: queNuramon se fora. Ela queria tatear em volta de si em busca dele, mas nãoconseguia.Queriadizero seunome,mas seus lábiosnão semoviam.Quandonalmentequisabrirosolhos,percebeuquesuaspálpebrasnãoobedeciam.Ela

estavapresaemseuprópriocorpoeseperguntavaseestavarealmenteacordadaouseaindasonhava.

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Foientãoquesentiuapresençadeoutrapessoaemseuquarto.SeriamesmoNuramon?Seráquehaviaretornadoparaelatambémnomundodesperto?

A pessoa que estava com ela, quem quer que fosse, aproximou-se de suacama.Ouviunitidamenteosseuspassoscautelosos.Entãopôs-sedepéaoseuladoe couimóvel,atéqueelanãofossemaiscapazdedizerseaindaestavalá.Porfim,elatevecertezadequeestavasozinha.

De repente soaram passos diante de seu quarto. A porta foi aberta e elaouviuavozdeObileechamarseunome.Suaconfidenteseachegou,sentou-seaseuladoetocou-a.

—Noroelle!

Desesperada,Noroelletentourecobrarodomíniosobreseucorpo.

Obileeselevantouefechouasfolhasdajanela.EntãoretornouatéNoroelleeacobriu.

De repenteNoroelle parou de respirar, agitou-se, e nomomento seguinteeranovamentesenhoradoseucorpo.Abriuosolhoseergueu-senumpulo.

Obileeseassustou.

—Nuramon!

Ajovemelfanãoconteveumsorriso.

—Euestavasonhando,Obilee.

Noroelle viu sua camisola estendida a seu lado. E sabia que a janela tinhaestadoaberta.

—Foimaisqueumsonho.Eleesteveaqui...Eleestevemesmoaqui!—Derepente,parou.—Seeleesteveaqui,então...

EntãoaCaçadadosElfos fracassara.FoiexatamentecomoNuramondissenosonho.Tudoestavaterminado.

Seusamadosestavammortos.

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Ofeitiçodecura

Nuramonestavadiantedodevantharmortocomoseestivesseanestesiado.O demônio zera algo antes queMandred o abatesse. Um sopro demagia oenvolvera comouma sombra.Agora a besta jazia ali, inerte, coma lâminadalançadeMandredatravessadapeloolho.O lhodehumanosestavaajoelhado,erespiravacomdificuldade.

Nuramonchacoalhou-se.Finalmenteconseguiapensarclaramentedenovo.Voltou-seeviuoscorpossemvidadeVannaedolobo.Farodinestavadeitadodecostas,comumaferidaprofundanopeito.

Emuminstante,Nuramonestavajuntodele.

— Farodin!— chamou ele; mas seu companheiro perdera a consciência.Suarespiraçãoeratênueemalerapossívelsentiroseupulso.Apesardosriscosensanguentados na face, paraNuramon seu rosto lembrava o de uma criançaadormecida.

OelfohaviaprometidoaNoroellequeambosvoltariamparaela.EagoraavidadeFarodinseesvaíadiantedeseusolhos.Juntocomofracovapordesuarespiração, dissipavam-se também todas as esperanças. Pois não havia comocurarummorto.

Nuramon agarrou amão do colega, que ainda não estava totalmente fria.Aindaerapossívelsentirumpoucodecalor.Certavezsuamãelhedisseraqueexistiaumlimiar;umavezultrapassado,nãohavianadaafazeralémdeassistiramortedeum lhodealbos.Aoobservaraquele ferimento tãoprofundo, elesabiaquenãoerapossívelsalvarFarodin.

O seu companheiro zera o impossível para salvá-los.Nuramondevia suavidaaele, e tinhade tentar tudo,assimcomoestavaemdívidacomNoroelle.Agoracabiaaeletentaroimpossível.Seesteerao menãohaviamaisnadaaganhar,entãoaomenosmorreriatentandosalvarFarodin.

Fechou os olhos e pensou mais uma vez em Noroelle. Ele viu seu rostodiantedele—eentãoiniciouofeitiço.

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A dor veio imediatamente e avançou profundamente em seu corpo. Eracomosecadaveiadelesetransformasseemumfioembrasa.

Nuramonouviuseuprópriogrito.Algohaviaagarradoasuagargantaeeleprecisava batalhar por cada respiração. Perderia seu fôlego para que Farodinpudesse recuperar o dele? Então algo segurou seu coração e apertou-o sempiedade.Adorodominou.QueriasoltarFarodin,masnãosentiaoqueestavafazendo. Era como se não tivesse mais corpo. Pensou em Noroelle. Por ela,queriasegurarFarodinaqualquerpreçoesuportaressetormento.Nãosabiaseelemesmoaindaestavavivo,etambémnãosabiacomoFarodinestava.Esabiaaindamenosquantotempohaviasepassado.Osofrimentopreenchiatodososseussentidos.Tudooquelherestavaeraumúnicopensamento:nãosoltar!

Nuramonderepentese sobressaltou.Ador uiudesuasmãos.Ficoucomtontura,eseussentidosseconfundiram.Ouviuumavozdizeroseunome.Aolevantar os olhos, viu uma sombra falar com ele. Demorou muito atéreconheceravozdeMandred.

—Droga!Digaalgumacoisa!

— Noroelle! — Sua voz soou estranha, como se viesse de uma grandedistância.

—Vamos,nãofaçaissocomigo!Fiqueacordado!

Nuramonviu-sedecócorasao ladodeFarodin.Aindatocavaoseupeitoeenlaçava sua mão. Logo sentiu as batidas do coração do companheiro. Arespiração dele retornara. Diante de sua boca, um hálito pálido cortava o argelado.

Nuramon tinha frio. Suas artérias pareciam ter virado gelo. Será quemorreriaouavidaretornariaparadentrodele?Nãosabiadizer.

Finalmente olhou Mandred nos olhos. O lho de humanos o observava,cheioderespeito.

—Vocêéumgrandemestredafeitiçaria!Salvouavidadele.

Mandredpôsamãosobreseuombro.

NuramonsoltouamãodeFarodinedeixou-secair.Esgotado,olhavaparaoteto e observava o brilho mágico por trás do gelo. Só muito lentamenteencontravaacalmainterior.

Derepente,Mandredpercebeuoqueacontecia.

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—Vocêestáouvindo?

Nuramonescutava.Percebeuumruídoaolonge.

—Oqueéisso?

—Nãosei.—O lhodehumanospuxoualançadocrâniododevanthar.Ocabodaarmaestavadestruído,masaindatinhaocomprimentodeumbraço.—Vouchecar.

Nuramon sabia que esse ainda não era o m. Ainda precisava checar seFarodinestavarealmentecurado.Cansado,ergueu-seeexaminouoamigo.Eledormiacalmamente,eo ferimentose fecharatotalmente.Nuramonconseguiasentir que a força de Farodin crescia a cada respiração. Estava feito! Nãoquebraraasuapromessa!

Da entrada da caverna veio um grunhido agudo, que parecia não ter m.Nuramonagarrouaespada,apavorado.QuandoMandredchegouperto,voltouabaixaraarma.

Ofilhodehumanospareciainquieto.

—Temalgumacoisapodrelá!

Nuramonselevantou.Aindaestavatonto.

—Oquehá?

—Venha,vejavocêmesmo!

EleseguiuMandredporalgunspassos,eentãoolhoudevoltaparaFarodin.Deixá-lopertododevantharmortoeracontraavontade.MasMandredestavamuitoperturbado.Entãoacabouseguindo-o,apressadamente.

Aochegaràsaídadagruta,Nuramonnãoacreditounoqueseusolhosviam.Haviaumaespessaparededegelobloqueandoocaminhoparaforadacaverna,e obstruindo a visão de fora. Do outro lado, uma luz cresceu aos poucos edepoisdiminuiudenovo.

—Oqueéisso,Nuramon?—perguntouMandred.

—Nãoseidizer.

—Tenteifazerumburaconogelocomalança.Masparecequenãodá.—O lhodehumanosergueualançae ncouapontacomtodaaforçacontraogelo,maselaapenasresvaloucomumruído.Mandredpassouapalmadamãosobre a parede. — Nem um arranhão. — E encarou Nuramon, cheio de

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expectativa.—Talvezvocêpossausarassuasmãose...

—Oqueeufaçoécurar,Mandred.Nadamaisqueisso.

—Euseioquevi.VocêbuscouFarodindevoltadamorte.Tente!

Nuramonabanouacabeça,contrariado.

—Masnãoagora.Precisodescansar.—Oelfosentianitidamenteofeitiçoqueagiasobreaparededegelo.Seriavingançadodevanthar?—Vamosvoltar.

Mandred cedeu contra a vontade. Nuramon o seguiu, pensando na lutacontraodevanthar.Tinhamse saídobem;o lhodehumanoshonrarao seupovo e também os lobos e os elfos, os lhos dos albos.Mas não podiam tervencido assim tão fácil. Ou será que se superaram tanto em sua ira que suaforçaseigualaraàdosalbos?

Uma vez de volta ao lugar da batalha, Nuramon encarou o devantharmorto.Mandredosobservou.

—Nósderrotamosessafera.Etambémvamosabriromurodegelo!

O lhodehumanosestavaenganado.Mascomopodiaestartãocertodisso?Odevantharerauminimigodosalbos.Paraconheceramedidacorretadoseutriunfo,deviamtomarosalboscomoparâmetroeseperguntarcomoumdelesavaliariaa situação.Era justamenteoqueNuramon tinhaa fazer.Umalbosósuporiaumacoisa...

—Nós vamos congelar!— disseMandred, arrancandoNuramon de seuspensamentos.O lhodehumanos sentou-se com sua lançapertodeFarodin.—Vocênãovaiconseguirdescansaraqui,Nuramon.Precisamostentarpassarporessaparededegeloenquantovocêaindatemforças.

—Acalme-se,Mandred!Euvoumerecuperar,assimcomoFarodin.Enósnãovamoscongelar.

Ofilhodehumanosfezumacarapreocupada.

—Issotambémvaleparahumanos.—Sentou-sepertodoguerreiro,soltouabolsinhadeNoroelledocintoeabriu-a.—Aqui,pegueuma!—EstendeuasamorasparaMandred.

Ojarlhesitou.

—Querdividircomigooqueasuaamadadeuavocê?

Nuramon con rmou coma cabeça.As frutas tinhampoderesmágicos. Se

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elas satisfaziam elfos e lhes davam uma sensação de bem-estar, em humanosfariamverdadeirosmilagres.

—Nóslutamosladoalado.ConsidereestasfrutasumprimeiropresentedeNoroelle. Se você retornar conosco, ela o cobrirá de riquezas. Ela é muitogenerosa.

Cada um pegou uma amora.Melancólico,Mandred observava Vanna e olobomorto.

—Hámotivosparaverissocomoumavitóriagloriosa?

Nuramonbaixouosolhos.

—Nóssobrevivemosàlutacontraumdevanthar.Quempodedizerissodesimesmo?

Ofilhodehumanostinhaumaexpressãoséria.

—Eu! Eu já lutei uma vez contra ele. E agora escapei delemais uma vez.Nãoporque tenha sido tão fabuloso,masporqueelequeriaassim.Eagora, aoveressecadáveraí,nãoconsigoacreditarqueconseguimosoquesóosalbosjátinhamfeito.

Nuramonolhouparaodevanthar.

—Euentendooquevocêquerdizer.

—Osalbos!Paravocêseles sãoospaisemãesdoseupovo,masparanóselessãocomodeuses.Nãoosnossosdeuses,masdotadosdosmesmospoderesqueelestêm.Elesestãoladoalado:deusesealbos!

—Compreendo.

—Entãomedigacomoconseguimosvenceressafera!

Nuramonbaixouoolhar.

— Talvez não tenhamos conseguido. Talvez ele esteja fazendo conosco oquejáfezcomvocê.

—Maseleestáaídeitado.Nósoabatemos!

—Maspodeserqueeletenhaconseguidoexatamenteoquequeria.Eoquevaiacontecerseminhasforçasnãoforemsu cientesparaabriromurodegelo?Nósvamosmorreraqui.

—Maselepodiateracabadoconoscoantes.

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—Vocêtemrazão,Mandred.Masnãosetratadevocê,poiselepodiatê-lomatadofacilmente.IssodizrespeitoaVanna,aFarodinouamim.Umdenósprecisasermantidopresoaqui.

—Masvocêmedissequeasalmasdos lhosdealbosviajamdevoltaparasuascampinas.Mesmoquemorramaqui,vocêsvãorenascer.

Nuramonapontouparaoteto.

— Veja essa luz. Este é um lugar mágico, que o devanthar não escolheucomocampodebatalhaporacaso.Podeserquenossasalmasnuncaencontremumasaída.Podeserquefiquemospresosaquieternamente.

—MasVannanãofalousobreumportal?

— Sim. Ela quis dizer que este lugar é semelhante ao círculo de pedraspróximoàsuaaldeia.Masagoraoportaldaquiestáfechado.EVannadissequenãotemoscomoabri-lo.Talvezodevantharotenhalacradoparasempreparanosmanterpresosaqui.

Mandredabanouacabeça.

—Eu os trouxe a este lugar. Se eunão tivesse ido até omundode vocês,então...

—Não,Mandred.Nósnãopodemosevitaronossodestino.

—Oh, Luth, como é que isso teve de acontecer na sua caverna? Por quevocêtececomosseusfiosotecidodosnossoscadáveres?

—Não diga isso!Nemmesmo para seres que eu não conheço.—Olhouentão para Farodin. — Hoje não é a primeira vez que nós dois realizamosproezas impossíveis.Quem sabe realmente não conseguimos acabar com essaparede?

Mandredestendeu-lheamão.

—Amigos?

Nuramon cou perplexo. Nunca na vida alguém quisera ser seu amigo.SegurouamãodeMandredetambémadeFarodin,queaindadormia.Ambossentiamfrio.Doariacaloraeles.

—Segureaoutramãodele—pediuaMandred.

Ofilhodehumanosmostrou-sesurpreso.

—Umfeitiço?

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—Sim.

Eles se sentaram, e Nuramon trocou o seu calor pelo frio dos colegas. Ecomoo calor eraproduzidoo tempo todo em seu corpo, cada vezmenos friodos companheiros chegava até ele, e logo o frio desapareceu do corpo deMandrededeFarodin.

Apósumtempo,ofilhodehumanosquebrouosilêncio.

— Diga-me, Nuramon, o que você acha? Quem estava na mira dodevanthar?

— Eu não sei. Talvez o devanthar tivesse visões de coisas que um diapoderiam acontecer. Talvez Vanna se tornasse uma das grandes feiticeiras. EFarodinéumheróique já foicantadoemalgumasepopeias.Quemsabeoqueelechegaráaser?

—Éverdadequeelematousetetrolls?

Nuramondeudeombros.

—Algunsdizemqueforamatémais.

—Maisdesete!—Olhouparaocolegaquedormia,incrédulo.

—Elenãoédo tipoque ca segabandode suas façanhas.Eporqueé tãomodesto, sempre viaja como enviado nas missões da rainha. — Nuramon oinvejara por isso em silêncio e nunca havia entendido o porquê de issoaparentementenãosignificarnadaparaNoroelle.

— E qual motivo esse porco tinha para tentar matá-lo? — continuouMandred.

—Quemsabequaiseramassuasrazões?Masagoravamos caremsilêncioerespirarcomcalma.Ouentãovamosacabarmesmocongelando.

—Tudobem.Masprimeirovocêaindaprecisameprometerumacoisa.

—Oqueseria?

—Tratedenão contarparaninguémque queidemãozinhasdadas comvocês.

Nuramonnãogargalhouporpouco.Oshumanoserammesmoestranhos.

—Prometo.

—EeuprometoavocêquesemprevaipodercontarcomMandred—disse

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ofilhodehumanossolenemente.

SuaposturacomoveuNuramon.

—Obrigado,Mandred.

Outros elfos pouco teriam se importado com a amizade de um humano,masparaNuramonelasignificavamuito.Elepensoulongamenteeentãodisse:

—Apartirdehoje,vocêéumamigoelfo,MandredAikhjarto.

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Ofilhodafeiticeira

Noroellefechouosolhos.Umanosepassaradesdeanoiteemquesonhoucom o jogo de amor com Nuramon. Fora mais que um sonho. Durante asquatro últimas estações, ela carregara um bebê em seu ventre. Agora, erachegadoomomentodedarà luz.Sentiaissodeformatãoclaraquantoaáguaemqueestavaflutuandoeotoquedasninfasqueestavamcomela.

Abriuosolhos.Eranoiteeocéuestavaestrelado.Oselfosnasciamnoluar,eaoluarumdiaretornariam.Sentiaaáguafriatocarsuasarticulações.Ofeitiçodanascentepenetraranela, tocandotambémo lhoalidentro.Elaosentiasemexer.

Umadas trêsninfasapoioua suacabeça.Noroelle sentia seupeito subir edesceremrespiraçõesregulares.Asegundadasninfascantouumadascançõesdesuapátriadistante,omar.Aterceiraestavaemsilêncioaoladodela,prontapara interpretar qualquer desejo que surgisse em seus olhos. Todas tinhamvindo de Alvemer para ajudá-la no parto. Eram íntimas da feiticeira domar,cujo nome nenhum elfo conhecia. Suas peles nuas brilhavam como seestivessemcobertasdeminúsculosdiamantes.OolhardeNoroellevagueouatéamargeme entãode volta aos campos, onde as asas de incontáveis fadasdascampinasbrilhavamàluzdalua.

Na encosta estavam Obilee, a rainha e algumas elfas da corte. A jovemObilee ria de felicidade. No rosto de Emerelle, contudo, não havia qualqueremoção.Ambososrostoseramcomoumespelhodoanoquesepassara.

Obilee contara-lhe antigas histórias de elfos que, após a sua morte,visitavamsuasamadascomoespíritosparagerarum lhocomelas.A rainha,porém,manifestousuadúvidaemostrou-sedemasiadamentefria.

Noroelle sentia a criança semovimentar no seu ventre.O con ito com arainha ocupava bemmenos os seus pensamentos que uma dúvida: se poderiaserumaboamãeparaseu lho.ElaconheciaashistóriascontadasporObileeem longasnoites.Eela sabiaqualparteaamiga sempre lheomitira: a criançaqueeraconcebidacarregavaaalmadoamado.Essepensamentoamedrontava

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Noroelle,poisdiziamqueNuramon teria concebidoa sipróprio.Ele seria seuprópriopaieelaseriaamãedeseuamado.

Perguntava-se assustada se conseguiria ser umamãe para Nuramon.Masagora, que estava ali deitada, ela sabia a resposta. Sim, ela conseguiria! Elamanteriaopainalembrança,comoelefora.Eaessacriança,elairia...

A hora chegara! Suamãe lhe contara tanto sobre o parto nos tempos deoutrora... Mas nada teria sido capaz de prepará-la para o que sentia agora.Como se um poderoso feitiço tivesse sido pronunciado, a criança se mexia.Noroellesentiaclaramentecomoseuprópriocorpomudava.Elacresciaondeacriança queria ir, e se contraía no ponto de onde ela vinha. Era umatransformação constante. Ela sentia seu corpo absorver a magia da água danascentecomonadançadasmarés,para fazer taismudançaseabrircaminhopara o bebê. Sentia nitidamente como ele empurrava, querendo nalmentechegaraestemundo.

Mesmootempopareciaseesticaragora.Oluarsobreaágua,acançãodasninfas,acriança,atécadadetalhemaisinsigni cante—tudoissopermaneceriapara sempre na memória de Noroelle. Ela respirava calmamente; fechou osolhosedeixouqueacontecesseoquetinhadeacontecer.

Derepentesentiualgodeixaroseucorpo,eumaondadenovassensaçõeschegar.Todooseuventrevibravaesetransformavaumaúltimavez.Entãoelaouviuogritodorecém-nascido.Abriuosolhos,encantada.

Aninfacantoraseguravaobebêdeformaquesuacabeça casselogoacimadaágua.Eratãopequenoetãofrágil!Echoravaaplenospulmões.

Aninfa tocouo cordãoumbilical e couvisivelmente surpresaquandoelecaiusozinho.Noroellesabiaqueparaoutros lhosdealboseranecessáriaumafacaafiadaparaseparardefinitivamentealigaçãocomamãe.

—Ummenino!—disseaninfa,baixinho.—Éum...meninomagnífico.

As outras ninfas empurraram Noroelle até a margem e a ergueramsuavementedaágua.Elasentou-sesobreapedraplanaeolhouparaopequenoserqueacantoraaindaseguravanaágua.

Alguémpôsamãosobreseuombro.ElaolhouparacimaeviuObileeaoseulado.Segurouamãodacon dente.Entãolevantou-seeolhouparabaixo,parasimesma.Umcorpointacto.Etudooqueouviradizersobreonascimentodeoutros lhos de albos! Que durava horas ou até dias de puro cansaço. E quedores horríveis cobriam esse acontecimento maravilhoso como uma sombra.

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Nada emNoroelle dizia que ela havia acabadode ter um lho. Sópordentrosentia-seenfraquecidaevazia.Seucorposentiafaltadacriança.

As senhoras da corte se aproximaram, secaram Noroelle com toalhasmaciascomopétalaseajudaram-naavestirseutrajebranco.Obileeestendeu-lheotecidoemqueembrulhariaacriança.

Cheia de expectativa, Noroelle observava a ninfa com o recém-nascido.FinalmenteelaveioparapertoeestendeuomeninoaNoroelle.Apeledobebêeratotalmentelisaeaáguadeslizavaporela.

Noroelle pegou seu lho nos braços e embrulhou-o cuidadosamente nopano. Olhava para ele, curiosa. Tinha os seus olhos azuis e agora que estavacomamãenão choravamais.Ospoucos cabelosque ela secava como tecidoeram castanhos como os de Nuramon. Mas sua mãe lhe contara que seuscabelostambémeramassimquandonasceuesósetornarammaisescuroscomo passar dos anos. A criança se parecia demais com ela. Somente as orelhaseram nitidamente diferentes. Eram de fato um pouco alongadas, mas nadapontudas.Masissotambémaindapodiamudar.

Arainhacolocou-seaoladodeNoroelle.

—Mostre-meacriançaparaquepossamosdescobrirseelacarregaaalmadeumelfoconhecido.

Noroelleestendeuomeninoparaarainha.

—Aquiestáomeufilho.

Emerelleesticouamãocomaintençãodetocaratestadacriança.Masderepentepulouparatrás.Haviahorrorestampadoemseurosto.

—Elenãoé lhodeNuramon.Vocêseenganou,Noroelle.Elesequeréumelfo.

Orecém-nascidorecomeçouachorar.

Assustada,Noroelle afastou-se da rainha e apertou o lho contra o peito.Tentavaacalmaracriança.

—Vejaasorelhas!—disseEmerelle.

Estavacerto,asorelhaseramredondasdemaisparaumelfo.Mastalvezelasaindaassumissema formacomum.Masoquemais a inquietavaerao fatodeEmerelleparecernãotervistoNuramonnacriança.

—TemcertezadequenãoéaalmadeNuramonaquehabitaomeufilho?

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—Obebêémuitoparecidocomvocê,masnãoéfilhodeumpaielfo.

Noroelle balançou a cabeça em negativa, decidida. A rainha devia estarenganada.

—Não!Nãopodeser!Éimpossível.FoiNuramonquemmevisitounaquelanoite.

—Écomoestoudizendo.Escute-mebem!—Emerelleapontouodedoparaela.Nuncasedirigiraaalguémcomumgestoameaçadorcomoesse.—Daquiatrêsdiasvocêtraráoseu lhodiantedomeutrono!Lávoudecidirsobreeleetambém sobre você. — Com essas palavras a rainha se voltou e deixou amargemdolagoacompanhadaporseuséquito.

Noroellequisrecorreràsninfas.Maselashaviamdesaparecido.Olhouparao campo, do outro lado do lago. As pequenas fadas das campinas tambémtinhamidoembora.SóObileepermaneceracomela.

Aconfidentecobriu-acomumcasaco.

—Nãoligueparaoqueosoutrosdizem.Vocêganhouumfilholindo.

Noroelle lembrou das palavras da rainha e sentiu tontura. Obilee aamparou.

—Venha,deixe-meguiá-la.

Juntas,puseram-seacaminho.

Este deveria ter sido o dia mais bonito da sua vida. E agora tudo estavadestruído.Arainhadeixou-acommedo.Oqueelaqueriadizer com isso,quedecidiriasobreomeninoesobreela?Issosoavacomoumasentença.SeráqueEmerellepodiajulgá-lasemsaberoqueaconteceunaquelanoite,umanoatrás?Quem poderia ter gerado nela essa criança senão Nuramon? Será que outrolhodealbosahaviavisitado,entorpecidoevioladoduranteosono?Noroelle

olhou o bebê nos olhos, sem querer pensar nisso. Mesmo com suas orelhasdisformes,eleeraumbelomenino.Arainhadeviaestarenganada.

Pelaprimeira vezna vida,Noroelledescon avade sua soberana.Emerelleestava escondendo alguma coisa. Vira isso no seu rosto. Por um curtomomento,reconheceuneleotemor.

—Emerellevaitiraracriançadevocê?—perguntouObileedesúbito.

Noroelledeteve-se,horrorizada.

—Oquê?

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—Elamedeixoucommedo.Vocêachaqueelaestádizendoaverdade?

Noroelleacariciouasbochechasdofilho.

—Olhe-ovocê!Vocêvêalgumacoisaderuimnosolhosdestebebê?

Obileesorriu.

—Não.Eleélindo,emuitoparecidocomvocê.

—Euvouseguirtudooquearainhadisser.Sónãovoupermitirumacoisa:quequalquermalatinjaestacriança.

Obileeacenoupositivamentecomacabeça.

—Mascomoéqueelesechama?

—Sópossodarumnomeaele.—Beijouobebêdocemente.—Nuramon!—sussurrouela.

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Ovaleabandonado

Noroelleatravessoua orestacomobebênosbraços.Eranoite,eumventosuave soprava entre as árvores. O lho apertava um de seus dedos. Estavaquieto, comose sentisseapresençadosguerreirosqueestavampróximoseosprocuravam.

Ali! Um guerreiro elfo jovem e ruivo veio diretamente até ela. Vestia umlongo trajedemalhade ferro.Oventoagitavaoseucasacocinzadecapuz.Ocombatente olhou exatamente em sua direção. Tinha belos olhos verdes.Franziu a testa, confuso. Talvez sentisse alguma coisa, mas Noroelle tinhacerteza de que ele não conseguiria enxergar através do seu feitiço deinvisibilidade.Ele nalmentecontinuouandando,masdepoisdepoucospassosvirou-seabruptamentemaisumavez.Agoraestavatãopertoque,seestendesseumbraço,quaseconseguiriatocá-la.Maselenãoaviu.Murmuroualgumacoisaeentãoprosseguiu.

ParaNoroellefoifácilesquivar-sedosguerreirosarmados.Elapassavaentreas suas las sem ser vista. Eles podiam ser bons guardas e descobridores derastros,masfeiticeiroselesnãoeram.Entãofoifácilenganá-los.

Quando encontrou o comandante do grupo, cou imóvel e o encarou.Comoosoutros,elevestiaumcasacocinzadecapuzqueescondiaoseurosto,masquedeixavaàvistaaarmadurabrilhante.

— Você tem certeza de que entendeu a rainha direito? — perguntou oguerreiroruivo.—Eunãoconsigoacreditar.

Ocomandanteficoualiparado,aparentementesemreação.

—Sevocê a tivesse visto enfurecida comoestava,não faria essapergunta.—Avozsoavafamiliaraela.

—Masporqueelanosmandou?Noroelleéumaexímiafeiticeira,ninguémchega aos seus pés. E entre nós não há ninguém capaz de descobri-la aqui.Deviaterenviadoumfeiticeiroconosco!

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—PorquearainhanãocontavaqueNoroellefosseseoporaoseudesejo.Eissosemsaberqualéanossamissão.

—Eunãoseiseconseguireicumpriressamissão.

—Deviaterpensadonissoantesdeterfeitoojuramento.

—Mas...Matarumacriança!

Noroelle se afastoudosguerreiros.Elanãopodia acreditarnoqueacabaradeouvir.Seráque tinhaseenganadoquantoaEmerellepor todosessesanos?Ela nunca se atrevera a pensar que a rainhamandaria seus guerreiros mataruma criança inofensiva. Uma ordem de prisão era omáximo com que haviacontado. O que teria acontecido para que Emerelle desse uma ordem comoessa?SeráqueelaforasempreassimeNoroelleéquenãotinhapercebido?

A rainha não só tinha expedido essa ordem inédita de assassinato, comotambémhaviaperdidoacon ançaemNoroelle.Elapodiateresperadoatéqueafeiticeiraseapresentassecomseu lhonasaladotrono.Foiassimqueexigira.ENoroelleoteriacumpridoseasoberananãohouvessemandadoosguerreirosatésuacasa.

Noroelle só não entendia uma coisa: por que ela enviara somenteespadachins? A resposta do comandante não bastava. Pois se Emerelle nãoimaginava que Noroelle se oporia ao seu desejo, por que então enviara seusguerreiros? Havia alguma coisa por trás disso. O que quer que fosse, agoraNoroellesabiaoquetinhadefazer.

Elajamaisentregariaseu lhoàrainhaeseusguardas.Colocariaobebêemsegurança.SóhaviaumlugarondeEmerellenãopoderiaencontraracriança:omundodoshomens.

Noroelle deixou a oresta e percorreu lentamente as amplas campinas.PensouemFarodineNuramon.Háumano,quandoambospartiramparacaçarumaferanomundodoshumanos,suavidanãoeramaisamesma.Umlobodogrupo veio ferido até a corte da rainha,mensageiro silencioso de um destinoterrível.Poucodepoisoscavalosdosseusamadostambémretornaram.

Na ocasião, Noroelle teve de lembrar de seu sonho. Os corpos de seusamadosnunca foramencontrados.Todososquebuscarampor eles relataramque a aldeia do lho de humanosMandred cara incólume. Se não houvessesonhado comNuramon e tido um lho com ele, não acreditaria que estavammortos.

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Noroelle atravessou as terras durante toda a noite, e não foi vista porninguém.Quandoosoldamanhãseergueuentreasmontanhas,chegouaumvalesolitário.Carregavao lhonumtecidodobradoecruzadojuntoaocorpo.Elepermaneceucalmotodootempoeatédormiuumpouco.

—Vocêéumbommenino—dissebaixinho,acariciandosuacabeça.

Então sentou-sena grama e amamentouo bebê.Quando estava satisfeito,deitou-o ao seu lado e o observou. Seria umadespedida dolorosa.Mas seria aúnicaformadesalvaroseufilho.

Noroelle levantou-se. O Outro Mundo! Ela cruzaria as fronteiras. Sabiamuitosobreastrilhasdosalbos,queatravessavamostrêsmundoseosligavamuns aos outros,mas nunca pusera em prática esse conhecimento. Os portaisfixos,comoaquelequeseusamadoshaviamatravessado,nãoeramumcaminhoque ela podia seguir. Lá Emerelle certamente já colocara guardas e tambémseriafácildemaisseguirocaminhoqueelatomasse,casoescolhesseumportalcomo esse para a sua fuga. Em lugares de grande poder, como no círculo depedras de Atta Aikhjarto, cruzavam-se até sete caminhos invisíveis, queentrelaçavamtodososmundoscomseuselosmágicos.Aoatravessarumlugardegrandemagia comoesse, chegava-se sempre aomesmo lugar.Mas, quantomenos trilhas albas se cruzavam,mais inconstante era o portal para oOutroMundo. Quando alguém ousava atravessar por pequenas estrelas albas comoessas,nãoerapossíveldizeremquelugardomundodoshumanosiriaparar.Eaquelesquenãotivessemgrandespoderesmágicospodiamatésetornarvítimasdotempo.Noroellesabiaqueprecisavasercautelosaparaqueissotambémnãoacontecessecomela.Secometesseumerroaodarumsimplespassoatravésdeumportal,cemanospoderiampassarinstantaneamente.

Além disso, precisava se certi car de seguir uma trilha que levasse até omundodoshomens.OMundoPartidonãoeraoseudestino,poisnãoeranadamais que as ruínas de ummundo: restos de campos de batalha nos quais osalbos lutaramcontra seus inimigos.Esse lugardesconsoladoentreaTerradosAlbos e oOutroMundo era formado sóporduas ilhasdesertas cercadaspelovazio.Taisilhashojeserviamcomolocaisdeexílio,oudecasaparaermitõesesolitários.Não levaria seu lho para umaprisão como essa. Por isso viera atéestevale.

Noroelle sentiuumaestrelaalbaondeduas trilhas secruzavam.Fechouosolhos e concentrou-se em reunir forças. Mesmo que Emerelle conseguisseencontrar seu rastro até ali, seria impossível encontrar sua pista até o OutroMundo, pensouNoroelle. Ela poderia atravessar por esta estrela uma centena

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de vezes, e em cada uma delas chegaria a um lugar diferente nomundo doshumanos,porqueaquialigaçãoentreosdoismundoserafraca.OCarvalhodosFaunoscontara-lhequealigaçãoeraquebradaacadabatidadecoração,paranapróxima fazer conexão comum lugardiferente.Na suaopinião, essa situaçãomostravaquealigaçãoentreomundodoshomenseaTerradosAlbosfoicertaveztãoabaladaqueambososmundosquasechegaramaseseparar.

Noroelleolhouparaosol.Elelhedariaforça.Nãoseriaamagiadaágua,amagiadoseulago,queaajudariaaabriroportão,massimadaluz.Elapensouna luz que penetrava até o fundo de seu lago. Pensou no feitiço e então amudançainiciouoseucurso.Agoranãohaviamaisvolta.

O sol encolheu e encolheu. Noroelle olhou em volta. Tudo mudara. Ascores tornaram-se mais opacas, tudo parecia áspero e desfocado. As árvoresdesvanecerameforamsubstituídasportroncosnovosesombrios.Aprimaveratornou-se inverno e os pastos de outono, campos nevados. As montanhasregrediramparacolinassuaves.Logoqualquersemelhançahaviadesaparecido.

EntãoeraesseoOutroMundo!

Era um lugar sinistro. Noroelle se perguntava o que Nuramon sentira aopisar nesses campos pela primeira vez.Certamente cara tão admirado comoelaestavaagora.

De fato era inverno, mas a magia de Noroelle dava-lhe forças. Ela podiaandardescalça sobreaneve semsentir frio.Mas semseucalor, aqui seu lhomorreriacongeladorapidamente.Entãocomeçouaprocurarporhumanos.

Ao longo do caminho, não viu sequer um único bicho. O inverno aquiparecianãopermitirnenhuma formade vida.Vagueoupormuito tempopelodeserto nevado até encontrar o rastro de uma lebre. A visão a acalmou.Continuouseucaminho.Pois,ondehaviavida,haviaesperançaparaseufilho.

Procurou por humanos durante muito tempo. Finalmente viu uma nacolunadefumaçasubirportrásdocumedeumacolina.Elaseguiuessesinaleencontrou uma casa que não podia ser mais simples. Pelo menos era o queparecia.Precisavaconfessarquenão tinhaexperiência comcasashumanas.Aconstrução era pequena, feita demadeira. Suas vigas haviam entortado e porissootelhadoestavaondulado.

