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Sobre o Amor a Deus
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Sobre o Amor a Deus
Passo, agora, à segunda seção geral deste texto. As pessoas interessadas nesse privilégio. Tais pessoas são os amantes de Deus. “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.”
Desprezadores e odiadores de Deus não têm porção nem parte nesse privilégio. Este é o pão dos filhos, ele pertence apenas àqueles que amam a Deus. Uma vez que o amor é o próprio coração e espírito da religião, eu devo lidar com este assunto da maneira mais plena possível; e, para a sua posterior discussão, notemos estas cinco coisas concernentes ao amor a Deus.
1. A natureza do amor a Deus.
O amor é uma dilatação da alma, ou a explosão das afeições, pela qual um cristão suspira por Deus como o seu bem supremo e soberano. O amor é para a alma como os pêndulos do relógio; ele dispõe a alma a correr na direção de Deus, como as asas pelas quais nós voamos para o céu. Pelo amor, nós nos apegamos a Deus, assim como a agulha é atraída pela pedra-ímã.
2. O fundamento do amor a Deus.
O fundamento do amor é o conhecimento. Nós não podemos amar aquele a quem não conhecemos. Para que o nosso amor possa ser fortemente direcionado a Deus, nós precisamos conhecer estas três coisas que há Nele:
(i) Uma plenitude (Cl 1.19). Ele possui uma plenitude de graça para nos purificar, e uma plenitude de glória para nos coroar. Essa plenitude não é apenas suficiente, mas excessiva e superabundante. Ele é um mar de bondade que não possui limites ou barreiras em suas dimensões.
(ii) Uma liberalidade. Deus tem uma propensão inata para dispensar graça e misericórdia; Ele destila como o favo de mel. “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22.17). Deus não exige que nos aproximemos Dele com dinheiro, apenas com apetite.
(iii) Uma propriedade. Nós precisamos saber que essa plenitude que há em Deus é nossa. “Porque este Deus é o nosso Deus” (Sl 48.14, ARC). Aqui está o fundamento do amor: a Sua deidade, e o interesse que nós temos Nele.
3. Os tipos de amor.
Eu os classificarei em três:
(i) Há um amor de apreciação. Quando nós atribuímos um alto valor a Deus e O consideramos como sendo o bem mais sublime e infinito, nós estimamos a Deus de tal maneira que, se tivermos a Ele, nós não ficaremos preocupados, ainda que todas as demais coisas nos faltem. As estrelas desvanecem quando o sol aparece. Todas as criaturas desvanecem em nossos pensamentos quando o Sol da justiça brilha em seu pleno esplendor.
(ii) Um amor de satisfação e deleite. Um homem se deleita no seu amigo, a quem ama. Assim também, a alma que ama a Deus se alegra Nele como o seu tesouro, e descansa Nele como o seu centro. O coração está de tal maneira apegado a Deus que não mais deseja coisa alguma. “Mostra-nos o Pai, e isso nos basta” (Jo 14.8).
(iii) Um amor de benevolência. Isso significa uma boa disposição em favor da causa de Deus. Aquele que tem estima e afeição por seu amigo deseja a ele toda felicidade. Assim também, nós demonstramos amor a Deus quando temos essa boa disposição. Nós desejamos que o Seu interesse prevaleça. Nossos votos e orações são para que o Seu nome seja honrado; e para que o Seu evangelho, que é o bordão de Sua força, floresça e dê frutos, assim como a vara de Arão.
4. As propriedades do amor.
(i) O nosso amor a Deus deve ser íntegro, e assim, no que concerne ao sujeito, ele deve ser de todo o coração. “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força” (Mc 12.30). Sob a antiga lei, o sumo sacerdote não poderia casar-se com uma viúva nem com uma meretriz – não com uma viúva, pois ele não teria dela o seu primeiro amor; nem com uma meretriz, pois ele não teria dela todo o seu amor. Deus há de possuir todo o nosso coração. “O seu coração está dividido” (Os 10.2, ARC). A verdadeira mãe não permitiria que a sua criança fosse dividida ao meio, e Deus não aceitará o coração dividido. Deus não há de ser um hóspede, para ter apenas um quarto em nosso coração, deixando para o pecado todos os demais aposentos. O nosso amor deve ser íntegro.
