23
Sobre o Valor de Troca por Ian Nascimento O objetivo desse texto é criticar a noção de que o valor de troca das mercadorias é dado pelo tempo de trabalho dispendido em sua produção, argumento defendido por Karl Marx em seu livro Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859. Além de criticar essa noção, proponho sua substituição por um outro conceito, o de que o valor de troca das mercadorias é uma combinação da relevância de seus valores de uso e da disponibilidade da mercadoria. Marx inicia o livro explicando o que é uma mercadoria. Segundo ele: A mercadoria é, em primeiro lugar,(...) qualquer coisa de necessário, útil ou agradável à vida.” 1 Atrelados a sua existência física, a mercadoria tem também dois valores abstratos. O primeiro e mais evidente é o valor de uso. 1 MARX, Karl, p. 11.

Sobre o Valor de Troca

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Uma crítica a Marx

Citation preview

Page 1: Sobre o Valor de Troca

Sobre o Valor de Troca

por

Ian Nascimento

O objetivo desse texto é criticar a noção de que o valor de

troca das mercadorias é dado pelo tempo de trabalho dispendido em

sua produção, argumento defendido por Karl Marx em seu livro

Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859. Além de

criticar essa noção, proponho sua substituição por um outro

conceito, o de que o valor de troca das mercadorias é uma

combinação da relevância de seus valores de uso e da

disponibilidade da mercadoria.

Marx inicia o livro explicando o que é uma mercadoria.

Segundo ele:

“A mercadoria é, em primeiro lugar,(...) qualquer coisa de necessário, útil ou agradável à vida.”1

Atrelados a sua existência física, a mercadoria tem também

dois valores abstratos. O primeiro e mais evidente é o valor de uso.

Como diz o nome, esse valor diz respeito ao uso da mercadoria, ao

seu consumo. Assim, o valor de uso de um pão se realiza quando

alguém o come, ou, nas palavras de Marx: “O que nos interessa no

pão enquanto valor de uso são as suas propriedades alimentares, e

nunca o trabalho do padeiro.”2 (p. 21)

Esse valor pode ser realizado sob diversas formas, já que

uma mercadoria pode ser consumida de diferentes maneiras – uma

1 MARX, Karl, p. 11.2

? MARX, Karl, p. 21

Page 2: Sobre o Valor de Troca

folha de papel, por exemplo, pode ser consumida por um escritor,

por um desenhista, por um burocrata, etc. Para cada um desses, o

valor de uso do papel se apresenta de uma forma diferente.

Além disso, é importante notar, esse valor se mede tanto

qualitativa quando quantitativamente. Um metro de seda, por

exemplo, tem seu valor de uso medido, para um tecelão, tanto em

termos quantitativos – um metro – quanto em termos qualitativos –

seda de ótima qualidade, de média qualidade e assim por diante.

Um outro valor que se manifesta na mercadoria é o valor de

troca. O fundamento mais básico da economia é a troca, e é

evidente que mercadorias de natureza absolutamente distintas

podem ser trocadas entre si. Para que se estabeleça o comércio, é

necessário, entretanto, que exista uma maneira de medir, de regular,

qual tipo de mercadoria e em que quantidade pode ser trocada por

outra. É necessário que se possa medir o valor de troca das

mercadorias.

Esse valor acaba se impondo naturalmente, como sempre

ocorreu em qualquer sociedade onde o comércio existiu. Por mais

que as trocas fossem feitas entre indivíduos que atribuíam valores

de troca diferente ao mesmo objeto, como acontecia no escambo

entre europeus e indígenas americanos, por exemplo, ambas as

partes envolvidas na negociação jamais trocariam mercadorias com

alto valor de troca por outras de valor inferior. O valor de troca é

aquela entidade embutida na mercadoria que dita as possibilidades

dessa mercadoria de ser trocada por todas as outras. Quanto mais

alto o valor de troca, maiores são as possibilidades de permuta. Um

quilo de terra seca, mercadoria com baixíssimo valor de troca em

Page 3: Sobre o Valor de Troca

todas as sociedades que tenho notícia, não pode ser trocado por

quase nada.