Noroelleaproximou-se lentamentedacabana.Temiaacadapassoqueumhumanoderepenteabrisseaportae saíssedela.Elanãosabia seo feitiçoqueainda a tornava invisível também enganaria olhos humanos. Precisava estar

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preparadaparatudo.

Ao chegar perto da porta, prestou atenção e ouviumóveis seremmovidossobreochãodemadeira.Umavozlímpidacantavaalegremente.Acançãolhepareciaestranha,masgostavadosom.

Noroellebeijouofilhoesussurroubaixinho:

—Nuramon...Esperoestarfazendoocerto.Éaúnicapossibilidade.Tenhaumaboavida,meufilho.

Elatirouobebêdainvisibilidadeecolocou-odiantedaporta.Elecontinuouemsilêncioe tava-a xamentecomseusgrandesolhos.SóquandoNoroellesevoltou e deu os primeiros passos para longe, ele começou a chorar.Os olhosdelaencheram-sedelágrimas.Masprecisavair!Eraparaobemdele.

Noroelleescondeu-seatrásdeumaárvorepróxima.Ochorodacriançaeradecortarocoração!Porummomentoelacogitouapanhá-loepermanecercomele neste mundo para sempre. Mas a rainha a seguiria. Noroelle sabia queprecisaria usar sua mágica se quisesse vencer no mundo dos humanos. Mascada feitiço fazia as trilhas albas oscilarem. E logo ela atrairia a atenção doscapangas da rainha para si. Seu lho, em contrapartida, ainda era muitopequenoparausarospoderesqueNoroellesentianele.E,comonomundodoshumanos não haveria nenhum mestre para instruí-lo, o seu domaparentemente jamais despertaria. Então, ele permaneceria livre da fúria darainha.

Deseuesconderijo,Noroelleviuquandoaportadacasaseabriuealguémveio para fora. Era uma mulher. Curiosa e ao mesmo tempo a ita, a elfaobservou aquela que poderia se tornar a nova mãe do pequeno Nuramon. Amulherdefatovestiaroupasgrossas,masdavaaimpressãode,mesmonua,terquadris eombrosmuito largos.NoroellenãopôdeevitarpensaremMandred.Aparentemente,esseporterobustoeracaracterísticodoshumanos.

A lhadehumanosfezumacaradesurpresaeolhouemvolta,descon ada.Certamente seperguntavaquem teria sido capazdedeixar seu lhodiantedaporta e desaparecer sem deixar rastro. Curvou-se hesitante sobre o bebê deNoroelle. O rosto damulher parecia duro. Tinha um nariz de batata e olhospequenos. Mas, ao se inclinar sobre o bebê, sorriu, exibindo o calor de seucoraçãore etidonoseusemblante.A lhadehumanosconsolouobebênumalíngua que Noroelle não dominava. Mas as palavras soavam tão amáveis queacalmarama criança.Amulherprocurouao seu redormaisumavez, e entãolevouomeninoparadentrodacasa.

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Malaportasefechou,Noroelledeslizoudevoltaatéacasaeespreitoupelajanela. Queria se sentir segura de não ter se enganado a respeito damulher,mesmoquesoubessequenãopoderiapermanecerosu cienteparatercertezaabsoluta.

Noroelleouviuamulherfalarcomnítidaalegria.

Também havia um homem, que parecia menos contente. Sua voz estavarepleta de dúvidas.Mas, depois de um tempo, ele pareceumudar de opinião.Ainda que as palavras dos humanos parecessem grosseiras aos ouvidos deNoroelle, ela sentia que seu lho ali estava seguro. Agora, ela só precisariacuidarquearainhanãoencontrasseseubebê.

Ela retornou para a proteção da árvore. Na verdade, havia planejadoretornaraolugaremquechegouaoOutroMundo.Masagoramudaradeideia.Ela queria di cultar a descoberta de seu caminho o quanto fosse possível.Duranteumdiaeumanoite,elasedistanciariaomáximopossíveldessacabanatorta,esóentãoatravessariaparaaTerradosAlboscomaajudadeseufeitiçodosol.Umaveznastrilhasalbas,elatomariaocaminhomaiscurtoatéacorteparaseapresentaràsoberana.

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Asentençadarainha

Os guerreiros encontraram Noroelle junto ao Carvalho dos Faunos. Elaentregou-se a eles sem resistir, mas também sem revelar onde a criança seencontrava.

Os espadachins a conduziram ao castelo da rainha. À frente, ia ocomandante;chamava-seDijelon,umguerreirotãolealqueestariaprontopararenunciarasimesmoaqualquerhora.Tinhaombrosexcepcionalmentelargospara um elfo, que nem o longo traje azul nem os cabelos negros conseguiamdisfarçar. Quando o portão da sala do trono abriu-se diante deles, Dijelondeteve-se.MestreAlviasestavaàsuafrente.Ovelhonãodignou-seaolharparaNoroelle.

—Siga-me—disseeleaDijelon.—Aorestantedevocêspeçoqueesperemaqui.

A condutadeAlviasnão surpreendeuNoroelle.Tratavam-na abertamentecomoumainimiga.Entãopermaneceuempésoboarcodoportãoelançouumolhar para o salão. Quase todos os membros da corte estavam ali reunidos.Todosqueriampresenciarachegadadafeiticeiradecadente.Atéonascimentodo lho, sua boa reputação crescera continuamente, mas num só golpe tudoestava acabado. Só as árvores não se haviam impressionado com a cólera darainha. O Carvalho dos Faunos dera-lhe a sensação de que tudo acontecerarápidodemaisparaqueelapudesseponderaradequadamentesobreisso.

Noroelleolhouparaasparedes.Aáguaretumbavaemcascatasespumantes.Evidentemente, a rainhaqueria assegurarqueNoroelle soubesse a forçaqueaesperavanasaladotrono.Masissosequereranecessário.NoroellesabiamuitobemqueninguémnaTerradosAlbospodiasecompararàsoberana.

—Nós a encontramos no Carvalho dos Faunos.— Ela ouviu o guerreirodizer.—Nãoquisnosdizerondeestáacriança.

Aáguanasparedessecoueumsilêncioterrívelrecaiusobreasala.

—EntãoNoroelle,afeiticeira,retorna.

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Avozdarainhamantinha-sebaixa,masatravessavatodoosalãoatéela.

— E ela não faz ideia do quão grande é o mal que nos trouxe. Diga-meapenasummotivopara que eu aindapermita a sua entradanaminha sala dotrono,Noroelle!

—Paraquevocê,comsuasentença,volteamebanirdela.

—Entãovocêcompreendequefezalgoabominável?

—Sim.Eumeopus a você.E isso é algoqueninguémsoba suaproteçãodeve fazer.Não estou aqui somente para receber uma sentença,mas tambémparafazerumaacusação.

Ummurmúrioatravessouosalão.NinguémnaTerradosAlbosdesa araarainhaemsuacorteassim,tãoabertamente.MasNoroellenãoestavadispostaasecalareomitiroqueEmerellequiserafazercomseu lho.Elaestavasurpresaquearainhaestivesserealizandoesseencontroassim,publicamente.Tudoseriareveladodessamaneira.

—Entãoponha-sediantedotronodaTerradosAlbos,sevocêousa.

Noroelle hesitou, mas atravessou o portão e foi ao encontro da rainha.Desta vez, os olhares de todos pelos quais passava não importavam para ela.Curvou-sedianteda rainhaeolhou rapidamenteparao lado.PertodemestreAlvias estava Obilee. Sua amiga tinha uma expressão desesperada, parecia àbeiradaslágrimas.

— Antes de me decidir sobre você, ouvirei o que tem a dizer — disse arainha,comtodaasuafrieza.—Vocêdizquedesejaacusaralguém.Dequemsetrata?

Obviamente de Emerelle! Mas Noroelle não queria se atrever a atacardiretamentearainhadiantedetodaacorte.

—EuacusoDijelon—disseela,emvezdisso.—Poishátrêsdiaseleesteveemminhacasaparamataromeufilho.

Noroelleviuoguerreiro carparalisado.Elasabiaqueeleagiraobedecendoordensdarainhaeestavaansiosaparasaberatéquepontoiaasualealdade.

ArainhaolhourapidamenteparaDijeloneentãonovamenteparaNoroelle,como se quisesse pura e simplesmente veri car que o guerreiro ainda estavapresente.

—Eeleconseguiu?

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—Não.

—E, em sua opinião, o que devo fazer,Noroelle?Nesse caso, aconselhe-me.

— Não quero nenhuma compensação e também não quero ver Dijelonpunido.Sóquerosaberporqueelequeriaacabarcomavidademeufilho.

—Mas agora,Noroelle, a lealdadedeDijelonoproíbede falar, entãovouresponderemseulugar:foiumaordemminha.—Umcochichocomeçouentreosmembrosdacorte.—Maspensoqueessarespostanãoserásu cienteparavocê,nãoéverdade?Vocêestáseperguntandocomoeu,rainhadetodosvocês,pudeordenaroassassinatodeumfilhodealbos.

—Éissomesmo.

—Eseelenãofosseumfilhodealbos,mas...

Noroelleinterrompeuarainha.

—Eleémeufilho,filhodeumaelfa!Eporissoeledescendedealbos.

Ospresentesnasalaestavamindignados.OguerreiroPelvericgritou:

—Comovocêousa?

Todos concordaram, mas Emerelle permanecia calma. Ergueu a mão e osilêncioretornou.

—Noroelle,sevocêéágua,entãoopaidessacriançaéfogo.

Noroelle percebeu ao que a rainha se referia. E, de repente, cou commedo.

—Por favor,digaqueméopaidessacriança.Umhumano,poracaso?—Lembrou-se então das orelhas arredondadas de seu lho. — Não, já houvealgumasvezes relaçõesentrehomenseelfos.Não,Noroelle.—Ela seergueu.—Nadamaisécomojáfoiumdia.Naquelanoite,quandoo lhodeNoroellefoiconcebido,iniciou-sealgoqueagoraprecisamosterminarcomtodaaforça.Por tantos anos vivemos em segurança, mesmo quando foi necessário lutarcontratrollsoudragões.Lembro-medostemposemqueomundoqueháentreonosso e odoshumanos ainda orescia.Conheço amaismortal de todas asameaças. Nunca vou me esquecer do que os albos me deixaram ver quandoestavampartindo: eu fui testemunhadaquedadoMundoPartido.Vi aúltimabatalhacontraosinimigosdosnossossemelhantes:osdevanthares!

Noroelle cou paralisada. Nunca o nome dos velhos inimigos fora

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pronunciadoemvozaltanestasala.

—O ser que os seus amados tiveramde caçar era umdevanthar—disseEmerelle.—QuandoolobodaCaçadadosElfosretornou,isso couclaroparamim, pois na pobre criatura ferida ainda estava impregnado o cheiro daquelemalquejádeveriatersidovencidohámuitotempo!

—EntãoumdevantharmatouFarodineNuramon?

—Euqueriasaberresponder.Masumacoisaécerta:elevenceu,poisveioatévocênaquelanoiteegerouoseufilho.

Era como se as palavras da rainha tivessem anestesiado Noroelle. Eraimpossível!Ela sonharacomNuramon…Agoradiziamqueaquelavisãohaviasidonaverdadeacarrancadeumdemônio?Olhouemvoltadesiepercebeuohorroreaaversãodospresentes.Osguerreirosatrásdelarecuaram.AtéObileeempalideceu.

Arainhacontinuou.

—Quandoviacriança,fuiacometidaporumaobscuranoçãodequemerao seupai.—Apontoupara a tigelamágica.—Equando, tomadapeladúvida,olhei dentro da água, a ilusão do devanthar revelou-se para mim. Naquelaocasiãoeleinfiltrou-senocoraçãodaTerradosAlbossemquepercebêssemos.

Aagitaçãonosalãocrescia.UmtiodeNuramongritou:

—Eseessedemônioaindaestiverpraticandoomalporaqui?

Arainhafezumgesto,tentandoacalmaratodos.

—Aperguntaédedireito,Elemon.MaseulheasseguroqueeleesteveaquisomentenaquelanoiteequedepoisretornouaoOutroMundo.

—Maselepoderiavoltar—retrucouElemon.

—Para ele, estava claro que eu o reconheceria se cassemuito temponaTerradosAlbos.Agoraque sei sobreele, verei-oassimque tentarnovamentepenetrar nestemundo. Não,meus lhos dos albos, o demônio plantou a suasemente.Comisso,oseutrabalhofoifeito.

— De onde ele veio? — perguntou mestre Alvias, que em outros casosraramente tomava a palavra. — Não dizem que todos os devanthares forameliminadospelosalbos?

—Essedevetersobrevividoatodasasbatalhas.

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—Oquevocêfezconosco!—gritouPelveric,acusandoNoroelle.—Comovocêfoicapazdesedeixarseduzirporessedemônio?

ArainhapôsempalavrasoqueNoroelleestavapensando.

—Porqueoamordelafoimaiorquearazão.

—O que posso fazer?— perguntou Noroelle em voz baixa.— Se assimpedir,procurareiodevantharelutareicontraele.

—Não,Noroelle,issonãoétrabalhoseu.Sómedigaondeestáacriança!

Noroelleencarouochão.Sentiuquenãoeracorretotrairobebê.Nãoviranada de demoníaco no recém-nascido. Além disso, ela sequer conseguiriaencontrarocaminhodevoltaatéoseufilho.

—Eu não sei onde ele está. Levei-o até oOutroMundo.Não gostaria dedizermaisnada.

— Mas é uma criança-demônio, lha de um devanthar! Aquele ser quepossivelmenteaniquilouosseusamados.

—Possotermeenganadonosonho,masjamaisvialgomaisevidentequeainocênciadessacriança.Nãovoupermitirquenadaderuimaconteçaaela.

—PorqualportalvocêadentrouoOutroMundo?

—Por um lugar onde duas trilhas albas se cruzam.—Noroelle sabia quehaviamuitoslugaresassimnaTerradosAlbos.

—Diga-meondeficaessaestrelaalba!

—Sódireiissosevocêmejurarportodososalbosquemeu lhonãocorrenenhumrisco.

Arainhacalou-selongamenteeencarouNoroelle.

— Não posso jurar isso. Precisamos matar a criança. Caso contrário,grandes desgraças recairão sobre nós. Esse bebê um dia aprenderá a arte dafeitiçaria. Ele é perigoso demais para o deixarmos viver. Você é mãe ecertamentedeveamá-lo,mesmoquesejaumdemônio.MaspensenopreçoqueaTerradosAlbosterádepagarpeloseuamor,casovocêsecale.

Noroellehesitou.

—Semeufilhoperderavida,suaalmaentãorenascerá?

—Essaéumaperguntacujarespostaeudesconheço.Acriançanãoénemdevantharnemelfo.Penseemfogoeemágua!Podeserquesuaalmaseperca

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entre os dois. Mas também pode ser que, ao morrer, a alma do seu lho sedivida e o lho de albos e o devanthar sejam separados. Só assim o lho dealbosrenasceria.

Noroelle estava desesperada.Um devanthar!Deveria estar com asco,masnão conseguia. Não era capaz de ver o seu lho como um demônio. Ela oconcebera comamor.Poderia ser ruim?Não, asmães sabem sobre a almadeseus lhos. E ela não vira qualquer maldade em seu bebê. Mas não havianenhumaoutra prova disso alémda sua palavra— todo o resto falava contraela.Elasabiaqueasentençadarainhapoderialhecustaravida.Tinha,porém,acertezaderenascer.Eporissodisse:

—Seessavidaéaúnicaqueomeu lhopoderáter,nãopossoentregá-loàmorte.

—Masàsvezesénecessáriosacrificaroqueamamos.

—Possosacri caraminhaprópriavidaouaminhaprópriaalma.Masnãopossodecidirsobreavidaouaalmadeoutrapessoa.

— Talvez você já tenha feito isso uma vez. Você se lembra das suaspalavras?“Noquevocêcontarcomeles,elesofarãopormim.”Vocênãoeraaamada de Farodin eNuramon? Pode ser que o devanthar tenhamatado suasalmas.Talvezvocêjátenhadestruídoumavezaquiloqueamava.

Noroelleficoufuriosa.

—VocêéEmerelle,arainha!Eeuagradeçoavocêquetenhadesmascaradoomeuvisitantenaquelanoite,quefoiumafarsa.IssomedevolveasesperançasdequeNuramoneFarodinaindaestejamvivos.Nãohácertezassobreodestinodosmeus amados.Mas,mesmo que eu os tenha enviado em direção à ruína,issoaconteceuporqueeunão sabiadoperigo real.E comoeupoderia saberoque nem a rainha sabia? Mas, se eu traísse meu lho agora, então estariaconscientementepondoopesodaculpasobreosmeusombros.

Emerellepareceunãoseimpressionar.

—Éasuaúltimapalavra?—foisóoqueperguntou.

—Sim,éaminhaúltimapalavra.

—Você levoua criança sozinha?Alguéma ajudou?—disseolhandoparaObilee,quetremia.

—Não.Obileesósabiaqueeuqueriamantermeu lho longedequalquersofrimento.

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Arainhadirigiu-seaDijelon.

—Obileeoatrapalhoudealgumaforma,oumentiu?

—Não, ela estava commedo demais para isso— respondeu o guerreiro,encarandoNoroellecomseusfriosolhoscinzentos.

Arainhavoltou-separaNoroelle.

—Entãoouçaaminhasentença.

Elalevantouosbraços,ederepenteaáguavoltouafluirdanascente.

—Você,Noroelle, assumiuuma grave culpa.Mesmo sendouma feiticeirapoderosa,nãoconseguiudistinguirentreoseuamadoeumdevanthar.Quandoa criança-demônio crescia em você, não foi capaz de reconhecer a suaverdadeira natureza. Seu amor pelo lho é tão grande que sacri caria até ospovos daTerra dosAlbos por ele. Emesmo diante da verdade, você coloca avidadeseu lhoacimadavidadetodos.Emboracomoelfaeuaentenda,comorainha não posso aceitar a sua decisão. Você traiu a Terra dos Albos e meobrigaapuni-la.Vocênãodevesofreramortecomesperançaderenascimento,mas o exílio.Mas não deve ser levada a terras distantes ou aoOutroMundo.Sua punição é o exílio eterno em uma ilha doMundo Partido.O portal paraesse lugar não existirá na Terra dos Albos, e ninguém poderá encontrar ocaminhoatévocê.

Um medo gelado se apoderou do coração de Noroelle. Essa era a piorpuniçãoquealguémpoderiadaraum lhodealbos.Elavoltou-separaacorte,masnos rostosdospresentes encontrou somente aversão e ira. Entãopensouemseu lho e a lembrançado seu sorriso lhedeu forçasparapercorrer atéofimocaminhoqueodestinolheimpusera.

—Vocêviveráeternamentenesselugar.Casoprocureamorte,nãopoderáteresperançasderenascer—proclamouEmerellecomsuavozsememoção—,poissuaalmatambémnãopoderádeixarolocaldoexílio.

Noroellesabiaoqueissosigni cava.Elajamaispartiriaparaoluar.Emumlugarcomoaquele,umfilhodealbosjamaisencontrariaoseudestino.

—Vocêcumpriráasuapena?—perguntouEmerelle.

—Sim,cumprirei.

—Vocêtemdireitoaumúltimodesejo—dissearainha.

Noroelletinhamuitosdesejos,masnãopodiaexpressarnenhumdeles.Ela

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queria que nada disso tivesse acontecido. Queria que seus amados estivessemaqui e pudessem salvá-la, fugindo com ela para um lugar onde ninguém osencontraria.Maseramsomentesonhos.

NoroelleolhouparaObilee.Elaaindaeratão jovem.Certamenteofatodetersidosuaconfidenteaprejudicaria.

—Sóqueroumacoisadevocê—disseNoroelle,por m.—NãovejaemObileeaminhadesonra.Elanãotemculpa,etemumgrandefuturodiantedesi. Por favor, aceite-a em seu séquito. Deixe-a representar Alvemer. Com acertezadequeessedesejoserealizará,partireitranquilaparaoinfinito.

AexpressãodeEmerellemudou,eseusolhosbrilharam.Ofrio inacessívelsumiudeseusemblante.

—Oseudesejo será realizado.Useestediapara sedespedir.Hojeànoiteireiaoseulago.Entãopartiremos.

—Obrigada,minharainha.

—Agoravá!

—Semosguerreiros?

—Sim,Noroelle.LeveObileeeaproveiteesteseuúltimodiadaformaquequiser.

ObileeveioatéNoroelleeenlaçou-anosbraços.Entãopassaramladoaladoentre os membros da corte. Noroelle sabia que nunca retornaria a esta sala.Despedia-seacadapasso.Seuolharbanhou-senomarderostos,conhecidosedesconhecidos. Mesmo aqueles que a puniram com seu desprezo ao chegartinhamacompaixãoestampadaemsuasfisionomias.

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Oexílio

Noroelleapanhoutrêspedrasmágicasquerepousavamnofundodolagohátantosanos.Escolheraumdiamante,umaalmandinaeumaesmeraldaevoltou-separaObilee,queestavasentadaàmargemebrincavacomospésdescalçosnaágua. Repousou as três pedras sobre uma rocha plana, perto da jovem elfa.Entãosecou-seepôsoseuvestidoverde.Eraomesmoqueusaranaocasiãodapartidadosseusamados.

—Odiamanteéparavocê—,apontouparaobrilhante.

—Paramim?Masvocêdissequeeudevo...

—Sim.Massãotrês.Esteaquiéseu.Pegue-o!

Noroelle não tivera muito tempo para ensinar a Obilee os segredos damagia.A pedra prestaria bons serviços à aluna. Era como se tivesse sido feitaparaela.

Obileeergueuocristalcontraaluzdodia,quejáseesvaía.

—Voufazerumpingentecomela,paracolocaremumacorrente.Ouassimelaperdeoseufeitiço?

—Não,nãoperde.

—Ah,Noroelle...Eunãoseicomovoufazersemvocê.

—Vocêvaiconseguir.OCarvalhodosFaunosvaiajudar.Elevaiensinaravocêoquejámeensinouumdia.Ollowainvaiensiná-laalutarcomespadas,jáque você é uma herdeira de Danee. — Noroelle já se ocupara de todos ospreparativos.Suaconfidenteficariabem.

Também havia pensado em todo o restante. Para si mesma, embalaraalgumas outras coisas em uma bolsa. Não precisaria de mais que isso. À suafamíliadestinaraalgumaspalavras,queObileetransmitiriapessoalmente.

—Vocêselembradetudooqueeudisse?—perguntou.

— Sim. Nunca vou me esquecer das suas palavras. Guardei até os seus

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gestosetomdevoz.Serácomosevocêmesmaestivessefalando.

—Issoébom,Obilee.—Noroelleobservouosolquesepunha.—Logoarainhadeveestaraqui,trazendoaPedradosAlbos.Elaénecessáriaparalacraroportalcomumabarreira,impedindoapassagem.

—Euaacompanhareiaondequerquevocêvá.

—Use a razão,Obilee! Estou banida para sempre. Por que você jogaria asuavidafora?

—Assim,pelomenosvocênãoestariasozinha.

— Isso é verdade. Mas então em vez de chorar por estar sozinha, euchoraria por sua causa.—Noroelle deu um passo para trás. O desespero nosemblantedeObileea comovia.—Arainha jamaispermitiriaquealguémmeacompanhasseemmeuexílio.

—Eupoderiafazeressepedido.

—Masentenda...Opensamentoemvocêaquimeconsolará.Sepensaremmim,àsvezesvai cardesconsolada,masentãolembrequeestareipresenteemtudooquevocêfizer.

—Mas, se eu car, a tristeza será uma sombra sufocante sobre aminhavida!

—Entãobastaráviratéaqui.Aquieupasseiumtempoquefoipreciosoparamim.Desperteiamagiadanascenteepusaspedrasmágicasno lago.AquieufuifelizcomFarodineNuramon.Eaquivocêtambémfoiapresentadaamim.

—Eaquivocêtambémteveoseu lho—disseObilee,olhandotristementeparaaágua.

—Éverdade.Masdissoeumelembrosemtristezaoumesmoraiva.Euamomeu lho,mesmoqueelesejaoquearainhavênele.Eprecisopagarporisso.Masvocê...Vocêpodeaprendercomosmeuserros.

De repente Noroelle ouviu passos na grama. Deu meia-volta e ergueu-sequandoreconheceu,àmeia-luz,asilhuetagraciosa.

Emerellevestiaumatúnica longaeazul,bordadacom osdeprataeouro.Noroellenãoconheciaessetraje,apesardejátervistomuitastúnicasdarainha.Nasedahaviavelhossímbolosderunas.Namãoesquerda,Emerelletraziaumaampulheta,enquantoadireitaestavacerrada.

Agora ela sabia qual feitiço a rainha pronunciaria para impossibilitar que

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chegassemàprisãodeNoroelle.Depoisde levá-laao lugarestranho,Emerellequebraria a ampulheta emuma trilha alba, de forma que os grãos de areia seespalhassemportodososventos.Jamaisalguémconseguiriavoltarareuni-loseconsertarovidronovamente.Eabarreiraperdurariaportodaaeternidade.

Emerelle mostrou-lhe o que havia em sua mão direita. Era uma pedraáspera, com cinco sulcos, que irradiava umbrilho vermelho. Então era essa aPedradosAlbosdarainha!Noroellesemprequisterpermissãoparavê-laumavez.Masnuncapensouqueissoacontecerianessascircunstâncias.

Noroelle sentia o poder da pedra. Ela ocultava, contudo, o seu poder real.Quemnão conhecesse o seu segredo certamente poderia pensar que era umapedra mágica como qualquer outra que havia em seu lago. Mas, na verdade,aquelatinhaumpodercomoqualNoroellenuncaseatreveraasonhar.Dizia-se que toda a Terra dos Albos tirava o seu poder daquela pedra. Com ela, arainhapodiaabriroufecharportais,criaroudestruir trilhasalbas.E,comela,criariaumabarreiraintransponívelquebloqueariaoacessoaseulocaldeexílio.Disto seria feita a sua prisão: a Pedra dos Albos seria o muro, e a areia daampulheta,afechadura.

Noroellevirou-separaObileeeabraçou-a.

—Vocêécomoumairmãparamim.—Ouviuaamigacomeçarachorar,etentavaelamesmaconteraslágrimas.Deuumbeijodedespedidanatestadela.—Adeus!

—Adeus,elembre-sesempredemim.

Não conseguiu mais conter as lágrimas. Apanhou a bolsa com as mãostrêmulas,epôs-sediantedarainha.

Emerelle observou-a demoradamente, como se quisesse ver nos olhos deNoroelle se havia pronunciado a sentença certa. Mostrava-se tão solene aofazerissoquetodasasdúvidasqueNoroelletiverasobrearainhasedissiparam.EntãoEmerelledeumeia-voltaepôs-seemmarcha.

Noroelleolhoupara trásmaisumavez,paraObilee.Certamentenãoseriafácil para a jovem elfa. Mas ela encontraria o seu destino — disso Noroelletinha certeza. Pensou em Farodin e Nuramon. Dissera a Obilee tudo o queprecisava saber para o caso de eles voltarem.A impressão que tivera ao ver aCaçadadosElfospartirnãoestavaerrada:elanãovoltariaaverosseusamados.

Seguiuarainhasemsentirantipatiaporela.Emerelleeraasuasoberanaeissonuncamudaria.Aolongododiaperguntara-seváriasvezesoqueteriafeito

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senãosetratassedoseu lho.Precisoureconhecerqueteriaapoiadoadecisãodarainha.Mas,comoeraamãedacriança,preferiaencararaeternidadediantede si a ferir sua carne ou derramar o seu sangue. E era por isso que agoraprecisavadeixarestemundo.Umaelfanãopodiamudaroseudestino,mesmoqueelenuncafosseconduzi-laaoluar.

Olhoupara trásumaúltimaveze sorriu.Enquantoo seu lagoexistisse,osfilhosdosalbossempreselembrariamdeNoroelle,afeiticeira.

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AsagadeMandredTorgridsonSobreSvanlaibeoqueencontrounoValedeLuth

Svanlaib era lho de Hra n, de Tarbor. O jovem humano tinha só vinteinvernosdevida,mas jádispunhada forçadeumurso.Construíaosmelhoresbarcosdos ordese faziapara seusvizinhosestátuasdo tecelãododestino.Umdia, o velhoHvaldred, lho deHeldred, veio até ele e contou-lhe a história dosbarbasdeferrodeLuth,que cavamnotopodasmontanhas,dooutroladodeFirnstayn,eindicavamocaminhoatéagrutadotecelãododestino.EHvaldredtambém lhe contouqueosbarbasde ferrodeLuthhaviamsofridodesonras.Agrutaforaprofanada,eraoquediziamossábios.Alininguémmaispodiafazeroferendasaotecelão.

Aoouvirorelato,Svanlaibfoitomadopelairaedecretou:

— Irei até Firnstayn, subirei as montanhas e lá serei o primeiro a exigirreparaçãopeloscrimes.

Dotroncodeumcarvalho,esculpiuumnovoretratodotecelãododestino.EtodosemTarborhomenagearamLuth,deformaqueumabarbadeferrocresceunotecelãodemadeira.

Svanlaibpegousuascoisasedirigiu-separaFirnstayn,cruzandoneveegeloecarregandoaestátuadeLuthnas costas.Láencontrouosbarbasde ferroe fezoferendasaeles,comoexigiaatradição.Seguiuocaminhoqueosbarbasdeferroindicavame nalmentechegouàgrutadeLuth.Encontrou-afechadapelohálitodeFirn.Fezumacaraenfurecida,erguendosobreacabeçaobarbadeferroquezera. Luth então destruiu a barreira à qual as forças dos heróis nada eram

capazesdecausar.

Svanlaibesperou;nãoousavapisarnacaverna.Entãoouviuvozesepassosemsuadireção.DiantedeleestavaofilhodeTorgrid.Suafiguraerajovem,eseuscabelos,vermelhos.Aoseuladoestavamdois lhosdealbos.EramelfosdaTerradosAlbos.

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Svanlaibperguntouquemeramessesquesaíamdacaverna.NãoconheciaofilhodeTorgrid,queseapresentou:

—SouMandredAikhjarto,filhodeTorgridedeRagnild!

Svanlaib admirou-se, poismuito se contava sobreMandredTorgridson e odemônioqueeleacossara,eprincipalmentesobreodesaparecimentodecaçadore caçado. Diziam queMandred atracara-se com a besta e que juntos haviamcaídoemumafendanageleira.Tudoissoparasalvarasuaaldeia.

Então Svanlaib perguntou ao poderoso Mandred o que acontecera. EMandred deu a seu libertador a notícia damorte do homemque era tambémum javali. E agradeceu-lhe por ter quebrado com a força de Luth o gelo quebloqueavaacaverna.Sobreoselfos,dissequeohaviamajudado.Chamavam-seFaredred e Nuredred. Eram irmãos e príncipes elfos, que estavam a serviço deMandred.

O lho de Torgrid apanhou o barba de ferro que Svanlaib projetara ecarregara e colocou-o no lugar onde jaziam os restos queimados do barba deferroprofanado.EmhonradeLuth,Mandreddepositouocrâniododevantharaospésdaimagem.

OqueocorreunacavernapermaneceuocultoaSvanlaib,esómaistardefoirevelado.Lá,MandredconversaracomLuth,comoselfoscomotestemunhas.Otecelãododestinorevelaraao lhodeTorgridoseufardo.Eapartirdaquelediao tempo não teve mais qualquer poder sobre Mandred. Mas Luth não lhecontara o preço que teria de pagar por isso. Então Mandred retornou comSvanlaibeosirmãoselfosaFirnstayn.

CONFORMENARRATIVADOBARDOHROLAUG,

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Opreçodapalavra

O céuda primavera era de um azul tão límpido que os olhos deMandredinundaram-sedelágrimasàsuavisão.Finalmentelivresdenovo!Semdistinguirodiadanoite,eradifícildizerquantotempoestiveramdentrodacaverna.Masera possível que somente poucos dias tivessem passado. Além disso,provavelmentehaviaalgumfeitiçoemação,poisdequeoutraformapoderiamterentradonagrutaduranteoinvernoedeixá-laagoranaprimavera?

Oolhar deMandred seguiuuma águia que voava bemalto, com suas asasmajestosamenteabertas,emgrandescírculossobreaclareira.

Aliemcimadasmontanhas,oinvernonuncapartia.Masosoliluminavaosseusrostosenquantoandavamnogelo,descendoatéofiorde.

Seuscompanheirosestavamcalados.NaquelamanhãsepultaramVannaeolobo morto em uma pequena caverna afastada do Vale de Luth. Os elfosentregavam-sesilenciososaosseuspensamentos.ESvanlaib...Oconstrutordebarcos tinha algo de estranho. É claro que até certo ponto o seucomportamento podia ser explicado pela reverência que sentia pelos elfos.A nal, que outro mortal já tivera a chance de encontrar em pessoa ospersonagenscujassagasemocionanteseramcantadaspelosbardos?MasaindahaviaalgomaisnocomportamentodeSvanlaib.Algolatente.Mandredsentiaoolharcerimoniosodohomemsobreassuascostas.Svanlaiblhe zeraalgumasperguntasestranhas.Oconstrutordebarcospareciaconhecê-lo.

Mandredsorriusatisfeito.Issonãoeradeseadmirar!No m,haviaabatidosete homens sozinho em nome do rei e prendido o até então invencíveldevantharnoaltodasmontanhas,atravessando-ocomsualança.Olhouparaocabo destroçado da arma, que levava na mão direita. Um pesado esanguinolento saco pendia debaixoda longa lâmina da lança. Fora cortadodapele da fera, e guardava o seu fígado. “Manterei a minha palavra”, pensouMandred,feroz.

A descida das montanhas até o orde durou três dias. Cada passo quedavamoslevavacadavezmaisparadentrodaprimavera.Overde-claroefrescoenfeitava os galhos dos carvalhos. Era arrebatador o aroma das orestas,

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mesmo que as noites ainda fossem muito frias. Svanlaib zera a Farodin eNuramon inúmeras perguntas sobre a Terra dos Albos.Mandred estava felizporserpoupadodatagarelicedoconstrutordebarcos.Masohomemoseguiacom o olhar. Sempre que achava que Mandred não perceberia, encarava-oinsistentemente. “Se esse cara não tivesse nos tirado da caverna, já teria sidoapresentadoameuspunhoshámuitotempo”,pensavaMandreddequandoemquando.

Quando nalmente saíram dos bosques e apenas um extenso pasto osseparavadeFirnstayn,Mandredcomeçouacorrer.Seucoraçãobatiaselvagemcomoumtamborquandochegouaocumedeondepodiavero ordeaolonge.Bemacimadeleestavaorochedocomocírculodepedra.Láhomenageariaosdeuses,massódepoisdeapertarFreyaemseusbraços...

E seu lho! Sonhara com ele naGruta de Luth.No sonho, era um jovemrapazquevestiaumlongotrajedemalhadeferro.Umespadachim,cujonomeeraconhecidoemtodasasterrasdos ordes.Mandredsorriu.Essahistóriadeespada era certamente um engano. Um verdadeiro guerreiro lutava commachados!Logoensinariaissoaseufilho.

