Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
LEDILSON LOPES SANTOS JUNIOR
SOCIABILIDADE E IDENTIDADES CONFINADAS EM CONDOMÍNIOS DA BARRA DA TIJUCA
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph
Rio de Janeiro 2009
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
RÁFICA LEDILSON LOPES SANTOS JUNIOR
SOCIABILIDADE E IDENTIDADES CONFINADAS EM CONDOMÍNIOS DA BARRA DA TIJUCA
Tese submetida ao corpo docente constituído pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em: 30 de janeiro de 2009 ______________________________________ Prof. Dr. Rainer Randolph – Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ______________________________________ Prof. Dra. Ester Limonad Universidade Federal Fluminense – UFF ______________________________________ Prof. Dra. Maria de Fátima Ribeiro Gusmão Furtado Universidade Federal de Pernambuco – UFPE ______________________________________ Prof. Dra. Tamara Tania Egler Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ ______________________________________ Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
AGRADECIMENTOS
Esta tese é fruto de uma longa caminhada que sequer teria sido iniciada sem
a ajuda dos meus pais. A eles que sempre estiveram ao meu lado e me conferiram
uma sólida base ética.
Agradeço ao Departamento de Ciências Sociais da UERJ que no ano de 2000
me ofereceu a primeira experiência docente em nível superior, de onde pude extrair
excelentes lições acadêmicas baseadas no desafio da dedicação ao ensino e
pesquisa em um país cada vez menos afeito ao pensamento crítico. Sou
profundamente grato ao Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da UFRJ que no período de 2001 a 2003 me permitiu a atividade
docente, acrescentando a minha curta biografia um novo envolvimento com a
Instituição onde estudei. Neste período pude apreender significados que distinguem
o trabalho reflexivo do mero tarefismo pedagógico. Não poderia deixar de
reconhecer a importância dos meus alunos nesta nova etapa da minha vida.
Um agradecimento especial aos amigos Anderson, Claudia, Humberto e
Natany.
Aos funcionários do IPPUR, sempre profissionais e zelosos de suas
responsabilidades com os alunos, sem com isto perder o afeto tão necessário, e
cada vez mais escasso, às relações humanas.
Um agradecimento especial aos amigos da minha “turminha” Betânia e Oscar.
A primeira o prazer de ter como amiga alguém tão humana e brilhante, e que faz de
sua trajetória pessoal uma preocupação com o Outro. Ao amigo Oscar, notável
urbanista e “xará”, o privilégio de ser seu amigo, de poder ter aprendido tanto com a
nossa convivência em locus no Rio de Janeiro, tendo a certeza que este vínculo
permanecerá por toda a vida.
Agradeço, de forma sincera, ao meu orientador por ter pautado sua
orientação no respeito à minha produção e no estímulo ao debate de idéias,
mantendo o rigor de suas análises.
Agradeço a todos os moradores que me concederam as entrevistas.
A Myriam, meu amor, por estar ao meu lado neste momento tão particular que
exigiu tanta paciência, onde revelou muito companheirismo.
RESUMO
LOPES, Ledilson. Sociabilidade e Identidades Confinadas em Condomínios da Barra da Tijuca. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Este estudo tem como objetivo investigar as formas de socialização desenvolvida pelos moradores dos condomínios fechados da Barra da Tijuca, tanto no âmbito dos seus respectivos condomínios quanto nas áreas de encontro presentes nos seus entornos. Considerando o impacto sócio-espacial produzido pelo crescimento da Barra da Tijuca, impacto este que possui relações de determinação sobre as morfologias tanto do tecido social deste bairro e dos outros bairros de sua respectiva região administrativa quanto do conjunto da cidade do Rio de Janeiro, buscamos através da identificação dos fatores que motivam os processos de interação entre moradores de condomínios fechados a verificação de valores que possam estas legitimando estas escolhas. Para atender a este objetivo nossa empreitada foi divida em duas etapas: uma primeira abordagem teórica baseada na bibliografia que tem se debruçado sobre a complexidade da instalação dos condomínios fechados em várias cidades, com ênfase para os casos metropolitanos. Feito isto partimos para o campo e através da realização de entrevistas com moradores de condomínios fechados buscamos responder algumas indagações que fundamentaram toda a investigação, tais como, até que ponto o morador da Barra da Tijuca só se relacionava com os moradores e os espaços do próprio bairro; qual a real dimensão do condomínio fechado na vida do morador, no que tangesse a determinação das suas dinâmicas espaciais dentro e fora do bairro; e se seria possível extrair destes depoimentos alguma concepção de cidade oriunda das possíveis representações que os moradores da Barra da Tijuca produzem sobre a sua condição de residentes de um bairro de classe média alta. As conclusões a que se chegamos alertaram-nos sobre uma certa generalização de idéias e imagens que diferentes veículos tem produzido sobre a Barra da Tijuca, que freqüentemente consagram pré-noções que pouco contribuem para a percepção da real participação da Barra da Tijuca no contexto atual de crescimento das cidades capitalistas, cujos arranjos sociais frutos de empreitadas privatistas, bem representadas pelo caso da Barra da Tijuca, tem revelado toda a força de determinadas orientações comportamentais, algumas delas induzidas pela sociedade de consumo.
Palavras chave: Segregação residencial; identidade social e consumo.
ABSTRACT
LOPES, Ledilson. Sociability and Confined Identities at Condominiums in Barra da Tijuca. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
This study aims to investigate the forms of socialization of private condominiums developed by the residents of Barra da Tijuca, both within their respective areas of condominiums and in their surroundings. Considering the socio-space impact produced by the growth of Barra da Tijuca, which impact this has on the relations of determination morphologies of both the social fabric of this district and other districts in their region as the whole city of Rio de Janeiro, we by identifying the factors that drive the processes of interaction between residents of these private condominiums verified values that can legitimizing these choices. To meet this goal our work was divided into two stages: a first theoretical approach based on the literature that has been working on the complexity of the installation of private condominiums in several cities, with emphasis on the metropolitan cases. After that we did a practical research by conducting interviews with residents of condominiums we aimed to answer some questions which motivated the whole research, such as the extent to which the resident of Barra da Tijuca is only related to the residents and the spaces of their own neighborhood, which is the real dimension of the private condominium in the life of the residents regarding their spatial dynamics within and outside the neighborhood, and if it would be possible to extract from some of these testimonials the design of possible representations that the inhabitants of the Barra da Tijuca produce on the condition of residents of a neighborhood of upper middle class. Our conclusions warned us about a generalization of ideas and images that have been produced by the media about Barra da Tijuca, which often spend little pre-notions that contribute to the perception of the real participation of Barra da Tijuca in the current context of capitalist growth of cities, whose social arrangements of private works, well represented by the case of Barra da Tijuca, has revealed the full force of certain behavioral guidelines, some of them induced by the society of consumption.
Key words: Residential segregation, social identity and consumption.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Barra da Tijuca nos anos cinqüenta
96
Figura 2 – Avenida das Américas em 1969
101
Figura 3 – Barra da Tijuca nos anos oitenta
112
Figura 4 – Entrada da Barra da Tijuca em 1972
112
Figura 5 – Entrada da Barra da Tijuca em 1977
113
Figura 6 – Presença do condomínio Solar da Barra, Nau da Barra, Portal do Parque e Vivendas do Bosque
183
Figura 7 – Condomínio Barramares
184
Figura 8 – Condomínio Jardim Europa
186
Figura 9 – Condomínio Barrasul
187
Figura 10 – Condomínio Lake Buena Vista
188
Figura 11 – Mapa da Barra da Tijuca
189
Figura 12 – Vista aérea da Barra da Tijuca
190
Figura 13 – Fronteira tensa entre condomínio Barrasul e vizinho
200
Figura 14 – Guarita do Solar da Barra
202
Figura 15 – Imagem interna do Barramares
204
Figura 16 – Área de lazer do Barramares
209
Figura 17 – Administração profissional
221
Figura 18 – Limites artificiais de um condomínio
236
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
Os condomínios fechados e os novos desafios urbanos: uma breve revisão da literatura sobre condomínios fechados no Brasil e na América Latina
8
Condomínios fechados: a diversidade do objeto
11
Divisão da tese
24
CAPÍTULO 1 – Espaço e modernidade tardia: a construção de uma nova espacialidade representada pelos condomínios fechados
28
1.1 – O sentimento de insegurança nas grandes cidades: a solução condomínio fechado
33
1.2 – Comunitarismo com individualismo. O desafio das novas classes médias
40
1.3 – Condomínio fechado: racionalismo com culturalismo?
58
1.4 – A nova socialização urbana
62
1.5 – Os condomínios fechados e a modernidade tardia
66
1.6 – O condomínio fechado e a busca por um modo de vida total
73
1.7 – Conforto e exclusividade: dois epítomes da sociedade de consumo
78
CAPÍTULO 2 – As Transformações Sócio-Espaciais da Cidade: a contribuição da Barra da Tijuca para um novo modelo de urbanidade
89
2.1 – As particularidades da forma urbana
90
2.2 – Do descampado ao mar de condomínios
96
2.3 – Um breve aporte sobre os impactos morfológicos provocados pelo Plano Lúcio Costa na Barra da Tijuca
100
2.4 – A Barra da Tijuca – a consagração de uma nova urbanidade
111
2.5 – A Barra de ontem para hoje
117
2.6 – O escapismo das elites e a redução da maioridade territorial
127
CAPÍTULO 3 – Representação e Realidade – a vida em condomínios fechados da Barra da Tijuca através do noticiário da grande imprensa
139
3.1 – O papel da imprensa na construção de um imaginário urbano segregacionista
139
3.2 – Metodologia adotada
143
3.3 – Vulnerabilidade em fortalezas
146
3.4 – A fala sobre o público e a ação no espaço privado
163
CAPÍTULO 4 – Barra da Tijuca: as formas de interação em condomínios fechados
175
4.1 – Metodologia das entrevistas
178
4.1.1 – A seleção dos moradores e dos condomínios fechados
180
4.2 – A Barra como destino
189
4.3 – O medo urbano: a procura por segurança nos condomínios fechados
206
4.4 – A invenção da comunidade
216
4.5 – A gestão do espaço condominial
220
4.6 – Individualismo x Comunitarismo: os limites da dicotomia
225
4.7 – O consumo como elemento de formação de uma identidade social e a sua construção nos espaços de fluxo do bairro
231
4.7.1 – Na busca pelos bens privados: a reconfiguração do espaço público
234
CONCLUSÃO
250
REFERÊNCIAS
263
1
INTRODUÇÃO Welcome to Pessanha Tower. Welcome to Flowerville. Depois de conversar com Pessanha, Neumani já não estranha aquele welcome obrigatório que flowerville parece considerar tão educado. Caminha pelas ruas do condomínio entre bancas de jornal e floristas, mesas de café e tábuas de shiatsu ao ar livre, parquinho com balanços e anúncios holográficos que saltam da calçada e dos quais todo mundo desvia – por reflexo, mas também porque dizem que dá azar passar dentro da holografia. Aqui tudo é playground, o slogan dos tempos do lançamento do projeto pós-urbano lhe vem à cabeça.(Rodriguez, Sérgio, 2006, p.15). 1
Flowerville é um megacondomínio. Erguido sobre um antigo vazio urbano2, sua
concepção atendia aos preceitos mais ambiciosos do urbanismo pós-moderno: construir
em uma área deserta uma obra arquitetônica que pudesse gerar um estilo jamais visto
em termos de vida coletiva. Lá o idioma oficial é o inglês, assim como os hábitos dos
seus moradores são referenciados pelo modo de vida americano. Este idioma, que no
fundo procura induzir uma gramática de relações sociais, está sempre presente nos
vícios de linguagem do seu idealizador, o doutor Pessanha, que, não raro, é
mencionado pelos outros personagens como doutor Peçonha, principalmente por
Neumani, espécie de colaborador involuntário dos seus projetos. Neste
empreendimento primado pela maximização dos usos dos espaços internos, esperava-
se reproduzir uma cidade perfeita, sem os vícios e infortúnios das cidades reais, cujos
projetos forma marcados pela racionalidade, porém aplicados em ambientes sociais que
não corresponderam suas estratégias de controle.
1 RODRIGUEZ, Sérgio. As Sementes de Flowerville. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. 2 O uso desta expressão é uma menção à antiga imagem da Barra da Tijuca, antes da sua ocupação começar a se efetivar por volta do final dos anos sessenta. Apesar do romance não citar explicitamente a Barra da Tijuca, as imagens arquitetônicas, as relações entre os moradores e os valores por eles defendidos em seus processos de interação poderiam reportar o seu leitor a imaginar em Flowerville uma caricatura de condomínios presentes na Barra da Tijuca. Soma-se a isto o fato biográfico de que, apesar de ser mineiro de origem, o autor mora no Rio de Janeiro, logo ele tende a estar bastante familiarizado com o fenômeno de condomínios da Barra da Tijuca.
2
Dentro de Flowerville, dada a grandiosidade de sua estrutura física é possível
encontrar de tudo, permitindo ao seu morador desenvolver formas de socialização que
lembrem modos de vida totais.3 Nada que fuja a imaginação humana está de fora. Sua
existência é a mais perfeita combinação de conforto, exclusividade e segurança,
assegurando a distinção dos seus moradores e a enorme distância que estes guardam
com aqueles que ficaram do lado de fora, nomeados na obra literária como os
moradores da cidade.
Apesar de se tratar de uma obra literária, logo, um exercício de imaginação livre
dos preceitos de investigação científica, a passagem epigrafiada, assim como a
abordagem sintética que eu procurei fazer da história contada no livro, são bastante
reveladoras de uma das mais expressivas construções urbanas das últimas décadas, e
que hoje se faz presente em praticamente todas as grandes capitais brasileiras: os
condomínios fechados.
Fenômeno que há pelo menos duas décadas vem intrigando uma série de
pesquisadores urbanos egressos de diferentes formações acadêmicas, os condomínios
fechados começaram a ganhar a imaginação artística. Já nos sessenta Godard
produziu um dos seus clássicos Alphaville, um filme que primava pela qualidade do
texto e uma previsão assustadora de um cenário urbano onde todos os movimentos
seriam programados e controlados por um grande computador, espécie de Big Brother
a lá George Orwell, instalado no núcleo central da cidade, o Alphaville 60.
O pesadelo anunciado pela obra cinematográfica de uma cidade onde todos os
movimentos são calculados, as pessoas cumprem funções rígidas, e desta forma, estão
destituídas de personalidade própria, alcançando um nível de despersonalização que
nenhuma experiência concreta de cidade ao longo da história sequer conseguiu se
aproximar, curiosamente, teve a sua nomenclatura reaproveitada alguns anos depois
pelo ambicioso projeto residencial paulistano. A recuperação deste nome parece
atender a um preceito lógico. Seus empreendedores, preocupados em convencer os
futuros compradores das unidades alphavillianas de que estes morariam em ambientes
inovadores, recorreram à ficção para reforçar uma representação coletiva. O fato de
que viver nas cidades convencionais tenha se tornado perigoso, e ainda que os
3 Neste momento o conceito tem um sentido introdutório para uma reflexão feita no corpo da tese.
3
indivíduos precisassem sacrificar, em um primeiro momento, certo níveis de liberdade,
esta perda seria compensada por um futuro seguro, sustentado por modos de vida
harmoniosos.4 Daí a sua opção por uma cidade asséptica, longe dos intrusos, bem
parecido com a intenção defendida pela paranóia de segurança do filme francês.
Os dois trabalhos citados são narrativas ficcionais que, entretanto, podem
confundir-se com a realidade. Perdoem-me o chavão, mas só assim consigo expressar
minha surpresa com os níveis de realidade traduzidos por duas obras que em termos
geográficos, históricos e culturais estão tão afastadas, mas ao mesmo tempo anunciam
valores contemporâneos à determinados modos de vidas nas grandes cidades. No
trabalho de Sérgio Rodriguez a figura do empresário do setor imobiliário lucra com a
especulação imobiliária consentida por acordos com órgãos do governo, destacando
assim, uma das facetas estruturais do crescimento de formas específicas de
apropriação do terreno urbano, que é o casamento dos interesses de determinados
segmentos do capital rentista com o poder público.
Apesar do personagem do megaempresário ser caricaturado na obra, o seu
perfil e os tipos de relação que ele estabelece com os seus subordinados, normalmente
marcadas por acordos de submissão, traçam com relativa perfeição o cenário de uso
desenfreado do poder que está de posse de certos personagens cada vez mais comuns
no imaginário da cidade capitalista. Ele é uma figura com acesso indiscriminado a tudo
que acontece dentro dos seus domínios, desde àqueles que entram no seu território,
sempre cuidadosamente vigiado, até uma confusão protagonizada por Bruno Leonte,
espécie de maurcinho pitboy da Barra da Tijuca, cuja repercussão precisou ser
abortada antes que fosse veiculado aos meios de comunicação local. Pode-se dizer,
sem exagero, que Flowerville é uma aplicação da sociedade do controle, o refinamento
de pregressas formas de monitoração da vida.5
4 Para Baumam, uma das grandes contraposições trazidas pela retórica do confinamento voluntário, que parece fronterizar de-terminados modelos de socialização em condomínios fechados, é a contraposição entre liberdade e segurança. Para ele é impossível equacionar as demandas por segurança formuladas por segmentos que buscam se isolar, ainda que de forma imprecisa, dos conflitos e tensões que caracterizam espaços abertos, logo vizinhos às suas residências, com liberdade, já que esta mesma liberdade é frutada pelo monitoramente da dinâmica dos moradores dentro dos seus condomínios. Apesar desta reflexão aplicar-se a um escopo muito maior do que as formas de socialização desenvolvidas dentro de condomínios fechados, a sua mensagem parece explicar um dos grandes paradoxos resultantes de algumas dinâmicas de confinamento residencial. 5 Sociedade de controle foi uma categoria criada por Gilles Deleuze para sustentar a superação das bases disciplinar que marcou outras épocas. Hoje em dia a monitoração e o controle sobre os indivíduos se dão, justamente, na sociedade de controle cujo funcionamento é caracterizado pelo controle contínuo e comunicação instantânea. Uma era das máquinas cibernéticas e dos computadores. Todo este aparato pode ser visto nas engrenagens de controle de Flowerville.
4
Levando em consideração a relevância de algumas questões levantadas pelos
referidos trabalhos literários, mas de antemão anunciando a minha investigação de
caráter estritamente científico, o objetivo da minha tese foi investigar os processos de
socialização em curso dentro de um número específico de condomínios fechados no
bairro da Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Delineado este objetivo procurei
verificar dentro destes condomínios o conjunto de relações que especificam os agentes
envolvidos nestes processos e os lugares com os quais os moradores se envolvem, já
que nos primeiros momentos da minha investigação já era possível identificar
deslocamentos dos moradores em direção a outros espaços do bairro, acionados de
acordo com a demanda em questão.
Ao fazer a análise das formas de interação entre os moradores de condomínios
em busca dos valores que os sustentam, pretendia verificar a existência de
diversidades entre os modelos residênciais e de que forma esta diversidade poderia
impactar nas formas de socialização desenvolvidas por estes moradores, na medida em
que a heterogeneidade da composição poderia indicar uma diversidade de segmentos
sociais que se expressa no território. E um dos valores que pretendia verificar era a
participação do medo como princípio norteador da escolha do morador por morar em
condomínio fechado.
Adianto nesta passagem a proeminência do medo como variável para o exame
das formas de socialização dos moradores de condomínios, fazendo um exercício de
antecipação que não pretende desfigurar a seqüência de uma tese, já que aqui na
introdução esta descoberta recebe outro tratamento. Sua antecipação colabora para
justificar o marco teórico selecionado. Logo, ao figurar como um dos valores mais
comuns, o medo que consubstancia uma conseqüente sensação de insegurança
procura ser amenizado pela disponibilidade de aparatos de segurança modernos e
reconhecidos pelos moradores de condomínios como obrigatórios, e o anseio por
privacidade. Este aspecto demonstrou a combinação de princípios que em um primeiro
momento me soaram como contraditórios, mas que depois foram sendo equacionados
pela regularidade com a qual apareciam nas entrevistas: o desejo de viver em um
ambiente coletivo que assegurasse ao seu morador a defesa da sua privacidade. Estas
duas preocupações colaboram para a composição de formas de subjetivações dos
5
moradores de condomínios cujas dinâmicas de interação com os espaços do bairro são
definidas pelos marcos teóricos e morais da sociedade de consumo. Entretanto, se a
complexidade da sociedade de consumo não pode ser restrita ao conjunto de relações
acionadas por estes moradores – consumidores, alguns dos seus princípios podem
estar ali perfeitamente representados.
A minha investigação que foi motivada pela curiosidade analítica de identificar e
analisar o tipo de tecido social que se forma dentro destes macro espaços que são os
condomínios fechados acabou por me permitir a desconstrução de alguns lugares
comuns que costumam ser atribuídos aos condomínios. Primeiro, os condomínios
fechados não são áreas anômalas, no sentido durkheimiano6, pois dentro deles existem
formas de convivência que se assemelham à outros espaços sociais da cidade,
igualmente marcados por formas de comunicação entre os seus moradores e
irradiadores de valores comuns. Segundo, apesar da preocupação com a segurança
ser comum a todos moradores ela não foi o único fator que motivou a migração de
moradores de outros bairros em busca da Barra da Tijuca, notadamente do final dos
anos oitenta até os dias atuais. Terceiro, ao contrário do que parece sugerir um senso
comum ilustrado, categoria de largo uso na sociologia de Bourdieu (2004), a Barra da
Tijuca não pode ser responsabilizada como a região responsável pelos efeitos da
segregação sócio-espacial da cidade do Rio de Janeiro. O reconhecimento da Barra da
Tijuca como o bairro protagonista do aumento da segregação sócio- espacial da cidade
assemelha-se mais a um juízo de valor do que uma comprovação empírica, mesmo
considerando – se a participação do bairro no processo aludido. Uma análise desta
problemática complexa depende da articulação de fatores de natureza social, política,
econômica e cultural, que não podem ser plenamente satisfeitas pela demonstração de
um caso específico. E por fim, o fato de que o morador da Barra da Tijuca não vive de
forma integral dentro dos seus condomínios. Considerando que a diversidade dos
condomínios expressa uma variação de infra-estruturas internas, a maioria dos seus
moradores se direciona para os setores de serviço e lazer, os shoppings, que se
encontram fora dos domínios condominais. Como estas buscas geram novas formas de
interação dos moradores da Barra da Tijuca com os seus espaços constituintes,
6 Mais a frente, ainda nesta introdução, eu explico este conceito.
6
amparando na terminologia de Manuell Castells, eu conclui que existem espaços de
fluxos no horizonte relacional dos moradores da Barra da Tijuca.
Para atingir os objetivos pretendidos pela investigação a minha tese pode ser
dividida em duas etapas, que talvez fiquem mais claras logo adiante quando eu
apresentarei de forma detalhada o conteúdo de cada capítulo. A primeira etapa trata-se
de uma investigação teórica das atuais dinâmicas de interação dos indivíduos com os
espaços de convivência nas grandes metrópoles, com ênfase para o caso carioca,
precedido pela sistematização de questões ligadas a urbanização das cidades ao longo
da história.
Neste percurso teórico procurei destacar como as diferentes formas de
apropriação do espaço feita por indivíduos agrupados em variadas formas de filiação
social são definidas e definem os tecidos sociais subseqüentes. Através deste método
foi possível reconhecer que as cidades são o resultado dialético dos processos de
interação dos indivíduos com os seus respectivos espaços, corroborando as reflexões
Lefebvrianas. Além de Lefebvre, recorri às reflexões de Bauman sobre a construção da
identidade social no processo de individuação contemporânea nas sociedades de
consumo e todo o drama ao incidir na composição de modos de vida que pleteiam uma
integração social isenta de conflitos, mas que acaba deparando com dramas de
integração social que acabam por afetar os grupos sociais menos abastados. O
trabalho de Bauman revelou-se uma rica contribuição para a compreensão dos conflitos
entre integrados e desintegrados substanciado pela retórica do acesso aos bens de
consumo e o conseqüente sentimento de desfiliação daqueles que não conseguem
atingir as metas deste modelo coertivo, e ao que tudo indica, hegemônico. Foucault foi
fundamental para a identificação de espaços heterotópicos que traduzem uma relação
de sobredeterminação de lugares na morfologia de determinados espaços da
modernidade tardia, que neste caso tem os condomínios fechados como estes
espaços. Castells foi uma referência que lançou luzes sobre a existência dos espaços
de fluxo do bairro, e por fim, em Bourdieu obtive um lastro teórico fundamental para
desvendar a situação de dominação entre grupos sociais ocultado pela material
jornalístico analisado no terceiro capítulo da tese.
7
A segunda etapa da tese foi composta por uma pesquisa empírica realizada
através de entrevistas com determinados moradores de condomínios fechados da Barra
da Tijuca. Estes moradores foram selecionados graças a um progressivo ingresso que
tive no campo através de intermediários que abriram as minhas portas para ingressar
neste mundo distante para mim, revelando uma diversidade social destes domínios
residenciais e a possibilidade de identificar que a diversidade expressada por estes
condomínios é a conseqüência da heterogeneidade do tecido social de um bairro como
a Barra da Tijuca. Na minha pesquisa empírica tentei traduzir a diversidade dos
moradores, e os subseqüentes modos de vida por eles acionados dentro dos seus
condomínios fechados, como uma extensão da heterogeneidade de modos de vida
presentes em outros espaços de convívio do bairro.
Antes de apresentar o conteúdo de cada capítulo com o fim de sustentar a
delimitação da minha pesquisa passo neste momento a uma breve apresentação da
composição da problemática da minha tese através da discussão de uma literatura das
ciências sociais que tem se debruçado sobre o fenômeno dos condomínios fechados.
Nesta literatura não se encontram os autores que destaquei como centrais para a
composição do meu marco teórico. Sem querer incorrer em uma contradição entre
método e prática pretendo, tão somente, esclarecer que a literatura a ser aqui analisada
atende a dois objetivos: primeiro destacar o fato de que o objeto condomínios fechados
converteu-se em um desafio científico na área das ciências sociais em função dos
dilemas urbanísticos que estas formações residenciais tem gerado para as metrópoles
em todo o mundo; e segundo que as questões levantadas por esta literatura
reaparecem nos autores do meu marco teórico, e desta forma, sua exposição funciona
como uma contextualização teórica do fenômeno dos condomínios fechados com todas
as questões trazidas por esta literatura, e de forma mais específica, focando no objetivo
da minha tese, quais são as dinâmicas de interação social em curso dentro dos seus
domínios.
8
Os condomínios fechados e os novos desafios urbanismo: uma breve revisão da literatura sobre condomínios fechados no Brasil e na América Latina.
Os trabalhos acadêmicos têm revelado vários enfoques sobre a problemática dos
condomínios fechados, dada a heterogeneidade do fenômeno, e a diferença de
tratamento atribui-se, em boa parte, aos vários perfis profissionais que tem se
apropriado deste objeto. De arquitetos a sociólogos, sem querer sugerir neste espaço
que estas áreas representem extremos das investigações sobre fenômenos urbanos,
em termos Lefebvrianos7 os condomínios fechados tem levantando dúvidas sobre os
rumos das cidades brasileiras, em especial as metrópoles, ao apontar que a
consolidação destes empreendimentos nas últimas décadas tem produzido uma série
de efeitos no tecido social das cidades contribuindo assim para a ampliação da
distância entre os segmentos de renda na cidade.
Esse distanciamento traz novos subsídios para estratificação social de nossas
cidades, alinhando de forma cada vez mais desproporcional os diferentes segmentos
de renda dentro dos seus territórios. Este realinhamento tem, inclusive, modificado a
dinâmica de crescimento intrametropolitano de algumas cidades, como é o caso de São
Paulo, que segundo Caldeira (2000) estaria vivendo a sua terceira fase de expansão
urbana, em um cenário social bem distinto dos períodos anteriores. A título de distinção
com o período anterior, que segundo a autora foi encerrado nos anos oitenta, enquanto
nele observava-se um longo afastamento espacial entre as classes sociais dentro da
cidade, ou seja, pobres nas periferias e segmentos mais abastados nas áreas centrais,
no atual período iniciado nos anos noventa vemos uma maior proximidade territorial
entre os pobres e as classes médias. Longe de indicar a diminuição da distância de
renda e uma democratização na distribuição e nos acesso dos equipamentos públicos,
como transporte e melhorias urbanas, na nova fase de expansão urbana a diminuição
da distinção física tem contribuído para enfatizar a enorme distância social entre os
grupos da cidade. A morfologia urbana de São Paulo, a maior metrópole brasileira,
estaria se aproximando da de outras capitais, como o Rio de Janeiro.
7 O fenômeno urbano precisa ser abordado em toda a sua complexidade, isto è, partindo de uma complexidade relativa para uma complexidade maior. Este movimento requer, segundo o autor, um método de investigação que transcenda às atuais fronteiras que delimitam as áreas do conhecimento, donde se alcançará a sua transdisciplinaridade.
9
Em cidades como o Rio de Janeiro, cujas áreas centrais sempre demonstraram
ao longo da história esta morfologia de segregação sócio-espacial que combina enorme
distância de renda com proximidade física, a disseminação dos condomínios fechados
em bairros da cidade, cujas morfologias atém então eram marcadas pela predominância
de residências sem uma estrutura de confinamento mais explícita, parece ao mesmo
tempo reforçar e relativizar esta tendência histórica, na medida em que enquanto
continua havendo uma sobrevalorização fundiária de determinados bairros da cidade
começa a surgir em bairros que não são classificados como nobres áreas de
valorização que passaram a polarizar a relação de classes no seu território. Em áreas
de subúrbio, da baixada, para ficarmos naquelas que grassam de menor poder
aquisitivo, o padrão de construção das moradias, em geral, permitia uma forte interface
com os espaços públicos, tendência que se refletia entre os segmentos mais abastados
destes bairros. Com os condomínios esta tendência tende a ser alterada8.
A dupla regência deste novo estatuto urbano, com contornos nem sempre
delineados pela formalidade das regras de regulação urbana, parece confirmar-se no
caso da Barra da Tijuca. Este bairro é fruto de um planejamento estatal que visava
ocupar de forma racional uma região até então bastante afastada dos lugares mais
centrais da cidade. Destituída de recursos mínimos que pudessem torná-la ocupável, a
saída encontrada pelo governo estadual, na época Estado da Guanabara tende a frente
Francisco Negrão de Lima (1965-1970), foi entregar ao consagrado arquiteto Lúcio
Costa a responsabilidade de definir os limites e as formas de ocupação não só da Barra
da Tijuca como a Baixada de Jacarepaguá (1969). Alguns resultados desta empreitada
foram examinados no capítulo 2 da tese. Nesta passagem quero apenas frisar de
maneira objetiva o fato de que nos dias atuais os condomínios fechados participam da
paisagem urbana de vários bairros da cidade, impactando nas relações entre os
segmentos de classe e entre estes segmentos com os espaços locais.
Neste sentido, acredito que os condomínios fechados vêm potencializando a
participação da dinâmica de determinados territórios no processo de construção de uma
nova ordenação urbana, que mesmo revestida de caráter privado está aliada a setores
8 Quero deixar bem claro que eu não disponho de dados nem de estudos sistemáticos que possam dar maior embasamento a esta afirmação. Seu sentido parte de uma constatação empírica, obtidos por observação visual do autor, pelo relato de moradores destas áreas e de moradores da Barra da Tijuca que eu entrevistei que já estão familiarizados com o modelo de condomínios fechados em outras regiões da cidade.
10
do poder público estabelecido. Por detrás desta ordenação que pode aparecer nos
discursos locais, feitas por personagens instalados em funções representativas ou na
fala dos moradores, estão sendo desenvolvidas formas de socialização dos moradores
com os seus condomínios e os seus entornos mais imediatos.
Os condomínios passaram a compor a paisagem urbana de algumas cidades.
Inicialmente os condomínios foram construídos em áreas mais afastadas das grandes
cidades como atestam os subúrbios norte-americanos. Nesta área, aparecia no
horizonte de possibilidades materiais de uma determinada classe média a chance da
reconstrução de relações sociais mais amistosas, que pretendiam entre outras coisas a
reconfiguração de laços sociais mais fraternos, que lembrassem as antigas
comunidades. Esta comunidade baseada em supostos laços de proximidade entre os
vizinhos pretendia ser a resposta ao individualismo predominante nas grandes cidades
norte-americanas, marcadas pelo ritmo da produção industrial e a sua conseqüente
competitividade. Apesar desta diretriz estar povoada de pré-noções e saudosismo, é
inegável que o modelo do subúrbio norte-americano se projetou para outras localidades
e países que passaram a adotar os princípios desta nova formação urbana,
universalizando a sua morfologia e os seus valores. 9
O que a recente literatura sobre condomínios tem revelado, para além do
reconhecimento do pioneirismo do modelo norte-americano e sua influência nos
condomínios latino – americanos, é de que nem todos os condomínios construídos têm
como modelo o subúrbio dos Estados Unidos. Logo, uma primeira conclusão que se
pode retirar da literatura que investigará este fenômeno é a existência de diferentes
matrizes que estão de acordo com fatores de ordem econômica, social e cultural. Desta
feita, aparece no campo das ciências sociais uma diversidade de trabalhos que impede
a identificação de um padrão de análise. A diversidade do fenômeno dos condomínios
deve ser responsiva aos princípios específicos que nortearam a sua construção e de
como elementos locais se articulam com postulados de ordem universal, permitindo a
este tema situar-se entre os atuais processos de fragmentação sócio-espacial, do qual
9 È importante chamar a atenção para o fato de que os condomínios fechados de subúrbios podem ser murados, logo mais parecidos com a sua forma mais conhecida, como também podem ser “abertos”. Este segundo modelo, por sua vez, nem pos isto se demonstra mais democrático, já que as suas fronteiras são cuidadosamente monitorados por forças policiais privadas.
11
os condomínios fechados são um dos seus reflexos e as diretrizes da atual fase do
capitalismo.
Os fatores que levaram as cidades a investirem na construção de condomínios
fechados não são os mesmos, mesmo em se tratando da preocupação com a
segurança, item comum a todos os empreendimentos. Neste sentido, ainda que todos
comunguem com a indispensabilidade de um rigoroso aparato de segurança, há uma
variação de investimento neste quesito, de tal forma que não seria exagero afirmarmos
que existe uma pluralidade de condomínios, alguns obedecendo a uma verdadeira
hierarquia, que os separa de acordo com a quantidade de recursos internos e com o
seu caráter, isto é, se atendem exclusivamente a função de moradia ou se servem
como clubes de lazer. Esta subdivisão, que incide numa tipologia, obedece a exigências
destacadas pela localidade onde este se encontra inserido, ou por ingerências
empresarias coordenadas á distância, associando os condomínios fechados aos
processos mais recentes de reprodução do capital.
Condomínios fechados: a diversidade do objeto.
O primeiro grupo de trabalhos que gostaria de destacar se refere aos estudos
sobre o crescimento dos condomínios fechados como um dos sintomas da
segmentação das cidades latino-americanas em conseqüência da consolidação do
processo de globalização no continente. Dentre estes trabalhos destacam-se as
investigações de Matos (2002), Sabatini, Cáceres e Cerda (2001), Hidalgo, Barros e
Correa (2003) e Janoskha (2002). Matos, inclusive, reconhece que a maior parte dos
estudos sobre os efeitos urbanos e territoriais dos processos de reestruturação
econômica convertem quanto ao fato de que a recuperação da dinâmica das cidades e
de seu crescimento, e o conseqüente desencadeamento de novas modalidades de
expansão urbana, ligados a suburbanização, policentralização, a polarização social, a
segregação residencial e a fragmentação da estrutura urbana, aparecem como fatos
destacados de uma nova geografia urbana. (Op. cit. p.1).
12
Matos, cujas pesquisas procuram relacionar a globalização com as várias
morfologias urbanas dos territórios latino-americanos na medida em que as políticas
locais têm procurado incorporar alguns princípios centrais da globalização no final do
século XX, identifica alguns componentes histórico-culturais neste processo. Ao mesmo
tempo em que os governos obedecem a um receituário internacional, medidas
consideradas estruturais para a adequação das cidades latino-americanas às
exigências da economia global, estas mesmas cidades têm se transformado
preservando alguns dos seus traços históricos, e por este motivo, é possível identificar
dinâmicas de adequação distintas entre as cidades latino-americanas. São
permanências atribuídas às identidades acumuladas ao longo de suas histórias. Seria
como, por exemplo, reconhecer que ao mesmo tempo em que cidade do Rio de Janeiro
tem adequado a sua estrutura as novas exigências do capital suas prefeituras
continuem investindo em capitais simbólicos como a beleza natural e o caráter alegre e
receptivo do seu povo.10
Mattos seleciona cinco áreas que compõem o amplo painel de mudanças em
curso no continente, dentre as quais duas estão intimamente relacionadas com a
problemática da pesquisa: a primeira diz respeito às mudanças na morfologia urbana e
a segunda são as alterações nas imagens e nas paisagens urbanas.
O primeiro item viria a ser uma conseqüência das políticas públicas adotadas
pelos governos municipais voltadas a valorização do automóvel e das novas
tecnologias de informação e comunicação. Estas diretrizes exigem amplos programas
de reformas urbanas através da construção de equipamentos como rodovias e grandes
centros empresariais alinhados com as exigências das novas tecnologias de
informação. Estas políticas impactaram na ordenação de novos pólos urbanos que
vieram a substituir antigas áreas de expansão. Começa a se observar um campo de
externalidades metropolitanas favorecendo a formação de sistemas produtivos centrais
mediante a articulação destes com regiões mais afastadas. Na medida em que estas
tendências vão se impondo, observa-se um deslocamento de famílias e grupos
10 Antes que esta observação possa parecer uma concessão ao senso comum que tem sobre a cidade, no Plano estratégico apresentado pela cidade no início da década de noventa um dos pontos ressaltados pelo documento era a vocação turística da cidade em muito auxiliado pela histórica simpatia do seu morador.
13
empresariais para estas áreas caracterizando o que autor definiu como metropolização
expandida11.
Outra área apontada na sua análise indica que a mudança na paisagem urbana
está ligada à colaboração da cidade compacta com o desenvolvimento de uma cidade
difusa, aberta. Neste caso, cada cidade começa a abrigar no seu interior artefatos que
alojem e dêem suporte as atividades econômicas globais. Um exemplo deste princípio
tem sido os Shoppings e os grandes edifícios corporativos. Este seria o caso de novas
cidades, ou regiões dentro da cidade que qualificam as suas edificações como ativos de
participação do novo capitalismo corporativo. 12
Para Janoschka, que têm procurado identificar as variáveis urbanas que possam
estar indicando um novo modelo de cidade latino-americana, a fragmentação pela qual
vem passando estas cidades combinadas com a difusão de artefatos urbanos restritos
(condomínios fechados) tem sido tributária das mudanças sócio-políticas ocorridas
desde os anos setenta, tanto nos Estados Unidos como na América Latina. Sua
argumentação se aproxima da de Matos, entretanto ele aponta que enquanto os
estudos norte-americanos partem da fragmentação exemplificada pelo caso de Los
Angeles, os modelos de cidade latino-americanos partem de estruturas homogêneas.
Partindo de um estudo de caso, o bairro de Nordelta na grande Buenos Aires,
região marcada por grande complexidade de funções e que abriga uma intensa
socialização dos seus moradores, integrantes de um cenário social heterogêneo,
Janosckha concluiu os novos arranjos urbanos – espaciais mudaram a escala da
segregação sócio-espacial, diminuindo assim as diferenças de polarização entre as
cidades ricas e as pobres. Enquanto na grande escala pode-se notar maior
heterogeneidade social, na escalas micros são reforçados os padrões de segregação.
(Op. cit. p.11 ).
Como conclusão o autor identificou uma descontinuidade entre os padrões de
planificação e construção entre os anos noventa e os anos oitenta. Apesar de já 11 Este situação apesar de não se referir ao caso da Barra da Tijuca, já que esta região está vinculado ao núcleo da metrópole, foi questionado em estudos que eu empreendi junto com Randolph (2006; 2007; 2008 ) onde é criticado o modelo da urbanização expandida quando foi tomado como caso de estudo a região de Itaipava na região serrana do Estado. Entretanto sua inclusão nesta passagem pode justifica-se por se aplicar a outros contextos já que são eles que estão sendo aqui examinadas. 12 Várias empresas transnacionais começaram a se deslocar em direção à Barra da Tijuca. As condições financeiras mais favoráveis, aluguéis mais baratos, costumam ser o argumento utilizado para justificar este deslocamento. Entretanto, esta explicação é simplista já que ignora os incentivos fiscais que estas empresas possam estar recebendo por parte do poder público para se instalarem e consolidarem o crescimento da região, neste caso, pela legitimação da Barra da Tijuca como área da cidade articulada as redes de produção e reprodução do grande capital.
14
existirem ha algum tempo, os condomínios fechados dos anos noventa geraram um
fator de ordem qualitativa, ampliando o isolamento urbano de sua população e criando
uma “atmosfera de clube”, leia-se, promovendo uma diversificação que permite a
combinação dos princípios da moradia, calcadas na segurança, com o lazer, garantidor
da exclusividade tão pretendida por um produto que se propõe a diferenciar-se
radicalmente do seu entorno. Este é um resultado seria um sinal de afirmação
econômica de um determinado setor imobiliário nas cidades latino-americanas,
indicando com isto uma participação cada vez maior destas empresas nas esferas
decisórias da cidade.
Munidos de uma orientação analítica muito parecida com os dos autores já
mencionados, Sabatini, Cáceres e Cerda sustentam nas cidades chilenas, que parece
constituir uma espécie de paradigma para os estudos sobre urbanização fechadas no
continente dada a constância com a qual são mencionados, o padrão de segregação
residencial tem apresentado duas novidades: a mudança de sua escala e o aumento de
sua magnitude. Os autores atribuem estas modificações a uma ação combinada dos
efeitos provocados pela liberalização da economia, como a flexibilização das relações
de trabalho, a liberalização das políticas de solo com o retrocesso do clientelismo,
justificado pela apatia do eleitorado e a marginalização política dos estratos mais
pobres.
Desta forma procuram recusar uma relação simétrica entre segregação
residencial e desigualdade social, que segundo eles, orientam os estudos na região.
Nestas investigações haveria uma relação direta entre o crescimento da desigualdade,
que incide em uma oferta desproporcional dos ativos de participação social, e
estratégias de classe escapistas de algumas classes médias, indicada no aumento dos
condomínios fechados. Para eles, entretanto, as diferentes formas de organização
espacial precisam de maior atenção, pois justamente nestes arranjos aparecem
questões de ordem subjetiva que comprometeriam a simetrias entre segregação e
desigualdade social. Neste caso, os condicionantes para o surgimento dos condomínios
fechados podem variar de região para região, os casos devem ser investigados para se
perceber a sua particularidade, e o aumento da segregação não viria necessariamente
a ser um reflexo do aumento da desigualdade social. Mesmo em sociedades cujas
15
distâncias sociais não são tão amplas, como é o caso da sociedade chilena, os
condomínios fechados têm aparecido como alternativas residenciais.
Considerando a menor assimetria entre classes na sociedade chilena no
contexto do continente latino-americano, porém admitindo a diferença de oportunidades
que orientam as escolhas espaciais e as formas de interação entre os seus respectivos
grupos, para Sabatini, Cáceres e Cerda, a proximidade física entre estes segmentos,
em função da construção de condomínios fechados em áreas até então
predominantemente pobres, poderia trazer benefícios para os mais pobres, já que estes
poderiam dispor de recursos, como equipamentos públicos e privados trazidos para
atender as demandas de consumo da população mais abastadas residente dos
condomínios fechados. No plano subjetivo poderia ser gerado um sentimento de
pertença pelos mais pobres, na medida em que passariam a se ver como entes
integradas a cidade através dos seus benefícios.
Para os autores, a segregação sócio-espacial é um fenômeno urbano
dependente da escala em que estiver sendo analisado. Haveria casos nos quais a
proximidade entre diferentes classes sociais amenizaria a distância que separa estes
grupos tornando o território um lugar onde podem ser vistas experiências de
transferência de capitais. Em outro momento do trabalho criticar esta tese, que, ao meu
ver, ameniza recorre a um determinismo territorial para sugerir a diminuição da
assimetria social, e como conseqüência, ainda que não seja uma intenção declarada
dos autores, delega a grupos privados a competência pelo provimento de recursos
coletivos, desonerando o Estado de uma de suas mais atribuições mais estruturais, que
é o investimento em políticas de inclusão social. Por hora, cabe mencionar a relevância
da investigação destes autores ao apontarem o fato que a segregação residencial não
ser uma conseqüência imediata da desigualdade de renda.
Há trabalhos que atentos a contribuição dos condomínios fechados ao processo
de segregação urbana apontam uma variável que permeia, praticamente, qualquer
investigação sobre o tema: o fato dos empreendimentos privados virem alterando os
sentidos dos espaços públicos, que se fazem sentir, pelo menos nos seus entornos
mais imediatos. Para Sônia Koppmann (2005) as formas de urbanização privadas
pouco se articulam com as formações da cidade tradicional, e desta forma, dentro de
16
Buenos Aires, considerada a primeira cidade latino-americana a abrigar este tipo de
residência, estas formas representam verdadeiros arquipélagos urbanos, munidos de
estradas, Shoppings, redes de serviços telemáticos e uma série de serviços que,
praticamente, tornam a estrutura da cidade externa dispensável. Como conseqüência,
as diferentes estruturas observadas, uma recente e dotada de equipamentos
diversificados e outra remanescente da “velha cidade”, no máximo se justapõem, jamais
se integrando no território.
Por este motivo estes novos atores privados vêm modificando sensivelmente os
sentidos do espaço público. Como os condomínios cresceram em função das
vantagens conferidas ao mercado imobiliário que se aproveitou da desregulamentação
advindas do setor produtivo. Como resultado observa-se uma urbanização e
industrialização descontroladas, o predomínio de atividades de consumo sobre as
atividades produtivas e o crescimento da especulação imobiliária, enquanto, segundo a
autora, nem trinta por cento de sua população reside em condições dignas. A
contrapartida deste crescimento privado são as melhorias trazidas frutos de obras
promovidas pelos condomínios, que Sabatini e seus colegas interpretam com benesses
parecendo desconhecer que na base deste “empreendimento” estão acordos espúrios
entre os governos e a iniciativa privada, onde o primeiro pode ausentar-se
comodamente de suas responsabilidades sociais.
A autora concluiu que a falta de uma normatividade para regular a localização
das urbanizações fechadas converteu-se em uma poderosa ferramenta para obter-se
vantagens especulativas e delegar-se zonificações (Op, cit. P.14). E de que estas
urbanizações, marcadas pela ilegalidade, são o reflexo da introdução de um capitalismo
mais brutal que ampliou os níveis de pobreza e desigualdade no continente.
O trabalho de Manjarrez e Ávalos (2003) também se ocupa dos embates entre o
público e o privado votando suas baterias para a identificação de tensões psicológicas.
Neste caso quando a interpretação que se faz do aberto não cumpre com as
expectativas dos habitantes dos conjuntos habitacionais, não respondendo as suas
necessidades implícitas, entendidas como exigências psicológicas (não explícitas)
correspondentes ao plano físico (o seu uso e aproveitamento), são gerados conflitos de
caráter social, cujos desdobramentos alteração a qualidade das relações interpessoais.
17
Chumillas e Gomes (2003), examinando o caso de Puebla y Toluca no México,
sustentam que nestes condomínios fechados se reproduz os modelos de subúrbios
norte-americanos, provavelmente influenciados pela proximidade territorial com os
Estados Unidos em que a identidade cultural deste espaço. O modelo predominante é
unifamiliar, com as famílias isolando-se completamente da sua vizinhança, e ao mesmo
tempo, reforçam a desarticulação dos espaços nas desarticuladas periferias que os
cercam. Ou seja, há um impacto negativo produzido por estes condomínios nas áreas
que os cercam. Com isto, estes condomínios procuram dotar-se de uma infra-estrutura
inexistente na cidade.Os espaços públicos, que de acordo com a lógica da
modernidade deveriam ser lugares destinados a circulação indiscriminada dos grupos
sociais sem conservarem no seu interior nenhum privilégio, seja ele de classe ou étnico,
tem sido reconfigurado pelo avanço indiscriminado pela sujeição às metas privadas
estabelecidas pelos condomínios que se encontram no seu entorno.
Outro grupo de trabalho é formado por aqueles que atribuem ao medo,
geralmente ao crescimento do sentimento de insegurança, o fator determinante para o
crescimento de condomínios fechados na América Latina (Dammert, 2004; Lopes,
2008). Com o agravamento da questão social das cidades latino-americanas vinculadas
à ampliação da distribuição irregular de renda, um dos efeitos mais percebidos nas
últimas décadas vem sendo o crescimento dos índices de violência. Este crescimento
que atinge de forma diferenciada os segmentos de classe, tem suscitado em alguns
segmentos estratégias de enfrentamento desta questão urbana, alterado pela entrada
em cenas de novos fatores que comporiam a violência urbana13 que tem atravessado
os séculos das grandes cidades uma determinada parcela das classes médias, e em
alguns casos das elites, têm optado voluntariamente por morarem em macro formações
residências sustentadas por aparatos de segurança ostensivos.
Este auto-isolamento estaria afastando seus moradores de um contato mais
itinerante com os espaços públicos, tradicionalmente, vistos como os ambientes de
onde se espera a mistura urbana necessariamente demarcada pela heterogeneidade
dos seus integrantes. Este princípio deveria ser registrado mesmo em relações que são
marcadas pela efemeridade dos contatos, que embora irregulares inscrevem valores
13 Sobre esta temática ver os trabalhos de Soares (1996), Machado (2003) e Misse (1995) para o caso carioca.
18
que sedimentam o terreno para outros futuros passantes, fortalecendo a ênfase já
conferida por Goffman (2002) aos laços passageiros resultados de interações face-a –
face.
Para Dammert (2004) Santiago espelha com ênfases uma situação social cada
vez mais comum a outras cidades na América Latina: cidades sem cidadania. Como
resultado desta fuga, feita por segmentos de renda detentores de estratégias de
escapismo espacial, os espaços da cidade têm lembrado lugares de anomia,14
negativamente registrados pelo seu abandono. O medo, ou melhor, os temores
desenvolvidos nestes ambientes que se convertem muitas vezes em fobias urbanas se
vinculam a processos sociais, políticos, econômicos e culturais. Na pesquisa da autora,
acompanhada por material empírico, pode-se depreender da fala dos moradores de
Santiago uma imagem de uma cidade com medo.
Hoje em dia já há na bibliografia um conceito que nomeia este sentimento:
agorafobia.15 A agorafobia é o sentimento de medo, em alguns casos horror,
manifestado por setores das classes médias ou elites, dos lugares públicos, associados
à possibilidade da criminalidade violenta. Este medo aciona estratégias de escapismo
social dos setores mais abastados nas grandes cidades, que passariam a residir em
ambientes isolados socialmente, onde protegido por extensivos aparatos de segurança,
o seu morador busca restringir ao máximo os seus contatos ao seu lugar de residência,
de onde sairão os seus valores e códigos de comportamento. Para Lopes
A auto-segregação é uma solução escapista. Representa uma fuga e não um
enfrentamento, muito menos um enfrentamento construtivo. Como tal, não passa de uma pseudo-solução. Se, de uma parte, os “condomínios exclusivos” prometem solucionar os problemas de segurança de indivíduos e famílias de classe média ou da elite, de outra parte, deixam intactas as causas da violência e da insegurança que os nutrem. Pior, no longo prazo colaboram para deteriorar a qualidade de vida, a civilidade e as condições de exercício da própria cidadania na cidade, sob determinados aspectos. Sob o efeito do marketing imobiliário, da debilidade do debate político, e dos limites ideológicos de uma pequena burguesia cada vez mais americanizada (ou, mais especificamente, “miamizada”), esses ônus até que tendem a parecer suportáveis, algo como um
14 Adotamos aqui o termo de forma diferente da cunhada por Durkheim, embora a ele sempre deva se fazer referência todas as vezes que esta categoria for utilizada. Enquanto para Durkheim a anomia se refere as formas de patologia social em que se verifica a ausência ou desintegração de normas sociais, no nosso caso de estudo a menção á anomia relaciona-se ao estigma que recai sobre estas áreas, na medida em que marcadas pelo abandono ou pela freqüência de tipos sociais hegemonicamente negativisados, estes espaços passam a representar as imagens de degradação social da cidade. 15 Ver LOPES, Marcelo. Fobópole – o medo generalizado e a militarização da questão urbana: Rio de Janeiro, 2008.
19
“mal menor” ou “preço a pagar”, traindo uma resignação facilmente acomodável ao próprio sistema de valores do individualismo exacerbado. (Lopes, 2008, p.73, grifos meus).
Consagrando estas modalidades de residência as cidades estariam caminhando
para a formação de culturas individualistas que ao se manifestarem em certas micro-
realidades, deformariam alguns princípios caros aos esforços por construção de valores
coletivos e democráticos, que até hoje lutam por afirmação nas sociedades ocidentais,
para ficarmos apenas no modelo que nos é comum. O diagnóstico grifado na passagem
do autor será examinado com pormenores no capítulo quatro. Por hora, acredito ser
suficiente identificar esta inquietação que versa sobre a preocupação com a formação
de valores antidemocráticos dentro de ambientes que adéquam territorialmente
princípios e discursos do processo de fragmentação das metrópoles.
Já pode ser identificado um conjunto expressivo de trabalhos sobre condomínios
fechados que cobrem especificidades deste fenômeno no Brasil, e como este tema se
articula com preocupações que acomete pesquisadores e políticas de planejamento
urbano de outros países da América Latina. Diante desta ressalva, que no fundo, é a
confirmação do largo escopo da problemática, percebemos que os motivos que levaram
ao surgimento dos condomínios fechados não foram os mesmos nas diferentes
metrópoles brasileiras, voltando a frisar, ainda que todas elas acusem o medo do seu
morador como justificativa para se auto-isolarem. Esta heterogeneidade de trabalhos
consagra a complexidade da problemática urbana trazida pelos condomínios e os
desafios que eles tem gerado, tanto para as o poder público, desde que atento aos
impactos produzidos por estes tipos de moradias, como para os segmentos privados
que possam estar articulando estratégias de resistências as atuais dinâmicas de
segmentação do território, sejam estas estratégias organizadas ou não.
Dos trabalhos que investigaram os impactos estruturais dos condomínios no
tecido social das cidades brasileiras dois merecem destaque. O primeiro é a
investigação de Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1981)16 e o segundo é o livro de
Teresa Caldeira (2000)17.
16 SANTOS, Nelson Ferreira dos. Condomínios Exclusivos: o que diria a respeito um arqueólogo? In Revista de Administração Municipal. Rio de Janeiro: IBAM, 1981. 17 CALDEIRA, Teresa. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania na cidade em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.
20
O primeiro texto18 é um estudo que revela, de forma pioneira, as possíveis
intervenções na morfologia das cidades brasileiras provocadas pela construção de
condomínios fechados. Os condomínios no início dos anos oitenta já anunciavam a
pretensão de construir mundos à parte dentro dos seus muros provendo ao seu
morador as pretensões de autonomia que haviam sido abolidas pelo crescimento
desorganizado de nossas cidades. E neste sentido, os condomínios viriam a atender as
demandas subjetivas de determinados segmentos de renda, notadamente as altas
classes médias, por conforto e exclusividade, ao mesmo tempo em que parecia
deslocar do Estado a responsabilidade de gestão das questões ligadas ao crescimento
desigual das sociedades brasileira, que neste período enfrentava altas taxas de
inflação, e um acúmulo de déficits sociais provocados por duas décadas de um regime
militar ditatorial claramente alinhado com setores do capital estrangeiro. Entendo que o
texto de Santos tem vários méritos, dentre eles, levantar questões de natureza teóricas
que justificassem a edificação dos condomínios, o resultado da mescla de princípios do
racionalismo com o culturalismo; fatores estratégicos como a renovação da iniciativa
privada no seu papel de fomentadora do crescimento urbano, tendo o setor de
construção na ponta deste processo e questões de natureza subjetiva, no caso os
valores que os moradores de condomínios priorizavam como os mais adequados aos
seus novos estilos de vida.
Já o texto de Caldeira, provavelmente, o trabalho brasileiro sobre condomínios
fechados mais consagrado pela literatura do tema, tanto dentro como fora do Brasil,
procura interfaces entre o processo de auto-confinamento residencial com os processo
mais amplos de segregação urbana nas cidades brasileiras, em particular na cidade de
São Paulo. O avanço dos condomínios, que naquela cidade tem como grande
representante o modelo Alphaville, vem representando uma mudança na localização
social de suas classes médias. Em torno destes empreendimentos surgem novos
núcleos urbanos, compostos por equipamentos públicos e privados, que por sua vez
acabam denunciando a enorme distância social da cidade.
1818 Tanto este texto como e o de Caldeira são discutidos de forma aprofundada no corpo da tese, de forma específica, no primeiro capítulo. A sua presença nesta seção deve-se ao fato deles organizarem uma espécie de campo de reflexões sobre os condomínios fechados, ainda estes textos tenham sido produzidos com uma razoável distância histórica e os seus autores em muitos pontos não compartilhem dos mesmos diagnósticos.
21
Estes mundos a parte apontam para uma cidade polinucleada contextualizada
por um grave cenário social, onde são cada vez maiores as taxas de violência que
acometes as mais pobres, não apenas a violência material acompanhada da morte
violenta e da perde de seus escassos patrimônios, como aquela de cunho simbólicos
exemplificados pelos constantes rituais de humilhação pelos quais são obrigados a
passar , através de constrangedoras revistas policiais e agressões nos ambientes de
trabalho. Estes fatos, precarização dos mais pobres, apoderamento dos mais
abastados, ampliação da ordem privada inserem-se numa cultura de crescimento
constante de desrespeito aos direitos humanos e a enorme dificuldade de afirmação de
princípios democráticos, que tocam entre outros aspectos, na predação dos espaços
públicos. Soma-se a esta cultura antidemocrática alguns hostis acionados por
moradores de condomínios, em especial entre os mais jovens.19
Em outros trabalhos questões mais pontuais têm sido examinadas. Ferraz (2005)
estudou como as alterações forma e funcionais feitas em condomínios fechados
procuraram responder aos anseios por segurança e proteção das populações de altas
rendas. Na sua pesquisa ela identificou sensíveis modificações nas relações sociais e
espaciais urbanas intensificadas por movimentos de individuação, exclusão e anulação
do Outro, a desconsideração e o desrespeito pelo direito coletivo aos usos dos espaços
públicos. (Op. cit. p.1) . Para a autora o recurso privatista implica em maior controle do
entorno, seja ela direto através da coação de seguranças, ou indireto pela colocação de
fronteiras artificiais, os muros, e o seu impacto social é anulação das relações de
interação entre os moradores da cidade.
Metrópoles fora do eixo Sudeste também abrigam condomínios fechados.
Bernardes e Junior (2006) ao analisarem a formação do espaço urbano de Goiânia,
procuraram identificar as mudanças morfológicas que esta região vem sofrendo a partir
da construção dos condomínios fechados. Neste processo houve um aumento
expressivo da polarização social da cidade, agravando uma tendência estrutural já que
a cidade é dividida em setores dotados de enormes diferenças comparativas na sua
dotação de recursos públicos e privados.
19 A referência aos comportamentos anti-democráticos dos jovens relaciona-se , em boa parte, a uma mudança de orientação cultural que afeta alguns setores das classes médias. Criados em ambientes em que estão acostumados com um conjunto de facilidades, estes jovens tendem a revelar comportamentos competitivos e narcisistas. São fatores típicos da sociedade de consumo potencializados por setores de alto poder aquisitivo e criados em redomas artificiais.
22
Estes condomínios que acabam valorizando o preço da terra urbana, ocupando
espaços vazios ou já edificados, cresceram numa eficiente estratégia de marketing
urbano. Convencidos, seus moradores migram para áreas dotadas de privilegiadas
infra-estruturas, oriundas de um investimento prévio visando incorporar qualitativamente
segmentos de renda que acionam a economia urbana. Feita esta escolha o morador do
condomínio é alguém que está em busca de segurança, qualidade de vida e status,
fomentando uma cultura de auto-segregação promovida por aqueles que moram em
espaços distintos da cidade, e que através da sua aparente iniciativa individual pode
estar incrementando o valor econômico e simbólico da sua habitação.
Estes mesmo valores parecem fundamentados por condomínios fechados no sul
do Brasil (Ueda, 2005). Em Porto Alegre segmentos da burguesia procuram morar em
condomínios para se sentirem seguros, terem a sensação de viver de forma exclusiva,
sem os custos, inclusive de deslocamento para usufruírem lazer, e atentos a estas
demandas, o setor imobiliário tem investido na idéia do seu morar viver em
comunidade, estar junto dos seus iguais, ao mesmo tempo em que este morador
comunitário pode personalizar sua convivência.
Os trabalhos sobre a Barra da Tijuca também revelam a sua diversidade.
Investigações como as de Rezende e Leitão e Eppinghaus, Poppe e Tângari20, mais
voltadas para a área de Arquitetura, examinaram, respectivamente, as recentes
transformações da morfologia da Barra da Tijuca, desde a implementação do seu plano
piloto, em 1969, passando pelas modificações nos seus princípios no final dos anos
setenta, até chegar aos anos noventa quando o bairro incorporou, definitivamente, um
padrão de edificações privadas.
No primeiro trabalho os autores procuraram reconhecer a inserção da Barra da
Tijuca nos desafios do urbanismo brasileiro, inicialmente vinculada ao modernismo que
chegara ao Brasil através da própria arquitetura nos anos trinta. Ele enfatiza que a atual
paisagem arquitetônico-espacial da Barra da Tijuca é resultado de um conjunto de
modificações, a sua grande maioria no sentido de promover os ajustes necessários aos
interesses do setor imobiliário, mudando os gabaritos e interferindo na regulação dos
20 Nestes trabalhos eu não encontrei qualquer referência de datas, daí a ausência nas suas citações.
23
solos. Estas iniciativas permitiram que ao novo espaço físico do bairro fossem sendo
ocupados por personagens que definiriam uma narrativa social muito particular.
Neta mesma linha, no segundo texto os autores percebem que ainda que em boa
parte tenham sido conservadas as características do Plano Lúcio Costa, existe na Barra
da Tijuca uma combinação de usos públicos com privados, com casos em que a
identificação de suas fronteiras fica muito difícil. Como o trabalho enfatiza as dimensões
do espaço físico construído, os autores entendem que as configurações representam
um forte condicionamento do relacionamento das comunidades com o território. “E
desta forma o homem se relaciona com um espaço em níveis diversos e um
determinado grupo social estabelece relações de diferentes qualidades com os lugares
que freqüenta” (Op. cit. p.18 ).
Outros trabalhos estudam como o medo tem sido manipulado por uma
determinada investida publicitária. (Ferraz, Possidônio, 2004). Neste caso os autores
compreendem como os processos sociais emergem mo campo da produção da
violência, circulação e consumo da arquitetura identificadas nas duas maiores cidades
brasileiras, no caso, Rio e São Paulo. Os autores fazem uma abordagem interessante
sobre os sentidos da casa associada ao conforto, acolhimento e, enfim, dotadas de
uma série de positividades, contrapondo-a aos espaços abertos marcados pela
hostilidade. E a publicidade aposta exatamente nesta dicotomia, ampliando os limites
deste bem estar para as dependências dos condomínios.
Os estudos comparativos ente Rio e São Paulo já começam a ocupar maior
espaço, como é o caso do trabalho de Campos (2006). Para a autora a diferença entre
as duas metrópoles representadas por casos pontuais, Alphaville Tamboré para São
Paulo e Barra da Tijuca para o Rio de Janeiro, está baseada nas sucessivas ações
planejadas que incorporaram nas suas áreas amplos e complexos segmentos urbanos.
Logo, ao contrário do caráter expansivo que se esperava da Barra da Tijuca, dada a
reunião de fatores positivos que esta reunião dispunham, no caso de Tamboré
determinadas amenidades não fazem parte do seu projeto como a integração com a
natureza e o caráter de integração circular de suas vias urbanas. A autora dá a
entender que em São Paulo a incorporação do verde e a definição das artérias urbanas
exigiram um maior desafio, já que este crescimento não foi fomentado pelo poder
24
público como no caso da Barra da Tijuca. O outro lado desta dinâmica paulistana é a
vasta liberdade de construir na cidade conferida aos setores privados de construção.
Só para concluir esta breve revisão de trabalhos, vemos análises sobre a
colaboração da imprensa para a criação de um imaginário do medo e do acolhimento
na Barra da Tijuca (Freitas, 2006), abordando como a mídia tem construído
representações sobre a degradação social que induzem a formação de uma
consciência polarizada sobre a cidade, como se esta se dividisse numa lógica dual de
regiões nobres, assépticas, livres de problemas, e regiões marcados pela
desorganização.
Divisão da tese.
A tese foi dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo, que representa o
seu marco teórico, eu identifiquei todas as questões que cercam os estudos sobre
condomínios fechados, tanto no Brasil quanto na América Latina, trazendo estas
inquietações para uma aproximação com os contextos sócio-espaciais destes
condomínios na Barra da Tijuca. Para enfatizar a ligação do fenômeno dos condomínios
fechados da Barra da Tijuca com a sua dinâmica de promoção e afirmação em outras
regiões, foram elencadas relações que tem ocorrido dentro destes condomínios. Por
vezes, estas relações são frutos de expectativas cultivadas pelos moradores, seduzidos
ou não por uma retórica publicitária, ou foram fatores advindos de uma cultura própria
gestada de acordo com as formas de filiação construídas dentro deste território.
Das questões trazidas à tona pelos condomínios da Barra da Tijuca estão a
relevância do fator segurança como determinante para a decisão de se morar na Barra
da Tijuca, necessariamente em condomínio, seja ele vertical ou horizontal; quais são os
valores advindos das formas de ocupação dos moradores da Barra da Tijuca,
resultados das interações destes moradores como os condomínios, e com o bairro de
uma maneira geral, já que este morador, afora por motivos de trabalho, opta por não se
ausentar do seu bairro; se tem aparecido como resultado das interações destes
moradores formações sócio- espaciais que lembrem uma comunidade. Tão propagada
25
em algumas campanhas publicitárias, como um recurso ideológico que pretende
convencer o morador do condomínio de que dentro dos seus domínios é possível a
formação de laços de convivência harmônicos e solidários, pude perceber que esta
pretensão não desponta tão somente numa retórica convincente de venda, mas
também aparece na fala de alguns moradores que convocam um passado saudosista
realizado dentro dos próprios condomínios por moradores, em geral os mais velhos,
buscando resgatar laços de solidariedade perdidos; e por fim, qual o tipo de consumo
praticado pelo morador de condomínio, até que ponto é ele que define a procura pelos
seus produtos, que são itens de afirmação identitária.
No capítulo dois eu fiz uma análise do desenvolvimento da Barra da Tijuca, seu
processo de crescimento demográfico, a sua valorização como nova frente do capital
imobiliário da cidade, no contexto da história da cidade do Rio de Janeiro. Considerei
imprescindível esta perspectiva, pois ela localiza a Barra da Tijuca no tempo e no
espaço, na medida em que os condicionantes do seu desenvolvimento são
referenciados por processo de natureza social que atingiram outras regiões da cidade.
Neste sentido, o fato da Barra da Tijuca começar a desfrutar de prestígio no início dos
anos oitenta, deveu-se a um deslocamento do eixo de valorização urbana da cidade,
desafogando a zona sul, pois vários dos seus bairros anunciavam uma espécie de
esgotamento, isto é, no vocabulário do setor de construção não tinham mais para onde
crescerem. Subentenda-se desta mensagem, não abrigarem a classe média em
ascensão.
Antes, porém, de chegar a este estágio, questões da cidade industrial foram
colocadas de forma pontual para revelar que os planos que matriciaram o
desenvolvimento da Barra da Tijuca, assim como as intervenções urbanas sobre a
cidade do Rio de Janeiro dispõem de uma matriz. Notadamente, os fundamentos da
cidade industrial. A cidade do Rio de Janeiro, desde as suas primeiras intervenções
urbanas que visavam a regulação dos seus espaços e os hábitos de sua população,
revelou uma opção segregacionista disponibilizando os melhores equipamentos
urbanos para as classes mais abastados e vinculando precariamente as suas
populações mais pobres ao setores subalternos da economia capitalista. A Barra da
26
Tijuca das últimas duas décadas parece dar seqüência a esta tendência atualizando-a
com algumas novidades. Uma delas é o distanciamento relacionamento deste bairro.
No terceiro capítulo eu fiz uma investigação do conteúdo das reportagens de um
jornal de grande circulação. Busquei retirar da imprensa escrita valores que pudessem
estar sendo camuflados na cobertura que a grande imprensa gosta de enfatizar como
imune a ideologias particularistas e comprometidas com a investigação da realidade.
Menos importante do que simplesmente desfazer esta falsa idéia de neutralidade eu
entendo que as representações que podem ser retirados destas entrevistas revelam
determinados discursos sobre a cidade. Nestas representações a cidade aparece
descrita através de tipologias que registram a identidade do morador de acordo com a
sua territorialidade. Uma territorialidade munida de valores que tanto servem para
unificar a cidade em torno de suas mazelas como separá-las de acordo com as virtudes
manifestadas por alguns grupos sociais e as ameaças representadas por outros.
No último capítulo eu analisei as entrevistas feitas com moradores de diversos
condomínios fechados. Busquei por moradores de diferentes condomínios para atender
a dois grandes objetivos: identificar a diversidade dos entrevistados e perceber, até que
ponto, a variação de condomínios espelhava uma presença diferenciada dos mesmos
dentro de uma ordem de importância destes condomínios dentro do bairro. Foi possível
identificar estas duas hipóteses, ainda que na tese eu não tenha produzido uma
tipologia mais pormenorizada dos condomínios. Mais que a revelação das
particularidades estruturais destas formações territoriais eu buscava a influência destas
construções nos modos de vida dos seus moradores, sem incorrer em um determinismo
espacial, mas sim buscando entender como o confinamento dos moradores leva-os a
definirem socializações específicas.
Por fim, através destas entrevistas eu busquei enfrentar algumas pré-noções
sobre os moradores de condomínios fechados, que antes de iniciar a pesquisa me
incomodavam já que a realidade da Barra da Tijuca parecia ser algo do conhecimento
público. Ao longo da pesquisa pude perceber suas complexidades. Por isto procurei
saber até que ponto o morador do condomínio é uma pessoa que cortou radicalmente
seus laços com a cidade, e caso tenha havido algum corte qual é o seu real alcance. Se
os condomínios fechados constituíam áreas de homogeneidade social. Tentei identificar
27
como os condomínios têm afetado a distribuição de capitais de participação nos rumos
da cidade. Neste sentido pode-se perceber que uma cultura em voga dentro destes
condomínios pode estar revelando um distanciamento do seu morador de valores mais
democráticos que deveriam fundamentar a convivência coletiva. Vejamos como se deu
esta interface.
28
CAPÍTULO 1 – Espaço e modernidade tardia: a construção de uma nova espacialidade representada pelos condomínios fechados.
Os trabalhos sobre condomínios fechados não seguem o mesmo padrão de
análise, apesar de falsas impressões iniciais, que não raro está eivada de preconceitos
disciplinares, que os associam, exclusivamente, a preocupações arquitetônicas
voltadas a um diagnóstico dos impactos sociais da forma urbana. No entanto, o perfil de
trabalhos sobre condomínios fechados tem se mostrado mais multidisciplinar. Nos
últimos anos, não apenas os arquitetos, equivocadamente chamados de os
“especialistas do espaço, tem se debruçado sobre a problemática sócio-espacial dos
condomínios. Também fazem parte desta seara acadêmica geógrafos, sociólogos,
economistas, historiadores, filósofos e as empresas de consultoria de grandes grupos
imobiliários, com interesses bem menos” acadêmicos “do que os seus” colegas
“citados. A complexidade deste objeto tem exigido cada vez mais uma postura
interdisciplinar dos seus trabalhos”. O fenômeno dos condomínios fechados está presente em várias cidades do
mundo, e não apenas no chamado mundo capitalista, como também nos países que
ainda podem ser classificados como integrantes do regime de produção socialista,
como é o caso da China, afora todas as ressalvas que podem ser feitas ao tipo de
socialismo adotado no caso chinês. Nos Estados unidos estas formações territoriais são
chamadas de “gated comunities“, na América espanhola são os “Barrios cerrados” ou
“urbanización cerrada”. Como bem descreve este último termo em castelhano para o
caso de áreas maiores que reúnem um conjunto de prédios residências e casas
suntuosas no estilo de mansões, esses condomínios são caracterizados pela restrição
ao seu acesso através de muros e entradas vigiadas, e na sua grande maioria contam
com um complexo sistema de serviços internos.
Entretanto, apesar dessa disseminação pelo mundo afora, há uma diversidade
significativa nas formas como essa urbanização fechada é implantada. Ao lado dos
condomínios altamente verticalizados, comumente associados à idéia dos condomínios
fechados, encontram-se, em muitos casos, áreas mais ou menos extensas e
densamente ocupadas por condomínios de casas unifamiliares dependendo do
tamanho dos lotes e da ocupação do terreno pretendido. Toda a bibliografia que serviu
29
de suporte teórico para a análise da complexidade do surgimento, desenvolvimento e
afirmação dos condomínios fechados na América Latina, com maior atenção dedicada
ao caso brasileiro, com ênfase para a minha região delimitada que é a Barra da Tijuca,
revelou as características mais gerais e particulares destas formações territoriais.
A implementação dos condomínios fechados vem levando em consideração ao
longo de sua história relativamente recente uma série de variáveis. Desde questões
como a maior ou menor proximidade as áreas onde estão sendo construídos os
condomínios com as regiões mais centrais de suas respectivas cidades, medindo desta
forma as implicações em potencial do componente distância na formação das
morfologias espaciais, até elementos de natureza social como o grau de influência que
o medo urbano sobre a decisão de morar em espaços de confinamento residencial
relativo, os condomínios fechados têm se mostrado tão universais quanto particulares.