Cabe analisar se o valor de troca é algo objetivo, inerente à

mercadoria, ou subjetivo, atribuído a ela por terceiros. Marx parece

apontar para a primeira opção ao dizer que os valores de troca são

trabalho materializado:

Enquanto materialização do trabalho social, todas as mercadorias são cristalizações da mesma unidade. (...) Suponha-se que uma onça de ouro, uma tonelada de ferro, uma quarta de trigo e vinte varas de seda representam valores de troca de igual grandeza. Sendo equivalentes, anulada assim a diferença qualitativa dos seus valores de uso, estes produtos representam um volume igual do mesmo trabalho.1

Assim, o valor de troca é facilmente medido pela quantidade

de trabalho indiferenciado abstrato necessário para produzir

determinada mercadoria. Trabalho indiferenciado pois todas as

particularidades relativas à produção são anuladas – nada importa

se o artesão era cego ou se ele consegue produzir três vezes mais

rápido do que seus companheiros. Essas características nada

influenciam no valor de troca da mercadoria. O único fator

determinante é a quantidade de trabalho socialmente necessário

para sua produção.

Marx ainda precisa definir um detalhe: como medir

trabalho? É evidente que há inúmeros tipo de trabalho, trabalho

braçal extenuante, trabalho que requer uma habilidade específica ou

trabalho que requer somente repetição, entre outros. Como

1 MARX, Karl, p. 13.

Page 4: Sobre o Valor de Troca

transformar todos esses tipos de trabalho em uma mesma medida, a

fim de que possamos então calcular corretamente os valores de

troca e possibilitar o comércio?

A solução apresentada pelo filósofo prussiano é “o modo

quantitativo de existência do trabalho é o tempo de trabalho.”1

Tempo de trabalho, a ser medido em horas, dias, semanas. Todas as

diferenças qualitativas existentes entre os variados tipos de trabalho

citados acima são apagadas em prol dessa única variável, o tempo.

Resumindo-se portanto a teoria temos que os valores de

troca das diferentes mercadorias são expressões quantitativas de

uma mesma unidade, o tempo de trabalho socialmente necessário

para sua produção. Assim, se uma determinada sociedade demora,

em média, 8 horas para produzir um relógio de pulso e 4 horas para

produzir um litro de cerveja, é fácil saber pelo que um relojoeiro

conseguirá trocar o fruto de seu trabalho diário: dois litros de

cerveja. Ele pode, como havíamos visto antes, trocar seus relógios

por todas as outras mercadorias disponíveis, bastando para isso

calcular a quantidade correta dos valores de troca envolvidos, pois

“enquanto valores de troca, todas as mercadorias são apenas

tempo de trabalho coagulado.”2

Mas há muito que as trocas entre mercadorias deixaram de

ser diretas, escambo. Desde tempos antigos encontramos a

presença, num maior ou menor grau de sofisticação e

complexidade, da moeda. Essa importante entidade já se apresentou

aos homens sob as mais diversas formas, desde as concretas cruzes

1 MARX, Karl, p. 14.

2 Idem, p. 15.

Page 5: Sobre o Valor de Troca

de pedra de povos africanos até os zeros e uns elétricos do dinheiro

virtual moderno. Mas o que é, exatamente, a moeda?

Segundo Marx, a moeda é qualquer mercadoria que, quando

isolada das demais, passa a representar tempo de trabalho geral.

Todas as outras mercadorias podem ser medidas através dessa, que

passa a ser o equivalente geral. Assim, ao invés de se calcular o

valor de troca de uma mercadoria com relação a várias outras,

calcula-se apenas seu valor em relação à moeda. O ouro, por

exemplo, a mais tradicional mercadoria excluída. A mercadoria

ouro continua existindo, e, enquanto mercadoria, preserva todos os

seus valores de uso – arquitetura, confecção de jóias. Porém,

enquanto moeda, o valor de uso do ouro é representar em si o

tempo de trabalho geral. Uma hora de trabalho humano abstrato

passa a valer 1/x gramas de ouro, e assim proporcionalmente.