Mandredestavaadmiradocomadedicaçãocomquesehaviatrabalhadonaaldeia.Trêsnovascasascomunaishaviamsidoerguidaseopíerforaprolongadoum pouco mais para dentro do orde. Ainda havia mais de uma dúzia decabanasmenores.Apaliçadaforaderrubadaesubstituídaporummurodeterrabatidabemmaisabrangente.

Duranteo inverno,algumasnovas famíliasdeviamterchegadoaovilarejo.Talvez a fome os tivesse expulsado de seus lugares de origem. O punho deMandredfechou-secommaisforçaemtornodocabodalança.Aparentementehaveria luta. Um homem não é um jarl por herança de sangue. Esse era umtítuloqueeranecessárioconquistarecertamentehavianaaldeiaváriosrapazesdesanguequentequegostariamdedisputarasuaposição.Mandredolhouparaos seus companheiros, que nesse meio-tempo haviam cruzado o pasto. Sevoltasseparacasacomdois elfosa seu lado, talvez isso fariamuitospensarembemantesdecomprarbrigacomele.ApresençadeNuramoneFarodinemseuátrioeranecessáriaporpelomenosumanoite.Amaiorquantidadepossíveldehomensdeveriavê-los.Dessaforma,atéo mdoverãoahistóriadacaçadaaodevantharseespalhariaeecoariamesmonosvalesmaisremotosdasterrasdosfiordes.

Nuramonolhouparacima,paraocírculodepedras,cheiodesaudade.MasMandreddisse:

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—Sejammeushóspedesaomenosporumanoite,camaradas!Vamosbeberao pé da lareira em memória a nossos amigos mortos. — Hesitou por ummomento antes de completar: — Assim vocês me farão um grande favor.Gostariaquetodososhomensemulheresdaaldeiaosvissem.

Oselfostrocaramumolhar.FoiFarodinquemconcordoucomacabeça.Ejuntosiniciaramadescidaatéofiorde.

Desdequereviraaaldeia,Mandredestavatomadodeumaagitaçãosem m.SeráqueEmerellejáviera?Não,nãopodiaser!Umano,eladissera.Aindalherestavatempo.Encontrariaumjeitodesalvaroseuprimogênito.

A aldeia... Havia algo de errado com Firnstayn. Crescera rápido demais.Emborativessemfeitomuitasprovisõesparaoinverno,elasnuncateriamsidosu cientes para alimentar tantas bocas. E os telhados das casas novas... Suamadeira estava escurecida e dos cumes desciam caminhos brancos deexcrementosdegaivota.Asripasdemadeirapareciam já tervistomaisdeuminvernochegarepartir.

Mandred lembrou-se de seus sonhos naGruta de Luth. Eram sombrios erepletos de ruídos de armas. Neles havia encontrado trolls e guerreirospoderosospara,por m,ver-secavalgandosobumsuntuosoestandartebranco,noqualseviaumbrasãoqueestampavaumverdecarvalho.Oshomensqueoseguiam estavam armados de forma estranha. Vestiam armaduras feitastotalmente de chapas de ferro e seus rostos estavam escondidos sob pesadoselmos. Aos olhos de Mandred, pareciam um muro de aço. Até os cavalosestavam vestidos com ometal.Mandred também vestia uma armadura comoessa.O guerreiro sorriu e tentou insistentemente afastar do pensamento essaatmosferaobscura.Essahistóriadearmaduraeraumbomagouro!Parapoderpagarportantoaço,umdiaeleseriamuitorico.Ofuturoentãoprometiacoisasboas.E,empoucotempo,teriaFreyaemseusbraços!

Aoalcançar amargemdo orde,Mandredacenoucomosbraços e gritouemaltoebomsom,parachamaraatençãoparasi.

—Ei,venhamnosbuscar!Aquiestãotrêsheróiseumperegrino,etemosagargantaseca!

Naquelepontoo ordeaindatinhamaisdecempassosdelargura.Alguémno píer reparou neles e acenou de volta. Então um dos barcos usados pelospescadoresfoipreparado.Doishomensremaramparaatravessaro orde,maspararamaindaaumaboadistânciadamargem.Mandred jamaisviraqualquerumdeles.

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—Quem são vocês? E o que querem em Firnstayn?— perguntou omaisjovemdeles,desconfiado.

Mandredcontaracomisso—queoselfostalvezospusessemmedo.Esguiosebemarmados,elesnãopareciamviajanteshabituais.O fatodesequerseremhumanosnãoeramesmoperceptívelàprimeiravista.

— Diante de vocês está Mandred Torgridson, e estes são meuscompanheirosNuramon,FarodineSvanlaibHrafinson.

— Você tem o nome de ummorto, Mandred!— A voz ressoou sobre aágua.— Se isso é uma piada, Firnstayn não é o lugar certo para brincadeirasassim.

Mandredgargalhou.

—Não foi abestaqueacaboucomMandred...Euaniquileiomonstro.—Ergueu a lança bem acima da cabeça, para que pudessem ver bem o saco alipreso.—Eaquiestáomeutroféu.Vocêsdoisnãodevemserdaqui!VãobuscaroHrolfDentesNegros ou o velhoOlav. Elesme conhecem bem.Ou tragamFreyaatémim,aminhamulher.Elavaipartiracabeçadevocêscomacolherdepauseadeixaremesperandomaistempo.

Osdois homens trocaramalgumaspalavras e então levaramobarco até amargem.Ambosoolhavamdeformaesquisita.

— Você é mesmoMangred Torgridson?— perguntou respeitosamente omais velhodosdois.—Estou reconhecendo você,mesmoquenãopareça terenvelhecidonenhumdiadesdeaúltimavezqueovi.

Mandredencaroubemohomem.Nuncaotinhavistonavida.

—Quemévocê?

—SouErekRagnarson.

Mandred franziu a testa. Conhecia uma criança com esse nome. Ummoleque atrevido de cabelo vermelho. Filho de seu amigo Ragnar, que odevantharassassinara.

— Leve-nos até o outro lado— disse Svanlaib, entrando na conversa.—Vamos continuar essa conversa na frente de uma boa caneca de hidromel.Aminhagargantaestásecacomoumrionaestiagem,eestenãoéumbomlugarpara acolher viajantes cansados. Pelomenos demim vocês se lembram, não?Estiveaquinaaldeiaháumpardedias.

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O pescador mais velho abanou a cabeça a rmativamente. Então fez umsinalparaqueentrassemnobarco.QuandoNuramoneFarodinembarcaram,Mandred viu Erek furtivamente fazer o sinal do olho protetor. Teriareconhecidooqueeram?

A travessia sobre o orde transcorreu em profundo silêncio. Erek olhavasobreosombrosatodoinstante.Emumadasvezespareceuquererdizeralgo,masentãosacudiuacabeçaevirou-senovamente.

Anoitecia quandoo barco atracounopíer. Saía fumaçade baixodas vigasdascasascomunais.Ocheiroeradepeixeassadoepãofresco.Mandred coucom águana boca. Finalmente comer direito de novo!Assado e hidromel emvezdeamoraseáguadenascente!

Mandredpercorreuopíercompassosdecididos.Sentiacomosetivesseumagrande gaivota no estômago, batendo as asas com força. Esperava conseguirconteraslágrimasquandoFreyaviesseaoseuencontro.

Umgrandecãobloqueavaocaminhono mdopíer.Rosnavaemsinaldealerta. Outros cães também vieram da aldeia, seguidos de homens quecarregavamlanças.

Mandreddesamarrou o saco de pele pendurado em sua lança e atirou aoscachorrosasangrentaboladecarne.

—Aqui,meuscaros.Trouxealgoparavocês.

Entãoolhouparacima.Nãoconhecianinguém.

—Mandred Torgridson está de volta!— anunciou o velho pescador comvoz solene.—Foiuma longacaçada.—Comumgestoautoritário, afastouosmoradoresarmadosparaolado.—AbramcaminhoparaojarlMandred.

“É um bom homem”, pensou Mandred consigo mesmo. De fato não oconhecia,masEreklhediziaalgo.

Cada vez mais pessoas se aglomeravam para ver os visitantes. Mandredjogou pedaços de fígado aos cães, que faziam algazarra a seus pés, e por matirou-lhesopedaçodepelequeserviradesaco.

EstranhouumpoucoqueFreyaaindanãotivessevindo.Comcertezatinhaalgumtrabalhourgenteparaterminar.Quandocozinhavaoufaziapão,nadaatiravadafrentedoseufogão.

Sua casa comunal atravessara bem o inverno. Mas alguém substituíra asduascabeçascortadasdecavaloquehavianofrontãoporduascabeçasdejavali.

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Mandredabriuapesadaportademadeiradecarvalho,afastouacortinadelã para o lado e acenou para que seus dois companheiros entrassem.Na salasemjanelasdacasacomunalreinavaumaturvameia-luz.Nomeiodasalahaviaum braseiro onde chamejavam brasas. Uma jovem mulher girava um espetocomumganso.Elaergueuosolhos,surpresa.

— Mandred Torgridson voltou — anunciou Erek, esmagando-se entreNuramoneFarodinparaentrarpelaporta.

—Vocêdeviatervergonhadejáestarbêbadoantesdeosolsepôr,Erek—gritou amulher.— E leve os seus parceiros de bebedeira com você. Não hálugarparaelesnaminhasala.

Mandredolhouemvolta,admirado.NãoviuFreyaemnenhumlugar.

—Ondeestáminhamulher?

Opescadorbaixouacabeça.

— Traga-nos hidromel, Gunhild — bradou num tom que não admitiaprotestos. — Depois reúna os idosos aqui. Busque Beorn, o coxo, Gudrun eSnorri.Etragahidromelparatodos,masquedroga!Estaéumaocasiãodequenossosbisnetosumdiavãofalar.

Mandredpercorreuapressadamentecomosolhosaparedecomosnichosdedormireabriucomforçaaúltimacortina.AliFreyatambémnãoestava.Aolado de onde ela dormia ainda estava o berço que ele construíra no início doinverno.Estavavazio.

— Sente-se, jarl. — O pescador tomou-o cuidadosamente pelo braço econduziu-oparapertodobraseiro.

Mandreddeixou-secairsobreumdosbancos,comaspernasabertas.Oqueestavaacontecendoali?Ficoucomtontura.

—Você se lembradequandodeuumavelha facadepresente aopequenoErek Ragnarson e passou a tarde toda mostrando a ele como destripar umalebre?—Avozdopescadortremia.Seusolhostinhamumbrilhoúmido.

Gunhildpôsumacanecadehidromelentreeles,sobreobanco, juntocomumpãode cheirodelicioso.Mandred rasgouumpedaçodopão emeteu-onaboca.Aindaestavaquente.Entãodeuumgrandegoledehidromel.

—Vocêselembra?—insistiuovelhopescador.

Mandredchacoalhouacabeça.

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—Sim.Porquê?

—Omenino.Era...Eraeu,jarl.

Mandredpousouacaneca.

—Pensamosqueestivessemorto—disseErek.—Nósosencontramo...omeu pai e os outros. Só você que não... nem omonstro.Hámuitas históriassobre o que aconteceu naquele inverno. Alguns acreditam que você cercou abestano gelo e despencou comelanas profundezas geladas do orde.Outrospensavamquevocêtinhaidoatéasmontanhas.EdizemqueLuth,delutoporvocê, fez crescer uma cortina gelada diante de sua caverna. Freya nunca quisacreditar que você estivessemorto. Em todas as primaveras seguintes sempreenviou homens para procurar por você. E ela sempre foi junto até o lhonascer.Ummeninoforte.Sóeledeupazaela.Oleif,esseeraoseunome.

Mandredsuspirouprofundamente.Otempohaviapassado,elesabia.Eeraprimavera,embora,pelasuapercepção,aindadevesseser inverno.Nacavernasempre estivera claro. Apenas a luz por trás do gelo oscilava continuamente,maisforteemaisfraca.Fezforçaparaseacalmar.

—Onde está aminhamulher? E omeu lho...—O guerreiro ergueu osolhos. Três homens com lanças haviam adentrado a sala, e encaravam-no.Novosdesconhecidosatravessavamatodomomentoabaixaportadecarvalho.Apenas Nuramon e Farodin não olhavam para ele. E Svanlaib. O que elessabiamqueMandredaindadesconhecia?

Erekpôsamãosobreseuombro.

—Mandred,eusouomeninoquevocêpresenteoucomafaca.Vocêestevedesaparecidoporquase trinta invernos.Você se lembra?Quandoeuaindaerapequeno emal conseguia andar, um dos cães de Torklaifme atacou.—Erekarregaçouamangaesquerdadesuarudecamisa.Seuantebraçoeracobertodecicatrizesprofundas.—Eusouomenino.Eagoramediga:porquevocênãoéum ancião, Mandred? Você tinha mais que o dobro da minha idade. E nãoestou vendo nenhum o grisalho na sua barba, e nenhum cansaço em seusolhos.—Apontouparaaportadacasacomunal.—Vocêaindaéohomemqueháquasetrintaanosdeixouestacasaparairatrásdaquelaameaça.Foiporissoquepagoucomoseufilho?

Umafúriageladaapoderou-sedoguerreiro.

—Oquevocêestádizendo?Oquetemomeufilho?

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Deu um pulo e empurrou a caneca de hidromel do banco. Os curiososrecuaram de sua frente. A mão direita de Farodin tocou o cabo da espada.Observavaatentamenteoslanceiros.

—OqueaconteceucomFreyaecomomeu lho?—gritouMandredcomavozesganiçada.—Oqueestáacontecendoaqui?Poracasoaaldeiatodaestáenfeitiçada?Porquevocêsestãotodostãodiferentes?

—Vocêestádiferente,MandredTorgridson—gritouumavelhamulher.—Nãomeolheassim!AntesdeescolherFreya,vocêgostavademeternosbraços.Soueu,Gudrun.

Mandredencarouaquelerostodesgastado.

—Gudrun?

Naquelaépocaelaeralindacomoumdiadeverão.Podiaserverdade?Essesolhos...Sim,eraela.

—O invernoseguinteaosurgimentodomonstro foiaindamais severo.Oordecongelouecertanoiteelesvieram.Primeiroouvimossomenteosclarins

ao longe, então vimos uma leira de luzes. Cavaleiros. Centenas deles! Elesvinham do penhasco do outro lado do orde. Do círculo de pedras. Ecavalgavam sobre o gelo. Ninguém dos presentes jamais se esqueceu daquelanoite.Eramcomoespíritos,masvivos.Aluzdasfadas utuavanocéuetingiaaaldeia de uma sinistra tonalidade verde. Os cascos de seus cavalos malremexiamaneve,emboraafriarainhadoselfosEmergrideasuacortefossemde carne e osso. Eram belos e assustadores, pois os olhos re etiam o gelo deseuscorações.Nocavalomaismagní cocavalgavaumaelfagraciosa,comumvestidoquepareciafeitodeasasdeborboleta.Emboraoclimaestivessegelado,elaparecianão sentiro frio.Ao seu ladocavalgavamumhomemtodovestidodepreto eumguerreirode túnica branca. Falcoeiros a acompanhavam, assimcomomúsicosquetocavamalaúdes,guerreirosemarmadurasreluzenteseelfastrajandoroupasperfeitasparaumacelebraçãodeverão.Elobos,grandescomocavalosmontanheses.Pararamdiantedasuacasa,Mandred.Destasalaaqui!

A lenhaestalounobraseiro e lançou fagulhas atéo tetonegrode fuligem.Gudrunprosseguiu.

—Suamulher abriuaportapara a rainhaEmergrid.Freyaa recebeucomhidromelepão,comopedemasregrasdahospitalidade.Masarainhadoselfosnãoaceitounada.Exigiusomenteoquevocêprometera,Mandred.Oseu lho!O preço para que esta aldeia pudesse continuar viva, para que a besta fosse

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afastadadenós.

Mandred escondeu o rosto nas mãos. Ela viera! Como pudera fazer essapromessa!

—Mas...EquantoaFreya?—balbuciouele,semforças.—Ela...?

—Alémdoseu lho,oselfos tiraramdelaavontadedeviver.Elagritoueimplorou clemência pelo bebê. Ofereceu sua vida em troca, mas a rainhaEmergridnãosecompadeceu.Comospésdescalços,Freyacorreupelaneveeseguiuoselfosatéopenhasco.Foiláqueaencontramosnamanhãseguinte,nomeiodocírculodepedras.Tinharasgadoovestidoechoravasemparar.Nósatrouxemosatéaaldeia,masFreyanãoqueriamais carconoscosobomesmotelhado. Ela subiu no túmulo do seu avô, Mandred, e lá pediu vingança aosdeuses e aos sombrios espíritos da noite. Sua mente foi candomais e maisperturbada. Sempre a viam com uma trouxa de trapos nos braços, como sesegurasseumacriança.Trouxemoscomidaparaela,jarl.Tentamosdetudo.Naprimeiramanhãdeprimaveraapóso equinócio,nósa encontramosmortanotúmulo do seu avô.Morreu com um sorriso nos lábios.Nós a sepultamos notúmuloaindanomesmodia.Umapedrabrancajazsobreasuasepultura.

Mandred sentia como se seu coração tivesse parado de bater. Sua iraselvagemsefora.Aslágrimascorriamporsuasfaces,semqueseenvergonhassedisso.Foiatéaporta.Ninguémoseguiu.

Otúmulodeseuavô cavaumpoucoafastadodonovomuroqueprotegiaFirnstayn,bempertodograndeebranco rochedoàmargemdo orde.Foialique seu avô chegou e desembarcou. Havia fundado a aldeia e a nomeadoinspirado naquela pedra, tão branca como a neve do meio do inverno.Firnstayn.1

Mandred encontrou a pedra sepulcral branca no anco da colina. Aliajoelhou-se por muito tempo. Suas mãos acariciavam afetuosamente a pedraáspera.Nomomentomais escurodanoite,Mandredpensou veruma sombradevestidorasgadonotopodacolina.

— Vou trazê-lo de volta, Freya, mesmo que isso me custe a vida —sussurrou ele.—Vou trazê-lo de volta. Juropelo carvalho quemedevolveu avida.Meujuramentoésólidocomootroncodeumcarvalho!

Mandred procurou o presente de Atta Aikhjarto e, quando o encontrou,afundouabolotanaterraescuradatumba.

—Voutrazê-lodevoltaparavocê.

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A lua surgiu entre as nuvens. A sombra no cume da colina haviadesaparecido.

1.DeFirn,SenhordoInverno,edofiordlandêsStayn,pedra(comonoalemãoStein).

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RetornoàterradosAlbos

Era invernonaTerradosAlbos e,mesmo com toda a belezadapaisagemcobertadeneve,ofriocongelantenãodavaaelemenostrabalhodoquehaviadado em seumundo. Aqui o guerreiro também precisava abrir caminho comesforço emmeioàneve alta enquanto seus amigos elfos andavamcompassosleves ao seu lado. E desta vez faltavam-lhe forças. No túmulo de Freya teriapodido disputar com toda a Terra dosAlbos junta,mas hoje estava abatido enãosentiadentrodesinadaalémdedesesperoevazio.

Mesmoopensamentono lho,queseriaumdesconhecidoparaele,nãoeracapaz de consolá-lo. Queria vê-lo, de fato... Mas depositava pouca esperançanisso.Oleifprovavelmentecresceraetornara-seumhomemhámuitotempo,etalvez visse outro como seupai.Comoainda era invernonaTerradosAlbos,Mandredestavadesanimadodevez.Estaeraaterradoselfosedasfadas,aquiaprimavera deveria reinar para sempre! Pelo menos era isso o que diziam aslendas. Certamente era ummau presságio encontrar estemundo no inverno,mesmo que Farodin e Nuramon lhe houvessem assegurado uma centena devezes que aqui as estações mudavam da mesma forma que no mundo doshomens.

AttaAikhjartonãofaloucomMandredquandoeleovisitoujuntoaoportal.Seráqueasárvoreshibernavamdepoisdedeitaremsuasfolhagensaochão?Ouseráquehaviaoutromotivoparaisso?Ninguémosreceberanoportal,mesmoqueconstassequearainhasabiadetudooqueaconteciaemseureino.

No primeiro dia, avançaram até o portal deWelruun. Ninguém cruzou ocaminho.Mandredacreditavasaberoporquê.Odestinoosseguiraatéaqui,atéa Terra dos Albos! Desde a primeira hora, uma má estrela brilhara sobre aCaçadadosElfos.Eessa estrelanão sehavia apagado.Oqueelesviveramerauma história como as sagas dos heróis antigos. E essas histórias terminavamsempredeformatrágica!

NamanhãdosegundodianaTerradosAlbos,Mandredsóse levantoudeseugeladoleitonoturnoparaquenofuturoninguémpudessedizerqueelenãopercorreraoseucaminhoatéo m.EletrariadevoltaaCaçadadosElfos—a

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primeiralideradaporumhumano—,ouaomenosoqueaindarestavadela.Equeriafinalmentesaberqualeraodesfechoqueodestinolhesreservava.

Nenhum guarda estava no caminho quando cruzaram o portão da ShalynFalah.NocastelodeEmerelleninguémosaguardava,comosetodoshouvessemdesaparecido.Osomdeseuspassosecooudeformasombriaquandopassarampela imponente construção.Mandredde fato tinha a sensaçãode estar sendoobservado, mas em todos os lugares onde seu olhar pousava só encontravacumesabandonadosejanelasvazias.

FarodineNuramonmal falaramduranteaviagem.Eles tambémpareciaminquietos.

Porqueoevitavam?FoioqueMandredseperguntou,aborrecido.Ficaramlonge por um bom tempo, era verdade, e pagaram com muitas vidas... masvoltavamvitoriosos.Deveriamserrecebidosdeformadigna!Masquemeraeleparaquerercompreenderoselfos?Oqueaconteciaaquidevia teravercomasuasina...Comaqueleúltimogolpedodestinoquepõefimacadasaga.

NuramoneFarodinaceleraramseuspassos.Numsurdo staccato,osomdesuaspisadaseradevolvidopelasparedestransparentesdoátrio.

Bem no m da ampla sala, um vulto vestido de preto os aguardava. Eramestre Alvias. Inclinou levemente o tronco para Mandred, mas Farodin eNuramonnãoforamdignosdeumolharseu.

— Saudações, Mandred Filho de Humanos, jarl de Firnstayn. A rainhapreviuahoradesuachegada.Elagostariadevervocêeosseuscompanheiros.Siga-me!

Como por obra de uma mão fantasma, o portão abriu-se para a sala dotrono,queestavarepletade lhosdealbos.Elfosecentauros,fadas,duendesegoblins apertavam-se ali, em silêncio.Mandred tinha a sensação de que algotentavalheestrangularagarganta.Osilênciodessaenormemultidãoeraaindamaisestranhoqueain nidadedesalasepátiosvazios.Nãoseouvianenhumatosse,nenhumpigarro—nada.

O olhar de Mandred deslizou até o teto. Uma ampla cúpula de gelosubstituíaoarco-írisdaprimavera.NãopôdeevitarpensarnaGrutadeLuth.

A multidão estava dividida, deixando livre um caminho até o trono. Otemponãodeixaravestígiosnarainha.Emerelleaindatinhaaaparênciadeumajovemelfa.

MestreAlvias juntou-se aumgrupode jovens guerreiros, que estavamem

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pé à esquerda da escada que ia até o trono, enquanto Farodin e Nuramoncurvaram-sesobreojoelhodiantedasoberana.

UmsorrisoseesboçounoslábiosdeEmerelle.

—E você,MandredFilhodeHumanos, continua sem se curvar diante dasoberanadaTerradosAlbos.

“Maisdoquenunca”,pensouMandred.

Emerelleapontouparaatigelaaoladodeseutrono.

—Todasasvezesqueolheinaáguanuncaconseguivervocênemos seuscompanheiros. O que aconteceu,Mandred, líder da Caçada dos Elfos? Vocêsencontraramasuapresa?

Mandredpigarreou.Suabocaestavasecacomosetivesseengolidoumsacodefarinha.

—Abestaestámorta.Foiabatida.Seucrânio foipostoaospésdeLuth,eseufígadofoidadodecomeraoscães.Nossairaacaboucomela!

OguerreiropercebeuacaretadedesdémqueAlvias fez.Essagralhanegrapodiapensaroquequisessedele!Ou,melhorainda—Mandreddeuumsorrisocolérico.AsoberbacorroeriaAlviaseosoutrosquandodescobrissemqualeraaferaquehaviamcaçado.

— Cavalgamos à caça de uma criatura metade homem, metade javali. —Mandredfezumacurtapausacomoasqueosbardosàsvezesfaziamparaatiçara impaciênciadopúblico.—De fato encontramosumacriaturaquenãodevemaisexistirdesdeotempodosalbos.UmacriaturaconhecidaentreospovosdaTerradosAlboscomoumdevanthar!

Mandredobservouamultidãodecantodeolho.Estavacontandoaomenoscom alguns desmaios de fadas de ores. Mas, em vez de vozes de surpresa,colheusomenteosilêncio,comoseos lhosdosalbosnãoestivessemouvindonadadenovo.

A quietude o perturbava. Com a voz um pouco trêmula, contou sobre acaçada, sobre os sustos e osmortos.Descreveu a subida até a geleira, contouenfurecidosobreosbarbasdeferroprofanadoseelogiouacoragemheroicadeFarodin e o poder de cura de Nuramon. O amargor quase lhe tirou a vozquando narrou a queda do devanthar e todos os anos que o demônio lheroubara. Quando Mandred estava prestes a completar com o relato de seuretorno a Firnstayn, olhou rapidamente para os companheiros, que ainda

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estavamdejoelhosaseulado.

—Commeusdoisúltimosirmãosdecaçaeufui...”—Farodinchacoalhouacabeçadeformaquaseimperceptível.

—Oquevocêqueriadizer,Mandred?—perguntouarainha.

—Eu...—Mandred não entendeu por que devia omitir o que aconteceu.Hesitouporum instante.—Euqueria dizer que retornamos a Firnstaynparapassarumanoitecomosmeus.—Asúltimaspalavrassaíramnumtomgelado.

Arainhanãomudoudeexpressão.

— Agradeço por seu relato, Mandred Filho de Humanos — respondeuformalmente.—Vocês trêsprestaramumgrandeserviço.Masqualvocêachaqueeraaintençãoportrásdosatosdodevanthar?

Oguerreiroapontouparaosseuscompanheiros.

—Conversamosmuito sobre isso.Achamos que queria fazer daGruta deLuthumaprisãoparaasalmasdoselfos.Masnósnãosabemosqualeraoseualvo.Dequalquerforma,elefracassouemtudo.Nósoderrotamoseescapamosdasuaprisão.

Arainhaencarou-oemsilêncio.Estaria esperandoalgumacoisa?Seráquenãotinhareparadoemalgumababoseiradeelfoquepediaqueterminasseoseurelato?Duranteotempodeumabatidadecoraçãopareceu-lhequeoolhardelafocara-seprincipalmenteemNuramon.

—Agradeçoavocêeaseuscompanheiros.ACaçadadosElfosatingiuoseuobjetivo. Você cumpriu bem a sua tarefa.— Ela permaneceu imóvel por ummomento,eagoraeraparaelequesuaatençãosevoltava.—Comoesteveemsua aldeia, você já sabe que exigi a minha compensação. Agora queroapresentar-lheAlfadas,oseufilho.

ArainhaapontouparaumguerreiroaoladodeAlvias.

OcoraçãodeMandredparou.Ohomemtinhaaaparênciadeumelfo!Asorelhasestavamcobertaspelocabelolouronaalturadosombros.Sóquandooobservou mais atentamente percebeu as diferenças sutis. Alfadas, comoEmerellechamavaseu lhoOleifcomtodaasuapresunção,vestiaumtrajedemalhadeferroatéotornozeloeumalongatúnica.Eraquaseumacabeçamaisalto que ele próprio. Sua estatura elevada disfarçava que era um pouco maislargo e forte que os outros elfos. E, se ele também parecia estranho, seuscalorosos olhos castanhos acabavam com qualquer dúvida. Eram os olhos de

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Freya.EfoicomosorrisodeFreyaqueo lhoocumprimentou.Masporque,pelomachadodosalgozes,orapaznãousavabarba?Seurostoera lisocomoodeumamulher...oudeumelfo.

Alfadascaminhouatéopatamardotrono.

—Pai,eununcaperdiaesperança...—Numgestosolene,pôsamãodireitasobreocoraçãoebaixouacabeça.

—Nãosecurvediantedoseupai!—disseMandredduramente,abraçandooguerreiro.—Meu lho!—Pelosdeuses,orapazcheiravacomouma or.—Meu lho—disseelemaisumavez,agoramaisbaixo, soltando-sedoabraço.—Alfadas?—Aopronunciar onome, parecia arti cial.Mandredobservou-odacabeçaaospés.A guradeOleiferacomoadeumherói.—Vocêé...alto—,disfarçouele,simplesmenteparadizeralgumacoisaeconseguirvoltarasersenhordeseussentimentos,quequaseodominavam.Seu lho...o lhoqueatécincodiasatráselepensavateracabadodenascer...elejáeraumhomem.

O que o devanthar e Emerelle zeram com ele! Roubaram o seu lho deuma formaqueele jamais teria sidocapazde imaginar!Háumpardediaseleainda se alegrava com a chance de segurar um recém-nascido nos braços, eagoratinhadiantedeleumhomemna ordaidade.Oleifpodiaserseuirmão!Haviam-noenganadoemtantascoisas!Todasashorasqueeleteriagastoparaensiná-lo o que torna um homemhonrado. Tardes despreocupadas de verão,emquepartiriamparapescarjuntosno orde.Aprimeiraexpedição,duranteaqualumrapazsetornavahomem,longascaçadasnoinverno...

E, apesarde tudo isso, ainda tinhade agradecer à sorte.Comoéque teriasido estardiantedeumhomemcommais idadeque ele e terde chamá-lodefilho?

EncarouOleifmaisumavez.Haviasetornadoumrapazimponente.

— Estou feliz de ser mais velho que você, garoto! — Mandred deu umsorriso maroto. — Talvez ainda haja uma ou duas coisas que eu possa lheensinar.Tenhomedodequeesseselfosnão façam ideiadecomose lutacomummachado,e...

Ofilhodeuumsorrisoiluminado...Comoodeumelfo.

— Agora Alfadas deve segui-lo — esclareceu Emerelle solenemente. —Ensineiaeleoquehaviaparaaprenderaqui.Agoravocêdeve levá-loaoreinodoshomenseláinstruí-locomoquiser.

Mandrednãoentendeudireito,masteveaimpressãodeperceberumsopro

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deironianaspalavrasdeEmerelle.

—Éoquevoufazer—dissecomvoz rme,deformaquetodosnaamplasalapudessemouvir.

Emerelleacenoucomacabeçadeformadesafiadora.

—Ondeestáanossaamada?Nósfizemosoqueeladesejava.

Mandredteveasensaçãodequeasaladotronoficouumpoucomaisfria.

— Vocês se lembram do terraço sobre o pomar? — perguntou Emerellecerimoniosamente.

—Sim,soberana!—Farodinagorajánãoseesforçavamaisparaesconderasua saudade. Nesse meio-tempo Nuramon também se levantara sem quetivessempedido.

—Vocêsdevemiratélá!

—Comasuapermissão,rainha?—perguntouentãoNuramon.

Arainhaconsentiu,laconicamente.

Compassosleves,seuscompanheirosandaramdevoltaatéoaltopórticodasalado trono.Mandredos seguiu comoolhar; estava felizque aomenos elesvoltavam para sua amada, mesmo que nunca tivesse entendido como doishomenspodiamamaramesmaelfasempartiremocrânioumdooutro.

Quando Farodin e Nuramon terminaram de cruzar o pórtico, a rainhaesclareceusolenemente:

— Mandred, declaro a caçada ao homem-javali terminada. Ela trouxealgumas amarguras, mas por m a carne daquele que se rebelou foi vencida.Você e seus companheiros passarão mais uma noite nas acomodações doscaçadores.Vocêsdevem limparocorpoeaalmadaquelesquenãovoltaramedespedir-seunsdosoutros.

Emerellelevantou-se,pôs-seaoladodeOleifetomouasuamão.

— Você foi quase um lho para mim, Alfadas Mandredson. Nunca seesqueçadisso!

As palavras da rainha foram para Mandred como faíscas atingindo umpavio.Oleiftiveraumamãe!EelacertamenteaindaestariavivaseEmerellenãohouvesseexigidoseu lhocomopreçoparaaCaçadadosElfos!Sóconseguiuse

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contercommuitoesforço.Apesardesuaira,percebeuqueadespedidadeOleifrealmente doía em Emerelle. Nem mesmo a soberana dos elfos, com seucoraçãogelado,eraisentadesentimentos.EntãoMandredcompreendeucomoera insensato atribuir toda a culpa a ela. Sim, fora ela quem exigiu seu lhocomopreçopelaCaçadadosElfos,nisso ele estava certo.Elehavianegociadocomsuaprópriacarneesangue.EsemsequerperguntaraFreya,quenaocasiãoainda carregava o lho no ventre. O monstro fora vencido, mas sua decisãomataraFreya, justoquemelemaisqueriasalvardentre todososoutros.Oqueela devia ter sentido ao ver elfos diante dela, fascinantes e aomesmo tempofrios, exigindodela tudooque lhe restavadeamadonavida?Teria aceitadoatrocaouserevoltado?Oqueaconteceunaquelanoite?Eleprecisavasaber!

— Rainha... O que minha mulher disse a você quando ordenou queapanhassemacriança?

Umarugaprofundadesenhou-seentreassobrancelhasdeEmerelle.

— Não ordenei que fossem buscar a criança. Fui eu mesma, com toda aminhacorte,atéFirnstayn!Nãofoinenhumroubo,ànoiteenomeiodaneve.Visiteiasuaaldeiacomofariacomacortedeumrei,paraprestarhonrasavocêe a seu lho. Mas me apresentei sozinha à sua mulher. — E olhando paraAlfadas:—Suamãeestavacommuitomedo.Apertavavocêcontraopeitoparaprotegê-lo...Conteiahistóriadacaçada.Enuncavouesqueceraspalavrasdela,Mandred. Ela disse: “Duas vidas por uma aldeia inteira, essa foi a decisão dojarl.Eeuarespeito”.

Emerelle afastou-se de Oleif e olhou Mandred diretamente no rosto. Apequenaelfaestavadistantedelesóumpalmo.

—Issofoitudo?—perguntouMandred.ElesabiacomoFreyaeracapazdebrigar.Eleaamavatambémporisso.

— Há detalhes que só machucam, lho de humanos. Você fez o queprecisavafazer.Deixeparalá,Mandred,enãofaçaperguntas.

—Quaisforamaspalavrasdela?—insistiuele.

—Vocêquermesmosaber?Então...“Masamaldiçooomeumaridoporterarrancadoojovemtroncodesuafamíliaantesqueelepudessecriarraízes.Queele nunca volte a encontrar uma casa para se tornar seu lar.Que ele vagueiesemdescanso!Semdescansocomoaminhaalma,daqualelearrancoutudoemqueelaeracapazdeseaquecer.”

Um nó duro como pedra formou-se na garganta de Mandred. Tentou

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engolir,masasensaçãonãopassou.Eracomoseestivessesufocando.