Universais porque parecem indicar o modelo residencial mais confiável para\abrigar um
segmento das classes médias urbanas, tanto no Brasil quanto no exterior, e particular
porque cada uma destas formações parece indicar prioridades, correspondentes as
preferências formuladas pela ação interessada de agentes como o setor imobiliário, o
poder público e a população residente.
Uma primeira onda de difusão dessa forma de urbanização atingiu todas as
áreas metropolitanas maiores como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia,
Curitiba, Porto Alegre, e nos últimos anos algumas capitais nordestinas cujas
morfologias podem se assemelhar, apesar das questões sociais que as envolvem não
serem necessariamente as mesmas. Na condição de objeto desta tese, a construção e
consolidação dos condomínios fechados na Barra da Tijuca, será tomada como um
fenômeno de dupla determinação territorial, cuja análise está centrada nas várias
formas de socialização praticada pelos seus moradores.
A primeira determinação é de natureza comparativa ao procurar diferenciar a
proposta dos condomínios fechados da Barra da Tijuca de outras experiências no
Brasil, com destaque para o modelo Alphaville. Esta comparação justificar-se-ia por dois
motivos: o fato destas formações espaciais estarem localizadas em áreas de expansão
das duas maiores metrópoles brasileiras e porque enquanto Alphaville transformou-se
em uma franquia que se espalhou por outras cidades, a Barra da Tijuca representa um
30
caso único. A segunda determinação é de caráter local, e nele procurei compreender as
formas de socialização dos moradores de condomínios fechados na Barra da Tijuca
como uma experiência de consumo do espaço urbano ligado às premissas da
sociedade de consumo. Nestas modalidades de interação onde a procura por
determinados bens de consumo, tanto dentro, como, principalmente, no entorno dos
condomínios tem atuado diretamente na formação de novas identidades sociais.
Para alguns pesquisadores (Santos, 1981) a forma de urbanização que
consagrou a construção de condomínios fechados produziu um padrão espacial de
crescimento da população urbana diferente daquele ocorrido no período inicial da
urbanização brasileira, que nos quarenta e cinqüenta revelava uma forte concentração
de ativos econômicos e simbólicos nos núcleos das grandes cidades. Da década de
oitenta para cá se nota uma maior espraiamento da distribuição populacional (Martine,
1994). Esta dispersão ocorreu desde a ocupação das áreas suburbanas ou mesmo de
municípios vizinhos aos grandes centros até através do deslocamento de parcelas da
população urbana para áreas rurais dentro de um município, processo denominado por
Limonard (1999) enquanto sub-urbanização no sentido literal. Seguindo esta lógica
poderíamos acompanhar o diagnóstico de pensadores como Harvey (1994) e Sennet
(1997) que reconhecem como modelo de urbanização hegemônico para os dias atuais
uma urbanização pós-moderna, onde os indivíduos inscritos em seus respectivos
segmentos de classe deslocam-se pelo espaço de forma dispersa e com poucas
chances de estabelecerem contatos, ainda que mínimo.
Entretanto, menos importante do que identificar numa arquitetura pós-moderna a
responsabilidade sobre as dinâmicas de interação urbana nas grandes cidades, caso
que não incorpora plenamente a Barra da Tijuca, já que este bairro foi concebido nos
moldes do modernismo brasileiro, estão em cursos novas formas de interação com o
espaço, seja no nível mais imediato ou em um plano mais amplo. Voltando ao nódulo
teórico deste parágrafo, mesmo considerando a importância das investigações sobre a
existência de um padrão de crescimento nas áreas chamadas peri-metropolitanas
diferente do verificado nas Metrópoles, esta tese não se ocupará desta
problemática.Trabalhos comparativos vêm sendo realizados pelo autor em parceria com
Randolph (2006, 2007, 2008).
31
As investigações dos fenômenos de urbanização fechada associaram sua
proliferação, geralmente, ao desejo de uma parte das classes socais mais abastadas de
usufruir uma melhor qualidade de vida longe de problemas urbanos como
engarrafamentos, poluição sonora e visual e ciosos pela obtenção de proteção contra o
suposto aumento da violência e do crescimento de insegurança nas cidades. (Gomes e
Chamillas,2003; Manjarris e Avalos,2003; Danmet,2004;Possidônio,2004 e
Lopes,2008).Aponta-se como principal resultado desse processo de deslocamento
espacial das classes abastadas em busca de “áreas de exceção” das grandes cidades
o processo de aprofundamento da segregação sócio – espacial, não apenas no nível
municipal, mas também ao nível regional, na medida em que, num segundo momento,
o processo começou a envolver toda a região metropolitana em torno da cidade núcleo.
Neste capítulo estaremos levantando questões de natureza teóricas sobre o
crescimento e afirmação dos condomínios fechados enquanto estratégias de
deslocamento espacial de determinados segmentos da classe média carioca que nas
duas últimas duas décadas optou pela residência na Barra da Tijuca e suas implicações
no desenvolvimento de formas de socialização dos seus moradores nos espaços
internos destes condomínios e nos seus entornos mais imediatos, no caso, os espaços
de frequentação do bairro. Nestes ambientes está sendo gestada uma forma de
identidade social do morador da Barra da Tijuca que o apresenta, simultâneamente,
como ser detentor de um conjunto de valores que circulam no imaginário e nas práticas
específicas dos moradores do bairro, e agente investido de valores e comportamentos
de um morador integrante de uma territorialidade maior, no caso, a cidade do Rio de
Janeiro.
Procurei adotar na minha pesquisa uma abordagem sobre o objeto que não
individualize o morador da Barra da Tijuca a tal ponto de transformá-lo em um ser a
parte do conjunto de preocupações sociais, morais e territoriais, que atravessam a
metrópole carioca, no que tange a formação de uma identidade urbana. Pude perceber
que este morador da Barra da Tijuca, residente em condomínios fechados mantém
vínculos de várias naturezas com a cidade, notadamente o centro da cidade e os
32
bairros da zona sul, embora exista uma divulgação pouco consistente, tanto do ponto
de vista teórico quanto empírico, de que estes moradores vivam em anti-cidades. 21
Esta afirmação não é integralmente desprovida de sentido, no entanto, há de se
fazer uma ressalva quanto a sua amplitude. Já que muitos moradores mantêm vínculos
com a infra-estrutura de outras regiões da cidade do Rio de Janeiro, em geral por lá
trabalharem, foi possível identificar uma espécie de dupla vinculação territorial dos
moradores de condomínios fechados na Barra da Tijuca: em sua grande maioria eles
trabalham ou no centro ou na zona sul, tendo casos de moradores que por terem uma
trajetória de vida que envolve outros bairros, ampliaram a sua relação com estes bairros
para além do setor de trabalho, desdobrando a sua participação em atividades afetivas
e sociais.
Por sua vez, uma quantidade expressiva de moradores da Barra da Tijuca
parece deslocar-se para outros bairros22 durante a semana pelos motivos ai aludidos, e
se concentra no seu bairro nos finais de semana, desenvolvendo uma de dependência
quase integral, o que nos levou a identificar uma complexidade neste modo de vida
urbano baseado nas estratégias de confinamentos adotada por quem se sente
contemplado pela ofertas do setor de consumo do bairro. Consumo será aqui entendido
como uma relação social que envolve os indivíduos numa busca incessante de
produtos, mesmo que esta procura esbarre na impossibilidade de plena consecução
deste desejo de consumo (Bauman, 2000). De acordo com esta definição o consumo é
um ato desejante que é acionado independente do fato de poder ser realizado. Na
sociedade dos consumidores, que para Bauman representa o novo paradigma da
organização social, os homens constroem vínculos instáveis e passageiros com outros
indivíduos, demarcando um sentido similar aos espaços que abrigam estas relações. A
ideologia da renovação constante dos produtos a serem consumidos orienta em igual
medida a durabilidade das relações em todos os seus níveis. Curiosamente, e sem
fragilizar o paradigma baumaniano, o lugar cumpre simultaneamente a função de
estimular laços perecíveis e relações duráveis. Nestas duas dimensões podem ser
destacadas. O ambiente doméstico, as áreas de encontro dos condomínios onde os
21 Esta questão pela via da crítica das ambigüidades que aparecem na fala dos moradores no capítulo quatro. 22 Em praticamente todas as entrevistas que realizei os moradores dos condomínios afirmaram que um dos grandes sonhos de consumo do morador da Barra da Tijuca é poder trabalhar dentro do bairro, situação que, contudo, é restrita a poucos, enquanto a grande maioria tem se deslocar para outras áreas da cidade, principalmente o centro.
33
moradores se encontram, por mais rápidos que sejam estes contatos, e nos espaços de
consumo como os Shoppings Centers, nos quais a durabilidade dos contatos tende a
ser bem menor.
Feita esta breve digressão preliminar passemos agora para o apontamento dos
fatores que estruturam a incrementação dos condomínios fechados nas cidades latino –
americanas, buscando com isto, identificar um conjunto de pressupostos comuns que
possam estar indicando, em sentido lato, os rumos das cidades latino-americanas. O
primeiro pressuposto é a vinculação da escolha residencial com o crescimento da
violência urbana.
1.1 – O sentimento de insegurança nas grandes cidades: a solução condomínio fechado. O crescimento da violência nas grandes cidades parece ter estimulado em
alguns agentes, principalmente, a grande imprensa, a indicação de um cenário social
em que a chamada violência urbana alcança índices alarmantes, que no limite, podem
vir a ameaçar concretamente a vida das pessoas. Uma das conseqüências mais
imediatas deste quadro é o aumento do sentimento de insegurança, representado tanto
pelas falas formuladas no dia a dia pelos moradores da cidade em suas relações mais
cotidianas expressas, por exemplo, nas relações de vizinhança, quanto pela divulgação
em massa de imagens violentas feitas pela mídia. Um dos reflexos espaciais deste
cenário de tensões acumuladas e práticas de socialização disruptivas nas grandes
cidades da América Latina tem sido uma migração territorial de segmentos da classe
média em direção aos condomínios fechados, geralmente situados em áreas mais
afastadas dos grandes centros. Esta migração corresponde ao que alguns autores
(Lopes, 2008) têm chamado de auto-confinamento das elites.
Sem desconsiderar o medo real que os moradores podem sentir ao optarem por
morar em condomínios fechados, os trabalhos que vem se debruçando ao crescimento
desta estratégia de confinamento têm polemizado as representações da violência
urbana oriundas da divulgação generalista que se faz do medo urbano, em especial nos
34
meios de comunicação, que desconsideram a segmentação da cidade em áreas mais
propensas e menos sujeitas á ocorrência de práticas criminosas. Neste sentido,
Fernando Carrion (2008) ao analisar os casos de Santiago e Montevidéu buscou
compreender que
Cada cidade tem certos “registros territoriais” do medo, de onde suas populações constroem e depositam um imaginário do terror, a partir da qual se estende este sentimento a totalidade das cidades, seja porque sua consolidação é estratégica, porque os meios de comunicação operam como caixa de ressonância, ou porque a organização urbana da cidade reflete o caráter seletivo destes espaços emblemáticos (Carrion,2008, p.5 ).
Para Lucia Dammert (2004) o temor urbano que atinge as cidades latino-
americanas tende a se assemelhar a mesma sensação de insegurança recorrente em
cidades européias. Para o caso latino – americano, entretanto, entram em cena fatores
sociais típicos de países que herdaram precárias instituições responsáveis pela
representação de interesses coletivos. Esta cultura pública de forte desconfiança e
descrédito nas instituições representativas por parte da população, independente da
sua localização na estrutura econômica das cidades, incide na percepção de um
aparelho de Estado marcado pela corrupção judiciária, violência policial e de uma
sociedade civil sustentada por frágeis laços de solidariedade. Estes fatores costumam
ser potencializados pela exploração incisiva da mídia, que ao veiculá-los
cotidianamente ao grande público, cria em torno de si uma atmosfera de isenção moral
e incrementa um imaginário social propício ao desenvolvimento de soluções
diferenciadas para os problemas urbanos.
Neste contexto propício ao desenvolvimento de modelos de segregação
residencial, como os capitaneados pelos condomínios, Dammert (2003) constata que
ao longo de sua pesquisa na sua pesquisa quase quarenta e sete por cento dos
entrevistados sofreram alguma forma de violência, enquanto pouco mais de sessenta
por cento acreditam que possam ser vítimas dela. Esta segunda amostragem pode
estar indicando como a sensação de insegurança antecipa a ocorrência do ato
criminoso, ao passo que pode condicionar psicologicamente a sua vítima em potencial
a adoção de ferramentas de defesa. Para os mais pobres tende a crescer a sua
35
vulnerabilidade, e entre as classes mais abastadas ganham espaços as iniciativas de
autoproteção.
Neste sentido seus efeitos parecem ser bem concretos já que a população em
potencial atingida pelas ações violentas formula discursos de autoproteção lugares
como a metrópole carioca esta sensação de segurança vem sendo agravada com o
crescimento da segregação sócio-territorial. Em lugares como a metrópole carioca esta
sensação de insegurança parece produzir desdobramentos territoriais associados que
indicam uma dinâmica de crescimento diferenciado da cidade de forma segregada. O
aumento da disparidade de renda entre os segmentos da cidade parece colaborar para
a ampliação da distância social entre estratos que já se encontravam hierarquizados na
estrutura responsável pela distribuição de oportunidades de participação social. Para
Ribeiro e Junior (2003) na década de noventa pôde-se perceber a entrada de novos
agentes no cenário urbano, novas forças sociais representando as novas forças
econômicas presentes na cidade. A sua principal característica é a construção de
acordos estratégicos entre os antigos e os novos interesses da acumulação urbana e a
busca da sua legitimação através do marketing urbano. Neste contexto de insegurança,
a violência urbana tem sido um filtro habilmente utilizado por quem efetivamente vem
lucrando com a fragmentação do tecido social da cidade.
A publicidade é um ator que vem corroborando este processo. Analisando os
anúncios publicitários de venda de imóveis nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo,
Sônia Tadeu e Edson Possidônio (2004) observaram que tanto o medo quanto a
necessidade e o desejo de proteção dele decorrentes é que fornecem o fermento para
os processos para os processos de fetichização da casa nas publicidades do mercado
imobiliário, entendendo por casa o lugar de abrigo contra as possíveis ameaças
urbanas. Logo, de acordo com o raciocínio dos autores, a casa é o lugar seguro,
acolhedor, porque pessoal, ao contrário da rua, sinônimo do desconhecido, impessoal,
e por extensão, reino da insegurança nos dias em que vivemos. A violência nestes
recortes de um dos setores do marketing urbano é fomentada para que o produto
completo, que é condomínio fechado, foco da análise dos autores, seja vendido com
todo o pacote de benefícios, tendo em destaque o elemento da segurança.
36
E neste cenário a casa, sempre pensada de forma associada ao condomínio,
permite a concretização de desejos e fantasias. A retórica publicitária tem sido muito
hábil na divulgação destes paraísos artificiais. Vejamos como alguns anúncios
publicitários retirados de um suplemento jornalístico de um jornal de grande circulação23
anunciam as vantagens de se viver na Barra da Tijuca, depreendendo daí a
inevitabilidade de se viver em condomínios fechados.
“O Rio volta a ser uma referência mundial em lançamentos imobiliários
vanguardistas, com projetos inteligentes, arrojados, conceituados, tematizados. Tudo
isso, por causa da Barra, que impeliu o mercado a produzir resultados
espetaculares”(Rubens Vasconcellos, Patrimóvel).
“Pesquisas mostram que o morador da Barra dá importância a benefícios que
tornam sua casa uma espécie de oásis: academia, SPA, amplas áreas de lazer,
segurança e paisagismo” (Rogério Zylberztajn, RJZ/Cyrela, grifos meus).
“Precisamos conquistar consumidores que procuram empreendimentos de alto
padrão, com segurança, modernidade, infra-estrutura e lazer de Primeiro Mundo”(Luiz
Henrique Rimes, Gafisa).
A mensagem presente nos textos de três dos maiores grupos empresariais que
investem nos setor de produção imobiliária da Barra da Tijuca é tentar convencer o
futuro e atual morador da Barra de que ele vive em um lugar a parte do restante da
cidade, e de que dentro do seu condomínio o desejo de consumo será plenamente
atendido, um consumo que se estende ao corpo bem modulado tão valorizado nos
circuitos de socialização do bairro como a praia e os Shoppings Centers.
Outro agente que pode estar estimulando sentimentos de insegurança que em
alguma medida alimentam um imaginário urbano do medo são os meios de
comunicação. Desde o momento em que passam a veicular imagens de um cotidiano
violento, onde a população de forma indiferenciada parece terce-se tornado refém de
uma população criminosa, ainda que esta população muitas vezes esteja difusamente
distribuída pelo território, o terror urbano converteu-se em uma imagem absoluta, e o
23 Suplemento especial o Globo, Quinta – feira, 30 de Novembro de 2006.
37
seu enfrentamento fugiu completamente das capacidades de prevenção do poder
público. De acordo com a lógica deste discurso, as cidades têm sido tomadas pela
criminalidade praticada pelo poder organizada ou pelos pequenos crimes, o que a
tornaria ingovernável. Os cidadãos sentem-se inseguros em face da diacronia de ritmo
entre a 24violência e a capacidade do Estado de adotar mecanismo de proteção que
garantisse o direito as suas vidas.
Para Izabel Szpacenkopf (2000) a violência fartamente divulgada pelos
noticiários televisivos não refleteria apenas uma banalização do cotidiano. Por detrás
desta divulgação existe um processo de sedução operado pelos meios de comunicação
que, segundo a autora, tem agradado em cheio os telespectadores. Afinal de contas,
uma imagem muitas vezes trabalhada cinematograficamente, tende a convencer o seu
público pela veracidade de uma mensagem interpretada. Esta “reprodução da
realidade” pode repercutir no cotidiano ao divulgar fatos que acontecem aos olhos de
muitos, ainda que muitos não percebam que a colagem pré-definida de certas imagens
sustentadas por uma narração trágica, freqüentemente investe maior intensidade a o
fato violento. Em suma, acredita-se que a violência está indiferenciadamente
disponibilizada no território.
Por fim, o fenômeno da violência urbana pode, no fundo, ser um componente de
um processo muito perverso que reflete a baixa mobilidade social ascendente que afeta
quase todos os segmentos de classe da sociedade carioca, exceção feita aos setores
abonados que tem recorrido ao uso do capital privado para tentarem se imunizar das
ameaças presentes na cidade. Podemos ver nas reflexões que enfocam a segregação
urbana uma perda de garantias reais trazidas pela orientação política-econômica dos
últimos anos pró - desregulamentação social do Estado. Não é casual o fato de que
enquanto as economias dos Estados latino-americanos atravessaram períodos de
desemprego e perda de poder aquisitivo para os mais pobres, o mercado imobiliário
vem se consolidando neste continente como um dos agentes sócias sociais de maior
participação na redefinição dos seus territórios.25
24 SZPACENKOPF, Maria Isabel Oliveira. O Olhar do poder. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2003. 25 Para ficarmos apenas no caso da Barra da Tijuca, enquanto o Estado foi uma figura determinante na fase inicial da urbanização do bairro prevista no plano piloto de Lúcio Costa, na virada da década de setenta para a de oitenta o setor empresarial representando o mercado imobiliário se apoderou do processo levando, inclusive, ao pedido de renuncia de Lúcio Costa do cargo de chefia que ele exercia na SUDEBAR, até então órgão soberano na condução da urbanização do bairro.
38
Como resultado, a morfologia fragmentada do território pode estar sendo
acompanhada da pulverização de expectativas sociais por uma ordem mais justa e
igualitária, dificultando qualquer germinação de ideologias coletivas de inclusão social.
O velho axioma sustentado pelas classes dominantes de que a desordem urbana era
causada, entre outros motivos, pela aglomeração de pobres em determinadas áreas da
cidade habitadas pela população mais rica parece dar passagem a outras concepções
sobre a desordem urbana, aonde a figura do escravo ou do homem negro recém-liberto
vem sendo substituída pelos novos pobres urbanos, em sua maioria jovens negros
moradores de favelas.
As tensões entre as classes sociais repaginadas por determinações presentes
em um novo tempo e espaço atualizam a morfologia segmentada da cidade do Rio de
Janeiro cujo território revela sinais de separação das classes entre grupos detentores
dos ativos de intervenção social, seja esta intervenção registradas pelo poder
econômico e a sua conseqüente participação ativa na sociedade de consumo ou na
possibilidade de acionarem a aparelho jurídico do Estado podendo transformar suas
reivindicações em ações jurídicas concretas. 26 Tentando visualizar os efeitos destas
iniciativas segmentadas no interior da metrópole, e levando que apesar da sua
separação em segmentados de classe não há garantias de que estas ações estejam
sendo tomadas de forma organizada, as chances de formação de uma cultura
democrática na metrópole carioca parecem ser bem escassas. Como esta problemática
é muito ampla, ficaremos restritos aos impedimentos desta cultura democrática
colocados a partir da identificação do comportamento e das falas de alguns segmentos
das classes médias urbanas, e na medida do possível, interpelando seus efeitos no
tecido social da cidade.
Déficits de comportamento democrático costumam ser apontados como um saldo
das formas de vida confinadas em condomínios fechados. Esta suspeita está
sustentada, por exemplo, na estrutura arquitetônica destas construções marcadas por
muros altos que isolam visualmente o morador do seu entorno imediato, e daí advirem
várias dificuldades de ingresso nos condomínios em função dos impedimentos criados
26 Vários caminhos poderiam ser aqui adotados visando identificar a segmentação da cidade do Rio de Janeiro. Cada um deles sugeriria uma literatura específica. No caso da dimensão mais política temos o trabalho de Ribeiro e Junior (2003) e pela perspectiva econômica vemos a investigação de Abramo (2008). Mesmo considerando a importância destas investigações eu tomo como referência teórica os trabalhos que reconhecem a centralidade da sociedade de consumo.
39
pela administração interna. Percebemos nas entrevistas com os moradores que os
conflitos, quando existem, são resolvidos por fóruns internos. Nestes espaços costuma-
se buscar uma solução consensual que não alimente maiores dissensões e “perda de
tempo” entre os moradores, como revelou um dos meus entrevistados.
Mesmo que a mediação destes conflitos seja feita por uma instituição legítima e
legal como a associação de moradores há uma forte inclinação para que na eminência
do surgimento de uma grande tensão que supere a capacidade de resolução dos fóruns
internos, ainda assim, busquem-se soluções domésticas. Esta predisposição para
soluções rápidas, a busca de decisões consensuais e o temor pela interferência de
órgãos do Estado nos problemas internos dos condomínios sugere o predomínio de
princípios não democráticos na regulação de comportamentos sediciosos entre os
moradores. Neste sentido, determinados hábitos entre moradores de condomínios
fechados sinalizam a despreocupação com princípios democráticos. Entre os desafios
colocados na nossa pesquisa esteve a preocupação em saber até que ponto esta
cultura interna reflete uma rejeição dos moradores aos princípios democráticos que
deveriam nortear as escolhas socialmente relevantes para uma sociedade.
Os condomínios fechados podem ser o lócus de novas formas de filiação social
que reconfiguram princípios de organização comunitária adaptadas ás novas exigências
de consumo dos seus moradores? Podemos estar diante de ambientes que busquem a
confraternização de interesses econômicos e sociais aparentemente contraditórios
produzindo como resultado formas de interação de grupos que indiquem uma espécie
de equação do individualismo com gregarismo local? Os arranjos sociais costurados
dentro de micro-territórios como os condomínios fechados podem ser exemplos da
absorção de tendências globais pelas idiossincrasias expressas localmente pelos seus
residentes? Estaríamos diante da postura antropofágica observada por Bauman onde
através da desalienação das substâncias alheias seja possível “ingerir”, “devorar”
corpos e espíritos estranhos de modo a fazê-los, pelo metabolismo, idênticos aos
corpos que os ingerem, e, portanto, não distinguíveis deles. (Bauman, 2000). Passemos
então a investigação desta complexidade que costuma aparece não apenas nos
condomínios da Barra da Tijuca assim como em várias formações territoriais da
América Latina.
40
1.2 - Comunitarismo com individualismo. O desafio das novas classes médias.
As palavras têm significados: algumas delas,
porém, guardam sensações. A palavra
“comunidade” é uma dessas. Ela sugere uma coisa
boa: o que quer que “comunidade” signifique, é
bom ter uma comunidade, “estar numa
comunidade”. Se alguém se afastar do caminho
certo, freqüentemente explicamos sua conduta
reprovável dizendo que “anda em má companhia”.
Se alguém se sente miserável, sofre muito e se vê
persistentemente privado de uma vida digna, logo
acusamos a sociedade – o modo como está
organizado e como funciona. As companhias ou a
sociedade podem ser más; mas não a comunidade.
Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa.
(Bauman, 2003, p.7 ).
Nesta passagem Bauman sintetiza com a precisão e a coragem costumeiras que
vem marcando a sua obra, o que ele considera como um dos grandes dilemas da
organização social nestes tempos da modernidade tardia marcados pela incerteza:
diante do clima de insegurança existencial experimentado por todos aqueles que vêm
construindo suas trajetórias em sociedades cada vez mais competitivas a possibilidade
de, ao menos, amenizar o sentimento de vazio e medo, pode estar na construção de
formas de solidariedade que recuperem valores como afeto e segurança pessoal. Daí a
saída pela vida da comunidade, esta coletividade que se opõe a sociedade na medida
em que enquanto na segunda predomina a impessoalidade das relações sociais
desenvolvidas em ambientes amplos cujas redes de proteção social mostram-se
difusas, logo imprecisas para uma incorporação segura dos seus membros, no primeiro
as relações entre os indivíduos são definidas pela proximidade física que acaba
produzindo uma proximidade de interesses de ordem social e moral. Daí a sensação de
maior acolhimento na comunidade e de desproteção na sociedade.
41
Uma utilização pouco criteriosa do conceito de comunidade tem produzido
confusões de rumo no atual debate sobre o urbanismo contemporâneo. Esta é a
conclusão a que chega David Brain (2005) que ao propor uma nova agenda de
pesquisas urbanas identifica impecilhos teóricos refletidos em conclusões empíricas.
Neste sentido
No curso de montagem da agenda social do novo urbanismo é possível identificar duas idéias, simultaneamente, diferentes e contraditórias. De um lado existe a idéia de comunidade, cuja retórica de solidariedade está baseada no sentimento comum e na ligação pessoal. Do outro lado há uma vinculação frágil de um conjunto de idéias precariamente resumida sob a rubrica de urbanismo, baseado numa retórica de diversidade vital, ordem normativa do espaço público e realismo cívico.na tentativa de defenderem os valores do que propõem, muitos defensores do novo urbanismo falharam ao apostarem nas ambigüidades da retórica da comunidade que é utilizada por um discurso popular. E é a retórica da comunidade que tem causado a maioria dos problemas, rendendo aos novos urbanistas as críticas de defensores de um comunitarismo e deixando-os expostos as críticas de quem são indiferentes as mudanças mais significativas que tem ocorrido nas cidades: problemas de raças, classe e igualdade social. (Brain, David, 2005, p.218, tradução minha).
Para uma literatura especializa na área de urbanismo uma categoria tão cara á
história da sociologia como a comunidade vem sendo apropriada de forma ideológica,
submetendo conclusões de pesquisa á juízos de valor formulados pelos pesquisadores.
A problemática urbana fica reduzida à popularidade de um conceito transformado em
idéia força de um conjunto de relações sociais que esta categoria não conseguia
compreender. Neste sentido, a categoria comunidade reaparece como uma reação
retórica produzida por uma parcela da área de pesquisas em ciências sociais que
garante sua legitimidade na fluência coletiva dos espaços sociais que reconhece na
comunidade uma saída coletiva conservadora que se antepõe ás formas de conflitos
considerados disruptivos protagonizados na sociedade. Em uma época onde as lógicas
dualistas, do tipo a luta do bem contra o mal, parece ser hegemônica comunidade pode
aparece neste contexto como os domínios da ordem sobre a desordem, representada
pelas formações societárias.
De acordo com este preceito dualista podemos visualizar as formas dicotômicas
de filiação dos indivíduos nas dinâmicas autuais de socialização urbana. E desta forma
vemos que os problemas trazidos pela sociedade produzem impactos distintos nos
42
segmentos de classe nas metrópoles. Utilizarei esta categoria ao longo da tese por me
referir a inscrição segmentada das classes sociais dentro dos territórios da metrópole.
Classe social é aqui compreendida como a forma específica de vinculação social dos
indivíduos, entendendo que além destas classes manterem relações objetivas com
outras classes, definindo a sua posição dentro da estrutura social, seus membros se
envolvem deliberadamente com indivíduos de outras classes (Bourdieu, 2002). Esta
definição, a meu ver, incorpora a dimensão relacional da socialização urbana,
considerando o fator da alteridade, mesmo que nas falas e práticas de alguns
segmentos de classe o Outro seja deliberadamente excluído. O uso deste conceito
pretende demonstrar esta contradição.
Logo, se para os mais pobres morar em uma comunidade pode representar a
recuperação da auto-estima e o enfrentamento das estigmatizações territoriais, como
todo o encargo moral que a expressão morador de favela traz para o seu usuário, entre
os segmentos mais abastados a comunidade pode sugerir a proximidade com iguais
que compartilhem códigos civilizatórios específicos de grupamentos sociais
voluntariamente enclausurados. O primeiro grupo luta contra uma gramática imposta
por um sistema social altamente estratificado que define as possibilidades de afirmação
social de acordo com a posse dos ativos de participação desigualmente distribuídos no
mercado de trabalho e na sociedade de consumo. O segundo grupo, por ter mais
acesso a estes ativos de participação social, navega socialmente (Da Matta, 1991) com
larga margem de autonomia. Em ambos os casos, a sociedade, por diferentes motivos,
é percebida como uma ordem extremamente impessoal e constrangedora.
A procura pelo abrigo seguro da comunidade, segundo Bauman, é um projeto
atravessado por ambigüidades. Na tentativa das novas classes médias (Na verdade
Bauman trabalha com o conceito de elite, que eu prefiro evitar no meu trabalho, e por
isto enveredo para uma terminologia que considero mais apropriada) assegurarem as
suas identidades, alinhada com as referências valorativas da sociedade de consumo,
que incluem a volatilidade e dispensabilidade dos significados de longo prazo, estes
mesmo grupos encontram-se diante do dilema de terem que abrir mão de determinados
objetivos para conservarem certas conquistas. Trazendo para o campo dos exemplos, o
investimento que estes grupos fazem em busca da liberdade de fazerem o quiserem
43
entre os seus iguais esbarra na impossibilidade da segurança para tal empreendimento,
para usarmos um termo bastante em voga. Por outro lado, quem pretende viver em
segurança inevitavelmente diminui a sua margem de liberdade.
A categoria comunidade aparece, direta ou indiretamente, em trabalhos sobre
condomínios fechados. Maria de Fátima Gomes (2003) reconhece que dentro de alguns
macro condomínios fechados da Barra da Tijuca como o Riviera Del Fiori e o Novo
Leblon existe uma intensa vida social, por eles definida como uma expressão festiva da
vida em comunidade, alem de eventos sociais menos idílicos como as reuniões
regulares de foro condominial. 27 Quando esta categoria parece nas reflexões de Bauman ela parece justificar
estratégias escapistas de segmentos das classes médias cuja dinâmica de
deslocamento espacial corrobora a lógica circulação ininterrupta de acordo com os
novos circuitos de distribuição do capital. Mesmo que a capacidade de constante
mobilidade na cidade, que confere a certos segmentos sociais a prerrogativa de
escolherem os lugares onde irão estabelecer relações mais duradouras, como no caso
da residência, seja intercalada por esta fixação em territórios específicos.
Estas novas dinâmicas urbanas consagram-se em ambientes de incerteza
generalizada trazida pelas narrativas de desmonte dos antigos fundamentos daquilo
que o autor chamou de modernidade pesada, ou modernidade sólida. Nela, em que
pesavam os conflitos de classe, havia margens seguras de negociação de garantias
que assegurassem aos setores mais fragilizados da estrutura capitalistas bens de
participação política, através do acionamento de um sistema de proteção social que
resguardava os direitos inalienáveis dos trabalhadores. Hoje em dia, as novas
engenharias industriais procuram convencer os trabalhadores cada vez mais
desmobilizados e desacreditados de suas instâncias de representação, como os
partidos políticos e os sindicatos, das vantagens da flexibilização das relações
trabalhistas.
27 Os sites dos condomínios funcionam como uma eficiente ferramenta de divulgação das atividades realizadas nos seus domínios. Neles aparecem desde informações triviais como datas das reuniões de condomínio até a divulgação de eventos como palestras com consultores de empresas e firmas de segurança. Este segundo exemplo tem representado uma atividade muito regular na medida em que o seu conteúdo atinge diretamente os moradores dos condomínios e os seus incorporadores imobiliários. Podemos atém esmo arriscar ao falarmos que o formato comunitário mais comum aos moradores da Barra da Tijuca é o virtual.
44
Dispensados do “peso do Estado”, o neoliberalismo com a sua agenda de
flexibilização das relações de trabalho, acaba por flexibilizar, inclusive, as relações
pessoais, por mais contraditória que esta expressão possa parecer. Não apenas a
antiga massa operária tem sido atingida pelas políticas de incorporação pinga a gotas
no mercado de trabalho. Neste ambiente em que o tempo da produção do consumo se
ajusta em diacronia com as possibilidades de edificações de projetos de médio e longo
prazo, a identidade social, para Bauman, cada vez se afasta mais do projeto sartriano
da identidade para a vida inteira. O mais indicado é a definição de identidades que se
adéqüem a imprevisibilidade do dia seguinte, e para isto, os fundamentos que a
sustentam devem ser passageiros. Entretanto, há o desejo de superar esta sensação
de insegurança através dos supostos valores familiares trazidos pela comunidade.
Desta forma, a busca pela comunidade, este porto seguro que protege o seu
integrante das intempéries da nova ordem social, esbarraria numa grande contradição.
Ao invés do fortalecimento de laços coletivos que primem pela colaboração de todos os
seus membros, da sedição do interesse de cada um em prol da vontade da
coletividade, enfim, ações voltadas para o interesse comum baseado na lógica da
garantia de oportunidades para todos, a comunidade que se busca, no fundo, é um
espaço que visa resguardar a distância que cada um dos seus membros pretende
guardar, não apenas dos estranhos, mas até mesmo dos seus vizinhos.
A importância da comunidade sempre dependeu da sua função na estrutura
produtiva. No capitalismo do século XIX, sua importância era questionada por autores
que entendiam que as comunidades aprisionavam os indivíduos em vínculos
conservadores untados à importância da família e das habilidades adquiridas. A
sociedade moderna estava em busca de novos braços para a produção que deveriam
ser despidos dos seus hábitos comunitários (Op. cit. p.30 ) e transformados em massas.
Sendo assim, para Bauman, neste momento a guerra contra a comunidade foi
declarada em nome da libertação do indivíduo da inércia da massa. Entretanto,
O verdadeiro resultado – ainda que não dito – dessa guerra foi o oposto do objetivo declarado: a destruição dos poderes de fixar padrões e papéis de comunidade de tal forma que as unidades humanas privadas de sua individualidade pudessem ser condensadas na massa trabalhadora. A “preguiça” inata da classe trabalhadora não passou de uma débil desculpa. (Bauman, 2003, p.30).
45
Aquela razão moderna que exigia a predisposição para os homens comuns
abandonarem suas origens em prol de uma vida mais livre e cheia de escolhas
fascinantes escondia no fundo, a dupla face de Jano apresentada por Bauman, onde a
autonomia de fato de alguns, custava a enorme repressão da maioria. Os indivíduos de
jure não estavam liberados pela razão libertadora do iluminismo. Eles eram apenas
dados, peças de reposição na nova engrenagem do controle social. Os detentores do
poder social estavam investidos de uma autoridade quase inquestionável já que os
seus fundamentos eram nobres e de difícil crítica. Afina de contas, naquela época
representaria um contra-senso a rejeição a liberdade, democracia e justiça social. E a
comunidade parecia representar um retrocesso ao um mundo de direitos que se
tornava promissor. Por fim, uma das lições que esta história nos passou foi de que o
desenvolvimento humano é sempre desigual e que a conta deste progresso é paga por
segmentos que se colocaram contra os consensos estabelecidos.
Curiosamente, no final do século XX a categoria comunidade reaparece em um
cenário social ainda mais dramático do que o mundo de onde ela foi expurgada. Sua
convocação por segmentos da classe média passa a impressão de ser uma empreitada
em busca da recuperação de paraísos de convivência social, modos de vida mais
harmoniosos do que os hábitos que imperam nas formas de socialização atuais,
principalmente aqueles que transcorrem nos espaços públicos. Entretanto, este ideal
comunitarista preserva espaço para ideologias individualistas.
Por este motivo Bauman reconhecerá que este modelo de comunidade nada
tem a ver com a comunidade de interesses baseados em princípios éticos,
responsáveis pela regulação do interesse coletivo. Sua perspectiva é o interesse
estético. Nele a imagem de bem sucedidos, a aparência da vitória, a exibição dos
signos de pertencimento ao mundo das imagens dos seus integrantes contam muito
mais do que os (im) prováveis sentimentos de coletividade que venham alimentar o
estar perto uns dos outros. As imagens exitosas da sociedade de consumo fornecem o
modelo e os seus valores são as fronteiras destes territórios de exceção.
As comunidades que apareceram no vocabulário publicitário e na fala dos
moradores todas as vezes que se buscou a qualificação de um comportamento,
supostamente mais adequado aqueles que pretendem viver em harmonia, as
46
“comunidades cercadas” em que pretendem viver os membros da nova classe média
carioca levam-nos a reconhecermo-las como instalações munidas de um pesado
aparato de segurança e vigilância constante pesadamente guardadas e eletronicamente
controladas compradas no momento em que haja dinheiro ou crédito suficiente para
manter distância da confusa intimidade da vida comum da cidade. São comunidades
apenas no nome. O que os seus moradores parecem estar dispostos a assegurarem é
o direito de manter-se á distância e viver livre de intrusos.
È como se dentro dos condomínios fechados fosse possível que cada um
vivesse suas particularidades em tal grau de harmonia que estas pudessem ser
incorporadas harmonicamente pelos interesses de um coletivo. Ou seja, estaríamos
diante de um micro – espaço social que onde o indivíduo pode definir a sua
plenamente, sem os incômodos de se submeter às formas de autoridade oriundas das
instituições coletivas, sejam elas legais, ou morais? Ou estaria ocorrendo uma
transferência de autoridade, que migra das organizações coletivas mais difusas como a
sociedade, para as comunidades frutos da acomodação espacial de grupos de
interesse? Vejamos algumas saídas teóricas possíveis para este dilema que parece
ganhar corpo nas falas e ações de determinados segmentos de classe.
Os trabalhos de Baumam, mesmo tendo apontado os fundamentos do novo
comunitarismo, reporta-se ao debate sobre comunitarismo e multiculturalismo que
grassa larga audiência nas sociedades americanas e européias. Sem tirar o seu mérito,
acredito que para a compreensão das motivações que sustentam os motes de
organização social dentro dos condomínios fechados da Barra da Tijuca a vertente
individualista deva ser levada em consideração. O individualismo que os moradores
manifestam apresentados sob a face do discurso comunitário é a tentativa de afirmação
de modos de vida baseados na proteção dos interesses particulares garantidos pela
normalização de relações sociais minimante coletivas. Neste sentido, a evocação da
categoria comunidade ou um termo afim por parte do morador do condomínio fechado
não seria uma mentira ou a engano vocabular cometido pelo seu aprisionamento no
discurso publicitário. Vejamos agora as premissas cognitivas deste individualismo.
Trabalhos sobre condomínios fechados no Brasil que abordam uma perspectiva
mais culturalista deste fenômeno visam destacar os processos de socialização
47
baseados nas relações de vizinhança e nas interações domésticas costumam recorrer a
modelos teóricos baseados em dicotomias espaciais. Trabalhos como o de Cristina
Moura, que estuda as formas de interação destacadas acima em condomínios fechados
de Goiânia, sustentam que os códigos de comportamento dos seus moradores
destacam a “casa” como um ambiente prenhe de valores sustentados pela hierarquia
de relações sociais na sociedade brasileira que destacam neste especo fatores como a
pessoalidade e o domínio das relações primárias. Ao passo que na “rua”, também
detentora de valores, predominam vínculos individualistas baseados em códigos
igualitários que escondem os indivíduos em sues anonimatos.
Esta análise esta diretamente influenciada pelo trabalho de Roberto da Matta
(1991), ainda que a autora reconhece os valores do mundo da rua que para Da Matta
seria exclusivamente o reino da institucionalização das regras reguladas pelo Estado e
pelo Mercado. Na medida em que a dicotomia espacial pode sugerir avanços ao
traduzir os sentidos ocultos destes espaços, e ao mesmo o tempo, indicarem
particularidades da forma urbana brasileira recorreremos ao trabalho crítico de Jessé de
Souza ao trabalho de Da Matta, que se propõe a descredenciar o modelo de análise
que defende a díade complementar casa e rua, e o mesmo tempo, é uma rica
contribuição sobre a consolidação de narrativas individualistas dentro de formações
territoriais como os condomínios fechados.
Para Roberto da Mata o indivíduo no Brasil seria alguém inscrito em uma na
estrutura do mundo das leis impessoais aos quais está sob controle e subordinação.
Como a sua existência é definida pelo mundo da rua, o reino da impessoalidade, ele
deixaria de desfrutar de uma série de privilégios típicos da rede de relações pessoais
que estão abrigadas nos espaços mais íntimos da nossa sociedade, como é o mundo
da casa. De forma muito sintética, o indivíduo no Brasil não faz parte de uma categoria
universal como é o caso de países como os Estados Unidos e nem do renunciante
como na Índia. Aqui ele é uma espécie de João ninguém.
A antípoda deste indivíduo numa sociedade como a nossa é a pessoa, um ser
eminentemente relacional compreensível por fazer parte de um sistema de relações
sociais onde as relações de compadrio, de família, de amizade e de trocas de
interesses e favores constituem um elemento fundamental. Da Matta afirma que na
48
sociedade relacional brasileira é muito positivo ser uma pessoa porque esta premissa
nos garante conquistas materiais e simbólicas fornecidas pela proximidade com figuras
importantes, e por extensão, nos torna participe dos privilégios de uma sociedade que
condiciona a sua navegação social a este tipo de vinculação. O indivíduo, por sua vez,
seria o destituído desta rede privilégios, e pagaria por este alijamento o preço de estar
sob a fiscalização regular das leis e dos mecanismos de controle social, que mesmo
baseados em forte institucionalidade, acabam tratando de forma diferenciada estes
mesmos indivíduos. A dicotomia rua e casa no esquema Damattiano pode ser resumida
ao conforto da casa contra os perigos da rua. De um lado a cultura e do outro a
racionalidade.Instala-se no argumento Dammatiano uma antítese entre indivíduo e
pessoa do qual serão tributários todos os outros conceitos presentes na obra do autor.
Um primeiro problema levantado por Jessé é o de que na tese de Da Matta os
brasileiros na condição de indivíduos só reagiriam de modo inverso aos estímulos das
instituições tradicionais como o Estado e o Mercado. Logo, o nosso individualismo
viraria uma espécie de moeda corrente de um comportamento deturpado que não teria
como extensão os valores do individualismo recorrentes em outras sociedades onde o
indivíduo, e por extensão, seu individualismo, corroborariam seus sentidos originais.
Acredito ser muito mais adequado reconhecer que o individualismo que os
moradores manifestam dentro dos condomínios fechados é uma extensão adaptada
para esta territorialidade do tipo de individualismo universalista da sociedade de
consumo, que de forma não contraditória, aglutina-se com as exigências de um tipo de
comunitarismo, desde que este preserve num ambiente de convivência comum as
individualidades almejadas por estes moradores. A posse do bem como credencial para
qualificar a presença positiva de alguém no mundo de valores de uma sociedade
competitiva como a carioca anuncia as chances de afirmação da sua individualidade.
Neste sentido, o ser da sociedade consumo dentro do condomínio fechado pode
guardar expectativas muito parecidas com alguém que mora em uma gated city. A
presença da cultura é uma variável para identificar as escolhas dos moradores de
condomínios, o que não significa desprezar a pressão que instituições do mercado e do
Estado exercem sobre suas escolhas. No mínimo há uma interpenetração de
determinações. O consumo traz uma capacidade cognitiva para o seu usuário, que ao
49
acionar os seus códigos, que são de natureza cultural, revela uma racionalidade
instrumental típica de quem está minimamente familiarizado com o mercado.
Ao acionarem estes códigos os moradores de condomínios na Barra da Tijuca
parecem sinalizar uma influência de valores típicos de nossa cultura como o familismo,
onde a família é um lugar que os indivíduos podem consultar para sentirem-se mais
seguros sobre suas escolhas, a força dos grupos primários dentro que incorporam estes
sujeitos tirando-nos de uma incômoda situação de isolamento interno e a decodificação
do aparelho do Estado, quando os moradores recusam a interferência do Estado em
casos de conflitos internos. Esta recusa não demonstra a incompatibilidade entre o
indivíduo que se quer fora do condomínio e a preservação da privacidade das pessoas
lá residentes. Sua decisão parece se sustentar no pleno reconhecimento das leis e na
autonomia predatória dos condomínios poderem burlá-las, não somente através de
consensos baseados em pactos tácitos, mas sim ao concederem esta competência a
instituições internas como as convenções condominiais. Esta territorialidade se sustenta
no duplo vínculo da cultura com a lei, e neste caso ser indivíduo ou pessoa para os
domínios do condomínio converte-se em questão de opção.
O individualismo seria melhor compreendido como a uma ideologia de
organização social onde os indivíduos tornam-se seres plenamente autônomos quanto
as suas decisões. Instituições sociais como o Estado, a Escola e a Família deveriam
servir de suporte a realização dos desejos dos indivíduos que pontuam as suas vidas
pela sensação de autonomia. O que importaria, principalmente na sociedade de
consumo que eu considero o desiderato das formas de socialização em condomínios
fechados, seria um nível mínimo de regras coletivas em contrapartida ao máximo de
liberdade para se movimentar dentro dos espaços de suas escolhas. De preferência se
esta mobilidade for feita com o grau máximo de segurança.
Outros trabalhos mais contemporâneos que vêm investigando os novos
contornos do individualismo vêm gerando um intenso debate no interior das ciências
sociais, articulando esta problemática com a revisão de alguns dos seus paradigmas
fundadores. (Macpherson, 1968; Dumont, 1974; Velho, 1981; Giddens,1994). Todos
eles associam a premissa do individualismo na distribuição de compromissos sociais.
Para Macpherson, a preocupação com a sobrevivência do indivíduo marcava as
50
reflexões políticas e filosóficas voltadas à criação de instituições que evitassem uma
luta de vida e morte entre os sujeitos sempre maximizaram os seus interesses quando
foram Dumont entende que o pensamento ocidental tem sido marcado por uma
valorização das fontes de produção da individualidade, como a família, a escola e o
ambiente de trabalho. As instituições ocidentais teriam sido erguidas para incorporarem
coletivamente os interesses individuais, a priori difusamente distribuídos na sociedade.
As questões presentes nas reflexões acima podem perfeitamente ser atualizadas
pelos formatos ideológicos assumidos nos modos de vida urbano. Sem exagero, é a
tentativa de encontrar um formato social que atenda conjuntamente a preocupação com
a garantia da liberdade individual (Weber, 1982) junto ao respeito pelas instituições de
coerção da sociedade (Durkheim, 1983) que vem marcando as ciências sociais de
forma geral, e a sociologia, de maneira mais específica. O indivíduo é um ator
historicamente construído em espaços sócio-político-culturias nos quais suas intenções
possam desfrutar de níveis minimantes seguros de conversão em resultados objetivos.
Assim, ele se filiará a determinadas coletividades coordenadas por instituições
responsáveis por estes níveis mais seguros de garantias. Nem sempre, contudo, estes
percebem o caráter coercitivo destas instituições, principalmente, em ambientes
marcados por regras mais difusas de socialização.
A meu ver, as demandas presentes nos modos de vida urbanos e que estão na
base das novas de socialização que têm sido feitas pelos indivíduos contemporâneos,
tornam as análises teóricas que tratam o social a partir de escolhas metodológicas
ortodoxas, como o individualismo metodológico ou o coletivismo metodológico,
insuficientes. Nos momentos em que estes indivíduos tomam decisões de acordo com
as suas preferências, muitas variáveis passam a fazer parte deste processo. Logo, uma
ação tipicamente individual, como a escolha de uma residência, não será entendida
plenamente se não levarmos em consideração os fatores sociais que sustentam a
opção por um lugar, um bairro ou uma cidade, em detrimento do outro. Ao mesmo
tempo, que socialmente constrangida, uma escolha não anula necessariamente os
interesses de natureza mais individual. Segundo Bauman
[...] como um ato de emancipação pessoal e de auto-afirmação, a individualidade parece carregar uma inata aporia: uma contradição insolúvel.
51
Precisa da sociedade simultaneamente como berço e como destino. Qualquer pessoa que procure a sua individualidade ao mesmo tempo em que esquece, rejeita ou menospreza a sóbria / sombria verdade se arrisca a enfrentar muita frustração. A individualidade é uma tarefa que a sociedade dos indivíduos estabelece para seus membros – como tarefa individual a ser realizada individualmente por indivíduos que usam recursos individuais. E, no entanto, esta tarefa é aucontraditória e autofrustrante: na verdade, é impossível realizá-la. (Bauman, 2005, p.29, grifos do autor).
Visto desta forma, o individualismo converte-se em uma espécie de mito da
vontade pessoal. O sujeito não pode desvencilhar-se de suas amarras sociais
fundamentadas em obrigações que nem sempre podem ser controladas pela sua
vontade pessoal. Ainda que esta não constitua uma situação aprisionadora de uma
jaula de ferro (Weber, 1982) a vontade individual sempre será frustrada por vínculos
que limitam o seu espaço de locomoção. Logo, viver em sociedade exige que certas
premissas coletivas sejam colocadas em cena. Esta ressalva seria redundante se os
tempos fossem outros. No entanto, eu entendo que os discursos sobre a defesa
intransigente da individualidade precisam ser enfrentados nos lugares aonde os seus
resultados tem sido sentidos com mais intensidade. Não acredito haver dúvidas quanto
à vigência desta retórica em territórios de confinamento voluntário, ou como colocou
Bauman28 em outra de suas obras, nos “guetos voluntários”.
Entendo que o individualismo contemporâneo não pode ser compreendido sem
um exame mais geral de um conjunto de escolhas feitas por diferentes segmentos de
classe no contexto mais amplo da cidade. Sendo assim, este individualismo pretende
ser a expressão de um modo de vida urbano, que apesar de localizado espacialmente,
supera estas mesmas espacialidades. Este “individualismo urbano” parece construir a
sua afirmação na condição de uma narrativa das possibilidades de vida mais seguras
para os indivíduos aterrorizados pelos perigos das cidades. Este individualismo apregoa
o abandono de preocupações com questões coletivas mais abstratas, como a
democracia e a justiça social. Estes itens que ao longo dos séculos XVIII e XIX
impulsionaram os movimentos sociais comprometidos com a garantia de direitos
fundamentais deveriam ser delegados ao Estado, que vem se constituindo para
algumas classes como uma entidade cada vez mais abstrata. Dissociados de maiores
preocupações coletivas o individualismo contemporâneo é aquele em que se busca o 28 BAUMAN. Comunidade – a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
52
gozo hedonista que mascara um discurso de sujeição dos segmentos ou classes
menos favorecidas pelo novo aparato de alienação manifestado pelas engrenagens da
sociedade de consumo.
Freire Costa (2000)29 identifica prerrogativas valiosas sobre este individualismo.
Para ele, no individualismo contemporâneo temos uma substituição dos antigos
interesses políticos religiosos pelo mundo por preocupações com a satisfação individual
física ou mental. Estão em vigor novos mecanismos de exclusão social, que agora
passam pela desqualificação daqueles que não se adéquam a estética dos bem
sucedidos. Segmentados em faixas etárias temos, por exemplo, os velhos que
deixariam de ser relegados ao segundo plano na medida em que são estimulados a
participarem de atividades da “terceira idade”, “quarta idade”, ou mesmo a “melhor
idade”.
Na outra ponta do controle social os jovens são estimulados a competirem
economicamente, a cuidarem do corpo, da saúde, das relações sexuais e amorosas, e
acreditarem que caso sejam bem sucedidos no cumprimento destas tarefas, as outras
conquistas viram como um resultado natural. (Op cit. p.34). O corpo do indivíduo deve
ser um depositário de símbolos positivos da sociedade de consumo. O corpo branco,
atlético, o profissional jovem empregado em uma empresa multinacional virá uma
espécie de paradigma da sociedade dos bem sucedidos, perfeitamente encarnada nos
estereótipos presentes nos jovens de classe média alta da Barra da Tijuca.
Desta forma, os enclaves residenciais que são as formações em que podem ser
identificadas estas expressões do individualismo não são em si estruturas isoladas do
conjunto de outras estruturas da sociedade. As motivações comportamentais dos seus
moradores estão incluídas em narrativas culturais que perpassam o conjunto da cidade.
Apenas a sua manifestação tem se diferenciado de acordo com os capitais disponíveis
a cada grupo social, sejam eles expressos em classes ou quaisquer outras formas de
filiação social. Desta forma, a presença de uma retórica pró-isolamento presente na fala
de alguns moradores e de muitos anúncios publicitários, repousa a sua eficiência na
presença de contrapontos valorativos que são hegemônicos em outros lugares da
cidade. No caso aludido, a defesa de um individualismo intransigente passa a ser
29 FREIRE COSTA, Jurandir. In Quatro Autores em busca do Brasil. Org. José Geraldo Couto. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
53
justificada quando supostos valores garantidores da solidariedade social estão
ausentes. A defesa de uma individualidade localizada no espaço depende da presença
de ameaças que possam comprometer conquistas humanas tão caras, como a garantia
da vida e os respeito à propriedade privada Daí todo o aparato de segurança dos
condomínios serem justificados pelo crescimento da violência na cidade, na medida em
que o Estado estaria falhando em prover a proteção à vida do seu cidadão este se vê
no “direito” de escolher os métodos mais adequados de sobrevivência. A retórica pró-
isolamento investe sua legitimidade em um paradoxo: a crise da cidade, que é uma
formação coletiva, começa a ser enfrentada a ser enfrentada de forma pontual e
territorializada através da satisfação dos direitos individuais de alguns.
Voltando a Bauman, podemos apreender que o individualismo é fruto do
amadurecimento histórico da sensação de autonomia que o homem moderno vem
desfrutando desde que ele passou a assumir todos os benefícios e agruras inatas à
empreitada pela busca de um sentido para a vida. Nesta condição de tarefa a
individualidade é o produto final de uma transformação societária disfarçada de
descoberta pessoal. Esta iniciativa não esteve dissociada de perigos para o coletivo do
qual este novo homem fazia parte, afinal de contas, o emergir da individualidade
passava a assinalar um progressivo enfraquecimento, desintegração e até mesmo
destruição de uma densa rede de laços sociais que sustentava a totalidade da vida, e
com isto lhe conferia sentido. Neste sentido, o mundo moderno parecia anunciar um
problema que se tornaria estrutural nas sociedades contemporâneas: a contradição
entre indivíduo e sociedade.
Esta grande contradição aparece, segundo Bauman, enquanto aporia, isto é,
uma contradição insolúvel, já que a afirmação da individualidade precisa de uma
ambiente social que lhe sirva simultaneamente como berço e destino. Seria uma
impossibilidade lógica se assim não fosse, afinal, como o próprio autor sustenta, a
condição de reconhecimento de um indivíduo passa obrigatoriamente pelo contraste
que a sua escolha pode gerar no conjunto das possibilidades de escolhas alheias. O
indivíduo adjetivado positiva ou negativamente precisa do seu oposto. Este é o eterno e
indissolúvel equilíbrio tenso que serve como pilar de sustentação não apenas para a
54
vida, na sua acepção mais imediata, mas também para o tecido social que organiza as
escolhas dos membros de uma coletividade.
Marcado por esta limitação, o indivíduo contemporâneo aprece estar
impossibilitado de ir além das fronteiras artificialmente construídas pelas convenções
por ele estabelecidas como operados do jogo social, precisa aceitar a finitude do
espaço social que habita. Por um lado, este seria um traço valioso ao indicar que o
espaço socialmente construído para a interação entre as pessoas é limitado pelas
escolhas feitas dentro de um cardápio de opções constrangido pelas possibilidades de
acesso diferenciado que cada um dos indivíduos dispõem, e tais diferenciações
estabeleceriam uma diferença fundante em termos materiais e simbólicos. Esta primeira
virtude aparente, e é aparente porque sugere o respeito pela diferença, por fim
converte-se no seu antípoda, pois ela está fundamentada na idéia da divisão social.
Sendo assim a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição
dos diferentes tipos de capital, que também são armas, comanda as representações
deste espaço e a tomada de posições na luta para conserve-lo ou transformá-lo30.
Esta constatação sociológica preenchida por um número cada vez maior de
exemplos presentes nas novas formas de organização da vida social nos meios
urbanos, parece ir ao encontro dos discursos liberais que prometem uma vida plena de
escolhas e livre de restrições. As propagandas que cercam a grade televisa e prometem
a consecução do binômio boa forma/ vida feliz, são um bom exemplo, pois sugerem ao
telespectador que por sua livre escolha todos os problemas teriam terminado,
parafraseando uma expressão de um famoso programa de humor semanal, em que um
dos seus quadros é uma paródia aos programas de televenda, mas ao invéis das
soluções práticas possibilitadas pelos primeiros eles oferecem engenhocas,
prometendo a satisfação procurada.31
De acordo com esta orientação ideológica, nas cidades capitalistas, parece ser
cada vez mais ressonante o discurso do “faça você mesmo”, “proteja a sua vida”, “tome
todos os cuidados no trânsito”, “evite sair depois de uma certa hora, pois a sua vida
corre perigo”, e as formas de solidariedade que surgem, geralmente tão frágeis que
desaparecem rapidamente, muitas vezes sem deixar nenhum vestígio, são construídos 30 Bourdieu, Pierre. Razões práticas. São Paulo: Papirus, 1997. 31 Falo aqui das organizações tabajara do programa Casseta e planeta.
55
no intuito de reaver a segurança individual ameaçada. Em todas estas convocações
esta praticamente ausente qualquer menção á uma autoridade pública, como se os
movimentos que os homens fazem ocorressem em uma área destituída da presença da
autoridade constituída.
Neste contexto, as escolhas a serem feitas dão a entender que a sua
legitimidade repousa na livre escolha, que mesmo sendo uma ficção historicamente
combatida pela sociologia, para Bauman este embate histórico não inviabilizou a
passagem da condição de presunção ao direito de escolher, escoltada na suposição da
plena autonomia decisória para a condição de um fato social durkheimiano que se torna
“real” no sentido de uma pressão esmagadora equipada com recompensas irresistíveis,
que não pode ser eliminada pelo desejo ou pela argumentação, muito menos,
rechaçada ou ignorada impunemente.32
Nesta retórica do novo individualismo os indivíduos devem se movimentar (até
porque aqueles que param são logo ultrapassados) o tempo todo em direção ao
consumo, a instância comum a todos que procuram reconhecimento no mundo
contemporâneo. Na realidade de consumo, que não envolve a penas o ato do consumo,
e sim, a necessidade de desejar continuamente o consumo de algo, mesmo que não se
tenha a exata noção do que seja este algo, ao mesmo tempo em que, para muitos
existe a consciência de que aquilo que se procura é inalcançável, todas as relações da
vida se desenvolvem. Acredito que um dos grandes méritos desta análise é o de
chamar a atenção para o fato de que as identidades são socialmente construídas no
mundo do consumo, e com isto o mundo do trabalho parece perder progressivamente o
espaço que em um passado recente foi tão vital para a socialização das classes
urbanas. 33 Não quero dizer que o mundo do trabalho tenha desaparecido para
determinados segmentos de classe, mas que não se observa mais a sua centralidade.
Nestas sociedades marcadas pela concomitância do afastamento social e da
proximidade no território de pobres, ricos e classes médias, existem áreas ocupadas
pelas classes médias e médias altas, que têm estabelecido com uma freqüência
crescente perímetros de isolamento social de alguns grupos, notadamente os pobres
32 Bauman, op. cit. p. 23. 33 Para uma análise mais detalhada deste fenômeno ver os trabalhos de Baudrillard (1996) Ribeiro e Junior (2003), Lago (2000) e Castels (2002).
56
urbanos, pois segundo os primeiros, deve haver uma preocupação com as possíveis
interseções que possam vir a ser estabelecidas com grupos de menor poder aquisitivo.
Mesmo que estas interseções sejam cada vez mais passageiras, chegando a ponto de
se tornarem em alguns casos imperceptíveis. No modelo dos condomínios fechados
estes esforços têm sido feitos, e no caso do Rio de Janeiro, com destaque para a Barra
da Tijuca, esta pretensão é uma realidade que se renova a cada dia.
Entretanto esta decisão tomada por um determinado grupo voltada a um tipo
específico de isolamento social esbarra em uma contradição, qual seja, entre os
segmentos de classes é obrigatoriamente de interdependência, logo, a existência de
um segmento, por mais recursos que este venha a possuir, nunca é independente dos
valores e atitudes executados por um grupo, mesmo que com ele existe um contato
intermitente. Neste sentido, as classes se estruturam no espaço de acordo com as suas
chances de movimentação social, e é justamente por esta diferença de oportunidades,
que muitas vezes indica a sua simetria, que o empoderamento de uma classe será
explicado pelo empobrecimento complementar da outra.
Visto desta forma, a categoria individualidade oferece significados distintos para
os indivíduos de diferentes classes sociais. Se para os moradores de condomínios
fechados, a sua individualidade é construída por causa das facilidades que ele encontra
para definir as suas preferências, ainda que se considere a ressalva presente acima,
para outras classes mais empobrecidas, no caso específico, de moradores que tenham
alguma proximidade física com áreas mais favorecida das cidades, a sua
individualidade pode ser percebida pelo “bizarro de sua condição”, e neste cenário
“dificilmente conseguiriam vinculá-lo a outra coisa na sua experiência de vida senão à
agonia da solidão, ao abandono, a falta de moradia, a hostilidade dos vizinhos, ao
desaparecimento dos amigos em que se podia confiar e com cuja ajuda se podia
contar, e ao banimento dos lugares em que outras pessoas podem caminhar,
admirando-os e usufruindo-os ao seu bel – prazer.34Sentimentos saudosistas à parte
que esta passagem possa indicar, ela é sugestiva ao nos indicar que os significados de
uma categoria dependem necessariamente dos usos que as diferentes classes as
conferem, de acordo com as suas intenções e possibilidades.
34 BAUMAN . Op. cit. p.35
57
Para concluir, retorno a contribuição da abordagem baumaniana do
individualismo fundamentada no ideário do consumo como formador de identidades.
Este individualismo se sustenta em algumas dicotomias, e dentre as mais expressivas e
adequadas para os contornos jurídico-político e simbólico de uma cidade como o Rio de
Janeiro, está aquela que demarca a distinção entre o indivíduo de jure do indivíduo de
fato. No primeiro caso o respeito aos direitos individuais está prevista na lei, está
estabelecido como uma das sociedades contratuais modernas, sem, contudo, existir na
prática qualquer segurança quanto à realização. No segundo exemplo o exercício do
direito está assegurado pela posição privilegiada que o indivíduo desfruta no processo
de distribuição de garantias sociais. Estes dois planos estão assegurados por uma
relação complementar, onde a posição favorável de um indivíduo ou um grupo dentro
de um determinado sistema social depende da precariedade da condição do outro.
Os elementos personalistas da cultura brasileira podem se manifestar neste
esquema, embora a dicotomia, a meu ver, não se dê entre os espaços da “casa” e da
“rua”, como já foi sustentado no início desta seção. A assimetria destas duas formas de
individualização está condicionada pela posição que o individuo ocupa nas esferas de
oportunidades do espaço público, que se obviamente se refletem nos espaços
domésticos. As oportunidades são distribuídas dentro da posição social que os
segmentos de classe ocupam na nossa sociedade, as chances de acionarem os ativos
simbólicos e materiais que conferem prestígio e individualidade, valores tão destacados
na sociedade de consumo, e de fazerem valer suas prerrogativas universais de
cidadãos para ressoarem nos espaços públicos suas demandas por cidadania. Mas
uma vez eu corroboro uma das conclusões de Jessé acerca da construção dos limites
da nossa cidadania que passam pelo reconhecimento diferenciado dos indivíduos
escalonando-nos em supercidadãos e subcidadãos, duas classificações legitimadas
nas esferas públicas.
58
1.3 - Condomínio fechado: racionalismo com culturalismo? A opção residencial pelo condomínio fechado por alguns segmentos das classes
médias foi destacada no trabalho pioneiro de Santos (1981) como a maior ameaça às
cidades brasileiras, em função dos valores segregacionistas que tendiam a corroborar
este modelo de confinamento residencial, e o avanço das décadas, não apenas
confirmou como agravou esta tendência. Apesar do seu trabalho pode ser aplicado a
qualquer caso de condomínio fechado no Brasil, e até mesmo no exterior,
salvaguardando todas as especificidades deste empreendimento, o autor tomou como
estudo de caso os condomínios fechados da Barra da Tijuca. A análise de Santos está
voltada para as implicações morfosociológicas do condomínio fechado, em um
momento de vertiginoso crescimento do capital imobiliário na cidade do Rio de Janeiro.
Santos (op. cit.) abordou a opção urbana pelo condomínio fechado como uma
tentativa de equacionar o crescimento populacional das cidades em um período de
industrialização acelerada sinalizando que os condomínios apresentariam a saída
buscada pelo capital privado para promover uma ocupação racional do espaço. Esta
iniciativa embutiria duas lógicas: a primeira de cunho racionalista ao “investir em uma
visão totalizante do meio urbano. Sua concepção é autoritária e visa à eficiência. O
espaço é concebido para o homem padrão e pretende responder os seus requisitos
básicos. A solução é universalizante e independe das condições locais; pode ser
implantando em qualquer lugar” (Santos, 1981).
A segunda vertente, que é a culturalista, aparece porque “o condomínio propõe
desde o início um mundo fechado, com medidas automaticamente limitadas. A
população é cuidadosamente prevista, impossível de ultrapassar, já que as construções
obedecem a regras pré-fixadas. O número de moradias condiciona a oferta de infra-
estrutura e dimensiona os equipamentos. Completando tudo há o muro, acerca com
entradas vigiadas. Em alguns casos há as senhas; cartões de entrada; identificação
eletrônica; circuito interno. Em outras há toques de recolher como nas pequenas
cidades medievais autocontidas”. (Santos, 1981).
Apesar da atualidade do trabalho de Santos produzido no início dos anos oitenta,
coincidente com um período que tem demonstrado um verdadeiro boom dos
59
condomínios fechados, no tocante ao componente racionalista a pretensão de um
universalismo dos procedimentos tem passado por algumas adaptações, que são
condicionadas por fatores locais. Empreendimentos como o Alphaville Tamboré na
região metropolitana de Curitiba, por exemplo, foram adaptados a fatores estruturais,
dentre os quais a exigência de ampliação da avenida que o cerca, pois as dimensões
da avenida anterior não conseguiriam comportar o novo fluxo de veículos trazido pelo
condomínio. No caso da Barra da Tijuca, as últimas áreas de proteção ambiental têm
sido invadidas por megacondomínios, pela via da negociação da legislação ambiental,
onde os condomínios passam a se comprometer coma preservação de espaços verdes.
Quem sabe este processo não esteja revelando a ultrapassagem de uma das últimas
fronteiras que a natureza “insistia” em impor teimosamente ao grande capital em sua
histórica “missão civilizatória”.
Outra valiosa contribuição que em muito pouco se converteu em uma obra de
referência aos estudos sobre condomínios fechados é o trabalho de Caldeira (2000)
sobre o crescimento do processo de segregação social nas cidades latino-americanas,
com destaque para o caso paulistano, visibilizado por estratégias de confinamento
residencial feito pelas classes médias e altas instaladas em enclaves fortificados.
Para Caldeira um dos fenômenos mais expressivos na maneira de morar das
classes médias nas últimas décadas na cidade de São Paulo foi a disseminação de
condomínios fechados. È um tipo de empreendimento marcado pela multiplicidade de
residências, sobretudo edifícios, invariavelmente fortificados, com entradas controladas
por sistemas de segurança, normalmente ocupando um grande terreno com áreas
verdes e incluindo todo o tipo de instalações para uso coletivo. Caldeira apresenta em
sua obra o que se pode chamar de modelo dos condomínios fechados, com variações
em suas unidades morfológicas que acompanham algumas especificidades do espaço
onde eles serão construídos.
Para Caldeira os condomínios fechados são a versão residencial de uma
categoria de investimento residencial que a autora classifica como enclaves fortificados.
Este empreendimento tem mudado sensivelmente a maneira como as classes médias
trabalham, vivem, consomem e gastam o seu dinheiro. Modificam o panorama das
cidades, o seu padrão de segregação residencial, o caráter do espaço público e as
60
formas de interação entre os seus moradores. A definição que poderia sintetizar estes
empreendimentos é de que eles são
Propriedades privadas para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo em que desvalorizam o que é público e aberto na cidade. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de segurança que impõe as regras de inclusão e exclusão. São flexíveis: devido ao seu tamanho, as novas tecnologias de comunicação, organização do trabalho e aos sistemas de segurança eles são espaços autônomos, independentes do seu entorno, que podem ser situados, praticamente, em qualquer lugar. (Caldeira, 2000, ps.158-159).
Estes são espaços socialmente homogêneos, compostos pelos mesmos
segmentos de classe aonde os seus moradores procuram viver entre iguais,
possivelmente, compartilhando os mesmos códigos de pertença. Em virtude do capital
econômico acumulado dentro dos enclaves a autora acredita que este espaço confere
prestígio ao seu morador. È um prestígio relacionado também a distância que estes
condomínios guardam em relação aos espaços públicos, e não apenas uma distância
física, mas principalmente, simbólica. Até por isto, eles vem desfigurando estes
mesmos espaços públicos, negando a sua importância e se constituindo como
formações que prescindem de vínculos com áreas externas aos seus domínios.
Suas reflexões são indispensáveis para que possamos ir além dos muros destes
condomínios ao identificarmos que os condomínios fechados não são simplesmente o
resultado espacial de escolhas voluntárias feitas por uma parcela da população que
procura uma qualidade de vida vinculada ao contato com a natureza, a tranqüilidade
longe da cidade e a beleza deste projeto residencial. A construção destas moradias
reflete uma ideologia separatista nas cidades que reconfigura antigas estratégias de
separação das classes sociais no espaço. Este produto parece se ocupar da pretensão
de diluição das diferenças sociais e encobrimento de conflitos gerados pelo acúmulo de
tensões em sociedades cada mais desiguais distanciando os grupos dentro do território.
Esta tentativa, entretanto, estaria atravessada por tensões na medida em que estaria
em curso uma nova fase da segregação que tem modificado a localização dos pobres e
dos ricos na cidade de São Paulo, tornando-nos vizinhos na cidade, mas cada vez mais
afastados das possibilidades de desfrutarem em condições semelhantes os mesmos
61
equipamentos urbanos. Até por este motivo, os condomínios fechados dos anos
noventa e oitenta dispõe de uma área interna vasta que congrega o maior número
possível de serviços, muito diferente dos condomínios dos anos setenta onde se
percebia nestas áreas, no máximo, uma área de lazer com playgrounds, piscina e
salões de festas. Esta estrutura tem relevado uma clara tentativa dos condomínios
paulistanos evitarem possibilidades de vínculos com as áreas do entorno, fortalecendo
entre suas classes médias atitudes isolacionistas. (Caldeira, 2000).
Entretanto, o trabalho de Caldeira incorre em algumas generalizações que
carecem de uma base empírica sustentável. Numa delas as residências dos
condôminos brasileiros aparecem personalizadas, ao contrario de uma padronização do
caso norte-americano. Da mesma forma, que enquanto nos Estados Unidos os
moradores de condomínios optem por modelo social homogêneo, no Brasil a questão
da homogeneidade não seria um valor central para as nossas elites. Duas ressalvas
podem ser feitas sobre esta constatação. A primeira diz respeito ao uso do conceito de
elite, uma categoria que hoje em dia pode abarcar um conjunto maior de integrantes,
não porque tenha facilitado o seu ingresso para personagens emergentes, mas sim
pela sua diferenciação interna. Se os integrantes da elite econômica podem vir a ser
identificados pelo seu patrimônio, o mesmo não se aplicaria, necessariamente, a uma
elite intelectual, cujo diferencial social é o domínio de informações raras de caráter
abstrato (Bourdieu, 2007).
A outra restrição é a rejeição que a autora faz da categoria homogeneidade
social como uma exigência moral para o estabelecimento de formas de convivência
específicas. Situação bem diferente desta eu pude constatar na minha pesquisa na
Barra da Tijuca, onde o desejo por uma vida comunitária aparecia na fala de alguns
moradores que convocavam de modo saudosista formas de convivência mais
harmoniosas, estilos de convivência que pareciam sintetizar familismo com
comunitarismo, assim como nos anúncios publicitários que tentavam convencer os
futuros moradores da Barra da tijuca a viverem em verdadeiras comunidades.
Outra imprecisão no trabalho de Caldeira é fruto de uma premissa correta mais
com uma conclusão equivocada. A autora está convencida de que todos os
equipamentos de serviços disponibilizados pelos condomínios relacionam-se muito
62
mais com o sentimento de status do seu morador do que como uma condição
necessária para uma vida gratificante. Neste caso essas instalações parecem ter mais a
ver com ostentação do que com um novo padrão de sociabilidade entre vizinhos ou
com novos conceitos de vida privada.(Caldeira, 2000). Isto porque em sua pesquisa ela
percebeu que as áreas de lazer luxuosas passavam a maior parte do tempo vazias.