Percebemos então o papel preponderante que ocupa o tempo

de trabalho na teoria de Marx. Ao imaginarmos uma determinada

mercadoria e nos perguntarmos sobre quais outras ela poderá ser

trocada, temos que nos reportar unicamente à quantidade de

trabalho humano dispendido em sua confecção. As trocas são feitas

entre semelhantes, duas horas de trabalho por duas horas de

trabalho, cinco dias por cinco dias. Cem gramas de ouro conseguem

comprar uma mesma quantidade de trabalho humano, porém

travestidos em uma infinidade de mercadorias distintas, de valores

de uso diversos.

Ora, a meu ver é evidente que existe algo de errado com essa

teoria. O principal ataque que tenho a fazer contra ela, entretanto,

não é filosoficamente poderoso: acuso-a de não corresponder à

experiência. Mesmo ciente de que a aparente correspondência com

Page 6: Sobre o Valor de Troca

a realidade é muitas vezes enganosa, proponho também um outro

modelo como sendo mais provável e que parece melhor se adaptar

aos fatos. Mesmo sendo leigo em assuntos econômicos, muito ao

contrário de meu adversário, lanço-me agora à tarefa de criticá-lo e

de tentar mostrar os pontos fracos, a meu ver, de sua teoria.

É contra-intuitivo imaginar que, ao fazermos trocas, as

mercadorias envolvidas são apenas materializações do tempo de

trabalho gasto em sua produção. Comerciantes não preocupam com

quanto tempo seu fornecedor gastou, antes de pagá-lo.

Consumidores em geral também pouco se importam se o que vão

comprar demorou um dia ou um mês para ser feito. A grande

maioria das partes envolvidas no comércio em geral parece não se

preocupar com o tempo gasto na produção.

Existe entretanto um grupo de pessoas às quais o tempo de

trabalho importa bastante – os próprios produtores. Um industrial

do ramo automobilístico se preocupa com a velocidade com a qual

seus carros são produzidos e, normalmente, quanto mais rápido,

melhor. A partir do momento em que o carro sai da fábrica, esse

tempo não importa a mais ninguém, muito menos àquela pessoa

que, no ponto final da cadeia de trocas, vai usufruir de seu valor de

uso. Se o tempo de trabalho é tão determinante quanto supõe Marx,

seria de se imaginar que ele estivesse presente nas mentes de boa

parte daqueles envolvidos nas diversas trocas pelas quais uma

mercadoria passa desde sua produção até seu consumo.

O filósofo talvez respondesse a isso dizendo que essa

quantidade de tempo está sim nas mentes dos negociantes, que, ao

invés de pensarem em ‘x dias de produção’, pensam em ‘x

quantidade de ouro’. E que, uma vez que o ouro representa

Page 7: Sobre o Valor de Troca

diretamente o tempo de trabalho humano geral, pensar em ouro é

pensar em tempo de trabalho.

Mas, respondo eu, se pensar em ouro é pensar em tempo de

trabalho, como se explicam as inúmeras ocorrências, empíricas, de

mercadorias que se trocam por outras que têm em si muito mais ou

muito menos tempo de trabalho? Como se explica enfim o fato de

uma mesma quantidade de ouro se transformar em mercadorias em

cuja história quantidades de trabalho tão diversas foram

empregadas? Ao ler a teoria de Marx tem-se a impressão de que tal

fato não poderia ocorrer:

É na medida em que todas as mercadorias medem os seus valores de troca em ouro, na proporção em que uma quantidade determinada de mercadorias contém igual tempo de trabalho, que o ouro se torna medida de valores. 1

Perceba o uso do termo “igual tempo de trabalho”. O ouro é

meramente um símbolo material dessa entidade abstrata, o tempo

de trabalho. Parece, entretanto, que na prática ele realiza mal sua

função de símbolo, uma vez que é tão comum trocar-se por

diferentes quantidades de tempo de trabalho.

Passarei agora a expor meu ponto de vista acerca da questão

dos valores de troca. Analisemos a seguinte passagem:

“... ao supor as mercadorias iguais ao ouro, admite-se a sua

igualdade entre si.” (p. 61)

1 MARX, Karl, p. 63.

Page 8: Sobre o Valor de Troca

Creio que nessa suposição encontra-se a raiz do erro mais

fundamental de toda a argumentação de Marx sobre esse assunto.