—Tentei consolar a suamulher—prosseguiuEmerelle.—Tentei contarsobre o futuro do seu lho, mas ela não quis ouvir nada e fez um gesto nadireção da saída. Só ao fechar a porta atrás de si ela começou a chorar.Massaiba, Mandred, que eu não tinha vontade de fazer atrocidades contra oshomens.Seu lhoerapredestinadoacrescernaTerradosAlbos.Chegaráodiaemqueoselfosprecisarãodaajudadoshomens.Ealinhagemquecrescerádassementesdoseu lhoseráaquesemanterá elàTerradosAlbosquandoummundoestiveremchamas.Agoraécomvocê,Mandred.Leveseu lhodevoltaparaasterrasdo orde.Dêaeletudooqueum lhopodereceberdeseupai.Ajude-oaencontraroseulugarentreoshomens.

—Odestinodeleserátãocruelquantoomeu,rainha?

—Algumascoisasvejocomclareza,outras surgemde formaconfusaehátambém aquelas que não vejo. Já revelei demais sobre o vosso futuro! —Emerellelevantouamãonumgestotambémdirigidoàcorte.—Ninguémdeveconhecer o seu destino de forma precisa demais. Nas sombras do futuro,nenhumavidaécapazdecrescer.

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AspalavrasdeNoroelle

Farodin e Nuramon percorreram em silêncio o caminho até o terraço.Ambosestavamabsortosemseuspensamentos.Apóstodaaestafadosúltimosdias, estavam loucos para rever a amada e ouvir a sua decisão. Farodin nãoconseguiadeixardepensar em todosos anosde cortejo aNoroelle, enquantoNuramonansiavapelomomentodepoderdizeraNoroellequehaviamantidoasuapromessa.

Ao atravessarem o portão e saírem para a noite, surpreenderam-se, poisquem estava no terraço não era Noroelle. Ali esperava uma elfa loura, devestido cinza-claro, de costas para eles. Sua cabeça estava erguida.Ela pareciaolharparaalua.

Aproximaram-se, hesitantes. A elfa virou um pouco a cabeça, e pôs-se aescutar.Entãosuspirouevirou-seporcompleto.

Nuramonreconheceu-aimediatamente.

—Obilee!

Farodin estava, ao mesmo tempo, desconcertado e chocado. Sim, elessabiamquetantonomundodoshomensquantoali,naTerradosAlbos,quasetrintaanoshaviamsepassado.MassóavisãodeObileetornouclaroparaeleoqueissosignificava.

—Obilee!—disseNuramonmais uma vez, encarando a elfa cujo sorrisonãoeracapazdeesconderamelancoliadosolhos.—Vocêsetornouumaelfamaravilhosa.ExatamentecomoNoroelledisse.

Farodinviaa imagemdagrandeDaneediantede si.Antesnãohaviamaisqueumavaga semelhança,mas agoramal erapossível distingui-lade sua avó.ViraDaneepelaprimeiraveznacorte.Naquelaocasião,eleaindaeracriança,mas ainda hoje se lembra nitidamente da admiração que tomou conta delequandooolhardelacruzoucomoseu.

—Agoratambémestouvendo.VocêtemalgodaauradeDanee,bemcomo

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Noroellesempredisse.

Obileeconcordou.

—Noroelletinharazão.

Farodinolhouparaopomar.

—Elaestáláembaixo?

Ajovemelfadesviouoolhar.

—Não,elanãoestánopomar.—Quandoolhounovamenteparaele,tinhalágrimasnosolhos.—Elanãoestámaisaqui.

FarodineNuramontrocaramumolharinseguro.Farodinpensounostrintaanos que haviam se passado. Será que Noroelle não acreditou que estavammortos?Teriadeixadoacorteporissoeserecolhidonasolidão?

Nuramon lembrou-se do silêncio na sala do trono. Todos que estavam lásabiamdealgumacoisa.OquepoderiateracontecidoparadeixarObileeassimtão triste? Certamente não era a morte, pois ela é seguida do renascimento.Deviaseralgomaisdoloroso,eessaideiaprovocavamedoemNuramon.

—Noroellesabia—disseObilee.—Elasabiaquevocêsretornariam.

FarodineNuramonpermaneceramcalados.

—Anossepassaram,evocêsaindaestãocarregandoascoisasquelevaramaopartir...

—Obilee!Oqueaconteceu?—perguntouFarodindeformadireta.

—Opior,Farodin.Opiordetudo.

Nuramon começou a tremer. Não pôde evitar pensar em todas as provaspelasquaispassaram.Maseletinhafeitodetudoparacumprirasuapromessa!

ComoObileenãoprosseguia,Farodinperguntou:

—Noroellenosabandonou?ElavoltouparaAlvemer?Estádesiludida?

Obileedeuumpassoparatráserespiroufundo.

—Não...Ouçamestaspalavras!PoisfoiNoroellequemasdissenanoiteemquefoiembora.

Obileeolhouparacima.

—“Eusabiaquevocêsretornariam.Eagoravocêsestãoaí,edescobrirãoo

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queaconteceucomigo.”—EladiziaaspalavrascomosefosseNoroelle.Otomdesuavozre etiatodasasemoções.—“Nãofaçammaujuízodemimquandodescobriremoque zeaondeomeudestinomelevou.Poucodepoisdevocêspartirem,tiveumsonho.Você,Nuramon,mevisitou,enósnosamamos.Umanomaistardedeiàluzum lho.Penseiquefosseseu lho,Nuramon,maseume enganei. Pois não foi você quem esteve comigo naquela noite,mas sim odevantharquevocêsforamcaçarnoOutroMundo.

FarodineNuramon caramsemar. SóopensamentodequeodevantharconseguiraestarporpertodeNoroellejáerainsuportávelparaeles.

Farodin recordou da luta na caverna. O demônio havia facilitado demaisparaeles.Agoraele sabiaporquê.Seráqueele esteve sempreprocurandoumcaminhoatéNoroelle?

Desolado,Nuramonabanouacabeça.OdevantharassumiraassuasfeiçõesparaseduzirNoroelle.Haviaseaproveitadodoamordela.Elaestavasonhandocomelequandoodevantharseaproximoue...

Obilee agarrou a mão de Nuramon, arrancando-o de seus pensamentosdolorosos.

—“Nuramon,nãoacuseasimesmo.Odemôniotinhaoseurosto.Eumedeixeiseduzirpeloseusemblanteepeloseucorpo.Masnãopensequeporissosintadesprezoounojo.Euoamoaindamaisdoqueantes.Porfavor,nãoodeiea simesmo,mas somenteaodevanthar!Eleusoucontranósoque sentíamosum pelo outro. Somente se nos mantivermos éis ao que somos e ao quesentimosconseguiremosdeixarparatrásoqueelefez.Issosetornairrelevante.Nãoseculpe.”—Obileeencarou-ocomoseestivesseesperandoa sua reação.Haviaumasúplicaemseusolhosàqualelenãoconseguiaresistir.Elerespiroufundoeabanouacabeça.

EntãoObileepegouamãodeFarodin.

— “E você, Farodin, não pense que já z aminha escolha.Não haviamedecidido porNuramon em segredo. Não foi por isso que o demônio veio atémim.”

—Masondevocêestá,Noroelle?—perguntouFarodin.Eleestavaconfuso.Porummomentoeracomosesuaamadarealmentepudesseouvi-lo.

Obilee sorriu deitando a cabeça para o lado, comoNoroelle sempre fazia.Masseusolhosnãoconseguiamescondersuatristeza.

— “Eu sabia que faria essa pergunta, Farodin. Essa faísca que você me

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deixou ver naquela noite, esse olhar para o seu interior, isso bastou paraconhecê-locomosemprequisantes.Posso lero seu íntimoexatamentecomofaçocomorostodeNuramon.Ondeestou?Vaidoeremvocêssaberdisso.Poisestouemumlugaremqueninguémpodemealcançar.ArainhamebaniuparasempredaTerradosAlbos.Agoranosseparambarreirasquevocêsnãopodemultrapassar.Sómerestamas lembranças;comoadanoitedapartidadevocês,emque tantomederam.Você,Farodin,mostrou-mea luzdoseuser.Evocê,Nuramon,tocou-mepelaprimeiravez.”

Obileedeteve-se,epareciahesitante.Porfim,disse:

—“Vocêstambémprecisamsaberporquefuibanida.O lhoquedeiàluztinhaorelhas redondas, e a rainhao reconheceucomoumacriança-demônio,filhadodevanthar.Trêsnoitesapósoparto,tinhaaobrigaçãodemeapresentarcommeu lhoàcorte,masarainhaenviouDijeloneseusguerreirosduranteanoiteparamatarobebê.Leveimeu lhoparaoOutroMundo,paraum lugarondearainhadi cilmenteoencontraria.E,quandoestavadiantedeEmerelle,neguei-mearevelaroseulugardeabrigo.Perdoem-mesepuderem,poisnãovinenhumamaldadenosolhosdobebê.Agoravocêsconhecemaminhamácula.Mas ela não deve ser a de vocês. Perdoem-me por ter agido de forma tãoinsensata.”—Obileecomeçouachorar,poisnaquelediaNoroelletambémnãoconseguiramaisconteraslágrimas.—“Porfavor, lembrem-sedoslindosanosquepassamosjuntos,poisnadacomvocêsfoiruim;nãoaconteceunadadequedevamos nos arrepender. Aconteça o que acontecer, por favor, não meesqueçam. Por favor, não se esqueçam de mim...” — Obilee não conseguiaconterseussentimentospormaistempo.

Finalizoudizendo:

— Essas foram as palavras de Noroelle! — Tinha a voz sufocada pelaslágrimas, afundando o rosto no ombro deNuramon que, por sua vez, olhavapara Farodin e percebia seu semblante congelado. Em suas feições nãoencontrou nenhuma lágrima, nenhuma emoção, sequer ummínimo sinal detristeza.OpróprioNuramonmal era capazde conceberoqueObileedissera.Erademaisparasuportarassim,deumasóvez.

Farodin,contudo,viunostraçosdeNuramontudooqueelesentiaemseuíntimo, todas as lágrimas e o sofrimento. Mas para ele pareciam que seuspróprios sentimentos estavam separadosdo seu corpo.Estava ali empé enãoentendiacomonãoestavachorando.

DemorouatéqueObileerecobrasseacalma.

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— Desculpem-me! Não pensei que seria tão doloroso. Carreguei essaspalavras emmim ao longo de todos esses anos; palavras queNoroelle disse auma jovem e que agora vocês ouvemde uma adulta.—Obilee afastou-se dosdoiseandouatéabordadoterraço.Aliapanhoualgodoparapeitoevoltouatéeles.—TenhoumúltimopresentedeNoroelleparavocês.—Elaabriuasmãosemostrou-lhes uma almandina e uma esmeralda.— São pedras do lago dela.Paraquenãoaesqueçam.

Farodinpegouaesmeraldaepensouno lago.Noroelledissera-lheumavezqueaspedrascresceriamsobofeitiçodanascente.

Nuramon apanhou a almandina da mão de Obilee. Hesitou um pouco, edepois acariciou a superfície lisa da pedra castanha com as pontas dos dedos.Elesentiaamagiapresentenagema,ospoderesmágicosdeNoroelle.

—Eutambémossinto—disseObilee.—Elatambémmedeuumpresentecomo esse. — A elfa tinha um diamante no pescoço, pendurado em umacorrente.

Nuramonseguravaaalmandinanasmãosesentiasuamagiasuave.EratudooquerestavadeNoroelle:ocaloreosopromágicodessepresente.

Obileerecuou.

—Agoraprecisoir—disseela.—Desculpem-me!Precisoficarsozinha.

FarodineNuramonseguiram-nacomoolharenquantodeixavaoterraço.

—Por trintaanoselacarregouessadordentrodela—disseNuramon.—Se para nós esses poucos dias pareceram uma eternidade, ela então viveumilharesdeeternidades.

—Então esse éo m—disseFarodin.Elenão conseguia entender.Tudoem sua vida girara em torno de Noroelle. Havia imaginado muita coisa: quemorreria, que Noroelle escolheria Nuramon... Mas nunca, jamais, haviacontadocomisso.

—O m?—Nuramonnãopareciaprontoparaaceitar.Não,essenãoeraom. Era o começo, o começo de um caminho impossível. E mesmo que

dissessem que não se deve desa ar demais o destino, ele faria de tudo paraencontrarelibertarNoroelle.—Voufalarcomarainha.

—Elanãovaiouvi-lo.

—Éoquevamosver—retrucouNuramon,querendoir.

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—Espere!

—Porquê?Oqueaindatenhoaperder?Evocêdeveriaseperguntarquãolongeestádispostoa irpor ela!—Comessaspalavras,Nuramondesapareceucasteloadentro.

— Até o m de todos os mundos — sussurrou Farodin consigo mesmo,pensandoemAileen.

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Trêsfaces

Aportaparaasaladotronoestavaaberta.Naoutraponta,Nuramonviuarainha de pé ao lado da tigela de prata. Queria entrar, mas mestre Alviascolocou-senocaminho.

—Aondequerir,Nuramon?

—QuerofalarcomarainhasobreNoroelleepedirclemência.

—Vocênãodevepisarnestasalaassimalterado!

—VocêtemequeeuergaamãocontraEmerelle?

MestreAlviasolhouparabaixo.

—Não.

—Entãosaiadomeucaminho!

Alviasolhouparaarainha,queconsentiucomacabeça.

— Ela irá recebê-lo — disse ele, contrariado. — Mas domine os seussentimentos!—Comessaspalavras,afastou-se.

EnquantoNuramonseguiaemdireçãoaEmerelle,ouviuoportãosefecharatrásdesi.Arainhadesceuatéosdegrausdiantedotrono.Seusemblanteerade calma e bondade. Nunca vira ela personi car tão bem amãe de todos osfilhosdosalbos.

Nuramon sentiu sua ira esvanecer. A rainha continuou ali, em silêncio,olhando-o como naquela noite em que o visitara em seu quarto e lhe disserapalavras encorajadoras. Era inevitável pensar na fala do oráculo que elacompartilharaequeparaeletantosignificava.

—Eu seioqueestápensando,Nuramon.Aprecio emvocêqueaindanãotenhaaprendidoaocultarosseussentimentos.

— E até agora sempre apreciei o seu senso de justiça. Você sabe que

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Noroellejamaispoderiafazeralgoabominável.

—Obileecontouoqueaconteceu?

—Sim.

—EsqueçaporummomentoqueNoroelleerasuaamada,ediga-mequeelanãotemculpa!

—Elaéoquemaisamo.Comopoderiameesquecerdisso?

—Entãovocênãoécapazdeentenderoporquêdeprecisarterfeitoisso.

—Eunãovimaquiparaentender.Euvimaquiparaimplorarmisericórdia.

—Arainhanuncavoltouatrásdeumasentença.

—EntãotambémvoumeexilarnolugaremqueNoroelleestá.Concedaamimaomenosesseatodemisericórdia.

—Não,Nuramon.Nãovou fazer isso.Nãopossobanirum lhode albosinocente.

E o que era Noroelle? Ela não era mais vítima que culpada? Ela foraenganada e estava sendo castigada por isso. Emerelle não deveria reunir suasforçasparapuniroverdadeiromalfeitor?

—Ondeestáodevanthar?

—Ele fugiu para omundo dos humanos.Ninguém é capaz de dizer comqueaparênciaelesedisfarçou.Sósabemosdeumacoisa:eleéoúltimodesuaespécie.Eelequeronossodeclínio.Suaessênciaéavingança.

—AculpadeNoroelleseráabrandadaseformoscapazesdeexterminá-lo?

—Odevantharjogouoseulance.Agoraestásóesperandoparavernoquevaidar.

Nuramonestavaemdesespero.

—Masoquepodemosfazer?Nãoépossívelquenãopossamosfazernada!

—Háumacoisa...Masaperguntaésevocêestáprontoparaisso.

— Você pode pedir qualquer coisa... Prometo fazer tudo para libertarNoroelle.

—Uma promessa ousada,Nuramon.—A rainha hesitou.— Eu aceito asua palavra. Consiga companhia e encontrem o lho deNoroelle. Lembre-sequeagoraelejáéadulto.Muitosjáprocuraramporeleemvão.Entãovocênão

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é o primeiro a partir. Talvez tenha mais sorte, pois você tem a motivaçãonecessáriaparaencontrarofilhodeumdemônio.

—Noroelletemiapelavidadeseufilho.Nãodevemostemertambém?

EmerellefezumlongosilêncioeencarouNuramon.

— Noroelle tinha escolha. Ela escolheu a condenação quando decidiuprotegerofilhodeumdevanthar.

—Ecomopossosercapazdissosenãoeraoqueelaqueria?

— Suas promessas duram assim tão pouco?— objetou Emerelle.— Paraque eu liberteNoroelle, você e seus companheiros precisammatar o lho dodevanthar.

—Comovocêpodeme in igirumadorcomoessa?—retrucouNuramonemvozbaixa.

—Pensenasuaculpaenadeseuscompanheiros.Porquevocêsfalharam,odevantharconseguiuviratéNoroelle.Eleassumiuasuaforma,aproveitou-sedeNoroelle e gerou esse lho. Por isso Noroelle não pôde desistir: por achar otempo todoquevocê fosseopaidacriança,equepor issoelacarregavaa suaalma. Ela até mesmo deu a ele o seu nome. Você não estará fazendo issosomenteporNoroelle,mastambémporvocêeporseuscompanheiros.

Nuramonhesitou.Nãoconseguia caralheioàverdadequehaviaemsuaspalavras.Eletinhacertezadequejamaisconseguiriamatarumacriança.Masolho de Noroelle já seria há muito tempo um adulto. Certamente já haveria

reveladosuaverdadeiraessência.

—EncontrareiofilhodeNoroelleeomatarei—sentenciou.

— E eu escolherei os melhores guerreiros para acompanhá-lo. Farodincertamenteoacompanhará.

—Não.Aceitarei a ajudade seus guerreiros,masnãovoupedir aFarodinqueme acompanhe. SeNoroelle voltar, ela temodireito demeodiar por termatado o seu lho. As mãos de Farodin, contudo, não estarão cobertas desangue.Elaencontraráoamorquemerecenosbraçosdele.

—Estábem,adecisãoésua.Masaomenosvocênãorejeitaráoscavalosdomeu estábulo, tenho certeza. Escolha os mais apropriados para você e seuscompanheiros.

—Assimofarei,rainha.

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Emerelle aproximou-se dele. Agora observava-o cheia de compaixão. Oaromaqueacercavatraziacalma.

—Todosnósdevemos seguir onossodestino até onde elenos levar.Masescolhemos como trilhar esse caminho.Acredite nas palavras com as quais oaconselheinaquelanoite.Elas ainda valem.Oquequerquedigam sobre vocêno futuro, jamaispoderãodizerque traiuo seuamor.Agoraváedescansenoseuquarto.ACaçadadosElfos retornou,evocêsdevemse recuperaremseusaposentos. Decida você mesmo quando quer partir. Dessa vez vocês nãocavalgarãocomoaCaçadadosElfos,massomenteaserviçodarainha.

NuramonlembroudaarmaduraqueEmerellelheconcedera.

—Gostariadelhedevolveraarmadura,ocasacoeaespada.

— Estou vendo, a armadura de dragão e o casaco lhe prestaram bonsserviços.Deixe-osnoseuquarto,comomandaatradição.Masaespadaésua.Éumpresente.—Emerelleergueu-senaspontasdospésebeijou-ona testa.—Agoraváeconfienasuarainha.

Nuramonobedeceuàssuaspalavras.Olhouparatrásmaisumavezantesdedeixarasala.Elasorriaamigavelmente.Aochegarláforaejuntar-seaosoutros,nãoconseguiaentenderamudançaderumoqueaconversatomara.Emerelleorecebeu como uma mãe benevolente, julgou-o como uma rainha de coraçãogeladoedispensou-ocomoumavelhaamiga.

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Trêsgrãosdeareia

Farodin apoiou a cabeça na parede.Uma estreita faixa de luz iluminava asala secreta que dava para a varanda dos aposentos da rainha. Ele não tinhapermissãoparaestarali.

Vestiaumgibãodiscreto,umacalça justaeumagrande túnicacomcapuz,todos cinza, e também luvas nasde couro,umcinto largoebraçadeiras,nasquais havia punhais en ados. Ele esperava não precisar fazer uso das armas.Embaixo dele, nas escadas e corredores secretos, Farodin ouvia ao longe asgargalhadasdosduendes.Todaumanovageraçãodeles jácresceradesdeodiaemqueNoroellefoicondenada.

Numa fúria desamparada, Farodin cerrou os punhos. A dor ainda erarecentedemais.Foraocarrascosecretodarainhatantasvezeseemnenhumadelas havia duvidadode seu elevado sensode justiça. Sequeruma vez pensaraque as sentenças secretas demorte que cumpria pudessemnão sernadamaisque pura arbitrariedade. Agora, uma sentença dela havia acabado com a suavida,mesmoqueaindaestivesseali,vivoerespirando.

Ninguém conhecia Noroelle como ele. Ninguém sabia que um dia foraAileen, aquelaqueperderaavidaao seu ladonaviolenta luta contraos trolls.Procuroupor ela ao longode séculos, e agora, que ahavia encontrado, estavasendo arrancada dele mais uma vez. E, desta vez, não podia contar com orenascimento de Aileen. Se ela morresse em seu local de exílio, então nãohaveria caminho de volta. Sua alma caria aprisionada para sempre naquelelugar.

Lágrimas de raiva escorriampela face de Farodin.Noroelle fora enganadapor um devanthar, uma criatura conhecida justamente como mestre daenganação!Eodemônioseaproveitaradoamordela...

Por que havia assumido a forma de Nuramon? Farodin se esforçava parasuprimir as dúvidas, que só cresciam. Em vão. Será que o devanthar sabia de

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algo? Será que Noroelle escolheria Nuramon quando a Caçada dos Elfosretornasse?EseoqueeladisseaObileefossemsomentepalavrasaovento,umconsoloparaelediantedacertezadequenuncavoltariamasever?

No m de tudo, ela ainda se entregara rápido demais ao Nuramon falso.Ambosacortejaramportantosanos,eelanuncahaviaconseguidotomarumadecisão...Ederepentepôdetomá-laemumasónoite.“Devetersidoo feitiçododevanthar”,Farodintentouconvencerasimesmo.

Noroelle era inocente! Seu coração era puro. Ela tem o coração puro! Elaestáviva!Eporissoeleaencontraria,jurouFarodinparasimesmo.Tantofaziaquanto tempo a sua busca pudesse durar. A rainha estava errada ao impor aNoroelleapiorde todasaspenas.Elenãoaceitariaa sentença.Farodinolhouparaopequenovãoiluminadono mdaescada.Elerealmentenãodeviaestarali.Masquediferença fazia agora?Emerelleousarapara exercer a sua justiçaquando o direito falado já não ajudava mais. Agora ele faria a sua própriajustiça!

Decidido, Farodin espremeu-se para passar pelo vão estreito. Saiucautelosamenteparaoparapeitodavarandaeolhouparaasprofundezas.Umacúpuladegeloocultavaasaladotronodoseuolhar,maselesabiaqueEmerelleestavaaliembaixo,acompanhadadacorte.

Aproximou-se da ampla porta que dava para os aposentos da rainha eencontrou-adestrancada.Seriaporcausadesuaarrogância?Seráquecon avaqueostabusfossemmaisfortesqueastrancas?

Farodin apagou as pegadas rasas que deixara na neve e abriucuidadosamenteaporta.Durantetodososséculosemquefoiocarrascosecretode Emerelle, nunca esteve em seus aposentos. A decoração modesta osurpreendeu.Ospoucosmóveiseramdeumaelegânciadespretensiosa.Aluzdachama na lareira mergulhava o quarto numa meia-luz avermelhada que otornavaagradavelmentequente.

Desnorteado,Farodinolhouemvolta.Sabiaquehaviaumquartodevestir—uma sala onde a rainha guardava suas luxuosas vestes.Noroelle falara delaumavez.Eraaliquedeviainiciarasuabusca!PrecisavaencontrarovestidoqueEmerelleusavaquando levouNoroelleparao seuexílio.Masondepodiaestarescondidaaentradaparaoquartodevestir?Nãoviamaisnenhumaportaalémda que dava para a varanda e de outra que devia dar nas escadas. Tateou asparedes,olhoupor trásde tapeçarias e nalmente seviudiantedeumgrandeespelho.Suamolduraeradeébanocomincrustaçõesdemadrepérola.Deslizou

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osdedossobreodesenhode oresefolhas.Haviaumarosacontornadaporumvãovisível.Apertoucuidadosamenteapeçademadrepérola.

Farodin ouviu um clique baixo e o espelho então deslizou para o lado.Surpreso, deu um passo para trás. A entrada para um cômodo repleto desilhuetas luminosas revelou-se. Silhuetas sem cabeça.O elfo respirou fundo eriu baixo. Eram só vestidos. Estavam esticados sobre manequins de varas devimeparaquemantivessemaforma.Sobosmanequinshaviavelasaromáticas,queosfaziambrilharcomograndeslampiões.

Seoquartodedormirdarainhaeramodesto,esteeramaravilhoso.Farodinfoitotalmenteenvolvidopelaenormevariedadedearomas.Pêssego,almíscarementaeramosperfumesqueprevaleciam.Emerellenãosevestiasódetúnicas,mastambémdeperfumes.

Oquarto securvavaacompanhandoo formatoexteriorda torre,de formaquenãoerapossívelvê-loporcompletoolhandodaporta.Farodinatravessouasoleira e o espelho fechou-se atrás dele. O elfo ainda estava dominado pelain nidade de estímulos. Junto às paredes havia almofadas de veludoacomodadassobrepequenosnichos,sobreasquaisbrilhavamasjoiasdarainha.Pérolas e pedras preciosas de todos os tons do arco-íris emanavam uma luzquente.Deviaserumgrandeprazersonharentretodosaquelesvestidosejoias.

Masquantoajanelas,aliestranhamentenãohavianenhuma.

—Noroelle—sussurrouoelfo.

Ela teria amadoo quartode vestir da rainha.A in nidadede vestidos.Ostrajesdecaçadeveludoecouro,osvestidosdenoitere nadíssimos,astúnicastransparentese incrivelmentemaciasqueEmerelle jamaisvestirianapresençada corte. Os brocados magní cos, mantidos no formato por barbatanas debaleia e arames; os corpetes para eventos solenes e cerimoniais na corte, quenadamudaramaolongodosséculos.

Havia in nitas estantes repletas de sapatos en ados em suportes que lhespreservavamaforma.Calçadosdedançaestreitos,sapatosdetecidoebotasdepernasdecouro.Umlongofrisoestavacheiodeluvas.

Farodinajoelhou-seetiroudesuabolsadecouroumanelcomtrêspedrascor de vinho. Era o anel de Aileen. Havia sido de grande ajuda durante suabusca por ela. Era uma âncora rmemente presa aos abismos do passado eajudava-o a se concentrar em sua amada.A esmeralda, presentededespedidade Noroelle, seria uma segunda âncora. Murmurou baixinho as familiares

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palavras mágicas e iniciou o feitiço de busca. Era o único feitiço que eledominava,poisoexperimentaraduranteosséculosembuscadeAileen.

EntretodososvestidosdestequartodeviaestaratúnicaqueEmerellevestiaquando levouNoroelleparaoexílio.Seconseguisseencontrá-lo,poderiaseroprimeiro passo na direção da amada. Farodin tinha um plano. Era tãodesesperadoquenãoocontariaaninguém.

Opoderdofeitiçotomoucontadoelfo.Agarrouapedrapreciosaeaergueulentamente. De olhos fechados, Farodin tateou o quarto de vestir, guiadosomenteporumatênueintuição.Asaudadeeas lembrançasiam candomaisdensas.Poruminstante,foicomosepudessevercomosolhosdeNoroelle.Viuas feiçõesda rainha; seu rosto re etiadeterminaçãoeuma tristeza contida.Aimagemdesapareceu. Farodin abriu os olhos.Viu-se diante de ummanequimsobre o qual estava esticado um vestido de seda azul entrelaçada por os deouro e prata, formando sinuosas estampas de runas. A luz das velas sob ovestidotornavaasvarasdevimevisíveis,fazendo-asparecerossos.

Umarrepiopercorreuas costasdeFarodin.Então era issooqueEmerellevestiaquandobaniuasuaamada.Seusdedosdeslizaramsobreotecidomacio.Lágrimasvieram-lheaosolhos.Ficoualiempéporumlongotempo,somentelutandopararecobrarocontrole.

As runas no tecido tinhampoderesmágicos.Aopassar os dedos por elas,elesentiaumleveformigamentoemaisainda...SentiaoqueNoroellesentiunomomento da despedida. Um pouco dela cou preso nas runas. E nelas nãohaviamedo.Elaseentregaraaseudestinoeforaempazcomarainhaeconsigomesma.

Farodinfechouosolhos.Seucorpotodotremia.Opoderdasrunastambémse apoderou dele.Viu uma ampulheta se quebrar sobre uma pedra e sentiu oequilíbrio mágico se alterar. O caminho para Noroelle estava fechado. Elaestavaaprisionada.Eimpossíveldeserencontrada.

Oelfocaiudejoelhos.Numateimosiadesesperada,feznovamenteofeitiçodebusca.Elesabiaoquehaviaacontecido.Massimplesmentesaberevivenciá-lointensamentepelopoderdasrunaseramcoisastotalmentediferentes...

—Venha!—sussurrouele.—Venhaparamim!

Estendeuamãoepensounaampulheta.Umgolpedeventooatingiuequisarrastá-lo.Estavanomeiodeareiassinuosasepareciapresonoredemoinhodaampulheta.

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Assustado, Farodin abriu os olhos. Tinha sido somente uma visão, umamiragemnascidadesuasaudade...Oquartodevestirpareciaestarmaisescuro,como se houvesse algo de estranho ali. Algo que as xiava a luz das velas aospoucos.

Três minúsculos pontos luminosos ergueram-se da seda fria e azul epairaramatéamãodeFarodin.TrêsgrãosdeareiadaampulhetaqueEmerelledestruíra.Provavelmenteficarampresosnaspregasdovestido.

OfeitiçoeoturbilhãodesentimentosacabaramcomasforçasdeFarodin.Mas os três pontos de luz, que lentamente enfraqueciam, plantaram novasesperançasemseucoração.Ele reencontrariaNoroelle,mesmoqueprecisasseprocurar mais sete séculos por ela. Jogou a esmeralda no fundo do bolso dacalça.Osgrãosde areia, contudo,queriamanterbemguardadosnamão.Eleserama chave. Se encontrasse todosos grãosde areiada ampulhetadestruída,entãoconseguiriaquebraroencantodarainha.Esseeraoúnicocaminhoqueolevariaàsuaamada!

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Partidanoturna

Era tarde da noite e tudo no castelo tornara-se calmo. Lá fora se ouvia oleve barulho do vento.Nuramon olhou a noite clara através da janela aberta.Tinhaparadodenevar.O luarerare etidopelaneveeemprestavaa tudoumbrilhoprateado.Logoosoldoamanhecertransformariaaprataemouro.Nãoconseguiaimaginarmomentomaisapropriadoparaasuapartida.

Tinhajátudopreparado.Seuolhardeslizouparaaarmaduraeocasaco,quenovamentedescansavamsobreosuporte.Tinhamsidodegrandeserventianomundodoshomens.MasagoraNuramonvestiaaroupacomaqualNoroelleovira pela última vez. Era um traje simples de couromacio que quase não lheofereciaproteçãonocasodeumaeventualbatalha,emboraduvidavaquefosseprecisardealguma.A nal,nãosetratavadeenfrentarumabesta,masdematarum homem provavelmente desarmado. Não havia nada de brilhante nessatarefa.Eleseenvergonhariadissoparasempre.

Observouaespada.Arainha,comefeito, lhepresentearacomaespadadeGaomee. Era evidente que queria que a tarefa fosse executada com aquelalâmina.Desdequepegouaarmanamão,pareciahaverumamaldiçãopresaaela.Por isso,não abririamãodela.A nal, quem ia querer carregar essa armadepoisdeseusinfelizesdedosateremtocado?

Alguémbateunaporta.

— Entre — disse Nuramon, esperando que fosse alguém a serviço darainha,umcompanheiroqueelalhedestinoueaquemelepodiaterimpostoaobrigação de car em silêncio. Mas essa esperança aparentemente não secumpriria.

MandredeFarodinentraram.Tinhamsemblantesaflitos.

— Que bom que você ainda está acordado — disse Farodin, que pareciacomovido.

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Nuramon tentou não deixar transparecer nada. Era melhor esconder deseuscompanheirosaqualquerpreçoamissãovergonhosaqueaceitara.

—Não estou conseguindo dormir.— Isso até era verdade.Naquela noitemalconseguirapregarumolho.

Farodinapontouparaofilhodehumanos.

— Mandred me disse que você falou a sós com a rainha. Então ela orecebeu.

—Sim,elamerecebeu.

—Tambémtenteiserouvidoporela,mas,desdequevocêestevelá,elanãoaceitouvermaisninguém.Rumoresestranhosestãocorrendoporaí.

—Querumores?—perguntouNuramon,esforçando-separaescondersuaagitação.

—Algunsdizemquearainhaoacalmouequevocêaceitouasentençadela.OutrosafirmamqueelalhedeuconsentimentoparaprocurarporNoroelle.

—IssoEmerellenãomepermitiu.Masaceiteisuasentença.

AsuspeitatomoucontadorostodeFarodin.

—Nãoesperavaissodevocê.

Finalmente Farodin demonstrava alguma emoção! Talvez o melhor fosseatrair o ódio dele para si.Assim, Farodin conseguiria encararNoroelle com aconsciêncialimpa.

Mandred fez uma cara descon ada. O lho de humanos parecia terpercebidoqueFarodinentendeuerradoaspalavrasdeNuramon.

— Como você pode duvidar de Noroelle dessa forma? — prosseguiuFarodin,decepcionado.—Vocêrealmenteaamouumdia?

Mesmoqueaspalavrasdoamigonãotivessemjustificativa,elasdoeram.

—Eua amomaisdoquenunca.Epor issomachuca tanto saberquenãopodemosfazermaisnada.NãopodemosobrigararainhaalibertarNoroelle.—ParaNuramoneradifícilomitiraverdade.

Agora Farodin parecia também ter cado descon ado. O companheiro oencaravacomosepudesseveroquesepassavadentrodele.

—Oqueogarotoestádizendoébalela—afirmouMandredsecamente.

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—Eeleéumpéssimomentiroso—completouFarodin.

Mandredviuasbolsassobreobancodepedra.

—Eeuestouquasesuspeitandoqueelequerpartirparaencontraraamadasemnós.

—Oquearainhadisse?—insistiuFarodin.—Vocêpediuparatambémserbanido?VocêtempermissãoparairondeNoroelleestá?

Nuramonsentou-senobanco,aoladodasbolsas.

—Não.Eutenteidetudo.Masarainhanãosedeixouconvencerpornada.Nãoquismemandarparaoexílio.Mesmoquematássemosodevanthardevez,issonãomudarianada.

—EentãovocêquerpartirsozinhoparaprocurarNoroelle.

Nuramon olhou Farodin longamente. Era impossível esconder dele o seuplano.

—Queria que fosse tão fácil. Queria poder pegar minhas coisas, partir eprocurarqualquerformadeajudarNoroelle.—Fezumapausa.—Seeupedirparasimplesmentemedeixarpartirsemfazerperguntas,vocêfariaisso?