Sem antecipar uma reflexão que só aparece de forma aprofundada no último
capítulo, esta situação eu também pude constatar nas visitas aos condomínios da Barra
da Tijuca. Por outro lado, Caldeira parece desconhecer que o desejo por status
embutido neste esvaziamento intencional das áreas de lazer já indica uma forma de
socialização, se não nestas áreas em outras, provavelmente, dentro dos próprios
apartamentos. Esta reclusão pode estar indicando uma nova modalidade de
individualismo marcado pela ostentação de bens diferenciados no mercado de valores
simbólicos ainda que com ele se mantenha uma relação de caráter virtual.
Dando seqüência ao reconhecimento de novas dimensões de convívio na
cidade, podemos concluir que a articulação de variáveis culturais e políticas, muitas
vezes difusamente presentes no território, ajudar-nos-ão a identificar o cenário urbano
que vem legitimando a existência de ocupações exclusivistas dos espaços da cidade.
Dentre as preocupações ontológicas presentes na nova realidade urbana protagonizada
pelo interesse específico de algumas classes, destaca-se a busca por segurança,
liberdade e exclusividade. Vejamos então, como estão em curso novas formas de
socialização urbanas e de que forma os condomínios fechados têm influenciado neste
processo.
1.4 - A nova socialização urbana.
Estaria em marcha o fim de uma época onde as lealdades possam ser
construídas a partir de intermediários que não sejam a própria vontade do homem,
maximizado em sua individualidade? Discutiremos nessa passagem do trabalho, que ao
contrário de uma impressão inicial de conquista da autonomia por parte dos homens,
como conseqüente concretização de um dos ideais da modernidade, na modernidade
63
tardia o tipo de individualismo que predomina tende a desestimular os homens a
estabelecerem convivências coletivas mais amplas, questionando o estatuto universal
da autonomia na medida em que esta autonomia ou a sensação da mesma está
reservada a número muito limitado de indivíduos que preservar esta prerrogativa pela
posse de recursos materiais e simbólicos consagrados por uma determinada
coletividade.
Este movimento tende a superfaturar uma individualidade na qual a figura do
Outro da relação social fica cada vez mais distante, e sua materialidade se dá nestes
contatos mais próximos entre indivíduos que costumam compartilhar os mesmos
códigos. Em outros casos o Outro, perde a sua função integradora e se torna refém de
uma ideologia cada vez comum que prioriza guardar a distância entre os diferentes.
Este vem sendo o novo “projeto social” das classes médias. As relações que elas
tendem a construir nos ambientes que fazem parte de suas vidas tendem a ser
marcados pela efemeridade, e a duração é controlada pela conveniência dos fins
práticos que daí podem surgir? E com isto setores das classes médias vêm estreitando
os seus vínculos com espaços restritos e neles definidos uma nova gramática de
relações sociais, cujos impactos se fazem sentir além destes limites?
Parte destes questionamentos vem sendo respondida nas últimas investigações
de Bauman (2000, 2001, 2005, 2008), e suas conclusões giram em torno do paradigma
que o autor construiu para investigar os novos fenômenos sociais da modernidade
tardia. Para ele estaríamos vivendo em uma sociedade líquida na qual as condições
sobre as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele
necessário para consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da
vida e da sociedade se revigoram mutuamente.35 Liquidez é uma metáfora para falar
sobre a dissolubilidade das coisas que não podem durar o tempo suficiente para serem
substituídas por outras coisas. Estas coisas para o qual Bauman chama a atenção, e
outros autores seguem a mesma linha sem adjetivar seus objetos da mesma maneira,
são as relações sociais. Em um tipo de sociedade como esta, as solidariedades outrora
obtidas através de pactos de longa durabilidade, tornam-se inviáveis. Posicionando-se
contrariamente aos prognósticos freqüentemente produzidos pos políticos, planejadores
35 BAUMAN, Zygmunt. Vidas líquidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
64
urbanos e até mesmo alguns acadêmicos em uma busca apressada e pouco criteriosa
para resolver os problemas sociais mais emergentes das sociedades periféricas,
Bauman pode frustrar esta corrente de pensamento ao afirmar que prever tendências
futuras a partir de eventos passados é bastante arriscado, e freqüentemente, enganoso.
Para aqueles espaços que se encontram em economias periféricas do
capitalismo, como é o caso do Brasil, e mais especificamente a cidade do Rio de
Janeiro, nota-se o esgarçamento do tecido social responsável pelo aumento, da já
histórica, e ao que parece irreversível, distância entre as classes no território. Para
fortalecer esta tendência entram cena novas tecnologias que ampliam a apartação dos
segmentos de classe nos territórios da metrópole. Este afastamento aparece em frentes
espaciais bem distintas, ainda que complementares, do ponto de vista da estruturação
do espaço. No mercado de trabalho é cada vez maior a substituição da mão-de-obra
humana pela informatização,e nos projetos residências, um verdadeiro arsenal de
ferramentas tecnológicas tem sido empregados com o objetivo de separar os diferentes
no território. Recorro aqui, em relação ao segundo caso, a um exemplo norte-
americano, que por sua vez descreve um processo muito próximo aos comportamentos
que podem estar sendo observados em lugares específicos do território da cidade do
rio de Janeiro. Paul Virilio explica que em diversas áreas residências o policiamento é
feito através de um circuito fechado ligado ao posto, que pode ser uma estação ou
delegacia da cidade. Sendo assim
Nesta perspectiva sem horizonte na qual a via de acesso à cidade deixa de ser uma porta ou um arco do triunfo para transforma-se em um sistema de audiência eletrônica, os usuários são menos os habitantes, residentes privilegiados, do que interlocutores em trânsito permanente. A partir de então, a ruptura de continuidade não se dá tanto no espaço de um cadastro ou no limite de um setor urbano, mas principalmente na duração, “duração” esta que as tecnologias avançadas e a reorganização industrial não cessam de modificar através de uma série de interrupções (fechamento de empresas, desempregos, trabalho autônomo...) e de ocultações sucessivas ou simultâneas que organizam ou desorganizam o meio urbano a ponto de provocar o declínio e a degradação irreversível dos locais, como no grande conjunto habitacional junto á Lyon, onde a “taxa de rotatividade” dos ocupantes tornou-se elevada demais (um ano de permanência), contribuindo para a ruína de um habitat que, entretanto, todos julgavam satisfatório. (Virilio, 2005, ps.8-9, grifos do autor).
65
Esta citação traz contribuições valiosas para a problemática que está sendo
discutida neste capítulo. Virilio desconstrói um dos argumentos mais favoráveis ao
modo de vida total pretendido pelos moradores dos condomínios fechados: a sua
durabilidade e indispensabilidade. Pois de acordo com o caso acima, a integração entre
os de dentro com os de fora, neste caso em uma relação de necessidade que é a
garantia da segurança, ocorre por um sistema que coloca os usuários em trânsito, tal
como os móveis constantes da modernidade tardia. Nela as pessoas, obviamente em
graus diversos, estão em um trânsito ininterrupto. Uma determinada hierarquia de
funções sociais esta consolidando um espaço em que as trocas são impessoais e
operadas por um sistema que isola os seus participantes. O setor responsável pela
vigilância da residência pode perfeitamente jamais ter tido qualquer contato com alguns
dos seus moradores. Os moradores ficam alheios à existência empírica daqueles de
quem dependem. Esta invisibilidade das trocas sociais sugere uma pergunta
relativamente simples, ainda que não seja a sua resposta: quem controla quem?
É bem provável que a ausência de uma referência objetiva que prenda os
indivíduos a determinadas obrigações de vizinhança, que em verdade não transcorrem
apenas pelo contato mais imediato entre os vizinhos, mas tem no imediatismo das
trocas uma das mais significativas fontes de produção de valores em situações de
vizinhança, leve os indivíduos a elaborarem estratégias de confinamento garantidas por
supostos mecanismos de manutenção da privacidade. A busca pela privacidade, e no
limite, uma defesa intransigente pela exclusividade, ornamenta o imaginário de
segmentos socais urbanos voltados dedicados a modos de vida confinados nos quais o
outro, isto é, aqueles que não compartilham do mesmo sistema simbólico, devem ser
isolados do seu convívio.
É impossível tirarmos apenas a partir do exemplo de mobilidade e ocupação do
espaço exposto acima uma compreensão ampla das relações de vizinhança em uma
cidade como o Rio de Janeiro que nos últimos anos tem tido o seu território marcado
pela fragmentação e afastamento dos prejuízos daqueles que se encontram em
diferentes escalas da vida social. No entanto, esta passagem sugere que a ausência de
um mínimo de contatos entre os dentro com os de fora, ainda que em momentos
66
intermitentes da convivência social, pode estar incrementando um sentimento de
desfiliação com fortes impactos em todo o tecido social. Este drama, que sem exageros pode ser representado como uma tragédia, pode
ser a potencialização de relações passageiras com os lugares, ainda que na intenção
inicial estes fossem vistos como ambientes seguros e duradouros. Mais do que os
indivíduos, os microcosmos da cidade estariam sendo inscritos na perspectiva da curta
durabilidade de fenômenos sociais a princípio duradouros, como os vínculos de
residência. Esta lógica de socialização que seleciona aquilo que é “útil”, “descartando” o
dispensável, nada mais faz do que corroborar o sentimento de substituição do “antigo”
pelo “novo”, já que aquele se encontra depreciado e precisa ser obrigatoriamente
renovado. A interação com certos ambientes da cidade prescreve a mesma lógica de
consumo das mercadorias da sociedade capitalista, decodificando o uso de certas
áreas em uma relação de consumo com espaços que são perecíveis, isto porque a sua
importância, ou interesse social é avaliado pelo valor positivo de um determinado
momento da relação social de compra de determinado serviço.
Depois de ter feito a apresentação da problemática que cerca o paradigma da
modernidade tardia, priorizada na minha tese pela concepção de modernidade “líquida”
de Bauman, passarei para uma discussão mais pormenorizada das suas categorias. O
uso destas categorias permite uma investigação dos hábitos que estão na base das
interações que os moradores dos condomínios vêm estabelecendo nos seus interiores,
até que ponto os contatos se resumem às afinidades e expectativas que estes nutrem
entre si, e em que grau, a escolha por ambientes que condicionam a realização destes
contatos mais restritos passa por uma rejeição aos espaços socialmente abertos e
difusos da cidade.
1.5 - Os condomínios fechados e a modernidade tardia.
O domínio teórico-conceitual da modernidade tardia ainda gera muitas
polêmicas, e alguns autores que compartilham com este conjunto de idéias (Baudrillard,
1996; Lipovetsky, 2004; Bauman, 2004) e que defendem a ruptura com as pretensões
67
do paradigma da modernidade, sequer poderiam ser incluídos em um corrente de
pensamento, segundo a sua acepção mais usual. Ainda assim, acredito que uma grade
de questões comuns está presente nestes trabalhos. Podemos reconhecer nesta
relação o reconhecimento de uma temporalidade acelerada que fragmenta a realidade
em intensidade jamais encontrada, de uma hipervalorização da individualidade, da
diminuição de um sentido de solidariedade, que implica na fragilização dos laços de
convivência social, uma crise estrutural no mercado de trabalho e o sentimento
crescente de insegurança como uma de suas conseqüências mais imediatas, e a busca
por novas formas de subjetividade.
Para Stuart Hall (1992) o sujeito humano nascido na modernidade, (clássica para
alguns e pesada para outros), um período que pode ser situado entre os séculos XVI
até os anos sessenta do século XX, até então detentor de certas capacidades fixas e
um sentimento estável de sua própria identidade e lugar na ordem das coisas,
encontra-se hoje em dia descentrado, fragmentado e imerso em contradições que não
poderiam mais ser resolvidos através de decisões de natureza racional36. O indivíduo
da modernidade tardia mais do que desagregado (uma expressão que denota perda de
laços gregários que permitem algum tipo de filiação) encontrar-se-ia deslocado. Esta
assertiva, no meu entender, traduz com mais fidelidade um dos grandes paradoxos do
homem contemporâneo: ao mesmo tempo em que a desfiliação poderia sugerir a
ruptura com laços tradicionais coercitivos que podavam a movimentação do indivíduo,
como a família, e em um certo sentido o mercado de trabalho, aumentando com isto a
tão desejada concretização da autonomia, a sua ausência representa isolamento,
aumento de angústia e do sentimento de insegurança. O homem, notadamente, o
homem das classes médias urbanas, precisa se sentir incluído autonomamente no novo
mundo da vida37 dominado pela sociedade de consumo, mas, no entanto, precisa de
certas garantias de que o seu empreendimento não venha a ser impedido por forças
sociais que representem o caos, a desordem, enfim, as ações daquele que se
36 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós - modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. 37 No sentido em que a estou aplicando, esta expressão é uma apropriação livre do conceito cunhado por Habermas que se referia a um ambiente social marcado por níveis de liberdade em que os indivíduos poderiam se opor as obrigações trazidas pelos sistemas. No meu caso, o mundo da vida almejado por este personagem urbano, é uma armadilha porque se permite ao sujeito a sensação de autonomia garantida pelo seu poder de compra, ao mesmo tempo o encerra em uma estrutura social de obrigações que premia e pune de forma implacável os seus participantes.
68
encontram na sua margem. O problema social que no passado esteve associado às
classes perigosas formadas pelos pobres e criminosos, agora pode ser representada
por uma classe, ou por classes, que além de pobres não estão inseridas plenamente na
sociedade de consumo. Este última hipótese pode estar na base da maior parte dos
crimes cometidos nos últimos anos contra o patrimônio ou a pessoa física na cidade do
Rio de Janeiro38.
Logo, nas cidades devem ser criados espaços específicos e diferenciados em
que a lógica do consumo possa se manifestar não apenas pelo poder de compra dos
seus integrantes, mas principalmente, pelos seus estilos de vida. Neste contexto
ideológico de clara segregação especial, os condomínios fechados poderiam ser vistos
com um dos acabamentos sociais mais felizes desta sociedade em que a afirmação do
indivíduo, isto a sua identidade social, passa obrigatoriamente por um conjunto de
valores inacessível ao conjunto difuso e fluído da sociedade. No entanto, este mesmo
indivíduo demandante de exclusividade é um reflexo e sintoma da sociedade maior do
qual ele pretende fugir. As suas escolhas estão socialmente orientadas, e tal como seus
concidadãos, a sua identidade é o resultado de uma busca constante e de poucas
garantias.
Neste quadro, onde os questionamentos parecem superar de longe a
possibilidade de serem dadas respostas tranqüilizadoras, tem surgido por um lado,
verdadeiros desafios intelectuais na medida em que a nova ordem social criada é
marcada por formas de tensão reguladas por discursos e práticas que tentam garantir
um nível mínimo de legitimidade e segurança (Bauman, 1997), e pelo outro lado, ações
normativas do poder estabelecido, público ou privado, que através da cidade procuram
definir um modelo de intervenção na realidade freqüentemente marcado pela gestão
privada do espaço, desde que autorizado pelo poder político em exercício.39 È neste
38 Os estudos sobre violência revelam um crescimento em termos de grau e modalidade da violência carioca na cidade do Rio de Janeiro. Lopes sugere que o título violência urbana é inapropriado para dar conta do problema, logo aquilo que se chama violência urbana expressa diversas manifestações de violências interpessoal explícita que além de terem lugar no ambiente urbano apresentam uma conexão bastante forte com a espacialidade urbana. Para machado está em curso uma sociabilidade violenta formada por códigos de afirmação do indivíduo que passa pelo uso da forma no relacionamento interpessoal. Tais abordagens, ricas e complexas, ao meu ver deixam de fora as ambições por afirmação social procuradas por segmentos, que alijados do mercado de trabalho e da sociedade de consumo, que matricia este mercado, lutam, literalmente, pela aquisição dos recursos de consolidação de uma identidade socialmente relevante. 39 È bastante significativo a presença casada do estado com a iniciativa privada, notadamente os incorporadores imobiliários, na construção dos condomínios. O capital de incorporação que se consolida na Barra da Tijuca a partir dos anos oitenta produz um menor número de unidades, porém dedicado aos segmentos de mais alta renda, e aos investidores a procura de alternativas mais seguras e lucrativas. Ribeiro. Dos cortiços aos condomínios fechados. Apenas para concluir este argumento, os agentes imobiliários
69
sentido que os desafios intelectuais da modernidade tardia não se referem ao debate
exclusivo entre interlocutores no campo das idéias. Nas cidades capitalistas vêm
ocorrendo modificações muito sensíveis nos espaços de convivência entre os homens,
que têm sido regulados por ferramentas de controle atualizadas pelas exigências
capitalistas incorporadas pela lógica de reprodução da riqueza, modificando as relações
de produção, e ao fazê-la, altera o sentido do espaço e da acomodação dos indivíduos,
inscritos nas suas formas de filiação social.40 Uma das variantes mais ricas da atual
modernidade está, ao meu ver, na obra de Zygmunt Bauman. Para Bauman o nosso
momento histórico é uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e os
pesos sobre as tramas que aí são encenadas e dos possíveis fracassos caem
exclusivamente sobre os ombros dos indivíduos, que passam a ser os únicos
responsáveis pelos rumos de suas vidas. Um dos traços mais destacados identificados
pelos estudos sobre a modernidade líquida, e também um dos seus princípios, é de que
a partir de agora nenhuma ordem coletiva desfruta de legitimidade, ou se a possui ela é
muito limitada em face do poder alcançado pelas autoridades individuais.
A obra de Bauman mantém uma interlocução com o trabalho de Giddens (1991),
ao considerar a importância do papel cumprido pela lógica da descontinuidade presente
na narrativa da modernidade. No trabalho de Giddens, a modernidade pode ser
compreendida a partir de uma compreensão das dinâmicas de tempo e espaço,
traduzidos pela execução de três grandes processos hitóricos: o ritmo acelerado da
mudança social, que não pode ser igualada a qualquer outro período pré-moderno da
história; o escopo global desta mesma mudança, já que a parir de agora as ações
executadas em um determinado território tendem a refletir expectativas e decisões bem
além de suas fronteiras, permitindo-nos classificar este alcance dentro de uma lógica da
globalização, ainda que dissociando-a de qualquer orientação ideológica; e por fim, a
cada vez mais produzem objetos de consumo destro destes condomínios, como é o caso é o caso do condomínio Golden Green que possui até um mini campo de golfe. (revista Veja, 6/11/2002) in GOMES, Maria de Fátima C. M. Sonhos urbanos e pesadelos metropolitanos: violência e segregação na cidade do Rio de Janeiro. In Scripta Nova, volume II, número. Barcelona, 2003. 40 Bauman identifica uma via de mão dupla na atual globalização: por um lado existem os segmentos plenamente integrados na lógica de reprodução do capital, muito bem demonstrado no eu estilo de consumo. Pelo outro temos os indivíduos presos à localidade e marcados pelo imobilismo de quem não se desloca na rede de produtos disponíveis. No entanto um paradoxo tem surgido: no momento em que o Estado parece ser incompetente no cumprimento de algumas tarefas elementares, a segurança, que é uma delas, passou a ser tratado como assunto do bairro. Para os segmentos mais abastados estar seguro passou a ser sinônimo de uma vida comunitária, garantida por um forte aparato de segurança que isola do interior das residências – fortalezas, personagens estranhos aos seus ambientes. Nestes lugares marcados pela residência de uma população abastada, logo, na ponta do sistema capitalista, Bauman tem identificado a presença de guetos voluntários. Já se pode identificar um tipo de morfologia da cidade, ou melhor seria uma anti-cidade (Randolph, 2001) neste tipo de ambiente.
70
presença inédita de algumas instituições típicas da modernidade como é o caso do
Estado – Nação e a proeminência das relações de mercado fundadoras da sociedade
capitalista.
As instituições da modernidade criaram outras formas de lealdade social que
puderam garantir, pelo menos em tese, o pleno exercício da individualidade. As antigas
formas de solidariedade que inscreviam os indivíduos em laços comunitários de
indiferenciação, viriam a ser gradativamente substituídas por contratos tácitos ou
jurídicos que prescreviam a indissociabilidade da liberdade e da felicidade pessoais
com as premissas mais constituintes da vida social. Neste sentido, poderíamos
recuperar a tese lockeana para a qual o grande fundamento do contrato social
(ferramenta teórica e prática que sustentaria na sua época as formas de lealdade
responsáveis pelo respeito ao direito individual) é garantir o uso pleno da propriedade
privada.
O princípio da individualidade, associado a todos os ganhos indispensáveis de
uma boa vida, como a felicidade pessoal e o crescimento material, tornou-se uma mola
motriz das sociedades modernas. Sendo assim, a família, uma das principais
instituições responsáveis pela formação da personalidade social, terá como um dos
seus pilares ser uma espécie de depositário das virtudes coletivas, atendendo a tarefa
que os educadores costumam lhe atribuir de ser uma instância de socialização primária.
Durkheim (op.cit) já apontara a educação como um dos mais vigorosos recursos de
socialização. Tal virtude não se deveu, exclusivamente, ao papel cumprido pela escola,
ainda que ele seja central, e sim ao fato de que na escola o indivíduo vai sendo
gradativamente preparado para o exercício de uma vida cidadã em estreita conexão
com os valores que lhe são passados pela família. Ou seja, a família estava
organicamente, para usar uma categoria gramsciana, integrada às expectativas
exigidas pela sociedade que a circunscrevesse.
Estas variáveis da modernidade, segundo Bauman, estão sofrendo um processo
de remodelação na modernidade tardia. A mudança social hoje é ainda mais acelerada
pela presença de meios de comunicação mais dinâmicos, como a internet e o telefone
celular, o seu escopo além de global articula todas as outras escalas na mesma
intensidade que as desintegra, vide as relações voláteis do mercado de financeiro e de
71
trabalho, e o Estado-Nação não estaria mais exercendo, com o mesmo nível de
autonomia, as prerrogativas que lhe caracterizavam em períodos modernos. A
dissolubilidade dos laços de integração social, a simultaneidade das decisões coletivas
com implicações na vida individual e uma certa fragmentação do território incidindo em
uma espécie de recentralização da autoridade política, são componentes centrais para
Bauman presentes na sua episteme pos moderna.
Seguindo esta linha, outros autores concordam com o caráter emergente da
modernidade. Para alguns destes analistas da realidade social o mundo esta passando
por um processo de redefinição ontológica, abrindo espaço para uma nova realidade do
fenômeno social. Sociólogos, filósofos, cientistas, economistas e religiosos têm se
debatido sobre o homem do novo milênio e o tipo de sociedade que o abrigará. Para
Edgard Morim (1999) é preciso que a educação assuma um papel de destaque na nova
ordem global, emancipando o indivíduo dos saberes conservadores e limitados que
incorporarem a necessária interdisciplinaridade. Santos e Boaventura, cada um ao seu
modo, sugerem outra globalização, aonde, analisados aqui de forma muito sintética,
para o primeiro a ordem tecnológica capitalista deve ser enfrentada por uma concepção
humanista do espaço e do território, enquanto para o segundo, os movimentos sociais
tendem a cumprir um papel fundamental na redefinição de uma agenda de lutas sociais
que deslocaria a soberania plena dos Estados centrais e das agências transnacionais
para escalas regionais mais democráticas.
Os diagnósticos que procuram cobrir o, ou os, escopos destas mudanças são tão
amplos quanto as suas pretensões. Tamanha complexidade não será abordada neste
trabalho. No entanto, eu entendo que algumas orientações analíticas têm se destacado
neste cenário de mudanças, não tanto pela possibilidade que estas detém de apontar
caminhos seguros que possam ser trilhados por vários indivíduos desorientados pelas
armadilhas do mundo contemporâneo, como suas capacidades de levantarem
questionamentos estruturais.
Além da já destacada crítica baumaniana aos rumos da globalização e as
práticas de dessocialização da vida coletiva e o seu diálogo direto com o paradigma da
modernidade tardia, os escritos de Lefbreve sobre o direito à cidade e as contribuições
de Michel Foucault sobre os usos do poder se ajustariam a análise do tipo de
72
problemática com a qual eu me ocupo. Articulados em torno dos conceitos relevantes
para esta investigação, estes trabalhos podem levantar questionamentos muito ricos
aos processos de fragmentação social em marcha nas metrópoles, como é o caso do
Rio de Janeiro, e de como movimentos localizados, como a construção e legitimidade
da opção condomínio fechado, sugerem a fundação de espaços morais de convivência
que, em sua maioria, vão ao encontro de algumas dinâmicas da vida social em
“espaços abertos”. Para Foucault, que segundo Soja (1993) confere ao espaço um papel de
destaque na teoria social crítica que até então relegava-lo a uma situação subordinada
à dimensão temporal, e com isto promove a reunião analítica das dimensões do tempo,
espaço e do ser no cerne da questão social do final de século XX, o espaço deve ser
pensado como processo. Era preciso superar as análises históricas que ainda estariam
muito reféns do viés historicista, de forte tradição de um determinado tipo de marxismo,
para quem as relações entre os homens ao longo da história resumia-se a luta de
classes. Foucault procurou mostrar que as relações de poder eram travadas no interior
das instituições repressores das instituições da modernidade. Para ele, mais importante
do que entender como a dicotomia capital trabalho e a exploração da mão-de-obra
segundo o esquema marxiano, era desvendar os mecanismo de subordinação que se
davam dentro das engrenagens ocultas do poder. Como estas relações eram
sustentadas por autoridades baseadas em uma saber técnico e unívoco, pois baseado
em uma racionalidade pretensamente universal, toda relação de poder implicava em
uma relação de domínio do saber.
Considero válida esta apresentação preliminar da epistemologia do poder
foucaultiano para chegar a sua categoria de heterotopia, que a meu ver, aplica-se ao
domínio dos condomínios fechado, ainda que na sua obra o autor não tenha feito a ele
nenhuma menção. Vejamos pela definição do próprio autor.
A heterotopia é capaz de superpor num único lugar rela diversos espaços,
diversos locais que em si são incompatíveis. Eles têm uma função em relação a todo o
espaço restante. Essa função se desdobra entre dois pólos extremos. Ou seu papel
consiste em criar um espaço de ilusão que expõe todos os espaços reais, todos os
espaços em que se divide a vida humana, como ainda mais ilusórios. Ou então, ao
73
contrário, seu papel consiste em criar um espaço outro, um outro espaço real, tão
perfeito, meticuloso quanto o nosso é desarrumado, mal construído e confuso. Foucault
(1986 apud Soja 1993). Este último tipo seria a heterotopia.
No final da vida Foucault chamou a atenção para a necessidade de se
reescrever uma história dos espaços, que na verdade seria a história dos poderes, que
iria da estratégia da geopolítica até as pequenas táticas do habitat. Este último é o caso
da nossa problemática que requer uma olhar mais minucioso sobre a trama das
relações sociais que se desenvolvem dentro dos condomínios fechados, que são
unidades do território com uma espacialidade viva, já que dentro destes espaços os
seus valores depositam valores que respondem a uma hierarquia destes mesmos
valores que vão dos mais aos menos importantes. Esta hierarquia pode nos indicar
relações de poder que transcorrem dentro e fora dos condomínios fechados.
1.6 - O condomínio fechado e a busca por um modo de vida total.
A procura por um modo de vida total vem sendo objeto de investigação
sociológica desde os pioneiros trabalhos de Durkheim (1983), para quem o modo de
vida total pode ser alcançado quando as escolhas feitas por uma determinada
coletividade são difundidas, pelo viés da legitimação, para o conjunto total de indivíduos
pertencentes ha uma coletividade maior que os engloba. Desta forma, o mundo dos
valores assume um papel proeminente na vida dos homens, pois estes tendem a
modular escolhas que ao longo do tempo vem a ser legitimadas. As formas de
legitimação das referidas escolhas são as mais variadas, desde que, elas passem por
uma espécie de filtro que selecione as opções mais positivas dentro de uma escala de
valores, condicionada pela situação que as classes ocupam dentro de uma determinada
função social objetiva, que no modelo durkheimiano foi o trabalho, e no desta tese é o
do consumo.
Um modo de vida total só se manifesta apoiada em um espaço específico. Este
espaço construído por um determinado ocupante (uma classe social) deve garanti-lo a
capacidade de associação entre as dimensões territoriais da área e as pretensões do
74
seu morador. Esta vem a ser uma das relações mais específicas dos moradores dos
condomínios fechados na Barra da Tijuca, pois apesar de todas as diferenças de
associação que existem entre os moradores de um condomínio e entre os condomínios,
e estas diferenças serão demonstradas ao longo da tese, o prestígio que o condomínio
fechado tem desfrutado junto a alguns segmentos da sociedade carioca vem sendo
confirmado pela capacidade desta área constituir um empreendimento que apesar de
sua faceta edificada, não pode prescindir dos signos que estão de posse dos seus
ocupantes, e desta forma refletem o que há de mais subjetivo neste morador.
Esta pretensão de auto-sustentação provoca uma combinação de princípios que
seriam aparentemente contraditórios. No caso, ao investirem na preocupação com as
particularidades locais, sejam elas dos indivíduos ou dos territórios onde estão sendo
erguidos os condomínios fechados, os seus promotores conseqüentemente garantem a
universalidade deste projeto. O acabamento destes condomínios tende a refletir
idiossincrasias religiosas, étnicas, sociais, ao mesmo tempo em que parecem indicar
uma tendência universal das novas classes médias, qual seja, o desejo pelo
isolamento, que no discurso é pelo isolamento total, mas que na prática revela-se
apenas relativo.
Neste sentido, enquanto questão sociológica referente aos desafios do
planejamento urbano das cidades latino-americanas, o condomínio fechado levanta
sérias suspeitas quanto a existência de um processo em curso de desvalorização de
certas áreas de convívio das cidades. O caso da Barra da Tijuca pode estar levando
esta suspeita ao paroxismo. Com a sua ocupação acelerada a partir do final dos anos
sessenta, em boa parte devido ao deslocamento de uma massa de capital imobiliário
que encontrou terreno disponível para uma especulação promovida indiretamente pelas
facilidades fiscais e pela nova orientação política estatal, que desde então deixara de
ser marcada por macro-projetos de habitação e tornara-se uma via de facilitação para o
crescimento do capital de valorização da terra, a Barra da Tijuca ofereceu toda a infra -
estrutura para a consolidação deste novo produto do mercado imobiliário.
A outra grande novidade é o fato de que o grande promotor passa a ser o capital
privado e o Estado tem o seu papel reduzido garantindo uma infra-estrutura urbana
mínima. O caso do plano piloto para a Barra da Tijuca baixada de Jacarepaguá é
75
bastante ilustrativo desta tendência, já que Lúcio Costa, renomado urbanista de
formação Courbesiana, fora contratado para definir a melhor forma de ocupação uma
região que até então constituía uma espécie de vazio urbano. A elaboração e execução
deste projeto parecem atender a dupla determinação apresenta no texto de Santos,
revelando a face racionalista do condomínio fechado que “deve investir em uma
verdadeira totalização do meio urbano e sua concepção é autoritária e visa à eficiência”
(Santos, 1981,p.20) e culturalista ao propor “desde o início um mundo fechado com
medidas automaticamente limitadas”. Como conseqüência “a população é
cuidadosamente revista, impossível de ultrapassar, já que as construções obedecem a
regras pré-fixadas”.(op. cit. p.22).
Estas duas premissas teórico-organizacionais indicam os comportamentos
esperados dos moradores destes espaços e que como eles tenderão a se relacionar
com as áreas adjacentes e a pretensão do seu caráter total, tanto do ponto de vista
econômico quanto social. A concepção racionalista nada diz a respeito de valores que
façam parte da vida da cidade. Definitivamente não é de uma razão universal, que
poderia comungar um sentido comum a todos, que esta racionalidade se ocupa. A
razão está fragmentada pelo espaço como um a priori da necessária triagem que deve
ser feito entre os de dentro e os de fora dos espaços que fronteirizam a boa vida da
vida insegura. Espera-se então que emerja daí um sistema classificatório das ações
executadas pelos moradores dos condomínios e, o que não representa exagera, mas
sim um componente complementar, e das dinâmicas dos indivíduos além muros.41
Esta é uma razão instrumental que não se volta exclusivamente para a utilidade
das coisas como se estas pudessem ser classificadas por um valor econômico
construído por uma relação social de troca no mercado, como foi o caso da
racionalidade instrumental do mercado clássico que incentiva o homem a se
movimentar dentro de uma estrutura de produção e consumo apoiada por uma forte
convicção de ter que acionar as suas potencialidades, permitindo-o ser o responsável
pela definição dos sues limites. O discurso da razão contemporânea não abandonou a
valorização econômica, mas apenas a reconfigurou na forma de um mais valor
41 Em recente entrevista a um canal de televisão um morador de um famoso condomínio da Barra da Tijuca, orgulho com a sua opção residencial, ao falar sobre as ocorrências de violência na cidade do Rio de Janeiro, e de como esta poderia afetá-lo, concluí a sua entrevista em tom claro dizendo que “ os problemas da cidade aberta não dizem respeito ao seu mundo.”
76
simbólico desmaterializada na relação entre sujeitos que podem prescindir da co-
presença (Lyotard, 1979).
Na sua versão radical que é o discurso da pós-modernidade, determinadas
subjetividades totalitárias são construções que buscam orientar curso de ação
desprovidos de um referente que não seja o próprio agente que pronuncia o discurso de
sua individualidade. No caso desta tese, eu acompanho aquelas reflexões que
identificaram na construção de uma determinada subjetividade contemporânea uma
batalha vivida todos os dias por aqueles, que ao deterem os meios simbólicos de
valorização das identidades no mundo do consumo, procuram, incessantemente,
descredenciar a validade das identidades daqueles contra quem eles se posicionam.
Esta tarefa adquire a sua lógica social ao por em evidência um jogo de soma zero
vivido por sujeitos de uma relação social assimétrica, na qual sae vencedor aquele que
manipular com mais competência as regras do jogo do consumo, que neste caso, não
se restringem à obtenção de um produto no mercado, e sim a afirmação de um modo
de vida através da aquisição de uma mercadoria muito mais complexa da atual
sociedade de consumo, que é o condomínio fechado.
Com isto, estas identidades buscariam sua legitimidade num movimento de
negação da identidade alheia. Acontece que, por vezes, a rejeição da alteridade se dá
entre indivíduos que estão localizadas nas proximidades de um território limítrofe. Esta
é a situação dilemática presente na luta pela defesa da identidade confinada dos
condomínios fechados que só torna-se plena através da invisibilização de
comportamentos antípodas às preferências atitudinais expressas pelos seus residentes,
e que apesar do seu pesado investimento civilizatório, convivem com atos socialmente
desagregadores que estão se dando nas suas vizinhanças mais imediatas. O
desconforto provocado por estas atitudes nos residentes dos condomínios, que são
classificadas como destrutivas, na medida em que, ou estão associadas as práticas da
violência, ou na simples ameaça de sua concretização, provoca uma delicada
inquietação no residente do condomínio fechado da Barra.
E boa parte das surpresas manifestadas pelos moradores de condomínios da
Barra que continuam vivendo com medo, mesmo depois de terem optado por um
modelo de residência que deveria tê-los imunizados deste tipo de ameaça, advém do
77
fato que as fronteiras seguras, em forma de muros, que foram erguidas para isolar
indivíduos em arenas de distintas de negociação e afirmação de suas identidades,
advém de uma cultura urbana bastante recente nas metrópoles. Estes moradores
tendem a compor um perfil modulado pelo poder aquisitivo maior do que a média da
cidade. Esta prerrogativa lhe confere uma certa autonomia no momento em que
seleciona as formas e significados de sua ocupação territorial.
Determinados valores que estão sendo observados nos atuais processos de
socialização urbana, como este que eu pude identificar no interior dos condomínios
fechados da Barra da Tijuca, parecem indicar que vivemos um período de acentuação
da inscrição desigual dos segmentos de classe dentro dos territórios da cidade. Estes
valores estariam sendo criados para uso quase exclusivo ás áreas internas dos
condomínios Para alguns autores está em curso um processo de desterritorialização do
espaço realizado por classes que ocupam sazonalmente o território e a sua
permanência tem sido tão fluida quanto os compromissos profissionais que eles
ocupam dentro da escala de mobilidade do grande capital, compondo assim as elites
extraterritoriais (Bauman, 2006). Para outros autores os territórios tem sido
reconfigurados por estas mesmas classes, uma elite talvez, que modula as exigências
materiais e simbólicas às suas conveniências em um processo de reterritorialização
(Deleuze, 2002 ; Haesbarth 2002 ).
Desta feita, toda a retórica publicitária relaciona esta fala com o auto-
confinamento - acionada pelo setor de construção não repercutiria com tamanha
eficiência se não houvesse uma “questão social” que a sustentasse. A compreensão
desta questão requer o movimento de desvelamento proposto por Lefebvre no qual o
pensamento, isto é, a atividade de construção cognitiva das coisas, deve ser
apresentado dentro dos seus produtos e objetos. Se para Lefbreve, não haveria o
menor sentido buscarmos o que estava na cabeça de um pintor quando ele pintou uma
obra, sem a observação da mesma, também seria ilógica uma determinada
espacialidade da cidade ser entendida sem um exame mais profundo dos objetos que a
compõem. Estes objetos, que fazem o fenômeno migrar de sentido do desconhecido
para o conhecido constituem, a meu ver os itens de afirmação de uma determinada
individualidade a sociedade de consumo. Tais itens, ou mercadorias operam como
78
discriminadores de importância social, responsável pela classificação dos indivíduos de
acordo com categorias de maior ou menor prestígio social.
Este prestígio, ou status, não tem a obrigação de prescrever o ideal
meritocrático clássico da modernidade, ainda que nele houvesse uma crença avançada
na relação confiável entre mérito e posição no mundo sustentada moralmente pelo
dinheiro. O diferencial desta mercadoria chamada condomínio fechado está presente
tanto na sua infra-estrutura, que salta aos olhos de quem a contempla, quanto dos
valores manifestados pelos seus moradores. Os méritos presentes na sua escolha
continuam sendo escoltados pela importância do dinheiro. No entanto, a posse do
recurso financeiro deve diferenciar o seu proprietário, permitindo-o um modo de vida
que combine opulência com privacidade.
1.7 - Conforto e exclusividade: dois epítomes da sociedade de consumo.
Ainda que predominante a preocupação com a segurança não é o único fator
presente nas investigações sobre os avanços dos condomínios fechados. Há trabalhos
em que esta questão sequer figura como uma variável de análise. Neste sentido, alguns
trabalhos começam a destacar os ganhos simbólicos atribuídos ao fato de se viver em
condomínios fechados, áreas que para além da função residencial associada ao
conforto começa se converter em valor de troca, uma atribuição conferida pelo conjunto
de positividades reveladas pela circulação de bens valorizados pela sociedade de
consumo. Os condomínios passam a ser identificados como microrealidades que
reproduzem de forma contextualizada algumas exigências da sociedade de consumo.
No trabalho de Levent e Gulumser (2005) sobre as gateds comunities de
Istambul, na Turquia, as classes médias em ascensão têm optado pelos condomínios
menos pela questão da segurança do que pelo prestígio (op. cit. p.8). Analisando a
ótica do setor de empreendimento imobiliário da cidade, que para lograr êxito na venda
do seu produto, se adaptou a uma demanda por consumo que expressa uma
determinada cultura de afirmação social da classe média, os autores puderam perceber
79
o peso do prestígio, provavelmente devido ao fato destas áreas já disporem de uma
sólida infra-estrutura técnica antes da construção dos condomínios.
No caso de Buenos Aires, um dos casos mais estudados da América Latina, a
tendência das novas elites afirmarem os seus estilos de vida sobre o seu território, os
domínios dos seus condomínios e os seus entornos mais imediatos, parece anunciar
um movimento de suburbanização cujos impactos já são percebidos na morfologia
urbana. Tal suburbanização corrobora um processo de desenvolvimento fragmentado
marcado pela existência de vivendas individuas amplas e exclusivas, que em seu
conjunto estão separadas das moradias circundantes graças a um reforçado aparato de
segurança. (Hidalgo, Salazar e Correa, 2003). O aparato de segurança que pretende
invisibilizar socialmente o seu residente, ao mesmo tempo agrega valores distintos ao
residente do condomínio, que mesmo sem ser identificado visualmente pode ser
imaginado pelos transeuntes das proximidades do condomínio como alguém
“importante”, ou quiçá distinto, em virtude da posse de bens de afirmação social
escassos e disputados (Bourdieu, 2002 ). Daí a sua moradia ser planificada a ponto de
se afastar completamente daquelas que a envolvem. No caso dos countries clubs, que
começam a surgir por volta dos anos oitenta, eles correspondem a áreas “não
urbanizadas”, dada a facilidade em que são desempenhadas práticas esportivas por
parte dos seus moradores. Considerando que golf e tênis não são esportes populares,
o seu praticante conseguiu através destes contry clubs combinar as exigências da
residência com a preocupação com o estilo de vida disponível para determinados
segmentos de classe.
Em relação ao aparato de segurança, que geralmente aparece em destaque em
trabalhos que buscam compreender as motivações presentes nas escolhas dos
moradores em residir nos condomínios fechados, este aparato, com certeza esta no
imaginário dos promotores imobiliários, e por extensão, no campo representativo dos
moradores das gateds em Istambul. Mesmo que não tenha ficado explícito no trabalho,
eu suspeito que o fator segurança aparece como um dado implícito no imaginário dos
setores interessados na promoção da gateds comunities, Esta particularidade, por seu
turno, aponta para a possibilidade da exclusividade poder aproximar os moradores das
gated comunitis de forma a neste espaço serem desenvolvida relações comunitárias.
80
Pretende-se pelo lado dos promotores imobiliários, o incitamento da proximidade física
entre os moradores que os levaria ao reconhecimento de estarem fazendo parte de
uma sociedade de iguais, isto é, uma comunidade. Segundos os autores, a formação
de uma comunidade passa pelo reconhecimento de certos valores que se opõe aos
códigos de convivência regenerados presentes nas formas de interação hegemônicas
da sociedade aberta.
Este mundo intramuros vem a ter a sua exclusividade garantida pelas barreiras
que permitem, sob a forma de filtro, a produção de um sistema classificatório que
ordena os papéis que as classes sociais podem estar exercendo no espaço. E o
mercado imobiliário tem sido um dos principais agentes na articulação de sentido entre
as identidades como um requisito de diferenciação social e o espaço como lugar que
acomoda os valores desta distinção. Vemos em curso acelerado nas metrópoles de
vários países uma lógica de compartimentalização do espaço em áreas segregadas e a
possibilidade de opção pela moradia, em casos como os processos migratórios de
determinadas classes médias, permitir ao seu morador credenciar esta busca como um
fator apriorístico da legitimação da batalha classificatória que sempre demarcou os
espaços de mobilidade lógico-existencial dos indivíduos urbanos. Esta dinâmica da
fronteira residencial vem a fortalecer uma das teses de Bauman que diz que o mundo
contemporâneo da modernidade líquida parece ter encontrado na comunidade a saída
para todos os seus males.
O muro parece uma fronteira que delimita a capacidade diferenciada de
circulação das classes em espacialidades cuja validação tem pouca relação com um
estatuto urbano que apareça sob a forma de uma legislação pública específica. A
organização do espaço público que deve prever a delimitação legal dos condomínios
fechados parece a todo instante ser equacionada por acordos de ordenação espacial
bastante específicos. Desta forma, o espaço público, e todas as dimensões que lhe
dizem respeito, entre elas as formas mais adequadas de organização da segurança,
pode ser entendido como o terreno no qual são definidos limites, freqüentemente
ambíguos, de exercício da autoridade privada representada por forças sociais que
lucram em termos simbólicos e materiais com este tipo de ordenação. Dos grupos
empresariais, que promovem o condomínio fechado como produto imobiliário, até o seu
81
principal cliente que é o morador, todos os agentes presentes neste processo estão
vinculados pelo princípio de que as antigas formas de gestão pública do território forma
superadas pelas circunstâncias que as cercam, e sendo assim, novos parâmetros como
a gerência privada e a maximização da intimidade devem redesenhar os limites daquilo
que outrora se definiu como espaço público, um espaço onde pudessem ser encenados
os rituais de decisão pública.42
Poderíamos arriscar em dizer que esteja em curso entre certos segmentos de
classe uma cultura do isolamento. Entretanto, quando esta expressão costuma
aparecer na literatura sociológica o seu rigor é questionável na medida em que busca
confirmar um determinado fenômeno social destacado de uma espacialidade mais
precisa. È até possível que os condomínios fechados possam fomentar modalidades de
convivência que indiquem a consolidação de hábitos coletivos marcados pelo
isolamento, ainda que tal isolamento seja mais relativo do que absoluto. No entanto,
terei a cautela de, no máximo, apontar possíveis variáveis que possam vir a indicar este
isolacionismo, exigindo um aprofundamento a ser realizado em trabalhos futuros.
Trabalhos como o de Diego Campos e Carmem Garcia (2004), por exemplo,
identificaram que a principal motivação para se viver em um condomínio fechado não
seria a opção consciente por isolamento social, já que a definição de uma identidade
dos seus grupos ocupantes não se relaciona com qualquer estratégia de prevenção aos
fatores externos ao modo de vida dos condomínios, como o caso do crime. Na base da
escolha destes moradores estaria a associação da busca pela qualidade da moradia
com preços adequados que permitissem a residência em áreas nobres. Para estes
autores a presença de um ethos católico ajuda a amortizar os possíveis conflitos que
podem surgir por causa da presença de diferentes grupos disputando os recursos de
participação no consumo do espaço. Nesta sociedade tendem a prevalecer sentimentos
altruístas que estimulam o respeito pelo outro e impedem a ações de caráter
individualista.
Sabatini fortalece este argumento por outra via. Para ele a solidariedade social
entre os diferentes grupos sociais tem sido obtida mesmo na presença dos
42 Para um exame teórico aprofundado acerca da importância dos espaços públicos nas ordens sociais democráticas ver a obra de Hanna Arendt. Consciente de que o espaço público contemporâneo envolver dimensões mais complexas do que os modelos que o antecederam, a autora por sua vez convoca uma espécie de retorno crítico aos fundamentos da concepção de espaço público entre os gregos clássicos visando a sua adequação às exigências societárias das democracias no século XX.
82
condomínios fechados, em função da contribuição que estas residências tem trazido
para uma vizinhança desassistida de recursos e que graças a estes novos vizinhos
passaram os moradores mais pobres a desfrutar de um conjunto de bens úteis as suas
vidas. Ou seja, reduzida na escala, o que a princípio poderia sugerir uma clara
segregação residencial, no fundo, contribuí para aproximar os diferentes no espaço. As
classes mais abastadas, longe de se isolarem dos seus vizinhos, passariam a cumprir a
função de provedoras de benefício para os mais pobres.
Os dois trabalhos acima parecem desconhecer a problemática social que esta
sendo gerada com o avanço dos condomínios fechados. Se os condomínios fechados
não podem ser tomados em si como objeto de estudos, já que tal decisão o isolaria de
um conjunto de pressupostos relacionais que explicam os modos contemporâneos de
socialização presentes nas metrópoles, eles jamais devem ser tratados como
responsáveis pela solução de desafios delicados como a incorporação dos sujeitos em
uma sociedade de direitos. Penso que como o debate sobre a construção da
subjetividade do mundo contemporâneo atravessa a fundo os espaços socialmente
erguidos pelos indivíduos, a presença de determinadas barreiras classificatórias, como
é o caso dos muros, sinaliza um impedimento muito caro para a convivência entre os
indivíduos, que passaria indubitavelmente por circuito mínimo de trocas que
assegurasse um gradiente aceitável de liberdade de escolhas. Esta condição precisa
ser tratada como um direito inalienável, que nos termos Lefebriviano, converte-se em
um direito à cidade.
Este componente culturalista presente em vários trabalhos revela, a meu ver, o
traço mais brutal do condomínio fechado, na medida em que, a sua formação social
resultante se responsabiliza pela escrita de uma gramática das relações humanas cada
mais condizentes com as demandas por tipos de exclusividade social em que pese uma
recusa obstinada do diferente e todas as ameaças que a sua proximidade pode
implicar. Atento a premissa da separação das classes no espaço o capital agenciador
dos condomínios movido pelo impulso do lucro e auxiliada pela disponibilidade de terras
onde possa exercer a sua atividade especuladora, freqüentemente facilitado por
dispositivos legais presente na esfera do Estado oferecem e estimulam no seu morador
o sentimento de pertença a um território associado à lógica da acessibilidade urbana, já
83
que nos últimos anos esta área tem recebido um enorme volume de capital
representado pelas empresas ligadas, principalmente, ao setor de serviços. No caso da
Barra da Tijuca, o seu residente não precisara mais se deslocar pára lugares mais
distantes em busca dos produtos e relações que já estão ofertados na sua vizinhança
mais imediata.
Ficou bastante presente na fala de vários moradores que eu entrevistei o
conforto de morar na Barra da Tijuca, já que este é um bairro onde se pode fazer quase
tudo43 sem a necessidade de percorrer longas distâncias. Neste bairro o seu morador
pode fazer compras, se divertir, levar seus filhos ao colégio, e para alguns privilegiados,
até mesmo trabalhar. O setor de serviços aparece como o segmento econômico mais
expressivo. A Barra tem se configurado na fala do seu morador quase como um caso
limite de bairro que se basta, não fosse o fato da maior parte dos seus moradores ainda
terem de trabalhar em outros bairros da cidade, notadamente o centro e a zona sul.
Se por um lado este dado é uma conseqüência do crescimento da economia de
um bairro selecionado pelo grande capital dentro da sua lógica de expansão, esta
quantificação não esconde o claro sinal de que morar na Barra da Tijuca daí em diante
significaria, entre outras vantagens, pertencer a uma espacialidade tão completa e
complexa que o seu residente venha em um tempo futuro cortar os seus fluxos de
comunicação com outros bairros da cidade.
Acredito que a amplitude das reflexões oferecidas pelos autores nos sugere uma
preocupação que costuma passar ao largo das análises urbanistas, que é a
reconfiguração dos espaços de ligação das áreas da cidade. Dentro de um condomínio
fica muito difícil classificar em termos convencionais os espaços públicos e os privados,
anulando desta forma uma fronteira que separaria legitimamente os bens, e por
extensão, as relações que definam o que pode ser acessado privadamente do que deve
ser visto como um bem público. Aquilo que é um bem público, como parques, jardins e
ruas arborizadas, transforma-se em privilégio individual.
Neste caso, não encontraríamos mais a deformação que na época moderna ficou
conhecida como subordinação da vida individual pelos instrumentos de monitoramento
das autoridades públicas, como os famosos sistemas de vigilância que para Foucault
43 Grifei esta expressão para acentuar este desejo comum à vários moradores do bairro.
84
fiscalizavam os movimentos dos indivíduos de forma tão intensa que estes passariam
em algum momento a reproduzirem esta orientação sob a forma de decodificação
inconsciente das normas de controle. Hoje o que presenciamos é a apropriação privada
do espaço público feito por alguns segmentos que validam os seus movimentos dentro
superação do fundamento histórica da igualdade, analisada por Baudrillard, já que
pouco importa para os indivíduos de hoje a busca pela igualdade, tal como esta foi
procurada nos idéias republicanas de movimentos históricos do passado.
Pode-se depreender que a felicidade continua como um dilema para todas as
sociedades, afinal de contas, os homens sempre procuraram por melhores condições
de vida, no entanto, o que parece ter mudado foi o seu fundamento, que agora passa
ao largo de preocupações coletivas e se se apóia exclusivamente na procura pela
realização do prazer individual. Sendo assim, a felicidade precisa ser mensurável, e
uma das as suas expressões mais significativas é o conforto. Este último é o bem que
galvaniza a cobiça de indivíduos que habitam uma sociedade na qual o consumo nivela
os homens entre os mais capazes e os fracassados. A aquisição de um bem
socialmente pretendido, porque caro e exclusivo, demonstra todos os signos
diferenciados que este revela.
Dentro deste raciocínio, e entendendo que o condomínio fechado é uma
mercadoria de consumo da sociedade de consumo contemporânea, com uma
magnitude ampliada pelo fato deste ambiente reunir um conjunto de bens cobiçados na
referida sociedade, a crítica feita por Baudrillard á ineficiência das análises que
procuravam apontar a desigualdade de oportunidades sociais nas sociedades
marcadas pela lógica da abundância é bastante valiosa para os marcos teóricos deste
trabalho. Para o pensador francês, recentemente falecido, nunca existiu uma sociedade
da abundância ou sociedade da penúria, já que toda a sociedade seja qual fosse o
volume dos bens produzidos ou da riqueza disponível, se articula ao mesmo tempo
sobre uma penúria estrutural e uma abundância estrutural. (Baudrillard, 1996).
Esta explicação impossibilita as análises que visam superar as desigualdades de
oportunidades sociais através da conquista do equilíbrio social. Na verdade, como diz
Baudrillard, no plano sociológico não existe equilíbrio, já que toda a sociedade se
orienta pela diferenciação e a discriminação social, e esta estrutura implicam na
85
distribuição desigual da riqueza. Mesmo que fosse aumentado o volume de bens
produzidos, e ainda que este fato implicasse em chances concretas de aumento da
participação da população consumidora, que no caso da sociedade de consumo, pode
significar ampliação do reconhecimento social, este fato seria acompanhado pela
expansão correlata de uma massa de indivíduos precarizados. A conclusão é que para
todo aumento da prosperidade não assistimos, necessariamente, a concretização de
uma equação simétrica que permita o crescimento de uma oferta qualitativa das
oportunidades para todos os membros da sociedade.
Desta feita, os condomínios fechados estariam colaborando para o aumento da
segregação urbana nas cidades latino – americanas. Estas têm passado por profundas
transformações em suas estruturas desde a década de setenta que marcou uma
redução do ritmo de crescimento urbano e modificações no panorama social e
econômica. As reformas econômicas dos anos 90 que pregavam a redução do papel do
Estado na economia através da redução de uma, já precária, rede proteção social,
foram desta forma beneficiadas por governos, muito deles militares, que vinha
preparando gradativamente a substituição de políticas desenvolvimentistas por outras
de orientações liberais.
Estas decisões produziram efeitos decisivos nos rumos administrativos e sociais
das cidades do continente. Tais processos produziram uma polarização social das
classes que se distribuem no espaço de acordo com as suas possibilidades de
acessarem serviços cada vez mais concentrados nas mãos do capital privado. O
abandono da gestão e controle do desenvolvimento urbano por parte do Estado e sua
apropriação por parte de atores privados indicam a aparição de formas comercializáveis
urbanas rentáveis para o mercado. (Janoschka, 2000). A cidade entra definitivamente
no circuito de reprodução do grande capital.
A globalização aparece em destaque em todas as análises que explicam a
situação de extrema desigualdade em que se encontram as cidades latino-americanas.
Contudo estas análises conferem ênfases diferentes ao processo. Para Santos o novo
circuito do capital garantido pela entrada em cena privilegiada do capital imobiliário
especulativo contribui para a dispersão das classes no território, contribuindo, inclusive,
86
para uma desmobilização política dos pobres que vinha sendo articulada pelos
movimentos sociais pela reforma urbana.
Para Carlos de Mattos (2002) as transformações urbanas têm levado à formação
de um novo tipo de cidade que substitui o modelo fordista expressando as mutações
impostas pelas transformações do próprio sistema capitalista. Para Mattos esta claro
que em virtude da globalização as cidades s cidades tem se transformado, ao mesmo
tempo, que preservam traços decisivos consolidados ao longo de suas histórias, que as
distinguem de outras cidades no mesmo âmbito geográfico.Como exemplo, Rio de
Janeiro e Buenos Aires marcam suas diferenças assim como aquelas existentes entre
Paris e Londres. Com certeza, o autor recorre a estes exemplos em função das
respectivas influências que as primeiras receberam das segundas cidades.
Nas duas explicações, as cidades latino-americanas pouco aparecem orientadas
preferencialmente por modelo exógenos de desenvolvimento. Se Santos explica o
crescimento da desigualdade por um fator menos evidente como a descapitalização das
classes urbanas. Matos não torna a globalização menos cruel por observar certas
permanências históricas nas cidades latino-americanas. Mesmo porque determinados
registros históricos, ao serem renovados, aumentam a distância ao acesso a bens
urbanos indispensáveis para uma vida mais cidadã.
Tais explicações, por sua vez, reconhecem que estão em curso diretrizes sócio-
administrativas para as cidades, que passam a se comprometer ao cumprimento de
agendas de compromisso acompanhadas bem de perto, via fiscalização e imposição,
por agências multilaterais cada vez mais governativas. Esta ação planejada, onde o
capital imobiliário tem aparecido com destaque, sequer precisa credenciar como global
city uma cidade para lhe conferir o título de sócia da nova ordem urbana, como
indicavam os trabalhos sobre a cidade global, paradigmáticos nas explicações sobre a
nova distribuição da economia urbana em escala global. Para os dias atuais tal
credencial tem sido o resultado de um esforço muito bem sucedido entre as alianças
dos poderes públicos locais com determinados setores do capital privado. Um belo
exemplo desta aliança foi a realização dos jogos pan-americanos na cidade do Rio de
Janeiro, cuja vila olímpica ficou na Barra da Tijuca, a última fronteira de expansão do
capital urbano (Cardoso, 1988).
87
Um dos principais responsáveis pela existência de uma ideologia privada de
organização do território é o avanço do mercado, não como uma entidade autônoma e
sim pelo conjunto de atores privados que organizam a produção e distribuição da
mercadoria social. Com a privatização da economia antigos setores que ficavam sob a
responsabilidade do Estado passaram para as mãos da iniciativa privada, dentre os
quais a segurança. Como efeito, o menor grau de redistribuição econômica através de
subvenções diretas ou indiretas conduz rapidamente a conseqüências. (op. Cit. p. 5).
Com isto, começam a aparecer sinais visíveis de restrições ao acesso de serviços
fundamentais de forma generalizada no território.
A identificação de partes distintas na cidade é o primeiro efeito visível da
fragmentação do território. Erguidos em profusão e sustentados por uma retórica do
medo urbano, em toda a América Latina os condomínios fechados isolam determinadas
áreas da cidade, ao mesmo tempo, que integram outras entre si. As áreas ocupadas
por condomínios, principalmente pelos mais abastados, recebem um potencial quase
imediato de dinamismo social, os que muitas vezes faz com que estes se instalem em
determinadas áreas da cidade como unidades autônomas, filtrado o seu contato com a
vizinhança, que só acionada pela necessidade de contratação de mão – de – obra
barata e informal. (Sabatini, 2000).
De maneira sintética, somos levados à constatação de que as cidades latino-
americanas, principalmente as suas metrópoles, têm sido reestruturadas pelas
exigências do capitalismo contemporâneo, que a distância social entre as classes tem
aumentado, a diminuição do espaço público e o crescimento dos espaços privados e
uma intensa fragmentação espacial. No entanto, cabe uma indagação, bastante
devedora das hipóteses que se debruçam sobre os rumos das cidades no nosso
continente. Existe em vigor um modelo de segregação latino-americana, ou seria
melhor apontarmos vários modelos de segregação orientados por preocupações
comuns, dentre as quais, as justificativas para a consolidação dos condomínios
fechados?
Mia do que trazer uma resposta concreta para esta indagação esta tese
pretende, tão somente, discutir alguns condicionantes destas dinâmicas de
confinamento social de determinados segmentos das classes médias. Embora,
88
variáveis de natureza cultural e política presentes na história dos países do nosso
continente tenham aparecido na formação das morfologias sócio- espaciais destes
condomínios. Em países como a Argentina suas classes médias o sentimento de medo,
que sempre aparece na fala dos moradores de condomínios fechados, tem estado
vinculado ao crescimento da insegurança econômica vivida nas últimas décadas. Em
determinadas experiências brasileiras a opção pelo condomínio fechado relaciona-se a
ambição de se morar relativamente distante das aglomerações urbanas, baseia-se no
medo da violência e no desejo pela diferenciação social que a vida nestes condomínios
pode proporcionar. Por isto, a meu ver teria mais sentido atribularmos o modelo de
condomínio fechado de cada pais ou região de acordo com as questões que o
envolvem, ao invés de sugerirmos um modelo global para o continente.
Uma das questões passíveis do risco de uma generalização é a evitação de
certas invasões aos condomínios fechados. As “invasões” do mundo contemporâneo
parecem preocupar as cidades menos pela presença de ameaças externas do que
“pela movimentação suspeita de elementos internos”. Não são mos mais Estados que
precisam se preocupar com a defesa do território, e quando isto acontece os
mecanismos utilizados são muito mais brutais do que os dispositivos acionados pelos
exércitos particulares. As barreiras atuais são erguidas em ambientes sociais difusos e
o grande anteparo que separa os de dentro do de fora é representado por muros
guarnecidos por sofisticados aparelhos de segurança. Estas barreiras dividem territórios
e apontam secções, tensões e conflitos camuflados em estilos de vida que indicam
como as cidades latino-americanas, para ficarmos só na escala do continente,
caminham para um perigosos processo de composição unidades territoriais
segregacionistas, e no limite , predatórias.
89
CAPÍTULO 2 – As Transformações Sócio-Espaciais da Cidade: a contribuição da Barra da Tijuca para um novo modelo de urbanidade.
Entre o final do século XIX e o início do século XX o capitalismo entrou em uma
nova etapa de reprodução ampliada da riqueza, iniciada com o processo de
colonização da África e resultando na primeira grande guerra mundial. O final deste
conflito consagrou a vitória da economia americana e sua futura preponderância
mundial junto com a consolidação do sistema de produção fordista. Sua permanência
deu-se até os anos sessenta, quando as suas diretrizes sócio-produtivas passaram a
indicar uma descontinuidade estrutural com as demandas de produção e consumo da
sociedade capitalista. A sociedade começa a entrar em contradição com o sistema de
produção que a suportava, indicando com isto sinais claros de ruptura.
Como percebermos na análise abaixo orientada pelos trabalhos que vêm se
debruçando sobre a formação do espaço urbano carioca é possível suspeitarmos que
na história das modernidades44 um conjunto de questões que vieram à baila com a
modificação do tecido social das cidades européias mostrou, em algumas situações,
comuns a realidade que se configurava no Rio de Janeiro, da mesma forma que a mais
recente transição de paradigmas, no caso da modernidade clássica para a
modernidade tardia, que nesta tese aparecerá fundamentada pelo receituário analítico
da modernidade líquida de Bauman, recentemente tem produzido seus efeitos sobre os
modos de ocupação da cidade. Ao final da exposição desta passagem veremos como a
Barra da Tijuca pôde se identificada como uma região que cumpriu um itinerário urbano
que aos poucos incorporou as contradições espaciais da Metrópole carioca, ao mesmo
tempo, em que suspeito que a sua plena consolidação anuncia algumas
particularidades de sua forma urbana.
44 È importante destacar diferentes momentos da modernidade, entre outros motivos, pela inexistência de consenso entre os estudiosos sobre os períodos exatos da mudança de status da modernidade, inclusive no que se refere a sua nomenclatura.
90
2.1 - As particularidades da forma urbana.
Para Maurício de Abreu (2006) a formação da área metropolitana do Rio de
Janeiro é muito similar ao de outras cidades capitalistas, marcadas por áreas centrais
que correspondem aos seus núcleos valorizados pela disponibilidade de recursos
materiais e positivação simbólica que a contrapõe a outras regiões menos abonadas,
em geral as periferias. Dentro desta lógica de cidade deve-se entender que a área
central é formada pelo seu núcleo territorial, no caso do Rio de Janeiro, o centro da
cidade em que estão reunidos os principais postos de trabalho e a Zona Sul, que
apesar de sua diferenciação interna entre velha e nova zona sul (Lago, 2001) abriga um
mercado de trabalho expressivo e a maior concentração de renda da cidade.
Neste sentido a cidade vai sendo erguida em consonância com uma estrutura
social que a apóia, logo a estrutura social de uma cidade capitalista, como é o caso do
Rio de Janeiro, “não pode ser dissociada das práticas sociais e dos conflitos existentes
entre as classes urbanas” (Op. cit. p.15). Os grupos vão se identificando com espaços
específicos em função de um processo de ocupação interessada onde seus atores
depositam o seu conteúdo, especificamente na forma de valores. Esta ocupação, por
sua vez, é sempre marcada por formas de conflito já que comumente outros grupos
manifestam interesse pela posse destes espaços, ou no mínimo pelos bens
socialmente positivados. Conflitos estes que podem ser abertos, através de práticas
violentas como o crime, quando este parece ter uma clara motivação coletiva45, ou
velados manifestados nas formas de preconceito e afastamento por parte dos
segmentos mais abonados dos grupos de menor poder aquisitivo.
Neste sentido, a dinâmica de ocupação espacial aprece ser conduzida pela
busca dos agentes por bens de participação que lhe vinculem positivamente a um
determinado território. Esta busca, que visa à fixação em um determinado lugar e o
consumo dos bens desejados, tem duas dimensões: uma material ligada a quantidade
de bens públicos e privados, no caso equipamentos urbanos e espaços privados
45 A literatura sobre violência urbana costuma associar o crime praticado entre os mais pobres à fatores sociais como o quase completo estado de indigência social, indicando nesta motivação uma imbricação de fatores e agentes como as mídias, o desemprego, o poder público e elementos de natureza local ( Zaluar, 1994 ; Soares, 2006 ). Entretanto, existem trabalhos que tem procurado abordar a violência como a desposseção simbólica de itens considerados indispensáveis a integração social, indicando um forte componente individualista na produção de formas de violência que nem sempre irrompem em conflitos abertos. È o caso dos trabalhos de Bauman (2004; 2005) e Freire Costa (2000).
91
ligados ao lazer e ao entretenimento, e a segunda que é simbólica, já que estes bens
são hierarquizados dentro de uma escala de interesses , geralmente explicados pela
sua menor disponibilidade. Em resumo, quanto mais raro mais cobiçado.
A história da cidade do Rio de Janeiro tem revelado a existência de intermediário
que medeiam a busca pelos bens e usos presentes nestes espaços. Quando o Estado
foi este mediador, vemos que nas áreas mais nobres ele atua de forma mais itinerante
pela produção de melhorias contribuindo para fixar no território populações de uma
maior poder aquisitivo, e no caso das áreas mais pobres, sua existência é muitas vezes
“metafísica“, já que muitas sabem de sua existência apesar de poucos perceberam sua
presença, a não ser pelo acúmulo de carências estruturais que levam seus moradores a
freqüentemente convocarem a intervenção do poder público.
Esta diferença de tratamento é uma tendência na cidade e demonstra como o
Estado vem sendo uma figura muito atuante na construção do espaço tradicionalmente
apoiando os interesses das classes dominantes, via adoção de políticas e mecanismo
reguladores altamente discriminatórios, segundo Abreu. E como conseqüência deste
planejamento diferenciado vemos uma região central que se desenvolve com toda sorte
de equipamentos públicos e áreas periféricas mal servidas de infra-estrutura urbana, e
quando recebeu estes benefícios eles foram fruto do acordo entre o Estado e iniciativa
privada, exemplificados historicamente pela construção de uma estrutura ferroviária que
no final do século XIX atendia as exportações para outros estados ou na construção de
rodovias que na metade do século XX em virtude da instalação de um parque industrial
no subúrbio. Nestes exemplos a questão da qualidade de vida de sua população
residente não parece figurar como uma preocupação, devendo esta tão somente
desfrutar dos serviços urbanos construídos para a produção da riqueza que se converte
em benefícios para a população que reside em outra ponta da cidade, e em termos
residenciais, ao contrário dos bairros mais nobres que em um período de meio século
chegaram a sofrer cinco renovações urbanas, nos bairros mais pobres parecem se
consolidar dois padrões de organização residencial: a construção de residências
padronizadas, que são os conjuntos habitacionais, e o mais precário que o padrão de
auto-construção. Daí ser possível afirmar que o modelo do Rio
92
[...] tende a ser o de uma Metrópole de núcleo hipertrofiado, concentrador da maioria da renda e dos recursos urbanos disponíveis, cercados por estratos urbanos periféricos cada vez mais carentes de serviços e infra-estruturas à medida em se afastam do núcleo, e serviços de moradia e local de exercício de algumas outras atividades as grandes massas de população de baixa renda. (Abreu, 2006, p.17).
Continuando o seu argumento agora tecendo uma comparação com as cidades
norte-americanas, Abreu sustenta que ao contrário do verificado no caso brasileiro, nos
Estados Unidos as famílias de maior poder aquisitivo em busca das amenidades da
urbanização moderna buscam as periferias em onde a ocupação dos solos é menos
densa. No Rio os segmentos mais abastados buscaram viver em áreas mais próximas
do centro e de maior densidade urbana. Ainda que Abreu sustenta que a Barra da
Tijuca possa estar anunciando uma novidade para Metrópole carioca, entre outros
motivos, por ser um bairro de alto poder aquisitivo mais afastado do centro, Abreu
admite que este bairro tende a se integrar ao núcleo da Metrópole. A busca da
incorporação da Barra da Tijuca ao seu modelo, entretanto, não elimina um fator que
com este entra em conflito: o fato de que para a Barra da Tijuca é um bairro de baixa
densidade urbana.
Sendo assim, este modelo pode explicar o crescimento da cidade do Rio de
Janeiro antes que a Barra da Tijuca despontasse como área de expansão, de uma
certa forma admitida pelo próprio autor no seu texto, já que o trabalho que aqui tomo
como referência foi escrito no final dos anos setenta. Esta área não corroboraria
algumas premissas deste modelo explicatório. Em função da distância ao centro da
cidade (aproximadamente trinta e dois quilômetros do centro da cidade, aonde ainda se
concentram os principais postos de trabalho da cidade), nesta região não são
encontrados os índices de precariedade comuns às tradicionais formações periféricas,
embora nos últimos tenham surgido algumas favelas no bairro. Ainda que tentativas
tenham sido feitas tentativas no sentido de integrar a Barra da Tijuca ao centro e a
Zona Sul, com todas as suas críticas, o plano Lúcio Costa, com a construção de um
transporte do tipo plano inclinado, estas iniciativas teriam poucas condições de êxito já
que o governo Juscelino lançara as bases da industrialização pesada de forte estímulo
para o setor automobilístico. Nestes anos o governo Estadual anuncia a liberação de
verbas para o início das obras do Metrô da Linha 4. Esta medida é o último passo deste
93
projeto que vem sendo executado através da integração do metrô aos ônibus que ligam
a zona sul à Barra da tijuca. A demanda pelo encurtamento do tempo de deslocamento
da população aos seus postos de trabalho não estão sendo acompanhadas por outros
pedidos locais que possam facilitar o acesso de outras para a Barra, ainda mais no
setor de lazer.
Mesmo não estando tão distante da zona sul, especificamente São Conrado,
ligado pela Avenida Niemeyer, há em relação a esta região, no mínimo um afastamento
relativo, principalmente se for considerado os freqüentes engarrafamentos que acabam
por relativizar a distância empírica e incorporam a variável da distância psicológica,
acompanhada por estresse urbano com o trânsito, depondo frontalmente contra a
almejada qualidade de vida. Ainda assim, há na Barra da Tijuca uma infra-estrutura de
serviços que a diferencia dos outros bairros da zona oeste, e neste caso a distância
converte-se em um fator cômodo que a torna bem próxima, em termos morfológicos do
ideário dos subúrbios norte-americanos.
Algumas comparações com os subúrbios podem ser feitas, evitando assim que
incorramos numa assimilação de modelos que são necessariamente marcados por
diferenças de sociais e culturais. Enquanto nos subúrbios as casas costumam ser
padronizadas e separadas por muros artificiais como os jardins, na Barra da Tijuca
predomina um padrão vertical de residências separadas dos logradouros públicos por
um expressivo aparato de segurança integrado obrigatoriamente por grandes muros
com câmeras de vigilância. Em termos sociais é possível a afirmação de que nos
subúrbios exista homogeneidade social, ao passo que, embora predominem na Barra
os segmentos de renda mais abastados, sem dúvida neste bairro pode ser percebido
uma diversidade de classes, que é espelhada nas diferenças de estruturas entre os
seus condomínios. Por último, enquanto a questão racial se revela determinante na
configuração da vizinhança dos subúrbios, esta questão não aparece de forma clara
entre os moradores dos condomínios, embora casas recentes noticiados na grande
imprensa tenham revelado demonstrações explícitas de discriminação. 46
46 De todas as notícias envolvendo atos de hostilidade acionados por moradores de condomínios fechados na Barra da Tijuca um dos mais famosos envolveu a família do jogador de futebol Ronaldo Nazário, no condomínio Golden Green, há alguns anos. Ao fazerem um churrasco em sua cobertura sem a sua presença, mas autorizados por ele, os seus parentes acabaram chamando a atenção dos vizinhos, que incomodados com uma população pouco comum ao condomínio chegaram a ameaçar os integrantes da festa dizendo que iriam chamar a polícia. Este fato que parece ter repercutido mais do que gostariam os moradores dos
94
Por outro lado, mesmo levando em consideração estas diferenças, ao abrigar
uma parcela das classes médias cariocas a Barra da Tijuca vem se consolidando como
opção urbana sustentada por um imaginário de qualidade de vida aonde parecem
entrar em combinação o desejo pela tranqüilidade, a acessibilidade aos serviços
indispensáveis e a proximidade com uma natureza exuberante. Estas premissas
convertidas em escolhas localmente orientadas dão a entender que o modelo, ainda
que um tanto vago, do subúrbio norte-americano faz-se presente no imaginário
manipulado pelo morador do condomínio fechado da Barra da Tijuca. Seria o processo
de antropofagia descrita por Bauman (2006) como a apropriação dos elementos vindos
de fora pelos filtros da cultura local. Uma explicação que, na verdade, fundamenta
sociologicamente a definição do caráter antropofágico da cultura brasileira definida por
Oswald de Andrade no âmbito do modernismo brasileiro da segunda década do século
passado. Este subúrbio imaginado, espécie de paraíso perdido da convivência social,
apareceu subliminarmente na fala de vários moradores entrevistados quando eles
procuravam apontar o espaço do condomínio como a tradução perfeita de laços sociais
harmoniosos.