Para ele, uma vez que igualamos mercadorias a ouro, igualamo-nas

uma às outras. E essa passa a ser uma igualdade objetiva, intrínseca

à mercadoria, expressa diretamente pelo tempo de trabalho que ela

possui.

Nenhum matemático ousaria duvidar dessa afirmação, pois é

claro que se ‘a = m’ e ‘b = m’, então ‘a = b’. De fato esse é o caso,

mas não é aí que reside o erro de Marx. Seu erro está em supor a

igualdade objetiva entre as mercadorias. A = B porque o tempo de

trabalho de ambas é o mesmo. Ao tentar encontrar um parâmetro

para a mediação das trocas, Marx parece ter se esquecido de sua

própria definição de mercadoria, “coisas necessárias, úteis ou

agradáveis à vida”. Mercadorias são isso, e não simplesmente uma

“coagulação do tempo de trabalho”.

Pessoas trocam produtos tendo em vista sua utilidade e

necessidade, e isso deve ser levado em conta no valor de troca da

mercadoria. Voltando à análise da citação acima, não nego que, no

momento da troca supomos uma igualdade entre as mercadorias.

Troco um quilo de café por x unidades de moeda e com essa

mesma quantidade compro um quilo de batatas. É justo supor que,

excluindo-se o agente mediador, um quilo de café é igual a um

quilo de batatas. Mas essa igualdade é contingente e momentânea, e

se deve a uma série de fatores dentre os quais o tempo de trabalho é

um dos últimos a ser levado em conta.

Não ousarei aqui tentar analisar exatamente como os fatores

que suponho influenciar o valor de troca desempenham seu papel.

Page 9: Sobre o Valor de Troca

Apontarei apenas os dois que julgo mais importantes e o porquê

dessa suposição.

Ao tomarmos contato com qualquer mercadoria,

imediatamente o que nos vem à cabeça é seu valor de uso. Por mais

que o que queiramos seja simplesmente vendê-la, esse passa a ser

seu valor de uso para nós, ser vendida. O valor de uso tem portanto

um papel importantíssimo em qualquer relação comercial. Ele é o

guia, o espírito da transação. Caso alguém queira me vender, por

exemplo, um quilo de pó de chifre de boi, mesmo que o valor

pedido seja justo em relação à quantidade de trabalho dispendida na

produção dessa mercadoria, eu não compraria. Por quê? Porque o

valor de uso do produto é, para mim, insignificante, irrelevante. A

troca só ocorre quando as partes estão satisfeitas quanto aos valores

de uso do que irão receber.

E isso vale para ambas as partes, a que compra e a que

vende. Como vimos anteriormente, o valor de uso da moeda é ser o

equivalente universal, é representar diretamente a possibilidade de

se transmutar em outras mercadorias. Assim, ao trocarmos uma

mercadoria por dinheiro, ou seja, ao vendermos algo, estamos

também adquirindo um valor de uso, e esse deve nos ser

satisfatório, caso contrário a troca não ocorre.

Vemos então que o valor de uso das mercadorias é essencial

para a ocorrência das trocas. Mas como ele influencia no valor de

troca? Suponho que, aproximadamente, da seguinte maneira.

Voltando ao exemplo do pó de chifre de boi. O valor de uso dessa

mercadoria não é atraente para mim, nem provavelmente para o

leitor, nem para grande parte da população. Não gostaria que meu

ouro, meu equivalente geral, dentre todas as outras possibilidades

Page 10: Sobre o Valor de Troca

que lhe são oferecidas, se transformasse justamente em pó de chifre

boi. Podemos supor que não há, socialmente, uma vontade, uma

inclinação à troca de mercadorias por pó de boi.