—Aindatenhoumadívidaparasaldar.Vocêmebuscoudevoltadamorte...Maspensoqueodestino ligounósdois.E achoqueNoroelle aindanão fez asuaescolha.Porissoonossodestinoéprocurá-lajuntos.

—Poucashorasatráspoderiatersidoassim,daformacomovocêdiz.

Aconversacomarainhatinhamudadotudo.

—Oquearainhadisseavocê?—perguntouFarodinnovamente.—Tantofaznoquevocêsemeteu,nãovouodiá-loporisso.Masagorafale!

—Entãoestácerto—disseNuramon, levantando-se.—EladissequenãohaviajeitodesalvarNoroelle.Eeuprometiquefariatudooqueelaexigisse.

—Isso foiumerro.—Farodinsorriupiedoso.—Seráquevocênuncavaiaprender?

— Você me conhece, Farodin. E sabe como é fácil me induzir a fazerbesteiras.Emerelletambémsabiadisso.

Mandredsemeteunovamentenaconversa.

—Eoqueelaexigiudevocê?

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Nuramon desviou o olhar do lho de humanos. De todos eles, era quemhaviapagoopreçomaisalto.

—Oqueelaquerdevocêagora?—insistiuFarodin.

Nuramonhesitouemresponder,poislogoqueseucompanheirosoubesseaverdadetambémnãohaveriamaissorteemsuavida.

—Diga,Nuramon!

—Você tem certeza de que quer ouvir, Farodin? Às vezes é melhor nãoconheceraverdade.Seeudisser,nadaserácomoantesparavocê.Se caremsilêncio, vocêpode ser feliz...Eu imploro!Deixe-mepartir semarrancarmaisnadademimesemmeseguir!Porfavor!

—Não,Nuramon.Qualquer que seja esse fardo, nós temos de carregá-lojuntos.

Nuramonsuspirou.

—Foivocêquemquisassim.—Milpensamentospassaramporsuacabeça.Seráquelhefaltavamforçasparacometeraqueleassassinatosozinho?SeráquenofundoelequeriadividiraculpacomFarodin,por issoestavacedendo?Nãoerapresunçosoquererdecidirsozinho?Farodinnãotinhadireitodesaberoquearainhaexigira?—Voupartirparaprocuraro lhodeNoroelleematá-lo—disseFarodinbaixinho.

Farodin e Mandred olhavam-no xamente como se ainda estivessemesperandoporsuaspalavras.

—Deixem-me ir sozinho! Você ouviu, Farodin? Espere aqui atéNoroellevoltar.

—Elesabiaoqueaconteceriaagora.Nãohaviamaisvolta.

Comoseestivesseanestesiado,Farodinsacudiuacabeça.

— Não, não posso fazer isso. Você acha que vou car aqui sentadoesperando porNoroelle?O que direi a ela quando voltar?Que o deixei partirsabendo que iria matar seu lho? Não, agora que eu sei, tenho só duaspossibilidades:possodetê-loouacompanhá-lo...Seeuoimpedir,Noroellenãoreceberáajuda.Entãoprecisocompartilhardoseudestinodesalvá-la.

Mandredbalançouacabeça,perplexo.

—Oh,Luth,masemquetramavocêfoimeteresseselfos!

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— Parece que os seus deuses não estão do nosso lado — con rmouNuramon.—Mas,no fundo,aculpaénossa.Arainhame lembroudonossofracasso na caverna. — E contou a seus companheiros a repreensão deEmerelle.

— E por acaso é nossa culpa que não sejamos albos? — indignou-seMandred.

—Seéassim,entãonascemoscomessaculpa.Todaanossaexistênciaestámarcadaporesseestigma.Parecequehátrilhasaindamaissombriasdiantedenós.Vamospartir!

Nuramonvoltou-separaofilhodehumanos.

— Nossos caminhos se separam aqui, Mandred. Você encontrou o seulho.Dediqueseutempoaeleesejaaomenosagoraopaidequeodestinoo

privou.Vocênãoestácondenadocomonós.Trilheoseucaminhoedeixe-nosseguironossosoturnodestino.

Ofilhodehumanosfezumacaraaborrecida.

—Tolicesdeelfo!Searainhadizquenósdevíamostervencidoodemônio,entãoeutambémfalhei.Apartirdeagora,nossoscaminhosestãoentrelaçados.

—Mas,oseufilho!—intrometeu-seFarodin.

—Elenosacompanhará.Precisomesmoverseeleserveparaalgumacoisa.Não me levem a mal, mas não posso imaginar que seja bom para um rapazcrescernumacortede elfos.Osperfumesdaqui...As camasmacias, a comidana... Aparentemente, ele nunca aprendeu como estripar um antílope, e não

sabe que depois deixamos a carne pendurada alguns dias para que que bemtenra.Entãonem tentemme impedirde levá-lo conosco.Apartirde agora, aregraé:aondevocêsvão,Mandredtambémvai!

NuramontrocouumolharcomFarodin. Jáconheciamaquelecabeça-duraobastanteparasaberquenãoconseguiriamdissuadi-lodesuadecisão.Farodinacenoudeformaquaseimperceptívelcomacabeça.

—Mandred Aikhjarto!— começou Nuramon.— Você tem a solidez dovelhoAtta.Seéesseoseudesejo...Éumahonraparanóstê-loaonossolado.

—Quandopartimos?—perguntouMandred,ansiosoparaagir.

AntesqueNuramonpudesseresponder,Farodindisse:

—Imediatamente.Antesquepercebamalgumacoisa.

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Mandredriu,satisfeito.

—Entãovamoslá!Vouprepararasminhascoisas.—Ecomessaspalavras,deixouoquarto.

—O lhodehumanosé tãobarulhentoquenãovamosconseguirescapardespercebidos—disseFarodin.

—QuantosanosMandredtem?Quantotempoviveumhumano?

—Nãoseidireito.Talvezcemanos?

—Eleestádispostoasacri caroseucurtotempodevidaparanosajudar.Será que ele tem ideia de quanto tempo a nossa busca pelo lho deNoroellepodedurar?

Farodindeudeombros.

—Não sei dizer.Mas tenho certeza de que ele está falando sério.Não seesqueça do poder de Atta Aikhjarto. O velho carvalho mudou-o quando osalvou.Elenãoémaiscomoosoutroshomens.

Nuramonconcordoucomacabeça.

—Seráqueaindadáparaficarpior?—perguntouFarodinsubitamente.

—Se zermos o que a rainha exige, vamosde fato libertarNoroelle,masparaissoteremosdeconviverparasemprecomoseudesprezo.Oquepodeserpiorqueisso?

— Vou pegar as minhas coisas. — Foi tudo o que Farodin respondeu.Deixouoquartosemfazerbarulho.

Nuramon aproximou-se da janela e olhou para a lua. O desprezo deNoroelle,pensoucomtristeza.E, sim,aindaerapossívelpiorar.Podia serquecassedesesperadaaosaberqueseusamadosmataramseu lho.Odestino,ou

Luth,comoMandredochamava,osconduziraporumcaminhodoloroso.Emalgummomentoasortetinhadesurgir.

NãodemorouatéqueFarodinvoltasse.Esperaramemsilênciopelo lhodehumanos,atéquesoaramvozesnocorredor.

—...Issoévingança—disseMandred.

—Avingançanãovaimudarnada.Minhamãeestámorta.Eoqueo lhodeNoroelletemavercomisso?

— Ele também é lho do devanthar. A dívida de sangue do pai dele foi

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transmitidaaele.

—Issotudoéloucura!—retrucouAlfadas.

—Então foi issooqueoselfosensinaramavocê!Nomeumundo,o lhoobedeceapalavradopai.Eéexatamenteoquevocêvaifazeragora!

—Senão,oqueacontece?

NuramoneFarodinseentreolharam.Derepenteosilênciodiantedaportaeramortal.

—Oqueelesestãofazendo?—perguntouNuramonnummurmúrio.

Farodindeudeombros.

Aportaseabriuderepente.Mandredestavacomacaravermelha.

—Eutrouxeomeufilho.Paraeleéumahonranosacompanhar.

FarodineNuramonapanharamassuastrouxas.

—Vamos!—disseNuramon.

Alfadasesperavadiantedaporta.Esquivou-sedoolhardeNuramon,comoseestivessecomvergonhadopai.

Devagar,puseram-seacaminhoatéosestábulos.

Asbaiasestavamiluminadas,apesardasaltashorasdanoite.Umservodepernasdebodeabriuoportãoparaeles,comoseosestivesseesperando.Enãoestavasozinho.Quatroelfosvestidosdelongastúnicascinzentasestavamdepéao lado dos cavalos, equipados como se quisessem ir para a guerra. Todosvestiam trajes de malha de ferro e estavam bem armados. Seu líder virou-secomumsorrisoestreitonorostoeolhouparaMandred.

—Ollowain!—gemeuofilhodehumanos.

— Bem-vindo, Mandred! — respondeu o guerreiro, e dirigindo-se aNuramon:—Estou vendoque encontrouparceiros de armas. Isso fortaleceránossopoderdeluta.

—Mestre!—Alfadasestavasurpreso.

Mandred fez uma careta, como se tivesse levado um pisão de cavalo naspartes baixas. Nuramon sabia o que Mandred achava de Ollowain. Era umaterrível peça que o destino lhe pregava, que seu lho tivesse sido treinadojustamenteporesseguerreiroelfo.

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Eledeuumpassoàfrente.

—Foiarainhaquemosescolheu?—perguntouaOllowain.

—Sim.Eladissequedevíamosaguardaraqui, apostos.Ela sabiaquevocênãoperderiatempo.

—Elatambémdissequaléamissão?

OsorrisodeOllowaindesapareceu.

—Sim.Nósdevemosmataro lhododemônio.Nãopossoimaginaroquese passa dentro de vocês,mas sou capaz de ver o quão amargo esse caminhodeveser.Noroellesemprefoiboaparamim.Temosdevernacriançanãooseulho, mas o do devanthar! Só dessa forma seremos capazes de vencer nossa

tarefa.

—Nósvamostentar—disseFarodin.

Ollowainapresentou-lhesseusacompanhantes.

— Estes são meus sentinelas, os melhores guerreiros da Shalyn Falah.Yilvinaéumverdadeiro furacãona luta comduasespadas curtas.—Apontouparaaeleganteelfaàsuaesquerda.Tinhacabeloscurtose louroseretribuiuoolhardeNuramoncomumsorrisomaroto.

AseguirOllowainapresentouNomja,umaguerreiraesguia.Deviasermuitojovem;seustraços noseramquaseinfantis.Estavaapoiadaemseuarcocomoumsoldadoexperiente,masogestopareciaestudado.

—EesteéGelvuun.

Oguerreirotinhaumaespadalongaa veladaàscostas,cujopunhosepodiaver debaixo da túnica. Retribuiu o olhar de Nuramon de forma inexpressiva.Issonão surpreendeuo elfo,que jáouvira falardele.Era conhecidocomoumbrigãorabugento.Algunsdiziamexistiremtrollsmaissociáveisqueele.Mas,nasuapresença,aszombariascessavam.

Ollowain aproximou-se de seu cavalo e apanhou um machado de cabolongo que estava pendurado na sela. Virou-se com destreza e lançou-o paraMandred.

O coração de Nuramon deu um pulo, mas sentiu alívio ao ver Mandredpegá-lo no ar. O lho de humanos alisou a lâmina dupla da arma quasecarinhosamente,eadmirouosretorcidosnósélficosqueaenfeitavam.

—Belo trabalho.—Mandreddirigiu-sea seu lho:—Éassimqueéuma

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armadehomem.

Quisdevolvê-loaOllowain,maselesacudiuacabeça.

—Éumpresente,Mandred.Nomundodoshomensdevemosestarsemprepreparados para aborrecimentos. Estou ansioso para ver se você luta melhorcomomachadodoquecomaespada.

Mandredbrincoucomomachado,fazendo-orodopiarnoar.

—Éumaarmabembalanceada.—Derepente couimóveleaproximouoouvidodalâminadomachado.—Ouviram?Elaestápedindosangue.

Nuramon sentiu o estômago encolher. Será que Ollowain presenteara ohumano com uma arma com algum tipo de maldição? Nuramon conheciaalgumashistóriassombriassobreespadasqueprecisavamderramarsanguetodavez que eram puxadas. Eram armas coléricas, forjadas nos piores dias daprimeiraGuerradosTrolls.

Umsilêncio incômodo instaurou-senogrupo.NinguémalémdeMandredouviaogritodomachado,masissonãoqueriadizernada.

Finalmente,Alfadasfoiatéumdosboxesbemnofundodoestábuloeselouumcavalo.Issoquebrouoencantodosilêncio.

Nuramonperguntouaoservodoestábulo:

—Arainhapreparoucavalosparanós?

Opernasdebodeapontouparaadireita.

—Láestãoeles.

Nuramonnãoacreditounoqueseusolhosviram.Eraoseucavalobranco!

—Felbion!—gritou,indoatéele.

Farodin também estava surpreso de rever o seu cavalo castanho. AtéMandreddisse:

—Portodososdeuses,esseéomeucavalo!

ConduziramosanimaisatéOllowain.

—Como issoépossível?—perguntouNuramon.—Tivemosdedeixá-losparatrásnoOutroMundo.

— Nós os encontramos perto do círculo de pedras do orde. Estavamesperando por vocês — esclareceu Ollowain. Ele olhou para o rapaz do

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estábulo.—Ejedincuidoubemdeles.Éverdade,nãoé?

—Comcerteza—respondeuo fauno.—Atéa rainhaveioveroscavalosalgumasvezes.

Nuramon achou que esse era umbompresságio.Até o ânimo de Farodinpareceu melhorar. Nuramon reparou que Farodin se comportava de formareservada diante de Ollowain. Não era antipatia, como no caso deMandred.TalvezFarodinjánãocon assenarainhatantoquantoantese,comoOllowaineraumcriadodela,deviatambémdesconfiardele.

Amanhãseaproximavacomsuasasasprateadasquandoogruposaiucomseus cavalos para opátio.O castelo ainda estava silencioso.Ninguémos veriapartiralémdosguardasdoportão.Adiferençaemrelaçãoàúltimapartidanãopoderia ser maior. Naquela vez se puseram a caminho à luz do dia, comoheróis.Eagorasaíamassim,furtivamente,esquivando-secomocapangas.

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AsagadeAlfadasMandredsonAprimeiraviagem

Aindanomesmoinverno,MandredeAlfadasdeixaramladoaladooreinodosalbos.Opaiqueriasecerti cardequeo lhoeradignodeumsucessorseu.Eles partiram com os príncipes elfos Faredred e Nuredred e procuraramaventuras onde elas se ofereciam. Eles jamais fugiamà luta, quem se colocasseem seu caminho se arrependeria antes mesmo de o primeiro golpe ser dado.Alfadas seguiu seu pai por lugares que nenhum habitante dos ordes já viraantes.Maso lhodeTorgridpreocupava-sedemaiscomoseurebento.Instruiu-o na luta com o machado, mas só raramente permitia que Alfadas pusesse àprovaoseuconhecimento.Esemprequeoperigoeragrande,o lhodeMandrederaincumbidodevigiaroscavalosouoacampamento.

Um ano se passou, e Alfadas então disse a Mandred: “Pai, como possoaprender a ser como você se sou sempre protegido de qualquer perigo? Se vocêsempre temer que algo aconteça a mim, então nunca me tornarei o jarl deFirnstayn”.

Mandred reconheceu que até então estava privando sua carne e sangue dequalquerglória.Pediuconselhosaospríncipeselfos.Elesdisseram-lhequedeveriasubmeter seu lho a uma prova. Então, à noite, Mandred saiu furtivamentepara subir umamontanha cheia de perigos.Ao chegar ao cume, cravou o seumachado no chão e, sem ele, retornou até o vale. Namanhã seguinte, disse aAlfadas:“Subaaquelamontanhaeapanheoqueescondiláemcima”.

Alfadasentãopartiu.Mandred foi tomadopelapreocupação,poisasubidadamontanha era repletadeperigos.Alfadas, contudo, esforçou-se e nalmenteencontrouumacavernanocume.Láhaviaumaespadanogelo.Apanhou-aeescalou até o topo para desfrutar a vista. Encontrou o machado do pai, masdeixou-o onde estava e retornou ao vale para junto dos outros. Eles caramadmiradosaoveraespadadesconhecida.SomenteMandredseaborreceu:“Filho!Essanãoéaarmaqueescondiláemcima”.

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Alfadas, então, retrucou: “Mas, pai, a única arma escondida lá era estaespada.Oseumachadoestavaexposto,en adonogelodocume.Seeutivesseavisão de uma águia, certamente poderia vê-lo daqui. Você me indicou o alvoerrado,emboratenhamemostradoocaminhocorreto”.

EntãoMandredprecisou escalar amontanhamaisumavez parabuscar oseu machado e retornou praguejando. Mas, quando Faredred e Nuredredesclareceram ao lho de Torgrid que reconheciam na espada de Alfadas umanobre espada da Terra dos Albos, a ira de Mandred desapareceu e ele couorgulhoso de seu lho, pois a espada era digna de um rei.Alfadas decidiu queseriaasuaarmano futuro,porque foraumpresentedeLuth.Disseaopai:“Omachado é a arma do pai, e a espada, a do lho. Assim pai e lho nuncapoderãosercomparadosumaooutro”.

Seguiram viagem, mas Mandred ainda tinha dúvidas quanto a seu lho.Poucodepois,cruzaramumacordilheira.Dizia-sequeumtrollviviaali.Ànoite,ouviram o som de marteladas e pensaram que o troll queria assustá-los.Faredred e Nuredred então decidiram descer para abater o monstro, masMandredosdeteve.Disseao lho:“Vávocêatéotroll!Desuasaçõestirareiasuamedida”.

Alfadasdesceucorajosamenteatéacavernadotroll.Encontrou-oempéaolado de uma bigorna. O troll o viu e ergueu seu martelo. Então Alfadasameaçou-o com sua espada e disse: “Uma parte demim vê um inimigo e diz:acabe com ele!Outra parte vê um ferreiro diante dos olhos.Decida o que vocêquerser!”.

Otrollpreferiuserseuinimigoeatacou-o.MasAlfadasdesvioudospesadosgolpesdemarteloeofezsentirsuaespada.Entãootrollserendeuedisse:“MeunomeéGlekrel,esevocêpouparaminhavida,ireidar-lheumpresentedignodeumrei”.

Alfadasnão con ouno troll.Mudoude ideia quandoa criaturaapanhouumaarmaduraél caeaentregouaele.Alfadas, cheiodealegria,despiua suapara vestir a que ganhara. Mas, antes que estivesse pronto, foi atacadonovamente. Então o jovem guerreiro foi tomado por uma fúria tamanha quearrancouumadaspernasdotroll.Eseguiuseucaminho, levandoaarmaduraél ca no corpo. Até hoje a armadura está em posse do rei e lembra esses diaspassados.Mesmoostrollsconhecemoocorrido,poisGlekrelsobreviveuenarrouoqueofilhodeMandredlhefizera.

Namanhã seguinte, Alfadas retornou para seus companheiros. E, quando

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Mandred viu o lho, cou novamente orgulhoso de ser seu pai. Alfadas agorarealmentetinhaoaspectodeumrei.

A seguir, os companheiros percorreram as campinas do sul, depararam-secomumvastomarepoderososreinos.Realizaramgrandes feitos,de formaqueseus nomes ainda hoje estão na boca de todos. Certa vez, zeram recuar umacentenadeguerreirosdeAngnosparasalvarumaaldeiaque lembravaa jovemFirnstayn. Também libertaram as celebrações de Rileis de seus espíritos. Emnumerosos duelos, Alfadas mostrou-se um hábil espadachim, comparável aFaredred e Nuredred. Então já haviam se passado mais dois anos quandoMandredeAlfadas,poramizadeaospríncipeselfos,osseguiramatéacidadedeAniscans.Aliospríncipesqueriamprocurarumacertacriançatrocada...

CONFORMENARRATIVADOBARDOKETIL,

LIVRO2DABIBLIOTECADOTEMPLODEFIRNSTAYN,PÁG.42

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OmilagreirodeAniscans

TrêsanossepassaramdesdequeosguerreirosdeixaramaTerradosAlbos.Ainda assim, todos os dias havia algo de novo para Nuramon descobrir nomundodoshumanos.Aslínguashumanasointeressavamemespecial:jáhaviaaprendidomuitas delas. Por isso se surpreendia como quanto era difícil paraMandredaprendê-las.Alfadas,queMandredsemprechamavadeOleif,emboraessenomehumanolhefosseestranho,tinhaasmesmasdi culdadescomisso.Aesserespeito,poucopareciaservir-lheofatodetercrescidoentreelfos.Queestranhoseramoshumanos!

A busca pelo lho de Noroelle não dera resultado até então. Tinhamcruzado as grandes orestas de Drusna; passado pelo Reino de Angnos,devastado pela guerra; procurado durante muitas luas nas esparsas IlhasAegílicas e,por m, chegadoaoReinodeFargon.Eraum lugarverde e fértil;um lugar que queria ser conquistado pelos humanos, comoMandred semprerepetia.MuitosrefugiadosdeAngnoschegaramalinosúltimosanos, trazendosuas crenças. Alguns dos poucos humanos que já viviam ali há geraçõesrecebiam os estranhos com curiosidade, enquanto outros os viam como umaameaça.

Os companheiros tinham seguidomuitos rastros. Sua única esperança eraque o lho de uma elfa comumdevanthar possuísse poderesmágicos. Se elezesse uso desse dom, destacaria-se entre os demais. Os humanos falariam

dele.Então,osguerreiros iamatrásdecadahistória sobre feitiçosoumilagrescontadaentreoshomens.Atéentãotinhamsedecepcionadotodasasvezes.

Enquanto os elfos e Alfadas mostravam-se caçadores resistentes, com opassardosanosfaltavaaMandredcadavezmaispaciência.Frequentementeseembebedava,comosequisesseesquecerqueumavidahumanapodia sercurtademaisparaabuscapelofilhododemônio.

Nuramon se surpreendia que Alfadas, ao contrário do pai, mantinha acalmacomoumelfo.Suportavaatéashorasde liçõescomMandredcomumapaciênciaquebeiravaaabnegação.Alfadaspareciaterherdadomuitopoucodo

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pai,excetotalvezpelacabeça-dura,poismesmodepoisdetrêsanoscontinuavase recusando a reconhecer o machado como rei de todas as armas, o quevisivelmentedavamuitoprazeraOllowain.

Uma nova primavera irrompera. Eles desciam as montanhas para seguirumapistanacidadedeAniscans.Nomja,YilvinaeAlfadasjátinhamsetornadoamigos havia tempo e isso fazia com que às vezes lhes faltasse a seriedadenecessária durante a busca. Gelvuun seguia sendo um lobo solitário, quemalseparavaosdentes.Umdia,Farodinrevelouquecertavezos trollsquebraramtodososdentesdeGelvuun.Por issoelenãoabriaaboca.AtéhojeNuramonnãosabiaseissoerasóumabrincadeira.

Ollowaineraoúnicoanãoperderdevistaodeverqueforaimpostoaeles.Fazia-os car pouco tempo em cada lugar e seguir viagem rápido sempre queumapistanãodavaemnada.

Farodin, em contrapartida, deixava o grupo toda vez que podia. Era elequemsedispunhavoluntariamenteaexplorarocaminho.ANuramonàsvezesparecia queFarodinnãobuscava a criança,masprocurava algumaoutra coisaem segredo.Talvez tambémestivesse tentandoprotelar a viagemparanão terdecometeroassassinatocontraofilhodeNoroelle.

Mandred cavalgava ao lado de Nuramon; juntos, conduziam sua pequenatropa ao longo da descida por entre as colinas. O lho de humanos, cujaamizade Nuramon aceitara na caverna de gelo, sempre os divertia com suaspalavraseatos, fazendooselfos se esqueceremporum tempodomotivopeloqual viajavam. Mesmo quando o juízo retornava logo depois da alegria — aconsciência de que o objetivo deles poderia ser o começo de uma existênciamarcada por sofrimentos da alma —, Nuramon estava contente de queMandredtivesseodomdediverti-los.

—Você ainda se lembra da vez em que encontramos aqueles ladrões?—perguntouMandred,sorrindo.Anoçãodetempoqueo lhodehumanostinhaera diferente da de um elfo. Um ano se passava e ele já se regalava comlembranças.Omais estranho era queNuramon também se contagiava com asensaçãodeteremvividomuitacoisae,porisso,demuitotempotersepassado.

— De que ladrões você está falando?— Tinham encontrado alguns. E amaioriafugiradelesimediatamente.

—Osprimeiros.Osquerealmentesedefenderam.

— Sim, eu me lembro.— Como ele poderia esquecer os saqueadores de

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Angnos?Eleeosoutroselfostinhamvestidoseuscasacosdecapuzenãoforamreconhecidos num primeiro momento como lhos dos albos. Foi umadescoberta ruim para os ladrões. Não queriam se render, pois se achavamin nitamente superiores. Então, tiveram de descobrir de forma dolorosa adiferençaentreforçaepoder.

—Aquela, sim, foi uma luta!—Mandred olhou ao redor.—Bemque euqueriaquealgunsladrõesdegalinhasestivessemagoraànossaespreita.

Nuramon couemsilêncio.EssedesejodeMandredsópodiasigni carumacoisa:hojeànoiteAlfadastinhadeestarprontoparamaisumaprova.Mandrednão desistia de tentar entusiasmar seu lho pela luta com o machado. MasAlfadasprovavaumavezdepoisdaoutraqueeracapazdeseigualaraele,masna lutacomaespada.QuandoMandredera superadopor seu lho,Nuramonnunca entendiamuito bem os sentimentos do guerreiro. Ficava orgulhoso ouofendido? Certa vez, Nuramon até suspeitou que Mandred estivessesecretamente se refreando no exercício de luta, preocupado que pudesse ferirAlfadas.

Chegaramàcristadeumacolinaeagora tinhamvisão livresobreoamplovaledorioláembaixo.Nuramonapontouparaacidadenamargemoeste.

—Aniscans!Finalmentedeixamosasterrasselvagens.

— Finalmente vamos entrar de novo em uma taverna e receber algorazoável para beber. Meu estômago já está pensando que alguém cortou aminha cabeça.—Mandred estalou a língua.—Oquevocês acham?Eles têmhidromelláembaixo?

Parecia que o lho de humanos quase se esquecera de seu desgosto porFreya.MasNuramonolhouportrásdasaparênciaseviuumhomemquequeriaocultareanestesiarasuador.

Desceram vagarosamente a encosta. Ao pé da colina passava uma estradaque levavadiretamenteatéacidade.Umaponte seesticava sobreo largo leitodoriocomsetearcosrasos.Odegelodaneveaumentaraacorrente, trazendorestos de madeira das montanhas. Sobre a ponte havia homens com longasvaras,quecomelasevitavamqueostroncosquedesciamorio cassempresos,atravessadosnospilaresdaconstrução,erepresassemaágua.

AmaioriadascasasdeAniscanserafeitadepedrasdealvenariacastanhas.Eram construções altas e robustas, amontoadas bem perto umas das outras.Seusúnicosornamentos eramas ripasdo telhado,deumvermelhobemvivo.

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Vinhedoshaviamsidoplantadosaoredordacidade.Mandredcomcertezateriachancedeseembebedar,pensouNuramonamargamente.

—Umaterracheiade tolos—esbravejouderepenteo lhodehumanos.—Vejamisso!Umacidadetãoricaeelessequertêmumamuralha.Firnstaynébemmelhorfortificada.

—Équeelesnãocontavamcomasuavisita,pai—disseAlfadas,rindo.Osdemaiscompanheiroscaíramnagargalhada.AtéGelvuunsorriu.

Mandredficouvermelho.

— A inconsequência é a mãe de muitos infortúnios— disse então, comseriedade.

Ollowainriu.

—Parecequeosoldeprimaveraderreteacrostadegelodobárbaro-mor.E,quemilagre!Debaixodessacrostasurgeumfilósofo.

—Eunãoseiquetipodeinsultoéesse,masvocêpodetercertezadequeobárbaro-morvaienfiaromachadonasuagoelalogomais!

Ollowainenlaçouosbraçosumsobreooutroefezcomosetremesse.

— E, de repente, o inverno retorna e faz os lindos botões de primaveracongelarem.

—Vocêacabademecompararcombotõesdeflores?—trovejouMandred.

—Sóumaalegoria,amigo.

Ofilhodehumanosfranziuatesta.Entãoabanouacabeça.

—Aceitoassuasdesculpas,Ollowain.

Nuramonprecisoumorderos lábiosparanão rir alto.Ficoucontenteque,no momento seguinte, Alfadas tenha começado a cantar para interromper ainfelizdisputa.Ojovemtinhaavozlindademais...paraumhumano.

Eles seguiram a estrada que margeava o rio, passando por estábulos epequenas fazendas. O gado pastava ao longo do caminho. A paisagem aliparecia estranhamentedesordenada.Mesmodepoisde todoaquele temponosreinosdoshumanos,Nuramonnãoconseguiraseacostumaràsdiferençasdestemundo.Mas,defato,haviaaprendidoaverbelezanodesconhecido.

Ascasasdacidadeapinhavam-seaoredordeumacolina,sobreaqualhaviaumtemplo.Suasparedesestavamcercadasdeandaimeseerapossívelouviras

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marteladas dos pedreiros bem além do rio. A construção era simples, commurostãogrossoscomoosdeumatorredeforti cação,mashaviaumencantopróprio em sua simplicidade rústica. Parecia querer gritar ao observadordistantequealinãohavianadaparadistrairos éis,poisnenhumaobradeartesecomparaàbelezadaféverdadeira.

Nuramon lembrou-se do velho pregador itinerante que encontraram nasmontanhas alguns dias antes.Combrilhonos olhos, o homem contara sobreAniscansesobreosacerdotecujonomeaparentementeestavanabocadetodosnovaledorio:Guillaume.ElefalavacomtantofervorsobreodeusTjuredqueaforça de suas palavras contagiava os ouvintes. Dizia-se que os aleijadosconseguiamvoltar a andarquandoprestavamatençãonele, quando ele tocavaseusmembroscomasmãos.Seuspoderesmágicospareciamcurarqualquerdorevencerqualquerveneno.

Quantasvezesseguiramrumorescomoessenosúltimostrêsanos,todasemvão! Procuravam um homem de cerca de trinta anos que pudesse operarmilagres.EssabrevedescriçãobatiacomadeGuillaume,comojábateracomade uma dúzia de outros homens, dos quais nenhum sequer possuía mesmopoderes. Os homens eram ingênuos demais! Estavam sempre prontos aacreditar em qualquer charlatão que ngisse de forma mais ou menosconvincentesercapazdefazermagias.

O pregador itinerante a rmara que, em sua infância, o lugar onde agoraestavaacidadenãopassavadeumpequenocírculodepedras,ondeoshumanosseencontravamnosdiasdesolstícioparaprestarhomenagensaosdeuses.

Nuramonolhouparacima.Aparentemente,ocírculodepedrasestiveranapequenacolinaondeagoraseconstruíaotemplo.

O bater de cascos dos cavalos soou como tambores sobre o pavimento daponte.Algunsdostrabalhadoressevoltaram.Vestiamjalecossimplesechapéusde abas largas, feitos de palha trançada. Inclinaram a cabeça humildemente.Guerreirostinhammuitovalornaquelereino.

OolhardeNuramonvagueousobreascasasdacidade.Suasparedeseramde pedra rústica e pareciam brutas e sólidas. Levando em conta o que oshomenscostumavamconstruir,defatonãoeraumtrabalhoruim.Quasetodososmuroseramretosesomentepoucostelhadoscurvavam-sesobopesodesuasvigas.

Antes de deixarem a ponte, Mandred e Alfadas assumiram a ponta dopequeno grupo de cavaleiros.Quem via os dois provavelmente imaginava que

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fossemnobresdonorteselvagemcomsuamisteriosacomitiva.Oshabitantesosobservavam cheios de admiração, mas logo retomavam suas tarefas diárias.Aparentemente,aspessoasdaliestavamhabituadasaforasteiros.

Nacidade,porém,reinavaumainquietaçãoquenadatinhaavercomeles.Quantomaisoscompanheirosseaproximavamdotemplo,maisperceptívelelase tornava. Algo acontecia em Aniscans bem diante deles. A cidade inteirapareciaestarnarua.Aspessoasseespremiamnasvielasestreitas,acaminhodotopo da colina. Logo eles já não conseguiam mais passar com os cavalos.Precisaramapear.Levaramosanimaisatéopátiodeumataverna,onde caramsobavigilânciadeNomja.Osrestantesprosseguiramem lapelomeiodetodaaquela gente que uía emmassa até o templo. Reinava uma atmosfera que aNuramon lembrava um casamento de duendes: todos corriam numa alegreconfusão.

Nuramon conseguia ouvir pedaços de conversas. Falavam sobre ocurandeiromilagrosoeseuslendáriospoderes,quenodiaanteriorsalvaraumacriança que por pouconãomorrera sufocada, e que cada vezmais forasteiroschegavamàcidadeparaverGuillaume.Umvelhosenhorcontavacomorgulhoque o rei convidara Guillaume para ir à corte e permanecer nela, mas que osacerdotenegou-seadeixaracidade.

Apequenatropa nalmentechegouàpraçadiantedotemplo.Nomeiodamultidãoeradifícilestimarquantaspessoasseaglomeravamali,masdeviamsercentenas. Preso entre os humanos espremidos e suados, Nuramon sentia-secada vez pior. Tudo fedia a suor, roupas sujas, gordura rançosa e cebola. Decantodeolho,o elfoviuFarodinapertarum lençoperfumadocontraonariz.Nuramon também gostaria de uma forma de alívio como essa. Humanos easseio,essaseramduascoisasquesimplesmentenãoandavamjuntas—comoele já sabia há muito tempo por causa de Mandred. Nos últimos três anos,Nuramon tornara-se um poucomenos sensível a essa abundância de cheirosque se sentia, principalmente, nas cidades.Mas, ali, nomeio damultidão dehumanos,ofedorerarealmenteinsuportável.

De repenteuma voz sooubemà frente.Nuramon esticouopescoço,masnãoconseguiureconhecerquemfalavanomeiodoaglomerado.Pareciaestardepé perto do grande carvalho que ocupava o meio da praça. A voz eraharmoniosaeseudonodominavatodososrecursosdaretórica.Cadasílabaerare etidamenteentoada,comofaziamos lósofosdeLyn,queseexercitavamháséculosemdisputasparalevarsuaspossibilidadesvocaisàperfeição.Eradaíquevinha a arte, que alguns dominavam, de convencer não por argumentos,mas

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dizendo as palavras de forma a fazer o espírito sucumbir totalmente à voz.Oqueessehumanorealizavaaliadianteeraquasecomparávelaumfeitiço.

As pessoas ao redor de Nuramon e seus estranhos companheiros não osobservavammais,tãoabsorvidasestavampelaspalavrasdohomem.

FarodinseespremeuatéchegaraoladodeNuramon.

—Vocêestáouvindoessavoz?

—Magnífica,nãoé?

—Éissooquemepreocupa.Talvezestejamospertodoalvo.

Nuramon calou-se. Tinha medo do que precisaria ser feito caso fosserealmenteofilhodeNoroellequemfalavaalinafrente.