Talvez estejamos aqui diante de um processo de aglutinação inconsciente do
subúrbio perfeito com a memória recente de um morador urbano que busca no passado
imaginado o conforto para escapar dos desafios atuais com os quais não consegue
conviver. Esta trama desenrola-se em um tempo e espaço determinado, onde presente,
passado e futuro se misturam e o espaço é entendido como categoria estratégica,
principalmente no que tange a salvaguarda da distância de algumas classes em relação
ás outras.
Na Barra da Tijuca a distância cumpriu um papel bastante ambíguo. Enquanto a
Barra era uma demasiadamente afastada do centro e da zona sul, morar aí significa
pagar um custo muito alto pelo seu isolamento. Com o passar dos anos algumas
empresas ou indivíduos foram identificando um grande potencial de investimento. Para
executar esta suspeita estes grupos foram organizando-se em empresas que
adquiriram a preços módicos, logo permitidos pelo Estado que vinha lentamente
condomínios que não gostam de ter seus condomínios presentes negativamente no noticiário da grande imprensa, parece ter sido resolvido de forma negociada entre as partes envolvidas, agora envolvendo o próprio jogador Ronaldo.
95
produzindo melhorias na região, terrenos que se convertiam desta forma em estoques
de terra. Estava sendo gerida a grande matéria prima para a especulação imobiliária.
O fator distância transforma-se em elemento de barganha nas mãos do Estado e
da iniciativa privada. Estes agentes, conscientes das potencialidades da região
começam, cada um ao seu modo, a acionar uma campanha que relativize o fator
distância em prol da garantia de alguns serviços cuja ausência era sentida em outras
áreas da cidade, algumas delas nobres. O crescimento da violência na cidade
estimulou uma classe média á buscar por bairros onde a insegurança pudesse ser
resolvida de forma direta, leia-se, sem a constante intermediação do Estado. È neste
contexto que os condomínios fechados aparecem como a grande opção residencial
consagrando um perfeito casamento entre a iniciativa privada que passa a vender um
produto de moradia com segurança total, e o Estado que deixa de investir na proporção
adequada no policiamento local, enquanto fatura com a especulação imobiliária através
de vantajosos acordos com empresas de construção.
Há enormes brechas na legislação urbana brasileira que possibilitam este quadro
de desorganização coordenada do crescimento urbano. Antes de entrar nesta seara,
para perceber a sua influência em processos de longo prazo, como é o caso das
narrativas dos indivíduos e dos grupos nos espaços urbanos da Barra da Tijuca,
lançarei um breve olhar sobre a história pregressa do bairro que pode esclarecer alguns
comportamentos bastante contemporâneos.
96
2.2 - Do descampado ao mar de condomínios
Figura 1 – Barra da Tijuca nos anos cinqüenta. Esta imagem sintetiza com precisão a idéia de um “sertão
urbano”, embora no canto direito possamos ver a praia, pouco freqüentada na época. Fonte: Internet
De acordo com a secretaria Municipal de Urbanismo a Barra da Tijuca está entre
as regiões do Município que mais cresceram nos últimos anos, tendo a sua população
quase quadruplicada, saltando de 28.528 mil moradores nos anos oitenta para
aproximadamente 92.233 moradores nos anos 2000. Região de expansão do capital
imobiliário, que tem se afirmado no bairro, por exemplo, pela construção de
condomínios fechados (estima-se que ai existam 120 e 150 destas unidades)47, a Barra
da Tijuca tem abrigado uma parcela significativa das classes médias cariocas, que 47 Fonte INSTITUTO PEREIRA PASSOS. Mapa de ruas e condomínios fechados da Barra da Tijuca.
97
poderia ser classificada como uma nova classe média na medida em que sua
identidade social parece estar muito vinculada à sociedade de consumo. Neste sentido
destaca-se a quantidade shoppings no bairro (em torno de dez), uma das maiores
fontes de lazer e consumo para os seus moradores. .
Entre os indicadores sociais que justificam a afirmação de que na Barra da Tijuca
reside uma parcela das classes médias estão o número médio de banheiros por
domicílio (2,09) ficando atrás somente da Lagoa que aparece com 2,27; a média de
1,18 carros por residência, a mais alta de três os cinco principais bairros nestes
quesitos, cujas médias seguiram respectivamente Lagoa (1,03), Tijuca (0,75), Vila
Isabel (0,73) e Botafogo (0,73). Do total de 30.809 domicílios identificados no ano de
2000, 30.612 são permanentes, destes 25.755 são apartamentos e 4673 casas, dos
quais 97,71 % recebem abastecimento de água por rede geral canalizada, 69,49%
dispõem de esgotamento sanitário por rede geral e 93,89 % dos domicílios tem o seu
lixo coletado regularmente.
A título de comparação, quando analisados os mesmo indicadores da XXIV
Região administrativa que envolve além da Barra os bairros do Recreio, Pedra de
Guaratiba, Itanhangá, Vargem Grande e Vargem Pequena podemos identificar algumas
alterações. De um total de 55274 domicílios, dentre os quais 54494 permanentes e 411
improvisados, aumenta o número de casas, de 4673 da Barra da Tijuca para 21695 da
XXIV R.A, e somente nesta última figura o chamado aglomerado subnormal, as favelas,
que reúnem 8820 domicílios. Ademais a percentagem de domicílios atendidos por rede
geral no abastecimento de água cai para 88,79%, o esgotamento sanitário para 54,75
% e o serviço de limpeza regular atinge 85,94% das residências. Ainda assim o IDH da
XXIV R.A é de 0,92, dos mais altos dentre todas as RAs, condição possivelmente
atribuída a presença da Barra da Tijuca, já que a fonte consultada não trouxe o IDH da
Barra individualizado. 48
Estes componentes, a meu ver, são significativos para o perfilamento de uma
classe social. Os integrantes deste segmento são detentores de recursos que
classificam estágios de bem estar social, seja pela proximidade com equipamentos
48 Os dados relativos à análise comparativa da Barra da Tijuca com bairro outras RAs são provenientes da CPS/FGV a partir dos microdados do censo demográfico 2000 do IBGE, enquanto os dados relativos a análise comparativa da Barra da Tijuca com a XXIV RA são da Prefeitura do Rio de Janeiro.
98
públicos, como a infra-estrutura urbana acima descrita, pelos benefícios indiretos
provocados por estes recursos, o sentimento de status por residir em uma área
identificada por elevados índices sociais, incidindo assim em uma simbologia que
positiva determinados hábitos, sempre entendidos como um conjunto de disposições
adquiridas (Bourdieu, 2007) e legitimados pelos uso em territórios que contribuem para
qualificá-los.
Esta, por sua vez, é a radiografia social contemporânea da Barra da Tijuca de
uma população distribuída em um território de 4815.6 hectares, tendo 53,5 5 de sua
área urbanizada ou modificada. Recuando no tempo, para podermos compreender
alguns fatores de determinantes para a formação da morfologia e dos modos mais
antigos de ocupação do bairro, voltemos para os primórdios da ocupação do território
da Barra da Tijuca, uma região delimitada por pântanos e porões de terras que desde o
início indicava o caráter patrimonialista da formação da sociedade brasileira.
Até o século XVIII tinha o seu território integrado à freguesia de Irajá, que foi a
segunda freguesia criada pelos colonos portugueses (Gonçalves, 1999). Em termos
físicos a região é composta por um grande litoral oceânico, vastas planícies com os
seus alagadiços, as lagoas pouco acima do nível do mar cercadas pelas cadeias
montanhosas constituída pelos maciços da Pedra Branca, na parte ocidental e o da
Tijuca, na parte oriental.
As primeiras apropriações da Barra da Tijuca, no período classificado como pré-
moderno, são de concessões advindas de disputas de terras envolvendo a matriz
familiar de Salvador de Sá, que além de se beneficiar com metade da antiga Ilha do
Governador este distribuiu terras para aqueles que auxiliaram a família governante na
luta contra a ocupação francesa no litoral do Rio de Janeiro. Os primeiros beneficiados
destas ofertas de terras, que na época englobavam os terrenos da atual Barra da
Tijuca, Jacarepaguá e Guaratiba, sob a forma de Sesmarias (a unidade territorial
padrão do período) foram Júlio Rangel e Jerônimo Fernandes.
No ano de 1667 foi criada a instituição de Dias Morgadios, uma espécie de
Legislação Ambiental que tornava a terra indivisível e inalienável, confirmando assim, o
princípio histórico da apropriação patrimonial no Brasil. Neste mesmo ano morreu
Vitória de Sá, filha de Salvador de Sá, o cabeça da dinastia real. Sua morte gerou por
99
testamento, haja vista que a falecida não deixou herdeiros, a transmissão de sues bens
para o mosteiro de São Bento uma vasta extensão de terras, circundada pelo mar,
lagoas, chegando até Guaratiba, assim como escravos, crioulos e crioulas e mulatas e
alguma gente da terra.
Para Gonçalves (1999) esta forma de distribuição da propriedade gerou
pendências jurídicas que se arrastam até os dias atuais. De qualquer maneira, iniciava-
se o processo de demarcação territorial via instrumentos jurídicos que anunciavam as
primeiras iniciativas de composição dos limites fiscos desta região, que englobava a
época outras áreas como Taquara, Joá e Freguesia. Outro fator que se destaca neste
procedimento de transmissão da propriedade vem marcando a região desde então: a
propriedade privada.
Sem mergulhar de maneira mais detida em informações detalhadas de todos os
processos de formação do território representado pela Barra da Tijuca dos dias atuais,
é fato que a natureza privada da posse da terra tornou-se uma espécie de axioma
fundador da aquisição de terrenos na região. Auxiliada pela ausência de uma política
legal de controle dos terrenos, grupos que conseguiram se instalar ao longo da história
na Barra da Tijuca vem compondo o seu cenário latifundiário sem maiores onerações.
Para Gonçalves ( 0p. cit ) hoje em daí quatro grande grupos controlariam a Barra da
Tijuca. São eles:
_ A Carvalho Hosken S/A e a sua coligada Barra da Tijuca S/A e São Francisco
empreendimentos S/A, de posse de um patrimônio estimado em 12 milhões de metros
quadrados de terras.
_ A Empresa Saneadora Território Agrícola (ESTA) que desde 1955 pertence a
Tjong Aiong Oei, que apesar de sua origem cingapuriana é conhecido pela alcunha de
“o chinês da Barra“. Seu patrimônio cobre dez milhões de metros quadrados,
geograficamente localizados no entroncamento da Avenida das Américas e
Sernambetiba , logo após a Avenida Airton sena indo em direção ao Recreio dos
Bandeirantes. Dentro de suas propriedades originais, representada por estas medidas
descritas acima, forma erguidas obras como o Fazenda Club Marapendi,os
Condomínios Nova Ipanema , Novo Leblon e Mandala, e gigantescos empreendimentos
comerciais como o Barra Shopping, Carrefour e Via Parque Shopping.
100
_ Pasquale Mauro, que começou suas atividades na Barra m 1940, de posse de
um sítio de forte atividade agrícola lançou-se na comercialização de bananas
climatizadas. Atualmente o seu grupo detém, entre outras construções, o Loteamento
Condomínio Rio – Mar, o Hospital Rio Mar e a Pasquale Mauro Minerações.
_ O quarto grupo é encabeçado pelo advogado Múcio Athayde, que começou a
sua carreira em 1968 através junto a Ivete Palombo da gleba da fazenda da Restinga,
tendo que recorrer ao STF para garantir a sua apropriação. No interior de 1,5 milhão de
metros quadrados dedicou-se a construção de contestadas obras do Mega Projeto
Torres da Barra, que até hoje se encontra sub-ocupado. Em 1981, lançou no mesmo
local o empreendimento Athaydeville, sendo ocupado logo em seguida pelas Casas
Sendas e Bradesco.
Juntos, estes grupos são responsáveis, senão pela grande maioria, pelo menos
pelos investimentos mais expressivos de uma região que no ano 2000 encabeçou o
boom imobiliário do Município, registrando a aprovação e construção de cinco hotéis-
residências, uma série de construções de operações interligadas e a predominância de
unidades multifamiliares sob a forma de condomínios fechados.
Este tipo de construção foi largamente beneficiado pelas modificações realizadas
sobre o Plano Lúcio Costa ao longo dos anos oitenta, ampliando algumas prerrogativas
de segmentação que estavam presentes nos anos 60. Vejamos então, algumas destas
modificações e quais têm sido os impactos sócio-ocupacionais provocados por elas.
2.3 – Um breve aporte sobre os impactos morfológicos provocados pelo Plano Lúcio Costa na Barra da Tijuca.
O Plano Piloto para a Barra da Tijuca e Jacarepaguá em 1969 significou, em
termos operacionais, a tomada de consciência por parte do poder público da
necessidade de intervenção sobre uma extensa área do território metropolitano, que até
então, salvo a presença de escassas residências espalhadas pelo bairro, representava
um “vazio urbano”. Para a execução deste empreendimento foi contratado o arquiteto
Lúcio Costa, um dos pioneiros da introdução e divulgação da ideologia modernista na
101
arquitetura brasileira. Dispondo de plenos poderes para a execução deste programa,
em pleno acordo com a linha ideológica do regime da época, onde os chefes de Estado
controlavam de forma ditatorial o regime político e impunham os cargos de confiança,
Lúcio Costa dispôs de uma estrutura irrepreensível de mando para o projeto que ele
estava à frente.
Figura 2 - Em destaque a Avenida das Américas. Fonte: Internet
No campo político, está em curso uma ideologia de controle total sobre o
território, neste momento comandada pelos militares. Não quero sugerir nestas linhas
que a ação do governo local do O Estado do Rio de Janeiro estivesse usando o Plano
Lúcio Costa para fins conspiratórios. No entanto, a meu ver, não é uma mera
coincidência que no início do regime ditatorial brasileiro, que ainda buscava (ainda que
esta afirmação possa parecer absurda) afirmar a sua autoridade dentro do país, o
Estado do Rio de Janeiro oferecer toda a estrutura institucional para que um renomado
arquiteto, que já participara há alguns anos da construção da capital federal,
102
executasse um programa destinado a urbanizar uma região relativamente esvaziada e
distante do centro da cidade, e com isto adiantando-se ao inevitável processo de
ocupação da área com a definição de parâmetros construtivos, “que a partir da proteção
de características singulares da região , não permitissem a reprodução do que havia
ocorrido e outros bairros da orla marítima, como Copacabana, Ipanema e Leblon, que
sofriam um processo intenso de construção e adensamento”. (Leitão, apud Souza,
2002, grifos meus).
Ou seja, o racionalismo arquitetônico modelo da Barra da Tijuca destinado à
melhoria da qualidade de vida, a preservação do meio ambiente e o adequado
ordenamento espacial ao serem alcançados através de um zoneamento rigoroso que
previa o controle sobre a relação entre determinadas frações do território e as suas
práticas sociais correlatas, apresentava a sua face autoritária e anti-humanista, e no
limite, anti-cidade.
Ainda que este componente não aparecesse com clareza, a organização e
controle sobre qualquer território é fundamental para um regime que governa sob
exceção e convivia com oposições sistemáticas e organizadas ou latentes e difusas o
tempo todo. Investir em uma região esvaziada atenderia futuramente aos interesses
imobiliários com ganhos diretos e indiretos para o Estado, como se viu e vem sendo
observado ao longo da história da Barra da Tijuca, e ao mesmo tempo, permitiria o
monitoramento do espaço organizado em princípios racionais. Lançava-se um olhar
cirúrgico sobre o território, e sem que o Estado precisa estar diretamente presente,
através do seu aparelho repressivo, ele seria percebido através dos princípios de
ordenamento espacial em que esperava-se a delimitação dos seus usos, o perfil dos
seus usuários e a definição das atividades compondo uma organização sócio-espacial
sistêmica.
De saída, os planejadores da Barra da Tijuca entendiam que as ações
executadas dentro de um território adequar-se-iam a uma morfologia pregressamente
estabelecida pelas diretrizes funcionais do plano. Mesmo com as intenções sinceras de
Lúcio Costa de integrar organizadamente a Barra da Tijuca ao Município do Rio de
Janeiro, que implicava, dentre outros benefícios, a articulação aos recursos materiais
com os cálculos de bem estar pretendidos pela sua população, esta pretensão é
103
garantida por um tipo de olhar em que a cidade é vista como um ente funcionalmente
integrado por atividades bem articuladas que tendem a gerar comportamentos
previsíveis e lineares dos seus residentes.Seguindo um caminho oposto, seja de que
espécie for, a diversidade gerada pelas cidades repousa no fato de nela muitas
pessoas estão bastante próximas, e elas manifestarem os mais diferentes gestos,
habilidades, necessidades e obsessões49.
O medo de que a Barra da Tijuca pudesse se assemelhar ao desenvolvimento de
Copacabana e Ipanema expressava veladamente a preocupação com os ”possíveis
riscos” trazidos pela heterogeneidade social destes bairros. Este temor, a meu ver, não
expressa uma antipatia com a diversidade de classes em si, mas sim com a pobreza
urbana que vinha se instalando e crescendo em bairros ricos da orla carioca,
representada majoritariamente pelo crescimento populacional das favelas nestes
bairros, e em uma escala menor nos Conjugados.
Este fato gerou temores e preconceitos nos planejadores da Barra da Tijuca que
pretendiam que este bairro fosse ocupado de modo linear, ou seja, que ao terem os
seus espaços sendo ocupados da forma mais harmoniosa possível fossem evitados no
futuro próximo as típicas tensões sociais, geralmente convertidas em práticas de
violência urbana, que vinham caracterizando as trajetórias de territórios heterogêneos.
A heterogeneidade com pobreza urbana aparecia como a clara personificação da
desordem. Evitar a desordem passava por uma intervenção acéptica no território recém
explorado. A Barra da Tijuca nascia, assim, com a obrigação de representar a novidade
urbanística e a vocação da diferença em relação aos outros bairros nobres. Estas
imagens, com maior ou menor ênfase, sempre fizeram parte do discurso sobre a Barra
da Tijuca que procurava através da sua lógica racional funcionalista e do seu
paisagismo a sua conversão em práticas urbanas “autênticas” e invejáveis.
Os arquitetos costumam apresentar a Barra dos dias atuais como a
conseqüência de modificações muito sensíveis do Plano Lúcio Costa. Em parte, esta
crítica é justa, já que algumas diretrizes previstas no Plano Lúcio Costa foram
modificadas. Dentre as modificações mais importantes das propostas inicialmente
previstas temos o abandono da distância mínima de um quilômetro entre os
49 JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Rio de Janeiro : Martins Fonte, 2000.
104
condomínios fechados, que sequer deveriam ser o modelo hegemônico de residência, a
alteração do gabarito dos edifícios da orla de oito para doze andares e o abandono da
construção de um transporte do tipo plano inclinado que ligasse o bairro à outras áreas
da cidade passando por um dos seus maciços, garantindo desta forma, um
deslocamento menos oneroso da sua população residente (provavelmente já se fazia
uma previsão preocupante do violento e caótico trânsito carioca) sem impacto no seu
meio ambiente.
As modificações ocorridas nas décadas subseqüentes à elaboração e execução
inicial do plano, sacramentadas pela saída de Lúcio Costa da SUDEBAR no final dos
anos 70, atendiam as exigências do mercado imobiliário que começava a coordenar a
nova ocupação especial do território. Os condomínios fechados passam a modelar o
cenário residencial. Após os pioneiros Nova Ipanema e Novo Leblon, que como os
próprios nomes sugerem pretendem acomodar os modos de vida da orla da zona sul a
um conjunto de novos habitus induzidos por um projeto residencial de larga escala, cuja
pretensão é oferecer um circuito interno pleno de atividades, indo do lazer até a
segurança privada, o condomínio fechado é alçado a condição de plano piloto
residencial do bairro.
Esta proposta converte-se em realidade através de modificações da natureza
das residências na medida em que aumenta o número de residências multi - familiares
nos anos oitenta e com o progressivo aumento populacional dos anos noventa surgem
edifícios de maior porte, que são complexos de salas comerciais e de escritórios. Esta
diversificação dos edifícios, na verdade, contribui para a consagração dos condomínios
fechados que passam a apresentar nos seus formatos uma diversidade inédita de usos.
São os Homme officers, que tem no Condomínio Novo Mundo o seu primeiro exemplo.
Leitão (2000) comunga das observações mais comuns da arquitetura de que a
nova espacialidade da Barra da Tijuca não corrobora os seus ideais modernistas, pois
este preconiza transformar as relações sociais a partir de uma espacialidade sugerida.
Suas críticas são dirigidas a este novo dirigismo empresarial que teria transformado a
Barra da Tijuca em lugar de moradia das novas classes médias, e de uma parcela da
elite carioca. O setor de incorporação imobiliária procura oferecer seus produtos a uma
classe média perfilada pelo medo urbano crescente na Metrópole e setores de uma
105
nova elite que constrói a sua identidade social dentro de espaço privados exclusivos em
que se percebe uma modificação brutal da forma e dos usos do espaço público. O
espaço público local tem sido remodelado sob a forma de espaço de consumo. Os
atores formadores deste novo espaço exercem papéis muito particulares, ainda que
complementares.
Os empresários edificam a região com construções que estariam atendendo as
demandas latentes da população local, como se estes agentes tivessem a competência
de intuir sobre estes alegados interesses velados, ao invés de estarem, de fato,
fomentando comportamentos esperados de quem investiu pesadamente nas
antecipações urbanas (Abramo, 2008). Os moradores se divertem, consomem e se
reproduzem dentro dos seus condomínios, e quando precisam tendem a procurar por
serviços relativamente próximos de suas residências, já que a proximidade, entendida
como conforto, pontua ideologicamente a escolha que eles fizerem de morar em um
lugar em que tudo estria por perto. O Estado acompanharia a uma distância estratégica
a movimentação destes agentes em seus territórios específicos.
Digo à distância porque a sua presença dependerá muito do fato que esta sendo
gerado. Por exemplo, no que diz respeito à imagem da cidade, qualquer ato de
violência cometido na Barra e que venha a ganhar as páginas dos jornais seria
atentamente monitorado pelo Estado com o envio do seu aparato policial, preocupado
em passar para a população uma imagem ordeira, que vinha a se contrapor ao “caos”
reinante em outras áreas da cidade. No entanto, a participação do Estado através do
seu aparelho coercitivo, nem de longe lembra as tradicionais intervenções urbanas
realizadas em áreas de risco, como a as favelas, aonde em face de primeira ameaça
real ou potencial a ordem urbana, o poder público se encarrega de instalar de forma
muito pouco respeitosa aos seus moradores locais o seu efetivo policial. Em uma “área
diferenciada”, como os bairros nobres da cidade, bastariam que as delegacias locais
assumissem as suas investigações, sem muitos constrangimentos para os envolvidos.
Evitar constrangimentos significa que o aparato policial tenderá a conduzir a
investigação respeitando a privacidade dos seus moradores que poderão ser
esclarecidos sobre os seus direitos, através da contratação de bons advogados,
106
mantendo-se, desta forma, distantes de atitudes investigativas que pudessem sugerir
invasões de privacidades50.
Embora estas críticas sejam justas, no fundo elas expressam, apenas, um ponto
de vista sobre o espaço. Considerando as múltiplas determinações que atuam sobre o
espaço investindo sobre eles saberes destinados à regulação e controle dos seus
participantes (Foulcaut, 1979) os indivíduos que se encontram sob o efeito destas
intervenções de caráter político - espacial acomodariam suas trajetórias às funções
estabelecidas pelos planejadores. Nesta dinâmica de assimilação de regras implícitas
ou explícitas de monitoramento urbano, o espaço tende a ser compreendido através de
mecanismos disciplinadores de conduta humana.
Neste sentido, podemos estar observando na Barra da Tijuca a formação de uma
espacialidade em construção que reforça, por uma nova via de acumulação do capital,
que tem uma natureza específica, no caso imobiliária, a ampliação da estratificação
social concernente a toda a cidade do Rio e Janeiro, contribuindo assim para uma nova
consolidação da hierarquia entre os segmentos de classe na cidade. De forma sintética,
esta espacialidade reflete uma nova geografia do poder na cidade. Não um tipo de
poder cujo exercício passa exclusivamente pelo aparelho do Estado, mas que se
encontra capilarizado pelas vias de mobilidade dos seus agentes, no caso o capital
privado representado pelo setor imobiliário, e os moradores que celebram com este um
acordo baseado na oferta de conforto e segurança que o primeiro possa lhe oferecer.
As relações de poder, que eram historicamente exercidas nos espaços clássicos
de afirmação do capital, como o chão da fábrica, e que repercutiam em todo o tecido
social, agora manifestavam-se nos empreendimentos técnico – racionais, em que se
percebiam um aparato de monitoramento e classificação dos territórios através de
ações pontuais e coordenadas. Ao tentar se desvencilhar pelo crescimento urbano em
outras áreas da cidade, o olhar modernista sobre a Barra da Tijuca pretendeu controlar
o crescimento desordenado através da anulação dos processos sociais de classes que
50 Um dos fastos que me chamou muita atenção na minha pesquisa de campo foi a distância que os condomínios fechados costumavam guardar de qualquer tentativa de interferência policial. Mesmo quando o problema em questão acontecia fora dos limites dos condomínios, não era comum que a polícia fosse chamada entrasse nestas residências para cumprir um procedimento corriqueiro do processo. Isto quando atos de violência contra transeuntes transformavam-se em denúncias. È do conhecimento apenas local, principalmente dos jovens que vivenciam os momentos noturnos do bairro, as práticas de agressões a prostitutas. Um dos meus entrevistados me contou ao voltar de uma boate com os seus amigos viu uma prostituta completamente ensangüentada e a polícia que por ali passava era alheia a sua situação.
107
sempre disputaram posições no mercado de trabalho, ainda que esta disputa tenha sido
sempre marcada sempre pela assimetria das oportunidades de participação na
produção da riqueza nacional.
A heterogeneidade social identificada em bairros como Copacabana, seria um
sintoma das orientações recorrentes sobre planejamento urbano para a cidade,
destinadas a produção de infra-estrutura e embelezamento de áreas valorizadas ou em
processos de valorização previstos pela parceira capital especulativo e poder público.
Ao contrário do que um saber tecnocrático poderia sustentar, a procura e posterior
fixação precária da população pobre em Copacabana, que vem a morar em favelas, por
exemplo, não significou um resultado perverso do adensamento urbano que a referia
parceira pretendia obter. Esta população é estrutural ao funcionamento do sistema de
produção que precisava de mão-de-obra para exercer as funções do setor de
construção, que era muito forte no bairro neste período, e também para o setor de
serviços, fosse para a função de garçom nos bares da orla ou empregadas domésticas,
incorporando às exigências feitas, principalmente pelas mulheres de classe média que,
ao migrarem para o mercado de trabalho precisavam de profissionais que se
ocupassem dos afazeres domésticos.
Paralelamente ao significativo deslocamento de uma classe média dos subúrbios
da zona norte para a zona sul, a outra parte do deslocamento migratório intra – urbano,
no período em que o país experimentava resultados urbanos concretos advindos das
políticas de industrialização, era composta por pobres, muitos vindos de áreas centrais
em decadência. Estava consolidada uma etapa da recente história da recente
urbanização da cidade do Rio de Janeiro. Do início do século XX até os anos setenta a
cidade vinha passando por sucessivas cirurgias urbanas que segregavam dos espaços
dos ricos, das classes médias e dos pobres. Com o crescimento vertical da orla da zona
sul nos anos cinqüenta e sessenta, os bairros passavam a acomodar as suas
populações de acordo com os papéis que estas exerceriam no mercado de trabalho e
no consumo urbanos. As classes médias e altas que moravam próximas ao mercado de
trabalho, beneficiadas por equipamentos urbanos modernos e eficientes, “integrava” a
mão-de-obra menos remunerada nas demandas domésticas, da construção civil e do
setor de serviços, como foi destacado acima. O “esgotamento residencial” de um eixo
108
da zona sul passava a ser suprido, exatamente, porém sem reproduzir os hábitos que
forma responsáveis pela relação entre as suas classes pelo aquecimento imobiliário da
Zona Oeste, no caso da Barra da Tijuca.
Voltando ao argumento da sobreposição no território, a delimitação dos espaços,
os usos que deles são feitos pelos seus respectivos agentes podem ser e entendidos a
luz do conceito de heterotopia de Foucault, que é o espaço socialmente vivido, interno
dos locais e das relações entre eles. Desta forma, as relações criadas dentro dos
shoppings centers e condomínios fechados não se limitam a estes espaços, nem teria
sentido suas ontologias serem tomadas aprioristicamente. Este olhar excluiria as
dinâmicas relacionais entre os grupos, no caso, moradores e consumidores, com os
seus lugares e entre estes lugares.
Se a Barra da Tijuca exerce um papel de protagonista na nova dinâmica espacial
brasileira marcada pela segmentação – sócio – espacial dos grupos seguindo os
preceitos de territorialidades determinadas pela precariedade ou bonança de recursos
de classificação materiais e simbólicos (Lopes, 2008), pode-se concluir que na região
pode –se observar, um novo ambiente construído, que abriga, predominantemente, as
classes privilegiadas, instaura novas centralidades e sociabilidades (Bienenstein, 2000).
Entre 2000 e 2001 verificou-se na Barra da Tijuca um elevado número
construções de hotéis– residências, empreendimentos empresariais e condomínios
fechados. Juntos eles foram responsáveis por 76 % da área construída. A título de
exemplo, vale o registro de alguns casos:
Condomínio Novo Mundo que ocupa uma área 147. 476. 41 metros quadrados,
de sua multifamiliar, assim como o condomínio Paradiso que ocupa uma área de
38.795.03 metros quadrados. O Centro Empresarial Mario Henrique Simonsen com
uma área de 99.183.55 metros quadrados e o Centro Empresarial Barra Shopping com
mais de seiscentos mil metros quadrados.
Estes casos, que não refletem a totalidade das construções deste período,
demonstram a recentralização dos investimentos na região metropolitana e a
interligação heterotópica entre os setores lazer, trabalho, consumo e residência. A
população que mora nos condomínios fechados usa os shoppings como lugares de
encontro, fortalecendo seus vínculos com o bairro, na medida em que ali são formados
109
e mantidos círculos sociais duradouros, e em vários casos, estes círculos são
estendidos ao interior dos condomínios.
Estes topos são ontologicamente preenchidos pelas expectativas diversificadas
dos sues usuários. Se no Shopping Center o morador busca a aquisição de produtos,
que são bens de valorização no mercado simbólico do bairro, evidentemente,
associados a um sistema de afirmação simbólico que alcança outras escalas territoriais,
como roupas de grifes, aparelhos celulares e outros adornos equivalentes, estas
demandas por consumo são freqüentemente estimuladas pela importância que estes
itens recebem nas interações desenvolvidas por estes moradores nos seus
condomínios. Estes bens de troca funcionam como senhas que autorizam a
participação de alguém na sociedade de consumo, aqui representada m sua micro
realidade.
Teoricamente, as heterotopias foucaultianas podem ser ampliadas pela
articulação com a concepção de espacialidade de Lefebvre, embora houvesse uma
nítida distância nas perspectivas teóricas destes autores, e em vida Lefebvre se quer
credenciava o trabalho do seu colega francês.Afora a polêmica, eu acredito que exista
um eixo em seus trabalhos e que fica bem claro na seguinte passagem
O espaço não é um objeto científico afastado da ideologia e da política, sempre foi político e estratégico. Se o espaço tem aparência de neutralidade e indiferença em relação aos seus conteúdos, e, desse modo, parece ser “puramente formal”, a epítome da abstração racional, é precisamente por ter sido ocupado e usado, e por já ter sido foco de processos passados cujos vestígios nem sempre são evidentes. O espaço foi moldado a partir de elementos históricos e naturais, mas esse foi um processo político. O espaço é um produto político e ideológico. È um produto, literalmente, repleto de ideologias. (Lefebvre, 1976 apud Soja, 1993, p. 31).
Nesta passagem Lefebvre vai direto ao ponto de sua problemática espacial: o
espaço é político e nele estão contidos os valores em disputa valorizados
historicamente pelas sociedades humanas. Estas disputas lhe dão o sentido e
importância. Não há nenhuma possibilidade de retirar as pretensões políticos e
ideológicas que pesam sobre a construção e desconstrução de espaços, sem que se
corre de se defender uma neutralidade de valores, que em si mesma, revela-se uma
operação intelectual, ou até mesmo científica, ideológica.
110
Logo as intenções racionalistas modernistas presentes na concepção da Barra
da Tijuca, em qualquer dos seus períodos de evolução urbana, são anti – Lefebvrianas,
pois pretendem definir aprioristicamente o espaço através das ações das classes
sociais intermediadas por mediações funcionais supostamente de acordo com as
intencionalidades delas. As funções que se esperam destas classes, isto é, os seus
comportamentos nos ambientes que formam o bairro, são escrutinizados por um
aparato técnico funcional de especialistas no espaço. Estes técnicos, em sua maioria
engenheiros e arquitetos, em um primeiro momento, e construtores imobiliários quando
a Barra da Tijuca já se convertera na esperada última fronteira de expansão do capital
metropolitano, seja por vício de formação ou por obedecerem uma orientação
ideológica de um plano macro de ordenação do território, interferem diretamente nas
trajetórias dos residentes da Barra da Tijuca, na medida em que são os responsáveis
pelos traçados urbanos que limitem os espaços de deslocamento dos seus ocupantes.
Esta reflexão poderia induzir críticas a uma suposta defesa do automatismo, e
um leitor atento poderia mesmo indicar que na minha análise eu superestimo o papel do
saber técnico. Porém quero deixar bem claro, que longe de caricaturar a participação
de determinados agentes na ordenação e monitoramento do território, eu entendo que
estes agentes estendem as suas atribuições para além dos seus escritórios. No Brasil
há uma tradição de predomínio do saber técnico sobre outras formas de saberes “não
especialistas“. Se por um lado, desprezar a participação de profissionais tecnicamente
qualificados seria incorrer na falsa premissa da auto-suficiência de saber social
pretensamente auto-gestionário, por outro lado, as mal sucedidas experiências de
políticas que ficaram sob a exclusiva responsabilidade de técnicos nos ensinaram que é
fundamental a existência de uma articulação entre os diferentes saberes envolvidos em
um determinado projeto de intervenção social.
Os desdobramentos históricos das dinâmicas espaciais desenvolvidas na Barra
da Tijuca, desde a sua concepção inicial, tem produzido resultados ambíguos. Ao
mesmo tempo em que um setor tem assumido a modelação do bairro e investido as
suas expectativas lucros nos investimentos racionalmente calculados, há níveis de
autonomia dentro dos territórios ordenados que revelam situações típicas de
grupamentos humanos que ao escolherem um modo de vida confinado e total, longe de
111
suprimirem os perigos da “cidade real”, acabam por vias internas reproduzindo-nos.
Esta dinâmica de socialização entre as classes tem dinamizado o processo que alguns
autores vêm identificando nos últimos anos na Metrópole carioca, que é a fragmentação
do seu tecido sócio – espacial. A fragmentação do tecido sócio – espacial da Barra da
Tijuca apresenta-se, neste contexto, como um reflexo, não mecânico e não linear, da
fragmentação do tecido sócio – espacial da cidade do Rio de Janeiro.
2.4 - A Barra da Tijuca - a consagração de uma nova urbanidade.
A Barra da Tijuca é um bairro que vem se configurando no imaginário urbano da
cidade do Rio de Janeiro. O outrora “Sertão carioca” que até os anos trinta do século
XX representava uma região praticamente selvagem, onde a três ou quatro horas do
centro urbano ainda se encontravam onças, jaguatiricas, capivaras e estranhos símios
(Palma 1955 apud Luz Palma, 1999), abriga atualmente uma expressiva classe média.
Esta mudança de eixo, com significativos efeitos simbólicos que redefinindo em termos
bourdiesianos os sentidos do lugar projetou a Barra da Tijuca como novo eixo urbano
de deslocamento intra-metropolitana de segmentos da classe média carioca, e não
seria exagerado assegurarmos, também da sua elite. Em função da polissemia do
conceito elite, eu fiz a opção pela categoria das novas classes médias que consegue
explicar os deslocamentos que certos segmentos sociais fizeram em direção à Barra da
Tijuca, e ao se instalarem no bairro passaram a perfilar suas identidades em ambientes
de trocas de valores fortemente determinado pelas práticas de consumo.51
51 Para uma discussão sobre elites na cidade do Rio de Janeiro ver a tese de Luiz Henrique Lemos “Posição social, consumo e espaço urbano – um estudo sobre a dinâmica sócio-espacial nas áreas nobres do Rio de Janeiro”. IPPUR, 2008.
112
Figura 3 – Barra da Tijuca nos anos oitenta. A morfologia mais próxima da atual, distanciando-se de
outras épocas. A título de contraste, vejamos uma seqüência de fotos da Barra da Tijuca nos anos setenta.
Fonte: Internet
Figura 4 - Viaduto de entrada para a Barra da Tijuca. Foto de 1972. Fonte: Internet
113
Figura 5 - Podemos ver à direita a Avenida das Américas e à esquerda o início da Avenida Lúcio Costa,
atualmente avenida Sernambetiba. Predomínio de casas e prédios baixos, em nítido contraste com a hegemonia dos grandes condomínios verticais atuais. Foto de 1977.
Fonte: Internet
Nas últimas décadas poucos bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro
aparecem com tanto destaque, principalmente na mídia, como a Barra da Tijuca. Em
torno desta divulgação têm aparecido algumas imagens com a pretensão de cobrir todo
o conjunto de hábitos e expectativas dos moradores e da população em geral, que
ainda numa relação passageira, acabam desenvolvendo vínculos com o bairro. Neste
caso o morador da Barra da Tijuca seria um “emergente“ que seduzido pelas
oportunidades oferecidas pelo “novo eldorado urbano” procura encastelar-se nas “ilhas
de segurança” da nova “Miami carioca”.
Estas imagens não devem ser desprezadas, já que a sua existência é fruto da
elaboração de determinados agentes a partir da recorrência hegemônica de modos de
vida. No entanto, muitas vezes elas simplificam em demasia toda a problemática
espacial do bairro, seja porque enfatizam apenas uma das dimensões dos usos que
têm sido feitos dos seus espaços, como são comuns nos recortes publicitários -
114
arquitetônicos, ou porque camuflam pela via da divulgação de caricaturas urbanas
interesses políticos e sociais segregadores.
Os desafios urbanos suscitados pelo “fenômeno” Barra da Tijuca têm orientado
reflexões acadêmicas de várias orientações. Neste conjunto de trabalhos vários
enfoques podem ser percebidos, dentre eles a preocupação com a privatização dos
espaços públicos presentes em estudos da área de arquitetura, seja pela identificação
da situação contemporânea (Poppe, Tângara e Eppinghaus, 2003; Bienenstein, 2002)
ou se referindo ao atual contexto urbano como desdobramento dos projetos de
intervenções urbanas sofridas em outras épocas (Leitão e Rezende, 2004), as críticas
aos escapes urbanos (Lopes, 2000, 2008; Randolph e Lopes, 2006), a identificação de
estratégias de vendas de lugares seguros para a cidade (Possidônio e Ferraz, 2004) e
estudos que apontam as formas de violência hegemônicas no bairro (Freitas , 2003 ).
As temáticas destes trabalhos serão aproveitadas no curso da minha tese. Afinal,
estas investigações levantaram problemáticas que vêm sendo validadas pelas ações
que os diferentes agentes estudados têm implementado em territórios. Neste sentido,
os empreendedores imobiliários têm investido na construção de produtos imobiliários
comerciais ou residenciais fechados e os moradores procuram estes espaços em busca
de lazer, consumo ou moradia. Cada um destes agentes está orientando as suas
escolhas por motivos específicos, o interesse financeiro do primeiro e a proteção com
conforto do segundo. Ambos acionam, a princípio, lógicas particulares de intervenção
nos seus distintos territórios, mas no final, estas lógicas territorializadas convertem-se
em uma lógica maior concernente a todo o território representado pelo bairro.
No entanto, o meu objetivo sobre a Barra da Tijuca é identificar e compreender
as diferentes formas de socialização que têm sido praticadas pelos moradores no
interior destes condomínios fechados, e por extensão, levar ao limite esta análise ao
perceber que estas práticas, apesar de possuírem um lócus, estendem-se ao entorno
destes condomínios. Por entender que estes modos de vida desenvolvidos em
ambientes segmentados por limites territoriais possuem implicações nas escolhas
culturais e nas orientações ideológicas que contribuem para definir e legitimar uma
apropriação muito particular de sentido da cidade, eu articulo estas demandas dentro
de uma lógica de fluxos entre espaços, que no caso específico da Barra da Tijuca,
115
interliga os moradores dos condomínios como usuários de uma satisfatória infra-
estrutura interna, com determinados equipamentos urbanos disponibilizados pelo bairro.
Apesar da pretensão ideológica dos promotores urbanos (que podem ser
agrupados como aqueles que oferecerem uma contribuição direta para a especulação
urbana, como os especuladores imobiliários, e aqueles que lucram indiretamente com a
sobrevalorização imobiliária através da concessão de benefícios públicos para o
planejamento privado, no caso o Estado) divulgarem uma ideologia de condomínios
fechados, isto é, empreendimentos supostamente imunes aos perigos da vida urbana e
capazes de realizar uma vida interior quase plena, aproximando-se caricaturalmente de
um modo de vida total, esta pretensão é recorrentemente anulada pelo fato dos
moradores recorrerem aos vários setores do bairro.
Analisarei neste capítulo como os vínculos existentes entre os espaços internos
dos moradores, representados pelos condomínios fechados, com os espaços externos
que aparecem de acordo com a demanda que estiver sendo formulada no momento da
relação, estão inscritos em uma lógica de circuito urbano de aquisição e trocas de
mercadorias e serviços, aproximando-se daquilo que Castells (1999) classificou como
espaços de fluxo, ainda que o marco teórico de análise para esta situação esteja, de
forma integral, mais próxima daquilo que Lefebvre classificou como o consumo do
espaço.
Até porque, a meu ver, a definição de Castells é insuficiente para cobrir todos os
micros espaços que compõem os espaços de fluxos. Para o sociólogo francês o espaço
de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que
funcionam por meio de fluxos. Na sociedade contemporânea encontrar-se-iam uma
série de fluxos interligados, dentre os quais os fluxos de capital, de informação, de
tecnologia, de interação organizacional, de imagens, sons e símbolos. As relações
sociais, que na outrora sociedade industrial eram demarcadas pela separação do tempo
e do espaço, acontecem nos dias atuais com o ritmo de simultaneidade em que os
tempos destas relações são vivenciados com um nível de proximidade que torna o
distante próximo, e no limite, até mesmo íntimo, e o aqui converte-se no agora.
Avançando nesta reflexão poderíamos concluir que no espaço de fluxos estão
englobados em uma série de micro - espaços de trocas interligados diferenciadamente,
116
funcionando de acordo com as demandas formuladas pelos agentes que participam
destas trocas. Apesar do verniz teórico democrático esta definição supõe como
paradigma as formas de trocas nos espaços de fluxos globais, logo, afinados com os
interesses econômicos e as demandas localizadas das populações de cidades
européias, norte-americanas e asiáticas. A contribuição de Castells precisa ser
mesclada com outras leituras que incorporem novidades empíricas mais adequadas às
cadeias de trocas das economias de cidades do capitalismo periférico. Adotando uma
perspectiva de análise mais adequada à realidade das cidades de países da periferia
do capitalismo, Santos (2003) chama a atenção para a existência de dois circuitos do
sistema urbano. O autor destaca dois planos: os superiores e os inferiores. Estes
planos da escala urbana interligar-se-iam da seguinte forma
No plano inferior da escala urbana, as atividades do circuito superior geralmente agem a serviço da população (local e área de influência da cidade) e o seu tamanho é função do mercado. No plano superior, nas metrópoles nacionais, as atividades econômicas experimentam inter-relações e interdependências. Quanto mais pronunciado o nível de industrialização do país, mas as atividades econômicas das metrópoles estão sujeitas a obter autonomia, isto é, mais provável que elas se sustentem mutuamente e criem seu próprio mercado em vez de serem condicionadas pelo mercado em si.Existem, naturalmente, situações intermediárias e a tal que se torna difícil esquematizá-las. (Santos,2003, ps 128-129 ).
Antes de avançar na explicação destes espaços de troca de relações sociais e
econômicas margeadas pela lógica de reprodução do grande capital, farei uma breve
recuperação das intervenções sofridas pelo território da Barra da Tijuca que foram
decisivas para a composição de sua atual morfologia. Não estou preocupado
exclusivamente com os desdobramentos matérias do bairro, que seria o seu espaço
construído. Meu foco é refletir sobre as representações criadas pelo e em torno do
bairro, e até que ponto estas representações espelham os modos de vida de seus
moradores.
117
2.5 – A Barra de ontem para hoje.
A Barra da Tijuca atual é, em termos espaciais, o resultado acumulado e
modificado do projeto de urbanização para a baixada de Jacarepaguá idealizado e
executado no ano de 1969 conhecido como plano Lúcio Costa. Bairro que tem nos
limites naturais os maciços da Pedra Branca e da Pedra da Tijuca. A Barra da Tijuca
vem experimentando um acelerado processo de crescimento nas últimas décadas,
credenciando-na nos dias de hoje como uma área detentora de um dos maiores IDHs52
da cidade. Desde a sua concepção no Plano Lúcio Costa, um dos grandes objetivos foi
o desenvolvimento de uma intervenção urbanística planejada que pudesse integrá-la à
outras regiões da cidade, notadamente o centro e a zona sul.
Este projeto que se baseava nos princípios urbanísticos modernistas foi
idealizado e executado por Lúcio Costa a pedido do então governador Negrão de Lima.
O Plano Piloto apresenta-se então como a oportunidade que o modernismo teve de se
realizar em uma área de expansão da cidade desvencilhando-se das dificuldades
impostas em áreas já parceladas e edificadas. Para Rezende e Leitão (2004) desde a
fundação de Brasília e de parte da esplanada de Santo Antônio o modernismo já vinha
sendo criticado por uma certa rigidez funcional. Desta forma, a Barra da Tijuca aparecia
como a possibilidade de adoção de um projeto de intervenção total local marcada pelos
princípios modernistas, mas sensíveis aos contornos desta mesma localidade. Pelo
menos, é assim que os arquitetos costumam ler esta proposta.
Em linhas gerais o Plano Piloto destinava-se a contribuir com a melhoria da
qualidade de vida, a preservação do meio ambiente e o adequado ordenamento da
ocupação da região através de um zoneamento rigoroso, que definiria relações entre
determinadas frações do território e práticas sociais, acreditando que desta feita seria
corrigidos os conflitos mais comuns das cidades tradicionais. (op cit, 2003).
Passadas três décadas, foram realizadas sensíveis alterações nas metas iniciais
do plano, sugeridas pela participação cada vez maior do setor imobiliário na condução
52 Em um trabalho sobre a forma de relatório publicado pela Prefeitura do rio de Janeiro através do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos em que analisa o índice de desenvolvimento social das regiões da cidade do Rio de Janeiro, a Barra da Tijuca aparece na sexta posição , sendo superada por bairros como Lagoa, Copacabana, Botafogo, Tijuca e Vila Isabel. Como este índice se refere à região administrativa, que no caso da Barra da Tijuca é a XXIV, que incluí Recreio, Vargem Grande , Vargem Pequena e o Camorim, a presença destes bairros com muito menos recursos do que a Barra da Tijuca, e no caso do Camorim existe uma vasta área rural, “rebaixa” a sua posição entre os bairros mais desenvolvidos da cidade.
118
da modelagem do bairro e por alguns segmentos políticos da cidade, que já projetavam
para a Barra da Tijuca um futuro bastante promissor.53 Dentre as modificações mais
significativas estão a substituição dos gabaritos de 8 para 12 pavimentos, as mudanças
nos usos do solo e nas formas de parcelamento.
A nova morfologia urbana da Barra da Tijuca, que á capaz de combinar o
moderno com o pós-moderno, pode não ter atendido plenamente os ideais modernistas
de garantir para os seus moradores uma vida social autônoma e harmoniosa através da
modelagem do espaço, porém vem exercendo uma expressiva ambigüidade no que se
refere aos usos do espaço: se por um lado, os enormes conjuntos de prédios
comerciais e residenciais procuram garantir aos seus usuários e residentes a sensação
de segurança e a preservação da intimidade, pelo outro, as necessidades impostas
pelos ritmos diferenciados de trânsitos nos territórios que envolvem o segmento
formado pela mão-de-obra de lugares como os condomínios fechados ou Shoppings
Centers, ou mesmo por aqueles que estão projetando nas vitrines as suas expectativa
de inclusão na sociedade de consumo, têm provocado contatos “involuntários“ entre os
de dentro das estruturas involucradas e os transeuntes da “cidade aberta”.
Mesmo que a paisagem artificial da Barra da Tijuca exponha de forma enfática a
segregação espacial nas suas residências cada vez mais erguidas sob forte esquema
de segurança privada e isolamento visual, o seu tecido social não consegue esconder,
mas sim quando muito camuflar, a sua heterogeneidade social. Planejada de forma
diferenciada do restante da zona Oeste, em sua quase totalidade, pouquíssimo
planejada, podemos identificar componentes elitistas na Barra da Tijuca, desde sua
concepção através do Plano Lúcio Costa. Neste, o destino das residências eram as
classes médias, não os pobres do local. Não existia o interesse de povoar esta região
com a presença de diferentes classes sociais. Caso contrário, deveria aparecer no
plano a construção de uma série de atividades de trabalho e consumo que incorporasse
as diferentes formações profissionais dos seus moradores e as capacidades de serem
inseridos nas estruturas de consumo. A etapa final que consolidou esta premissa de
53 Em 1988 alguns setores da Barra da tijuca alegando o fato de que este bairro estava sendo sobrecarregado pela tributação da cidade puxou um plesbicito que buscava a sua emancipação. O resultado foi a derrota , que manteve o bairro vinculado estruturalmente à cidade, e que deve ter causado a surpresa dos defensores deste pleito. Mesmo derrotado este grupo manteve-se inflexível na sua posição de conferir a Barra da Tijuca um papel diferenciado em uma cidade que deveria ampliara os espaços de comunicação com o capital global. Não à toa, em 2007 está a frente da secretaria de esportes e turismo, e com o papel de ser um dos principais personagens dos jogos pan-americanos o senhor Eduardo Paes, um dos principais promotores deste plebiscito.
119
tentar erguer no antigo vazio urbano uma área socialmente homogênea em que
estivessem, pelo menos em tese, ausentes as contradições e conflitos de classes
presentes em outras áreas de expansão da cidade, tem a sua consagração nos anos
setenta quando o setor imobiliário toma a frente da urbanização da Barra da Tijuca,
levando inclusive Lúcio Costa a renunciar a sua função na SUDEBAR por entender que
a o ritmo da urbanização em voga iria descaracterizar o seu projeto.
Essa desarticulação de interesses, a meu ver, não elimina uma herança para a
zona oeste que, e que em menor grau já vinha prevista no Plano, qual seja, a falta de
uma política de inclusão social para a sua população pobre que levasse em
consideração os efeitos desiguais que o crescimento da Barra da Tijuca poderia
provocar nos bairros vizinhos. A pretensão de estimular um modo de vida homogêneo
parece ter deixado esta questão social em segundo plano e os seus impactos podem
ser sentidos nos dias atuais quando a Barra da Tijuca exerce uma posição de
centralidade local sobre os outros bairros, destacando-se na oferta de mão-de-obra
para a população residente nestes bairros vizinhos. 54
Ao longo dos anos o poder público vem investindo em uma estrutura urbana
muito específica para a Barra da Tijuca mantendo estreita vinculação com o capital
privado, e desta forma produzindo uma série de melhorias urbanas, como as longas
avenidas que cortam todo o bairro e o integram funcionalmente aos outros bairros da
zona oeste, calçamento e iluminação pública em tempo recorde e um aceitável sistema
de segurança pública. A título de exemplo, nos anos noventa foi construída a linha
amarela, uma longa avenida responsável pelo encurtamento da distância entre a Barra
da Tijuca e a zona norte. Por ela transita diariamente um fluxo expressivo de mão – de
– obra que trabalha no comércio local do bairro, e nos finais de semana pode desfrutar
sem maiores encargos financeiros da praia, ainda que este benefício seja
acompanhado por atitudes estigmatizadoras, já que a área da praia próxima ao ponto
final destas linhas de ônibus costuma ser “abandonada” pelos moradores do bairro.
54 Não disponho de dados precisos a respeito desta situação. Porém minha colocação vai além de meras suspeitas. Durante as entrevistas esta informação aparecia, mesmo que o morador não soubesse quantificar ao certo o número de funcionário dos seus condomínios que moravam na zona Oeste. Ademais, devido a proximidade a um setor de serviços em franca expansão, era relativamente esperado que o trabalhador de Shoppings e Condomínios Fechados residisse nas suas imediações, incidindo na favorável relação custo-benefício para o empregador.
120
Neste sentido, podemos ver que os governos da cidade e do Estado do Rio de
Janeiro preservam um velho princípio de gestão urbana: o investimento seccionado de
recursos públicos de acordo com a importância regional dos bairros da cidade.
Enquanto a Barra da Tijuca é beneficiada por obras deste vulto, incorporando-se
gradativamente a cidade através da implementação de uma malha urbana capitaneada
por setores empresariais que lucram em escala crescente com o transporte urbano,
haja visto que, há algum tempo, a Barra disponibiliza uma série de linhas de ônibus que
a interligam aos outros bairros da zona Oeste e que trazem o grosso da mão-de-obra
dos Shoppings e condomínios, nos bairros mais pobres a chegada do benefício
costuma passar pelas mãos de lideres políticos locais que barganham nos momentos
eleitorais a sua permanência como lideranças representativas junto ao aparelho do
Estado. No esteio deste movimento da economia política da cidade passaram a ser
freqüentes atitudes segregacionistas de segmentos da população residente no bairro e
claramente incomodada com a presença deste outro, o não morador da Barra da Tijuca,
que parece ser tolerado, tão somente, no exercício de sua função produtiva. Desta feita,
no tecido sócio-espacial cada vez mais fragmentado da metrópole carioca os papeis
sociais já estariam pré-fixados, existindo pouca margem de tolerância por meio de sua
elite a movimento lúdicos e expansivos de certos segmentos de classe.55
Esta centralidade da Barra da Tijuca aparece claramente no plano administrativo
da cidade. No Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (1993) elaborado por um
grupo de trabalho nomeadamente pluri-classista, mas que no fundo foi composto pelos
setores politicamente mais conservadores e interessados na inclusão da cidade do Rio
de Janeiro no circuito das cidades globais56, a Barra da Tijuca aparecia com os
seguintes aspectos positivos: praças com altas taxas de uso, densidade populacional
baixa, elevadas taxas de sobrevivência, que em termos mais convencionais poderia ser
entendida como maior expectativa de vida, renda acima da média da cidade e muitas
55 Há uma clara divisão dos espaços da praia da Barra. O início, onde desembocam os ônibus egressos do Subúrbio é reconhecido como área dos pobres, enquanto em outros lugares mais afastados é mais comum a presença do morador local. Para ilustrar outra manifestação de preconceito, esta de forma explícita, no ano passado um grupo de garotos que moravam em um dos mais caros condomínios do bairro agrediu gratuitamente uma mulher que aguardava o seu ônibus no ponto. Presos em flagrante graças à uma rara denúncia de um taxista que fazia ponto em um posto de gasolina próximo, os jovens forma presos. No dia seguinte ao retirar o seu filho da Delegacia um dos pais do acusado reclamava da excessiva importância dada a um caso que representava uma mera brincadeira. 56 Ver a primorosa crítica feita por VAINER, Carlos. Os liberais também fazem planejamento urbano? In ARANTES, Otília, MARICATO, Ermínia e VAINER, Carlos (Orgs). A cidade do pensamento único – desmanchando consensos. Rio de Janeiro : Vozes, 2002.
121
áreas livres por habitantes. De acordo com este documento a Barra tem vocação para o
comércio, residência, lazer, turismo, gastronomia e até o braço mais recente da
preservação ambiental que mistura uma difusa militância ambiental com respeito ao
meio ambiente classificada como ecoturismo. Nestes termos a Barra poderia ser a
própria síntese da nova cidade.57
Estas qualidades, por sua vez, nem sempre confirmam o mundo vivido, já que
são poucas as praças efetivamente habitadas neste bairro que tem sido marcado pela
pouca freqüência de sua população as suas áreas abertas. A exceção a esta regra é,
provavelmente, a praia. A baixa densidade populacional apontada como outra virtude,já
que sobrariam espaços par que a população residente vivesse em maior harmonia com
o seu entorno deve ser alvo de críticas, e aqui faço coro as críticas formuladas por uma
corrente de pesquisadores urbanos conhecida como novo urbanismo, que aponta em
trabalhos como o de Jacobs (2000) os perigos que os espaços pouco ocupados podem
representar para a cidade.
Se estas baixas densidades ocorressem em áreas pobres haveria o risco de
num curto horizonte temporal ocorrerem práticas de delinqüência, e no caso de áreas
mais nobres, como é o caso da Barra da Tijuca, poderia ocorrer o tédio da ausência de
contatos entre os diferentes, retirando a capacidade criativa em potencial do seu
espaço público. Esta conseqüência empobreceria as expectativas que repousam sobre
o modo de vida urbano que deve ser marcado pelo imprevisível e o estímulo à
diversidade, e na medida em que os espaços de encontram resumem-se às compras e
as interações nas áreas internas dos condomínios caminha-se para a hegemonia dos
espaços privados sustentados por comportamentos individualistas apoiados no medo e
na desconfiança.
A baixa densidade dos condomínios e dos espaços de convívio da Barra da
Tijuca comprometem a esperada interação face a face (Goffman, 1998) fundamental ao
ser realizada não apenas entre os participantes diretos da relação de troca, mas
também pelos expectadores que contribuem à distância para a formação dos valores
morais que sustentam estes mesmos vínculos. As entrevistas realizadas para esta tese,
57 Menção a idéia de que a Barra da Tijuca representa uma área de “expansão natural da cidade” conforme estabelece o documento.
122
analisadas no capítulo seguinte, demonstram uma freqüência muito intermitente dos
moradores ás áreas de lazer dos seus condomínios.
Malgrado as variáveis que determinam as interações dentro dos condomínios,
como faixa etária e poder aquisitivo dos moradores dos condomínios, nos espaços
internos dos condomínios podem ser vistas secções entre os seus moradores, onde
determinados grupos vão se constituindo de acordo com a incorporação de códigos de
pertencimento distribuídos pelo grupo de filiação. Ou seja, há divisões entre grupos
sociais dentro dos condomínios, e esta diversidade de vínculos nos autoriza a afirmar
que os microcosmos dos condomínios fechados são heterogêneos, mesmo que
predomine dentro destes condomínios determinados segmentos sociais, nitidamente,
àqueles integrantes das classes médias.
Em meio a esta diversidade existem fatores coercitivos atuando sobre os
moradores, criando uma moralidade baseada na definição do uso de certos códigos de
conduta. Em algumas entrevistas pude perceber que os moradores prezam pelo
respeito a determinadas fronteiras internas que demarcam os limites de separação
entre o íntimo, pessoal e o comum. Ao mesmo tempo em que permitem o contato com
os seus vizinhos, se encontram e se cumprimentam nas áreas sociais dos condomínios,
estes mesmo moradores reivindicam um distanciamento relativo de outros grupos com
os quais não mantém maiores intimidades, e principalmente, com os funcionários dos
setores de serviços dos condomínios, já que muitas vezes, estes moradores ignoram as
suas existências.
Direcionando este olhar para uma escala mais ampla, pode-se dizer que
algumas premissas de socialização nos grandes conglomerados urbanos sugerem a
redução dos espaços públicos em prol da ampliação dos espaços privados, como se
estes fossem mais adequados ao desenvolvimento das individualidades. O crescimento
dos condomínios fechados vai nesta direção. Sem querer incorrer em um juízo de valor,
nada é mais equivocado, do ponto de vista da formação da personalidade individual do
que esta suposição. Afinal de contas, determinadas idiossincrasias dos espaços
públicos, como a diversidade, a imprevisibilidade e a inevitabilidade dos contatos
podem atuar de forma positiva na construção de perspectivas individuais que se nutrem
de padrões morais e sociais de convivência. Neste sentido, unidades (escolhas feitas
123
por cada pessoa) envolvem-se com a totalidade sem perder as suas particularidades,
evitando a sua auto-alienação.
Levado a uma perspectiva extrema, o espaço público é o lugar onde o projeto de
afirmação da individualidade é garantido pela coexistência de várias individualidades
que convivem em uma totalidade de indivíduos em relações recíprocas. Indivíduos que
seriam sujeitos da história, isto é, donos, ou pelo menos condutores de suas trajetórias
baseadas em escolhas e necessidades. Entretanto, ampliarei esta reflexão mais
adiante, incluindo uma crítica a um certo entusiasmo saudosista as antigas formas do
espaço público que estariam sendo removidas pelas formações mais contemporâneas,
como se esta remoção significasse a substituição imediata de uma antiga ordem
democrática social por uma ordem social tirânica.
Vários estudos na área de urbanismo têm se debruçado sobre a contraposição
da predominância dos espaços privados sobre os espaços públicos. Adotam uma
orientação analítica que pressupõe a falência das perspectivas mais democráticas de
vidas nas grandes cidades em função da derrocada do espaço público. Sendo mais
cauteloso do que o entusiasmo demonstrado por estas reflexões, meus apontamentos
sobre a diminuição dos espaços públicos vão ao encontro de algumas observações
presentes no trabalho de Rodrigo Hansen (2000) para quem autores como Caldeira
(2000), Davis (1990) e Sennett (1997; 1999) contrastam a cidade atual com um passado mítico,
localizado em algum momento da época moderna na qual as características próprias do espaço
público – multiplicidade de usos e encontro social – não só se eram percebidas como estavam
em constante desenvolvimento. Este discurso é próprio dos urbanistas pós-modernos, que
idealizam conservadoramente o espaço público da modernidade e questionam os recintos
propriamente pós-modernos, qualificando-nos de “pseudo” ou “pos públicos”. Estou de acordo com o autor quando ele considera que esta utopia distintiva
convocada por estes pesquisadores inventa uma tradição de espaços de encontro e
convivência. Historicamente, em todas as cidades capitalistas que passaram por
processo radicais de modificação dos seus espaços urbanos, como é o caso do Rio de
Janeiro, apareceram espaços, a priori comuns, mas na prática revelavam-se sob o
controle de determinados grupos. Recuando para a história do Rio de Janeiro no início
do século XX, as obras de ampliação do centro da cidade que precipitaram o
alargamento das ruas estavam vinculadas à adequação do centro da cidade como
124
entreposto comercial e sede da moral e dos costumes de uma elite que embarcara para
a capital e se incomodava com determinados hábitos, até então cultivados nas ruas da
cidade.
Neste sentido, a legislação urbana carioca revelou uma ambigüidade no seu
enunciado, ao explicitar a proibição da prática de certas formas de comércio popular,
consideradas aviltantes aos olhos sensíveis da aristocracia local, ao mesmo tempo em
que se baseava no princípio da administração racional do espaço de cunho burguês.
Neste espaço antropofágico, em termos ideais, o homem deveria circular de forma livre,
sem maiores impedimentos morais. Entretanto, verificou-se que o universalismo que se
pretendia adotar era o do homem burguês voltado para o comércio de produtos
estrangeiros e combatente das “irracionalidades” vigentes, como determinados traços
aristocráticos e escravistas que “teimavam” em atrasar o ingresso do Rio de Janeiro na
civilização moderna. A progressiva implementação desta lógica sempre enfrentou
“resistências” promovidas por grupos cujos hábitos eram sinais claros que de a
organização do espaço em questão atendia a preceitos exclusivistas de determinados
segmentos de classe e deixava claro que o espaço é um ambiente marcado por
conflitos e tensões.
Logo, o nascimento do espaço urbano carioca embute uma perspectiva
segregadora de usos do espaço, determinando o lugar das classes sociais em seus
respectivos territórios. Nas décadas seguintes o que é possível perceber na
consolidação dos espaços públicos da cidade é que este é um lugar de disputa,
perfilado pelos grupos que sobre ele exercem autoridade. Esta autoridade foi mediada
por exigências morais, econômicas e culturais e jurídicas.
No passado, especificamente no início do século XX, estas exigências foram
formuladas pela Reforma Passos que representou a primeira iniciativa de
transformação capitalista da cidade, tendo o centro como palco destas alterações. Com
a pretensão de integrar a cidade do Rio de Janeiro no circuito internacional do capital,
já que o Brasil vinha sendo beneficiado pelo crescimento do comércio exportador que
gerava um sensível acúmulo de capitais, foram adotadas na administração Pereira
Passos (1902- 1906) obras de grande vulto que não só modificaram a forma urbana da
125
cidade como também introduziram princípios de ordem urbana que deixaram raízes
profundas na sociedade carioca.
Em termo materiais Passos reurbanizou várias ruas do centro da cidade,
redefinindo o seu traçado urbano que a partir de agora devia acompanhar o
crescimento do comércio na cidade e a presença de novos meios de transportes como
os bondes. Junto a esta reurbanização deveriam ser adotadas medidas higiênicas,
como a demolição dos cortiços que haviam sobrevivido as reformas anteriores,
relegando para os anais da história as habitações populares coloniais. Afinal de contas,
os pobres já haviam sido classificados como um problema para a ordem urbana, e a
erradicação de alguns dos seus hábitos, ou pelo menos, o afastamento para bem longe
do centro moderno, promoveria a cidade ao status de símbolo de um de um Novo Brasil
(op. Cit, p.60).
No conjunto das obras realizadas destacam-se o embelezamento da Praça XV,
do Largo Machado, do Passeio Público e da Praça Tiradentes. A arborização atingiu os
bairros de Botafogo, Laranjeiras e tijuca, definindo aí a centralidade que estas áreas
viriam a adquirir ao longo da história da cidade, e a canalização dos rios carioca (que
deu nome a cidade por desembocar no cruzamento das ruas Paissandu e Barão do
Flamengo e ali se encontrar a “casa do branco”), que atravessa Laranjeiras e o
Flamengo, e o Maracanã. Por fim, com o auxílio do governo federal, na época tendo na
presidência Rodriguez Alves, com quem Pereira Passos mantinha estreita relações, foi
reformado o porto do Rio de Janeiro e abertas as Avenidas Pereira Passos e Francisco
Bicalho.
Segundo Abreu (2006) a reforma Passos foi importante em termos referencias
porque representou o claro exemplo de que momentos de organização social
determinam novas funções á cidade, é o primeiro exemplo de intervenção direta do
poder político sobre o espaço urbano, e a meu ver, o traço mais importante para os
contornos analíticos deste trabalho, deixa claro que as tentativas de resolução de
contradições sociais anteriores, na verdade, podem determinar contradições sociais nos
períodos seguintes. Ou seja, o modelo pioneiro de urbanização capitalista da cidade
destinada a afastar as classes sociais dentro do território gerou uma sociedade
estratificada que só foi crescendo ao longo da história. O caso da Barra da Tijuca, longe
126
de negar esta dinâmica, flexiona um pouco o seu modelo, já que o seu “projeto”
vitorioso encampado pelos empresários no final dos anos setenta, visava seccionar
esta região de outras áreas nobres da cidade, definindo assim uma descontinuidade de
hábitos, principalmente os de consumo, e em termos espaciais a distância em relação
ao centro da cidade, sempre uma região eixo, é bem maior do que o das outras áreas
nobres mais tradicionais em relação a este mesmo centro. Visava-se um certo
isolamento. Entretanto, o tempo e as pesquisas revelaram que este isolamento é
relativo. Voltando a especificidade dos espaços da Barra da Tijuca, estes chamam a
atenção por estimularem comportamentos individualistas ligados ao consumo de bens e
serviços. As residências padrão do bairro são os condomínios fechados, onde se
exalta um modo de vida enclausurado, de forte conotação individualista, embora em
torno deles exista uma intensa propaganda de divulgação destes ambientes como
áreas de recuperação de modos de vida mais integradas, numa ilusória referência a um
comunitarismo reiventado.Nos seus entornos imediatos vemos os Shopping Centers e
os Supermercados por onde circulam milhares de pessoas em busca produtos e lazer e
a macro – avenidas que exacerbam um dos traços mais marcantes do bairro, que é o
uso do automóvel.58
Este individualismo acopla-se perfeitamente ao medo urbano. Se é inegável que
a cidade do Rio de Janeiro aumentou sensivelmente os índices de violências nas
últimas décadas, em boa parte devido ao agravamento da desigualdade social que tem
produzido uma verdadeira geração de jovens sem perspectivas no mercado de trabalho
formal e adultos que vem o seu rendimento diminuindo ano a ano, junto a este fato
social vemos o estabelecimento de um sentimento de medo generalizado na cidade.
Percebemos que o medo tem cumprido um papel central na definição das
escolhas que os indivíduos passaram a fazer pautadas por diagnósticos de riscos
urbanos previamente realizados. Da mesma forma, este medo não atinge as classes
sociais da mesma forma, e há uma retórica hegemônica do medo que traduz de forma
caricatural as ameaças sentidas por segmentos que atuam de maneira privilegiada na
formulação de um imaginário urbano. 58 Estipula-se que na Barra da Tijuca o número de veículos por residência supere a média norte-americana, considerada a maior frota de veículos privados do mundo.
127
Entretanto, esta análise será feita no capítulo seguinte. Por hora basta a
constatação de que através de meios de comunicação, de estratégias publicitárias e
das experiências cotidianas dos moradores em seus itinerários idiossincráticos na
metrópole carioca, vem sendo fomentada uma sensação de insegurança generalizada,
convertendo-se em ideologias preservacionistas de classe, que em termos empíricos
estimula modalidades de confinamento residencial. Passemos a análise dos impactos
segregacionistas provocados pelo crescimento da Barra da Tijuca na cidade no Rio de
Janeiro, enfatizando uma das contradições trazida pelo desenvolvimento deste bairro: o
fato de que a busca por um modelo racional de crescimento urbano para uma área até
então praticamente virgem visando eliminar os equívocos dos modelos de intervenção
urbano, outrora adotados em outras partes da cidade, acabou revelando toda a sua
pretensão ahistórica ao desconhecer uma das maiores lições da história da cidade do
Rio de Janeiro, o fato de que as contradições tendem a se reproduzir ao longo do
tempo. Neste sentido, a Barra da Tijuca vem colaborando para a ampliação da
segregação urbana na cidade, e as contradições que aparecem na sua morfologia
social ilustram a inserção estrutural deste bairro no conjunto da cidade.
2.6 – O escapismo das elites e a redução da maioridade territorial.
Para Lopes (2008) uma das faces da fragmentação do tecido sóciopolítico –
espacial59, é a formação de enclaves territoriais auto – segregados das elites cariocas,
59As Metrópoles brasileiras vêm passando nos últimos anos por um processo de modificação de suas infra-estruturas
sócio – espaciais, ligados, entre outros fatores, as alterações nas formas de gestão e a esgarçamento do sue tecido sócio -
espacial. Vários estudiosos (Caldeira, 2000; Ribeiro, 2005; Lopes, 2000 e 2008) apontam para o fato de que, independentemente
das razões geradoras das problemáticas espaciais estão em curso problemas que são comuns as nossas metrópoles. As
metrópoles ilustrariam situações de segmentação social que refletem a fragmentação sócio-espacial dos seus territórios. Esta uma
problemática legítima que nos últimos anos vem ocupando espaço crescente na literatura de estudos urbanos, na medida em que
apontaria os processo de ocupação desigual das populações dentro de território específicos separadas de acordo com a menor ou
menor detenção de bem indispensáveis a vida coletiva. O crescimento em importância da Barra da Tijuca dentro da nova lógica de
expansão da Metrópole, pode estar indicando o reforço da fragmentação sócio-espacial do território carioca. Entretanto, na
ausência de dados sistemáticos que me permitam apontar empiricamente os efeitos que outras áreas da cidade tem sofrido em
função do crescimento deste bairro, apontando, inclusive, para uma nova centralidade urbana local, esta situação a fragmentação é
apenas indicada. Em trabalhos futuros pretendo explicar o alinhamento desigual da cidade, focando na Barra da Tijuca. Porém, já
dispomos de pistas teóricos que podem nos levar ao objetivo pretendido. O conceito de segregação residencial para Ribeiro (op. cit)
128
que em termos residências são os seus condomínios fechados, e em menor grau, os
Shoppings Centers. Segundo o próprio autor, o segundo não se enquadraria
perfeitamente na condição de um enclave porque as suas barreiras são de fácil
transposição, ainda que permaneçam controles mais sutis sobre quem não se enquadra
no modelo padrão de freqüentador esperado. Os Shoppings seriam o equivalente a um
confinamento residual e passageiro de uma população, que por sua vez, almeja
consumir com segurança.
Já nos condomínios exclusivos, ou na feliz expressão de Caldeira (2000), os
enclaves fortificados, o confinamento é evidente. Os Enclaves fortificados começaram a
surgir no Brasil nos anos setenta com a construção do modelo Alphaville em São Paulo.
A sua concepção acompanha uma tendência da população de alto poder aquisitivo, que
insatisfeitas com problemas urbanos como barulhos provocados pelo movimento
frenético de pessoas, longos engarrafamentos e o crescimento da violência, pretende
se instalar em residências onde tais fatores possam, idealisticamente, serem
eliminados.