Essa falta de vontade, essa não relevância do valor de uso,

irá fatalmente influenciar no valor de troca da mercadoria. O

produtor do pó, por mais que tenha gasto x horas na produção de

um quilo, não pode esperar trocar seu produto por um quilo de

milho, cujo produtor gastou as mesmas x horas, mas cujo produto

possui um valor de uso muito mais relevante para a maioria da

população. Segundo Marx a troca entre eles deveria ocorrer, já que

essas mercadorias possuem a mesma quantidade de trabalho

materializado em si. A verdade é que socialmente se procura muito

mais milho do que pó de chifre de boi e, consequentemente, seus

valores de troca não serão equivalentes.

Imaginemos agora que, no futuro, se descubra que o pó

possui incríveis propriedades medicinais. Ocorrerá provavelmente

uma procura muito maior por esse produto, o que fará com que seu

valor de troca aumente consideravelmente. Mas é provável também

que a quantidade de produtores de pó aumente, já que esse produto

agora proporciona possibilidades de troca excelentes. E em pouco

tempo o pó de chifre de boi, que era um produto raro no mercado,

já que ninguém o queria, aparece disponível em grandes

quantidades. O efeito da maior disponibilidade é uma diminuição

do valor de troca, que acaba por balancear o aumento desse valor

provocado pela grande procura.

Um último fator a ser analisado antes da conclusão.

Imaginemos por fim que o produtor do pó gaste 10 unidades de

moeda por cada quilo produzido. Por quanto ele venderá esse

Page 11: Sobre o Valor de Troca

mesmo quilo? Sabemos que, no atual modelo capitalista, ele

evidentemente cobrará mais do que os 10 gastos inicialmente, a não

ser em raras ocasiões. Mas será que ele pode cobrar 20, 30, ou

qualquer valor arbitrário? A não ser que exista algum agente

regulador, seremos obrigados a admitir que sim.

Acredito que a resposta a essa questão se encontre na análise

mais aprofundada do último fator apontado, a disponibilidade do

produto. Por que o fato de algo aparecer com abundância no

mercado tem o efeito de diminuir seu valor de troca? Isso só ocorre

se um pré-requisito for preenchido: o de que o produto abundante

seja produzido por diferentes pessoas ou empresas. É a

concorrência entre esses diferentes produtores que regula o valor de

troca e impede que os vendedores estipulem valores abusivos. No

exemplo anterior, em que o pó de chifre precisa que 10 unidades de

moeda sejam gastas para um quilo seja produzido, podemos

imaginar o que aconteceria caso ele quisesse vender seu produto

por, digamos, 30 unidades. A princípio, dada a grande procura, as

pessoas podiam até comprar por esse preço. Mas no momento em

que outro produtor entrasse no mercado, a concorrência entre eles

regularia o preço de ambos. É claro que um acordo poderia ser feito

entre eles, e ambos vendessem a 30, prática conhecida como cartel,

mas não analisaremos essa ocorrência em nosso exemplo, no qual

supomos uma livre concorrência entre as partes.

O segundo produtor, recém-chegado ao mercado, também

gastou por volta de 10 unidades para produzir seu quilo. Ao ver que

seu concorrente cobra 30, ele percebe que, caso cobre 25, todos os

clientes preferirão comprar dele, e que mesmo assim ainda terá um

lucro fabuloso. E é isso que ocorre. O primeiro produtor, ao se ver

ameaçado, abaixa seu preço para 20, o que não é o que ele

Page 12: Sobre o Valor de Troca

inicialmente queria, mas é melhor do que nada. E assim

sucessivamente, até que se encontre uma espécie de equilíbrio entre

os preços, algo próximo do valor gasto na produção, que é o limite

(para os produtores do nosso exemplo, pelo menos.)

Assim, a não ser que exista um monopólio, ou seja, que um

único produtor exista em um determinado mercado, a concorrência

tende a nivelar os valores de troca. Monopólios são geralmente mal

vistos justamente pela possibilidade de abuso nos preços. Mas não

precisamos imaginar grandes corporações para constatarmos que,

quando não há concorrência, os preços podem ser altíssimos.