—Ollowain—disseFarodin—,vocêdáavoltacomYilvinaeGelvuunpelaesquerda. Mandred e Alfadas, vocês vão pelo meio. Nuramon e eucontornaremospeladireita.Primeirovamossomenteobservá-lo.Aquinomeiodamultidãonãopodemosfazernada.

Os companheiros se separaram. Nuramon foi à frente de Farodin.Apertavam-se cuidadosamente entre as inúmeras pessoas que ouviam, em pé,como se estivessem sob encanto. A voz do sacerdote encobria nitidamente omurmurinhonapraça.

—AceiteaforçadeTjured—disseele,mansamente.—Elaéumpresentedelequeentregoavocê.

Logoaseguiralguémgritou:

—Vejam!Eleestácurado!Aferidacicatrizou!

—Ojúbilotomoucontadapraça.

UmavelhasenhoraagarrouNuramonpelopescoçoebeijou-lheaface.

—Ummilagre!— gritou ela, exultante.— Ele fez outromilagre! Ele é abênçãodestacidade!

Nuramon encarou a velha sem entender.Devia ser realmente ummilagreparabeijarumestranhoassim.

Então o sacerdote subiu nomuro baixo da ponte, ao lado do carvalho, efalou com os humanos. Mas Nuramon mal prestava atenção nas palavras.Estavaabsortopelaposturaepelosgestosdohomem.Guillaumetinhacabelosnegros que lhe caíam até os ombros. Como todos os sacerdotes de Tjured,

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vestia um hábito azul-escuro. Tinha o rosto oval, o nariz estreito, o queixosuaveeabocacurvilínea.SeNoroelletivesseumirmãogêmeo,elesepareceriacomessesacerdote.

Essehomemerafilhodela!

NuramonobservouGuillaumevoltar-separaumhomemdecabelogrisalhoedesgrenhado,agarraramãodele,quepareciarígidaefazerumaprece.Puloude susto. Era como se algo tivesse invadido o seu íntimo, como se umamãopoderosa tocasse a sua alma. Essa sensação sinistra durou só um piscar deolhos.Perturbado,oelfocambaleouparatrásetopoucomumajovem.

—Vocênãoestásesentindobem?—perguntouela,preocupada.—Vocêestámuitopálido.

Ele sacudiu a cabeça e se espremeu até chegar ao m da multidão, queformaraumcírculobemaoredordafonte.

OhomemqueforaatéGuillaumeergueuamão.Fechou-aevoltouaesticarosdedos.

— Ele me curou! — gritou ele, com a voz esganiçada. — Curou! — Ohomemgrisalhoatirou-seaospésdosacerdoteebeijouabarradesuatúnica.

Guillaumepareceuconstrangido.Segurouovelhopelosombroseajudou-oaselevantar.

“Elefazfeitiçoscomoamãedele”,pensouNuramon.Arainhaseenganara.OfilhodeNoroellenãoeraumdemônio.Elecurava.

Derepenteumgritosoounamultidão.

—Guillaume!Guillaume!Alguémdesmaiouaqui!

—Eleestámorto!—gritouumamulherdevozestridente.

—Tragam-noatémim!—ordenoucalmamenteosacerdote.

Doishomenstroncudosdeaventaisdecourocarregaramuma guramagraatéafonte.Eraumhomemvestindotúnicacinza.Guillaumetirou-lheograndecapuz.DiantedomilagreiroestavaGelvuun.

Desnorteado, Nuramon olhou para Farodin, que disse com um gesto quedeveriamesperar.Entãosussurrou:

—EsperoqueMandrednãofaçanenhumabesteira.

Agora,ummurmúrioseespalhavanasprimeiras leiras.Guillaumeafastara

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ocabelodeGelvuunparatrás,demodoqueseriapossívelreconhecerasorelhaspontudas. Gelvunn, sempre tão rabugento, agora parecia em paz como umacriança adormecida.Guillaume curvou-se sobre ele. O sacerdote pareciaperturbado.Seerasóavisãodoelfooualgumaoutracoisa,Nuramonnãoeracapaz de dizer. EntãoGuillaume olhou em volta, fazendo com queNuramonsentisse seu olhar o tocar. Um calafrio percorreu suas costas. Os olhos docuradoreramdeumazulbrilhante.

Ocapelãoergueu-seedisse:

—EstehomemnãoestásobaproteçãodeTjured.Eleéum lhodealbos,nãoumhumano.Ninguémmaispodeajudá-lo.Ele chegou tardedemais.Nãoconsigo reconhecer a doença de que sofria. Parece que seu coraçãosimplesmenteparoudebater.Dizemqueparaos lhosdosalbostambémestáreservada a existência do outro lado da vida. Então rezem por sua alma.Sepultareiseucorpocomtodasashonras,mesmoqueelenuncatenharezadopara Tjured. É grande a misericórdia do nosso Senhor. Ele também secompadecerádesteelfo.

Maisumavez,oolhardeGuillaumeencontrouodeNuramon.Haviaalgodeparalisantenaquelesmagníficosolhosazuis.

—Venha,Nuramon—murmurouFarodin—,nósprecisamosir.

O companheiro agarrou-o e arrastou-o consigo pelo meio da densamultidão.Nuramonnãoconseguiatiraraquelerostoeaquelesolhosdacabeça.EraorostodeNoroelle;eramosolhosdeNoroelleosqueessehomemtinha.

Derepente,foisacudido.

—Acorde!—disseFarodin,áspero.

Nuramon olhou em volta, admirado. Haviam deixado a praça e agoraestavam de novo em uma das estreitas vielas. Ele não percebera quão longetinhamido.

—EraorostodeNoroelle!—disseele.

—Eusei.Venha!

Encontraram Nomja e os cavalos. Mandred e Alfadas chegaram ao pátiopoucosmomentosdepois,levandoYilvinaentreeles.Ajovemelfaestavapálidaepareciamalterforçasparaseaguentarnasprópriaspernas.

Mandredestavatotalmenteforadesi.

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—Vocêsviramisso?Maldição!Oqueaconteceu?

Farodinolhouemvolta.

—OndeestáOllowain?

Alfadasapontouparaaentradadopátio.

—Lávemele!

Omedoestavaestampadonosolhosdomestredaespada.

—Venham!Nãoestamosmaissegurosaqui.—Olhoudevoltaparaarua.—Vamosganhardistânciadesse lhododemônio.Vamos!Subamnoscavalosevamosparaforadacidade!

—OqueaconteceucomGelvuun?—perguntouNomja.

Nuramon cou calado. Pensou no estranho poder que o invadira pordentro, nos olhos azuis e no quanto Guillaume lembrava Noroelle. AgoraGelvuun estavamorto e Yilvina parecia tãomal como se tivesse escapado damorteporpouco.

— O que aconteceu? — Agora Ollowain também perguntava, virando-separaaelfapálida.

Yilvinatomoufôlegocomesforço.

—Elefoiempurrandoechegouatéafrente...Quaseatéo mdamultidão.Nomomentoemqueosacerdotepegouamãodovelho...—Elaolhouparaocéu, com lágrimas nos olhos. — Não sei como descrever. Foi como se umagarra entrasse nomeupeito para rasgar omeu coração—disse e começou asoluçar.—Foi... Eu pude sentir amorte...Amorte eterna, sem esperança derenasceroudeirparaoluar.Senãotivesse cadoalgunspassosparatrás...—Elanãoconseguiucontinuar.

—Elereparouemvocêseatacouimediatamente?—perguntouNomja.

Ollowainhesitou.

—Nãotenhomuitacerteza...Nãoachoqueissofoiumataque.Aconteceunomomento emque ele curavaovelho.Eupude sentiro seupoder...Yilvinatemrazão.Eutambémsentiamortederepente.

Mandredvoltou-separaNuramon.

—Comoelefezisso?

O lhodehumanospensavaqueashabilidadesdeNuramonerammaiores

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queasdefato.SóporqueumavezoelfosesuperouparacurarFarodin,semprepediaoseujulgamentosobretudo,pormenosquetivesseavercommagia.

—Nãofaçoideia,Mandred.

— Mas eu faço! — intrometeu-se Ollowain. — A magia do lho dodemônioétotalmentemaligna!Elapodenosmatarimediatamente.Umsimplesfeiticeiroquecurahumanospodenosaniquilar.AgoraestáclaroparamimqualéoperigoquearainhavênofilhodeNoroelle.Precisamosmatá-lo.

—Nãovamosfazerisso!—disseNuramonresoluto.—Vamoslevá-loatéarainha!

—Esse falsocurandeiroé capazdenosexecutarcomummero feitiço!—disseOllowain.—Estáclaroparavocê?

—Sim,eusei.

—Comovocêvaiobrigá-loadeixaracidade?

—Nãovouobrigá-lo.Eleviráconoscopor livreeespontâneavontade.Elenão sabia o que suas mãos curadoras estavam fazendo com o nossocompanheiro.Elenãoéofilhododemônioquearainhaesperava.

—Vocêquersevirarcontraarainha?Elanosenviouparamatá-lo!

—Não,Ollowain.A rainha ordenou amimque omatasse. Só eu precisomejustificarperanteela.

—Não sei se posso permitir isso— disse Ollowain devagar.— Por que,Nuramon?Porquevocêmudoudeopinião?

— Porque tenho a sensação de que matar Guillaume será um errodesastroso. Issonãoresultaráemnadabom.Temosque levá-loparaa rainha.Então ela poderá vê-lo cara a cara e decidir a seu respeito. Deixem-me falarcomele.Seeunãovoltaratémeio-diadeamanhã,entãovocêspodemmatá-lo.

Ollowainsacudiuacabeça.

—Vocêquerlevarumfilhododemônio,cujamagiaéfatalanós,elfos,paraacortedeEmerelle?Vá,então!Falecomele!Nósnãovamosvê-lonovamentecom vida! Você tem tempo até o crepúsculo de amanhã, e aí vou pegá-lo domeujeito.Atéláestaremosacampadosforadacidade.

Nuramon buscou apoio nos rostos dos outros. Mas ninguém se opôs aOllowain, nemmesmoMandred.Montaramos cavalos ao sinal domestre daespada.AlfadaslevavaoscavalosdeGelvuuneNuramonpelasrédeas.

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Farodin foi o último da pequena tropa de cavaleiros a deixar o pátio.Abaixou-senaselanadireçãodeNuramon.

—Vocêtemcertezadequequercorreresserisco?EseacontecercomvocêomesmoqueocorreucomGelvuun?

Nuramonsorriu.

—Entãonosvemosdenovonapróximavida.

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VisitandoGuillaume

NuramonobservouGuillaumepor todaa tarde.OuviuosseussermõeseoviusepultarocorpodeGelvuun.Por m,seguiuo lhodeNoroellepelacidade.Aofazer isso, tevealgumasvezesaopressorasensaçãodetambémestarsendoseguido.Mastodasasvezesqueolhouaoredornãodescobriuninguémquesecomportasse de forma estranha. Havia somente os moradores de Aniscans,ocupadoscomseusafazeres.EntãovoltouaprestaratençãoemGuillaumeeasegui-lo,atéqueelechegouàcolinadotemploealidesapareceuparadentrodeumapequenacasa.Comsuasparedesdepedradealvenaria,elacombinavacoma imagem da cidade; se esse era o lar de Guillaume, ele parecia dar muitaimportânciaàmodéstia.

Nuramondeteve-se eobservoua casadavieladefrontedela.EsperavaqueGuillaumeabrissea janelaparadeixarentrarosúltimosraiosde luzdo mdodia. Mas ela continuava fechada. Quando a noite caiu sobre Aniscans,Nuramonviuaquenteluzdevelasirradiarporsuasfendas.

Crioucoragemeandouatéaportadomilagreiro.Agorasóprecisavabater.Maselenãoseatreviaaisso.Estavacommedo;nãodequepudesselhesucedero mesmo que a Gelvuun, mas de cometer um grave erro. Ele não conheciaGuillaume e não sabia como ele receberia a verdade. Mas então pensou emNoroelle.EssaeraaúnicaesperançadesalvarGuillaumedamorteeaomesmotempo talvez salvarNoroelle—éclaroque somente sea rainhareconhecessequeseriaumerromatarGuillaume.

Bateunaporta.

Nada semoveu dentro da casa, e Nuramon pensou se deveria batermaisuma vez. Quando erguia o braço, ouviu nalmente passos. Seu coraçãoacelerou. Logo a porta se abriria e o rosto de Noroelle o encararia. Tirou ocapuz,paraqueGuillaumesoubesseimediatamentecomquemestavalidando.

Aportafoidestravadaeaberta.Nuramonnãoseenganara.EraGuillaume.Ojovemsacerdotenãoparecianadasurpresoporterumforasteirodiantedesi.

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Incapaz de dizer sequer uma palavra, Nuramon observou o rosto do lho deNoroelle. Mas de que forma a expressão de Guillaume se alteraria quandodescobrissetudosobresuaprópriaorigem?

—Entre, lhodealbos—disseo sacerdote comsuavoz calma, sorrindo,antesdevirar-se.Pareciaestaresperandoporele.

A casa de Guillaume era muito simples. A sala em que Nuramon entrouocupavatodootérreo.Alihaviatudooqueeranecessário,dofogãoalenhaatéooratório. Sónão seviaumacama.Provavelmenteoquartodedormir cavanoandardecima,aoqualsechegavasubindoaescadadiantedaportadacasa.

—Vocêveioporcausadoseucompanheiro—disseGuillaume,sentando-se à pequenamesa nomeio da sala. Ali queimava um lampião diante de umprato de madeira ainda com restos de carne. Com um gesto convidativo,Guillaumeapontouparaumasegundacadeiranapontadamesa.

Nuramonsentou-seemsilêncio.

Osacerdoteafastouopratoparaolado.

— Temo que o seu companheiro já tenha sido enterrado no cemitério.Esperoqueissonãoprejudiqueoseurenascimento.

—Entre nós, dizemque a alma se solta do corpo dos lhos dos albos nomomentodamorte—esclareceuNuramon.—Então,sehouverumcaminhoparaasalmasqueligueoseumundoeaTerradosAlbos,Gelvuunjáotomoueestálá,esperandopelorenascimento.

—Entãoaalmajáhaviapartidoquandoenterreiocorpo.

—Sim.MasnãoéporGelvuumqueestouaqui.Vimporsuacausa.

TaispalavraspareceramnãosurpreenderGuillaume.

—Porqueeuomatei...

Nuramonficouperplexo.

—Comovocêsabedisso?

Ocuradorbaixouoolhar.

—Eusoubequandooexaminei.Elepareciatermarcasdeestrangulamentono pescoço que correspondiam aos meus dedos. — Ele parou e encarouNuramon.—Lerasexpressõesnosrostosdoselfosnãoéfácil.Nãovejoiranosseustraços.Masvocêcertamenteveioparaexigirvingança.

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—Não,tambémnãoéporissoqueestouaqui.

Guillaumeolhou-osurpreso.

—Eusóqueriasaberoquevocêvênoseufuturo.

—EusoualguémnumabuscaconstanteaserviçodeTjured.Acreditoqueeste mundo é repleto de tesouros ocultos que só poucos são capazes deencontrar.Euseiqueopoderdosdeusesseacumulaemdeterminadoslugares.Soucapazdesentiresseslugareseseguir uxosinvisíveisqueseconectamunsaosoutros.—Eleclaramentefalavadastrilhasalbas,quepensavaseremtrilhasdo seu deus. — Uso esse conhecimento para curar pessoas e pregar a paz.Gostaria que o ódio desaparecesse. Mas depois do dia de hoje parece que opreço disso é muito alto. Que tipo de dom é esse que cura humanos e matafilhosdealbos?

—Possodarumarespostaparaisso.Maspensebemsequerouvi-la.

—Você sabealgumacoisa sobreavocaçãoquemepermite fazerosmeusmilagres?

—Euconheçoaorigemdela.

—Entãovocêsabemaisquetodosossábiosesacerdotesqueencontreiatéhoje.Porfavor,conte...

—Devo realmente fazê-lo? Pois, se vocême ouvir, também vai saber porqualmotivo eu emeus companheiros viemos a esta cidade, eporque eu estouaquicometendoaousadiademeaproximardevocê.

—Vocêconheceosmeuspais?Osmeuspaisverdadeiros?

—Sim,euconheçoambos.

—Entãofale!

—Vocêé lhodeumaelfaquesechamaNoroelle.Certodia,elaassumiuamaisterríveldetodasaspenasparaprotegerasuavida.—ComessaspalavrasNuramon começou a sua narrativa. Falou de Noroelle, de seu amor e do deFarodin por ela, do devanthar e da Caçada dos Elfos, de comoGuillaume foisalvo e do exílio de Noroelle. Enquanto isso, observava o semblante deGuillaume carcadavezmaissério,easemelhançacomNoroelledesaparecertraçoatraço.Terminoucomestaspalavras:—Agoravocêsabequemsãoseuspaiseporquevocêtemessepoderquecuraoshomens,masmataoselfos.

Guillaume xou o olhar na mesa, e então repentinamente começou a

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chorar. Essa visão doía em Nuramon, não só pelo fato de o milagreiro separecer tanto comNoroelle,mas porque se punha no lugar dele. Precisou secontrolarparatambémnãoirromperemlágrimas.

Depoisdeumlongosilêncio,ocuradordisse,porfim:

—QuetolofuiaoacharqueeraumescolhidodeTjured!

—Tantofazdeondevemasuavocação:vocêausouparafazerobemparaos humanos, exatamente como a suamãe usava a dela para cuidar dos lhosdosalbos.Atéanoiteemqueela...—Nãoquisdizermaisumavez.

—Conte-memaissobreaminhamãe—pediuGuillaumeemvozbaixa.

Sem pressa, Nuramon contou ao milagreiro sobre seus vinte anos nacompanhiadeNoroelle.Ficouaté tardedanoite.Suaspalavras trouxeram-lhede novo à lembrança tudo o que viveu com a amada.Mas, quando terminou,seuânimomudou;agoraquehaviacontadotudo, couclaroparaelequetudoestava perdido e que Noroelle jamais retornaria. Guillaume também pareciaprofundamenteperturbadoagoraquesabiadosacrifíciodamãe.

— Você rasgou o véu que havia em torno da minha origem — disse ocurador.—Emeesclareceudeondevieramosmeuspoderes.Masnãomedisseoqueotrouxeaqui.

Nuramonrespiroufundo.Ahoratinhachegado.

—PergunteiàminharainhaoquepoderiafazerparasalvarNoroelle.Eelamedissequeeudeveriapartirparamatá-lo.

Guillaumerecebeuanotíciacommuitacalma.

—Vocêjápoderiaterfeitoissohámuitotempo.Porquemedeixaviver?

—Pelomesmomotivoquesuamãeotrouxeatéestemundo.Porqueeunãosintonenhumtraçododevantharnasuaalma.

—Mas,seosmeuspoderesdecuramataramoseucompanheiro,issodevetersidoherançadomeupai.Equemsabeoqueaindaháadormecidodentrodemim!

—VocêaceitariaamortedeGelvuunparacuraramãodohomem?

—Jamais.

—Entãoaomenososeuespíritoestá livredaforçasombriadodevanthar,mesmoqueaessênciadelesereflitanasuamagia.

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— Mas assim é o destino. Mesmo inocente, eu sou culpado. Por minhacausaminhamãefoibanida.Porminhacausaoseucompanheiromorreu.Eeunãopossofazernadaarespeito.Parecequeminhaculpaéestarvivo.

—Eexatamenteporissoéerradomatarvocê.Eporissoeugostariadelevaracaboaminhatarefademaneiradiferentedaquearainhapreviu.Mesmoqueassimeuvolteairadelacontramim.

—Vocêmedeixariafugir?

—Sim, eu faria isso.Masosmeus companheirosdescobririam-no rápido.— Nuramon pensou em Ollowain. — Você precisa entender por que estouaqui. Se não fosse assim, agora você já estariamorto. Eu vim para fazer umaproposta que talvez possa salvar a sua vida e libertarNoroelle.Mas ela não émaisdoqueumavagaesperança.

—Faça-a!

— Posso levá-lo até a rainha e mantê-lo a salvo de qualquer perigo acaminho da Terra dos Albos. Se você falar com Emerelle na corte, talvezconsiga convencê-la da sua verdadeira natureza, da mesma forma comoconvenceuaNoroelleeamim.Issoéaúnicacoisaquepossooferecer.

—Aceitoasuaproposta.Porminhamãe.

Nuramon admirou o curador em segredo. Havia se perguntado se eleaceitariaassimprontamente,poisnãohaviaqualquergarantiadequea rainhasemostrariamisericordiosa.PodiaserqueEmerellesemantivesse rmeemsuadecisão.Mas,apesardetudooqueacontecera,Nuramontinhatantacon ançanasuasoberanaqueduvidavaqueelaignorariaasuaobjeção.

—Quandodevemospartir?

—Devemosdeixar a cidadenomáximoatémeio-dia.Nãoprecisamos terpressa.

—Entãoconte-mealgosobreaTerradosAlbos.

Nuramondescreveua regiãocentralparaGuillaumee tambémcontou-lhesobre Alvemer, onde Noroelle nasceu. Nuramon terminou quando o galocantou, e propôs que partissem com o raiar do dia, para que pudessem sairdespercebidos.

Guillaume concordou e arrumou suas coisas. Então agradeceu aNuramonporterlhecontadoaverdade.

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—Nuncavoumeesquecerdoquefez.

Nuramon estava satisfeito. Havia alcançado a sua meta, mesmo que comisso estivesse agindo contra as ordens da rainha. Era certo que Ollowainresmungaria,mas eles levariam o lho deNoroelle até Emerelle. Isso era ummeio-termo com o qual o mestre da espada também tinha de se dar porsatisfeito.Maseleseriacuidadoso,enãoperderiaoguerreiroelfodevista.

Guillaumepreparouummingaudepainço,avelãeuvas-passas.PerguntouaNuramonsetambémqueriacomeralgumacoisa.Oelforecusou,agradecendo.Ocuradortomavaseucafédamanhãquandoumtumultoseformouláfora,nacidade.Nuramonpôs-seaescutareacreditououvirgritos.Aoescutarcascosdecavalos,levantou-senumpulo,comamãosegurandoaespada.

—Oqueestáacontecendo?—perguntouGuillaume.

—Pegueassuascoisas!—disseNuramon.

Nas vielas o som de luta agora se misturava com gritos de dor. A cidadeestavasendoatacada!

Guillaumeselevantoueagarrouatrouxa.

Ossonsdeluta carammaispróximos.Derepentehouveumestrondonaporta da casa, que cedeu, para o horror de Nuramon. Uma silhueta entrouviolentamente.Nuramonpuxouaespadaparaatacarointruso.Masassustou-seaoreconhecerovulto.Nãoeraninguémmenosdoque...

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Oinfortúnio

Farodinbateuaportacompressaeempurrouatravademadeira.

—Guarde essa espada, senão vaimatar o único amigo que ainda tem nacidade.—Eolhandodepressaaoredor:—Háoutrasaída?

Guillaumeoencaravacomosefosseumfantasma.

—Oqueestáacontecendolá?

— Homens armados. Ocuparam todas as estradas que saem da cidade einvadiramo templo. Parecem ter pouca paciência com sacerdotes como você.— Farodin aproximou-se da janela que dava para a praça do templo e abriusomenteumafresta.—Veja!

Os guerreiros estavammuito bem armados.Quase todos vestiam trajes demalha de ferro e elmos com caudas negras de cavalo. Cerca demetade delesestava munida de machados ou espadas. Nos escudos redondos e vermelhosestava estampado um brasão de armas com uma cabeça branca de touro. Osdemais homens estavam equipados com bestas. E mesmo que tivessemarrancadoossacerdotesdotemplosemnenhumrespeito,estavaclaroquenãoeram simples saqueadores. Eles avançavam disciplinadamente. Os besteiroscercavam a praça enquanto os soldados com machados empurravam ossacerdotesatéograndecarvalho.

Porordemdeumenormeguerreiro louro,umdossacerdotes,umhomemcorpulento e já um poucomais velho, foi separado de seus companheiros desofrimento. Amarraram-lhe uma corda ao redor dos pés, lançaram a outraponta sobre um galho forte e puxaram-no pelas pernas. Desesperado, oreligioso tentava puxar o hábito, que insistia em escorregar, exibindo suaspartesíntimas.

—PaiRibauld!—murmurouGuillaume,atemorizado.—Oqueelesestãofazendo?

— Ouvi dizer que os homens armados perguntaram por seu nome,

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Guillaume. — Farodin examinou o jovem sacerdote da cabeça aos pés.Certamentenãoeraumguerreiro.—Parecequevocêacabade fazer inimigosmortais em dois mundos. O que você fez para que esses homens estejamprocurandoporvocê?

Osacerdoteafastouocabelodorosto,pensativo.Foisóumpequenogesto,masFarodinfoi invadidoporumadorprofunda.DessamesmaformaAileenetambémNoroelle tiravam o cabelo da testa quando estavammergulhadas empensamentos.O sacerdote tinha traços admiravelmentedelicados. Farodin viaNoroellenorostodele,comonumespelhodistante.Nele,elacontinuavaviva.

Farodin seguira Nuramon porque temia que seu companheiro pudesseajudar o sacerdote a fugir. Nos três últimos anos, Farodin zera as pazesconsigo mesmo. Aceitara a ordem da rainha. No dia anterior, na praça dotemplo, estavaprontoparamatarGuillaume.Mas, agora... Precisavadesviar oolhar,detantoqueGuillaumelembravaNoroelle.Seerguesseumaarmacontraele,seriacomoseestivesseaapontandocontrasuaamada.

Ollowain o alertara quando deixou o acampamento para seguir Nuramonem segredo. As palavras do mestre da espada ainda soavam nitidamente emseusouvidos:“Nãoseesqueçadequeeletambémé lhodeumdevanthar,ummestreno embuste. Ele abusados traços deNoroelle comoumamáscara queescondeomalquehápor trásdele.Umdevantharé,emcarneeosso,oódiocontraosalbosecontranós,seus lhos.Tudooquepodehaverdebomnelejáestáhámuitotempoenvenenadopelaherançadopai.VocêviuoqueaconteceucomGelvuun.Nãopodemos levá-loprisioneiro.Na realidade seríamosnósosseuspresos.Mesmoqueocolocássemosemcorrentes,poderiamatartodosnósapenas com a palavra. E ainda pior: imagine o que uma criatura como essapoderiaprovocarnaTerradosAlbos!Comopoderíamoscombatê-lo?TemosdecumpriraordemdeEmerelle.Natardedehoje,napraçadotemplo,reconheciasabedoriadarainha”.

—Elesvieramporalgoqueeunão z—respondeuGuillaumeàperguntadeFarodin.

—Oquê?—disseFarodin,arrancadodeseuspensamentos.

Enquantoisso,osguerreirosnapraçabatiamcomlongasvarasemRibauld.Desvalido,ohomembalançavaparaláeparacá.Seusgritosressoavamportodaapraçaeprovavelmentetambémpodiamserouvidosaolonge,nacidade.Masnenhumdoscidadãoscorreuatéaliparaajudarosacerdote.

— Você está vendo as cabeças de touro nos escudos? — perguntou

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Guillaume. — Esses são os homens do rei Cabezan. Sua guarda pessoal.Cabezan os mandou atrás de mim. Dizem que seus membros estãoapodrecendo com ele ainda vivo, e que está morrendo de forma lenta edolorosa. Ele ordenou que eu fosse curá-lo. Mas não posso fazer isso. Se eusalvar a vida dele, centenas morrerão, pois Cabezan é um tirano cruel. Eleassassinou seus próprios lhos porque tinha medo de que cobiçassem o seutrono.Eleédominadopela loucura...Sópermitequetodosseapresentemnusdiantedele,demedoquepossamesconderarmasnasroupas.Aquelequequerpertencer à sua guarda pessoal precisa assassinar um recém-nascido com osprópriospunhosdiantedele...Elesóaceitahomenssemremorsosaoseuredor.ComCabezan, omal reina emFargon.Por issonão vou curá-lo...Nãopossofazerisso.Quandoele nalmentemorrer,amaldiçãoquehásobreestasterrasterminará. — Os gritos do sacerdote ainda ecoavam na praça. — Eu nãoposso...—Guillaumetinhalágrimasnosolhos.—Ribauldécomoumpaiparamim. Eu cresci em uma família pobre de camponeses. Quando meus pais...quandomeuspaisadotivosmorreram,elemeadotou.Eleé...

Umdossacerdotesmais jovensdosque foramarrancadosdotemplopelossoldadosapontouparaacasadeGuillaume.

— Há outra saída? — perguntou Farodin novamente. Em seguida, doisguerreirosatravessaramapraçanadireçãodeles.

Osacerdotedissequesimcomacabeça.Apanhouumalongafacadepãodamesaeescondeunamangadohábito.

—Euvou,assimelesnãoosmatarãotambém.MasoreiCabezannãomeverávivo.

Nuramoncolocou-senocaminho.

—Nãofaçaisso.Venhaconosco!

— Então você acha que seriamais esperto segui-lo até uma rainha que omandou para me matar? — Nas palavras de Guillaume não havia nenhumaprovocação; ele soava in nitamente triste.—Euseiquevocênãoqueromeumal.Mas,seeusairagora, talvezsalveavidademeusirmãosdeordemeadevocês. E se você informarminhamorte à sua rainha, então ela talvez perdoeminhamãe.

Eleabriuatrancadaportaesaiuparaapraça.

Farodin não compreendia por que Nuramon não faria mais nenhumatentativa de deter o sacerdote. Correu para a porta,mas já era tarde demais.

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Guillaumejáhaviasidoagarradopelosguerreiros.

—Cavaleirosdorei—gritoucomvozvibrante.—Deixemmeusirmãosempaz.Vocêsmeencontraram.

O líder louro fez um sinal para que seus homens baixassem as bestas. FoiatéRibauld,agarrouovelhohomempeloscabelosepuxousuacabeçaparatrás.

—Entãovocêdizserocurandeiromilagroso!—gritouoguerreiro.Puxouumafacadocintoepassou-apelagargantadeRibauld.—Entãonosmostredoquevocêécapaz.

Farodinprendeua respiração.Guillaumeaindaestavamuitopertodacasa.Seusasseosseuspoderesdecura,Nuramoneelemorreriam.

O velho sacerdote balançava para lá e para cá na corda, pendurado naárvorecomogadodecortenoganchodeumaçougueiro.Agoratinhaasmãosagarradasaoredordagarganta.

Farodinabriucomforçaasfolhasdajanela,quebateramcontraaparededacasa com estrondo.Agarrou com ambas asmãos no friso da janela, soltou-sedelaesaltouparafora,mostrandosuaelasticidadeaoaterrissardiantedacasa.

—Tire asmãos daminha presa, lho de humanos!— Sua voz era comogelo.

Oguerreirolouropôsamãosobreocabodaespada.

—Vocêjáfezasuaentradatriunfal.Agoraescapedissoaqui.

—Vocêvaiempunharaarma?Querumduelo?—Farodinsorriu.—EusouoprimeiroguerreirodarainhadaTerradosAlbos.Pensebemsequercomprarbrigacomigo.EstouaquiparabuscarosacerdoteGuillaume.Comovocêvê,euestava em sua casa. Eu o descobri antes de você. E não vou deixar quearranquem minha presa de mim. Ontem à tarde, ele matou um elfo, e vairesponderporisso.

—OprimeiroguerreirodarainhadaTerradosAlbos—repetiuoguerreirolouroemtomdezombaria.—EeusouUmgrid,reidaTerradosTrolls.—Oshomensaoseuredorriram.

Farodin puxou o cabelo para trás, para que pudessem ver suas orelhaspontudas.

—EntãovocêéUmgrid?—Oelfoinclinouacabeça.—Vocêémesmofeioo bastante para ser um troll.—Deumeia-volta e olhou para os telhados das

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casasquecercavamapraça.

—Quemnãoétrolldeveiremboraagora.Estapraçaestácercadadeelfos.EnãovamosdeixarquetiremGuillaumedenós.

Alguns dos guerreiros olharam para cima com medo, e ergueram seusescudos.

—Palavras!Nadamaisquepalavras!—O líder jánãosoava tãocon antecomoantes.

— Você deve pedir nossa permissão antes de deixar qualquer um dessesavarentospartir— soou a vozdeNuramon.O elfo sacara sua espada e agoraestavaempénaportadacasadeGuillaume.

—Matemeles!—Olíderdosguerreirosapanhouumadas echasdabestaeapontou-aparaFarodin.

O elfo lançou-se para a frente com um salto mortal. Apoiou-se sobre asmãosnopavimentorústico,rolousobreoombroesquerdoechegouàfonteemum instante. Uma echa atingiu sua face de raspão, deixando um risco desangue.

Farodinsaltouparanãosetornarumalvoimóvelparaosguerreiros.Paroudiantedospésdeum lutadordemachado, que aplicou-lheumgolpe com seuescudo redondo que fez Farodin perder o equilíbrio. Cambaleou e chocou-secontraabeiradadafonte.Aindaassimconseguiudesviardogolpedemachadoquemiravasuacabeça.

Farodinchutouoescudodohumanoparaoladoepuxouaespada.Comumgolpederevés,rasgouabarrigadoguerreiroearrancouomachadodamãodomoribundo.De todosos ladosvinhamguerreiros.Naportadacasa,Nuramonjá se defendia de dois inimigos. Não havia esperanças para a sua causa. Oshomensganhavamdelesemnúmero—eramquasedezparaum.

Farodin pulou da beirada da fonte e atirou o machado contra um dosbesteirosqueomirava.Aarmaencontrouseualvo,queemituumsomterrível.

Oelfodesvioudemaisumgolpedemachado,esquivou-sedeumaespadaeferiu um dos agressores no ombro, por cima do escudo. Os guerreiros agoraformavamumgrandecírculoaoseuredor.

—Eagora,queméopróximodevocêsaagonizar?—provocouFarodin.

Enquanto isso, o gigantesco líder havia colocado um elmo e a velado umescudonobraço.

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—Vamospegá-lo!—disse,avançandoeerguendoomachadoduplo.

Farodin era atacado por todos os lados.O guerreiro elfo cou de cócorasparadesviardosgolpes raivosos.Fezumgirobaixocoma espada.Comoumafacaquentenacera,sualâminadeaçoél cocortavaaspernasdetodosqueseaproximavam.

Algo roçou o braço esquerdo de Farodin, e sangue encharcou sua camisa.Comumacalmamortal,deteveumgolpedemachadoquemiravaseupeito.Aespada destroçou o cabo de madeira da arma. Os humanos moviam-sedesajeitadamente. Farodin já observara isso em Mandred antes. Eles eramvalentes e fortes,mas, comparados aumelfoque treinara a lutade espadaaolongo de séculos, eram como crianças. Mas quanto ao resultado da luta,dificilmentehaveriadúvidas.Elessimplesmenteeramnumerososdemais.

Como um dançarino, Farodin movimentava-se entre as leiras deadversários, abaixando-se sobosgolpespara reagir imediatamente emcontra-ataque.

Derepenteestavadiantedocomandantelouro.

—Voufazerumcolarcomsuasorelhas—provocouohomem.Eleatacoucomumgolpe impetuoso,mirandoobraçodeFarodinque seguravaa espada,masmudoudedireçãonomeiodoataque.