Esta migração intra – metropolitana , segundo Caldeira , começa a modificar o
padrão de segregação residencial da Metrópole paulistana, já que o setor imobiliário
que ficou responsável pela oferta deste padrão de vida, renovado, quase bucólico, foi
em busca de terrenos mais afastados dos meios urbanos, que encontravam-se
“disponíveis” para o “investimento“ deste segmento do grande capital. Estes estoques
de terra urbanos, em termos espaciais, estavam na vizinhança de áreas periféricas. O
resultado é que São Paulo começaria a vivenciar a tensa relação, já presente em
Metrópoles como o Rio de Janeiro, de proximidade territorial com distância social.
Para Lopes sob a influência do medo e do sentimento de insegurança que se
dissemina, morar em casas isoladas e mesmo em prédios de apartamentos que não
é muito operativo ao definir, em termos gerais, segregação residencial como a separação e exclusão de determinados grupos
sociais no conjunto da sociedade, situações nas quais ocorre ausência de relações que vinculem esses grupos com o conjunto
social. Em uma situação de segregação existem barreiras que impedem que determinados grupos da sociedade, inscritos em
classes ou em quaisquer outras formas de filiação social, desloquem-se com a intenção de estabelecer relações com outros grupos
em outros territórios da cidade, ainda que tias contatos sejam passageiros. Este quadro encontra-se descrito nas relações sociais
dos moradores de condomínios fechados, analisadas no capítulo quatro.
.
129
estejam protegidos por um aparato de segurança de um verdadeiro “condomínio
exclusivo” vai se configurando como uma opção cada vez menos atraente em favor de
um tipo de habitat representada por uma gated comunity. O autor entende, que por
conseqüência a organização da cidade inteira vai se modificando. Este comportamento
de procura por ambientes protegidos que possam garantir ao morador um mínimo de
isolamento das tensões e conflitos, tratados como particulares aos espaços públicos,
representa em suas palavras um escapismo das elites.
As elites sempre procuraram se diferenciar de outros grupos sociais. Edmund
Burke se horrorizava diante dos atos dos revolucionários franceses, que ao se
insurgirem violentamente contra a ordem vigente, atacando as suas instituições, e não
raro, ceifando a vida dos seus representantes, acabavam com tradições consolidadas
em séculos de história. No seu argumento, Burke procurava fundamentar as bases da
sociedade francesa no imperativo da força histórica, logo no tradicionalismo de
instituições que garantiam a sua perenidade na premissa da tradição. A sua fala e
prática, afinal de contas Burke, foi parlamentar, expressava a necessidade de preservar
instituições que salvaguardassem a necessária distância social entre as classes, não
apenas no campo político, já que se apresentava um cenário de clara ruptura com a
ordem monárquica, mas também no campo dos costumes, quando o cidadão comum,
convertido em ser universal passava a questionar a atribuição de papéis sociais
previamente concebidos.
As elites costumam manter uma relação ambígua com os seus tempos históricos.
Este grupo precisa se distanciar do modos vivendi padrão de sua época, decodificando
os códigos deste padrão predominante ao seu favor. No campo político apareceu uma
reflexão, que de forma muito generalizada, pode ser classificada, como a teoria das
elites. Segundo a teoria das elites, nas democracias a necessidade de representação
política feita através da seleção de eleitos designados para o exercício de cargos de
representação corre o risco de afastá-los dos seus representados quando estes
representantes começarem a desfrutar de um aparato institucional que os isole de
qualquer forma de pressão coletiva. São os famosos comportamentos de insulamento
dirigente, tão comuns na classe política brasileira, que em qualquer nível de
representação, se auto-proclama representante que atua e discursa em favor de uma
130
coletividade, como se esta lhe tivesse conferido carta branca para a uma desenfreada
tomada de decisões.
O campo político, ao contrário do que possa parecer, está muito próximo do
campo dos costumes, já que as práticas políticas no Brasil refletem, de forma
codificada, uma série de valores em forma de hábitos socialmente significativos. A
sociedade brasileira, com toda a imprecisão que este termo sugere, estaria
invertidamente representada nos seus foros oficiais de poder. E como apenas os
vencedores merecem as batatas, ilustrada na impecável imagem de Schuwarts (1982),
as nossas elites colaboram para a inversão da ordem em defesa de ordenações sociais
que preservam o status quo e a distância social.
È neste sentido que eu entendo a observação de Lopes de que os
comportamentos escapistas atingem o conjunto da sociedade. Na verdade, as suas
premissas já estão difusamente distribuídas no tecido social composto pela convivência
tensa entre classes que disputam posições no território da cidade. Nesta guerra de
posições, os despossuídos de bens simbólicos e materiais socialmente requisitados,
como a segurança, estão nas mãos de segmentos que se impõem pelo uso explícito da
força, como é o caso das milícias na “outra Zona Oeste” formada pelos seus bairros
“menos promissores“. Já nos enclaves fortificados o uso deliberado da força
representada no aparato de segurança privada registra um nível de autonomia
impensável nos enclaves territoriais pobres. 60
Para Lopes (2008) os condomínios fechados são uma solução escapista que
procuram resolver os problemas de insegurança de famílias de classe média, muitas
vezes classes médias altas, sem atacar os fundamentos da insegurança originados nos
espaços públicos da cidade. Estas soluções privadas escondem um problema de forma
intencional, porque ao tentarem resolvê-lo dentro de limites territoriais residenciais,
limitam a interferências das instituições do Estado no cotidiano dos seus moradores, 60 Em recente reportagem dominical do Jornal O Globo, saiu como matéria de capa uma informação que incomodava pela sua a priori impossibilidade: a existência de milícias em bairros nobres da cidade. Nesta reportagem, moradores de Botafogo, Copacabana e Laranjeiras falavam sobre a presença de propostas de segurança privada que circulavam em cartas, que ofereciam este serviço, ainda identificava, o seu preço e até o comércio local já começava a contratar seguranças privadas, não cadastradas, para evitar assaltos. Em Laranjeiras, na semana seguinte à denúncia, foram deslocados efetivos policias que passaram, desde então a fazer o policiamento regular do bairro, e as propostas de segurança privada desapareceram. Enquanto isto nas favelas da zona oeste moto táxis funcionam a todo o vapor, botijões de gás são oferecidos para a população por preços módicos e algumas vezes os telefones celulares “deixam de funcionar”, ilustrando um típico cenário de uma cidade apartada, onde nas áreas mais pobre estão o espaço público é traduzido pelo abandono e o uso da força, enquanto nas áreas mais nobres o espaço público é diminuído por interesses exclusivistas dos seus moradores ou requisitado ou fiscalizado pela vigilância pública, quando ele se encontrado ameaçado por grupos de pressão indesejados.
131
modificando assim os usos mais esperados dos espaços públicos. È por isto que o
autor identifica na permanência destas práticas a possibilidade de serem produzidos
déficits significativos de comportamentos civilizatórios. O confinamento dificulta, quando
não impede, a formação de práticas democráticas na cidade. A ausência de diálogos
entre os diferentes grupos em razão do bloqueio de canais de comunicação de
natureza pública, como por exemplo as vias laterais aos condomínios indevidamente
privatizadas, modifica o sentido destes espaços.61 Este caso revela, dentro de uma
espacialidade, uma crise societária que
[...] corresponde a fragilização dos processos de socialização e, portanto, de orientações institucionais relacionadas à tessitura das interações sociais, ao compartilhamento de valores e , inclusive, ao uso dos mesmo códigos na comunicação diária. Apesar da relevância destes processos, os seus ângulos mais dolorosos tendem a permanecer ocultos pelo ativismo estimulado pela efervescência consumista. Esta efervescência, que altera o ritmo das grandes cidades, decorre da financeirzação da economia urbana, da monetarização de todas as relações sociais e da ênfase, quase exclusiva, em intervenções de materialidade que objetivam o embelezamento de áreas privilegiadas e aa circulação confortável para somente alguns segmentos da população. (Ribeiro, 2008, p.3).
O trânsito destes grupos, observado dentro das bolhas de segurança
apresentados por Ceccato (1997) em que o deslocamento de uma determinada parcela
da população ocorre entre vias seguras que protegem os seus transeuntes através do
uso de seguranças que envolvem homens armados e carros blindados, configuram, em
termos parciais, os espaços de fluxos Castelianos. Vê-se nestes deslocamentos a
interconexão dos vários fluxos destacados por Castels. A título de exemplo observemos
a seguinte situação, bastante comum entre alguns moradores da Barra da Tijuca. Um
adolescente, morador de um grande condomínio, sai da sua casa em rumo à escola
dentro de um carro com seguranças. No seu trajeto a preocupação com a segurança é
fundamental, já que este deslocamento é feito dentro de um espaço público. Ao chegar
à escola este estudante não teve nenhum contato com a rua, sequer visual. Terminada
61 Na minha pesquisa de campo uma das moradoras que eu entrevistei, residente no condomínio Barramares, um dos mais prestigiados da Barra da Tijuca, me relatou um conflito muito comum no bairro. Existe uma rua lateral ao condomínio que permite o acesso ao Canal de Marapendi, que é utilizado pelos moradores que usam a balsa para chegar aos seus condomínios. Incomodados com esta “ invasão de terreno “ os moradores do Barramares, através de sua associação, tentaram na justiça o impedimento deste uso. Como não foram bem sucedidos em seu pleito, afinal de contas, ao contrário do imaginário dos seus moradores, uma rua, ainda que vizinha a um condomínio é pública, o condomínio Barramares construiu uma cerca nos seus limites legais, como se quisessem passar a mensagem de que haviam perdido uma batalha, e não a guerra. Nota-se neste caso que o bloqueio do diálogo á ainda mais grave, já que se dá entre os “iguais”.
132
a sua aula ele até poderá sair sozinho, desde que a sua escolta, seja ela quem for, seja
liberada pela autorização dos seus pais. Há casos em que esta “escolta” é feita pelos
pais ou outros parentes. O seu destino será, provavelmente, a casa de amigos, em
geral, outro condomínio provido de toda e estrutura de segurança requerida por quem
tem um elevado padrão de vida, um Shopping Center, isto é, outra área fechada, ou um
clube. Neste caso, o controle pode ser mais ameno, mas ele não deixa de existir. Esta
situação hipotética, porém verossímil, retrata a rotina de vários estudantes de classe
média alta da Barra.
Na minha pesquisa de campo um dos entrevistados admitiu que os adolescentes
da Barra da Tijuca são despreparados para viverem sozinhos no bairro. Sem o auxílio
de pessoas mais velhas, eles teriam uma enorme dificuldade de executarem tarefas
corriqueiras, como irem à escola e atravessarem a rua, que são, na verdade, avenidas
de alta velocidade. Esta situação é ainda mais grave quando se amplia a escala do
deslocamento, ou seja, a necessidade destes adolescentes terem que ir para bairros
mais “distantes”, na sua maioria os bairros da zona sul, em casos mais específicos o
centro da cidade. Estes pais entrevistados têm a clareza de que foi criada uma geração
confinada as fronteiras do bairro, e que a superação destas barreiras, sejam elas
naturais ou artificiais, representa um verdadeiro ritual de passagem.
Estes comportamentos confinantes em condomínios fechados, Shoppings ou
Clubes também contribuem para um déficit de civilidade. Estes jovens convencidos, e
muitas vezes amedrontados pelos seus pais, de que tudo de que eles precisam
encontra-se no seu bairro recebem uma equivocada noção de totalidade. As suas
atitudes tenderam a se adequar ao sistema de pertença que estrutura de forma
inequívoca os seus vínculos, neste caso, muito articulado com espacialidades
fechadas. Esta juventude constrói a sua identidade dentro do território. Este fato, a
priori, não traria nenhuma novidade sociológica, já que o território sempre exerceu um
papel decisivo na elaboração dos códigos de pertencimento. No entanto, neste caso, a
sua novidade é a proclamação feita por esta faixa etária, ainda que inconsciente, da
auto-suficiência deste território confeccionado nas relações de medo. È um contexto em
que o bairro vira cidade e a cidade vira não lugar, levando ao extremo da análise aqui a
133
categoria cunhada por Marc Auge (2003) que explica o caráter efêmero dos espaços do
hipercapitalismo.
Estas relações serão estudas com mais profundidade no quarto capítulo. Por
hora, importante é destacar que este comportamento confinado não é exclusivo dos
mais jovens. No último capítulo eu farei uma breve distinção entre as atitudes dos
moradores de condomínios fechados frente ao confinamento espacial, já que em
algumas entrevistas aparecem diferentes expectativas de outras faixas etárias em
relação às oportunidades de lazer e socialização disponibilizados pelas áreas internas
dos condomínios.
Os jovens representam neste ambiente sócio-cultural um segmento
particularmente vinculado aos diversos setores do bairro (lazer, estudo e consumo) que
de acordo com as suas preferências formulam suas representações. Estas
representações são o resultado da combinação da educação recebida dentro de suas
casas, sob a influência direta dos seus pais, com as pedagogias fornecidas pelos
territórios em que eles transitam. Em suas trajetórias estas vias são bem nítidas, já que
em famílias de classe média a participação dos pais na educação dos filhos costuma
ser mais decisiva do que em famílias mais pobres, independentemente do saldo
civilizatório desta relação. Na casa e nestes territórios são comuns os discursos da
ameaça lá fora, do perigo das ruas, e ao mesmo tempo, alguns destes jovens são
criados com uma margem de liberdade em que os limites necessários para a
convivência com os outros em lugares públicos ou semi-privados encontram-se
ausentes. Não é incomum que a ausência de limites se reflita em práticas violentas
cometidas por jovens de classe média, protagonizadas em boates, bares e no trânsito.
Estas atitudes podem ser compreendidas dentro dos marcos do consumo, já que
este vem ocupando cada vez mais espaço dentre as maiores preocupações de
afirmação identitária entre jovens de classe média. Às vezes, a procura por esta
afirmação se vale de meios hostis, e um lugar em que esta hostilidade tem se mostrado
presente, na maior parte do tempo de maneira sutil, é no mercado de consumo. Assim
sendo, o, digamos, lado negro do consumo, convertido em consumismo, tem sido
apontado como um dos promotores, ainda que indiretos, das novas formas de
criminalidade urbana. Segundo Freire Costa
134
Custa a crer, igualmente, que o aumento da criminalidade urbana se deva apenas ao apetite irracional dos mais pobres por superficialidades que não podem comprar. A meu ver, a criminalidade urbana, em primeiro lugar, é resultado óbvio, da miséria material degradante, e em segundo lugar, de um estilo de vida no qual sociabilidade e moralidade se tornaram adversárias (Freire Costa, 2004, p.175, grifos meus).
Para Costa, não há uma relação de causalidade direta entre consumo e violência
urbana. O que existe é o estímulo à procura de bens que possam assegurar uma
posição social mais confortável na sociedade de consumo para aqueles que chegarem
com uma certa “antecedência”. Os beneficiados são indivíduos que já entraram nesta
disputa munidos de recursos distribuídos irregularmente, de acordo com a sua posição
social na hierarquia de classes. Como esta posição tem pouquíssima relação com os
valores democráticos de respeito ao outro a tendência é que este sujeito oriente a
conquista dos bens por ele almejados numa relação de força. Assim, no vandalismo
urbano, como as brigas em portas de boates tão comuns no dia a dia de alguns jovens
da Barra da Tijuca, nada estaria a salvo do vandalismo e da predação, porque nada ou
ninguém é digno da reverência devida à autoridade, isto é, as pessoas ou instituições
que corporificam o melhor de todos nós. (Costa, 2004). O consumo, transformado em
ritual de passagem, oferece assim a sua face mais desumana.
Veremos na análise dos espaços de fluxo da Barra da Tijuca como o
individualismo funciona como um vetor privilegiado de socialização. A estética
individualista expressa nos seus condomínios, protetores da privacidade dos seus
residentes, e o uso compulsivo do automóvel, meio consagrado de deslocamento
dentro do bairro, são dois aplicativos de uma ideologia difundida em escala global de
que o indivíduo é o único responsável pela tomada das suas decisões. Esta pretensão
cria, em termos marxianos, uma falsa consciência sobre si próprios, e contribuiu de
forma decisiva para a erosão, da já tão frágil, socialização das metrópoles do
capitalismo financeiro.
Uma última questão que apareceu regularmente nas reportagens e nas
entrevistas que eu realizei com moradores dos condomínios fechados foi o sentimento
de medo, que justificou na grande maioria dos casos investigados, este escapismo, ou
melhor, o deslocamento territorial de segmentos das classes médias cariocas em
135
buscas de áreas que não os índices de violência que geram o seu sentimento de
insegurança. O desenvolvimento de um sentimento generalizado de medo na cidade do Rio de
Janeiro tem orientado as diferentes classes sociais a adotarem estratégias defensivas
que se adéqüem as suas possibilidades materiais e aos códigos particulares de
pertença ou exclusão relativa da cidade. O objetivo de se imunizarem ao máximo das
ameaças urbanas, no entanto, é comum a todas. A Barra da Tijuca, como bairro que
abriga uma das classes médias mais representativas da cidade apresenta-se como
caso paradigmático, já que desde a sua concepção no final dos anos 60 previa-se uma
ocupação ordenada e racional do território respeitando modelos de edificação
assépticos que pudessem evitar as indesejadas aglomerações urbanas. Esta
concepção urbana higienista atualizada de medo aos pobres, que se não são mais
aqueles que no início do século XX ocupavam as áreas nobres da cidade, notadamente
o centro, com seus costumes ignóbeis e pouco civilizados, pelo menos para os padrões
que viriam a construir a visão da cidade da época pela elite carioca, não deixam de
preocupar a sua nova elite, que após ter perdido a batalha da pureza espacial na orla
que foi ocupada por uma diversidade social que fugia as pretensões de se montar uma
morfologia urbana homogênea, procura acionar ferramentas que possam salvaguardar
a sua individualidade.
Para alguns pesquisadores o medo tem sido difundido com a intenção de incitar
a formulação de um imaginário de horror a personagens urbanos estigmatizados, que
devido a nossa formação histórica, residem na vizinhança das classes mais abastadas.
Estas estratégias discursivas muito bem manipuladas pelos agentes que detêm o
monopólio da imagem e da fala (políticos, empresários urbanos e meios de
comunicação), por vezes, aparecem na forma de políticas públicas voltadas a
neutralização das massas urbanas (Malaguti, 2003), que nos dias atuais tem sido vista
nas ações policiais em áreas pobres. No entanto, no outro extremo da pirâmide social
(Ribeiro, 2005; Lopes, 2008) são manufaturados discursos de inclusão e exclusão
social. Estas falas são legitimadas pela situação de insegurança generalizada
manifestada por segmentos em posição de uma suposta vulnerabilidade urbana.
136
Digo suposta, porque ao se tratar de uma classe média que mora e consome em
um bairro de relevante poder aquisitivo, é bem provável que um público midiatizado
pelo bombardeio diário de venda de estilos de vida, convertidas em práticas de
consumo coletivo, sustentadas pelas oportunidades de consumo, filie-se a suspeita de
que as classes sociais mais abonadas aquelas potencialmente mais atingidas pela
violência urbana. Esta tese só tem sentido em ambientes sociais em que a volúpia pelo
consumo filtra as oportunidades de participação cidadã. Neste contexto, a grande
ameaça à cidadania seria a apropriação indevida do bem alheio.
Não estou desconsiderando os perigos presentes na criminalidade violenta em
curso na cidade do Rio de Janeiro, já que há vários casos de assaltos seguidos de
morte, que em alguns casos é motivado pela busca de bens descartáveis, como
celulares e automóveis. Procuro problematizar a perigosa associação existente entre o
direito ao consumo e do direito á vida. Subordinar a garantia de um conjunto de direitos
que são vitais para as escolhas que estão na base uma socialização minimamente
democrática é reduzir o direito à vida as premissas da acumulação material de bens,
sejam eles duráveis ou escassos.
Outro grave erro contido em reportagens realizadas pelos meios de
comunicação, para ficarmos aqui em veículo de grande participação na formulação do
imaginário coletivo, é que ao vulgarizar a problemática da violência urbana ele
desconsidera o fato de que há casos em que a procura pelo bairro é uma decisão
voluntária, logo, os seus moradores dispõem de um nível de autonomia que lhes
permitiria, por exemplo, morar em outro lugar. Expressões de forte impacto como
“cidade ingovernada”, “caos urbanos”, ainda que inadequadas, estariam muito mais
próximos da realidade de territórios marcados pela pobreza e práticas de violência em
que a vida está seriamente ameaçada. Esta freqüência não faz parte do dia a dia da
Barra da Tijuca. No caso dos moradores de áreas nobres, como é a Barra da Tijuca, as
suas decisões são tomadas dentro de uma lógica de antecipações de ganhos urbanos
e as suas possíveis perdas correlatas. Não á toa, prevalece neste bairro a segurança
privada de condomínios fechados.
A prerrogativa da vida em ambientes fechados como Shoppings e condomínios
Fechados, porque neles estriam presentes as condições idéias da segurança, é reflexo
137
das mais recentes narrativas individualistas de construção da identidade social. O medo
daquilo que possa escapar do seu campo de visão tem motivado os indivíduos a
procurarem por lugares urbanos de circulação restrita e fortemente vigiada como um
refúgio daqueles que podem fazer as suas escolhas sem o incômodo do imprevisto,
típico de situações onde o referido controle sobre os movimentos encontrar-se – ia
ausente. Daí a clara opção feita pelo morador da Barra da Tijuca pelos lugares
confinados. Um dos correlatos morais desta antipatia pelo público, que em casos limites
possa sugerir uma rejeição à cidade tradicional, é a generalização entre os moradores
de um sentimento de medo e a conclusão hegemônica entre eles de que a solução para
os males públicos está nos recursos privados.
Para Bauman este medo que não para de crescer é resultado das inseguranças
trazidas pela modernidade líquida, onde relações outrora duradouras foram por
agrupamento sociais, seja em escala macro ou micro, mais perecíveis. Os indivíduos,
sejam lá quais forem os seus agrupamentos sociais, são levadas a tomarem decisões
de acordo com a velocidade em que as mudanças ocorrem, velocidades estas que
podem comprometer as decisões tomadas em tempos inadequados. Como os grupos
são organizados sem o mesmo nível de “competência decisória“, as angústias advindas
da velocidade das escolhas sugeridas serão diferentes. O medo na metrópole pode ser
comum á todos, mas as suas percepções são bastante diferentes, pois dependem de
fatores muito diversos, envolvendo tanto formulações estritamente pessoais quanto a
influência coercitiva exercida pelos territórios.
O discurso do medo urbano dispõe de vários canais para a sua promoção.
Veremos a partir de agora como este sentimento tem se renovado na cidade do Rio de
Janeiro, e como a sua potencialização tem sido explorada pela divulgação de um
determinado conteúdo jornalístico. Este meio, apesar de não ser o mais consumido
para aqueles que buscam informações sobre o cotidiano, já tendo sido superado há
algum tempo em audiência pela televisão, e mais recentemente por mídias mais
modernas como a Internet, ainda desfruta de alguma credibilidade em regiões da
cidade que predomina um determinado perfil de renda. Este é o caso da Barra da
Tijuca, bairro das novas classes médias cariocas, onde ainda é possível perceber um
consumo expressivo de jornais de grande circulação.
138
Perceberemos que apesar de ser um tema recorrente, daí a sua ênfase já
anunciada nesta seção, a violência não é o único assunto coberto por este noticiário
jornalístico. Nele são apresentados os costumes que estão em voga nas relações de
interação dos moradores entre si nos territórios da Barra da Tijuca, permitindo-nos
extrair as intencionalidades que subjazem estas dinâmicas e os valores que orientam
as escolhas destes moradores.
139
CAPÍTULO 3 - Representação e Realidade – a vida em condomínios fechados da Barra da Tijuca através do noticiário da grande imprensa.
3.1 - O papel da imprensa na construção de um imaginário urbano segregacionista.
Em uma cidade como o Rio de Janeiro, marcada nos últimos anos pelo
crescente sentimento de insegurança percebida de forma diferenciada pelos distintos
segmentos de classe, os meios de comunicação, de uma forma geral, e a imprensa
escrita de maneira particular, passam a ter uma enorme responsabilidade com a
produção de imagens e textos que, com expressiva freqüência, tendem a reforçar este
sentimento. Até porque, é bem provável que para uma quantidade expressiva de
pessoas a cidade seja vista como a personificação das imagens e dos textos que estão
expostos ao seu leitor, o cidadão que desta forma passa a enxergar o lugar onde vive.
Um dos possíveis efeitos deste processo de socialização imagética é a maximização do
seu conteúdo convertido em mensagens transformadas em verdades62. A imprensa, ou
melhor, a empresa jornalística, parece fundamentar a produção da informação através
de uma espécie de pré-separação de conteúdos, associando o lugar ao assunto que
será abordado. Esta é uma lógica que aparece com freqüência crescente no noticiário
sobre a cidade, ainda mais quando a cidade em foco é uma Metrópole como o Rio de
Janeiro. Neste sentido, suspeitamos que a cidade é parcelada na divulgação do
noticiário e que esta fragmentação pode estar indicando a consagração de um
imaginário segregado sobre a mesma.
A presença da grande imprensa é um constante no cotidiano das grandes
cidades. Reconhecida no senso comum como tradutora da realidade ao revelar, pela
descrição ou visualização, os acontecimentos mais relevantes do dia a dia, nos últimos
anos a sua articulação com o real vem sendo potencializada pelo investimento
empresarial dos grupos de controle dos meios de comunicação que vêm criando
mundos possíveis dentro de uma lógica de divulgação de imagens na qual o mundo a
62 Apesar de não compartilhar de muitas das reflexões feitas por Barthes no seu livro Mitologias encontra-se um verdadeiro achado para a decodificação do discurso capitalista através dos signos embutidas nas mercadorias de consumo. O jornal como vendedor de produtos pode gerar alguns destes sinais.
140
ser divulgado obedece a uma lógica de mercantilização da informação, que em linhas
gerais, poderia ser entendido como mercantilização da própria vida. Ao serem
divulgadas, as notícias obedecem ao interesse capitalista em revelar a realidade de
forma segmentada, ou como afirmou Guy Debord, convertendo a realidade em
espetáculo (Debord, 2002).
Como afirma Maria Isabel Szpacenkopf (2003), a mídia, de uma forma geral,
oferece um campo nada desprezível no que diz respeito a rápida e maciça circulação
de modelos identitários e de formas de comportamentos que influenciam , em alguma
medida, a existência de cada um. Considerando o período em quem vivemos como
aquele onde as identidades tendem a ser formatadas e desformatadas com a
velocidade da imposição e o descarte de determinadas modas comportamentais
oferecidas pelos discursos dos segmentos formadores de opinião como a mídia, a
notícia parece estar se transformando em uma poderosa notificação do real
corroborada pela adesão crescente de um público leitor que assume, direta ou
indiretamente, afinidades com determinadas visões de mundo. Mesmo que o objeto de
análise da autora seja a televisão, a sua mensagem pode ser destinada a imprensa
escrita, que é foco desta passagem, já que este veículo também se dedica a criação de
mundos possíveis, cujo aparecimento pode não figurar com a mesma velocidade da
vida televisiva, mas ainda assim o seu conteúdo pode ser decodificado pelo
reconhecimento da instrumentalização de mensagens cifradas pelo texto jornalístico.
Tendo em vista que o conteúdo das reportagens selecionadas de um suplemento
jornalístico de um jornal de grande circulação nacional procura cobrir o maior número
possível de situações do cotidiano dos moradores da Barra da Tijuca o meu objetivo
neste capítulo é revelar as mensagens implícitas contidas nestas matérias, chamando a
atenção para o fato de que este material jornalístico sugere uma certa perplexidade
diante de fatos, a princípio, pouco prováveis em um bairro de classe média alta. Esta
surpresa, camuflada pela pretensa isenção jornalística, deve, a meu ver, ser
desconstruída com vistas a revelar as possíveis fundamentações sociais deste material,
deslocando o lugar de onde se produz a informação, e com isto apresentando o veículo
de imprensa como órgão vinculado a um conjunto de interesses ideológicos e
econômicos.
141
O outro personagem que confere sentido a esta engrenagem é o leitor deste
semanário, que na condição de morador do bairro pode encontrar neste noticiário
indicativos ou traduções integrais de hábitos e formas de socialização em curso no
bairro. Espera-se, por parte da lógica ideológica embutida no texto jornalístico, que
nestes casos haja uma interface entre os episódios narrados e os conteúdos desta
narrativa correspondida pelas apreciações positivas do leitor/morador. Nesta relação o
morador pode ser capaz de apreender o bairro em múltiplas dimensões, identificando
as arenas de organização da vida dos moradores do bairro através de um noticiário que
cobre temas tão diversos como os movimentos de ajuda humanitária criados por
moradores de condomínios fechados para ajudar populações carentes e a presença no
tráfico de droga em condomínio de luxo. Tendo em vista estes personagens e suas
respectivas expressões na produção do material jornalístico que cobre a Barra da Tijuca
investigaremos até que ponto é possível identificar nesta cobertura jornalística um
tratamento diferenciado, e geralmente, positivo, por parte da grande imprensa, dando a
Barra da Tijuca a condição, ainda que implícita, de um bairro de exceção.
Neste sentido, a empresa da informação exerce enorme responsabilidade sobre
as representações que orientam os modos de vida possíveis aos homens instalados em
suas respectivas localizações sócio-territoriais63. Responsável pela criação de
representações de mundos possíveis, a imprensa cumpriria um papel na formação de
um imaginário capitalista que reconhece as relações sociais como coisas. Esta
coisificação das relações, que no fundo é a objetivação dos indivíduos, entendendo por
objetivação a transformação dos homens em mercadorias, se apresenta como uma
nova forma de alienação, agora no contexto de uma sociedade de consumo.
(Baudrillard, 1996).
E é no campo dos valores que este debate, a meu ver, mostra toda a sua
fertilidade. O elemento que constituí a matéria jornalística, a sua matéria é um produto
construído a partir de um fato social (Durkheim, 1983), logo, um evento dotado de
valores. Estes valores orientam as ações intencionais dos seus atores numa relação
interessada com relação aos fins, como diria Weber (1982). Estes acontecimentos,
convertido em fatos sociais, perdem a sua naturalidade, pois este movimento não é 63 Uma abordagem original desta situação está nas análises feitas por Guatari (1986 ) sobre o papel dos meios de comunicação, ao apresentar o embate que transcorre na atualidade entre identidade e subjetividade.
142
espontâneo, mas sim induzido pelas lógicas que preenchem os territórios da matéria de
sentido.
Neste movimento me parece que os valores que organizam as intenções e os
subseqüentes comportamentos destes grupos ficam mais evidentes ao serem
objetivados por um aparato de produção de mensagens ligadas ao real imediato. È
neste momento que eu enxergo na imprensa esta função de intermediária entre
mundos, o mundo privado dos interesses imediatos, e o mundo coletivo das
necessidades sociais. Esta intermediação está longe de ser isenta, afinal de contas, ao
escalar os assuntos que serão abordados também se define o seu tratamento. O
próprio movimento traduzido pela intervenção jornalística, deslocando a temática do
plano imediato para o coletivo sinaliza a sua interferência.
A grande imprensa analisada nesta passagem está de posse de um discurso
supostamente baseado num saber preciso da realidade, um tipo de saber elaborado
pelas técnicas de investigação da realidade executadas por profissionais que dentro
desta lógica encontrar-se-iam afastados das questões sociais, éticas ou morais do seu
objeto em questão. Esta concepção liberal, que a grande imprensa ainda se esforça em
tornar o seu paradigma de investigação, no fundo encobre uma das facetas mais
distintivas da chamada grande imprensa, qual seja, a de que as informações obtidas
estão sustentar-se-ão em um discurso de verdade, mantido por uma estratégia
subliminar de poder baseado em um saber específico. Não à toa, os meios de
comunicação já há algum tempo tem sido nomeados como o quarto poder.
A lógica de consumo da informação coaduna-se com a lógica do consumo
descartável das mercadorias mergulhadas em um registro contraditório: tanto a
informação quanto os produtos que precisam ser consumidas o mais rápido possível,
pois logo já serão descartados, são simultaneamente definidores de personalidades
extensivas, que superem a mesma imediaticidade do seu consumo, pelo menos até
serem substituídas por outras. Em termos empíricos, os conteúdos veiculados pela
imprensa modificam-se de um dia para o outro, entretanto, a mensagem que se quer
passar deve permanecer por um tempo que seja, no mínimo, suficiente para que esta
seja alçada a um determinado imaginário coletivo que consagra preocupações que se
143
alongam no cotidiano da cidade. Afinal de contas, no circuito de produção e consumo
dos produtos efêmeros exigem-se relações duráveis. (Bauman, 2006).
Por fim, apostamos que através de uma investigação sociológica do texto
jornalístico, e da empresa jornalística de uma forma geral como vemos sustentando
nesta passagem, possamos identificar movimentos intencionais de alienação da
realidade acionados por segmentos de classe que procuram parcelar esta realidade em
dimensões válidas, logo desejáveis, e dispensáveis, entenda-se ilegítimas. Esta
alienação vem se manifestando através das práticas produzidas por grupos instalados
territorialidades setorializadas que ao defenderem valores muito específicos parecem
sugerir a idealização de mundos à parte da coletividade onde os indivíduos encontram-
se envolvidos. Esta alienação, entendida como fuga em direção a ambientes
socialmente assépticos, isto é, imune às ameaças da vida real, por vezes são reveladas
como dramas nas reportagens investigadas. È neste sentido que o maior objetivo desta
passagem da tese é identificar as possíveis representações sobre cidade que podem
ser extraídas de um texto jornalístico que se propõem a traduzir os modos de vida dos
moradores da Barra da Tijuca a partir de situações singulares.
3.2 - Metodologia adotada.
O material separado para análise neste capítulo foi retirado em sua maioria do
suplemento jornalístico do jornal O Globo que trata somente da Barra da Tijuca. Além
dele busquei analisar reportagens publicadas em outras passagens do jornal. Esta
escolha obedeceu a dois critérios: examinar no suplemento sobre a Barra da Tijuca
uma determinada freqüência de temas que pudessem indicar particularidades do bairro.
Como por exemplo, se até que ponto o tipo de violência praticado no bairro o aproxima
ou distancia desta prática em outros bairros da cidade. Articulei esta preocupação com
o segundo critério de seleção das matérias que foi extrair de passagens não específicas
sobre a Barra da Tijuca um olhar que se projeta sobre este bairro, neste caso imerso
em um contexto maior que o envolve que é a cidade do Rio de Janeiro.
144
A separação deste material representou uma novidade na minha formação de
sociólogo que até então não tinha se deparada com qualquer análise sistemática da
imprensa. Para enfrentar esta limitação eu procurei respeitar uma tradição de trabalhos
que desvelaram os signos implícitos da notícia jornalística, discutindo teoricamente esta
abordagem tal como apareceu no marco teórico que baliza este capítulo, e mesmo
quando não me aprofundei em metodologias consagradas sobre o tema, como no caso
dos estudos semiológicos de Roland Barthes. Sendo assim, busquei superar este
obstáculo inicial antes que este se convertesse em um obstáculo epistemológico, como
diria Bachelard, definindo uma abordagem estritamente sociológica.
Procurei sustentar a minha reflexão em textos que pudessem auxiliar na
revelação das representações coletivas extraídas destas reportagens, identificando
nelas elementos ideológicos que ilustrem uma situação social que costuma ser deixada
em segundo plano. Pretendi nas minhas análises desmontar a faceta de neutralidade
social que a grande imprensa costuma defender. Acredito que através deste exercício,
volta a frisar, feito por um neófito nesta seara, possa ter desvelado uma espécie de real
ocultado. Este movimento, que Lefebvre, representava a desvelamento do conhecido
no desconhecido, não como revelação da coisa em si, no seu sentido oculto, ou
metafísico, e sim na apreensão real na totalidade das coisas, de forma não
fragmentada, ao meu ver pode se reproduzida logicamente na tentativa de apresentar o
conteúdo das entrevistas como o resultado da articulação de várias dimensões, até
então tratadas como coisas em si. Sintetizando, acredito ser mais rico percebermos que
a imprensa procura fragmentar a realidade ao noticiar as suas reportagens, quando na
verdade, cada matéria pontual tem a sua mensagem, que abordei sobre a forma de
valores, articulada com um conjunto maior de questões da cidade, e não apenas do
bairro onde estas matérias têm o seu epicentro.
As reportagens analisadas foram retiradas do Jornal O Globo no período que vai
de Outubro de 2003 a Outubro de 2007. A escolha pelo jornal foi condicionada por uma
série de motivos: primeiro pelo prestígio que ele possui, pois sem dúvida, é um dos
mais destacados veículos da grande imprensa brasileira fazendo parte de um grupo
empresarial responsável pela renovação da manufaturação e veiculação da notícia da
imprensa moderna; segundo por ser um diário carioca, e ainda que suas matérias
145
cubram todo o território nacional, o noticiário sobre a cidade do Rio de Janeiro aparece
com destaque; terceiro, pelo fato deste jornal dispor de cadernos semanais, destacados
em dias específicos da semana, que tratam dos assuntos de determinados bairros. O
caderno sobre a Barra da Tijuca, de onde saíram várias reportagens analisadas, é
publicado aos domingos, e apesar de ser distribuído apenas na Barra da Tijuca é lido
no dia em que tradicionalmente os jornais costumam ser mais lidos.
Este segundo aspecto poderia parecer irrelevante, entretanto, percebemos neste
jornal ao longo dos últimos anos uma clara preocupação com acontecimentos pontuais
que atingem segmentos da classe média residentes em áreas de expansão urbana.
Neste caso é recorrente o olhar sobre os episódios ocorridos em Condomínios fechados
da Barra da Tijuca. A quantidade de assuntos cobertos por estas reportagens dá o tom
de sua complexidade. Nestas reportagens, assuntos que até pareceriam estranhos aos
condomínios fechados tornaram-se recorrentes aos seus cotidianos.
Neste cenário a grande imprensa é analisada como um ator central na estratégia
de formulação de discursos sobre o meio urbano. Entendo ser indispensável o exame
do espaço social onde ela interfere, direta e indiretamente, ao colaborar para a
montagem de representações sobre a realidade da cidade. O olhar que eu empreendi
procurou desvelar o olhar que a imprensa costuma ter sobre os espaços da cidade, em
geral por ela abordados como formações segmentadas ou descontínuas, quando na
verdade, tais espacialidades são frutos de tensões e conflitos que traduzem as filiações
de todos os seus grupos integrantes. Nas espacialidades detentora de maiores capitais
de participação na cidade as falas dos integrantes tendem a repercutir com muito mais
ressonância do que em lugares cujos canais de comunicação já parecem ter pré-
modulado as expectativas dos seus moradores.64
Responsivas a este princípio, as reportagens selecionadas revelaram as
seguintes questões: violência (assalto a residência, tráfico de drogas, agressões entre
vizinhos) disputas legais, venda imobiliária, preocupações com o meio ambiente, ações
64 Faço menção as diferenças de tratamento dado pela imprensa nas áreas pobres e mais ricas da cidade. Enquanto nas primeiras vemos uma recorrência de temáticas sustentada na tríade pobreza – violência – ausência de direitos, nas segundas os noticiários costumam ser mais amplos, abordando assuntos tão diversos como violência, entretenimento e novos arranjos coletivos, por exemplo. Esta distinção, ao meu ver, sustentada por apriores moralistas não traduzem uma ordem social bipolar, do tipo, morro e asfalto. A complexidade social da cidade é muito ampla para separar a pobreza e a riquezas em áreas estanques, como quis fazer crer o já tão citado “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura. Os território da pobreza e da riqueza estão distribuídos em um tipo de ordenamento espacial que combina princípio a aparentemente contraditórios, já que de um lado temos elementos altamente hierarquizados, como a renda, e do outro fatores difusos, como a oferta de produtos da sociedade de consumo.
146
de solidariedade. Às vezes estes temas aparecem combinados dentro de uma mesma
reportagem, e nestes casos a análises devem incorporar esta dupla dimensão, ainda
que uma delas acabe se sobressaindo.
Das setenta e nove reportagens que eu obtive na pesquisa trinta e sete tratavam
diretamente de fatos violentos que aconteceram no bairro. Os episódios cobertos pela
reportagem tratavam de casos como assaltos, seqüestros, latrocínio, violência
doméstica, tráfico de drogas dentro dos condomínios e irregularidades de
funcionamento da segurança privada.
O predomínio desta temática reflete uma concepção disseminada sobre o bairro
como uma unidade espacial onde os seus moradores pontuam suas relações pela
preocupação com a segurança. Esta premissa, que também foi verificada nas
entrevistas, alimenta a formação de valores de pertencimento que atuam diretamente
na formação das subjetividades sobre o território, e anuncia assim, a identidade social
do seu morador, vis a vis, a sua diversidade dentro do próprio território. Passemos
então a análise pormenorizada das matérias agrupadas em conteúdos temáticos
tornando mais objetivo a freqüência com que determinados temas aparecem nas
reportagens.
3.3 - Vulnerabilidade em fortalezas.
Na matéria de 23 de Outubro de 2003 foi destacada a surpresa com o fato de na
classe média alta carioca estarem em curso casos de tráfico de drogas em bairros da
zona sul carioca e em condomínio fechados da Barra da Tijuca. Bem criados em alguns
casos com nível superior de recebendo mesadas, estes garotos inexplicavelmente
optaram pelo mundo do crime. Na verdade, esta opção não é uma distorção da
realidade nem constituí um caso de anomia que para Durkheim acontecia quando
determinados comportamentos fugiam das normas estabelecidas e que atuavam
coercitivamente sobre os indivíduos.
Em um modelo de sociedade como este se espera que os papéis estipulados
para os atores sociais sejam cumpridos, sem o desvio da norma. Nas sociedades
147
contemporâneas as formas de conflitos são outras, e por isto, requerem um exame
menos previsível dos seus fundamentos. Apesar da expectativa da imprensa serem
positivistas, a dinâmica das relações humanas não a corrobora.
O fenômeno de drogas aciona uma rede de interlocutores composta por
personagens instalados em diferentes localidades. Neste caso, os setores responsáveis
pela investigação falam sobre a substituição das esticas, antigas modalidades de
distribuição da droga dentro dos condomínios onde alguém levava a droga de fora para
dentro, pelo tráfico local, onde a mercadoria é busca fora dos domínios do condomínio,
porém passam a existir responsáveis internos pelo seu controle e distribuição.
O comércio é feito sob a forma de Delivery, entrega a domicílio, e desta forma a
polícia A polícia acredita que o tráfico no asfalto, especialmente na Barra, já atenda a
40% da demanda dos condomínios do bairro. Quando a "boca-de-fumo" não está
instalada no condomínio, segundo o jornal o usuário tem ao seu alcance um serviço de
entrega domiciliar, o delivery da droga, controlado de um apartamento qualquer na
Zona Sul. Pelo telefone, o interessado faz o pedido. Um motoqueiro faz a entrega. Para
Marina Magessi, chefe de coordenadoria de inteligência da polícia civil, as esticas têm
diminuído por causa da violência nas favelas que assusta os seus usuários, e com isto
o tráfico tem crescido dentro dos apartamentos de luxo, no asfalto e nos condomínios
da Barra da Tijuca. A violência nas favelas tem incentivado uma nova modalidade de
investimento urbano.
Dada a complexidade da sua engrenagem o fenômeno do tráfico de drogas em
condomínios pode ser tratado como uma extensão das relações de compra e venda da
droga, acrescida por uma nova territorialidade. As favelas deixam de ser os lugares por
excelência da distribuição das drogas, e os condomínios vem sendo incorporados ao
sistema de distribuição de drogas do varejo. Os condomínios passam a cumprir um
papel relativamente parecido com as favelas, com a diferença que o padrão de
visibilidade e aplicação da violência ai dentro é bem diferente. Ainda são mantidos os
vínculos com as favelas que fornecem drogas e a mão-de-obra volátil do tráfico que
morre na mesma proporção que a droga circula.
Em matéria de 3/02/2005 que destaca a prisão de traficantes de classe média na
Barra da Tijuca, a polícia conseguiu desarticular uma quadrilha composta por jovens
148
moradores de condomínios fechados que em dois condomínios do bairro estavam de
posse de haxixe e ecstasy, drogas típicas da classe média alta. As drogas chegavam
ao Brasil em carros dois importados, um Audi A4 e uma Variant, e foram trazidos por
um criminoso chamado espanhol. Ou seja, o comércio das drogas no bairro está
diretamente incorporado pelo comércio internacional.
Estas reportagens assustam os moradores da Barra da Tijuca que passam a
receber quase todos os dias informações sobre comportamentos que contrastam com
os modos de vida por eles tão defendidos, e que é motivo de orgulho para muitos, e,
provavelmente, surpreendem muitos moradores de outros bairros que começam a ser
informados sobre episódios que até então, seriam restritos á áreas menos nobre da
cidade. A possível incompatibilidade levantada por diagnósticos subjetivos e até
mesmos oficiais, devem-se em boa parte a consagração de tipificações construídas por
setores chamados de formadores de opinião.
Nestes segmentos, onde se incluí a imprensa, as regiões da cidade são
apresentadas como lugares caracterizados por determinadas relações predominantes.
Assim, nos morros que outrora abrigavam o samba carioca, vêm sendo verificados nas
últimas décadas o crescimento da pobreza e a consolidação do tráfico de drogas. Os
subúrbios, ainda pobres e precários, segunda uma tradição do pensamento intelectual,
ainda que bem intencionada, pode neste contexto enfrentar as suas dificuldades com
criatividade e capacidade de reinventar tradições que diluam o novo no antigo de forma
positiva, operando uma espécie de inversão das características negativas da
globalização (Lessa, 2000).
Ou seja, para os pobres, o mundo está dividido entre a inevitabilidade da
degradação ou a redenção pela fusão de elementos díspares, ainda que esta fusão
seja pouco corroborada pelos dados da realidade. Aos segmentos mais ricos da cidade,
as suas imagens ficam próximas da poesia urbana expressa em movimentos musicais
como a Bossa Nova, filha de Ipanema, bairro da rica boemia carioca, que fundiu ritmos
nobres e populares e vendeu uma imagem positiva de nação. Ou pelo passado mítico
representado pela Copacabana da prosa ficcional de alguns divulgadores. No caso da
Barra da Tijuca, a única imagem que teria sentido é a caricatura do seu emergente, um
personagem cuja existência é atribuída menos a auto-referência dos seus detentores
149
do que a conseqüência de um escárnio feito por uma elite insatisfeita com uma co-
presença menos nobre.
Os territórios da cidade e os seus personagens passam a ser vistos dentro de
um quadro semântico polarizado, onde para alguns existe a vantagem da auto-
construção da imagem auxiliada pela capacidade de mobilidade social e espacial, que
no caso, pertence às classes mais altas, enquanto para os mais vulneráveis , a auto-
definição é limitada, e a afirmação de sua identidade é dificultada pela despossessão
de alguns capitais simbólicos. Ou seja, nas metrópoles globalizadas, a uns é dada a
velocidade enquanto a grande maioria permanece presa aos seus territórios de origem.
Os noticiários que apontam as novas formas de violência da Barra da Tijuca
anunciam as contradições que estão em curso nos seus espaços. Nos condomínios
fechados onde residem segmentos de classe representativos do homem móvel da
sociedade contemporânea, velhas formas de criminalidade estão em curso, ainda que
atualizadas pela venda e o consumo de novas drogas. A inversão de papéis, onde a
classe média alta passa a traficar dentro da própria casa, estigmatizando residências de
alto poder aquisitivo, longe de negar à sociedade a capacidade de mobilidade social
destes segmentos de classe, acaba afirmando-o, já que estes personagens são
comerciantes de uma clientela especializada com quem mantém estreitos laços de
afinidade social. O traficante mauricinho, como rotulou a imprensa, muitas vezes
freqüentou no passado o mesmo ambiente dos seus clientes, como a escola, e logo,
poderia ser o seu amigo. Nesta leitura, entraria a variável da amizade para amenizar o
caráter negativo do tráfico e até mesmo vestir o traficante com uma roupagem moral
ligado mais ao desajuste pessoal, um possível sinal de rebeldia, do que a prática de
uma atividade criminosa no seu sentido mais tradicional.
Mesmo reconhecendo a rede de relações criadas em torno da droga e imprensa
é muito moralista na hora de fazer os relatos de casos. Na reportagem de 16/05/2005
X, morador de 21 anos que atualmente mora no Recreio, mas foi criado na Barra da
Tijuca, conta que dentro dos condomínios existem uma vasta oferta de drogas como
maconha, cocaína e ecstasy, e que tais drogas podem ser obtidas nos morros, embora
como aparece em outras reportagens a aquisição já seja permitida na localidade. Y, 37
anos, morador do Nova Ipanema, um dos mais tradicionais condomínios fechados da
150
Barra da Tijuca, diz que já fez pós-graduação, mestrado, tem bons empregos, e que se
tornou dependente, e como a reportagem indica , por influência dos amigos.
As matérias dão a entender que o consumo de drogas será resolvido através da
ação conjunta da família, grupos de ajuda e escolas. Um exemplo ilustrativo é do
Colégio Veiga de Almeida, que possui uma unidade dentro do novo Leblon, e através
de sua orientadora educacional chama a atenção para a necessidade de se dar limites
as jovens que, a princípio fazem tudo que querem. Daí a informação ser o caminho
para prevenção.
A orientadora educacional índica que um dos pontos chaves do consumo de
drogas que é a ausência de controle dos seus consumidores. Sem querer fazer aqui
qualquer campanha moralista, pois entendo que elas tendem a superficializar os
problemas que pretendem resolver, este tipo de descontrole é uma variável da falta de
controle típica da sociedade de consumo, onde a posse é um requisito para a inclusão
social. Logo, consumir drogas e até mesmo enveredar pelo mundo do tráfico, se torna
muito sedutor, na medida em que se afina com os símbolos de pertencimento e
prestígio da sociedade de consumo.
A identidade do jovem, principalmente o de classe média, é tradicionalmente um
período de experimentações aonde as escolhas vão sendo modificada na medida em
que outras opções mais sedutoras aparecem no horizonte. Este comportamento típico
começa a se generalizar em um conjunto da população detentora dos maiores capitais
de participação social. Faixas etárias mais elevadas passam a usufruir desta
intermitência da identidade, ainda mais no campo pessoal. Logo, a questão não se
coloca como uma incompatibilidade de certas escolhas com os modos de vida
esperados, como pretende a imprensa e outras instituições como a escola e a família.
O mais indicado, do ponto de vista analítico, é que a chegada do tráfico de
drogas nos setores da classe média alta seja o resultado da inserção de jovens na
sociedade de consumo, que também incluí dimensões violentas, e de que as condições
para a promoção deste meio ambiente estão colocados por relações do cotidiano, como
a concorrência e o individualismo, logo, fatores que, apenas a pouco tempo,
começaram ser considerados nos estudos sobre comportamento humano, mais
voltados ao campo da psicologia do que da Sociologia.
151
Um componente importante revelado pelas reportagens é que a presença do
traficante mauricinho não alterou a sua distância simbólica em relação ao traficante de
drogas tradicional morador de favela. Enquanto, por exemplo, nas operações de
combate a repressão ao tráfico de drogas nas favelas cariocas é orientada por uma
lógica de ocupação militar que freqüentemente ceifa a vida de vários inocentes, o
mesmo procedimento não é percebido nas intervenções da polícia nos condomínios
fechados.
Na reportagem de 16/05/2005 que aborda a mudança do perfil do traficante
aparecem depoimentos que indicam a necessidade de adoção de políticas
compartilhadas de combate ao tráfico, com a participação da escola, família e a criação
de um disque - denúncias, além de um pedido formulado pela ONG Barralerta, que
apoiada por entidades como a Câmara da Barra e a Associação Comercial e Industrial
do Recreio, demandam a instalação de uma delegacia de Repressão a Entorpecentes e
um Instituto de Perícia Técnica.
Busca-se através desta ação coordenada a construção de uma estrutura de
combate ao crime formada por atores públicos e privados, visibilizando uma abordagem
moderna do problema do tráfico. Não restam dúvidas de que o prestígio do lugar é o
responsável pelo balizamento de uma política de segurança mais racional, efetiva e que
respeito os direitos dos moradores e usuários. Em nenhuma das reportagens que
trataram do tema qualquer autoridade responsável pela investigação sugeriu uma
intervenção mais incisiva dentro dos condomínios, ainda que alguns condomínios
tenham chegado a situações quase descontroláveis, como é o caso do Mandala, que
em função do consumo crescente de drogas percebeu-se uma diminuição da
freqüência em suas dependências do seu quadro de associados. Devemos lembrar que
em alguns condomínios da Barra da Tijuca funcionam clubes de lazer.
A questão das drogas nos condomínios parece revelar uma cidade que, por um
lado aproxima perversamente os extremos de sua pirâmide social ao expor sua ação
combinada no tráfico de drogas, mas por outro lado, torna claro que existem dois
Estados atuando sobre o mesmo problema. Nas áreas pobres, sem governo e sem
ordem, a saída é a intervenção violenta, ao passo que nos condomínios fechados, há
uma preocupação com a manutenção do sigilo dos acusadores, a abertura de
152
inquéritos e a cautela com a integridade física dos moradores. Parece estar em curso a
presença de ordens privadas nos extremos da sociedade carioca. Nas áreas pobres
como as favelas, o tráfico de drogas e as milícias vêm ampliando seus espaços e, ao
que parece, justifica a intensificação da ação policial violenta, enquanto nos
condomínios fechados o combate ao tráfico abre espaços para ação de uma polícia do
Estado de Direito, ou delega-se tal tarefa á segurança privada. A imprensa, por sua vez,
insiste em suavizar um dos lados problema, deixando de fazer as devidas acusações à
segurança privada.
Para ilustrar esta dicotomia, na reportagem de 16/06/2005 o Delegado Eduardo
Baptista da Décima Sexta DP diz que “o trabalho da investigação tem que ser
cuidadoso e bem feito para que tenha os elementos que redundem em condenações
judiciais. Neste momento, já temos algumas investigações em curso”. (O globo, 2005).
Entretanto, na mesma reportagem denuncia que alguns condomínios não aguardam
pela investigação policial e passam a usar seguranças particulares atuando disfarçados
nas investigações. Esta ação ilegal e clandestina, porque descaracteriza a incursão
policial , apesar de te sido levemente denunciada pela reportagem, acrescida da crítica
balizada de um profissional, não teve desdobramentos mais negativos. O que leva a
crer que os condomínios continuam seno os únicos responsáveis pela manutenção da
ordem privada dentro dos seus domínios.
Quatorze dias depois em reportagem de 30/06 Kléber Machado, presidente da
ONG Barralerta, junto com o trigésimo primeiro batalhão do Recreio, sugerem a criação
de um curso para porteiros visando o auxílio ao combate ao tráfico. Entretanto caberia
perguntarmos até que ponto existirão garantias contra a vinculação desta iniciativa à
segurança privada, retratada pela própria polícia como ilegal e contraproducente?
Outras reportagens vão na mesma direção, seja descrevendo o procedimento do
comércio ou revelando espanto com o perfil do seu praticante, tratados como os
mauricinhos do tráfico. Esta identidade tomada de um grupo que caracteriza por
comportamentos mais conservadores, seja em suas vestimentas ou falas, é uma
reconfiguração dos antigos rebeldes sem causa, agrados pela prática de um crime
violento que ceifa por ano centenas de vítimas e personagens diretamente envolvidos.
153
Ademais, sua “rebeldia” é descaracterizada pela clara filiação do seu praticante às
regras do sistema de dominação.
A grande contradição que surgem nestas notícias é ocorrência de quadros
criminosos dentro de ambientes pautados pela proteção e invisibilização do seu
morador dos problemas que ocorrem fora dos domínios do condomínio. Daí a surpresa
de em um ambiente tão seguro e controlado, o tráfico de drogas se reproduzir de forma
quase impune. Drogas como o êxtase, típico entorpecente de consumo das classes
médias altas trazidos de países europeus como Holanda e Suécia.
Outra fragilidade destas fortalezas urbanas é revelada em algumas reportagens,
algumas com resultados quase trágicos e outras com saldos de perda material. No
primeiro o caso do assalto a uma residência de um triatleta Raul Pereira Furtado de 25
anos que foi agredido pelos assaltantes e precisou levar quinze pontos na orelha
direita. Ele e um vizinho tiveram suas casas invadidas, foram amordaçados e torturados
pelos assaltantes. A Secretaria de Segurança informa que houve um aumento de 14%
no número de assaltos á residências na Barra da Tijuca em relação ao em comparação
com os meses de setembro de 2003 e 2004. Os assaltos geralmente produzem
prejuízos materiais, mas nos últimos casos têm sido comuns agressões a moradores.
Na reportagem de 19 / 02/2005 sobre o assalto a residência do jogador de
futebol Ronaldo Nazário. Situado em um dos mais prestigiados condomínios fechados
do bairro, O Riviera del Fiori, prestígio que está sempre associado ao somatório de
conforto com segurança, o seu apartamento de cobertura foi facilmente invadido por
bandidos que levaram alguns pertences materiais, sem a presença de qualquer familiar
no domicílio.
O andamento das investigações levanta com hipótese mais provável o roubo ter
sido cometido por algum morador do próprio condomínio, ou alguém que tenha sido
auxiliado por um funcionário, já que no local não foram identificados provas que
revelassem maiores dificuldades para ingresso na residência. Esta hipótese, convertida
em fato, como outras reportagens vieram a confirmar, fragiliza o princípio da
inviolabilidade da intimidade, na sua forma mais brutal.
Ao optar por um condomínio fechado o seu morado procura pela confirmação de
um estilo de vida marcado por forte individualismo, daí ser muito comum que os laços
154
de convivência que ele constrói, muitas vezes, fiquem restritos ao seu imóvel. Daí, a
invasão do mesmo ferir este contrato de preservação da individualidade pretendida,
invasão experimentada sob a forma de crime.
Os contratos celebrados entre moradores e condomínios devem ser pautados
pela inviolabilidade da residência, caso que não representa novidade, já que este
mesmo princípio rege as relações contratuais de qualquer outro imóvel com as mesmas
características. A quebra deste princípio surpreende na medida em que é feito um largo
investimento para se proteger das ameaças localizadas fora do condomínio, para no
fim, o problema acontecer dentro dos seus próprios limites. Na tentativa de manufaturar
formas de vida que lembrem apenas de forma desfigurada as formas de interação dos
moradores nas áreas abertas da cidade, os condomínios começam a perceber que as
tensões regulares típicas das áreas abertas, como assaltos, também podem ser
acontecer dentro dos seus domínios.
As formas de violência em curso dentro destes condomínios devem ser
pensadas dentro de um quadro social amplo. Desta forma, podem ser compreendidos
os seus aspectos particulares e de que formam eles se enquadram na narrativa da
violência que tem sido muito comum nas metrópoles brasileiras. Episódios como a
invasão de domicílios na Barra da Tijuca não fatos isolados do seu entorno, ainda que a
representação que dele tem sido feita, em espaços como a mídia, procurem convencer
o público em geral do contrário.
Sem entrar em todos os elementos desta problemática que compõe a violência,
que é extensa demais para as pretensões do meu trabalho, eu acredito que algumas
ressalvas devem ser feitas, já que posicionarão o objeto urbana violência dentro de um
quadro amplo da sociedade brasileira. Tomando as reflexões de Luis Antonio Machado
da Silva65como guia para esta análise, a lógica da insegurança cotidiana das grandes
cidades só será bem compreendida se alguns componentes forem levados em
consideração. Dentre eles gostaria de destacar o fato de que as análises correntes
compreendem o agente da ação em termos de estatuto legal do seu comportamento, e
não através de suas práticas concretas e de que deve-se romper com as
65 MACHADO, Luis Antonio. Sociabilidade Violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea do Brasil urbano. In RIBEIRO, Luiz César Queiroz, Junior, Orlando (Orgs). Entre a Coesão e a Fragmentação , a Cooperação e o Conflito. Ribeiro, Luiz César Queiroz; Junior, Orlando. Rio de Janeiro : Revan , FASE, 2004.
155
representações do senso comum sobre a violência, como por exemplo, aquele de que
existe uma relação de causalidade direta entre pobreza e violência.
Esta orientação é fundamental para se romper com o mito de que a pobreza é a
única causadora da violência. É uma forte representação sustentada por vários atores
sociais, dentre eles a imprensa, que colabora para a construção das tipologias duais
para as quais eu chamei a atenção. Tipologias como pobres precários e pouco
educados e classe média mais informada e educada, empobrece os sentidos das
relações entre os segmentos de classe, e cristalizam um imaginário social que não
traduz as transições em curso na sociedade carioca, para ficarmos apenas como um
exemplo. Estas representações do senso comum podem ser percebidas entre os
moradores de condomínios fechados surpresos com episódios atípicos aos seus
ambientes.
A característica central da representação da violência urbana para o autor é
expressar uma ordem social, mais do que um conjunto de atos isolados. Logo, para
Machado a ameaça à integridade física e a segurança patrimonial que constituem o
fundamento individual e coletivo das reivindicações por mais segurança e por extensão,
críticas ao sentimento de insegurança, não provém de práticas de agentes isolados,
mas de um complexo orgânico de práticas. Dentre elas o fato de que a crise de
legitimidade que tem afetado a sociedade brasileira nas últimas décadas criou um
ambiente social propício para que narrativas de mobilidade fragmentadas dentro do
território refletissem uma ausência do reconhecimento de direitos universalmente
disponíveis para todas as classes, reforçado assim, uma lógica privatista da
sobrevivência. Os condomínios estão gerando uma ordem privada, são espaços em
que predominam relações contratuais específicas e controlada apenas pelas instâncias
interna de regulação, e ao pretenderem se distanciar da realidade que o envolve, dela
se protegendo com extensivos aparatos de segurança, ignoram o fato das regras de
convivência social baseadas no respeito aos direitos universal estarem sendo
questionada em todos os segmentos de classe.
Por desconhecerem esta problemática, de imediato vem a cabeças das vítimas
uma enorme inquietação: como um morador que paga por uma quantia expressiva para
se sentir seguro pode ter o seu imóvel invadido, provavelmente por alguém que
156
conhece o cotidiano do condomínio? As explicações para estes episódios costumam
ser simplistas. A polícia e os moradores acreditam que pessoas conhecidas tenham
praticado o crime, o curioso é que não tenham informado pelas câmeras de segurança,
provavelmente bem posicionados em um condomínio de alto luxo. Os moradores
apostam na hipótese de serem moradores viciados em drogas, só não explicam como
eles poderiam te burlado estes esquema de proteção. Enfim, os envolvidos no episódio
apesar de admitirem a fragilidade da segurança continuam apostando em fatos
pontuais dissociados de desafios sociais mais amplos.
A classificação baumaniana dos guetos voluntários, enquanto áreas de auto-
confinamento construídas por um segmento urbano que procura isolar-se de outras
coletividades através da reinvenção de laços solidários legítimos, parece ser confirmada
de forma adaptada, que por vezes lembra uma caricatura da sua pretensão. Já que, por
um lado, o auto-confinamento das classes médias altas é confirmado, enquanto pelo
outro, eles não são imunizados dos atos violentos. Eu suspeito que o temor
demonstrado pelo morador do condomínio que sofreu um tipo de violência como está
associado a surpresa em ter que reconhecer no seu ambiente manifestações violentas
que para ele, a princípio, seriam exclusivos de grupos sociais não solidários e
habitantes de territórios urbanos decadentes, de forte déficit civilizatório. Em suma,
sinais da “sociedade desorganizada” parecem ameaçar a “ordem urbana” destes
paraísos artificiais instalados em lugares de exceção.
Estas mazelas revelam como uma determinada parcela detentora dos capitais
econômicos e sociais, residente em condomínios de luxo da Barra da Tijuca, constrói
cognitivamente nas suas falas e práticas dimensões típicas das metrópoles. Quero
ressaltar que o público e o privado aparecem nas ações dos moradores de acordo com
uma apropriação de classe destes conceitos atualizada pelos seus medos, sem seguir
necessariamente acompanhar nenhuma matriz conceitual histórica. Valores que
deveriam balizar as clássicas concepções de público e privada, como o respeito a
diversidade de opiniões e liberdade de expressão nas arenas públicas e construção da
individualidade em sintonia com preocupações coletivas nas situações privadas,
aparecem relativizadas por matrizes de conduta mais individualistas.
157
A reportagem de 27/10/2005 revela saga do bandido Weberton Freitas dos
Santos de 19 anos que vem cometendo sucessivos assaltos a Condomínios fechados
na Barra da Tijuca. O seu assalto mais conhecido foi realizado na residência do casal
de apresentadores do Jornal Nacional Willian e Fátima Bonner, e desde então ele
tornou-se um assaltante procurado e considerado muito perigosos pelos moradores e o
policiamento do bairro. Recentemente a sua trajetória terminou de forma mais
esperada, isto é, trágica. Assim noticiou o jornal O globo em 15/01/2006 “O assaltante
que em fevereiro do ano passado invadiu a residência dos jornalistas William Bonner e
Fátima Bernardes, apresentadores do "Jornal Nacional" da Rede Globo, foi morto
ontem de madrugada ao entrar em outra casa na Barra, desta vez no condomínio
Vivendas do Bosque, atrás do shopping Info Barra, na Avenida das Américas. Weberton
Freitas dos Santos, de 19 anos, estava foragido. Por volta das 3h30m ele invadiu a
residência do casal de advogados Thomaz Augusto de Castro, de 60 anos, e Eliana
Costa Guttmann, de 59. Eles foram rendidos dentro do quarto”.
Para resumir o seu conteúdo, o resultado trágico da nova invasão operada por
Weberton foi a sua morte provocada pela briga em que se envolveu com o filho da
família que ao chegar em casa presenciou os seus pais imobilizados. Os motivos da
morte levantados pela polícia são morte provocada por pancada na cabeça durante a
queda ou tiro, já que o bandido foi desarmado durante a briga.
A revelação deste episódio traz uma novidade para o cotidiano dos moradores
da Barra da Tijuca já que envolveu a investigação policial, que não é muito comum e
revelou toda a fragilidade do seu sistema de segurança, já que Weberson era
conhecido por ter invadido outros condomínios. Quebrou-se aqui um “pacto de silêncio”
muito comum entre moradores de condomínios fechados da Barra da Tijuca já que a
sua intimidade foi externada por um fato trágico. Tenho informações que justificam a
minha hipótese, pois entrevistei uma moradora do condomínio onde Weberson foi
morto, o Vivendas do Bosque, e ela falou de forma muito subliminar sobre um caso de
assalto a uma casa do condomínio.
Outro componente importante é a fala do apresentador William Bonner revelada
nesta mesma reportagem, que apesar de longa, merece ser reproduzida para que
158
algumas passagens sejam depuradas. Segue abaixo um pequeno texto escrito por
Willian Bonner intitulado “A cidade não ficou mais segura agora”.
“Não se pode tripudiar sobre a morte de ninguém. O que tenho a dizer sobre a
morte de Weberton é um enorme lamento, sem nenhuma falsidade. Lamento, em
primeiro lugar, que eu e minha família tenhamos passado pelo que passamos naquele
17 de fevereiro. Lamento, em segundo lugar, que, depois de todo o esforço necessário
para prendê-lo, ele tenha conseguido fugir. Lamento também que tudo tenha acabado
como acabou. Embora isso fosse previsível, eu sabia que ia acabar de forma violenta.
Por fim, lamento que haja outros tantos Webertons crescendo por aí, na mesma escola
de crimes que o primeiro. Eu não estou aliviado. Agora pelo menos eu posso afastar a
possibilidade de ele vir atrás de mim por vingança, mas a cidade não está mais segura
porque ele morreu. As condições para o surgimento de novos Webertons estão dadas,
são reais, talvez estejam sendo até alimentadas. A situação pela qual passei mudou a
minha vida. Sempre fui contrário ao uso de violência e de armas, e sempre defendi que
ninguém deve reagir a uma situação como essa. Mas, numa situação limite, eu fui
testado, e reprovado. Agi de maneira irracional e instintiva. Isso mudou a minha vida, a
minha casa, a minha forma de encarar a violência urbana. Fizemos uma reforma para
instalar dispositivos de segurança em casa, passando a viver num bunker. Qualquer
ruído à noite é motivo de estresse, causa sobressalto. Com o tempo melhora, mas a
gente nunca mais esquece”(Grifos meus). Bonner demonstra sensibilidade social na sua análise ao identificar os motivos
que levaram Weberson ao mundo do crime, comuns a jovens que vivem em condições
de vida semelhantes. Procura não individualizar a sua situação ao revelar que não se
sente seguro com a morte de Weberson e admite que precisou transformar a sua casa
em um Bunker. É sabido que os Bunkers eram construções erguidas no período de
guerras que poderiam proteger seus moradores de ataques aéreos, um dos mais
recorrentes neste tipo de conflito. Contudo, várias propostas residenciais do tipo
condomínios fechados possuem a estética do Bunker, procurando passar ao seu
morador o máximo de imunidade á violência urbana e deixando bem claro que vivemos
em uma guerra urbana onde a única saída são as soluções privadas.
159
Episódios como este assustam as elites mediante a revelação de sua
vulnerabilidade e corroboram a análise de Machado que indica a necessidade de
pensar o fenômeno da violência urbana através da articulação de várias dimensões. Em
termos práticos as soluções privadas são pouco úteis porque ajudam a incrementar
dispositivos que já existiam, e em termos coletivos são um agravante da diminuição da
importância das esferas públicas na mediação de conflitos. No discurso de Bonner,
apesar de ter aparecido uma preocupação com o quadro social que forma vítimas da
violência como Weberson, em momento algum é insinuada a necessidade de se
reconsiderar as referências de cidadania diferentemente oferecidas aos cidadãos
cariocas em consonância com a sua localização na estrutura de classes.
É neste sentido que a solidariedade revelada pela fala de Bonner reforça uma
percepção individualista de viver na cidade. Mesmo sem querer demonstrar rancor pelo
ocorrido, ele não encontra uma saída para se sentir seguro que não passe por uma
escolha pessoal. Tanto que o seu condomínio passou a investir mais em segurança,
ampliando um aparato que a princípio já era expressivo.
Episódios como este só tem ampliado o investimento em segurança feito pelos
setores responsáveis dos condomínios. Em alguns já existem sensores identificadores
de íris e de impressão digital, que fazem lembrar as cenas de filmes de ficção científica,
onde em um futuro sombrio e não muito distante do atual, como retratado no excelente
Minority Report, os criminosos passariam a ser identificados pela íris dos olhos,
recuperando assim o velho princípio lombrosiano da externalização dos caracteres
criminosos.
Segundo Sérgio Ricardo, consultor em segurança condominial, uma estrutura
básica de segurança deve ser formada por câmeras estrategicamente posicionadas,
botões de alarme e profissionais treinados. Em sua opinião “não adianta o condomínio
ter profissionais que não estão preparados para lidar com as diferentes ferramentas de
segurança (O Globo, 18/12/2005)”.
Em outra reportagem de 04/06/2006 o presidente da Patrimóvel Consultoria
Imobiliária Rubem Vasconcelos afirma que a “tendência é se criar bairros em que se
corrijam os erros que se encontram na cidade, principalmente no que diz respeito a
segurança. As pessoa querem viver num lugar de sonho”.
160
Na mesma reportagem aparece pela primeira vez nas reportagens o componente
da exclusividade ligado a segurança na fala de Ricardo Corrêa, diretor de marketing da
Carvalho Hosken, responsável por um macro – empreendimento imobiliário na Barra da
Tijuca chamado Rio 2, que tende a ocupar oito milhões de quilômetros quadrados. Para
ele “as pessoas querem deixar de ser um número. Gostam da idéia de que seus filhos
peguem o ônibus, dirigido pelo seu João para ir para a escola. É como se
importássemos o jeito de viver do subúrbio”.
Voltarei a estas duas declarações grifadas, que são extremamente sintomáticas
de uma ideologia que sustenta a concepção de determinados condomínios fechados,
antes, porém, apresentarei outra reportagem que polemiza as suas pretensões de
segurança total.
Em reportagem de 16/12/2004 de acordo com o Sindesp, o sindicato de
segurança privada, a seguranças privadas irregulares se destacam no setor. Em cada
área a segurança encontra suas justificativas. No centro ela é feita basicamente em
prédios comerciais, enquanto nas outras a serventia é para as residências. Neste
cenário a Barra da Tijuca aparece com destaque e vem preocupando o sindicato na
medida em que a fiscalização sobre os condomínios é dificultada pelas imposições
restrição de informações. Dentre as irregularidades está a presença de policiais
disfarçados cumprindo os chamados bicos, que são horas extras informais. Por lei um
policial pode até ser expulso da corporação se for pego neste tipo de função, mas ainda
assim são muito raras as punições à estes tipos de infrações.
Após investigações a polícia identificou uma série de condomínios da Barra da
Tijuca que utilizam este tipo de serviço. Dentre eles alguns famosos como o Mandala, o
Novo Leblon. Em reportagem de 6/10/2005 Paulo Roberto, diretor de segurança do
Mandala afirma o seguinte “Não temos policias disfarçados. Nosso condomínio trabalha
com uma empresa legalizada. Não temos motivos para precisar de gente disfarçada
aqui”.
Na mesma reportagem aparecem depoimentos muito reveladores nas conversas
telefônicas gravadas. Em um deles o representante de uma empresa que presta
segurança deixa claro que a maioria dos casos de indivíduos envolvidos com drogas é
dentro do condomínio e o consumo é feito nas casas e áreas de lazer, e o combate é
161
feito com homens uniformizados e com uma equipe de agentes, que é uma equipe de
infiltração, com apoio do pessoal do batalhão que faz a ronda interna. Ou seja, há um
policiamento, inclusive oficial que faz a ronda dentro dos condomínios que não é
divulgado. Quando o poder público participa da vigilância de condomínio ela é feita de
forma disfarçada, provavelmente, para cobrir alguns acordos específicos feitos entre os
condomínios e a policia que incluem privilégios para estas áreas.