(ii) O nosso amor a Deus deve ser sincero. “A graça seja com todos os que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 6.24). “Sincero” alude ao mel que é completamente puro. O nosso amor a Deus é sincero quando é puro e sem interesse egoísta; a isso os escolásticos chamam “um amor de amizade”. Nós devemos amar a Cristo, como diz Agostinho, por quem
Ele é: assim como nós amamos o vinho suave pelo seu sabor. A beleza e o amor de Deus devem ser os dois ímãs que atraem o nosso amor para Ele. Alexandre tinha dois amigos, Heféstion e Crátero, a respeito de quem dizia: “Heféstion me ama porque eu sou Alexandre; Crátero me ama porque eu sou o rei Alexandre”. Um amava quem ele era, o outro amava o que ele possuía. Muitos amam a Deus porque Ele lhes concede trigo e vinho, e não por Suas excelências intrínsecas. Nós devemos amar a Deus mais por aquilo que Ele é do que por aquilo que Ele concede. O verdadeiro amor não é mercenário. Você não precisa pagar para que uma mãe ame o seu filho; assim também uma alma em profundo amor a Deus não precisa ser remunerada por recompensas. Ela não pode outra coisa, senão amar a Deus por aquele brilho de formosura que reluz Dele mesmo.
(iii) O nosso amor a Deus deve ser fervoroso. A palavra hebraica para “amor” significa “ardência de afeição”. Os santos devem ser serafins, queimando em puro amor. Amar alguém friamente é o mesmo que não amá-lo. O sol brilha tão forte quanto lhe é possível. O nosso amor a Deus deve ser intenso e veemente, como brasas vivas de zimbro, que são as mais agudas e ferventes (Sl 120.4). O nosso amor pelas coisas transitórias deve ser indiferente; nós devemos amá-las como se não as amássemos (1Co 7.30). Mas o nosso amor a Deus deve ser inflamado. A esposa desfalecia de amor a Cristo (Ct 2.5). Nós nunca podemos amar a Deus como Ele merece. Assim como a punição de Deus é sempre menor do que nós merecemos, assim o nosso amor a Ele é sempre menor do que Ele merece.
(iv) O nosso amor a Deus deve ser ativo. Ele é como fogo, o qual é o mais ativo dos elementos; a isso o apóstolo chama “o trabalho do amor” (1Ts 1.3, ARC). O amor não é uma dádiva preguiçosa; ele torna a mente disposta para estudar a Deus e os pés para correrem no caminho dos Seus mandamentos. “O amor de Cristo nos constrange” (2Co 5.14). Pretensões de amor são insuficientes. O verdadeiro amor não é visto apenas na ponta da língua, mas na ponta dos dedos; isso é o trabalho do amor. Os seres viventes mencionados em Ezequiel 1.8 tinham asas, e isso é um emblema do bom cristão. Ele não apenas tem as asas da fé para voar, mas também tem mãos sob as asas: ele trabalha por amor, ele gasta e se deixa gastar por Cristo.
(v) O nosso amor a Deus é liberal. Ele possui provas de amor a conceder (1Co 13.4). A caridade é benigna. O amor não apenas possui uma língua suave, mas um coração benigno. O coração de Davi estava inflamado de amor a Deus, de modo que ele não iria oferecer a Deus aquilo que não lhe custasse nada (2Sm 24.24). O amor não é apenas cheio de benevolência, mas de beneficiência. O amor que dilata o coração nunca fecha as mãos. Aquele que ama a Cristo será liberal em favor dos Seus membros. Ele será olhos para o cego e pés para o aleijado. As costas e o ventre dos pobres devem ser os sulcos onde ele semeia as preciosas sementes da liberalidade. Alguns dizem amar a Deus, mas o seu amor é aleijado de uma mão: eles nada dão para boas aplicações. Com efeito, a fé lida com coisas invisíveis, mas Deus odeia aquele amor que é invisível. O amor é como vinho novo, que precisa ser arejado; e ele areja a si mesmo por
meio de boas obras. O apóstolo fala, em honra aos macedônios, que eles haviam dado aos santos pobres não apenas na medida de suas posses, mas mesmo acima delas (2Co 8.3). O amor é uma nobre dádiva de liberalidade.