Suponhamos que eu queira vender meu produto, um quadro de Van

Gogh. É claro que não terei nenhuma concorrência, pois se trata de

um produto único. Trocarei, com certeza, meu produto por uma

quantidade de equivalente geral muito, mas muito maior do que a

quantidade de horas gasta em sua produção. Reconheço que nesse

caso específico não se trata de trabalho geral, indiferenciado, mas

meu ponto é simplesmente mostrar que sem concorrência, os

valores de troca podem ser altíssimos.

Marx me acusaria, nesse momento, de confundir preço e

valor de troca. Não escondo que de fato é o que venho fazendo a

partir do momento em que comecei a expor minha teoria. O leitor

provavelmente se lembra que, para Marx, valor de troca e preço

eram entidades diferentes, apesar de parecidas. O valor de troca

representa, como vimos, as possibilidades de uma mercadoria ser

trocada por outras. O preço é a expressão monetária desse valor, é a

quantidade de moeda, de equivalente universal que de fato é usada

no momento da troca. Por motivos diversos o preço pode não

coincidir com o valor de troca. O valor de troca era dado

diretamente pelo tempo de trabalho imbuído na mercadoria.

Page 13: Sobre o Valor de Troca

Como rejeito essa tese de que exista um valor de troca

intrínseco, para mim valor de troca e preço são idênticos. Valor de

troca é a quantidade de moeda pela qual um produto pode ser

trocado, ou seja, seu preço. De certa maneira, o valor de troca

continua representando as possibilidades de uma mercadoria se

metamorfosear em diversas outras. A diferença é que essa não é

uma possibilidade essencial, carimbada no momento da produção,

mas sim algo variável, um valor que flutua de acordo com os

fatores que apresentei acima.

É hora de revisarmos o que sugeri nos parágrafos anteriores.

O valor de troca de uma mercadoria não é dado pelo tempo de

trabalho nela contida, mas por outros fatores, como a relevância dos

valores de uso para as pessoas em geral e a disponibilidade do

produto no mercado. A relevância dos valores de uso, esse fator tão

humano, que condiz com a definição marxiana de mercadoria, irá

influenciar na procura social por uma determinada mercadoria.

Uma maior procura tende a aumentar o valor de troca. Por outro

lado, uma maior procura social faz com que mais pessoas se

interessem em produzir tal mercadoria, o que aumenta sua

disponibilidade no mercado. Quanto maior a quantidade da

mercadoria disponível, menor seu valor de troca. Isso, caso exista

concorrência entre os produtores. A briga por espaço tende a anular

eventuais abusos e a nivelar os valores de troca.

Os produtores terão que tentar encontrar estratégias para

lucrar mais sem aumentar seu preço. Estratégias que podem incluir

produzir mais em menor tempo. É somente nessa esfera, a do

produtor, que percebo a relevância do tempo de trabalho para o

valor de troca. Fábrica A, que tem 100 funcionários, produz 10

Page 14: Sobre o Valor de Troca

carros por dia. Fábrica B, com os mesmos 100 funcionários,

consegue, de alguma forma, produzir 15 carros. B conseguirá

vender mais carros que A, caso exista procura, simplesmente

porque produz mais. Não é porque o tempo de trabalho gasto em B

é menor que seus carros serão mais baratos.

Concluo minha argumentação analisando o escambo entre

índios e europeus sob a luz de minha teoria. A relevância do ouro

para os índios era meramente estética. As pedrinhas, apesar de

raras, não tinham um valor de uso tão considerável para eles. Já

para os europeus, o valor de uso do ouro era o maior possível, pois

ele representava diretamente qualquer coisa que eles quisessem

adquirir. Índios viam no ouro uma mercadoria, os europeus todas

elas. Já os espelhos, tabaco e outras bugigangas, que para os

europeus não tinham um alto valor de troca, por existirem em

grande quantidade na Europa, tinham aos olhos dos índios um valor

altíssimo. Além de possuírem valores de uso relevantes, eram raros.

Ou seja, para ambas as partes o negócio era excelente, pois

trocavam objetos de baixo valor por outras de alto valor. Tudo isso

sem se preocupar com quanto tempo de trabalho havia sido

empregado em sua produção.

Referência Bibliográfica

MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo :

Martins Fontes, 2003.