Em reportagem de 12/02/2006 especialista alertam que na busca pela
implantação de estruturas infalíveis de segurança em várias regiões da cidade, dentre
elas a Barra da Tijuca, estes condomínios têm sido desatentos á um aspecto que pode
ser crucial, e até mesmo contraditório às suas pretensões: grande parte das empresas
e da mão-de-obra usadas para a segurança é irregular.
Para Alcyr Vidal, chefe em exercício da Delegacia de Controle de Segurança
Privada (Delesp), “o que muitos não sabem é que segurança privada só é permitida em
ruas fechadas, com autorização da Prefeitura”.(Op. cit.) Vidal polemiza o avanço
indiscriminado das formas de proteção privada em condomínios e põe em cheque toda
a tecnologia que asseguraria a proteção almejada nestas estratégias escapistas de
segmentos da classe média alta do Rio de Janeiro.
Em reportagem da Revista de Segurança Pública o delegado Ângelo Goia da
Delegacia de Segurança Privada do Rio de Janeiro (Delesp – RJ) vem investigando o
crescimento da segurança privada irregular nos condomínios privados, e conferindo um
enfoque mais amplo à questão diz que “reprimindo as atividades clandestinas de
segurança, estamos obrigando tanto os clandestinos como os contratantes a passarem
para o lado da lei ( Segurança Privada )”. Em outro trecho preocupação com a questão
trabalhista aparece de forma mais clara, já que “ embora não seja este o objetivo final ,
em razão desta rigorosa fiscalização estamos garantindo os direitos trabalhistas
daqueles profissionais que estão sendo frustrados pela ação fraudulenta de quem os
colocou para exercer uma atividade que não é aquela para o qual se prepararam,
muitas vezes com grande sacrifício”.
Os profissionais responsáveis pela segurança começam a interferir nos rumos da
segurança interna dos condomínios, cobrando destas residências compromissos com
os contratos previstos por legislação pública. Os acordos estatutários podem até
162
preservar a sua relevância, já que continuarão a reger as normas de controle das ações
dos moradores de condomínios, no entanto, investigações como estas exigem o
reconhecimento de suas limitações. A inserção da preocupação com o respeito à lei é
uma variável decisiva que pode começar a limitar o campo de ação privada dos
condomínios. Contudo, veremos mais a frente na análise de outras reportagens que as
tensões envolvendo condomínio fechados e o poder público são muito comuns e estão
longe de serem resolvidas a curto prazo.
Gostaria de destacar a reportagem de 04 de Junho do jornal O Globo onde o
dirigente da Patrimóvel afirma que com seu empreendimento não pretende repetir os
erros da cidade. Com este discurso o setor privado pretende assumir de forma absoluta
o controle sobre a gestão urbana, evitando que nesta nova concepção equívocos co
passado, ainda que recente, não sejam cometidos. Entre estes equívocos podem estar
a aglomeração urbana, (os condomínios fechados da Barra da Tijuca são conhecidas
pela baixa densidade interna) e os seus problemas correlatos como violência,
degradação ambiental e formas de conflito que posam comprometer a qualidade de
vida que o morador de condomínio almeja encontrara. Nesta fala, a cidade deve ficar do
lado de fora.
Tal discurso não pode ser tratado como uma fantasia urbana, mas sim como
uma pretensão urbanístico-empresarial que começa a desfrutar progressivamente de
legitimidade social. A Barra da Tijuca que nasceu como uma experiência destinada a
corrigir as conseqüências do crescimento desorganizado de outros bairros, passa a
abrigar um discurso que se opõe ao seu próprio projeto, ainda que consideremos as
alterações sofridas ao longo da implementação do plano Lúcio Costa.
No depoimento seguinte de uma construtora que pretende com seu
empreendimento resgatar relações que ficaram perdidas na grande cidade, o
condomínio passaria a ser responsável pela implantação de relações comunitárias
entre os seus moradores. Neste sentido, segundo o enfoque publicitário, seria possível
que uma mãe tivesse o seu filho sendo levado para a escola por uma motorista com o
qual estivesse familiarizada, e os indivíduos deixariam de ser um número. Há uma clara
intenção de construção de identidades individualizadas, completamente diferentes das
individuações surgidas dos meios urbanos de massa.
163
Aqui os indivíduos estão inseridos em teias de relações sociais tão complexas
que acabam ficando invisibilizados. As pessoas passam a se relacionar através das
suas funções ou em rápidos contatos que são insuficientes para assegurarem a
permanência de relações futuras. Busca-se nos condomínios a superação da distância
entre as pessoas que impera na cidade grande, tornando esta área residencial um
espaço à parte do restante da cidade, uma área de conforto pessoal e anulação das
tensões. Não por acaso, muitos condomínios já oferecem uma rede complexa de
serviços internos que incluem spas e áreas de relaxamento.
Esta pretensão comunitária é aquela criticada por Bauman, pois ao tentarem
recuperar relações harmoniosas perdidas com o passar do tempo, os moradores de
condomínios fechados recuperam um passado mitificado, que só existe como utopia
invertida da realidade. Estas relações nunca existiram de fato, pelo menos da forma
como são sugeridas no anúncio publicitário, e na fala de alguns moradores. O subúrbio
tomado como modelo espacial detentor de relações sociais de proximidade é uma
invenção publicitária que pretende criar paraísos urbanos em lugares de exceção, no
caso os condomínios, inventando pessoas e situações que ao se encontrarem muito
distantes dos contatos com a classe média alta que busca o condomínio fechado,
poderia converter em verdade a ideologia do isolamento social.
3. 5 - A fala sobre o público e a ação no espaço privado.
Uma das questões que têm sido levantadas por várias instituições a respeito do
crescimento dos condomínios fechados na Barra da Tijuca é a falta de uma delimitação
clara entre os espaços públicos e os espaços privados. Protegidos por acordos jurídicos
e alianças com o poder público, onde representantes políticos eleitos votam matérias
legislativas a favor do crescimento deste tipo de comércio, os condomínios fechados
têm travado uma batalha com alguns órgãos de fiscalização, e esta faceta integrante de
toda a problemática que cerca os condomínios começa a ser duramente criticadas por
pesquisadores e urbanistas que identificam os malefícios deste tipo de avanço
predatório.
164
Na imprensa começam a ser mais comuns reportagens que denunciam estes
avanços. Porém, ao mesmo tempo em que a crítica é feita, logo em seguida o mesmo
órgão se encarrega de apresentar inovações e trabalhos realizados no interior destes
condomínios que colaboram para amenizar a sua ação indevida. Vejamos como estas
duas posições podem ser assumidas e as contradições implicadas por este discurso, e
adiantando uma conclusão a ser elaborada mais a frente, como a itinerância de uma
imagem sobre os condomínios contribui para o encobrimento das questões por ele
suscitadas.
A reportagem de 29/09/2005 retrata um mal estar que está sendo gerado para
moradores dos Condomínios Riviera e Mediterrâneo, que em função de um portão na
rua Gastão Formenti, transversal a Avenida Sernambetiba, eles corem o risco de terem
a travessia de balsa pelo canal de Marapendi bloqueada. Esta decisão gera um tipo de
impasse que é resultado da disputa sobre o espaço público que sempre vem
esclarecida pelas ferramentas jurídicas responsáveis pela regulação de conflitos. Senão
vejamos dois depoimentos de dois lados da disputa.
Carlos Henrique Jund, morador do condomínio Riviera afirma que “a rua é
pública, recorremos á Justiça para impedir o fechamento do portão, pois cerca de seis
mil pessoas utilizam este tipo de serviço há 25 anos” (Op. cit.) na mesma reportagem
uma Secretaria Municipal de governo, (como o jornal não informa, eu presumo que
possa ser de urbanismo ou obras) legitimou o portão no ano anterior. Para Adelton
Gunzburger, presidente da Amalinda “apesar do imenso movimento de pessoas em dia
de sol e reveillon, não vamos impedir a passagem. Sabemos que a rua é pública e
vamos legalizar o portão.66
Em duas reportagens de 27 e 28/04/2005 do Globo foi destacado um conflito
envolvendo o shopping Downtown e os seus consumidores, passando pela interferência
do governo do Estado. Os freqüentadores do Shopping estavam denunciando o
Downtown pela cobrança irregular do seu estacionamento, e a administração deste
Shopping, por sua vez, se defendia dizendo que ele não está registrado como
Shopping, mas sim condomínio fechado, e que neste caso o seu registro jurídico passa
de comércio para residência, ou seja, na condição de condomínio fechado seria 66 Frase que pareceria óbvia em outros contextos. No entanto, ao se tratar das formas da Barra da Tijuca, um dos bairros em que se verifica uma das mais acentuadas apropriações privadas de espaço público, este período pode ser considerado uma novidade.
165
liberado qualquer tipo de cobrança por tratar-se de área privada, enquanto como um
comércio, a exploração do serviço é feita em área de circunscrição pública.
Por sua vez, a lei estadual 4.541 de autoria do deputado Gilberto Palmares, na
época sancionada pela governadora Rosinha Garotinho, isentava de pagamento quem
comprovasse gastos acima de dez vezes o valor do estacionamento. Para Sérgio
Zveiter, que na época ocupava o cargo de secretário de defesa do consumidor, “até que
a diretoria jurídica do PROCON analise todos os documentos, o shopping terá que
cumprir o que determina a lei. Caso não cumpra, poderá ter interditada as cancelas eu
dão acesso ao estacionamento” Com a decisão da lei o governo procurava aumentar a
sua arrecadação, considerando que o consumo feito dentro do Shopping poderia incluir
alimentação e entretenimento.
Apesar da pressão exercida pelo órgão do Estado, a indignação justificada dos
compradores e a reportagem denúncia, a cobrança irregular continuava sendo feita.
Nas duas reportagens acima (falo desta e do fechamento da rua), uma
característica pareceu-me bastante clara: a de que na Barra da Tijuca, qualquer disputa
sempre começa entre os segmentos particulares, e mesmo que o Estado seja
convocado para a atuar, a sua intervenção é sempre posterior ao episódio em questão.
O Estado é personificado como reativo, e sua ação dependerá dos desdobramentos
das batalhas que estão sendo travadas entre os particulares.
No primeiro o portão foi erguido com a anuência do poder público, de tal forma
que a uma associação responsável em defender os interesses de quem tomou a
iniciativa de fechar a rua se defende alegando que o portão só é fechado em um
determinado período do dia. No entanto, em áreas públicas, pela lei, um portão não
pode ser colocado entre áreas privadas, e no caso de uma barreira artificial em áreas
pública, cabe ao Estado definir o seu horário de funcionamento.
Na segunda reportagem vemos duas participações do poder público, ambas de
caráter reativo. No depoimento do Secretário de Defesa do Consumidor, garantindo o
uso de um direito inviolável, e na própria implementação da legislação que isenta a
cobrança do estacionamento uma participação oportunista do Estado, isso porque,
comprovada a sua incompetência de autuar um estabelecimento de porte em uma
região de prestígio na metrópole carioca, encontra como solução interferir na circulação
166
de capital dentro do estabelecimento, definindo uma legislação que tribute o shopping
em benefício do Estado.
Entendo que esta decisão representa um pacto entre o Estado e o comércio,
onde mesmo punido, o comércio sai beneficiado porque não terá suas atividades
interrompidas, mas sim apenas uma diminuição na sua margem de lucros, e o Estado
com o discurso da ordem branda deixa claro a sua vinculação com o setor de serviços.
Em síntese, ao invés de executar uma lei em vigor, ele dobra-se diante do poder grande
capital e com ele negocia em bases favoráveis.
Apresentar os condomínios fechados não representa nenhuma distorção das
responsabilidades, que deveriam por dever de ofício, fazer parte das atribuições
estatais, pelo menos no entender da grande imprensa. Prova disto, é e tom de
entusiasmo de algumas reportagens aonde o setor privado aprece como força
competente para realizar o trabalho de fiscalização urbana ou em ações de
solidariedade acionadas pelos moradores de condomínios. Vejamos algumas destas
reportagens.
Para solucionar a questão dos engarrafamentos o Condomínio Rio 2, um mega
condomínio recentemente construído na Barra da Tijuca, discutiu, segundo reportagem
de 17/01/2005, uma reestruturação do sistema de transportes já que o grande fluxo de
veículos oriundos desta área estaria ampliando os já tradicionais engarrafamentos no
bairro. O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, diz que a
grande quantidade de ônibus fretados aumenta os congestionamentos da cidade, além
de representar 23% dos custos do condomínio.
Mediante um problema que afeta toda a cidade, como foi reconhecido por Delair,
uma das associações de moradores da Barra da Tijuca, e não o poder público, tomou
as rédeas dos assuntos e já começou a indicar soluções. O poder público que é o
responsável pela administração do espaço público, sequer é levado em consideração
no arranjo que se propõe implementar. A figura do Estado aparece aqui bem traduzida
pela expressão do Estado guarda noturno usada por Robert Nozick (1997), ao se referir
as novas, e poucas, responsabilidades públicas do Estado na nova ordem neoliberal.
Um dos sinais da autonomia dos condomínios na oferta de serviços infra-
estruturais está no provimento dos serviços de ônibus, que a partir dos condomínios
167
fechados, alcança vários pontos da cidade. A matéria de 17/11/2005 “O conforto faz
ponto na porta de casa“ é aberta pela afirmação categórica de que conforto, segurança
e rapidez são as três qualidades mais expressivas de quem usa o serviço de ônibus
para vários pontos da cidade, como o centro, a zona sul.
Entretanto, aparece nesta reportagem um depoimento crítico dirigido à falta de
horários mais flexíveis, pois segundo a sua autora, a estudante Eduarda Modesto, que
mora no Parque das Rosas “da zona sul pára cá, a espera pelo ônibus é demorada e as
vezes eles vêm cheios. Além disso, ficamos presas pelos horários, pois ele circula
apenas até as 20Hs.”
A fala da estudante é a de uma usuária especial dos transportes na cidade.
Como desfruta de um serviço privado, este deveria estar adaptado as suas vicissitudes
funcionando de acordo com o horário do seu usuário diferenciado, e não obedecendo a
padrões convencionais de circulação dos meios de transporte. Este exemplo pontual é
sintomático do sentimento de pertença que esta classe média experimenta, uma classe
que se desloca pela cidade em circuitos fechados cada vez mais legitimados pelas
circunstâncias em que estão inscritas. Esta legitimação também pode ser percebida no
discurso despolitizado da imprensa que pretende apenas destacar as demandas
locacionais dos moradores de condomínio fechados. Esta questão aparece com
bastante ênfase nas análises feitas sobre as entrevistas que eu realizei.
Não é só no campo dos transportes que a iniciativa privada tem sido bem
avaliada pela opinião pública, vide divulgação jornalística. Em reportagem de
27/11/2005 os moradores da Rua jornalista Pierre Plancher decidiram adotar e custear
a manutenção das duas pracinhas existentes. Toda a ornamentação da praça, que
incluí plantio de canteiro de flores e reforma do coreto foi realizada pela Associação de
moradores do Condomínio Barra Linda. Esta iniciativa evitou, segundo um dos seus
moradores, que estas áreas se transformassem em pontos de venda de drogas.
Uma outra dimensão que tem sido acatada pelo condomínio fechado é o trabalho
voluntário e a preocupação ecológica. Em reportagem de 06/03/2005 o Colégio Anglo-
Americano um dos mais tradicionais colégios da cidade, e localizado dentro do
condomínio Nova Ipanema, um dos primeiros no bairro, abriu naquele ano uma turma
de alfabetização de adultos.
168
O objetivo do curso, segunda sua coordenação é instrumentalizar os seus
alunos para o exercício de tarefas rotineiras, e os resultados começavam a aparecer.
Este saldo social, por sua vez, não revela algumas de suas prováveis intenções, dentre
as quais ampliar a participação dos funcionários nas tarefas do condomínio, tornando-
nos mais vinculados à estrutura empregatícia. A coordenadora do curso, Cátia Couto,
afirma que a educação de adultos é uma superação de limites, e que , tal fato aparece,
por exemplo, no caso de um aluno, que é porteiro, que pediu para sair mais cedo para
acabar de lavar carros. Ele representa, de fato, a ideologia do trabalhador total,
educado e disciplinado para o cumprimento de suas obrigações. Ademais, a tarefa da
alfabetização, em qualquer nível de ensino, é, segundo a Constituição, de
responsabilidade do Estado. Tais fatores, entretanto, não são levados em consideração
na reportagem.
Em matéria de 08/12/2005 a iniciativa coube a Construtora Carmo e Calçada,
que passou a educar os seus operários entre 18 e 60 anos que trabalham no canteiro
de obras do condomínio Rio 2. Este projeto que conta com o apoio do Sesi, vem sendo
desenvolvido em todos as obras da construtora desde 2001, e segundo a professora
responsável pela projeto na Barra da Tijuca, “ o mais importante é a formação do
cidadão “. Munidos de capacidade de leitura e escrita, estes funcionários poderiam se
precaver dos acidentes de trabalho ao poderem ler as informações nos canteiros de
obras. Perfeito. Ao invés de serem ampliadas às condições para a segurança dos
trabalhadores, investe-se em “capital humano”, que por conta própria previne-se das
possíveis ameaças futuras. È uma estratégia de desoneração do Estado comodamente
veiculada pelos veículos de imprensa.
Outra proposta de trabalho voluntário, este ao nível interno dos condomínios,
está em curso no condomínio Beverly Hills, onde os trabalhadores têm trabalhado em
conjunto com o intuito de colaborar com uma administração mais transparente.
Segundo a reportagem, como um campo minado de conflitos estas iniciativas têm
contribuído para a formação de um ambiente mais pacífico e democrático. Esta
atividade seria um reflexo dentro dos condomínios das várias atividades voluntárias em
curso na sociedade civil. Não a toa, o presidente da associação brasileira de
administradores de imóveis fala sobre uma melhoria nas relações comunitárias.
169
Estas iniciativas procuram convencer os seus participantes de que estão sendo
recriadas relações de convivência de cunho comunitário, onde todos podem se sentir
mais integrados em torno de objetivos comuns, atualizadas por responsabilidades mais
contemporâneas, de cunho democrático e preocupadas com a transparência de
procedimentos. È como se dentro destes condomínios fosse feito um filtro das relações
de solidariedade que estão sendo desenvolvidas na sociedade civil, adaptando-nas as
demandas dos seus moradores, que podem até mesmo espelhar valores semelhantes
aos da “sociedade aberta”.
Recorrendo mais uma vez as reflexões de Bauman, a comunidade criada
internamente á uma inversão da sociedade civil depurada dos seus defeitos e neste
caso, maximizando as suas virtudes. Um princípio da ordem pública democrática como
a transparência converte-se em instrumento de solidariedade acionada para várias
situações. Ele pode ser visto na colaboração das mães entusiasmadas com a
remodelagem do parque das crianças e na fiscalização das contas dentro dos
condomínios.
Na frente ecológica os condomínios também estão a plenos vapores. Em
reportagem de 06/07/2006 a coleta seletiva de lixo que passou ser feita por alguns
condomínios se transformou em lucro para os condomínios. Um exemplo é o
condomínio Atlântico Sul, que contratou uma ONG chamada Reviverte, especializada
em reciclagem de lixos para orientar os funcionários sobre os diferentes tipos de
detritos. A coleta passou a ser regular, e para Lúcia, que de tão empolgada com a
iniciativa comprou quarenta cestas básicas para funcionários do prédio “é importante
conscientizar as pessoas da importância de preservar a natureza”. E arremeda, num
discurso tipicamente pequeno –burguês, que “estamos cumprindo a nossa parte”.
As ações privadas acionadas pelos condomínios fechados põem em cheque
algumas responsabilidades do poder público, ainda que se queira afirmar o contrário.
Logo ações de solidariedade não seriam um mal em si, pois não se busca aqui um
purismo das intenções que estão por detrás de iniciativas como estas. No entanto, os
segmentos formadores de opinião, como a imprensa, parecem navegar em correntes de
pensamento que acreditam no potencial espontaneísta da sociedade civil, como se nela
170
estivessem de forma embrionária uma capacidade latente de resolução autônoma das
mazelas sociais.
Neste cenário, os depoimentos sobre os êxitos da iniciativa tendem a destacar a
sua proeminência frente a incompetência do poder público, que se não está enunciado
claramente, está refletido por um imaginário pró-privado. Não é por caso que em um
bairro que tem sido modelado por investimentos da iniciativa privada uma retórica como
esta tenha tanta ressonância, e o que veremos mais a frente em outras reportagens
que apontam exemplos de novos empreendimentos, cada vez mais complexos, em
curso na Barra da Tijuca, é um indicativo da desnecessidade do espaço público
sugerido nesta dinâmica de incrementação da cidade.
Duas reportagens, uma de 17/09/2006 e outra de 22/10 do mesmo ano, apontam
irregularidades nas obras de infra-estrutura que preparavam a Barra da tijuca para
sediar as instalações dos jogos Pan-americanos a serem realizados no ano seguinte.
Segundo a reportagem, a União, o Estado e a Prefeitura teriam que gastar duzentos e
trinta e oito milhões de reais a mais do que planejavam inicialmente para concluir as
obras das instalações esportivas. Várias justificativas foram sendo oferecidas pelos
técnicos entrevistados para sustentarem a implementação de orçamentos extras.
A reportagem sugere um contraponto nas irregularidades ao apresentar um
quadro bem mais racional nas obras que estão sob responsabilidade da iniciativa
privada. A GL Events, responsável pelas obras do Riocentro, e que assumiu as obras
em troca de uma concessão de exploração do centro de convenções por cinqüenta
anos justifica o seu mérito profissional afirmando que trabalha com uma equipe de
dezoito pessoas que estão detalhando todos os projetos e orçando cada item, e que
este investimento já está incluindo no orçamento do Pan. Mais uma vez, a imprensa
tenta sugerir que de um lado está a iniciativa privada amparada por uma racionalidade
técnica exeqüível, e do outro, o Estado ineficiente e clientelista.
O que fica de fora desta análise é, talvez, a sua característica central: o Estado
só realizou os jogos Pan Americanos por causa dos seus acordos empresariais com a
iniciativa privada. A preparação dos jogos Pan americanos foi um pontos programáticos
que a cidade cumpriu dentro do receituário de adoção de medidas que visam inserir o
Rio de Janeiro dentro do circuito de trocas globais que envolvem as cidades no mundo
171
inteiro. Nesta lógica, as cidades cumprem tarefas que tenham relação com um
receituário de investimentos globais, destacando a participação do setor financeiro e de
grandes investimentos imobiliários. Um destas tarefas é a realização de eventos
internacionais como os Jogos Pan Americanos. As cidades passam a incorporar uma
lógica que Sanches (2004) chamou de Market Cities, isto é, cidades voltadas para o
mercado.
Dentro desta lógica do capital internacional a Barra da Tijuca vem consolidando o
seu papel de áreas de expansão urbana, ainda que na imprensa esta associação não
apareça. Este crescimento, por sua vez, nem sempre é acompanhado pr processos que
atestem um crescimento racional com bom uso dos recursos disponíveis. Prova disto e
a reportagem de 13/11/2005 que denunciava a invasão de áreas verdes por casas da
classe média alta. Epigrafada pela expressão do prefeito César Maia, ilegal e daí? , ao
se referir a denúncia feita pela imprensa carioca de quem um prédio de oito andares da
rocinha ameaçava o verde e a vida de alguns moradores dentro da favela, esta
reportagem começa dizendo que nem sempre de tijolos aparentes ou madeiras são
feitas casas em situações irregulares no Rio, pois tal como nas favelas, existem
novecentas residências construídas em onze das nove ilhas da Lagoa da Tijuca onde
só poderiam ser erguidos clubes e restaurantes.
A alegação feita pelos construtores é de eles pagam IPTU e, ainda assim, não
possuem licença da Prefeitura. A Prefeitura alega que muitas destas casas estão sendo
construídas em áreas de proteção ambiental do Sacopã, e por isto, não possuem
licença. Estes casos pontuais parecem ser suficientes para que o poder público sinta-se
satisfeito para articular a sua ofensiva contra obras que formam um patrimônio natural.
O conjunto de irregularidades que está base de expansão dos condomínios não
aparece no seu horizonte de críticas. Ademais, a infeliz frase cunhada pelo Prefeito
contradiz a sua iniciativa ao, supostamente, compreender a construção irregular
baseada na carência social por moradias. Nesta outra ponta da cidade do capital, como
diria Lefebvre, a justificativa seria o empreendedorismo urbano.
As últimas reportagens que eu vou analisar abordam aquele que talvez seja a
grande mensagem que a Barra da Tijuca, na condição de bairro diferenciado, tem
transmitido aos seus moradores e ao conjunto de moradores da cidade: ela forma uma
172
totalidade urbana autônoma. Desta forma, é possível falar que alguns
empreendimentos imobiliários na Barra da tijuca dispõem de tamanha infra-estrutura,
que os seus promotores têm falado na existência de pequenos bairros circunscritos
pelos seus limites artificiais.
Esta proposta, na verdade, fortalece a ideologia de qualidade total divulgada
pelos condomínios fechados da Barra da Tijuca, que desde o seu nascimento,
localizado no final dos anos setenta, pretendia criar nos seus limites uma infra-estrutura
tão plena que permitiria aos seus moradores uma vida onde tudo poderia ser obtido
pelo condomínio.Esta ideologia da qualidade total vem sendo aperfeiçoada pelos
promotores imobiliários que são os principais responsáveis pela renovação da feição
urbana do bairro.
O papel da imprensa neste processo me parece ser o de divulgar esta tendência
como se esta tivesse a cargo de um crescimento esperado do bairro. Não pretendo
apresentar a imprensa na minha análise como a responsável pelos valores que estão
em circulação na cidade, e de forma mais específica, na Barra da tijuca. Pretendo
sustentar, contudo, que a sua atuação não é ingênua e imparcial como pretendem
muitos, principalmente, os jornalistas. Ocupo-me das representações que o texto
jornalístico tem criado sobre e para a cidade, afunilando as representações daí
advindas nas práticas em voga no noticiário sobre o bairro.
Na reportagem de 03/04/2005 o jornal O Globo apresenta um crescimento da
Barra da Tijuca em direção ao seu interior, do lado oposto da praia. Os novos
empreendimentos parecem seguir os caminhos apontados pelo plano Lúcio Costa,
mirando investir na direção oposta da praia, fazendo uma interiorização do bairro.
Seguindo esta tendência primeiro apareceu o Rio 2, que desde 1999 já conduziu duas
mil famílias para morarem em vinte dos cem prédios construídos próximos ao
Autódromo. Outros investimentos estão em curso, como a cidade da música e a Vila
Pan-Americana, na época em construção, representando assim uma tendência da Nova
Barra.
Em depoimento, o publicitário Albano Alves Filho, que depois de ter morado no
condomínio Santa Mônica decidiu se mudar para a península, mesmo estando a par
dos inconvenientes que iria enfrentar, como o excesso de mosquitos. No entanto, tal
173
risco valia a pensa ser enfrentado para se ter a sensação de voltar a morar na “Barra do
passado.”
Há uma enorme confusão produzida por esta entrevista, e com ela corre-se o
risco de uma percepção equivocada do que foi a Barra planejada por Lúcio Costa e o
redirecionamento dos investimentos do capital imobiliário para o bairro. São processos
distintos, pois enquanto o primeiro buscava, ainda que a meu ver de forma elitista, uma
integração daquela região com ela mesma e com o restante da cidade através do
aproveitamento racional do terreno, daí a opção pela interiorização, sem contudo,
abandonar o litoral, o segundo processo é uma tentativa , pelo jeito bem sucedida, de
fragmentar o bairro com a construção de mega empreendimentos voltados para si
próprios , sem nenhum interesse em integrar-se ao bairro.
A Barra da Tijuca do passado que aprece na fala do morador é a tentativa de
atualizar um passado mítico composto por situações que não serão repetidas. A
imprensa reproduz este discurso como se a Barra da Tijuca de hoje pudesse aproximar
o velho do antigo aprimorando-o. É um investimento ideológico que tenta transportar do
imaginário para o real expectativas criadas pela propaganda imobiliária. O próprio
tempo de vida da Barra da Tijuca é bastante curto para daí se tirar um embate tão
intenso entre tradição e modernidade.
A última informação trazida pelas reportagens que eu selecionei diz respeito a
uma situação que mereceu tratamento destacado na minha pesquisa, que é a presença
de administrações profissionais dentro dos condomínios. A matéria de 08/09/2005
destaca que no condomínio Rio 2 foi contratado um funcionário destacado para resolver
conflitos dentro dos condomínios. A lógica desta contratação vem do fato de que, para
o juiz arbitral e morador do condomínio seja “natural que surjam divergências quando
cerca de seis mil pessoas habitam o mesmo espaço. Por isto é necessário ter um
profissional de fora do condomínio, especializado em legislação e boa conduta, para
resolver possíveis desentendimentos”.
Para a administração do condomínio o segredo é encarar o condomínio como
uma empresa. (Grifo meu).
A ordem privada dentro dos condomínios revela aqui a sua face empresarial.
Dada a sua complexidade este empreendimento precisa estar de acordo com as novas
174
tendências do mundo incorporando serviços que sejam simultaneamente impessoais e
personalizados, que atendem um coletivo que transcende aos limites da relação familiar
e, que por fim, tenha metas de uma empresa onde se possa combinar investimento,
relacionamento e lucro. Os valores do capitalismo tardio são reportados pela
reportagem.
A valorização do privado é muito recorrente na Barra da Tijuca. No privado as
coisas costumam funcionar, e sobre este espaço repousam formas de controle que
facilitam o acesso do seu morador. Podemos perceber uma dicotomia entre o público e
o privado. Enquanto costuma-se ter do público a imagem das coisas que não
funcionam, vide o imaginário altamente negativo do funcionalismo público no Brasil, o
privado costuma espelhar a velocidade, a fluidez e a prestação de contas. Aliás, é muito
sintomático que a categoria prestação de contas sustente a lógica do bom
funcionamento dos condomínios fechados.
Sua eminência sinaliza a existência de uma ordem privada. Até então, prestação
de contas associada à transparência, costumava aparece nas reivindicações por
moralidade pública, nas críticas, por exemplo, aos escândalos de corrupção, ou na
lógica interna das empresas. No caso pontual dos condomínios é como se fosse
possível a fusão das duas lógicas, territorializadas pela conveniência dos seus
moradores. O termo empresa, e os sentidos que lhe são subseqüentes são
apresentados nesta reportagem como se esta pretensão fosse uma requisição local,
logo, destituída de articulação com uma lógica em curso de modificação dos sentidos
dos espaços públicos e privados.
175
CAPÍTULO 4 – Barra da tijuca: as formas de interação em condomínios fechados.
O morador da Barra da Tijuca é uma espécie de personagem urbano de quem
muitos falam, e no fim, poucos conhecem. Sobre ele existe uma espécie de imaginário
urbano que divulga certas imagens que se convertem em verdade na medida em vão
sendo consagradas por um certo saber do senso comum. Na mídia, nas conversas
informais e na própria academia de pesquisadores, todos têm suas impressões sobre
este novo ser da urbe, viciado no consumo e morador amedrontado de condomínios
fechados. Deste imaginário saem as suas tipificações mais específicas: emergente,
novo rico, brega, americanizado, deslumbrado, termos que em suas caricaturização do
real revelam-se quase similares. Estas construções podem ser operatórias na definição
de um anedotário urbano, no entanto, contribuem muito pouco para a análise dos
modos de vida destes moradores.
Uma análise rigorosa das relações entre os moradores de condomínios fechados
seja entre eles ou com outros moradores nos lugares de encontro do bairro como os
shoppings centers, ainda não foi feita. Até agora os trabalhos tem se voltado para a
identificação dos fatores que tornaram a Barra da Tijuca um problema urbano, e desta
forma incluí-la no processo de segregação sócio-espacial que está em curso na
metrópole carioca.
Eu também acompanho os trabalhos que apontam os efeitos que a opção
condomínio fechado tem produzido no tecido social da metrópole do Rio de Janeiro, e
da mesma forma, acredito que existe um modelo de confinamento residencial que
procura responder as formas de crescimento das cidades latino-americanas, para
ficarmos apenas na escala regional, encerrando segmentos de sua elite em áreas
cercadas por rigorosos aparatos de segurança voltados para a criação de um ambiente
a parte do restante da cidade. Considerando uma série de variáveis que cercam o
crescimento dos condomínios fechados, as questões aqui apontadas parecem ser
minimamente aceitas entre os estudiosos da área de planejamento urbano e de
sociologia urbana.
A meu ver, entretanto, falta um complemento a estas análises, a ser feito em
estudos munidos por materiais empíricos que possam identificar como estão sendo
176
estruturadas as relações entre moradores de condomínios fechados e destes
moradores com outros espaços do bairro. Estas relações estão balizadas por valores
que organizam a convivência entre moradores que determinam com quais grupos se
identificarão, e com quais grupos deverão guardar distância. A distância erguida entre
estes moradores, integrantes de um macro agrupamento interno de pessoas com quem
a princípio guardam relações de afinidade, e os moradores da “cidade aberta”
residentes em bairros com menor padrão de vida têm criado tensões, por vezes
veladas, e em outros casos explícitas, que, no fundo, escamoteiam perspectivas
diferentes sobre a cidade.
No meu trabalho eu procuro mostrar que existem fatores concretos presentes
nas falas e ações dos moradores de condomínios fechados que justificam a constante
acusação feita por estudos específicos e uma determinada “opinião pública” de que
eles vêm construindo uma concepção de cidade em oposição a idéia mais comum que
se tem de cidade, entendida como uma formação territorial ocupada por indivíduos em
relações complexas de complementaridade.
No entanto, condicionar a segregação residencial na cidade do Rio de Janeiro e,
por extensão, identificar a Barra da Tijuca como o único lugar em que se manifesta um
discurso e uma prática anti-cidade é reduzir demais a escala de fatores que envolvem o
fenômeno da segregação. Existem outras regiões da cidade aonde são produzidas
intenções da mesma ordem, em que se procura afastar o contato com vizinhos
indesejáveis. Nestes lugares, as estratégias podem ser diferentes, mas as
preocupações que guiam as suas iniciativas fazem parte de um imaginário maior sobre
a cidade que atualiza o medo urbano agora justificado como aversão a novos
personagens desagregadores da ordem. Se na virada do século XIX para o XX os
capoeiras e vagabundos formavam o grupo a ser combatido, hoje em dia o “problema“
está nas favelas e nas suas populações estigmatizadas.
No que diz respeito à Barra da Tijuca, a contraposição entre a cidade imaginada
e a cidade real está fundamentada em diversas questões, dentre as quais aparecem
com bastante destaque o fator renda e a faixa etária. Estas duas variáveis não
aparecem separadas, já que se costuma tomar o morador da Barra da Tijuca como
integrante de um grupo social, adulto, e notoriamente segregacionista. A segregação
177
existe, está presente, por exemplo, na variedade de equipamentos disponibilizados
pelos condomínios, alguns mais sofisticados do que outros. Esta complexidade
estrutural faz parte do pacote de amenidades que o morador adquire quando opta por
morar em ambientes que possam lhe oferecer serviços que se fossem buscados do
lado de fora exigiriam desgastes que eles pretendem não enfrentar.
A complexidade deste universo material está integrada aos setores de serviço do
bairro, ampliando assim a sensação de auto-suficiência dos seus moradores. A
complexidade de infra-estrutura de alguns condomínios, alguns por mim estudados,
muitas vezes dispensa o morador da necessidade de se deslocar dos seus domínios
domésticos para o consumo de produtos do varejo, como alimentação e bebidas. È um
modelo que aperfeiçoa a lógica do delivery, difundida em vários bairros da cidade, onde
o morador requisita a entrega do produto na sua residência. A sofisticação dá-se pela
pelo fato do comércio onde se obtém o produto encontrar-se dentro do próprio
condomínio, destacando desta forma a multiplicidade de usos presentes neste espaço.
Sem ter comigo uma estatística com dados precisos sobre as compras à distância é
possível afirmar, de acordo com as entrevistas realizadas, que o morador da Barra é
alguém que, por opção, busca maximizar as relações sociais dentro de domínios que
lhe sejam mais imediatos, no caso no próprio condomínio, que para muitos significaria a
relação ideal, ou então na ida aos shoppings centers em busca de lazer e consumo. O
afastamento do bairro está quase sempre relacionado às obrigações trabalhistas, já que
a grande maioria dos moradores da Barra da Tijuca trabalha em outros bairros.
No entanto, mais importante do que simplesmente enunciar a estrutura para a
partir daí se supor o envolvimento que os seus moradores terão com a mesma, é
fundamental que se investigue como efetivamente os moradores de condomínios
fechados têm interagido com o seu setor de serviços interno, com as ofertas externas
do bairro, ainda que fechadas, para desta forma serem tiradas conclusões que apontem
os modos de vida que estão em curso dentro destas micro realidades que são os
condomínios fechados.
178
4.1 – Metodologia das entrevistas.
A Barra da Tijuca representou um grande desafio. Afina de contas, escolhera um
objeto localizado dentro de um bairro que nos últimos vem recebendo todas as
tipologias possíveis, conforme já asseverei no item acima. Mais do que uma empreitada
acadêmica em meu debruçava com a dificuldade de adentrar um território composto por
vários territórios dotas de conteúdos valorativos e símbolos de prestígio. Esta última
característica, inclusive, costuma se destacar pelo fato de morar na Barra da Tijuca
estar associado a morar com conforto e segurança. Este duplo registro iria me
acompanhar durante todo o trajeto da pesquisa, e mesmo a sua conclusão ainda deixou
indagações que precisarão de outras investigações, já que um objeto tão intrigante
quanto recente não pode ser satisfeito na sua primeira tentativa.
A sociologia, como diria o Sociólogo americano Peter Berger,67 está sempre
movida por uma curiosidade que se justifica pela necessidade de se olhar a realidade
de forma distinta revelando, desta forma, aspectos encobertos pela tradição e pré-
noções que sustentam realidades consensuais. Neste sentido, a Sociologia notabilizar-
se-ia como a ciência cuja meta é enfrentar o mundo na sua aparente obviedade,
desfazendo certezas e deixando claro que as coisas não são aquilo que aparentam ser.
Este princípio deve nortear o olhar crítico da sociologia, e o sociólogo deve se
comportar como um ser eternamente insatisfeito com as informações que lhe chegam
do mundo empírico. Afinal de contas, aquilo que a sociologia entende como empírico é
uma formação social específica revelada por investigações cuidadosamente orientadas
por conceitos validados ao longo de sucessivos exames das relações que os indivíduos
estabelecem entre si mediados por seus interesses e localizados em tempos e espaços
específicos. Estas conquistas não seriam possíveis sem uma rigorosa metodologia de
pesquisa.
Sendo assim, a Barra da Tijuca surgiu inicialmente como uma preocupação de
um morador da cidade do Rio de Janeiro que levantava suspeitas sobre a contribuição
deste bairro para a formação de representações sobre a vida na cidade, para longo em
seguida , na medida em que fui me familiarizando, primeiro com um material teórico e
67 BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. Rio de Janeiro : Vozes, 1963.
179
depois com dados da pesquisa, como uma realidade sócio-espacial que só pode ser
compreendida na sua articulação com fatores socialmente produzidos, nem sempre nos
limites deste bairro. Esta lógica de integração territorial, mesmo marcada pela
reivindicação de uma distância relativa em relação á outros bairros que, a princípio,
retira da Barra da Tijuca a exclusividade na produção das questões que movem os seus
moradores, por sua vez, aponta para o fato de que nos espaços destes bairros, em
especial nos condomínios fechados, estão em gestação relações idiossincráticas que
só possuem sentido se vistas de dentro para fora. Feito este movimento, eu pude
enfrentar algumas das minhas pré-noções e encontrar algum alívio por ter feito o
movimento de desconstrução inquietante que baliza as orientações teóricas que
procuro recorrer para pensar sociologicamente.
Como eu poderia entrar neste campo, já que ao longo da minha trajetória nunca
havia freqüentado a Barra da Tijuca e como conseqüência não desenvolvi quaisquer
laços afetivos com este lugar. Deveria ir sozinho ao campo e procurar me informar
sobre os seus moradores em lugares que eles pudessem freqüentar, como os
Shoppings Centers? Esta alternativa pareceria tanto ingênua quanto inútil, senão
mesmo absurda, já que eu continuaria sendo um estranho e ainda correria o risco de
ser confundido com uma espécie de voyeur do mercado de consumo local.
Deveria buscar outros caminhos mais profícuos e cheguei a conclusão de a via
de acesso a Barra da Tijuca poderia passar por amigos que tivessem amigos neste
bairro. O uso do intermediário tão consagrado nas dinâmicas de socialização que
formam os vínculos típicos de uma sociedade relacional como definiria Roberto da
Matta68, demonstrou ser a escolha mais adequada. O caminho seguinte seria
estabelecer uma ferramenta de investigação das relações que eu buscava entender e o
lócus de suas manifestações já que o meu universo de possibilidades era muito vasto
por se tratar de um estudo em residências que representam quase a totalidade do
modelo de moradia do bairro.
Comecei a realizar os contatos com semanas de antecedência a minha entrada
no campo. Esta iniciativa não teve a resistência de nenhum dos moradores, pois
mesma a distância tive condições de expô-las a natureza do meu trabalho e
68 DA MATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis – por uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro : Rocco, 1991.
180
compatibilizar a minha ida as suas residências nos horários de suas conveniência. Devo
ressaltar que a maior parte das entrevistas foi feita durante a semana, logo, em horários
de compromissos dos meus entrevistados.
As entrevistas foram gravadas e suas perguntas foram previamente formuladas
sem um modelo de um questionário fechado. Procurei montar uma espécie de roteiro
com as questões que poderiam ter motivado a vinda do morador para a Barra da Tijuca
e outras que abordassem as formas de relações dos moradores com o bairro e as sua
expectativas com o mesmo. A primeira entrevista foi uma espécie de piloto, e caso o
seu resultado ficasse muito distante das metas estipuladas seu modelo seria trocado.
Com o seu êxito pude mantê-lo e assim foi a até a aplicação do último questionário.
4.1.1. – A seleção dos moradores e dos condomínios fechados
A seleção dos entrevistados obedeceu a uma grande preocupação: atingir uma
diversidade sócio-cultural de moradores, mesmo tendo em vista que os resultados
pudessem me conduzir ao reconhecimento de um padrão sócio – ocupacional
determinado por um conjunto de hábitos minimamente pactuados por estes moradores.
Longe de ser uma contradição este princípio parecia-me alinhado com algumas
informações que obtivera do bairro antes da minha entrada nos condomínios que
indicavam uma diversidade social entre estes moradores. Ainda que a Barra da Tijuca
figure como bairro detentor de um dos maiores IDHs69 da cidade, a sua população não
é economicamente homogênea. Neste sentido a Barra da Tijuca não se diferencia de
outros bairros cariocas que cresceram dentro de um modelo de cidade, que como bem
asseverou Abreu (2006), tem suas áreas centrais dotadas de recursos e as periféricas a
margem dos investimentos públicos. A ampliação do crescimento desigual da cidade
fortaleceu a segregação urbana, e sem dúvida, a Barra da Tijuca tem colaborado para
esta situação. Em função do reconhecimento de que este bairro não é uma unidade
isolada no território procurei verificar as possibilidades dos múltiplos envolvimentos da
população com os espaços do bairro.
69 È o índice utilizado pelas prefeituras para medir o nível de desenvolvimento social dos bairros.
181
Neste sentido entendo que o condomínio onde o morador da Barra da Tijuca
reside é determinante nos seus fluxos, sejam eles circunscritos ao próprio bairro ou até
mesmo para deslocamentos de maior distância. Os condomínios selecionados são
diversos em suas infra-estruturas e localização espacial, haja vista que existe uma
espécie de hierarquia dos condomínios da Barra explicada pela dotação de recursos
que eles dispõem e da proximidade à espaços consagrados no bairro. Neste caso, são
muito valorizados os condomínios localizados na Avenida Sernambetiba que margeia a
praia da Barra da Tijuca. È bem verdade que condomínios mais afastados dentro do
bairro recebem elevada dotação econômica e simbólica, como é o caso do Pedra de
Itaúna , dividido internamente entre prédios e mansões. Como não entrevistei
moradores deste condomínio ou de outros que a ele se assemelhem não posso tirar
nenhuma conclusão, mesmo sabendo que esta ausência possa provocar limitações aos
achados da minha tese.
Segue abaixo alista de condomínios investigados e uma foto aérea que permite
suas respectivas localizações:
Solar da Barra : localizado na Rua Vilhena de Moraes, próximo ao Shopping
Infobarra na Avenida das Américas. Sua estrutura interna é considerada mediana, se
compararmos com o modelo de Condomínio padrão na Barra da Tijuca, onde se
destacam grandes condomínios antigos como o Novo Leblon, e os condomínios de luxo
mais recentes como o Golden Green, muito conhecido no bairro, pois nele mora uma
parcela da elite emergente da Barra da Tijuca, como atores de televisão e jogadores de
futebol. A área interna do condomínio é formada por uma grande piscina, uma
churrasqueira junto à área de lazer com bar e um pequeno parque, além de uma sauna
e estacionamento. A facilidade destacada pelo morador entrevistado é a proximidade
com o Infobarra, (fato que também foi destacado pelos moradores de outros
condomínios vizinhos que estão localizados nesta grande foto), um grande shopping de
informática que é uma referência no bairro. Na grande foto abaixo o condomínio Solar
da Barra é o segundo da Rua Vilhena de Moraes.
Nau da Barra: também localizado na mesma Avenida, dispõe de estrutura muito
similar, embora suas dependências sejam mais modestas. Nele podemos encontrar
182
piscina, sauna, quadra poliesportiva, bar, geralmente de uso exclusivo dos moradores.
È o primeiro condomínio fechado da Rua Vilhena de Moraes.
Portal do Parque : paralelo a Avenida das Américas, fica na rua Carlos Oswald,
número 230. Pode ser considerado um condomínio pequeno na Barra da Tijuca, tanto
pela dimensão espacial (foi o menor condomínio onde estive) quanto pela infra-
estrutura de lazer e serviços. Dentro de suas dependências existem uma área de lazer
com quadras poliesportivas, um pequeno espaço para festas com salão, churrasqueira
e parque para o uso das crianças, além de estacionamento. Os menores condomínios
são apontados como positivos pelos moradores pela facilidade dos pais fiscalizarem a
movimentação dos seus filhos, fato considerado imprescindível quando o segmento
etário em foco são as crianças e adolescentes, considerados pelos próprios pais frágeis
para circularem sozinhos pelo bairro, ainda que nas suas imediações. Na foto abaixo é
o segundo condomínio da Rua Carlos Oswald.
Vivendas do Bosque: localizado na Rua José de Figueiredo, na foto é o grande
condomínio de casas vizinho a rua Vilhena de Moraes. Apesar da morar na rua Arthur
Bernardo Filho, este logradouro não aparece na foto, mas ele pode ser indicado como
paralelo a rua Emílio Wolff, localizada dentro dos domínios do condomínio. Procurei
justificar sua ausência por uma questão formatação, já que além de mostrar nestas
fotos as residências eu busquei a visualização do conjunto de serviços dos seus
entornos. O Vivendas do Bosque é um mais antigos condomínios da Barra da Tijuca,
tendo sido construído no final dos anos setenta. Formado exclusivamente por casas,
seus moradores destacam as vastas áreas internas das casas, fato pouco comum na
Barra da Tijuca, e uma área de lazer situada no fundo do condomínio, que incluí quadra
poliesportiva, parque e churrasqueiras.
183
Figura 6 – Na foto acima podem ser visualizados os quatro condomínios citados anteriormente. Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Green Coast: fica próximo a ponte Lúcio Costa e suas dependências possuem
áreas de lazer como as outras já descritas, saunas e uma vasta garagem. (localizar
mapas).
Terrazas: fica na Avenida Sernambetiba, sem proximidade com shoppings, de
frente da praia e sua estrutura dispõe de uma área de lazer, com o detalhe curioso que
sãos as piscinas privativas. (verificar se a localização do mapa está correta).
Barramares: localizado na Avenida Sernambetiba número 3300, é um dos
grandes condomínios da Barra da Tijuca. A proximidade com a praia é tratado como um
184
dos grandes trunfos pelos seus moradores, já que ela costuma ser apontada como um
dos orgulhos do bairro. Dispondo de todos os serviços e lazeres descritos em outros
condomínios, que no Barramares aprecem em dimensões maiores, este condomínio
dispõe de um expressivo setor de serviços internos, que incluí uma locadora, salões de
beleza, um mini mercado, tudo demarcado por uma divisão interna peculiar: uma certa
facilidade de adentrar no portão principal e o acesso altamente controlado aos
condomínios internos. Assim como outros grandes condomínios da Barra da Tijuca, o
Barramares é muito procurado pelos moradores do bairro, em especial seus vizinhos
para fazerem compras no seu mini mercado. Na foto abaixo é o condomínio que produz
a maior foto visível na areia.
Figura 7 – Condomínio Barramares. Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
185
Jardim Europa: localizado na Avenida das Américas número 4319 é um grande
condomínio, dividido internamente por blocos de condomínios nomeados por cidades
estrangeiras. Dispõe de grande infra-estrutura com uma vasta área de lazer que inclui
parque para as crianças, quadras de esportes, e no fundo do condomínio, depois de
ultrapassado o segundo portão, podemos ver três grandes churrasqueiras onde os
moradores costumam se reunir em festas sejam elas comuns ao condomínio ou
privativas. Uma peculiaridade desde condomínio é fato dele ser atravessado por uma
rua, logo logradouro público, controlado por dois portões: o da rua, próximo da avenida
das Américas, e o portão de fundos, que dá a cesso a área de lazer aludida e a uma
igreja Mórmon freqüentada por não moradores do condomínio. Esta dubiedade
registrada nos usos dos espaços da Barra será investigada neste capítulo. Uma das
vantagens locacionais apontadas pelos seus moradores é a proximidade com o
Barrashopping, o mais antigo do bairro. Na foto abaixo ele aparece como o segundo
conjunto de prédios no canto esquerdo com prédios de cor preta.
186
Figura 8 – Condomínio Jardim Europa Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Barrasul: localizado na avenida das América, sem número Kilômetro 13, é um
dos condomínios mais afastados do setor de serviços do bairro. De grandes dimensões,
sua estrutura interna em alguns momentos chega a ser tão complexa quanto o
Barramares, ainda que de corte mais modesto. Nela podem ser vistas piscinas, salões
de festas, saunas, quadras poliesportivas e espaços significativo dentro de cada um
dos blocos de prédios. Em função da distância os moradores precisam recorrer ao
serviço de ônibus interno, que não é comum á todos os condomínios, e como
peculiaridade no fundo dos condomínios existe uma balsa que permite o acesso à
praia, e costuma ser usada por moradores de outros condomínios, desde que
187
acompanhados por moradores do Barrasul. Na foto abaixo o Barrasul fica ao lado deste
grande terreno e o edifício da moradora entrevista está na Avenida Fausto Moreira.
Figura 9 – Condomínio Barrasul. Fonte: Armazém de dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Lake Buena Vista: localizado na Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, fica a
margem do canal de Marapendi, ponto muito divulgado pelos moradores do bairro. È
um condomínio de médio a grande porte, destacando-se pela idade (foi criado no meio
dos anos noventa) e uma relativa sofisticação de serviços internos. Os equipamentos
internos não se diferem muito dos já descritos em outros condomínios, sendo acrescido
188
por algumas amenidades, como a presença de uma pista bem arborizada onde os
moradores fazem caminhadas que acompanha o conjunto de todos os condomínios
localizados na Avenida, chamada pelos moradores de avenida do canal Vista fica atrás
do Canal de Marapendi. Na foto abaixo o Lake Buena vista é o segundo conjunto de
prédios localizados antes da rua que se liga a ponte Marapendi.
Figura 10 – Condomínio Lake Buena Vista Fonte: Armazém de Dados, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
189
Estes condomínios formam um verdadeiro mosaico urbano, afora a habitual
padronização que marca as suas edificações. O fato comum a todos é a presença de
guaritas onde são feitos os controles dos moradores e visitantes. São Condomínios que
podem refletir a modernidade e segurança tão associadas aos condomínios da Barra,
como são os casos do Barramares e o Lake Buena Vista, ainda que estes não figurem
entre os condomínios mais sofisticados do bairro, assim como estarem situados no
extremos oposto como é o caso da Barrasul, um dos mais antigos condomínios do
bairro e estigmatizado pelos moradores da Barra que a ele se referem como “favelão”.
Ou seja, a diversidade dos condomínios reflete a heterogeneidade dos moradores da
Barra da Tijuca.
4.2 – A Barra como destino.
Figura 11 - Mapa da Barra da Tijuca. Pode-se perceber a situação geográfica da Barra da Tijuca na sua
proximidade com bens naturais e outros bairros da XXIV Região Administrativa, da qual é integrante.
Fonte: Instituto Pereira Passos
190
Os moradores dos condomínios fechados que eu entrevistei têm trajetórias
bastante diferentes. O fato de serem moradores da Barra da Tijuca não permite
generalizações que os incluam em um universo homogêneo de moradores que
compartilham das mesmas escolhas. Estas escolhas são tão distintas quanto os seus
lugares de origem. Pude perceber que esta diversidade contribuiu de forma decisiva na
formas de incorporação dos moradores dentro do bairro. Incorporados de forma
diferenciada, estes moradores criaram expectativas inicias bastante particulares, cada
qual em respeito aos projetos pessoais que poderiam ser colocados em curso. Sendo
assim, a viabilidade destes projetos estavam atreladas ao casamento da infra-estrutura
que o bairro oferecia com os seus ritmos de vida que incluíam as relações de trabalho e
o grupos sociais do qual faziam parte. Pude perceber, de saída, que as concepções
que os moradores formularam sobre o bairro tem uma estreita relação com os seus
lugares de origem. Vejamos como isto apareceu.
Figura 12 - Vista aérea da Barra da Tijuca. Fonte: Internet
Ls, moradora do condomínio Vivendas do Bosque, arquiteta, casada,
aparentando ter pouco mais de 50 anos, tem toda a carreira construída nos setor
público, é de origem nordestina, sem ter precisado o Estado e decidiu vir para a Barra
da Tijuca para atender um desejo do seu marido que era morar em uma região que
191
lembrasse as suas origens de cidade de interior. Com a morfologia urbana ainda pouco
urbanizada, a Barra da Tijuca poderia se encaixar neste perfil. Seu marido pretendia
oferecer às suas filhas o grau máximo de liberdade que ele desfrutara na sua criação
estimulando nelas os hábitos de contato com a natureza como subir em árvores, andar
descalço e correr pela casa (a casa possuí um vasto jardim ). Ela e o seu marido
buscavam para as suas filhas uma criação libertária, que de uma certa forma mantinha
uma linha de continuidade com a sua infância e adolescência, já que fora criada em
Laranjeiras, bairro da zona sul carioca, em uma época que era possível às crianças
brincarem na rua, e de forma geral, ocuparem os espaços públicos do bairro. Neste perfil aparece uma identificação da família de Ls com formas de
socialização que passam pela convivência em espaços públicos. Mais adiante ela
afirma que sempre buscou na criação das filhas o maior número possível de contatos
com as pessoas, tanto que fez da sua casa um lugar de encontro onde toda a sua
família pudesse ser reunida. Há no imaginário de Ls uma avaliação positiva do espaço
público. Para ela este é um lugar aonde as pessoas podem conviver e experimentar
todas as suas diferenças nele exercendo a sua criatividade.
Com trajetória distinta, mas também bastante afeito aos valores positivos
oferecidos por uma vida construída em lugares abertos, M. morador do Condomínio
Terraza, é iluminador de teatro, tem pouco mais de 40 anos, atualmente estuda direito
em uma faculdade privada e mora na Barra da tijuca há dezesseis anos. Criado em
Botafogo veio morar na Barra da Tijuca pelo comodismo de mora no apartamento dos
seus pais, tendo passado anteriormente pelo alto da Boa Vista. Esta informação
confirma, em parte a idéia que se tem do morador da Barra da Tijuca como morador
emergente que ao melhora o seu padrão de vida vem morar na Barra, digo em parte
porque um caso como o de M deixam claro que tal decisão foi circunstancial. M lança um olhar bastante crítico sobre o bairro, com certeza junto com o de Ls o
mais incisivo entre todos os moradores que eu entrevistei. Para ele várias exigências do
bairro são bastante inconvenientes como a necessidade constante do uso do carro, o
fato das caçadas estarem constantemente vazias, que acaba contribuindo para torná-
las perigosas, e, principalmente, as formas de relação entre os moradores dentro do
192
seu condomínio. Em sua avaliação “o seu condomínio é doentio. Os moradores moram
em tribos, enquanto acreditam falsamente que ocupam um espaço democrático”.
Dentro deste quadro de relações tensas entre os moradores é bastante ilustrativa
podemos recorrer ao conceito de Heterotopia foucaultianas para percebermos os seus
efeitos. As Heterotopias são lugares de disputa aonde alguns grupos acabam
exercendo relações de dominação sobre outros e garantem assim a sua soberania.
Neste espaço aparentemente linear desenrolam-se disputas pela sua ocupação. Estas
disputas são reguladas pela validade de determinados códigos de conduta, como o
respeito à família, a certas formas de tradição que se convertem em hábitos entre os
moradores, caracterizando assim uma espécie de contrato tácito. No condomínio
Terraza, assim como praticamente todos os outros em que estive, pude identificar que
as falas dos moradores estavam impregnadas de valores familiares e comunitários, e
aqueles que, por quaisquer que fossem os motivos, não se enquadrassem nesta
terminologia sofriam punições tácitas, não necessariamente contratuais. Ou seja, dentro
dos condomínios existe uma relação de controle entre os grupos e o espaço reflete
estas divisões. Aqueles grupos mais estabelecidos hegemonizam os espaços internos
do condomínio induzindo a criação de relações baseadas em uma espécie de força da
tradição. No caso do Terraza, o fator tempo pareceu ser decisivo para que certos
moradores se destacassem frente aos outros, e desta forma, os moradores mais velhos
dispõe de maior prestígio local.
Mais à frente eu vou aprofundar esta situação quando falar sobre as estratégias
que os moradores dos condomínios fechados têm utilizado para camuflar algumas das
tensões que ocorrem dentro de suas áreas residenciais. No momento o importante é
deixar claro como as relações de poder da modernidade tardia estenderam seus
tentáculos para espaços que no período da modernidade clássica, ou pesada como
diria Bauman, eram vistos apenas como epifenômenos de uma espacialidade mais
nobre, no caso restrita ao espaço público.
Moradora do mesmo condomínio que Mr, Hl, com idade entre 55 e 60 anos, é
assistente social aposentada tendo trabalhado na Caixa Econômica e no BNH, antigo
Banco Nacional de Habitação. Moradora do Terraza há trinta anos é casada e mãe de
três filhos, estado todos casados com uma delas morando fora do Brasil. Desde que
193
chegaram na Barra da Tijuca moram no mesmo condomínio, de onde vêm percebendo
mudanças significativas na estrutura do bairro. Em todos estes casos até agora
analisados, os moradores viram a Barra da Tijuca passar da condição de promessa
para realidade de nova urbanidade carioca. No entanto, cada morador se inseriu da sua
maneira dentro de nova estrutura urbana, aonde o condomínio fechado exerce um
papel central.
A trajetória de Hl começou a ser construída na Tijuca, tradicional bairro de zona
norte do Rio de Janeiro. Depois de se casar foi morar em bairros muitos distintos, tanto
do ponto de vista econômico quanto social, como Catumbi e Botafogo. Ela e o seu
marido começaram a procurar por um imóvel que pudesse compatibilizar os seus
desejos que eram o de morar em um apartamento mais espaçoso, num lugar tranqüilo e
que pudesse ser compatibilizado com a renda da sua família. Dado o estágio inicial no
qual a Barra da Tijuca se encontrava na época, o bairro acaba lhes oferecendo as
condições mais propícias. Foi um projeto familiar que trouxe esta família para o bairro e
o seu movimento, acabou caracterizando-se como a trajetória mais comum à Barra, que
é a chegada de famílias egressas da Tijuca que viram ampliados o seu poder aquisitivo,
mesmo considerando que a intenção inicial desta família não era morar
necessariamente na Barra da Tijuca.
Hl começou a sua socialização no bairro de forma muito positiva, e credita seu
êxito aos traços revelados pelo seu condomínio que em muito lembrava o ambiente
familiar com o qual ela estava familiarizada. A micro realidade criada pelo seu
condomínio criava uma espacialidade familiar permitindo aos seus moradores a criação
de laços de pertencimento muito fortes. Tal quadro estimulou contatos regulares entre
os moradores que , como ela, chegavam ao condomínio naquele momento, e nele
depositavam suas expectativas de convivência, ainda mais porque uma Barra pouco
urbanizada, sem muitos recursos externos e com acessos onerosos que só
estimulavam os seus moradores a saírem dos seus domínios para trabalharem,
acabava estimulando os modos de vida internos.
A Barra da Tijuca, que fora planejada e executada em 1969, no fim dos anos
setenta ainda era muito jovem, e dava passos tímidos para se tornar um bairro que se
integrasse a lógica da cidade do capital, que como definiu Lefebvre (2006) deve ser
194
composta por aglomerações territoriais urbanas organizadas que galgavam do estágio
de áreas de desenvolvimento autônomas para se integrarem em uma rede de
economias urbanas envolvendo outras cidades.70 A sua integração ocorrerá nos anos
noventa, produzindo efeitos no estatuto urbano do bairro e do seu morador. È
justamente neste período que se dissemina, em boa parte no setor imobiliário, a
expectativa de transformar os condomínios fechados em instituições totais, nos termos
durkheimianos. Este prognóstico escusado nas experiências pioneiras do Novo Leblon
e do Nova Ipanema, tem sido um dos eixos para a produção dos valores entre os seus
moradores.
A afinidade de H com o seu condomínio é tão expressiva que durante o período
de seis anos em que esteve afastada por motivos de trabalho, na metade dele sequer
alugou o seu apartamento, vindo para a Barra todos os finais de semana. É bem
verdade que ela dirige algumas críticas ao distanciamento atual entre os moradores
atribuído-no ao fato de muitos terem envelhecido e diminuído o seu contato,
enfraquecendo um pouco o seu caráter familiar.
V, com idade entre 55 e 60 anos, é outra moradora do condomínio Terraza,
aonde mora há trinta anos. Nascida em Salvador, assim que veio para o Rio de Janeiro
foi morar em Copacabana, bairro em que permaneceu por quinze anos. O motivo que a
trouxe para o Terraza foi a busca por maior espaço em comum acordo com o seu
marido, e assim como Ls, moradora do Vivendas do Bosque, pretendia morar em um
ambiente mais rural. As condições oferecidas pelo condomínio eram consideradas
ideais. Ele era novo, amplo e os seus moradores que estavam acabando de chegar
inevitavelmente acabavam se conhecendo. Esta dinâmica colaborava para a criação
dos laços de familiaridade para os quais H chamou a atenção.
Entre estes moradores mais antigos do bairro, a memória sobre uma realidade
diferente da atual é tão expressiva que eles costumam convocá-la para destacar fatores
positivos e negativos da atual Barra da Tijuca. Aliás, de saída, é possível a afirmação já
que estes moradores presenciaram uma Barra da Tijuca com pouca infra-estrutura, eles
são inclinados a acreditarem que as pessoas tendiam a se envolver mais com os seus
condomínios que tornavam-se lugares acolhedores e gregários, ao passo que a Barra
70 LEFEBVRE, Henry. O Direito a Cidade. São Paulo : Centauro, 2006.
195
da Tijuca atual seria muito grande, e que apesar de dispor de uma boa infra-estrutura,
exceção feita ao transporte, dentro dos condomínios observa-se um grande
afastamento entre os moradores. È como se na avaliação feita por uma determinada
geração de moradores, representada por alguns casos que entrevistei, os condomínios
tivessem deixado de ser lugares coletivos para se transformarem em ambientes
individualistas.
Contudo, mais a frente vai ficar claro que esta conclusão não é compartilhada
pelos moradores mais jovens, mesmo quando residem dentro dos mesmos
condomínios destes moradores mais velhos. Aquele que veio morar primeiro na Barra
gostaria que fossem mantidas as relações que ele cultivou, num exercício bem típico
que alguns representantes das gerações mais velhas gostam de fazer, transformando o
seu período na época de ouro de um período que se perdeu. O seu contraponto é a fala
dos mais jovens escoradas na experiência de viver em um bairro que se tornou uma
espécie de epicentro da sociedade de consumo contemporânea, marcada pelo
individualismo de consumo. (Bauman, 2006).
B é casado, arquiteto, trabalha com restauração na empresa Concrejato, é
Professor universitário, tem pouco mais de quarenta anos e mora no condomínio Portal
do Parque com sua mulher e dois filhos, um de dez e outro de quatorze anos. Sua
história de vida está atravessada pela Barra da Tijuca. Ele teve diferentes vinculações com o bairro. Primeiro morou com os pais em um
Condomínio de casas luxuoso chamado Jardim da Barra entre 1982 e 1992. Em 1992
saiu da Barra e foi morar em diversos bairros como Tijuca, Ipanema, Leblon e até na
Europa, sem ter precisado o país e a cidade, voltando para o bairro em 1997 para
morar no condomínio que morar até os dias de hoje. Apesar da estreita relação com o
bairro B não nasceu na Barra da Tijuca. Entre a infância e a adolescência morou na
Tijuca, no Humaitá e em Botafogo, bairro de onde traz várias recordações que são
mencionadas na entrevista.
A entrevista com B aponta um dilema: reconhecendo as trajetórias dos
moradores da Barra da Tijuca é possível reconhecer neles um ethos (Bourdieu, 2004)
constituído no bairro, sendo que em alguns casos esta filiação é mais clara e em outros
há uma tensão entre os habitus adquiridos no bairro, tratados como positivos e as
196
críticas dirigidas a um modo de vida considerado padrão para esta região. È no campo
desta disputa que, ao meu ver, opera uma espécie de dialética na filiação urbana, que
traduz a acomodação do morador às expectativas que são nutridas sobre quem mora
em uma área de expansão urbana e certos males estares oriundos da necessidade de
se manter esta posição.
Neste sentido é possível dizer que o ethos de B é na Barra da Tijuca. Neste
bairro viveu durante dez anos, um período suficiente para destrinchar as suas
entranhas, ainda mais porque este vivência se deu entre 1982 e 1992, no exato
momento em que a Barra da Tijuca está modificando o seu estatuto urbano. Porém a
sua passagem por outros bairros deixou registrada uma série de valores que mais
adiante foram sendo reelaborados pela convivência com espacialidades bem distintas.
Quero dizer com isto que o fato de B nem sempre ter sido morador de condomínio
fechado, e ter intercalado a sua trajetória com em ambientes semi abertos, já que
morou em prédios, colaborou para a formação de valores híbridos que aparecem nas
suas formas de socialização dentro do próprio condomínio.
Pr, outra moradora que eu entrevistei, moradora do condomínio Green Coast, é
casada, aparenta ter entre 32 e 40 anos e é moradora do bairro há seis anos. Antes de
morar na Barra da Tijuca Pr morou no Méier, onde parece ter sido criada, e depois se
mudou para Jacarepaguá, onde residiu por dez anos. O envolvimento com o bairro vem
de longa data, pois com ele já mantinha relações profissionais e de amizade. Depois de
casada decidiu se mudar em definitivo para a Barra da Tijuca, tornando este percurso
um movimento esperado.
Na trajetória espacial de Pr há uma clara intencionalidade em relação à Barra.
Sua mudança fez parte de um projeto cuja arquitetação vem de longa data e passa por
relações afetivas que com tempo reforçaram o seu interesse de vir morar no bairro.
Pode-se dizer que o seu vínculo com a Barra é morfo-psicológico. Esta vinculação não
tem recebido a devida atenção por parte dos estudos urbanos que se dedicam com
mais freqüência aos macro processos das cidades, como a fragmentação do tecido
sócio-espacial e a sua conseqüente segregação residencial e acaba relegando as
outras escalas do problema a um plano menor de importância. Esta orientação deixa de
197
perceber as interseções entre os dois planos na questão urbana. Minha análise procura
cobrir esta problemática.
A idade de Pr e o seu tempo no bairro são determinantes para as percepções
que construiu sobre o bairro e as pessoas que nele vivem. Relativamente jovem, a sua
trajetória coincide com o desenvolvimento do bairro, que começou nos anos oitenta
porém foi acelerado na década de noventa. Pr. conheceu a Barra da Tijuca já
remodelada, com a sua paisagem dominada pelos condomínios fechados e os
shoppings centers como as formas de comércio e lazer predominantes.Com certeza ela
pôde acompanhar algumas transições pelas quais o bairro passou, mas estas
certamente vieram no sentido de consolidar um modelo que vinha sendo gestado e que
ainda hoje produz desdobramentos.
Sem querer incorrer em um determinismo geográfico, pude perceber que Pr não
sofreu no seu processo de subjetivação uma necessidade maior de adaptação aos
novos contornos que o bairro veio tomando. Não que esta adaptação gera custos
psicológicos traumáticos, já que a maioria dos moradores que eu entrevistei revelam um
certo orgulho por serem testemunhas do processo de crescimento do bairro. Pr, por sua
vez é herdeira deste crescimento, faz parte de uma geração que vem dando seqüência
ao seu processo de desenvolvimento, com saldos na estima de ser moradora do bairro.
Aliás, na sua entrevista a dimensão do bairro é mais significativa do que do condomínio,
que para ela é apenas o lugar onde mora, sem maiores implicações na definição da sua
moralidade urbana. Ela revela sentir saudades da época em que morou em outro
condomínio, o que acentua que o seu sentimento de pertença a um ambiente fechado
foi mais significativo naquela ocasião.
A. é aposentada, aparenta ter 60 anos, tem dois filhos e cinco netos, e
atualmente mora sozinha com o seu marido. Oriunda do Grajaú, tradicional bairro da
zona norte carioca, já costumava vir para o bairro onde freqüentava o clube Marapendi
do qual era sócia. Moradora do bairro há mais de vinte anos, ela também faz parte da
geração que viu o bairro crescer. Quando chegou a Barra era muito pouco urbanizada,
não havia o predomínio dos condomínios fechados em sua paisagem e o bairro era
pouco servido pelo setor de serviços.
198
Assim, como H. A. acabou se envolvendo bastante como os moradores do seu
condomínio, já que mediante as carências que se faziam sentir no bairro era neste lugar
que ela buscava abrigo para a sua socialização. E pode-se dizer que esta empreitada
foi muito bem sucedida porque até hoje ela é uma figura de ressonância dentro do seu
condomínio, já tendo sido síndica e exercendo até os dias atuais funções informais de
consultoria sindical. Aliás, é bastante comum em alguns condomínios a construção de
lideranças carismáticas que por desfrutarem de grande prestígio junto aos seus
moradores acabam se sobrepondo as atribuições burocráticas regulares, de acordo
com elas, pelo bem do lugar.
Na sua trajetória para a Barra da Tijuca está a busca pela tranqüilidade, que ela
considerava maior no início da sua residência no bairro do que agora. Como a sua
integração com o bairro se deu através do condomínio, a sua auto – suficiência fica
bastante caracterizada na sua fala ao atestar que o seu condomínio fica afastado e no
centro do tudo. Ou seja, em função da sua competente dotação de serviços o seu
condomínio inclui socialmente o morador no bairro, ao lhe oferecer os recursos
materiais e simbólicos de pertença a uma coletividade, e ao mesmo tempo o isola dos
conflitos e ameaças urbanas produzidas na cidade. Desta forma, o condomínio se
insere no circuito urbano descrito por Santos aonde transcorrem relações de trocas de
produtos e serviços entre uma região e outra. È o condomínio se relacionando com o
bairro. Esta complementaridade é decisiva para a definição da sensação de pertença
para A.
An é moradora do condomínio Lake Buena Vista, aparenta ter entre 45 e 50
anos, é arquiteta aposentada da Caixa Econômica Federal, casada, mora com o marido
e dois filhos, um rapaz de 21 e uma garota de 17 anos e uma empregada que ela
chama de funcionária e que vem todas as semanas para o trabalho onde acaba
passando a semana inteira. Antes de vir para a Barra morou na Tijuca da infância até o
início da vida adulta, indo para o Grajaú assim que se casou e por lá morou um breve
período até tomar a decisão de morar na Barra da Tijuca. Ela mora na Barra da Tijuca
desde 1995. Assim que chegou teve que morar entre Abril e Fevereiro no condomínio
Jatiuca, localizado no número 1400 do canal de Marapendi. Esta decisão foi tomada em
199
função da realização de obras no condomínio que mora hoje e que só veio ficar pronta
em Setembro de 1995. Desde então, vivem no mesmo condomínio.
O caso de A2 é aquele que talvez melhor corresponde a idéia de mobilidade
social que se tem do morador da Barra da Tijuca. Aquele egresso da Tijuca e que com
a ampliação da sua renda procura por uma região que guarda uma certa similaridade
com o seu lugar de origem, mas a este acrescenta características que asseguram a
clara sensação de estar desfrutando de um melhor padrão de vida. Na Barra poder-se-
ia viver em relativo isolamento, e tal possibilidade o aproxima de um passado distante
do bairro que para muitos só é acessível pela narrativa dos mais antigos.
Se no final do século XIX era possível refugiar-se dos miasmas urbanas na
Tijuca, região de terras altas e clima mais ameno, a Barra da Tijuca do final do século
XX ofereceria ao seu residente uma sensação de isolamento relativo e ainda poderia
desfrutar de amenidades naturais, como a proximidade com a praia. Se no final do
século XIX quem procurava pela Tijuca fugia dos miasmas urbanos, no final do século
XX quem procurava pela Barra da Tijuca fugia da violência urbana representada, de
acordo com um senso comum cada vez mais amplo, pela figura territorial da favela.