(vi) O nosso amor a Deus é peculiar. Aquele que é um amante de Deus tem por Ele um amor tal, que não concede a mais ninguém. Assim como Deus tem por Seus filhos uma espécie de amor que não concede aos ímpios – um amor eletivo, de adoção –, assim também um coração gracioso tem por Deus um amor tão distinto e especial, do qual ninguém pode compartilhar. “Visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo” (2Co 11.2). Uma mulher casada com um único marido tem por ele tal amor, que não possui por nenhum outro; ela não divide o seu amor conjugal com ninguém, exceto com seu marido. Assim também um santo desposado com Cristo tem por Ele uma peculiaridade de amor, um amor incomunicável a qualquer outro, isto é, um amor combinado com adoração. Não apenas o amor é dado a Deus, mas a própria alma. “Jardim fechado és tu, irmã minha, esposa minha” (Ct 4.12). O coração de um crente é o jardim de Cristo. A flor que nele cresce é o amor unido à divina adoração, e essa flor é para o desfrute de Cristo, somente Dele. A esposa guarda a chave do jardim, para que ninguém possa nele entrar, exceto Cristo.
(vii) O nosso amor a Deus é permanente. Ele é como o fogo que as virgens vestais mantinham em Roma: jamais se apaga. O verdadeiro amor ferve e transborda, mas não desiste. O amor a Deus, à medida que é sincero e sem hipocrisia, é também constante e sem apostasia. O amor é como o pulso do corpo, sempre batendo; não é como uma terra seca, e sim como uma enchente de primavera. Os homens ímpios são constantes no amor ao pecado: nem a vergonha, nem a doença, nem o temor do inferno os fará desistir de seus pecados; assim também, nada pode impedir o amor de um cristão a Deus. Nada pode derrotar o amor, nenhuma dificuldade ou oposição. “O amor é forte como a morte” (Ct 8.6). A sepultura engole os corpos mais robustos; assim também o amor supera as maiores dificuldades. “As muitas águas não poderiam apagar o amor” (Ct 8.7). Nem as doces águas do prazer, nem as águas amargas da perseguição. O amor a Deus agüenta firme até à morte. “Estando vós arraigados e alicerçados em amor” (Ef 3.17). Coisas leves, tais como a palha ou as penas, são facilmente arrastadas, mas uma árvore arraigada suporta a tempestade; assim também aquele que está arraigado em amor pode resistir a todas as coisas. O verdadeiro amor nunca acaba, enquanto há vida.
4. A medida do amor.
Nós devemos amar a Deus acima de todos os outros objetos. “Na terra não há quem eu deseje além de ti” (Sl 73.25, ARC). Deus é a quintessência de todas as coisas boas; Ele é superlativamente bom. A alma que enxerga uma supereminência em Deus e admira Nele aquela constelação de todas as excelências, essa alma está imbuída de amor a Ele no mais elevado grau. A medida do nosso amor a Deus, diz Bernard, deve ser amá-Lo sem medida.
Deus, que é o comandante da nossa felicidade, deve ter o comando das nossas afeições. A criatura pode possuir o leite do nosso amor, mas Deus deve possuir a nata. O amor a Deus deve ser acima de todas as outras coisas, assim como o óleo flutua sobre a água.
