Click here to load reader
View
1
Download
0
Embed Size (px)
1
Int J Psychoanal (2009) 90:311–327 doi: 10.1111/j.1745-8315.2009.00130.x
Sobre tornar-se um psicanalista
Glen O. Gabbard e Thomas H. Ogden
Baylor College of Medicine – Psychiatry, 6655 Travis Street, Suite 500,
Houston, Texas 77030, USA – [email protected]; [email protected]
(Data da aceitação final – 12 de Novembro de 2008)
A oportunidade e a responsabilidade de tornar-se um analista nos seus próprios
termos surgem no decorrer dos anos de prática que seguem a conclusão da
formação analítica formal. Os autores discutem seu entendimento sobre algumas
das experiências de amadurecimento que contribuíram para torná-los analistas nos
seus próprios termos. Acreditam que o elemento mais importante do processo de
seu amadurecimento como analistas seja o desenvolvimento da capacidade de fazer
uso do que é único e idiossincrático em cada um deles; cada um, em seus melhores
momentos, conduz-se como um analista, de uma maneira que reflete seu próprio
estilo analítico, sua própria maneira de estar com seus pacientes e de falar com
eles, sua própria forma da prática da psicanálise. Os tipos de experiências de
amadurecimento que os autores analisam incluem situações nas quais aprenderam
a ouvir a si próprios falando com seus pacientes e, assim fazendo, começaram a
desenvolver uma voz própria; experiências de crescimento que ocorreram em um
contexto de apresentação de material clínico a um supervisor; fazer uso auto-
analítico de sua experiência com seus pacientes; criar / descobrir a si mesmos
como analistas na experiência da escrita analítica (dando atenção especial à
experiência de amadurecimento envolvida na escrita do presente artigo); e
responder à necessidade de continuar mudando, para ser original em seu
pensamento e comportamento como analistas.
Palavras chave: desenvolvimento, história da psicanálise, educação psicanalítica.
Poucos de nós sentimos que realmente sabemos o que estamos fazendo quando
completamos a nossa formação psicanalítica formal. Nós nos debatemos.
Lutamos para encontrar a nossa „voz‟, o nosso 'estilo' próprio, um sentimento de
mailto:[email protected]
2
que estamos comprometidos com a prática da psicanálise de uma maneira que
leva a nossa própria marca:
É apenas depois de se ter qualificado [como um analista] que se tem a chance de
tornar-se um analista. O analista no qual você se torna é você, e somente você; a
singularidade de sua própria personalidade tem que ser respeitada - isso é o que
você usa, não todas aquelas interpretações [aquelas teorias que se usa para combater
o sentimento de que você não é realmente um analista e que não sabe como tornar-
se um].
(Bion, 1987, p. 15)
No presente artigo discutimos uma variedade de experiências de
amadurecimento que foram importantes para nós em nossos esforços para nos
tornarmos analistas após nossa formação analítica. Certamente os tipos de
experiência que tiveram valor especial para cada um de nós foram diferentes,
mas também se sobrepuseram de formas importantes. Tentamos transmitir tanto
a padronização quanto as diferenças entre os tipos de experiência que foram
mais significativos para nós em nossos esforços para nos tornarmos analistas (e
para amadurecermos como tal). Além disso, discutimos várias medidas
defensivas que os analistas em geral, e nós em particular, temos usado diante
da ansiedade que é inerente ao processo de tornar-se genuinamente um analista
nos seus próprios termos.
Um contexto teórico
Uma variedade de experiências ao longo do desenvolvimento como analista é
fundamental para o amadurecimento tanto como analista quanto como
indivíduo. O amadurecimento do analista tem muito em comum com o
desenvolvimento psíquico em geral. Identificamos quatro aspectos do
crescimento psíquico que são essenciais para a nossa visão do processo de
tornar-se um analista.