Comumpassodançante,Farodinesquivou-seechutouogigantecomtodaa força sob a borda do escudo. Com um ruído repulsivo, a borda de cima doescudo, revestida de ferro, chocou-se contra o queixo do agressor. O gigantemordeucomforçaolábioinferiorecuspiusangue.

Farodinfezumarotaçãoeaplicououtropontapénoescudo,quecaiuparaolado.Comoladoplanodaespada,atingiuorostodolíderemcheio.

Ogigantetropeçou.Farodinoagarrou,arrancou-lheoelmodacabeçaepôsalâminasobresuagarganta.

—Paremdelutarouoseulídermorre!—gritouoelfo.

Os guerreiros recuaram. Um silêncio lúgubre baixou sobre a praça,interrompidosomentepelosgemidosbaixosdosferidos.

Nuramon saiu da casa do sacerdote. Sua camisa de couro estava suja desangue.

—Vamosrecuarparadentrodotemplo!—gritouFarodinparaele.

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—Vocês jamaissairãovivosdeAniscans—disseo líderdoshumanos,deformaameaçadoraealtoosu cienteparaqueseushomenspudessemouvi-lo.—Aponteestáocupada.Todasasruasestãobloqueadas.Estávamospreparadosparaocasodeocurandeirocriardi culdades.Entreguem-seeprometoavocêsumamorterápida.

—Nóssomoselfos—retrucouFarodinfriamente.—Vocêrealmenteachaque seria capaz de nos deter? — Fez um sinal para Nuramon, e seucompanheirofoicomdoissacerdotesatéaportadotemplo.

Guillaume estava pálido como um cadáver. Durante a luta carasimplesmentealiempé,observando.Estavaclaroqueeratotalmenteincapazdeinfligirdoraalguém.

—Vocêestásangrando,elfo—disseoguerreirolouro.—Vocêédecarnee osso como eu. E pode morrer, assim como eu. Antes que o sol se ponha,bebereivinhonoseucrânio.

— Para um homem com uma espada na garganta, é notável como vocêparececonfiarnofuturo.Farodinandoulentamentedecostasnadireçãodaaltaportadotemplo.

Osbesteirosaoseuredorrecarregavamsuasarmas.

FarodinpensouemMandredenosdemaiscompanheirosquehaviadeixadoparatrásnamontanhadovinhedo.Seráqueviriam?Elesprovavelmenteviramotemploseratacado.

Ele empurrou seu prisioneiro rapidamente para o chão e pulou através daportadotemplo.Flechasdosbesteiroszuniamaoseuredor.Nuramonbateuapesada porta de carvalho e colocou a barra atravessando a porta. FarodinobservoupreocupadoacamisadeNuramon,empapadadesangue.

—Estámuitoruim?

Oelfoolhouparabaixo.

—Émaissanguedehumanosdoqueomeupróprio.

Estava escuro e frio dentro do templo. Sólidas vigas de madeiraatravessavam o teto, suportado por fortes colunas. O templo inteiro eracompostodeumasósala.Nãohaviamóveis,nemumpúlpitoondeumoradorpudessesubir.Oúnicoadornoeraummenir,umapedrademaisdedoismetrosdealturacomalgunscaracteresgravados.Asparedeseramcaiadasdebrancoedivididasemduasgalerias,queiamatéo mdasparedesinternas.Aindaacima

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dasgaleriashaviajanelasaltas,atravésdasquaisaluzpálidadamanhãcintilava.Lâmpadas a óleo queimavam emnichos ao longo das paredes e, em torno domenir,erguiam-seincensáriosdecobre,dosquaissubiaumafumaçapálida.

A construção como um todo lembrava a Farodin mais uma torre deforti cação que um templo. Que tipo de deus seria Tjured? Um guerreirocertamente não era, tão desamparados estavam seus criados. Ambos ossacerdotesajoelharam-sediantedomenir,nomeiodoátrioredondodotemplo.Rezavamsubmissos,agradecendoporteremsidosalvos.

—Guillaume?—gritouNuramon,queaindaestavaempépertodaporta.—Ondevocêestá?

Ocurador saiude trásdeumadas colunas.Parecia estranhamente calmo,quaseabsorto.

—Vocêsdeviamtermecedidoaeles.Depoisdobanhodesanguenapraçadotemplo,elesnãodescansarãoatéqueestejamostodosmortos.

— Será possível que você esteja ansiando por sua própria morte? —perguntouFarodinaborrecido.

—Masvocêsnãoforamenviadosparamematar?Quesentidofazdisputaroprivilégiodesermeucarrasco?

Farodinfezumgestodedesdém.

—Oqueruminasobreamorteduranteumalutaéoquedeixaráavida.Émelhor que você tenha alguma utilidade. Leve-nos até a saída dos fundos.Talvezpossamosescaparporlá.

Guillaumeabriuasmãosnumgestodedesamparo.

— Isto é um templo, não uma fortaleza. Não há saída traseira, nenhumtúnelescondidonemportassecretas.

Farodin olhou em volta sem acreditar. Ao lado do portal, uma escada emcaracol subia até ambas as galerias. Sob as vigas do teto, os muros eramcortados por altos vitrais arqueados e coloridos. Eles mostravam imagens desacerdotes vestindo os hábitos azuis-escuros dos veneradores de Tjured.Confuso, o elfo observava os vitrais. Um deles exibia um sacerdote sendojogado emumcaldeirão sobreuma fogueira.Emoutra imagem,um sacerdotetinha os braços e pernas cortados e, em uma terceira, um homem de hábitoazuleraqueimadoemumafogueiraporselvagensquevestiampelesdeanimais.Quasetodososvitraisretratavamcenasdeassassinatos.AgoraFarodinentendia

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o motivo de Guillaume permanecer tão sereno. Ter um m terrível eraaparentementeamaiorrealizaçãodeumsacerdotedeTjured.

O som de um trovão arrancou o elfo de seus pensamentos. Poeira napenetrouporentreas fendasdaportado templo.Outro trovão se seguiu, easpesadas folhas da porta rangeram em seus ângulos. Farodin praguejou baixo.Pareciaqueosguardasdoreihaviamencontradoalgoparaservirdearíete.

—Paremderezarefaçamalgumacoisadeútil—bradouoelfoaambosossacerdotes,ajoelhadosdiantedomenir.—Recolhamtodasaslâmpadasdeóleodos nichos.Nuramon, tente encontrar uma tocha. Então subam até a galeriasuperior.Depoisvoutirá-losdenovodessaarmadilhaetrazê-losparabaixo.

Comumestalo,umadasgrossastábuasdemadeiradaportasepartiu.Logoelanãoconseguiriamaisdetê-los.

Inclemente,Farodinobrigouossacerdotesaseapressar.Parasubiraescadaem caracol sem tropeçar, precisavam segurar seus longos hábitos, como sefossemsaias.Da segundagaleria erapossível chegaràs janelasdo templo.Porcausadaespessuradosmuros,elas cavamemnichosprofundos.Aoesticarosbraços,Farodinconseguiaagarrardiretamenteabeiradainferiordosnichos.Deumsógolpe,elepuxou-separacimaesubiudiantedaimagemdevidrodeumdos sacerdotes, cujos membros destroçados eram trespassados pelos raios deuma roda.Os rostos dos torturadores pareciam impassíveis; o artista tambémnão re etira sobrea combinaçãodas coresdovidrocoma luzdamanhã.Eraumaobradearteinferior,quemesmoalguémsemtalentoconseguiriacriaremum ou dois anos de trabalho razoável e ambicioso. Esse trabalho malfeitosequerpodiasercomparadoaosvitraisdocastelodeEmerelle, feitos juntandomilhares de fragmentos de vidro. Naquelas janelas trabalharam os maistalentososartistasdaTerradosAlbosaolongodedécadas,paraconseguircriarumacombinaçãoperfeitadovidrocomaluzdecadahoradodia.

Farodinpuxou a espada e golpeouo sacerdoteno vitral bemem seu rostodeformadodedor.Avidraçaquebrou-secomgranderuído.Compoucosgolpes,o elfo arrancou as armações de chumbo dos fragmentos de vidro para quepudessempisarnonichodajanelaeobservarosagressoresnapraçadotemplo.

Farodinouviuossacerdotesselamentaremnagaleria.EscutounitidamenteavozdeGuillaume:

—PorTjured,eledestruiuoretratodeSãoRomuald.Estamosperdidos!

Farodinrecuouumpoucononichoparaquenãopudesseservistodapraça.

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Atorredo temploestavacercadaporumandaimedemadeira.Poucomaisdemeio metro abaixo da janela, havia uma plataforma estreita para ostrabalhadores.Deláerapossívelsubirmaispeloandaime.Desconfiado,Farodinexaminouasescorasdemadeira.Paraele,tudopareciainacabado.

Lateralmente à torre do templo havia uma casa para peregrinos. Suafachada era dividida por nichos onde havia estátuas de santos. Era maisenfeitadaqueatorreondeoshumanosrezavamparaTjured.Comumpoucodeousadia, era possível pular do andaime sobre o telhado. A partir dali podiampassarparaoutrostelhadoseescapardosenviadosdorei.

Farodin atravessou a janela, voltando para dentro. Os sacerdotes oaguardavamdecarafechada.Sempoderfazernada,Nuramondeudeombros:

—Eunãoosentendo.

—Mas o que há de tão difícil para entender?—perguntou um sacerdotejovem e ruivo.—Vocês destruíram um retrato de São Romuald. Ele era umhomem colérico, que encontrou tarde o caminho para Tjured e que foiassassinado pelos pagãos nas orestas de Drusna. Amaldiçoou todos quelevantaramamãocontraele.Empoucosanos,seusassassinosestavammortos.Ospagãos caramtãoimpressionadoscomissoquepassaramacreremTjuredaosmilhares.Dizemquesuamaldiçãoaindavigora.Quemprofanaumdeseusretratostemdecontarcomopior.Mesmocomosanto,Romualdcontinuouumhomemcolérico.

Farodin não acreditava no que ouvia. Como podiam crer numa loucuradessas?

—Vocêsnão zeramnada.AmaldiçãodeRomuald só vai atingir amim.Não precisam se preocupar, nós... — A porta do templo arrebentousonoramente.

— Nuramon, vá na frente. Conduza os sacerdotes. Precisamos escalar oandaime,umaum,eentãosaltarparaacasavizinha.Assimdamosmenosnavista.Enãodevemossobrecarregaroandaimecommuitopeso.

Láembaixo,noátrio,soavamosgritosdosguerreiros.

—Joguemoóleodaslâmpadasnoandaimedepoisdefugir.

—Porqueeu?—perguntouNuramon.—Vocêconheceocaminho...

—Eeulutomelhorcomaespada.

Nuramonencarou-oofendido.

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—Vá!Euvousegurá-los.

Ouviampassospesadosnaescadaemcaracol.Farodinagarrouaslâmpadasejogou-asdegrausabaixo.Entãorasgouumamangadesuacamisaeaembebeuemóleo.Pôs fogono tecido comopaviodeuma lâmpada.Oóleonão eradeboaqualidadeeo fogodemorouparapegar;uma fumaçadensaeescura subiuquandoopano nalmentecomeçouaqueimar.Oelfo lançouamangaescadaabaixo e observou como as chamas queimaram rápido o óleo derramado e ofogoconsumiuotecidonuminstante...eseapagou.

Perplexo, Farodin examinou os degraus. A qualidade do óleo era mesmoterrível! Um primeiro guerreiro surgiu na beirada da escada. Amedrontado,escondia-se detrás de seu escudo. A visão do elfo o fez hesitar. Então foiempurradopelosguerreirosqueoseguiameobrigadoaprosseguir.

Farodin esticou-se, alongandoosmúsculos. Estava decidido a ter umaboalutacontraoshumanos.Decantodeolho,viuumgrupomirarsuas echasnoátrio inferior. A direção dos tiros foi péssima. As echas bateram norevestimentodemadeiradagaleriaeumadasgrandes janelasquebrou-secomruído.

Impulsionado pelos gritos enfurecidos de seus companheiros, o escudeirodeumaisumsaltoparaafrenteeescorregounosdegrauscobertosdeóleo.Caiupesadamentepelaescadaelevouváriosdeseuscamaradasconsigo.

— Venha!— Guillaume estava de pé no nicho da janela, acenando paraFarodin.—Osoutrosjáestãonotelhado.

O elfo embainhou a espada. Guillaume agarrou seu braço e o puxou paracima, para o nicho da janela. Apesar de ser magro, o sacerdote erasurpreendentementeforte.SócomumamãoajudaraFarodinasubir.Seriaessaforçaumaherançadeseupai?

Uma echa atingiu ruidosamente o topo arqueado do nicho da janela.Ouvia-seavozdolíderdosguerreirosnapraçadotemplo.Tinhadescobertoarotadefuga.

—Vánafrente!—disseFarodin.

Osacerdotehesitou.

—Oquevocêestáesperando?

—Eu...eutenhomedo...dealtura.Seolharparabaixo coparalisado.Eu...eunãoconsigo.Deixe-meparatrás!

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FarodinagarrouGuillaumerudementepelobraço.

—Entãonósvamosjuntos!

Arrastou-o até a beirada do nicho. Juntos pularam sobre a plataforma demadeira sob a janela. O andaime tremeu com o impacto. Com o coraçãobatendoforte,Farodinespremeu-secontraaparededepedra.Umgolpesurdosoou,eoandaimeinteirobalançounovamente.Emalgumlugarembaixodelesumavigademadeirasesoltouedespencousonoramentenasprofundezas.

Quando o andaime tremeu uma terceira vez, Farodin curvou-se sobre abordaeviucomhorroroqueacontecia.Láembaixo,diantedaporta,umgrupodeguerreirosagarraraumabarragrossaebatia-acontinuamentecontraavigade sustentação do andaime. Aqueles tolos pareciam não perceber que elesmesmos seriam enterrados sob os escombros, se o andaime de quase quinzemetrosdealturadesmoronasse!

Algo partiu-se sob eles. Sentiram um solavanco quando uma dasplataformasdeconstruçãoseinclinouedespencounasprofundezas,destruindoalgumasvigasdesustentação.

Farodin sentiu seu estômago encolher dolorosamente. Só mais algunsinstantesetodooandaimeviriaabaixo.

—Cuidado!—soouavozdosacerdote.

O elfo deu meia-volta. No mesmo momento o guerreiro que escorregaradegraus abaixo pisou sobre o estrado. Um som de estilhaços acompanhou oimpactoda subidadopesadohomem.Atacou comseupesadomachado,numgolperápido.

Farodindeixou-secairparadesviardogolpe.Queriaengancharumpéportrás do calcanhar do agressor, quando a plataforma cedeu. Por re exo, o elfoagarrou-seemumpilardemadeiraenquantoseuoponentedespencou,agitandoosbraços.Naquelemomentopareceuqueapesadaplataformaencontraraumequilíbrioinstável.Estavainclinadaparabaixonumânguloíngreme.

OcoraçãodeFarodinbatiacomoumtrovão.Precisavamiradianteesairdoandaime.Comosequisesseenfatizaresseseupensamento,umasetadisparadaporumabestacravou-senamadeiraaumpalmodesuacabeça.Osacerdotesesalvarasobreumatábuaestreitaquedavaemumaescada,pelaqualerapossíveldesceratéonívelseguintedoandaime.Guillaumeenlaçaraosbraçosaoredordosjoelhoseespremia-seoquantopodiacontraaparededatorre.Nuramoneos dois sacerdotes deTjured estavamno telhadoda casa dos peregrinos, para

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fugir damira dos besteiros da praça do templo. Farodin viu o líder da guardaenviar pequenas tropas de homens para cercar a casa. A tentativa de fugafalhara.

Com muito barulho, o aríete chocou-se contra a pilastra do andaime.Chiados e rangidospercorrerama frágil construçãodemadeira.AplataformaaoladodeFarodininclinou-se.Angustiado,oelfoolhouparabaixo.Comoumagigantesca lâmina de machado, várias vigas transversais se romperiam assimquesesoltasse.

Farodinpendurou-seemumavigaaolongodatábuaondeGuillaumeestavaagachado.Osacerdotetinhaosolhosfechadoserezavaemvozbaixa.

— Precisamos sair daqui — gritou Farodin. — Tudo vai despencar aqualquermomento.

— Eu não consigo— gemeu Guillaume.— Não consigo me mover nemmaisumapolegada.Eu...—elesoluçou.—Meumedoémaisfortequeeu.

—Você temmedodecair?Sevocênãosemexer,entãovamosmorrerosdois!

Como se quisesse reforçar as palavras de Farodin, um novo solavancopercorreu o andaime.A plataforma dani cada balançava para a frente e paratrás.Derepenteouviu-seumestampidoagudo.Oúltimosuportecederasobopeso,eaplataformadespencounovazio.

Farodinagarrouosacerdoteeempurrou-oparaafrente.Comoumenormemachado, a plataformadeobras rompeumadeiras e vigas.Umpedaço inteirodoandaimesoltou-sedaparteprincipaleinclinou-selentamentenadireçãodocarvalhonapraçadotemplo.

OpânicodeuaFarodinumaforçainimaginável.Elelevantouosacerdoteecarregou-o nos braços como uma criança grande. Apavorado, Guillaume seagarravaaele.Oelfomaleracapazdeverondepisava.

Agora tudo no andaime parecia estar em movimento. A tábua em queandava tremia cada vez mais forte. Horrorizado, Farodin viu os ganchos dexação no muro do templo se quebrarem. Não conseguiriam mais descer a

escadaatéaplataformaqueos levariacomumpequenosaltoatéo telhadodahospedaria.Precisariamtentarumpulodeumaalturamaior!

Então,correucomorarasvezescorreranavida.Vigasehastesdemadeirachoviam do alto sobre eles.O andaime chacoalhava para lá e para cá.O elfosabiaquecarregandoGuillaumeeradifícilconseguirdarumsaltomuitolongo.

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Como alguém que se afoga e, commedo, puxa seu salvador para baixo juntoconsigo,osacerdotenãolargavaoelfo.

Sem aviso prévio, a tábua em que estavam vergou-se. Mais dois passos ealcançariamopontocertopara saltar...Naqueda,Farodinagarrouumacordaqueestavaenroscadaaoredordavigadesustentação,queigualmentecurvou-separaochão.

Algopesado comoopunhodeum troll atingiuFarodinnas costas. Sentiuváriascostelassepartirem.Acordadesuportebalançaranadireçãodacasadeperegrinoseagoraoscilavadevolta.

Semiconsciente, Farodin soltou a corda que segurava. Guillaume deu umgrito estridente enquanto caíam. Despencaram com força sobre o telhado.Ripasdemadeirasedespedaçaramcomochoque.Farodinfoijogadoemoutradireção e, sem força, rolou seguindo a inclinação da superfície, escorregandosobre a beirada do telhado.Com amão esquerda, ainda conseguiu segurar-seem uma viga horizontal diante dele. Seu corpo balançou e bateu com forçacontraomurodaconstrução.

—Aliestáumdeles—gritoualguémdebaixo.

Farodin segurava-se rmemente com ambas as mãos na viga, mas suasforças já não eram su cientes para lançar-se para cima. Flechas de bestascravaram-seaoseuredor.

Com um estrondo ensurdecedor, o andaime junto ao templo veio abaixo.Umaimensanuvemdepoeiracobriuapraça.

UmapancadaatingiuacoxadireitadeFarodin.Oelfoberroudedor.Umaecha transpassara sua perna e ncara-se, suja de sangue, na parede da

construção.

Lentamente, os dedos de Farodin escorregavam da beirada da viga. Suavontadesedespedaçara.Nãoeramaiscapazdelutar.

—Segureaminhamão.

Farodin encarou os olhos azuis arregalados de medo de Guillaume que,debruçadonotelhado,estendia-lheamão.

—Eunãoconsigomais...

—Tjured,afasteomeumedo—murmurouosacerdote.

Suafacebrilhavadesuorquandoavançouumpoucomaiseagarrouopulso

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de Farodin. Com um tranco que quase deslocou seu braço, o elfo foi puxadoparacimadotelhado.

Farodinarfava.Estavacomfrio.Seuferimentonacoxasangravamuito.

Guillaume, que enroscara um pé entre os caibros para encontrar apoio,ergueumetadedocorpo.Olhavaaferidacompreocupação.

—Vouamarrarsuapernaparafazerumtorniquete.Senãovocêvai...

Uma última fagulha de vida acendeu-se em Farodin. Assustado, rastejouparaseafastardosacerdote.

—Nãometoque.Você...Nãotenteme...

Guillaumeriucansado.

—Amarrar.Nãofaleidecura.Eusóqueria...—Eletossiu.Sangueescorreude seus lábios. O sacerdote apalpou a boca e olhou para os dedosensanguentados.Umamanchaescuracresciarápidoemseuhábito.Uma echadebestaoatingirasobascostelaseatravessaraoseutronco.

De repente Guillaume tombou para o lado como uma árvore. Farodintentou agarrá-lo, mas tudo foi rápido demais. O sacerdote despencou pelabeirada do telhado. Farodin pôde ainda ouvir o lho de Noroelle estatelar-secontraochãodapraçadotemplo.

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Asjanelasmuradas

Oestrondodoandaimedespencandopôdeserouvidoaténamontanhadovinhedo. Mandred apertou os olhos na clara luz da manhã. Os guerreirosforasteiros penduravam algo no carvalho da praça do templo, mas ele estavamuitodistanteparaverdireitooqueacontecialá.

—Precisamosiratéacidade—disseMandredinsistentemente.

—Não—repetiuOllowainpela terceiravez.—Poracasonós sabemosoqueestáacontecendoali?ProvavelmenteNuramoneFarodinestãoescondidosemalgumlugaresperandoqueessesincendiáriossumamdelá.

— Provavelmente não basta paramim!—Mandred agitou-se na sela.—Pelovisto,nalínguadoselfosapalavraamigotemumsigni cadodiferentedonosso—completouele.—Emtodocaso,nãovou carmaisaquisentadosemfazernada.Oquevocêsvãofazer?—disseolhandoparaOleifeparaambasasguerreiras. Das elfas, ele não esperava muito. Eram totalmente submissas aOllowain.Mas seu lho...Cavalgaram juntospor três anos. Seráque em todoesse tempo não conseguira ensinar a ele ao menos um pouco do senso dehonra? É claro queMandred sabia que sozinho não conseguiria fazer nada e,sim,mesmoemcinco elesnão conseguiriamvenceros inimigos, que estavamemmaiornúmero.Mas car simplesmenteesperandoali, comaesperançadequeseusamigosfossemembora,nãoeracomoumhomemdeveriaseportar.

Oleif lançou um olhar de interrogação para Ollowain. O lho pareciasurpresocomocomportamentodomestredaespada.

— Vocês todos viram que quase cem homens atravessaram a pontecavalgandonoraiardamanhã—disseOllowain.

Mandredacariciouocabodomachadoquependiadesuasela.

— Essa promete ser uma luta empolgante. Pelo que estou vendo, asproporçõesestãoquaseequilibradas.—Elepuxouasrédeaseguiouseucavalopelatrilhaestreitaquedesciadamontanhaatéovale.

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Aochegaràestradaque levavaàcidade,ouviuumbaterdecascosatrásdesi.Não sevoltou,mas seucoração se encheudeorgulho.DessavezOleifnãoagiacomoumelfo.

Cavalgaram calados lado a lado. Seu silêncio dizia mais que palavraspoderiamexpressar.

Cincoguerreirosguardavamaponte.Mandredviuumdoshomensprepararumabesta.Umrapazcorpulento,decabeçaraspada,pôs-senocaminhodeles.ApontouapontadalançacontraopeitodeMandred.

—Emnomedorei,deemmeia-volta.Estaponteestábloqueada.

Mandred sorriu simpático, e arqueou-se para a frente. Sua mão direitaescorregouatéonódecouroqueprendiaomachadoàsela.

— Negócios urgentes me trazem a Aniscans. Por favor, libere a minhapassagem,amigo.

— Desapareçam daqui, ou vou rasgar sua barriga e pendurá-lo pelasprópriastripasnaprimeiraárvorequeencontrar.—AlançadoguardaavançoupalpitanteeparouapoucosdedosdagargantadeMandred.

Mandred ergueu omachado comoum raio e despedaçou o caboda arma.Umgolpederevésdestroçouocrâniodoguarda.

Ojarlabaixou-serenteànucadocavaloparadi cultaramiradosbesteiros.Oleifpularadaselaecausavaestragosnosguardasdesprevenidos.Esquivava-sedesuaslançasegiravasuaespadaporcírculosmortais.Nemescudosnemtrajesdemalhade ferroofereciamresistência ao aço él co.Empoucos instantesoscincoguerreirosjaziamnochão.

Aponte agora estava livre.Aparentementenão estavam sendoobservadosda outra margem. Mandred saltou da sela e ajoelhou-se ao lado do besteirocaído.Ohomemnãoestavamaisconsciente.Umpisãodecavalotransformaraseu rosto emumamassa sangrenta.Mandredpuxouuma facado cintodele ecortou-lhe a garganta. Então revistou omorto. Encontrou uma na bolsa decourocomalgumaspeçasdecobreeumaneldeprataescurecido.

—Nãopodeserverdade,pai!

Mandred ergueu rapidamente os olhos para seu lho, e então foi até ocarecaqueameaçarapendurá-lopelastripas.

—Alguma coisa está incomodando?—perguntouMandred, apalpando asvestesdohomemcorpulentoembuscademoedasescondidas.

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—Vocêroubadosmortos!Issoé...repulsivo!Imoral!

Mandred virou o líder dos guardas de lado. Ele tinha orelhas grandes ecarnudas e usava um único brinco com uma linda pérola. Com um puxão,Mandredarrancouobrinco,rasgandosuaorelha.

—Imoral?—Ergueuapérolacontraaluz.Eragrandecomoumaervilhaetinhaumbrilhorosado.—Imoraltalvezseriaroubardosvivos.Essesaquinãocarãomaischateadosseeuprivá-losdeseuspertences.Seeunão zesseisso,

ospróprioscompanheirosdelesiriamfazê-lo.

—Nemme falede companheiros!Nestemesmo instanteparecequeparavocê tanto faz se aqueles que você chama de amigos estão lutando pela vida.Ollowaintinharazão!

Mandredandouatéopróximomorto.

— Você poderia manter os olhos na outra margem enquanto dá o seusermão, lho? Você certamente se daria bem com Guillaume. E no queOllowaintinharazão?

—Eledisseque você era comoumanimal, que agia sópor instinto.Nembomnemruim...Simplesmenteprimitivo!

Umdoslanceirosmortosusavaumaneldepratacomumagrandeturquesa.Mandredpuxouoanel,maselenãosemoveu.

—Nãotireosolhosdaoutramargem—foitudooqueMandreddisse.

Cuspiu na mão do morto e esfregou a saliva, para que o anel deslizassemelhornodedo,masissonãoajudou.Irritado,sacouumpunhal.

—Vocênãovaifazerisso,pai.

Mandredposicionouapontadopunhalna juntadodedodo anel, e bateucomapolpadamãonocabodaarma.Ouviu-seoruídodoaçopartindooossono. O jarl apanhou o dedo, arrancou-lhe o anel e en ou-o junto com os

demaisespóliosemumabolsadecouro.

—Vocêépiorqueumanimal!

Oguerreiroseergueu.

—Paramim,tantofazoquevocêpensademimedosanimais.Masnuncavolteadizerquemeusamigosnãomeimportam.

— Ah, entendi. É pura consideração continuarmos aqui enquanto eles

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lutam.Vocênãoqueracabarcomadiversãodeles.

Mandredpulousobreasela.

—Vocêrealmentenãoentendeoqueestamosfazendoaqui,nãoé?

— Entendo, sim. É óbvio que está certo. Você está enchendo os bolsos...Provavelmentepara,napróximacidade,poderencheracaraecaçarvadiasporaí.SeráquetambémfoiporissoqueFreyaoamaldiçoou?

MandreddeuumabofetadaruidosaemOleif.

—Nuncamaisfaledasuamãeedevadiasnamesmafrase.

O jovem guerreiro encolheu-se na sela, tonto com a força da pancadainesperada.Marcasvermelhassurgiram-lhenaface.

— E agorame ouça com atenção em vez de car tagarelando, e aprendaalgumacoisa.—Mandred falavabaixo e exagerandona ênfase.Elenãopodiaesquecer!Talveztivessesidomelhordarumabelasovanesseespertinhodoseulho. O que os elfos zeram com o seu garoto!— Amaioria dos guerreiros

humanostemmedodaluta.Elesfalamdemais,masquandochegaahora,ficamcheios demedo até as tripas. Eumesmo tenhomedo de que haja besteiros àespreita nas casas da outra margem, que nos matarão a tiros quandoatravessarmosaponte.Seelesestiveremposicionadoslá, carãoesperandoquecheguemos perto o bastante para que não errem o alvo. Eu apeei e enchi aminha bolsa para deixá-los mais tempo com o medo. Pois eles também têmmedode nós. Eles têmmedode nãonos acertarem, e de chegarmos às casasantesqueconsigamrecarregarasarmas.Quantomais tempoelesnosviremetiveremde esperar,maior será a probabilidade de umdeles perder a cabeça eatirar.Então,pelomenosvamossaberoquenosespera.

Por alguns instantes reinou um silêncio tenso entre pai e lho. Ouvia-sesomenteosomdospassosnastábuasquecruzavamospilaresdaponte.

Oleifolhouparaascasasnaoutramargem.

—Você tem razão. Se cavalgarmos às cegas e cairmos numa emboscada,não seremos de ajuda nenhuma para Nuramon e Farodin. Nada está semovendo ali do outro lado. Você acha que podemos atravessar a ponte emsegurança?

Mandredsacudiuacabeça.

—Guerraesegurançasãoduascoisasquenãocaminhamjuntas.Masagoratenhocertezadequenãoháguerreiroscomunsesperandopornósalidooutro

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lado. Se houvesse, pelo menos um deles teria atirado. Mas, se em vez defedelhosquemestivernosesperando foremunsvelhos taradoseespertalhões,veteranosquejálutaramemmuitasbatalhas,entãoelesconhecemessetruqueeestãoesperandocomtodaacalmadomundo.

Mandredcurvou-sebemsobreopescoçodaéguaeesporeou-a.

—Nosvemosnaoutramargem!

Eleobservouascasascomdescon ança,masnenhumachuvade echasosrecebeuquandodeixaramaponte.Oscincoguerreirospareciamserosúnicosguardasdesteladodacidade.

MandredeOleifrefrearamoscavalos.Diantedeleshaviaumaestradalargae sinuosa, que passava pelo mercado e prosseguia para cima da colina, até apraçado templo.Aniscanspareciaabandonada.Ninguémousavapisarnarua.Continuaram cavalgando lentamente.Olhos assustados os seguiam através dejanelas semicerradas. Da colina ouviam-se gritos. Também se podia ouvirnitidamenteosomdeespadas.

—Se eu estivesseno comando, entraríamosna cidade ebloquearíamos asvielas—esclareceuOleif.

Mandredconcordou.

— Parece que os elfos ensinaram-lhe algo além de dizer asneiras ou decantarolarmusiquinhas.Vamosapear.Apésomosmaiságeis.

Deixaram a rua principal e adentraram o labirinto de vielas estreitas,levandoos cavalospelas rédeas atrásde si.Mandredolhou emvolta, a ito.Acidade inteira era como uma grande armadilha. Restava-lhes esperar queninguémtivessevistoacarnificinanaponte.

Ambosatravessaramumapraçaestreitadeterrabatida.Umagrandecasadejanelas muradas ocupava um lado inteiro da praça. Com um portão alto quedavaemumpátiointerno,pareciaquaseumcastelo.

— Vamos guardar os cavalos aqui — ordenouMandred, conduzindo suaéguaparaatravessaroportão.

Muitasjanelasdavamparaopátiointerno.Descon ado,olhouaoredor.Oprédio lheparecia estranho.Emumadas janelas, viu rapidamenteuma jovemcomumcorpeteentreaberto,queentãodesapareceu.Ninguémsaiupelaúnicaportadacasaou faloucomelesdealgumadas janelas.Paraele issonãopodiaestarcerto.

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Em frente ao portão havia um galpão aberto com uma longa bancada detrabalho. Sobre essamesa havia uma pilha de tamancos e, ao lado dela, umagrandevariedadede ferramentasdeentalhe, en leiradasde formaorganizada:plainas,cinzéisefacasdelâminasestranhamentecurvadas.Alitambémnãosevianenhumaalmaviva.

Mandredamarrouasrédeasemumaargoladeferroquehaviaemumadasparedes da casa. Observou longamente, então, as janelas que davam para opátio.

—Euseiquevocêsestãonosobservando.Seoscavalosnãoestiveremmaisaqui quando eu voltar, então vou subir até aí e cortar as suas gargantas. —Apanhou a bolsa de couro presa ao cinto e tirou dela uma únicamoeda, queergueu para o alto. — Mas, caso os cavalos estejam alimentados e tenhambebidoágua,deixareiestapeçadeprataaqui.

Sem esperar por resposta,Mandred pôs omachado no ombro e saiu peloportão.

—Vocêtemumplano?—perguntouOleif.

— Claro. Não se preocupe. Eu sei exatamente o que precisamos fazer.Temosdeseguirossonsdeluta.

Ofilhofranziuatesta.

—Etemmaisalgumoutro?

Mandredfezumgestoaborrecido.

—Planosdemais sódãodordecabeçae forçamaspessoasanão fazeremmaisnada.Umbomlídernãoficademuitaconversa;eleage.

Mandred iniciouum trote rápido.Mantinha-sebempertodasparedesdascasasparaserumalvomaisdifícilparaosatiradores.Osomdasespadasagoraestavabempróximo.

Derepente,umguerreirosaiucambaleandodeumacasa.Traziaumgrandeescudoredondoa veladoaobraço,comumbrasãocomumacabeçabrancadetouro.Nuramonsurgiunaporta.Oelfoapertavaamãocontraoladoesquerdodoquadril.Sangueescurobrotavaentreseusdedos.

UmsocodeMandredderrubouoguerreirosurpresonochão,antesmesmoqueelepudesselevantaroescudoparaseproteger.

— Bom ver vocês, lhos de humanos— grasnouNuramon. Ele deixou a

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espadacairerecostou-senobatentedaporta,esgotado.—Venham.

Ambosseguiramoelfoparaapenumbradentrodacasa.Atravessaramumacozinhadestruída epularampor cimadedois corposquebloqueavamaportapara a salade jantar.Ali todas as janelas tambémestavamvedadas e somenteletes estreitos de luz adentravam a sala. Farodin estava deitado sobre uma

longamesade jantarquedominavao cômodo.Haviaum jovem sacerdote, decabelosvermelhoscomochamas,depéaoseulado,curvadosobreele.

—Émelhornãosemexer, senhor—orapaz tentouconvenceroelfoemtomdesúplica.—Oferimentovaiabrirdenovo.Evocêperdeumuitosangue.

FarodinafastouosacerdotedeTjuredparaolado.

—Sóvoupoder cardeitadoporaíquandoestivermosforadacidadeeemsegurança.

—Masvocêvai...—começouosacerdote,nervoso.

Nuramonotranquilizou.

—Maistardevoucuidardosferimentosdele.

Farodinergueu-seevoltou-separaofilhodehumanos.

—Vocêsdemoraram.OndeOllowainseenfiou?

Mandreddesviouoolhardoelfo.

Farodinbufoucomdesprezo.

—Foioquepensei.

Em poucas palavras, ele contou sobre o ataque ao templo e de comoconseguiramfugir.

—EGuillaume?—perguntouOleifquandoFarodinterminou.

Oelfoapontouparaasjanelasbloqueadas.

—Alinapraçadotemplo.

Mandredeo lhoatravessaramasalaeespiaramcuidadosamenteporumafresta.Havia guerreirosdo rei por todosos lados.Haviamempilhadomadeirado andaime destruído ao redor do carvalho sagrado. De um dos galhos daárvore pendiam, de cabeça para baixo, dois cadáveres nus e profanados. Umhomem velho, de baixa estatura, e... Guillaume. Seus corpos tinham sidoesfolados com golpes de vara. Flechas de besta e cabos quebrados de lanças

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saíamdeseustorsos.

Enojado,Mandredafastou-sedajanela.

—Porqueestãofazendoisso?Vocêdissequequeriamlevá-loatéseurei.

—Depoisdecairdotelhado,Guillaumejánãoestavamaisapresentável—retrucouFarodin friamente.Entãoapertouos lábiosaté se tornaremumtraçofinoesemcor.

—A echa que o atingiu certamente era para Farodin—disseNuramoncomvozinexpressiva.—Eu...

—Guillaumequeriaamorte—interrompeuFarodinfurioso.—Vocêsabedisso.Elequeriasaireseentregaraessesassassinos!

— Para nos salvar — retorquiu Nuramon calmamente. — Não estourepreendendovocêpornada.Mas,entreEmerelleeCabezan,Guillaumejánãovia mais chance de viver. Restou-lhe escolher de que forma queria morrer.Quandoosguerreirosergueramseucadáverdochão, foramtomadosporfúriacega.Elesprofanaramependuraramoseucorpo.

—Eagoravirãonosbuscar—disseOleif,aindadepéàjanela.

Mandred olhou para fora e praguejou.O homemque derrubara diante daportatinharecuperadoaconsciência.Elecorreuatéapraçaegritouapontandoparaacasaemqueseescondiam.

—Maldito falatório sobreamoral!Antes eu teria simplesmente cortadoopescoçodele.

Farodinagarrouaespada,quejaziaaoseuladosobreamesa.

—Elesteriamvindonosbuscardequalquermaneira.—Evoltando-separaosacerdotequecuidaradesuasferidas:—Obrigado, lhodehumanos.Agoraprocureoseuirmãodeordemeseesconda.Nãopoderemosmaisprotegê-los.—Tentoulevantar-se,massuapernaferidanãopareciadispostaacarregá-lo.

Mandredsegurouoelfopelosombrosparaoferecerapoio.

—Nãoprecisodeajuda—murmurouFarodin.

Mandredosoltou.Empé,oelfovacilava,maspelomenos...Estavaempé.

— Não faz sentido lutar aqui. Vamos tentar chegar até os cavalos. Se apontenãoestiverocupadanovamente,talvezconsigamosescapar.—EfazendoumgestoparaOleif:—AjudeNuramon.Eleémenosteimoso.

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—Nãosaiampelaporta—disserepentinamenteosacerdoteruivo.—Eu...eu tambémqueriaagradeceravocês. Segestus,meu irmãodeordem...Eunãoprecisomaisprocurá-lo; ele já conseguiu fugir.Háumoutrocaminho.Sigam-me!

MandredolhouparaFarodin.

—Não temosmais nada a perder—decidiu o elfo.—Travem as portas.Issovaidetê-losumpouco.Masquecaminhoéessequeoseuirmãodeordemtomou?

O sacerdote acendeu um candeeiro e os conduziu da cozinha até umadespensa.Asalaestavatodarepletadeânforasdetodasasformasetamanhos.Dotetopendiampresuntoselinguiçasdefumadas.

O irmão da ordem prosseguiu. Mandred cou um pouco para trás eescondeu duas grandes linguiças defumadas debaixo da roupa. Esse era ocomeçodeumafugaselvagemesóLuthsabiaquandoseriaapróximavezqueele comeria algo razoável novamente. Também teria preferido levar uma dasânforas de vinho. O deus Tjured devia ser realmente importante para seussacerdotes poderem manter uma despensa tão bem recheada como aquela.Estranho,pensouMandred,elesóouviufalardeTjuredpelaprimeiravezduassemanasatrás.Masissocertamenteeraignorânciasua...

O jovem sacerdote levou-os até umportão baixo, atrás doqual havia umaescada que descia para as profundezas. Dali foram parar em uma sala ondeestavam armazenados imensos barris. Mandred mal acreditava no que via.Nunca pensou que veria barris na vida. Eles estavam en leirados junto àsparedes,deambososlados.Seguindoemfrente,oporãocaíanaescuridão.Aliestavaestocadoummarinteirodevinho!

—PelosseiosdeNaida,padre,oquevocêsfazemcomtantovinho?Vocêstomambanhoaídentro?—Mandredcaiunarisada.

—Aniscanséumacidadedevinicultores.Otemplosemprerecebevinhodepresente.Nós o comercializamos.—Ele parou, olhou para trás e contou nosdedosemsilêncioosbarrispelosquaispassaram.Entãolhesmostroumaisumpedaçodecaminhoeosconduziufinalmenteporumvãoentredoisaltosbarris.Ocultapelaescuridão,aliabriu-seumapassagemparaumtúnelbaixo.

— Algumas pessoas dizem que sob Aniscans há uma segunda cidadeescondida. São os grandes estoques subterrâneos dos vinicultores.Muitas dascâmaras são ligadas umas às outras por túneis como este. Num dia chuvoso,

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quem conhece os caminhos aqui embaixo consegue chegar de uma ponta aoutra da cidade com os pés secos. Mas aqui também é possível se perderdesesperadamente...

—Pelomenosaquiembaixoninguémmorredesede.

OsacerdoteencarouMandredcomolhardereprovação.Entãoabaixou-seedesapareceu no túnel.Mandredafundouacabeçaentreosombros,masaindaassimbateu-anotetoumaporçãodevezesduranteatravessianaescuridão.Aluzfracadocandeeiroeraquasetotalmenteencobertapeloscompanheiros,queandavamnafrentedele,obrigando-oaseguirtateandoasparedes.Aliembaixoeraabafadoeumcheiroazedopairavanoar.LogoMandredteveasensaçãodeocaminhoestardurandoumaeternidade.Elecontavaospassosparasedistrair.No33eleschegaramaumsegundoestoquecheiodebarris.

Osacerdotelevou-osatéumaescadaqueterminavanumalçapão.Foiporaíquedeixaramotúnel,chegandoaumpátioensolarado.

—Aondevocêsqueremiragora?—perguntou.

Mandredencaroualuzerespiroufundo.

—Nossos cavalos estão em umpátio interno. É uma casa grande junto aumapequenapraça,cujasjanelasquedãoparaelaestãomuradas—esclareceuOleif.—Vocêpodenosdizercomochegamosatélá?

Osacerdotecorou.

—Umacasadejanelasmuradas?—elepigarreou,constrangido.

—Há algode errado comela?—perguntouMandred.—Eu tambémmepergunteiporquetransformaramacasanumafortaleza.

Osacerdotepigarreounovamente.

—Éque...éporcausadatavernadooutroladodapraça.Otaverneirocriouum ambiente especial no segundo andar. Quem quiser beber lá precisa pagarumamoedadecobreamaisporcadacanecadevinho.

—E?

Osacerdotedeuascostasdetãoconstrangido.

—Dasaladatavernaerapossívelverbemasjanelasdooutroladodapraça.

Mandredperdiaaospoucosapaciência.

—Eoquetinhaláparaver?

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— Ela é... é uma casa aonde vão os homens solitários. Da taverna elespodiamveroquesefazianosquartos.Porissooproprietáriomandoumurarasjanelas.

Nuramonriualtoelogoapertouamãocontraoferimentonoquadril.

—Umbordel!Vocêguardouoscavalosemumbordel,Mandred?

— No pátio de um bordel — retorquiu Oleif, que também tinha cadovermelho.—Nopátio.

— Eu aposto que é o único bordel da cidade— completou Farodin.— Evocêoencontrouemcheio.

Mandrednãoentendiaoquehaviadetãoengraçadonisso.

—Eunãoseidenada.Nopátioháumao cinadeumartesãohonesto,issofoitudooquevi.

—Éclaro—respondeuFarodincomumrisoirônico.—Éclaro.

Mandred encarou surpreso os dois elfos. As lutas e amortemedonha deGuillaume — tudo isso provavelmente foi demais para eles. Não conseguiaexplicardeoutraformaessaexplosãodegracejos.

O rapaz os conduziu em caminhos furtivos por vielas estreitas e pátiosinternos.Váriasvezesouviramosgritosdossoldadosdoreibempróximos,masnãoforamdescobertos.Mandredtinhaasensaçãodequejádeviamterchegadohámuitotempoaobordel,quandoosacerdotederepenteparouefezumsinalparaqueficassememsilêncio.

—Oqueestáacontecendo,amigorezador?—murmurouojarl,impelindo-separaafrente.

Pôs-se a ouvir cuidadosamente os sons da praça. Haviam chegado a seudestino,masdianteda tavernana frentedobordelhaviaseteguerreiros.Umamagrafuncionáriadatavernatrazia-lhescanecasdecervejaepratosdemadeiracheiosdequeijoepão.

—Luthamatecerdesenhoscomplicadoscomos osdodestino—gemeuMandred. E virando-se para seus companheiros:—Vou distrair os soldados.Tratem de chegar até os cavalos. E quanto a você, padre? Quer fugir com agente?

Orapazpensouumpouco,eentãosacudiuacabeça.

—Tenhoamigosnacidade.Elesmeesconderãoatéessacorjairembora.

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—Entãovocênãodeveservistoconosco.Agradeçoasuaajuda.Masagoraémelhorqueváembora.

—Oqueestáplanejando,pai?Vocênãoestáquerendolutarsozinhocontrasete...

Mandredacaricioualâminadoseumachado.

—Somosdois.Trate de chegar omais rápidopossível até os cavalos comNuramoneFarodin.Quandojátiveremchegadoatéoslimitesdacidade,talvezOllowainosajudecasoencontremdificuldades.

— E você? — perguntou Nuramon. — Nós não podemos simplesmentedeixá-loparatrás.

Mandredfezumgestodedesdém.

—Não se preocupem comigo. Vou sair daqui de algum jeito. Você sabe,nemmesmoodevantharfoicapazdemematar.

—Vocênãodevia...

Mandred não ouviu mais as objeções de seus companheiros. A qualquermomento, uma das tropas de busca podia aparecer por trás deles na viela. Otempoparaaspalavrasjáseesgotara.Eleagarrouseumachadomaisforteesaiuparaapraça,comoseestivessepasseando.

—Ei, caras.Estou felizdeverque aqui temmais algumacoisaparabeberalémdesucodeuva.

Ossoldadoslevantaramosolhosadmirados.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou um guerreiro de cabelodesgrenhadoebarbaporfazer.

— Sou um peregrino a caminho do templo de Tjured — esclareceuMandred.—Dizemqueláháumcuradorquefazverdadeirosmilagres.—Elesealongou:—Meusdedosestãoficandolentamentecurvosporcausadaartrite.

— O sacerdote Guillaume morreu hoje de manhã tentando curar a simesmo. — O soldado sorriu irônico e hostil: — Agora mesmo estamos nobanquetedoseufuneral.

Mandredjáquasechegaraatéossoldados.

—Entãovoubeberàsaúdedele.Ohomem...

—Issonomachadodeleésangue!—gritouumguerreiro.

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Mandred correu e atacou com o machado o homem que estava mais àfrente,enquantocravouoombrocontraopeitodeoutro,fazendo-ocair.Umalâmina de espada acertou ruidosamente sua camisa de malha de ferro, sematravessá-la.Mandred deu uma volta, bloqueou um ataque com omachado eacertouum socono rosto de outro guerreiro.Ummachado voador errou porpouco a sua cabeça. O jarl abaixou-se e avançou. Armadura nenhumaofereceria resistência à mortal lâmina dupla de seu machado. Ceifou umguerreirocomoumlavradorfazcomomilho,efoiquandoumgritodealertaocercou.

Deumadasvielaslateraiscorreramatéapraçamaisguerreiroscomescudosde touros. Oleif se colocou no caminho, enquanto Farodin e Nuramontentavamfugircambaleantesatéopátiodobordel.

Mandred desvencilhou-se dos guerreiros restantes e correu para ajudar olho.Oleifmovia-se coma graçadeumdançarino.Eraumestilode lutaque

parecia afeminado, pensou Mandred, mas que não deixava nenhum dosguerreirosinterromperosinuosoarcoquesualongaespadadesenhavanoar.

Lutandoladoa lado,paie lhoforamlentamenterecuandoparaaentradadopátio.Quandoestavamsoboportãoenãopodiammais ser atacadospelosladosoupelascostas,osguerreirosdoreirecuaram.

MandredeOleiffecharamopesadoportãoeobloquearamcomumabarratransversal.Respirandocomdi culdade,ojarldeixou-secairnochão.Suamãoesquerdabrincavacomumadesuastranças.

—Euesquecidecontar—murmurou,cansado.

Ofilhosorriudesoslaio.

— Eu diria que foram pelomenos três. Com os dois na ponte, cinco nototal. Se você quiser continuar fazendo uma trança para cadamorto, logo vaiprecisararrumarmaiscabelo.

Mandredabanouacabeça,mal-humorado.

—Trançasmaisfinas.Essaéumasolução—disse,ofegante,aoerguer-se.

Nuramon e Farodin estavam perto dos cavalos. Os elfos não estavam emcondiçõesdeajudaralutarparalivrarocaminhoatravésdacidade.

Um rapaz careca com cicatrizes no rosto surgiu na porta para o pátio.PoucasvezesMandredencontraraumhomemassimtãofeio.Seurostopareciatersidopisoteadoporumamanadadebois.

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— Os cavalos beberam água e estão alimentados, guerreiro. Ficariaagradecidosevocêdeixasseaminhacasaagora!

—Háumasegundasaída?

—Claro,maseunãovoumostrarnenhuma.Vocêvaiemborapelomesmoportãoqueentrou.Nãodouabrigoafugitivosdaguardadorei.

Oleifdeuumpassoameaçadornadireçãodaporta,masMandredagarrou-opelobraçoepuxou-odevolta.

—Eletemrazão.Eufariaamesmacoisanolugardele.

O jarl ergueu a cabeça e olhou para as janelas. Duas jovens observavamcuriosasoqueacontecianopátio.

—Aquiémesmoumbordel?—perguntouMandred.

—Sim—retrucouo careca.—Masnão achoque lhe restamuito tempoparaseengraçarcomalgumadasminhasgarotas,guerreiro.

Mandred soltou a bolsa de dinheiro do cinto e pesou-a na mão. Entãojogou-aparaohomemdecaramarcada.

—Podeserqueasuacasasofraalgunsdanosnapróximahora.Mastalvezissotambémpossasercompensado...Vocêmeabririaaportaseeupedisse?

—Vocêspodemcontarcomomeuapoio,massóparasumirdaqui.

—Entãofiqueapostospertodoportão.

Mandredsorriuparaofilho:

—Vocêtinharazão.Deixomesmotodoomeudinheiroembordéis.

—Desculpe...

—Esqueçaisso.Emvezdisso,meajude!—

ElesforamatéogalpãoeMandredderrubouostamancosdabancadacomobraço. O tampo da mesa era uma tábua de carvalho de 8 centímetros deespessura.Mandredafagouamadeiramanchada.

—Asregraspara fazerumcercosãoclaras,garoto.Háosque camatrásdosmuros.Ficamsentados,esperamosacontecimentosesedefendem.Eháosque cam diante dos muros. Eles estão sempre em vantagem, pois decidemquandotudoacontece.Achoqueprecisamosinverterumpoucoessasregras.

Oleifencarou-osementender.

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Mandredenfioualgumasdasfacasdeentalhenocinto.

—Achoqueatéagoranãodissequevocêsesaiumuitobem,mesmotendosidoeducadoporaqueleOllowain.

—Vocêachaquevamosmorreraqui?

—Umverdadeiroguerreironãodevemorrernaprópriacama.

Elehesitou.Ainda tinha tantoparadizer a seu lho...Maso tempourgia.Derepente,ficoucomabocaseca.

— Eu... eu queria que nunca tivéssemos pisado nesta maldita cidade. EqueriaterpassadoumverãocomvocêemFirnstayn.Ésóumapequenaaldeia...Mas,àsuamaneira,elaémaislindadoquetudooquevinaTerradosAlbos.—Ele soluçou.—Aposto que nunca o ensinaram a pescar. No m do verão, oorde cacheiodesalmões...Chegadetagarelice!Nãovamosdarmaistempo

paraqueeles lá foraseaglomeremaindamais.Talvezagoraaindaconsigamosatravessar.Elesestãoespalhadosportodaacidadeparaprocurarpornós.—Elearrastou a bancada.—Muito pesada, mas que droga.— Olhou rapidamenteparaosdoiselfos.—Elesnãoconseguemmaisnosajudarnaslutas.E,comdoiscavaleiros na sela, os cavalos são lentos demais. — Hesitou: — Vamos caraqui...Voubaternaspatastraseirasdaminhaéguaassimqueestivermosláfora.Seelaatravessar,Nuramonvaiterdeseesforçarparapermanecernasela,semfazernenhumaloucuraheroica.Dessejeitotalvezeleconsigasairdacidade.

Oleifrespiroufundo.Entãoconsentiucomacabeça.

—Vou car comvocê.Que os deuses os acompanhem em sua busca porNoroelle.Avidadelestemumobjetivo...Eusoualguémquesequersabeaquemundopertence.

Mandredenlaçouosbraçosaoredordofilho.

—Estou orgulhoso de ter lutado ao seu lado,Alfadas—disse, com a vozsufocadapelaemoção.Eraaprimeiravezqueochamavaporseunomeél co.Ficaramaliimóveisporalgunsinstantes,dominadospelossentimentos,eentãosaíramemdireçãoaoscavalos.

Nuramonencarou-os,abatido.

—Vocêsfazemideiadecomovamossairdaqui?

— Claro! — Mandred esperava que seu sorriso não parecesse forçadodemais. — Nós vamos surpreendê-los, rachar os seus crânios e então fugirdaqui a cavalo com toda a calma do mundo. Na verdade, eu acharia meio

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incômodoterdecavalgaremdoisnamesmasela.

Farodinriubaixo.

—Irresistivelmentesimples.UmlegítimoplanodeMandred.

—Nãoé?—OjarlfoiatéNuramoneajudou-oasubirnasela.—Tratemdeficarnoscavalos,senãosóencontrarãodificuldades.

Quandoambososelfossesentaram,MandredeAlfadasvoltaramaogalpãoparaerguerabancadaecarregá-ladiantedesicomoumgrandeescudo.

—Tenhoumúltimopedidoavocê,meufilho.

OrostodeAlfadasestavadeformadopeloesforço.

—Oquê?

—Sesairmosvivosdaqui,porfavor,nãousemaisesseperfume.Issoécoisademulheredeelfo.EtambémafastaNorgrimmdoseulado.Vocênãodeveriaabrir mão da graça do deus da guerra. — Mandred esticou a cabeça para afrente.—Abraoportão,caradecicatriz!

Odonodobordelarrancouabarratransversaleempurrouasduasfolhasdoportão.

—PorFreya!—gritouMandredcomtodaaforçaenquantoavançavam.

Tiros de besta atingiram a tábua da mesa como uma chuva de granizo.Colados na prancha de madeira, os dois correram às cegas até a praça, atéchegaremaumgrupodeguerreiros.Apesadabancadaderruboucincohomensnochão.

Mandred olhou ao redor de si e estremeceu até a medula. Em todas asjanelasaoredordeleshaviabesteiros,querecarregavamsuasarmascomtodaapressa.Nasvielasque levavamàpequenapraçahaviabarricadase soldadosdeguarda.Atropadeguerreirossobreaqualtinhamavançadorecuou,apressada,parasairdalinhadetiro.

Derepente,ouviramosomdecascosdecavalo.Umgaranhãobrancopulouporcimadeumadasbarricadas.Umacavaleiracomoscabelosaoventopuxouarédeafazendoocavalodaravolta,eapontouoseuarco.Comummovimentoágil,atiroua echadacordaejápuxaraoutradaaljava.Comumgrito,umdosatiradoresdespencoudeumadasjanelasdatavernaalidefronte.

Agora um tropel soava de uma outra viela. Ollowain saltou por umabarricada golpeando um lanceiro. Levava consigo o cavalo deNuramon pelas

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rédeas.

— Vai, lho de humanos, monte logo! Você pode ter me ensinado umaliçãodehonra,masnãoéporissoquevouficarmuitotempoesperando.

Mandred agarrou a sela e puxou-se para cima.ViuYilvina apear perto deumaterceirabarricadaeavançarcomoloucasobreossoldados,comsuasduasespadascurtas.

Derepenteoarseencheude echasdebesta.Oscavalosderamrelinchosestridentes.AlgoatingiuMandrednascostas,fazendo-olançar-separaafrente.

Nomja continuava atirando quando uma echa acertou seu cavalo nacabeça.Ummardesangueesguichousobreasuapelebranca.Comoseatingidopor um raio, o enorme animal caiu de joelhos. O solavanco jogouNomja dasela,quetentoudesviardoscascospisoteantesdosoutroscavalos.

Obstinada,aelfaergueuseuarcoeatiroudevolta.

—Vá atéYilvina!— gritouOllowain.—Ela deixou o caminho livre paranós!

MandredconduziuseucavaloatéNomjaeestendeu-lheamão.

—Venha!

— Sómais um!—Logo a echa partiu do arco. Ela deumeia-volta e, derepente,sobressaltou-se.Mandredaagarrouquandoelaameaçoucairdebruçosepuxou-aparacimadocavalo.Apesardesuaaltura,elaparecianãopesarmaisqueumacriança.

Mandred arrancou com o cavalo e acertou-o com as esporas. Deram umlargosaltosobreabarricadaesaíramcorrendopelaviela,numritmodequebraro pescoço. Logo chegaram à ponte. Em nenhum lugar havia soldadosbloqueando o seu caminho; eles pareciam estar todos aglomerados na praçajuntoaobordel.

Só quando estavam na ponte Mandred ousou olhar para trás. Seu lho,Farodin, Nuramon, Ollowain e Yilvina, todos conseguiram! Muitas echastinhamatingidosuatropa,todosestavamferidos,masescaparam!

UmaalegriaindescritíveltomoucontadeMandred.Eletinhatantacertezadequemorreria...Ergueutriunfanteomachadosobreacabeçaechacoalhou-o:

—Vitória!PorNorgrimm!Nósescapamosdeles...Vitória!

Ele agarrou Nomja, que ainda estava deitada de atravessado sobre a sela,

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paraajudá-laasesentar.Acabeçadelacaiusobreoombro.

—Nomja?

Osolhosverdesdaelfa estavamarregalados, e encaravamocéu sem foco.SóentãoMandredviuotalhodotamanhodeumaavelãemsuatêmpora.

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OsescritossagradosdeTjuredLivro7—OProfeta

Osucedidodeu-senomesmodiaemqueumanjosurgiuparaoreiCabezan.Tinhaasas prateadas e portavauma espadade prata.Masnadanele brilhavacomoosseusolhos,deumazulmuitoclaroelímpido.EoanjodisseaCabezan:“Envieosseusguerreiros,poisoperigoreinaemAniscans.OprofetaGuillaumeteme por sua vida, pois os lhos dos albos a põem em perigo. E isso somenteporqueumdeles chegou tardedemaisa suasmãos curadoras”.EntãoCabezanordenou que seus melhores guerreiros montassem seus cavalos e enviou-os aAniscanssobocomandodeElgiot.

Ainda não havia muralhas cercando Aniscans. Assim, os lhos dos albosentraram na cidade sem serem vistos. Eram seis elfos e um troll. ProcuraramGuillaume no templo, mas encontraram somente os demais sacerdotes deTjured. Então, levaram-nos até o grande carvalho diante do templo e osmataram.

Oprofetaouviuoqueocorria lá foranacidade.Deixou suacasae,vejam,entregou-se aos lhos dos albos! Foi até eles, curvou-se e disse: “Façam o quequiseremcomigo.Tjuredosjulgaráporseusatos”.Entãooselfosoabaterameotroll pendurou-o no grande carvalho. O profeta, porém, ainda estava vivo erezavaparaTjuredquandoumaelfaempunhouseuarcoeacertou-o.

Enquantoisso,Elgioteosguerreirosdoreichegaramelutarampelavidadoprofeta.Masaelfaarremessousuas echasemchamascontraocarvalho,queseincendiou totalmente. Os guerreiros de Cabezan pagaram-na com a mesmamoeda, assassinando-a. E, por Guillaume, puseram os elfos restantes e o trollpara correr. Pois esperavamque o profeta ainda estivesse vivo, de formaque otiraram do carvalho e das chamas. Ao jogarem água no fogo e o apagarem,viramque o carvalho estava totalmente negro.Retiraramo profeta da árvore.Ele também estava queimado e sem vida.Mas vejam! A água que escorria daárvore caiu sobre seu rosto e lavoua fuligem.O claro semblantedeGuillaume

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ressurgiu.Entãoosguerreiroslavaramocorpodoprofetaeconstataramqueaspontas de ferro das echas atravessavam seu corpo, mas as chamas o haviampoupado.E eleabriuosolhos, segurouamãodeElgiot, o líder, edisse: “Vocêsescolheram o seu caminho. Que Tjured conceda-lhes a graça que merecem”.Assim o profetamorreu sob a árvore escurecida. E, com esse ato, os lhos dosalbospuseramumamaldiçãosobreseusombros.Assimfoidito.

CITAÇÃODAEDIÇÃODESCHOFFENBURG

VOLUME5,FÓLIO43R.

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OJarldeFirnstayn

Os companheiros subiram de volta as montanhas ao norte de Aniscans.SepultaramNomjasobumpinheiropróximoaumlagodegeleiraependuraramasarmasdaelfanacopadaárvore.

Entreoselfosehumanosreinavaumaatmosferasombria.Apesardasforçascuradoras de Nuramon, levaram quase duas semanas para se recuperar dosferimentos.Masasferidasemsuasalmasnãoqueriamcurartãocedo.Ninguémimaginara que a ausência do calado e sempre rabugentoGelvuun deixaria umvaziotãogrande.EissosemfalaremNomja,dequemtodosgostavam.

Quando não havia mais desculpas para adiar a partida, concordaram emviajar para Firnstayn, até a estrela alba no círculo de pedras bem acima dofiorde,paratomarorumodaTerradosAlbos.

A viagem durou quase três luas. Evitaram o quanto puderam passar poraldeias e cidades para não dar na vista. Duas vezes viram ao longe tropas decavaleiroscarregandooestandartedoreiCabezan.Demercadores, cujocarrode carga os acompanhou ao longo de um dia, caram sabendo dos “terríveisacontecimentosemAniscans”.Dizia-sequeacidadeforaatacadapor lhosdedemônios, que assassinaram o curador Guillaume e profanaram o templo deTjured.

Nenhum deles contestou os rumores pelo bem da verdade — nem maistarde, quando atravessaram o mar Neri em um pesado navio de carga atéGonthabu, cidade real das terras dos ordes. Durante a semana no mar,tambémouviramversõesaindamaisenfeitadasdahistória.

Já era alto verão quando nalmente chegaram a Firnstayn. Alfadas cousurpreso comquãopequena era a colônia àmargemdo orde.Peloqueopaicontava,imaginara-amuitomaisimportante.Havianovecasascomunaisetrêsdúzias de pequenas cabanas, cercadas de uma paliçada de madeira sobre ummurodeterra.

No portão da colônia havia uma torre de observação forti cada, feita de

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madeira.Malhaviamalcançadoo cumeda colina sobre a aldeia,umacornetade alarme foi soprada. E, quando se aproximaram do portão, a paliçada foitomadaporumatropadearqueiros.

— Ué, em Firnstayn ninguém conhece mais as leis da hospitalidade? —gritou Mandred, raivoso. — Diante do vosso portão está o jarl MandredTorgridson,queexigequepermitamasuaentrada.

—Você,quesedesignacomoMandred—retrucouumjovemeimponenteguerreiro—,saibaqueoclãdecujonomevocêseapropriaseextinguiu.EusouojarleleitodeFirnstayn,edigo-lhequevocêeseuséquitonãosãobem-vindosaqui.

Alfadas olhou para o pai, esperando a qualquer momento uma daquelasexplosõesdetemperamentoquetantotemia.

—Dissebem, jarl!No seu lugarnão teria feitodiferente.—Opai tirou apulseiradeprataqueafanaradeummercadornojogodedados.—Euofereçoisto aqui por um barril de hidromel e convido-o a beber comigo e commeufilho.

OjovemjarlexaminouAlfadas.Então,balançouacabeça:

—Vocêexagera,reidamentira!Comoumhomempodeterum lhoquasedamesmaidadequeelepróprio?

—Sequerouviressahistória,entãobebacomigoporminhaconta—gritouMandred,rindo.

— Abra logo o portão, Kalf! — Um velho homem debruçou-se sobre apaliçada e acenou para eles.—Agora você acredita em nós? Veja só, ele atétrouxeoselfosdenovo!—Ovelhofezumrápidosinaldeproteção.—Nãosejatolo, Kalf, e não impeça o acesso dos elfos à aldeia. Você conhece bem ashistóriasantigas.

—Saudações,ErekRagnarson—disseMandred.—Bomverquevocêeoseu barco furado não foram parar no fundo do orde. Quer sair conosco?Queroensinarmeufilhoapescarantesdeseguirmosviagem.

—Vai,abraoportão!—ordenouErek,agoradeformadecidida.Eninguémseopôsaele.

Mandred e os elfos caram por três semanas. Durante elas, Alfadasaprendeuaveromundodoshomenscomnovosolhos.Eledesfrutouorespeitorudecomquefoitratadoeaformacomoasjovensoseguiamcomosolhos.A

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vida era fácil. Precisavam principalmente cuidar que os caminhos lamacentosda aldeia não fossem arruinados por porcos rebeldes. Não havia luxos. A lãgrosseira que as mulheres avam arranhava a pele. Ventava nas casas e afumaça queimava os olhos quando se sentavam até tarde da noite nas casascomunaisbebendoecontandohistórias.AlfadasouviuquandoKalfcontouque,noinvernoanterior,virampatrulhasdetrollsnas orestasdaoutramargemdoorde.Por issoapaliçadaaoredordaaldeiahaviasidoreforçada.Atéoselfos

levaramesserelatoasério.

Depois de passarem vinte dias em Firnstayn, os companheiros,principalmente Ollowain e Farodin, começaram a insistir para cavalgar até aestreladosalbos.

Kalf foi o único a car aliviado quando Erek Ragnarson, na manhã dovigésimoprimeirodia,fezatravessiadapequenatropaparaaoutramargemdoorde. Alfadas, porém, sentia um grande peso no coração, pois na margemcouAsla,anetadeErek.Comseujeitotranquilo,elarealmenteoencantara.

Qualquer umadas elfas da corte deEmerelle a superaria embeleza,masnelaardia uma paixão que os elfos, cujas vidas duravam mais que séculos, malconheciam.Elanão estava acostumada a ocultar seus sentimentospor trás delindas palavras. Então seus olhos encheram-se de lágrimas ao ver Alfadasatravessarofiorde.

Oguerreiroolhavapara tráso tempotodoenquantocavalgavamnasubidaatéocírculodepedras.Emesmoquandoelesjámalpodiamservistos,agarotadevestidoazulaindapermaneceunamargem,comoslouroscabelosaovento.

—VocêdeveriaaceitarKalfcomojarl—disseMandredderepente.—Eleéumbomhomem.

Alfadasficousurpresocomaspalavrasdopai.

—VocêéojarldeFirnstayn—retrucouAlfadas,nervoso.

— Isso foi hámais de trinta anos.Nãopertençomais a estemundo.Nãoseria justoperanteKalfe todososoutrosquenasceramdepoisdemimqueeuvoltasseaFirnstayn.Etampoucoperantevocê,meufilho.Asuahorachegou.

Alfadas não sabia ao certo o que dizer. Ficaram um pouco para trás doselfos,paraquenãopudessemouviraconversa.

—Todos os anos, durante as celebrações do solstício de inverno, a aldeiaescolheojarlparaoanoseguinte.Nãoachoquefarãovocêjarlnesteinverno.Primeiro,vocêprecisarásea rmarna luta,mastambémnavidacotidiana.Eu

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vejo em você todas as características de um bom líder,meu lho. Eu sei quevocêencontraráoseucaminhoseficaraqui.

Mandred refreou sua égua e olhouparabaixo, para a aldeia. Sua voz soouroucaquandocontinuou.

— Ela continua olhando para você lá de trás. Veja... Não pense demais.Uma mulher como ela você não vai encontrar na Terra dos Albos. Ela éorgulhosa e não vai dar o braço a torcer... Tenho certeza de que às vezes vaiazedar a sua vida. Mas ela o ama, e vai envelhecer junto com você. Issonenhumaelfapodedaravocê.Chegariaodiaemqueumaelfadevidalongasócontinuariacomvocêporpenaouporhábito.

— Se fosse para car, eu o faria principalmente por causa das históriassobreostrolls—retrucouAlfadascomseriedade.

Opaidisfarçouumsorriso.

— Claro. E preciso dizer que carei mais tranquilo se souber que há naaldeiaumhomemquefoiinstruídoporOllowainnalutacomaespadaeaquemensineinosúltimosanostodosostruquessujos...E,casonãogostedaqui,subanumanoitede lua cheia até o círculodepedras e chamepelonomedeXern.Tenhocertezadequevãoouvirvocê.

— De início, vou car só por um inverno — decidiu Alfadas. E cousurpresocomoalívioquesentiuderepente.

—Exatamente.Porcausadostrolls—con rmouMandred,olhandoparaamargemdo ordecomosefosseporacaso.—Elaémesmocabeça-dura.Aindaestáesperandovocê.

—Vocêtambémnãoquer car?Firnstaynpoderia lucrarmuitocomoseumachado.

—Lánãohámaisninguémmeesperando.Nãoconseguiria suportarviverassim,àsombradocarvalhodotúmulodeFreya.Odevanthararrancouminhaamada demim. Ajudarei Farodin eNuramon a reencontrar a deles, e levareiminhadisputadesanguecomodevantharatéo m.Omeupassadosãocinzas,eomeufuturoésangue.Ficoaliviadoquenãoestarácavalgandoaomeulado.Talvez...—Elehesitou.—Quandoeu tiver certezadequeodevanthar estejamorto, talvezpossaviverempazemFirnstayn.—E, sorrindo:—Éclaroqueapenas se o jarl AlfadasMandredson não tiver nada contra aceitar um velhoteimosonaaldeia.

Asombradeumanuvemcobriuaencosta.Ospássarosegrilossilenciaram.

Page 265: Sobre este livro - downloadlivrospdf.files.wordpress.com£o, convoca a legendária Caçada dos Elfos para acabar com a fera. Reúne seus melhores guerreiros, Nuramon e Farodin, dois

Numátimo,Alfadasteveasensaçãodequenuncamaisveriaseupai.

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