Esta pretensão vem seno frustrada nos últimos anos pela presença da vizinhança
“indesejada” e como uma conseqüência do crescimento urbano do bairro passam a ser
comuns os engarrafamentos e outras formas de aglomeração urbana, fatores sociais
rejeitados por quem optou pela Barra da Tijuca. Veremos mais a frente como este
saldo, considerado negativo pelos moradores dos condomínios, vem gerando
ambigüidades na relação entre os projetos de vida destes mesmos moradores e as
limitações colocadas por elementos da territorialização urbana.
Na trajetória de An a família teve um peso muito grande, reforçando no seu caso
a importância que esta instituição costuma desfrutar entre os moradores da Tijuca.
Como os seus pais se mudaram para a Barra ela procurou ficar mais perto deles.
Outros fatores também pesaram na sua decisão, como o preço considerado compatível
com a sua renda familiar (Em 1995 ainda era possível comprar imóveis de porte
expressivo por preços muito abaixo dos dias atuais, caso estes fossem atualizados), e a
vontade de criar os seus filhos em um prédio que tivesse área de lazer.
200
No entanto, mesmo levando em consideração a importância da combinação
destes fatores citados, o grande motivo que trouxe An para a Barra da Tijuca foi o
crescimento da violência no bairro em que morava, no caso a Tijuca. Como este fator é
praticamente comum à todos os moradores da Barra da Tijuca que afirmam com maior
ou menor ênfase que ao morarem na Barra da Tijuca sentem-se mais seguros, esta
variável será analisada com destaque mais adiante. Sua centralidade nas escolhas dos
moradores é tão expressiva que alguns trabalhos acadêmicos ao se referirem à
estrutura criado pelos condomínios fechados como a arquitetura do medo (Lessa, 2000,
Malaguti, 2007).
Sl é professora de redação, português e artesanato, trabalha na faculdade
Estácio de Sá, no Senac, numa clínica de fisioterapia na Barra da Tijuca e coordena um
grupo de bordadeiras na Casa do Artesanato. Separada, mora com a única filha no
condomínio Barrasul há quatro anos. Sem ter construído qualquer vinculo anterior com
o bairro, o motivo que a trouxe para a Barra da Tijuca foi meramente casual.
Figura 13 – Fronteira tensa entre o condomínio Barra Sul e o seu vizinho. Fonte: Arquivo pessoal do autor
201
Atravessando uma delicada situação financeira a vinda para a Barra da Tijuca foi
permitida pelo empréstimo feito pelo seu irmão ao apartamento onde mora. Logo, sua
vinda para o bairro foi absolutamente casual e distante de muitas trajetórias
investigadas nas outras entrevistas. Aliás, sua trajetória não tem, com exceção desta
situação que ela gosta de frisar de frisar ser temporária, nenhuma relação anterior com
a Barra da Tijuca. Até por isto, na sua fala ela enfatiza não se enquadrar no perfil de
morador do bairro. Na parte final das análises eu farei uma apreciação critica da
conceituação deste perfil pelos moradores entrevistados.
Vários bairros da cidade do Rio de Janeiro participaram da mobilidade espacial
de Sl. Filha de militar, a troca de residência foi uma constante em sua vida. Neste
circuito ela passou a sua adolescência em Brasília, São Paulo, Rio Grande do Sul,
Rezende (Estado do Rio de Janeiro) e o bairro de São Cristóvão. No Rio de Janeiro,
além de São Cristóvão, morou em bairros como Cosme Velho, Ramos até chegar na
Barra da Tijuca. De todos estes lugares no Rio, Cosme Velho foi o bairro com o qual
mais se envolveu, pois lá morou enquanto estava solteira e depois retornou após o fim
do seu casamento.
A interação de Sl com a cidade se opõe às opções oferecidas pelo bairro. As
grandes distâncias da Barra da Tijuca, incluindo o gigantismo do seu condomínio,
atuam sobre ela de forma constrangedora. Distante dos lugares que precisa recorrer
para atender as suas exigências cotidianas, como fazer compras e ir ao trabalho, a
localização no bairro produz nela um sentimento de isolamento. È sabido que morar na
Barra da Tijuca sem automóvel, em um bairro que ganhou todas a configurações
urbanas adaptadas a este meio de transporte, torna as condições de vida do seu
morador quase anômala. Exceção feita aos ônibus que partem dos condomínios. Como
este serviço não está disponível no seu condomínio ela recorre ao ônibus que circula
dentro do próprio bairro, mas a sua lentidão torna o seu trajeto bastante oneroso.
Br, trinta e quatro anos é desenhista industrial e trabalha como consultor.
Morador do Condomínio Solar da Barra, Br vive na Barra da Tijuca desde 1993. Ao
contrário de alguns moradores entrevistados, Br já conhecia o bairro porque durante a
sua infância costuma vir com os seus pais para freqüentar a praia, usando o
apartamento onde ele mora atualmente. Naquela época, a Barra da Tijuca era uma
202
região de veraneio, pouco habitada e começando a experimentar o seu crescimento
urbano. Já morou em diferentes lugares, Salvador, Toulouse (França) e em Botafogo,l
que representou um período significativo da sua vida. Sua trajetória espacial é comum a
certos segmentos da classe média alta que se mudam por motivos de trabalho, mas
costumam optar por morarem em bairros com os quais guardam afinidade. È o seu
caso em relação a Botafogo, que representou um lugar de residência em diferentes
momentos da sua vida.
Figura 14 – Guarita do condomínio Solar da Barra. Esta é uma construção típica dos condomínios da
Barra que demonstra toda a preocupação dos seus moradores com a segurança. Fonte: Arquivo pessoal do autor
O motivo que o trouxe para a Barra da Tijuca foi familiar. Com a separação dos
seus pais, Br foi morar com o pai e o irmão continuou morando com a mão no Morada
do Sol. Como recentemente o seu pai se casou outra vez e optou por morar em
Friburgo, ele acabou ficando praticamente sozinho no seu apartamento, o que acabou
203
se tornando uma opção adequada ao seu atual ritmo de vida, por ele considerado
bastante caseiro, inclusive em relação ao trabalho, já que nos últimos anos tem
trabalhado dentro de casa. Com o tempo a relação com a Barra da Tijuca foi se
estreitando e ele sente-se incorporado pelo seu setor de serviços e lazer que, aliás,
representam os maiores pólos do bairro.
Br tem uma longa experiência com condomínios fechados. Em Botafogo morou
em um dos condomínios mais conhecidos da zona sul, o Morada do Sol. Por isto parece
estar familiarizado com as exigências trazidas pela vida em um condomínio fechado. No
Morado do Sol, um Condomínio muito maior do que aquele onde ele mora atualmente,
as condições oferecidas eram consideradas positivas. Ele era bem localizado, o que
facilitava a sua vida, já que estudava em Botafogo e seus amigos moravam
praticamente na zona sul, oferecia uma gama de serviços confortável e disponibilizava
uma vista que o agradava bastante. Sua única crítica é dirigida às dimensões do
condomínio, exageradas em sua opinião, o que por vezes lhe passava a sensação de
estar vivendo em uma Megalópole.
A referência à Megalópole é sintomática da experiência com a cidade que certos
segmentos de classe vem tendo ao longo das últimas décadas. Jovens como Br que
cresceram em uma época de aumento da violência na cidade há bastante tempo vêm
sendo apresentados as preocupações com a segurança dentro dos seus condomínios.
Estes jovens tendem a desenvolver uma relação de medo de desconfiança com a
cidade alimentada pelas informações visuais que os seus ambientes mais imediatos
lhes enviam. São câmeras de segurança, sensores, guardas e dispositivos que
segundo Br, já estavam sendo usados no Morada do Sol nos anos oitenta, ou seja,
antes destes recursos se tornarem populares com os condomínios fechados da Barra
da Tijuca.
E , tem em torno de trinta anos, é design de jóias, trabalha como professora de
Inglês e mora no Condomínio Barramares. Nordestina, nasceu em Aracajú, morar no
Rio em Botafogo no Condomínio Morada do Sol, o mesmo de B, tendo lá permanecido
por apenas seis meses. Logo em seguida se muda para o Condomínio Atlântico Sul,
este já na Barra da Tijuca, onde permanece até os dezessete anos. Teve um breve
204
período fora do Brasil, e ao voltar morou no Condomínio Village Oceanic para enfim vir
morar no Condomínio Barramares.
Figura 15 - Foto interna do Barramares Fonte: Arquivo pessoal do autor
Como foi possível perceber a trajetória residencial de E passa muito pelos
condomínios fechados, e, em especial, pelos condomínios fechados da Barra da Tijuca.
Apesar de afirmar que não gosta de morar na Barra da Tijuca, especificamente dentro
de condomínios, e que se pudesse escolher moraria em Aracajú ou na zona sul do Rio
de Janeiro, E parece ter uma relação ambígua com o Condomínio. Apesar de morar
com a mãe, que é viúva, e parecer ter com ela um forte vínculo afetivo, as duas
manifestam opiniões muito distintas em relação à Barra. Para E, a Barra da Tijuca é um
bairro distante que sufoca as pessoas encerradas em modos de vida fechados,
205
enquanto sua mãe aprova esta residência por entender que a Barra oferece um padrão
de vida que ela só conheceu em países de primeiro mundo.
E. costuma se dirigir para outros lugares da cidade, basicamente, para a zona
sul. Este eixo é cumprido por muitos moradores que tem entre trinta e quarenta anos
indicando que existe uma relação paradoxal da Barra com a zona sul, melhor dizendo,
zona sul mais nobre formada por Ipanema, Lagoa e Leblon. Se por um lado, estes
bairros são bem avaliados por alguns moradores, principalmente os que estão na idade
de E, por disponibilizarem excelentes opções sócio-culturais e alternativas de circulação
que dispensam os automóveis, por outro lado, há casos de crítica aos preconceitos
manifestados pelos moradores da zona sul aos moradores da Barra da Tijuca.
O caso de E. é de envolvimento com esta zona sul onde tem muitos amigos e
por extensão, é o lugar em que costuma se divertir. De qualquer forma, a zona sul
exerce continua exercendo um papel central na cidade do Rio de Janeiro, mesmo entre
as regiões em expansão, como é o caso da Barra. Este fato parece sugerir um desafio
para os segmentos que remodelaram a Barra da Tijuca nos anos oitenta : estes
tentaram fazer da Barra um bairro que não repetisse os erros urbanos da zona sul, mas
com o passar do tempo alguns moradores apontam sinais de saturamento urbano que
acabam levando-nos a direcionar seus interesses para esta mesma zona sul.
O e M são irmãos, tem entre 20 e 25 anos, moram no condomínio Nau da Barra
há quinze anos, mas têm diferentes períodos de vivência no bairro. M morou na Barra
da Tijuca entre 1993 e 2000, depois voltou para Tijuca, bairro onde nasceu, só
retornando para a Barra em 2005. O, por sua vez, nunca se ausentou do bairro. Mesmo
e durante o período em que M viveu na Tijuca ele nunca perdeu contato com a Barra.
Com este bairro já estabelecera uma relação de intimidade, já que aqui moravam
muitos dos seus amigos, que em sua grande maioria, só conhecem o bairro. M e O nasceram na Tijuca, mas pode-se dizer que eles são típicos
representantes da geração Barra da Tijuca, isto é, jovens que nasceram e forma criados
na Barra no período em que o bairro começou a despontar como opção de moradia e
lazer na cidade. Muitos dos traços mais típicos desta geração estão inscritos na
personalidade dos irmãos, dentre os quais a forte socialização em condomínios
fechados. No que diz respeito a este habitus, sua análise será feita em uma seção
206
específica. Porém adiantar a sua existência é afirmar que há, sem dúvida, um fator
geracional no envolvimento do morador da Barra da Tijuca com o seu bairro. Jovens da
idade de M e O costumam se envolver de forma mais completa com o bairro do que os
moradores mais velhos. Este envolvimento e extensivo aos condomínios fechados, se
bem que aí aparece uma diferença apontada nas falas dos irmãos: os mais velhos
tendem a se envolver mais com os condomínios, que pode ser tanto as áreas dos
condomínios como os seus apartamentos do que os mais jovens.
A inclusão de M e O demarca a relação espacial que eles mantém coma cidade.
Ambos são usuários da cidade, conhecem outros bairros, tem família em outro bairro,
até gostam de sair longe de suas casas, mas admitem que esta não é a situação mais
comum entre os seus amigos. Os limites de mobilidade destes outros garotos são
circunscritos ao ciclo de vida todo feito na Barra da Tijuca. A cartografia urbana deles é
afetiva e atesta através do medo que a cidade termina onde começa o desconhecido,
avaliado como ameaçador.
4.3 – O medo urbano: a procura por segurança nos condomínios fechados.
Em todas as entrevistas realizadas, um dos únicos pontos de concordância
revelado na fala dos moradores foi o motivo que traz as pessoas para virem morar em
condomínios fechados. A razão é a procura por segurança. Sentindo-se inseguros
morando nos bairros onde não predominam os condomínios fechados a decisão de vir
para a Barra passa pelo desejo de evitar a proximidade com o perigo, na maior parte
das vezes, associado à vizinhança com favelas. Ou seja, a violência urbana é
identificada de forma muito pontual, traduzindo as ameaças ligadas ao patrimônio
material, assaltos a residências, roubo de carros e o medo da bala perdida.
A vinda para o bairro pretende alinhar a segurança com padrão de vida. Em geral
estas duas premissas parecem associadas, que fica claro na infra-estrutura dos
condomínios. Todos os condomínios investigados dispõem de um acervo comum de
segurança que inclui câmeras de vigilância, guaritas, (há casos de guaritas internas e
externas, e nestes casos as guaritas internas são mais rigorosas do que as externas),
207
segurança armada atuando em vários pontos dos condomínios trabalhando em sistema
de turnos.
Como esta decisão de vir para a Barra da Tijuca tomada pelo morador foi
voluntária, independente da natureza da sua escolha, na sua mobilidade está a
definição de uma relação com determinada espacialidades. Ao vir para o condomínios
fechado o morador tenderá a ser socializado em ambientes confinados, com espaços
de encontro restringidos à uma delimitação prévia. Estes espaços construídos vão
sendo reconstruídos ao longo do tempo na medida em que o seu morador vai lhe
preenchendo com os valores que ele define como modulares para a sua vida. Este
caráter antrópico dos condomínios revela de saída um grande paradoxo na fala de
muitos moradores: ao virem em busca de tranqüilidade pretendem construir relações de
convivência fraternais, algumas vezes rurais, no entanto, ou estas metas são
alcançadas apenas no início de suas residências nestes condomínios ou esta meta
revela-se tão somente um enorme investimento pessoal desprovido de resultados
concretos.
Os condomínios começam a servir de refúgio para muitos moradores saturados
de uma determinada urbanidade e atraídos pela possibilidade de estabelecerem
vínculos de convivência mais harmoniosos que os afaste das tensões e conflitos das
cidades. O desejo destes moradores de morar em condomínio passa a ser sinônimo de
paz, segurança, tranqüilidade e resgate do passado. Estas pretensões foram sendo
convertidas em investimentos imobiliários que cada vez mais anunciam ao seu
pretendente a possibilidade de viver em um paraíso urbano, num lugar bom para se
criar os filhos. E as famílias, mesmo aquelas que ao chegarem na Barra da Tijuca
encontraram um bairro pouco urbanizado e não precisaram da motivação publicitária,
parecem ter acreditado piamente na retórica desta apologia.
Nas entrevistas pude perceber que determinadas atividades praticadas nos
condomínios fechados até podem lembrar o caráter familiar declarado pelos seus
moradores. Em alguns casos havia uma forte ligação ente estas pessoas, até porque
na condição de pioneiras do seu condomínio cresceram junto com ele. Logo, vir esta
sensação de familiaridade. Contudo, esta proximidade não pode isolar os condomínios
das questões que o cercam e que dizem a respeito a cidade como um todo.
208
Alguns fatores contribuíram para que os condomínios fechados da Barra da
Tijuca atraíssem populações urbanas a procura de ambientes urbanos pouco marcados
pelas complexidades típicas da urbanidade de outros bairros cariocas. Um dos fatores
foi de natureza física, já que a Barra da Tijuca fica a trinta e cinco quilômetros do centro
da cidade e, mesmo relativamente próxima da zona sul (está separada pela Avenida
Niemeyer), lhe é garantindo um isolamento relativo. A outra questão é de natureza
econômico-social. No início das migrações para a Barra da Tijuca os moradores
encontravam imóveis por preços convidativos, inclusive, mais baratos que outros da
mesma proporção em bairros da zona sul, e atém mesmo, na Tijuca. Soma-se a esta
facilidade o fato da Barra da Tijuca não figurar entre os bairros de classe média alta
com os maiores índices de violência.
Entretanto, este mesmo contexto urbano responsável pela formação dos
condomínios fechados com todas as suas amenidades naturais e supostamente
amistosas relações sociais, também contribuí para a edificação de um dos seus
paradoxos, qual seja, a tentativa de fugir da cidade incluí o condomínio como resultado
sócio-territorial oferecido pela própria cidade em face das questões que esta não
conseguiu resolver.
Neste sentido, os condomínios fechados enquadram-se no conjunto de questões
trazidas à baila pela modernidade tardia. Como causa ou reflexo dos seus princípios, os
condomínios podem estar incorporando alguns desafios da modernidade tardia ao nele
identificarmos uma temporalidade de ritmos acelerada que fragmenta a realidade em
um ritmo jamais visto, a hipervalorização da individualidade, a diminuição de um sentido
de solidariedade social que implica na fragilização dos laços de convivência social, uma
crise estrutural no mercado de trabalho, o crescimento da insegurança e a busca por
novas formas de subjetividade.71
71 Estas categorias aparecem em destaque por serem centrais a episteme da modernidade tardia que eu adotei na tese.
209
Figura 16 – Foto de área de lazer do condomínio Barramares. Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Mesmo a questão da crise do mercado de trabalho que poderia parecer distante
das razões que levam a configuração dos condomínios fechados, aparece quando
notamos os vínculos trabalhistas em que estão inseridos os funcionários dos
condomínios na condição de funcionários de empresas terceirizadas, servindo nos
diversos setores dos condomínios, até o perfil profissional dos seus moradores,
provavelmente ligadas ao setor de serviços.
O morador do condomínio fechado revela nas suas práticas orientações muito
individualistas, que por sua vez, são sintomas da diminuição de laços de solidariedade
que deveriam balizar o relacionamento entre os indivíduos na cidade, para ficarmos
aqui apenas em uma das escalas. Estimulado por uma cultura do consumo a ser o
único responsável pelos rumos de sua vida, este sujeito contemporâneo aciona novas
relações com o espaço onde vive.
210
Com uma relação apenas pontual e passageira com os espaços públicos, o
morador de condomínio fechado constrói a sua subjetividade maximizando as relações
com as pessoas e as coisas nas micro realidades, procurando estabelecer relações de
afinidade com os seus vizinhos mais imediatos. Porém, de acordo com relato dos
próprios moradores, nos últimos anos estas relações tem sido cada vez mais escassas,
predominando posições mais individualistas, com os moradores se fechando mais entre
si.
Como morar em um condomínio fechado é sinal de maior segurança, cria-se
uma cultura de redefinição dos espaços públicos: quando eles interessam as
pretensões imobiliárias dos condomínios são apropriados privadamente, e quando são
avaliados como áreas distantes, sobre ele recai um juízo negativo, e a atitude mais
comum e rejeitá-lo, retirando-lhe, ao máximo, significados positivos.
Mesmo quem não revelou a segurança como o maior motivo que norteou a
procura por vim morar em um condomínio fechado, todos os moradores entrevistados
admitem que morar em condomínio fechado significa usufruir de um aparato de
segurança que dificilmente encontraria fora destes domínios. Suas opiniões divergem
quanto aos reais alcances desta segurança. Enquanto Ls do condomínio Vivendas do
bosque e Mr do Terraza acham que, na verdade, as pessoas são convencidas de que
vivem em ambientes seguros, e que no fim, esbarram no crescimento da insegurança
muitas vezes desfrutado dentro do bairro, e atém mesmo no condomínio, outros
moradores como Vr do Lake Buena Vista, A do Jardim Europa, B do Portal Parque e Br
do Solar da Barra sentem-se efetivamente mais seguros morando dentro dos
condomínios. B do Solar da Barra Parque chega a demarcar uma distinção na
concepção de condomínio fechado dos dias atuais para o tempo em que ele veio morar
na Barra da Tijuca. Antes a segurança em condomínios era um modismo, hoje é uma
necessidade.
Esta diferença de diagnósticos, ao meu ver, está associado a uma maior ou
menor afinidade com o bairro. Há o caso de moradores que lançam olhares mais
críticos sobre o bairro, da sua concepção até as fantasias criadas em torno do seu
prestígio. Dois depoimentos destes mesmos moradores são bem reveladores neste
sentido. Ls acha não consegue entender porque as pessoas procuram tanto pela Barra
211
da Tijuca, se muitas vezes elas poderiam encontrar uma qualidade de vida maior nos
seus bairros de origem. Inclusive no quesito segurança, hoje em dia ela sequer sente-
se to segura assim no bairro. Mr direciona críticas bem severas as formas hostis de
relacionamento que estão curso dentro do seu condomínio e as praticas de violência no
bairro que afetam, principalmente, os mais jovens, e até por isto ele acredita que muitos
deles são completamente despreparados para se defenderem fora de ambientes em
que sentem confortáveis.
Entre os outros moradores há uma maior afinidade com o bairro sentem-se
satisfeitos com as ofertas disponíveis, saem muito pouco da Barra da Tijuca, anão ser
para afazeres obrigatórios, e se envolvem com os setores de lazer e consumo do bairro.
Como vivem bastante dentro do bairro, e suas relações de amizade passam pelos
condomínios acreditam que dentro deles sentem-se mais seguros. Há casos em que a
dimensão espacial dos seus condomínios é avaliada como um fator positivo, já que
permitem um controle visual sobre a movimentação dos seus filhos. Esta informação
aparece nos depoimentos de B e Vr. Os condomínios viram pequenos panópticos, de
onde os pais podem exercer o controle sobre os movimentos dos seus filhos sem por
eles serem percebidos.
Esta diversidade, como já falei, não pode mascarar o fato de que os moradores
de condomínios fechados procuram por segurança e delegam esta autoridade aos
contratos de proteção feitos entre as firmas de segurança e os condomínios, isto é, a
ordem privada. Por este motivo, ter a vida monitorada por aparelhos de vigilância
controlados por funcionários particulares é uma característica que unifica os moradores
da Barra da Tijuca. Em maior ou menor grau, todos eles tem os seus deslocamentos
autorizados por decisões que não estão sob o seu controle, que sugere perda de
autonomia quanto a vontade ter a sua vida interferida por um terceiro. O aumento do
individualismo expõe neste caso sua face perversa que é a sua própria negação.
Esta conclusão evita que lancemos um olhar maniqueísta baseado em
diagnósticos diferentes feitos acima. È pouco conclusivo identificarmos de um lado, os
insatisfeitos com a Barra da Tijuca e militantes por formas de vida mais democráticas
dentro e fora dos seus condomínios, e do outro, os integrados ao modo de vida da
Barra , logo defensores da privatização da vida. Este raciocínio é simplista e deixa de
212
perceber tanto as idiossincrasias dos moradores como os fatores que os tornam um
coletivo. Ente as primeiras o desejo de um maior ou menor envolvimento com a cidade
e no segundo a aceitação do caráter coercitivo dos condomínios fechados.
Em todas estas falas há a convicção do crescimento do sentimento de
insegurança em relação a vida na cidade. Os Condomínios aparecem como redomas
que podem isolar os seus moradores das ameaças urbanas. Ele se converte em uma
construção de duplo sentido: material e simbólico. Sua materialidade é evidente,
constantemente visível no seu gigantismo, e o seu simbolismo é o investimento em um
conjunto de significados positivos para os valores que se quer defender para viver
dentro dos seus domínios, ou negativos para se apontar as mazelas da vida urbana.
Deste segundo caso saem as representações invertidas sobre a violência, já que
pretendem ignorar o fato de que sua ocorrência indica uma ordem social em
construção, e não apenas atos isolados ( Machado,2003).
O morador do condomínio fechado tem medo de uma violência real que pode
acometer todos que vivem nas grandes cidades. No entanto, é bem provável que ao
procurarem de forma apressada se imunizarem das ameaças que eles identificam como
reais acabem desconhecendo o mapa da violência na cidade do Rio de Janeiro, pois aí
perceberiam que as formas de violência não atingem de forma homogênea os
moradores da cidade. É possível se afirmar com base em pesquisas sobre a região
metropolitana que existe uma distribuição desigual da segurança no Rio de Janeiro.
Segundo Relatório de Desenvolvimento Humano do Rio de Janeiro, escrito no início
dos anos 2000, e produzido em parceria entre o IPEA, a Prefeitura da Cidade e o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a insegurança não atinge igual
ou indiscriminadamente a todos os cariocas, nem se distribui de forma homogênea
pelas diversas áreas do Município. Devem ser levadas em consideração variáveis como
gênero, faixa etária, raça, classe social, e localização geográfica para se ter uma idéia
dos riscos corridos pela população da cidade.
O perfil do morto em potencial é o jovem negro, pobre, de baixa escolarização, e
como conseqüência mal empregado no mercado de trabalho,na faixa etária entre 19 e
25 anos, apesar de se verificar no final dos anos noventa um crescimento na
participação das mulheres na rubrica de “mortes suspeitas“. Mesmo considerando a
213
assimetria dos índices entre as regiões metropolitanas, na Barra da Tijuca / Tijuca e
Zona Sul há uma constante em relação ao perfil da maior vítima de homicídios dolosos.
Nestes bairros, cuja população branca neste período representava 81,2% do total os
negros e pardos eram 66,7 % das vítimas. No Centro e na Zona Norte, onde a
população branca cai para 61,1% a porcentagem de vítimas entre os negros e pardos é
de 62,4%, ou seja, em bairros com poder aquisitivo muito menor do que nas regiões
mais abonadas da cidade os negros são as vitimas esmagadoras da violência.
Como neste relatório não existe uma estatística especifica para a Barra da Tijuca
não foi possível identificar as particularidades do bairro. Entretanto, pode-se concluir
que a população residente em condomínio fechado, com toda a certeza, não figura
entre as maiores vítimas de homicídio. Aliás, a Barra da Tijuca só aparece em destaque
ns estatísticas de violência urbana quando em pesquisa de 2003 feita pelo Instituto de
Segurança Pública foi revelado o maior aumento no número de assaltos à residências
(12%). Este dado mostra um grande paradoxo para o morador de condomínio fechado,
e que já apareceu na fala de alguns moradores entrevistados: quando mais protegidos
mais eles se sentem inseguros.
Voltando ao relatório e tratando do índice de homicídios dolosos, que deve ser
um dos crimes mais assustadores para os moradores já que afeta diretamente a vida do
atingido, os índices verificados nas áreas mais ricas não chegam a ser baixos (16,4
vítimas por cem mil habitantes), porém bem menores do que as taxas registradas na
zona Oeste, região da qual faz parte a Barra da Tijuca, com 55,3 para cada cem mil
habitantes. Curiosa é a comparação feita pelo relatório dizendo que as taxas de
homicídio na cidade do Rio de Janeiro estão localizadas em extremos equivalentes a
distância entre Miami e África do Sul. O primeiro caso está próximo da Barra da Tijuca e
o segundo da Zona Oeste. Não à toa, a Barra da Tijuca é a nossa Miami carioca.
Desta forma, cabe uma indagação: sendo uma das regiões mais seguras da
cidade, porque os condomínios fechados, ou para usarmos a incisiva categoria
cunhada por Caldeira, os enclaves fortificados, têm um aparato de segurança tão
sofisticado? Ainda que neste bairro tenha havido o crescimento no número de assaltos
á domicílio, este fato não seria suficiente para gerar preocupações que chegam as raias
da paranóia. Isto porque, neste caso o número de registros é insignificante face ao
214
número de residências no bairro, somado ao fato desta ser uma das modalidades de
crime com uma das maiores dificuldades de operacionalização.
O medo que o morador do condomínio sente parece estar relacionado mais aos
acontecimentos violentos em curso em outros bairros da cidade do que, propriamente,
nos casos de violência que acontecem no próprio bairro. Num dos trechos da fala de B,
morador do condomínio Portal do Parque, ele diz que no colégio onde o seu filho
estuda, o Colégio Santo Agostinho localizado dentro do condomínio Novo Leblon, há
muitas dificuldades par serem feitas visitas a lugares que ficam no centro da cidade,
pois a excursão teria que passar pela Linha Vermelha ou Linha Amarela, vias
expressas que segundo estes pais, são muito perigosas. No seu discurso B endossa
esta preocupação quando entende que o morador da Barra da Tijuca está cercado pelo
tráfico.72
São falas como esta que denunciam a presença de uma idéia de cidade na
cabeça destes moradores, que no fundo, revela a existência de uma apropriação de
significados sobre a cidade a partir de uma visão segmentada ilustrativa de um
segmento de classe que deposita neste olhar todos os seus temores, sejam eles
baseados em fatos reais ou fantasias urbanas. Nesta empreitada os códigos de
pertença estão muito distantes de discursos que fundaram a idéia contemporânea de
cidadania que teria a cidade como o seu palco principal, já que nela as distâncias
sociais poderiam ser amenizadas pela maior distribuição e garantia de aquisição de
direitos fundamentais, como o direito a ser representado de forma justa e o direito à
vida.
Nada mais distante desta premissa do que o percebido neste cenário. Nesta
cidade palco, o “novo humanismo”, conjunto de significados responsáveis pela criação
de um novo homem, parte da premissa de que a existência deste sujeito prescinde das
formas de solidariedade social que o vinculam à outros indivíduos de uma coletividade
maior da qual ele, querendo ou não, fará parte . Como a sua coletividade, o ambiente
com o qual procurará definir as suas filiações, será bem mais restrito do que a cidade
no seu plano mais amplo, este sujeito tende a obliterar a alteridade. O outro da relação,
este ser distante, porém, necessário, raramente aparece no seu campo de 72 Frase típica de moradores que manifestam um sentimento de insegurança generalizado, justificando tal sentimento pelas ocorrências que são vítimas reais ou em potencial.
215
preocupações, pelo menos dentro do conjunto majoritário de entrevistas que eu realizei.
O outro muitas vezes surge como uma invenção para dar vazão aos seus medos e
preconceitos, assegurar a sua sensação de segurança condicionada as possibilidades
de mantê-lo distante. A cidade seria aqui o reflexo invertido de todos os fatores
positivos presentes na vida comunitária, ou familiar, dos condomínios fechados. Nesta
leitura os condomínios tendem a aparecer como contrapontos das cidades.
Ao atuarem diretamente na legitimação desta retórica do medo os condomínios
têm sido um dos reflexos materiais mais evidentes da segregação urbana. Como nas
últimas décadas os governos tem sido cada vez mais negligentes no combate as
desigualdades sociais, as cidades tem respondido á este abandono de formas
diferenciadas. Segmentos de classe de maior poder aquisitivo vêm adotado estratégias
defensivas ao se sentirem ameaçadas pelos efeitos da desordem urbana. È neste
sentido que os condomínios fechados têm colaborado para o avanço da segregação
urbana que se dá em ambientes marcados pelo medo, indiferença e agressividade de
várias naturezas. Neste crescimento percebe-se uma articulação entre fatores
empíricos em curso nas cidades, com sólidas estratégias publicitárias num contexto
urbana de city marketing.
Acompanhando o “clássico” diagnóstico de Carlos Nelson Ferreira dos Santos
os condomínios fechados transformaram-se em uma profecia que se cumpriu, de forma
até mesmo agravada, já que nos últimos anos a sua complexidade só fez “acompanhar“
o aumento de uma série de carências urbanas. De acordo com as suas palavras, o
condomínio seria uma das maiores ameaças às cidades brasileiras, pois trazia a
pretensão de solucionar os problemas não resolvidos pela cidade industrial.
Desta forma, retomando o novo homem fruto deste humanismo individualista que
extrai boa parte de sua legitimação das exigências da sociedade de consumo, é
produtor e produto de uma espacialidade que combina situações, a princípio,
contraditórias. Ao viver a compreensão espaço temporal definida por Harvey (1992),
onde é possível comprimir as atividades em fluxos temporais contínuos e ininterruptos,
este homem vivencia situações de ruptura – sutura. Ele vive isotopicamente o lugar, isto
é, constrói relações de vizinhança e familiaridade no seu ambiente ou seu entorno mais
imediato, e ao mesmo tempo se relaciona heterotopicamente com outros lugares,
216
entrando em tensão com lugares que os definem. Nesta segunda dimensão os espaços
públicos são os lugares em que transcorrem os conflitos destes moradores.
O muro fronteiriço dos enclaves isola parcialmente os moradores do seu entorno.
Há uma porosidade com o entorno, o que não significa que ela permita uma troca
constante de informações entre os diferentes segmentos de classe, entendo daí, que os
segmentos mais bastados tendem a se envolver com as classes mais pobres, como
compreende Sabatini nas suas análises sobre condomínios fechados em Santiago
(Sabatini, 2002). Esta situação não ocorre na Barra da Tijuca porque, primeiro não há
uma grande proximidade entre suas classes médias e a população pobre e os fluxos
criados dentro dos enclaves e entre estes e outras área internas do bairro não permitem
uma troca tão continua com o diferente que possa implicar na formação de valores
democráticos.
São as tensões de outra ordem que eu começo a explorar no próximo item. Nele
serão examinadas as contradições que tem surgido dentro dos enclaves devido ao fato
dos seus moradores se defrontarem com certas escolhas que muitas vezes frustram as
suas expectativa iniciais, trazendo para dentro dos seus domínios situações que, a
princípio, estes prefeririam que ficassem de fora.
4.4 – A invenção da comunidade.
A, moradora do condomínio Jardim Europa, afirma que no seu condomínio
encontrou um clima familiar, acolhedor como se todos os seus moradores
constituíssem, de fato, uma família. Opiniões parecidas têm V e H moradoras do
condomínio Terraza. Assim que chegaram procuraram por um ambiente que pudesse
lembrar as criações que tiveram, uma ambiência em todos se conhecessem e
pudessem ajudar uns aos outros. Esta dinâmica de envolvimento sinaliza uma
preocupação constante de um morador com o outro. Vr, que mora no Lake Buena Vista, ao vir para a Barra da Tijuca também
pretendia levar adiante o tipo de socialização que construiu em outros lugares que
morou. Neste lugar ela costumava se relacionar com todos os moradores, sentia-se
217
assim acolhida. Ls, deixou muito claro na sua entrevista que a vinda para a Barra da
Tijuca esteve condicionada ao desejo de sue marido de morar em um ambiente rural
que lembrasse a sua infância passada no interior do Estado do Rio de Janeiro.
Estas expectativas forma atendidas até um certo momento. De alguns anos para
cá estes mesmos moradores têm demonstrado uma certa insatisfação com os rumos
tomados pelos relacionamentos entre os moradores de dentro dos seus condomínios.
Para Ls, o seu condomínio deixou de ser homogêneo, um lugar onde todos se
conheciam, adquirindo um perfil mais heterogêneo, com um universo mais diferenciado
de moradores. Neste mesmo sentido vem a crítica de A. Para a maior diferenciação dos
moradores modificou o perfil do residente do seu condomínio.
Nestas falas sobressaem intencionalidades muito claras que visam transformar
as áreas de residência em lugares a parte da cidade, uma negação da cidade como
tentativa de recuperar um passado místico, idealizado. Este saudosimo traduz as
transformações sofridas pelo espaço na modernidade tardia, pois, segundo Bauman, ao
mesmo tempo em que ele tornou desnecessário, sobre ele recaiu uma resignificação.
Tentando compatibilizar este sentimento saudosista com os movimentos do
capital em escala mais ampla, exercício que pode parecer pretensioso e até absurdo,
identificamos nos dias atuais retóricas, sob a forma de dogmas, que defendem no curso
da globalização teses como o fim dos territórios, a desindexação das economias, e
universalização da cultura e o fim do regionalismo, dentre outras pontos que mais
parecem com uma profecia que anuncia o fim dos tempos. Entre os paradoxos desta
retórica vemos que poucas vezes na história a questão da identidade foi tão convocada,
seja para demarcar uma distância em relação ao passado assim como buscando
resgatar valores que se encontram abandonados (o caso do comunitarismo dos
condomínios fechados, que no caso brasileiro também pode ser associado ao
familismo).73
É possível identificar em situações pontuais dos territórios da modernidade
tardia, como os condomínios fechados, uma curiosa fusão de princípios da tradição com
73 Esta é uma categoria muito ligada aos estudos clássicos da Sociologia. Sua primeira aparição se deu na obra de Gilberto Freyre (1932) que em trabalhos como Casa – Grande e Senzala (1932) e Sobrados e Mocambos ( 1961) conferia a casa, e as relações familiares que nela transcorriam como edificadoras de valores que ultrapassavam os domínios domésticos, fundamentando as relações entre os indivíduos nos espaços públicos. No meu trabalho eu procuro utilizar esta categoria seguindo as críticas feitas por Souza ao trabalho de Da Matta, já citado no corpo da tese, pois entendo que nesta abordagem crítica o conceito de familismo é devidamente atualizado pelas novas relações de mercado onde estão inseridos os moradores da Barra da Tijuca.
218
a modernidade. È neste sentido que Bauman examina a resignificação do território
buscando dele extrair os significados das novas relações de lealdade que garantem aos
seus integrantes o tão sonhado conforto existencial e a sensação de inclusão que
diminua as suas inseguranças.
Esta sociedade da qual eles sentem saudades é uma sociedade
metamorfoseada pelo formato comunitário. Este traço fica claro porque ao se referirem
aos lugares de origem a referência é sempre feita sobre uma espacialidade de menor
escala, um apartamento onde tenham vivido, uma vila, ou uma cidade do interior onde
se destacassem os tradicionais laços comunitários. Entendendo aqui como comunidade
o tipo de formação territorial presente na explicação de Weblen que nele identificava
uma proximidade tão grande entre os seus membros que as questões pessoais
imiscuíam-se nas preocupações coletivos. É um tipo de ambiente de feição solidária,
mas que no fundo cobra um elevado preço, na medida em que há forte coerção do
grupo sobre os destinos individuais.
Voltando a frisar que mesmo fora das preocupações iniciais de alguns moradores
que foram construir residência na Barra da Tijuca, a preocupação com a segurança, de
alguma forma, esteve presente. No caso a procura por uma segurança pessoal possível
em um lugar que servisse de abrigo contra as angústias trazidas pela competitividade
da modernidade tardia, que a todo instante cobra do indivíduo a responsabilidade sobre
as escolhas que ele deve fazer.
Da mesma forma, a procura pela segurança no seu nível mais imediato, a defesa
da vida, também se adequou ao discurso comunitário. O investimento do morador no
condomínio fechado é uma defesa que se faz de um lugar, visto como condição
necessária de toda a segurança, que a partir de agora tornou-se uma questão do bairro,
um “assunto comunitário”. No entanto, esta escolha poderia sugerir que onde o Estado
fracassou, poderá a comunidade – a comunidade local, uma comunidade corporificada
num território habitado por seus membros e ninguém mais (ninguém que não faça
parte), fornece aquele “estar seguro” que o mundo mais extenso claramente conspira
para destruir? (Bauman, 2003).
O avanço dos condomínios fechados parece confirmar esta suspeita. Com o
incremento de sua complexidade estrutural, que na fala de muitos moradores é
219
apresentado como maior heterogeneidade dos condomínios, envolvendo tanto os
serviços como o maior número de residentes, diferenciação interna os enclaves figuram
com a pretensão de abrigarem modos de vida total, os enclaves quase pleiteiam a
garantia de um modo de vida total para os seus moradores.
Para se ter um quadro desta complexidade, mesmo nos enclaves mais simples
há um número mínimo de serviços e equipamentos considerados obrigatórios. Nesta
relação todos eles dispõem de uma guarita que controla o fluxo de entrada e saída,
inclusive dos próprios moradores, sendo que há casos de condomínios maiores onde o
controle e fato é feito na guarita de cada prédio, seguranças trabalhando em sistemas
de turnos em vários lugares, áreas de lazer, alguns com verdadeiras estruturas de
clubes como é o caso do Barramares, algum comércio interno, um tão próximo que
possa alinhar-se ao cotidiano deste morador, e garagens bem servidas, atestando um
traço comum aos moradores de enclaves que á a posse do carro. De todos os
moradores que eu entrevistei apenas uma não tem carro.
A pretensão de um modo de vida total se manifesta nesta espacialidade
específica. Nesta espacialidade provida do maior número possível de recursos, o seu
ocupante precisa desfrutar da sensação de auto-suficiência , ainda que ela seja
incompleta. Vemos que, na prática, morar em um condomínio não significa prescindir da
infra estrutura que o bairro ou a cidade venha a lhe oferecer. Os moradores dos
enclaves saem de suas residências seja para trabalhar ou para se divertirem,
considerando que suas opções de lazer estão na maior parte do tempo circunscritas ao
bairro.
Porém quando o assunto é segurança e exclusividade, outro forte componente
que apareceu nas entrevistas, eles sentem-se contemplados com os seus condomínios.
Morar nestes ambientes levá-los, muitas vezes, a dispensar interferências de serviços
ou pessoas que não sejam da sua relação mais imediata. Um bom exemplo deste
conforto é demonstrado pelo trabalho feito pela administração profissional já presentes
em alguns condomínios. Substituindo o antigo modelo onde o síndico assumia, sozinho
ou em colegiado, todas as responsabilidades do condomínio, a administração
profissional tem sido utilizada em vários condomínios da Barra da Tijuca e atesta um
fato: com o crescimento dos condomínios a saída tem sido recorrer a formas de gestão
220
que em muito os aproximam de verdadeiras empresas, dada a sua complexidade e as
metas previstas pelas partes envolvidas, no caso, administração e moradores.
Este modelo sugere um recorte espacial na Barra da Tijuca. Além de áreas
residências os enclaves se tornaram proposta de gestão. Sua existência pode produzir
várias mensagens, e uma delas eu gostaria de destacar, que é a consolidação da
ordem privada como modelo indireto de resolução de conflitos. Vamos a este item.
4.5 – A gestão do espaço condominial.
M é formado em Direito e trabalha com administração condominial há nove anos,
tendo começado bem jovem, e com a primeira experiência outro condomínio da Barra
da Tijuca, o Alafabarra. Ele tem muita clareza sobre as atribuições de uma
administração de condomínio. Segundo ele ela deva ser exercida com o máximo de
eficiência e estar disponível ao seu morador, que na verdade é um cliente, vinte e
quatro horas por dia. Este é um trabalho que não admite erros. Na condição de cotistas,
os moradores apostam no retorno do seu investimento, e não estando dispostos a
correrem maiores riscos apostam na credibilidade da administração.
Esta preocupação atrela a administração do condomínio a acordos com
empresas credenciadas no mercado de trabalho. Estas devem estar a sua disposição
para resolver qualquer tipo de problema a qualquer hora do dia, sem se dar ao luxo de
cometer erros. A punição nestes casos é a dispensa dos seus serviços, situação que
procura ser evitada por empresas atentas ao filão que tem representado estes
convênios.
221
Figura 17 – Administração profissional. Cada vez mais comuns nos condomínios da Barra da Tijuca. Fonte: Arquivo pessoal do autor.
No trabalho de M há uma curiosa combinação de princípios que modulo o que
ele considera um perfil obrigatório da administração condominial: na condição de
empresa ela deve atender a todo o conjunto de moradores, que exige um pessoal bem
treinado, e prova desta exigência são os constantes cursos feitos pelos seus
funcionários. No entanto, o outro lado é a preocupação que a administração tem que ter
em atender cada morador de acordo com a sua especificidade.
Percebe-se neste caso uma combinação, apontada pelo próprio entrevistado, de
racionalidade empresarial com afetividade nos laços humanos. Se a empresa prima
pela eficiência ela não pode deixar o seu morador / cliente órfão de maior atenção. Isto
quando dela não partem relações diretas de clientelismo. M conta casos de
interferência da administração na conciliação de conflitos entre moradores.O conflito foi
222
resolvido e ficou provado que sem despertar a sensibilidade para identificar as
passionalidades dos moradores tornam-se inaplicáveis as responsabilidades racionais
da administração condominial.
Nada que deponha contra os movimentos do capital nesta fase do capitalismo
tardio. A nova lógica do capital parece estar baseada em vários casos na busca de
lucro pelas empresas e ambientes descentralizados, tendo o poder público como
promotor direto ou indireto desta acumulação, principalmente, quando o lugar onde se
dá este investimento é a cidade. Se as grandes empresas dominam o cenário mundial e
nos últimos anos muitos delas dispõem de um orçamento anual maior do que ao PIB de
vários países, paralelamente a esta escala macro, há um movimento do capital no
sentido de buscar novas fontes de acumulação. Nas últimas décadas o espaço tem sido
este ambiente renovada da acumulação capitalista,e a cidade é o território onde
repousam as circunstâncias favoráveis para esta empreitada. A cidade transformou-se
em uma mercadoria de cobiça para o circuito de acumulação mundial.
Não entrarei aqui em uma reflexão pormenorizada da cidade como mercadoria.
Este exercício demandaria uma formação que eu não disponho. Entretanto é possível
entrar rapidamente na sua lógica examinando de passagem algumas contribuições
teóricas. Para Vainer (2002), a questão urbana de outras épocas que estava associada
ao crescimento desordenado, reprodução de força de trabalho, consumo coletivo e
movimentos sociais urbanos, foi substituída por uma nova que teria como eixo central a
problemática da competitividade urbana. Neste sentido, a liberalização do mercado
presidiria o desenvolvimento da economia mundial e a privatização o caminho
necessário para desonerar o Estado dos seus encargos desnecessários, como procura
ensinar um certo receituário neoliberal. (Grifos meus).74
Naquilo que interessa a esta tese a habitação deixa de ser uma preocupação e o
que se vê nas várias faixas de renda é o crescimento progressivo da iniciativa privada
com a ampla anuência do poder público. Nos segmentos de mais alta renda, a solução
privada é muito bem vinda na maior parte do tempo, e o depoimento dos entrevistados
tornam esta premissa quase um axioma. Chegando ao nosso ponto, a presença da
administração condominial privada é a prova da superação de uma fase das relações
74 Excelentes criticas a concepção neoliberal da economia global estão presentes na obra de Fiori ( 2001;2003).
223
de convivência dentro dos ambientes fechados que agora passam a se converter em
pequenas ordens alinhadas as exigências do capital.
Os condomínios não são apenas áreas residências. São produtos instalados em
porções privilegiadas do território urbano destinado a atenderem determinadas
demandas coletivas. O crescimento da violência urbana tem sido alavancado como o
leitmotiv para abrigar uma população cujo poder aquisitivo lhes garante acessar
recursos que, a principio, estariam em falta em outros lugares. Preocupados com estas
demandas alguns condomínios viraram empresas, os seus construtores trabalham com
margens de lucro quando nele investem, a sua concepção é profissional, e esta
profissionalização implica no avanço de relações impessoais que gradativamente vão
conformando os espaços comuns dos seus moradores. Com ingerência em toda as
dimensões da vida, como ilustrou M, o modelo da administração privada de
condomínios sugere um acordo tácito entre as partes envolvidas onde os moradores
pagam e o setor responsável garante a realização do serviço. Como M diz, desde o
momento em que o morador faz a sua mudança, entra para morar, ele assina um termo
que representa um agendamento de compromissos.
Neste modelo parece estar em curso o princípio da acumulação flexível que se
apóia na flexibilidade das relações de trabalho, dos mercados, dos produtos e do
padrão de consumo. Todas estas condições estão presentes nesta relação. A mão de
obra da administração do condomínio é contratada, deve passar por um treinamento
constante que visa a sua qualificação, isto é, atualização, e ele mesmo não é morador
do condomínio. Aliás, a preocupação com a qualificação explica o fato da empresa dá
preferência á funcionários que tenham o segundo grau completo. Ele cita, com orgulho,
o fato de ter nos seus quadros um professor de história.
Esta contratação está de acordo com a reestruturação dos mercados que
convocam paras suas fileiras um trabalhador, que de acordo com a retórica neoliberal
deve ser elástico, atento à todas as demandas da sua profissão. Por buscar um perfil
diferenciado, que no fundo é um padrão cobrado por condomínios que adotam o
mesmo modelo de gerência condominial, M. garante que o seu funcionário deve ter a
habilidade de um técnico para o exercício da sua função específica, e ao mesmo
224
tempo, estar aberto a outras competências, ligadas, por exemplo, a capacidade de
resolver as angústias que estão por detrás do pedido dos moradores.
Neste mercado estão presentes os novos produtos. Segurança é um produto
prioritário, conforto é o diferencial buscado pelo morador, acessibilidade ao setor de
serviços é uma comodidade inquestionável, permitida pela disponibilidade de serviços
oferecidos pela administração condominial e pelos condomínios, toda a infra - estrutura
que garanta ao morador comodidade de não precisar sair dos condomínios, ou quando
isto for necessário, que o seu custo não seja oneroso.
Por fim a flexibilidade no padrão de consumo margeia o itinerário que o morador
traça no bairro. A relação que o morador da Barra da Tijuca tem com o consumo é
muito forte. Não houve um só depoimento que não tenha destacado este traço. O
consumo este presente na ida ao Shopping, um dos programas mais comuns dentro do
bairro, na ida a praia já que lá se manifesta uma forte competição entre os seus
freqüentadores que, ao mesmo tempo em que tendem a apreciar as mesmas marcas e
estilos de roupas buscam neste modismo uma forma de se diferenciarem uns dos
outros. È o paradoxo do individualismo na cultura de consumo de massa.
Boa parte do sucesso do trabalho de M esteve condicionado a percepção de que
na sua chegada ao condomínio haviam códigos de comunicação entre os moradores
que não poderiam ser desprezados. Eles demandavam uma estrutura sindical mais
organizada, haja vista que o tempo de tomada das decisões chaves para o
funcionamento do condomínio era compatível com estes pedidos. Neste sentido,
segundo M, a chegada da administração profissional foi uma grande conquista. Da
mesma forma, já havia uma ambiência entre os moradores que destacavam certos
códigos, como algum nível de personalismo no atendimento e respeito à vaidade de
cada um.
Quero dizer com isto que dentro dos condomínios uma estrutura como a
administração profissional tem atuando diretamente na composição dos espaços sócio
– cognitivos destes condomínios. Como o condomínio é um espaço que vai sendo
construído, isto é, para além do chamado espaço construído há a todo instante uma
construção do lugar, o ego do seu morador, as suas intenções deve nela ser
225
espelhados. Daí o individualismo ter sido apresentado nas entrevistas como um dos
traços mais fortes dos atuais moradores de condomínios fechados.
4.6 – Individualismo x Comunitarismo: os limites da dicotomia. A frustração dos moradores com o desaparecimento progressivo dos laços
familiares nos seus moradores pode ser a revelação de um princípio diretor da vida
contemporâneo, admitido por estes mesmo moradores: o individualismo. Ao falarem
sobre o individualismo procuram atestar um comportamento típico de quem vive
preocupando-se exclusivamente com a sua vida, sem dedicar maiores preocupações
com o que pensam e fazem outras pessoas. Apesar da preocupação em se apontar o
individualismo como um problema que afeta toda a sociedade, os moradores procuram
direcionar as suas inquietações com questões mais imediatas que envolvem o seu
relacionamento com os vizinhos. Para eles os laços de proximidade outrora vigentes vêem perdendo espaços
para relações mais distanciadas. A base comunitária que foi tão decisiva para a
aproximação dos moradores dos condomínios, principalmente quando eles estavam
chegando nestes espaços, deixou de ser predominante. Na fala dos moradores que
fazem este diagnóstico existem vários exemplos que sustentam suas hipóteses. O
esvaziamento das áreas de encontro dos condomínios, a chegada de novos moradores
que tornaram os condomínios mais heterogêneos, logo, quebrando a então homogênea
morfologia predominante e a intensidade do medo demonstrado pelos moradores que
acabou tornando-nos mais reclusos em seus domicílios. H e V do condomínio Terrazas percebem o individualismo atribuindo-no à uma
questão geracional. E e sua mãe, moradoras do Barramares, acham que o morador do
condomínio vive muito isolado, mesmo que a primeira enxerga uma freqüência muito
grande de moradores nas áreas de lazer. A idéia de individualismo que sai da fala de
Sl, moradora do Barrasul, seria fruto de um desconhecimento intencional dos seus
moradores que se reflete na baixa freqüência de encontros nas áreas de lazer,
enquanto Ls do Vivendas do Bosque e Mr do Terrazas, vêem este afastamento como
226
um traço estrutural do morador da Barra da Tijuca. Na fala de Ls esta questão aparece
de forma ambígua: nos seu condomínio as relações de proximidade entre os moradores
já foram maiores, mesmo quando considerando o fato do bairro Barra da Tijuca
promover, devido a sua concepção urbana, modos de vida individualistas.
Atribuo o avanço destas práticas individualistas ao desenvolvimento de novas
formas de relação social, que não são restritas aos condomínios, mas estes são, sem
dúvida, um palco onde elas são muito recorrentes. Falo da freqüência com a qual laços
de solidariedade são desfeitos em prol da edificação de novos laços que se quer dispõe
de tempo suficiente para a sua consolidação. São amizades construídas para serem
mantidas em lugares de encontro efêmeros, como as praças de consumo, que podem
estar nos shopping Centres ou nas áreas de encontro dos condomínios. Nestes
ambientes as pessoas podem estar “em contato” umas com as outras de forma visual
ou através de uma troca de palavras passageira, mesmo que estas pessoas se vejam
freqüentemente nestes ambientes.
Teve entrevista na qual enquanto o morador andava comigo pelo condomínio,
apontava e falava com algumas pessoas que estavam reunidas, a princípio um grupo
de amigos, esta mesma moradora acreditava que naquele pequeno grupo não havia
maiores afinidades, ainda que a aparência sugerisse o contrário. A espacialidade dos
condomínios estaria colaborando para a exacerbação de práticas individualistas.
Geralmente muito amplos, os espaços internos dos condomínios dificilmente estão
plenamente ocupados, e ainda que haja uma ocupação significativa em termos
quantitativos, esta se revela, em geral, insuficiente para cobrir toda a espacialidade
disponível. Em síntese, o gigantismo destas construções acaba colaborando para uma
espécie de anonimato dos moradores, que me parece ser denunciado por alguns como
o estágio propenso ao individualismo, na medida em que desobrigaria os indivíduos de
compartilharem sentimentos e palavras.
Mesmo entre os condomínios de menor porte os espaços tendem a superar a
capacidade dos moradores ocuparem-nos. Algumas razões são relativamente óbvias,
afinal de contas, nem todos os moradores estão dentro dos condomínios ao mesmo
tempo. Eles têm rotinas diferentes e a possibilidade de dissolver estas rotinas está
circunscrita aos finais de semana através da ocupação dos lugares comuns. Porém
227
como já foi colocada, esta aproximação sequer garante uma regularidade de
comunicação entre os moradores.
Agora, contextualizando este comportamento de um segmento de classe dentro
do atual momento de fragmentação do tecido sócio – espacial da cidade, este
individualismo se insere em uma narrativa de socialização interna destes segmentos de
classe em territórios específicos. Maximizando os espaços de contato interno, mesmo
em bases individualistas, os moradores de condomínios guardam uma distância relativa
com o seu entorno. As entrevistas revelaram que são muito escassos os contatos com
não moradores de condomínios, a não ser nas relações de serviços que são exercidas
por moradores de áreas pobres, e até por isto eu venho sustentando que o isolamento
do morador do condomínio fechado é relativo.
O individualismo que emerge nas práticas destes moradores sugere que vivemos
em uma época em que as relações sociais têm sido marcadas pela distância entre as
pessoas, separadas em arenas de negociação onde a proximidade costuma ser
intermediada por ferramentas impessoais. A distância parece ter se convertido na
conduta apreciada por muitos, ainda mais quando esta distância já esta preservada por
um aparato prévio, como os presentes em condomínios fechados. Nesta dinâmica o
Outro da relação, que é uma figura integrante da paisagem social, aquele com quem é
necessária a interlocução, ainda que distante, é completamente afastado do plano de
percepção de quem escolhe por residir em ambientes pautados pelo isolamento. Nesta
dinâmica, o este Outro é construído e desconstruído ideologicamente.
Estaríamos vendo nestes casos o que Bauman chama de fratura nas relações
sociais. Com a tendência a diminuição das interações face a face, as significações
presentes nas micro territorialidades e o domínio das relações impessoais perde-se a
noção de que a individualidade é fruto de uma negociação contínua entre indivíduos.
Individualidade é a palavra defendida pelo autor, e não individualismo, que no caso tem
sido o modelo de socialização destes moradores.
A distância entre moradores também afeta os moradores de outros enclaves.
Muitos moradores afirmaram que dificilmente se relacionam com quem não mora no
seu condomínio e quando isto acontece a sua manifestação é muito pontual. Outros
contatos acontecem em festas Juninas feitas em grandes condomínios, onde a entrada
228
do morador está garantida pelo pagamento de um determinado valor. Mesmo assim,
este morador /consumidor era uma espécie de convidado.
Observando as modalidades de contatos internos dentro dos condomínios, pode-
se afirmar que há uma socialização em curso. Não teria sentido falar que ao se isolarem
dentro dos condomínios os moradores abrem mão de formas de comunicação. Eles
maximizam as relações internas, e mesmo assim não cortam relações com o seu
entrono. São socializações confinadas que transcorrem em vários espaços. Quando os
moradores resolver resguardar a sua intimidade o cenário escolhido é o apartamento,
um lugar de encontro restrito apenas aos convidados. Para alguns moradores
entrevistados esta prática é mais comum nos condomínios de alto luxo, que
curiosamente estão entre aqueles que dispõem de uma luxuosa infra-estrutura de lazer,
que com isto acabam ficando na maior parte do tempo vazias.
Outras socializações têm caráter mais duradouro, conforme apontadas na fala de
A, moradora do Lake Buena Vista. Ela mesma faz parte do que chama de grupo da
praia, formado por moradores do seu condomínio que se encontram regularmente na
praia próxima da sua casa, e se estende ao condomínio. Este aplicativo da socialização
confinada anuncia uma relação de proximidade entre a casa e o espaço público. Medo
e espaço se encontram neste movimento de construção de uma identidade social, que
na verdade, camufla uma extensão de escolhas de natureza individualistas.
Antes de a minha afirmação parecer contraditória, basta que eu recupere as
questões que cercam a escolha do lugar de residência. V veio para a Barra da Tijuca
atrás de espaço e segurança para ela e sues filhos gostaria que a sua família
desfrutasse da combinação de conforto, segurança e liberdade, ou seja, epítomes da
modernidade tardia que dificilmente são conciliados na prática, mas que são
constantemente convocados na procura por ambiente como os condomínios fechados.
O grupo de amigos que ela construiu é a extensão destas relações travadas dentro de
um ambiente cujo registro mais aparente para quem não faz parte dele é a invisibilidade
do seu interior. A procura por isolamento voluntário pode ser apresentada como uma
das expressões mais acabadas do individualismo contemporâneo. Isolado parcialmente
do seu entorno, o morador do condomínio encontra um ambiente físico pronto para a
sua ocupação, como se este se adequasse as conveniências de cada um, e na medida
229
em que vai se envolvendo com este espaços preenchendo-no com os seus valores,
deixa traços pessoais muito marcantes. É como se a socialização do morador dentro
dos enclaves lhes garantisse uma dupla conquista: a possibilidade de agregar valores
com moradores de semelhante origem social e, ao mesmo tempo, preservar a sua
individualidade, já que cada morador desta ambiente ser identificado como integrante
de um segmento de classe que pode desfrutar de um conjunto de bens que os
diferencie dos outros segmentos que pleiteiam por estes mesmos recursos. No comunitarismo que muitos moradores sentem saudades, na verdade, jamais
estiveram ausentes sinais de individualismo, afinal de contas, os moradores queriam
sentir-se integrados dentro dos seus espaços, mas alheios as possibilidades de
formação de vínculos mais amplos com outros espaços. Tentando amenizar este
isolamento, e diminuir a sua face individualista, alguns condomínios da Barra da Tijuca
procuram se envolver nos dias de hoje com campanhas humanitárias, promovendo
doações de alimentos e roupas para famílias atingidas por alguma tragédia. Há casos
em que moradoras, principalmente as mais velhas, se dedicam a trabalhos voluntários
contínuos, como, por exemplo, costurar para crianças que moram comunidades
carentes.
Ainda que sejam simpáticas, e até mesmo bem intencionadas, estas práticas não
diminuem a distância social entre áreas nobres e territórios da pobreza urbana. No
máximo, há um sentimento católico de preocupação com o outro, um outro de quem
não se sabe ao certo sua cor, idade, lugar de moradia e carências de fato. Este outro
tem sido inventado por uma confusa “consciência de classe” de quem procura
desvencilhar-se temporariamente dos seus privilégios para filiar-se a uma causa maior
do que as suas rotinas repetitivas do dia a dia. Este investimento solidário representaria
um fato novo, quase um desafio para se chegar aos lugares reais onde as pessoas
vivem suas dificuldades, ainda que a ida ao encontro do problema esteja condicionada
a permanência no seu lugar de origem.
Existe um espaço, um topos de onde o morador do enclave projeta o seu olhar
sobre o mundo. Mesmo que no depoimento de Ls, moradora do Vivendas do Bosque,
ela tenha demonstrado a preocupação de oferecer valores solidários às suas filhas,
estimulando-nas a realização de trabalhos voluntários, procurando assim, levar adiante
230
uma experiência que ela sempre gostou de cultivar, este exemplo é muito pontual e o
vínculo que a sua filha criou pode ter desenvolvido nela um olhar mais humano sobre a
vida, no entanto, insuficiente para romper com o comportamento isolacionista padrão do
morador da Barra da Tijuca.
Em várias falas os moradores procuraram associar o individualismo há uma
mudança de comportamento geracional. Os mais jovens, criados em uma cultura de
consumo explícita de hedoismo e narcisismo ter-se-iam virado consumidores vorazes
de valores competitivos. Este raciocínio é incompleto, sugere um maniqueísmo típico do
recorte geracional, sobrevalorizando as virtudes dos mais velhos e desqualificando as
atitudes dos mais novos. Além disso, soa como tendencioso atribuir a um único
segmento a responsabilidade sobre um comportamento coletivo tão complexo como o
individualismo. Mas ao mesmo tempo é revelador, na medida em que aponta uma das
pontas da socialização dentro do bairro com todas as suas questões envolvidas.
O quadro do individualismo na sua versão consumista deve ser pensado com
algumas demarcações. Deixarei para falar sobre os hábitos de consumo dos moradores
de condomínios no próximo item. Por hora falarei exclusivamente sobre o
individualismo. Sobre este aspecto o trabalho de Freire Costa oferece valiosas
sugestões. Para ele no individualismo contemporâneo ocorre uma substituição dos
antigos interesses políticos e religiosos por preocupações com saúde física e mental.
Isto é um fato que se comprova, por exemplo, com a regularidade de academias de
musculação, oficinas de trabalhos espirituais, exercícios específicos que atinjam todas
as faixas etárias, incorporando novos segmentos como a terceira idade, chamada em
muitos condomínios como a melhor idade e em alguns casos os Spas. Segundo Costa
(2000) estão em vigor mecanismo de exclusão social que agora passam pela
desqualificação daqueles que não se adéquam a estética dos bem sucedidos, que
estimula o corpo a exibir formas de gratificação social. O morador do enclave tem uma
forte preocupação com a aparência, e como diz E, moradora do Barramares, o morador
da Barra da Tijuca cultiva muito a aparência, gosta de expor bens de diferenciação e
um destes símbolos é o próprio corpo.
Na outra ponta do controle social, fruto do individualismo contemporâneo, estão
os jovens estimulados a competirem economicamente, a cuidarem do corpo, a
231
acumularem o maior número possível de conquistas, seja no campo amoroso ou
profissional, enquanto as outras conquistas viriam como uma espécie de resultado
natural. Esta competitividade transcorre basicamente entre os jovens da mesma classe
social. Um exemplo disto é o circuito fechado no qual eles vivem, basicamente
circunscritos ao bairro.
Para M, O e R, todos jovens, os seus amigos só se relacionam com pessoas do
bairro, desconhecem outras regiões e se precisam deslocar-se em direção a outros
bairros vêem-se ilhados, assombrados e atemorizados com o diferente. Envolvidos em
um circuito de Shoppings e Boates suas relações passam sempre pela proximidade
com os ambientes onde é possível levar adiante sues desejos de consumo, no caso
dos corpos em rituais de sedução, que não raro, transformam estes mesmos corpos em
máquinas inesgotáveis de produção de símbolos de consumo do capitalismo
contemporâneo. È o corpo como fonte de prazer e sucesso, de onde poder-se-ia retirar
uma identidade acéptica.
Sua permanência, entretanto, depende da duração das referências que estes
corpos precisam corroborar. Para uma análise mais completa da variável do consumo
na formação da identidade dos moradores da Barra da Tijuca, para além e
atravessando, as faixas etárias, passemos para o próximo item, porém desde já
adiantando que dentre todos as características que demarcam o consumo o traço que
perpassa todas as suas modalidades é a perenidade dos seus produtos, tal como a
efemeridade de suas relações.
4.7 – O consumo como elemento de formação de uma identidade social e a sua construção nos espaços de fluxo do bairro.
Além da preocupação com a segurança, outro aspecto que apareceu com muita
freqüência nas falas dos moradores entrevistados foi a enorme disponibilidade para o
consumo dos moradores da Barra da Tijuca. A opção de vir morar no bairro já sugere a
predisposição de um morador/consumidor preocupado com o fator proximidade
geográfica, que para ele representa um facilitador social, face as condições espaciais
232
em que se encontra o bairro da Barra da Tijuca, relativamente afastado de certos
centros urbanos, tradicionalmente grandes ofertadores de bens e serviços.
Neste sentido, o morador da Barra da Tijuca espera que o seu bairro seja prático,
que nele possam ser encontrados o maior número possível de serviços e mercadorias
que ele considera indispensável para a sua sobrevivência. Entre estes produtos não se
encontram, exclusivamente, bens de primeira necessidade. O elemento supérfluo se
destaca entre as maiores demandas de consumo por parte dos moradores. Ele explica-
se, em boa parte, pelo fato de que a aquisição de bens de participação desta natureza
insere o seu morador em quadro de referências simbólicas diferenciada, em função do
prestígio que tal bem desfruta dado a sua escassez nesta economia dos bens
simbólicos.
O consumo será aqui compreendido como uma relação social onde indivíduos
buscam por bens de participação de naturezas material e simbólica e procuram afirmar-
se por meio destes produtos. Deve ser levada em conta toda a complexidade dos
processos sócio-culturais onde estas relações estão sendo configuradas (Canclini,
1997), aliada ao fato de que os agentes do consumo ocupam diferentes posições no
espaço social que correspondem aos seus estilos de vida. O seu consumo é perfilado
por um habitus, isto é, um sistema de disposições duráveis, que exprime sob a forma de
preferências sistemáticas, as necessidades objetivas das quais ele é produto.
(Bourdieu, 2004).
Nesta busca serão validados produtos aliados a necessidades muito específicas
de um segmento de classe, as classes médias, inseridas em um contexto geográfico da
cidade. Ou seja, ao mesmo tempo em que tomo como referências para minha reflexão
autores que procuram explicar os fundamentos da relação de consumo em uma ampla
escala, acredito que existem particularidades que demarcam o consumo de
determinados grupos. Os territórios da Barra da Tijuca são estas fronteiras.
De saída, considero válida a apreciação de Canclini (1997) de que é preciso ir
além das clássicas investigações realizadas pelos estudos culturais e identificar os
novos mediadores na relação de consumo. A relação não se dá por processo direto de
alienação onde o receptor do produto é uma pessoa desinformada que se deixa
enganar pela propagando publicitária dos meios de comunicação, como apostavam os
233
estudos orientados pelo marxismo estruturalista. Existem novos mediadores nesta
relação representados pela família, bairro e o ambiente de trabalho. Em síntese, o
consumo é o conjunto de processos sócio-culturais em que se realizam a apropriação e
o uso dos produtos.
Nas entrevistas as dimensões apontadas por Canclini aparecem com muita
freqüência. Recuperando rapidamente um item que já foi analisado, as relações de
vizinhança de corte comunitário colaboram de forma estreita com os habitus de
consumo entre os moradores, na medida em que eles tendem a comungar preferências
sócio-culturais representadas pelos lugares de encontro. Os encontros transcorrem
dentro dos condomínios nas suas áreas de lazer, no entorno mais imediato, como o
caso das praias, nos shoppings e casas noturnas, este último caso ocupado
principalmente pelo segmento mais jovem. Em todas estas praças são executadas
relações de consumo e em cada uma delas uma dimensão filiadora é preponderante.
Nos condomínios fechados é possível identificar um conjunto heterogêneo de
consumidores. Este fato se deve a centralidade comercial possuída por alguns destes
enclaves dentro do bairro. Esta centralidade significa que as sua fronteiras são mais
abertas do que outros condomínios mais convencionais, onde não se vê uma circulação
tão itinerante de consumidores, que não são necessariamente moradores.
No Barramares não existem impedimentos para o morador de outro condomínio
ir lá e fazer compras. Sua estrutura é relativamente requisitada, provavelmente, pela
sua localização que facilita o acesso dos moradores que não moram próximos dos
grandes supermercados, e para lá chegarem precisariam atravessar longas distâncias.
Esta contribuição democrática do Baramares ao setor de consumo de varejo no bairro,
na verdade, esconde algumas tentativas de bloqueio feitas pelos seus moradores que
só não foram adiante, segundo E, por uma ação movida pelo dono de um mini
mercado. Outro impedimento, que não foi percebido por E, é que estes condomínios
estão localizados em áreas públicas, logo, sujeitas à interferência da justiça para
regular conflitos como estes onde se reivindicava o seu uso, ainda que este mesmo uso
seja de natureza privada.
Aliás, as várias divergências dentro do bairro relacionadas à exploração de áreas
públicas por interesses privados atestam um axioma na questão urbana do bairro: a
234
Barra da Tijuca cresceu modificando os estatutos de regulação urbana que separam o
público do privado e os moradores internalizaram esta aparente contradição de acordo
com os códigos de pertencimento que lhes servem como guia de comportamento. Esta
tensão entre o público e o privado é um reflexo dos limites artificiais consolidados por
situações de conveniência urbana, que dão aos setores responsáveis pela
administração dos espaços de convivência e os moradores que são os grandes
usuários destes espaços, uma autonomia perversa. A recorrência desta autonomia, que
vem se reproduzindo nos últimos anos com a chegada de uma nova geração de
moradores de condomínios fechados, esta na base das críticas feitas aos moradores da
Barra da Tijuca como integrantes de uma não cidade. Veremos esta polêmica está
atravessada por relações de consumo desenvolvidas dentro do bairro, identificando as
simbologias de pertencimento elaboradas por estes moradores.
4.7.1 – Na busca pelos bens privados a reconfiguração do espaço público.
O consumo de produto se dá dentro de uma determinada espacialidade. O que
se consome, como se consome com qual finalidade estes gestos são decididos
preenchem o lócus da sua ocorrência de sentidos. Daí, nas áreas de consumo dos
condomínios fechados, o tipo de consumo padrão tende a lhe ser correspondente, isto
é, restrito aos seus moradores. Casos como o Barramares, que tipificam um modelo de
macro condomínio comum no bairro, expõe tensões entre moradores e não moradores.
Os primeiros passam a se incomodar com os segundos, a partir do momento em que
eles ultrapassam uma fronteira estabelecida para preservar a intimidade dos seus
residentes. Logo, mesmo que o consumo de bens seja feito por segmentos da mesma
classe social, o elemento da distância social garantido pela fronteira do condomínio
encontra-se presente.
Há uma disputa em curso por bens e serviços dentro do bairro que passa pelo
bloqueio de área de circulação cujo efeito é ampliar o prestígio social dos moradores
das áreas confinadas. Logo, o encerramento residencial parece ter-se convertido em
um expressivo capital social na Barra da Tijuca, e quando mais exclusivo for o
235
condomínio maior será sua valorização, e por extensão, maiores serão as marcas de
distinção social do seu morador. As barreiras que foram pretendidas pelo Barramares parecem sugerir um sinal
de uma cultura da apropriação dos espaços alheios amplamente naturalizados em
bairros com o perfil da Barra da Tijuca, onde se consome quase todos os tipos de bens,
dentre eles, o próprio espaço. A partir deste exemplo, parece que foi estimulada neste
condomínio uma disponibilidade para se avançar suas fronteiras. Tal avanço pode estar
indicando dois tipos de acordo: um tácito, celebrado entre os seus moradores com o
próprio condomínio, reconhecendo que a extensão da sua área se adequa a
grandiosidade de suas pretensões, e outro de natureza jurídica que envolve a
administração do condomínio com o poder público responsável pela regulação formal
destes tipos de espaços. Não tive em mãos documentos que comprovem plenamente
esta segunda suspeita, entretanto, a quantidade de irregularidades cometidas pelos
condomínios raramente levá-los a responderem juridicamente. Seguindo estas
premissas, há alguns anos o Barramares tentou fechar uma rua lateral baseado no
argumento da proximidade territorial com o terreno. A alegação é que como ela não
representava uma área pública, esta poderia ficar sobre a ingerência deste condomínio.
O grande problema desta iniciativa, cuja natureza jurídica, em si, é ilegal, é que
por esta rua lateral passam todos os dias moradores que precisam usar a Balsa que faz
a travessia do canal de Marapendi para chegarem as suas casas. Levada a justiça os
usuários da balsa tiveram assegurados o direito de continuarem trafegando pela área
pública, porém sem admitir explicitamente, a sua derrota jurídica, o Barramares
construiu uma cerca no extremo limite dos seus domínios, visualizando o
distanciamento daqueles que passava pela sua lateral. Entre os moradores do
Barramares não parece ter havido maior polêmica em relação às decisões tomadas
pela sua administração.