O primeiro é a idéia de que pensar / sonhar a própria vivência no mundo
constitui um meio principal, talvez o meio principal pelo qual se aprende com a
3
experiência e se atinge o crescimento psicológico (Bion, 1962a). Além disso, a
vivência de alguém é geralmente tão perturbadora que excede a capacidade do
indivíduo de usá-la psiquicamente de algum modo, ou seja, pensar ou sonhar a
experiência. Sob tais circunstâncias, são requeridas duas pessoas para pensar ou
sonhar a experiência. A psicanálise de cada um dos nossos pacientes,
inevitavelmente nos coloca em situações que nunca foram antes experimentadas
e, como conseqüência, exige de nós uma personalidade mais ampla do que
aquela que trouxemos para a análise. Consideramos que isso seja verdadeiro
para todas as análises: não existe uma análise “fácil” ou “direta”. A re-
conceituação da identificação projetiva como um processo intrapsíquico ⁄
interpessoal nos trabalhos de Bion (1962a, 1962b) e Rosenfeld (1987)
reconhece que nessas situações analíticas novas e perturbadoras, o analista
requer outra pessoa para ajudá-lo a tornar o impensável pensável. Esta outra
pessoa é na maioria das vezes o paciente, mas pode ser um supervisor, um
colega, um mentor, um grupo de consulta, e assim por diante.
Inerente a esse conceito de pensamento intersubjetivo existe a idéia de que,
ao longo da vida do indivíduo, „„É preciso [pelo menos] duas pessoas para
formar uma‟‟ (Bion, 1987). Precisa-se de uma mãe-e-bebê capaz de ajudar a
criança a alcançar „„status de unidade‟‟ (Winnicott, 1958a, p. 44). Três pessoas
são necessárias - mãe, pai e filho - para criar uma criança edipiana saudável; é
preciso haver três pessoas - mãe, pai e adolescente - para criar um jovem adulto;
precisa-se de dois jovens adultos para criar um espaço psicológico no qual se
possa criar um casal que, por sua vez, seja capaz de criar um espaço psicológico
no qual um bebê possa ser concebido (literalmente e metaforicamente); é
preciso uma combinação de uma jovem família e de uma velha família (uma
avó, um avô, mãe, pai e filho) para criar condições que contribuam para que se
aceite, ou que facilitem a aceitação e o uso criativo da experiência de
envelhecimento e morte dos avós (Loewald, 1979).
4
No entanto, essa concepção intersubjetiva do desenvolvimento do analista é
incompleta na ausência de sua contraparte intra-psíquica. Isso nos leva ao
segundo aspecto do contexto teórico para essa discussão: para pensar / sonhar a
nossa própria experiência, precisamos de períodos de isolamento pessoal, não
menos do que precisamos da participação das mentes dos outros. Winnicott
(1963) reconheceu esse requisito essencial do desenvolvimento quando
observou: „„Há um estágio intermediário no desenvolvimento saudável no qual
a experiência mais importante do paciente em relação ao objeto bom ou
potencialmente satisfatório é a recusa do mesmo‟‟ (p. 182). No setting analítico,
o trabalho psicológico que é realizado entre as sessões não é menos importante
que o trabalho feito com o analista nas sessões. Na verdade, analista e paciente
precisam „dormir sobre‟ a sessão, isto é, precisam sonhá-la por si próprios antes
de serem capazes de realizar um trabalho mais profundo como um par analítico.
De maneira semelhante, nas sessões, o trabalho psicológico que o paciente
realiza separado do analista (e que o analista realiza no seu espaço isolado atrás
do divã) é tão importante quanto o pensar / sonhar que os dois realizam um com
o outro. Essas dimensões – a interpessoal e a solitária – são totalmente
interdependentes e permanecem em tensão dialética uma com a outra. (Quando
falamos de isolamento pessoal, estamos nos referindo a um estado psicológico
diferente do estado de estar sozinho na presença de outra pessoa, isto é, „a
capacidade de estar só‟ de Winnicott [1958b]. Ao invés disso, o que temos em
mente é um estado que é muito menos dependente das relações de objeto
externas, ou mesmo internalizadas [ver Ogden, 1991, para uma discussão desse
estado saudável de „isolamento pessoal‟]).
O terceiro aspecto do crescimento psíquico, que é essencial para a nossa
concepção de amadurecimento do analista, é a idéia de que se tornar um
analista envolve um processo de ''sonhar-se mais plenamente na existência''
(Ogden, 2004a, p. 858) de maneiras cada vez mais complexas e inclusivas. Na
tradição de Bion (1962a), estamos usando o termo 'sonhar' com referência à
5
forma mais profunda de pensamento. É