Nós devemos amar a Deus mais do que os relacionamentos, assim como no caso de Abraão oferecendo Isaque. Sendo Isaque o filho de sua velhice, não há dúvidas de que Abraão o amava completamente e caducava de amor por ele. Todavia, quando Deus disse: “Toma teu filho, teu único filho”, embora tal coisa pudesse lhe parecer não apenas contrária à sua razão, mas também à sua fé – pois o Messias haveria de vir de Isaque e, se ele fosse morto, o mundo ficaria sem um Mediador! –, ainda assim, tamanho era o poder da fé de Abraão e a ardência do seu amor a Deus, que ele tomaria o cutelo e derramaria o sangue de Isaque. O nosso bendito Salvador fala acerca de odiar pai e mãe (Lc 14.26). Cristo não desejava que fôssemos antinaturais; mas, se os nossos relacionamentos mais íntimos se põem em nosso caminho e nos apartam de Cristo, então ou nós devemos afastar-nos deles, ou ignorá-los (Dt 33.9). Embora algumas gotas de amor possam respingar sobre nossa família e nossos parentes, ainda assim toda a torrente deve correr para Cristo. Relacionamentos podem repousar em nosso peito, mas Cristo deve repousar em nosso coração.
Nós devemos amar a Deus mais do que o nosso patrimônio. “Aceitastes com alegria o espólio dos vossos bens” (Hb 10.34). Eles estavam felizes de possuírem algo para perder por Cristo. Se o mundo inteiro for posto em um dos lados da balança e Cristo, no outro, Ele deve pesar mais. É assim conosco? Possui Deus o aposento mais elevado em nossas afeições? Plutarco diz: “Quando um ditador se levantava em Roma, todas as outras autoridades estavam, por enquanto, suspensas”; assim também, quando o amor de Deus assume o controle do coração, todos os outros amores ficam suspensos e se tornam como nada em comparação com tal amor.
Aplicação: Uma severa repreensão àqueles que não amam a Deus.
Isso deve servir como uma severa repreensão para aqueles que não possuem sequer um pingo de amor a Deus em seus corações – e estão mesmo vivos tais infames? Aquele que não ama a Deus é uma besta com cabeça de homem. Ó miseráveis, vocês vivem sustentados por Deus todos os dias e, ainda assim, não O amam? Se alguém tivesse um amigo que o provesse continuamente com dinheiro, e lhe desse todo o seu auxílio, não seria ele pior do que um bárbaro, se não respeitasse e honrasse aquele amigo? Esse amigo é Deus: Ele lhe dá a sua respiração, Ele lhe concede um meio de vida, e você não O amará? Você amará o seu príncipe se ele salvar a sua vida, mas não amará a Deus, que lhe dá a vida que você possui? Que ímã pode ser tão poderoso em atrair o amor quanto a bendita Deidade? Cego é aquele que não se seduz pela beleza, e bêbado, aquele que não é atraído com as cordas de amor. Quando o corpo está frio e não possui calor em si, isso é um sinal de morte: está morto aquele homem que não possui uma centelha de amor a Deus em seu coração. Como pode esperar ser amado
por Deus aquele que não demonstra qualquer amor por Ele? Acaso Deus irá jamais acalentar uma víbora em Seu seio, enquanto ela expele o veneno da malícia e inimizade contra Ele?
Essa repreensão é fortemente lançada contra os infiéis desta era, os quais estão de tal maneira distantes de amarem a Deus que fazem tudo o que podem para mostrar o seu ódio para com Ele. “Como Sodoma, publicam o seu pecado” (Is 3.9). “Erguem a sua boca contra os céus” (Sl 73.9, ARC), em orgulho e blasfêmia, e oferecem aberta resistência a Deus. Esses são monstros em sua natureza, demônios em forma de homens. Que eles leiam a sua sentença: “Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema; maranata!” (1Co 16.22), isto é, seja amaldiçoado de Deus, até que Cristo venha para o julgamento. Seja ele herdeiro de uma maldição enquanto vive e, no terrível dia do Senhor, ouça ele aquela sentença de cortar o coração sendo pronunciada contra ele: “Apartai-vos de mim, malditos”.