Outro episódio que revela o imbróglio intencional entre o público e o privado foi
dado por Br, morador do condomínio Solar da Barra. Ele fala sobre uma tentativa do
condomínio Vivendas do Bosque, vizinho ao seu, de tentar construir duas cancelas que
fechariam a rua. Com a denúncia de alguns moradores de casas localizada na rua onde
as cancelas seriam construídas, estas foram embargadas pela Prefeitura. O fator
236
emblemático deste episódio é o juízo que Bruno faz. Ele entende que a demolição só foi
feita porque não havia um comum acordo entre os moradores. Afinal de contas, uma
coisa é ser ilegal, a outra é ser pactuada.
Figura 18 - Apesar da preocupação excessiva com a segurança, por vezes os limites artificiais dos
condomínios demonstram suas fragilidades. Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Na sua fala existe uma ignorância intencional da existência de delimitações
jurídico – políticas que deveriam demarcar a exploração dos espaços públicos. Esta
mesma percepção aparece em outra passagem da sua entrevista quando ele concorda
com os impedimentos para bloqueios de ruas públicas, sem que o mesmo impedimento
fosse direcionado às ruas privadas. O poder público nestes casos aparece como um
mero intermediário para fazer jus às conveniências das partes que previamente acertam
as suas bases do acordo em torno da exploração de um serviço. O serviço neste caso é
a segurança, que claramente está sob efeito de acordos obscuros, por vezes realizados
entre condomínios e firmas de segurança que exploram formas de trabalho irregulares e
237
precárias. Como esta lógica parece ser predominante na Barra da Tijuca, tanto em
áreas residenciais restritas como em estabelecimentos comerciais fechados, podemos
afirmar que há um processo de privatização do espaço público sustentado por ações
institucionais e empresariais e legitimado por acordos tácitos entre moradores de
condomínios. Estes “acordos multilaterais” demonstram que a arena jurídica é acessada
pelo condomínio fechado quando este quer levar adiante projetos que incrivelmente
parecem desvirtuar os fundamentos onde repousam a idéia de uso universal do solo
urbano, e que há uma cultura da apropriação privada em voga entre os seus
moradores. A fragilidade da delimitação das fronteiras do bairro, nos planos jurídicos e
culturais, pode ser tributária da sua concepção mais recente de reurbanização. Com as
modificações do Plano Lúcio Costa de 1968, segmentos do setor empresarial
praticamente perfilaram o novo planejamento do bairro, agravando assim, a feição
privada que já aparecia no seu planejamento inicial. Dentre as modificações mais
emblemáticas temos a alteração na altura dos gabaritos de 8 para 12 pavimentos, as
mudanças nos usos do solo e nas formas de parcelamento. Não me alongarei na
discussão destas modificações que já foram analisadas no capítulo anterior da tese.
Faço aqui um pequeno reforço destas premissas para compreender como se dá o
alinhamento do novo desenho do bairro com a moralidade urbana dos seus moradores.
Com estas modificações foi autorizado um enorme volume de construções de
comércios e condomínios fechados em áreas que até então relativamente preservadas,
porque voltadas para uma preocupação ambiental, que no projeto de Lúcio Costa
apareciam associadas à qualidade de vida. O novo parcelamento do solo, com o
aumento das glebas urbanas, a profissionalização cada vez maior das empreitadas
empresariais, com departamentos jurídicos mais competentes voltadas à manipulação
da frágil legislação urbana que regulava a Barra da Tijuca foram estruturando as ações
coordenadas do poder público e da iniciativa privada responsáveis pela remodelação
urbana da Barra da Tijuca dos anos oitenta em diante.
O morador foi construindo o seu envolvimento com o bairro visualizando uma
série de iniciativas que produziram uma infra-estrutura muito elogiada por atender as
demandas por serviços diversos, como residência, lazer e consumo. O poder público,
238
com atuação mais discreta neste crescimento, porém decisiva, já que a Barra da Tijuca
recebeu em poucos anos um volume de obras considerada inédito em relação a média
histórica de toda a cidade, ficou quase invisibilizado pelo seu morador. Nas entrevistas,
quase toda as vezes em que é citado, o poder público é muito criticado,
responsabilizado pela falta de transportes coletivos, principalmente, a ausência do
metrô (mesmo que já há alguns anos a exploração deste serviço seja privada), a
precariedade no abastecimento de água, casos de asfaltamento deficiente, e até
mesmo, a reivindicação por maior segurança pública, ainda que a critica a esta
responsabilidade tenha sido bem menos freqüente.
Neste cenário, o tipo de produção do espaço construído no bairro insinua a um
observador/ analista que os moradores da Barra da Tijuca optaram claramente por
formas de interação que reflitam a positivação dos ambientes privados, isto é, restritos e
marcados pela proximidade, e tendam a lançar desconfiança a qualquer vínculo que
sugira a presença de um intermediário de natureza pública. O privado aparece como o
reino do possível, onde os indivíduos podem fazer suas escolhas com maior segurança,
sua racionalidade é instrumental, prática, de facial acesso ao seu usuário. Como
morador de condomínio e usuário do bairro, ele precisa ter a sensação de uma
interferência direta nos seus espaços de uso, e o seu horizonte de atuação deve ser
bem claro. Este morador não parece ficar muito à vontade com as perspectiva de estar
se deslocando dentro de uma espacialidade impessoal. È como se tudo o que ele
fizesse precisasse ter o registro da sua personalidade, quem em termos sociológicos,
implica na configuração de sua identidade.
Para diminuir a significação do público, como espaço difuso, impessoal e
distante, que por isto encontrar-se-ia localizado no outro extremo desta gramática
urbana das relações sociais, o seu sentido é modificado para um espaço com o qual o
morador possa guardar alguma familiaridade. Desta forma, quando são citadas nas
entrevistas algumas áreas de lazer públicas freqüentadas pelos moradores, como a
praia e o Bosque da Barra, elas costumam ser apresentadas com base na dicotomia
segurança – insegurança. Identificando alguns destes exemplos, a praia é
territorializada e o morador da Barra da Tijuca tem opção pelos trechos de acesso mais
239
difícil para quem vem de ônibus de outros bairros, o parque é fechado garantindo ao
seu usuário toda a tranqüilidade para desfrutar de passeios familiares.
Esta diminuição da distância dos espaços, mudando o seu estatuto, vem ao
encontro dos modos de vida preferidos pela coletividade formada pelos moradores da
Barra da Tijuca, ou até mesmo por não moradores do bairro que ao freqüentarem estas
áreas encontram uma espécie de modos operandi moral. O que se percebe é um
mundo de valores em ação modulando escolhas que ao longo do tempo vão sendo
legitimadas e perfilando os espaços onde transcorrem estas escolhas. Os espaços de
vida e uso da Barra da Tijuca possuem uma faceta privada porque são ocupados por
indivíduos que neles emprestam suas narrativas particulares, ainda que estas
dependam de relações com alguma coletividade. O público nestes bairros parece
indicar a distância encurtada que o morador percorre para se apropriar dos espaços,
até então, opacos do bairro.
Em termos durkheimianos, as formas de legitimação irão filtrar as opções mais
positivas dentro de um escala de valores, condicionada pela situação que as classes
ocupam dentro de uma determinada função objetiva. No que se refere ao consumo,
como atividade de aquisição de bens e serviços demarcado por configurações sócio-
constitucionais, é no âmbito do consumo privado que as relações sociais transcorrem.
As trocas que visam à aquisição destes bens tendem a ser realizadas com o maior nível
possível de proximidade, e quando não for este o caso, que sejam criadas estruturas
que permitam o trânsito seguro dos moradores consumidores na busca por estes bens.
No que tange aos valores, os moradores da Barra da Tijuca parecem estar em
busca de modos de vida totais, seja em relação ao bairro ou dentro dos seus próprios
condomínios. Estes modos de vida totais, por sua vez, só se manifestam em
espacialidades específicas. Os espaços devem garantir a capacidade de associação
entre as dimensões territoriais da área e o ego do seu morador. Neste princípio repousa
o prestígio desfrutado pelo morador do condomínio fechado, e mesmo que eu tenha
observado uma diversidade de estruturas que demonstra uma diversidade de padrões
de vida, ele é comum aos seus moradores. Por isto eu afirmei logo acima que o
morador da Barra da Tijuca tende a personalizar o seu território.
240
Este sentimento é comum e ao mesmo tempo caricato. A mãe de E afirma que o
morador da Barra da Tijuca é esnobe e por isto gosta de se projetar na imagem de bem
sucedido por morar em um condomínio fechado. Em sua opinião, nem sempre a
posição ostentada pelo morador é condizente com o seu real padrão de vida. Por
vezes, estes moradores precisam fazer grandes sacrifícios para se manterem dentro
deste aparelho de produção simbólica que é o condomínio fechado. Esta informação
apareceu em outras entrevistas, revelando que há na Barra da Tijuca o mesmo tipo de
“acusação” comumente feita à moradores que ao buscarem a zona sul estão mais
preocupados em adquirirem prestígio simbólico do que, efetivamente, reunirem
condições materiais que possa incluí-los no setor de serviços e lazer que os bairros da
zona sul costumam oferecer. Talvez por este motivo, de forma inconsciente, E afirma
que a Barra faz parte da zona sul.
O fator da diferenciação recorrente nas “cartilhas” de comportamento,
verdadeiros receituários de como devem se comportar aqueles consumidores
detentores do poder simbólico (Lemos, 2008) tem se garantido pelo pacto de agentes
interessados nesta dotação diferenciada de recursos de participação no consumo do
espaço, que me parece o maior efeito do consumo que se faz na Barra da Tijuca, no
que tange à formação de uma identidade coletiva.
Neste sentido, o mercado de bens materiais e simbólicos encontra no mundo
intramuros dos condomínios fechados um lugar privilegiado de acomodação. Neste
lugar participam os moradores, usuários de suas áreas de lazer internas, ou no máximo,
consumindo no espaço do seu entorno mais imediato, os agentes imobiliários que
anunciam paraísos artificiais que tentam convencer os moradores de condomínios de
que dentro dos seus limites estes podem encontrar de tudo que precisam e uma
logística comandada de forma profissional, comum á alguns condomínios, que visam
atender o morador em todos os seus momentos.
Neste universo as barreiras artificiais atuam como filtros que selecionam os
acessos dos seus ocupantes. O muro é uma fronteira que diferencia a capacidade das
classes circularem diferenciadamente no território,e a sua espacialidade resultante tem
pouca relação com os estatutos urbanos mais tradicionais que estabeleçam, por
exemplo, que as áreas públicas estão sob o controle do poder público. Como barreiras
241
artificiais, os muros garantem o isolamento relativo do seu residente, e colaboram para
que o morador elabore convicções exageradas sobre a sua auto-suficiência. A sua
identidade não pode prescindir do contato com os de fora do seu condomínio. Apesar
de muitos moradores entrevistados trabalharem, ou já terem trabalhado fora do bairro,
há uma opinião geral de que o grande sonho de consumo do morador da Barra da
Tijuca é o de trabalhar no bairro. A alegação recorrente é a proximidade com a casa.
Este argumento, todavia, parece-me insuficiente porque não aponta algumas
questões como o fato do bairro ser grande, e por isto, nem todos morarão
necessariamente tão próximos do seu trabalho, o fato do aumento inevitável do fluxo de
veículos dado a preferência por este meio de transporte pelo morador do bairro,
gerando o aumento dos engarrafamentos, que eles próprios associam como um déficit
na pretendida qualidade de vida. Enfim, o mais provável é que este argumento esconda
o desejo do morador da Barra da Tijuca não querer sair do seu bairro, porque este é o
lugar onde se envolve com várias dimensões de suas vidas, onde se encontram os
grupos de amigos, a sua família, as opções de consumo e lazer, e principalmente
porque nele tendem a se sentir mais seguros.
A participação do setor imobiliário tem sido decisiva, segundo alguns moradores,
na estimulação da vinda de novos moradores para a Barra da Tijuca. Para L, esta
iniciativa trouxe moradores de variadas faixas de renda para o bairro, ainda que o
padrão predominante seja o morador de classe média egresso da Tijuca. Como
resultado deste processo o comércio local procura acompanhar a nova demanda dos
moradores, diferenciando os seus serviços e aumentando o número de entregas à
domicílio, os chamados serviços delivery.
A diferenciação do comércio é uma adaptação ao novo tecido social do bairro,
que se pretende capaz de absorver todas as faixas de renda. Os Shoppings do bairro e
os grandes mercados acompanham esta diferenciação do consumo, onde se pode
encontrar dos shoppings populares mais tradicionais, onde o morador pobre, inclusive
não residente no bairro, pode freqüentá-lo sem maiores inconvenientes, até os mais
sofisticados, onde embora não existe um controle formal do acesso a qualquer pessoa,
os constrangimentos acionados pelos seguranças e freqüentadores costumeiros,
242
inibem a circulação dos segmentos identificados estética e economicamente estranhos
ao seu universo.
Pude perceber na fala dos moradores uma hierarquia de lugares de consumo no
bairro. Esta hierarquia apareceu com muita clareza numa história contada por Sl,
moradora do condomínio Barrasul. Ela revelou que certa vez uma amiga sua se
encontrou com uma amiga casada com um funcionário da Rede Globo, e pelo que deu
para depreender, alguém com uma posição expressiva dentro da empresa. Como este
encontro aconteceu dentro de um supermercado popular, esta mulher pediu amiga de
Sl que este fato não fosse revelado para outras amigas em comum, preocupado com as
repercussões negativas deste episódio.
Esta historieta corrobora o argumento que venho sustentando ao longo deste
item: que a personalidade do morador da Barra da tijuca, principalmente àqueles
instalados nos segmentos de maior poder aquisitivo, têm uma intima relação com o
consumo. O lugar em que se consome, e por extensão, aquilo que se consome, são
definidores dos capitais simbólicos que regulam a aceitação dos seus personagens
naqueles espaços que outrora foram definidos por Wright Mills (1967) como as altas
rodas.
Entendo que esta definição poderia causar desconforto para os pesquisadores
que se debruçam sobre os hábitos de consumo e formas de reunião das chamadas
elites cariocas com é o caso de Lemos (2008), que em sua tese reconhece como
integrantes das altas rodas somente aqueles que pertencem às famílias mais
tradicionais da cidade, e mesmo que atualmente algumas delas não dispusessem mais
do patrimônio de outras épocas, elas ainda representariam os estratos de maior
aceitação dentro do circuito de promoção do prestígio na cidade. Neste caso, seriam
elas as mais adequadas a integrarem as altas rodas, e não os chamados emergentes
da Barra da Tijuca. Entretanto, eu me aproprio desta categoria para sustentar que este
segmento da Barra da Tijuca ao se afirmar levou a discussão para certos espaços que
se mostravam conservados, imunes á interferência, e que ao pretenderem fazer parte
das altas rodas geraram um confronto, dentro do seu estrato social, entre tradição e
modernidade.
243
Este tipo de consumo obedece às hierarquias estabelecidas pelo poder aquisitivo
de alguns segmentos de classe, que em função da aposição referencial que desfrutam
exercem um poder coercitivo sobre as escolhas de outros segmentos, igualmente
interessados em fazerem parte de um circuito de consumo, ainda que este seja
diferenciado. Este mecanismo lógico ajuda-nos a entender o constrangimento revelado
pela moradora acima, que se negou a ser associada a um espaço que fosse de
encontro a posição social que ela ocupava na escala de valores do bairro. Quanto mais
exclusivo for o consumo maior será o prestígio do seu usuário. A princípio esta
explicação poderia até não trazer maiores novidades, já que poderia o bem exclusivo
sempre foi de posse se poucos. No entanto, acredito que a novidade está não na
natureza do produto, mas sim nas modificações no produto, alterando o seu padrão e
conferindo-lhe a almejada exclusividade.
Esta diferenciação regulará as competências de mobilidade social dos
segmentos sociais dentro dos espaços de trânsito do bairro que são as suas áreas de
consumo. Selecionados por mecanismos ao mesmo tempo arbitrários, na medida em
que reconhecem a conveniência do consumo, a priori superior de um segmento de
classe, e ao mesmo tempo objetivo, já que este consumo incorpora alguns valores de
ressonância coletiva como respeito e reconhecimento, o consumo converteu-se em
uma espécie de atestado de competência para o seu morador, alçando-no a uma
posição de prestígio ou de anonimato social, que em aprece ser uma das maiores
condenações que o morador da Barra da Tijuca pode vir a sofrer.
Antes de prosseguir gostaria de fazer uma ressalva. As modalidades de
consumo que são acionadas pelos moradores da Barra da Tijuca integram um modelo
de convivência social em torno do consumo pertinente à outros territórios da cidade. Se
formos nos restringir a uma perspectiva horizontal de classes, as várias classes médias
da zona sul e de bairros da zona norte, classificados como integrantes da elite
econômica da cidade, também revelam um comportamento consumista muito voltado a
posse de bens diferenciais estruturados de sistemas classificatórios que hierarquizam a
posição dos indivíduos dentro dos espaços.
O alegado comportamento blasé do morador da zona sul, uma categoria que
procura equiparar a localização territorial com um estilo de vida, no fundo, generaliza
244
uma região que de fato é bem diversificada. Voltando a questão, este termo é, na
verdade, uma invenção cultural, uma caricatura de quem sempre esteve de posse dos
aparelhos culturais da cidade. Esta caricatura busca preservar uma imagem mais
boêmia de moradores esclarecidos, logo indiferentes aos modismos do consumo. Na
verdade, o homem do consumo é um personagem urbano marcado por uma série de
atributos generalizáveis com traços de fácil identificação, mas que se diferencia na
territorialização dos seus habitus. Estes traços seriam a elaboração de vínculos sociais
em áreas de comércio, como nos Shoppings centers, a busca pela personalização nas
relações de consumo, a chamada costumização do produto, a busca por itens culturais
consensuais, como produtos culturais considerados da moda e a larga integração nas
redes de comunicação virtual, tenda na Internet a maior representante. Considerando
este conjunto, a variável do território explicaria os traços específicos das relações de
consumo na Barra da Tijuca, assim como em outros bairros.
As relações de consumo obedecem a um processo de territorialização bem
próximo da definição que lhe dá Deleuze ao afirmar que os territórios têm sido
reconfigurados pelas classes sociais que os modula de acordo com as suas exigências
materiais e simbólicas. Como a dinâmica das classes tem classificado as gramáticas
dos territórios, Sl, que mora em um condomínio estigmatizado pelos moradores da
Barra da Tijuca afirma que o perfil do morador da Barra da Tijuca é aquele com alto
poder aquisitivo que usa os Shoppings Centers com freqüência, e de acordo com outras
passagens da sua entrevista, é obcecado com a segurança.
Os moradores da Barra da Tijuca se referem a zona sul com muita freqüência. Br
morou durante muitos anos em Botafogo, criou um expressivo circulo de amizades e até
hoje freqüenta os seus bairros, mesmo que a sua presença na Barra da Tijuca hoje em
dia seja mais regular. Br e Mr moraram durante vários anos na zona sul, o primeiro
tende passado boa parte da sua adolescência, E, gostaria de morar na zona sul,
acredita não ter o perfil de moradora da Barra da Tijuca, e prefere sai nestes bairros
para se divertir. Ou seja, por vários motivos a zona sul está no horizonte do morador da
Barra da Tijuca, sendo que em todos estes casos os motivos da convocação desta
região passam pela comparação entre a Barra da Tijuca e a zona sul tangenciada por
questões de consumo e comportamento.
245
Br, por exemplo, atribui uma significação positiva a zona sul pelo fato desta
região dispor de um conjunto grande de serviços essenciais, que nos últimos anos
começaram a chegar na Barra da Tijuca, e na possibilidade dos seus moradores
estarem mais próximos destes serviços, que afasta a necessidade do uso constante do
carro, que na Barra da Tijuca é um padrão de deslocamento. Neste sentido, a zona sul,
é mais prática. Há também uma maior facilidade para os encontros em função de
existirem áreas públicas que permitam as reuniões dos seus moradores, e até de não
moradores. Curiosamente, a fala de Br sugere que na zona sul os seus moradores
estão mais sujeitos a familiaridade entre si, e com os lugares que costuma freqüentar. A
questão da familiaridade aparece em outro território da cidade, no entanto, demarcado
por fronteiras, a princípio, mais abertas do que aquelas que circundam os condomínios
fechados.
Na tese de Lemos (op.cit. 2008), que estudou as relações entre posição social,
consumo e espaço urbano, existem alguns depoimentos neste sentido. Em um deles,
um tradicional morador da zona sul, que faz parte dos chamados DPS, ou seja, detentor
do poder social, diz que os locais onde você mora, os locais que você freqüenta são
muito importantes para essas pessoas (referindo-se ao DPS ). Hoje voltou aquela coisa
da vida da vila. Morar em Ipanema, Leblon ou Jardim Botânico, tomar um café da
manhã numa esquina perto de casa. Isto tudo anda muito valorizado hoje em dia. A
coisa do bairro, da vila, voltou.75
O conforto é um objetivo muito claro na fala deste morador, principalmente,
porque as atividades que ele gosta de exercer estão no entorno da sua residência.
Nesta área tudo lhe parece comum, e os espaços externos da sua residência são uma
espécie de extensão de sua própria casa. O bairro se converte em vila porque nele
todos se conhecem, travam relações de proximidade e, possivelmente, sentem - se
seguros. A combinação de conforto com segurança nestes bairros da zona sul, que
estão os melhores ranquiados em qualidade de vida na cidade, se dá numa
territorialidade aberta, ao contrário da Barra da Tijuca que se desenvolve em recintos
fechados. O que esta moradora do Leblon procurou revelar na definição de vila diz
75 Ver LEMOS (2008).
246
menos respeito a sua morfologia do que as formas de socialização desenvolvidas pelos
seus moradores.
O consumo na Barra da Tijuca também pode ser marcado por fatores etários.
Pudemos retirar do depoimento dos entrevistados uma distinção de comportamento
entre os mais jovens e os mais velhos dentro dos seus condomínios, que se reflete
também fora dele. Segundo O, M e R, todos moradores do mesmo condomínio fechado,
há uma diferença sazonal na freqüência das áreas de lazer. Durante a semana, é mais
comum a presença das crianças e dos adolescentes, ao passo que nos finais de
semana é maior a participação dos mais velhos. Estes costumam consumir os espaços
internos de forma mais diferenciada, fazendo uso das piscinas, saunas, quadra
poliesportivas e os bares.
Eles acreditam que entre os moradores mais velhos a presença nestas áreas
seja bem pequena, possivelmente voltando-se mais para o interior dos seus
apartamentos. Esta informação já havia aparecido em outras falas, no caso, para se
referir a uma diferença de comportamento entre moradores de diferentes condomínios,
demarcados por distintos padrões de renda. Entretanto, na fala destes três moradores,
todos jovens e bem envolvidos com os setores de consumo e entretenimento do bairro,
esta sazonalidade aponta um certo distanciamento dos segmentos dentro dos próprios
condomínios.
Podemos apreender destas observações que as relações sociais desenvolvidas
entre moradores de condomínios fechados respondem à uma fragmentação, que se
espelha no conjunto dos moradores onde alguns deles se afinam mais com
determinados grupos. Ou seja, há em ambientes totalizadores como os condomínios
fechados, dissociações no conjunto dos seus moradores, que por sua vez não sugere
com isto que esta seja uma fonte maior de atritos, (na maioria das entrevistas os
moradores falaram que os conflitos, quando existem, acontecem nas reuniões de
moradores). Não seria exagero se falar na formação de micro socializações nesta
microterritorialidade que é o condomínio fechado.
Exceção feita aos depoimentos de corte saudosistas dos moradores mais velhos,
que acreditam que o individualismo dos condomínios fechados é um fenômeno recente,
pude perceber que os moradores têm seus grupos de amigos escolhidos de acordo
247
com critérios da sua conveniência, e assim sendo, ainda que possamos falar de um
conjunto de hábitos destes moradores, é praticamente impossível daí retirarmos
comportamentos homogêneos, como querem fazer crer algumas análises sobre os
condomínios fechados destituída de pesquisa empírica.
Voltando as relações de consumo, gostaria de chamar a atenção para o circuito
no qual vivem os moradores dos condomínios fechados. Nele estão em curso as
relações de deslocamento espacial dos moradores conectando os seus condomínios
com as áreas externas. Neste fluxo podem ser percebidas as relações de consumo do
bairro, colaborando para derrubar outro mito em torno da Barra da Tijuca, de que afora
nos momento de trabalho, os seus moradores vivem o tempo inteiro confinados em
seus condomínios.
Br, morador do condomínio Solar da Barra, por exemplo, hoje em dia considera-
se mais usuário da Barra da tijuca do que em outras épocas em que freqüentava o
bairro antes de ser morador. Ele credita a sua maior freqüência ao fato de hoje em daí
existirem mais opções de lazer como o Downtow, o Cita América e outros shoppings
menores como o Infobarra, uma série de comércios e supermercados construídos entre
as décadas de noventa e nos anos dois mil. Hoje em dia ele quase não precisa sair do
bairro, somado ao fato de desfrutar de uma situação por muitos moradores da Barra da
Tijuca, que é o de trabalhar no bairro, no seu caso mais específico, na própria casa.
S, moradora do Barrasul acredita que a grande maioria dos moradores da Barra
da Tijuca freqüenta os Shoppings do bairro, e mesmo no caso do sue condomínio
encontrar-se ns proximidades do bairro do Recreio a primeira opção destes moradores
é a Barra da Tijuca, com a qual mantém um vinculo muito estreito auxiliado pelos meios
de transportes internos, como ônibus e carros particulares.
A, moradora do condomínio Jardim Europa, considera o seu condomínio e a
Barra da Tijuca um ótimo lugar para se viver. Para ela morar no seu condomínio é muito
prático só se ausentando dele para realização dos afazeres cotidianos como ir a
farmácia, pagar contas, fazer compras e ir ao dentista, cinema e restaurantes. Por sua
vez, todos bem próximos da sua casa.
An, moradora do Lake Buena Vista, diz que o morador da Barra da Tijuca tem
como opção preferencial não sair do seu bairro,mesmo durante a semana. Nos finais de
248
semana esta preferência é ampliada pelo fato dele não desenrolar maiores relações de
interação com outros bairros, optando pela freqüência dos shoppings, praias e outros
espaços que combinam lazer, segurança e comodidade.
B, morador do condomínio Portal do Parque diz que o morador da Barra se
relaciona basicamente com o seu bairro, e por isto precisa recorrer ao carro o tempo
todo. É possível adquirir quase todos os bens e serviços procurados, principalmente
nos lugares fechados, exceção feita á Barrinha, nome que se dá ao inicio do bairro, que
também é a sua parte mais antiga. Os deslocamentos dentro do próprio bairro, por sua
vez, têm o seu preço, já que as distâncias são grandes, e muitas áreas de comércio são
fechadas, e um dos efeitos que começam a ser sentidos pelos seus moradores são os
engarrafamentos cada vez mais comuns dentro do bairro. Este componente revela que
um crescimento desorganizado na Barra da Tijuca, frustrando aqueles que acreditavam
que este bairro pudesse servir de modelo de organização racional para o restante da
cidade.
Praticamente todos os entrevistados afirmaram que o grande sonho do morador
da Barra da Tijuca é poder ter uma vida integral dentro do bairro. Pr, moradora do
condomínio Green Cost, gostaria de morar em casa, ela mora em apartamento, mas
ainda assim, considera muito positivo morar na Barra da tijuca, já que consegue
conciliar segurança com comodidade. No depoimento de mãe de E, moradora do
Barramares, ela diz que encontrou na Barra da Tijuca a possibilidade de ficar muito
tempo dentro de casa, ver neste bairro a reunião de beleza com segurança, conseguir
preservar a sua privacidade, e com isto tudo identifica na Barra da Tijuca o lugar no
Brasil mais próximo do primeiro mundo onde ela já morou por alguns anos. Para os
moradores a Barra da Tijuca passa a impressão de ser um bairro padronizado, e esta
padronização se reflete nas formas de consumo. Sem sombra de dúvida, o Shopping
Center tem na Barra da Tijuca uma competência incomum à muitos bairros do restante
da cidade. Nele é possível ir do consumo ao lazer o tempo todo. È um lugar que
exercer, simultaneamente, a dupla competência do encontro e da passagem. Por estes
motivos, os Shoppings exercem sua centralidade dentro do bairro.
Uma nova estrutura comercial tem colaborado para estimular a procura por áreas
externas aos condomínios, construindo os espaços de fluxos do bairro. O e M, dizem
249
que os minishoppings estão tirando um pouco mais os moradores dos seus
condomínios. Nestes lugares aparecem itens que já faltaram no bairro em outras
épocas, e nele também existem os lugares de encontro, onde principalmente, os mais
jovens, consomem produtos ligados a atividades físicas, ou simplesmente se reúnem
para conversar. Esta mudança de estrutura já tinha sido apontada por Br, que veio a
justificar a sua maior permanência no bairro.
Shoppings como o Novo Leblon, ao disporem desta estrutura tem trazido para o
seu interior moradores de outros condomínios, colaborando para diminuir um pouco a
distância que havia entre os seus moradores. São estes espaços que tem capitalizado
a formação de vínculos de amizade e outros relacionamentos afetivos. Ali os moradores
podem combinar dinâmicas que serão levados para outros ambientes, como as casas
noturnas, tão relevantes na formação da identidade social destes jovens moradores.
Nestes espaços de fluxos estão englobados em uma série de micro-espaços de
trocas (condomínios fechados, espaços abertos e Shoppings Centers)
diferenciadamente, funcionando de acordo com a demanda formulada por cada um dos
agentes que participam desta troca. Os fluxos destes espaços devem ser tomados em
uma perspectiva amplamente interligados nos setores de capital, informação,
tecnologia, sons e símbolos, por exemplo. Em todos estes planos podemos ver a
participação dos moradores do bairro, quando buscam serviços por vias impessoais e
pela maior participação das empresas no bairro, alterando seu mercado de trabalho
local.
250
CONCLUSÃO
A Metrópole do Rio de Janeiro vem apresentando ao longo de sua história uma
espécie de padrão de crescimento. Todas as vezes que alguma região da cidade foi
selecionada para sofrer uma expressiva intervenção urbana, tal escolha sustentava-se
pela avaliação dos potenciais que ela concentrava. Nestas áreas cabia ao poder público
a competência destes diagnósticos, disponibilizando seus técnicos, com perfis
profissionais diferenciados, para a realização das tarefas exigidas para estes macro
investimentos. A montagem deste aparato institucional de caráter racional burocrático,
que faz menção ao modelo de Estado moderno weberiano, procurava alinhar as suas
obrigações funcionais aos setores privados interessados em fazer investimentos na
cidade.
Caberia ao poder público realizar obras de caráter infra-estrutural, como
calçamento, iluminação pública, provimento de segurança e a definição de uma
legislação urbana mínina. O capital privado ingressaria com os seus investimentos
pontuais nos setores que representavam o desenvolvimento da economia capitalista na
cidade. Este casamento, em geral, está perpassado pela ideologia de valorização
diferenciada dos bairros da cidade e, por extensão, promove a integração do Rio de
Janeiro aos circuitos internacionais do grande capital. No governo Pereira Passos
(1902-1906), certamente a primeira grande modelização urbana da cidade, o Estado
despendeu enormes somas de recursos para a promoção de melhorias de vias
públicas, e dentre suas realizações a de maior envergadura foi modernização do porto
do Rio de Janeiro tornando-o adequado as condições de cidade exportadora que o Rio
tinha se tornado, já que na época o Estado desfrutava do posto de capital da República
e maior exportador do pais.
Em síntese, apesar da cidade do Rio de Janeiro ser mais um dos exemplos
urbanos de crescimento desorganizado entre as cidades brasileiras, este adjetivo é
muito mais o resultado de políticas pontuais de caráter segregacionista do que qualquer
sinal de irracionalidade urbana. Nenhuma metrópole cresce de forma espontânea,
como parecem querer fazer-nos crer alguns “diagnósticos” realizados pelas mais
recentes prefeituras cariocas.
251
Esta retórica é extremamente perigosa do ponto de vista social porque aponta na
direção de dinâmicas internas de desorganização do tecido urbano, conferindo a uma
espécie de darwinismo social o motor da nossa história. Já em termos políticos encobre
as ideologias que sustentaram os prognósticos sobre os rumos da cidade, sempre
amparados, de forma mais explícita, ou não, numa concepção de cidade planejada para
os segmentos sociais mais abastados, e a cidade da auto-formatação urbana para os
outros. Ainda que as regiões mais pobres da cidade tenham em algum momento
recebido obras de infra-estrutura, estes investimentos invariavelmente ou tem o caráter
de sobras de verbas públicas, ou quando específicos para as áreas pobres costumam
atender a interesses eleitoreiros imediatos, na melhor tradição de um populismo vulgar.
Isto para ficarmos apenas na escala da cidade, que é a escala com a qual eu trabalho
na tese. O saldo social deste planejamento foi uma cidade de fortes contrastes, onde se
pode ver a proximidade territorial de pobres, classes médias e ricos apartadas por
gigantescas distâncias de renda e de oportunidades de acesso aos ativos de
participação na cidade classificados como positivos. Diante deste cenário a cidade vem
se apresentando como um palco de acúmulo de tensões, que freqüentemente, irrompe
em conflitos, cujos sinais mais conhecidos pelo grande público são as imagens das
balas perdidas e das trocas de tiros entre traficantes e policiais. A complexidade destes
acontecimentos vem exigindo uma investigação muito mais rigorosa do que a
apresentação da imagem da barbárie urbana, afora o fato de que, inegavelmente, as
pessoas venham pagando com suas próprias vidas pelo preço de viver numa
Metrópole. Neste sentido, o crescimento e a afirmação da Barra da Tijuca,
notadamente, nas últimas três décadas, vem significando a incorporação deste bairro
na complexa dinâmica urbana da cidade e o aumento dos desafios de integrar as partes
da cidade em uma lógica territorial efetivamente democrática.
A consolidação da Barra da Tijuca como fronteira do capital onde se reproduzem
as formas de produção rentista baseados em forte estratégia de sobrevalorização dos
terrenos urbanos tem confirmado parcialmente este padrão. Esta região que começou a
despontar como opção urbana a partir da intervenção pública, hoje em dia aparece com
destaque nas concepções mais contemporâneas de planejamento urbano. Falo, de
maneira específica, no plano estratégico da cidade do Rio de Janeiro elaborado por
252
uma composição pluriclassista de atores, mas que no decorrer do seu processo,
transpareceu o alinhamento da prefeitura com setores estratégicos do capital. Neste
texto a Barra da Tijuca figurava como uma das direções para onde a cidade
“naturalmente” cresceria.
Neste sentido, a Barra da Tijuca foi erguida em um antigo “vazio urbano” como
obra de investimento do poder público, colocando o planejamento e execução da sua
urbanização o prestígio e talento de Lúcio Costa, um dos mais renomados arquitetos
brasileiros. Este histórico inclui a Barra da Tijuca como uma região planejada, em que
se investia com vistas a modificação de sua imagem predominante, ou seja, converter-
se em uma centralidade.
A Barra exerceria, como vem exercendo, sobre os bairros vizinhos da zona
Oeste a condição de pólo, cumprindo todas as suas exigências: a concentração que
traria para seus estabelecimentos a mão-de-obra da região. Dentre estes
estabelecimentos estão os condomínios fechados que precisam de trabalhadores para
a portaria, os serviços de manutenção das áreas dos prédios e residências e
empregadas domésticas. Há sobre a Barra da Tijuca a aposta, que, de certa forma, se
confirma, que é de dar seqüência ao desenvolvimento da cidade ao longo da orla, ao
mesmo tempo em que dela esperava-se a não repetição do “erro” de Copacabana cujo
crescimento “desorganizado” gerou uma heterogeneidade social onde pobres,
moradores de favelas ou dos conjugados, estavam muito perto das classes médias. O
espaço social da Barra da Tijuca, segundo os seus idealizadores, deveria ser asséptico,
o que não significou a ausência de favelas na região e um passado recente de ações
violentas de remoções de aglomerados urbanos da população pobre promovidas pelo
poder público e o setor de construção.
Por outro lado, sua afirmação espacial trouxe novidades. Dada a sua distância
em relação aos bairros mais centrais da cidade, centro, Tijuca e mesmo os da zona sul,
pode-se dizer que a sua localização territorial lhe permitiu um isolamento, ainda que
relativo. Ao se consagrar como área de atração de setores da classe média, a Barra da
Tijuca passou a abrigar uma população que maximiza a sua participação no bairro,
procurando dele extrair os bens que requisita. È claro que nos bairros da zona sul, seja
253
ela a velha, a nova ou a novíssima zona sul76, os seus moradores manifestam uma
clara preferência por permanecerem o maior tempo possível dentro dos seus bairros.
Porém, a conurbação urbana destes bairros acaba forçando-nos a um maior
relacionamento com outras áreas da cidade.
Este dado, a meu ver, não deve nos conduzir a uma identificação simplória dos
moradores da zona sul como seres cosmopolitas em contraposição ao provincianismo
do morador da Barra. Esta assertiva embute preconceitos e projeta representações
que, freqüentemente, atendem mais a vaidade do morador do que ao espelho dos
modos de vida. A cidade é uma unidade social muito vasta, e comparações entre
modos de vida de vida devem ser muito cuidadosas, passando obrigatoriamente, pela
seleção criteriosa dos personagens da comparação e dos termos que poderão
sustentá-la.
Se nesta conclusão eu menciono os moradores da Barra da Tijuca e os da zona
sul, este fato deve-se por dois motivos: na fala dos moradores da Barra da Tijuca a
citação a zona sul é muito freqüente, e porque as duas regiões representam, em
diferentes momentos do século XX, os dois eixos para onde a cidade parece se
encaminhar. Faço o recorte temporal no século XX porque foi neste século em que a
cidade do Rio de Janeiro, efetivamente, sofreu intervenções urbanas que mudaram
radicalmente a sua paisagem física e social, as chamadas cirurgias urbanas. Esta
comparação não anula outros bairros da cidade do horizonte relacional dos moradores
do bairro, já que muito deles, egressos de bairros das zonas norte, mantém vínculos
familiares e de amizades ali. Mais a frente esta indicação ficará mais clara ao falarmos
sobre as trajetórias dos moradores dos condomínios fechados.
Esta afirmação social do morador da Barra da Tijuca foi o fator que suscitou as
minhas primeiras inquietações a respeito deste bairro e, em boa parte, foi confirmada
ao longo do trabalho: o fato de que o morador da Barra da Tijuca mora em condomínios
fechados e de que desenvolve sua socialização em espaços fechados e exclusivos,
como são os condomínios, ou no máximo, em áreas semi-fechadas como os
Shoppings.
76 Na primeira classificação figuram bairros como Catete, Flamengo e Botafogo; na segunda Laranjeiras, Cosme Velho, Ipanema, Copacabana e na terceira Leblon, Lagoa, São Conrado e Gávea.
254
Assustado com o crescimento da violência na cidade do Rio de Janeiro, o
morador procura o condomínio fechado por uma questão de segurança. Neste espaço
ele pode desfrutar de um macro aparato que controle os fluxos de moradores, e não
moradores. Todos os condomínios possuem guaritas que delimitam um espaço
fronteiriço artificial entre as áreas internas e os espaços externos, em geral, lugares
públicos. Por sua vez, os condomínios diferenciam-se bastante, e esta heterogeneidade
é legitimada pela infra-estrutura que eles possuem.
Em termos absolutos, os condomínios fechados mais prestigiados são os
detentores os mais rigorosos no controle do acesso aos seus domínios, possuem uma
vasta área social que implica numa diversidade de serviços munidos de quadras
poliesportivas, campos de futebol, parques infantis, quadras de tênis, saunas,
bicicletários, piscinas e nos casos mais sofisticados pequenas lagoas adaptadas para a
prática de esportes aquáticos e campos de golfe. Entretanto, Há casos em que o critério
da indevassabilidade do domínio privado é parcialmente relativizado.
É o caso do Barramares, que mesmo não figurando hoje em dia entre os
condomínios mais caros do bairro, surpreende pela facilidade de ingresso pela portaria
principal. Neste caso, o grande bloqueio apareceu na segunda portaria, aquela que,
efetivamente, isola o apartamento. Esta estrutura indicou como variável de isolamento o
ambiente residencial, indicando um fato novo: há lugares em que a segurança começa
a ser reivindicada como um bem que se efetiva dentro da própria residência, no seu
sentido mais habitual.
Entretanto, o rigor do acesso da portaria é o fator que simultaneamente aproxima
e distancia os condomínios, indicando uma diversidade de moradores, agrupados em
estruturas residências que se adéquam aos seus orçamentos. Mesmo sendo um bairro
de classe média, não é possível a afirmação, muito comum, de que na Barra da Tijuca
predomina uma homogeneidade social. No máximo podemos retirar desta região uma
predominância de segmentos de classe reunidas em torno de um conjunto de princípios
e hábitus.
Esta heterogeneidade também se constata dentro dos territórios do bairro dada a
quantidade de filiações desenvolvidas pelos seus moradores. Estas filiações passam
inevitavelmente pelos condomínios, mas a eles não se restringem. Dentro dos
255
condomínios fatores como idade e tempo de residência influenciam no tipo de
envolvimento que o morador terá com os seus vizinhos. Quanto maior o tempo de
residência do morador, em geral, maior é o seu afastamento das áreas de convivência,
levando-os a estreitar dentro destes espaços os laços de convivência com moradores
tão antigos quanto estes.
Esta dinâmica produz um cenário social interno muito particular, eivado de
saudosismo e desconfianças: os moradores mais antigos recolhem-se para domínios
mais privados, ao passo que os mais novos acionam interações nos espaços mais
abertos. Entre em cena um conflito geracional, que demarca uma disputa por
significações dentro de um território quase total, no sentido, de uma espacialidade onde
se pode viver, consumir e se divertir77. Neste cenário, os moradores mais antigos, não
necessariamente velhos, apontam uma diferença entre as relações de vizinhança atuais
e as mais antigas. Para eles, há um passado recente onde as pessoas eram mais
próximas, se reuniam com mais freqüência e acessam mais a intimidade dos seus
vizinhos, Ao longo dos anos esta convivência teria diminuído e passado a predominar
um ambiente de desconfiança.
Este mostrou-se um típico discurso da defesa das permanências, a necessidade
de manutenção de um tempo onde as relações transcorriam pelas vias da
informalidade. As gerações mais novas dos condomínios, notadamente, dentro dos
condomínios de vinte ou trinta anos, ao serem apresentadas como mais distantes
acabam sendo responsabilizadas por uma espécie de deslocamento de princípios que
organizam a moralidade interna dos moradores. E com isto, os condomínios estariam
deixando de ser comunitários e se transformando em micro – realidades individualistas.
Tal acusação procura encobrir a revelação de uma falácia na qual os moradores
mais antigos insistem em apostar, até mesmo para justificarem suas motivações iniciais
de virem morar na Barra da Tijuca: o desejo de morar em uma comunidade, de
preferência em uma ambiência que lembrasse os lugares de onde são egressos. Os
destinos dos moradores da Barra da Tijuca concentram-se na Tijuca e na zona sul.
Nem todos vieram para o bairro a procura por segurança imediata. Esta requisição foi
77 Existem condomínios em fase final de construção se aproximam das famosas edge cities americanas, que são macro - condomínios de onde o seu morador sequer se ausenta para trabalhar. Estes empreendimentos reproduzem minicidades, exceção feita à ausência de prefeituras, já que os seus moradores ainda não podem escolher representantes para lhes governar internamente. No caso da Barra da Tijuca, a Península e o Cidade Jardim são os exemplos que mais se aproximam desta proposta.
256
adequando-se com o passar do tempo. Para muitos as condições financeiras
favoráveis, preços de terrenos e imóveis mais baratos, representaram um grande
atrativo. Seduzidos por uma região a ser desbravada, para muitos nela tornava-se
possível a reprodução destes modos de vida pretendidos. Esta premissa aplica-se
inclusive às ocupações mais recentes, porém o seu discurso é mais atuante nos
moradores que iniciavam a ocupação dos seus condomínios.
Questões ligadas a memória misturavam-se oportunamente com os espaços de
um lugar “virgem”, destituído de uma moralidade. Esta vacância seria preenchida,
exatamente, pela chegada deste morador pioneiro. Porém, a comunidade para eles
representava menos uma unidade social de acolhimento e proteção cognitiva dos seus
integrantes do que a extensão das relações familiares para um domínio espacial
externo. Não raro, na fala de vários moradores este comunitarismo aparece nomeado
como um ambiente familiar.
Mesmo que os condomínios fechados tenham aumentado a sua complexidade,
tanto do ponto de vista estrutural quanto social e pessoal, esta opção residencial tem no
individualismo um dos seus pressupostos. Ainda que este individualismo em algum
momento tenha sido, digamos, suavizado, por uma maior proximidade entre os
moradores através de eventos promovidos dentro dos seus domínios, a unidade
indispensável na definição de sua identidade é a casa. A casa é uma unidade
inquestionável do ponto de vista moral para o morador de condomínios fechados. È do
exemplo da família que saem os padrões de conduta dentro e fora dos condomínios. È
como se os princípios da socialização primária agissem coercitivamente com muita
ênfase nas consciências destes sujeitos e gerassem sobre o privado mais imediato um
imaginário altamente positivo.
Da casas sai uma moralidade individualista que se funde com sinais típicos da
competitividade desenvolvidos nos espaços externos, nos lugares de convívio interno
dos condomínios e nos espaços públicos. O individualismo que se constituí nestes
condomínios, é parcialmente, aquele denunciado por Ribeiro (2008) como uma
ideologia que anula a individuação, entendendo esta como a capacidade do indivíduo
formular cursos de ação efetivamente autônomos, considerando que estas ações
poderiam precipitar uma lógica de ação coletiva democrática.
257
Digo parcial porque se a individuação não se mostra como uma alternativa para
a maioria das pessoas o motivo é a concentração de suas potencialidades e usos em
outro extremo da ação individual. A construção do individualismo é relacional. E esta
premissa foi constatada nas atitudes dos moradores da Barra da Tijuca, ainda que nas
suas falas apareça uma idéia de isolamento total. Desta forma, há indivíduos que
desfrutam de enorme capacidade de escolha e sua competência deve-se, em boa
parte, a sua capacidade de concentrar toda uma série de ativos, que estão ausentes
nos outros extremos da escala social. A concentração destes ativos nas mãos de uns
está condicionada necessariamente a sua ausência no cotidiano de outros grupos. São
os indivíduos de jure e os indivíduos de fato em Bauman, os primeiros integrados as
redes de proteção institucional e econômica e os segundos em suas periferias. Em uma
sociedade fragmentada como a carioca, os condomínios parecem ampliar esta
dicotomia. Ainda que a fragmentação notada não obedeça a uma lógica dual, do tipo,
pobres de um lado e ricos do outro, na medida em que grupos intermediários, como as
classes médias da Barra, tornam-se signatários deste “mundo dos direitos”, os
bloqueios para o acesso a estes benefícios passam a ser mais severos. Os
condomínios fechados atuam desta forma no arrefecimento da estratificação, trazendo
este fenômeno para uma nova escala.
Este individualismo, do qual os mais jovens são freqüentemente acusados como
sendo seus responsáveis, pode ser o sintoma da mudança de padrão da organização
do espaço, uma nova espacialidade de onde se percebe o crescimento da afinidade
cognitiva e ideológica destes condomínios com as exigências dos princípios do
mercado capitalista. Cada vez mais as antigas associações de moradores têm sido
substituídas por administrações profissionais. Em tese, sobrariam menos espaços para
as relações informais com o avanço deste tipo de gestão, já que sequer seria o morador
do condomínio o gestor responsável.
Este modelo de organização dos interesses dos moradores apontou para a
intensificação da profissionalização como fator de arrefecimento do individualismo, já
que com a delegação de autoridade para um profissional o morador estaria dispensado
de um maior envolvimento com os rumos do seu condomínio, e com isto, se afastaria
mais dos seus vizinhos diante de possíveis problemas em comum.
258
Entretanto, estas administrações são organizações que pautam seus trabalhos
por uma combinação de orientações, a princípio, contraditórias. Ao mesmo tempo em
que se dedicam em resolver de forma profissional, logo racional, as suas tarefas, cada
vez mais complexas, já que os condomínios têm se tornado mais diferenciados, estes
mesmo profissionais não podem ignorar os componentes mais pessoais na relação com
os moradores.
Ou seja, uma inovação institucional que procura sustentar a modernidade da
qual tanto se orgulham os empreendedores e os moradores dos condomínios acabam
sintetizando as lógicas da tradição com a mudança. Tradição aqui entendida como
preservação das antigas relações de vizinhança. Logo, mais uma vez, o familismo, ou
comunitarismo, que os moradores mais antigos tanto convocam estaria, ao seu modo,
preservado. Esta combinação atípica ajuda a explicar o sucesso deste
empreendimento, pois o morador pode se individualizar com a salvaguarda de que as
suas vicissitudes serão preservadas. È como se dentro dos condomínios já fosse
possível a equação das garantias de uma ordem institucional com a preservação do
“caráter humano” de cada um.
Outra faceta do individualismo constatado na Barra da Tijuca despontou na
imagem mais freqüente do seu morador: como alguém muito preocupado com a
segurança.Para eles, a segurança pessoal é uma garantia inegociável, não foi
encontrada qualquer forma ou sugestão de modelo alternativo de segurança que
pudesse substituir o modelo vigente. São moradores que pelo perfil profissional cobram
por uma infra-estrutura que lhes possibilite o acesso a bens e serviços com o maior
grau possível de comodidade, já que passam muito tempo fora de suas casas nos dias
de semana ou trabalham muito tempo nas mesmas. A própria morfologia de serviços da
Barra endossa este desejo, e neste caso, aqueles serviços que não forem encontrados
dentro dos condomínios podem ser obtidos pelo serviço de delivery, ainda que este
último traço não individualize um certo hábito do morador da Barra da Tijuca, haja vista
que este recurso é muito utilizado em outros bairros da cidade.
As áreas de lazer são freqüentadas de forma sazonal. È possível, com leves
variações apontar que a dinâmica do morador com estas áreas passa bastante pela sua
faixa etária. Já que os condomínios possuem uma estrutura de veraneio, com
259
equipamentos que fazem lembrar micro clubes, é no verão ou nos dias de temperaturas
mais altas que estes encontros costumam acontecer. Os grupos de filiação para os
quais chamei a atenção se definem bastante pela participação nestes ambientes, que
também incluem as academias de musculação e os espaços de esportes coletivos. Os
mais jovens são freqüentadores muito assíduos destes ambientes, tendem a se reunir
em torno das áreas de lazer para celebrarem encontros muito típicos da juventude, ou
para anunciarem sue corpos em sintonia com as exigências de beleza predominantes.
Há um padrão de beleza branca e “sarada” dominante na Barra da Tijuca, e em geral,
nos bairros de maior poder aquisitivo da cidade.
Entre os mais adultos a freqüência a estes ambientes obedece a um padrão de
seletividade. A ida às academias é intervalada de acordo com o seu horário de trabalho,
as piscinas e as quadras são lugares de reunião que costumam compor grupos que se
reproduzem e em alguns casos, formam relações de amizade. Entre os mais velhos a
presença a socialização mais recorrente ocorre dento dos próprios apartamentos.
Alguns destes moradores admitem que em outras épocas foram mais afeitos aos
espaços internos dos condomínios, mas que, com o passar do tempo, a idade produziu
nestes um desdobramento do confinamento em que já se encontravam. È possível
identificar um sentimento de solidão nestas faixas etárias.
No entanto, volta a afirmar que estas são as dinâmicas mais comuns. Há casos
de grandes condomínios, como o maior onde estive, o Barramares, onde as interações
dos moradores obedecem a uma dupla territorialização: há os espaços comuns a todos
moradores e as áreas freqüentadas tão somente pelo morador do próprio bloco. A
presença destes lugares de encontro corresponderia, a meu ver, em mais uma fronteira
nas várias territorializações que podem ser vistas dentro dos condomínios, conferindo a
estes espaços um papel agregador de diferenciação, e por extensão status, ao seu
freqüentador. Soma-se a esta dinâmica a maximização da socialização na esfera
exclusiva dos apartamentos, que na verdade, eu só percebi no caso de uma moradora.
Todos os outros, com maior ou menor freqüência relacionam-se com os seus vizinhos
em áreas de encontro. Nas suas áreas de encontra a Barra da Tijuca revela traços de
fragmentação, e neste caso os próprios moradores se fracionam através dos grupos de
afinidade, potencializam capitais de segregação internos, que podem ser reportados ao
260
contexto da cidade, na medida em que valores competitivos atuam de forma coercitiva
sobre estes moradores.
Os condomínios procuram pautar o relacionamento entre os seus moradores da
forma mais harmônica possível. Esta tem sido a retórica dos promotores imobiliários e
de muitos moradores, que nas entrevistas quase não identificaram mais divergências,
exceto àqueles que integram o cotidiano, consideradas por eles normais. Porém dentro
dos condomínios existem níveis de tensões, que por vezes, irrompem em conflitos
abertos. Parece haver uma lei do silêncio sustentada por códigos de pertença que
associam o conflito ao delito. A anulação da sua existência indica o esforço do
condomínio em ser visto como uma área a parte, onde não se perceberiam os mesmos
processos disruptivos encontradas em lugares abertos.
Quebrar este pacto do silêncio pode implicar na rejeição do acordo tácito. Tal
atitude só apareceu abertamente numa entrevista feita no Terraza, onde um dos seus
moradores identificou que naquele condomínio havia um microcosmo que reproduzia
conflitos muito parecidos com dos de área abertas. Desta forma, são percebidas
disputas por espaços entre vizinhos, nem sempre elegantes, os moradores procuram
criar laços clientelistas com funcionários fazendo uma troca de favores que acalenta a
ambas as partes, e há graves casos de delinqüência dentro dos condomínios. Este fato
ficou bem patente na análise das reportagens que denunciaram tráfico de drogas,
roubos de peças de automóveis, assaltos a residências e formação de gangues nos
condomínios. Ou seja, as pretensões de se deixar a “cidade do lado de fora”, forte
orientação ideológica que permeia a fala de alguns moradores de condomínios
fechados não se realizaram plenamente.
Afora a questão da segurança, outro fator que identifica irrestritamente os
moradores de condomínios fechados é a sua disposição para o consumo. O morador
de condomínio fechado é um sujeito que tem uma relação itinerante com o consumo.
Uma relação que se manifesta em múltiplos níveis: com o espaço em que vive, com os
bens que precisa adquirir para se integrar no circuito de valorização simbólica do bairro
e com as pessoas com as quais se relaciona, em geral, integrantes de um segmento de
renda similar que as integra neste circuito. O consumo acaba universalizando, e ao
mesmo tempo, individualizando os moradores.
261
Não consumir pode significar ficar excluído dos grupos de integração do bairro.
Há um único caso registrado no trabalho de uma moradora que se afasta bastante
deste perfil, já que o seu relacionamento com o bairro é marcado por idas reduzidas
aos seus estabelecimentos de compras e lazer, com esta mesma freqüência aplicando-
se ao seu condomínio. De acordo com esse duplo registro do consumo, consumir
converte-se em ato que acaba indicando a qualidade e validade do bem que se
procura. Neste sentido, observa-se, segundo Bauman, que no consumo o indivíduo
pode manifestar o sentimento de fazer parte de algo maior que suas vidas mais íntimas,
ainda que esta relação de consumo fundamente as escolhas que estes mesmos
indivíduos fazem visando alcançar níveis seguros de bem estar e promoção pessoal.
Dentro deste contexto de consumo parece estar em vigência na Barra da Tijuca
uma dinâmica de ocupação territorial delimitada pela precariedade da separação entre
o público e o privado. Esta informação pode ser flagrada no campo de visão que se
apresenta a um pesquisador nos seus primeiros contatos com o bairro, onde são
flagrantes as arbitrariedades presentes nos avanços dos espaços privados sobre os
públicos. Por este motivo, e pelo fato de vários trabalhos qualificados já terem coberto
esta problemática de forma competente, gostaria de chamar a atenção para o
surgimento de uma espécie de cultura da privatização do espaço público, ligado nem
tanto a estes movimentos de apropriação e sim a uma internalização, por parte dos
moradores, destas práticas predatórias.
Nesta cultura o morador atribui sentidos muito subjetivos ao que é público e ao
privado. O público tende a ser o lugar que não está ao seu alcance imediato, e por onde
ele costuma ter uma relação passageira. Uma das poucas exceções que podem ser
feitas a esta premissa é a praia, muito freqüentada pelos moradores do bairro. No mais,
no espaço público identifica-se o distante, o desconhecido, e o ameaçador. Em uma
das entrevistas o morador se refere a uma importante via pública da cidade como um
corredor que estreita o seu morador passante, que na condução do seu veículo
encontra-se cercado pelas78 favelas.
78 Esta acusação foi feita ao fato dos moradores da Barra da Tijuca precisarem usar as linhas vermelha e amarela. Nesta lógica, a cidade se parece com um mosaico de fios ligados que ao interferirem na passagem de carga uns dos outros podem gerar um curto circuito. Esta é uma justificativa da centralidade da Barra, sustentada de forma inconsciente.
262
Em outra entrevista a menção caricaturada ao espaço público é ainda mais
explícita. Nela, ao fundamentar um conflito existente entre o seu condomínio e outro
vizinho em função de uma obra irregular, que acabou sendo embargada pela Prefeitura,
mesmo reconhecendo a validade da intervenção do poder público, este morador afirma
que em outros casos de apropriação ele não viria nenhum dano, já que uma “coisa é
ser ilegal e a outra é ser irregular”. Estas duas falas são muito reveladoras do nível
desconhecimento da população local da natureza dos espaços coletivos.
Por fim, não é possível identificar um perfil que unifique o morador de
condomínio fechado. No máximo, podem ser reveladas questões em torno das quais
estes moradores procuram construir a sua identidade. De todas estas, como já foi
apontado, vemos a preocupação com a segurança, a preservação da intimidade,
comumente figurada por condutas individualistas e a procura pelo consumo, baseado
na necessidade imperiosa de participar de um coletivo que gravita em torno de bens
materiais e simbólicos pautados por uma necessidade distinção.
Atribuir à Barra da Tijuca a responsabilidade pela segregação sócio-espacial na
cidade é incorrer em um olhar míope. Se nos capitulo dedicado a análise do material
jornalístico, eu tive a preocupação de denunciar as falsas representações
manufaturados por grupos interessados na promoção diferenciada de estilos de vida
calcados em territórios específicos, a mesma crítica deve direcionada para segmentos
que escalaram uma região da cidade como esta fosse capaz de cobrir um fenômeno
tão complexo. Outros bairros mais estabelecidos como referências urbanas continuam
segregando as populações dentro e para além dos seus limites.
A segregação residencial é um dos saldos sociais mais perversos constituintes
de uma espécie de herança estrutural. Seus efeitos estarão longe de serem
enfrentados enquanto permanecerem na cidade lógicas administrativas que insistiam
em seccionar o crescimento urbano. Sua percepção deve obedecer a uma avaliação do
fenômeno como um processo que integra de forma indiferenciada os bairros da cidade
em um tecido urbano fragmentado e com déficits cada vez mais acentuados de
cidadania. Nesta cidade apartada, cada região assumiu em algum momento o seu
papel de destaque. E pelo jeito, esta oportunidade tem sido muito bem aproveitada pela
Barra da Tijuca.
263
REFERÊNCIAS
ABREU, Mauricio de. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2006. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho – ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, ______. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro : Zahar, 2003. ______. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. ______. Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Relógio D’água, 2005. ______. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. BARRA: o futuro é aqui. Encarte publicitário. O Globo, Rio de Janeiro, Novembro, 2006. BERGER, Peter. A Construção Social da Realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. BERNARDES, Genilda D’arc & JUNIOR, Ademar Soares. Condomínios Residenciais Fechados: uma reflexão sobre o espaço metropolitano e Intra-metropolitano de Goiânia. In Encontro anual da ANPOCS, 2006, Caxambu. BIENEISNTEIN, Glauco. Espaços Metropolitanos em Tempos de Globalização: um estudo de caso do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional)- Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. BORSDORF, Axel. Hacia La Ciudad Fragmentada. Tempranas Estructuras Segregadas En La Ciudad Latinoamericana. Scripta Nova, Barcelona, Número 146, 2003. BOURDIEU, Pierre. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (org). Coleção grandes cientistas sociais. Número 39. São Paulo: Ática, 1983.
264
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1997. ______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 2004. BOURDIN, Alan. A Questão Local. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2001. BRAIN, David. From Good Neighborhoods to Susteinable Cities: Social Science and the Agenda of New Urbanism. Internacional Regional Science Review, Florida, vol.28. número 2, ps. 217-238, 2005. BUCCI, Eugênio & KHELL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004. CALDEIRA, Teresa. Cidade de Muros: Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000. CAMPOS, Ana Cecília Mattei de Arruda. Urban Expansion models inthe Metropolises os São Paulo and Rio de Janeiro. The Alphaville / Tamboré and Barra da Tijuca Cases. In : ISUF, 2006, Ouro Preto. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais e globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. CARDOSO, Adauto Lúcio. Construindo a Utopia: urbanismo e modernidade no Brasil. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional)- Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988. CASTELLS, Manuel. La Cuestion Urbana. México, Buenos Aires e Madri : Siglo Veintiuno Editores S.A , 1974. ______. A Sociedade de Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000. CEZIMBRA, Márcia & ORSINI, Elizabeth. Os Emergentes da Barra. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.
265
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril – cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. CHEVALIER, Jacques. Los Espacios Cerrados Residenciales: Em Busca Del Entre – Si. Estudio Comparativo de entre El Nore y El Sur Del Continente Americano. Scripta Nova, Barcelona, Número 194, 2005. CHOAY, Françoise. O Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1979. CHUMILLAS, Isabel Rodriguez & GÒMEZ, Manuel Mollá Ruiz. La Vivienda em Las Urbanizaciones cerradas de Puebla y Toluca. Scripta Nova, Barcelona, Número 146, 2003. CLAVAL, Paul. O Território na transição da Pós-modernidade. GEOgraphia, Niterói, ano 1, número 2, 1999. COSTA, Jurandir Freire. Declínio do comprador, ascensão do consumidor. In O Vestígio e a Aura – Corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. CPS / FGV. Dados da região Administrativa do Rio de Janeiro. IBGE, 2006. DAMMERT, Lucia. Ciudad sin Ciudadanos? Fragmentación, Segregación y temor em Santiago. EURE. Santiago, número 91, 2004. DEBORD, GUY. A Sociedade do Espetáculo – comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1992. DURKHEIM, Emile. Coleção os Pensadores – textos escolhidos. São Paulo: Abril, 1983. D’OTTAVIANO, M.C.L . Gated Residencial Communities in São Paulo Metropolitan Area : a new pattern of urban segregacion ? In: ISUF, 2006, Ouro Preto. ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
266
FERRAZ, Sonia Maria& FURLONI, Camila Bezerra & MADEIRA, Camila Siqueira & CABRAL, Fabiana de Matos Carvalho. Arquitetura da Violência: os custos sociais da segurança privada. In Encontro bianual da ANPUR: 2005,Salvador. FERRAZ, Sônia Maria Taddei & POSSIDÔNIO, Edson dos Reis. Violência, Medo e Mercado: uma análise da publicidade imobiliária. Impulso. Piracicaba, número 37, ps 79 – 88, 2004. FIORI, José Luiz. Washington Consensus. In 60 Lições dos Noventa: uma década de neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2001. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 1979. ______. Em defesa da Sociedade. Rio de Janeiro . Martins Fontes , 2002. ______. As Palavras e as Coisas. Rio de Janeiro : Martins Fontes, 2002. FREITAG, Bárbara. Cidade e Cidadania. In. Cidade dos Homens. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. FREITAS, Ricardo Ferreira. Narrativas da Violência: um estudo de caso sobre a Barra da Tijuca. In: MT 13: Jornalismo: narrativa, cultura e práticas sociais. Anais UERJ, 2006. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1994. GOFFMAN, Erving. Estigma. São Paulo: LC&T, 1998 GOLDMAN, Pedrinho & AMORIM, Sérgio Leusin. Indicadores e variáveis nos estudos de viabilidade econômica e financeira – identificação e relevância para os empreendedores da habitação. GOMES, Maria de Fátima Cabral Marques. Sonhos Urbanos e Pesadelos Metropolitanos: violência e segregação na cidade do Rio de Janeiro. Scripta Nova, Barcelona, número 146, 2003.
267
GONÇALVES, Ayrton Luiz. Barra da Tijuca, o Lugar. Rio de Janeiro: Thex, 1999. ______ . Barra da Tijuca – de rua em rua. Rio de Janeiro: Estácio de Sá, 2005. GROSS, Patrício. La Ciudad, un Proyeto Ètico y Estético. EURE, Santiago, número 71, 1998. HAESBAERT, Rogério. Da Desterritorialização á Multiterritorialidade. In: X encontro de geógrafos da América Latina. Anais, São Paulo, 2005. HANSEN, Rodrigo. El Espacio Publico em el debate actual: Uma reflexíon crítica sobre el urbanismo post-moderno. EURE, Santiago, número 84, 2002. HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1989. HIDALGO, Rodrigo & BARROWS, Alejandro Salazar & CORREA, Lily Alvarez. Los Condomínios y Urabnizaciones Cerradas Como Nuevo Modelo de Construcción Del Espacio Residencial Em Santiago de Chile (1992 – 2000). Scripta Nova, Barcelona, número 146, 2003. PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Mosaico de ortofotos: imagens de condomínios fechados da Barra da Tijuca. Disponível em <www.armazemdedados.rio.rj.gov.br> JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2000. JACOBY, Russel. O Fim da Utopia – política e cultura na era da apatia. Rio de Janeiro: Record, 2001. JANOSCHKA, Michael. El Nuevo Modelo de la Ciudad Latinoamaricana: Fratgmentación y privatización. EURE, Santiago, número 85, 2002. KOPPMANN, Sonia Vidal. La Ciudad Privada: Nuevos Atores, Nuevos Escenarios, Nuevas Políticas Urbanas? Scripta Nova, Barcelona, número 194, 2005.
268
LANDMAN, Karina. Gated Commnities and Urban Sustainability : taking a loser look at the future. Africa do Sul, 2000. LEFEBVRE. Henri. Lógica Formal e Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. ______. Critique of Everiday Life. New York: Verso , 1991. ______. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Humanitas, 2002. ______. O Direito a Cidade. São Paulo: Centauro, 2006. LEMOS, Luiz Henrique. Posição Social, Consumo e Espaço Urbano: Um Estudo Sobre a Dinâmica Sócio-Espacial das Classes Nobres do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. LEVENT, Tuzin Baycan & GULUMSER, Aliye Ahu. Gated communities from the perspective of the developers. Amsterdam, 23 – 27 August, 2005. LIMA, Diana Nogueira de Oliveira. Ethos Emergente: notas etnográficas sobre o “sucesso”. RBCS, São Paulo, número 65, ps 1-11, 2007. LIMONAD, Ester. Reflexões sobre o espaço urbano e a urbanização. Geographia, Niterói, ano 1, vol 1, ps 71-92, 1999. LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal – ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. LYOTARD, François. A pós-modernidade. São Paulo: José Olympio, 1979. MAIA, Rosemere Santos. A Produção do Espaço em Áreas de Auto-Segregação: O Caso da Barra da Tijuca. Instituto de Geociências, anais, volume 21, 1998. MANJARREZ, Pedro Lina & ÀVALOS, Ana Rosa Velasco. Lãs Unidades Habitacionales y la Vivienda Em La Ciudad de Morelia: Apropriación de Los Espacios Abiertos. Scripta Nova, Barcelona, número 146, 2003
269
MATTOS, Carlos de. Transformación de las Ciudades Latinoamericanas. Impactos de la globalización? EURE, Santiago, número 85, 2002. MENA, Fernando Carrión & VEGA, Jorge Nunez. La Inseguridad em la Ciudad: uma comprensión de la producición social del medo. EURE, Santiago, Número 97, 2006. MISSE, Michel. Cinco Teses Equivocadas sobre a Criminalidade Urbana no Brasil: uma abordagem crítica acompanhada de sugestões para uma agenda de pesquisa. In: Seminário sobre Violência e participação social no Rio de Janeiro, 17/04/95, IUPERJ, Rio de Janeiro. MOURA, Cristina Patriota Moura. Urbanidade e Estilos de Vida: Gated Comunities e Condomínios Horizontais. Pesquisa em andamento. 2004. NEDER, Gizlene. Cidade, Identidade e Exclusão Social. Tempo, Rio de Janeiro, número 3, ps 106 – 134. NEVES, Maria Aparecida Mamede &VIDAL, Fernando & WILMER, Celso. Problemas e valores apontados por jovens universitários pertencentes a “sociedades emergentes”: um estudo de caso sobre a Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. ALCEU, Rio de Janeiro, número 7, ps. 164 -195, Julho / Dezembro, 2003. NOTÍCIAS CONDOMINIAIS. RJ: 70% da segurança particular é clandestina, diz sindicato. 13/12/2005. ______. Sensores de presença previnem assaltos. 28 /11/2006. ______. Equipamentos de segurança básicos inibem ações criminosas sem invadir privacidade de moradores. 28/03/2007. ______. Moradores constroem muros em vias públicas. 02/05/2007. ______. Moradores da Barra acusam jovem de vender maconha em condomínio. 01/07/2007. ______. Mais de 875 milhões fizeram compras on-line, 40% a mais do que há 2 anos. 30/01/2008. ______. Cariocas gastam $ 500 mensais com segurança. 18/02/2008. ______ . Exclusão de condômino anti-social, segundo o NCC. 04/04/2008.
270
PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO E INSTITUTO PEREIRA PASSOS. A Barra da Tijuca em Números: um estudo sobre o licenciamento de construções nos anos 2000 e 2001. PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO E INSTITUTO PEREIRA PASSOS. Índice de Desenvolvimento Social – comparando as realidades microurbanas da cidade do Rio de Janeiro. Abril. 2008. RANDOLPH, Rainer ; LOPES, Ledilson. Urbanização fechada em áreas metropolitana e peri-metropolitana: comparação da segregação sócio-espacial entre condomínios fechados dentro e fora da região metropolitana do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS, 30, 2006, Caxambu. ______. New urbans forms in metropolitan areas? A comparision of the occupation by gated communities inside and outside of the metropolitan area of Rio de Janeiro. In : ISUF, 2007, Ouro Preto. ______. Globalização e expansão metropolitana : o significado da proliferação de condomínios fechados em áreas peri-metropolitanas do Rio de Janeiro. In: X Seminário da Rede Iberoamericana de investigadores em Globalização e Território,2008, Queretato. V1, ps. 23-36. REGINENSI, Caterine. Rio de Janeiro: dois mundos num só lugar. Abordagem da Violência através da mobilidade quotidiana. Scripta Nova, Barcelona, Número 146, 2003. REZENDE, Vera & LEITÂO, Gerônimo. Plano Piloto da Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá, a avaliação dos ideais modernistas após três décadas. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. Dos cortiços aos Condomínios Fechados: as formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. ______. & JUNIOR, Orlando Alves dos Santos. Democracia e Segregação Urbana: reflexões sobre a relação entre cidade e cidadania na sociedade brasileira. EURE, Santiago, número 88, 2003. ______. Segregação Residencial e Políticas Públicas: análise do espaço social da Metrópole e Gestão do Território. 2003.
271
______. (Org). Entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles Fundação Perseu Abramo e FASE, 2004. RODRIGUEZ, Sérgio. As Sementes de Flowerville. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. SABATINI, Francisco & CÀCERES, Gonzalo & CERDA, Jorge. Segregación Residencial em Las principales ciudades chilenas: Tendências de las três últimas décadas y posibles cursos de acción. EURE, Santiago, número 82, 2001. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Condomínios Exclusivos: o que diria a respeito um arqueólogo? IBAM, Rio de Janeiro, 1981. SANTOS, Milton. Economia Espacial. São Paulo: EDUSP, 2003. Segurança privada é foco de conflitos em condomínios fechados. Disponível em <www.sindiconet.com.br>. SENNET, Richard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: ROCCO, 1997. ______. Autoridade. Rio de Janeiro : ROCCO, 1999 SOARES, Luiz Eduardo. Violência e política na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Top Books, 1996. ______.Segurança tem saída. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. SOJA, Edward. Geografias Pós-Modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. SOUZA, Jessé de. A Sociologia Dual de Roberto da Matta: descobrindo nossos mistérios ou sistematizando nossos auto-enganos? RBCS, número 45, Fevereiro. 2001. SOUZA, Marcelo Lopes de. O Desafio Metropolitano: um estudo sobre a problemática Sócio-espacial nas Metrópoles Brasileiras. Rio De Janeiro: Bertrand, 2000.
272
______. Fobópoles. Rio de Janeiro: Bertrand, 2008. SZPACENKOPF, Maria Isabel Oliveira. O Olhar do Poder: a montagem branca e a violência no espetáculo telejornal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. TÂNGARI, Vera Regina & POPPE, Márcia & EPPINGHAUS, Annie Goldberg. Barra da Tijuca – Um Estudo Sobre Privatização dos Espaços Públicos no Rio de Janeiro. UEDA, Vanda. La Utopia Burguesa Em La Cosntrucción de Los Condomínios Cerrados em La Ciudad de Porto Alegre. Scripta Nova, Barcelona, número 194, 2005. VAINER, Carlos. Os Liberais Também fazem planejamento urbano? In Cidade do Pensamento Único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2002. VILLAÇA, Flávio. Efeitos do Espaço sobre o Social na Metrópole do Rio de Janeiro. In: VII Encontro Nacional da ANPUR, 1997, Recife. VIOLÊCIA, CRIMINALIDADE E SEGURANÇA. Relatório de Desenvolvimento Humano do Rio de Janeiro. IPEA, Prefeitura do Rio de Janeiro e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. ZALUAR, Alba. Cidadãos não vão ao Paraíso. Campinas: Unicamp, 1994.
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo