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Sociedade Brasileira de Educação Matemática Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011 COMPREENDENDO O SISTEMA DE NUMERAÇÃO ESCRITA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Juliane dos Santos Medeiros (UFAL) [email protected] Rosemeire Roberta de Lima (UFAL) [email protected] RESUMO O ensino da matemática muitas vezes focaliza o resultado em detrimento do procedimento. Tendo em vista que aprender matemática requer a construção de conceitos, o presente estudo de cunho bibliográfico e exploratório objetiva refletir de como vem sendo dado a função do número no ambiente escolar em turma do 2º ano do ensino fundamental. Analisamos atividade de ditado de número com a intenção de verificar o processo de compreensão da numeração escrita dos participantes. Para este estudo, utilizamos arsenal teórico do campo conceitual de Vergnaud como meio de aprender conteúdos matemáticos por compreensão. Os resultados revelam a complexidade de entender as regularidades dos números, mostrando-nos que aprender e ensinar matemática passam a ser elementos intrínsecos no processo da construção do saber escolar, uma vez que não basta ao professor identificar os números e saber fazer conta, é preciso que saiba mediar o que o aluno sabe ou se aproxima do saber matemático e o que ele precisa aprender, do ponto de vista formal, organizando seu planejamento e atividades escolares para atingir esse fim. Palavras-chave: Números Campo Conceitual Aprendizagem Prática Docente INTRODUÇÃO Optou-se em trabalhar com a aritmética, focalizando o estudo do número, por entender que este é a base para o estudo dos demais conteúdos matemáticos e por ter percebido, nos sujeitos participantes deste estudo, que a maioria dos alunos dos anos iniciais de escolas públicas de Maceió ainda tem dificuldade em entender o valor de totalidade de um número. Diante disso, resolvemos pesquisar, teoricamente e por meio de estudo exploratório em uma turma do 2º ano do ensino fundamental, o que é

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

COMPREENDENDO O SISTEMA DE NUMERAÇÃO ESCRITA NOS

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Juliane dos Santos Medeiros (UFAL)

[email protected]

Rosemeire Roberta de Lima (UFAL)

[email protected]

RESUMO

O ensino da matemática muitas vezes focaliza o resultado em detrimento do

procedimento. Tendo em vista que aprender matemática requer a construção de

conceitos, o presente estudo de cunho bibliográfico e exploratório objetiva refletir de

como vem sendo dado a função do número no ambiente escolar em turma do 2º ano do

ensino fundamental. Analisamos atividade de ditado de número com a intenção de

verificar o processo de compreensão da numeração escrita dos participantes. Para este

estudo, utilizamos arsenal teórico do campo conceitual de Vergnaud como meio de

aprender conteúdos matemáticos por compreensão. Os resultados revelam a

complexidade de entender as regularidades dos números, mostrando-nos que aprender e

ensinar matemática passam a ser elementos intrínsecos no processo da construção do

saber escolar, uma vez que não basta ao professor identificar os números e saber fazer

conta, é preciso que saiba mediar o que o aluno sabe ou se aproxima do saber

matemático e o que ele precisa aprender, do ponto de vista formal, organizando seu

planejamento e atividades escolares para atingir esse fim.

Palavras-chave: Números – Campo Conceitual – Aprendizagem – Prática Docente

INTRODUÇÃO

Optou-se em trabalhar com a aritmética, focalizando o estudo do número,

por entender que este é a base para o estudo dos demais conteúdos matemáticos e por

ter percebido, nos sujeitos participantes deste estudo, que a maioria dos alunos dos anos

iniciais de escolas públicas de Maceió ainda tem dificuldade em entender o valor de

totalidade de um número. Diante disso, resolvemos pesquisar, teoricamente e por meio

de estudo exploratório em uma turma do 2º ano do ensino fundamental, o que é

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necessário para os alunos compreenderem o conceito de números, de modo que

minimize suas dificuldades em escrever e ler números, bem como em resolver

problemas matemáticos que envolvem as quatro operações fundamentais.

As crianças já têm contato com diversidades de números em seu meio

sociocultural e demonstram que mesmo antes de ter acesso ao ensino formal já

identificam quantificação e codificação de números. Estes conhecimentos apontados por

Kamii e Sinclair demonstram que criança identificam números, mas nem sempre

compreendem suas regularidades, enfim os princípios que fundamentam a construção

do sistema de numeração escrita.

É sabido que para aprender esses conceitos matemáticos não é possível por

meio de prática mecânica, linear. Em nossas práticas escolares, costumamos organizar

nossas aulas de matemática considerando tal orientação dos conteúdos presentes nos

livros didáticos, mas ministrando conforme as vivências que tivemos enquanto alunos

da educação básica. Lorenzato (2006) enfatiza que o ensino de matemática não se dá

nessa direção. O processo de aprendizagem dos números e das quatro operações

elementares devem considerar que “eles interpõem-se e integram-se, num vai e vem

contínuo e pleno de inter-relacionamento e, assim, um vai esclarecendo e apoiando o

outro na elaboração de conceitos” (p. 30).

Ele (2006), por sua vez, coloca que o campo conceitual de número é

constituído de inúmeras variáveis, tais como:

correspondência um a um; cardinalidade de um conjunto; ordinalidade

na contagem; contagem seriada um a um; contagem por

agrupamentos; composição e decomposição de quantidade;

reconhecimento de símbolos numéricos; reconhecimento de símbolos

operacionais; representação numérica, operacionalização numérica;

percepção de semelhanças; percepção de diferença; percepção de

inclusão e percepção de invariância (p. 104)

É perceptível as invariáveis para entender a noção de número. Não basta

apenas memorizá-lo, é preciso compreendê-lo, haja vista que “a formação de conceito

de número é um processo longo e complexo, ao contrário do que se pensava até há

pouco tempo, quando o ensino de número privilegiava o reconhecimento dos numerais”

(LORENZATO, 2006, p. 30).

Itacarambi (2010) aponta que a prática linear de ensinar matemática em

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nossas escolas não favorece a progressão conceitual de nossas crianças, ressaltando que

é urgente uma

[…] reflexão sobre atividade de resolução de problemas em sala de

aula questionando as propostas de ensino que começam

desenvolvendo os conteúdos, por exemplo, o quadro numérico e os

algoritmos, como passos prévios para a resolução de problemas e com

isso não levam em conta o fato que o conhecimento surge dos

problemas (ITACARAMBI, 2010, p. 10).

Aprender e ensinar matemática torna-se um grande desafio quando a meta é

compreender conceitos. Dante (1998) coloca que o trabalho por meio de resolução de

problemas ainda é uma tarefa difícil no âmbito escolar, precisamente, nos anos iniciais

do ensino fundamental; tendo em vista que predomina, em nossas escolas, uma prática

de ensino com ênfase nos algoritmos, em que basta conhecer a técnica, conhecer

fórmulas para responder uma atividade. No entanto, os alunos muitas vezes não

compreendem o enunciado do problema, mesmo com dados numéricos, perguntam-nos

“de que é a conta?”

Pozo (1998), por sua vez, defende que ensinar a resolver problemas não se

deve perder de vista a importância dos conceitos e das atitudes, abordando a

importância de analisar os procedimentos postos pelas crianças, registrando que “uma

análise das características dos procedimentos como conteúdos educacionais permitirá

estabelecer diferenças entre técnicas e estratégias para a solução de problemas”(p. 11),

contribuindo para um ensino pautado na compreensão.

QUAL A CONTRIBUIÇÃO DO CAMPO CONCEITUAL NO ENSINO DA

MATEMÁTICA?

Segundo Franchi (2010), a teoria dos campos conceituais de Vergnaud busca

compreender os significados atribuídos pelos alunos nas diferentes situações

vivenciadas por eles. Para tal, a autora revela que a referida teoria é de base

“cognitivista que visa a fornecer um quadro coerente e alguns princípios de base para o

estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas,

notadamente das que relevam das ciências e das técnicas”, conforme é apresentado por

Vergnaud (apud Franchi, 2010, p. 191).

Pais (2008), por sua vez, coloca que a teoria do campo conceitual “foi

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desenvolvida para estudar a questão do significado dos conceitos no contexto escolar,

analisando as condições de compreensão do significado do saber escolar pelo aluno” (p.

51). Para ele, essa teoria busca as filiações e rupturas entre as ideias iniciais da

matemática, já que ela foi desenvolvida para constituir uma estrutura progressiva de

elaboração de conceitos. Ele expõe, ainda, que a referida teoria pretende atribuir aos

conceitos um significado de natureza educacional, de modo que a educação escolar não

permaneça na dimensão empírica do cotidiano nem se perca no isolamento da ciência.

No entanto, essa teoria é pautada na ideia de que existe uma série de fatores

que influenciam e interferem na formação e no desenvolvimento dos conceitos e que o

conhecimento deve emergir dentro de situações-problema. Logo, é preciso compreender

que um conceito é formado por uma terna de conjunto (S,I,R), em que:

S é um conjunto de situações que tornam o conceito significativo;

I é um conjunto de invariantes (objetos, propriedades e relações) que

podem ser reconhecidos e usados pelo sujeito para analisar e dominar

essas situações;

R é um conjunto de representações simbólicas que podem ser usadas

para pontuar e representar as situações e os procedimentos para lidar

com eles (MAGINA et al, 2001, p. 7)

Nessa perspectiva, os conceitos matemáticos traçam seu sentidos a partir de

uma variedade de situações, em que nem um só conceito nem uma situação isolada

possibilitará o processo de aquisição de um conhecimento, dependendo de conceitos

interrelacionados com conjuntos de situações. Para Magina et al (2001), a formação do

conceito pela criança, por sua vez, pode ser observada por meio das estratégias de ação

ao resolver um problema, isto é, pelos invariantes que a criança reconhece na situação,

pela simbologia utilizada para representar a situação e por sua ação. Essa prática

caracteriza uma ação pedagógica consciente e capaz de efetivar intervenções que

favoreça o entendimento dos erros e dos acertos, permitindo aos alunos e aos

professores pensar ativo nos saberes matemáticos.

Ao professor cabe, também, a compreensão além das diversas situações

propostas na Teoria de Vergnaud, o entendimento do teoremas-em-ação. Estes, por sua

vez, segunda Magina et al (2001) são definidos como relações matemáticas que são

levadas em consideração pelos alunos, quando estes escolhem um operação, ou

sequências de operações, para resolver um problema. Isto é, eles são caminhos para que

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se possam analisar as estratégias intuitivas dos alunos e ajudá-los na transformação do

conhecimento intuitivo para o conhecimento explícito.

COMPREENDENDO O SISTEMA DE NUMERAÇÃO ESCRITA

Considera-se a criação do número como a maior invenção da humanidade e

primordial para o desenvolvimento do pensamento matemático de nossos alunos.

Estudar Matemática, faz-se necessário à compreensão das regularidades do nosso

sistema de numeração decimal, haja vista que o ensino da matemática nos anos iniciais

do ensino fundamental é voltado excessivamente na aritmética, isto é, a ênfase dada

pelos professores é sempre na questão da numeração. No entanto, no início da

escolaridade é comum as nossas crianças escreverem conforme escutam. Logo, revela-

se que o estudo do número tem suas regularidades. Ele é aditivo e multiplicativo.

Conforme Teixeira (2006), o sistema de numeração escrita é uma

construção histórica que se tornou um registro econômico e regular, no entanto, menos

transparente e caracterizando obstáculo para sua apreensão. Sendo assim,

no sistema posicional precisamos entender que cada algarismo

depende não só do seu valor absoluto quanto do seu valor posicional

ou potencial, ou seja, cada algarismo indica que ele foi multiplicado

por um número (potência de base) o qual determina se o sistema é

binário, decimal etc. Assim, a composição de um número é resultado

da multiplicação de cada algarismo pela potência da base

correspondente a sua posição e da soma de produtos. A escrita

numérica se faz da direita para a esquerda, segundo Cagliari (1999),

porque era a forma mais frequente na escrita antiga. Desse modo, para

interpretar um número, precisamos fazê-lo da direita para a esquerda e

só após sua identificação somos capazes de falar o número, o que

fazemos usando um método não posicional (2006, p. 114).

Identificamos a complexidade de compreender o sistema de numeração. Do

ponto de vista matemático, podemos registrar que a aritmética é a parte da matemática

que estuda números e operações. Segundo Thomas e Tall (apud MARANHÃO;

SENTELHAS, 2010),

o estudo cada vez mais profundo e detalhado sobre o desenvolvimento

cognitivo em aritmética tem mostrado que a evolução de processos de

contagem e de cálculo é decorrente de conhecimentos desenvolvidos

sobre relações entre números, indicando que essas relações permitem

a construção, por parte dos alunos, de novos processos de contagem e

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de cálculo na utilização dos conhecimentos previamente obtidos (p.

2).

O número, por sua vez, embora seja uma criação do homem, expressa

quantidade ou medida; enquanto que os números naturais faz referência ao ato de

contar. No entanto, devemos ressaltar que as contas diferem de cálculo. A conta,

conforme Imenes et al (1998) refere-se ao “cálculo efetuado para chegar ao resultado de

uma operação”(p. 80). Sendo assim, representa um registro, cuja técnica é única e

padronizada. Já o cálculo, como já foi posto neste trabalho, é essencialmente mental,

não requer o uso de papel e lápis, mas direciona a exposição de inúmeras estratégias

que, geralmente, não apresenta as mesmas regularidades do nosso sistema decimal.

Ressaltamos que resolver um problema matemático aplicando a técnica

operatória do algoritmo não significa que o aluno compreendeu os conceitos

matemáticos necessários para a solução do problema. Logo, podemos enfatizar que o

conceito de número é de extrema importância no ensino da matemática. Compreender a

suas funções, bem com as regularidades caracterizam-se como caminhos primordiais

para entendermos a aritmética e, consequentemente, compreender conceitos

matemáticos. É preciso que os alunos evidenciem seus conhecimentos prévios e o

professor intervenha para que ocorra as progressões conceituais no ramo da matemática.

Brito et al (2006, p. 102) registra que “compreender e usar números não é

apenas uma questão de relacioná-los a um conjunto de objetos (cardinalidade)”. O

estudo dos números e do sistema de numeração é apontado por Carvalho (2010), como

importante no ensino da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental para que

as crianças tenham caminhos para operar, calcular. Tais conhecimentos são necessários

para a compreensão das regularidades do sistema de numeração. No entanto, a autora

coloca que as crianças têm noção de números, pois convivem e os utilizam em situações

diversas, tais como indicar medidas, quantidades e códigos.

O nosso sistema de numeração decimal (base dez) envolve conceito da

contagem. Este, por sua vez, referencia os aspectos ordinal e cardinal dos números.

Apesar desses aspectos estarem interligados, eles também são distintos, como aponta

Lorenzato (2006):

o ordinal refere-se a um só elemento, indica a posição deste elemento

num (sub)conjunto ordenado e seu significado remete à relação de

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ordem presente no conceito de número; o cardinal refere-se ao total de

elementos que possui um (sub)conjunto e significa a relação de

inclusão presente no conceito de número (p. 36).

Ele (2006) coloca que “as crianças, antes ou fora da escola, convivem com

situações em que são induzidas às noções de juntar, tirar e repartir, o mesmo não

acontecendo com a noção de multiplicar” (p. 38). O autor (op. cit) aponta também que a

“correspondência é um processo mental fundamental para a construção dos conceitos de

número e das quatro operações”. Nessa aspecto, ele coloca que as dificuldades das

crianças, geralmente, dar-se por não compreenderem o processo de correspondência em

toda a sua abrangência. Além disso, é preciso compreender o sistema de numeração

escrita que supõe descobrir suas regularidades e funções.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Participaram da atividade de ditado de números 19 alunos do 2º ano do

ensino fundamental de uma escola pública da rede municipal de Maceió. Nossa intenção

nesta tarefa, realizada em dezembro de 2010, foi analisar o processo de compreensão da

numeração escrita destas crianças. A consigna caracteriza o ditado de 10 algarismos que

envolvem, em sua maioria, dezenas, sendo eles: 16, 38, 45, 64, 94, 81, 76, 55, 27 e 47

em foi aplicada pela professora regente da sala.

Para a realização da atividade foi utilizado apenas papel e lápis. A

professora explicou a atividade do ditado de números aos alunos e solicitou que a turma

registrasse em seus cadernos. O ditado foi realizado no final da aula de forma coletiva.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Dos 19 participantes apenas 2 alunos escreveram os algarismos

aleatoriamente, 2 registraram sem segmentação e de forma ilegível os dez algarismos e

15 escreveram os algarismos, acertando 80% dos números ditados. Ressaltamos que 16

alunos enumeraram em lista de 1 a 10 para registrar o número cantado. Tal prática

prejudicou no registro do penúltimo numero que ao escrever 27 todos obedeceram a

“fala” da professora ao cantar que o número 9 é 27. Essa oralidade foi um obstáculo

para o registro dos alunos, em que 14 alunos registram 9 no nono número ditado. No

sétimo número cantado obtivemos os seguintes registros: 05, 50 e 55, excetuando os

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dois sujeitos que escreveram aleatoriamente. Esses registros revelam que os alunos

procuram registrar conforme a oralidade da professora, escutando os números quanto a

função aditiva 50 e 5 (50+5).

Os números registrados pelas crianças em sua maioria encontram-se

“corretos”, obedecendo a escrita convencional. Tendo em vista que as respostas não

revelaram muitas diferenças, podemos conjecturar que as crianças compreendem o valor

absoluto e valor posicional das dezenas.

Convém ressaltar que o ditado de número é uma excelente proposta

pedagógica para que o professor desenvolva um diversidade de atividades, incluindo

bingo, boliche, problemas matemáticos envolvendo cálculo mental, entre outras desde

que ele, enquanto mediador do processo ensino e aprendizagem, planeje suas aulas,

acompanhe o desempenhos de seus alunos, avalie-os reorganizando sua proposta de

trabalho. Vejamos algumas atividades de ditado realizadas pelos alunos:

Quadro 1 – Registro do ditado conforme escrita convencional, exceto nos três últimos

algarismos cantado.

Quadro 2 – Registro do ditado conforme escrita convencional. O número 50 obedecendo

a oralidade ou princípio aditivo.

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As crianças dos quadros 1 e 2 demonstram saber identificar unidades e

dezenas, trazendo indícios que leem e escrevem números conforme o sistema

convencional. No entanto, as práticas escolares revelam que as crianças aprendem o

registro da numeração considerando a totalidade, não compreendendo os procedimentos

de adição e multiplicação dos algarismos.

No entanto, é comum no início da escolaridade a criança registrar os

algarismos de forma aditiva e tal escrita dos alunos devem ser um sinalizador para o

trabalho pedagógico do professor, de modo que ele elabore uma diversidade de

atividade que chame a atenção do aluno e, sobretudo, que proporcione a aprendizagem.

Quadro 3 – Registro aleatório dos números cantados

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O aluno acima traz indícios de ainda não ter compreendido nem

memorizado os algarismos das dezenas. Ele apresenta um registro sem segmentação e

não obedece a estrutura trabalhada em sala de aula em escrever os números cantados em

lista, facilitando a identificação e correção dos registros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvida que o trabalho com resolução de problema no ensino de

matemática contribui para a compreensão de conceitos. No entanto, configura-se como

uma proposta de trabalho de difícil inserção no espaço escolar, uma vez que requer

domínio de conteúdo matemático e, além disso, de práticas que favoreçam o

acompanhamento da turma, de modo que seja planejado intervenções específicas para

sanar as dificuldades de cada aluno.

Infelizmente, nossos alunos demonstram que resolver problema é uma mera

aplicação do algoritmo. No entanto, ressaltamos que não basta memorizar fórmula e

técnica para aprender matemática. É preciso proporcionar ao aluno momentos de lidar

com obstáculos, de ter interesse em solucionar uma situação que não requer caminhos

evidentes. Faz-se necessário que o aluno, enquanto aprendiz, pergunte, indague e

questione sobre as diversas soluções encontradas, o que favorecerá auto-reflexão em

torno de uma resposta ser absurda ou não em conformidade ao enunciado,

desenvolvendo, assim, seu pensamento matemático e, consequentemente, a construção

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de conceitos.

Diante do exposto, os estudos revelam que o que deve estar em jogo para o

processo de aprender matemática é lidar com o novo e (re)construir conceitos aceitos

matematicamente. Para tanto, o ditado caracteriza um excelente atividade para a

organização do trabalho docente e mediação para a aprendizagem da criança, pois é

preciso que o professor compreenda o que a criança sabe acerca do nosso sistema de

numeração, que relações conseguem estabelecer entre a situação vivida e o

conhecimento que possui; considerando a prática e conhecimento matemático do

professor polivalente em propiciar aos alunos exposição de seus procedimentos de

solução dos problemas, bem como de intervir para a construção de um novo

conhecimento ou mesmo para superar equívocos registrados ou expressos pelos alunos.

REFERÊNCIAS

BRITO, Márcia Regina F. de et al. Solução de problemas e a matemática escolar.

Campinas, SP: Editora Alínea, 2006.

CARVALHO, Mercedes. Números: conceitos e atividades para Educação Infantil e

Ensino Fundamental I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

COURANT, Richard e ROBBINS, Herbert. Os números naturais. In O que é

Matemática? Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2000, p. 1-24.

DANTE, Luis Roberto. Didática da Resolução de Problemas de Matemática. 12ª

edição. São Paulo: Ática, 1998.

FRANCHI, Anna. Considerações sobre a teoria dos campos conceituais. In

MACHADO, Sílvia Dias Alcantara. Educação Matemática: uma (nova) introdução. 3

ed. São Paulo: EDUC, 2010, p. 186-232.

IMENES, L.M.P. et al. Microdicionário de matemática. São Paulo: Scipione, 1998.

ITACARAMBI, Ruth Ribas. Resolução de problemas nos anos iniciais do ensino

fundamental: construção de uma metodologia. São Paulo: Livraria da Física, 2010.

GIONANNI JR., José Ruy; CASTRUCCI, Benedicto. A Conquista da Matemática.

Editora Renovada – São Paulo: FTD, 2009.

LORENZATO, Sergio. Educação Infantil e percepção matemática. Campinas, SP:

Autores Associados, 2006. (Coleção Formação de Professores).

MAGINA, Sandra et al. Repensando adição, subtração: contribuição da teoria dos

campos conceituais. São Paulo: PROEM, 2001.

ONUCHIC, L. de La Rosa. Ensino-aprendizagem de matemática através de resolução de

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problema. In BICUDO, M. A. V. (Org.) Pesquisa em educação matemática:

concepções e perspectivas. São Paulo: UNESP, 1999, P. 199-220.

PAIS, Luiz Carlos. A Teoria do Campo Conceitual. In MACHADO, Sílvia Dias

Alcantara. Educação Matemática: uma (nova) introdução. 3 ed. São Paulo: EDUC,

2008.

POZO, Juan Ignacio (org.). A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para

aprender. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

TEIXEIRA, Leny Rodrigues Martins Teixeira. Interpretação da numeração escrita. In

BRITO, Márcia Regina F. de (org.). Solução de problemas e a matemática escolar.

Campinas, SP: Editora Alínea, 2006, p. 113-134.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

O USO DE MATERIAIS DIDÁTICOS CONCRETOS E VIRTUAIS PARA O

ENSINO DE GEOMETRIA NA MODALIDADE A DISTÂNCIA:

UM ESTÍMULO À CRIATIVIDADE EM SALA DE AULA

Ana Maria M. R. Kaleff – [email protected]

Departamento de Geometria/Laboratório de Ensino de Geometria/UFF

Eduardo Barbosa Pinheiro – [email protected]

Departamento de Matemática Aplicada (GMA)/UAB/UFF

Rosângela Figueira Dornas – [email protected]

SEERJ; UAB/UFF

RESUMO

Apresenta-se a presente comunicação científica no âmbito do ensino a distância (EaD) e

da formação continuada de professores de Matemática, ocorrida nos anos de 2008, 2009

e 2010, quando foi oferecida a disciplina Tópicos em Ensino de Geometria, optativa da

grade curricular do Curso de Especialização em Novas Tecnologias para o Ensino da

Matemática (NTEM). Essa disciplina visa instrumentalizar docentes do Ensino

Fundamental e do Médio para o ensino de Geometria, através de reflexões sobre as

inter-relações entre materiais didáticos concretos e virtuais frente à história das

Geometrias (Euclidiana/Não-Euclidianas), e promover o estímulo à criatividade no

processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos correlatos em sala de aula. Procurou-se

verificar, nessa modalidade de formação de professores, o resultado da inserção de

práticas pedagógicas criadas no Laboratório de Ensino de Geometria (LEG), e para isso,

foram desenvolvidos diversos materiais adequados à educação a distância, como

material impresso, recursos computacionais para o ensino básico e um conjunto de

materiais concretos (denominado MEU LEG) modeladores de relações geométricas. O

MEU LEG possui um baixo custo na sua construção e serve como um pequeno

laboratório de ensino de Geometria para uso individual do professor na escola. Cada

cursista construiu um conjunto MEU LEG no término da disciplina e a avaliação dessa

atividade correspondeu à parte da nota presencial. Concluiu-se que a articulação entre

os materiais didáticos virtuais e concretos trabalhados permitiu aos cursistas um avanço

qualitativo nos seus conhecimentos sobre o ensino das Geometrias e promoveu uma

dinamização no fazer pedagógico dos mesmos, pois se verificou que a utilização do

MEU LEG tornou o aprendizado de Geometria na sala de aula muito mais prático e

criativo.

Palavras-chave: Ensino a Distância; Materiais Concretos e Virtuais; Laboratório de

Ensino de Geometria.

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1. INTRODUÇÃO

Vinculado ao Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade Federal

Fluminense (UFF), ao Consórcio de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de

Janeiro (CEDERJ) e ao Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Laboratório de

Novas Tecnologias de Ensino (LANTE) objetiva primordialmente apoiar a gestão

acadêmica de diversos cursos oferecidos na modalidade a distância, entre eles, o de

Especialização em Novas Tecnologias no Ensino da Matemática (NTEM).

O NTEM é um curso de especialização lato sensu reconhecido pelo MEC

destinado ao professor de Matemática da rede pública dos níveis Fundamental e Médio.

Possui uma carga horária de 420 horas, e busca apresentar recursos para o ensino da

Matemática, articulando tópicos centrais de disciplinas, tais como Cálculo Diferencial,

Álgebra, História da Matemática, Geometria e Lógica, com as novas tecnologias de

informação e comunicação. Também oferece estratégias para o uso das atuais

tecnologias na escola, dentro do contexto da Matemática, através das disciplinas

Informática Educativa e Informática no Ensino da Matemática. Na disciplina optativa

Tópicos em Ensino de Geometria (TEG), procura-se orientar os docentes para a criação

e utilização de um laboratório de ensino de Geometria com materiais concretos e

virtuais, de maneira que o ensino desse conteúdo se torne mais dinâmico, e desenvolva a

criatividade no processo de ensino-aprendizagem.

A coordenadora da disciplina TEG é uma das autoras deste artigo e vem

desenvolvendo, há mais de 20 anos, pesquisas sobre o ensino de Geometria, além de

organizar projetos envolvendo licenciandos do Curso de Matemática da UFF e

professores em formação continuada. Também coordena o Laboratório de Ensino de

Geometria (LEG) do IME da UFF, um espaço onde se desenvolve materiais e métodos

adequados ao desenvolvimento das habilidades geométricas para alunos do nível

fundamental e do médio, licenciandos em Matemática e docentes em exercício. Um

acervo de recursos didáticos concretos e virtuais tem sido criado, e entre eles, diversos

artefatos manipulativos, visando modelar conceitos e relações matemáticas voltadas

para o desenvolvimento dessas habilidades através de atividades escolares específicas.

O processo de elaboração e implementação da disciplina TEG no NTEM tornou-

se um desafio para a equipe do LEG, pois foi preciso pensar se, e como, seria possível

levar professores, sem contato presencial, a construir e utilizar os recursos de um

laboratório com materiais concretos.

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No que se segue, apresenta-se a comunicação científica baseada na

implementação e desenvolvimento das três versões da disciplina TEG, ministradas nos

anos de 2008, 2009 e 2010.

2. A DISCIPLINA TÓPICOS EM ENSINO DE GEOMETRIA (TEG)

Em 2008, 102 alunos de 11 pólos UAB/LANTE de cidades do estado do Rio de

Janeiro se inscreveram na disciplina e foram divididos em três grupos. A equipe foi

formada pela coordenadora da disciplina e três tutores a distância.

A disciplina teve duração de 45 horas/aula e cada grupo ficou sob a

responsabilidade de um tutor a distância, que direcionava o estudo dos alunos do seu

grupo e promovia a mediação pedagógica entre eles e os conteúdos abordados.

No ano de 2009, a equipe da TEG foi ampliada devido o aumento de inscritos na

disciplina, passando a ser formada pela coordenadora da disciplina, 3 coordenadores de

tutores e 15 tutores a distância. Houve um curso preparatório no LEG, com duração de

dois meses, para que o grupo se mantivesse coeso no decorrer das atividades propostas.

A disciplina permaneceu com 45 horas/aula e desenvolveu-se da seguinte forma:

os 371 alunos inscritos, alocados em 33 pólos de cidades dos estados do Espírito Santo,

Rio de Janeiro e São Paulo, foram divididos em quinze grupos de estudos, cada um com

seu respectivo tutor a distância, e os coordenadores de tutores tinham a função de

acompanhar, orientar, e colaborar com os tutores no decorrer de todas as atividades

propostas pela coordenação da disciplina.

Em 2010, a equipe da TEG foi formada pela coordenadora da disciplina, 1

coordenador de tutores e 5 tutores a distância. Antes do início da disciplina, a equipe se

reuniu no LEG para definir as estratégias a serem adotadas durante o processo.

A disciplina continuou com 45 horas/aula, e teve 75 alunos inscritos. Os cursistas

foram distribuídos em 5 grupos, sob a orientação de um tutor a distância, e esses

cursistas estavam alocados em 28 pólos de cidades dos estados do Espírito Santo, Rio

de Janeiro e São Paulo.

2.1. CONCEPÇÃO DA DISCIPLINA E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O material impresso para utilização durante a disciplina foi elaborado de forma

que o cursista pudesse revisitar alguns tópicos da geometria escolar, dando-lhe a

oportunidade de vivenciar, de maneira dinâmica, criativa e objetiva, conteúdos

matemáticos que são pouco explorados nos programas escolares. A ênfase do material

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4

foi demonstrar a importância e a relevância da Geometria para a atualidade, priorizando

as questões visuais e tecnológicas decorrentes dos avanços científicos nesse início do

século XXI. Diante disso, um dos aspectos enfatizados na elaboração da disciplina TEG

foi a da apresentação de contextos que pudessem evocar a importância histórica da

Geometria, sugerindo situações didáticas criativas e inovadoras que fossem levadas para

a sala de aula e que abordassem os conteúdos dessa importante área da Matemática.

Os conteúdos geométricos foram revistos e tratados, e também aspectos do

desenvolvimento da Geometria frente a outros conhecimentos foram analisados.

Materiais concretos e virtuais em atividades para a sala de aula foram apresentados, se

discutiu o conhecimento do professor sobre essa temática e o papel da Geometria no

âmbito da escola.

Uma abordagem introdutória às Geometrias não-Euclidianas também foi

desenvolvida, buscando-se lembrar a importância do estudo dos modelos finitos não-

euclidianos, importantes para os dias atuais e para a interdisciplinaridade. Com isso, os

sistemas axiomáticos com um número finito e discreto de pontos, cujo estudo é

fundamental para a Matemática Discreta, Análise Combinatória, Estatística e Teoria

dos Grafos, foram tratados, e ainda foi apresentado o modelo de uma Geometria não-

Euclidiana, não finita, que pode ser aplicada ao tráfego urbano: a Geometria do Táxi.

Toda a fundamentação teórica da disciplina e as atividades sugeridas para a sala

de aula tiveram uma orientação construtivista baseada no Modelo de van Hiele para o

desenvolvimento do pensamento em Geometria (VAN HIELE, 1986) e em resultados de

pesquisas realizadas por educadores matemáticos do ponto de vista da Psicologia. As

tarefas apresentadas também contemplaram a interdisciplinaridade, principalmente com

as Artes, a Biologia e a Física.

2.2. ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS DE ENSINO

Partindo do princípio de que todas as situações de ensino-aprendizagem da

disciplina ocorreriam na modalidade a distância, desenvolveu-se uma metodologia de

ensino adequada e foram produzidos materiais didáticos articulados entre si e

compatíveis com os referenciais desta modalidade. Apresenta-se a seguir a maneira de

como isso foi feito.

Definiu-se que a disciplina seria baseada em material didático impresso, pois

dessa forma se tornaria possível maximizar as oportunidades de aprendizagem. O

material utilizado, portanto, foi criado por Kaleff (2008), e a autora visou a atender os

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5

referenciais de qualidade da Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC),

oportunizar momentos de reflexão sobre as temáticas abordadas e sugerir opções de

práticas para a sala de aula.

2.2.1. O MATERIAL IMPRESSO

O material impresso foi elaborado em forma de um livro-texto, enviado

gratuitamente aos cursistas, e nele são encontrados os princípios teórico-metodológicos

que o professor(a) de Matemática deve conhecer para trabalhar com materiais didáticos

concretos ou virtuais, estando assim bem instrumentado para desenvolver sua prática

profissional também no ensino das Geometrias. Esses princípios contribuem para uma

fundamentação da ação docente no enfrentamento das transformações advindas da

tecnologia e que estão presentes no cotidiano da escola. Ainda são tratadas as principais

características da habilidade da visualização, como também os Parâmetros Curriculares

Nacionais, o Modelo de van Hiele, e os atributos relevantes de um conceito da

matemática escolar a serem relacionados à respectiva definição da Matemática.

São também encontradas nesse material impresso considerações sobre a

importância dos recursos concretos para o ensino da Geometria, assim como a descrição

e os procedimentos para se implementar um laboratório e um museu interativo na

escola, através de elementos que permitem a construção de uma série de materiais

didáticos concretos que auxiliam a prática do professor (geoplanos, artefatos

articulados, placas dinâmicas para movimentação e geração de formas geométricas,

jogos etc.), que, em sua maioria, podem ser emulados no computador.

Em cada seção do material impresso encontra-se uma lista dos objetivos de

aprendizagem, e ao longo do texto, diversos questionamentos são apresentados ao leitor

sem que haja respostas sumárias, mas, sim, considerações feitas de maneira cuidadosa e

elaborada, seguindo os critérios propostos por Rowntree (1994) e Barreto (2006).

2.2.2. UM LABORATÓRIO INDIVIDUAL PARA SALA DE AULA DO

PROFESSOR: MEU LEG

Adotou-se uma outra estratégia offline para a disciplina: cada cursista deveria

elaborar de um conjunto de materiais didáticos, denominado MEU LEG, composto de

33 artefatos e materiais modeladores de conceitos e relações geométricas. Este conjunto

constitui um pequeno laboratório de ensino de Geometria, podendo ser utilizado em sala

de aula pelo professor. Os principais objetivos na construção do MEU LEG foram

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desenvolver e avaliar a habilidade de visualização do cursista por meio da elaboração de

um caderno composto por gravuras de formas geométricas de artistas renomados, como

Mondrian e Escher, que criam ilusão de ótica; avaliar a capacidade de caracterização

geométrica em termos da modelagem concreta, através da construção dos aparelhos

modeladores de polígonos e das relações referentes à generalização do Teorema de

Pitágoras, de artefatos articulados modeladores dos poliedros de Platão e de suas

estruturas, construídas com canudos que representam as arestas desses poliedros e suas

seções; e estimular a criatividade no processo de ensino-aprendizagem através do uso do

MEU LEG no ensino da Geometria em sala de aula.

2.2.3. ESTRATÉGIAS DE ENSINO ONLINE

A disciplina também desenvolveu estratégias de ensino online, visto que o curso

oferecido é na modalidade a distância. Para isso, foi criado um espaço para a disciplina

na plataforma Moodle do LANTE, e dessa forma, todas as situações de aprendizagem

em grupo, assim como a comunicação entre alunos, tutores e coordenação ocorreram

por intermédio do ambiente virtual de ensino. Diante disso, o uso das novas tecnologias

de informação e comunicação foi fundamental para um melhor aproveitamento do

processo de ensino-aprendizagem.

A principal estratégia de aprendizagem online foi o fórum de discussão. Os fóruns

permitem que a informação seja compartilhada em forma de texto, e têm uma chance

maior de acessibilidade por parte dos cursistas.

Nas versões da disciplina dos anos de 2008 e 2009, foram sugeridas cinco tarefas

opcionais nas quais o aluno era convidado a realizar e a avaliar módulos instrucionais

eletrônicos para o Ensino Médio, desenvolvidos sob a supervisão da coordenadora da

disciplina no projeto Conteúdos Digitais para o Ensino e Aprendizagem da Matemática

do Ensino Médio da UFF (CDME). Esses módulos instrucionais estão disponibilizados

na plataforma do projeto na internet (http://www.uff.br/cdme/).

Em 2010, as atividades CDME foram relacionadas a uma outra estratégia online,

o QUIZZ, que é um questionário virtual que visa aprofundar a aprendizagem das

temáticas abordadas na disciplina, e que foi criado para substituir a avaliação presencial

no final da disciplina e realizada nas duas versões anteriores. O cursista precisou

responder as questões num tempo pré-determinado, e realizando as atividades CDME,

ele estaria se preparando para a realização do QUIZZ. Durante cinco semanas da

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disciplina, houve a realização desses questionários: quatro foram obrigatórios, e, por

isso, pontuados, e um opcional.

Com o intuito de atender os Referenciais de Qualidade para Educação a Distância

da SEED/MEC, decidiu-se articular as estratégias de ensino em vez de apresentá-las de

forma estanque e independente. Essa articulação ocorreu nas seguintes frentes: os fóruns

semanais (com duração de uma a duas semanas), o fórum para a construção do MEU

LEG (com duração de 5 semanas, sob orientação da coordenadora da disciplina), a

elaboração MEU LEG, e a realização das atividades CDME e dos QUIZZES (no caso

da versão 2010 da disciplina).

2.2.4. METODOLOGIA DE ENSINO E DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

DOS ALUNOS NA TEG

No ano de 2008, a disciplina teve duração de nove semanas, com uma média de

dois fóruns interativos semanais com pontuações diversas e previamente determinadas.

A participação nos fóruns de cada aluno foi avaliada, assim como a realização da tarefa

individual, que era a apresentação de uma proposta de três atividades para a sala de

aula, fundamentadas na teoria estudada e versando sobre um tema matemático escolhido

a partir de uma lista pré-determinada. Os fóruns semanais e a atividade individual foram

avaliados a distância, correspondendo a 40% da nota final. Os 60% restantes

corresponderam à avaliação presencial, constituída por uma prova presencial escrita

(realizada nos pólos), acrescida da apresentação de um conjunto de materiais didáticos

MEU LEG.

Houve também uma bonificação de 10 pontos na nota presencial para os

participantes IV Semana de Matemática na UFF, realizada no IMUFF em Niterói. Os

cursistas que alcançaram média igual ou maior a 6,0 foram considerados aprovados.

Para os que obtiveram média entre 5,0 e 5,9 aplicou-se, ainda, uma prova presencial

suplementar, cujo valor mínimo para aprovação foi também 6,0.

Em 2009, a disciplina foi ministrada durante onze semanas, com pontuações

diversas e previamente determinadas. Além das participações nos fóruns, os alunos

foram avaliados a distância pelo mesmo tipo tarefa individual da versão anterior da

disciplina, correspondendo a 40% da nota final. Os 60% restantes corresponderam à

avaliação presencial, constituída por uma prova escrita (realizada nos pólos), acrescida

da apresentação do conjunto MEU LEG. Ao valor da nota a distância, ainda poderia ser

acrescentado um bônus de 10 pontos a quem fizesse a avaliação dos módulos

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instrucionais virtuais do projeto CDME. Aqueles que tiveram média igual ou maior a

6,0 foram considerados aprovados. Àqueles que obtiveram média entre 5,0 e 5,9

aplicou-se, ainda, uma prova presencial suplementar, cujo valor mínimo para aprovação

foi também 6,0.

Por sua vez, a avaliação do MEU LEG foi realizada presencialmente por um tutor

da TEG, especialmente enviado para esse fim aos pólos dos estados do Rio de Janeiro e

Espírito Santo. Já os cursistas do estado de São Paulo enviaram os conjuntos para a

avaliação ser realizada a distância, em Niterói. Cabe ressaltar que os conjuntos

avaliados e considerados aprovados foram reenviados para o domicílio de cada aluno, a

fim de que estes pudessem utilizá-lo em sua prática pedagógica.

Ao final da disciplina, os alunos foram convidados a preencher e entregar, via

plataforma, um formulário com 18 questões concernentes à sua própria avaliação como

aluno, avaliação da disciplina e do tutor, e avaliação da plataforma LANTE.

Em 2010, a disciplina foi realizada no período de nove semanas. As participações

nos fóruns continuaram representando 40% da nota final da disciplina. Os 60%

corresponderam à realização dos QUIZZES (em substituição à avaliação presencial) e

do conjunto MEU LEG. O QUIZZ opcional oferecia uma bonificação de 10 pontos para

quem o fizesse. A autoavaliação e a avaliação da disciplina, atividade sugerida ao final

das nove semanas, também valia mais 10 pontos extras. Além disso, houve uma palestra

ministrada pela coordenadora da disciplina e cada cursista que pode comparecer ao

evento realizado na UFF/Niterói também ganhou 10 pontos de bonificação.

Em relação ao MEU LEG, em 2010, o cursista deveria enviar o seu conjunto para

o LEG, onde a equipe da TEG realizaria a avaliação, e depois reenviaria para o cursista,

de forma que este pudesse utilizá-lo em sua sala de aula. Os cursistas que tiveram média

igual ou maior a 6,0 foram considerados aprovados.

Nas três versões da disciplina, respeitou-se o estabelecido pelo decreto 5.622/05

(BRASIL, 2005), que, ao definir a política de qualidade para vários aspectos da

educação a distância, afirma que, nesta modalidade, a nota obtida na avaliação

presencial deve prevalecer sobre as notas advindas das formas de avaliação a distância.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Dos 102 cursistas inscritos no ano de 2008 e que participaram pelo menos uma

vez de alguma atividade do curso, 25 estiveram em todos os fóruns e 76 realizaram a

atividade individual. Todos os 75 inscritos que realizaram a avaliação presencial

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também entregaram o conjunto de materiais didáticos, não havendo caso de entrega de

material sem comparecimento à avaliação presencial. Desta forma, 56 foram aprovados

e 6 puderam realizar uma avaliação suplementar presencial. Desta, participaram

somente 4 alunos, dos quais 3 foram aprovados. Portanto, no total, a aprovação foi de

58%.

Dos 371 inscritos no ano de 2009, 320 participaram pelo menos uma vez de

alguma atividade da disciplina; destes, 156 estiveram em todos os fóruns e 246

realizaram a atividade individual. Dentre os que participaram, 241 realizaram a

avaliação presencial e também entregaram o conjunto MEU LEG, havendo somente três

casos de comparecimento à avaliação presencial sem a entrega desse material.

Dentre os 320 participantes das atividades da TEG, 214 alunos foram aprovados e

13 puderam realizar uma avaliação suplementar presencial. O índice final de aprovação,

68%, é bem superior aos 58% da edição anterior da TEG.

Em 2010, dos 74 inscritos, 64 participaram pelo menos uma vez de alguma

atividade da disciplina, destes, 48 estiveram em todos os fóruns, 42 em todos os

QUIZZES, 36 responderam ao QUIZZ opcional, e 48 entregaram o conjunto MEU

LEG.

Dentre os 64 participantes nas atividades da TEG, 48 alunos foram aprovados, 6

reprovados e 10 não concluíram a disciplina. O índice final de aprovação, 75%, foi

superior aos 68% da versão da TEG 2009 e aos 58% da versão da TEG 2008.

3.1. SOBRE A AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA POR PARTE DOS

CURSISTAS

No ano de 2008, dos 102 inscritos, somente 48 (47%) responderam ao

questionário de avaliação da disciplina, por mais que tenha sido feita uma chamada

ressaltando a importância da participação dos alunos nessa atividade.

Um dos questionamentos tratava de uma maior ou menor utilidade do que foi

aprendido. 48 (100%) respostas apresentaram os pontos mais úteis, enquanto apenas 5

(10%) apresentaram, também, os pontos menos úteis. Dentre essas respostas, 1 (2%) se

referiu à prova presencial, 2 (4%) se referiram à quantidade excessiva de atividades

semanais, 1 (2%) à construção do conjunto de materiais didáticos e 1 (2%) à excessiva

cobrança por parte dos tutores. Entretanto, essa mesma cobrança foi apontada como um

dos pontos fortes do curso por 3 (6%) das respostas dadas a uma outra pergunta do

questionário. 23 (47%) respostas afirmaram diretamente não haver pontos menos úteis

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na disciplina, com enunciados do tipo "não achei nada que não fosse útil", "não consigo

perceber algo que tenha sido de pouca importância" ou ainda "não existiu, em minha

opinião, o menos útil". De acordo com as respostas, os tópicos mais úteis foram os

materiais concretos e a confecção dos mesmos (31%), a interação nos fóruns (27%), o

material impresso (16%) e as atividades denominadas Para a Sala de Aula (16%).

Foram citadas como importantes ainda as abordagens das Geometrias não-Euclidianas e

da Geometria do Táxi (10%), a habilidade de visualização (6%), além da abordagem

histórica e da visita ao museu, cada uma com 2%. Várias respostas listavam mais de um

tópico.

Em relação à aplicabilidade dos conhecimentos construídos na disciplina para a

vida profissional, 48 (100%) respostas afirmaram que estes conhecimentos seriam, sim,

utilizados. A diferença entre as respostas residiu no "quando": 79% dos alunos

afirmaram que iriam usá-los em breve, enquanto 21% asseguraram já estar aplicando

em sua sala de aula o que aprenderam na disciplina.

Em 2009, dos 320 alunos concluintes somente 118 (37%) fizeram a avaliação.

Dentre as 18 perguntas do questionário, a que teve resposta mais significativa foi: “O

que você aprendeu nesta disciplina terá aplicação em sua vida profissional? Caso

resposta positiva, onde você aplicará este conhecimento?”. As respostas foram

divididas em 4 categorias. A categoria “não respondeu” engloba os 2 (2%) cursistas que

não responderam esta pergunta; na categoria “não irá usar” estão 6 (5%) os que

declaram que não irão usar o que aprenderam; a categoria “já usa” engloba 19 (16%)

que já estão utilizando o que aprenderam na TEG. Embora a maioria dos cursistas já

tenha usado o que aprendeu na disciplina para transformar sua ação docente, um

participante declarou já estar usando as novas práticas e conhecimentos no setor naval,

onde trabalha – e não em sala de aula.

A quarta categoria, que representa quem “vai usar”, engloba os 91 (77%) cursistas

que afirmam que irão usar o aprendido na TEG em sala de aula. Cabe destacar também

um dentre eles que declara pretender usar o que aprendeu para elaborar "relatórios de

gestão" e outro que usará mais "a aprendizagem colaborativa do que os conteúdos de

Geometria propriamente ditos".

No que diz respeito à articulação entre os materiais concretos e virtuais, destaca-

se que não houve aluno que elogiasse a construção do material concreto e criticasse o

uso de materiais virtuais, embora tenha havido dois alunos (1,7%) que dicotomizaram as

estratégias, priorizando o uso de software em detrimento da fundamentação teórica e da

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construção de materiais concretos, classificando-a como "perda de tempo". Os outros

115 alunos foram divididos em dois grupos: o primeiro, formado por 79 (67%) dos

participantes, apontou parte das estratégias utilizadas como ponto positivo da disciplina

ou estratégia mais útil para a sua aprendizagem. Já 37 (31,3%) se referiram

explicitamente a todas as estratégias utilizadas em enunciados que variam de

uma citação individual sobre cada estratégia até verdadeiras sínteses do que se buscou

na elaboração da disciplina. Para ilustrar, cabe salientar a seguinte citação dada

como resposta a uma das perguntas: "a junção das competências individuais

combinadas com recursos tecnológicos, materiais manipulativos, livros didáticos, jogos

e outros, são meios de aproveitar e estimular parcerias para o desenvolvimento

cognitivo dos alunos".

A versão 2010 da disciplina teve 64 alunos concluintes, 49 (77%) fizeram a

avaliação. Dentre as 14 perguntas do questionário, a que teve resposta mais significativa

foi a mesma pergunta do ano anterior: “O que você aprendeu nesta disciplina terá

aplicação em sua vida profissional? Caso resposta positiva, onde você aplicará este

conhecimento?”. As respostas foram divididas em 2 categorias. A categoria “já usa”

engloba 12 (24%), que já estão utilizando o que aprenderam na TEG; e a categoria “vai

usar” engloba 37 cursistas (76%). Cabe ressaltar que apesar de não haver uma pergunta

específica sobre as atividades ligadas aos experimentos educacionais do CDME, 18%

destacaram esses recursos como um dos pontos fortes da disciplina, sendo recursos

didáticos de fácil acesso, que estimulam a criatividade e auxiliam no aprendizado das

Geometrias.

No que se refere ao QUIZZ, 38 (78%) consideraram o questionário como uma

forma dinâmica de estimular o aprendizado, de enriquecer e desafiar o cursista, sendo

um dos pontos fortes da disciplina. Em contrapartida, 10 (20%) apontaram essa

atividade como a menos útil, não pelo questionário em si, mas pelo tempo

disponibilizado para respondê-lo (eles só tinham 20 minutos para responder, e três

oportunidades para fazê-lo). Apenas 1 cursista (2%) não respondeu a essa pergunta do

questionário.

No que diz respeito à articulação entre os materiais concretos e virtuais, destaca-se

que não houve aluno que elogiasse a construção do material concreto e criticasse o uso

de materiais virtuais, a inter-relação entre os dois foi bem aceita.

Para ilustrar a avaliação da disciplina TEG 2010 por parte dos cursistas, destacam-

se as seguintes citações, dadas como resposta a uma das perguntas do questionário de

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avaliação: “Com esta disciplina pude perceber que a utilização do LEG em sala de aula

é muito útil, e a sua construção com os alunos levam os mesmos a adquirirem uma

percepção dos pequenos detalhes que um desenho no quadro negro passaria

despercebido. O contato com os materiais manipuláveis leva os alunos a construírem

um conhecimento baseado em fatos reais e não somente em suposições”; e “Reaprendi

a utilizar os conhecimentos adquiridos como: os estudos das estruturas dos poliedros,

formas irregulares e a „Geometria dos Movimentos das Figuras Rígidas‟. Quanto a este

item, tive oportunidade de exemplificar em uma situação-aprendizagem na 3ª série do

EM do Caderno do Aluno, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Tenho,

hoje, mais condições profissionais de argumentar sobre os axiomas da Geometria

Euclidiana e a negação destes criando novas Geometrias. Possivelmente ilustrarei

minhas aulas com estes conhecimentos.”

4. CONCLUSÃO

Considerando os resultados e as avaliações que os cursistas fizeram nas três

versões da disciplina TEG, percebe-se que o uso em sala de aula dos conhecimentos

adquiridos durante o período da disciplina já é real, e demonstra a eficiência na

instrumentalização desses cursistas, principalmente se forem levados em conta os

objetivos específicos da disciplina TEG e, de uma maneira geral, os do LANTE e do

sistema UAB.

Diante dos resultados obtidos, pode-se afirmar que, no âmbito da formação

continuada, a experiência com materiais concretos e virtuais para o ensino de Geometria

na modalidade a distância alcançou um êxito considerável, pois levou professores a

apresentarem um grande interesse por esse ensino e a buscarem recursos adequados para

transformarem sua prática pedagógica em algo mais criativo, dinâmico, contextualizado,

e consequentemente mais interessante para o aluno.

5. REFERÊNCIAS

BARRETO, C. C. (2006). Material impresso para educação a distância: planejamento e

elaboração de um sistema instrucional. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação

Cecierj/Consórcio Cederj. v. 1. 30 p.

BRASIL (1998). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.

Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. 3° e 4° Ciclos do Ensino

Page 25: Sociedade Brasileira de Educação Matemática Regional ... · estudo, utilizamos arsenal teórico do campo conceitual de Vergnaud como meio de aprender conteúdos matemáticos por

13

Fundamental. Brasília. http:

//portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=182&Itemid=57

0. Acessado em 13/08/2008.

BRASIL (2005). Decreto n. 5622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art.80 da

Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20/12/2005.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-006/2005/Decreto/D5622.htm.

Acessado em 25/08/2008.

BRASIL (2007). Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação a Distância.

Referenciais de qualidade para EAD. Brasília.

http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf. Acessado em

13/08/2008.

KALEFF, A. M. M. R (2008) Tópicos em Ensino de Geometria: A Sala de Aula Frente

ao Laboratório de Ensino e à Historia da Geometria. Rio de Janeiro:

UFF/UAB/CEDERJ. 223p.

ROWNTREE, D. (1994). Teaching through self-instruction. 2ª ed. Londres: Kogan

Page.

VAN HIELE, P. M. (1986). Structure and insight: a theory of Mathematics Education.

Orlando, EUA: Academic Press.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

AS ESTRATÉGIAS DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS MATEMÁTICOS COMO

FACILITADORAS NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

Rosemeire Roberta de Lima (UFAL)

[email protected]

Juliane dos Santos Medeiros (UFAL)

[email protected]

RESUMO

O presente artigo objetiva investigar as estratégias de resolução de problemas de divisão

partitiva que crianças do 4º ano do ensino fundamental registam em suas atividades

escolares. A coleta dos dados teve origem da aplicação de situações-problema realizada

pela professora regente da sala em fevereiro de 2011 em uma escola pública de Maceió,

caracterizando abordagem qualitativa, na modalidade Estudo de Caso. Como aporte

teórico do referido estudo, utilizados a categoria campo multiplicativo de Vergnaud e da

resolução do problemas. Os resultados apontam que as crianças embora sejam criativas

nas soluções de seus problemas, predominam em suas respostas procedimentos

canônicos que muitas vezes revelam que elas não compreendem as ideias da divisão,

demonstrando não ter estudando o conteúdo ou não ter vivenciado práticas pedagógicas

que promovem a construção conceito, proporcionando aprendizagem. Para este fim, o

professor assume um papel importante na formação de conceitos matemáticos dos

estudantes, à medida que ele exerce mediação entre o saber espontâneo e o saber

escolar, ressignificando a função da escola que é sistematizar o conhecimento.

Palavras-chave: Divisão – Estratégias de solução – Prática Docente

INTRODUÇÃO

Optou-se trabalhar sobre resolução de problemas matemáticos devido a

grande importância deste tema para o ensino da matemática. Além disso, percebe-se

uma grande deficiência do trabalho em sala de aula por meio de problemas matemáticos

na perspectiva da construção de conceitos. E ainda, porque a temática é abordada nas

avaliações oficiais do MEC como o SAEB e a Provinha Brasil, que é aplicada nos 5º e

9º anos do ensino fundamental.

Faremos referência a formação de professores que ensinam matemática nos

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2

anos iniciais do Ensino fundamental na perspectiva de serem profissionais com domínio

nos conceitos da área em estudo e, sobretudo, por serem capazes de desenvolver

metodologias em que favoreçam a evolução da aprendizagem dos estudantes, partindo

de uma função de mediação como elemento essencial para a organização do

planejamento de sala de aula com possíveis intervenções que promovam o desequilíbrio

e pensar ativo dos agentes da aprendizagem – alunos e docentes.

O trabalho com a divisão foi escolhido por caracterizar um conteúdo em

que tanto aluno quanto professor demonstram apresentar dificuldades nos

procedimentos de solução, revelando desconhecimento ou incompreensão nos conceitos

das ideias do referido assunto. A divisão e a multiplicação fazem parte da estrutura

multiplicativa. Nesse sentido, faremos uso da categoria abordada por Vergnaud quando

coloca que a estrutura multiplicativa é ―um aglomerado de situações e um aglomerado

de conceitos em que tanto relacionam-se com as estruturas aditivas, mas elas também

têm a sua própria organização intrínseca, a qual não é redutível aos aspectos aditivos‖

(CUNHA, 1997, p.4).

Com isso, vale ressaltar que no início dos estudos da operação de

multiplicação a criança tenderá a resolver os problemas que lhes são apresentados

utilizando seus conhecimentos acerca do campo aditivo, assim como ela tenderá a

resolver os problemas de divisão por meio da distribuição, que é uma ação que a criança

já realiza no seu cotidiano. Entretanto, dividir socialmente é diferente da ideia de

divisão na matemática e, também, ao analisarmos as estratégias utilizadas buscamos

identificar se esses alunos compreendem as regularidades do sistema de numeração

decimal.

Este trabalho busca investigar as estratégias utilizadas por crianças do 4º ano

do ensino fundamental, nos problemas de divisão, envolvendo ideias de partição

(distribuição) com a intenção de verificar o processo de compreensão da operação de

divisão em detrimento da repetição de técnicas.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, na modalidade Estudo de

Caso. Para Yin (2005), esta modalidade tem a capacidade de lidar com uma ampla

variedade de evidências, como aplicação de atividade, material das crianças (cadernos),

instrumentos utilizados em nossa investigação. Já Godoy (2006) explica que a referida

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modalidade é de caráter interpretativo, em que se busca procedimentos que possam

concorrer para dar mais qualidade a esta modalidade de pesquisa, sendo reafirmada essa

ideia por Ludke e André (2003) quando coloca que não são as técnicas que definem o

tipo de estudo, e sim o conhecimento que dele advém. É denominada de qualitativa

porque há interpretação do fenômeno, em que o sujeito pesquisador dar um significado

aos dados coletados, obedecendo o contexto e as significações que eles criam em suas

ações, como coloca Chizzotti (2006).

Segundo Lüdke e André (op. cit), o estudo de caso é diferente de outras

pesquisas no que diz respeito ao conhecimento gerado, pois ele é mais concreto, mais

contextualizado, mais voltado para a interpretação do leitor e é baseado em população

de referência determinadas pelo leitor. Nesse sentido, para essa investigação participou

uma escola que oferta os anos iniciais do ensino fundamental, tanto no turno matutino,

quanto vespertino e que a professora aceitou colaborar na pesquisa, aplicando a

atividade para que as estratégias dos alunos não fossem influenciadas pelas concepções

da pesquisadora. A escolha da escola atendeu aos seguintes critérios: pertencer a rede

pública de ensino, situada na cidade de Maceió, cuja localização seja de fácil acesso e

pertencer próximo ao bairro do Trapiche e da Lagoa Mundaú e com resultado no Ideb

inferior as projeções.

Em nossa análise estão participando 36 alunos do 4º ano do ensino

fundamental, na faixa etária entre 8 a 10 anos, vinculados a rede pública de ensino,

situada na região sul, na cidade de Maceió.

Utilizamos, como instrumento principal para este artigo, uma atividade com

quatro situações-problema que envolveu divisão partitiva e divisão quotitiva.

Quadro 1 – Situações-problema aplicadas as turmas do 4º ano do Ensino Fundamental

Problema 1 – Maria fez 30 brigadeiros e irá colocar 5 em cada saquinhos. De quantos

saquinhos ela irá precisar? Explique como chegou a resposta.

Problema 2 – Se repartirmos 24 pães para 6 crianças, quantos pães receberão cada uma?

Explique como você chegou a resposta.

Problema 3 – Quantas cédulas de 5 reais há em 50 reais? Explique como você chegou a

resposta.

Problema 4 – Carlos vai fazer aniversário. Cada amigo que vier a sua festa vai ganhar 3 balões.

Ele comprou 18 balões. Quantos amigos ele pode convidar? Explique como você chegou a

resposta.

Fonte: Situações-problema extraídas do livro Números, de Mercedes Carvalho (2010) e do livro

Introdução à Educação Matemática, de Terezinha Nunes et al (2002).

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Sendo que iremos analisar as estratégias de solução de problema de três

crianças frente ao conteúdo de divisão, considerando o cálculo numérico. A atividade

foi aplicada de forma coletiva e resolvida individualmente, em aproximadamente uma

hora e meia.

Para a análise das estratégias de solução das crianças, utilizamos das

concepções de análise de conteúdo de Franco (2008), cujas categorias foram escolhidas

a posteriori, obedecendo a delimitação dos dados coletados, bem como da teoria

presente no estudo, em que foram orientadas pela unidade de registro que visa levantar

categorias com base no tema, que representam as estratégias recorrentes na atividade de

Resolução de Problemas que envolvem o conteúdo de divisão.

Serão analisadas as estratégias frequentes da turma investigada, sendo

selecionados três alunos para análise, cujas categorias de análise tem como base as

discussões apontadas por Smole e Diniz (2001) e Pozo (1998), presentes nos estudos de

Resolução de Problema. As categorias de análises da presente investigação são oriundas

das estratégias utilizadas pelas crianças ou isoladamente ou combinadas, como:

estratégia canônica, estratégia pessoal e estratégia de algoritmo da divisão direta.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este artigo contempla a teoria de Resolução de Problema, referenciando a

estrutura multiplicativa, a formação do professor e aprendizagem das crianças dos anos

iniciais quanto aos conceitos matemáticos. É sabido que no dia a dia do professor na

sala de aula é repleto de desafios e que o fato de ter muito experiência quanto ao tempo

em sala de aula não caracteriza segurança e domínio no ensino de conceitos

matemáticos.

O estudo da teoria do campo conceitual, que contempla as estruturas

aditivas e multiplicativas, trata-se de conduzir caminhos que permitam a construção de

conceitos a partir de um ensino real e contextualizado, considerando o que acontecer de

fato na relação ensino-aprendizagem, focalizando teoria e prática, bem como o nível de

desenvolvimento cognitivo dos alunos e a formação do educador n realização de

mediação em prol de um saber significativo e, sobretudo, aceito no âmbito escolar. A

referida teoria pretende direcionar a evolução do conhecimento dos estudantes, como

coloca Moreira (2009). No entanto, sabe-se que é um processo lento e que depende

essencialmente de um ensino de qualidade que, por sua vez, tem forte relação com a

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formação do professor. Sendo assim, o professor tem um papel importantíssimo na

aprendizagem do aluno, haja vista que o objetivo da escola é sistematizar o

conhecimento, isto é, proporcionar ao aluno o domínio dos campos conceituais para

solucionar uma situação. O papel do professor, nessa teoria, é o sistematizar e propor

desafios às crianças, ampliando as dificuldades (propondo enfrentamento de desafios)

para que elas evoluam no entendimento dos conceitos matemáticos a partir de dados

reais e contextualizados.

D'Ambrosio (apud PEREZ, 1999), por sua vez, coloca que se faz necessário

o professor de matemática compreender o que vem a ser esta disciplina na educação

básica, especificamente, nos anos iniciais e do que caracteriza a legítima atividade

matemática, apontando as seguintes reflexões: o futuro professor deve saber os

conteúdos específicos da disciplina, abordando-a por meio de diferentes metodologias,

entre elas, a resolução de problemas, como é apontada pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais dos anos iniciais do ensino fundamental; os professores devem ter

conhecimento do perfil da turma, caracterizando assim, a importância do planejamento

e mediação para progressão conceitual da aprendizagem das crianças.

Lerner (1995) referencia os procedimentos de solução de problemas das

crianças, apontando que as estratégias utilizadas pelos alunos, em geral, não estão

relacionadas com dificuldades para compreender as operações em si mesmas — uma

vez que a maioria das crianças sabe quando se deve somar, subtrair, multiplicar ou

dividir — mas sim a incompreensão das estratégias provém sempre da desvinculação

entre os procedimentos e a natureza posicional de nosso sistema de numeração. Para a

autora, a utilização de problemas-padrão pode levar algumas crianças a centrar-se em

certas palavras-chave, dificultando a explicitação de seus saberes matemáticos. Neste

sentido, ela autora desaconselha o uso de problemas-padrão (convencional, arme

efetue). Carvalho (2010), porém, em seu trabalho comenta que ―independente de sua

classificação, esses problemas trabalham com a ideia das operações matemáticas além

de favorecerem às crianças pequenas o processo de contagem‖ (p.77). Ela também

alerta que os problemas não podem ser classificados em função das operações, mas sim

a partir dos procedimentos utilizados.

Vale ressaltar que os problemas matemáticos podem ser tanto numéricos

quanto não-numéricos e que, além disso, um enunciado pode caracterizar um problema

para um estudante como atividade complexa, mas simples para outros, o que depende

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da relação que o aprendiz faz entre a situação enfrentada e o conhecimento que já

possui. Tal ideia evidencia que o trabalho com resolução de problema auxilia na

construção de conceitos, exigindo da criança pôr a prova de tudo que se sabe, exigindo,

para tanto, exposição explícita do raciocínio e dedicação para novas descobertas.

Se a resolução trata-se de uma situação já vivenciada, esta deixou de ser um

problema, uma vez que não contribui, a nível de conhecimento, na formação conceitual

do aluno. Caso a situação a ser enfrentada seja algo novo, estamos diante de um

problema, permitindo aos alunos a explicitação de suas ideias, enfim, estratégias. Logo,

a classificação do problema não deve estar ancorado no tipo de enunciado, mas nas

estratégias postas pelas crianças.

Neste sentido, o papel do professor nesse processo de aprender e não

memorizar é fundamental para a aprendizagem da criança, de modo que direcione um

trabalho em que a criança seja capaz de verificar o resultado que obteve e, por

conseguinte o seu progresso. A resolução de problema, embora complexa, deveria ser

uma prática frequente nas diferentes áreas do conhecimento, principalmente da

matemática.

Diante do exposto, apontamos que o que deve estar em jogo para o processo

de aprender matemática é lidar com o novo e (re)construir conceitos aceitos

matematicamente. Para tanto, é preciso que o professor compreenda o que a criança

sabe acerca do nosso sistema de numeração, que relações conseguem estabelecer entre a

situação vivida e o conhecimento que possui; considerando a prática e conhecimento

matemático do professor polivalente em propiciar aos alunos exposição de seus

procedimentos de solução dos problemas, bem como de intervir para a construção de

um novo conhecimento ou mesmo para superar equívocos registrados ou expressos

pelos alunos. É preciso um trabalho que considere as estratégias dos alunos como ponto

de partida para o planejamento, de modo que direcione ações coerentes e efetivas para a

aprendizagem dos mesmos

DISCUSSÃO E RESULTADOS

Sendo o objeto da presente pesquisa os procedimentos e não os resultados

postos, por si só, tabulamos as respostas considerando as categorias ―algoritmo,

estratégia canônica ou algoritmo + estratégia canônica‖.

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Tabela 1 – Frequência das estratégias do Problema 2 de cada aluno participante

Classificação das Estratégias Problema 2

Qtde %

Algoritmo 16 44,4

Estratégia Canônica 12 33,3

Algoritmo+Estratégia Canônica 5 13,8

A tabela acima revela que há predominância da divisão partitiva do

procedimento por meio do desenho. Tal característica evidencia a aproximação que a

criança consegue estabelecer dos dados do enunciado com a sua vivência, representando

a situação-problema conforme o conhecimento social, que embora consiga chegar a

resposta correta, o procedimento não apresenta conceito matemático, o que pode

prejudicar a construção de conhecimentos das crianças, deixando-as limitadas a uma

representação para chegar a solução.

Por estar em um nível de escolaridade já avançado, anos finais do EF, tal

ênfase no procedimento canônico torna-se incoerente, pois o uso do algoritmo seria a

forma mais simples de resolver o problema matemático. Esse problema revela que esta

turma está com atraso no currículo matemático ou não vivencia propostas de atividades

que contribuem para a sua progressão conceitual.

No problema matemático de divisão partitivo a criança embora tenha

registrado estratégia isoladas, 41% usando somente algoritmo da divisão e da adição,

não apresentando o algoritmo da multiplicação; mas nos 35% dos procedimentos

canônicos, a maioria das estratégias parece fazer uso da inversão da divisão, não sendo

necessário dar sentido ao resto.

Como a ênfase das soluções desta situação-problema foi o resultado final,

tal resposta caracteriza procedimento incoerente ao campo multiplicativo, o que

representa limitação do pensamento matemático da criança em ter como conceito

essencial o uso da estrutura aditiva para resolver uma situação que envolve estrutura

multiplicativa. Cada estrutura tem a sua especificidade e deve ser compreendida por

professores e alunos.

Tabela 2 – Frequências das estratégias de solução dos participantes

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Situação-problema Estratégias de Solução de Problemas

Algoritmo Estratégia

Canônica

Algoritmo +

Estratégia Canônica

Se repartirmos 24 pães para 6

crianças, quantos pães receberão

cada uma? Explique como você

chegou a resposta.

16

12

5

Diante da diversidade de resolução de problemas matemáticos da situação

problema 2, selecionamos aquelas que contemplam a representatividade da turma, em

que apontaremos nossa análise nos procedimentos registrados:

ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO DO SUJEITO 6

Quadro 2 – Solução do Problema 2 por meio do algoritmo da divisão.

Essa criança revela conhecer o sistema de numeração decimal e a sua

função na operação da divisão. Aqui, ela demonstrou conhecer o conceito de valor

relativo, caracterizando o uso da base dez ao adotar o procedimento de que 24 unidades

é divisível por 6 unidades; resolvendo o algoritmo por meio da divisão longa, obtendo

resto zero. A referida criança ao registrar ―eu dividi é 24 por 6 que deu 4‖, embora esteja

utilizando uma linguagem espontânea, revela conhecer a técnica operatória para a

solução do problema.

Podemos inferir que está claro para o sujeito 6 o conceito de numeração,

porque interpreta a dezena pela ordem que ocupa. Assim, em sua explicação escrita

(resposta), a criança não registrou ―2 não pode ser dividido por 6 porque é menor,

juntemos 2 ao 4 para dividir 24 por 6‖, linguagem muito utilizada no ensino das

operações fundamentais que, por sua vez, prejudica no entendimento do sistema de

numeração decimal. Essa criança demonstra ter compreendido a técnica da divisão,

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mas não nos revela ter entendido o enunciado, já não que registrou ―quantos pães

receberam cada criança‖. Podemos apontar que para essa criança resolver problema

corresponde apresentar a ―conta‖.

ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO DO SUJEITO 7

Quadro 3 – Solução do Problema 2 por meio da representação gráfica.

O procedimento do sujeito 7 assemelha-se ao procedimento utilizado na

multiplicação em que trabalhamos com a propriedade comutativa, ―a ordem dos fatores

não altera o resultado‖, sendo 4 x 6 ou 6 x 4 encontraremos o produto 24. Os traços, por

sua vez, trazem indícios de que a criança fez uso da adição de parcelas iguais para

verificar o resultado. A solução traz indícios do uso da contagem e do cálculo mental.

No entanto, o raciocínio não é adequado matematicamente para os conceitos que são

necessários para o enunciado que requer ideia de divisão partitiva, conceito de parte-

todo.

ESTRATÉGIA DE SOLUÇÃO DO SUJEITO 30

Quadro 4– Solução do Problema 2 por meio de estratégias combinadas (representação gráfica e algoritmo

da divisão).

O procedimento utilizado pelo sujeito 30 apresenta estratégia combinada

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(estratégia canônica + algoritmo); mas a criança parece ter partido da representação para

o algoritmo. No entanto, a ilustração traz subconjuntos em que há 4 pães em cada um,

demonstrando que foi feito a distribuição um-a-um para chegar a correspondência

quatro pães (quantidade de elementos do subconjunto) para cada criança. O algoritmo

da divisão não revela se a criança faz uso do processo de subtração sucessiva ou longa

ou se ainda diferencia o valor relativo de valor absoluto do dividendo 24, necessário

para a realização da operação.

A ilustração traz indícios de distribuição social e a operação revela uma

mecanização do algoritmo da divisão no início da aprendizagem em que é guiado pela

estrutura da divisão horizontal, que não exige sentido para o resto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da divisão é um conteúdo importante a ser trabalhado no início do

ensino fundamental, especificamente no 4º ano, uma vez que as crianças terão

oportunidade de vivenciar diferentes situações-problema e as desafiarão a

―(re)significarem seus conhecimento implícitos e torná-los expressos (CAVALHO,

2009, p. 77) e além disso, possibilitará ao docente ―acompanhar que fazem os alunos,

interagindo com suas ideias‖ (CAMEJO, 2009, p. 57) e, consequentemente, acreditamos

que tal prática, conduzirá a realização de um planejamento coerente e efetivo ao nível

de desempenho das crianças, que se bem mediado contribuirá para a progressão das

ideias e conceitos matemáticos da estrutura multiplicativa dos aprendizes nessa etapa de

escolaridade.

Pudemos perceber a importância da resolução de problema no ensino da

matemática, nos anos iniciais do ensino fundamental, quando é oferecida à criança a

possibilidade de integrar aos seus conhecimentos novas situações que possibilitem o

desvelar de um novo conhecimento matemático, contribuindo, assim, para uma

aprendizagem dinâmica que engloba a formação de novos conceitos matemáticos,

aproximando-se das propostas avaliativas elaboradas pelo Ministério da Educação, tais

como Provinha Brasil e SAEB.

Nossos estudos mostraram, também, a potencialidade de trabalhar com

resolução de problema, uma vez que o seu uso enquanto recurso meio e não fim

propicia aos alunos encorajamento em registrar o seu pensamento matemático,

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confirmando-nos, de fato, que essa proposta de trabalho revela diferentes estratégias de

solução de problema, e ainda, que a inserção desse recurso no espaço de sala de aula

pode superar a crença de que para resolver problema é apenas para quem sabe ler e

escrever; tais competências ajudam, mas não são critérios de exclusividade para a

aprendizagem do conteúdo matemático, pois os alunos poderão dar diversas soluções

conforme seu nível de desenvolvimento de aprendizagem, utilizando desde o registro do

desenho ao uso do algoritmo, objeto essencial para o ensino da matemática.

Acreditamos que há uma forte relação entre estratégias explícitas dos

alunos e a mediação do professor, haja vista que quando o ensino de matemática é

pautada na dor, no sofrimento, dificilmente o aluno é conduzido a traçar diferentes

caminhos para uma solução que tem sentido e significado a situação, enfim aos dados

presentes do enunciado. Precisamos de um ensino que permita ao aluno enfrentar

desafios, registrando tanto conhecimento intuitivos quanto conhecimentos combinados,

mas que ele seja capaz de apresentar procedimentos que resolvam problemas

utilizando-se de diferentes estratégias de solução. Afinal, o papel da escola será

aproximar conhecimento espontâneo de conhecimento escolar, mas buscando a

sistematização desse saber.

REFERÊNCIAS

CAMEJO, Adriana. A constituição dos saberes da docência: uma análise do campo

multiplicativo. São Paulo: PUC/SP, 2009 (Doutorado em Educação Matemática).

CARVALHO, Mercedes. Ensino da Matemática em cursos de Pedagogia: a formação

do professor polivalente. PUC/SP, 2009 (Doutorado em Educação Matemática).

CARVALHO, Mercedes. Números: conceitos e atividades para Educação Infantil e

Ensino Fundamental I. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa Qualitativa. In Pesquisa em ciências humanas e

sociais. São Paulo: Cortez, 2006.

CUNHA, Maria Carolina Cascino da. As operações de multiplicação e divisão junto a

alunos de 5ª e 7ª séries. PUC/SP, 1997 (Dissertação no Ensino da Matemática).

FRANCO, Maria Laura P. B. Análise do Conteúdo. Brasília: Liber Livro Editora, 2008.

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GODOY, Arilda et al. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas,

estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2006.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A . Pesquisa em educação: abordagens

qualitativas. Coleção: Temas básicos de Educação e Ensino. São Paulo: EPU, 2003.

MOREIRA, Marco Antonio. O construtivismo de Vergnaud. In. Comportamentalismo,

construtivismo e humanismo. Porto Alegre: Ed. do Autor, 2009.

NUNES, Terezinha et al. Introdução à Educação Matemática: os números e as

operações numéricas. São Paulo: PROEM, 2002.

PEREZ, Geraldo. Formação de professores de Matemática sob a perspectiva do

desenvolvimento profissional. In BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (org). Pesquisa

em Educação Matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP,

1999, p. 263-284.

POZO, Juan Ignacio (org.). A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para

aprender. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez (org.). Ler, escrever e resolver problemas:

habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. 3ª ed. Porto Alegre:

Bookman, 2005.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

A MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: AS

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO COMO

ALTERNATIVA PARA A INOVAÇÃO DO ENSINO

Valéria Gomes da SILVA

Mestranda em Educação – FACED/UFU

[email protected]

Guilherme Saramago de OLIVEIRA

Professor da Faculdade de Educação – FACED/UFU

Programa de Pós-Graduação em Educação

Universidade Federal de Uberlândia

[email protected]

JUSTIFICATIVA

Atualmente é necessário fazer uma reflexão sobre como os professores têm

desenvolvido suas práticas pedagógicas de Matemática no espaço da sala de aula. De

maneira geral, sabe-se que o ensino da Matemática está mergulhado em diversos

problemas relacionados às metodologias e técnicas desenvolvidas para o

desenvolvimento de conteúdos.

A Matemática não é uma disciplina que muitos alunos estudam por considerá-la

interessante e envolvente. É muito comum encontrar em escolas de Ensino Fundamental

alunos argumentarem que não gostam de estudar Matemática porque não conseguem

decorar a tabuada, não aprendem os conceitos da disciplina etc. Além disso, muitos

julgam não saberem, para que precisam compreender determinados conteúdos

matemáticos.

Esses problemas podem está relacionados à maneira de como o professor

desenvolve os conteúdos. Na prática pedagógica os docentes de maneira geral, ensinam

Matemática por meio do método expositivo, sem a participação dos alunos. Estes

comportam-se como sujeitos passivos do processo de ensino e aprendizagem, em que

suas posturas é somente de ouvir, acatar e reproduzir as informações divulgadas pelo

professor. E no momento da avaliação o papel do aluno é fazer uma reprodução da fala

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do docente, sem poder desenvolver o raciocínio lógico-matemático na resolução de

problemas.

Diante disso, como forma de tentar diminuir estes problemas do ensino de

Matemática, propõe-se uma alternativa metodológica de trabalhar os conteúdos de

Matemática por meio das tecnologias de informação e comunicação as quais vêm

trazendo várias mudanças nas formas de aprender e de comunicar entre os sujeitos

envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem.

No entanto, considera-se importante apresentar este estudo sobre a possibilidade

das tecnologias da informação e comunicação ser uma alternativa para tornar a aula de

Matemática interessante e prazerosa

INTRODUÇÃO

No campo da educação, discutir a questão das tecnologias de informação e

comunicação (TIC) no trabalho docente no espaço escolar é algo considerado relevante,

no mundo que está em constantes mudanças sociais, econômicas, políticas, culturais e

educacionais.

Nota-se que as tecnologias vêm transformando as relações sociais de forma

veloz, modificando a interação e a comunicação entre o homem. Observa-se que as

tecnologias estão presentes em todas as partes do espaço físico, seja numa empresa

como nas bolsas de valores, em hospitais, em casa e é claro na educação. Vale ressaltar,

que tecnologia não se resume somente a computador, internet, celular, vídeo-game,

televisão dentre outros.

Nessa discussão, faz-se necessário esclarecer e apontar outras tecnologias que

possivelmente estão presentes na escola. (Arruda, 2004, p. 80), relata que “a instituição

educativa utiliza diversas tecnologias no seu interior, a própria escrita, a linguagem

verbal, o saber simbólico e a construção de significados, assim como a própria

instituição escolar representam exemplos de tecnologias”.

Ao desvelar que a tecnologia não se resume apenas à aparelhos de última

geração, nota-se que o professor em seu trabalho já desempenha atividades tecnológicas

em suas práticas pedagógicas. Nesse sentido, o foco de discussão desse estudo será

direcionado para as tecnologias (computador, internet, software) no trabalho docente

dentro do cotidiano escolar.

Quando o docente faz uso das tecnologias em sala de aula, poderá acontecer

mudanças no desenvolvimento de sua prática educativa, na sua forma de ensinar. Por

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exemplo, muitos professores que estão habituados a desenvolver a aula por meio do

método expositivo, quando querem modificar sua estratégia de ensino começam a

produzir slides e exibir filmes com uso das tecnologias, para tornar a aula mais

interessante e envolvente. O ensino com uso do aparato tecnológico vai além da

produção desses objetos de aprendizagem, pois acredita-se que as tecnologias, mantêm

relação com a construção do conhecimento. Assim, o professor ao usar a tecnologia no

seu trabalho pedagógico poderá inovar o ensino na busca de novos conhecimentos.

A questão da inovação no trabalho educativo não significa somente a inserção

das tecnologias no ambiente escolar, ou seja, o docente poderá inovar as suas aulas na

medida em que investiga, pesquisa e elabora uma inovação com as tecnologias em sala

de aula.

Arruda (2004) entende que:

A inovação no trabalho docente pode ser constatada não pelo uso puro

e simples do computador em seu cotidiano, mas a partir do momento

em que esses equipamentos alteram de forma significativa o olhar do

docente diante do seu trabalho, suas concepções de educação, seus

modelos de ensino e aprendizagem etc (ARRUDA, 2004, p.68).

É possível observar em algumas instituições escolares, professores que fazem

uso das TIC por meio dos softwares pedagógicos, os quais podem possibilitar uma

aprendizagem restrita ao que está no programa. Tal pressuposto faz entender, que há

uma inibição na relação das TIC com a construção do conhecimento porque o docente

se limita as atividades propostas nos softwares, logo, os alunos poderão não avançar na

elaboração de um novo saber. Segundo Arruda (2004), os softwares educativos são

geralmente “fechados” não permitindo uma aprendizagem fora das instruções definidas

no programa.

É visível, que a inserção das tecnologias no trabalho docente vem alterando a

forma de comunicação entre os protagonistas do processo de ensino e aprendizagem no

cotidiano escolar, possibilitando outro modo de compreender/interpretar o mundo e

entender as contribuições do uso do computador nas práticas educativas, considerando-o

como um mediador amplo no processo educacional. Assim, não basta apenas inserir

computadores nos espaços escolares para que existam mudanças efetivas nas estratégias

didáticas e pedagógicas, pois de acordo com Arruda (2004) o aparato tecnológico

possibilita criar ambientes de aprendizagem permitindo o surgimento de novas maneiras

de pensar e aprender.

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Nesse sentido, os objetivos desse trabalho é desvelar como se dá a prática

educativa de Matemática nos anos inicias do Ensino Fundamental e apresentar as

tecnologias de informação e comunicação como uma estratégia metodológica para um

bom desempenho nos processos de ensino e aprendizagem.

ALGUNS ASPECTOS SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DA

MATEMÁTICA

A Matemática não se limita a cálculos, formas geométricas, teoremas, axiomas.

Esta afirmação sintetiza que o estudo da Matemática vai, além disso. Nota-se que a

maneira, como vem sendo desenvolvidos conteúdos matemáticos, é motivo de pensar e

refletir sobre a prática docente.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997),

[...] é importante que a Matemática desempenhe, equilibrada e

indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades

intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do

raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas, situações

da vida cotidiana e atividades do mundo do trabalho e no apoio à

construção de conhecimentos em outras áreas curriculares (BRASIL,

1997, p. 25).

Para que tais fatores sejam concretizados, irá depender das metodologias e

estratégias de ensino utilizada pelo professor. A prática pedagógica desenvolvida no

contexto escolar, não possibilita o aluno desenvolver o raciocínio lógico-matemático.

Este aspecto é decorrente da maneira de como o professor desenvolve suas práticas

educativas. Sabe-se que o ensino praticado em sala de aula é aquele que o professor

transmite o saber previamente pensado e planejado por meio de exposição oral,

enquanto que o aluno se comporta como um sujeito passivo, fazendo repetições e cópias

do que o professor fala.

Para Micotti (1999) as aulas expositivas,

Pretende focalizar o saber, mas geralmente, ficam sem sentido para os

alunos; os conteúdos via de regra, não se transformam em

conhecimento devido sobretudo, à falta de oportunidade para os

aprendizes elaborarem e manifestarem sua compreensão sobre os

mesmos (MICOTTI, 1999, p. 161).

Esse método de ensino permite entender que a Matemática é um conhecimento

pronto e acabado, sem uma possibilidade de fazer questionamentos e reflexões. Tal

procedimento leva-nos a compreender que o professor está como o sujeito central do

processo de ensino e aprendizagem.

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), afirma que:

A atividade matemática escolar não é “olhar para coisas prontas e

definitivas”, mas a construção e a apropriação de um conhecimento

pelo aluno, que se servirá dele para compreender e transformar sua

realidade (BRASIL, 1997, p. 19).

Dessa forma, sem que exista uma integração um envolvimento do aluno nas

práticas pedagógicas do cotidiano da sala de aula, o professor poderá formar um sujeito

passivo, domesticado, dotado de limitações na produção do conhecimento. Para que está

barreira possa ser rompida espera-se que os professores os quais se apoiam nesse

método de ensino, possam rever, pensar e refletir sobre sua prática desenvolvida em sala

de aula.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) propõem que:

Recursos didáticos como jogos, livros, vídeos, calculadoras,

computadores e outros materiais têm um papel importante no processo

de ensino e aprendizagem. Contudo, eles precisam estar integrados a

situações que levem ao exercício da análise e da reflexão, em última

instância, a base da atividade matemática (BRASIL, 1997, p. 19).

No entanto, de modo geral, o professor tem várias opções de recursos de ensino

para desenvolver conteúdos de Matemática, de modo que, as situações de ensino tornem

para o aluno, algo, interessante e envolvente, que possa possibilitá-lo a ser um sujeito

ativo e participante das atividades pedagógicas desenvolvidas nas aulas de Matemática.

E para isso, coloca-se como alternativa de recurso didático as tecnologias de informação

e comunicação.

As tecnologias como uma estratégia de ensino e aprendizagem na disciplina de

Matemática, é algo, considerado estimulante, interessante e dinâmico para muitos aluno

que não se interessa e ou não gosta de Matemática e também para os que gostam.

Nesse sentido, acredita-se que as tecnologias mantêm relação com a construção

do conhecimento e possui influência motivadora no processo de ensino e aprendizagem,

podendo contribuir para o desenvolvimento cognitivo do aluno. Pode-se acrescentar que

a tecnologia é considerada como um elemento potencializador das capacidades

humanas, assim a metodologia adotada pelo professor é fundamental para o

desempenho do aluno, uma vez que o docente em seu oficio têm a função de fazer o

estudante avançar em sua compreensão de mundo a partir de seu desenvolvimento já

consolidado.

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Desse modo, o educador é o profissional principal, quando se trata de propostas

para a inovação da prática pedagógica escolar, pois é ele quem investiga, pesquisa e

elabora uma inovação com as tecnologias em sala de aula.

No entanto, os conteúdos de Matemática podem tornar-se atraentes e prazerosos

com o uso das tecnologias da informação e comunicação.

AS TECNOLOGIA NO CONTEXTO ESCOLAR

A utilização do computador no espaço escolar parece adquirir, gradualmente, um

papel específico e relevante para a educação e para a formação do ser humano, embora

muitas escolas da rede pública não se encontram adequadamente equipadas de

computadores e acesso à internet. Além disso, pode haver professores que talvez não

estejam preparados e qualificados para explorarem o computador em suas práticas

educativas. Um desses motivos pode está vinculado ao curso de formação inicial que

não contemplou em seu Currículo disciplinas sobre o assunto.

Assim, as tecnologias parecem estar cada vez mais presentes na vida da criança,

o que pode trazer mudanças nos modos de comunicação e interação. Essas mudanças

trazem alguns benefícios como o aumento da interatividade quando o aluno encontra-se

diante do computador com um universo de informações contido na rede, mesmo que

não envolva outra pessoa. Isso permite entender que o uso do computador possa

contribuir de alguma maneira, para a melhoria das condições de elaboração do

conhecimento desde que seja utilizado de maneira adequada.

As ideias de Pais (2002) vão ao encontro destas discussões. Para o autor,

[...] existem tecnologias que favorecem mais diretamente a expansão

das condições de elaboração do conhecimento. Estas se caracterizam

pela melhora das condições de aprendizagem e isto depende da

maneira como ocorre a relação entre o usuário e as informações

contidas no software utilizado. Tudo indica que quanto mais interativa

for essa relação, maior será o significado do conhecimento para o

sujeito (PAIS, 2002, p. 16)

Grinspun, (1999) salienta que:

Precisa-se hoje, de um pensamento que compreenda a tecnologia

como parte de um momento histórico: a tecnologia é parte desta

história e está interligada à formação e à construção do sujeito. “A

tecnologia faz parte desse contexto não como algo de fora, mas como

parte de um todo em que o homem cria, recria e se beneficia da sua

própria realização e das demais colocadas na sociedade”

(GRINSPUN, 1999, p. 19).

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Percebe-se que a tecnologia (computador) está ligada à formação e à construção

do indivíduo como afirma Ribeiro (2007). Partindo disso, o professor pode fazer

escolhas de como irá se apropriar do uso do computador em suas práticas educativas, ou

seja, a sua opção metodológica é fundamental, para o bom andamento do ensino e da

aprendizagem. Assim, é essencial que o professor compreenda o uso do computador

como parte da cultura escolar, e para isso é necessário que o docente familiarize-se com

a nova linguagem.

Ribeiro (2007) afirma:

No viés cultural, entendendo a cultura como rede de relações e de

diversidade, espera-se que a tecnologia e a escola sejam fiéis à vida,

sejam abertas e plurais. Há de se respeitar a diversidade e a

pluralidade; há de se propiciar a comunicação entre os homens

consigo mesmo, entre si e com o mundo que os cerca, não apenas

preservando a individualidade, mas levando-se em consideração o

coletivo. O que se procura é o desenvolvimento geral dos sujeitos

escolares, que seja no estabelecimento de novas relações, quer seja na

capacidade de síntese, de organização e sistematização, expressando-

se mediante múltiplas linguagens (incluindo-se a linguagem das novas

tecnologias), numa interação ativa e crítica com o meio físico e social

(RIBEIRO 2007, p. 92).

É importante que como forma de compreender os novos caminhos da educação,

o professor tente fazer parte desse mundo de constantes mudanças científicas e

tecnológicas. Acredita-se que é de responsabilidade da escola, juntamente com o corpo

docente, reverem meios e situações de ensino para que os alunos possam desenvolver

seus potenciais de maneira produtiva sem acomodarem-se a receber informações

passadas pelos educadores.

Leivas (2001) defende que:

O educador não deve entrar na sala de aula para “ensinar”, mas, sim

para “ajudar”os alunos a aprender.Nesse sentido, os computadores e

suas diversas ferramentas podem representar, para o educador, uma

gama enorme de novas possibilidades e atividades pedagógicas que

poderão ser incorporadas com diversos objetivos, principalmente o de

acender nos alunos o desejo de aprender a aprender, o entusiasmo pelo

conhecimento e, principalmente, o prazer e a alegria da descoberta

(LEIVAS 2001, p. 85)

Com a implantação das tecnologias educacionais no ambiente interno da escola,

o professor passa a ser um dos principais responsáveis para lidar com as TIC no

desenvolvimento das práticas pedagógicas. Sabe-se que os cursos de formação inicial

nas áreas de licenciaturas plenas não suprem as necessidades do graduando e do aluno

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egresso para desenvolverem metodologias de ensino que possa envolver o aparato

tecnológico de modo que tal recurso seja utilizado pelo educador de forma significativa

a fim de avançar na construção de novos saberes. Nesse sentido, acredita-se que os

futuros e os já atuantes docentes estão diante do desafio de lidar com as tecnologias

(computador, internet, software etc) no trabalho pedagógico.

No entanto, de modo geral, é emergente, o professor compreender que não é

somente os cursos de formação que darão subsídios no seu preparo para o uso das

tecnologias em sala de aula. O ambiente escolar também é um espaço onde os docentes

que se sentem despreparados para lidar com as TIC, poderão buscar formas de como

trabalhar utilizando o aparato tecnológico no ambiente educativo.

A escola na contemporaneidade vem modificando-se significativamente, e no

mundo que está em constantes mudanças e transformações científicas, é imprescindível

que a instituição educadora juntamente com os docentes não se alheie as modificações

externas. Portanto, percebe-se que o professor está diante de um desafio com a inserção

das TIC no seu trabalho.

CONCLUSÃO

Sobre isso, no contexto da educação escolar em relação às TIC existem ainda

muitos desafios para o professor sobre com utilizar as tecnologias em seu trabalho como

uma alternativa metodológica para o desenvolvimento de conteúdos matemáticos.

Portanto, na sociedade atual, o contato com as tecnologias tem alterado as

maneira de comunicação e interação entre o homem. Dessa forma, o professor necessita

acompanhar de perto as mudanças ocorridas, para que possa haver elaboração de

estratégias de ensino e aprendizagem condizentes as perspectivas inovadoras.

Nesse sentido, as tecnologias no ensino de Matemática podem ser um recurso

didático que propiciará melhoras na aprendizagem do aluno. Além disso, o seu uso em

sala de aula com certeza irá tornar o ensino mais dinâmico. Mas para isso, vir a tona é

necessário que o professor esteja apto para desenvolver as atividades pedagógicas

utilizando as TIC como um aparato que contribuirá de forma eficaz na aprendizagem de

conteúdos matemáticos.

REFERÊNCIAS

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ARRUDA, E. Ciberprofessor: novas tecnologias, ensino e trabalho docente. Belo

Horizonte: Autêntica, 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

Curriculares Nacionais de Matemática. Brasília, MEC/SEF, 1997

GRINSPUN, M, P, S, Z. (Org.). Educação tecnológica: desafios e perspectivas. São

Paulo: Cortez, 1999.

LEIVAS, M. “No olho do furacão”: as novas tecnologias e a educação hoje. In: SILVA,

M, L, S, da. (Org.). Novas Tecnologias: educação e sociedade na era da informação.

Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 73-89.

MICOTTI, M. C. de O. O ensino e as propostas pedagógicas. In: BICUDO, M. A. V.

(Org.). Pesquisa em Educação Matemática: concepções e perspectivas. São Paulo:

UNESP, 1999.

PAIS, L.C. Educação Escolar e as Tecnologias da Informática. Belo Horizonte:

Autêntica, 2002.

RIBEIRO, O, J. Educação e novas tecnologias: um olhar para além da técnica. In:

COSCARELLI, C.V; RIBEIRO, A. E. (Orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e

possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2007. p. 85-97.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DA CRIATIVIDADE

MATEMÁTICA EM FACE DA FORMAÇÃO DOCENTE

José Messias Eiterer Souza

FAJESU

[email protected]

RESUMO

O presente trabalho foi desenvolvido com o intuito de verificar, junto a um

grupo de estudantes de graduação em matemática, o grau de percepção e o tipo de

abordagem que poderia haver para soluções e intervenções criativas em matemática. Ao

grupo foi apresentado um questionário no qual se desejava avaliar: a formação básica

dos estudantes, sua percepção do que seja a matemática e que tipos de avaliações fariam

de questões ou resoluções não padronizadas de problemas de matemática. Verificamos

que o grupo pesquisado é bastante receptivo a novas possibilidades de resolução e não

se mostra como um grupo de pessoas que considerem a matemática apenas como um

conjunto de regras e proposições a serem memorizadas. Apesar de não haver

unanimidade nas respostas, os resultados mostraram que a percepção que eles têm da

matemática se aproxima de uma ciência desenvolvida pela humanidade para descrever

situações reais.

Palavras chave: Formação docente. Criatividade. Habilidades matemáticas.

JUSTIFICATIVA

A formação de professores é um dos assuntos que nos interessa, principalmente.

Nesse âmbito, temos especial interesse na formação dos professores de matemática.

Entendemos que o estudo de matemática deve ser conduzido no sentido de tentar levar

cada pessoa a um desenvolvimento ideal de suas habilidades de raciocínio lógico e de

atenção voluntária nas atividades que desejar desempenhar. Por isso consideramos que a

formação de professores de matemática deve buscar orientar os futuros docentes nesse

sentido, assim como entendemos que a forma como cada professor compreende sua área

de conhecimento é fator determinante de como este irá planejar e desenvolver suas

aulas.

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OBJETIVOS

Neste trabalho pretendíamos investigar o entendimento que um grupo de

estudantes de graduação em matemática tem do que venha a ser essa ciência. Indagamo-

nos quais seriam suas concepções relativas ao fazer matemático e ao trabalho com

matemática em salas de aula, cientes de que tais concepções são oriundas das

experiências que cada um teve em sua vida escolar até chegar à graduação e, inclusive,

durante o transcurso desta.

A Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da

educação básica (Conselho Nacional de Educação, 2001, p. 28)

expressa uma ideia semelhante, ao criar o conceito de “simetria

invertida”, para ressaltar o fato de que a experiência do professor

como aluno, não apenas nos cursos de formação docente, mas ao

longo de toda a trajetória escolar, define o papel que futuramente

exercerá como docente. (SCOZ, B, 2009, p. 113 – grifos da autora)

Partimos, então, dessa concepção para avaliar o que é entendido como

necessário ao estudo de matemática, pelo menos até o ensino médio; o que estudantes

de licenciatura em matemática conseguem identificar como necessário ao aprendizado

de matemática e, a partir disso, o quanto essas concepções construídas em suas

vivências escolares poderiam interferir em aspectos do ambiente escolar que seriam

potencialmente inibidores ou motivadores de criatividade, para os jovens estudantes de

ensino fundamental e médio.

METODOLOGIA

Interessava-nos pesquisar as concepções que essas pessoas têm do que seja

matemática e de como deve ser o estudo dessa ciência. Nesse sentido, escolhemos como

instrumento de pesquisa o questionário. Foi-lhes apresentado um instrumento de

pesquisa constituído por 48 questões, das quais 9 se destinavam a uma breve descrição

da formação pessoal, 32 tratavam do entendimento do que seja matemática que cada um

teria e as demais mostravam situações problematizadas com questões de matemática.

RESULTADOS

A questão da criatividade matemática é complexa e envolve não apenas o ensino

de matemática, mas também o desenvolvimento de habilidades que podem contribuir

para a formação de uma personalidade criativa, também, em outras áreas de

conhecimento.

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Consideramos que os problemas atuais, e por extensão os futuros, exigem

soluções criativas. Afinal, soluções antigas serão, geralmente, válidas para problemas

antigos. Parece-nos que sempre foi e será assim, mas tendemos a pensar que em nosso

tempo as coisas são mais complexas. A busca de soluções criativas para os problemas é

algo que se deve estimular desde a primeira infância (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997),

por isso há uma responsabilidade nisso à qual a escola não pode se furtar. Considera-se

que na escola há possibilidades ótimas de desenvolvimento de habilidades matemáticas,

entre elas as que Haylock (1987) enuncia como indicativas de uma produção divergente:

fluência, flexibilidade e originalidade. Devemos valorizar isso.

Sabemos que, infelizmente, essa parece não ser a realidade de nosso sistema

educacional. As muitas variantes que se relacionam no processo de formação, inclusive

escolar, costumam contribuir para o embotamento de habilidades que favorecem a

criatividade. Nos exemplos encontrados em nossa pesquisa verificamos que uma

pequena parte de nosso grupo se mostrou intolerante com o novo, o diferente, aquilo

que nos dá trabalho para entender. Sabemos que isso se verifica muitas vezes na

formação das pessoas. Talvez até por isso as pessoas criativas sejam tão valorizadas. Ser

criativo costuma exigir energia e determinação.

Existem sujeitos com bom nível de desenvolvimento intelectual que

em sua atividade profissional não são criativos. Sua falta de

flexibilidade na proposição de alternativas de solução, sua atitude

adaptativa no enfrentamento de questões que lhe são suscitadas, sua

falta de persistência e um escasso desenvolvimento dos interesses

profissionais condicionam sua falta de criatividade. (MITJÁNS

MARTÍNEZ, 1997, p. 71)

Essa é uma situação que imaginamos se originar, também, nas escolas. Se os

professores de matemática das séries iniciais tiverem comportamentos como alguns que

conseguimos perceber em nosso grupo de pesquisa, e mencionamos no parágrafo acima,

o desenvolvimento de habilidades que ampliam as possibilidades de a pessoa vir a se

mostrar criativa talvez esteja severamente comprometido.

No entanto, há esperança. Os resultados de nossa pesquisa mostram que a

realidade pode ser bem diferente. Apesar das dificuldades, há pessoas que valorizam o

novo. Pessoas que sabem analisar outras possibilidades e têm abertura para

compreender o que lhes é estranho. Essas são pessoas que, ao atuarem em escolas,

poderão contribuir no sentido de estabelecer condições para que sejam estimuladas

situações nas quais se possa:

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Estabelecer uma relação criativa professor-aluno, caracterizada por

um clima emocionalmente positivo e motivador, respeitando a

individualidade. Garantir um ambiente de estimulação e valorização

do esforço e das realizações próprias e originais, alentando o processo

de tentativa e erro sem estigmatizar esse último.

Valorar e estimular adequadamente os sucessos que o aluno alcançar

no desenvolvimento de interesses e motivações, assim como nos

elementos personológicos vinculados à criatividade, aos quais já

fizemos referência. Não estimular só os resultados obtidos no processo

de apropriação de conhecimentos. (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p.

160)

Essas são atitudes que imaginamos necessárias na comunicação entre

professores, escolas e estudantes, no sentido de esclarecer objetivos educacionais

alinhados com as necessidades humanas deste século, segundo orientam os Quatro

Pilares da Educação para o século XXI enunciados no Relatório Delors da UNESCO

(DELORS, 1998).

Pessoas como as que identificamos em metade de nosso grupo de pesquisa, que

pensam positivamente em relação a inovações no fazer matemático, tendem a ser

pessoas que compreendem de forma mais clara o eventual “caráter produtivo (e não

reprodutivo) das atividades propostas ao aluno” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 1997, p. 159),

assim como poderão trabalhar no sentido de buscarem uma “estruturação do ensino em

forma de problemas de descobrimento e solução criativa de problemas.” (MITJÁNS

MARTÍNEZ, 1997, p. 159).

Concluímos, assim, que os resultados de nossa pesquisa são bastante

animadores. Caso nossa amostra seja representativa do universo daqueles que estão

atualmente a estudar matemática com vistas à atuação docente na educação básica,

podemos imaginar um futuro promissor. Se os novos professores conseguirem arejar os

corredores escolares e as salas de aula com trabalhos que permitam o desenvolvimento

de habilidades matemáticas motivadoras da criatividade, haverá esperança de que as

pessoas possam resolver os problemas futuros das formas como eles deverão ser

resolvidos: formas inovadoras, corretas e perfeitamente aplicáveis ao que as situações

vierem a exigir (AMABILE, 1996).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMABILE, T. M. Creativity in context: update to the social psychology of

creativity. Boulder, Colorado (E.U.A.): WestviewPress, 1996.

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DELORS, Jacques; et al.. Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a

UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo:

Cortez, 1998.

HAYLOCK, D. W. A framework for assessing mathematical creativity in

schoolchildren. In: Educational Studies in Mathematics, n° 18, p. 59-74, 1987.

MITJÁNS MARTÍNEZ, A. Criatividade, personalidade e educação. (3ª ed.)

Campinas. Papirus, 1997.

SCOZ, B. in: MITJÁNZ MARTÍNEZ, A. e TACCA, M.C.V. R. (Org’s.) A

complexidade da aprendizagem – destaque ao ensino superior. Campinas: Alínea,

2009.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

O SOFTWARE GEOGEBRA NO ENSINO DE CÁLCULO DIFERENCIAL

Ricardo Antonio Faustino da Silva Braz - UFERSA - [email protected]

João Emanuell Araújo Marciano - UFERSA - [email protected]

Josinalva Estacio Menezes - Universidade de Brasília – [email protected]

RESUMO

Esta pesquisa apresenta uma experiência de ensino com alunos do curso de

Bacharelado em Ciências e Tecnologias, matriculados na disciplina de Cálculo

Diferencial, em nossa instituição. Nosso objetivo foi investigar os efeitos do uso do

software GeoGebra, na aplicação de atividades para visualização de gráficos de

funções. O método aplicado foi dividido em três momentos; sendo o primeiro

momento a aplicação de um questionário contendo quatro questões. No segundo

momento resolvemos um exercício, no laboratório com o uso do GeoGebra. No

terceiro momento os alunos resolveram as atividades após nossa demonstração com o

GeoGebra. Observamos melhor visualização pelos alunos em atividades envolvendo

construções de gráficos de funções com o uso do software. Concluindo, podemos

encaminhar o uso de softwares no laboratório com este fim.

Palavras chave: ENSINO, CÁLCULO, GEOGEBRA, MATEMÁTICA,

ATIVIDADES, SOFTWARE.

INTRODUÇÃO

As disciplinas Cálculo Diferencial na universidade são consideradas de grande

importância nos currículos dos cursos de graduação em ciências exatas e afins, que a

incluem em sua matriz, dada a sua condição de precursora e pré-requisito para os

conteúdos referentes às áreas afins mais avançadas. As idéias contidas nos tópicos do

Cálculo Diferencial possibilitam várias aplicações em diversos conteúdos de disciplinas

correlatas. Hoje, aplicamos o Teorema Fundamental do Cálculo, cuja idéia base é a de

taxa de variação, em problemas relativos a várias áreas do conhecimento, tanto teóricas,

no contexto acadêmico quanto práticas, apenas para citar um exemplo. As funções de

várias variáveis como estudadas no Cálculo diferencial permitem aplicações a muitas

outras áreas, a exemplo da física. As idéias que o Cálculo Diferencial traz em sua teoria

são de grande aplicabilidade teórica, tanto no que diz respeito às ciências puras, tais

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como a Matemática e a Física, como às práticas, como as Engenharias, a Computação,

entre outras. Apesar de todas essas possibilidades, o ensino do Cálculo ainda revela

fragilidades que levam à evasão e repetência nos cursos que o contêm no seu currículo,

e tais críticas são apresentadas, tanto por professores como por alunos algumas razões

que nos permitem categorizar para consideração. Pesquisas realizadas por Menezes

(1996, 1998, 2000, 2001, 2004) apontaram uma urgente necessidade de atualizar o

ensino do cálculo, incluindo aplicações práticas e o uso de tecnologias mais familiares

aos estudantes e à sociedade como um todo. Essas dificuldades levaram-nos a

considerar alternativas metodológicas para a sala de aula que contribuíssem para

minimizar o problema.

Atualmente, também já existem diversos livros texto de Cálculo Diferencial e

Integral que incentivam aplicações, tais como (Munem & Foulis, 1994), Stewart (2010)

e também Swokowski (1996). Mais ainda, texto que incorpora a informática nas suas

páginas, a exemplo de Leithold (1977) e Simmons (1987).

É conhecida, ainda, a existência de uma enorme gama de “softwares” voltados

para os mais diversos temas, especialmente para o contexto acadêmico, incluindo

softwares que vão auxiliar em pesquisas para áreas específicas. Dentre eles, podemos

citar o Maple, o Origin, o Scientific Work Place, o Equation (dentro do Word), o

Mathemática, o Graphmat, além de uma infinidade de outros voltados para o Ensino

Básico e para outras áreas. Salientamos que, em participação de encontros de pesquisa

que têm como um dos focos a Educação e seu processo ensino-aprendizagem,

constatamos que a maioria compartilha dessas preocupações.

Grande parte dos trabalhos apresentados é composta de pesquisas recentes,

dissertações de mestrado e teses de doutorado, o que indica ao mesmo tempo, uma

preocupação com o panorama geral e uma seriedade na investigação desse elemento do

sistema educacional. Entre eles, aparecem trabalhos sobre o ensino-aprendizagem do

Cálculo Diferencial.

Assim sendo, resolvemos investigar os efeitos do uso de um software na

aprendizagem de conteúdos do cálculo Diferencial, mais especificamente de gráficos de

funções junto a alunos de graduação. Escolhemos o GeoGebra, como software a ser

utilizado na pesquisa. Portanto, o objetivo geral de nossa pesquisa foi investigar os

efeitos do uso do software GeoGebra, na aplicação de atividades para visualização de

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gráficos de funções e verificar as impressões dos alunos sobre suas compreensões dos

conteúdos.

Justificamos a relevância desta pesquisa dadas as dificuldades que vêm sendo

apresentadas por alunos nas atividades que envolvem construção e interpretação dos

gráficos de funções, bem como o significado do comportamento das mesmas. Outro

ponto que valida a nossa pesquisa é a abrangência de possibilidades de aplicação das

funções a disciplinas e conteúdos posteriores, de modo que o conhecimento de funções

é importante pré-requisito na formação acadêmica. Além disso, o ensino de funções tem

recebido destaque tanto nos documentos que orientam o ensino de matemática, como os

Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), quanto em pesquisas recentes,

dadas as dificuldades que professores e pesquisadores vêm detectando nos estudantes. É

nessa direção que vamos seguir.

OS JOGOS ELETRÔNICOS E SOFTWARE NO ENSINO-APRENDIZAGEM

DE MATEMÁTICA

Nossas universidades têm aderido cada vez mais ao ensino virtual que se tornou,

hoje, um tema de interesse geral no contexto do uso da informática, pois faz parte de um

processo natural do avanço da ciência, aliás defendido por Moran (2000).

O computador pode ser usado como elemento de apoio, mas também como fonte

de aprendizagem e deve ser explorado como ferramenta cognitiva, pois ele esta inserido,

direta ou indiretamente, no cotidiano das pessoas como um instrumento, de grande

importância em diversos setores da sociedade.

O Cálculo diferencial tem sido uma das disciplinas de maior índice de

reprovação nos cursos de graduação que a têm em suas matrizes curriculares, além de

considerada difícil por alguns. Essa situação não melhora a disciplina para os alunos,

considerando a forma como é ministrada, tida como desagradável, se se torna muitas

vezes não atrativa ao aluno, que não mostra interesse pela mesma, levando ao quadro

desolador já descrito.

Entram neste panorama os jogos educativos computadorizados e software que

podem, pela sua natureza, desenvolver competências cognitivas e motoras, além de

atuar na dimensão da autoconfiança e motivação do indivíduo. Para Oliveira (2001), o

computador vem a se constituir numa ferramenta mediadora na construção do

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conhecimento e que o software educacional, as pesquisas na internet, os jogos on-line,

são elementos dessa ferramenta, que pode ser usada pelo professor como um

instrumento facilitador do processo ensino-aprendizagem.

Com as perspectivas de disponibilização de jogos e software educacionais

ampliadas pelo advento da Internet, é possível pensar em integrar esses softwares em

ambientes que o público em geral tenha acesso. Contamos ainda com os objetos de

aprendizagem que democratizam o acesso a esta tecnologia, disponibilizados em sites

oficiais. Assim sendo, cremos que uma integração mais efetiva desta atividade na vida

do estudante, permitem ampliarem-se as possibilidades que, aliando inovação e

conhecimento, venham a tornar os jogos e software mais um elemento de auxílio no

ensino de matemática, passando a se constituir em mais uma forma de contribuição no

contexto da Educação Matemática.

O GEOGEBRA E SUAS POSSIBILIDADE DE USO NO ENSINO DO CÁLCULO

DIFERENCIAL

Conforme sabemos, o Geogebra é um software de Geometria Dinâmica que foi

desenvolvido pelo professor Markus Hohenwarter da Florida Atlantic University. Com

este programa, é possível construir pontos, vetores, segmentos, retas, seções cônicas,

funções e fazer alterações dinâmicas. É um programa interativo especialmente projetado

para estudo e aprendizagem de álgebra, Cálculo e Geometria Plana e Analítica. É, ainda,

um software livre (gratuito) facilmente encontrado na internet e com uma versão em

vários idiomas inclusive o português Brasileiro. Em Portugal, existe um tutorial

traduzido pelo professor José Geraldes (www.jgeraldes.net).

O GeoGebra é, portanto, um software de matemática dinâmica gratuito e multi-

plataforma para todos os níveis de ensino, que combina geometria, álgebra, tabelas,

gráficos, estatística e cálculo em um único sistema. Seus principais propósitos são

auxiliar estas áreas do conhecimento através de planilhas de cálculo interativo, desde o

ensino fundamental. Com ele, é possível montar aulas com conteúdos matemáticos que

vão da 5ª série do ensino Fundamental até o ensino superior nas aulas de Cálculo e

Álgebra Linear.

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Figura 1. Geogebra na página oficial

O GeoGebra disponibiliza em seu site oficial,

http://www.geogebra.org/cms/pt_BR, material de apoio gratuito para o professor,

download do programa e um fórum permanente de elucidação de dúvidas e propostas de

atividade. Além disto, é considerado uma interface amigável com vários recursos

sofisticados e está disponível em vários idiomas. O fato de ser gratuito, de código aberto

e oferecer muitas oportunidades de uso a quem o acessa, o software é pequeno no

sentido de usar pouco espaço no computador e tem comandos relativamente simples,

permitindo seu uso sem problemas para a máquina. A última versão oficial do software

que foi disponibilizada é a 3.2, que traz novas ferramentas, mais comandos e outras

facilidades que o faz sempre atualizado e inovador, tudo ao alcance de qualquer pessoa.

Estas foram as principais razões que nos levaram a escolhê-lo para a pesquisa, que

passamos a descrever.

A DESCRIÇÃO DA PESQUISA EMPÍRICA

Para realizar nossa pesquisa, escolhemos uma universidade pública do Rio

Grande do Norte, que é o nosso campo de trabalho. Nela, selecionamos para

participantes da pesquisa, um grupo de sessenta alunos do curso de Bacharelado em

Ciências e Tecnologias, matriculados na disciplina de Cálculo Diferencial, em nossa

instituição. Os alunos estudam no período diurno, e estão na faixa etária que vai dos

dezoito aos vinte e oito anos de ambos os sexos. Optamos por um estudo exploratório,

onde desenvolvemos atividades com o GeoGebra e coletamos as impressões dos

participantes.

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Conforme já explicitamos antes, nosso objetivo nesta pesquisa foi verificar os

efeitos do uso do software GeoGebra, na aplicação de atividades para visualização de

gráficos de funções. Identificamos algumas dificuldades, apresentadas pelos alunos na

construção de gráficos de uma função, no caderno, pela dificuldade na visualização,

através da imaginação, do gráfico.

Para coletar os dados da pesquisa, elaboramos um questionário e aplicamos

junto aos participantes visando verificar quais foram suas dificuldades na construção de

gráficos de funções.

O trabalho foi realizado em três momentos. O primeiro momento foi a aplicação

de um questionário contendo quatro questões. No segundo momento resolvemos um

exercício, no laboratório com o uso do GeoGebra. No terceiro momento os alunos

resolveram as atividades após nossa demonstração com o GeoGebra. Analisamos as

mesmas, o que passaremos a descrever.

RESULTADOS

Apresentaremos as questões que selecionamos e aplicamos junto aos alunos, de

acordo com o objetivo de nossa pesquisa, que aborda gráficos de funções. A primeira

questão trata de uma função do terceiro grau, onde objetivamos saber dos alunos se a

função apresenta pontos críticos, se ela possui pontos de máximo e pontos de mínimo

local e em seguida classificar a função.

Procedimento para a execução da atividade no GeoGebra: No campo de entrada

digite a seguinte função , em seguida tecle enter.

Figura 2: Gráfico da função polinomial do terceiro grau, f(x) = x3 -2x + 1.

Ao digitar a função no campo de entrada, temos a função sendo apresentada a

nossa esquerda na janela de álgebra e o modelo do gráfico, a nossa direita, na janela de

visualização, sendo exibidos instantaneamente para que o aluno possa fazer suas

análises e tomar suas decisões quanto ao comportamento do gráfico.

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Perguntamos: “Verifique se a função possui pontos críticos, se sim. Identifique-

os?” A resposta é: “Pontos críticos são possíveis pontos de máximo e de mínimo. Pega

a função e iguala a 0”.

Figura 3: identificação dos pontos críticos no gráfico de f(x) = x3 – 2x + 1.

Perguntamos ainda: “Quais são os pontos máximos e mínimos da função?”

Figura 4: representação dos pontos de máximo e mínimo local.

Solicitamos dos alunos: “Classifique o tipo da função.”

Resposta: “Função polinomial de 3º grau, impar, simétrica”.

Na primeira questão já observamos um diferencial no aprendizado do conceito

pela interpretação feita sob a visualização gráfica, fato dificultado quando desenvolvido

no caderno muitas vezes. A segunda questão da atividade aborda os conceitos de

domínio e imagem da função, para alguns pontos.

Com base nos passos para determinação das imagens de uma função, determine

as imagens dos seguintes valores: Em seguida, obtenha os

interceptos x e y da função: Para x = -1 temos y = 2; Para x = 1 temos y = 0; Para x = 0

temos y = 1; Para x = 1,5 temos y = 1,375; Para x = 2 temos y = 5; Para x = 3 temos y =

22; Para x = 4 temos y = 57.

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A segunda questão é importante devido a relação de conceitos de Domínio e

Imagem de funções. Este conceito vai ajudar a entender outros conceitos adiante como

no estudo de limites podemos destacar.

A terceira questão foi a seguinte; “Insira a função f(x) = x3/3 – x

2/x - 6x, no

campo de entrada do Geogebra,“

Figura 5: modelo do gráfico da função f(x) = x3/3 – x

2/x - 6x.

Em seguida calcule a derivada manualmente e classifique-a. Qual o gráfico desta

função? f(x) = x3/3 – x

2/x - 6x Função polinomial do 2º Grau. Descreve uma parábola?

O procedimento para resolução no GeoGebra foi: Lance a função “Derivada” na lista

de comandos e insira f(x).

Fizemos alguns questionamentos aos alunos, em seguida para comparar o

modelo do Geogebra com o modelo elaborado manualmente por eles no caderno. Suas

respostas direcionaram-se para a facilidade que o GeoGebra propiciava quanto a uma

melhor visualização gráfica, e conseqüente melhor compreensão dos elementos

envolvidos no estudo, bem como a dinâmica concernente. Constatamos também através

de suas respostas que a visualização através do software GeoGebra favoreceu o

aprendizado na construção do gráfico, permitindo que o aluno reflita sobre os diversos

pontos, fazendo ainda a análise de pontos críticos e de valores extremos da função.

Constatamos que estas duas últimas questões foram as que mais se destacaram segundo

os comentários dos alunos. Em seguida iremos destacar alguns destes comentários.

Perguntamos: “Em que conteúdo você usou o Geogebra? Neste caso facilitou o

aprendizado do conteúdo sugerido de que forma?” A partir das respostas, podemos

destacar os seguintes comentários:

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Aluno A: “Utilizei o GeoGebra no Cálculo 1, na parte de funções. O programa

facilita no melhor entendimento dos gráficos”;

Aluno B: “Cálculo 1. Sim, pude visualizar no gráfico os pontos exigidos nas

atividades”.

Depois, indagamos: “A visualização do conteúdo pelo Geogebra facilitou o

aprendizado desse conteúdo mais do que em sala de aula, no quadro?” Destacamos as

seguintes respostas:

Aluno A: “Facilita, pois, o aluno consegue aprender além do que está escrito no

quadro”;

Aluno B: “Sim. Poder ver o gráfico facilita o entendimento”.

Assim, as atividades que compuseram nossa pesquisa foram desenvolvidas tanto

por nós quanto pelos alunos, sendo que eles resolveram com o auxílio do GeoGebra e

no caderno.

CONCLUSÃO

Nossa pesquisa com o GeoGebra e permitiu fazer alguns encaminhamentos.

Inicialmente, havíamos identificado algumas dificuldades, apresentadas pelos

alunos na construção de gráficos de uma função, no caderno, e na visualização, através

da imaginação, do gráfico. Realizamos uma explanação sobre a dinâmica do software e

atividades sobre funções com o mesmo. Conseqüentemente, constatamos como os

alunos conseguiram visualizar funções com o uso do Software em atividades que

envolvem construção de gráficos. Assim, podemos destacar a importância do uso, no

laboratório, de softwares que validem a formação de conceitos matemáticos.

Dessa forma, podemos motivar os alunos no estudo de gráficos, para que eles

possam construir com maisi autonomia, compreensão e responsabilidade o seu

conhecimento, através do próprio aprendizado, tirando as próprias conclusões advindas

das comparações do conhecimento sob o modelo escrito e o modelo apresentado pelo

GeoGebra.

REFERÊNCIAS

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

APLICAÇÃO E ANÁLISE DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O

ENSINO DE FUNÇÕES INSTRUMENTALIZADO POR UMA FERRAMENTA

COMPUTACIONAL: DIFICULDADES E POSSÍBILIDADES

Maurício A Saraiva de Matos Filho

Faculdade Santa Emília – FASE / Faculdade Pernambucana - FAPE

[email protected]

Josinalva Estacio Menezes

PPGEC/GETEEM/LACAPE - Universidade de Brasília/Mat

[email protected]

RESUMO

Nesta pesquisa analisa-se uma sequência didática (SD) destinada ao ensino de Funções,

instrumentalizada por um software. Este estudo baseou-se nas dificuldades apresentadas

pelos alunos ao estudarem este assunto e nas possibilidades do uso do computador como

recurso para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem. O aporte teórico relaciona-se

a Didática da Matemática. A pesquisa foi desenvolvida segundo a metodologia da

Engenharia Didática, tendo como campo de pesquisa uma Escola Pública e os sujeitos

alunos do 1º ano do Ensino Médio. Os resultados do teste diagnóstico apontaram para

dificuldades relacionadas à plotagem de pontos no plano cartesiano e sobre os eixos e os

resultados da aplicação da SD instrumentalizada pelo software evidenciaram certo

favorecimento aos alunos na construção, leitura e interpretação gráfica.

Palavras chave: Software Winplot. Ensino de Função. Engenharia Didática.

INTRODUÇÃO

O conceito de função possui relevância na formação matemática de qualquer

cidadão atuante na sociedade contemporânea. Além de estar ligado a situações que

envolvem abstrações, interpretações e resolução de problemas relativos a diversos

fenômenos estudados em várias áreas do conhecimento humano, possui também

importância científica e social.

Zuffi (2004) destaca a relevância do conceito de função para as ciências,

descrevendo que a ideia de função ultrapassa os domínios da Matemática há um bom

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tempo, oferecendo-se às áreas de conhecimento de Física, Química, Biologia,

Economia, Medicina, Engenharia e etc., particularmente em virtude da explosão

tecnológica iniciada na segunda metade do século XX, que propiciou uma nova

dinâmica para as diversas áreas do conhecimento, inclusive para a matemática.

Houve uma constelação de grandes avanços tecnológicos nas duas últimas

décadas do século XX, quando Castells (2006) destaca as tecnologias da informação, da

microeletrônica, da computação, das telecomunicações e da optoeletrônica, com atenção

especial para a informática, o computador e a Internet.

O final dos anos 80 e o início dos anos 90 marcaram a chegada dos computadores

pessoais no mercado de trabalho e no lazer. Desse período até os dias atuais, essa

tecnologia tem estado cada vez mais presente no cotidiano de boa parte da população.

Essa nova relação das pessoas com os computadores tem se refletido não apenas no

ambiente de trabalho, mas também nas relações familiares e na escola. Dessa forma, a

inserção dessa tecnologia na escola tem suscitado debates sobre suas reais

possibilidades e contribuições como uma ferramenta didática em diversas partes do

mundo e no Brasil. Diversos pesquisadores tais como Litwin et al (1997), Menezes

(1999) e Miranda (2006) têm discutido sobre o papel dos computadores no processo de

ensino e aprendizagem.

No ensino de Matemática, o computador pode ser um importante recurso para o

professor e um elemento de motivação para os alunos. Atualmente, vários

pesquisadores, como Menezes (2001), Bittar (2006), Bellemain, Bellemain e Gitirana

(2006) e Freire, Castro Filho e Fernandes (2008) têm evidenciado as importantes

contribuições que o uso do computador tem dado às aulas de Matemática.

A Matemática tem sido uma área bastante agraciada com o grande número de

softwares educativos, gratuitos e não gratuitos, destinados ao ensino de seus conceitos.

Dentre esses softwares destaca-se: Cabri-Géomètre I e II, Graphequation, Graphmática,

Winplot, Aplusix, Winfun, Modelus, Régua e Compasso, Poly, Thales, WinMat etc.

Diante do exposto surge um questionamento: O uso de um software voltado para a

construção gráfica (Winplot) pode beneficiar os alunos do Ensino Médio na construção

e interpretação de gráficos de funções de 1º e 2º graus?

A opção pela utilização do software Winplot, dentre tantas outras opções de

softwares já descritas, deve-se à sua acessibilidade. Esta ferramenta computacional é de

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domínio público, ou seja, é um software gratuito disponível na Internet e sem

implicações legais para o seu uso.

Desta forma, a pesquisa objetivou analisar uma sequência didática para o ensino

de funções polinomiais de 1º e 2º graus instrumentalizada por um software. Para

objetivos específicos tem-se: identificar as respostas utilizadas pelos alunos na

construção e na interpretação de gráficos das funções polinomiais de 1º e 2º graus

utilizando o lápis e papel e verificar, a partir de uma sequência didática, como o

software Winplot pode favorecer os alunos na construção e na interpretação de gráficos

das funções polinomiais de 1º e 2º graus.

O USO DO COMPUTADOR NAS AULAS DE MATEMÁTICA

A Matemática tem sido uma área muito privilegiada em relação às diversas

tecnologias presentes no mundo contemporâneo. Sejam as calculadoras, os jogos

virtuais, os computadores e os diversos softwares, todos esses recursos tecnológicos

estão sendo propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais com o intuito de

melhorar o processo de ensino e de aprendizagem da Matemática. Em especial, as

tecnologias da informática, com um conjunto de ferramentas – computador, softwares,

internet, etc. - podem auxiliar o ensino da Matemática, criando ambientes de

aprendizagens que possibilitem o surgimento de novas formas de pensar e de agir, que

valorizem o experimental e que tragam significados para o estudo da Matemática.

Diversas pesquisas, já descritas na parte introdutória deste trabalho, evidenciam o

uso dos computadores como uma importante ferramenta nas aulas de Matemática, o que

é corroborado pelos PCN (BRASIL, 1998), quanto à referência de que essa tecnologia

pode ser usada como fonte de pesquisas, importante auxílio para o processo de ensino

aprendizagem; como recurso no processo de construção do conhecimento; como

ferramenta para exercer autonomia dos educandos através do uso de softwares que

possibilitem pensar, refletir e criar soluções e, também, como instrumento para realizar

determinadas atividades – uso de planilhas eletrônicas, processadores de texto, banco de

dados e outros aplicativos. Além do mais, indica que o computador pode ser uma

importante ferramenta no desenvolvimento cognitivo dos educandos, principalmente

por possibilitar um desenvolvimento de trabalho que respeite os distintos ritmos de

aprendizagem, viabilize a individualização da aprendizagem e permita que o aluno

aprenda com seus erros.

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Diante das possibilidades apresentadas para o uso de softwares no ensino de

matemática, a seguir será apresentada uma breve abordagem sobre o software Winplot.

O software Winplot é um programa gratuito desenvolvido pelo professor Richard

Parris, da Philips Exeter Academy. A versão deste software para o português foi

traduzida pelo professor Adelmo Ribeiro de Jesus e sua equipe, na Universidade Federal

da Bahia.

Através do Winplot, é possível gerar, dentre outros objetos da matemática,

gráficos em duas e ou três dimensões, a partir de funções ou equações, de modo

simples, rápido e direto. Outro aspecto relevante é que o Winplot utiliza quase a mesma

simbologia que é utilizada nas aulas de matemática, ou seja, o aluno, ao utilizar este

software, empregará a mesma notação matemática das suas aulas.

Diante da opção teórica escolhida para apoiar esta pesquisa, faz-se necessário

realizar uma breve discussão sobre algumas Teorias da Didática da Matemática que

fundamentam o presente estudo.

TEORIA DAS SITUAÇÕES DIDÁTICAS

Dentre os estudos desenvolvidos pela Didática da Matemática, a Teoria das

Situações Didáticas, desenvolvida por Guy Brousseau e as reflexões sobre Transposição

Didática proposta por Yves Chevallard (discutida a seguir), têm sido citadas por vários

pesquisadores como uma referência teórica para o processo de aprendizagem

matemática em sala de aula.

O espaço da sala de aula é caracterizado de acordo com a Teoria das Situações

Didáticas pela tríade professor, aluno e o saber. Esses três elementos são os

componentes principais de um sistema didático. A relação dessa tríade (professor-aluno-

saber) constitui uma relação triangular, que é denominada por Brousseau (1996) como

Triângulo das Situações Didáticas.

A Didática da Matemática, por sua vez, propõe que o saber matemático precisa ser

reconstruído pelo aluno, na sala de aula, e que tal reconstrução se dá em função das

relações que se estabelecem nesse sistema didático, mediatizadas pelo saber, conduzidas

pelo professor e negociadas com os alunos. Para que a reconstrução desses saberes se

concretize, é necessário que a contextualização do saber matemático escolar esteja

ligada fortemente aos conteúdos e à sala de aula. Por outro lado, a participação dos

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alunos depende do sentido das atividades no espaço educacional. Nesse espaço, o

professor organiza situações didáticas que, de acordo com Gálvez são:

um conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente

entre um aluno ou um grupo de alunos, um determinado meio (que abrange

eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (representado

pelo professor) com a finalidade de conseguir que estes alunos apropriem-se

de um saber constituído ou em vias de constituição (BROUSSEAU, 1982b

apud GÁLVEZ, 2001, p.28).

A Teoria das Situações Didáticas é estruturada através do conceito de

aprendizagem por adaptação. Esse conceito aproxima-se dos estudos realizados por

Piaget sobre o desenvolvimento do conhecimento humano, os denominados esquemas

de assimilação e acomodação. A perspectiva construtivista da aprendizagem por

adaptação, considera que o aluno aprende se adaptando a novas situações a que ele é

submetido. Ele necessita adequar seus conhecimentos a um determinado problema que

lhe é apresentado. Segundo Pais (2001), ―a adaptação pode ser entendida como a

habilidade que o aluno manifesta em utilizar seus conhecimentos anteriores para

produzir a solução de um problema‖ (p. 70).

Segundo Brousseau (2000), a respeito dos fenômenos de aprendizagem, os

psicólogos não cessam de mostrar a importância da tendência natural do sujeito de se

adaptar ao meio, assim como Skinner (papel dos estímulos), como Piaget (papel dos

esquemas pessoais no desenvolvimento espontâneo dos esquemas fundamentais) ou

como Vigotski (papel do meio sócio-cultural). (Tradução livre do autor).

Nessa perspectiva, Bittar (2006) considera que o aluno aprende se adaptando a um

meio que é gerador de dificuldades, de contradições e de desequilíbrios (na perspectiva

construtivista de aprendizagem). A construção do conhecimento é a resultante da

interação do sujeito com um meio, que deve ser organizado pelo professor a partir de

escolhas cuidadosas de problemas, dos tipos de ações possíveis do aluno sobre esse

meio, e dos tipos de retroações que o meio oferece. Laborde e Capponi (1994 apud

Bittar, 2006) descrevem que ―os ambientes informatizados podem constituir, sob certas

condições, um meio para a aprendizagem no sentido descrito acima‖ (p. 4).

Diante do exposto, esta pesquisa visa utilizar algumas características da Teoria

das Situações Didáticas, proposta por Brousseau, para analisar uma sequência didática

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destinada ao ensino de funções polinomiais de 1º e 2º graus utilizando o meio

informatizado (software Winplot) como instrumentalizador com alunos do Ensino

Médio.

Segundo Almouloud (2007), a introdução da tecnologia de ambientes

informatizados na escola e na formação de professores está acompanhada de fenômenos

parecidos aos fenômenos da Transposição Didática. Este pesquisador ressalta, ainda,

que os ambientes informatizados são também sujeitos a transformações.

Chevallard (1991) reflete que a transposição didática é feita por uma Instituição

‗invisível‘, uma ‗esfera pensante‘ que ele nomeou de Noosfera. Tal instituição é

formada por pesquisadores, técnicos, professores, especialistas, enfim, por aqueles

ligados a outras Instituições, como Universidades, Ministérios de Educação, Redes de

Ensino; irão definir quais saberes devem ser ensinados e com que roupagem eles devem

chegar à sala de aula. No Brasil, o resultado do trabalho da Noosfera aparece nos

Referenciais Curriculares e nos documentos que trazem as diretrizes curriculares.

A trajetória do saber, do momento em que o mesmo é produzido (Saber

Científico) até chegar à porta da escola (Saber a ser Ensinado) e, por fim, como um

saber ensinado (dentro da Sala de Aula) caracteriza-se como processo de transposição

didática externa. Esta última etapa expressa o momento em que acontece o que

Chevallard (1991) chamou de trabalho interno de transposição (transposição didática

interna), que tem no professor o responsável por esse novo momento de transformação

do saber.

Bellemain (2000) destaca que a transposição didática, apresentada por Chevallard,

deve ser ajustada e estendida com a inserção da dimensão informática, proposta por

Balacheff, no processo de transformação dos saberes. Este pesquisador ainda destaca

que a transposição didática examina os fenômenos de transformação do saber de

referência em saber a ensinar. A introdução da informática nesse estudo de

transformação não pode inquietar-se unicamente com a encenação do saber a ensinar, já

que a introdução do computador participa dessa transformação do saber de referência.

Balacheff (1991 apud Bellemain, 2000) apresenta a ideia de transposição

informática para evidenciar as modificações do saber a ensinar a partir da mediatização

deste através do computador. Ele concebe a transposição informática como um

complemento da transposição didática. Neste sentido, pode-se afirmar que a

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transposição informática encontra-se ancorada na transposição didática. Portanto, antes

de utilizar uma ferramenta tecnológica para auxiliar no processo de ensino e

aprendizagem é importante identificar o saber a ser ensinado e, posteriormente,

reconhecer quais as especificidades da ferramenta tecnológica que mais se ajustam a

este saber, para que a ferramenta se torne um suporte eficaz no processo de ensino e

aprendizagem.

Especificamente, neste estudo, a ferramenta utilizada foi o software Winplot, que

será utilizado na construção gráfica de funções polinomiais. Este programa pode realizar

a plotagem de gráficos de forma simples, rápida e precisa, conforme descrito

anteriormente, e essa facilidade na construção possibilita o aumento do universo de

funções estudadas. Neste sentido, esta ferramenta computacional poderá proporcionar

maior liberdade na escolha das funções a serem estudadas, não sendo mais necessário

levar em consideração as limitações do cálculo, dos conjuntos numéricos e do desenho

realizado à mão (SAUNDERS E DEBLASSIO, 1995).

METODOLOGIA

A proposta metodológica desenvolvida neste trabalho enquadra-se em uma

adaptação das concepções da ―Engenharia Didática‖ (ARTIGUE, 1996) que se

caracteriza como ―uma forma particular de organização dos procedimentos

metodológicos da pesquisa‖ (PAIS, 2001, p.99).

Para atender o objetivo do estudo, os sujeitos da pesquisa foram selecionados

entre cinquenta e seis alunos do primeiro ano do Ensino Médio de uma escola da Rede

Pública do Estado de Pernambuco, já que, tradicionalmente, o conteúdo de função

costuma ser ministrado com maior ênfase nessa série, conforme apresentado nos

currículos escolares e na própria disposição dos livros didáticos.

Para a aplicação do teste diagnóstico (primeira etapa da pesquisa empírica,

constituído de sete questões), compareceram trinta e seis alunos que participaram da

atividade. Dentre os 36 alunos, um grupo de 15 alunos foi selecionado para a 2ª etapa

(aplicação da sequência didática instrumentalizada pelo Winplot, constituída de sete

questões elaboradas a partir das dificuldades apresentadas pelos alunos no teste

diagnóstico).

Foram utilizadas três formas de registro das atividades desenvolvidas pelos

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participantes da pesquisa: o registro escrito (teste diagnóstico e sequência didática), o

registro da tela do computador no momento da realização da sequência didática e o

armazenamento do arquivo, com as respostas relativas ao desenvolvimento da sequência

didática a partir do Winplot, no computador.

RESULTADOS

O teste diagnóstico foi constituído por sete questões. Dentre estas, encontram-se

questões abertas com resposta numéricas, de associação entre expressão algébrica e

gráfica e questões de construção gráfica. Este teste teve por objetivo levantar (análises

prévias, segundo a Engenharia Didática) as principais dificuldades dos alunos ao

construírem e interpretarem gráficos de funções polinomiais. Os resultados obtidos no

teste diagnóstico constituem-se como um elemento importante na definição das

variáveis mais relevantes para a construção da sequência didática.

Em relação às análises do teste diagnóstico, convém destacar os seguintes

aspectos: a) Os alunos apresentam dificuldades para localizar pontos no plano

cartesiano, na identificação das coordenadas sobre os eixos, ou seja, pontos do tipo (x,

0) ou (0, y) e, consequentemente, nos problemas que envolveram zeros da função; b) A

observação gráfica não foi a estratégia mais utilizada pelos alunos na resolução da

questão; c) Parece ser uma prática que os cálculos (algébricos e aritméticos) sobrepõem

às observações gráficas, pois boa parte do grupo pesquisado procurava justificar a

resposta dada às questões através de cálculo; d) A estratégia mais utilizada para a

construção de gráficos foi o traçado a partir de pontos de uma tabela; e) Falta de

percepção mais aguçada dos alunos em relação à posição do gráfico de uma função

quando se trocam os valores dos seus parâmetros.

Os aspectos descritos acima sintetizam as dificuldades percebidas na análise das

produções dos alunos no teste diagnóstico e estas compõem as variáveis de comando

que nortearam as escolhas que fundamentam as atividades da sequência didática.

A sequência didática é constituída por sete atividades que possuem questões

abertas e uma alternativa fechada, e foi construída a partir das variáveis de comando que

foram indicadas nos resultados obtidos no teste diagnóstico. Ela está fundamentada nas

concepções da Teoria das Situações Didáticas de Guy Brousseau (1986), segundo a qual

o conhecimento emerge de situações-problema.

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Cada atividade da SD, realizada utilizando o Winplot, se constituiu de uma

descrição dos procedimentos no software, destinada à construção dos elementos

gráficos. A partir destas construções, os alunos deveriam observá-las para em seguida

responder, pelo registro escrito, as perguntas propostas em cada atividade. As ações

constituídas pelos alunos para desenvolver a SD tiveram registros na própria SD, no

salvamento de arquivos do Winplot e na captura da tela do computador no momento da

efetivação da atividade, conforme já descrito. Estes registros subsidiam as análises

apresentadas a seguir.

A atividade 1 da SD está relacionada à identificação de pontos no plano cartesiano

e é composta de sete alternativas a serem respondidas. Esta solicitava aos alunos que

plotassem os pontos apresentados na questão, utilizando o software Winplot e, a partir

desta ação, respondessem em que quadrante (1º, 2º, 3º ou 4º) os pontos se localizavam

ou se eles estavam localizados sobre os eixos ou, ainda, na origem das coordenadas.

Nesta atividade, esperava-se que os alunos conseguissem identificar, com ajuda

do Winplot, todos os pontos, inclusive os que estavam localizados sobre os eixos

cartesianos (tipo (x,0) ou (0,y)), pois estes se apresentaram, nas análises do teste

diagnóstico, como um elemento de dificuldade. Convém destacar que nesta atividade,

utiliza-se pontos com valores das coordenadas compreendidos no conjunto dos números

racionais (C(2.5, 0) e D(0, 2.5)), os quais podem ser geradores de dificuldades em sua

plotagem a mão livre, essa assertiva é confirmada pelas pesquisas de Markovits, Eylon e

Bucheimer (1995), mas assim como já discutido anteriormente, uma ferramenta

computacional (software Winplot) pode proporcionar maior liberdade nas escolhas a

serem estudadas, não sendo mais necessário levar em consideração as limitações de

cálculos ou de conjuntos numéricos.

A partir dos resultados, pode-se considerar que quase a totalidade dos alunos

observados conseguiu desenvolver de forma satisfatória a atividade proposta. Exceto

um aluno que não registrou na SD a coordenada (0, 1) como um ponto sobre o eixo das

ordenadas. Mas, ao observar o arquivo salvo pelo aluno ao término do desenvolvimento

da atividade, percebe-se que o ponto I (0, 1) encontra-se devidamente construído. Ou

seja, o aluno desenvolveu a construção de forma correta, só não transcreveu

adequadamente a resposta.

Desta forma, destaca-se que nenhum dos alunos investigados deixou de

desenvolver, na SD proposta para a atividade, as alternativas inerentes a plotagem de

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pontos sobre as coordenadas, ou seja, de pontos do tipo (x, 0) ou (0, y). Sendo assim,

parece que a plotagem destes sobre os eixos cartesianos, construídos com o auxílio do

software, não se apresenta como um elemento dificultador para os alunos. Ressalta-se

que, na produção dos alunos A e J, percebe-se que estes registraram suas respostas de

forma errada na SD (alternativa D ―No 4º quadrante‖). Porém, desenvolveram-na de

forma correta através do programa. A hipótese para esse tipo de dificuldade pode residir

nas cores que este aluno utilizou para configurar o software, pois ele respondeu de

forma correta as demais alternativas relacionadas à identificação de pontos nos

quadrantes. Desta forma, admite-se que ele conhece ideia de quadrante. Logo, supõe-se

que o aluno possa ter tido dificuldade em observar os pontos no computador, em virtude

das configurações que ele escolheu para as cores, pois no arquivo salvo por este, após o

termino da atividade, encontra-se a cor do plano cartesiano muito próxima das cores dos

pontos que foram plotados. Isto pode ter gerado certo embaraço no momento da

observação e, consequentemente, no registro.

A taxa de variação (ou taxa de crescimento) de uma função constitui-se um

conceito importante no estudo das funções polinomiais, pois este subsidia alguns

conceitos estudados nas disciplinas de cálculo no Ensino Superior. A atividade 2

(apêndice A), da SD, contempla esse conceito, ali, solicitava-se ao alunos que, a partir

da função 1)(101 xxf , mudassem o valor do parâmetro a (1/10) pelos valores

informados na questão e observassem o comportamento dos gráficos construídos de

cada uma das novas funções. A atividade possui três alternativas (A, B e C). Cada uma

apresentava duas expressões algébricas correspondente às funções que tiveram seus

gráficos construídos anteriormente. Nas alternativas os alunos necessitavam comparar a

inclinação dos gráficos e o valor do parâmetro a . A partir dos aspectos observados, os

alunos deveriam registrar, em cada alternativa da SD, quais das funções possuíam maior

inclinação em relação ao eixo das abscissas e, também, qual o maior valor do

parâmetro a , para responder o que eles observaram em relação aos gráficos construídos

e o aumento do valor do parâmetro a .

Objetivava-se, nesta atividade, que os alunos percebessem que quanto maior fosse

o valor do parâmetro a , maior seria a inclinação da reta em relação ao eixo das abscissas

(0x), pois acredita-se que este entendimento pode favorecer a compreensão do conceito

de taxa de variação.

Convém rever a posição de Bellemain (2000), como já apresentado anteriormente,

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quando o mesmo discute sobre a necessidade de uma reorganização da estrutura escolar

adequada às novas tecnologias, como a inserção do computador na rotina das escolas,

que deve amparar-se sobre uma nova gestão do tempo, isto é, que possibilite uma

organização que favoreça a aproximação do tempo de aprendizagem e o tempo de

ensino. Em outras palavras, enquanto o computador realiza algumas tarefas de cálculos,

construção de figuras, de gráficos, desenvolvimento de algoritmos etc., ele permite a

organização de mais atividades conceituais. Neste sentido, a atividade 2 foi preparada a

partir de valores para o parâmetro a que pertencem ao conjunto do números racionais,

ou seja, utilizou-se frações. Estes valores, provavelmente, dificultariam uma construção

utilizando os recursos mais comuns (quadro e giz ou pincel) (MARKOVITS, EYLON E

BUCHEIMER ,1995), o que não aconteceu na construção utilizando o Winplot.

Os resultados evidenciam que todos os alunos responderam a atividade e que a

totatilidade conseguiu observar e responder corretamente qual das funções apresentadas

possuía maior inclinação em relação ao eixo das abscissas. Esses resultados corroboram

com as ideias de alguns autores (SAUNDERS E DEBLASSIO,1995;

BELLEMAIN,2000) em destinar os cálculos, o traçado gráfico ou a locação dos pontos

como tarefa dos computadores e, desta forma, permitir maior liberdade para os alunos

se concentrarem em outras reflexões acerca das funções, a exemplo, o estudo do grau de

inclinação da reta de uma função que é um importante elemento para o entendimento do

conceito de taxa de variação.

A atividade 5 da SD é a questão 7 do teste diagnóstico. Utilizou-se novamente

esta questão em virtude de nenhum aluno tê-la desenvolvido de forma satisfatória. De

fato nenhum aluno chegou a utilizar quaisquer estratégias na tentativa de resolvê-la

quando utilizou-se lápis e papel como recurso.

A questão corresponde à construção gráfica de funções polinomiais do 2º grau.

Esta requer dos alunos que construam os gráficos, em um único plano cartesiano, das

funções 222 )2()()2()(, xxfexxfxxf e que, respondam, na alternativa A da

questão, em que posição do plano cartesiano a função 2)2()( xxf está em relação à

função 2)( xxf e na B em que posição a função 2)2()( xxf encontra-se em relação

à 2)( xxf .

Contrariando os resultados do teste diagnóstico, na SD os resultados foram mais

satisfatórios, como pode ser observado na tabela que segue.

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Os resultados apresentados evidenciam que as dificuldades apontadas na

construção desta questão utilizando lápis e papel (questão 7 do teste diagnóstico) foram

superadas pela construção a partir do software e, sendo assim, os alunos ficaram mais

livres para refletir sobre a posição de cada uma das funções em discussão. Isto

corrobora com as discussões sobre as possibilidades do computador realizar cálculos e

construções gráficas complexas e, a partir destas realizações, permitir que os alunos

possam desenvolver outros conceitos (BELLEMAIN, 2000; SAUNDERS E

DEBLASSIO, 1995).

TABELA 1

Percentual das respostas da Atividade 5 da SD (alternativa a)

Em relação às análises da SD apresentadas, convém destacar os seguintes

aspectos: a) O uso do software Winplot proporcionou maior liberdade nas escolhas a

serem estudadas, não sendo mais necessário levar em consideração as limitações de

cálculos ou de conjuntos numéricos; b) A utilização do software Winplot permitiu que,

a partir da visualização dos gráficos construídos pelo programa, os alunos pudessem se

dedicar mais ao estudo das características das funções; c) Isoladamente, o manuseio do

software Winplot não é suficiente para possibilitar a construção do conhecimento.

Os resultados apresentados na análise da SD direcionam o computador (softwares)

como um elemento que pode privilegiar os alunos nas questões relativas a interpretações

e construções gráficas de funções. Porém, esse favorecimento deve estar relacionado

com a necessidade de reavaliar a estrutura de ensino, os tipos de atividades, os

conteúdos ensinados, as formas de avaliação e o papel do professor quando for utilizado

o computador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa evidenciam que o uso do software Winplot pode

favorecer a leitura, interpretação e construção gráfica, além de propiciar maior liberdade

aos alunos nas questões ligadas aos cálculos e nas escolhas das atividades pelo

Alternativa/Categoria Resposta

correta

Resposta

inadequada

Não

respondeu

Alternativa A 89% 11% 0%

Alternativa B 89% 11% 0%

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professor. Mas, é necessário destacar que o programa não irá trazer benefícios por si só,

ou seja, não será apenas levando os alunos para o laboratório e os colocando na frente

dos computadores para manipular o software que os objetivos para o ensino serão

atingidos. É importante associar o uso do programa a uma SD desenvolvida a partir de

escolhas judiciosas e com objetivos bem definidos e claros para cada uma das suas

atividades, levando em consideração os limites do cálculo, das construções, dos

conjuntos numéricos e dos problemas mais ligadas ao mundo real, pois estes não se

constituem mais, a partir do uso da ferramenta computacional, como elementos

limitadores no processo de ensino e aprendizagem.

Verificou-se certa motivação dos alunos em relação ao uso do computador para o

ensino, pois apesar deste ser uma ferramenta presente em muitos ambientes escolares e

no cotidiano de uma parcela da população, seja em domicílios familiares ou em

LANhouses, ele, ainda, constitui-se como um elemento motivante.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

A FORMAÇÃO MATEMÁTICA DE INGRESSANTES EM UM CURSO DE

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA: REFLEXÕES A PARTIR DA

REPLICAÇÃO DE ITENS DO EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO

(ENEM)

Regina da Silva Pina Neves

Sociedade Brasileira de Educação Matemática

[email protected]

Sandra Aparecida de Oliveira Baccarin

Empresa Multimídia Educacional

[email protected]

RESUMO

O presente artigo apresenta dois estudos realizados junto a ingressantes em um Curso de

Licenciatura em Matemática com o intuito de analisar as estratégias de resolução de

problemas apresentadas por eles em questões presentes no Exame Nacional do Ensino

Médio (ENEM) em dois domínios da matemática que compõem o currículo da

Educação Básica. As notações matemáticas produzidas por eles foram analisadas tendo

como referência o padrão de resposta fornecido pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais (INEP). Os resultados indicam a pertinência da análise

qualitativa de questões abertas, ao mesmo tempo em que evidenciam as dificuldades dos

estudantes em relação aos conceitos de semelhança e congruência de triângulos,

grandezas, razão, proporção, operações com números decimais, medidas de tendência

central, entre outros. Tais dificuldades impõem limitações na interação desses

estudantes com os domínios curriculares próprios do Curso de Licenciatura em

Matemática, as quais podem prejudicar sua formação inicial e, consequentemente, sua

atuação profissional.

Palavras-chave: Formação matemática; licenciatura em matemática; ENEM

INTRODUÇÃO

A formação inicial de professores de matemática têm sido tema recorrente no

discurso acadêmico, gerando debates e muitas publicações tanto no Brasil quanto em

outros países, como mostram os estudos de Fiorentini (1994), Ponte (1998), Ferreira

(2003), Fiorentini e Cristovão (2006), Borba (2006), Pina Neves e Fávero (2010) e

muitos outros. No contexto dessas publicações, dois momentos são marcantes. O

primeiro refere-se aos estudos da década de 1980, que, entre outros resultados,

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indicaram que o professor não era percebido como profissional com “história de vida,

crenças, experiências, valores e saberes próprios, mas como obstáculo à implantação de

mudanças” (Ferreira, 2003, p. 23). O segundo diz respeito aos estudos da década de

1990, que avançaram no entendimento sobre o que pensa, sabe e sente o professor, e

seus resultados apontaram outra perspectiva para a formação, sendo entendida como um

processo de desenvolvimento ao longo de toda a vida. Tal resultado foi muito

influenciado por pesquisas na área de psicologia do desenvolvimento.

Diante disso, os estudos desenvolvidos na primeira década deste século foram,

sem dúvida, desafiados para a construção efetiva de práticas docentes e discentes que

trabalhem na perspectiva da significação conceitual, superando e/ou minimizando os

ditames da transmissão de conhecimento. E em resposta a essas demandas, temos

observado iniciativas promissoras por meio de investigações que buscam a

(re)significação de discursos e/ou construção de novas práticas a partir da análise de

casos de ensino, aulas ministradas e práticas de ensino, como apresenta Borba (2006)

em análise a respeito de tendências internacionais. Quanto às iniciativas brasileiras,

podemos citar as muitas contribuições postas por pesquisadores nacionais durante o IV

Seminário Internacional de Educação Matemática (SIPEM), realizado em novembro de

2009 na cidade de Taguatinga, Distrito Federal; o X Encontro Nacional de Educação

Matemática (ENEM), realizado em julho de 2010 na cidade de Salvador, Bahia; a

Conferência Interamericana de Educação Matemática (CIAEM), realizada em junho de

2011 na cidade de Recife e muitos outros.

Entretanto, apesar das muitas experiências exitosas ainda enfrentamos

dificuldades nos e para os processos de formação inicial do professor de matemática e,

de modo bem geral, os estudos têm relatado como dificuldades ainda atuais o modo

como os cursos de licenciatura em matemática estão organizados em termos de projeto

político pedagógico/matriz curricular e como são, de fato, geridos e executados. A não

superação do modelo de licenciatura segundo a fórmula “3 +1” em muitas instituições, e

mesmo naquelas que já alteraram essa fórmula em seus currículos, os avanços são lentos

devido ao isolamento entre as diferentes áreas de conhecimento. Ademais, muitos

cursos optaram por supervalorizar os conhecimentos provenientes da prática, presos ao

paradigma da racionalidade prática, como já alertava Duarte (2003).

Em função de tudo isso, estes mesmos estudos, afirmam que, na maioria dos

cursos ainda se percebe a falta de articulação entre teoria e prática, a desarticulação

entre os saberes específicos e pedagógicos e a falta de preparo dos formadores de

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professores para empreender essas articulações, como já salientava Fiorentini (1994). E

são unânimes em indicar, para a superação desse quadro, a reflexão, o trabalho

colaborativo e uma relação mais equilibrada e harmoniosa entre teoria e prática.

Ademais, enfatizam a necessidade de estudos empíricos a partir de novos construtos

teóricos que deem conta não só da complexidade cognitiva e afetiva, como também das

concepções, crenças e atitudes dos professores/futuros professores. Para tanto, reiteram

a necessidade de se ampliar o número de estudos que investiguem quem são; o que

pensam sobre o curso que escolheram; o que já construíam de conceitos matemáticos; o

que pretendem com a licenciatura; como entendem o ensinar e o aprender matemática,

entre outros aspectos, como discutido em Fiorentini e Lorenzato (2006); Fávero e Pina

Neves (2009), por exemplo.

Nesse sentido, é adequado destacar que novos desafios do ensino apontam para a

eminência de fatores que envolvam não apenas a formação do profissional, mas,

sobretudo, a formação continuada humana, em uma dimensão para além da construção

da racionalidade humana, incluindo a dimensão da subjetividade e criatividade (Barreto,

2007). É preciso despertar durante o curso de formação inicial um professor criativo

para que realize na sala de aula práticas desejáveis e possíveis que possam acompanhar

os progressos atuais da ciência e da tecnologia.

Diante de tudo isso, entendemos que se faz urgente, nos processos de formação

inicial de professores de matemática, a ampliação do conhecimento sobre os

ingressantes, em especial, sobre suas competências e dificuldades em relação à

formação matemática recebida durante a Educação Básica, tendo em vista que será a

partir dela que se desenvolverá a formação matemática e pedagógica no curso de

formação em nível superior.

Todavia, ainda observamos poucas pesquisas sobre as condições de ingresso

desses estudantes em seus cursos de graduação. Estudos que avaliem e investiguem a

formação matemática desses estudantes, em especial, no contexto do Ensino Superior

Privado Noturno, que, como sabemos, recebe a maior parte dos interessados em cursar a

licenciatura hoje no país e são, na maioria, trabalhadores de diferentes setores da

economia pertencentes às classes de baixa renda, como mostram os dados do

Educasenso (Para mais informações acesse: http://www.inep.gov.br/).

AVALIAÇÕES SISTÊMICAS: ANÁLISES POSSÍVEIS

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Paralelamente a essas discussões e seus resultados, temos acompanhado dois

sistemas de avaliação sistêmica, sempre com o intuito de compreender e analisar seus

resultados, tendo em vista a formação inicial de professores de matemática. O primeiro

refere-se ao Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e o segundo, ao

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

O primeiro, desde 2004, no contexto do Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Superior (SINAES), é formado por três componentes principais: a avaliação

das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes e conta com uma série de

instrumentos complementares: autoavaliação, avaliação externa, avaliação dos cursos de

graduação e instrumentos de informação (censo e cadastro) e o Enade. O referido exame

teve/tem como objetivo aferir o rendimento dos estudantes dos cursos de graduação em

relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. No que se refere

ao curso de Licenciatura em Matemática, o ciclo avaliativo teve sua primeira edição em

2005, a segunda em 2008 e terá a terceira, em 2011. As duas edições já realizadas

apontam dificuldades conceituais tanto dos ingressantes como dos concluintes.

Em geral, a contribuição desses resultados tem sido sinalizar que existem falhas

nas propostas de formação dos cursos de licenciatura em matemática, todavia notamos

que esses mesmos estudos pouco revelam acerca das competências e das dificuldades

apresentadas pelos ingressantes nesse curso. Entendemos que o ENADE, de certo

modo, faz essa avaliação quando compara dados coletados junto a ingressantes e a

concluintes a partir de instrumentos quantitativos. Entretanto, acreditamos que a

pesquisa qualitativa possa ampliar essa avaliação e fornecer dados para análises mais

específicas, como mostram os estudos de Muniz et al. (2007) e Pina Neves, Silva e

Baccarin, (2009).

Diante do exposto, entendemos que essas primeiras inferências questionam a

qualidade e a natureza da Educação Básica, o que nos leva a indagar se o Ensino Médio

tem preparado os jovens brasileiros a continuar seus estudos seja na rede pública e/ou

privada de ensino superior. Por isso, temos nos debruçado sobre os resultados do ENEM

e, de modo especial, temos acompanhado os itens presentes neste exame.

Como sabemos, o Enem foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o

desempenho do estudante ao final da escolaridade básica e se propõe a avaliar a

capacidade dos jovens em aplicar os conhecimentos adquiridos em sua vida cotidiana e

no aprendizado escolar, por meio da análise de competências e habilidades construídas

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ao longo desse processo de escolarização, tendo em vista o desenvolvimento para o

exercício pleno da cidadania (INEP/MEC,2001). Além disso, pretende-se constituir em

ferramenta para que cada cidadão possa proceder à sua auto-avaliarão e, a partir dela,

tomar decisões em relação ao mercado de trabalho e à continuidade dos estudos. O

exame é voluntário e, como tal, se configura como avaliação amostral representativa do

conjunto da população de formandos e egressos do Ensino Médio. Na área de

matemática, são seis as competências avaliadas, as quais abarcam 30 habilidades em

referências aos domínios conceituais dos conjuntos numéricos, geometria, álgebra,

estatística e probabilidade.

Muitos são os pesquisadores que estudam esse exame, suas características e seus

resultados. Para Teixeira (2005), por exemplo, a base do que é avaliado contempla a

indicação das competências e habilidades gerais próprias do estudante, na fase de

desenvolvimento cognitivo correspondente ao término da escolaridade básica. Fini

(2005) destaca como características do exame: 1/ o foco na resolução de problemas e, 2/

o fato de a questão não avaliar a memorização ou rapidez de raciocínio dos estudantes,

mas valorizar suas capacidades em relacionar as informações dispostas na própria

questão. E Machado (2005) descreve que são cinco as modalidades de inteligência

avaliadas pelo ENEM: 1/ a capacidade de operar mentalmente e utilizar diversas

linguagens abstratas; 2/ a capacidade de utilizar conceitos e procedimentos específicos

para compreender os fenômenos; 3/ a capacidade de resolver problemas, 4/ a capacidade

de argumentar e analisar uma argumentação; 5/ a capacidade de transformar a teoria em

propostas concretas. Esses autores nos alertam que, ao mesmo tempo em que o Enem

declara não ter interesse em ativar em suas questões processos de memorização ou

velocidade de pensamento, o tempo concedido para cada questão inviabiliza a criação e

o desenvolvimento de estratégias. Em nossa análise tal prática pode não mostrar os

verdadeiros resultados.

Para tanto, entendemos que o ENEM fornece referencial pertinente para a nossa

análise, uma vez que tem como meta central avaliar o desempenho dos jovens que já

concluíram o Ensino Médio. De posse desse entendimento, temos explorado o potencial

informativo das questões, no que se refere às dificuldades e às competências conceituais dos

ingressantes a partir de sua replicação junto a estudantes de uma instituição de ensino

superior privada da região de Taguatinga, Distrito Federal, desde 2005 (ver, por exemplo,

Pina Neves e Baccarin (2010); Baccarin e Pina Neves (2011). De modo especial, temos nos

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atentado aos grandes entraves da formação do professor de matemática, como é o caso da

conceituação geométrica e mais, recentemente, a formação estatística. Em função das

limitações de espaço deste artigo, optamos em apresentar dois dos estudos desenvolvidos.

Nos dois estudos, tivemos como objetivo analisar as competências e as

dificuldades matemáticas apresentadas por ingressantes do Curso de Licenciatura em

Matemática de uma instituição de ensino superior privado do Distrito Federal, bem

como analisar as influências dessas competências e dificuldades para os estudos em

disciplinas específicas que compõem a matriz curricular do Curso.

MÉTODO

ESTUDO 1

Participaram desse estudo 10 estudantes, sendo 7 homens e 3 mulheres, todos

com idades entre 25 e 33 anos, sendo a maioria na faixa etária de 31 anos de idade.

Desses, nove cursaram o Ensino Fundamental na rede pública e apenas um na rede

particular. Sete cursaram o Ensino Médio na rede pública, dois na rede privada e um era

proveniente da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede pública. Quanto ao período

em que cursaram o Ensino Médio, quatro o concluíram entre 1994 e 1999 e os demais o

concluíram no período de 2000 a 2006. Eles atuam em setores diversos da economia

(vendedores, cabeleireiros, digitadores e bancários) e nenhum desenvolve função

relacionada à educação. A maioria afirmou que atua na função há mais de oito anos.

Propusemos a esses estudantes uma tarefa dividida em duas partes: 1/ perguntas

com o objetivo de identificar características pessoais e educacionais; e 2/ uma questão

referente ao domínio geométrico, em especial, geometria plana, presente no Enem 2009

que foi transformada em questão aberta de acordo com os objetivos desse estudo. A

seguir, apresentamos a questão juntamente com o padrão de resposta fornecido pelo

Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).

FIGURA 1 – QUESTÃO PRESENTE NA TAREFA APRESENTADA AOS ESTUDANTES.

Questão – Geometria Plana A rampa de um hospital tem na sua parte mais elevada uma altura de 2,2 metros. Um paciente ao caminhar sobre a rampa percebe que se

deslocou 3,2 metros e alcançou uma altura de 0,8 metro. Qual a distância em metros que o paciente ainda deve caminhar para atingir o ponto mais alto da rampa? Padrão de resposta elaborado pela comissão assessora de avaliação do INEP.

x = 5,6 m

3,2 + x

Os triângulos ABC e ADE são semelhantes (caso AA). Assim, sendo x a distância, em metros, que o paciente ainda deve

caminhar, temos

6,5

2,3

2,3

2,2

8,0

x

x

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ESTUDO 2

Participaram desse estudo 26 estudantes - 17 homens, 9 mulheres - com idade

entre 18 e 37 anos, sendo a maioria na faixa etária de 25 anos de idade. Desses, 25

cursaram o Ensino Fundamental na rede pública e apenas um na rede particular. Vinte e

quatro cursaram o Ensino Médio na rede pública, sendo um proveniente da escola

normal e dois na rede privada, sendo um deles proveniente de supletivo.

Quanto ao período em que cursaram o Ensino Médio, 11 o concluíram entre 2005

e 2009 e os demais o concluíram no período de 1993 a 2004. Eles atuam em setores

diversos da economia (vendedores, bancários, militares) e dois deles afirmaram que

trabalham ministrando aulas de “reforço” em casa.

Propusemos aos estudantes uma tarefa dividida em duas partes: 1/ perguntas

com o objetivo de identificar características pessoais e educacionais; e, 2/ duas questões

presentes no ENEM 2009 representativas quanto à competência da área 6, que foram

transformadas em questões abertas de acordo com os objetivos desse estudo. Nesse

texto, devido à limitação do número de páginas, optamos por analisar apenas a questão

que aborda, explicitamente, o conceito de mediana. A seguir, apresentamos a questão

juntamente com o padrão de resposta fornecido pelo Instituto de Estudos e Pesquisas

Educacionais (INEP).

FIGURA 2 - QUESTÃO PRESENTE NA TAREFA APRESENTADA AOS ESTUDANTES.

Na tabela, são apresentados dados da cotação mensal do ovo extrabranco vendido no atacado,

em Brasília, em reais, por caixa de 30 dúzias de ovos, em alguns meses dos anos 2007 e 2008.

De acordo com esses dados. Qual o valor da mediana das cotações mensais do ovo extrabranco

nesse período?

Colocando em rol, isto é, ordenando os valores apresentados na tabela, temos: (73,10;

81,60; 82,00; 83,00; 84,00; 84,60; 85,30)

Como há um número ímpar de dados nesse conjunto, a mediana é o termo central do rol,

ou seja, 83,00.

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8

Nos dois estudos, os estudantes responderam às questões individualmente, sem

ajuda das pesquisadoras, com limite de tempo, em média, de 20 minutos para cada

questão. Eles foram orientados para que preservassem todas as notações produzidas,

mesmo as consideradas por eles como “erradas” e/ou “incompletas”; não foi permitida a

discussão dos processos de resolução e/ou enunciado entre os estudantes; não foi

permitido o uso de calculadoras; cada estudante recebeu um lápis e a tarefa impressa em

papel A4. Todas as notações produzidas foram analisadas conforme sugerem Koch e

Soares (2005).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

ESTUDO 1

Os dados da primeira parte da tarefa apresentavam uma questão aberta que

solicitava que os estudantes completassem a seguinte frase: “No Ensino Médio minhas

aulas de Matemática....”. Essa questão exigia a reflexão acerca das aulas de Matemática

no Ensino Médio. Os resultados apontam que os estudantes rememoraram-nas de modo

positivo, atribuindo a elas as qualidades de “boas, excelentes”. Todavia, observamos

que, ao mesmo tempo em que, muitos deles, as avaliaram como “boas”, afirmaram que

tiveram muitas dificuldades de acompanhá-las, o que sinaliza que se responsabilizam

por essas dificuldades.

Dos 10 ingressantes que participaram da pesquisa, seis produziram notações para

a questão de geometria plana, os demais entregaram o instrumento em branco. Dos

ingressantes que responderam a essa questão, apenas um acertou a resposta, todavia a

análise das notações revela incoerências na resolução; três apresentaram indícios de

resolução pautados apenas no procedimento de regra de três. De forma geral,

observamos dificuldades relacionadas à leitura e à interpretação da situação; à

elaboração de um modelo matemático que represente a situação descrita no texto; além

da dificuldade de utilizar os algoritmos-padrão das operações matemáticas e da ausência

de algoritmos alternativos. As notações a seguir exemplificam tais fatos.

FIGURA 3 – NOTAÇÃO PRODUZIDA POR: HOMEM, 30 ANOS DE IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA E CONCLUIU O ENSINO MÉDIO NA EJA.

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Observamos, na notação, que a estratégia escolhida e a resolução envolvem

representação geométrica correta, estratégia pertinente, pois o estudante encontra

quantas vezes o número 2,2 é maior que o 0,8, faz a divisão e encontra como resultado

quatro. Logo em seguida, utiliza esse numeral como sendo igual a 0,1 metro,

estabelecendo por meio dele uma relação de proporcionalidade a partir de um

procedimento de cálculo (regra de três), todavia desconsidera o 0,1 adotado

anteriormente e encontra, mesmo a partir dessas incoerências, a resposta correta. A

partir dessas notações podemos inferir que o sujeito apresenta considerável habilidade

em relação aos conceitos geométricos exigidos na questão, uma vez que representa a

situação, utiliza o conceito de proporcionalidade, mas ainda apresenta dificuldades em

elaborar operações que envolvem procedimentos algébricos.

FIGURA 4 – NOTAÇÃO PRODUZIDA POR: HOMEM, 33 ANOS DE IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL PARTE EM INSTITUIÇÃO PARTICULAR E PARTE EM PÚBLICA E CONCLUIU O

ENSINO MÉDIO EM INSTITUIÇÃO PARTICULAR.

Essa notação exemplifica um modelo matemático muito veiculado pela escola

que consiste na aplicação do procedimento (regra de três) para resolver qualquer tipo de

problema em que se conhecem três valores e busca-se encontrar o quarto valor, sem a

representação do modelo matemático para situação. O uso desse procedimento de

cálculo por muitos dos estudantes em questão e, em condições similares às

apresentadas, sinaliza que esta tem sido utilizada ao longo da Educação básica sem a

compreensão dos conceitos que a sustentam, nesse caso, o de igualdade de razões. O

que em nossa análise não contribui para o desenvolvimento de esquemas que habilitem

o estudante a resolver determinadas classes de problemas. Outro ponto que merece

destaque nessa análise é a dificuldade em fazer uso do algoritmo-padrão da

multiplicação com números racionais apresentados na forma decimal.

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FIGURA 5 – NOTAÇÃO PRODUZIDA POR: HOMEM, NÃO RESPONDEU A IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL E MÉDIO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA.

Nessa notação, observamos a tentativa de construir um modelo matemático para

representar a situação. Ao escrever o 2,2 como altura, não associa a altura de uma rampa

e a desenha ao contrário. Tal imagem deixa indícios de que o estudante não associou o

problema matemático ao mundo real, pois acreditamos que ele saiba o que é uma rampa,

só não conseguiu representá-la no papel, o que sinaliza falta de habilidades essenciais à

conceituação em geometria, além de sugerir falta de atribuição de significado ao

conhecimento escolar, o que contraria os fundamentos teóricos preconizados nos

PCNEM (1999).

ESTUDO 2

Do mesmo modo que no estudo 1, a primeira parte do instrumento forneceu

informações a respeito dos hábitos de estudo dos estudantes e sobre o modo como esses

avaliam o ensino médio que cursaram. De modo geral, eles declararam ter pouco tempo

livre para os estudos em função da dupla jornada: trabalham no diurno e cursam a

licenciatura no noturno; que costumam faltar aulas em algumas disciplinas avaliadas por

eles como pedagógicas para estudar para outras, as de conteúdo matemático. Avaliam

que o ensino médio cursado foi satisfatório e também rememoraram as aulas de

matemática de modo positivo, atribuindo a elas as qualidades de “boas, excelentes”.

Do mesmo modo que os estudantes do estudo 1, também afirmaram que tiveram muita

dificuldade de acompanhá-las, o que explicita que esses se responsabilizam por tais

dificuldades e/ou as consideram naturais.

Dos 26 ingressantes, 24 produziram notações para a questão, os demais

entregaram o instrumento em branco. Dos que responderam, apenas um acertou a

resposta, todavia a análise das notações revela incoerências na resolução. De forma

geral, observamos dificuldades relacionadas ao conceito de mediana que. por muitos, foi

interpretado, simplesmente, como média aritmética e, em outros casos, notamos ser esse

desconhecido. As notações a seguir exemplificam tais fatos.

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FIGURA 6 - NOTAÇÃO PRODUZIDA POR HOMEM, 25 ANOS DE IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL E MÉDIO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA.

Nessa notação, observamos que os valores referentes aos anos de 2007 e 2008 são

apresentados em grupos separados, depois que cada valor foi dividido por 2. Logo em

seguida, esses resultados são agrupados sobre o termo “total”.

FIGURA 7 - NOTAÇÃO PRODUZIDA POR MULHER, 25 ANOS DE IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL E MÉDIO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA.

Na notação acima, o sujeito adiciona os três valores das cotações de 2007 e divide

por 3, encontrando assim a média aritmética das cotações, depois repete o mesmo

procedimento para as cotações de 2008. Ao dividir 335,90 por 4 encontra o valor

aproximado de 83,81 e não 83,975. Tal diferença aconteceu em função de um erro de

cálculo ao final do algoritmo padrão da divisão, usado pela estudante. Nesse caso,

observamos que a compreensão conceitual diminuiria a extensão dos cálculos e a

pouparia de esforços dessa natureza, em nossa análise, não exigidos pela questão.

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FIGURA 8 - NOTAÇÃO PRODUZIDA POR HOMEM, 25 ANOS DE IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL E MÉDIO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA.

Ao analisarmos a notação, vemos a opção do estudante por organizar as somas em

três momentos: os dois primeiros valores; os dois seguintes (valor de 2007 e valor de

2008) e; os três últimos. Ao somar 83,00 com 73,10 encontra 146,10 em vez de 156,10.

Do mesmo modo, ao somar (85,30 + 84,00 + 84,60) encontra como resultado 253,30 em

vez de 253,90, devido a um erro na notação, visto que soma (85,30 + 84,00 + 84,00).

Tais erros o acompanham nas etapas seguintes, quando ao somar os três resultados

acumulados encontra 563,00 em vez de 573,60. Ao dividir o valor 563,00 por 7,

encontra o valor aproximado de 84,28 em vez de 80,42.

O valor 80,42 não encontrado por meio do uso do algoritmo padrão da divisão é

apontado na literatura como um dos erros mais comuns entre os estudantes da educação

básica ao lidar com os números decimais. Ele revela a dificuldade em entender a

presença da vírgula nessa escrita e o seu significado na ampliação do Sistema de

Numeral Decimal, como discutido em Saiz (1996).

Avaliamos que o resultado 84,28, apresentado na notação, revela que o estudante

fez uso do conceito de média aritmética e não avaliou o resultado, tendo como

parâmetro os valores destacados na tabela - visto que ele não é plausível em função da

presença de valores numéricos bem menores. O fato indica a ausência e/ou limitação de

iniciativas que valorizem o cálculo mental e o trabalho com estimativas, desde as séries

iniciais do Ensino Fundamental, como já salientado por Selva (2003) e Fávero e Pina

Neves (2006).

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FIGURA 9 - NOTAÇÃO PRODUZIDA POR: MULHER, 23 ANOS DE IDADE, CURSOU O ENSINO

FUNDAMENTAL E MÉDIO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA.

A notação acima exemplifica as demais notações apresentadas pelos estudantes,

ao confirmar o uso do conceito de média aritmética seguido de procedimento usual para

o seu cálculo.

Em geral, observamos que as notações produzidas evidenciam a dificuldade do

grupo em relação ao conceito de mediana, levando-nos a inferir que esse era novidade

para muitos. Tal fato revela incongruências entre o que é proposto em termos de

currículo da Educação Básica e o que é realmente trabalhado em sala de aula. Esse

resultado deixa um alerta para a rede pública de ensino, visto que a maioria é

proveniente da rede pública, como destaca Stella (2003), em especial, quanto à

supremacia do tratamento de média aritmética nos livros didáticos, em detrimento do

tratamento das outras medidas de tendência central, moda e mediana. Além disso,

concordamos com a autora, quando ela enfatiza a necessidade de se rever a prática de

ensino desses conceitos na Educação Básica ao mesmo tempo em que isso deve ser

discutido nos cursos de formação de professores de matemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados indicam a pertinência da análise qualitativa de questões abertas ao

mesmo tempo em que evidenciam as dificuldades dos estudantes em relação aos

conceitos de semelhança e congruência de triângulos, grandezas, razão, proporção,

operações com números decimais, entre outras. Esses dados indicam que esses

estudantes não construíram conceitos importantes em matemática mesmo estes sendo

parte do currículo desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, como é o caso das

operações aritméticas, seus significados e operações. Tais dados permitem que

questionemos a qualidade da relação que esses estudantes estabeleceram com a

matemática escolar, o que por sua vez questiona a prática pedagógica e o modo como a

matemática escolar tem sido veiculada nas escolas.

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De modo geral, também fica evidenciado que, para os estudantes em questão,

acessar alguns conceitos de medida de tendência central, registrados no Currículo desde

o Ensino Fundamental, não tem sido fácil. Diante disso, é possível inferir que esses

estão prejudicados quanto às competências de analisar e explicar fenômenos a partir da

linguagem estatística, diminuindo, sem dúvida, suas capacidades de analisar/relacionar

criticamente dados que lhes são apresentados, questionando e/ou argumentando seu

status de verdade.

O fato de os estudantes serem oriundos da rede pública de ensino coloca em

observação a qualidade da Escola Pública do Distrito Federal e Entorno e provoca a

reflexão acerca do ciclo de formação evidenciado - estudantes provenientes na rede

pública de ensino dão continuidade aos estudos na rede privada de ensino superior.

Outros pontos merecem destaque, são eles: 1/ o fato de esses estudantes cursarem a

licenciatura em matemática e terem como expectativa de trabalho a docência. Tal

situação limita as possibilidades e/ou no mínimo dificulta a mediação e o trabalho dos

formadores de professores, visto que estes necessitam criar espaços e/ou disciplinas para

tratar de conceitos da Educação Básica; 2/ o nível de complexidade das questões, que

sendo considerado médio no ENEM foi considerado muito difícil pelos estudantes; 3/ o

tempo de resolução para cada questão, que no caso desse estudo foi muito superior ao

tempo médio destinado a cada questão no ENEM.

Em síntese, avaliamos que o estudo questiona: 1/ a qualidade do ensino e da

aprendizagem da matemática na Educação Básica, em especial, no Ensino Médio, ao

apresentar evidências de dificuldades conceituais não mais esperadas para esse público;

2/ o tempo concedido para a resolução das questões no Enem, além de sinalizar que este

exame precisa (re)-dimensioná-lo pois apesar da dificuldade apresentada pelo grupo

pesquisado, entendemos que o tempo usado por eles evidencia essa necessidade; 3/ a

tipologia das questões adotadas, visto que estas são similares a inúmeras outras e

figuram nos livros didáticos por mais de décadas, como exemplos clássicos para o

tratamento de tais conceitos.

Diante do resultado do estudo e entendendo que não podemos excluir esses

estudantes do direito de iniciar e concluir o curso superior apontamos como urgente a

necessidade de se pensar e propor práticas interventivas diferenciadas para os cursos de

licenciatura em matemática que minimizem e/ou superem essas deficiências da

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Educação Básica, de modo que o ciclo da dificuldade não seja perpetuado - estudantes

terminam o ensino médio com poucas habilidades matemáticas, ingressam no curso de

licenciatura em matemática, encerram o curso sem superar as dificuldades, iniciam a

docência com dúvidas conceituais.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

AS PRÁTICAS MATEMÁTICAS DO POVO KRENÁK E O

FORTALECIMENTO DE SUA LÍNGUA

Douglas Krenak1

Nádia Maria Jorge Medeiros Silva2

RESUMO

Não há como dissociar a língua do povo Krenák de suas práticas matemáticas. Por mais

evidente que possa parecer tal afirmação reflito sobre como o estudo da matemática

Krenák poderia contribuir para o fortalecimento da língua. Ao pensar assim, entendo a

língua, com as suas expressões de quantificação numéricas e não-numéricas como um

provável mecanismo de resistência.

Palavras-chave: povo Krenák; língua Krenák; práticas matemáticas; Etnomatemática

INTRODUÇÃO

O desejo, a vontade e a curiosidade de realizar uma pesquisa com o povo Krenák

há muito é acalentada. Estudos anteriores fundamentados em uma incursão etnográfica,

mesmo que em ambiente culturalmente diverso, aliados à minha posição de professora

de matemática, me instigaram a querer alargar o olhar sobre a matemática Krenák e,

inicialmente, sobre o sistema de contagem dessa etnia. A escolha do meu objeto desse

artigo tem relação com a minha história como professora e, principalmente, com

questões que me parecem relevantes refletir. Trago aqui algumas indagações que são

frutos do trabalho de pesquisa que realizo durante os estudos de doutorado em Educação

realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília e

também junto ao Laboratório de Línguas Indígenas, na mesma universidade e se

fundamentam numa perspectiva etnomatemática e lingüística.

1 Comunidade Atorãn – Povo Krenák

2 Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília e pesquisadora do Laboratório de Línguas Indígenas. E-mail:

[email protected]

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2

1. SOBRE O CAMPO TEÓRICO

A vertente da educação matemática, nomeada por etnomatemática, se distancia

de uma dicotomia construída pela matemática ocidental3, que produz uma divisão entre

uma “matemática acadêmica” e uma “matemática popular”. Tais expressões usadas por

Gelsa Knijnik (1996) caracterizam a matemática acadêmica como a matemática

produzida por grupos legitimados socialmente, como produtores de ciências, e

recontextualizada na escola, enquanto que a matemática popular é entendida como

aquela produzida por grupos não hegemônicos e, comumente, excluída do currículo

escolar. Knijnik se referiu à etnomatemática como um campo interessado em:

“estudar os discursos eurocêntricos que instituem a matemática

acadêmica e a matemática escolar; analisar os efeitos de verdade

produzidos pelos discursos da matemática acadêmica e da matemática

escolar; discutir questões da diferença na educação matemática, dando

centralidade à cultura; problematizar as dicotomias entre a cultura

erudita e a cultura popular na educação matemática.” (KNIJNIK,

2004, p.131)

Há algum tempo, venho pesquisando sobre o sistema de contagem do povo

Krenák, sobre como esse povo quantifica numericamente e não numericamente. Pensar

sobre essas questões é também pensar sobre o que tem se denominado, no campo da

educação matemática, de numeramento. Esse conceito, que diz respeito às práticas

culturais escolares ou não é aqui entendido como: “um amplo conjunto de habilidades,

estratégias, crenças e disposições que o sujeito necessita para manejar efetivamente e

engajar-se autonomamente em situações que envolvem números e dados quantitativos e

quantificáveis” (TOLEDO, 2003).

Não há como dissociar a língua e seus modos de expressão de um povo de suas

práticas4 matemáticas. Por mais evidente que possa parecer tal afirmação, foi a partir daí

que comecei a pensar em outro viés: como o estudo da Matemática Krenák poderia

contribuir para o fortalecimento da língua. Ao pensar assim, entendo a língua, com as

suas expressões de quantificação numéricas e não-numéricas como um provável

mecanismo de resistência e manutenção da identidade linguística e cultural desse povo.

3 Neste artigo, denomino „matemática ocidental‟ a matemática que se trabalha na escola, que possui

marcas eurocêntricas, masculinas e encarada como universal. 4 A expressão prática matemática é aqui utilizada em consonância com as práticas cotidianas, entendidas

no sentido dado por Michel de Certeau (1994, p.37) como: “maneiras de fazer cotidianas”.

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3

2. SOBRE O POVO E A LÍNGUA KRENÁK

No final do século XVIII, os portugueses atribuíram a denominação Botocudos

aos grupos indígenas que usavam botoques nas orelhas e nos lábios. Os antigos

Botocudos, que se autodenominavam Borun, é o povo hoje conhecido como Krenák. O

termo Borum significa “gente” e é usado pelos Krenák para se designarem em oposição

aos krai, os não-índios. E a denominação Krenák teve origem em um chefe, o Capitão

Krenák, sendo que kren significa „cabeça‟ e nak „terra‟, e formou-se a partir de grupos

que resistiram à colonização e foram marcados pela violência da expansão econômica

da região do médio Rio Doce. Essa é uma área do Estado de Minas Gerais que vai da

foz do Rio Piracicaba à foz do Rio Manhuaçu ou da cidade de Ipatinga à de Aimorés.

O território ocupado pelos Krenák, próximo a Resplendor, tem área de

aproximadamente 4000 ha. Essa área é servida por rios e córregos e, agora ocupada, foi

demarcada em 1920, porém teve títulos de propriedade distribuídos pelo governo

mineiro a fazendeiros que viram como absurda a presença de índios. Como

consequência, os Krenák foram afastados e muitos foram levados para viverem entre os

Maxacali, Kaingang e Xavante. Durante muitas décadas, viveram no exílio, longe da

terra e do Rio Doce e foram proibidos de falar a própria língua e manter suas tradições.

Em 1979, alguns Krenák que estavam na Fazenda Guarani, MG, retornaram para

uma pequena faixa de terra e ficaram juntos com os antigos invasores. Até 1997,

fazendeiros e posseiros ali permaneceram e, nessa época, a terra foi restituída ao povo

após muita luta e conflito. Desde então, esse povo vem buscando o seu fortalecimento

seja tanto através de seus ritos tradicionais, das cerimônias sagradas, de festas e músicas

tradicionais, como da revitalização e do ensino da língua, sempre ao lado do Rio Doce.

Sobre o Watu, o Rio Doce

Questionado sobre o significado do Rio Doce para o povo Krenák, Ychtó Chtó

(em comunicação pessoal) responde que o Rio Doce, watu na língua Krenák, simboliza

“pai, mãe, porque o Rio Doce, ele tem uma coisa tão importante na nossa vida, a gente

nasce na beira dele.”

Numa outra visão, dada por Haruf Salmen Espindola (2005:26), o Rio Doce é

“muito mais do que um rio, é um território, paisagem, lugar, representação.” Segundo

este autor, havia a imaginação de que o local fosse rico em pedras preciosas e, por isso,

atraiu a atenção de muita gente ao mesmo tempo, em que era um território impenetrável

e terra de índios antropófagos. Constam informações sobre a antropofagia dos nativos

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4

nos documentos oficiais do Império, mas os viajantes e estudiosos não descreveram

indícios de canibalismo. Havia sim, por parte desses viajantes uma associação do Rio

Doce a elementos paisagísticos. Saint-Hilaire (1974p.86-90) descreveu a espessa

floresta, tão compacta que impedia a ação do sol, as febres que ameaçavam em qualquer

época do ano e que os botocudos, na época de sua viagem, não deviam ser tão perigosos

quanto se acreditava e Kidder (1980, p. 20) constatou a variedade de peixes.

Além dos viajantes e naturalistas, passaram pelo Rio Doce muitos aventureiros

atrás do ouro e das pedras preciosas, mesmo com as severas leis da Coroa Portuguesa

que proibiam a mineração e as entradas nessas terras. Alguns dos objetivos dessas leis

eram fazer da região uma reserva estratégica de minerais, madeiras nobres e de terra e

impedir o tráfico do ouro para o litoral do Espírito Santo, pois a região servia então de

proteção de zonas de exploração de ouro. Para manter o Rio Doce como uma área

proibida, a campanha oficial do Império, nos fins do século XVIII e início do século

XIX, propagou a imagem do botocudo como índio antropófago. Espíndola (2005, p. 27)

afirma que essa “noção de Botocudo reporta a forças interiores, elemento de sombra,

parte maligna, numa sucessão de imagens barrocas, como se o homem civilizado e

cristão se visse em pavor frente as forças interiores que não pode controlar”.

Dom João VI, em 1808, na ocasião da chegada da Corte Portuguesa no Rio de

Janeiro, fugindo das tropas de Napoleão, preparou três decretos que, além de

legitimarem, incentivarem todo tipo de ataque aos povos indígenas do Rio Doce,

orientavam para a militarização da área, a captura e a escravidão de indígenas, a

implantação de aldeamentos para a catequese religiosa e a doação de sesmarias nas

terras conquistadas. E a representação do aspecto de ser do Botocudo como canibal,

feroz, traiçoeiro, serviu como justificativa para ações violentas contra os indígenas

(Soares, 1992).

Após a Carta Régia, de 13 de maio de 1808, quartéis e presídios foram construídos

e atraíram índios, colonos, militares e criminosos de várias partes do país que eram

enviados para cumprirem suas penas como civilizadores da região (Paraíso, 1992).

Além desses, posseiros e garimpeiros, em sua maioria negros e mestiços, se

avizinhavam dos quartéis ou se juntavam nos presídios. Muitos desses locais se

transformaram em vilas e cidades, pois além de oferecem serviços religiosos, também

serviram como entreposto de mercadorias.

Com a crise da mineração do ouro na região central de Minas Gerais, ocorreu a

abertura do Rio Doce. O lugar era indicado como de riqueza fácil e abundante graças

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aos tesouros escondidos. Nas narrativas dos viajantes e nos documentos oficiais

constam lugares comparados a Potosi, a cidade boliviana que nasceu com a descoberta

da prata e possíveis provas da presença dessas riquezas e da “voracidade dos

Botocudos” (Espíndola 2005, p. 84), que impediram esses viajantes e aventureiros até o

Cuieté e Arrepiados. Esses locais apresentavam indícios de riquezas, o que era

suficiente para motivar a sua procura. Cuieté era o único distrito localizado na região do

Médio Rio Doce, no início do século XIX e servia de degredo para criminosos do

Império, pois, até então, a ocupação da bacia do Rio Doce não tinha avançado na região.

Medidas oficiais determinaram a ocupação e para tanto “era preciso garantir as

condições para a penetração do povoamento transformando os sertões5 incultos em

fonte de riquezas” (IBIDEM, p.103) e também a utilização do Rio Doce para se chegar

ao litoral.

Novamente, os Botocudo eram acusados de impedir a execução dessas medidas e

também da expansão da agricultura, do comércio e, principalmente, da exploração das

minas de ouro e de pedras preciosas. E a navegação do Rio Doce, que acarretaria em

vantagens para o comércio, em possibilidades de exportação dos metais não preciosos e

do que era produzido na região, apresentava dois impedimentos: o primeiro advinha da

insalubridade do clima, que propiciava doenças endêmicas e poderia ser resolvido com

a derrubada das matas ciliares, e o segundo era a presença dos Botocudos que

colocavam em perigo a vida dos que navegavam e ameaçavam a riqueza que porventura

levassem. A solução primeira de derrubar a mata ciliar era conciliada com a

conseqüente saída dos Botocudo que teriam de deixar suas moradas nas margens do rio

e se mudariam para o interior.

Foi lugar comum no início do século XIX dizer que o progresso do Rio Doce, que

viria pela navegação, só aconteceria com a eliminação dos índios e a conseqüente

conquista e ocupação do território. A guerra ofensiva contra os Botocudos e os demais

povos que habitavam a região foi então declarada com a Carta Régia de 13 de maio de

1808 que enunciou justificativas para tanto. Logo em seu início, são listadas situações

de autoria dos Botocudo e, em seguida, decisões e providências são definidas. Na

declaração de guerra, o principal objetivo era a desocupação das margens do Rio Doce

pelos Botocudo. Depois dessa etapa, a segurança da navegação estaria garantida e o

5 Apropriado aqui do significado de „sertão‟ utilizado por Espíndola como “um termo utilizado no

passado mais do que no presente, para distinguir e contrapor paisagens consideradas humanizadas,

civilizadas e conquistadas daquelas bravias, desconhecidas e, contraditoriamente, possíveis de serem

descobertas, conquistadas, incorporadas”.

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território ficaria livre para novas atividades comerciais, incorporando assim à economia

nacional.

De acordo com, Espíndola (2005), de 1808 a 1831 um modelo de política

indigenista serviu a todo país. Nesse modelo, foi reservado aos índios alguns pedaços de

terra próximos aos aldeamentos onde estavam reduzidos e a educação religiosa e civil

ficou entregue a sacerdotes que tinham a função de proporcionar também a instrução na

agricultura. Havia também a autorização aos fazendeiros de utilizarem o serviço de

índios somente com o ônus de os sustentarem, vestirem e proporcionarem educação e a

impossibilidade das populações indígenas de viverem com sua cultura, valores

tradicionais e organização própria. Restava então duas opções para os Botocudo: a de

serem incorporados à sociedade da época ou serem eliminados.

Muitos foram eliminados, outros incorporados e um tanto ainda resiste. Em

especial, na aldeia Atoran, muito se tem feito, de acordo com Douglas Krenak,

(comunicação pessoal), para o fortalecimento do povo. Assim, é compreensível que a

escolha que faço de querer pesquisar as práticas matemáticas do povo Krenák é, ao

mesmo tempo, política e teórico-prática, pois me interessa saber como elas se

constituem, se mantêm, se movimentam, interagem com a matemática do não-índio e

também como esse conhecimento cultural pode ser um fio condutor para provocar um

outro modo de conhecer e de pensar uma matemática, de pensar o que pode ser feito

para desestabilizar a idéia de uma matemática universal, que poderia interessar

particularmente aos educadores matemáticos.

A língua Krenák é filiada à família Botocudo, tronco Macro-Jê (Rodrigues 1986,

1999) e é falada por algumas pessoas que estão nas aldeias que se localizam à margem

esquerda do Rio Doce, no município de Resplendor, a 445 km de distância de Belo

Horizonte, na Fazenda Guarani junto aos Pataxó, no município de Carmésia, em Minas

Gerais e também em São Paulo, no município de Vanuíre.

A família linguística Krenák pertence ao tronco macro-jê (Rodrigues, 1972) e

faz parte de um grupo que inclui um escasso número de pesquisas lingüística sobre ela.

Para Lucy Seki (2008, p. 121), apesar do contato ter se dado ainda no século XVI, a

documentação lingüística não foi feita de modo satisfatório. Com a instauração de um

violento processo de destruição do povo, chegaram a ser dados como extintos por Darcy

Ribeiro em 1957. Charlotte Emmerich e Ruth Monserrat, pesquisadoras do campo da

linguística, estiveram em 1975 na região do Rio Mucuri e só encontraram três falantes

na língua. Em seu artigo, Seki apresenta uma parte de seu trabalho que inclui materiais

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até então não divulgados. Ela escreve que não se preocupou com originalidade e sim em

“informar sobre todas as fontes de dados lingüísticos referentes ao Botocudo que nos foi

possível localizar e analisar. Incluímos também informações sobre algumas fontes que

não foi possível examinar por serem de difícil acesso ou de localização atualmente

desconhecida por nós” (IBIDEM, p.123).

Assim, justifico a relevância da pesquisa que ora desenvolvo, junto a falantes

dessa língua, que deu origem a esse artigo e que auxilia na documentação de parte de

um conhecimento etnomatemático.

Valho-me aqui da indagação de Roberto Cardoso de Oliveira (2006, p. 10): “O

que levava os Terena a permanecerem índios?”, para formular um questionamento: o

que faz a prática matemática Krenák continuar uma prática matemática Krenák?

Possivelmente, ela tenha se modificado, evidentemente ela não é mais a mesma de antes

do contato. Muitas modificações foram incorporadas tanto na língua quanto na

Matemática, pois palavras ditas com o uso do botoque se diferenciam no som das

palavras ditas sem ele, ou seja, uma adaptação fonológica se deu com o seu desuso,

conforme indicam pesquisas de Lucy Seki.

ABRE PARÊNTESIS

Durante a elaboração desse artigo, muitas dúvidas foram aparecendo. Uma

delas foi: as práticas matemáticas Krenák podem ter sido modificadas a partir do

contato com as do não-índio? Um dos problemas para se pensar e, até mesmo, comparar

as práticas antigas com as atuais é a ausência de documentação e registros históricos

sobre o assunto. Se acaso esses documentos e registros existissem, de que forma eles

poderiam contribuir para um inventário histórico da matemática Krenák?

Tendo em vista que a matemática Krenák é oral e não possui registros escritos,

ela ainda se preserva no cotidiano da aldeia, nos momentos de atividades voltadas para a

prática tradicional como a confecção do artesanato, a caça, a pesca, a distribuição de

alimentos. É nesse sentido que é possível compreender a relevância desses dados. Há

registros de imagens sobre a repartição de carne de um boi abatido na aldeia e a divisão

da carne destinada a cada família foi feita em partes iguais e colocada em bacias.

FECHA PARÊNTESES

Os empréstimos advindos da língua portuguesa podem ter modificado a

maneira de expressar o sistema de contagem, as expressões de quantificação. Em

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conversas informais, ouvi alguns Krenák dizerem que na língua contam até três e ouvi

de outros que contam até quatro. Há aqui um imbróglio e uma idéia de uma herança

matemática que se transforma, se modifica. Daí a necessidade de tentar interpretar os

numerais e as expressões de quantificação segundo o traço de sua cultura.

Efetivamente, sei que não existe uma história linear sobre a matemática Krenák,

uma com começo, meio e fim. E a idéia de um começo, para fins de pesquisa, nesse

artigo, não agrega necessariamente um fim. Essa talvez seja uma lacuna para justificar

as minhas escolhas: uma história a ser contada em um determinado momento, que inclui

as práticas cotidianas que foram aprendidas, assimiladas, que são transmitidas no dia a

dia e que é caracterizada como um processo de resistência tanto linguística quanto

cultural. Então, um estudo sobre as práticas matemáticas é também um estudo sobre a

história da matemática Krenák.

Ao fugir da idéia de uma matemática universal e, ao mesmo tempo, tentar dar

visibilidade a uma matemática que aparece nas narrativas desse povo, teço uma outra

questão que é central: como o estudo dessas práticas pode contribuir para o

fortalecimento da língua?

Por saber que há divergências entre os grupos Krenák e que demandas

coletivas da experiência cotidiana se diferem, justifico a realização dessa parte da

pesquisa, junto a membros da Comunidade Atoran, que é uma das subdivisões da aldeia

Krenák. Essa comunidade tem hoje aproximadamente sessenta pessoas, alguns falantes

da língua e muitos índios preocupados com o processo de fortalecimento e revitalização

tanto da cultura quanto da língua.

O linguista Wilmar da Rocha D‟Angelis (2007) escreve que antes da chegada

dos europeus, as sociedades indígenas não faziam uso da escrita. Após o contato com a

sociedade luso-brasileira e com a escrita, muitos indígenas foram alfabetizados na

cultura do não-índio e de forma forçada, sem outra opção. Para o autor: “vários povos

indígenas se tornaram bilíngües à medida que os contatos e relações com a sociedade

dominante foram se intensificando” (2007p. 13).

Assim como o “falar Português” passou a ser uma necessidade para muitos dos

povos indígenas, saber a matemática do não-índio também passou a ser importante para

as relações sociais, sobretudo, econômicas. Entender medidas de terra, saber fazer

contas, calcular preço de venda da produção de recursos e de compra de bens e outras

tantas estratégias matemáticas passaram a ser mais uma necessidade cada vez mais

constante no cotidiano desses povos. Uma matemática marcada por modos de

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organização a partir da escrita passou a ser incorporada por muitos desses povos e, em

particular, pelos Krenák. Em contraponto, a matemática que faz parte das práticas

cotidianas desse povo não é perpetuada pelo registro escrito. Ela é constituída por traços

de oralidade e se dá em contextos específicos de uso, devendo ser compreendida, nesse

contexto, com suas necessidades, demandas e sentidos (Mendes, 2001). Nessa direção,

analisar o funcionamento de práticas matemáticas do povo Krenák indica a

possibilidade de incorporação desses conhecimentos advindos de vivências cotidianas

ao processo de fortalecimento da língua e da cultura, os quais foram construídos e

transmitidos por várias gerações e que se encontra em vias de desaparecimento.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Voltar a atenção para as práticas matemáticas desse povo é possível por meio

das análises indicadas pela etnomatemática. Uma das indicações diz respeito à

existência de diferentes matemáticas que são produzidas por distintos grupos, mas que

“entre todas elas uma, por força do poder econômico e político, se sobressaiu e se impôs

como única, verdadeira e aceitável como conhecimento, e para demonstrar sua força, o

saber constituído convencionou sua grafia com letra inicial maiúscula” (Scandiuzzi

2009:16). Em consonância com Scandiuzzi (2009), também optei em grafar a palavra

matemática com letra minúscula ao longo desse artigo por entender cada uma delas

como “fruto da produção de conhecimento de cada grupo culturalmente identificável”

(IBIDEM). Ao entender a prática matemática do povo Krenák como uma manifestação

daquilo que entendo ser matemática, fundamentada na minha formação como professora

dessa disciplina e também como uma atividade cotidiana produzida por esse grupo,

procuro compreender essa prática como uma das muitas matemáticas existentes, em

oposição à idéia de uma única e universal.

Outra indicação diz respeito ao seu possível envolvimento com o

estabelecimento de políticas de revitalização lingüística, em especial da língua Krenák.

O movimento de sobrevivência e fortalecimento instaurado há alguns anos tanto pela

organização do povo quanto pelo programa de educação indígena estadual pode

encontrar subsídios para o seu desenvolvimento a partir das reflexões sobre a

matemática desse povo. Para isso, é necessário entendê-la distante dos conceitos ditos

universais e abrir um espaço para um relacionamento entre a matemática e a lingüística.

Os termos numéricos, as formas de quantificar, as medidas na língua Krenák são

exemplos do que une esses dois campos.

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Encerro esse artigo, lembrando o que Nadil Krenák (comunicação pessoal)

relatou-me: “mesmo com a proibição de se falar na língua por imposição das

autoridades não-índias, a língua resistiu e não foi esquecida”. Assim como a língua, as

práticas matemáticas, o sistema de contagem e as expressões de quantificação

numéricas e não-numéricas também resistiram e podem servir como mecanismo de

auxílio para o fortalecimento desse povo com respeito a sua língua e a sua cultura.

REFERÊNCIAS

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TOLEDO, Maria Helena Roman de Oliveira. As estratégias metacognitivas de

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

MATERIAIS CONCRETOS E LÚDICOS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Gilmar Bento de Faria1 - UCB - [email protected]

Maria Auxiliadora A. dos Santos2 - UCB - [email protected]

RESUMO

O propósito desse estudo é descobrir como e quando utilizar o material concreto e

lúdico na educação básica em Matemática de forma contextualizada e focada nos

conteúdos. Para alcançar esse propósito utilizou-se uma pesquisa qualitativa com o

auxílio de entrevista em grupos focais realizadas com crianças das comunidades

educativas geridas por voluntários da Universidade Católica de Brasília. A pesquisa

contribuiu com o reconhecimento da importância dos materiais concretos e lúdicos na

educação matemática como alternativa de ensinar e aprender de uma forma prazerosa.

Ao mesmo tempo inseriu nesses materiais a transversalidade com a preocupação de

desenvolver nos estudantes a cidadania. Na visão do pesquisador, este trabalho gerou

experiência e motivação para continuar pesquisando sobre o assunto.

Palavras-chave: Lúdico. Matemática. Ensino. Material concreto.

1. INTRODUÇÃO

Já se sabe que algumas crianças e jovens, da educação básica, têm dificuldade

em aprender matemática. O estágio realizado durante o processo de graduação em

licenciatura matemática, além de experiência, gerou uma curiosidade em pesquisar

formas de facilitar o ensino dos conteúdos de Matemática. Dentre essas formas surgiu o

interesse em estudar especificamente a aplicação de materiais concretos e lúdicos como

alternativa para uma compreensão mais fácil da Matemática.

Sabe-se que para o professor também não é fácil planejar um método de ensino

que possibilite uma aprendizagem mais clara e fácil. Dessa forma o livro acaba sendo

uma alternativa eficaz. Porém, existem jogos e materiais lúdicos que deixam a aula mais

1 Estudante do 7º semestre do Curso de Licenciatura em Matemática da UCB. 2 Mestre em Ciências da Educação e docente da UCB.

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rica e produtiva. Não se deve excluir o livro, claro, mas adotar estratégias que articulam

os materiais concretos com os conteúdos presente nos livros didáticos.

Introduzir um material concreto na sala de aula é incentivar o estudante a

descobrir uma linguagem matemática, dentro de sua realidade, de uma forma lúdica e

menos maçante sem fugir do conteúdo estudado. O professor com auxílio da

criatividade e comprometimento, com o conteúdo, usa o lúdico como estratégia na

busca de despertar a curiosidade no estudante.

Resta descobrir como e em que momento utilizar os materiais concretos e

lúdicos sem deixar de explorar uma linguagem matemática de fácil compreensão? O

artigo pretende responder essa questão e incentivar novos estudos sobre o tema.

Os sujeitos selecionados para pesquisa qualitativa são crianças do subprojeto, ―A

Arte de Aprender Brincando‖, do projeto de extensão Comunidade Educativa, da UCB

(Universidade Católica de Brasília). Descobriu-se que muitas crianças se sentem mais à

vontade e tem prazer em aprender matemática utilizando os jogos e materiais lúdicos de

aprendizagem. Surgiu então a necessidade de descobrir se as crianças que participam do

projeto interagem também em sala de aula com materiais lúdicos e concretos e se a

reação na sala de aula é mesma do ambiente da comunidade educativa. A partir de uma

pesquisa qualitativa com essas crianças é possível responder a problemática inserida no

parágrafo anterior.

Este estudo admite como hipótese que o professor pode construir materiais

concretos e lúdicos inspirados no cotidiano dos estudantes e em temas transversais.

Logo o educador verifica que encaixar esses materiais nas aulas, sem perder o contexto

dos conteúdos, evita objetos fora da realidade do aluno que não acrescentam o

conhecimento almejado. O aluno consequentemente assimilará a linguagem matemática

de uma forma mais objetiva e clara.

Portanto, a utilização de materiais concretos na sala de aula é um assunto que

chama muito a atenção por causa da responsabilidade que o educador tem na produção

de um objeto concreto adequado ao cotidiano e o ensino de matemática. A curiosidade e

satisfação que um estudante demonstra diante de uma forma diferente de aprender na

escola e o conhecimento construído por ele durante o manuseio do material concreto são

outros motivos que tornam interessante pesquisar sobre o assunto.

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2. MATERIAIS CONCRETOS NO ENSINO DA MATEMÁTICA

Aprender Matemática está diretamente relacionado a descobrir padrões na

natureza que permitam criar um conhecimento matemático. Os Parâmetros Curriculares

Nacionais - PCN (BRASIL, 1998, p. 37) enunciam ser fundamental não subestimar a

capacidade dos alunos em resolver problemas, pois eles buscam estabelecer relações

entre o já conhecido e o novo, ou seja, observam padrões. O material concreto pode ser

uma ferramenta de manipulação do aluno e assim garantir a capacidade de construir

conhecimento.

O homem, desde a sua fase primitiva, já manipulava materiais concretos como

pedras, ranhuras em ossos, marcas em tabletes de argila e as próprias mãos, na tentativa

de sistematizar padrões que facilitem a contagem. Eves (2008, p. 26) nos relata que:

É provável que a maneira mais antiga de contar se baseasse em algum método

simples, empregando o princípio da correspondência biunívoca. Para uma

contagem de carneiros, por exemplo, podia-se dobrar um dedo para cada

animal. Podia-se também contar fazendo ranhuras no barro ou numa pedra.

A partir da manipulação de determinados objetos concretos o homem busca

expressar a Matemática em sua abstração e interpretá-la. Trazer para a realidade padrões

e desenvolver com base neles uma linguagem clara e concisa.

Os materiais manipuláveis devem ampliar a visão do aluno com relação aos

conhecimentos matemáticos. É visível a importância desses materiais no ensino.

Segundo Nacarato (2005): ―O uso de materiais manipuláveis no ensino foi destacado

pela primeira vez por Pestalozzi3, no século XIX, ao defender que a educação deveria

começar pela percepção de objetos concretos‖. É com essa percepção que o estudante

passa a ser centro do processo de ensino e aprendizagem.

Historicamente, no Brasil, a idéia de utilizar materiais concretos como

alternativa de ensino surge no século XX. Nacarato (2005) relata que o período da

década de vinte foi marcado pelo surgimento da tendência empírico-ativista baseada em

ideais escolanovistas que eram contra o modelo tradicional onde o professor é centro do

processo de ensino.

3 Teórico e educador suíço do século XIX autor de várias obras voltadas à educação.

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Com a concepção empírico-ativista o professor, que no modelo tradicional do

século XIX é centro do processo da educação, passa a ser apenas mediador e o aluno

que desenvolve seu próprio conhecimento o novo centro de aprendizagem.

Na década de 20 os estudos da Psicologia Cognitiva do teórico Jean Piaget

possibilitaram a origem da tendência construtivista da década de 60 que,

consequentemente, influenciou bastante a educação matemática no final da década de

70 e início de 80, como nos relata Nacarato (2005).

Porém, atualmente problemas na prática dos inovadores métodos de ensino

surgem. Alguns professores ainda não sabem contextualizar os objetos manipuláveis à

realidade dos alunos como é descrito nos PCN (1998, p. 23):

A recomendação do uso de recursos didáticos, incluindo alguns materiais

específicos, é feita em quase todas as propostas curriculares. No entanto, na

prática, nem sempre há clareza do papel dos recursos didáticos no processo

ensino-aprendizagem, bem como da adequação do uso desses materiais,

sobre os quais se projetam algumas expectativas indevidas.

O educador que utiliza materiais concretos no ensino deve aprender a observar o

mundo com os olhos do aluno. Dessa forma fica mais fácil associar o conteúdo com o

objeto de manipulação evitando desviar o foco do que se quer ensinar.

3. O LÚDICO NA MATEMÁTICA

O lúdico é uma forma de associar conhecimento e diversão. Alguns autores

consideram o lúdico educativo quando esse desperta a curiosidade: ―Valorizar o lúdico

nos processos de aprendizagem significa, entre outras coisas, considerá-lo na

perspectiva das crianças. Para elas apenas o que é lúdico faz sentido (MACEDO;

PETTY; PASSOS, 2005, p. 16)‖.

Na matemática, aplicar o lúdico é uma forma diferente de incentivar com

brincadeiras a aprendizagem. No lúdico o processo de aprender não sai forçado, pois o

conteúdo aplicado está implícito nos jogos e materiais manipuláveis. A criança tem a

oportunidade de descobrir e desenvolver novos conhecimentos, presentes nas atividades

e brincadeiras propostas pelo educador. Segundo MACEDO; PETTY; PASSOS, (2005):

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Do ponto de vista do desenvolvimento, essa característica é fundamental,

pois possibilita à criança aprender consigo mesma e com os objetos ou

pessoas envolvidas nas brincadeiras, nos limites de suas possibilidades e de

seu repertório. Esses elementos, ao serem mobilizados nas brincadeiras,

organizam-se de muitos modos, criam conflitos e projeções, concebem

diálogo, praticam argumentações, resolvem ou possibilitam o enfrentamento

de problemas.

O professor, ao escolher o lúdico recebe uma grande responsabilidade: saber

aplicar uma brincadeira ou material concreto que ao ser utilizado pelo aluno consiga

gerar o conhecimento pretendido. Logo, o educador assume papel mediador, pois atua

de forma indireta, ou seja, não interfere na atividade lúdica, mas sabe os conhecimentos

que o aluno vai adquirir na brincadeira.

Kamii (1994, p. 33) acredita que as crianças que explicam suas idéias irão mais

longe do que aquelas que apenas seguem as regras de alguém. Devemos dar a liberdade

aos estudantes de refletirem em suas próprias idéias e essa liberdade está presente no

lúdico.

Com o lúdico a criança brinca, porém desenvolve competências e habilidades na

compreensão de grandezas que auxiliam na interpretação de conceitos matemáticos.

Segundo os PCN (1997, p. 19): ―A aprendizagem em Matemática está ligada à

compreensão, isto é, à apreensão do significado; apreender o significado de um objeto

ou acontecimento pressupõe vê-lo em suas relações com outros objetos e

acontecimentos‖.

4. MATERIAIS CONCRETOS E LÚDICOS COMO ALTERNATIVA DE

TRANSVERSALIDADE

Temas transversais visam incluir no ensino temas sociais com o objetivo de

formar a cidadania dos estudantes. Segundos os PCN (1998, p. 28):

A proposta de trabalhar com questões de urgência social numa perspectiva de

transversalidade aponta para o compromisso a ser partilhado pelos

professores das áreas, uma vez que é o tratamento dado aos conteúdos de

todas as áreas que possibilita ao aluno a compreensão de tais questões, o que

inclui a aprendizagem de conceitos, procedimentos e o desenvolvimento de

atitudes.

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Os temas transversais surgem com o intuito de transcender os conteúdos

tradicionais aplicados nas escolas. Existe uma visão mais ampla com foco no desafio de

se trabalhar o intelecto social dos estudantes. De acordo com Araújo (1997, apud

Monteiro e Junior, 2001, p. 17) temas vinculados ao cotidiano social atravessam os

conteúdos curriculares tradicionais. De fato a transversalidade articula temas sociais

com as disciplinas e essa articulação dá base ao sistema educacional. Monteiro e Junior

(2001, p. 19) ressalta que aspectos sociais na perspectiva da transversalidade criam um

ambiente pedagógico rico de possibilidades. Dentro dessas possibilidades, o educador

consegue formar o senso crítico muito importante na construção da cidadania.

No ensino da matemática os temas transversais influenciam a relação entre

conhecimento matemático e a realidade do estudante. A influência da Matemática no

dia-a-dia nos mostra como essa área de ensino é importante na inserção dos estudantes

no corpo social. Os PCN comentam:

Falar em formação básica para a cidadania significa refletir sobre as

condições humanas de sobrevivência, sobre a inserção das pessoas no mundo

do trabalho, das relações sociais e da cultura e sobre o desenvolvimento da

crítica e do posicionamento diante das questões sociais. Assim, é importante

refletir a respeito da colaboração que a Matemática tem a oferecer com vistas

à formação da cidadania (PCN, 1998, p. 26).

A sociedade precisa adaptar-se às constantes mudanças do mundo

contemporâneo e a formação de uma linguagem matemática sólida é indispensável. A

Etnomatemática4 surge como proposta de facilitar o uso de temas transversais e,

consequentemente, como alternativa de relacionar cotidiano e conhecimento

matemático.

4 ―A Etnomatemática é um programa de pesquisa em história e filosofia da Matemática, com

importantes implicações pedagógicas. Tem sua origem na busca de entender o fazer e o saber

matemático, e se desenvolve a partir da dinâmica da evolução de fazeres e saberes que resultam da

exposição mútua de culturas‖. D’Ambrosio (2002, p. 7).

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7

A Etnomatemática se encaixa perfeitamente com os objetivo da inclusão de

temas transversais no ensino. Monteiro e Junior (2001, p. 46) vêem o termo

Etnomatemática como um conhecimento não isolado presente nas práticas cotidianas

que, na maioria das vezes, se alia à resolução de problemas. Logo uma alternativa eficaz

de articular temas transversais e a matemática é o uso da Etnomatemática. O processo

de educar e formar cidadãos depende do meio em que um indivíduo está inserido.

Uma outra forma de se utilizar à Matemática com temas transversais é criar

estratégias práticas como, por exemplo, usar materiais concretos ou manipuláveis com

uma contextualização envolvendo conhecimentos matemáticos e sociais.

Portanto podemos associar a Etnomatemática e materiais lúdicos e manipuláveis

como ferramentas de inserção de temas transversais na educação. Segundo Macedo,

Petty e Passos (2005, p. 13): ―Brincar é envolvente, interessante e informativo.

Envolvente porque coloca a criança em um contexto de interação em que suas

atividades físicas e fantasiosas, bem como os objetivos que servem de projeção ou

suporte para elas fazem parte de um mesmo contínuo topológico‖. Logo, no lúdico a

criança aprende com brincadeiras que são, muitas vezes, reflexo de sua realidade. Ao

observamos as crianças usar os jogos podemos notar que elas seguem as regras e

aprendem conteúdos implícitos de uma forma própria e com uma linguagem comum

entre elas.

4.1. A CONFECÇÃO DE JOGOS E MATERIAIS MANIPULÁVEIS COM

SUCATA VISANDO A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

Diante da realidade, atual, em que se encontra o planeta não se tem dúvidas que

a preservação do meio ambiente é um dos temas que mais afeta a sociedade. A

importância de trabalhar esse tema dentro da sala de aula é fator de formação da

responsabilidade sócio-ambiental dos estudantes. Os PCN (1998, p. 169) comentam

que: ―São grandes os desafios a enfrentar quando se procura direcionar as ações para a

melhoria das condições de vida no mundo. Um deles é relativo à mudança de atitudes na

interação com o patrimônio básico para a vida humana: o meio ambiente‖.

A preservação do meio ambiente é um tema que se torna polêmico na sociedade

por ser recurso universal de sobrevivência. A Constituição Brasileira de 1988 (Capítulo

VI, artigo 225, inciso VI) incube ao poder público promover educação ambiental em

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todos os níveis de ensino com o objetivo de transmitir a responsabilidade sócio-

ambiental para presentes e futuras gerações.

Uma forma para se trabalhar educação ambiental na escola é usar a

transversalidade temática. O meio ambiente como tema transversal deve ser trabalhado

com o intuito de formar a consciência ambiental nos estudantes para que a preservação

dos recursos naturais se torne um hábito.

Uma alternativa para unir matemática e meio ambiente é a construção de

matérias concretos com o uso de recicláveis. Apontar a importância da coleta seletiva e

reciclagem é fundamental para conscientização ambiental ligada ao desenvolvimento

sustentável. Segundo os PCN (1998 p.178):

Sustentabilidade, assim, implica o uso dos recursos renováveis de forma

qualitativamente adequada e em quantidades compatíveis com sua

capacidade de renovação, em soluções economicamente viáveis de

suprimento das necessidades, além de relações sociais que permitam

qualidade adequada de vida para todos.

Construir um jogo ou material manipulável com sucata visa gerar no aluno a

satisfação de construir seu próprio material como também sugerir a importância da

reciclagem. Portanto com a utilização do concreto e lúdico a Matemática é associada à

educação ambiental de forma interdisciplinar e resulta em uma aprendizagem

matemática que é também voltada para uma formação social do estudante.

5. A ARTE DE APRENDER BRINCANDO

A ―A arte de aprender brincando‖ é um subprojeto do projeto Comunidade

Educativa desenvolvido pela UCB a pedido das próprias comunidades beneficiadas.

Esse subprojeto visa atender as crianças das associações de moradores, que fazem parte

da comunidade educativa, no desenvolvimento do raciocínio lógico e conhecimentos

matemáticos através de jogos e brincadeiras. O subprojeto começou a ser desenvolvido

no Recanto das Emas e Riacho Fundo II, ambas cidades do Distrito Federal. Mais

recentemente o subprojeto acontece também em Águas Claras, no bairro Areal.

Os encontros com as comunidades geralmente são quinzenais, sempre aos

sábados, com duração de três horas. Os jogos e materiais concretos do subprojeto visam

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despertar o raciocínio lógico e desenvolver habilidade em Matemática. Como as

crianças são livres para brincar, o conhecimento é adquirido de forma indireta. Os

voluntários que participam do subprojeto atuam como monitores e buscam incentivar o

raciocínio e amadurecer ideias desenvolvidas nas atividades.

Os jogos e materiais concretos utilizados no projeto, além do lúdico, são uma

ótima alternativa de socialização e aprendizagem, pois a criança aprende e transmite

conhecimento durante a utilização dos objetos lúdicos. Os jogos e atividades mais

utilizadas são: o xadrez, dama, mancala, tangram, resta um, torre de Hanói, origami,

dominós adaptados com operações. Os monitores que participam do subprojeto, que em

parte são do curso de Licenciatura em Matemática da UCB, utilizam os jogos e os

materiais concretos produzidos por eles e que geram aprendizagem em algum tópico de

Matemática.

A maior parte dos materiais do subprojeto foram produzidos pelas crianças,

participantes do projeto Comunidade Educativa. A matéria prima usada na confecção

dos jogos e brinquedos é sucata e /ou produtos recicláveis, fator incentivador da coleta

seletiva nas comunidades integrantes do projeto, com o objetivo de transmitir a

importância da preservação do meio ambiente. Isso nos faz pensar como é importante

existir uma iniciativa cidadã e educacional em meio à sociedade para a formação de

futuras gerações com pessoas cooperativas mais centradas e conscientes na

sustentabilidade social.

6. METODOLOGIA

A partir da definição do tema esse trabalho foi possível através, primeiramente,

de uma pesquisa bibliográfica que possibilitou a fundamentação teórica. Após leitura

dos livros, artigos e periódicos juntamente com interpretação de conceitos e idéias,

realizou-se uma pesquisa qualitativa com o auxílio metodológico da técnica Grupo

Focal (GF) que utiliza abordagem direta e informal através de entrevista dos

participantes selecionados. De acordo com Gomes (2005) o GF é uma técnica

qualitativa e não-diretiva inspirada em técnicas de entrevista não-direcionadas e grupal

utilizada na psiquiatria, mas atualmente foi adaptada a diversas finalidades e diversos

contextos, e um deles ocorre na área educacional. No GF o pesquisador pode assumir

papel de moderador que vai conduzir a entrevista de forma que o foco da pesquisa não

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se perca. A vantagem dessa técnica é a interação dinâmica do moderador e os

entrevistados para gerar uma liberdade maior na socialização de idéias.

Com o intuito de garantir foco na entrevista do GF, procurou-se adotar um

planejamento que inclui um questionário com 12 perguntas para manter uma linearidade

e evitar dispersão. Esse questionário serviu como tópicos da entrevista.

A pesquisa foi realizada no Distrito Federal na Associação de Moradores do

Riacho Fundo II e também na do Areal em Águas Claras, ambas participantes do

projeto Comunidade Educativa. O objetivo da pesquisa foi identificar respostas para

problematização que inspirou a elaboração desse artigo, através da interação do

pesquisador com as crianças participantes do subprojeto ―A arte de aprender brincado‖.

Duas entrevistas em grupo foram aplicadas sendo: uma no Riacho Fundo II com

10 crianças entre 8 e 12 anos e a outra no Areal com 5 crianças entre 9 e 12 anos. As

entrevistas foram gravadas em dias distintos. A primeira entrevista no dia 30 de abril de

2011, às 16 horas, na Associação de Moradores do Riacho Fundo II. A segunda

entrevista foi gravada no dia 14 de maio de 2011, às 16 horas, na Associação de

Moradores do Areal. É importante ressaltar que os grupos de crianças entrevistadas

cursaram a 4ª série / 5ºano e 5ª série / 6º ano do Ensino Fundamental.

Os grupos não foram divididos quanto ao gênero, pois os membros são crianças

e a homogeneidade exigida na técnica do GF não é comprometida.

Por fim, a análise de dados resultará na confirmação ou não da hipótese

levantada como possível resolução da problematização. O resultado vai revelar novas

descobertas e as possíveis questões que podem aparecer a partir da pesquisa.

7. RESULTADOS

A partir dos tópicos abordados na pesquisa obteve-se as seguintes contribuições:

no GF aplicado no Riacho Fundo II às crianças que assistem as aulas de Matemática

com recursos diversificados e dinâmicos afirmaram gostar da disciplina escolar, mas, de

forma antagônica, as crianças que assistem às aulas mais tradicionais, ou seja, baseadas

no livro didático, quadro e giz não gostam de Matemática afirmaram ter dificuldade

nessa disciplina, como na fala de uma das alunas ao ser questionada sobre gostar de

Matemática: ―mais ou menos. Assim, por causa do professor de Matemática é... ele

sempre passa uns deveres difícil que eu não consigo entender‖. Essa fala destaca a

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importância de transmitir para o aluno uma linguagem matemática de fácil

compreensão.

Nos primeiros momentos da entrevista com o grupo já foi possível notar a

presença dos materiais concretos e lúdicos e sua aceitação pelo estudante entrevistado.

Os fragmentos da entrevista revelam essa aceitação:

Moderador: ―-Você gosta de estudar matemática?‖.

(respostas individuais e nome fictício)

José: ―-Gosto!‖.

Moderador: ―-Por quê?‖.

José: ―-Porque lá na escola a matéria é bem mais legal a gente faz com dinheirinho, com

cubinho, com material dourado‖.

A empolgação do estudante ao responder a pergunta demonstra que realmente

ele gosta das aulas de Matemática. E sua fala revelou que alguns professores utilizam os

materiais concretos e lúdicos, porém são as falas seguintes que possibilitaram constatar

se as crianças entrevistadas aprendem com o uso desses materiais.

Com o intuito de descobrir se os materiais de manipulação didática são

frequentemente usados pelas crianças na escola foi aberta a seguinte questão: Os

professores usam material concreto e jogos em sala de aula? A minoria respondeu de

forma positiva. Isso nos faz pensar: se o uso dos materiais concretos e lúdicos ainda não

é uma ferramenta de ensino que é aplicada com freqüência nas escolas. Durante o

mesmo questionamento uma fala de um aluno chamou a atenção: “Não usa. É carrasco.

Só usa o quadro e o giz”. Na visão desse aluno o professor é carrasco porque usa só o

quadro e giz e não inova suas aulas. Esse pode ser um dos casos que levam a criança a

não gostar de Matemática, por ser ensinada sem uma interação prática.

Saber em que momento utilizar os materiais lúdicos é um dos itens a serem

compreendidos nesse artigo. Uma aluna comentou que seu professor usa aulas práticas

com objetos didáticos todas às sextas o que demonstra uma dinâmica entre aulas

teóricas e prática.

Os entrevistados revelaram que preferem aprender com o lúdico e com materiais

concretos, pois os ajudam a pensar. Segundo um dos estudantes entrevistados o material

concreto e lúdico ajuda a tirar dúvidas e pensar rápido. Logo, para as crianças

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entrevistadas é possível explorar a Matemática com mais facilidade ao usar materiais

manipuláveis e lúdicos.

Na resposta de uma das crianças ela comenta que gosta de usar os materiais

concretos e lúdicos: “Por causa que o material dourado e o dinheirinho é a gente soma

e na hora que a gente soma multiplica e dá o resultado que está no quadro. A gente

aprende mais rápido”. Podemos observar que ela já compreende a multiplicação como

uma soma de parcelas. E consegue interpretar essa relação com o material dourado.

Com relação ao subprojeto ―A arte de aprender brincados‖ todos os

entrevistados disseram gostar da experiência de participar, pois conseguem brincar e

aprender simultaneamente. Eles acham o subprojeto um complemento da escola.

Após uma discussão sobre os jogos e materiais lúdicos que os entrevistados mais

gostavam do subprojeto, foi pedido que encontrassem uma relação do brinquedo com a

matemática. Algumas crianças, entre os selecionados para a entrevista, identificaram

operações básicas, outros associavam apenas lógica aos jogos e mais um revelou não

ver matemática, só a brincadeira. Por isso é importante destacar o papel do professor ou

monitor na construção de conceitos para orientar o aluno. O objeto lúdico perde o

sentido se o estudante não sabe explorar ou manuseá-lo corretamente. Uma alternativa é

construir materiais concretos que gerem uma intuição conceitual fácil.

A Matemática pode ser associada a temas transversais com o objetivo de formar

os pensamentos sociais dos alunos. Uma forma de aderir à transversalidade é a

utilização de recicláveis na confecção de material concreto. Durante a pesquisa foi

apontado o tema reciclagem. Os estudantes presentes na entrevista afirmaram já ter

produzido algum jogo com sucata, porém não na escola. Segundo eles os professores já

levam material pronto e eles dificilmente produzem seu próprio material de

manipulação. A importância de se usar recicláveis na confecção dos jogos e

brincadeiras não foi identificado rapidamente pelas crianças. Poucos citaram a

preservação do meio ambiente. O que revela a necessidade do professor passar a

incentivar mais os temas transversais como a formação ambiental.

O GF realizado no bairro do Areal não teve resultados muito distintos dos

recolhidos no Riacho Fundo II, no entanto existem alguns pontos que não podem deixar

de serem observados.

Durante a entrevista na Associação de Moradores do Areal, surgiram respostas

curiosas. Algumas crianças disseram preferir o livro a materiais concretos e lúdicos.

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Entretanto em perguntas seguintes essas crianças contradizem a resposta anterior, pois

confirmam ser mais fácil aprender com o material concreto. O motivo da contradição é

justamente o fato dessas crianças não saberem identificar conceitos matemáticos nos

brinquedos lúdicos. Logo o professor deve atuar como mediador de ideias.

8. DISCUSSÃO

Na visão de Macedo Petty e Passos (2005) a criança que brinca e aprende jogos,

que fazem parte da sua cultura, desenvolve habilidades, sentimentos ou pensamentos.

De fato foi possível notar na pesquisa que o uso de objetos concretos e lúdicos em aulas

de Matemática ajudam a desenvolver pensamentos. As crianças, ao brincarem com

algum material pedagógico aprendem a socializar experiências e o aprendizado. Na

visão de Piaget (1975, p. 133): ―a passagem do sensório-motor para o representativo são

correlativos das transformações da própria inteligência‖. O aluno aprende com a

experiência adquirida no material lúdico. Nacarato (2005) comenta que o

desenvolvimento do processo de visualização está ligado a matérias que ajudam o aluno

a construir imagens mentais.

A entrevista revelou através das respostas das crianças que o professor deve

alternar aulas que utilizem o material lúdico. As aulas não devem ser apenas teóricas e

as aulas não podem ser somente práticas. Logo o momento mais adequado para se usar

material concreto dependerá da relação entre o conteúdo o lúdico.

Percebe-se que o aluno que constrói seu próprio material concreto pode aprender

mais do que um aluno que já recebe o material pronto pelo professor. De certa forma,

construir o próprio material dá ao estudante habilidades motoras e de percepção. Se bem

trabalhado pelo professor o material concreto pode inserir nas aulas a transversalidade e

a interdisciplinaridade.

Para garantir que ao explorar o material concreto e lúdico o estudante consiga

compreender uma matemática mais clara o professor deve orientá-lo. A orientação do

professor é essencial para que o aluno aproveite o lado didático dos objetos lúdicos. A

pesquisa revela que a ausência do professor mediador comprime a visão do

conhecimento embutido nos materiais lúdicos.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Pretendeu-se nesse trabalho, com os resultados, incentivar novas colaborações

de pesquisa e reconhecer que os materiais concretos e lúdicos são importantes na

educação e ensino da Matemática.

O material concreto na educação, muito mais que uma ferramenta, deve garantir

e articular o prazer e o conhecimento. O educador, com o auxílio da criatividade e

comprometimento com o conteúdo, usa o lúdico como estratégia em busca de despertar

a curiosidade no estudante.

O trabalho como um todo revela novas alternativas de ensinar a Matemática de

forma divertida e ao mesmo tempo responsável. Atuar como professor, de fato, requer

essa responsabilidade em inovar para melhorar cada vez mais a transmissão de

conhecimento. Um conhecimento que forme no estudante uma consciência cidadã e

crítica.

Aderir a métodos tradicionais de ensino sem possibilitar a mudança é dar origem

a um professor conservador que impede o aluno de crescer. Os alunos desse tipo de

professor criam uma situação de acomodação e uma formação paradigmática. Então,

para que os estudantes não comparem o professor com um ―carrasco da educação‖ ,

como foi observado na entrevista, devemos adotar a mudança e incentivar cada vez mais

novas pesquisas como também compartilhar experiências.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

LINGUAGEM E ESTATÍSTICA:

NUMA PERSPECTIVA DIALÓGICA EM SALA DE AULA

Guataçara Santos Junior1

Universidade Tecnológica de Ponta Grossa

[email protected]

Rúbia Juliana Gomes Fernandes2

Universidade Tecnológica de Ponta Grossa

[email protected]

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo investigar se a linguagem pode favorecer a

aquisição dos conhecimentos matemáticos no processo de ensino e aprendizagem em

situações problemas que envolvam o ensino da estatística nos anos iniciais do ensino

fundamental. A investigação foi realizada com alunos do 6º ano do ensino fundamental

numa escola da Rede Municipal de Curitiba. A intervenção feita nesta pesquisa baseou-

se na exploração em sala de aula da linguagem e da interação como molas propulsoras

na resolução de problemas estatísticos, vislumbrando contribuir para a constituição de

um cidadão reflexivo, crítico e questionador, analítico, competente e com habilidades

para intervir criticamente na sua realidade. Nessa perspectiva, as práticas docentes

podem ser cruciais no momento de articular a linguagem e os conhecimentos

matemáticos, cabendo aos docentes uma análise reflexiva sobre o seu próprio papel e

atuação efetiva na configuração do aluno que se pretende formar. Os indicadores

nacionais para o ensino da matemática nessa modalidade de ensino são os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) em âmbito nacional, na instância Municipal têm-se as

Diretrizes Curriculares de Curitiba e os Critérios de Avaliação de Matemática que

corroboram com os PCNs. Nesse contexto o ensino da matemática pode ser visto como

uma linguagem usada para a resolução de fenômenos variados, bem como pode

contribuir com os conhecimentos e aprendizagens do meio científico.

Palavras chaves: Linguagem-interação, resolução de problemas e estatística.

INTRODUÇÃO

1 Doutor em Ciências Geodésicas pela Universidade Federal do Paraná. Professor do Programa de Pós-

graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia (UTFPR-PG). 2 Especialista em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Aluna especial

do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia (UTFPR-PG).

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A educação matemática durante muito tempo foi vista como sinônimo de

memorização e mecanização de conceitos. Esta concepção de ensino e aprendizagem

seria a justificativa do que se imagina ser função principal da escola – o mero

repasse/transmissão de informações aos alunos, sendo as disciplinas e conteúdos

estruturados em áreas dos conhecimentos estanques umas das outras, e por vezes dentro

de si própria enquanto área do conhecimento. A esse respeito, Bazzo (1998, p.34)

afirma que os cidadãos merecem aprender a ler, entender e compreender muito além dos

conceitos trabalhados isoladamente em áreas específicas do conhecimento e, sim os

incorporando numa leitura de mundo, inferindo em preceitos escolares.

Na sociedade atual é cada vez maior o volume de informações inseridas na vida

cotidiana dos indivíduos e a precocidade de acesso dos cidadãos as questões sociais,

políticas e econômicas expressas em tabelas, gráficos, índices entre outros elementos,

percebe-se que esta temática têm sido foco de algumas discussões, desencadeia-se

assim, um grande e constante desafio educativo a ser enfrentado.

Considerando esses indicativos, verifica-se a importância da sistematização de

conceitos estatísticos e probabilísticos durante as aulas de matemática, ressalta-se que,

simplesmente associar conceitos aprendidos a situações de empregabilidade pode ser

compreendido como um fator importante, porém, pode não ser o suficiente. Pretende-se

que, além disto, o aluno conseguia transportá-los para sua vida cotidiana para auxiliá-lo

na leitura, análise, interpretação e comparação no ato decisório, contribuindo para a

formação de cidadãos autônomos, capazes de pensar e tomar decisões sobre os

acontecimentos e situações.

Portanto, é nessa perspectiva que a ação do professor pode postular-se como

princípio importante no processo didático pedagógico na estruturação, aquisição e

conjectura de conhecimentos pelos alunos. Cabe a ele, tentar promover momentos de

ação e reflexão e ainda, provocar conflitos cognitivos, vislumbra-se que a inserção da

linguagem pode favorecer os procedimentos de ensino e aprendizagem, bem como

subsidiar as práticas docentes na busca da formação integral e autêntica dos sujeitos.

Ao final deste artigo, serão ponderados alguns aspectos relevantes,

favorecendo a reflexão e análise a partir dos resultados obtidos.

O ENSINO DA MATEMÁTICA SOB A PERSPECTIVA DE

LINGUAGEM INTERATIVA

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Tendo em vista a evolução da sociedade e suas necessidades, o papel da

educação direciona-se para uma concepção distinta da exposta anteriormente. Essa

perspectiva volta-se para a importância de formar um aluno que seja cidadão crítico,

capaz e consciente que possa participar e intervir ativamente na realidade e no contexto

social que está inserido. A partir disso, Pinheiro, Silveira e Bazzo (2007) pontua que as

implicações e consequências da ciência e tecnologia, podem ser subsídios partícipes nas

decisões de ordem social e política que influenciarão a vida do indivíduo na sociedade a

qual pertence e até mesmo de seus descendentes.

Percebe-se que, nos dias atuais a sociedade está em constantes mudanças e

transformações e as instituições educacionais não poderiam ficar a margem deste

processo evolutivo. A escola, e o ensino da matemática não se conservaria intacto a esse

movimento, como área do conhecimento acadêmico e escolar. Skovsmose (2008) acena

com indagações sobre as práticas tradicionais, várias vezes efetivadas sem análise e

reflexão, enfatizando o excesso de procedimentos operatórios, que pode comprometer

uma aula de matemática de qualidade. Para ele a educação tradicional e suas práticas

didáticas não contemplam a percepção de educação crítica. Conclui ainda que, os

encaminhamentos metodológicos e práticas didáticas pautadas em torno de palestras

proferidas pelo professor, não podem estruturar uma educação matemática crítica.

Com vistas a este contexto observa-se que os PCNs indicam uma reflexão aos

docentes sobre a prerrogativa, da formação cidadã, provocando-os a questionar-se se a

educação está atendendo a expectativa de formar um aluno que seja, ―cidadãos

autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e

responsabilidade na sociedade em que vivem‖ (BRASIL, 1997 p.27). Em outras

palavras, trata-se da preocupação na formação integral do aluno.

Nesta vertente, é indispensável refletir que os acontecimentos ou situações

problemas do cotidiano na eminência de efetivação acontecem globalmente e não

fragmentada ou segmentada e que, possivelmente, necessitará de conhecimentos e

informações de distintas áreas do conhecimento para ter elementos diversos para

manipular com entendimento e compreensão esses fatores na busca da melhor decisão

consciente.

A partir dessa discussão, percebe-se que a educação matemática atual busca

que o aluno faça mais do que assimilar e adquirir conhecimentos, que o mesmo seja

capaz de interpretar, compreender e operacionalizar com informações em geral,

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articulando a sua intencionalidade baseando-se nos seus aspectos inicialmente

apontados e avaliados.

Assim, as aprendizagens matemáticas podem ser um momento de interação

entre os sujeitos, conceitos formalizados e atividades humanas, o ensino as conduz de

modo a favorecer ao sujeito construções e reflexões cognitivas, sendo motivado pela

necessidade de definir soluções para problemas existentes mediante as interações

sociais.

No entanto, cabe repensar a forma como a matemática já foi e está sendo

sistematizada no ambiente escolar, pois provavelmente pouco contribuirá para que essas

habilidades e competências se estabeleçam e se configurem nos discentes. A partir da

exploração de conceitos matemáticos como início e fim em si mesmo, tem-se em

diversas situações a desvinculação da matemática com a realidade do sujeito e em nada

favorece a interação em situações de resolução de problemas.

A interação social mediada pela ação dialógica acaba se tornando indispensável

na construção dos saberes discentes através da prática pedagógica docente

interacionista, considerando que o aluno já vem para a escola com conhecimentos e

experiências do senso comum e cabe a esta mediar o processo de ensino de

conhecimentos científicos, favorecendo ao estudante conflitos cognitivos, de modo que

gerem aprendizagens.

Concordando com o exposto, Bakhtin (2006, p.125) aponta o ―diálogo, em seu

sentido amplo, concebido como toda comunicação verbal de qualquer tipo que seja, é à

base da interação verbal social, pois a dialógica implica a existência de sujeitos e a

alternância dos locutores‖. Assim, partindo do princípio que a linguagem pode ser

compreendida como uma prática social tendo na língua a sua concretização, a mesma

pode ser vista como um ―processo de evolução ininterrupto, constituído pelo fenômeno

social da interação verbal‖, efetivada pelo sujeito através da enunciação e oportunizando

a intersubjetividade e a interação social (BAKHTIN, 2006, p.127).

A interação social acontece no mínimo entre dois sujeitos no ato da

enunciação, utilizando os signos para isso, tendo o tema como expressão de uma

situação histórica concreta que origina o enunciado. Corroborando com esta ideia,

Freitas (2001), afirma que o tema é um princípio de signos ativo e complexo, que busca

adaptar-se adequadamente às condições de um dado período, sendo a significação um

aporte técnico para a efetivação do tema.

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A ação enunciativa configura-se como um instante único, singular, irrepetível e

reiterável na produção do ato enunciativo, considerando as formas linguísticas, mas,

também os elementos não verbais do contexto, podendo ser oral ou escrito. Assim, a

palavra assume importância irrefutável neste processo, pois parte de alguém e se reporta

a outro alguém. Nesse sentido, Bakhtin (2006, p.115) afirma que:

Essa orientação da palavra em função do locutor tem uma importância muito

grande. Na realidade, toda palavra tem uma importância muito grande. Na

realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo

fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirigi para alguém.

Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda

palavra serve de expressão, a um em relação ao outro. Através da palavra,

defino-me em relação ao outro, isto é, em ultima análise, em relação à

coletividade. A palavra [o signo] é uma espécie de ponte lançada entre mim e

os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia

sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e o

interlocutor.

Os enunciados adentram a vida em sociedade a partir da língua, ao valer-se

dela, para atribuir concepções de mundo, a linguagem se torna um espaço de confrontos

e debates ideológicos, pois a palavra, ou seja, o signo é a expressão da ideologia do

sujeito verdadeiramente, portanto nela se explicita os valores culturais, sociais, morais,

cognitivos entre outros que expõem as divergências e ponto de vistas distintos, desse

modo o conflito e a desestruturação está presente nessa ação social.

O ato enunciativo está vinculado às várias vozes com os quais o sujeito

interagiu durante a vida em contexto real para consolidá-lo. A compreensão desses é o

encontro entre essas várias vozes, num movimento polifônico. Portanto, o sujeito

pertence a uma cadeia de comunicação verbal, pois é com o auxílio deste, que o sujeito

analisa, reflete, questiona, indaga, concorda, discorda entre outros, para estruturar seus

enunciados alicerçados em suas vivências e relações históricas sociais concretizadas,

segundo Brait (2001).

A palavra como instrumento da linguagem não pertence exclusivamente a

ninguém, ela está sempre à disposição de todos os seres humanos. Mediante isso, os

sentidos das palavras ou signos recebem valores distintos, tendo em vista que cada

indivíduo tem sua própria história, pertencendo a uma classe social específica com

identidade e valores singulares e históricos. As palavras orais ou escritas explicitam as

características desses conflitos e embates.

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Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas

verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis

ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de

sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e

somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou

concernentes à vida (BAKHTIN, 2006, p. 96).

Neste viés, não se pode deixar de mencionar que o indivíduo nas suas relações

sociais perpassa pela intersubjetividade, para então estabelecer a sua própria

subjetividade. Ocorrendo no meio social, pautando-se nas interações, consciência e

orientações sociais. O indivíduo configura sua subjetividade quanto maior for a sua

orientação social, em virtude disso, maior será a sua conscientização. Que resultará num

discurso aonde seus enunciados serão orientados para o meio social, respeitando a visão

do seu grupo, mas colocando-se como sujeito singular no processo (ABRAHÃO, 2008).

Neste aspecto a palavra, do ponto de vista enunciativo, concerne dois gêneros

do discurso, o primário que trata de questões do cotidiano, dos discursos advindos das

relações do senso comum que ainda passou por uma situação de embate dialógico. Já o

segundo é superior ao primeiro, pois trata da comunicação verbal, e nessa instância

estão compreendidos os sistemas ideológicos.

A interligação e a mobilidade dos signos entre os dois gêneros do discurso são

primordiais e indispensáveis e isso pode ser retratado a partir das ideias de Bakhtin:

Os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ciência, da arte e da

religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua vez

sobre esta, em retorno, uma forte influência e dão assim normalmente o tom a

essa ideologia. Mas, ao mesmo tempo, esses produtos ideológicos

constituídos conservam constantemente um elo orgânico vivo com a

ideologia do cotidiano; alimentam-se de sua seiva, pois fora dela, morrem. Se

não são submetidas a uma avaliação crítica viva, essa avaliação crítica que é

a única razão de ser de toda produção ideológica, opera-se na língua da

ideologia do cotidiano (2006, p. 121).

Portanto, vislumbra-se que a ampliação dos horizontes sociais dos sujeitos, está

intrinsecamente correlata ao ato dialógico, configurando sua relevância, pois pode ser,

por meio deste, que acontecem as críticas, indagações e os acordos dialógicos entre os

interlocutores. Isso poderá contribuir para a elevação da conscientização dos sujeitos

sociais através da linguagem, essa ação favorecesse e subsidia a elaboração de

conceitos, críticas, conjecturas dos envolvidos nesse movimento. Logo a participação e

presença do outro, com a sua contrapalavra, a existência de sujeitos e alternância dos

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locutores na interação verbal e social, percebe-se o diálogo em seu sentido amplo e real.

Sobre esse fato, Bakhtin (1997, p.295):

É o diálogo real que esta alternância dos sujeitos falantes é observada de

modo mais direto e evidente; os enunciados dos interlocutores (parceiros do

diálogo), a que chamamos de réplicas, alternam-se regularmente nele. O

diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a forma clássica da comunicação

verbal. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui um

acabamento específico que expressa à posição do locutor, sendo possível

responder, sendo possível tomar, com relação a essa réplica, uma posição

reponsiva. Esta relação só é possível entre enunciados provenientes de

diferentes sujeitos. Pressupõe o outro (em relação ao locutor) membro da

comunicação verbal.

A sala de aula deve ser um ambiente propício para a construção da

subjetividade que sucede a intersubjetividade, nessa visão a linguagem extrapola a

simples dinâmica de comunicar-se e a comunicação entre os indivíduos é consequência

evidente do aparecimento da linguagem.

Distinguindo a comunicação do diálogo, que ocupa um lugar de destaque nas

preposições Bakhtinianas, por creditar a ele, a constituição do sujeito nas interações

verbais e sociais, para isso é necessário que o sujeito seja socialmente orientado, de

modo a perceber que traz consigo, as marcas históricas do grupo social ao qual pertence.

Nesse sentido, desafiar os discentes a refletir durante as situações de resolução

de problema podendo ser estatísticos ou não. Souza (2007) adverte, no entanto, que

―cada proposta é um caminho, não é um lugar, e, portanto, tem uma direção, um

sentido, um para que, têm objetivos‖ assim, para que as propostas educativas possam ter

êxito vislumbram-se que estas sejam delimitadas conjuntamente, considera-se também,

a prática cotidiana dos sujeitos abarcados com o processo de ensino e aprendizagem. Ao

considerar estes fatores podem-se possibilitar momentos de reflexão e,

consequentemente, poderá favorecer processos contínuos de tomadas de consciência dos

conceitos matemáticos.

Para Pozzo (1998, p.14) a prática em sala de aula na resolução de problemas

consiste em ―dotá-los da capacidade de aprender a aprender no sentido de habituá-los a

encontrar por si mesmos, respostas as perguntas que os inquietam ou que precisam

responder‖ ao invés de serem passivos, aguardando as respostas estruturadas,

transmitidas e aceitas via livro didático ou professor.

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Isto posto, cabe ressaltar que em geral os indivíduos visualizam a estatística

simplesmente como um conjunto de dados e tabelas numéricas, porém é importante

destacar que esse campo do conhecimento, passou por algumas transformações os itens

mencionados anteriormente representam um dos aspectos abordados pela estatística.

A estatística pode ser entendida como uma ciência ou método, podendo ser

subsidiada pela probabilidade, cuja intenção primordial, é poder auxiliar as pessoas a

tomar decisões ou tecer conclusões em situações de incertezas, acaso, imprecisões ou

previsões, com base em informações e dados, a mesma apresenta-se:

Com o objetivo de coletar, organizar, comunicar e interpretar dados,

utilizando tabelas, gráficos e representações, tornando o estudante capaz de

descrever e interpretar sua realidade, usando conhecimentos matemáticos

(LOPES, 1998, p.123).

No que diz respeito, ao pensamento probabilístico torna-se fundamental

oportunizar aos alunos o embate com situações reais diversificadas como, por exemplo:

jogo de regras, resolução de situações problemas que pode contribuir com a elaboração

de estratégias com o intuito de favorecer a compreensão de grande parte dos

acontecimentos da vida cotidiana de natureza aleatória, bem como possibiltar a

identificação e antecipação de possivéis resultados. Destaca-se, a importância durante o

processo de ensino e aprendizagem com situações de acaso e de incerteza que em geral

manisfetam-se intuitivamente. Valendo-se do jogo como recurso didático, é possível

oportunizar aos discentes momentos de vivência, interação, experimentação e

observação, a probabilidade, a combinátoria e a estatistica:

Inter-relacionam-se, proporcionado uma filosofia do azar de grande alcance

para a compreensão do mundo atual e capacitam pessoas a enfrentarem

tomadas de decisões, quando somente dispõem de dados afetados pela

incerteza, situações comuns em nosso cotidiano (LOPES, 2003, p. 63).

Nesse aspecto a estatística e a probabilidade podem ser apresentadas utilizando

o recurso da matematização que significa organizar, formular, sistematizar, criticar e

desenvolver mecanismos próprios para compreender (SKOVSMOSE, 1990). Para que

esse processo se efetive é indispensável que docentes e discentes encontrem-se no

domínio da situação de aprendizagem.

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MÉTODO

A partir das inquietações em relação à maneira como os discentes se comportam

e como estruturam a organização de pensamento lógico estatístico nos processos

pedagógicos de ensino e aprendizagem na temática durante a resolução de situações

problemas, buscou-se ponderar de que forma a postura didática do professor influencia

e pode favorecer a aquisição desses conhecimentos matemáticos valendo-se da

linguagem como instrumento de intervenção.

Como base metodológica desta investigação buscou-se trabalhar a partir de

uma pesquisa-ação3, tendo como fio condutor o planejamento, a observação, ação e

reflexão dos partícipes da pesquisa. O trabalho aconteceu numa escola localizada na

região leste, sendo considerado o segundo bairro mais violento da capital.

Na pesquisa houve a participação de 31 alunos da Rede Municipal de Ensino

do 6º ano, sendo 11 meninas e 20 meninos. A instituição escolar situa-se num bairro da

periferia de Curitiba, sendo que a maioria estudou na escola nos anos iniciais do ensino

fundamental (do 1º ao 5º ano). A escola está organizada em ciclos de aprendizagens

que prevê aprofundar gradativamente os conceitos acadêmicos. Nesse aspecto foi

instituído pelo município os Critérios de Avaliação de Matemática, que objetiva dosar

gradualmente os conceitos matemáticos, para auxiliar as práticas docentes no ensino

fundamental (1º ao 9º).

Mediante a perspectiva, que os ciclos de aprendizagem visam não só uma

organização educacional distinta da classificatória utilizada pelo município

anteriormente, bem como direciona as práticas educacionais, para que haja mudanças

necessárias com relação à essência do processo de ensino e aprendizagem que se

estruturava no interior das instituições. Observam-se agora, nessa temática a

temporalidade na aquisição e construção dos princípios matemáticos, em caráter

contínuo e processual na formação dos discentes, fator que pode contribuir as

intervenções docentes, pois são respeitados os conhecimentos já constituídos para

sistematizar outras práticas didáticas para mediar ampliação desses conhecimentos.

3 Pesquisa-ação: A pesquisa-ação configura-se ―como uma ação que cientificiza a prática educativa, a

partir de princípios éticos que visualizam a contínua formação e emancipação de todos os sujeitos da

prática‖ (FRANCO, 2005, p. 489).

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi desenvolvida durante algumas aulas de matemática, buscou-se

observar e refletir sobre a ação dos sujeitos participantes a partir de duas vertentes

pedagógicas no ambiente escolar, a perspectiva dialógica baseada em Bakhtin e a

tradicional/tecnicista. O início desse estudo interventivo ocorreu em momentos de

observação e análise do comportamento dos discentes durante a resolução de situações

problemas, e da dificuldade apresentada pelos mesmos, valendo-se em geral de técnicas

mecânicas operatórias.

Durante a análise do livro didático4 constatou–se que o eixo de tratamento da

informação, apresentava-se ao término de cada capítulo com textos diversos que

intencionava a análise, interpretação e reflexão com o titulo ―Pense Bem‖, seguido

quase todos de duas ou três perguntas correlatas à temática. As questões como a

combinação e probabilidade aparecem durante o conteúdo de multiplicação, que está

sendo sistematizado com a turma. Mediante esses fatos, a pesquisadora propôs algumas

aulas de resolução de situações problemas envolvendo a estatística e probabilidade, na

qual primeiramente os alunos resolveriam as atividades indicadas individualmente sem

nenhuma intervenção nem parte da professora ou dos colegas, da forma que julgasse ser

adequada para cada situação, das atividades exploratórias conforme figura 1.

1-Uma loja aceita encomendas de bicicletas com 10 ou 15 marchas, nas cores azul,

branco, vermelho e verde. Quantas são as possibilidades de escolha para quem quiser

encomendar uma dessas bicicletas?

2-Rafael lança um dado e uma moeda simultaneamente (ao mesmo tempo) e observa as

faces voltadas para cima. De quantos modos diferentes essas faces podem aparecer?

3-Tenho três lápis de cor nas cores azul, vermelho e verde. Desejo pintar três faixas

numa figura com essas três cores, usando uma cor para cada faixa, conforme mostra a

4 Ressalta-se que a pesquisadora utiliza outros instrumentos em sua prática pedagógica.

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figura abaixo. De quantas maneiras poderei fazê-lo? Desenhe no caderno todas as

possibilidades.

4-De quantas maneiras posso calçar meus pés tendo três pares de tênis e cinco pares de

meios diferentes?

5- Lucas está brincando com duas moedas. Ele observa a face que fica virada para cima:

cara ou coroa. Ao lançar duas moedas ao mesmo tempo, que faces poderá obter?

6- Numa lanchonete há 3 tipos de sanduíches, 2 tipos de sucos e 2 tipos de sobremesa.

De quantas maneiras diferentes pode-se fazer um lanche nessa lanchonete escolhendo 1

sanduíche, 1 suco e 1 doce? Qual é a possibilidade de lanche mais barata?

SANDUÍCHES PREÇOS

CACHORRO QUENTE ________________________ 3 REAIS

MISTO QUENTE______________________________ 2 REAIS

X-SALADA________________________________ 4 REAIS

SUCOS PREÇOS

MARACUJÁ_________________________________ 2 REAIS

LARANJA___________________________________ 2 REAIS

SOBREMESAS PREÇOS

SORVETE___________________________________ 2 REAIS

FATIA DE BOLO______________________________ 3 REAIS

Figura 1: Tarefas propostas para os alunos

Após a resolução das situações problemas a turma realizou uma avaliação

coletiva com relação ao desempenho e comportamento no enfrentamento da tarefa

proposta, elencaram-se os pontos assertivos, as dificuldades e fatores que julgaram ser

relevantes na discussão.

Mediante a discussão e análise do primeiro momento, no próximo foi indicada

a resolução dos problemas numa perspectiva dialógica. Sugeriu-se que utilizassem suas

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estratégias particulares, reportando-se a situações já conhecidas para articular esses

conhecimentos em resposta a problemática. Além disso, alertou-se que nem sempre era

necessário utilizar técnicas operatórias. Finalizando esse instante, a pesquisadora

lembrou que os próprios discentes reavaliariam a sua conduta e atuação novamente

frente à resolução de situações problemas nas quais se observou conceitos estatísticos,

probabilísticos além das estratégias de resolução.

No terceiro momento, na pretende-se de aferir sentido e contribuir para a

compreensão por parte dos alunos, a pesquisadora realizou a leitura da primeira tarefa,

questionou os discentes se haviam compreendido o que o problema estava perguntado?

O que significava a palavra possibilidades na situação? E assim, houve muitas

explorações e questionamentos até a construção coletiva da resposta com compreensão

e clareza dos procedimentos adotados, bem como, a análise desta.

O quarto, quinto, sexto e sétimo momento ocorreram de forma similar ao

exposto acima, cabe ressaltar, que nesta ocasião não será exposto em riquezas de

detalhes, porém eles foram utilizados para efetivar análise, discussão e reflexão na

perspectiva de interação dialógica na intenção de propor um processo de ensino e

aprendizagem realmente significativo para os alunos. Na figura 2 pode-se visualizar um

dos momentos de realização das tarefas.

Figura 2: Os alunos realizando as tarefas propostas.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A proposta dessa pesquisa teve como foco auxilar processo de interação e

dialógo no entendimento de conceitos estatísticos e probabilisticos na resolução de

problemas. Apoiando-se nas instruções dos PCNs (1997), que alerta para o seguinte

fato, que ao resolver problemas, não basta somente aplicar conceitos aprendidos e, sim

desenvolver e concretizar ações que exijam análise, interpretar e elaborar estratégias

para solucioná-los, bem como fazê-lo numa perspectiva de interação e diálogo.

Pautando-se no exposto, observou-se que com a efetivação da pesquisa

algumas atitudes positivas foram detectadas nos alunos, frente ao processo de ensino e

aprendizagem, como por exemplo: Perceberam que para realizar leitura compreensiva e

importante, fazê-la com cautela, atenção e por meio desta interpretar o enuciado;

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Perceberam a necessidade da leitura significativa na resolução de situações problemas;

Aprenderam a importância de estabelecer relações de interação e dialógo no âmbito

escolar e fora dele; Praticiparam ativiamente na resolução das situações problemas

propostas sistematizando conceitos referentes à estatistica e probabilidade, além das

estratégias de resolução; Observaram que nem sempre os algortímos são a única

respota; Perceberam que é importante reportar-se a situações similares para subsidiar a

estratégia de resolução; Identifcaram que um problema pode ter mais que uma forma de

resolução; Notaram que ao discutir, analisar, ponderar coletivamente favorece a

compreensão do que deve ser efetivado para resolver a situação problema em questão;

Aprenderam a expor suas ideias e respeitar a dos outros com criticidade.

Desta maneira, para auxiliar a análise destes indicativos é importante avaliá-la

na concepção Bakhtiana. Ressalta-se, que a pesquisa foi realizada na perspectiva de

interação e dialógia, neste sentido, Bakthin (1992, p.123) afirma que:

o diálogo em seu sentido amplo, concebido como toda comunicação

verbal de qualquer tipo que seja, é a base da interação verbal social,

pois a dialogia implica a existência de sujeitos e a alternância dos

locutores.

As interações verbais sociais presentes nas relações dialógicas, estabelecidas

nos espços educacionais, e em sala de aula em particular, observou-se que a linguagem

pode configura-se como território de embates e debates ideológicos permanentes.

Percebeu-se que contexto, a escola pode ser vista, como um lugar de elaboração e

produção da linguagem, desta mesma forma acontece com o sujeito.

Observou-se a importância da interação e do dialógo durante a pesquisa ao

analisar o comportamento e postura dos alunos com relação ao primeiro momento,

aonde eles deveriam resolver as situações problemas sem intervenção de nenhuma

espécie, nem mesmo um dialógico entre os sujeitos envolvidos. Notou-se, na segunda

ocasião um posionamento mais ativo por parte dos estudantes, quando puderam ao

menos dialogar com o professor, mesmo que este, não intervisse no processo reflexivo.

Constatou-se a necessidade e importância da relação interacionalista e dialógica,

pretendo oportunizar a construção, a relação, e compreensão legitma de conceitos

matemáticos, e em especial a estatística e probabilidade. Identificou-se que, nos

encontro subsequentes que foram pautados unicamente nos pressupostos dialógicos

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interacionista, os discentes participaram, conjecturam, levantaram hipotéses,

verificaram a veracidade delas, estabeleceram o respeito e tolerância mútua, além de

estabelcer um postura crítica, reflexiva, questionadora e criativa, bem como

significaram os conceitos sistematizados em âmbito escolar.

Estes fatores podem ter grande relevância para subsidiar a formação dos

sujeitos que a escola deseja, ou seja sujeitos ―críticos, reflexivos, capazes de integrarir

com a sociedade‖, Pinheiro (2007). Para isto, pode-se considerar qua a prática

pedagogica signficatica ocupa papel primordial neste processo.

A respeito dessa temática, os PCNs (1997) orientam que a prática pedagógica

deve oportunizar uma aprendizagem significativa com relação à matemática no processo

pedagógico. Devem-se propor situações problemas contextualizadas ou mais familiares

possíveis, durante a resolução.

Com vista ao contexto escolar, Souza ressalta que:

Um enunciado só pode ser compreendido no interior do contexto social,

político, cultural e histórico em que ele acontece. Dentre os maiores

problemas que a linguagem enfrenta está o fato de determinados enunciados

existentes numa esfera serem desta esfera retirados. [...] proferir um

enunciado é realizar uma dada ação, é transformar as condições concretas do

ser e da linguagem. [...] Se a ―boa‖ palavra é aquela que promove a

transformação do sujeito no sentido pleno de sua emancipação criativa, nem

todas as palavras que circulam entre as pessoas cumprem esta função

(2001, p.201).

Percebe-se deste modo, a importância do atos enunciativos dos sujeitos, e nesse

caso do professor em especail, ao possibilitar por meio da sua prática docente uma

educação com significação, na qual os sujeitos podem ser vistos como únicos situados e

pertencentes a um contexto social, ao considerar esse fatores o professor poderá realizar

enunciações pensadas, refletidas e perspicazes ao pretender por meio delas, contribuir

na constituição do sujeito crítico, autônomo, criativo e atuante capaz de interagir e

resolver problemas em diversar circunstâncias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve a intenção de investigar se a interação e a linguagem

contribuem no processo pedagógico de ensino e aprendizagem das relações matemáticas

na resolução de problemas, em particular das estatísticas e probabilísticas.

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Neste processo educativo a palavra do professor durante suas aulas

identificam-se como enunciações que permeiam seu discurso educativo considerando

que todo ato discursivo fundamenta-se como um ato ideológico, ou seja, toda palavra

está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico, por quem a

proferiu.

Após a efetivação deste estudo, percebeu-se que algumas das dificuldades

apresentadas pelos discentes, durante a realização das tarefas propostas, não

contemplavam somente às questões referentes aos conceitos, procedimentos, estratégias

além das algorítmicas, organização das próprias ideias que poderiam auxiliar no

momento da resolução matemática, mas também a reflexão e análise das solicitações

dos problemas, em primeiro momento.

Cabe destacar a estranheza da turma frente à relação docente/discente de

interação e diálogo no processo de ensino e aprendizagem. No segundo momento,

mediante convite a participar, os discentes comportaram-se como sujeitos enunciativos

envolvendo-se ativamente. Houve a alternância dos interlocutores, sentiram-se a

vontade para expor suas ideias e opiniões, como também ouvir as demais, se

estabeleceu realmente uma relação dialógica que favoreceu e muito a concretização das

tarefas e a compreensão significativa dos conceitos matemáticos.

Portanto, ressalta-se que o objetivo investigativo desta pesquisa foi atingido, ao

considerar que a linguagem favoreceu a aquisição dos conhecimentos matemáticos no

processo de ensino e aprendizagem em situações problemas que envolvam o ensino da

estatística nos anos iniciais do ensino fundamental.

REFERÊNCIAS

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comunidades de práticas educativas. Porto Alegre: EDIPUC, 2008.

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FRANCO, M. A. S. Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.

31, n. 3, p. 483-502, set./dez. 2005.

LOPES, C. A. E. A probabilidade e a estatística no ensino fundamental: uma

análise Curricular. Dissertação (Mestrado) — Faculdade de Educação, Universidade

Estadual de Campinas: Unicamp, 1998.

________. O conhecimento profissional dos professores e suas relações com

estatística e probabilidade. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Universidade

Estadual de Campinas: Unicamp, 2003.

PINHEIRO, N. A. M; SILVEIRA, R. M. C. F; BOZZO, W. A. Revista Iberoamerican

de Educación: O contexto científico-tecnológico e social acerca de uma abordagem

crítico-reflexiva: perspectiva e enfoque, Santa Catarina, N. 491. p, 1-25, mar. 2009.

Pozo, J. I. A solução de problemas – aprender a resolver, resolver a para aprender.

Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

SKOVSMOSE, O. Educação matemática crítica: A questão da democracia. 3ª

Edição. São Paulo: Editora Papirus, 2006.

_______. Desafios da Reflexão: Em educação matemática crítica. Editora: Papirus.

Campinas, São Paulo, 2008.

SOUZA, S. J. Leitura entre o mágico e o profano: os caminhos cruzados de Bakhtin,

Benjamin e Calvino. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. (Org.). Diálogos

com Bakhtin. 3ª Edição. Curitiba: Editora da UFPR, 2001.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

EXPERIMENTAÇÃO MATEMÁTICA: UMA APRENDIZAGEM

SIGNIFICATIVA DE UNIDADES DE MEDIDAS

Dárcio Costa Nogueira Junior

Colégio Militar de Belo Horizonte

[email protected]

Maíra Kelly da Silva Pereira

Colégio Militar de Belo Horizonte/ UFOP

[email protected]

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa sobre o uso de experimentos

práticos na aprendizagem de unidades de medidas no 6º ano do Ensino Fundamental de

uma escola federal de Belo Horizonte. Com objetivo de verificar os benefícios e

eventuais perdas na consolidação de uma aprendizagem mais significativa, foram

propostas e aplicadas cinco atividades nas três turmas, que foram dividas em cinco

grupos cada uma. Após a execução e análise das atividades experimentais, foi realizada

uma socialização para comunicação das observações realizadas.

Os resultados evidenciam que o uso de materiais manipulativos bem como a

construção coletiva ocorrida na socialização das observações feitas em cada

experimento proporcionam uma aprendizagem mais inclusiva e com possíveis

interações extra-matemáticas e na própria Matemática.

Palavras chave: Unidades de medida, experimentação matemática, materiais

manipulativos.

INTRODUÇÃO

O processo ensino e aprendizagem e o uso de atividades de experimentação em

Matemática através do estudo de unidades de medida são objetos de estudo desta

pesquisa que tem por objetivo verificar os possíveis benefícios e eventuais perdas na

consolidação de uma aprendizagem mais significativa.

Essa perspectiva possibilita interações entre a Matemática e outras áreas de

conhecimento como as Ciências (Física, Química e Biologia) além de utilizar práticas

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de investigação através de atividades simples que podem ser realizadas em diversas

realidades, incluindo aquelas em que o Laboratório de Matemática ainda não está

consolidado na instituição.

Os dados obtidos nas turmas do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola

federal localizada em Belo Horizonte evidenciam que a ação do professor e o modo

como o livro didático é utilizado pode estabelecer interações e aplicações que despertam

o interesse dos alunos para estas experiências matemáticas.

A EXPERIMENTAÇÃO MATEMÁTICA

A experimentação matemática consiste na análise de um fenômeno científico a

partir da observação em determinadas condições necessárias para a sua realização. Tal

análise e observação possibilitam inúmeras inferências na Matemática e em outras áreas

de conhecimento através da interação e complementaridade nas suas ações conjuntas. O

controle das condições pode proporcionar uma espécie de descoberta guiada a partir da

investigação dos objetos de estudo, sob o olhar múltiplo da Matemática e das Ciências.

Neste contexto, Pires (2000) sugere que o enfoque interdisciplinar irá possibilitar

certa identificação entre o vivido e o estudado, sendo que aquilo que foi vivido deve

resultar da inter-relação de múltiplas e variadas experiências. Tais experiências podem

ser construídas a partir de situações problemas ou questões de investigação que

enfoquem a combinação de diferentes perspectivas e proporcionem a busca de meios

alternativos para uma eventual transformação pedagógica.

As unidades didáticas que compõem a estrutura curricular, segundo Zabala

(1998), devem atender às demandas educativas de um grupo determinado de alunos em

relação aos diversos tipos de conteúdos, além de contemplar as atividades de

aprendizagem adequadas a estes assuntos. Sendo assim, os materiais curriculares,

utilizados na experimentação, não podem garantir o alcance dos objetivos educativos

previstos nas unidades didáticas. No entanto, tais materiais ajudam a desenvolver as

atividades de ensino e aprendizagem de acordo com o interesse dos envolvidos na

aprendizagem. Desse modo,

os documentos curriculares constituem um guia para a prática do ensino do

professor. Tendo em conta os objetivos e as orientações indicadas nesses

documentos, o tempo disponível e as características e interesses dos seus

alunos, cabe-lhes [aos professores] fazer a gestão curricular, decidindo as

tarefas a propor, os aspectos a que quer dar mais ênfase e o modo como

pretende reorganizar o trabalho com os alunos (PONTE et all, 2003, p. 138).

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Sendo assim, é fundamental o papel do professor como gestor curricular, além de

sua autonomia para decidir as tarefas a serem trabalhadas ou alterá-las no decorrer de

ser curso, a fim de proporcionar uma aprendizagem mais significativa.

Sobre a necessária exercitação de muito dos conteúdos de aprendizagem para se

converterem em exercícios rotineiros sem que percam a razão fundamental para a qual

foram planejados, temos que

dadas as características diferenciadas dos contextos educativos, dos diversos

ritmos de aprendizagem dos alunos, postas pelos diferentes tipos de

conteúdos e das estratégias de aprendizagem específicas para cada um deles,

será necessário oferecer aos professores um grande número de materiais.

Materiais estes que permitam levar em conta estas diferenças e que possam se

integrar em múltiplas combinações que possibilitem a elaboração de uma

grande variedade de unidades didáticas (ZABALA, 1998, p.188).

Os materiais usados na experimentação matemática precisam contemplar as

necessidades de aprendizagem postas pela especificidade de cada conteúdo para não

serem reduzidos a trabalhos puramente mecânicos desvinculados de significado.

Algumas etapas podem ser percebidas nestas experimentações: a abstração, a

generalização e a formalização. No entanto as etapas não necessariamente serão

vivenciadas de modo homogêneo pelos estudantes envolvidos, dadas as particularidades

da vivência e observação de cada indivíduo.

Segundo Davis e Hersh (1995), a abstração pode ser concebida como idealização,

ideia relacionada com a noção platônica de um mundo de objetos ideais. A

generalização é considerada por eles como um importante fator de consolidação do

conhecimento, pois nos permite agrupar elegantemente em uma concepção vários fatos

que, apesar de dispersos, estão intimamente ligados entre si. Finalmente, os autores

consideram a formalização como um processo pelo qual se prepara a Matemática para o

processamento mecânico.

Uma experiência matemática é necessariamente coletiva, cultural e política, já que

é vivenciada por pessoas com uma história, inseridas numa cultura, parte de uma

comunidade (FROTA, 2004). Essa história, cultura e comunidade são responsáveis pela

necessidade da comunicação, uma necessidade quase que irrevogável de se transmitir

aquilo que se aprende, mostrando o papel dinâmico da comunicação na educação.

A modelação matemática, por meio de um tema, desenvolve um conteúdo

programático e orienta o aluno na realização de seu próprio modelo matemático

(BIEMBENGUT, 2003). Sendo assim, é fundamental o conhecimento do professor em

relação aos estudantes a fim de proporcionar uma significativa aprendizagem. Também

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é necessário que o professor, durante a vivência da experimentação, incentive o

levantamento de questões para posterior seleção daquelas que contribuam para a

formulação de um problema e sua posterior resolução. No primeiro momento

(levantamento de questões) percebe-se a presença da linguagem oral como meio

principal de comunicação, enquanto que, no segundo momento (formulação de um

problema), a presença da linguagem matemática na estruturação lógica do raciocínio é

mais marcante. A abstração e generalização se fazem mais presentes no primeiro

momento enquanto que a formalização situa-se predominantemente no segundo

momento.

A experimentação pode ser uma interessante estratégia de aprendizagem que

proporciona um caminho alternativo para as diferentes realidades permeadas de

problemas como a inércia dos estudantes, a inexperiência dos professores e a falta de

tempo para cumprir o programa de ensino. Além disso, possibilita descoberta de novos

talentos para futuros projetos de iniciação científica uma vez que, segundo Davis e

Hersh (1995), cada novo resultado que se conclui torna-se um potencial ponto de partida

para várias novas investigações.

D’Ambróisio (2002) pontua que nosso cotidiano está impregnado dos saberes e

fazeres próprios da cultura. Desse modo, é inerente ao indivíduo comparar, classificar,

quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e de alguma forma, avaliar através de

instrumentos materiais e intelectuais que são próprios à sua cultura. Portanto, a

realização de tarefas experimentais evocam aspectos culturais e as percepções

matemáticas que cada uma delas pode proporcionar aos participantes do processo de

investigação.

CONTEXTO DA PESQUISA E AS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS

As atividades experimentais envolvendo as unidades de medidas foram

elaboradas tendo em vista os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola

pública federal em Belo Horizonte. Nesta escola, 67 estudantes divididos em três

classes participaram das atividades no Laboratório de Matemática da instituição. Este

Laboratório foi criado pelo coordenador da disciplina e possui alguns materiais que

contribuem para uma aprendizagem mais dinâmica, como o Geoplano, jogos de desafio

e raciocínio lógico, quadros magnéticos para construção de gráficos e outros materiais

construídos pelos professores da instituição.

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As três turmas participaram das mesmas atividades no Laboratório, porém em

horários distintos. Alguns grupos foram constituídos de modo que cada um deveria

realizar uma simples experiência Matemática e, em seguida, observar seus resultados

para posterior socialização destes com os demais integrantes da turma.

As atividades foram propostas levando em consideração materiais que já

existiam no Laboratório ou que pudessem ser construídos de maneira bem prática. As

atividades e problemas contidos no livro texto serviram de inspiração para tais

experimentos.

Sendo assim, foram propostas cinco atividades experimentais para um total de

cinco grupos por turma, sendo uma atividade para cada grupo de quatro ou cinco

estudantes. A experimentação deveria ser realizada no intervalo de 20 minutos, sendo a

observação dos resultados registrada nos 20 minutos seguintes. No horário de aula logo

a seguir seriam socializadas as análises de resultados de cada grupo, bem como uma

discussão da validação de cada um dos resultados obtidos.

A primeira experimentação consistia na utilização de um Geoplano para a

construção de figuras geométricas planas conhecidas com uma determinada área e os

possíveis resultados obtidos, bem como as respectivas medidas. O objetivo desta

atividade era consolidar a concepção de superfícies e comparar figuras distintas com

mesma área.

A segunda experimentação consistia em utilizar uma balança de dois pratos sem

marcador para comparar as medidas das massas das peças de um Xadrez e colocar tais

peças em ordem crescente de medida de massa. O objetivo era desenvolver a habilidade

de comparação através da “criação” de uma unidade de medida que possibilitasse a

realização da atividade proposta.

A terceira experimentação propunha a construção de um cubo com 1 dm³ de

volume interno com o objetivo de mostrar que 1 litro equivale a 1 dm³. Além disso,

consolidar a concepção de capacidade como volume interno do recipiente.

A quarta experimentação apresentava uma planta de um apartamento em que o

grupo deveria planejar a distribuição de móveis (estes já em tamanho reduzido e

compatível com o tamanho da planta, visto que os alunos do 6º ano do Ensino

Fundamental ainda não estudaram razão e proporção). Tal distribuição deveria

aproveitar a superfície disponível da melhor maneira possível com as respectivas

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justificativas. O seu objetivo era a comparação de áreas assim como a diferença entre

áreas de figuras contidas em regiões internas de outras figuras planas.

Na quinta experimentação, o grupo deveria registrar o tempo gasto por dois

colegas para percorrer as distâncias de 15m e 20m respectivamente e depois informar

qual deles percorreria em menor tempo a distância de 60m sem realizar uma nova

medição. Além de desenvolver a habilidade de medir tempo e comprimento, outro

objetivo era usar Mínimo Múltiplo Comum para calcular o tempo solicitado.

A socialização ocorreu no horário logo a seguir das experimentações e

observações analíticas. Neste momento, cada grupo apresentou o que estava sendo

proposto, como foi executado, o que foi observado e qual a análise feita pelo grupo com

base nos resultados obtidos. Em seguida, os demais grupos apresentavam suas questões

ou concepções sobre aquele determinado experimento, sendo que o professor, quando

necessário, realizava algumas intervenções ou apresentava algumas questões geradoras

de ideias a fim de dinamizar a discussão.

RESULTADOS OBSERVADOS

As experimentações despertaram o interesse dos estudantes do 6º ano do Ensino

Fundamental, visto que algumas aulas práticas de Ciências já haviam sido vivenciadas

em um Laboratório de Ciências Biológicas da instituição. Assim, grande parte aguardou

com expectativa a referida aula prática no Laboratório de Matemática, sendo que uma

minoria havia preparado para a atividade com as leituras complementares. No entanto,

quase a totalidade das turmas resolveu os exercícios do livro texto, incluindo aqueles

que serviram de inspiração para as experimentações, fato estes observados por eles

mesmos durante a socialização.

Devido à heterogeneidade da turma e das experimentações, alguns grupos

apresentaram dificuldades bem específicas para cada situação problema proposta. Na

primeira atividade, um dos grupos insistia em afirmar que só era possível construir o

losango de modo que ele fosse quadrado ao mesmo tempo. Após pequena intervenção

do professor lembrando a maneira de se calcular a área do losango, os integrantes do

grupo perceberam que era possível construir de outras maneiras o losango, bem como

outras figuras em que pensavam existir apenas uma maneira. A construção das figuras

se deu com a utilização de pequenos elásticos no Geoplano. Percebe-se uma evolução

na capacidade de abstração e generalização quando se faz uso de materiais

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manipulativos, como o Geoplano, por exemplo. Desse modo, os integrantes do grupo

que apresentavam maior dificuldade nas aplicações de medidas de superfície em

cálculos de área afirmaram na socialização sua maior compreensão do significado deste

conceito.

Dois grupos (de um total de três) apresentaram dificuldade na elaboração da

estratégia referente ao segundo experimento. Eles pensaram em utilizar materiais além

das peças de Xadrez, sendo necessária a intervenção do professor para afirmar que só

poderiam ser utilizadas as peças do jogo. Após muito tempo de discussão chegaram à

conclusão que o outro grupo chegou bem rapidamente: poderiam utilizar os peões,

peças mais leves, para fazer as devidas comparações. No entanto um aluno questionou

como fazer aquilo “se um peão era pouco e dois peões eram muitos para medir a massa

do cavalo?” A solução foi apresentada de modo mais significativo por um dos grupos

que agrupou os quatro cavalos para fazer tal medição. Assim, alguns integrantes do

grupo descobriram que a unidade-padrão utilizada naquele experimento (o peão) não

necessariamente seria utilizado em valores inteiros para medição de cada peça.

A dificuldade apresentada pelos três grupos na terceira atividade ocorreu devido

à confusão de conceitos como capacidade. Muitos não compreenderam que a

capacidade se refere apenas ao volume interno do recipiente. Assim, a construção do

cubo ocorreu de modo equivocado, sendo o volume da construção equivalente a 1 dm³ e

sua capacidade, consequentemente, menor que 1 dm³. Logo, ao despejar o conteúdo

líquido da garrafa com capacidade de 1 litro no cubo construído pelos grupos, uma

pequena parte transbordou, gerando perplexidade nos integrantes. Isso foi gerado por

dois motivos, conforme socialização posterior dos grupos: perceberam que realmente 1

dm³ equivale a 1 litro, o que visualmente não aparenta, e que transbordou um pouco

devido a erros de cálculo na estrutura, sendo que apenas uma estudante identificou a

causa que era a concepção equivocada de capacidade.

A quarta experimentação foi executada com relativa facilidade pelos grupos das

três turmas. Grande parte dos integrantes, em suas apresentações das observações de

resultados, mostrou certo desenvolvimento intuitivo do conceito de escala e o princípio

fundamental da proporção. Os três grupos mostraram disposições distintas para os

móveis dentro da planta do apartamento e foram capazes de justificar, através do

conceito de área, a razão da disposição escolhida.

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A última experimentação também foi realizada com certa facilidade pelas três

turmas. Todos os grupos perceberam que 60 era o mínimo múltiplo comum de 15 e 20 e

usaram esta informação para calcular os respectivos valores de tempos solicitados. Um

dos grupos percebeu que poderia utilizar o conceito de velocidade. Durante a

socialização de resultados e observações, o professor questionou o motivo da

observação e um dos alunos afirmou que tinha notado pela forma de medir a velocidade:

km/h. Assim, poderia ser feita a medida em m/s. Alguns estudantes presentes não

compreenderam, sendo necessária a participação do professor que optou por refazer a

última atividade perante toda a classe para que percebessem o que estava sendo

solicitado e o porquê da conclusão deste grupo.

O período de socialização foi fundamental para consolidar as observações e

resultados obtidos através da abstração, generalização e formalização de cada um dos

grupos. Observou-se que cada grupo desenvolveu estas etapas de modo heterogêneo,

com especificidades relativas ao tipo de experimento proposto bem como o perfil dos

integrantes.

Através do quinto experimento, um dos grupos foi capaz de estabelecer

interações extra-matemáticas. O conceito de velocidade como razão de grandezas de

espécies diferentes pode ser utilizado até mesmo no 6º ano do Ensino Fundamental,

desde que a ênfase esteja na observação das unidades de medidas utilizadas.

A formação dos grupos e o trabalho em equipe foram fundamentais para

evidenciar que a experiência matemática foi necessariamente coletiva, vivenciada por

estudantes diversos, mas que constituem uma mesma turma, bem como a importância

do uso de materiais manipulativos. Estes materiais usados nos experimentos permitiram

levar em conta a heterogeneidade dos grupos e ao mesmo tempo integrar múltiplas

observações dos resultados obtidos proporcionando uma aprendizagem com mais

significado.

O uso de materiais manipulativos mostrou boas perspectivas para despertar o

interesse especialmente nos estudantes com dificuldades cognitivas na aprendizagem

bem como minimizar dúvidas e concepções equivocadas de conceitos relacionados às

unidades de medidas. As atividades experimentais que envolveram essas manipulações

foram mais significativas do que aquelas que envolviam medições diretas, como foi o

caso da quinta atividade. Entretanto, a última experiência possibilitou a interação com

outros temas de outras ciências, como a Física, por exemplo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experimentação Matemática pode ser amplamente implementada nas

diversificadas realidades escolares, respeitando os distintos ritmos de aprendizagem e

proporcionando uma socialização através da comunicação de resultados e observações

consolidadas nas análises experimentais.

O uso de materiais simples e acessíveis aos diversos contextos educativos se

mostrou eficaz para a aprendizagem mais inclusiva. Estudantes com maiores

dificuldades participaram de forma mais ativa através de suas análises e questões. A

interação entre os grupos facilitou o processo de inclusão indiferente do ritmo de

aprendizagem de cada integrante.

Existe a possibilidade de acentuar as interações na Matemática com assuntos,

como divisibilidade, frações, números decimais, potências de 10 e razão. Algumas

relações extra-matemáticas podem ser propostas a partir de novas experimentações de

perfil pluridisciplinar. As interações podem ser motivadas por estas novas atividades

experimentais ou por questões levantadas durante a experimentação ou até mesmo em

seu período de socialização, como ocorrido no quinto experimento em apenas um dos

grupos.

Algumas pesquisas podem ser realizadas explorando os aspectos cognitivos

presentes na consolidação da abstração, generalização, formalização, modelação e

comunicação, etapas importantes que ocorrem durante a aprendizagem e que puderam

ser observadas nas atividades desta pesquisa, com ênfase nas três primeiras etapas.

Outras pesquisas podem ser realizadas através da análise de experiências que possam

ser constituídas de situações problemas que enfoquem as possíveis interações da

Matemática com outras áreas de conhecimento, proporcionando a busca de novos meios

de transformação da realidade pedagógica em que se está inserido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIEMBENGUT, M. S; Hein, Nelson. (1993). Modelagem Matemática no ensino. São

Paulo: Contexto.

DAVIS, Philip J. & Hersh, Reuben. (1995). A experiência matemática. Lisboa: Gradiva.

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D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática – elo entre as tradições a modernidade.

Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

FROTA, Maria Clara R. (2005). Experiência Matemática e Investigação matemática. V

CIBEM. Porto.

MARQUES, Cláudio; Silveira, Ênio. (2008). Matemática: compreensão e prática

– 5ª série / 6º ano. São Paulo: Moderna.

PIRES, Célia Maria Carolino. (2000). Currículos de Matemática: da organização linear

à idéia de rede. São Paulo: FTD.

PONTE, João Pedro da; BROCARDO, Joana; OLIVEIRA, Hélia. Investigações

Matemáticas na sala de Aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

ZABALA, Antoni. (1998). A prática educativa. Porto Alegre: Artmed.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

UMA REFLEXÃO SOBRE AS POTENCIALIDADES DO JOGO ASSOCIADO A

TEORIAS DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

Rafael José Alves do Rego Barros – UFRPE/IFPE – [email protected]

Josinalva Estacio Menezes – UnB – [email protected]

RESUMO

Neste trabalho objetivamos refletir sobre as potencialidades do jogo associado a teorias

de aprendizagem em matemática no ensino superior. Enquanto material didático, o jogo

vem sendo apontado no ensino básico como ferramenta valiosa na aprendizagem do

aluno. Além disso, tanto ajuda na formação da cidadania quanto na aprendizagem e

formação do indivíduo, ajuda a desenvolver a auto-estima, ética, convivência em grupo,

etc. Para a metodologia, optamos por fazer um estudo bibliográfico. Para dar uma

contribuição mais efetiva ao estudo, focamos no conteúdo “indução finita”, presente nos

cursos de Graduação em Matemática. Concluímos encaminhando o jogo como recurso

potencial para o auxílio no processo de ensino-aprendizagem no nível superior, desde

que adequadamente associado ao conteúdo.

Palavras-Chave: ensino superior, jogos matemáticos, indução finita.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho objetivamos refletir sobre as potencialidades do jogo associado a

teorias de aprendizagem em matemática no ensino superior. Enquanto material didático,

o jogo vem sendo apontado no ensino básico como ferramenta valiosa na aprendizagem

do aluno. Além disso, ajuda a formação da cidadania quanto à contribuição ao

desenvolvimento de habilidades, tomada de decisões, reflexões sobre atitudes, entre

outros. Na aprendizagem e formação do indivíduo, ajuda a desenvolver a auto-estima,

ética, convivência em grupo, etc.

Tendo tomado conhecimento de poucas pesquisas no ensino superior, mas

conscientes de encaminhamentos sobre atividades como essa em documentos oficiais

com a LDB, consideramos pertinente um estudo sobre o tema citado.

Justificamos ainda a pesquisa pela indicação de documentos orientadores do

ensino, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e a Lei de

Diretrizes e bases. Consideramos também como outra razão para o estudo a quase

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unanimidade de depoimentos positivos sobre o jogo na formação integral do indivíduo

por pesquisadores de várias áreas do conhecimento.

Assim sendo, para a metodologia, resolvemos fazer este estudo bibliográfico.

Buscamos levantar as pesquisas existentes sobre o jogo especificamente no ensino

superior para uma revisão de literatura, fizemos uma discussão sobre o jogo, ensino

superior, e as tecnologias do computador. Abordamos também a teoria da

Aprendizagem Significativa de David Ausubel com foco nos subsunçores, destacando a

potencialidade do jogo nesse sentido. Finalizamos com uma breve exposição do

conteúdo em foco, e apresentamos jogos cuja dinâmica de matematização do número

mínimo de movimentos para alcançar o objetivo está diretamente ligado à indução

finita.

Foi para dar uma contribuição mais efetiva ao estudo, que focamos neste conteúdo

referente aos cursos de Graduação em Matemática, seja licenciatura ou bacharelado, que

é a indução finita. O referido conteúdo compõe o programa de pelo menos duas

disciplinas da graduação, e é pré-requisito para vários outros da pós-graduação.

O USO DE JOGOS MATEMÁTICOS EM SALA DE AULA

O uso dos jogos matemáticos em sala de aula vem sendo utilizado por alguns

professores do Ensino Básico na disciplina de matemática, porém no Ensino Superior

essa prática não é muito abordada. Os jogos, quando bem utilizados, podem se

constituir numa ferramenta muito rica no processo de ensino-aprendizagem, pois tira um

pouco o aluno da abstração com situações-problemas que para ser resolvidas geralmente

é preciso mobilizar muitos conceitos matemáticos.

Segundo Maria da Glória Lopes, psicopedagoga, que tem realizado alguns

trabalhos com jogos:

É fácil e eficiente aprender por meio de jogos, e isso é válido para todas as

idades, desde o maternal até sua fase adulta. O jogo em si possui

componentes do cotidiano e o envolvimento desperta o interesse do

aprendiz, que se torna sujeito ativo do processo, e a confecção dos próprios

jogos é ainda muito mais emocionante do que apenas jogar (LOPES, 1998,

p.23-25).

Essa idéia é reforçada por BORIN (1996, p.9):

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Outro motivo para a introdução de jogos nas aulas de matemática é a

possibilidade de diminuir bloqueios apresentados por muitos de nossos

alunos que temem a Matemática e sentem-se incapacitados para aprendê-la.

Dentro da situação de jogo, onde é impossível uma atitude passiva e a

motivação é grande, notamos que, ao mesmo tempo em que estes alunos

falam Matemática, apresentam também um melhor desempenho e atitudes

mais positivas frente a seus processos de aprendizagem.

No ensino superior, Menezes defende a possibilidade de contribuição dos jogos na

aprendizagem de alguns conteúdos de ensino superior como a indução, as sequências e

as funções entre outros. Para ela, os jogos matemáticos são ferramentas que podem dar

boa contribuição na aprendizagem, pois podemos explorar de forma concreta, e sairmos

um pouco da abstração (MENEZES, 2008).

Nos cursos de Licenciatura em Matemática, há disciplinas cujos conteúdos são

bastante abstratos, desvinculados de situações reais e sem aplicabilidade prática,

fazendo com que o aluno tenha certa dificuldade em entendê-lo, com o auxilio dos jogos

pedagógicos facilitaremos a compreensão, desenvolvendo o raciocínio lógico, a

socialização, a criatividade, iniciativa e intuição do aluno. Segundo Menezes:

O que caracteriza o jogo pedagógico é sua finalidade básica, ou seja, a

aprendizagem. O professor pode, então, lançar mão do mecanismo da

intervenção pedagógica, para dirigir essa utilização do jogo junto aos alunos,

com o objetivo de buscar minimização das dificuldades dos alunos, tanto

quanto a participação dos mesmos no jogo, quanto à aprendizagem dos

conteúdos a eles relacionados, bem como orientá-los para o estudo dos

conteúdos ministrados. (MENEZES, 2008, p.33).

O licenciando, quando joga, busca relacionar a estratégia de vitória a um conceito

matemático aprendido anteriormente para tentar a solução do jogo.

Os jogos utilizados em sala de aula são classificados por Brenelli em três tipos:

- jogos estratégicos, onde são trabalhadas as habilidades que compõem o

raciocínio lógico. Com eles, os alunos lêem as regras e buscam caminhos para atingirem

o objetivo final, utilizando estratégias para isso;

- jogos de treinamento, os quais são utilizados quando o professor percebe que

alguns alunos precisam de reforço num determinado conteúdo e quer substituir as

cansativas listas de exercícios. Neles, quase sempre o fator sorte exerce um papel

preponderante e interfere nos resultados finais;

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- jogos geométricos, que têm como objetivo desenvolver a habilidade de

observação e o pensamento lógico. Com eles conseguimos trabalhar figuras

geométricas, semelhança de figuras, ângulos e polígonos. (BRENELLI, 1996, p.56).

Foi uma das pretensões dessa pesquisa mostrar que o uso dos jogos matemáticos

em sala de aula também pode ocorrer no ensino superior, para isso vamos utilizamos

para abordar o conteúdo de indução finita em disciplinas de álgebra moderna. Nosso

jogo se enquadra no primeiro tipo.

ALGUMAS PESQUISAS REALIZADAS COM JOGOS NO ENSINO SUPERIOR

Dentre os trabalhos recentes sobre jogos matemáticos no ensino superior,

podemos citar a dissertação de Marleide Virgínio Cavalcante Ferreira, defendida em

2006 pelo PPGEC da UFRPE, intitulada “Concepções de licenciandos de matemática

sobre a utilização de jogos no ensino básico como uma ferramenta para o ensino

aprendizagem”. O objetivo era investigar o efeito do uso de jogos como recurso

metodológico para o ensino de Matemática na Educação Básica na formação inicial de

alunos do 7º e do 8º períodos do curso de Licenciatura em Matemática a luz da Teoria

dos Campos Conceituais de Gérard Vergnaud. Em seu trabalho, utilizou jogos reais e

virtuais em encontros distintos com diferentes enfoques e objetivos entre os jogos

trabalhados destacam-se o P3 que se refere à análise combinatória e o salto de rã que

possui aplicações no ensino fundamental, médio e superior. Segundo a autora, o

trabalho foi bastante significativo visto que permitiu perceber avanços relevantes na

maneira desses futuros professores e professoras conceberem o significado da atividade

de matemática em sala de aula.

O artigo da Professora Dra. Ângela Marta Pereira das Dores Savioli, do programa

de pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Estadual de

Londrina (UEL), escrito na Revista Bolema em 2007, nº 20, PP. 41 a 51 cujo título era

“Uma Reflexão sobre a Indução Finita: relato de uma Experiência” que tinha o intuito

de apresentar aos alunos a indução finita de uma maneira reflexiva em que ela optou por

utilizar a investigação matemática numa prática em sala de aula. A idéia foi levar o

aluno a ter uma experiência matemática, buscando-se a reflexão do mesmo na utilização

de algumas fórmulas matemáticas inclusive de geometria plana. E a dissertação de seu

orientando também do programa de pós-graduação em Ensino de Ciências da UEL,

Eduardo Machado da Silva sobre “Compreensão de Estudantes de um Curso de

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Matemática a Respeito do Conceito de Indução Finita”, que também tem como

preocupação o ensino-aprendizagem de indução finita.

Incluímos também a dissertação de Santos, um pouco mais antiga, de 1979, mas

com uma grande contribuição na Educação Matemática. Ele criou um jogo de cartas

para ensinar conteúdos de Análise Real em uma turma de licenciatura em matemática.

Como resultado, o rendimento dos alunos melhorou visto que a disciplina de análise

real é considerada pelos alunos um dos pontos críticos, ao lado de Cálculo I, dos Cursos

de Licenciatura em Matemática.

Finalmente, citamos a dissertação de Santos Jr. (2011), que foi defendida no

Programa de Pós-graduação em ensino das ciências da Universidade Federal Rural de

Pernambuco. A referida pesquisa objetivou investigar as formas de mobilização de

conteúdos matemáticos em atividades práticas em contextos de jogo com licenciandos

de matemática”. A pesquisa foi apoiada nas idéias da teoria da Aprendizagem

Significativa de David Ausubel, e ainda mais especificamente nas suas idéias sobre os

subsunçores. Além disso, o pesquisador recorreu à resolução de problemas para

fundamentar a utilização dos jogos. A metodologia proposta foi direcionada os para

alunos do curso de licenciatura em matemática da UFRPE que já tinham cursado as

disciplinas que já tinham abordado os conteúdos que poderiam ser mobilizados nos

jogos. Como resultados, foi verificado que os alunos, associaram conteúdos de

matemática à dinâmica de escolher os movimentos do jogo, e em algumas estratégias

parciais de resolução do mesmo, embora não o tivessem feito para a estratégia de

vitória.

Estes trabalhos destacam a pertinência de pesquisas sobre o tema, mas

acreditamos que são ainda em numero pequeno para a importância nos cursos de

graduação na área das ciências exatas, o que torna válida nossa pesquisa. Trabalhando

com o ensino superior, em disciplinas que incluem a indução finita, escolhemos este

conteúdo para nosso foco.

O ENSINO DE INDUÇÃO FINITA

A indução finita é uma das maneiras de se desenvolver uma demonstração

matemática. Existem outras formas, e o estudante que quiser prosseguir em sua

formação na área das ciências exatas, em particular em matemática, precisará estar

familiarizado com estas idéias. Savioli (2007) classifica os tipos de demonstrações

matemáticas como:

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Prova por construção ou demonstração direta: a partir de algumas hipóteses é

possível chegar, por dedução, à tese;

Prova por absurdo: nega-se a tese e, a partir das hipóteses configuradas, chega-se

a um absurdo. Como exemplo tem-se a prova que Euclides fez para a existência

de infinitos números primos;

Prova utilizando-se a contra-positiva: nega-se a tese e chega-se a uma negação

da hipótese. Como exemplo tem-se a prova de que para um inteiro n qualquer, se

n² é par, então n é par;

Prova de existência: constrói-se um objeto matemático. Como exemplo, tem-se a

prova da existência do máximo divisor comum de dois ou mais números

inteiros;

Prova de unicidade: conclui-se que um objeto é único. Como exemplo, tem-se a

questão da unicidade do elemento neutro para a adição nos inteiros;

Prova por contra-exemplo: exibe-se um caso particular no qual a propriedade

não vale. Como exemplo, tem-se a prova de que nem todo número primo é

ímpar.

No curso de graduação em matemática, o conceito de indução é ensinado nos

períodos iniciais, geralmente nos primeiros contatos com as disciplinas de álgebra

moderna, dando ênfase a técnicas de transformações algébricas dissociadas de situações

reais.

Na Matemática a indução finita é uma das várias técnicas de demonstração,

também denominada indução matemática.

A idéia de indução é o primeiro contato do aluno com a idéia do infinito, por isso

sua importância dentro da matemática, conforme argumenta Hefez:

É preciso ter clareza que a Indução Matemática é diferente da indução

empírica das ciências naturais, em que é comum, após um certo número,

necessariamente finito, de experimentos, enunciar leis gerais que governam o

fenômeno em estudo. Essas leis são tidas como verdades, até prova em

contrário. Na matemática, não há lugar para afirmações verdadeiras até prova

em contrário. A Prova por Indução Matemática trata de estabelecer que

determinada sentença aberta sobre os naturais é sempre verdadeira. (HEFEZ,

2009, p.8).

Ainda sobre indução finita, LIMA (2009) afirma que:

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O Princípio da Indução é um eficiente instrumento para a demonstração de

fatos referentes aos números naturais. Por isso deve-se adquirir prática em

sua utilização. Por outro lado, é importante também conhecer seu significado

e sua posição dentro do arcabouço da Matemática. Entender o Princípio da

Indução é praticamente o mesmo que entender os números naturais (LIMA,

2009, pag. 1).

Para fixarmos idéias, apresentamos a definição encontrada Iezzi (2006) sobre

indução finita:

“Seja p(n) uma função proposicional cujo universo só é o conjunto dos inteiros

maiores que ou iguais a um inteiro dado a. Suponhamos que consiga provar o seguinte:

i) P(a) é verdadeira.

ii) Se r a e p(r) é verdadeira, então p(r + 1) também é verdadeira.

Então p(n) é verdadeira para todo n a.

Vejamos como usar esse método para mostrar a validade, para todo natural n 1,

da fórmula: 212...531 nn

Observe que P(1) é verdadeira, já que a fórmula é trivialmente válida para n = 1.

Suponha agora que, para algum n natural, P(n) seja verdadeira; ou seja, que:

212...531 nn

Queremos provar que P(n+1) é verdadeira. Somando 2n+1, que é o próximo número

ímpar após 2n – 1, a ambos os lados da igualdade acima, obtemos a igualdade também

verdadeira:

22 1121212...531 nnnnn

Isso mostra que P(n+1) é verdadeira, toda vez que P(n) é verdadeira. Pelo

teorema, a fórmula é válida para todo número natural n.” (IEZZI, 2006, p. 31)

Segundo Hefez (2009), essa demonstração acima foi feita pela primeira vez em

1575 e foi realizada por Francisco Maurolycos.

De acordo com Polya (1975):

A indução é o processo de descoberta de leis gerais pela observação de casos

particulares. É utilizada em todas as áreas das ciências, inclusive na

matemática. A indução matemática é utilizada exclusivamente na

Matemática, para demonstrar teoremas de um certo tipo. É de lamentar que

estes nomes estejam relacionados, pois há muito pouca conexão lógica entre

os dois processos. Há, no entanto uma conexão prática, pois muitas vezes

utilizamos ambos conjuntamente. (POLYA, 1975, p 91).

Essa descrição mostra o quanto o conteúdo e abstrato e, no senso comum de

professores que ministram a disciplina, os alunos têm dificuldade em observar os

Page 154: Sociedade Brasileira de Educação Matemática Regional ... · estudo, utilizamos arsenal teórico do campo conceitual de Vergnaud como meio de aprender conteúdos matemáticos por

8

padrões de repetição que permitem levar à matematização que forneça uma fórmula

geral para a situação proposta no problema.

Consideramos, no entanto, que, uma vez que o princípio de indução finita

pressupõe a existência e busca de uma fórmula que depende de uma contagem, portanto

relativa aos números naturais, consideramos que jogos existentes como os Anéis

Chineses, a Torre de Hanói e o Salto de Rã, jogos existentes em laboratórios de ensino

de matemática podem ser inseridos neste contexto. Uma vez que, na busca de contar

estabelecer o número mínimo de jogadas ou movimentos para alcançar o objetivo, além

da citada seqüência de movimentos necessariamente seguir algum padrão, tal número

pode ser encontrado indutivamente, consideramos que estes jogos possam auxiliar no

processo de ensino e aprendizagem do conteúdo em foco.

O nosso interesse é saber até que ponto os jogos matemáticos podem compor uma

proposta pedagógica no ensino-aprendizagem do conteúdo de indução finita a fim de

refletir sobre suas aplicações matemáticas em cursos de graduação associados a uma

teoria de aprendizagem, focando no conteúdo da indução finita.

REFLEXÃO SOBRE INDUÇÃO E A TEORIA DA APRENDIZAGEM

SIGNIFICATIVA DE AUSUBEL

A indução finita como é vista normalmente nos cursos de graduação, em especial

o curso de matemática, leva o aluno à idéia de algo puramente algébrico e sem

aplicabilidade. No entanto, problemas envolvendo jogos como exemplo da Torre de

Hanói, Salto de Rã e Anéis Chineses podem ser abordados com o método da indução

finita, de modo a compor um trabalho que tenha o fim de contribuir através de

atividades adequadamente elaboradas pelo professor, juntando a estrutura do jogo, o

conteúdo indutivo e atividades que relacionem jogo e conteúdo, para o aprendizado do

conteúdo de indução finita no ensino superior. Vamos nos embasar na Teoria da

Aprendizagem Significativa de Ausubel para estudar essas possibilidades.

Para tratar então deste processo de aprendizagem, recorremos à Teoria da

Aprendizagem Significativa de Ausubel (1978), a qual:

...consiste no facto de que novas idéias expressas de forma simbólica (a tarefa

de aprendizagem) se relacionam àquilo que o aprendiz já sabe (a estrutura

cognitiva deste numa determinada área de matérias), de forma não arbitrária e

não literal, e que o produto desta interacção activa e integradora é o

surgimento de um novo significado, que reflecte a natureza substantiva e

denotativa deste produto interactivo. (AUSUBEL, 2003, p.71)

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Geralmente, os alunos possuem dificuldades em interpretar um problema que

envolva o conteúdo de indução pelo fato de na maioria das vezes ele apenas operar com

questões de “prove e demonstre”, como visto no capítulo anterior. Por causa disto,

vamos nos embasar na teoria cognitivista de Ausubel para verificar se os alunos após o

uso dos jogos conseguem relacionar o conceito de indução em uma situação problema.

Esses conhecimentos prévios (indução finita), para resolução dos problemas

contextualizados, são para Ausubel os subsunçores, que segundo Coll:

Isso ocorre quando uma nova informação é ancorada nos conceitos relevantes

já existentes na estrutura cognitiva do aprendiz, ou ainda por acontecer

interação entre saberes específicos, onde o saber pré-existente é definido por

subsunçor (COLL, 2004)

A partir disso, é possível buscar identificar se pode haver uma aprendizagem

significativa dos alunos, através da mobilização do conceito de indução finita, enquanto

subsunçor. Segundo Ausubel (1978), para que isso ocorra, é preciso que o conteúdo a

ser ensinado faça algum sentido para o aprendiz.

Quando Ausubel (1978) usa o termo “ancoragem”, o mesmo tem o significado de

explicitar que as idéias preexistentes têm de fornecer apoio as novas idéias recém

aprendidas. Segundo o próprio autor:

O aprendizado significativo acontece quando uma informação nova é

adquirida mediante um esforço deliberado por parte do aprendiz em ligar a

informação nova com conceitos ou proposições relevantes pré-existentes em

sua estrutura cognitiva (AUSUBEL et al., 1978, p. 159).

Abaixo temos uma ilustração da Teoria da Aprendizagem Significativa de

Ausubel quanto à associação entre jogo e situações-problemas.

Figura 1. Esquema da ligação entre Teoria de Aprendizagem Significativa, jogos e

indução finita em situações-problema

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Utilizando

Apoiando-se nesta teoria, podemos constatar que, considerando que a dinâmica

dos jogos segue uma contagem diretamente ligada ao número de peças, e que o número

mínimo de movimentos necessários para alcançar o objetivo pode ser expresso por uma

fórmula que depende de tal número, fórmula essa que pode ser provada por indução,

este conteúdo funciona como subsunçor na busca do estabelecimento da estratégia de

vitória do jogo e que portanto pode ajudar no processo de ensino-aprendizagem. Isso

corresponde a uma situação prática, onde se aplica o conteúdo, podendo ajudar o aluno

a fixar o mesmo.

CONCLUSÃO

A partir das reflexões feitas sobre jogo, a teoria significativa da aprendizagem, o

valor do jogo enquanto recurso e as formas de relacionar os elementos citados, apoiados

em algumas pesquisas já realizadas, consideramos que o jogo tem um potencial

pedagógico para o processo de ensino-aprendizagem também no nível superior.

Concordamos que no ensino superior, os estudantes estejam em maior grau de

desenvolvimento, portanto alcançam maior nível de abstração matemática. Isso, porém,

não restringe a atuação do professor e nem leva a desconsiderar a aplicação de recursos

didáticos como o jogo. A didática é uma área do conhecimento que também aponta o

jogo como recurso válido. Desse modo, acreditamos no potencial do jogo como

elemento que pode contribuir para a aprendizagem no ensino superior, em particular a

indução finita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

DO PENSAMENTO ALGÉBRICO À LINGUAGEM ALGÉBRICA: ANÁLISE

DAS RESPOSTAS DE ALUNOS DO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Débora Silva Veloso

Universidade Federal de Ouro Preto

[email protected]

Ana Cristina Ferreira

Universidade Federal de Ouro Preto

[email protected]

RESUMO

Embora seja fundamental no currículo de Matemática, a Álgebra figura como

uma das áreas que oferece maiores dificuldades para professores e alunos. O presente

texto é parte de uma Dissertação de Mestrado em andamento e tem como objetivo

apresentar algumas reflexões acerca dessa temática. A partir de uma breve revisão de

literatura sobre o desenvolvimento do pensamento algébrico e da linguagem algébrica,

principalmente por alunos iniciantes no estudo da Álgebra, analisamos as respostas de

uma classe de 6º ano do Ensino Fundamental em uma atividade, cujo foco foi perceber

se os alunos apresentam alguns elementos caracterizadores do pensamento algébrico e

de que forma eles expressam esse pensamento. Os resultados indicam que a maioria dos

alunos apresenta dificuldade de abstração e generalização. Aqueles que apresentaram

alguma manifestação do pensamento algébrico conseguiram expressá-lo, apesar de não

disporem de uma linguagem específica para exprimir esse pensamento. Dessa forma,

pudemos confirmar a ideia de que o pensamento algébrico não prescinde da linguagem

algébrica para seu desenvolvimento e expressão. Esses resultados preliminares

evidenciam, mais uma vez, a importância de se repensar, refletir e analisar

cuidadosamente como deve ser o trabalho nas classes introdutórias de Álgebra.

Palavras chave: Educação algébrica, pensamento algébrico, linguagem algébrica.

INTRODUÇÃO

Em nossa experiência docente, principalmente com alunos do Ensino

Fundamental, pudemos verificar, mais de uma vez, o que já percebíamos desde o tempo

de estudante: os alunos apresentam grande dificuldade no estudo da Álgebra.

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A partir de nossas leituras, pudemos confirmar que ensino da Álgebra ocupa um

espaço importante nos currículos e textos escolares brasileiros e de inúmeros outros

países. Segundo Ponte (2005, p. 36), “na maioria dos países, a Álgebra é um tema

fundamental do currículo da Matemática escolar. Quem não tiver uma capacidade

razoável de entender a sua linguagem abstrata e de a usar na resolução dos mais

diferentes problemas e situações está seriamente limitado na sua competência

matemática”.

De acordo Fiorentini, Miorim e Miguel (1992), a Álgebra ocupa um lugar

privilegiado nas escolas e nos livros didáticos, porém, não raras vezes, os alunos

apresentam dificuldades para compreendê-la e aplicá-la em contextos que exigem

habilidades além das manipulações de regras e algoritmos. Para Fiorentini, Miorim e

Miguel (1992) e Gil (2008), apesar de a Álgebra ocupar lugar de destaque nos

currículos, nas escolas e nos livros didáticos, parece haver poucas reflexões críticas dos

educadores sobre seu ensino.

Ao analisar quantitativamente a produção brasileira de pesquisas relativas ao

ensino e à aprendizagem das três áreas da Matemática (Aritmética, Álgebra e

Geometria), Fiorentini, Miorim e Miguel (1992, p. 39) observam que “dentre as mais de

150 teses e dissertações de mestrado ou doutorado produzidas no Brasil entre 1972 e

1990, tendo como objeto de pesquisa a educação matemática, 9 tem como preocupação

básica o ensino da Aritmética, 8 o ensino de Geometria e nenhuma o ensino da Álgebra

Elementar”.

Segundo esses autores, “a partir do final da década de 70, a comunidade de

educadores matemáticos brasileiros passou a preocupar-se mais efetivamente com o

ensino da Geometria em nível de 1º e 2º graus” (p. 40). Tal fato pode ser entendido

como uma reação ao que alguns professores e pesquisadores em Educação Matemática

chamou de “o abandono da Geometria”. Vários eram os motivos para esse abandono,

porém, o que os autores destacam é um segundo “abandono”: o do ensino da Álgebra.

É notável que a Álgebra já tinha um lugar de destaque entre as áreas da Matemática.

Contudo, poucas eram as reflexões críticas a respeito de seu ensino. Não se percebia a

necessidade de renovações que pudesse dar ao ensino desse conteúdo novas direções e

significações.

Hoje encontramos uma situação um pouco diferente. Ao realizar uma busca no

Banco de Teses da CAPES, no dia 24 de agosto de 2010, utilizando os termos “ensino”,

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“aprendizagem” e “álgebra”, localizamos 151 trabalhos, entre dissertações de mestrados

e teses de doutorado. Contudo, lendo os resumos, verificamos que apenas 40 desses 151

trabalhos tratam do ensino e/ou da aprendizagem da Álgebra abordada no Ensino

Fundamental e Médio. As demais pesquisas tratam do ensino e/ou da aprendizagem da

Álgebra ou Álgebra Linear em cursos de Engenharia ou afins.

Um ponto crucial e abordado na maioria dos trabalhos sobre o ensino e a

aprendizagem da Álgebra é a ênfase no simbolismo, desde os primeiros contatos com a

Álgebra, em detrimento do desenvolvimento do pensamento algébrico. Aprender as

regras de manipulação dos símbolos algébricos sem atribuir-lhes sentido apresenta-se

como um dos principais entraves para o aprendizado desse ramo da Matemática e não

tem se mostrado um caminho adequado que permita ao aluno, posteriormente, aplicar

conceitos algébricos nos diversos campos da matemática.

A questão do simbolismo em Álgebra atravessa séculos. Ponte (2005, p. 2)

afirma que

Dado o modo como foi ensinada durante séculos, a Álgebra é

usualmente vista como tratando de regras de transformação de

expressões (monômios, polinômios, frações algébricas, expressões com

radicais) e processos de resolução de equações e sistemas de equações.

Segundo Gil (2008, p.2), “desde o início do estudo da Álgebra até o início da

década de 60, quando se inicia o Movimento da Matemática Moderna, o seu ensino era

predominantemente de caráter mecânico e reprodutivo, sem clareza alguma”. Nessa

mesma linha, Ayarza et al (2007, p. 82) critica:

(...) os professores ensinam a álgebra inicial seguindo uma tradição

centrada na manipulação mecânica com símbolos. Tipicamente os

alunos aprendem a operar expressões algébricas e resolver equações de

primeiro grau, sem que estas tarefas tenham significação para eles ou as

vinculem a problemas de contexto real, ou as relacionem com

processos de modelação ou sirvam de aproximação a formas de

pensamento matemático de tipo indutivo, argumentativo, conjectural ou

demonstrativo (tradução da autora).

Nossa experiência como docente corrobora essas ideias. A ênfase na

manipulação dos símbolos algébricos sem uma construção de sentido para os mesmos,

não permite que a maioria dos alunos apreenda seu valor e cria obstáculos inclusive para

a aprendizagem do tema.

Dessa forma, podemos perceber que os problemas atualmente enfrentados no

ensino da Álgebra podem ser reflexos das etapas históricas de suas implementações nos

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currículos escolares. Faz-se necessário, então, um estudo, mesmo que breve, sobre a sua

história no currículo brasileiro para que se compreenda melhor o que ocorre hoje.

DE ONDE VEM ESSA FORMA DE CONCEBER O ENSINO DE ÁLGEBRA?

Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, a concepção de

educação algébrica predominante era baseada na crença de que o aprendizado das

técnicas requeridas pelo transformismo algébrico era o suficiente para que o aluno fosse

capaz de resolver problemas. Os manuais didáticos de Álgebra da primeira metade do

século XX, segundo Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), conservavam a tradição de

inúmeros textos franceses e ingleses do século XVIII, que mostravam ênfase ao uso de

regras e algoritmos, devido, em boa parte, à incerteza que, nesta época, perdurava em

relação aos seus fundamentos. Tais autores nomeiam essa concepção de lingüístico-

pragmática.

Com o Movimento da Matemática Moderna surge uma preocupação em

superar esse ensino mecânico e sem sentido e a Álgebra tem lugar de destaque no

ensino, tornando-se o elemento unificador dos campos da Matemática.

Com esse movimento, veio também uma nova concepção para a educação

algébrica, nomeada por Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) de fundamentalista-

estrutural, em que o papel da Álgebra é o de fundamentar os vários campos da

Matemática escolar. Segundo Gil (2008, p. 3), “acreditava-se que a introdução de

propriedades estruturais das operações que justificassem cada passagem presente nos

transformismos algébrico capacitaria o aluno a aplicar essas estruturas nos mais

diferentes contextos”.

Nesse sentido, a Álgebra envolve um conjunto de ações para os quais é possível

produzir significados e estabelecer relações em termos de números e operações, de

forma que os alunos, a partir de tarefas guiadas pelo professor, possam construir

significado para o seu estudo e consiga aplicar o conhecimento adquirido em contextos

diversos.

Com o declínio da Matemática Moderna, os educadores passaram a buscar a

Geometria como elemento unificador, enquanto a Álgebra retorna ao papel que ela

desempenhava no currículo tradicional, de um estudo introdutório, descontextualizado e

estático. Essa concepção de ensino da Álgebra é chamada de fundamentalista-

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analógica, e ela busca fazer uma síntese entre as duas concepções anteriores à medida

que

tenta recuperar o valor instrumental da álgebra e preserva a

preocupação fundamentalista, só que não com base nas propriedades

estruturais, mas, sim, através do uso de modelos analógicos

geométricos (blocos de madeira ou mesmo figuras geométricas) ou

físicos (como a balança) que visualizam ou justificam as passagens do

transformismo algébrico (FIORENTINI ET AL, 2005, p. 4).

De acordo com Fiorentini et al (2005), existe um ponto problemático e comum

entre as três concepções de educação algébrica apresentadas. Trata-se da ênfase dada ao

ensino da Álgebra sob o aspecto lingüístico e transformista, dando destaque mais à

sintaxe da linguagem algébrica do que ao desenvolvimento do pensamento algébrico e

seu processo de significação.

Gil (2008), Ponte (2005), Fiorentini et al (2005), entre outros, concordam que

esse excesso no estudo de regras algorítmicas, trata-se, claramente, de uma visão

redutora da Álgebra, que desvaloriza muitos aspectos importantes desta área da

Matemática.

Dessa forma, não cabe classificar a Álgebra como a área da Matemática que

trata apenas de técnicas manipulatórias com símbolos. Usiskin (1995) afirma que a

Álgebra é a “área-chave” de estudo da Matemática na escola secundária1, dado que ela

fornece meios para a caracterização e a compreensão das estruturas matemáticas.

Fiorentini et al (2005) destaca que a Álgebra é “uma forma específica de pensamento e

de leitura do mundo”.

De fato, concordamos com todos os autores citados anteriormente no sentido de

que o ensino de uma linguagem algébrica já constituída, em detrimento da construção

do pensamento e de uma linguagem para expressão desse pensamento deve ser

repensado e reformulado. Nesse sentido, continuaremos no tópico a seguir abordando a

relação entre pensamento e linguagem algébrica e sua importância para o

desenvolvimento dos conceitos algébricos em alunos que se encontram na fase inicial

desse estudo.

PENSAMENTO ALGÉBRICO VERSUS LINGUAGEM ALGÉBRICA

1 High School. Equivalente ao Ensino Médio no Brasil.

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A questão da simbologia e de como ela é introduzida na sala de aula, remete-

nos a um problema complicado, visto que o simbolismo acarreta um grande perigo para

o processo de ensino-aprendizagem da Álgebra na escola básica.

Nesse sentido, concordamos com as ideias de Fiorentini, Miorim e Miguel

(1993) e Fiorentini (2005) de que o pensamento algébrico não prescinde de uma

linguagem estritamente simbólico-formal para sua manifestação.

Em uma análise histórica da evolução da linguagem algébrica, percebemos que

não existe uma única forma de se expressar o pensamento algébrico. De acordo com

Santos (2005), em 1842, Nesselmann, tomando com critério o desenvolvimento da

notação algébrica, caracterizou três estágios históricos da evolução da linguagem

algébrica.

Na Álgebra dos egípcios, dos babilônicos e dos gregos pré-diofantinos, o

pensamento era expresso a partir da linguagem corrente. Não se fazia uso de símbolos

nem de abreviações para demonstrar os passos relativos aos processos operatórios sobre

números ou equações. Essa primeira fase histórica do desenvolvimento da linguagem

algébrica foi chamada retórica ou verbal.

Já no século III, a fase sincopada da linguagem algébrica surgiu com Diofanto

de Alexandria que utilizou uma forma mais concisa e abreviada para escrever suas

equações e, pela primeira vez, utilizou uma letra (no caso, a letra “sigma” do alfabeto

grego) para representar uma incógnita. Essa forma sincopada de expressar o pensamento

algébrico foi, mais tarde, desenvolvida por vários povos, entre eles os hindus, árabes e

italianos.

A fase simbólica, que é como encontramos a manifestação do pensamento

algébrico avançado hoje, corresponde ao uso somente de símbolos, sem recorrer ao uso

de palavras. Viète (1540-1603), embora utilizasse um estilo sincopado, foi o principal

responsável pela introdução de vários símbolos na Álgebra. Porém, quem consolidou o

uso da linguagem simbólica foi Descartes (1596-1650), utilizando as últimas letras do

alfabeto (x, y, z, ...) como variáveis e as primeiras (a, b, c, ...) como quantidades fixas.

Dessa forma, observando a evolução histórica da linguagem algébrica,

percebemos que não é só através da linguagem simbólica e específica para este fim que

podemos expressar o pensamento algébrico. „Ele pode expressar-se através da

linguagem natural, através da linguagem aritmética, através da linguagem geométrica

(...)‟ (Fiorentini, Miorim e Miguel, p. 88, 1993).

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E, assim como em Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) e Fiorentini el al (2005),

acreditamos que não há uma relação de subordinação do pensamento algébrico à

linguagem algébrica, embora a facilidade com a linguagem possa potencializar e

promover o desenvolvimento do pensamento algébrico. Acreditamos que a linguagem

facilita o pensamento e vice-versa.

Percebemos, então, que um dos grandes objetivos ao ensinar Álgebra nas

escolas é desenvolver nos alunos o pensamento algébrico que vai muito além da simples

capacidade da manipulação de símbolos. O pensamento algébrico inclui a capacidade

de lidar com o cálculo algébrico, com as estruturas matemáticas e saber aplicar tais

conhecimentos na interpretação e resolução de problemas matemáticos ou de outros

domínios.

O aluno que desenvolve o pensamento algébrico é capaz de entender não só os

algoritmos, mas, também, o sentido do símbolo, ou seja, a capacidade de interpretar e

usar esses símbolos nos diversos domínios da Matemática. Nesse tipo de pensamento, o

estudante voltará sua atenção não só para as „letras‟ empregadas nas expressões

algébricas, mas também nas relações existentes entre elas, raciocinando e manipulando

sobre essas relações de modo geral e abstrato tanto quanto necessário.

Alguns dos elementos que caracterizam o pensamento algébrico segundo

Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) são a percepção de regularidades, a percepção de

aspectos invariantes em contraste de outros que variam, as tentativas de expressar ou

explicar a estrutura de uma situação problema e a presença do processo de

generalização.

Ponte (2005, p. 37), apoiando-se no NCTM2 de 2000, afirma que o pensamento

algébrico diz respeito aos quatro tópicos abaixo:

Compreender padrões, relações e funções (Estudo das estruturas);

Representar e analisar situações matemáticas e estruturas, usando símbolos

algébricos (Simbolização);

Usar modelos matemáticos para representar e compreender relações

quantitativas;

Analisar mudança em diversas situações (Estudo da variação).

2 National Council of Teachers of Mathematics.

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Consideramos, assim, que as técnicas algorítmicas são parte do pensamento

algébrico. No entanto, esse pensamento inclui igualmente a capacidade de lidar e aplicar

as estruturas matemáticas de um modo geral na interpretação e resolução de problemas

ou, até mesmo, em outros domínios.

Contudo, Ponte (2005) destaca que, apesar de na Educação Matemática não

faltarem críticas ao simbolismo, não podemos negar que o simbolismo é parte essencial

da Matemática. Em Álgebra, o uso dos símbolos tem o poder de aglutinar as idéias

concebidas operacionalmente em agregados compactos, tornando a informação mais

fácil de compreender e manipular.

Para Fiorentini et al (2005, p.6),

não podemos deixar de reconhecer que o pensamento algébrico se

potencializa à medida que, gradativamente, o estudante desenvolve uma

linguagem mais apropriada para ele. Assim, se de um lado, a introdução

precoce e sem suporte empírico a uma linguagem simbólica e abstrata

pode funcionar como obstáculo ao desenvolvimento do pensamento

algébrico, de outro, o menosprezo ou recusa ao modo simbólico e

formal de pensar algebricamente, pode representar também um freio ao

pleno desenvolvimento do pensamento algébrico.

Porém, se priorizamos a manipulação dos símbolos e perdemos de vista seu

significado, corremos o risco de cairmos no formalismo sem sentido.

Em vista da importância do desenvolvimento do pensamento algébrico dos

alunos principiantes no estudo da Álgebra, no presente artigo, apresentamos brevemente

uma análise inicial de uma atividade3 realizada em uma classe 6º ano do Ensino

Fundamental, a qual teve como principal objetivo verificar o quanto os alunos

compreendem, generalizam e abstraem as relações presentes em padrões e sequências e

de que forma eles expressam suas descobertas acerca de tais assuntos. Vale ressaltar que

a atividade foi aplicada em uma escola da rede particular da cidade de Belo Horizonte e

que uma das pesquisadoras é a professora da turma que conta com 16 alunos.

ANÁLISE DA ATAIVIDADE

3 A sondagem aplicada no início do trabalho de campo contava com seis questões, porém, devido às

limitações de espaço, discutiremos aqui apenas duas questões relacionadas diretamente com o assunto

tratado no presente texto: as o desenvolvimento do pensamento e da linguagem algébrica em alunos

iniciantes no estudo da Álgebra.

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Como já citado anteriormente, o objetivo da aplicação de tal atividade foi

verificar quão os alunos estão aptos para percepção e generalização de padrões e

sequências, além de buscar entendimento sobre o modo como os alunos expressam o

seu raciocínio, antes da intervenção efetiva das pesquisadoras na turma.

As duas questões no momento analisadas, contam com atividades de percepção e

generalização de padrões e sequências. Segundo Pimentel (2005, p. 14), „o uso de

padrões é uma componente poderosa da actividade matemática, uma vez que a sua

procura é indispensável para conjecturar e generalizar‟. Ainda de acordo com as autoras,

A procura e identificação de padrões utilizam e enfatizam a exploração,

investigação, conjetura e prova, desafiando os alunos a recorrer às suas

destrezas de pensamento e ordem superior: fazem parte da resolução de

problemas. Por outro lado, quer os padrões quer a resolução de

problemas são atividades que os estudantes acham interessantes e

desafiadoras (p. 15).

Em vista disso, as tarefas com sequências e padrões são manifestamente úteis na

introdução à Álgebra, além de „promover o desenvolvimento do raciocínio matemático

dos alunos tornando-os bons solucionadores de problemas e pensadores abstratos‟

(Pimentel, 2005, p. 16).

A partir dessas observações, visamos contemplar os seguintes elementos

caracterizadores do pensamento algébrico em tais atividades:

descobrir o padrão de uma sequência;

descrever o padrão por escrito;

continuar um sequência;

prever termos de uma posição qualquer de uma sequência;

generalizar, independentemente da utilização uma linguagem específica para

manifestação das descobertas acerca da atividade.

A primeira questão conta com uma sequência de figuras, através da qual

gostaríamos de perceber se os alunos conseguem generalizar e abstrair, de forma a

determinar qual é a figura em uma posição qualquer da sequência, sem o auxílio do

desenho. Segue abaixo:

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Figura 1: Primeira questão da atividade de sondagem

Dentre os 16 alunos participantes, apenas dois deixaram toda a questão sem

respostas. Dos demais, 14 representaram o item „a‟ corretamente e apenas um

representou de forma errônea. Em vista dessa análise, concluímos que a maioria dos

alunos conseguiu perceber qual a regularidade envolvida nessa sequência de figuras.

Porém, nos itens „b‟ e „c‟, tivemos apenas 9 e 8 acertos, respectivamente. Em

uma análise detalhada, percebemos que o erro de alguns alunos foi decorrente da

imprecisão da figura. Dos alunos que aparentemente fizeram corretamente o item „a‟ e

erraram os itens „b‟ e „c‟, alguns continuaram o desenho da sequência tanto para a

direita, quanto para a esquerda e outros consideraram que a sequência era composta pelo

elemento e não pelos elementos distintos e .

Em um primeiro momento, os itens „d‟ e „e‟, causaram inquietação entre os

estudantes, que acreditaram ser impossível resolvê-los sem desenhar. Em vista disso,

apenas 2 alunos apresentaram a resposta correta no item „d‟, com justificativa de que

ficaram „contando‟. Dos demais alunos, 9 não responderam e 5 apresentaram respostas

incorretas.

Já o item „e‟, 11 alunos deixaram sem repostas. Dos 5 que apresentaram

resposta, 2 argumentaram que seria possível apenas desenhando. Os demais

Observe a sequência de figuras abaixo e depois responda às questões:

a) Continue a sequência desenhando até a 10ª posição.

b) Qual a 8ª figura dessa sequência? Circule-o.

c) Qual a 14ª figura dessa sequência? Complete a seqüência e depois faça um X nela.

d) Sem desenhar, responda: qual a 57ª figura dessa sequência?

Como você descobriu?

e) Como poderíamos criar uma regra que permitisse saber qualquer figura dessa

sequência, mesmo a 189ª ou a 2006ª?

Explique como pensou para responder.

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apresentaram argumentos confusos ou com o mesmo raciocínio errôneo apresentado no

item anterior.

A partir da análise de tais respostas, inferimos que apesar de muitos alunos

conseguirem perceber a regularidade presente na sequência, eles ainda estão presos à

questão do concreto, ou seja, tem dificuldade de abstração e dependem do desenho para

saber a figura em cada posição e, consequentemente, não conseguiram generalizar o

padrão encontrado para posições avançadas na figura.

A segunda aborda a sequência dos números naturais pares, em que pretendemos

verificar se o aluno está preparado para perceber e descrever como é obtido um termo, a

partir do anterior, ou seja, é o início do pensamento recursivo, além de exigirmos

também o processo de generalização da regra encontrada para elementos em posições

avançadas na sequência. Segue abaixo:

Figura 2: Segunda questão da atividade de sondagem

Nessa segunda atividade, os alunos mostraram melhor desempenho. Todos

apresentaram resposta correta no item „a‟, sendo que 12 alunos justificaram a resposta

encontrada com os argumentos de que „a sequência vai de 2 em 2‟ ou „é só somar 2‟.

No item „b‟, 13 alunos apresentaram a resposta correta, sendo que desses, apenas

2 encontraram a resposta continuando a sequência. Os demais, aparentemente, fizeram

mentalmente, „contando de 2 em 2‟.

No item „c‟, 8 alunos responderam corretamente, e desses, 7 justificaram com o

cálculo „2 x 100‟. Consequentemente, esses mesmos 7 alunos responderam „sim‟ no

item „d‟, apresentando justificativa similar à apresentada para o item anterior: „é só

multiplicar por dois o número da sequência dado‟. Outros 3 alunos que responderam

„sim‟ no último item, justificaram argumentando que basta contar de dois em dois.

Observe a sequência de números 2, 4, 6, ...

Agora, responda:

a) Qual é o próximo termo dessa sequência?

Como você descobriu?

b) Qual o 10º termo dessa sequência?

Como você descobriu?

c) Qual é o centésimo termo dessa sequência?

Como você descobriu?

d) Você é capaz de encontrar qualquer termo dessa sequência? ( ) sim ( ) não

Se sim, explique como você pode fazer isso.

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Os resultados apresentados nas duas questões mostram-nos que os alunos

apresentaram maior facilidade em perceber e generalizar o padrão de uma sequência

numérica como a apresentada. Acreditamos que o fato de a sequência da segunda

questão ser composta pelos múltiplos de um número natural (no caso, o número 2)

facilitou o entendimento pelos alunos, visto que a questão da multiplicidade e

divisibilidade já foi trabalhada com eles anteriormente.

Portanto, na segunda questão percebemos a manifestação do pensamento

algébrico de boa parte dos alunos, apesar de eles ainda não disporem de uma linguagem

específica para a manifestação desse pensamento. Pudemos, assim, confirmar nossa

ideia anterior de que o pensamento pode ser desenvolvido antes de uma linguagem

específica para sua expressão e que essa linguagem pode ser construída de forma natural

pelos próprios alunos.

A TÍTULO DE CONCLUSÃO

A Álgebra representa para o aluno um importante suporte conceitual para os

demais conteúdos que ele estudará em sua vida acadêmica. Portanto, acreditamos que a

capacidade de interpretar e usar de forma criativa os símbolos matemáticos deve ser

desenvolvida nos estudantes, de forma a diminuir a ênfase no simbolismo.

Segundo Araújo (2009), a questão da simbologia e de como ela é introduzida

na sala de aula nos direciona ao papel do professor, pois ao longo do processo de

aprendizagem, o aluno poderá construir diferentes convicções sobre a Álgebra, as quais

poderão influenciar positiva ou negativamente no seu sucesso. Em vista disso, devemos

introduzir os alunos no estudo da Álgebra em contextos significativos, que lhes

mostrem o poder que a linguagem algébrica oferece-nos de aglutinar ideias em

agregados compactos, tornando informações mais fáceis de compreender e manipular.

Porém, para que os iniciantes no estudo de tal disciplina construam significados

para tal simbologia, é necessário que tenham em sua formação uma base cognitiva que o

alicerce. Ajudar os alunos a criar esse significado com base no conhecimento que eles já

dominam dever ser nosso objetivo primordial.

Propiciar o desenvolvimento do pensamento e da linguagem algébrica em alunos

do 6º ano do Ensino Fundamental será um desafio. Porém, confiamos na ideia de que

„esse tipo de pensamento não prescinde de uma linguagem estritamente simbólico-

formal para sua formação‟ (Fiorentini, Miorim e Miguel, p. 88, 1993). Logo, o ensino-

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aprendizagem da Álgebra, a partir da exploração do pensamento algébrico, pode ser

adequadamente abordado desde as séries iniciais.

Nesse sentido e a partir da análise das respostas dos alunos nas atividade

apresentadas, acreditamos que devemos introduzir os alunos no estudo da Álgebra em

contextos e atividades simples, nos quais não buscamos ou esperamos a manifestação de

um pensamento algébrico avançado ou a manifestação de uma linguagem simbólica em

suas respostas.

Concordamos, assim, que os alunos podem entender os conceitos básicos de

Álgebra quando estes são introduzidos de forma gradual, passando por uma

fundamentação verbal, deixando que os próprios estudantes criem seus símbolos antes

de serem apresentados ao simbolismo algébrico atual. Dessa forma, temos a

possibilidade de mostrar aos estudantes a importância e o poder matemático da

simbolização e da formalização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, L. F. Rompendo o contrato didático: a utilização de estratégias

metacognitivas na resolução de problemas algébricos. Recife, PE: UFPE, 2009.

AYARZA, R. O.; SOTO, D. S.; CROCCI, H. S. Renovacion de la enseñanza del

álgebra elemental: un aporte desde la didactica. Estudios Pedagógicos. n. 2, 2007.

FIORENTINI, D. (docente), 2005. Um estudo das potencialidades pedagógicas das

investigações matemáticas no desenvolvimento do pensamento algébrico. CIBEM, V –

Congresso Íbero Americano de Educação Matemática: CIBEM, V – Congresso Íbero

Americano de Educação Matemática, 1, Porto, p. inicial 1, p. final 13, Meio Digital.

FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A.; MIGUEL, A. Álgebra ou Geometria: para onde

Pende o Pêndulo? Pro-Posições, v. 3, no 1[7], p. 39-53, março de 1992.

FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A.; MIGUEL, A. Contribuições para um Repensar... a

Educação Algébrica Elementar. Pro-Posições, v. 4, no 1[10], p. 78-91, março de 1993.

GIL, K. H. Reflexões sobre as dificuldades dos alunos na aprendizagem da álgebra.

Disponível em: www.sbemrj.com.br/spemrj6/artigos/b2.pdf

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PONTE, J. P. (2005) Álgebra no currículo escolar. Educação em Matemática – Revista

da Associação dos Professores de Matemática, Lisboa, n. 85, Nov./Dez., 2005.

SOCAS, M. M.; CAMACHO M.; PALAREA M.; HERNÁNDEZ J. Iniciacion al

algebra. Madrid: Ed Sínteses, 1996.

VALE, I.; PIMENTEL, T. Padrões: um tema transversal do currículo. Educação em

Matemática – Revista da Associação dos Professores de Matemática, Lisboa, n. 85,

Nov./Dez., 2005.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DA

REDE BÁSICA EM VIÇOSA E REGIÃO

Débora Alves Ribeiro

Universidade Federal de Viçosa-MG

[email protected]

Ady Cambraia Junior

Universidade Federal de Viçosa-MG

[email protected]

RESUMO

Nas últimas décadas, as pesquisas, na área educacional vêm apontando diversos

problemas ligados à formação e atuação de educadores em especial o de matemática. O

fato é que o professor muitas vezes apresenta deficiência em determinados conteúdos

matemáticos, necessitando aprofundar conhecimentos e refletir de que forma ocorre a

sua prática pedagógica. Neste sentido, a melhoria da educação, em especial, a pública,

depende, entre outros fatores, da qualificação docente. É nesse aspecto que este artigo

pretende contribur, tendo em vista propor realização de cursos e oficinas de capacitação

em tópicos importantes de matemática para os professores da rede pública da micro-

região de Viçosa. Para tanto, realizou-se encontros mensais ao longo de um ano com

elaboração de materiais didáticos próprios, direcionados aos docentes e discentes.

Dependendo da atividade realizada, utilizou-se os computadores e materiais dos

Laboratórios de Computação do DMA/UFV (Departamento de Matematemática da

Universidade Federal de Viçosa). A metodologia foi subsidiada por meio de

questionários que os participantes preenchem ao final de cada encontro. Percebe-se que

a apresentação de novas expectativas de acréscimo em seus conhecimentos com as

atividades propostas surtiu resultados na prática em sala de aula. Os resultados obtidos

evidenciam que os docentes fortaleu o contéudo matemático, além de estimular e

aprimorar ainda mais a qualidade de suas aulas, fazendo sempre que possível uso de

novas tecnologias no ensino. Proporcionou também troca de experiência e saberes sobre

questões ligadas ao cotidiano da sala de aula de matemática.

Palavras chaves: Capacitação de professores, ensino básico de matemática,

metodologias

A formação de professores tem assumido destaque nas discussões relativas às

políticas públicas. A LDBEN 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional), em consonância com a demanda atual do mundo do trabalho, exige um novo

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professor. Outras competências e outros conhecimentos são necessários e os professores

em especial os de matemática não foram preparados para isso.

A educação continuada é uma necessidade dos dias atuais. Um profissional, não

importa a área que atue, precisa estar atualizando-se continuamente para poder

acompanhar os avanços científicos e tecnológicos do dia-a-dia. Cursos de capacitação e

especialização são necessidades fundamentais. Nessas dimensões, a formação

continuada do professor aparece associada ao processo de melhoria das práticas

pedagógicas desenvolvidas em sua rotina de trabalho e em seu cotidiano escolar.

A concepção do projeto é decorrente da experiência adquirida com a realização

do projeto de extensão Contribuição para a Melhoria do Ensino de Matemática nas

Escolas Básicas Públicas através das Olimpíadas de Matemática em 2005 e 2006.

Durante a execução desse projeto em 2005, verificou-se que os estudantes tinham

grande dificuldade em desenvolver e assimilar as soluções das questões propostas,

corroborando as conclusões relatadas em estudos realizados pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), no documento intitulado Qualidade da

educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 8a série do ensino

fundamental, que alegam que menos de 3% dos concluintes do ensino básico

desenvolvem competências e habilidades de matemática condizentes com uma boa

escolarização em nível fundamental. Esse mesmo estudo aponta para a forte relação

entre salário e formação dos docentes e a média dos discentes – quanto melhor o salário

e melhor a formação, melhor a média.

Não se pretende com isso afirmar que a simples elevação de salário ou apenas a

capacitação do docente implicará na melhoria do ensino de Matemática. Certamente,

outros agentes, tais como infra-estrutura da escola, existência de biblioteca e laboratório

de informática, influenciam com pesos variados a qualidade de ensino. O que se destaca

é que é imprescindível para uma elevação na qualidade de ensino em Matemática de

uma qualificação melhor do docente e de oportunidades de melhorar sua capacitação.

Diante desse quadro o presente trabalho tem por objetivo geral propor oficinas e

cursos de capacitação em tópicos matemáticos na rede básica e analisar seus efeitos

junto aos professores da Micro região de Viçosa- MG.

Especificamente pretende-se:

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- Divulgar junto ao publico alvo as novas tecnologias, metodologias e técnicas de

ensino em Matemática;

- Estabelecer um mecanismo de diálogo permanente do Departamento com a

comunidade escolar;

- Permitir ações de inclusão digital dos docentes e discentes através do uso do

laboratório de computação e/ou ensino do DMA;

- Produzir material didático próprio direcionado aos docentes e discentes das

escolas básicas;

A formação matemática dos professores do ensino básico tem sido instrumento

de pesquisa nos últimos anos e estas vêm revelando a existência de lacunas na formação

dos professores. Desta forma, caberia à capacitação/formação continuada contribuir

para que o professor supra essas lacunas.

Candau (2006, p. 41) em uma reflexão sobre o papel do professor destaca que

“no momento atual, as questões culturais não podem ser ignoradas pelos educadores,

sob o risco de que a escola cada vez se distancia mais dos universos simbólicos, das

mentalidades e das inquietudes das crianças e jovens de hoje”.

Assim o educador tem que refletir de que forma ocorre sua prática pedagógica,

deve-se atualizar, inovar o ensino e suas aulas. É fundamental que acompanhe o mundo

globalizado utilizando os recursos tecnologicos envolvendo os alunos em aulas

dinâmicas “Afinal, os alunos têm o direito e precisam de bons professores”(Lorenzato ,

2006, p. 128).

Ensinar não se resume em transmitir conhecimento. Ele é um processo mútuo

que é construído da relação da teoria com a prática onde são colocados os métodos

pertinentes ao conhecimento aplicado. “Neste sentido, é sumamente importante

conduzir o processo de aprendizagem como evolução teórica e prática ao mesmo

tempo” (Demo, 2005, p.28).

Para que realmente haja a efetivação do ensino-aprendizagem os “profissionais

devem se apoiar em conhecimentos especializados e formalizados, na maioria das

vezes, por intermédio das disciplinas científicas em sentido amplo, incluindo,

evidentemente, as ciências naturais e aplicadas, mas também as ciências sociais e

humanas, assim como as ciências da educação” (Tardif, 2002, p.247).

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Para Perrenoud (2002), “trabalhar com aprendizagem envolve um contínuo

movimento de reflexão, um reajuste cotidiano de nossos próprios processos”. Para

ensinar os alunos, precisa-se rever o próprio modo de aprender, o modo de construir a

experiência. Daí o professor de matemática deve sempre prezar por melhorias na

qualidade do ensino, não cessar jamais, pois o conhecimento matemático não se

concretiza como um rol de idéias prontas a memorização.

Um processo significativo de ensino de Matemática deve conduzir os alunos à

exploração de uma grande variedade de idéias e de estabelecimento de relações entre

fatos e conceitos de modo a incorporar os contextos do mundo real, as experiências e o

modo natural de envolvimento para o desenvolvimento das noções matemáticas com

vistas à aquisição de diferentes formas de percepção da realidade.

Embora seja possível encontrar na literatura vários conceitos para método, todos

eles se referem às atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e

economia, permitem alcançar um determinado objetivo. Vê-se, pois, que é necessário

primeiro estabelecer os objetivos e, em seguida, procurar os mecanimos adequados para

atingi-los.

Sobre métodos e procedimentos de ensino, é preciso agir de maneira criteriosa.

Há necessidade de estudar que procedimentos e que atividades possibilitarão, da melhor

forma, que os alunos atinjam o objetivo de aprender o melhor possível daquilo que se

pretende ensinar.

De acordo com o autor Demo, qualquer conceito mais acurado de pesquisa exige

uma confluência necessária entre teoria e prática, entre conceituação e aplicação

operacionalizada, entre intelecto e vida real. (Demo, 2005, p.28).

Desde modo e em face dos objetivos citados acima a coleta de dados teve

respaldo a partir da aplicação de questionários e do projeto de extensão Capacitação em

tópicos matemáticos para os professores do ensino básico desenvolvido desde 2006 no

DMA/UFV, coordenado atualmente pelo professor Ady Cambraia Junior.

Ao longo destes cincos anos de existência, o projeto capacitou cerca de 180

professores do ensino básico de Viçosa e região. Sua concepção/execução são

resultados de um trabalho que envolve, além de formadores da rede básica, docentes e

discentes do DMA/UFV.

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O grupo de referência para o estudo do presente trabalho foi formado por 22

professores, 3 mestrandos e 7 graduandos que atuam em escolas da rede pública,

mencionadas abaixo.

CIDADES ESCOLAS

Amparo da Serra E. M. Olímpio Lopes Baião

Ervália E. E. Professor David Procópio

Piranga E. E. Francisco Ferreira Maciel

Presidente Bernardes E. E. Padre Vicente Carvalho

Rio Pomba IFET- Rio Pomba

Tocantins E. E. Dr. João Pinto

Ubá E. E. Senador Levindo Coelho

E. M. Dr. José C. Filho

E. E. Raul Soares

Viçosa E. E. José Lourenço de Freitas

E. E. Santa Rita de Cássia

CESEC Dr. Altamiro Saraiva

Figura 1: Cidades e escolas envolvidas no projeto.

Em consonância com os objetivos supracitados, o que se almeja é contribuir para

a melhoria na qualidade do ensino-aprendizagem em Matemática e para o

desenvolvimento e valorização profissional dos docentes de Matemática do ensino

básico por meio da realização de ações de formação continuada e permanente. Em prol

disto foram proprosto minicursos mensais ao longo de um ano, os quais demandava

uma dedicação de 6 a 8 horas por encontro.

Os temas foram determinados e ministrados por docentes, do departamento,

envolvidos no projeto juntamente com as aspirações dos professores participantes do

projeto de capacitação, usado como base para este trabalho, no ano anterior. Convém

citar também que em cada tópico apresentado foi desenvolvido apostilas e materiais

diversos de acordo com as necessidades de cada encontro.

Os tópicos estudados foram:

- Cálculo Matemático no Computador;

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- Análise Combinatória;

- Probabilidade;

- Lógica do Cotidiano Matemático;

- Noção de Xadrez e a Matemática;

- Jogos Matemáticos do Ensino Médio;

- Explorando a Geometria Analítica via Resolução de Problemas;

- Funções de Primeiro e Segundo Grau utilizando Recursos Computacionais;

- Trigonometria: Uma Abordagem Histórica, Conceitual e Aplicativa e

- Logaritmos: Uma visão Geométrica e Aplicações.

Segundo Paulo Freire para ensinar, é preciso saber o que se ensina. Logo depois

se descobre que não basta sequer saber o que se vai ensinar, mas saber as implicações,

porque, no fundo, no fundo, o “bicho-gente” conhece não propriamente os objetos, mas

as relações entre os objetos; é isto que se conhece (...).1

Sendo assim, ele afirma que ensinar exige primeiro, saber o que se ensina;

segundo, saber como ensinar. Que dizer: para ensinar, não precisa apenas saber o objeto

que vai ensinar, mas saber como tratar o objeto. O ato de ensinar exige do professor

saber como trata o outro sujeito e como trata o objeto que mediatiza os sujeitos que

conhecem. Por isso o ato de ensinar demanda, indiscutivelmente, competência

científica, competência técnicas, seriedade, porque o ato de ensinar é delicado.

Pensando na formação e nos encontros procurou-se então valorizar não só a

aquisição de conhecimentos, mas, sobretudo o desenvolvimento de competências e,

nesse sentido, o desenvolvimento profissional. Daí optou-se por articular o

conhecimento formal com o não-formal numa lógica interativa em que a ação, a

investigação e a formação estavam presentes.

Assim as atividades descritas seriam profícuas se advindas de uma reflexão

profunda sobre que papel os professores do DMA/UFV, que são formadores de

docentes para o ensino básico, poderiam desempenhar na melhoria do ensino básico em

Matemática. Foi preciso ler, pesquisar e produzir, a partir desta pesquisa, material

didático próprio. Foi necessário também levar em consideração os anseios da

1 Fragmento de uma palestra proferida por Paulo Freire em 1987 na Associação de Professores da

Cidade de Pelotas (RS), publicada no livro Recordando Paulo Freire, organizado por Maria Oly Pey,

Editora Achiamé, Rio de Janeiro, 2002

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comunidade escolar para produzir algo que de fato lhe seja útil. Por fim, instruir, ensinar

e difundir o que se produziu. Articulando-se neste projeto ensino, pesquisa e extensão.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) enfatizam a importância

dos recursos tecnológicos para a educação, visando à melhoria da qualidade do ensino-

aprendizagem. Afirmam que a informática na educação “permite criar ambientes de

aprendizagem que fazem sugerir novas formas de pensar e aprender” (p. 147).

Nos minicursos “Cálculo Matemático no Computador” e “Funções de Primeiro e

Segundo Grau utilizando Recursos Computacionais”, os profissionais da educação

participantes desenvolveram, sob a supervisão de instrutores, atividades no Laboratório

de Computação do DMA (LCDMA). Oportunizando assim a utilização de recursos

computacionais no ensino de Matemática pelo docente da escola básica. Essa ação se

torna ainda mais relevante, quando se leva em consideração que para falar em inclusão

digital na educação, não basta instalar computadores nas escolas, é preciso capacitar o

professor para que ele transforme a sua aula utilizando a ferramenta digital.

Além dos instrumentos computacionais fez se uso de jogos em “Noção de

Xadrez e a Matemática” e “Jogos Matemáticos do Ensino Médio”. “O jogo como uma

ferramenta de ensino desempenha um papel importante no processo de aprendizagem,

se bem conduzido, ele substitui listas de exercícios e aulas expositivas, ressaltando o seu

valor lúdico” (Avello, 2006, p.21) e consegue explorar inclusive os conteúdos

relacionados. Caso esteja em discordância com isso não estará atingindo objetivo

educativo, mesmo que leve ao resultado esperado, pois a maior preocupação dos jogos

não é simplesmente obtenção do resultado favorável para esta ou aquela operação.

Nos encontros e nos questionários aplicados, aos presentes, foi possível alencar

alguns resultados como: avaliar se as atividades foram bem conduzidas, se atendeu às

expectativas, os objetivos propostos e se, de alguma forma, contribuiu para uma

melhoria em sua prática pedagógica.

Os questionários de avaliação forneceram respostas qualitativas sobre cada

atividade realizada. Estas respostas foram convertidas em dados numéricos, tabelas e

gráficos o qual permitiu uma análise mais acurada do trabalho proposto.

As avaliações mostram que 62% afirmam que os temas desenvolvidos

contribuíram para o alcance do objetivos dos cursos. Quando questionados quanto a

metodologia utilizada e desempenho dos ministrantes 73% dos professores participantes

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consideraram adequada e ótimo, respectivamente. Dentre os participantes 55% obteve

sucesso em suas expectativas e 30% consideraram atendidas em parte suas intenções.

Finalizando 77% gostariam que os temas fossem mais explorados futuramente já que “o

tempo dedicado a cada assunto é muito pouco diante da importância de cada tópico”2.

Todos os educadores pesquisados consideram importante os cursos de

capacitação alegando que é uma maneira de aprimorar, atualizar, aprofundar e adquirir

novas metodologias. Além disso, é uma forma de contribuir para o aumento de sua

auto-estima fazendo que se sintam “mais seguros na colocação dos conteúdos em sala

de aula”3 além de impulsionar na busca por mais qualificação e especialização.

Outro dado de grande relevância que deve ser citado, apresentado na tabela

seguinte, é referente a formação dos professores atendidos. Nela pode-se observa o

número de professores que teve acesso a determinado conteúdo ao longo de sua

graduação.

Este resultado demonstra a necessidade de repensar as práticas dos cursos de

licenciatura, assim como a necessidade de continuidade de projetos que trabalhe a

formação continuada/capacitação suprindo falhas deixadas por uma formação

inadequada.

2 Frase proferida por professores participantes do projeto “Capacitação em Tópicos matemáticos

para os professores da rede básica 2010” 3 Idem

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Tabela 2: Número de professores, dentre os 30, que alegaram ter visto

determinado assunto em sua graduação.

Outro aspecto obtido em relatos nos encontros refere-se a um grande empecilho

e uma justificativa da falta de interesse de professores em participarem se devem a

sobrecarga de trabalho, stress da profissão, desvalorização do profissional da educação

entre outros fatores, mas não nos cabe aqui entrar em detalhes.

Durante os encontros mensais, pôde-se perceber a satisfação dos participantes

em estar em contato com outros profissionais da área para o

aperfeiçoamento/aprendizagem. A integração existente em cada encontro resultou em

trocas de saberes juntamente com momentos de descontração e alegria contribuindo

também para o aumento a auto-estima já mencionada.

As atividades desenvolvidas contribuíram com mudanças e/ou melhorias no

ensino de matemática, uma vez que, foi propiciada aos profissionais da área a

oportunidade de fortalecer, estimular e aprimorar seus conhecimentos, levando-os a

refletir e buscarem maior qualificação para sua prática pedagógica, conferindo

relevância no papel da capacitação na melhoria da qualidade do ensino de Matemática

como parte da construção de uma educação melhor.

No entanto, a capacitação/formação continuada precisa ser tomada como um

processo contínuo e não pontual, estando sempre anexada as atividades e as práticas

profissionais que estão sendo desenvolvidas dentro da escola. Se possível estes

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10

cursos deveriam está inseridos na carga horária de trabalho atendendo as dificuldades do

professor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Matemática nas Escolas Básicas Publica através das Olimpíadas de Matemática,

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Janeiro: Vozes, 2002.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

A CULTURA DA SALA DE AULA NUMA PERSPECTIVA DE RESOLUÇÃO

DE PROBLEMAS: O DESAFIO DE ENSINAR MATEMÁTICA NUMA SALA

MULTISSERIADA

Brenda Leme da Silva Mengali/SESI-DF

[email protected]

Adair Mendes Nacarato/USF-Itatiba/SP

[email protected]

RESUMO

Essa pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada na sala de aula da professora-

pesquisadora, uma turma multisseriada de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, em

2009. Tem como questão central: ―Quais contribuições um ambiente de aprendizagem

mediado por problematizações, interações e intervenções pedagógicas traz para a

circulação/produção de significações em matemática?‖. Seus objetivos são: 1) analisar

as formas de interações em sala de aula (aluno-aluno e professora-alunos) e as

intervenções pedagógicas da professora-pesquisadora que são (ou não)

potencializadoras de processos de pensamento matemático; 2) analisar os processos de

circulação/produção de significações produzidas sobre a matemática; 3) analisar as

aprendizagens professora-pesquisadora ao longo da prática de sala de aula e da

pesquisa. A produção da documentação foi constituída de: registros escritos; áudio e

videogravação de algumas aulas; e diário de campo da pesquisadora. Para o referencial

teórico adotamos a perspectiva histórico-cultural. Os resultados apontam para as

potencialidades de um ambiente de trabalho coletivo/colaborativo, estabelecido numa

relação dialógica, de interações e de intervenções da professora e dos alunos, ao

evidenciar as apropriações de estratégias de resolução de problemas.

Palavras-chave: Intervenções. Interações. Problematizações.

INTRODUÇÃO

Esta comunicação refere-se ao recorte de uma pesquisa-ação estratégica, de

abordagem qualitativa, realizada na sala de aula da própria pesquisadora.

Adotamos a perspectiva histórico-cultural como quadro teórico e buscamos

analisar as produções de significações matemáticas a partir das relações de comunicação

estabelecidas nos momentos de interações, intervenções pedagógicas e

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problematizações, acerca da criação de uma comunidade de investigação matemática na

sala de aula dos anos iniciais.

O processo de documentação da pesquisa aconteceu durante todo o ano de 2009

numa sala de aula multisseriada (classe com turmas de anos diferentes) de 4º e 5º anos,

numa escola da zona rural do município de Atibaia/SP. Essa investigação tem como

questão central: ―Quais contribuições um ambiente de aprendizagem mediado por

problematizações, interações e intervenções pedagógicas traz para a

circulação/produção de significações em Matemática?‖

Para essa comunicação trazemos um recorte da pesquisa no qual discutimos

acerca do desafio de ensinar matemática numa sala multisseriada dos anos iniciais do

ensino fundamental, quando a professora se propõe a uma prática pautada nos

momentos de comunicação de ideias geradas por problematizações.

UM CHOQUE DE REALIDADE: ENSINAR NUMA SALA MULTISSERIADA

A sala na qual a pesquisa foi desenvolvida contava com uma turma bastante

numerosa, composta por 18 alunos de 4º ano — dentre os quais três não sabiam ler nem

escrever — e 18 alunos de 5º ano — entre eles, um aluno de inclusão. Trata-se de uma

realidade marcada pela falta de recursos materiais. Uma escola de zona de rural é

caracterizada, em sua grande maioria, por alunos carentes, com pouco acesso à

informação, cabendo exclusivamente à escola a responsabilidade de oferecer tal acesso.

Nesse sentido, os materiais de que a escola dispunha eram insuficientes para suprir as

necessidades dos alunos.

Destaca-se, ainda, os distintos papéis assumidos pelo professor nesse ambiente

escolar. Como as escolas de zona rural têm o corpo administrativo funcionando num

prédio externo à escola, o docente acaba tendo mais essa função, ou seja, a de resolver

assuntos que são da direção, da secretaria e da coordenação pedagógica. Isso acontece

porque as escolas de zona rural têm número reduzido de alunos, e a direção acaba

assumindo várias escolas isoladas, permanecendo num único prédio, geralmente na zona

urbana, pois isso facilita o encontro dos professores das diferentes escolas. Diante dessa

realidade, o professor de zona rural não pode contar com a presença da diretora ou da

coordenadora para resolver problemas administrativos, pedagógicos, ou mesmo com os

pais dos alunos, o que aumenta a sua responsabilidade.

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A PROBLEMATIZAÇÃO POTENCIALIZANDO A COMUNICAÇÃO DE

IDEIAS

Ao adotarmos o conceito de ―problematização‖, aproximamo-nos das ideias de

Domite (2009, p. 25.26). Essa autora considera tratar-se de um de um processo ―no qual

perguntas e respostas, não imediatamente claras, vão se construindo porque há uma

tensão fértil, uma motivação que impulsiona para a formulação de uma pergunta mais

bem delineada‖. (grifos da autora). Incluímos nesse conceito a importância do diálogo,

elemento mediador de todo o ambiente problematizador. É ele quem possibilita o

movimento de ir e vir de pensamentos, intuições, conclusões, apresentados numa tarefa

proposta. Esse ambiente é permeado pelas vozes que se entrelaçam durante as

discussões geradas, vozes de professor e de alunos, que são convidados a participar

ativamente da produção de saberes e, portanto, também se apresentam como

mediadores.

Destacamos que, através dessa dinâmica, as intervenções não são realizadas

apenas pelo professor: ao aluno também é dado esse espaço. Essa prática pedagógica

está intimamente ligada ao saber ouvir. Dar voz ao aluno não significa deixá-lo falar ou

expressar-se com liberdade, somente; o caminho está além, na valorização daquilo que o

aluno comunica, independentemente de estar certo ou não, num movimento em que

cada um oferta o saber que tem e, à sua maneira, contribui para a produção do

conhecimento.

Nosso trabalho, durante todo o ano de 2009, na sala de aula com alunos de 4º e 5º

anos, foi marcado por esse cenário. Desde o início do ano letivo propusemo-nos a

trabalhar os mesmos conteúdos com as duas turmas. Embora os conteúdos

programáticos para cada ano fossem distintos, essa foi a maneira encontrada para

estabelecer com os alunos um trabalho coletivo e colaborativo – proposta essa

conhecida e aprovada pela coordenação pedagógica da escola. O nosso maior objetivo,

durante esse trabalho, não foi o de ensinar quantidade de conteúdos, mas, sim, ensiná-

los objetivando sua compreensão. Por isso, preocupamo-nos em selecionar, de todo o

planejamento, conteúdos semelhantes; e priorizávamos, ora os que prevíamos para o 4º,

ora para o 5º ano, dedicando-nos a mostrar para os alunos que havia, sim, possibilidades

de aprender, sem que precisássemos separar o grupo.

Além desse trabalho integrando as duas turmas de anos distintos, procuramos, em

nossas propostas de tarefas, priorizar aquelas que fossem realizadas em duplas.

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Tomamos o cuidado de, na maioria das vezes, escolher as duplas que uniam alunos do

mesmo ano, com níveis diferentes de aprendizagem, e alunos de anos diferentes. Nosso

objetivo esteve em motivá-los a colaborar uns com os outros, como propõe Carvalho

(2005, p. 15):

Quando se realizam tarefas de forma colaborativa na sala de

aula, mais facilmente se discutem e explicam ideias, se expõem,

avaliam, refutam pontos de vista, argumentos e resoluções, ou

seja, criam-se oportunidades de enriquecer o poder matemático

dos alunos, pois cada um dos parceiros está envolvido na

procura da resolução para a tarefa que têm em mãos.

O professor, quando assume a postura de intervir junto às produções dos alunos ,

nem sempre consegue interpretar o que o aluno quer comunicar. Isso pode impedir que

as intervenções provoquem avanços e/ou estimulem o aluno a continuar na produção do

próprio saber. No trabalho colaborativo não somente o professor, mas também os

colegas fazem intervenções.

Procuramos, ao longo desse trabalho, valorizar os momentos de intervenção, feita

ora pela professora-pesquisadora, ora pelos alunos. Acreditamos, assim como Vigotski,

que a intervenção é capaz de proporcionar ao aluno sair da zona de desenvolvimento

real e ir para a zona de desenvolvimento potencial. Entre esses dois níveis está o que ele

define como zona de desenvolvimento proximal. Nesse momento há situações de

instabilidade — caracterizada pelas funções que ainda não amadureceram, mas que

estão em processo de amadurecimento.

Tendo em vista essas concepções, acreditamos no papel do professor como

principal colaborador na produção de saberes nos ambientes escolares, pois suas

intervenções poderão possibilitar aos alunos avançar os níveis de desenvolvimento que,

certamente, não conseguiriam sozinhos. Propor tarefas em dupla ou em grupo nas salas

de aula também pode possibilitar o avanço de níveis na zona de desenvolvimento

proximal; o próprio aluno pode intervir junto ao seu colega, propiciando tal avanço.

Serão essas intervenções, realizadas dentro dos ambientes de aprendizagem, que

permitirão ao aluno que as possibilidades que se encontram na zona de desenvolvimento

proximal de hoje componham o nível de desenvolvimento real amanhã.

COMUNICANDO IDEIAS A PARTIR DE UMA RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS

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Dentre o amplo repertório de tarefas propostas e desenvolvidas durante o ano de

2009, destacamos uma que se evidenciou como potencializadora da comunicação de

ideias: um ―congresso‖ promovido pela professora-pesquisadora ao final do ano letivo

de 2009. A tarefa proposta para tal evento consistiu na resolução de uma situação-

problema, para a qual os alunos se organizaram em duplas. Tal resolução deveria ser

apresentada em formato de pôster no dia do evento.

A situação proposta foi a seguinte: “Na próxima sexta-feira será realizado aqui

na escola o almoço de Natal. Este ano o cardápio programado é macarrão ao forno,

frango assado e salada verde. A receita do frango que a Silvia vai fazer diz que, para

cada 1 kg de frango, são necessários 15 minutos de forno. Ao todo são 13 kg de frango.

A que horas a Silvia deverá pôr o frango para assar, se o almoço será servido às

10:30h?” 1

Para essa análise escolhemos apenas uma dupla, formada pelos alunos Thi e Jef,

e para isso fizemos a transcrição do momento de socialização, o qual foi videogravado.

Olharemos para a estratégia utilizada pelos alunos, bem como para o momento de

interação e para a produção de significações matemáticas que circularam.

Figura 1: Solução apresentada pela dupla Thi e Jef

Organizamos a análise da discussão em momentos de interação, ou seja,

momentos em que os alunos e a professora estão em constituição na e pelas relações

sociais. Para cada um desses momentos, apresentamos: falas dos alunos, tempo em que

1 Esta situação-problema é uma paráfrase da situação que traz a ideia do tempo de preparo do peito de

peru para a comemoração do Dia de Ação de Graças. Esta situação foi apresentada pela Profª Dra. Beatriz

D’Ambrósio (Miami University) durante uma palestra na USF.

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essas falas ocorreram na gravação e comentários, descrições ou explicações sobre o

movimento captado pelo vídeo.

Momento de interação 1: A dupla Thi e Jef apresenta sua estratégia.

0:09:06

Thi: Já que a gente sabia que um quilo era

quinze minutos, a gente foi fazendo dois, três,

quatro, cinco, seis, sete, até chegar o treze; aí,

depois, deu cento e noventa e cinco minutos. Aí,

dos cento e noventa e cinco minutos, a gente

queria saber quantas horas tinha os cento e

noventa e cinco minutos. Aí a gente começou

tirar sessenta, aí aqui sobrou, porque não ia

dar pra tirar sessenta; aí eu somei um, dois, três

aí ficou três horas, aí depois eu coloquei a

resposta assim. Terá cento e noventa e cinco

minutos, ou seja, três horas. Aí depois eu tirei,

dez e meia menos três horas, aí deu sete e meia.

Aí depois eu respondi: Silvia deverá começar

assar sete e meia o frango.

No momento da apresentação,

a dupla teve que escolher

quem seria o interlocutor, ou

seja, quem apresentaria a

solução dada por eles durante

a resolução da situação.

Escolhido o aluno Thi, foi ele

quem ficou responsável pela

fala.

Durante a apresentação o

aluno Jef, também

participante da dupla, não

expressou comentário algum,

permanecendo o tempo todo

em silêncio.

Terminada a apresentação, a professora questionou os demais alunos da sala se

havia perguntas a serem feitas. Os alunos, alvoroçados, foram levantando as mãos, pois

todos queriam fazer perguntas, o que para nós, revela que os alunos estavam

mobilizados para a atividade.

Então, começaram os questionamentos.

Momento de interação 2: As primeiras intervenções dos colegas.

0:10:11

Jen: Por que você não somou aqueles

quinze minutos que sobraram?

A aluna Jen questiona a respeito dos

quinze minutos que aparecem na

subtração realizada pelos alunos para

encontrar a equivalência dos 195 minutos

com as 3 horas. No entanto, a aluna

refere-se à soma dos 15 minutos restantes

na subtração com as 3 horas, que é o

resultado final desta.

J.V.: Não somou, tirou.

Percebemos que esse aluno interpretou

de maneira diferente o mesmo algoritmo

apresentado por Thi. Ele entendeu que os

15 minutos restantes na subtração

deveriam ser tirados da resposta final: 7

horas e 30 minutos e, por isso, questiona

a aluna Jen pela sua intervenção.

Jen não concorda com a interferência do

aluno J.V. e, por isso, olha para ele,

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Esses diálogos iniciais entre os alunos evidenciam que eles usam diferentes

estratégias e que, no momento de discutir a estratégia do colega, eles tentam impor seu

próprio ponto de vista. Neste caso, J.V. tenta impor a Jen sua compreensão da estratégia

dos colegas.

A resposta dada por Thi deixa os demais alunos ansiosos para falarem. Nesse

momento, eles queriam explicar a Thi o que estavam entendendo e como deveria

entender a pergunta realizada. Percebe-se que a classe ficou alvoroçada; vários falam ao

mesmo tempo; levantam as mãos, indicando que querem a palavra. A professora, na

tentativa de organizar, foi dando voz a quem levantava as mãos.

demonstrando sua não aceitação.

0:10:15 Thi: Porque quinze não vai dar para

tirar sessenta.

O aluno Thi não enxerga a possibilidade

de tirar uma hora (sessenta minutos) dos

quinze minutos restantes na subtração,

por isso dá essa resposta.

Momento de interação 3: As intervenções ainda não produzem sentido a Thi e Jef.

0:10:24

J.V.: Ó, você tirava os quinze porque

sobrou... é... pera aí (o aluno

demonstra nervosismo e rapidamente

esquece a sua pergunta) ...ali é quinze

quilos, não é? Então ali é quilos ou

horas?

Thi: Aqui seria horas. Um, dois, três.

[inaudível]

J.V.: Aí é o minuto. Pronto. Quinze

minutos. Aí você podia tirar ali, ó,

porque tem o primeiro, ó. Um quilo é

quinze minutos. Você podia tirar. Ia

ficar sete e quinze.

No início, J.V. fica nervoso e por um

instante esquece a pergunta que iria fazer,

mas, assim que se lembra, retoma sua

fala e conclui o porquê da intervenção

feita à aluna Jen, referindo-se ao termo

―tirar‖ (subtração) e não somar. Revela,

ainda, que seu pensamento está adiante

do que pensou Jen, pois ele solicita ao

Thi que subtraia quinze minutos da

resposta dada para a solução da situação-

problema.

O aluno Thi, no entanto, não demonstrou

entender a intervenção feita por J.V.; por

isso a professora-pesquisadora permite

que outros alunos também deem seus

pareceres.

Bru: Prô, prô...

Professora-pesquisadora: Calma aí,

acho que ele não entendeu o que você

quis dizer. Vamos ver outra pessoa

falando. Eu entendi, mas acho que ele

não entendeu.

Nesse momento, a professora-

pesquisadora permite que outro aluno

expresse seu pensamento a respeito da

discussão visando possibilitar à dupla Thi

e Jef outra estratégia, a fim de que eles

entendessem as intervenções realizadas.

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Percebemos, através dos diálogos, que alguns dos colegas, nesse caso, os alunos

J.V. e Bru, realizam intervenções na tentativa de ajudar Thi a avançar nos níveis de

desenvolvimento, o que, certamente, sozinho, não conseguiria. Essa interação entre os

alunos possibilita o avanço de níveis na zona de desenvolvimento proximal, conceito

abordado por Vigotski (2001). A fim de que esses avanços aconteçam, as intervenções,

são indispensáveis, pois são elas que provocam, através da comunicação e do diálogo,

os momentos de conflito, os quais permitem que a zona de desenvolvimento proximal

de hoje seja o nível de desenvolvimento real amanhã.

0:11:03

Bru: Prô, não era pra ser três horas e

quinze minutos? Porque sobrou quinze

minutos, certo? Aí deu três horas, aí

três horas faltou quinze minutos,

porque aqueles quinze minutos que

sobrou também é um quilo.

O aluno Bru, apresenta a mesma

interpretação de Jen, pois questiona a

possibilidade de Thi e Jef terem somado

os quinze minutos restantes na subtração

das três horas que havia encontrado,

chegando, assim, à solução de que Silvia

deveria ter colocado o frango para assar

às 7 horas e 15 minutos, e não às 7 horas

e 30 minutos, como a dupla havia

respondido.

Professora-pesquisadora: Você

entendeu o que ele explicou?

A professora-pesquisadora questiona se o

aluno Thi, até então participante ativo da

discussão, havia entendido ou não. O

aluno fez que sim com a cabeça.

Professora-pesquisadora: Você

entendeu? Então fala o que você

entendeu!

O objetivo da professora-pesquisadora

com essa intervenção é avaliar se o aluno

está entendendo ou não as intervenções

até então realizadas pelos colegas.

0:11:24

0:12:15

Thi: Já que aqui tinha sobrado quinze

minutos, ele tava falando que um quilo

já seriam quinze minutos. Então podia

pegar esses quinze minutos e tirar aqui

e aí ficar zero. Aí ele pode até ficar...

[o aluno pensa, fala consigo mesmo,

vai tentando resolver a conta, pensa...].

Aí ia ficar três, aí depois [inaudível]

vai ficar zero, vai ficar um, dois, três,

vai ficar três [inaudível]

Professora-pesquisadora: Tem gente

que quer ajudar. A Ca quer ajudar.

Calma aí. Fala, Ca.

Percebemos que o aluno ainda permanece

confuso ou em processo de

(re)formulação de suas ideias.

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Nessa perspectiva, encontramos no momento de interação 3 o período de

conflito instalado em Thi pelas intervenções dos colegas. Ao ser questionado pela

professora-pesquisadora se havia entendido ou não tais intervenções, tenta justificar;

porém demonstra insegurança na sua fala, ao parar para pensar, e o faz em voz alta,

evidenciando o exato momento de conflito. Segundo Alrø e Skovsmose (2006, p. 113 –

grifos dos autores):

Pensar alto significa expressar pensamentos, idéias e

sentimentos durante o processo de investigação. Expressar o

que se passa dentro de si expõe as perspectivas de investigação

coletiva. Algumas questões hipotéticas costumam surgir no

pensar alto e estimulam a investigação.

O que está em xeque é o conhecimento real de Thi e o conhecimento potencial.

O pensar em voz alta demonstra que o aluno começa a (re)formular seu posicionamento,

embora ainda não tenha dado sentido às intervenções realizadas. No entanto, aproxima-

se de fazer o seu conhecimento potencial, assumir o caráter de conhecimento real; está,

provavelmente, na zona de desenvolvimento proximal. Nesse momento, a professora-

pesquisadora, na intenção de provocar ainda mais o conflito no qual Thi se encontra,

percebe a necessidade de mais intervenções e, por isso, dá voz a Ca. Assim, as

intervenções continuam.

Momento de interação 4: Nem todos os alunos se encontram no mesmo tempo, no que se

refere à construção do pensamento matemático.

0:12:30

Ca: O prô, por que o Thi e o Jef fez

aquela tabela?

Esse questionamento demonstra o quanto o

tempo dos alunos é diferente. A aluna Ca

(5º ano), com seu questionamento, mostra

que não havia sequer entendido a tabela, o

que evidencia as diversidades com as quais

os professores lidam na sala de aula e

revela o quanto os docentes têm que

mobilizar-se para garantir que seus alunos

consigam produzir sentido para as

propostas de tarefas apresentadas.

Thi: Eu fiz pra saber quanto que era

treze quilos. Do um quilo eu fiz até

treze quilos.

Professora-pesquisadora: Entendeu,

Ca?

Os alunos ficaram agitados, manifestaram-

se, querendo ajudar o aluno Thi a responder

a pergunta feita pela aluna Ca.

A professora-pesquisadora percebe que a

justificativa apresentada por Thi não

convenceu Ca e por isso a questiona acerca

do seu entendimento.

0:12:50 Ca: Fala de novo, Thi. A aluna Ca, sem constrangimento algum,

pede ao Thi que explique novamente seu

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O que percebemos nesse momento do diálogo é que os alunos passam por

processos de pensamentos distintos: enquanto Thi tenta justificar e até mesmo entender

os 15 minutos que ele não colocara no curso da solução apresentada pela sua dupla, é

surpreendido por um questionamento, no qual a aluna demonstra não ter entendido

sequer o motivo da construção da tabela para a estratégia apresentada.

Esse aspecto permite-nos observar a heterogeneidade presente numa sala de

aula, sendo ela multisseriada ou não. Dar voz ao aluno e oferecer prontidão para ouvi-lo

passa a fazer sentido, pois é nesse diálogo, estabelecido no ambiente de aprendizagem

proporcionado, que o professor identifica se é possível avançar ou não na aprendizagem

de um determinado conceito. Nesse caso, a aluna Ca dá indícios de que não adianta Thi

continuar sua explicação, caso ela não compreenda inicialmente o porquê de a dupla ter

construído a tabela. Ca, assim como outros colegas, encontrava-se num tempo diferente

dos alunos Thi, J.V. e Bru, o que nos remete a pensar nos limites que nós, docentes,

devemos respeitar, quando se fala em propor um ambiente de aprendizagem no qual o

aluno seja protagonista da construção do seu próprio conhecimento.

Outro aspecto que podemos destacar a cerca dos diferentes tempos de

aprendizagem, se refere ao aluno Jef que faz parte da dupla e que realizou com Thi a

resolução desse problema. Até o presente momento de interação, esse aluno não se

manifestou, permaneceu em silêncio, o que provavelmente, nos faz pensar que ele assim

como Ca e outros alunos, encontrava-se num tempo diferente de aprendizagem.

Thi: Aqui eu queria saber de 1 quilo

até treze, aí eu e o Jé desenhou uma

tabela pra saber quanto que seria e

fizemos do um até o treze.

Ca: Ah, tá.

pensamento. Thi tenta explicar novamente

e parece convencer Ca.

Momento de interação 5: Início da produção de sentido para as intervenções dos colegas.

0:13:06

J.V.: O Thi, pra te ajudar. Sabe como

você poderia fazer? Podia pegar as

sete horas e meia e tirar os 15.

J.V., percebendo que Thi ainda se encontra

confuso, tenta de outra maneira comunicar

sua ideia para que seu colega conclua de

forma esperada a resolução para essa

situação-problema.

Professora-pesquisadora: Fala, J.A..

A professora-pesquisadora tem também

essa percepção e permite a intervenção de

outro colega. Trata-se de outro Jef da turma

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Novamente, percebemos a ansiedade que J.V. tem em fazer com que Thi

compreenda o que ele está tentando comunicar; por isso o faz de diferentes formas.

Mesmo assim, a professora-pesquisadora percebendo que Thi ainda estava em situação

de dúvida, dá voz a outro colega, na tentativa de que a fala de outro aluno contribua

para a compreensão de Thi.

Então J.A., de forma didática, tenta explicar ao Thi o que até então este não

havia conseguido entender. As intervenções realizadas anteriormente contribuíram para

que o aluno entrasse em conflito, gerando a necessidade de uma (re)formulação de

ideias, bem como da maneira de comunicar-se nos momentos de justificativa. Thi dá

indícios de que começa a produzir significações matemáticas a partir das intervenções

realizadas.

Cabe ainda destacar que a análise desse diálogo permite identificar que o

pensamento matemático, aqui evidenciado, emerge naturalmente no aluno. Em

momento algum a professora-pesquisadora faz qualquer direcionamento ao que o aluno

deve pensar. Os alunos intervêm, esperando do colega a produção de significações para

o que está sendo comunicado.

Percebemos que Thi escuta as afirmações de seus colegas, elege as que são

pertinentes, reúne-as às hipóteses que já tem e em seguida estabelece relação entre essas

informações para produzir, enfim, um sentido para todos os argumentos e justificativas

geradas nessa discussão.

(aluno do 4º ano)

0:13:22 J.A.: O Thi, aí nessa conta aí, sobrou

quinze, não sobrou? O que vai ser

esses quinze? Aonde que vai ficar

esses quinze? Vai ter que ficar junto

com as três horas não vai? Daí vai

ficar dez e meia menos três horas e

quinze minutos.

Mi.: É isso que eu ia falar, daí ia dar

sete e quinze.

Professora-pesquisadora: Entendeu,

Thi?

É interessante a intervenção do aluno Jef,

que vai mostrando para o Thi como deveria

pensar, porém o faz a partir de indagações

que ele mesmo responde.

Momento de interação 6: Finalmente, Thi compreende.

0:13:50 Professora-pesquisadora: Fala, Pa. Mais uma vez percebemos os diferentes

momentos entre os alunos. A aluna Pa

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Pa: Como é que vocês sabem que cento e

noventa e cinco minutos são três horas?

Thi: Treze horas?

Pa: Não, três horas.

Thi: Aí eu fiz na divisão, né? Eu fiz um

quilo, aí eu dividi por quinze, aí dois

quilos eu dividi por quinze, aí depois deu

trinta, aí três quilos eu dividi por quinze

e deu quarenta e cinco. Aí eu fui

dividindo tudo por quinze até chegar nos

cento e noventa e cinco minutos.

(4º ano) não havia entendido como a

dupla fizera para descobrir a

equivalência entre os 195 minutos e as

3 horas.

Outro aspecto a ser destacado é acerca

da heterogeneidade presente nos alunos

do mesmo ano, bem como de anos

diferentes. Essa sala multisseriada,

nesse episódio, evidencia essa

diversidade, que nesse ambiente se

tornou uma riqueza na produção de

saberes pelos alunos.

J.A.: Tem certeza que você dividiu?

Thi: Ah, não. Multipliquei, falei errado.

Percebemos o quanto os alunos se

mantêm atentos e questionam acerca

dos termos usados durante as falas de

seus colegas.

0:14:28

Professora-pesquisadora: Mas ele

respondeu sua pergunta, Pa?

Professora-pesquisadora: Será? O que

você perguntou, Pa? Pergunta de novo.

Pa: Cento e noventa e cinco minutos são

três horas?

A professora-pesquisadora, ao perceber

que Thi não havia respondido a

pergunta da aluna Pa, não hesita em

questionar.

A aluna permanece em dúvida e os

demais alunos também. Nesse

momento alguém responde que sim e a

professora-pesquisadora faz nova

intervenção

0:14:50 Professora-pesquisadora: Como que

vocês descobriram que cento e noventa e

cinco minutos são três horas? É isso que

ela perguntou.

A professora-pesquisadora interfere e

refaz a pergunta, do mesmo jeito que

havia sido feita da primeira vez.

0:14:57 Thi: Aqui eu fiz treze vezes o quinze, aí

deu cento e noventa e cinco.

J.V.: É só você tirar dos sessenta, porque

sessenta é uma hora.

Os alunos têm a sensibilidade para

perceber em que os colegas apresentam

dúvidas.

0:15:10

J.V.: Ali, igual você fez aquela conta

para descobrir que é três horas. Ó, você

tirou sessenta dos cento e noventa e

cinco. É essa conta aí que você tem que

fazer. Que você falou pra Pa, que a Pa

tem que fazer.

Mi: Ele fez ali aquela conta que deu três

horas. É só você juntar aqueles 15

minutos e tirar.

Nesse momento o aluno Thi pensa,

enquanto J.V. conclui seu pensamento.

Após a intervenção de J.V., o aluno

pensa novamente.

A professora-pesquisadora pede à aluna

Mi que repita sua fala.

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O professor, ao deparar-se com uma realidade de sala de aula numerosa ou,

como nesse caso, numerosa e multisseriada, pode compartilhar responsabilidades. O

conhecimento passa a ser uma produção coletiva e não um processo de transmissão pelo

professor.

Se Thi compreendeu onde estava a incompletude de sua estratégia, nem todos os

alunos compreenderam. Novos questionamentos são feitos a Thi, que agora responde

com segurança.

0:16:57

Thi: Eu não ouvi. A Pa tava falando.

Mi: Você pegou naquela conta ali e

somou só as três horas, mas você

esqueceu dos quinze minutos que tava ali

e que também era um quilo.[inaudível]

Thi: Eu pensei que daria pra tirar

sessenta, só que aí não deu, aí eu deixei

aí.

Mi: Mas você tinha que juntar com as

três horas.

Professora-pesquisadora: Entendeu Thi?

St.O: Thi, você deveria ter juntado esses

quinze minutos no três, ficaria três e

quinze. Você tirava do horário do

almoço que ia dar sete e quinze e somar

sete e quinze mais três horas e quinze

minutos pra ver se dava exato.

Thi: Hum... Agora entendi.

Momento de interação 7: A apropriação da fala dos outros.

0:17:05

Ma: Mas você colocou aqueles treze, deu

cento e noventa e cinco. Mas como você

colocou aquelas três horas ali?

O aluno Ma (4º ano), mesmo com as

explicações dadas, não conseguiu

entender a equivalência dos minutos

em horas; por isso, não se

envergonha em perguntar o que já

havia sido questionado mais de uma

vez, o que faz com que o aluno Thi

comunique novamente seu

pensamento, porém de forma

diferente, buscando o entendimento

de Ma.

0:17:12 Thi: Porque eu já falei já, ó. Porque cento

e noventa e cinco são três horas, porque eu

Nessa justificativa, percebemos que o

aluno Thi se apropriou das

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Depois de reunir as intervenções que achou pertinentes, relacioná-las entre si,

Thi, finalmente, conseguiu produzir sentido às intervenções dos colegas e transformou a

informação dada no início, quando, por diversas vezes, tentou justificar-se diante dos

questionamentos.

Com essa justificativa final de Thi, podemos perceber que toda essa discussão

contribuiu para que os alunos produzissem significações acerca da situação-problema

apresentada, bem como dos conceitos que emergiram a partir dela. Embora os alunos

tenham revelado tempos de aprendizagem diferentes, nossa preocupação esteve em

garantir uma atividade colaborativa e coletiva, na qual um pudesse aprender com o

outro, possibilitando a eles a percepção de que um cenário de aprendizagem não é

protagonizado apenas pelo professor e, sim, pelo professor e seus alunos.

FINALIZANDO

O recorte aqui apresentado evidencia o quanto os alunos são capazes de realizar

boas intervenções e fazer boas perguntas. Evidencia também os diferentes tempos que

os alunos têm para interpretar uma comunicação de ideias e dela apropriar-se. Isso nos

permite refletir sobre a complexidade de uma sala de aula, com toda sua

heterogeneidade, e sobre o professor que enfrenta o desafio de trabalhar com todos ao

mesmo tempo. No entanto, tal ambiente de aprendizagem revela que o trabalho coletivo

fui tirando sessenta. Aí ficou: uma, duas,

três.

J.V.: Aí, Thiago, é isso aí que você devia

ter falado pra Pa.

intervenções realizadas pelos colegas.

0:17:25

Ma: Aí você colocou três ali, né?

Mi: É, só que esqueceu de juntar os quinze.

Professora-pesquisadora: E aí, vocês

chegaram à conclusão do quê?

A professora-pesquisadora,

percebendo que os demais alunos já

estavam dispersos, visto que a mesma

pergunta havia sido repetida várias

vezes, resolveu finalizar a

apresentação, pedindo que Thi

concluísse então a solução da

situação-problema.

0:17:38 Thi: Que a Silvia deverá começar às sete e

meia. Então, aquele tá errado, porque

seriam quinze. Então seriam: Silvia deverá

começar às sete e quinze o frango.

Professora-pesquisadora: Muito bem!

Os demais colegas aplaudem,

encerrando a apresentação do pôster

dessa dupla.

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e compartilhado passa a ser de todos e que, tendo os alunos oportunidade de comunicar-

se, as ideias vão circulando e sendo apropriadas por eles.

Esses resultados apontam para as potencialidades de um ambiente de trabalho

coletivo/colaborativo, estabelecido numa relação dialógica, de interações e de

intervenções da professora e dos alunos. Nesse ambiente aos alunos foi oportunizada a

comunicação ideias, podendo defender pontos de vistas, formular perguntas e se

assumirem-se como protagonistas da própria aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Carolina. Comunicações e interações sociais nas salas de Matemática. In:

LOPES, Celi Aparecida Espasandin; NACARATO, Adair Mendes (Org.). Escritas e

leituras na educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 15-34.

DOMITE, Maria do Carmo S. Formulação de problemas em educação matemática: a

quem compete. Movimento – Revista da Faculdade de Educação da Universidade

Federal Fluminense, EdUFF, Niterói, n. 14, 2009.

VIGOTSKI, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução de Paulo

Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

O PRÓ-LETRAMENTO MATEMÁTICA DO DISTRITO FEDERAL, 2011 E

ASPECTOS DE CRIATIVIDADE EXPRESSAS NAS TAREFAS INDIVIDUAIS-

TI DOS PROFESSORES CURSISTAS DO POLO GAMA.

Carmyra Oliveira Batista, EAPE- SEDF [email protected]

RESUMO

A pesquisa apresentada analisa aspectos de criatividade expressos nas atividades de

avaliação dos professores cursistas do Pró-letramento Matemática do Polo Gama,

Distrito Federal, 2011, denominadas de Tarefas Individuais-TI. Teve-se como aporte

teórico: Alencar (2003); Marques e Nasser (2008); Mitjáns (1997) entre outros.

Utilizou-se a análise de documentos (LÜDKE, ANDRÉ, 1986) como caminho

metodológico. Concluiu-se que: embora se necessite de maior aporte teórico para o

aprofundamento das discussões aqui iniciadas, evidenciou-se indícios ou aspectos de

criatividade nas produções dos professores, quando elaboraram atividades que

preparavam as crianças para a multiplicação e a divisão. Estes aspectos foram

expressos no processo reflexivo para a inovação e nas atividades que apresentaram

aspectos de um processo sistêmico de “atividade-comunicação” ao envolverem questões

socioculturais.

Palavras-chave: Pró-Letramento Matemática, Tarefas Individuais, criatividade.

Este artigo tem por objetivo apresentar resultados de um subprojeto da pesquisa

maior denominada “Pró-letramento Matemática no DF: concepções de formação,

influências e práticas pedagógicas”, realizada pelo Grupo de Pesquisa Pró-Letramento

Matemática, do Distrito Federal, GRUPRÓ. Este Grupo integra a Coordenadoria de

Pesquisa da Educação Básica-COPEB, que pertence à Escola de Aperfeiçoamento dos

Profissionais da Educação-EAPE, da Secretaria de Educação do Distrito Federal.

O projeto de pesquisa do GRUPRÓ tem por objetivo analisar o Programa Pró-

Letramento Matemática a partir dos documentos para estudo que chegam até os

professores cursistas e tutores e os documentos gerados por estes.

O Grupo é composto por cinco professoras da rede pública que trabalham na

EAPE como tutoras do Programa Pró-letramento Matemática. Três integrantes do

Grupo têm mestrado, com foco na Educação Matemática, uma, graduação em

Matemática e outra, doutorado em Educação, com foco na avaliação escolar.

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O subprojeto teve por objetivo analisar aspectos de criatividade expressos nas

atividades de avaliação dos professores cursistas do Pró-letramento Matemática do Polo

Gama, Distrito Federal, 2011, denominadas de Tarefas Individuais-TI.

A pesquisa ocorreu durante o 1º semestre de 2011 e foi realizada por uma das

tutoras do Pró-letramento Matemática-DF.

Durante o período de formação, de 31 de março a 7 de julho, as atividades

propostas no curso trouxeram a oportunidade de os professores refletirem que tanto as

crianças quanto os professores têm produções matemáticas e que estas aparecem quando

criamos oportunidades para as pessoas explorarem o que sabem, criarem estratégias de

resolução, gerarem seus registros e terem espaço para socializarem seus aprendizados.

O trabalho desenvolvido suscitou a indagação se havia indícios ou aspectos de

criatividade nas produções dos professores, quando elaboraram atividades que

preparavam as crianças para a multiplicação e a divisão.

Para o alcance do objetivo, foi analisada a produção de quatro (04) turmas do

Polo Gama-DF, que atende sessenta e oito (68) professores cursistas dos bairros de

Santa Maria e do Gama, no Distrito Federal. Essa produção aconteceu via Tarefa

Individual 4 - TI 4, proposta no Fascículo 2, que trata de Operações com Números

Naturais.

Consideramos necessário apresentar o Programa Pró-Letramento Matemática

como contexto de formação, explicitar nossa compreensão de criatividade, a partir de

breve embasamento teórico, trazer o contexto do Pró-Letramento Matemática no

Distrito Federal, antes de tratar das análises apresentadas.

O PRÓ-LETRAMENTO COMO CONSTEXTO DE FORMAÇÃO

O Brasil tem evidenciado em suas avaliações de larga escala (SAEB e Prova

Brasil) que nossos estudantes da educação básica precisam aprender mais conceitos

matemáticos. Em estudo recente, Marques e Nasser (2008) confirmam este fato e

indicam como a análise dos resultados das avaliações de larga escala podem contribuir

para a formação dos professores que trabalham no início de escolarização.

A partir dos resultados dessas avaliações, para atender às necessidades de

aprendizagens dos estudantes do sistema público de ensino, o Brasil desenvolve

inúmeros programas de formação continuada de professores, principalmente, no início

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do século XXI, quando o Ministério da Educação (MEC) criou, em 2006, a Rede de

Formação Continuada de Professores, organizada em Centros de Pesquisa e de

Desenvolvimento da Educação (CPDE), formados por um conjunto de universidades

públicas. As universidades elaboram materiais de estudo e fazem parcerias com as

Secretarias Estaduais e Municipais de Educação para desenvolverem a formação

continuada de professores da educação básica nas áreas de: Educação Matemática e

Científica, Alfabetização e Linguagem, entre outras.

No caso da Matemática, coube a professores das seguintes universidades

prepararem os fascículos de estudos para a formação de professores dos anos iniciais:

Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade do Vale do Rio dos Sinos;

Universidade Estadual Paulista; Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade

Federal do Pará.

O material de estudo do Pró-letramento em Matemática utilizado no Distrito

Federal é a versão de 2007, organizado em um só volume que contém oito fascículos: 1)

Números Naturais; 2) Operações com Números Naturais; 3) Espaço e Forma; 4)

Frações; 5) Grandezas e Medidas; 6) Tratamento da Informação; 7) Resolver

Problemas: o lado lúdico do ensino de Matemática e 8) Avaliação da aprendizagem em

Matemática nos anos iniciais.

Conforme Belfort e Mandarino (s/d), os fascículos 1, 2, 3 e 5 apresentam estudos

reflexivos de conteúdos e metodologias de ensino e aplicação de propostas didáticas em

sala de aula. Os fascículos 4 e 6 são considerados pelas as autoras estudos para a

ampliação dos conhecimentos matemáticos do professor, sem necessariamente

estabelecer relações com as aplicações em sala de aula. E os fascículos 7 e 8 apresentam

estratégias pedagógicas para estudo e para adaptação à sala de aula, mas sem a

centralidade de conteúdos matemáticos definidos.

BREVES PRESSUPOSTOS TEÓRICOS SOBRE CRIATIVIDADE

Nos tempos atuais, em que muitos objetos tecnológicos e suas atualizações

adentram ao nosso cotidiano com muita velocidade e na sociedade de consumo em que

vivemos, falamos constantemente em criatividade. Exigimos criatividade no trabalho,

nas relações, para que estas não pereçam, e no uso de materiais, por exemplo. Porém,

quando pensamos na instituição escolar brasileira, seja de educação básica ou

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universitária, especificamente as que formam professores, pouco se comenta ou discute

sobre criatividade.

Buscamos nas Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia (BRASIL,

2005, 2006) e não achamos uma vez sequer a palavra criatividade expressa no

documento. Já nas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Matemática (BRASIL,

2001), a palavra criatividade aparece nas competências e habilidades esperadas para o

bacharel ou licenciado, quando diz que estes devem desenvolver estratégias de ensino

que favoreçam a criatividade.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, de Matemática, para o 1º e 2º ciclos do

ensino fundamental (BRASIL, 1997), a palavra criatividade aparece quatro vezes. Uma,

nos objetivos gerais do ensino fundamental, quando considera que os alunos precisam

questionar a realidade e resolver problemas criativamente; outra, quando trata da

seleção de conteúdos; mais uma vez, quando discute a Matemática e a construção da

cidadania, e, por fim, quando discute a ampliação de procedimentos de cálculo, como

estratégia de ampliação da criatividade.

Mas o que é a criatividade? Onde é seu nascedouro? A criatividade pode ser

desenvolvida na escola?

Alencar (2003, p. 63) considera que

sabe-se que algumas condições são necessárias para que o indivíduo possa

usufruir, de forma mais plena, o seu potencial para criar. Fatores como estilos

de pensamento, características de personalidade, valores e motivações

pessoais influenciam a expressão da criatividade. Entretanto, a criatividade

não é apenas um fenômeno de natureza intrapsíquica. Fatores de ordem

sócio-cultural, como valores e normas da sociedade, também contribuem de

forma considerável para a emergência, reconhecimento e cultivo da

criatividade ou, pelo contrário, para sua repressão.

Na perspectiva sistêmica de Csikszentmihalyi (apud ALENCAR e FLEITH, 2003,

p. 4), a criatividade também é tida como um processo que resulta da intersecção de três

fatores: a) a pessoa e sua bagagem genética e experiências pessoais; b) o domínio,

compreendido como um conjunto de regras e procedimentos das áreas do conhecimento

ou da cultura e c) o campo, entendido como o conjunto de especialistas que têm o poder

de determinar a estrutura de uma área específica do conhecimento ou o sistema social.

Mesmo considerando a importância da interrelação entre a pessoa, o domínio e o

campo, o conceito de criatividade que utilizamos neste trabalho está mais próximo do

apresentado por Mitjáns (1997): um processo de descoberta, uma produção de algo

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novo, pelo menos para a pessoa que o produz, que tem “caráter personológico” e que

atende a uma necessidade de uma situação social.

Essa autora ainda afirma que

[...] assumimos um conceito de criatividade que inclui tanto processos que

levam à produção de uma obra de arte, ou de uma obra científica, como

as buscas criativas de um estudante em sua preparação como

profissional, e o processo do aluno que, bem orientado, “redescobre” os

problemas de ciências ou da tecnologia. A criatividade, assim entendida,

não é privativa só de pessoas que se desenvolvem em áreas do

conhecimento ou de atividades humanas muito específicas, que requerem

até o incremento de capacidades especiais, algumas delas com um forte

conteúdo hereditário, mas de muitos e amplos setores: profissionais,

estudantes, dirigentes, operários que, em sua atividade, muitas vezes

cotidiana, são capazes de resultados novos, produtivos e não meramente

reprodutivos. (MITJANS, 1997, p. 55-56) [Grifos nossos]

A busca da criatividade no trabalho do professor pode fortalecer um dos princípios

adotados nas Orientações Gerais da Rede de Formação Continuada de Professores

(BRASIL, 2005, p. 24)

b) A formação continuada deve ter como referência a prática docente e o

conhecimento teórico:

A articulação teoria e prática, necessária na formação inicial, é fundamental

na formação continuada, pois favorece a retroalimentação do conhecimento

consagrado como observações do cotidiano escolar, levando à construção de

novos saberes. Assim, a prática passa de mero campo de aplicação a

campo de produção do conhecimento, na medida em que a atividade

profissional envolve aprendizagens que vão além da simples aplicação do

que foi estudado e os saberes construídos no fazer passam a ser objeto de

valorização sistemática. A formação continuada deve voltar-se para a

atividade reflexiva e investigativa, incorporando aspectos da diversidade e

o compromisso social com a educação e a formação socialmente referenciada

dos estudantes. [Grifos nossos]

A reflexão e a investigação da prática implicam em um processo que envolve

aspectos criativos, quando a ressignificam e a mantém efetiva para acompanhar a

contemporaneidade dos sujeitos sociais: crianças e jovens que frequentam a instituição

escolar.

O PRÓ-LETRAMENTO MATEMÁTICA – O CONTEXTO DO DISTRITO

FEDERAL

Diferente da proposta original de o Pró-Letramento ser um curso semipresencial

(BRASIL, 2007, p. 22), com dois momentos distintos: um presencial e outro a distância,

no Distrito Federal, os encontros com os professores acontecem uma vez por semana,

com duração de 3 horas, perfazendo um total de 90 horas presenciais e 30 horas

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indiretas, para as leituras e desenvolvimento das Tarefas Individuais - TI, atividades que

os professores aplicam nas turmas que coordenam o trabalho pedagógico. Essas

atividades depois compõem o relatório de formação que é entregue para o professor

tutor.

A adesão do Distrito Federal ao Programa Pró-letramento veio contemplar a

necessidade de formação em Matemática dos professores da Secretaria de Estado de

Educação do Distrito Federal-SEEDF, que nos últimos anos só discutiam o ensino-

aprendizagem de Matemática no início de escolarização em pequenos e esporádicos

cursos oferecidos pelas oficinas pedagógicas das Diretorias Regionais de Ensino da

SEEDF.

Feita a adesão, coube à Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da

Educação-EAPE, escola de formação da Secretaria de Educação do Distrito Federal-

SEDF: a aprovação, a coordenação local, a docência, a avaliação institucional, a

“cessão” do espaço físico e a reprodução do material didático de apoio.

O acompanhamento do Pró-Letramento Matemática, Distrito Federal, em 2011,

está sob a coordenação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília que deu

às tutoras do DF a liberdade para organizarem as TI que estão sendo desenvolvidas

pelos professores cursistas.

No 1º semestre de 2011, foram desenvolvidos estudos dos fascículos: 1)

Números Naturais; 2) Operações com Números Naturais; 7) Resolver Problemas: o lado

lúdico do ensino de Matemática e 8) Avaliação da aprendizagem em Matemática nos

anos iniciais.

ASPECTOS DE CRIATIVIDADE NA PRODUÇÃO DOS PROFESSORES

CURSISTAS DO PRÓ-LETRAMENTO MATEMÁTICA DO GAMA-DF,

ESPRESSAS NAS TAREFAS INDIVIDUAIS – TI

As TI são instrumentos de avaliação utilizados pelo Pró-letramento Matemática

e são produzidas pelos professores cursistas em forma de relatórios para retratarem suas

práticas nas salas de aula em que coordenam o trabalho pedagógico.

O relatório deve conter: uma apresentação da turma, o objetivo da TI, o

planejamento, a organização de recursos, descrição da mediação, o registro da

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participação das crianças, a produção de reflexão da própria prática e avaliação da

aplicabilidade da TI.

Para se ter um panorama das TI produzidas pelos professores cursistas do DF

durante o 1º semestre de 2011, apresentamos as tabelas a seguir:

ANO FASCÍCULO 1 NÚMEROS NATURAIS

1º ANO

TI 1 - página 14 (escreva suas observações e hipóteses sobre a escrita

das crianças com relação a representação de um número no

relatório).

TI 10 - página 21 (aplicação de jogo usando o corpo e a ideia de

juntar).

2º ANO

TI 2 - página 15 (explorar com as crianças números como 12 e 21 ou

16 e 16 para a construção do valor posicional).

TI 10 - página 21 (aplicação de jogo usando o corpo e a ideia de

juntar).

3º ANO

TI 2 - página 15 (explorar com as crianças números como 12 e 21 ou

16 e 16 para a construção do valor posicional).

TI 17 – página 25 (aplicar o jogo da carta escondida - fatos

fundamentais da adição e da subtração, para refletir sobre o

questionamento e produzir relatório).

4º ANO

e

5º ANO

TI 8 – página 19 (aplicar e escrever relatório, utilizando a atividade

do “Forma 10”, vivenciada na sala da formação).

TI 17 – página 25 (aplicar o jogo da carta escondida - fatos

fundamentais da adição e da subtração, para refletir sobre o

questionamento e produzir relatório).

Tabela 1: TI do Fascículo 1, do Pró-Letramento Matemática, aplicadas no DF, 2011.

ANO FASCÍCULO 2 - OPERAÇÕES COM NÚMEROS NATURAIS

1º ANO

ao

3º ANO

TI 4 - página 14 (Elaborar atividade para preparar para

multiplicação e divisão, não precisa fazer relatório de aplicação).

TI 7 - página 16 (produzir relatório após aplicação da atividade da

bota de muitas léguas - multiplicação).

4º ANO

e

5º ANO

TI 3 - página 13 (aplicar a atividade de subtração e fazer o relatório).

TI 9 – página 18 (aplicar a atividade da bota de muitas léguas na

multiplicação e divisão. Escrever relatório somente da aplicação com

a divisão).

Tabela 2: TI do Fascículo 2, do Pró-Letramento Matemática, aplicadas no DF, 2011.

ANO

FASCÍCULO 7 – RESOLVER PROBLEMAS: O LADO

LÚDICO DO ENSINO DA MATEMÁTICA

1º ANO

ao

5º ANO

TI 2 – página 24 (aplicar um problema resolvido e discutido na

formação e escrever relatório)

TI 4, item 2 – página 24/25 (aplicar um jogo e propor uma atividade

baseada no jogo)

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Tabela 3: TI do Fascículo 7, do Pró-Letramento Matemática, aplicadas no DF, 2011.

Tabela 4: TI do Fascículo 8, do Pró-Letramento Matemática, aplicada no DF, 2011.

A escolha da TI 4 para análise se deu porque foi a única de elaboração própria dos

professores cursistas, durante o 1º semestre.

As quatro (04) turmas do Polo Gama-DF, como já foi dito, atendem sessenta e

oito (68) professores cursistas, sendo que, destes, cinquenta e dois (52) atuam com

crianças do 1º ao 3º ano, para os quais foi pedida a produção da TI 4. Destes cinquenta e

dois professores cursistas, trinta e sete (37) entregaram suas TI 4 no prazo estabelecido,

o que perfaz um total de 71%, sendo este o número percentual de TI analisadas nesta

pesquisa.

A TI 4 teve por objetivo incitar os professores cursistas a elaborarem atividades

que preparassem as crianças para a multiplicação e a divisão. A orientação mais

específica para a produção dessa TI implicava em fazer os professores cursistas

compreenderem que a expressão “uma atividade que prepare” difere de “atividade

introdutória” ou de “atividade de fixação” porque uma atividade preparatória não exige

que aconteça alguma formalização, mas provoca uma ampliação de pensar sobre as

operações já conhecidas pelas crianças e a curiosidade ou necessidade de outras

estratégias para sua resolução.

Essa discussão foi importante para a efetividade das produções. As TI entregues

assim se configuraram:

ATIVIDADES QUE PREPARAM PARA A MULTIPLICAÇÃO E/OU DIVISÃO.

1. Problema envolvendo combinação (compra de borrachas e lápis)

2. Fazer uma receita para trabalhar a ideia de proporcionalidade. Dobrar a receita.

3. Apresentar 5 pacotes de figurinhas. Abrir um e constatar que há 4 figurinhas. Mostrar os demais

pacotinhos e perguntar quantas figurinhas há ao todo, já que a quantidade de figurinhas não varia.

Provocar registro.

4. Receita de bolo de mandioca. A receita dá para um tabuleiro. Decidir quantos tabuleiros precisam ser

feitos para alimentar 30 alunos. Depois, decidir como cortar os bolos para a turma.

5. Situação-problemas da sala. Ex: Na sala há 6 fileiras com 5 carteiras cada. Quantas carteiras há na

ANO

FASCÍCULO 8 – AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

EM MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS

1º ANO

ao

5º ANO

Esta TI foi realizada na sala de aula, da formação, sob a

orientação da tutora.

A TI foi desenvolvida em grupo, apresentada e entregue neste

dia.

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sala?

6. Dar uma folha de jornal para cada criança. Pedir que se sentem na rodinha, cada um sobre uma folha

de jornal. Cada folha representa um grupo. Fazer agrupamento de crianças sobre as folhas.

7. Tabela para completar: Nº de pratos Figura Total de maçãs

1 1 prato com duas maçãs 2 maçãs

2 desenho de 2 pratos para a criança ____ + ____ = _____

desenhar as maçãs ____ maçãs

8. Comprando sucatas. Trabalhando com sucatas, dinheirinho, tabela, sociedade e meio ambiente. A

professora compra sucatas. Entrega para os grupos um conjunto de sucatas e uma tabela com os

valores: Sucata Valor unitário Quantidade

Caixinhas R$ 3,00

Recipientes plásticos R$ 2,00

Folha de papel R$ 1,00

Após completar a tabela, os grupos recebem o pagamento e devem dividir o dinheiro entre si.

9. Atividade integrada com outras áreas: Conto e reconto da história “Um redondo pode ser quadrado?”

de Renato Canini. Observar se há as formas que apareceram no texto, na sala de aula. Distribuir

7círculos para cada criança para desenharem 3 bichos, 2 alimentos e 2 objetos que aparecem na

história. Depois, combinar bichos e alimentos; bichos e objetos. Explorar e preencher tabela.

10. História a fábrica de doces especiais recebeu uma encomenda de doces para um casamento.

Deveriam ser colocados 2 doces em cada saquinho e os saquinhos deveriam ser colocados em uma

bandeja triangular. Quantos doces foram arranjados na bandeja?

Discussão em grupos para a resolução.

11. Formar grupos com palitos de picolé.

Obs: duas TI com agrupamento com palitos

12. Formar grupos com os alunos da turma. EX: 5 grupos de 3. 15 alunos distribuídos em grupos de 3.

Obs: foram três TI com a ideia de agrupar os próprios alunos.

13. Formar grupos com tampinhas. Obs: Duas TI com agrupamentos de tampinhas.

Levar roupas para a sala e pedir que combinem as roupas sem repetir peças.

14. Boliche: 12 pinos, uma bola e folha para registro. Pinos vermelhos = 2 pontos; pinos azuis = 3

pontos; pinos verdes = 4 pontos.

15. Cineminha - levar um filme para assistir com a turma, mas antes pensar na distribuição de pipocas

em saquinhos e refrigerante para a turma.

16. Atividade em folha: figuras organizadas em grupos. Ao lado, frases para completamento:

Em cada grupo___

Ao todo 3 + ____ = ____

2 vezes 3 é igual a _____

17. Jogo do balde. 6 baldes, 2 dados ( um, para a quantidade de baldes e outro, para a quantidade de

objetos a serem colocados nos baldes). Quantos baldes? Quantos objetos para cada balde? Quantos

objetos ao todo?

18. Jogo da tabela em cartaz (5 colunas de 9 linhas - de 0 a 9)

0

1

Embaixo de cada forma, números cobertos. Escolhe-se um nº, de 0 a 9, na vertical e uma figura. O n°

que aparecer na horizontal é a quantidade de vezes que será somado o número correspondente da 1ª

coluna.

19. Ir distribuindo na turma cartelas com 4 adesivos. A medida que for distribuindo, ir mediando: uma

criança ganhou 4 adesivos. 4 crianças ganharam quantos adesivos?

20. Formar grupos com tampinhas. Distribuir 20 brigadeiros em: 2, 4, 5, 10 e 20 pratinhos.

21. Corrida maluca. 2 dados (um, para a distância do percurso e ou outro, para o nº de vezes da

distância) , 36 garrafas plásticas numeradas de 0 a36 e dois volantes mágicos. O percurso é feito no

chão com estações de garrafas pet. Tabela para registro. Ganha o jogo a equipe que tiver alcançado

mais vezes as maiores distâncias. Divisão, percurso ao contrário.

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22. 2 dados de cores diferentes, pratinhos e bolinhas. Folhas para anotação. Um dado indica a quantidade

de pratinhos. O outro, a quantidade de bolinhas para colocar em cada pratinho. Discussão e registro

23. Cartas numeradas, conforme o nível de aprendizagem da turma e tampinhas. Turma dividida em

grupos. Uma criança vira uma cartinha que indica a quantidade de tampinhas que devem ser

distribuídas para os colegas de grupo.

24. Jogo dos feijões nas caixas de fósforo. Crianças em pares. Cada criança coloca escondido de seu par

uma quantidade igual de feijão na quantidade de caixas que ela quiser (no máximo, 10 caixas).

Depois, coloca suas caixas sobre a carteira, informa quantos feijões tem em uma caixa e seu par tem

que descobrir quantos feijões há ao todo nas caixas.

25. Desenhar ou cortar quadradinhos. Desenhar 3 corações em cada quadradinho. Perguntar: quantos

quadradinhos há? Quantos corações você desenhou em cada quadradinho? Quantos corações você

desenhou ao todo? Socializar as explicações

26. Problemas convencionais envolvendo multiplicação. Ex: uma bicicleta tem 2 rodas. 4 bicicletas têm

___ rodas.

27. Materiais para organizar; 3 vezes 2 bolas; 5 vezes 2 palitos.

28. Colocar 25 tampinhas na carroceria do caminhão. Joga-se com dois dados. O primeiro, o n° a ser

multiplicado (faces do dado: 1, 2 ,3, e 0), como o 2 e o 3 repetidos. O segundo dado, com 1, 2, 3, 4, 5

e 0 em suas faces e representa o n° a ser repetido. Após o cálculo, retira-se a quantidade

correspondente de tampinhas do caminhão.

Obs: tarefa de um livro didático utilizada para adição e adaptada para a multiplicação pela

professora.

29. Dominó de multiplicação.

30. Jogo do Vira-vira. 2 conjuntos de cartas numeradas de 1 a 9 e 2 dados. Joga-se os 2 dados, soma-se

as quantidades e vira-se de cabeça para baixo a carta correspondente a soma dos dados. Se não

houver uma carta com o valor correspondente, pode-se somar os valores de algumas cartas e virá-las.

Ganha quem virar primeiro todas as cartas.

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Quadro 1 - atividades apresentadas pelos professores de quatro turmas do Polo Gama-DF.

Fonte: arquivo de atividades da tutora do Polo Gama, do Pró-Letramento Matemática.

Barcellar (2006, p. 50), alerta para a importância da análise de documentos

quando diz que “[...] o interesse pela pesquisa empírica deve instrumentalizar as

atenções para a importância dos documentos”.

Lüdke e André (1986, p.38-40) apresentam as vantagens de se analisar

documentos porque estes são fontes ricas e estáveis de pesquisa, por isso, podem ser

consultados várias vezes e servir de bases para estudos diferentes. As autoras também

explicitam vários enfoques para a análise: o conteúdo simbólico abordado por diversas

unidades de análise: uma palavra, uma sentença, o parágrafo ou o texto como um todo.

Para analisar se havia aspectos de criatividade nas TI apresentadas,

consideramos importante apresentar todas as ideias contidas nas trinta e duas TI no

quadro acima para discuti-las em quatro categorias: 1) atividades convencionais,

aquelas que não se desprenderam das ideias costumeiras, próximas das atividades

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11

introdutórias; 2) atividades com aspectos de criatividade, aquelas em que o professor

traz uma “novidade e cujo valor são significativos para um grupo muito mais reduzido”

(MITJANS, 1997, p. 56); 3) atividades adaptadas da formação, aquelas que foram

realizadas na sala de formação e que apareceram com pequenas adaptações e 4)

atividades que não atenderam ao objetivo da TI, aquelas que não apresentaram

atividades que preparassem para a multiplicação e/ou divisão.

Categorizamos as TI de número 1, 2, 5, 7, 16, 26 e 27, como atividades

convencionais.

1 Problema envolvendo combinação (compra de borrachas e lápis)

2 Fazer uma receita para trabalhar a ideia de proporcionalidade. Dobrar a receita.

5 Situação-problemas da sala. Ex: Na sala há 6 fileiras com 5 carteiras cada. Quantas carteiras há na

sala?

7 Tabela para completar: Nº de pratos Figura Total de maçãs

1 1 prato com duas maçãs 2 maçãs

2 desenho de 2 pratos para a criança ____ + ____ = _____

desenhar as maçãs ____ maçãs

16 .Atividade em folha: figuras organizadas em grupos. Ao lado, frases para completamento:

Em cada grupo___

Ao todo 3 + ____ = ____

2 vezes 3 é igual a _____

26 Problemas convencionais envolvendo multiplicação. Ex: uma bicicleta tem 2 rodas. 4 bicicletas têm

___ rodas.

27 Materiais para organizar; 3 vezes 2 bolas; 5 vezes 2 palitos.

Quadro 2 - atividades categorizadas como atividades convencionais.

Estas podem denotar o que Rickards e Jones (apud ALENCAR e FLEITH, 2003,

p. 64) apontam como barreiras que se referem às crenças e valores pessoais que limitam

ou impingem certa falta de confiança da pessoa sobre suas próprias ideias.

Esse fato tem ligação direta com a falta de formação continuada em Matemática

para os professores dos anos iniciais do DF. Esta ausência de formação foi muitas vezes

comentada pelos professores do Polo Gama. Discutimos que a maioria de nós se formou

na lógica das aulas demonstrativas de matemática e das cópias das listas de exercícios

de fixação como única atividade dos estudantes. É nesta categoria das atividades

convencionais que percebemos como é difícil nos desprendermos dos modelos que

foram impostos durante toda a escolarização dos professores cursistas.

Categorizamos as TI de número 6, 11, 12, 13, 20, 21, e 28 como atividades

adaptadas da formação por apresentarem aspectos de atividades desenvolvidas no curso

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12

para a construção da relação quantidade/quantidade e a bota de muitas léguas, atividade

do Fascículo 2 (BRASIL, 2007, p. 16-18).

6 Dar uma folha de jornal para cada criança. Pedir que se sentem na rodinha, cada um sobre uma

folha de jornal. Cada folha representa um grupo. Fazer agrupamento de crianças sobre as folhas.

11 Formar grupos com palitos de picolé.

12 Formar grupos com os alunos da turma. EX: 5 grupos de 3. 15 alunos distribuídos em grupos de 3.

13 Formar grupos com tampinhas.

Levar roupas para a sala e pedir que combinem as roupas sem repetir peças.

20 Formar grupos com tampinhas. Distribuir 20 brigadeiros em: 2, 4, 5, 10 e 20 pratinhos.

21 Corrida maluca. 2 dados (um, para a distância do percurso e ou outro, para o nº de vezes da

distância) , 36 garrafas plásticas numeradas de 0 a36 e dois volantes mágicos. O percurso é feito no

chão com estações de garrafas pet. Tabela para registro. Ganha o jogo a equipe que tiver alcançado

mais vezes as maiores distâncias. Divisão, percurso ao contrário.

28 Colocar 25 tampinhas na carroceria do caminhão. Joga-se com dois dados. O primeiro, o n° a ser

multiplicado (faces do dado: 1, 2 ,3, e 0), como o 2 e o 3 repetidos. O segundo dado, com 1, 2, 3, 4,

5 e 0 em suas faces e representa o n° a ser repetido. Após o cálculo, retira-se a quantidade

correspondente de tampinhas do caminhão.

Quadro 3 - atividades categorizadas como atividades adaptadas da formação.

Consideramos que estas TI apresentam um salto qualitativo importante na

produção dos professores que começam a experienciar possibilidades de criação de

atividades, mesmo que amparados em experiências anteriores. Nesta categoria já vemos

traços de criatividade, pois houve a busca para se desprender de modelos. Criar uma

atividade, a partir de outra, que tinha objetivos distintos ao que se almeja implica um

processo reflexivo para a inovação.

As TI de número 29 e 30 foram categorizadas como atividades que não

atenderam ao objetivo da TI, tendo em vista que a de número 28 é uma atividade

convencional de fixação para a multiplicação e a TI 29 tem como objetivo o trabalho

com fatos fundamentais da adição e a ideia de conservação de quantidade.

29 Dominó de multiplicação.

30 Jogo do Vira-vira. 2 conjuntos de cartas numeradas de 1 a 9 e 2 dados. Joga-se os 2 dados, soma-se

as quantidades e vira-se de cabeça para baixo a carta correspondente a soma dos dados. Se não

houver uma carta com o valor correspondente, pode-se somar os valores de algumas cartas e virá-

las. Ganha quem virar primeiro todas as cartas.

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Quadro 4 - atividades categorizadas como atividades que não atenderam ao objetivo da TI.

Por fim, categorizamos as TI de número 3, 4, 8, 10, 14, 15, 17, 18, 19, 23, 24, 25

como atividades com aspectos de criatividade, pois conforme Mitjáns (1997, p. 56) na

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13

atividade criativa o sujeito expressa “suas potencialidades de caráter cognitivo e afetivo

em unidade indissolúvel”. Quase todas as atividades desta categoria instigam as

crianças a multiplicar ou dividir envolvidas por questões sociais ou culturais.

3 Apresentar 5 pacotes de figurinhas. Abrir um e constatar que há 4 figurinhas. Mostrar os demais

pacotinhos e perguntar quantas figurinhas há ao todo, já que a quantidade de figurinhas não varia.

Provocar registro.

4 Receita de bolo de mandioca. A receita dá para um tabuleiro. Decidir quantos tabuleiros precisam

ser feitos para alimentar 30 alunos. Depois, decidir como cortar os bolos para a turma.

8 Comprando sucatas. Trabalhando com sucatas, dinheirinho, tabela, sociedade e meio ambiente. A

professora compra sucatas. Entrega para os grupos um conjunto de sucatas e uma tabela com os

valores: Sucata Valor unitário Quantidade

Caixinhas R$ 3,00

Recipientes plásticos R$ 2,00

Folha de papel R$ 1,00

Após completar a tabela, os grupos recebem o pagamento e devem dividir o dinheiro entre si.

10 História a fábrica de doces especiais recebeu uma encomenda de doces para um casamento.

Deveriam ser colocados 2 doces em cada saquinho e os saquinhos deveriam ser colocados em uma

bandeja triangular. Quantos doces foram arranjados na bandeja?

Discussão em grupos para a resolução.

14 Boliche: 12 pinos, uma bola e folha para registro. Pinos vermelhos = 2 pontos; pinos azuis = 3

pontos; pinos verdes = 4 pontos.

15 Cineminha - levar um filme para assistir com a turma, mas antes pensar na distribuição de pipocas

em saquinhos e refrigerante para a turma.

17 Jogo do balde. 6 baldes, 2 dados ( um, para a quantidade de baldes e outro, para a quantidade de

objetos a serem colocados nos baldes). Quantos baldes? Quantos objetos para cada balde? Quantos

objetos ao todo?

18 Jogo da tabela em cartaz (5 colunas de 9 linhas - de 0 a 9)

0

1

Embaixo de cada forma, números cobertos. Escolhe-se um nº, de 0 a 9, na vertical e uma figura. O

n° que aparecer na horizontal é a quantidade de vezes que será somado o número correspondente

da 1ª coluna.

19 Ir distribuindo na turma cartelas com 4 adesivos. A medida que for distribuindo, ir mediando: uma

criança ganhou 4 adesivos. 4 crianças ganharam quantos adesivos?

23 Cartas numeradas, conforme o nível de aprendizagem da turma e tampinhas. Turma dividida em

grupos. Uma criança vira uma cartinha que indica a quantidade de tampinhas que devem ser

distribuídas para os colegas de grupo.

24 Jogo dos feijões nas caixas de fósforo. Crianças em pares. Cada criança coloca escondido de seu

par uma quantidade igual de feijão na quantidade de caixas que ela quiser (no máximo, 10 caixas).

Depois, coloca suas caixas sobre a carteira, informa quantos feijões tem em uma caixa e seu par

tem que descobrir quantos feijões há ao todo nas caixas.

25 Desenhar ou cortar quadradinhos. Desenhar 3 corações em cada quadradinho. Perguntar: quantos

quadradinhos há? Quantos corações você desenhou em cada quadradinho? Quantos corações você

desenhou ao todo? Socializar as explicações

Quadro 5 - atividades categorizadas como atividades com aspectos de criatividade.

Outro aspecto importante das TI categorizadas como atividades com aspectos de

criatividade está no fato de envolverem o caráter sistêmico da educação, que conforme

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a autora, significa “conceber, estruturar e implementar sistemas de atividade-

comunicação para favorecer o desenvolvimento do comportamento criativo (MITJÁNS,

1997, p. 143), pois traz a necessidade de observação e de um pensamento mais

elaborado para a resolução.

Chamamos a atenção para as TI de número 4 e 8 do Quadro 5. Na socialização

dessas atividades na sala de formação, as professoras relataram fatos importantes que

retratam aspectos das análises das crianças para resolverem as situações propostas.

No caso do bolo de mandioca, a professora trabalha com uma turma do 3° ano,

composta por 30 crianças. As crianças decidiram que para toda a turma comer bolo

seriam necessários 4 tabuleiros e que cada bolo deveria ser repartido em 10 partes.

Questionados pela professora quantos pedaços de bolo daria 4 tabuleiros divididos em

10 partes, as crianças desenharam, pensaram e disseram “40 pedaços”. Mais uma vez, a

professora questionou a turma: “Se são 30 alunos, por que 40 pedaços?” Algumas

crianças prontamente justificaram que havia coleguinhas que sempre repetiam. Então,

precisavam ter “sobras”.

No caso da venda das sucatas, a professora era coordenadora de uma escola de

anos iniciais, mas estava aplicando as atividades do Pró-Letramento Matemática com

crianças do 2° ano. Primeiramente, a professora fez uma discussão sobre o valor das

coisas para chegar ao valor dos materiais que vão para o lixo. Somente depois, propôs a

atividade. Outro momento importante foi na hora da partilha do dinheiro arrecadado:

pensaram, fizeram trocas com o dinheirinho para distribuírem a quantia recebida.

CONCLUSÃO

A pesquisa apresentada teve por objetivo analisar aspectos de criatividade

expressos nas atividades de avaliação dos professores cursistas do Pró-letramento

Matemática do Distrito Federal, 2011, denominadas de Tarefas Individuais-TI.

Embora necessitemos de maior aporte teórico para o aprofundamento das

discussões aqui iniciadas, consideramos que evidenciamos indícios ou aspectos de

criatividade nas produções dos professores cursistas do Polo Gama, do Pró-Letramento

Matemática, do Distrito Federal, quando elaboraram atividades que preparavam as

crianças para a multiplicação e a divisão.

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Estes aspectos foram expressos no processo reflexivo para a inovação e nas

atividades que apresentaram aspectos de um processo sistêmico de “atividade-

comunicação” (MITJÁNS, 1997, p. 143) ao envolverem questões socioculturais em

atividades matemáticas que exigiram das crianças reflexão, discussão e elaboração de

estratégias próprias para sua resolução.

As atividades propostas coadunam com os PCN (BRASIL, 1997, p. 19), quando

afirma que a organização dos conteúdos deve levar em conta a relevância social e

contribuir para o desenvolvimento intelectual dos estudantes.

Quanto à questão do caráter personalístico da criatividade discutido por Mitjáns

(1997) também merece uma reflexão final, pois estando ou não a criatividade expressa

nos documentos oficiais, acreditamos que seu desenvolvimento como um

comportamento, nas instituições educacionais, depende muito de quem conduz o

trabalho pedagógico.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Eunice M. L. S. de. Contribuições teóricas recentes ao estudo da

criatividade. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, Jan-Abr 2003, Vol. 19 n. 1, p. 01-

08.

ALENCAR, Eunice M. L. S de; FLEITH, Denise de S. Barreiras à criatividade pessoas

entre professores de distintos níveis de ensino. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003. p.

63-69

BELFORT, E; MANDARINO, M. C. F. Implantação do “Pró-letramento em

Matemática”, UNIRIO, (s/d). Disponível em <http://limc.ufrj.br/htem4/papers/74.pdf>

Acessado em 15 jan 2011.

[BRASIL]. Pró-letramento. Programa de Formação Continuada de Professores dos

anos/séries iniciais do Ensino Fundamental – ed ver e ampliada incluindo SAEB/Prova

Brasil matriz de referência/Secretaria de Educação Básica – Brasília: Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

Page 214: Sociedade Brasileira de Educação Matemática Regional ... · estudo, utilizamos arsenal teórico do campo conceitual de Vergnaud como meio de aprender conteúdos matemáticos por

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______. Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006. Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Curso de Graduação em Pedagogia. Disponível em

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf> Acessado em 10 jul 2011

______. Orientações Gerais da Rede de Formação Continuada de Professores.

Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, Departamento de Políticas de

Educação Infantil e Ensino Fundamental, Coordenação Geral de Política de Formação.

Disponível em <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/catalogo_rede_2004.pdf>

Acessado em 15 jan 2011.

______. Parecer nº CNE/CES 1.302/2001. Diretrizes Curriculares para cursos de

Matemática. Disponível em

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES13022.pdf> Acessado em 10 jul 2011

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

matemática / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em Educação: Abordagens

Qualitativas. São Paulo: Editora EPU-EDUSP, 1986. 100 p.

MITJÁNS, Albertina Martinez. Criatividade, personalidade e educação. Tradução:

Mayra Pinto. Campinas, SP: Papirus, 1997.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO - LEDOC – CIÊNCIAS DA

NATUREZA E MATEMÁTICA, UMA VISÃO ETNOMATEMÁTICA E

MULTICULTURAL

Igor André Ramos Almeida

Universidade de Brasília

[email protected]

Wilsa Maria Ramos

Universidade de Brasília

[email protected]

RESUMO

O objeto de estudo desse trabalho é a análise do ensino de matemática no curso de

Graduação de Licenciatura em Educação do Campo – LEdoC da Universidade de

Brasília, cuja primeira turma teve início em 2007. Por se tratar de um curso recente, a

demanda por estudos e pesquisas a respeito de suas metodologias e práticas de ensino-

aprendizagem, tendo como referência teórica a abordagem da Etnomatemática e da

educação Multicultural, torna- se um grande desafio para os pesquisadores da área.A

metodologia adotou a abordagem qualitativa de natureza descritivo-interpretativa.

Utilizou-se como instrumentos de coleta de dados a entrevista semiestruturada e

gravada em áudio, análise documental do Projeto Político Pedagógico do curso. Os

resultados da análise do PPP e das entrevistas apontam que as estratégias e

metodologias da habilitação para Ciências da Natureza e Matemática estão relacionadas

às práticas sociais em que estão inseridos e envolvidos o homem do campo. Além disto,

entende-se a formação em curso como um processo dinâmico, em construção, e com

escopo diferenciador das formações em licenciaturas acadêmicas oferecidas pela

Universidade de Brasília.

Palavras-Chave: Etnomatemática; Educação Multicultural; Educação do Campo.

INTRODUÇÃO

O objeto de estudo desse trabalho é a análise do ensino de matemática no curso

de Graduação de Licenciatura em Educação do Campo – LEdoC da Universidade de

Brasília, cuja primeira turma teve início em 2007. Por se tratar de um curso recente, a

demanda por estudos e pesquisas a respeito de suas metodologias e práticas de ensino-

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aprendizagem, tendo como referência teórica a abordagem da Etnomatemática e da

educação Multicultural, torna- se um grande desafio para os pesquisadores da área.

Outra necessidade evidenciada, não menos importante, é avaliar se a organização

curricular proposta no Projeto Político Pedagógico e nas ementas das disciplinas está

sendo aplicada, desvelando assim, as incoerências e problemas e possíveis soluções.

Aliado a essas questões está o nosso interesse, enquanto pesquisadores em

educação matemática e processos de ensino e aprendizagem, em estudar e investigar o

curso LedoC com foco na análise das práticas sociais na área de matemática,

emergentes dos novos cursos da Universidade de Brasília, UnB.

Desta forma, este artigo apresenta alguns resultados da pesquisa realizada com

professores da UnB, como motivação para a realização de um trabalho final à disciplina

Educação do Campo da Faculdade de Educação.

OBJETIVO

Analisar as disciplinas de matemática do curso Licenciatura em Educação do

campo, habilitação em ciências da natureza e matemática, identificando se a formação

em curso valoriza as práticas culturais relacionadas à utilização e produção matemática

dos homens do campo sob a ótica dos professores do curso.

DISCUSSÃO

Em vista do que foi traçado nos objetivos, devemos elucidar os referenciais

teóricos que alicerçam a análise do curso de educação do campo.

Primeiramente se faz necessário definir o conceito de Etnomatemática. Nas palavras de

D’Ambrosio, o precursor deste termo, podemos identificar que:

diferentemente do que sugere o nome, Etnomatemática não é apenas o

estudo de “matemática de diversas etnias”. Para compor a palavra

Etnomatemática utilizei as raízes tica,matema, eetno para significar

que há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar, de

entender, de lidar e conviver (matema) com distintos contextos

naturais e socioeconômicos da realidade (etno). (D’AMBROSIO,

1996, p. 113).

A partir desta perspectiva d’ambrosiana, compreendemos que a abrangência do

conceito deEtnomatemáticaque tem por objeto de estudo a explicação dos “processos de

geração organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as

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forças interativas que agem entre os três processos” (D’AMBRÓSIO, 1990,p.7). Desta

maneira podemos considerar, entre outras, a matemática utilizada pelas crianças em

brincadeira infantis, a matemática utilizada pelos pedintes nas ruas, a matemática

utilizada pelos povos do campo para atender suas necessidades como uma forma de

Etnomatemática. Dentro dessa perspectiva, podemos considerar também como uma das

formas de Etnomatemática a matemática acadêmica, que por muitas vezes é entendida

como a única forma de produção matemática.

Assim, sob este enfoque, a “Etnomatemática se constitui na união de todas as

formas de produção e transmissão de conhecimento ligada aos processos de contagem,

medição, ordenação, inferência e modos de raciocinar de grupos culturalmente

identificados”. (KNIJNIK, 2006, p.129).

Ao colocar a matemática acadêmica como uma forma de Etnomatemática,

estamos questionando o fato do conceito dessa matemática ser, muitas vezes, tratado

como universal. O que percebemos é uma imposição da matemática acadêmica nos

vários níveis de ensino. Em geral, desde a pré-escola e a educação infantil,professores

ignoram os procedimentos não convencionais que os seus alunos utilizam para realizar

as operações básicas e se prendem ao ensino de algoritmos e procedimentos engessados

da matemática acadêmica.

Segundo D’Ambrosio:

falar dessa matemática (acadêmica) em ambientes culturais diversificados,

sobretudo, em se tratando de nativos ou afro-americanos ou outros não

europeus, de trabalhadores oprimidos e de classes marginalizadas, além de

trazer a lembrança do conquistador, do escravista, enfim do dominador,

também se refere a uma forma de conhecimento que foi construída por ele,

dominador, e da qual ele se serviu e se serve para exercer seu domínio.

(D’AMBROSIO 1996, p. 113)

Coincidindo com D’ambrosio, também acreditamos que a partir dessa

perspectiva, pode-se correr o risco de compreender a matemática acadêmica, por todo o

seu rigor, como forma privilegiada sobre outras formas de pensar.

Considerando este contexto, a autora Knijnik(2006) levanta algumas razões

pelas quais devemos adotar a abordagem Etnomatemática em sala de aula. Citamos três

princípios referentes a este conceito, sem intenção de enumerar todos e sem colocá-los

em ordem de importância (KNIJNIL, 2006):

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4

- Os exemplos obtidos na matemática não ocidental se constituem de uma rica fonte

para ilustração e aplicação de conceitos da matemática acadêmica.

- A Etnomatemática possibilita que se conheça a história da matemática e a contribuição

dada a ela pelos povos não ocidentais.

- Um ensino na abordagem Etnomatemática encoraja os professores a examinarem,

junto com seus estudantes seus métodos e modos de conceitualizar o conhecimento

matemático.

Tomando por base a abordagem da Etnomatemática, trazemos a tona uma questão

polêmica e controversa: como ensinar matemática aos nativos, aos marginalizados, aos

povos do campo sem tratar o conteúdo como forma de colonização pelos conteúdos

acadêmicos?

Para responder essa pergunta,que nos remete as questões e problemas atuais

decorrentes do reconhecimento das diferenças étnicas e culturaisno âmbito educativo

das sociedades democráticas, usamos o conceito de educação Multicultural exposto por

Ondina(1996). Conceitua a Educação Multicultural como o “enfoque, desde o marco da

educação formal e informal, que se orienta a desenvolver no aluno e no professor,ambas

os tipos de consciência e habilidades fundamentais necessárias para viver em um mundo

Multicultural.” (ONDINA, 1996, p.28).

Para a autora, esta abordagem pressupõe que os sujeitos, ou atores sociais, sejam

capazes de viver a situação de conflito (primeiro ato) que imana de um mundo

multicultural, multifacetado, repleto de crenças, costumes, hábitos e valores que

misturam diferentes culturas com diferentes classes sociais, gênero, idade, nível

econômico, opções sexuais, e buscam a sua superação, pela compreensão de sua

inevitabilidade e pelo reconhecimento (segundo ato) destas formas de ser e estar no

mundo como um elemento importante do processo de aprendizagem, e principalmente

de socialização.Portanto, trás para a discussão os dois grandes sentidos do termo

multicultural: a existência humana é inerente e universalmente multicultural e, a chave

do multiculturalismo é a consciência em três vertentes, a consciência da própria

condição etnocultural, a consciência de que a nossa sociedade é multicultural (inclui

variáveis macro e micro), consciência pessoal de não ignorar que o conflito cultural

surge de interpretações pessoais, decorre de experiências pessoais e singulares e,

portanto, muitas vezes são quase “invisíveis”.

METODOLOGIA

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O estudo tem por objetivo analisar as disciplinas de matemática do curso

Licenciatura em Educação do campo (LEdoC), habilitação em ciências da natureza e

matemática, identificando se a formação em curso valoriza as práticas culturais

relacionadas à utilização e produção matemática dos homens do campo sob a ótica dos

professores do curso.

A metodologia possui uma abordagem qualitativa de natureza descritivo-

interpretativa. Utilizou-se como instrumentos de coleta de dados a entrevista

semiestruturada e gravada em áudio, análise documental do projeto político pedagógico

do curso.

A audição do áudio foi realizada repetidas vezes, de onde se extraiu os principais

significados das falas das entrevistadas que estão apresentados nos resultados. Dentro

do que foi proposto como objetivo, destacaremos duascategorias de analises extraídas

dos significados que emergiram na entrevista por meio das perguntas semiestruturadas:

- estratégias de ensino aprendizagem e sua apropriação para a educação do

campo;

- diferenças entre a matriz curricular e perfil do profissional que se pretende

formar em licenciatura do curso educação do campo e do curso de matemática;

Os participantes da pesquisa foram professores da UnB, sendo umdeles

responsável pela elaboração da matriz curricular das disciplinas de matemática da área

de Ciências da Natureza e Matemática, denominada na pesquisa de P1, e o outro

professo que atua no cursoLEdoC, denominado P2. Os participantes foram indicados

pela professora responsável pela disciplina de Educação do Campo, da Faculdade de

Educação da Universidade de Brasília.

A seguir apresentamos as perguntas que nortearam a entrevista:

- Qual é a concepção do processo de ensino aprendizagem que embasa o projeto

pedagógico do curso de licenciatura em educação do campo, especialmente dentro da

matemática?

- Quais são as estratégias e metodologias que são utilizadas nas disciplinas de

matemática para que seja assegurado o comprimento dos objetivos educacionais

descritos no projeto político pedagógico do curso?

- De que maneira a matemática está inserida nesse currículo de forma a viabilizar a

formação do educador do campo dentro dos objetivos que foram traçados no PPP?

- Existe certa crença popular de que a única matemática existente, ou pelo menos a mais

“eficiente”, é a matemática europeia, ou seja, a que é ensinada em sala de aula. Como

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quebrar esse paradigma com o professor-aluno e mostrar para ele que a sua comunidade

e que ele próprio são produtores de conhecimentos matemáticos?

- De que forma você diferenciaria a organização curricular e o processo de ensino da

matemática do curso de licenciatura em educação do campo e do curso licenciatura em

matemática.

RESULTADOS

Considerando a abordagem da educação Etnomatemática e a Educação

Multicultural, analisamos aspectos da fundamentação e princípios do curso de

Licenciatura em Educação do Campo complementando com as questões discutidas

anteriormente.

O curso é ofertado pela Universidade de Brasília, trata-se de um projeto-piloto

do Ministério da Educação (MEC) que prevê a parceria entre universidades para formar

professores que irão atuar no meio rural, no ensino fundamental e médio. É oferecido na

Faculdade UnB Planaltina (FUP), no turno diurno, sendo que são abertas 30 vagas por

semestre. A carga horária total prevista é de 3525 horas/aula e 235 créditos,

integralizadas em oito etapas (semestres) presenciais de curso.

O objetivo de oferta do curso coaduna às políticas públicas de atendimento de

escolas rurais no e do campo que demandam urgentemente por profissionais

qualificados para a docência. A universalização do ensino fundamental e médio teve

como consequência a demanda por professores em todo o território nacional.

Seguramente, que as regiões rurais teriam maior dificuldade de formação e manutenção

de educadores com a qualificação mínima exigida na LDB. Portanto, o curso pretende

formar moradores ou trabalhadores da área rural que pretendem atuar como educadores

das séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

Como estratégia para evitar o êxodo rural e manter os futuros educadores no

meio em que vivem:

desde o primeiro semestre, os estudantes alternam o aprendizado no

campus com a prática na zona rural. No chamado Tempo-Escola, há

aulas por até 45 dias, com preparação do material que será utilizado na

comunidade. Depois, no Tempo-Comunidade, os alunos colocam a

mão na massa e aplicam os conhecimentos adquiridos na UnB. Além

da alternância, os estudantes também precisam fazer a prática

pedagógica e o estágio curricular em ambientes formais de ensino.

(Disponível em: <http://www.unb.br/aluno_de_graduacao/cursos/

educacao_do_campo>. Acesso em 30/07/2011).

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A matriz curricular apresenta uma estratégia multidisciplinar de trabalho

docente, organizando os componentes curriculares em quatro áreas do conhecimento:

Linguagens (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa, Artes, Literatura); Ciências

Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Agrárias. “A presente

proposta oferecerá aos estudantes a opção de escolha em duas destas áreas: Ciências da

Natureza e Matemática; Linguagens. Cada estudante poderá optar pela habilitação em

uma delas, na qual será certificado”. (UnB/FUP, 2009, p. 3).

Segundo o Projeto Político Pedagógico do curso o perfil de entrada dos alunos é

composto por pessoas das comunidades do campo, alguns já são educadores de escolas

públicas de Educação Básica do campo em exercício atual ou em processo de inserção,

oriundos de assentamentos, reassentamentos e outras comunidades, outros atuam como

educadores ou coordenadores de jovens e adultos, por pessoas que atuam em projetos

do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA.

O Projeto Político Pedagógico (UnB/FUP, 2009) define o conceito de Educação

do Campo como uma nova área de formação de licenciados, que surgiu a menos de dez

anos. É uma proposta de formação que surge no contexto de macro políticas orientadas

para o resgate histórico, social e econômico de um segmento da sociedade excluído dos

bancos da escola. Falar do direito à formação do homem do campo é falar de minorias

sociais, historicamente relegadas ao segundo plano, nas políticas educacionais. Desta

forma, a proposta desponta como:

denúncia e como mobilização organizada contra a situação atual do

meio rural: situação de miséria crescente, de exclusão/expulsão das

pessoas do campo; situação de desigualdades econômicas, sociais, que

também são desigualdades educacionais, escolares. Seus sujeitos

principais são as famílias e comunidades de camponeses, pequenos

agricultores, sem-terra, atingidos por barragens, ribeirinhos,

quilombolas, pescadores, e muitos educadores e estudantes das escolas

públicas e comunitárias do campo, articulados em torno de

Movimentos Sociais e Sindicais, de universidades e de organizações

não governamentais. Todos buscando alternativas para superar esta

situação que desumaniza os povos do campo, mas também degrada a

humanidade como um todo. (UnB/FUP, 2009, p. 8).

O Projeto representa o anseio de muitos educadores pela luta pelo direito da

população do campo à educação, e a uma educação que seja no e do campo.

NO: as pessoas têm direito a ser educadas no lugar onde vivem; DO:

as pessoas têm direito a uma educação pensada desde o seu lugar e

com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades

humanas e sociais. E esta educação inclui a escola: hoje uma luta

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prioritária porque há boa parte da população do campo que não tem

garantido seu direito ao acesso à chamada Educação Básica.

(UnB/FUP, 2009, p. 9).

Também na análise do Projeto Pedagógico sentimos a necessidade de

(re)significar a palavra desenvolvimento humano. Neste contexto, entendemos que o

desenvolvimento é como a mola para a transformação social. Por meio do processo de

troca entre o organismo e o ambiente físico e social e pelo uso de ferramentas e

instrumentos (materiais e simbólicos) dados pelas práticas sociais, crianças e adultos se

apropriam destes meios e os reconstroem na atividade. A abordagem sócio cultural nos

conduz ao entendimento do “desenvolvimento como função da ação do indivíduo sobre

seu meio, através das práticas próprias da sua comunidade”. (LALUEZA, CRESPO e

CAMPS, 2010, p. 47).

Coincidindo com os princípios adotados no Projeto do curso, no tocante a forma

de produção do homem do campo e a definição do território do campo, compreendemos

a necessidade urgente da criação de cursos de formação de educadores que assegurem a

especificidade da produção de saberes por determinadas comunidades:

O projeto evolutivo de uma criança que pertença a uma sociedade de

caçadores-coletores é radicalmente diferente daquele de outra nascida

em uma sociedade de agricultores-pecuaristas ou do desenvolvimento

de uma criança que cresce em uma sociedade industrial. Caçar, ou

seja, utilizar os instrumentos de caça, requer habilidades motrizes,

perceptivas e cognitivas muito diferentes daquelas que são necessárias

para trabalhar a terra ou para dominar uma variedade de instrumentos

próprios de uma sociedade complexa como a industrial. (LALUEZA,

CRESPO e CAMPS, 2010, p. 48).

Como destaca o Projeto: “o campo é o território de produção de vida; de

produção de novas relações sociais; de novas relações entre os homens e a natureza; de

novas relações entre o rural e o urbano”. (UnB/FUP, 2009, p.9). Com isto, podemos

afirmar que estas relações diferem à medida que “estejam inseridas em contextos de

atividades diferentes e sejam mediadas por ferramentas também diferentes”.

(LALUEZA, CRESPO e CAMPS, 2010, p. 48).

As práticas sociais nas quais estão inseridos e envolvidos o homem do campo

lançam mão de um conjunto de tecnologias e de formas de produção do conhecimento

específicas para dar conta da administração dos recursos escassos, da produção

econômica, do comércio etc., diferenciando de outras sociedades. Estes fundamentos

são assegurados no Projeto que se orientam no respeito às necessidades dos sujeitos do

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campo, delineando a formação como um processo dinâmico em construção, e com

escopo diferenciador das formações em licenciaturas acadêmicas.

Este diferencial pode ser notado na ementa das disciplinas ofertadas pelo curso

LEdoC na área de Ciências da Natureza e Matemática, especialmente as disciplinas

referentes a matemática. Ao analisar as ementas, podemos perceber que existe uma

ênfase na produção e valorização do conhecimento matemático tão quanto à busca de

uma abordagem histórico cultural. Compreendendo que a evolução das tecnologias

repercutem em novas práticas, novos modos de vida, de produção entre outras. Neste

contexto as ementas evidenciam uma preocupação com a validação dessas práticas

sociais por meio do conhecimento científico, contrapondo-se ao senso comum.

Para sustentar a análise realizada anexamos as ementas das disciplinas da área de

matemática. (Anexo 1).

Em segundo plano analisamos os resultados obtidos por meio das entrevistas

realizadas com os professores que aqui serão identificados por P1, responsável pela

elaboração da matriz curricular das disciplinas de matemática da área de Ciências da

Natureza e Matemática e por P2 professor que atua no LEdoC.

Na primeira categoria, estratégias de ensino aprendizagem e sua apropriação

para a educação do campo, observamos que para P1, na fase de planejamento do

currículo, houve uma tentativa de um trabalho interdisciplinar das quatro áreas,

matemática, química, física e biologia. Na fala do professor podemos perceber que uma

das formas utilizadas para a interdisciplinaridade foi colocar dois professores de áreas

distintas para planejar atividades conjuntamente para os alunos. Também foi destacado

a importância de que todo conhecimento trazido pelo aluno fosse trabalhado de forma

teórica, levando o aluno a construção do conhecimento científico a partir de suas

práticas cotidianas.

Para P2 as estratégias de ensino aprendizagem partem do levantamento do

conhecimento prévio do aluno sobre o tema para construção do conhecimento científico.

Vejamos essa fala de P2:

Quanto às estratégias. Dentro da disciplina educação financeira a aula

começa assim: onde vocês utilizam o conceito de porcentagem e

juros? Sempre trazendo temas que são do interesse e do contexto que

o aluno está inserido, agente não vai trabalhar a Bolsa de valores por

exemplo. A logica da educação financeira é diferente, tem outros

objetivos, como por exemplo, os empréstimos e os juros envolvidos

em transações do povo do campo. Na disciplina de geometria agente

realizou uma atividade onde fomos até a comunidade e fizemos um

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grande levantamento da área com GPS e mapas. Pegamos na geologia

cartas topográficas, e fizemos um levantamento. A gente fez um

trabalho com a biologia fazendo um levantamento dos tipos de arvore

existem na região para isso e a gente utilizou vários conceitos da

geometria. (P2)

Na categoria dois, diferenças entre a matriz curricular e perfil do profissional

que se pretende formar em licenciatura do curso educação do campo e do curso

dematemática, observamos que:

P1 ressalta inicialmente o esforço da equipe para montar uma matriz

interdisciplinar. Em segundo plano destaca a preocupação em colocar os professores

para dialogar, para que dessa forma houvesse um trabalho, de fato, interdisciplinar.

Quanto ao perfil dos alunos ela enaltece a sede de conhecimento e a motivação do aluno

do curso LEdoC para transformação do seu meio social. Enquanto que, no curso de

licenciatura de matemática da UnB prevalece um currículo “urbano” e que atende as

necessidades da sociedade industrializada.

Para P2 o currículo do curso LEdoC permite uma formação que vai além da

docência e que também forma o gestor escolar ou comunitário para atuar na

comunidade. O planejamento das disciplinas, segundo P2, deve ser feito de forma

diferenciada. Para o curso de licenciatura em educação do campo devem ser levados os

propósitos e as características do meio social em que o aluno está inserido, desta forma,

ela cita uma necessidade de mostrar para o professor-aluno uma utilidade, uma

aplicação para o conteúdo que está sendo estudo. Já no curso de licenciatura em

matemática, para P2, isso não se faz necessário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível identificar que dentro do que está sendo proposto no PPP e nas

ementas das disciplinas se faz presente algumas características e propriedades de estudo

que estão circunstanciadas pela Etnomatemática, como uma abordagem de ensino

aprendizagem. Também, parte dos princípios da Educação Multicultural, relevando para

primeiro plano à consideração a pluralidade cultural do contexto do homem do campo.

Desta forma, o que está sendo aplicado no curso LEdoC nas disciplinas de

Ciências da Natureza e Matemática tem sido construído nos alicerces da abordagem

Etnomatemática.

As dificuldades apontadas pelos professores entrevistados podem ser

compreendidas pelo fato do curso ser recente e, possuir poucos pesquisadores estudando

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e pensando novas concepções da educação do campo e a necessidade de se ter mais

profissionais formados e dispostos a colaborar com o curso. Esses fatos foram

evidenciados pela fala das professoras.

Por fim, ressaltamos a necessidade de se ter um estudo mais aprofundado a

respeito do curso LEdoC na abordagem Etnomatemática e Multicultural tendo como

foco a metodologia do “programa de pesquisa, a geração, organização intelectual e

social, a institucionalização e a difusão do conhecimento”. Além disso, a

implementação doLEdoC é bastante recente, e necessita de outros estudos, tornando a

pesquisa mais abrangente e os dados generalizados para cursos de outras instituições.

REFERÊNCIAS

D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino. Revista

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, p. 99-120, 2005.

D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação matemática: Da teoria à prática. Papirus, São

Paulo, 1996.

KNIJNIK, Gelsa. Educação matemática, culturas e conhecimento na luta pela terra,

EDUNISC, RS, 2006.

ODINA, Teresa Aguado. Educación multicultural. Suteoría y supráctica. UNED,

Madrid, 1996.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1990.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, Faculdade de Planaltina – FUP.Projeto Político

Pedagógico do curso de Licenciatura em Educação do Campo. Brasília, 2009.

LALUEZA, J. L., CRESPO, I, CAMPS, S. As tecnologias da informação e da

comunidação e os processos de desenvolvimento e socialização. Em: Coll, C.,

Monereo, C. Psicologia da Educação Virtual. Aprender e Ensinar com as tecnologias

da informação e comunicação. Porto Alegre, Artmed, 2010.

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ANEXO 1

- Estatística e a vida no campo:

Ementa: Princípios de genética quantitativa; Herança poligênica; Herdabilidade.

Herança quantitativa e melhoramento genético. Distribuição de freqüências e suas

características; Ajuste de dados a modelos e extrapolação; Correlação e regressão linear;

Noções de amostragem e testes de hipótese.

- História e Filosofia da Física e da Matemática

Ementa: Agricultura e as origens do conhecimento científico; A Matemática Pré-

helênica e o surgimento dos algoritmos; Motivações e origens do método axiomático; A

evolução do conceito de conhecimento; Os principais paradigmas da Física e da

Matemática; Algumas rupturas e revoluções na Física e na Matemática; Métodos e

práticas científicas: como de fato a Ciência é produzida hoje; A produção científica no

Brasil e na América Latina; O valor social da Ciência; O papel das mulheres no

desenvolvimento da Ciência no Brasil.

- Geometria, Ótica e a percepção do espaço:

Ementa: Agricultura e as origens da Geometria; Motivações para o método

axiomático; O compasso, o transferidor e o conceito de movimento rígido; O raio de luz

e a régua; Geometria: desenho e marcenaria; Arquitetura, maquetes e modelos; Os

principais conceitos e resultados da Geometria Euclideana; As origens da Ótica

Geométrica; A Geometria e os principais instrumentos óticos usados no campo; Os

conceitos de comprimento, área e volume e métodos para sua medição; Astronomia,

Cosmologia, Cartografia e Trigonometria: olhando para o céu e para a Terra.

- Educação financeira:

Ementa: Inflação: medidas, valores nominais e reais; Processos de crescimento

elementares: progressões aritméticas e geométricas; Processos de crescimento em

operações financeiras: juros simples e compostos; Valores monetários e custo de

oportunidade: valor presente e valor futuro e taxa interna de retorno; Juro contratual,

juro efetivo nominal e juro efetivo real: desconto de títulos; Métodos para pagamento de

dívidas; Análise crítica do Pronaf e do sistema bancário brasileiro.

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- Cálculo Integral e a vida no campo:

Ementa: As origens do Cálculo Integral; A área e o conceito de integral;

Existência da solução de equações diferenciais: o Teorema Fundamental do Cálculo;

Técnicas de integração: substituição, a regra da cadeia e a integração por partes; O

sistema massa-mola-amortecedor e o circuito RLC; O pêndulo simples; O lançamento

de foguetes; Somas de Riemann e aplicações ao cálculo de: volumes de sólidos de

revolução, áreas de superfícies de revolução, comprimentos de curvas.

- Cálculo Diferencial e a vida no campo:

Ementa: As origens do Cálculo Diferencial; A antena parabólica: os conceitos de

limite e reta tangente; Os conceitos de velocidade e aceleração instantâneas e de

derivada; Noções de equações diferenciais e as leis da Física; As funções quadráticas e

o movimento balístico; As funções trigonométricas e o sistema massa-mola; As funções

exponenciais e a lei do resfriamento de Newton; Regras de derivação da soma, do

produto e do quociente; Unicidade da solução de equações diferenciais e o

determinismo físico; Máximos e mínimos e aplicações à otimização no campo.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA: RELATO

DE INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

Regina da Silva Pina Neves

Sociedade Brasileira de Educação Matemática

[email protected]

Maria Helena Fávero

Instituto de Psicologia – Universidade de Brasília

[email protected]

RESUMO

O presente texto apresenta dois estudos desenvolvidos junto a estudantes do Ensino

Fundamental de Escolas Públicas, em situação de dificuldade de aprendizagem em

matemática tendo como objetivo o desenvolvimento conceitual quanto às operações

aritméticas fundamentais. Adotamos a proposta de Fávero (2005b) em defesa de um

trabalho sistematizado de articulação entre intervenção e pesquisa que permite o estudo

das aquisições conceituais, considerando-se a filiação entre competências e dificuldades

e, ao mesmo tempo, permite a análise da natureza das atividades propostas e dos

processos mediacionais nas interações interpessoais. Foram realizadas sessões de

intervenção, centrando-se na proposta de situações-problema, de modo a envolver os

diferentes sistemas de medidas, a lógica da notação dos algoritmos-padrão e alternativos

com números naturais e racionais. Os resultados evidenciaram a pertinência da proposta

e apontaram o desenvolvimento de estratégias de investigação, em especial, o uso de

cálculo mental, estimativa, criação de algoritmos alternativos e validação dos

algoritmos-padrão.

Palavras-chave: Intervenção psicopedagógica; dificuldades de aprendizagem;

desenvolvimento conceitual; operações aritméticas.

INTRODUÇÃO

Pesquisas nacionais e internacionais sobre o ensino e a aprendizagem da

matemática, realizadas desde a década de 1980, em Educação Matemática e Psicologia

da Educação Matemática comprovam que estudantes da Educação Básica apresentam

dificuldades relacionadas às operações aritméticas fundamentais. Denunciam, ainda,

que esses apresentam baixos níveis de desempenho em atividades que remetem à

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resolução de problemas, ao raciocínio e à comunicação (Ver, por exemplo, Saiz, 1996).

Esses resultados são corroborados pelos vários sistemas de avaliação, entre eles, o

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Prova Brasil e o Programa

Internacional de Avaliação de alunos (PISA), como discutem Perego (2006) e Celeste

(2008).

As possíveis causas dessas dificuldades já foram discutidas, em muitos estudos e

documentos oficiais, inclusive nos Parâmetros Curriculares Nacionais. De modo geral, o

documento enfatiza que essas, na maioria das vezes, decorrem da prática docente que

não permite a compreensão de seus significados; das relações existentes entre as

diferentes operações e o estudo reflexivo do cálculo, contemplando: o cálculo exato e

aproximado, o mental e o escrito (BRASIL, 1997). Como sugestões, destacam a

necessidade de incentivar a criação de algoritmos alternativos e a análise dos

algoritmos- padrão em situações diversas; a capacidade de investigação dos estudantes,

utilizando-se para isso de estratégias de obtenção, verificação e controle de resultados,

assim como a atividade coletiva, visando à interpretação dessa atividade por meio da

criação de estratégias de resolução.

Entendemos que muito já foi alcançado em prol da superação das dificuldades

descritas anteriormente. Contudo, notamos que ao nos referirmos aos estudantes em

situação de dificuldade de aprendizagem em matemática, em especial, os repetentes, tais

dificuldades persistem. Ao mesmo tempo, ainda é mantido no meio escolar o discurso

que responsabiliza ora o estudante, ora o professor da série anterior pela manutenção

das dificuldades. No caso dos estudantes, o discurso elege a indisciplina, a falta de

motivação e do hábito de estudo, a falta de apoio da família e de pré-requisitos entre

muitas outras faltas. Quanto ao professor, notamos a prevalência de “vozes” que culpam

o docente da série anterior, em especial, os das séries iniciais.

Nesse sentido, Fávero (2004, p.12) já argumentava acerca da necessidade de

uma proposta teórico-metodológica para o estudo das questões relacionadas ao ensino, à

aprendizagem de matemática, que considerasse as contribuições da psicologia do

desenvolvimento e suas interfaces com outras áreas: “um modelo psicológico que

efetivamente considere o sujeito ativo, construtor de conhecimento”. Para tanto, ela

defende dois eixos principais:

1/considerar o desenvolvimento do sujeito e as particularidades deste

desenvolvimento; e 2/ centrar as investigações sobre a aquisição dos

conceitos, tendo por método de investigação, o próprio procedimento

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de intervenção psicopedagógica, o que significa considerar a atividade

mediada” (FÁVERO, 2004, p.13).

Tal perspectiva altera significativamente o modo de olhar o sujeito e o

conhecimento matemático na prática da pesquisa e na prática em sala de aula, uma vez

que considera os sujeitos (estudantes e professores) em desenvolvimento e partícipes da

e na construção dos conceitos matemáticos.

Para a defesa da proposta, a autora articula a psicologia social e a mediação

semiótica para a compreensão dos processos desenvolvimentais. Defende que “do ponto

de vista da relação ensino-aprendizagem, foi-se levado a admitir que, em vez de se ter,

uma díade, sujeito-objeto, tem-se uma tríade, sujeito-objeto-o outro” (FÁVERO, 2004,

p.15). Ou seja, o significado dessa alteração reside no fato de que “se está considerando

o mundo dos objetos e o mundo das pessoas um sistema unificado e que o

desenvolvimento se dá por meio das atividades desenvolvidas com os objetos, mediados

pelo mundo das pessoas” (FÁVERO, 2005b, p.238). Outro aspecto considerado por ela

é que “as ações humanas não são aleatórias; ao contrário, são práticas sociais com um

conteúdo que lhes dão fundamento” (FÁVERO, 2005b, p.21). Na sala de aula, por

exemplo, quando um professor faz uso de um discurso particular, “ele introduz novas

formas de mediação semiótica, tais como a linguagem escrita, a matemática, as ciências

sociais e as naturais e media também concepções particulares a respeito do

conhecimento humano e de suas diferentes áreas” (FÁVERO, 1993, p.56).

Assim, do ponto de vista da prática e da pesquisa de intervenção

psicopedagógica, Fávero (2005a, 2007, 2009) propõe considerar a situação de interação

social de modo a evidenciar as regulações cognitivas dos sujeitos e sua tomada de

consciência em função de um campo conceitual particular (e não de memorização de

regras) e a análise desses processos, a partir da produção e dos processos

comunicacionais desenvolvidos nesta interação, o que significa considerar três aspectos

psicológicos: a formação de conceitos e seu sistema lógico de representação, a tomada

de consciência desses conceitos e dessa lógica e a interação social que caracteriza a

situação didática na qual são construídos.

Para tanto, essa autora tem insistido que a avaliação é uma etapa que alimenta a

própria intervenção, defendendo que se considerem, para os contextos de ensino e

aprendizagem, três tarefas distintas e articuladas: 1/ a avaliação das competências dos

estudantes e de suas dificuldades e a análise da relação entre competências e

dificuldades; 2/ a sistematização da prática de mediação em termos de objetivos e

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descrição das atividades propostas, tendo em conta a avaliação e análises referidas; 3/

uma análise minuciosa do desenvolvimento das atividades propostas, evidenciando: a/ a

seqüência de ações dos alunos; b/ o significado dessas ações em relação às suas

aquisições conceituais; c/ a natureza da mediação estabelecida entre o professor e os

alunos (FÁVERO, 2007c).

Em função disso, defendemos a Intervenção Psicopedagógica proposta por

Fávero (2005b) visto que ela tem possibilitado resultados positivos no que diz respeito

ao desenvolvimento conceitual de estudantes em situação de dificuldades de

aprendizagem em matemática, como mostram os estudos de Gomes de Souza (2001),

Bonfim (2006), Fávero e Pina Neves (2007), Pina Neves (2008), entre outros.

Os dois estudos que relatamos a seguir têm essa fundamentação teórico-

metodológica. Eles foram desenvolvidos com estudantes do Ensino Fundamental de

Escolas Públicas, em situação de dificuldade de aprendizagem. Em ambos nosso

objetivo era o desenvolvimento conceitual desses estudantes no que se refere às

operações aritméticas fundamentais.

MÉTODO

ESTUDO 1

Participaram desse estudo três adolescentes do sexo feminino, de 13 e 14 anos

de idade, estudantes do Programa de Aceleração do Ensino Fundamental de uma Escola

Pública do Distrito Federal e que respondiam a dois critérios básicos: cursavam a sexta

série (sétimo ano) do ensino fundamental ou equivalente; eram avaliadas como sujeito

em situação de dificuldade de aprendizagem em matemática, pelo professor de

matemática.

Após anuência das adolescentes, de seus responsáveis e a aprovação do projeto

de pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos da Universidade de

Brasília, foram desenvolvidas sete sessões de intervenção psicopedagógica consecutivas

e de acordo com a proposta de Fávero (2007c), como já descrita. Todas foram

registradas em áudio e tiveram duração de uma hora e dez minutos - em média. A

transcrição e análise de cada sessão precederam à posterior, uma vez que, os dados

obtidos em uma sessão fundamentavam os objetivos e o desenvolvimento da seguinte.

Todas as notações produzidas nesses contextos de interlocuções foram consideradas e

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utilizadas tanto no desenvolvimento das sessões quanto na análise dos resultados, assim

como defende (SINCLAIR; SCHEUER, 1993).

Na primeira sessão apresentamos e solicitamos que fosse solucionada em grupo

a seguinte situação problema, digitada em fonte Arial 14 e em papel A4:

Eu gosto muito de lanchar na cantina da minha escola, o que mais

gosto é comer um salgado e tomar um refrigerante. O salgado custa R$

0,80 e o refrigerante R$ 0,50. Para eu comprar este lanche todos os

dias de aula do mês de maio precisarei de X reais. Minha mesada é de

R$ 40,00. Será que vai dar para comprar também um picolé que custa

R$ 1,10 por dia? Se não der para comprar o picolé, para todos os dias

de aula, para quantos dias daria?

Como podemos ver, as informações sobre o valor do salgado, do refrigerante e

do picolé são apresentadas em representação decimal dos números racionais. Duas

hipóteses são levantadas no texto e exigem apreciação e tomada de decisão: a primeira

refere-se à decisão sobre o valor total, se ele é suficiente ou não para o consumo dos três

itens durante todos os dias de aula do mês de maio; a segunda refere-se à tomada de

decisão sobre para quantos dias é possível adquirir os três itens do lanche. Em suma, na

situação proposta, consideramos o campo conceitual das estruturas multiplicativas, a

escrita decimal; o texto elaborado de tal modo que proporciona a criação de uma

variedade de estratégias de resolução, tais como: o uso de algoritmos alternativos, os

padrões para as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão e a

possibilidade do uso de vários cálculos que articulassem as diferentes operações no

formato de algoritmos-padrão e/ou alternativos, simultaneamente.

Folhas de papel branco A4 e lápis grafite foram disponibilizados em cima da

mesa ao redor da qual, as estudantes se dispuseram assim como a pesquisadora que

conduziu as sessões. Essa lhes solicitou que não usassem borracha e preservassem todas

as notações realizadas, mesmo aquelas que considerassem irrelevantes ou não positivas

para a resolução.

ESTUDO 2

Participaram do estudo quatro adolescentes do sexo masculino, todos com 14

anos de idade, com histórico de repetência e no momento do desenvolvimento do

estudo, cursavam o 6º ano do Ensino Fundamental de uma Escola Pública Federal da

região metropolitana de Goiânia. Foram desenvolvidas 6 sessões com intervalos de duas

semanas, com duração de, aproximadamente, uma hora e vinte minutos. Na primeira

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sessão, solicitamos que respondessem, a partir do uso de estratégias que eles avaliassem

pertinentes, uma situação problema que retratava a compra de lanche no ambiente

escolar e o controle dos valores já gastos em relação a um valor total, semelhante à

apresentada no estudo 1. As demais sessões foram realizadas a partir da análise dos

resultados da primeira e foram planejadas com o intuito de abordar as escritas decimais

produzidas, as dificuldades apresentadas em termos de manuseio dos algoritmos-padrão

das operações aritméticas fundamentais. Do mesmo modo que no estudo 1 respeitamos

todos os critérios postos pelo Comitê de Ética que regulamenta a atividade de pesquisa

com seres humanos na instituição sede da pesquisa. Folhas de papel branco A4 e lápis

grafite também foram disponibilizados aos estudantes e foi solicitado a eles que não

usassem borracha e preservassem todas as notações realizadas.

Nos dois estudos procedemos a uma intervenção psicopedagógica cujos

fundamentos teórico-metodológicos já foram explicitados na introdução. Em resumo,

trata-se de focar o desenvolvimento conceitual dos envolvidos nas atividades por meio

da vivência em sessões que contemplam: o recorte conceitual e suas exigências em

termos de conceituação; a atividade matemática dos sujeitos envolvidos e a atividade

mediada das pesquisadoras. Em outras palavras, ela “favorece e evidencia a

reelaboração mental dos sujeitos em interação e, portanto, do seu desenvolvimento

psicológico, considerando as representações sociais e os processos de mediação

semiótica” (FÁVERO, 2005b, p.23).

Para o desenvolvimento das sessões, articulamos as seguintes ações: 1/ avaliação

das competências e das dificuldades conceituais dos estudantes; 2/ avaliação das

competências e dificuldades mediacionais das pesquisadoras; 3/ condução de cada

sessão em decorrência dos resultados da sessão anterior; 4/ análise do material coletado

em cada sessão, considerando o significado dessa produção para o desenvolvimento

conceitual e a natureza das mediações estabelecidas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

ESTUDO 1

Tendo em conta a natureza do nosso procedimento de construção de dados,

apresentaremos os resultados e a discussão transitando de uma sessão para outra.

A análise das tentativas de resolução na primeira sessão, assim como as notações

produzidas e as interlocuções, evidenciou que as adolescentes: não analisavam o que

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produziam; não avaliavam se suas notações eram pertinentes ao contexto da situação em

questão; não apresentavam suas notações inacabadas para a análise e sentiam-se

seguras, apenas, para apresentar as notações que elas avaliavam corretas. Esses

comportamentos podem indicar que a escola não tem adotado a análise das notações de

escolares por parte dos professores durante a prática docente. Como também, por parte

dos estudantes para a formulação de novas estratégias de ação como propõem, por

exemplo, Pinto (2000), em relação à observação e à análise dos erros e (Koch e Soares,

2005) em relação às notações.

As dificuldades evidenciadas foram: o uso de regras de cálculo e a

incompreensão dos conceitos que as sustentavam; a aversão declarada à operação de

divisão; a incompreensão da escrita decimal; a incompreensão do conjunto numérico

dos números racionais; a não utilização de algoritmos alternativos para a formulação de

estratégias de resolução; a dificuldade na leitura e notação da escrita decimal; a

dificuldade na lida com os Sistemas de Pesos e Medidas. A dificuldade em decidir a

posição da vírgula na escrita decimal revela-nos que a dificuldade encontra-se na não-

compreensão do Sistema de Numeração Decimal e de sua extensão para o caso dos

racionais em representação decimal. Tais dificuldades estão evidenciadas nas notações

abaixo.

FIGURA 1 - NOTAÇÕES PRODUZIDAS POR T, J E C – RESPECTIVAMENTE DURANTE A PRIMEIRA

SESSÃO.

Com relação à análise das interlocuções, evidenciamos que a categoria de atos

da fala mais utilizada pelas adolescentes foi a da informação (informar, confirmar,

retificar) e em raros momentos, a categoria da interação (contestar) e da avaliação

(avaliar). Entretanto, nas interlocuções pesquisadora/adolescentes evidenciamos que os

atos mais frequentes foram os de incitar e propor e, em menor número, os de confirmar

e complementar. Tais categorias evidenciam o comportamento passivo das adolescentes

e sinalizam que elas talvez estejam acostumadas, nas relações de ensino e aprendizagem

que vivenciam, a perguntar pouco, a questionar pouco e a fazer apenas o que é

solicitado.

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A respeito da construção da atividade mediada com vistas ao desenvolvimento

conceitual, observamos que essa foi construída a partir da evidência da dúvida, ou seja,

a partir do momento em que mostramos a elas o quanto estavam acostumadas a agir sem

refletir e sem compreender o conteúdo de suas ações. Ou, então, quando as

convidávamos a analisar um resultado e/ou um procedimento e elas observavam o

quanto ele era incoerente para a situação em questão, como mostra o trecho e as

notações a seguir. P: Treze. Ok. E dentro de um e trinta? Vai ter uma nota dessa...

dentro de um e trinta? ((mostra uma cédula de 10 reais)) C: Não. P: Vai ter o quê,

dentro de um e trinta? C: Vai ter... ((Fica pensativa)) P: Quantas moedas de um real

têm dentro de um e trinta? C: Uma. P: Aí, eu vou ter mais o quê, então? C: Mais trinta

centavos. P: Mais trinta centavos. Ok... Aí, para montar trinta centavos, de que eu

preciso?...

FIGURA 2 - NOTAÇÕES PRODUZIDAS POR C DURANTE A SEGUNDA SESSÃO.

Em muitos momentos das sessões, observamos que as adolescentes foram

desafiadas a vencer obstáculos epistemológicos e didáticos a respeito dos conjuntos

numéricos. Ao comparar, por exemplo, um real com trinta centavos surpreenderam-se

em validar que o algarismo 3, apesar de ter valor absoluto maior que 1, na escrita

decimal seu valor relativo era menor que 1. Tal fato comprova que a aprendizagem dos

números racionais supõe rupturas com ideias construídas para os números naturais,

como discutido no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998,

p.101).

Quanto às operações, observamos que elas durante as três primeiras sessões se

mantinham presas ao pensamento aditivo e à crença de que a “multiplicação sempre

aumenta” e a “divisão sempre diminui”, tais certezas funcionaram, em muitos

momentos, como obstáculos para o desenvolvimento das atividades. Em muitas das

notações produzidas ao longo das sessões, observamos o emprego de regras sem a

compreensão do seu significado, como, por exemplo, o “espaço vazio” no algoritmo da

multiplicação; o “vai um” no algoritmo da adição, “o pedir emprestado” no algoritmo-

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padrão da subtração, o início do algoritmo de divisão pela casa da esquerda, entre

outros.

Em função de todas as constatações acima, restava-nos, a cada sessão, romper

com a lógica de transmissão de conhecimentos e a repetição de procedimentos presente

nas ações das adolescentes. Por isso durante todas elas incentivamos: a ação, o falar

sobre a ação, o registrar (notação), a análise das notações, a validação de resultados e a

exposição de demandas pessoais. Nesse sentido, observamos que a proposta de utilizar

cédulas e moedas do Sistema Monetário Brasileiro foi decisiva na observação e na

análise, por parte das adolescentes, da escrita decimal; para a compreensão do princípio

aditivo, multiplicativo e de posição presentes no Sistema de Numeração Decimal, como

também para a construção da atividade mediada. Além disso, notamos que esse espaço

foi ampliado a partir do incentivo ao cálculo mental, à estimativa, à análise de notações,

à criação de algoritmos alternativos e ao uso de estratégias metacognitivas.

Quanto ao desenvolvimento conceitual, observamos que ele foi gradativo e

aconteceu lentamente ao longo das sessões, como, por exemplo: a realização de

inúmeros cálculos mentais; as ações de manusear as cédulas e moedas, registrar o valor,

observar a notação e manusear novamente as cédulas e moedas foram para elas

elementos de validação sobre a exatidão ou não da escrita decimal produzida e

contribuíram, sobremaneira, para a compreensão dessa escrita e, para identificá-la como

extensão dos princípios do Sistema de Numeração Decimal. Também evidenciamos que

a análise cálculo mental/notação foi importante para a tomada de consciência dos

cálculos realizados no algoritmo-padrão de todas as operações e, não somente da

divisão.

Nesse sentido, observamos que, conforme as adolescentes avançavam na

compreensão da representação decimal dos números racionais e a percebiam como

decorrente dos princípios do Sistema de Numeração Decimal, elas produziam com mais

segurança algoritmos alternativos, como mostram as notações abaixo.

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FIGURA 3 - NOTAÇÕES PRODUZIDAS POR C DURANTE AS ATIVIDADES DA QUINTA SESSÃO.

As notações a seguir evidenciam o desenvolvimento autônomo de novas

estratégias de cálculo, como por exemplo, a partir da ideia de proporcionalidade. E

também a competência em relação aos algoritmos-padrão das operações.

FIGURA 4 - NOTAÇÕES PRODUZIDAS POR C EM BUSCA DA RESOLUÇÃO DE NOVAS SITUAÇÕES DE

COMPRA E VENDA PROPOSTAS PELA PESQUISADORA NA SÉTIMA SESSÃO.

Enfim, todas essas evidências apresentaram-nos, ao longo das sessões, e mais

veementemente nas duas últimas, a construção das adolescentes: seguras; conscientes de

que podem se desenvolver; que fazem perguntas; questionam propostas de atividades,

expõem dúvidas e certezas conceituais, expõem notações para análise e validação. Em

outras palavras, adolescentes ativas, autônomas e conscientes do seu desenvolvimento.

ESTUDO 2

Do mesmo modo que no estudo 1, apresentaremos os resultados e a discussão

transitando de uma sessão para outra, destacando pontos centrais e evitando repetições,

visto que os resultados dos estudos são similaridades, não apresentando pontos de

divergência.

Assim como as adolescentes no estudo 1, os adolescentes que participaram do

estudo 2, também não analisavam o que produziam; não avaliavam se suas notações

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eram pertinentes ao contexto das situações; não apresentavam suas notações inacabadas

para a análise e sentiam-se seguros, apenas, para apresentar as notações que eles

avaliavam corretas. Apresentavam dificuldades conceituais semelhantes às apresentadas

pelas adolescentes, a saber: 1/ o uso de regras de cálculo sem compreensão dos

conceitos que as sustentam; 2/ a aversão declarada à operação de divisão; 3/ a não

compreensão da escrita decimal; 4/ a não compreensão do conjunto numérico dos

números racionais. No caso das regras, evidenciamos também que elas estiveram

presentes em todas as tentativas de uso dos algoritmos-padrão das operações.

Dificuldades semelhantes foram observadas nas sessões seguintes, quando esses

foram solicitados a criarem uma situação que envolvesse a escrita decimal. A notação a

seguir mostra a fragilidade de sua conceituação matemática no que se refere aos tópicos

referentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental.

FIGURA 5 – RESPOSTA APRESENTADA POR J, DURANTE AS ATIVIDADES DA SEGUNDA SESSÃO.

Em função dessas dificuldades, do mesmo modo que no estudo 1, incentivamos:

a ação, o falar sobre a ação, o registrar (notação), a análise das notações, a validação de

resultados, a exposição de demandas pessoais. O uso de folhetos/encarte de

supermercado e/ou atividades com imagens desses folhetos – sempre relacionando as

notações ao Sistema Monetário Brasileiro – também foi decisiva na observação e na

análise, por parte dos estudantes, da escrita decimal; para a compreensão do princípio

aditivo, multiplicativo e de posição presentes no Sistema de Numeração Decimal, como

também para a construção do nosso espaço de mediação. Além disso, notamos que esse

espaço foi ampliado a partir do incentivo ao cálculo mental, à estimativa, à análise de

notações, à criação de algoritmos alternativos e ao uso de estratégias metacognitivas,

como mostra a próxima notação.

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FIGURA 6 – SITUAÇÃO E NOTAÇÃO PRODUZIDAS POR R, DURANTE AS ATIVIDADES DA SEGUNDA

SESSÃO.

Notações dessa natureza foram tomadas para análise e discussão nas sessões

seguintes e foram amplamente usadas para que os estudantes compreendessem

procedimentos de cálculo e seus significados conceituais. Tal prática foi tão bem

avaliada entre os estudantes que eles passaram a produzir diferentes algoritmos

alternativos e/ou mesclaram o uso de algoritmos-padrão com alternativos. A notação a

seguir evidencia esses momentos de transição.

FIGURA 7 – NOTAÇÃO PRODUZIDA POR J, DURANTE AS ATIVIDADES DA QUINTA SESSÃO.

Quanto ao desenvolvimento conceitual, observamos que ele também foi

gradativo e, como no estudo 1, aconteceu lentamente ao longo das sessões, como, por

exemplo: a realização de cálculos mentais; as ações de registrar um valor, observar a

notação, validar sua exatidão; a ampliação da compreensão dos princípios do Sistema de

Numeração Decimal. Nesse sentido, observamos que, conforme eles avançavam na

compreensão da representação decimal dos números racionais e a percebiam como

decorrente dos princípios do Sistema de Numeração Decimal, eles produziam e

explicavam com mais segurança seus algoritmos alternativos e utilizavam os padrões

com mais compreensão, como podemos acompanhar na notação a seguir.

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FIGURA 8 – NOTAÇÃO PRODUZIDA POR JO, DURANTE AS ATIVIDADES DA SEXTA SESSÃO.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados mostram que a construção do conhecimento não é um processo

linear. Ao contrário, é complexo, demorado, com avanços e retrocessos, continuidades e

rupturas. Eles também questionam o lugar que as notações ocupam na prática de

estudantes e professores nos dias atuais, como também o modo como esses lidam com o

erro no decorrer das aulas e nos processos de avaliação escrita. O desenvolvimento das

sessões mostrou-nos que o erro precisa ser considerado e analisado por estudantes e

professores, de modo que o estudante interprete-o não como elemento “ruim” e

“descartável”, mas como ferramenta para a construção de novas estratégias de ação

diante de um objeto matemático. No caso do professor, que o erro não seja apenas

elemento que separa os estudantes em “bons” e “fracos”, mas que o auxilie na

construção e na validação de novas estratégias didáticas. Ademais, há o sentimento de

exclusão gerado pela repetência escolar – em muitos momentos, os estudantes se

referiram à repetência como algo vergonhoso, que os entristecem.

A atividade mediada mostrou-nos que, nesse contexto de

aprendizagem/ensino/pesquisa, aprende tanto o estudante (sujeito) quanto o professor

(nesse caso, as pesquisadoras), pois, a ação mediada desafiou-nos a aprender a

perguntar, a ouvir e a interpretar: o que o sujeito falava; o que não falava; o que escrevia

e o que escondia. Avaliamos que ela foi decisiva na e para a produção de todos os

adolescentes e evidenciou a distância entre o que eles realizariam sozinhos e o que eles

realizaram a partir da mediação.

Sendo assim, avaliamos que estudos dessa natureza promovem o

desenvolvimento conceitual e mediacional dos pesquisadores em função das demandas

da mediação junto aos estudantes e das interações entre os sujeitos, tendo como objeto

de análise e reflexão a produção dos estudantes e as mediações estabelecidas na sessão

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anterior. Durante esses momentos, competências foram construídas e outras ampliadas,

entre elas destacam-se: a capacidade de observar a produção dos estudantes de modo

investigativo; a capacidade de observar o “erro” e inferir o seu significado em termos de

conceituação matemática; a capacidade de estabelecer relações entre as dificuldades

conceituais dos estudantes e suas necessidades em termos de prática interventiva; a

capacidade de pensar e analisar o curso de formação inicial de professores e o modo

como as disciplinas são abordadas, entre outros aspectos. Em resumo, observamos que

nas interações entre as pesquisadoras muitos aspectos da prática docente em matemática

foram discutidos e analisados a partir de situações reais vivenciadas junto aos

estudantes reais, em particular, situação de dificuldade visto que todos eram repetentes.

Em resumo, os resultados dos estudos evidenciam a importância da compreensão

da lógica do sistema numérico para a compreensão da escrita decimal, da lógica dos

algoritmos-padrão das operações e dos números racionais. Além disso, mostram que o

uso de atividades envolvendo os instrumentos de medidas e a articulação entre o uso de

instrumentos de medida, a representação da sequência numérica dos próprios

instrumentos, a possibilidade de operar com essa sequência e a sua notação, foram

decisivos para o desenvolvimento conceitual.

Diante disso, o estudo comprova que é imprescindível que se ultrapasse a ideia

de transmissão nos processos comunicacionais da situação de sala de aula, para a

adoção da ideia de interlocução de modo a evidenciar as regulações cognitivas dos

sujeitos e sua tomada de consciência, em função de um campo conceitual particular. Por

isso mesmo defendemos, no que concerne à escolarização, em geral e em particular no

que se refere ao ensino da matemática, a necessidade de se considerar, pelo menos duas

vertentes de discussão: uma que questiona o significado da exclusão escolar; e outra que

questiona o significado da prática escolar como mediadora de conhecimento. Ambas

apresentam implicações teóricas e prático-metodológica, para o estudo da articulação

entre a Educação, a Psicologia do Conhecimento e a Psicologia do Desenvolvimento

(FÁVERO, 2009).

I Este estudo insere-se no Projeto de Pesquisa – A atividade mediada no

desenvolvimento de competências matemáticas – apoiado pelo CNPq e coordenado

pela segunda autora.

REFERÊNCIAS

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

ELABORAÇÃO E ANÁLISE DE SEQUENCIA DIDÁTICA, NO CONTEXTO

DE GEOMETRIA, BASEADA NA METODOLOGIA DE RESOLUÇÃO DE

PROBLEMA E NOS NÍVEIS DE PENSAMENTO GEOMÉTRICO DOS VAN-

HILE.

Igor André Ramos Almeida

Universidade de Brasília

[email protected]

Guy Grebot

Universidade de Brasília

[email protected]

RESUMO

O artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada em escolas públicas do Distrito

Federal no âmbito do Programa Institucional de Iniciação a Docência – PIBID/CAPES

do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília. Esta pesquisa segue uma

abordagem qualitativa de natureza descritivo interpretativa. A pergunta que motivou

nosso trabalho foi: as rodas dianteiras continuam paralelas quando o carro realiza uma

curva? Este artigo não pretende responder essa pergunta. Em termos metodológicos, na

perspectiva da resolução de problemas e dos níveis de pensamento geométrico dos Van-

Hiele, elaboramos uma sequência didática composta por dois Cadernos. Para auxiliar a

apreensão dos conhecimentos matemáticos por parte dos alunos, foram confeccionados

materiais concretos que auxiliaram os estudantes na aprendizagem dos conceitos de

paralelismo, perpendicularismo, retas tangentes, movimento de rotação no plano entre

outros. Estes materiais são modelos, elaborados em madeira, de bicicletas e de

quadriláteros articulados.

Palavras Chave: recursos de ensino-aprendizagem; metodologia de resolução de

problemas; geometria.

1. INTRODUÇÃO

O artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada em escolas públicas do

Distrito Federal no âmbito do Programa Institucional de Iniciação a Docência –

PIBID/CAPES do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília.

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Em geral, o ensino da geometria em sala de aula é limitado ao uso do quadro

negro, à realização de alguns desenhos, excesso de atividades mecânicas e repetitivas,

resultando em desinteresse pelos alunos. Considerando que essas metodologias

tradicionais de ensino nem sempre são eficazes na construção do conhecimento e podem

redundar em equívocos conceituais e metodológicos por parte dos discentes,

desenvolvemos um projeto de pesquisa que visava trabalhar com novas possibilidades

no ensino da geometria. Esta investigação ocorreu durante o período de dois anos

(2009-2011), no qual a equipe atuou em duas escolas públicas, atendendo no total três

turmas, cada uma com 10 alunos, em período contrário às atividades regulares desses

estudantes.

O desenvolvimento desta pesquisa está baseado em alguns pressupostos e

princípios que apoiam o processo de ensino e aprendizagem no estudo da geometria.

Gaspar (2003), aponta que certas dificuldades neste processo podem estar associadas às

formas como os professores da escola básica aprendem a ensinar a geometria:

quando buscamos os modos como a geometria vem sendo ensinada

percebemos que esta durante muito tempo foi ensinada na escola a

partir de uma concepção formalista, os seus símbolos e regras eram

apresentados aos alunos de um modo que a destituía de suas

referencias históricas e culturais (GASPAR, 2003, p.13).

Desta forma, Gaspar (2003) considera que esta concepção continua sendo

repassada tanto na formação do professor quanto em sala de aula, inclusive nas

propostas de atividades nos livros didáticos.

Outro aspecto, ainda relacionado à formação docente, é o questionamento sobre

o quanto outras formas e possibilidades de ensino da geometria são conhecidas e

praticadas pelos professores mesmo já estando sugeridas pelos PCNs. A geometria, por

fazer parte da realidade do estudante, permite uma contextualização. Além disso, os

PCNs (BRASIL, MEC, 1998) de matemática destacam que a geometria deve ser

ensinada porque:

possibilita ao aluno desenvolver um tipo de pensamento particular

para compreender, descrever e representar, de forma organizada, o

mundo em que vive. Também é fato que as questões geométricas

costumam despertar o interesse dos adolescentes e jovens de modo

natural e espontâneo. Além disso, é um campo fértil de situações-

problema que favorece o desenvolvimento da capacidade para

argumentar e construir demonstrações (BRASIL, 1998, p. 122).

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Mesmo existindo pesquisas que defendem a prioridade do ensino da geometria

em sala de aula vemos que, muitas vezes, isso não ocorre da maneira mais adequada.

Outros argumentos importantes que estão diretamente relacionados às discussões

realizadas pelo nosso grupo do PIBID são: existe uma falta de preparo dos professores

para se trabalhar com a geometria em sala de aula em uma perspectiva de resolução de

problemas; o conteúdo de geometria, em geral, vem ao final dos livros didáticos; e,

como o planejamento dos professores realiza-se baseado nesses recursos, muitas vezes,

o conteúdo é relegado para o fim do ano letivo e, assim, não há geralmente tempo

necessário para o seu desenvolvimento; parece haver uma crença por parte de alguns

professores que o conteúdo de geometria não possui muita relevância para a formação

dos alunos.

Observações diretas realizadas por nossa equipe do PIBID com os estudantes

em sala de aula nos levaram a concluir que os alunos do ensino fundamental e médio

não estão familiarizados com exercícios embasados na metodologia de resolução de

problema. Além disso, a maioria dos alunos observados, quando se deparavam com um

problema, não tentava buscar soluções criativas e diferentes para resolvê-lo. O que

vimos, frequentemente, foi que o estudante esperava um modelo de resolução para

poder copiar e, assim, resolver o seu problema imediato. Isso demonstra certa

dificuldade em articular os conhecimentos prévios e, por meio desta articulação,

avançar na construção de novos conhecimentos. Em determinadas situações, o aluno

tentava resolver o problema utilizando somente o conteúdo que estava sendo ensinado

naquele momento em sua vida escolar sem se preocupar em saber se aquele conteúdo

fazia parte do problema apresentado. A partir destas considerações, concluímos que o

aluno é treinado a seguir um esquema curricular em que um problema, ou exercício, só

pode ser resolvido logo após a apreensão de determinado conteúdo.

Entre as causas da apatia do aluno diante de um problema, observamos: a falta

de motivação do aluno para seguir adiante e buscar soluções de um problema

aparentemente não contextualizado; a falta de prática do aluno diante de resolução de

problemas envolvendo modelagem, alguns pensamentos mais complexos e tomadas de

decisões; falta de costume em organizar ideias e de redigir os seus pensamentos.

Baseados nestes argumentos e reconhecendo a relevância do conteúdo de

geometria para o desenvolvimento cognitivo do aluno da escola básica, executamos uma

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pesquisa em uma perspectiva crítica e inovadora a partir de uma metodologia de ensino

de geometria.

2. OBJETIVOS

A pesquisa realizada no âmbito do programa PIBID teve como objetivo elaborar

e testar atividades, dentro da metodologia de resolução de problema em matemática, que

permitam levar o aluno a pensar de forma organizada e com autonomia, problematizar e

tomar decisões por meio de interação com materiais didáticos concretos mediadores e

trabalho colaborativo.

Especificamente, procuramos atingir este objetivo geral no contexto do ensino

da geometria. Dessa forma, as atividades elaboradas visavam a apreensão, por parte dos

alunos, dos conceitos de paralelismo entre retas, perpendicularismo entre retas, retas

tangentes a uma circunferência e movimento de rotação no plano.

3. DISCUSSÃO

Dentro do que foi traçado nos objetivos e ilustrado na introdução, apresentamos

a seguir, uma discussão teórico-metodológica que fundamenta a pesquisa sobre os

seguintes temas: metodologia de resolução de problemas e os níveis de pensamento

geométrico de acordo com o estudo dos Van-Hieles.

A resolução de problema teoricamente compreende uma metodologia que pode

ser utilizada no processo de ensino-aprendizagem de matemática. Um dos objetivos

dessa metodologia é o desenvolvimento, entre outros, da habilidade de aprender a

aprender por parte dos alunos (SOARES e BERTONI, s/a). Essas autoras ressaltam a

importância de levar o aluno ao desenvolvimento dessa habilidade:

Visando-se uma sociedade mais justa, capaz de intervir no

desenvolvimento da humanidade crítica e criativamente, buscando

uma melhoria na qualidade de vida do cidadão, não é suficiente

apresentar conhecimentos cristalizados e fora do contexto moderno. É

preciso fazer com que os alunos tornem-se pessoas capazes de

enfrentar situações diferentes dentro de contextos diversificados, que

façam com que eles busquem aprender novos conhecimentos e

habilidades. (s/a, p.1)

O ponto de partida para a aprendizagem e desenvolvimento dessas habilidades,

através da metodologia de resolução de problemas, está centrado em um problema no

qual os alunos, por meio de questionamentos, de investigações, de modelagens, devem

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buscar uma solução. Além disso, nesta perspectiva, Allevato e Onuchic (2006) afirmam

que:

Os alunos investigam quando buscam, utilizando os seus

conhecimentos construídos, descobrir caminhos e decidir quais devem

tomar para resolver o problema, trabalhando colaborativamente,

relacionando ideias e discutindo o que deve ser feito para chegar à

solução. (Allevato e Onuchic, 2006, p.4)

É importante que o problema pertença ao contexto em que o aluno está inserido,

pois deve motivar o seu estudo e a busca de sua solução. O âmbito do problema não

precisa se restringir à matemática podendo assim, enquadrar-se no contexto da física, da

biologia e de outras áreas, permitindo ao aluno observar e analisar o mundo real.

Para o êxito dos alunos nestas operações mentais é importante o uso de recursos

de ensino-aprendizagem tais como, material concreto, trabalho em grupo, sequência

didática entre outros elementos mediadores.

Dentro dessa perspectiva, a criação de um ambiente favorável à construção de

novos conhecimentos e ao desenvolvimento de novas habilidades também está

relacionada ao papel que o professor assume enquanto incentivador, facilitador,

mediador, colocando assim o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem.

Outro aporte teórico importante é a contribuição dos Van Hiele (CROWLEY,

1987) baseada em cinco níveis de aprendizagem da geometria que dependem da

maturidade do aluno. São eles:

- Nível básico: visualização. Neste nível, os conceitos são vistos como entidades

totais sem distinção dos seus atributos ou componentes.

- Nível 1: análise. Neste nível, as propriedades e atributos dos conceitos são

distinguidos, mas o aluno ainda não consegue relacioná-los.

- Nível 2: dedução formal. É neste nível que os alunos começam a estabelecer

relações entre conceitos. No entanto, apesar de poderem acompanhar deduções formais,

os alunos não conseguem operar com a ordem lógica dos argumentos.

- Nível 3: dedução. É neste nível que os alunos compreendem o significado da

dedução como instrumento para estabelecer a teoria geométrica no contexto de um

sistema axiomático. O aluno é capaz de construir demonstrações.

- Nível 4: rigor. Neste nível, o aluno é capaz de trabalhar em vários sistemas

axiomáticos. A geometria é vista de forma abstrata.

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Na teoria dos Van Hiele há destaques para algumas propriedades que auxiliam a

tomada de decisões quanto ao ensino. O modelo é sequencial no sentido de que o aluno

passa por cada etapa sucessivamente. A progressão de um nível para o outro só depende

dos métodos de instrução e envolve a compreensão dos conceitos. Não há passagem de

um nível para o outro apenas com treinamento ou repetições, pois os objetos inerentes a

um nível tornam-se os objetos de ensino do nível seguinte. Por conseguinte, o material

didático deve estar no nível do aluno que o usa para que haja aprendizagem e progresso.

Caso contrário, o material passa a ser um obstáculo para o aluno, impedindo-o de

progredir para o nível seguinte. Cada nível tem seus próprios símbolos linguísticos e

seus próprios sistemas de relações que ligam esses símbolos e, assim, uma relação

estabelecida em um nível pode ser modificada qualitativamente no nível seguinte.

Para garantir a progressão de um nível para o outro, os Van Hiele propuseram

cinco fases sequenciais de aprendizado: interrogação, orientação dirigida, explicação,

orientação livre e integração. As três primeiras fases são autodefinidas. A orientação

livre consiste em deixar o aluno desenvolver tarefas complexas com muitos passos e

com várias conclusões possíveis. Na fase de integração, o aluno é levado a sintetizar o

que foi apreendido para obter uma visão global da nova rede de objetos e propriedades.

4. METODOLOGIA

Na perspectiva da resolução de problemas e dos níveis de pensamento

geométricos dos Van-Hiele, elaboramos uma sequência didática composta por dois

Cadernos, a partir de uma questão problematizadora a ser aplicada aos alunos. Para

auxiliar a apreensão dos conhecimentos matemáticos por parte dos alunos, foram

confeccionados materiais concretos que auxiliaram os estudantes na aprendizagem dos

conceitos de paralelismo, perpendicularismo, retas tangentes, movimento de rotação no

plano entre outros. Estes materiais são modelos, elaborados em madeira, de bicicletas e

de quadriláteros articulados. (Anexo 1).

Podemos separar o desenvolvimento da pesquisa em quatro etapas: planejamento

das atividades e elaboração dos cadernos; execução das atividades dos cadernos em sala

de aula com alunos do ensino fundamental e médio; acompanhamento e monitoramento

das atividades em sala de aula; avaliação dos resultados das atividades. À exceção da

segunda e terceira etapa, que foi realizada pelo pesquisador Igor Almeida, as outras

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foram desenvolvidas pelos autores ao longo de discussões e reuniões semanais de duas

horas.

A pesquisa foi desenvolvida durante o período de dois anos (2009-2011), em que

os pesquisadores aplicaram a sequência didática em duas escolas públicas, atendendo no

total de três turmas, em período contrário às atividades regulares desses estudantes. A

primeira aplicação ocorreu em junho de 2010 no Centro de Ensino Médio (C.E.M) 01

do Paranoá, no total de dois encontros de cem minutos cada, numa turma de dez alunos

do ensino médio em que as atividades de apenas um Caderno foram desenvolvidas. A

segunda aplicação ocorreu na mesma escola, numa outra turma de dez alunos do ensino

médio, em que foram aplicados os dois Cadernos ao longo de cinco aulas de cem

minutos cada, com um intervalo de três semanas entre um e outro. Esse procedimento

foi reaplicado pela terceira vez no CEF Cerâmica São Paulo em São Sebastião, desta

vez em uma turma de dez alunos do ensino fundamental, num total de três aulas de cem

minutos cada.

Além disso, os cadernos foram testados em duas vivências de matemática

realizadas pela SBEM-DF no ano de 2010, direcionadas para professores e alunos do

ensino fundamental e médio.

A avaliação dos resultados das atividades foi realizada com base nos relatórios

feitos pelo pesquisador Igor Almeida ao longo da execução dos Cadernos nos colégios

onde estava atuando. Esses relatórios consistem de uma relação do desempenho e

motivação dos alunos, das principais dificuldades encontradas na aplicação das

atividades e das estratégias de ensino-aprendizagem que foram utilizadas para superá-

las.

5. RESULTADOS

Didaticamente, distribuímos os resultados em dois processos. O primeiro

contempla a etapa de elaboração da sequência didática, dentro da metodologia de

resolução de problema em matemática e dos níveis de pensamento geométrico dos Van-

Hiele. O segundo contém a descrição da aplicação dos Cadernos e as observações sobre

o desempenho dos alunos. Também descrevemos nesta segunda parte o processo de

correção das atividades de forma a tornar os Cadernos mais eficazes de acordo com o

que foi proposto.

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5.1. A ELABORAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Para a construção da sequência didática utilizada na nossa pesquisa, tentamos

responder à seguinte pergunta: as rodas dianteiras continuam paralelas quando o carro

realiza uma curva? Fizemos esta mesma pergunta a várias pessoas (alunos de

licenciatura, alunos e professores de ensino básico) e obtivemos, na maioria das vezes,

expressões perplexas como resposta. A partir dessa indagação fizemos um levantamento

bibliográfico e uma modelagem matemática do problema proposto em nível de terceiro

grau. Esta modelagem permitiu destacar os conceitos matemáticos essenciais à

resolução do problema. Assim, desenvolvemos um primeiro rascunho para a

transposição didática utilizando a metodologia de resolução de problemas. Elaboramos

então o Caderno 1 - O movimento da bicicleta, com as seguintes perguntas motivadoras:

Você já parou para pensar em como uma bicicleta se movimenta ao realizar uma curva?

Como as rodas se comportam? Será que elas seguem as mesmas trajetórias? Esse

Caderno foi importante para levar o aluno a apreender os conceitos matemáticos e

físicos suficientes para responder à questão colocada anteriormente.

A partir do desenvolvimento do primeiro Caderno, elaboramos o Caderno 2 – O

movimento do carro, que buscava desenvolver no aluno as habilidades matemáticas para

que ele fosse capaz de responder, de forma autônoma, à pergunta citada no início da

seção.

Após a elaboração dos cadernos, tivemos algumas fases de testes antes de levá-

los para a sala de aula do PIBID. Os resultados colhidos foram importantes para que

pudéssemos melhorar a composição das atividades.

Paralelamente, ocorreram alguns encontros para a construção e aperfeiçoamento

do material concreto mediador.

Para tornar mais claro para o leitor a estrutura dos Cadernos, colocamos aqui

algumas características, ancoradas em pressupostos teóricos, que buscamos obedecer na

elaboração da sequencia didática e suas atividades em vista dos nossos objetivos:

- Os exercícios deveriam ser realizados em grupo;

- As perguntas deveriam auxiliar os alunos a modelar o problema e deveriam

partir de situações do seu cotidiano;

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- Os conhecimentos específicos necessários não deveriam ser tratados como pré-

requisitos e deveriam ser trabalhados na ação mediadora do professor e na ação

mediadora do grupo;

- Os momentos de instabilidade (desequilíbrio) deveriam ser momentos

valorizados e com grande potencial para a construção de novos conhecimentos;

- Poderia haver necessidade da utilização de material concreto mediador;

- Deveria haver um espaço para a aplicação dos conceitos matemáticos

apreendidos ao longo do desenvolvimento das atividades em outras situações,

contextualizadas ou não.

Esta última característica se faz necessária para avaliar o rendimento dos alunos

quanto aos conhecimentos matemáticos específicos.

5.2. APLICAÇÃO DOS CADERNOS E CORREÇÕES

A seguir apresentamos uma síntese dos principais aspectos obtidos durante as

aplicações dos Cadernos, extraídos dos relatórios referentes à primeira, segunda e

terceira aplicações.

5.2.1. PRIMEIRA APLICAÇÃO

A primeira aplicação ocorreu em dois encontros, denominados de oficinas. A

sequencia didática era composta por sete atividades sempre contando com o material

concreto e a pergunta problematizadora que auxiliava os alunos na experimentação e

serviam para motivá-los na realização do caderno.

Portanto, durante a resolução das atividades notamos um conflito de ideias entre

os alunos assim como a dificuldade dos mesmos em articular os seus argumentos com

os pressupostos teóricos. No entanto, com o desenvolver das atividades, pudemos notar

que os argumentos passaram a ser mais precisos e embasados na teoria desenvolvida no

Caderno.

Quanto ao trabalho colaborativo, foi possível verificar que, por exemplo, em

uma das oportunidades, um aluno apresentou dificuldades para responder às perguntas

porque não conseguia operar com os conceitos de retas tangentes a circunferências e

retas perpendiculares. Porém, com a ajuda de colegas do grupo, ele conseguiu responder

às perguntas sem a intervenção do mediador.

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Apesar dos esforços dos alunos percebemos que, em uma questão específica,

onde era pedido que eles demonstrassem um teorema, o nível de pensamento

geométrico dos estudantes não estava de acordo com o nível proposto pela atividade. O

pesquisador, em seu relatório de atividade, descreveu a dificuldade dos alunos em

resolver a questão. Ele relata que os alunos ficaram confusos, pois foi pedido que

argumentassem a respeito do comprimento de dois segmentos de reta. Pela ilustração

era visível que o comprimento de um segmento era maior que o outro, mas, por causa

da hipótese de raciocínio por absurdo, argumentávamos que pelo Teorema de Pitágoras

o segmento visualmente menor era justamente o de maior comprimento. Essa

dificuldade encontrada pelos alunos ocasionou certo desinteresse com relação à

atividade o que levou a turma a se dispersar.

À luz dessas observações, os dois Cadernos foram modificados. Eliminamos

uma atividade e suas distintas perguntas, pois a sua resolução se mostrou desnecessária

para a sequência de atividades. Além disso, mudamos a atividade citada anteriormente

em que os alunos tiveram dificuldade e reorganizamos as atividades de forma a reduzir

os obstáculos que causavam desmotivação.

5.2.2. SEGUNDA APLICAÇÃO

Após as modificações realizadas, reaplicamos o primeiro Caderno e aplicamos

pela primeira vez o segundo em sua íntegra em uma nova turma da mesma escola.

Quanto ao Caderno 1, pudemos observar novamente que, diante das perguntas

motivadoras iniciais “Você já parou para pensar em como uma bicicleta se movimenta

ao realizar uma curva? Como as rodas se comportam? Será que elas seguem as mesmas

trajetórias?”, houve um debate onde os alunos manifestaram e argumentaram de forma

diversificada sobre suas hipóteses. Esses argumentos foram embasados em vivências

pessoais e ideias sem articulação com os conteúdos já estudados pelos alunos,

dificultando assim uma primeira modelagem sobre o problema. Pudemos notar também

que ocorreu novamente um interesse dos alunos com relação ao material didático

concreto mediador. Houve participação em grupo e obtivemos, por parte dos estudantes,

reações semelhantes às da primeira aplicação. A principal diferença evidenciada foi que,

ao contrário do que ocorreu anteriormente, os alunos não se mostraram desmotivados e

realizaram as atividades.

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Quanto ao Caderno 2, percebemos que os alunos compartilharam

espontaneamente as ideias o que favoreceu o desenvolvimento das atividades em grupo.

Por meio do material didático os alunos analisaram situações extremas e, com isso,

sentiram a necessidade de explicar essas observações de forma teórica, o que foi

realizado com êxito.

Para avaliar os alunos, foi solicitado que sintetizassem as suas observações em

dois cartazes respondendo às perguntas motivadoras dos Cadernos (Anexo 2). Os

cartazes foram elaborados e as explicações expostas pelos alunos se basearam em

aspectos geométricos do modelo.

5.2.3. TERCEIRA APLICAÇÃO

Desta vez aplicamos o primeiro Caderno em uma turma do ensino fundamental,

a fim de observara se a sequência didática também se aplicava a esse nível de ensino.

Em alguns momentos foi necessária uma intervenção de cunho mediador por

parte do pesquisador, para introduzir os conceitos usados naquela atividade. A maior

dificuldade dos alunos estava em compreender o enunciado das questões, uma vez que a

linguagem utilizada no caderno não era de uso corriqueiro dos estudantes. Essa

dificuldade foi vencida após algumas leituras pausadas e explicativas dos enunciados.

Outra dificuldade apresentada foi relacionar o que eles estavam fazendo na atividade

usando o material concreto com o movimento real de uma bicicleta. Isso nos levou a

pensar que o material concreto não tivesse sido eficaz nesta aplicação. Em vista disso, o

pesquisador antecipou uma atividade do caderno que tinha como objetivo avaliar se o

aluno conseguia aplicar os conceitos estudados em outras situações didáticas. A partir

desse ajuste observou-se que os alunos tinham superado a dificuldade citada

anteriormente.

Em uma atividade onde foi solicitada a análise da rotação da bicicleta, houve

uma dificuldade para interpretar o enunciado por parte dos alunos que confundiram a

rotação da bicicleta com a rotação da roda. Para resolver a questão pediu-se que um

aluno segurasse uma corda e que outro aluno, agarrado nessa corda, girasse em torno do

primeiro realizando assim um movimento de rotação. Solicitou-se ainda que o estudante

que estivesse realizando um movimento de rotação em torno do colega, também fizesse

um movimento de rotação em torno do próprio eixo. Assim, os alunos observaram

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corretamente que havia dois movimentos de rotação envolvidos no conjunto, tal como

ocorria na bicicleta. Dessa forma, o equívoco foi solucionado.

Por fim, aplicamos atividades de cunho avaliativo em que os alunos não

apresentaram dificuldades de resolução. No entanto, em uma das atividades cujo

objetivo era perceber que, por um ponto dado, passa somente uma reta perpendicular a

uma reta dada, observamos um obstáculo. Ao solicitar aos estudantes que

argumentassem o porquê desta propriedade, eles usaram apenas argumentos baseados

na figura que representava a situação. Assim, percebeu-se a incapacidade dos alunos em

abstrair a situação ilustrada e relacioná-la aos conceitos envolvidos confirmando assim a

incompatibilidade do nível de aprendizagem em relação ao nível da atividade proposta.

6. CONCLUSÕES

Podemos concluir que o objetivo traçado foi atingido, tendo em vista que

elaboramos e testamos uma metodologia que se mostrou eficaz no ensino de geometria

nos níveis fundamental e médio. Além disso, pudemos perceber comportamentos

diferenciados, qualitativamente, dos alunos diante da sequência didática baseada na

metodologia de resolução de problemas. A pergunta inicial serviu para motivar o

estudo, por parte dos alunos, quanto à busca de uma solução para o problema proposto.

A organização das atividades foi importante para que não ocorresse apatia do

aluno diante do problema, e a sequência em que os exercícios foram colocados permitiu

que os alunos fossem capazes de, gradativamente: articular os conhecimentos prévios

com os novos conceitos discutidos nas atividades; compreender as práticas envolvidas

na resolução de problemas baseado na modelagem; desenvolver alguns pensamentos

mais complexos e tomar decisões; e, principalmente organizar suas ideias e redigir os

seus pensamentos.

O material didático mediador também foi importante, não somente como

elemento motivador, mas como um objeto que podia ser manipulado, permitindo assim

verificações diversas.

Isso confirma que, de fato, uma atividade dentro da metodologia de resolução de

problema leva o aluno à tomada de decisões. Isso pôde ser verificado em alguns

momentos onde os alunos deveriam escolher quais caminhos tomar para modelar o

problema.

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Quanto ao trabalho colaborativo, concluímos que as atividades levam o aluno a

esse tipo de interação, pois, em alguns momentos, os alunos tiveram necessidade de

discutir qual caminho deviam tomar. Além disso, foi possível observar que o trabalho

em grupo ocorreu de forma importante para o desenvolvimento das atividades em

momentos onde algum aluno não dominava um determinado conteúdo matemático

específico.

Por fim, quanto à apreensão dos conhecimentos matemáticos, podemos concluir

que foi bem eficaz uma vez que os alunos não só mostraram que conseguiam aplicar os

conceitos matemáticos na modelagem do problema, mas também em outras situações

propostas que não eram contextualizadas.

Tendo em vista que esta pesquisa foi realizada em turmas de 10 alunos,

recomendamos que sejam realizados ajustes pedagógicos e didáticos para aplicação em

salas de aulas com grande quantidade de alunos.

Do ponto de vista do Programa Institucional de Iniciação a Docência –

PIBID/CAPES do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília esta

experiência resultou em aprendizagem de novas formas de ensino da geometria

rompendo com os métodos tradicionais e provocando professores e alunos a reverem o

seu papel no processo de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

N.S.G. Allevato e L.R. Onuchic. Ensino-aprendizagem-avaliação de matemática

através da resolução de problemas: uma nova possibilidade para o trabalho em sala de

aula. Actas da VII Reunião de Didática da Matemática do Cone Sul. Águas de Lindóia-

SP, 2006.

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclo do ensino

fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

Crowley, M.L. The van Hiele Model of the Development of Geomemc Thought. Em

Learning and Teaching Geometry, K-12, 1987 Yearbook of the National Council of

Teachers of Mathematics, editado por Mary Montgomery Lindquist, pg.1-16. Reston,

Va.: National Council af Teachers af Mathematics, 1987.

GASPAR, M.T. Aspectos do desenvolvimento do pensamento geométrico em algumas

civilizações e povos e a formação de professores. Tese de Doutorado. Universidade

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Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Campus de Rio Claro,

2003.

SOARES, M. T. C, BERTONI, N. P. Metodologia da resolução de problemas.

Disponível em:

<http://www.ufrrj.br/emanped/paginas/conteudo_producoes/docs_24/metodologia.pdf

>. Acesso em: 30/07/2011.

ANEXO 1

(Modelo de madeira da bicicleta) (Conjunto de peças das bicicletas)

(Modelo de madeira do carro)

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ANEXO 2

(Alunos do C.E.M. 01 do Paranoá realizando o Caderno 2)

(Trabalho de síntese realizado pelos alunos)

(Conclusão das atividades)

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

VISÃO DE PROFESSORES SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE NO JOGO

DE XADREZ E ENSINO DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE

MATEMÁTICA

JOSINALVA ESTACIO MENEZES – MAT-UnB – [email protected]

RESUMO

O xadrez tem sido inserido no contexto da escola de forma mais intensiva nas últimas

décadas. Embora depoimentos de enxadristas e/ou professores de educação física e

matemática, apontem resultados animadores, quanto à postura e o desempenho dos

alunos com o hábito de jogar, encontramos poucas pesquisas sobre discussão de

problemas de matemática no contexto deste jogo. Assim, realizamos uma pesquisa,

como parte do nosso trabalho de Pós-Doutorado, com quatro professores do ensino

básico sobre as potencialidades pedagógicas do xadrez quanto ao ensino de resolução de

problemas neste contexto. Concluímos que o xadrez permite discutir problemas, tanto

para a aprendizagem de alguns conteúdos de matemática, quanto para mobilizar

habilidades mentais, o que pode torná-lo um aliado no trabalho do professor.

Palavras-chave: xadrez, educação matemática, resolução de problemas.

INTRODUÇÃO

"Um bom enxadrista precisa ser vigoroso e

enérgico como um atleta, engenhoso e exato como

um cientista e acima de tudo deve ser romântico e

sensível como um artista". (H. Melão Jr.)

O xadrez está estreitamente ligado à matemática em vários aspectos. Um deles é

uma matemática subjacente já emergida junto com a lenda a ele associada, a lenda de

Sissa. Como é amplamente divulgada em livros didáticos e de divulgação científica,

além de romances matemáticos, a respectiva lenda envolve uma contagem que hoje

pode ser expressa através do cálculo da soma dos elementos de uma progressão

geométrica finita com sessenta e quatro termos. Outro aspecto corresponde às várias

áreas da matemática que permitem discutir problemas que perpassam a estrutura do

xadrez. Também no ponto de vista computacional, a busca de algoritmos para a

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estratégia de vitória no xadrez está relacionada à inteligência artificial e à teoria dos

grafos nos mapeamentos das jogadas.

Neste trabalho vamos discutir as relações entre o jogo de xadrez e o ensino de

matemática, no que concerne à resolução de problemas e aprendizagem de conteúdos.

Além disso, apresentamos os resultados de uma pesquisa cujo objetivo geral foi

investigar as concepções de professores sobre as potencialidades do jogo de xadrez na

resolução de problemas de matemática.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste tópico discutiremos as principais idéias relativas ao tema do trabalho

apresentado, que fundamentaram nossa pesquisa empírica.

MATEMÁTICOS E PROBLEMAS SOBRE XADREZ

“Grandes matemáticos do passado revelaram muito

interesse por jogos, sendo o xadrez possivelmente

aquele que mais interesse terá suscitado. O

interesse dos matemáticos pelos jogos originou um

novo ramo da matemática relacionado com a teoria

dos jogos, sendo John von Neuman um dos

grandes impulsionadores.” (Dores Ferreira, Pedro

Palhares, e Jorge Nuno Silva).

Ao longo dos séculos, a matemática recreativa tem sido alvo do interesse de vários

estudiosos de matemática. Entre eles, alguns atuavam em outras profissões, mas

estudaram, em alguma época, problemas recreativos. A Wikipedia apresenta uma lista

de 76 matemáticos que estudaram xadrez desde o século XVIII. Apresenta também uma

lista de 30 do que chama de “matemáticos amadores”, que são profissionais que atuam

em outras áreas, mas estudaram a matemática do xadrez. Apresentaremos alguns dos

matemáticos mais conhecidos, buscando juntar os estudos sobre o xadrez à sua

produção de conhecimento matemático, bem como outros profissionais interessados em

matemática e xadrez.

Henry Dudeney (1857-1930) jogava xadrez desde cedo, era um autor inglês de

livros, escrevendo sobre recreações matemáticas e quebra-cabeças de lógica, onde

discute alguns problemas de xadrez, entre eles o problema do guarani.

Leonhard Euler (1707-1783) foi um dos matemáticos mais brilhantes e mais

produtivos de todos os tempos. Nascido na Suíça, Euler trabalhou também na Rússia e

na Alemanha. Atuou em Lógica, Cálculo, Análise funcional, Teoria dos Grafos, Física,

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Análise Matemática, Mecânica, Ótica e Astronomia. Atuou ainda em geometria,

trigonometria, álgebra e teoria dos números; física contínua e teoria lunar. A cegueira

causada por catarata foi compensada pela memória fotográfica e pelo cálculo rápido.

Euler estudou o problema do passeio do cavalo, o Knight‟s tour.

Martin Gardner nascido em 1914 no Reino Unido, é conhecido mundialmente pelo

seu estudo em recreações matemáticas e sua coluna na revista Scientific American.

Escreveu mais de sessenta livros sobre o tema, discutindo no contexto do xadrez

problemas sobre a distribuição de peças de mesmo tipo sem ataque.

Godfrey Harold Hardy (1877–1947) um matemático de cérebro prodigioso, revelado

desde os dois anos, pesquisou em teoria dos números e análise matemática. Era jogador

aficionado de xadrez.

Carl Friedrick Gaus foi um matemático alemão e cientista que contribuiu

significativamente muitos campos, incluindo teoria dos números, estatística, análise,

diferencial geometria, geodésica, eletrostática, astronomia e ótica. Tendo sido uma

criança prodígio, considerado um gênio, foi intitulado o príncipe dos matemáticos.

Discutiu o problema das oito rainhas no xadrez.

Entre os que são matemáticos amadores, temos Albert Einstein, gênio criador da

Teoria da Relatividade; Isaac Asimov, autor de livros e artigos de ficção cientifica, entre

eles “No cair da noite“; Richard Fenman, físico, autor de vários livros como “Está a

brincar, Sr. Feynman?”; Benjamin Franklin, físico, impressor, entre outros, estudou,

além do xadrez, os quadrados mágicos e algumas conexões com teorias matemáticas e

físicas; George Gamov, físico, cosmólogo e biólogo; Lancelot Hogben, escritor e

Ludwig Wittgenstein, filósofo.

Alem desses, citamos outros matemáticos que, por um lado, deram contribuições à

matemática em alguma área, incluindo os estudos sobre recreações matemáticas; por

outro, ora discutiram problemas sobre o tabuleiro de xadrez, ora jogaram e estudaram o

jogo de xadrez do ponto de vista técnico. Entre eles destacamos Adrien-Marie Legendre

(1752-1833), Sam Loyd (1841-1911), Abraham de Moivre (1677-1754), Emmy Noether

(1882-1935), Luca Pacioli (1445-1514 ou 1517), Henry Poincaré (1854-1912),

Raymond Smullyan (1919-?), Alan Turing (1912-1954) e Ernst Zermelo (1871-1953).

Estes fatos apontam o poder motivador do xadrez e a sua estreita relação com a

matemática.

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PROBLEMAS CLÁSSICOS ENVOLVENDO O TABULEIRO DE XADREZ E

ALGUMAS APLICAÇÕES ATUAIS AO ENSINO BÁSICO DE MATEMÁTICA

“Todo aquele que diz que um problema de

xadrez é belo está a elogiar a beleza da

matemática, mesmo que esta beleza seja espécie

comparativamente humilde. Os problemas de

xadrez são um hino de louvor à matemática.” (G.

G. Hardy, A mathematician‟s Apology apud

Gardner, 1992, p. 207)

Existem três problemas clássicos envolvendo o tabuleiro de xadrez e algumas de

suas peças com os movimentos correspondentes. Não será aqui discutida a resolução

dos referidos problemas; apenas mostraremos como o xadrez está inserido no contexto

do conhecimento matemático já há muito tempo.

O primeiro deles, apontado como o mais antigo puzzle de xadrez conhecido, data de

1512 e é conhecido por “Guarini‟s Problem”. Também conhecido como knight nos

ambientes virtuais, este problema consiste em trocar os cavalos brancos de lugar com os

cavalos pretos, movimentando-se segundo o fazem no jogo de xadrez. A figura que

segue mostra o tabuleiro do Knight.

Figura 01. O tabuleiro do Knight.

O segundo problema, discutido por Euler é conhecido como Knight‟s tour, é

abordado por autores mais enfocados no contexto das recreações matemáticas

(KRAICHIK, 1930; LUCAS, 1882-1960).

Neste problema, o cavalo deve percorrer (com o seu movimento em L) todas as

casas do tabuleiro uma só vez. Se a casa de partida é diferente da casa de chegada, o

problema diz-se aberto, se a casa de partida é coincidente com a casa de chegada, diz-se

fechado.

Uma variante deste problema consiste em fazer o cavalo percorrer o maior caminho

possível sem fazer cruzamentos, como é mostrado na figura 02.

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Figura 02. Seis soluções para o Knight‟s Tour. (Fonte: Wolfram.com)

O terceiro problema, discutido por Gauss, é conhecido como “o problema das oito

rainhas”. Consiste em dispor oito rainhas simultaneamente em um tabuleiro de xadrez

sem que uma delas fique no caminho das outras. Segundo Lucas (1882), Gauss escreveu

um manuscrito no qual declarou que havia encontrado 92 soluções para o problema.

Pesquisas matemáticas posteriores comprovaram que, de fato, este é o número total de

soluções (vide figura 03).

Figura 03. Doze soluções para o problema das oito rainhas. (Fonte: Wolfram.com.)

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Vários outros autores têm produzidos problemas relativos ao que chamam de

“xadrez e matemática”: exemplos são os trabalhos de Petkovic (1999), Bonsdorff, Fabel

e Riihimaa (1970) e Watkins (2007). As tentativas de resolver estes problemas levaram

pesquisadores de matemática a buscarem, utilizando-se das ferramentas matemáticas

disponíveis (o conhecimento de até então), soluções para os mesmos. Eis, então, mais

indícios de ligação entre a dinâmica do jogo e a matemática; neste caso, relativo a

algumas peças e seus movimentos.

O XADREZ NA ESCOLA E O ENSINO DE MATEMÁTICA

“O xadrez e a matemática são ciências

exatas, ambas ricas em interdisciplinaridade,

no qual, diversos conceitos enxadrísticos

podem ser aplicados à matemática. Alguns

deles são: estimativa, coordenadas

cartesianas, valores absolutos, noções

espaciais e de lateralidade, geometria, área e

perímetro, probabilidade, estatística,

problemas de lógica, progressão geométrica

(PG), e vários outros.” (RIBEIRO, 2008, p.1)

Entre os professores que costumam trazer o xadrez para a escola, os que se destacam

como mais interessados são mais ligados às disciplinas Educação Física e Matemática.

Os primeiros, por considerarem o xadrez como um esporte; aliás, as livrarias expõem os

livros sobre xadrez nas sessões de esporte. Os últimos, pelas habilidades mentais que o

jogo mobiliza como a concentração, o raciocínio lógico, entre outros. Estudos realizados

até então apontam duas formas mais freqüentes de aplicação do xadrez na escola.

Na primeira delas, o jogo é abordado como uma atividade extra classe. Os alunos

participam de oficinas para aprender a jogar, e são estimulados a participarem de

competições, seja entre colegas de turma, entre séries ou com outros contextos.

Algumas escolas têm introduzindo o xadrez como disciplina, como atividade fixa. De

modo geral, temos visto depoimentos de professores em artigos postados em sites de

sociedades de enxadristas, a maioria deles concordando que o hábito do jogo de xadrez

traz mais tranqüilidade, responsabilidade e disciplina para os alunos, melhorando o

comportamento e desenvolvendo comportamentos e hábitos que contribuem

positivamente para a formação da cidadania.

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A estrutura do trabalho voltado para o ensino de xadrez, segundo autores de

publicações deste tipo, consiste em dirigir-se aos educadores quanto a alguns aspectos

do jogo na educação, citando brevemente alguns estudiosos que defendiam ou defendem

o uso do jogo como elemento importante no desenvolvimento da criança. Os autores

argumentam sobre a validade de inserir o xadrez na escola. Os argumentos vão na

direção dos aspectos já citados.

A segunda forma de aplicação do xadrez no contexto da escola é aquela em que o

professor faz aplicações dos conteúdos ensinados colocando situações problemas cujo

campo é o tabuleiro de xadrez. Assim é utilizada a estrutura do jogo de xadrez para

discutir problemas de matemática ligados ao conteúdo que está sendo ministrado.

Para Ribeiro (2008), há uma ligação entre o xadrez e alguns conteúdos matemáticos

que pode ser explorada em sala de aula. O autor cita os seguintes conteúdos: Contagem

e comparação de quantidades; Figuras e movimentação geométricas das peças;

Coordenadas algébricas sobre um plano cartesiano e localização espacial em um

plano; Noção de tempo através do cálculo de lances; Conceito do domínio espacial em

uma determinada posição; Simplificação; Cálculo de áreas de figuras planas;

Potenciações; Lateralidade com os movimentos das peças; Equações e Problemas;

mobilização das habilidades mentais; Cálculo de áreas; Calculando áreas em um

tabuleiro de Xadrez (aqui se considera o tabuleiro com a medida oficial de

40cmx40cm); Perímetro e retas; Razão e Proporção; Porcentagem; Porcentagem e

Áreas; Inequações; Análise combinatória simples; Tratamento da informação

(interpretação de gráficos, quadros e tabelas); Estatística. Aqui, os autores observam

que o tratamento estatístico envolve confrontos, cores de peças, vitórias, empates,

derrotas. Além destes, podemos também esboçar gráficos de freqüência, probabilidade e

muito mais. Neste contexto, o enxadrista poderá conhecer seu desempenho enxadrístico

e ate mesmo estudar seus adversários. Vamos reproduzir um exemplo:

“32) O enxadrista Gérson jogou durante 12 anos de sua carreira 858 partidas em torneios.

Observe a quantidade de partidas que ele jogou durante cada ano.

1° ano = 78 partidas; 2° ano = 56 partidas; 3° ano = 52 partidas; 4° ano = 79 partidas;

5° ano = 54 partidas; 6° ano = 78 partidas; 7° ano = 68 partidas; 8° ano = 91 partidas

9° ano = 84 partidas; 10° ano = 78 partidas; 11° ano = 56 partidas; 12° ano = 84 partidas

Responda o seguinte:

a) Qual foi à média de partidas que Gérson jogou durante esses 12 anos?

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b) Qual foi à mediana durante esses 12 anos?

c) Qual é a moda?

d) Quais são os Quartis? (p. 17)

As respostas correspondem ao encaminhamento de soluções, mas pode-se constatar

que os dados dos exercícios, em cada caso, podem ser tirados de situações ocorridas em

partidas de xadrez. Consideramos também pertinente esta prática para a aprendizagem

de matemática, que é outra prática da qual observamos pouca divulgação, bem como

das concepções dos alunos a respeito. Em seguida, descreveremos uma pesquisa feita

para verificar estas idéias nas concepções de professores.

METODOLOGIA: UMA PESQUISA SOBRE CONCEPÇÕES DE

PROFESSORES E ALUNOS SOBRE O XADREZ NA ESCOLA

“Como deve ser o professor de xadrez? [...]

Acreditamos que um bom educador que não seja

um forte jogador, poderá atrapalhar a evolução do

aluno, enquanto que um forte jogador, que seja um

péssimo educador, poderá danificar o caráter da

criança. Por isso defendemos que o xadrez nas

escolas seja ministrado por professores que

possuam tanto o suporte pedagógico, como os

conteúdos específicos do xadrez.” (Wilson da

Silva, 2002)

Objetivando comparar as concepções de professores e alunos sobre o valor do jogo

de xadrez no processo de ensino-aprendizagem, selecionamos quatro professores de

matemática para a pesquisa. Todos têm formação em matemática, atuam ou atuaram no

ensino básico, sendo dois do sexo masculino e dois do sexo feminino. Estes professores

foram escolhidos para compor a pesquisa por que incluem jogos matemáticos no seu

cotidiano de trabalho. Dos selecionados, dois professores tinham familiaridade com o

jogo do xadrez, o terceiro deles declarou saber “mexer as peças” e o quarto não sabia

absolutamente nada. Assim, elaboramos um roteiro para observação, mostrado no

apêndice. Nenhum dos quatro professores trabalha em escolas que têm o xadrez como

disciplina, hábito ou mecanismo cotidiano. Dois deles declararam ter alunos que jogam

xadrez esporadicamente na escola.

Na pesquisa, tivemos como objetivos:

- saber como os professores mobilizavam habilidades mentais no jogo do xadrez;

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- verificar as concepções destes professores sobre como os alunos mobilizariam

habilidades mentais na escolha das jogadas no xadrez;

- verificar as opiniões dos professores sobre as implicações de propor alguns

problemas de matemática tendo como contexto de dados o jogo do xadrez aos alunos

com relação à aprendizagem de conteúdos;

Lembramos que o xadrez é um jogo que exige concentração, atenção, portanto,

costuma ser jogado em silêncio, para não atrapalhar os jogadores. Assim sendo, o modo

que utilizamos para observar as habilidades mentais durante o jogo foi adotando a regra

dos jogadores discutirem a escolha das jogadas, que deveria ser feita de modo a permitir

que a dupla oponente ouvisse a discussão. Isto pode ser feito porque não havia a ênfase

no aspecto competitivo, mas racional.

Como a pesquisa abrangeu o contexto da escola, utilizamos um tabuleiro oficial, o

qual era orientado segundo a numeração das casas numa direção e associação com as

letras do alfabeto na outra, já que este é o mais usado nas competições e ajuda na

proposta de problemas que incluam orientação. Passamos a descrever as atividades.

Inicialmente explicamos a estrutura do jogo aos respondentes e os objetivos da

pesquisa. A razão para isso é que um deles não sabia jogar, e certificamo-nos de que

todos sabiam as regras básicas. Em seguida, jogaram uma partida, mas, em vez de dois

jogadores, propomos jogar os quatro da seguinte maneira: dois jogariam como

adversários dos outros dois. Como já explicado, o objetivo não foi verificar quem sairia

vencedor, mas que habilidades mentais e conteúdos matemáticos seriam mobilizados

durante o jogo. Tendo aceitado jogar nestas condições, os quatro jogaram durante duas

horas, sempre discutindo as jogadas em voz alta, e escolhendo de comum acordo qual

seria a melhor jogada. Não houve vencedores, e havíamos explicado que isto não era

necessário enquanto objetivo desta pesquisa. Durante esta etapa, anotamos algumas

observações que consideramos pertinentes.

Depois, propomos e discutimos alguns problemas de matemática que apresentamos.

Os problemas eram de matemática, tendo como contexto dos dados o jogo de xadrez. Os

conteúdos escolhidos foram: área, perímetro, orientação, contagem. Indagamos dos

professores as implicações pedagógicas da proposição de problemas tendo como

contexto o jogo de xadrez, quanto à potencialidade de motivação, os pré-requisitos

necessários para os alunos resolverem os problemas e as possibilidades de contribuição

dos problemas nestas condições para a aprendizagem dos conteúdos de matemática em

questão. Passamos a discutir os resultados.

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RESULTADOS

Os respondentes observaram que além do movimento de cada tipo de peça, existem

jogadas secundárias. Estas são movimentos especiais, possíveis em determinadas

circunstâncias: o pequeno roque, o grande roque e o xeque pastor, embora não usaram

durante a partida.

Quanto ao fato da atividade ter sido feita em duplas, observamos uma tendência

maior à dispersão por parte de três dos quatro jogadores. Observamos que isso acontecia

quando um dos jogadores demorava a escolher uma jogada. Durante esta fase,

observamos que os respondentes ponderavam bastante cada possibilidade, antes de

escolher uma jogada. Nestas ponderações, observamos que os jogadores tinham vários

momentos de mobilização de habilidades mentais; quando pensavam várias

possibilidades de conseqüências de jogadas até escolher uma, onde identificamos o

estabelecimento de estratégias parciais. Após a ponderação, faziam as tomadas de

decisão, escolhendo as jogadas, que, com a discussão das possibilidades,

desencadeavam a execução de um plano de ação. A dupla oponente, na escolha de suas

jogadas, consideravam todo o raciocínio desenvolvido pelos outros, para incluir na sua

ponderação. Aí, observamos as antecipações de jogadas, o que os oponentes citavam

como “ver três ou quatro jogadas à frente”, ou prever possibilidades de seqüências de

jogadas. Os jogadores também expressavam o desejo de que o oponente se distraíssem

para deixa-lo, no próximo movimento, em grande desvantagem.

Em alguns momentos, observamos que os jogadores insinuavam uma possibilidade

de perigo para a dupla oponente, mas não explicitavam qual. Isso não parecia sempre

claro para os oponentes, mas observávamos uma postura de maior cautela, quando

demoravam mais para jogar, e comentavam as possibilidades mais devagar.

Após duas horas de jogo, fizemos algumas perguntas aos jogadores.

Quanto às contribuições do jogo para os alunos, do ponto de vista das habilidades,

os participantes declararam que ajudava a montar estratégias, antecipar jogadas,

desmontar estratégia do outro e considerar, para cada jogada possível ganhar ou perder.

Indagado quanto à postura dos alunos, um jogador, cujos alunos jogam xadrez,

colocou que à medida que ganhavam, ficavam mais cautelosos, para diminuir as

possibilidades de erro. Na fala dele, “os alunos jogam rápido, não pensam muito nas

variáveis, mas os que sabem atacam muito.” Segundo os jogadores participantes da

pesquisa, o xadrez favoreceria quanto ao comportamento, pois induz o jogador a ficar

mais calmo, pois não pode se distrair ou dispersar ao jogar, ou cometeria mais erros.

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Sendo o jogo tão complexo, pois são muitas as possibilidades e cada jogada poderia

induzir várias configurações de risco, os alunos teriam que ficar mais atentos ao jogar, o

que favoreceria a aprendizagem, já que o aluno poderia adquirir o hábito desta postura.

Perguntamos depois aos participantes que conteúdos de matemática estariam

associados ao jogo de xadrez. Os respondentes listaram contagem, orientação, área,

possibilidades. Quanto aos alunos demonstrarem captar ou mobilizar estes ou outros

conteúdos durante o jogo, declararam não acreditar nessa possibilidade. Um deles

declarou: “Conteúdos, não; estimulando, quem sabe?”. Isso nos leva a citar Silva

(2004) que chama a atenção para o papel do professor neste momento, quanto às

possibilidades de motivação, incentivo à aprendizagem do conteúdo em questão. Pena

(2008) também lembra que estes conteúdos trazem uma interdisciplinaridade entre o

xadrez e a matemática. Assim, o professor é elemento fundamental na conexão entre

jogo e aluno, jogar e aprender, ensinar e estimular.

Outro ponto colocado pelos respondentes foi a necessidade de um tabuleiro para os

alunos. Segundo um deles, “o aluno, para resolver um problema sem ver o jogo, vai ter

que memorizar tudo, fazer tudo „de cabeça‟, e ele não vai conseguir; vai precisar de um

tabuleiro.” Assim, ter o jogo em material concreto ou poder ver as configurações seria

uma das necessidades do aluno para resolver os problemas com sucesso.

Propomos então três tipos de problemas que descrevemos a estrutura geral para os

respondentes, sem apresentar dados particulares. O primeiro deles, foi: “Considerando

um conjunto de jogadas que uma determinada peça fez, voltando ao ponto de partida

na última delas, qual a área que essa peça delimitou, contando em quadradinhos, cada

um deles medindo uma unidade quadrada?” Os respondentes consideraram, em suas

respostas que este problema, além de ser interessante, mobiliza ainda a orientação, pois

cada casa do tabuleiro é identificado por um algarismo e uma letra, os alunos poderiam

resolver sem maiores dificuldades.

O segundo problema consistiria em descrever a trajetória de uma peça de forma

angular, indagando em que casa a peça estaria no final da trajetória. Sendo este

problema mais ligado à questão da orientação pura, sem outro conteúdo subjacente, os

alunos consideraram ser interessante, durante o ensino de plano cartesiano. Finalmente,

propomos um problema mais ligado ao jogo em si, correspondendo ao número de

possibilidades de determinada peça numa configuração dada. De acordo com os

professores investigados, os alunos não consideram todas estas possibilidades durante o

jogo, pois em geral se concentram numa região do jogo, cuja configuração interessa

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mais para eles. Este tipo de problema se tornava interessante na medida em que

estimulava o aluno a ampliar o leque de possibilidades, pois a estratégia do oponente

pode estar sendo estruturada justamente fora da região por ele delimitada, já que os

alunos mostram pensar em blocos, na opinião de um dos professores que têm alunos que

jogam.

Finalmente, os professores declararam que os alunos poderiam ser estimulados a

aprender certos conteúdos de matemática subjacentes ao tabuleiro de xadrez, este

funcionando como elemento motivador e de apoio ao mesmo tempo, mas precisariam

do tabuleiro de xadrez para resolver os problemas ou teriam que contar que a memória,

o que tornaria muito difícil para eles a aprendizagem.

CONCLUSÃO

"O xadrez é muita ciência para ser jogo e

muito jogo para ser ciência" (Montaigne)

Os resultados obtidos nesta pesquisa apontaram potencialidades propiciadas pela

prática de jogar xadrez que são relativas ao desenvolvimento de habilidades mentais e

os reflexos na vida do indivíduo. Essas potencialidades são percebidas de formas

similares por cada um dos professores e foram consideradas por eles válidas para o

processo de ensino e aprendizagem.

Suas opiniões também apontam uma necessidade de cuidado na elaboração e na

seleção dos problemas, quanto ao aspecto da motivação e do despertar do interesse dos

alunos, no sentido de que o xadrez, enquanto jogo, pode transferir seu potencial

motivador para outras situações que considerem seu contexto, como as situações

problemas abordadas aqui.

A partir destas considerações, consideramos que seria pertinente aprofundar as

pesquisas no sentido de buscar formas de introduzir problemas de matemática que

compreendam o contexto do xadrez e seus elementos no conjunto dos dados.

Não podemos esquecer de que a história desse jogo está recheada de fatos

interessantes e enriquecedores para a formação do aluno que vai muito além da „lenda‟

de Sissa e da quantidade de grãos de trigo necessária para o seu pagamento. Mais ainda,

os problemas clássicos e históricos concernentes a este jogo também podem ser

propostos aos alunos, e vir a ser mais um fator, tanto de motivação, quanto de

facilitação da aprendizagem de conteúdos de matemática.

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Finalmente, reforçamos que, embora o fato escape à discussão deste artigo, a

informática e a internet trazem numerosas formas de auxílio à prática de xadrez na

escola que poderá potencializar os efeitos da prática desse jogo. São muito ricas e

promissoras as possibilidades de associação entre xadrez e educação em geral, e ensino

de matemática em particular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bonsdorff, E., Fabel K. & Riihimaa, O. (1970) Ajedrez y matematicas. Barcelona:

Martinez Roca, Coleccion Escaques.

Kraitchik, Maurice. (1953) A Matemática dos Jogos. Col. Saber, Vol. VII. Lisboa:

Publicações Europa-América, 1953.

Lucas, E. M. (1886) Récréations Mathématiques. Paris; Gauthier Villars, vol I a IV.

Petkovik, Miodrag. (1999) The mathematics of chess. New York: Dover.

Ribeiro, Adriano Pena Lemos. Interdisciplinaridade do xadrez com a matemática.

Disponível em http://www.clubedexadrez.com.br/menu_eventos.asp?s=cmdview6253.

Acessado em 09.11.2008.

Silva, Wilson da. Curso de Xadrez Básico. Disponível em http://www.cex.org.br.

Acesso em 09 de Fevereiro de 2004.

Watkins, John J. (2007) Across the Board: The Mathematics of Chessboard Problems.

New York: Dover.

APÊNDICE: ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO E INVESTIGAÇÃO.

1. Como os professores explicitam a mobilização de habilidades mentais;

2. Quais as implicações do jogo em duplas;

3. Quais as implicações das jogadas serem discutidas na escolha das mesmas;

4. Qual a influência da discussão sobre a escolha de cada jogada em voz alta, sobre

a escolha da próxima jogada, pela dupla oponente;

5. Quais as opiniões dos professores sobre o jogo de xadrez e a matemática

subjacente após o jogo;

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6. Que concepções têm os professores sobre a proposta de problemas de

matemática com conteúdos atrelados ao contexto do xadrez;

7. Que concepções têm os professores sobre a capacidade do aluno resolver

problemas de matemática atrelados ao contexto do xadrez sem ver o tabuleiro do

jogo

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

PARCERIA ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLAS EM PROL DE UMA

DOCÊNCIA MAIS CRIATIVA

Ana Maria M. R. Kaleff - [email protected]

Departamento de Geometria/Laboratório de Ensino de Geometria/UFF

Anne Michelle Dysman - [email protected]

Departamento de Análise/Laboratório de Ensino de Geometria /UFF

RESUMO

Expomos, neste trabalho, ações realizadas através de parcerias entre escolas e

universidades com vistas à melhoria da qualidade do ensino de matemática nos

estabelecimentos da rede básica escolar. As ações aqui descritas se realizam no âmbito

de projetos desenvolvidos de forma articulada na Universidade Federal Fluminense

(UFF), a saber, projetos de Extensão desenvolvidos no Laboratório de Ensino de

Geometria (LEG), e o Projeto Matemática/Niterói PIBID/UFF para o Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência da CAPES (PIBID/CAPES),

coordenados respectivamente pelas pesquisadoras autoras do presente artigo. O enfoque

adotado nestes projetos é sempre o do desenvolvimento e democratização de

ferramentas e recursos para uma docência mais criativa e consciente na área de

matemática.

Palavras chaves: parceria universidade e escola, Museu Interativo de Educação

Matemática; Iniciação à Docência.

JUSTIFICATIVA

Enquanto as deficiências no processo de ensino e aprendizagem em matemática

nas escolas da rede pública de educação básica são notórias em nosso país, observamos

nas universidades públicas a existência de um ambiente de alta qualidade em ensino e

pesquisa nas mais diversas áreas, dentre elas o campo da Educação Matemática.

Contudo, não raro os frutos da pesquisa nesta área acabam por permanecerem dentro

dos muros das universidades, ou, mais precisamente, dos muros virtuais que delimitam

o espaço da comunidade científica dedicada à Educação Matemática. Mesmo quando

chegam aos alunos das Licenciaturas em Matemática, muitos deles futuros professores

da rede pública de educação básica, frequentemente isto se dá através da transmissão em

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disciplinas de graduação sem garantias de que esta aprendizagem teórica, muitas vezes

realizada de forma apartada da realidade escolar, se traduzirá em ações práticas no

futuro em benefício da melhoria da qualidade do ensino básico de Matemática.

Trabalhos que revelam a primariedade das vivências (em particular, daquelas

relacionadas ao ensino básico) sobre as aprendizagens teóricas na formação do

professor (como Holt-Reynolds, 1992) dão novo significado a lugares comuns segundo

os quais a baixa qualidade do ensino básico se refletiria na graduação impossibilitando a

formação de professores qualificados à melhoria do magistério. Este suposto ciclo

vicioso, antes sustentado sobre deficiências de conteúdos dos ingressantes nas

licenciaturas e combatido através de uma profusão de disciplinas ditas “básicas” pode

ser revisto sob a ótica das vivências e experiências práticas. Se a construção da

identidade profissional do professor se dá majoritariamente sobre suas próprias

experiências dentro do ambiente escolar e estas (a princípio oriundas de sua própria

escolarização básica) se revelam pobres ou deficientes, torna-se imprescindível

possibilitar aos licenciandos novas vivências que os iniciem em uma prática docente

rica e criativa. Com este objetivo, pode-se conduzir os futuros professores a transitar

livremente entre o meio científico, onde participam do desenvolvimento de novas

ferramentas e recursos para ensino de matemática, e as escolas, onde aplicam estes

produtos com suporte e orientação tanto dos pesquisadores na universidade quanto dos

professores da escola que se engajam na parceria estabelecida.

Ao mesmo tempo em que redesenha a formação docente, este processo cria

pontes entre a universidade e as escolas levando a estas os frutos das pesquisas sobre

ferramentas para ensino de matemática, difundindo-os entre os professores já atuantes e

trazendo para a universidade e para o meio científico não apenas o feedback necessário

ao aprimoramento dos trabalhos de pesquisas, como também, frequentemente, membros

dos próprios corpos docente e discente das escolas, os quais se motivam com os

materiais apresentados e são estimulados a participar do desenvolvimento de novos

trabalhos.

OBJETIVOS

O objetivo dos trabalhos aqui relatados é colaborar para a melhoria da qualidade

de ensino e aprendizagem em Matemática através de ações cujos efeitos e benefícios

devem atingir sujeitos envolvidos de diferentes formas no processo educativo,

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fornecendo a estes condições para que exerçam seus papéis (como docentes, discentes,

licenciandos ou pesquisadores) de forma mais consciente e criativa.

Por um lado, buscamos o enriquecimento da formação de professores dentro da

Universidade, através da participação dos licenciandos em atividades de pesquisa e

extensão (como os projetos desenvolvidos no LEG) e de iniciação à docência (como o

PIBID/UFF), as quais lhes propiciam um contato mais estreito e criativo com escolas da

rede básica de ensino público. Ainda dentro da universidade, objetivamos estimular e

ampliar a pesquisa e o desenvolvimento de materiais e atividades voltados para o ensino

de matemática através do contato com as escolas, nas quais encontramos tanto

demandas, que nos tornam mais conscientes das necessidades dos estudantes e que

servem para guiar desenvolvimento de atividades e recursos pedagógicos, quanto

espaço para que estes sejam aplicados, avaliados e aprimorados.

Por outro lado, nas escolas, através da aplicação das atividades e dos recursos

desenvolvidos a partir das próprias necessidades dos alunos, objetivamos motivá-los a

se engajarem como agentes ativos em seu processo de aprendizagem. Neste trabalho os

professores das escolas parceiras se envolvem diretamente no levantamento das

necessidades, na aplicação das atividades desenvolvidas e, em alguns casos, no próprio

desenvolvimento das mesmas. Este envolvimento é essencial visto que também

buscamos a melhoria da capacitação dos docentes que já atuam nas escolas parceiras.

Podemos considerar, assim, que estes projetos levam a universidade à escola.

Porém, como em uma via de mão dupla, não poderia faltar o fluxo na outra direção:

através das mostras do Museu Iterativo de Matemática, promovido pelo LEG, as escolas

visitam a universidade e podem se beneficiar de um rico acervo de materiais de baixo

custo com os quais os alunos e professores da rede de ensino básico são convidados a

interagir tornando-se, deste modo, protagonistas na construção do conhecimento

matemático. E mais uma vez, esta ação também gera benefícios para a própria pesquisa

na universidade, visto que quando os sujeitos se tornam ativos em seu processo de

aprendizagem, deixam de ser simples receptores de conhecimento e passam a encarnar,

também, observadores críticos capazes de colaborar com sugestões para a melhoria de

alguns materiais e ideias para a construção de outros. Descreveremos na parte final

deste artigo um caso particularmente interessante deste tipo de colaboração.

Em um contexto mais amplo, desejamos, ainda, contribuir para a qualidade do processo

de ensino e aprendizagem de matemática em geral, disponibilizando gratuitamente

através da Internet, tanto de planos de aulas e atividades desenvolvidas pelos

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licenciandos bolsistas do PIBID/UFF, quanto versões eletrônicas de recursos e

atividades do Museu Interativo de Matemática construído no âmbito do LEG.

DISCUSSÃO

Na grade dos cursos de Licenciatura em Matemática os momentos em que os

discentes têm contato verdadeiro com escolas da rede de educação básica são poucos

(geralmente restritos às disciplinas relacionadas à prática de ensino), compartimentados

em semestres e sujeitos a condições restritivas de avaliação (como as disciplinas

regulares) limitando o espaço para a prática criativa. Contudo, a universidade na

qualidade de centro de pesquisas caracteriza-se por uma efervescência criativa que a

torna ambiente propício ao desenvolvimento de inovações e projetos de pesquisas nas

mais diversas áreas. Este aspecto das universidades acaba por envolver diretamente

apenas uma pequena fração de seus corpos discentes. No caso do curso de Graduação

em Matemática da Universidade Federal Fluminense, tradicionalmente esta fração é

composta majoritariamente por alunos de bacharelado engajados em projetos de

Iniciação Científica. E mesmo quando alunos de licenciatura se tornam bolsistas de

Iniciação Científica em Educação Matemática, com frequência os projetos se

desenvolvem com base em análises bibliográficas sem contato direto com

estabelecimentos de ensino fundamental. É sobre esta conjuntura, cujas consequências

discutiremos a seguir, que os projetos aqui relatados se propuseram a intervir.

As consequências da escassez de ações e projetos caracterizados por parcerias

entre escolas e universidades em prol do desenvolvimento de inovações para o ensino

de matemática se ramificam por toda a comunidade de educadores matemáticos,

atingindo licenciandos (educadores em formação), professores da rede básica e

professores pesquisadores nas universidades.

Consequências para a formação de professores

Os alunos de graduação encontram ao longo de sua formação poucas

oportunidades de contato com a realidade da docência no ensino básico e, em geral, não

recebem nenhum preparo que lhes dê ferramentas e segurança ao exercício criativo da

profissão. Assim, suas ações futuras como professores de matemática tenderão a

perpetuar o modelo vigente de aulas que repetem os livros didáticos adotados com

objetivo de adestrar os alunos ao uso de técnicas para solução de questões específicas,

utilizando como modelo para sua atuação docente suas próprias experiências enquanto

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aluno da rede básica. Trabalhos como o apresentado por Holt-Reynolds (1992) revelam

esta tendência dos futuros professores de aderirem espontaneamente à concepção

tradicionalista de ensino e de aluno.

Outros pesquisadores que também apontam a importância da experiência na

construção da identidade profissional do professor são Tardif e Raymond:

Em resumo, como vemos, os saberes que servem de base para o ensino [...]

não correspondem, ou pelo menos muito pouco, aos conhecimentos teóricos

obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa na área da Educação:

para os professores de profissão, a experiência de trabalho parece ser a fonte

privilegiada de seu saber-ensinar. (TARDIF E RAYMOND, 2000)

Assim, se desejamos que as inovações em métodos e recursos para ensino de

matemática cheguem às salas de aulas das escolas da rede básica, é fundamental que

propiciemos aos futuros professores oportunidades e respaldo para que estes coloquem

em prática estes saberes diretamente na escola. Envolver os professores destes

estabelecimentos de ensino de forma ativa neste trabalho é também propiciar-lhes novas

experiências que influenciarão em sua atuação docente.

Consequências para a pesquisa em Educação Matemática

A escassez de parcerias entre escolas e universidade faz com que a pesquisa em

novas ferramentas e tecnologias para ensino de matemática deixe de usufruir da

inestimável contribuição que só pode ser obtida nas classes do ensino básico, a qual se

constitui, por um lado, nas demandas (dificuldades de aprendizagem) observadas nas

escolas, que devem guiar o desenvolvimento das novas ferramentas, e por outro, na

possibilidade de aplicar, avaliar e aprimorar as ferramentas desenvolvidas, dentro do

ambiente em que elas devem ser realmente úteis e para o qual elas são destinadas.

Consequências para as escolas

As escolas, com seus corpos docente e discente, por sua vez, permanecem

muitas vezes alheias às inovações para ensino de matemática desenvolvidas na

universidade, sendo privadas dos benefícios que lhe seriam naturalmente destinados.

As ações que apresentamos aqui se desenvolvem vinculadas a dois projetos de

extensão do LEG e ao Projeto PIBID/UFF. Como já apontamos, essas ações objetivam

intervir neste quadro de isolamento através de parcerias entre universidade e escolas

públicas da rede básica de ensino abrindo canais por onde o conhecimento possa fluir

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em diversos sentidos e se multiplicar. E esta multiplicação se dá exatamente como

resultado do trabalho colaborativo: não se trata de utilizar a escola como um espaço de

aplicação de projetos, simplesmente, mas sim de estabelecer com ela ações em

cooperação, nas quais os professores e alunos são estimulados a participar ativamente

do desenvolvimento das pesquisas e das ferramentas para ensino (seja através de

demandas, comentários, sugestões etc.). Também os licenciandos em matemática

participam como peças chaves, tanto no processo de criação de propostas e ferramentas

para ensino, quanto no processo de aplicação dos mesmos nas escolas. Esse tipo de ação

restitui à escola a qualidade de espaço de criação de saber, insere seu corpo docente em

uma dinâmica na qual a criatividade deve pautar a prática e inicia os licenciandos no

trabalho docente propiciando-lhes tanto o espaço para a prática criativa da docência

quanto o suporte da orientação acadêmica sem a qual poucos recém formados se sentem

seguros para ousar ultrapassar os limites dos livros didáticos.

METODOLOGIA

As ações aqui apresentadas se realizam por meio de articulações que buscam

dissolver muros entre escola e universidade, franqueando tanto o acesso às sala de aulas

do ensino básico para as inovações oriundas da pesquisa em Educação Matemática,

quanto a própria universidade aos alunos e professores da rede básica através de

exposições do Museu Interativo de Matemática que, como veremos, podem constituir

um primeiro umbral para um caminho cujos limites só os próprios visitante-

participantes poderão estipular. A seguir abordaremos a metodologia empregada em

cada uma destas ações.

Iniciação à Docência – a universidade vai a escolas da rede básica de ensino

O grupo de bolsistas da área de Matemática/Niterói do PIBID/UFF é composto

por vinte alunos do curso de Licenciatura em Matemática, três professoras supervisoras

nas escolas parceiras e uma coordenadora (professora pesquisadora na universidade).

Além disso, participam do projeto diversos outros pesquisadores através de

colaborações ou parcerias com outros projetos como a estabelecida com o LEG.

O método de trabalho adotado no projeto se divide essencialmente em quatro

etapas principais: diagnóstico e levantamento de dificuldades no processo de ensino e

aprendizagem em matemática nas escolas, desenvolvimento de planos de trabalho na

forma de módulos instrucionais para a solução dos problemas diagnosticados, aplicação

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destes módulos nas escolas parceiras e avaliação e aprimoramento dos mesmos. Em

todas estas etapas é de grande valor a colaboração com outros pesquisadores da

universidade. Destacamos, em particular, a importância do trabalho conjunto com o

LEG no qual se origina parte considerável dos planos das ações implementadas e

aplicadas nas escolas parceiras. Sobre as etapas enumeradas, observamos, ainda, que

estas não se encerram com o arquivamento de um trabalho finalizado, ao contrário, após

estas fases o módulo instrucional se encontra pronto para utilização em outras turmas,

escolas, oficinas para professores, para divulgação por meio eletrônico etc. Além disso,

sempre que convém, ferramentas de ensino criadas no trabalho de iniciação à docência

são adaptadas para integrar o acervo do Museu Interativo de Matemática do LEG.

Objetivamos a multiplicação dos resultados obtidos através dos módulos

desenvolvidos.

Comentaremos brevemente as etapas citadas. Na fase de diagnóstico e

levantamento de dificuldades no ensino e aprendizagem de matemática, os licenciandos

observam aulas nas escolas e colaboram com os professores tirando dúvidas dos alunos.

Nesse momento, os licenciandos devem registrar suas observações e impressões sobre

as dificuldades dos alunos, tentando levantar as causas das mesmas. Ainda nesta fase,

são conduzidas reuniões em que os licenciandos, os professores nas escolas, a

coordenação do projeto e pesquisadores colaboradores da universidade discutem as

observações feitas pelos graduandos, comparando-as com as percepções que os

professores supervisores acumularam através de sua experiência como docente na

escola e com resultados de investigações teóricas sobre as dificuldades em questão

encontradas na literatura acadêmica. A partir das conclusões obtidas nestas reuniões,

são delimitados temas e metodologias gerais para o desenvolvimento de módulos

instrucionais específicos voltados para cada um dos tópicos estipulados. Estes módulos

serão desenvolvidos pelos graduandos (que geralmente trabalham em duplas) sob

orientação dos pesquisadores com colaboração dos professores supervisores.

Uma vez estipulados os temas e as linhas gerais de desenvolvimento dos

módulos instrucionais, os licenciandos são orientados a criar planos de aulas com

recursos pedagógicos adequados ao ensino do tema em questão. Nesta etapa, em um

primeiro momento, os graduandos devem apresentar uma proposta de trabalho que se

constitui de um pequeno roteiro onde são apontados os objetivos a serem alcançados, os

recursos e ferramentas a serem utilizados e um resumo do plano de trabalho para o

módulo em questão. Este material é apreciado pela coordenação do projeto, a qual pode

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aprová-lo, recomendar alterações ou rejeitar a proposta e sugerir uma nova abordagem.

Uma vez que a proposta de trabalho esteja aprovada, os licenciandos devem

desenvolvê-la produzindo, com a orientação dos pesquisadores e a colaboração dos

professores supervisores, um plano de aula detalhado, acompanhado por listas de

exercícios ou fichas de acompanhamento, nas quais os alunos realizam os registros

relacionados à aprendizagem. A produção deste material escrito composto por planos de

aulas e materiais de apoio é fundamental para a execução do módulo instrucional. Os

planos de aulas devem ser claros e detalhados, para que possibilitem o uso futuro por

outros professores da rede básica. As listas de exercícios e fichas de acompanhamento,

além de constituírem mais um apoio para a condução da aula e uma importante

ferramenta para a aprendizagem, também fornecem uma fonte para a avaliação dos

trabalhos desenvolvidos. Nesta etapa são desenvolvidos, ainda, quaisquer outros

materiais didáticos necessários à execução do módulo (as instruções para a produção

destes materiais também devem ser incluídas nos planos de aulas, como orientação para

outros professores que desejem utilizar as atividades propostas).

Após a aprovação pela coordenação de todos os materiais desenvolvidos na

etapa que acabamos de comentar, inicia-se a etapa de aplicação das atividades do

módulo nas salas de aulas das escolas parceiras. Neste momento, os professores

supervisores exercem um papel muito importante, uma vez que atuam como

intermediários entre o projeto e os outros professores da escola. Cabe aos professores

supervisores marcar a aplicação das atividades propostas nas diferentes turmas da série

para a qual se destinam. Devemos observar que não se trata de simplesmente combinar

com um professor responsável por certa turma uma data na qual ele cederá sua aula para

que os bolsistas apliquem as atividades desenvolvidas, ao contrário, uma condição

essencial para que um módulo instrucional seja aplicado em determinada turma é que o

professor responsável concorde em participar do trabalho proposto. Esta exigência tem

como objetivo incentivar que a escola e seu corpo docente se apropriem dos métodos e

planos de aulas desenvolvidos, contribuindo, assim, para a melhoria da qualificação dos

professores de matemática da rede básica. Para que a marcação das aplicações das

atividades seja levada a cabo nestas condições, os professores supervisores apresentam a

seus colegas nas escolas os módulos instrucionais desenvolvidos. É explicado aos

professores que, caso concordem com o plano proposto, as aulas referentes ao mesmo

seriam conduzidas pelos bolsistas licenciandos, contando com a presença e colaboração

do professor (em oposição ao que normalmente ocorre nas aulas de prática de ensino,

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em que o professor da turma adota durante a aula a postura de avaliador não

participativo). Frequentemente, os pesquisadores da universidade também participam

das aplicações das atividades buscando avaliar o trabalho desenvolvido e observar

aspectos que possam ser melhorados. Assim, a execução de um módulo instrucional em

sala de aula constitui um momento de aprendizado para todos os sujeitos envolvidos:

tem sido observado que os alunos aprendem o conteúdo através de aulas mais

motivadoras e dinâmicas, os licenciandos aprendem e experimentam o exercício da

docência de uma forma distinta da que eles vivenciaram enquanto alunos, os professores

das escolas parceiras aprendem sobre ferramentas e métodos para uma prática mais

criativa do magistério e os pesquisadores, como em um laboratório, aprendem sobre a

eficácia das ferramentas desenvolvidas e sobre os obstáculos cognitivos que exigiriam a

mobilização de outros recursos pedagógicos para maior eficiência do processo de ensino

e aprendizagem.

Na própria etapa de aplicação das atividades desenvolvidas nasce a etapa

seguinte. Durante a aula em que o módulo instrucional é posto em prática, são

observadas e registradas todas as ocorrências relevantes à avaliação do mesmo, tais

como a reação dos alunos às atividades propostas, as dificuldades que estes encontram

no cumprimento das tarefas, as conclusões às quais chegam com a execução das tarefas,

as dúvidas e questionamentos que surgem durante a aula etc. A estas observações,

somar-se-ão estatísticas e análises das respostas dadas pelos alunos às questões das

fichas de acompanhamento e/ou listas de exercícios, as quais são corrigidas pelos

bolsistas licenciandos que desenvolveram o plano da aula. A partir deste material são

confeccionados relatórios de aplicação do módulo instrucional, são realizadas as

alterações necessárias nos planos e atividades produzidos, e podemos usufruir de uma

avaliação do trabalho efetuado.

É importante observar que muitas vezes, as atividades desenvolvidas são

posteriormente apresentadas a professores de outros estabelecimentos de ensino básico a

convite dos mesmos. Essas ações, que não estavam inicialmente previstas em nosso

projeto institucional, são particularmente gratificantes para a nossa equipe, uma vez que

os convites se originam a partir de interesse despertado por comentários entre

professores sobre as ações desenvolvidas, representando assim, um importante

reconhecimento do sucesso dos planos e atividades produzidos.

Museu Interativo – as escolas de ensino básico vêm à universidade

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O trabalho de criação e desenvolvimento dos artefatos que compõem o Museu

Interativo de Educação Matemática vem sendo conduzido há décadas no âmbito do

LEG e originou, ao longo deste tempo, um rico acervo que é disponibilizado ao público

em algumas ocasiões. Nestas datas são montadas exposições interativas que, quando

ocorrem na própria universidade, costumam situar-se em salas ou corredores do

Instituto de Matemática e Estatística da UFF (IME-UFF). Anualmente o Museu

funciona durante a Semana de Extensão da UFF, na Semana de Ciência e Tecnologia e,

a cada dois anos, na Semana da Matemática do IME-UFF. Normalmente, por ocasião de

congressos e seminários, pequenas mostras do Museu também são levadas a outros

campi da UFF, como o de Santo Antonio de Pádua e o de Volta Redonda, e a outras

universidades, fora da região metropolitana do Rio de Janeiro.

O trabalho de desenvolvimento de artefatos e de montagem de exposições do

Museu integra os diversos projetos de monitoria e extensão desenvolvidos no LEG, dos

quais participam professores de vários departamentos do IME-UFF, bem como

licenciandos e professores de Matemática, que atuam em escolas de ensino fundamental

e médio. A divulgação das exposições convida à visitação sujeitos envolvidos com

todos os aspectos do processo de ensino e aprendizagem em matemática: alunos do

ensino básico, seus professores, licenciandos em matemática, além de professores e

pesquisadores da universidade.

Tendo por objetivo a democratização do conhecimento criado no âmbito dos

projetos do LEG e levando em conta o poder aquisitivo da maioria dos professores da

escola básica, os artefatos concretos manipulativos são criados a partir de sucata ou de

materiais de baixo custo comumente encontrados no mercado, possibilitando que estes

professores reproduzam as atividades do Museu em suas salas de aulas, corroborando

nossa meta de promover a docência criativa nas escolas de ensino básico. Estas

atividades satisfazem os princípios educacionais postulados nos Parâmetros

Curriculares Nacionais para o ensino da geometria para as séries do Ensino

Fundamental e do Médio (BRASIL, 1996, 1998 e 2003) e se baseiam no modelo de Van

Hiele do desenvolvimento do pensamento geométrico (VAN HIELE, 1986).

Cabe lembrar que no V EBREM será apresentada uma mostra do Museu

Interativo e que uma descrição mais completa do mesmo pode ser encontrada no artigo

“Apresentando o Museu Interativo de Matemática do Laboratório de Ensino de

Geometria da Universidade Federal Fluminense” (KALEFF et al.) a ser publicado

também neste evento.

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É preciso se salientar que, mais do que uma ação que possibilita contatos

esporádicos entre universidade e escolas, cada mostra do Museu constitui um espaço

rico e profícuo para o estabelecimento de laços entre os diversos saberes e os diversos

sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de matemática. Alunos

reatam com seu processo de aprendizagem matemática, estimulados pela percepção de

suas competências para compreender autonomamente tópicos desta matéria e resolver

desafios através de suas próprias experiências com os artefatos apresentados.

Professores da rede básica são enlaçados por uma nova perspectiva para o ensino que

lhes é oferecida através dos recursos que encontram no Museu. Pesquisadores, através

das importantes observações que realizam neste evento, alinhavam conclusões, projetam

novas ações e amarram contatos com alguns visitantes que se propõem a colaborar com

o Museu, seja através de sugestões e ideias, seja através de retorno sobre a utilização em

suas salas de aulas das atividades propostas no Museu.

RESULTADOS

Como já apontamos, as ações aqui descritas têm por meta impulsionar a

melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem em Matemática através da realização

de parcerias entre escolas e universidade. Buscamos benefícios que devem atingir

sujeitos envolvidos de diferentes formas no processo educativo, fornecendo a estes

condições para que exerçam seus papéis (como docentes, discentes, licenciandos ou

pesquisadores) de forma mais consciente e criativa. Para ilustrar os resultados obtidos

neste sentido, vamos nos utilizar de observações e depoimentos de sujeitos envolvidos

neste trabalho (em sua maioria, os depoimentos citados foram extraídos de relatórios ou

comunicações via e-mail, com autorização de seus autores).

Quanto à formação de professores, percebemos que as experiências com os

projetos aqui mencionados propiciam aos licenciandos maior preparo e segurança para o

exercício da docência de forma mais rica e criativa. Esta observação se verifica, por

exemplo, no depoimento de um licenciando bolsista do projeto PIBID/UFF em um

relatório:

Antes de participar do PIBID me via como um professor sem instrumento

para lecionar. Sem diretriz. Conhecia alguma coisa sobre jogos, materiais

concretos, mas não sabia como aplicar e como utilizar esses métodos para

atrair meu aluno. (Rodrigo Pereira, licenciando da UFF.)

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Em outro trecho do mesmo relatório, podemos observar a importância de que

estas experiências docentes se realizem ainda durante a graduação, propiciando aos

licenciandos respaldo tanto do ponto de vista teórico, através da orientação conduzida

por pesquisadores da universidade, quanto do ponto de vista prático, concretizado no

apoio dos professores da escola que participam da ação:

Minha primeira aplicação de projetos PIBID foi bastante significativa,

embora eu estivesse bastante nervoso no dia. Era meu primeiro contato com

uma turma de mais de trinta alunos. Fui bem auxiliado pela minha

orientadora e pelo professor responsável pela turma. Mas como disse

anteriormente, tinha receio de algo sair do planejado, da receptividade não

ser a esperada e que os resultados não aparecessem. Porém, assim que

comecei a aplicar o trabalho desenvolvido, os alunos se mostraram bastante

interessados, com muitos questionamentos e dispostos a participar com

desenvoltura na atividade. (Rodrigo Pereira, licenciando da UFF.)

Ainda no mesmo relatório, em sua conclusão, o depoimento do aluno nos faz

considerar bem sucedida nossa proposta de propiciar aos futuros professores

experiências sobre as quais pudessem pautar sua atuação docente, evitando que esta

acabe por se estabelecer sobre a mesma concepção tradicionalista que sustentava suas

vivências enquanto aluno do ensino básico:

Agora, com uma experiência um pouco maior no projeto e com mais tempo

em sala de aula, as aplicações se tornaram mais fluentes e mais seguras para

mim. Não somente nas aplicações, como também na elaboração dos projetos

[módulos instrucionais], o processo está mais natural.

Ao me formar, [...] a experiência do PIBID vai ser de grande valia na

minha vida profissional. No magistério vou utilizar projetos elaborados

durante a licenciatura e pensar com mais autonomia em outros, dependendo

da realidade encontrada em minha sala de aula. (Rodrigo Pereira, licenciando

da UFF.)

Seguindo com os benefícios relacionados à universidade, a simples possibilidade

de participar de todas as atividades aqui narradas e de redigir neste artigo os resultados

que expomos já é por si só uma boa ilustração dos benefícios trazidos para nossas

pesquisas em Educação Matemática pelas parcerias que estabelecemos com escolas da

rede básica.

Nas escolas, seus corpos docentes se beneficiam dos trabalhos tanto através da

melhoria de aprendizagem resultante diretamente da aplicação de módulos instrucionais

em suas turmas, quanto (e mais importante) através do aprendizado destes mesmos

docentes com relação a novas ferramentas e recursos para ensino de matemática. E

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através de eventos das escolas como, por exemplo, a Semana Pedagógica, estes

benefícios se estendem também a segmentos que não são diretamente envolvidos com

os trabalhos de iniciação à docência, como o primeiro ciclo do ensino fundamental,

ocasionando em toda a escola uma mudança de postura com relação ao ensino de

matemática. Isso se pode depreender, por exemplo, do depoimento abaixo de outra

professora do Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC), também

bolsista do PIBID/UFF:

Hoje as apresentações dos projetos pela semana pedagógica foram um

sucesso. Tivemos turmas cheias e os alunos adoraram as apresentações.

Ontem fiz o convite para o grupo do fundamental I e algumas professoras

ficaram de comparecer hoje no projeto da [módulo desenvolvido pela]

Marcela [licencianda bolsista PIBID/UFF]. Todas que consegui convidar

compareceram e gostaram tanto que pediram um outro dia para levar suas

turmas. A garotada adorou! E mais, as outras com quem eu não havia falado

também foram. Foi super legal!Parece que conseguimos finalmente integrar o

resto da escola no projeto. Fiquei mega feliz. (Cristiane Lima, professora do

IEPIC, via e-mail.)

Além disso, os módulos desenvolvidos através destas parcerias acabam por

chegar a outras escolas que não estão diretamente envolvidas nestas atividades. Através

de comentários entre professores, a equipe acaba por ser convidada por outros

estabelecimentos de ensino a apresentar para seus corpos docentes planos de aulas e

recursos pedagógicos desenvolvidos. No depoimento a seguir, a mesma professora

Cristiane, que acompanhou uma destas apresentações em outra escola, comenta a ação:

Fizemos a apresentação do projeto da [módulo desenvolvido por] Joselane e

Cristiana [licenciandas bolsistas PIBID/UFF] na quarta e foi um sucesso. As

professoras gostaram muito, estive junto em todo o processo e vi de perto

com as meninas melhoram em sua apresentação, estão bem mais seguras. [Na

escola] Gostaram tanto que já fizeram um convite para uma nova

apresentação. (Cristiane Lima, professora do IEPIC, via e-mail.)

Os alunos nas escolas também têm demonstrado grande aproveitamento de todas

as atividades desenvolvidas através das parcerias aqui tratadas. Para citar o resultado de

alguns planos de aulas provenientes da parceria PIBID/LEG, mencionaremos um

trabalho conduzido através de experimentos orientados com um quebra cabeça

geométrico (segundo Kaleff, 2005): ao final desta atividade, todos os alunos de uma

turma de sexto ano haviam conseguido deduzir as fórmulas das áreas de diversos

polígonos. Ainda sobre os trabalhos oriundos da parceria PIBID/LEG, é interessante

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citar atividades para ensino de poliedros em que os alunos são orientados a construir

alguns sólidos (na verdade, seus esqueletos) com palitos e bolinhas de isopor (segundo

Kaleff, 2003). Além dos efeitos sobre a apreensão dos conteúdos, esta atividade teve

como resultado positivo angariar o interesse dos alunos para geometria e, ainda mais

relevante, teve um grande impacto sobre a auto-estima dos estudantes com relação a

suas capacidades matemáticas (a baixa auto-estima é com frequência um obstáculo à

motivação dos estudantes). Estes efeitos podem ser observados no depoimento da

professora Camila Matheus, do IEPIC, que também participa do projeto PIBID/UFF

como supervisora:

No projeto [módulo] de geometria de Stella e Matheus [licenciandos bolsistas

PIBID/UFF], foi só sucesso!! No momento inicial, quando eles introduziam a

diferença entre polígonos e poliedros, eles tiveram um ótimo domínio de

turma. Quando falaram que cada um iria fazer o seu, nossa!!! A turma vibrou,

aplaudiu igual criança no final de filme no cinema... O mais interessante é ver

o brilho no olhar das crianças que por muitas vezes estão com olhar de ódio

para bater em alguém.... Fiquei muito feliz com o projeto [módulo]. Ao final,

cada um orgulhoso de sua produção levando os poliedros para casa.

Dizendo: “esse vou dar para minha mãe” ou “Professora, esse é para a

senhora.”

E o melhor de todos: "Professora, eu vou mostrar para minha mãe e ela não

vai acreditar que fui eu que fiz. Vou pedir para ela ligar para a escola. Você

fala com ela que fui eu que fiz." (Camila Matheus, professora do IEPIC, via

e-mail.)

Além dos resultados decorrentes da presença direta dos projetos nas escolas

parceiras, não podemos deixar de mencionar os benefícios para as escolas oriundos das

visitas destas às instalações do Museu Interativo. Aliás, esta ação conta com a vantagem

de atingir a uma quantidade muito maior de estabelecimentos da rede básica de ensino.

Na última instalação, realizada no dia 19 de maio de 2011, em apenas 9 horas de

funcionamento recebemos a visita de turmas de 16 escolas e 3 universidades (sediadas

em 10 cidades dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais), contando com a presença

de cerca de 500 alunos externos à UFF. Para ilustrar os benefícios gerados por estas

visitas ao Museu Interativo podemos citar, por exemplo, outro depoimento da

professora Camila Matheus do IEPIC, que conduziu turmas da escola.

Nossa! Como foi bom levar os alunos no Museu Interativo de Geometria...

No primeiro grupo levei um aluno deficiente visual da Cristiane [professora

de outra turma]. Ele deu entrevistas e vivenciou praticamente todas as

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atividades!!![...] Fiquei muito feliz com o retorno dos alunos. (Camila

Matheus, professora do IEPIC, via e-mail.)

Ainda sobre o depoimento anterior, é importante observar que atualmente o

Museu Interativo desenvolve adaptações de seu acervo para portadores de deficiência

visual e que o aluno com deficiência mencionado, não apenas se interessou pelas

atividades como visitante, como também nos forneceu sugestões para aprimoramento de

materiais e tornou-se colaborador voluntário. A seguir, apresentamos um trecho em que

este aluno comenta a importância de um material desenvolvido no LEG, aprimorado a

partir de suas sugestões e que ele utilizou com sucesso como ferramenta em uma prova

de matemática na escola:

... veja só como funcionou bem o projeto. Veja como é importante a

participação de vocês com esse projeto, se não fosse assim quem disse que eu

iria conseguir? Obrigado e estou a disposição para o que necessitarem de

mim, fala a professora Kaleff que se precisar de mim seja em qualquer coisa

estou a disposição de vocês. (Carlos, aluno do IEPIC e portador de

deficiência visual, via e-mail).

O exemplo deste aluno ilustra a proposição que já enunciamos anteriormente e

que destacamos agora: parcerias entre escolas e universidade, como estas estabelecidas

através dos projetos do LEG e PIBID/UFF, constituem o primeiro umbral de um

caminho para a docência mais criativa em matemática, cujos limites só os próprios

caminhantes poderão estipular.

REFERÊNCIAS

BRASIL (1998) Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.

Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:

matemática (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF,

_______, (1999) Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnologia.

Parâmetros Curriculares Nacionais-Ensino Médio. Brasília.

_______, (2006) Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações

Curriculares para o Ensino Médio. v. 02. Brasília.

HOLT-REYNOLDS, D. (1992) Personal history-based beliefs as relevant prior

knowledge in coursework. American Educational Research Journal, 325-349, 1992.

KALEFF, A. M. M. R. (2003) Vendo e Entendendo Poliedros. 2ª ed. Niterói: EdUFF.

KALEFF, A. M.; Rei, D.M. e Garcia S. S.(2005) Quebra-cabeças geométricos e formas

planas . 3ª Ed. 1ª Reimp. Niterói: EdUFF.

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KALEFF, A. M. M. R et AL (2011) Apresentando o Museu Interativo de Matemática

do Laboratório de Ensino de Geometria da Universidade Federal Fluminense. Anais do

V EBREM. V Encontro Brasiliense de Educação Matemática. Brasília.

TARDIF, M. e RAYMOND, D. (2000) Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no

magistério. Educação & Sociedade, ano XXI, vol. 73, 209-244.

VAN HIELE, P.M. (1986) Structure and Insight: a Theory of Mathematics Education.

Orlando: Academic Press.

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

CONSTRUÇÃO SIGNIFICATIVA DOS NÚMEROS FRACIONÁRIOS

Nilza Eigenheer Bertoni - UnB - [email protected]

RESUMO

O baixo desempenho dos alunos em relação às frações nas provas nacionais e o caráter

desprovido de significado cultural da metodologia mais usada para o ensino desse

tópico, qual seja, de figuras geométricas divididas e pintadas, conduziram-nos a uma

investigação sobre situações significativas do contexto cotidiano que demandassem

esses números. A constatação de que situações desse tipo figuravam como primeira

condição na teoria de Vergnaud sobre a formação de um conceito levou-nos a

considerar essa teoria em sua totalidade: situações, esquemas e invariantes,

representações. Alguns facilitadores foram utilizados e são propostos para a introdução

desses números: língua materna, frações unitárias, famílias de frações. As idéias vêm

sendo testadas com alunos e professores em diferentes projetos de capacitação de

professores, ocorrendo exemplos e indícios de sua validade.

Palavras-chave: números fracionários; situações do contexto; construção de um

conceito matemático na concepção de Vergnaud.

De modo geral, avaliações nacionais e internacionais, por exemplo SAEB – Sistema de

Avaliação da Educação Básica (2003) demonstram baixos resultados na aprendizagem

dos números fracionários. Diversos projetos de investigação e intervenção em escolas

ou programas que coordenei, ou nos quais trabalhei, evidenciaram limitações dos

processos utilizados para o ensino e a aprendizagem das frações. Exemplo do primeiro é

“Um novo currículo de matemática para o 1º grau” (1984 a 1989) e exemplos do

segundo são PROFORMAÇÃO- Programa de Formação de Professores em

Exercício/FUNDESCOLA-SEED/MEC; VEREDAS – Formação Superior de

Professores/SEE/MG; PIE- Curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início

de Escolarização/FE/UnB-SEE/DF.

Alguns fatos constantemente atrelados ao ensino-aprendizagem desse tópico têm sido: o

recurso didático a figuras geométricas divididas e pintadas; regras operatórias

desprovidas de significado; simbologia e nomenclatura pouco claras; falta de

identificação do símbolo fracionário como um número que quantifique objetos ou

coleções (não constituídos apenas de unidades), falta de uma comparação compreensiva

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com os demais números já aprendidos e de colocação na reta numérica. O método de

introduzir frações por meio de figuras divididas e pintadas, ou mesmo tiras cortadas ou

dobradas, constitui um contexto separado do contexto da realidade, onde tais figuras e

tiras não ocorrem. Embora baseado em constatações manipulativas, é praticamente

desprovido de raciocínio. Não há uma demanda natural por tais atividades, as quais

surgem como uma proposta da escola, sem explicar bem para quê. Na vida, não ocorrem

situações de dividir quadrados ou retângulos em partes iguais. Círculos sim, no caso de

pizzas, mas não é natural atribuir nomes às partes, já que são comumente chamadas de

fatias. Enfatiza-se o nome das fatias da pizza, sem evidenciar o sentido de um novo

número. Dividir figuras geométricas não mapeia situações vividas na realidade. Como

narra Santos (2006), Pedro, de uma 4ª série, expôs o problema em toda sua crueza.

Perguntado sobre o que acha difícil em matemática, responde que acha fração. Ao

responder por que, diz:

Porque a gente tem que fazer umas coisas lá, aí tem que pintar, aí

quando pinta, aí os resto lá eu não sei não. Por causa que pinta aí tem

que ficar fazendo um bucado de número lá do de branco e do pintado.

Fração, para o aluno, torna-se assim um sistema triplo: figuras divididas e parcialmente

pintadas, signo constituído de “dois números” e nome.

Nessa concepção, fração fica associada a um conjunto de partes destacadas de uma

figura geométrica que foi dividida em partes iguais e à atribuição de nome a esse

conjunto. Não há relação das figuras com o mundo físico e social. Mesmo o aspecto

contextual marcante da divisão da pizza seguindo raios, não sensibiliza os aprendizes.

Convidados a dividir um círculo em algumas partes, eles normalmente seguem o

processo de divisão feito em outras figuras geométricas, isto é, por linhas horizontais e

verticais.

O uso dessas figuras tem levado a: i) uma identificação estática dessas partes com

signos numéricos, estranhos em sua forma de dois naturais separados por um traço

horizontal; ii) à separação aparente do universo das frações, que parece ocorrer no

interior de uma unidade, do universo dos números naturais, que se referem a uma

multiplicidade de unidade e que ficaram em outros capítulos do livro; iii) à criação de

uma dependência ferrenha entre qualquer relação entre esses números e manipulação de

figuras. Perguntas do tipo – o que é maior: 1/3 ou ½? Ou quanto dá ½ dividido por 2? –

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necessitam, antes de serem respondidas, do recurso a papel, lápis, desenho de figura. O

método não favorece o estabelecimento de relações mentais entre as partes introduzidas.

Tampouco ele tem possibilitado a abstração das palavras ou signos numéricos

associados às figuras para coisas observadas na realidade, como avaliar a fração

aproximada que descreve uma certa quantidade de líquido em um litro, ou avaliar no

mapa de uma região a fração aproximada correspondente a certas regiões demarcadas,

que podem ser descontínuas.

Temos aí fatores indesejáveis deixados pelo método: a dificuldades de leitura de

quantidades fracionárias em situações da realidade e a quase inexistente formação de

relações mentais entre esses números.

Nas décadas de 70 e 80, Kieren (1976) e depois outros autores introduziram a

preocupação com os vários significados ou subconstrutos das frações. Segundo Moreira

e Ferreira (2008), alguns anos antes de 2000 parece haver um consenso dos autores em

torno de cinco deles: relação parte-todo, medida, operador, quociente indicado e razão.

Recentemente, notam-se influências dessas idéias nos livros didáticos nacionais, mas de

forma pontual – algumas linhas ou parágrafos são dedicados à apresentação de cada um

desses significados, distribuídos em meio à apresentação tradicional do tópico.

Também esses acréscimos têm sido insuficientes para assegurar uma aprendizagem

significativa dos números fracionários. Por exemplo, apesar da referência à fração como

divisão, a pergunta feita a educadores, entre os quais professores de matemática –

quanto dá 3 chocolates divididos por 5 crianças? – tem gerado, em nossas observações,

um movimento de desenho de figuras ou de aplicação da regra de divisão, sem nenhuma

resposta imediata. Não acreditamos que começar pela exploração desses cinco

significados de fração seja um início adequado ao tema, como desenvolveremos a

seguir.

O que, realmente, estamos querendo que os alunos aprendam?

Estamos querendo que aprendam novos números, e que saibam porque eles são

necessários. Números estão associados a quantidades. Os números naturais designam

certa quantidade de coisas inteiras, ou unidades. Mas nem sempre as quantidades se

apresentam como uma coleção de coisas inteiras. Apresentaremos duas categorias de

situações em que novos números designando partes da unidade dividida em partes

iguais aparecem de forma natural e significativa.

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Uma primeira refere-se à quantificação de coleções que apresentam unidades inteiras e

partes especiais das mesmas (fracionárias). Suponhamos que a quantidade de melancias

de um feirante seja:

Números naturais não são suficientes para identificar essa quantidade, formada por três

melancias, duas metades de melancia e uma metade de metade de melancia. Ao todo,

são quatro melancias e um quarto. Para chegar a essa afirmação, usamos o conceito

intuitivo de metade, juntamos duas metades e consideramos uma melancia, e atribuímos

um nome a um novo número para designar uma parte especial da unidade – um quarto

– que designa a metade da metade, o que corresponde a uma das partes resultantes da

partição da melancia em quatro partes iguais. Fica evidente que a quantidade

correspondente a quatro melancias e um quarto de melancia é maior que a quantidade

de quatro melancias e menor que a quantidade de cinco melancias; assim, o número

quatro e um quarto é maior que 4 e menor do que 5.

Essa situação introduz números fracionários em um contexto real de avaliação numérica

de certa quantidade. Ela não deixa dúvidas de que a questão é análoga à de contar, mas

num contexto mais ampliado. Novas palavras são necessárias para descrever a

quantidade total – metade e quarto, e elas aparecem junto aos nomes dos números

naturais. Essas palavras, além de designar partes especiais, surgem impregnadas de um

senso numérico. Outro aspecto a observar é que as partes surgem junto aos objetos

inteiros. Não há uma separação entre o universo das partes e o das unidades inteiras e,

portanto, os números correspondentes também aparecem misturados, sendo nítida a

anexação de novos números aos números naturais já conhecidos. São dois fatores a

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serem observados: a demanda em uma situação da realidade e o sentido de número

vinculado à quantificação.

Outro tipo de situações em que há um surgimento natural de quantidades fracionárias é

a da divisão entre números naturais com resto, quando esse resto demanda naturalmente

um prosseguimento da divisão. A associação de números fracionários ao resultado de

tais divisões foi intensamente usada pelo egípcios, na antiguidade*.

Exemplo da tal situação ocorre frequentemente na vivência de crianças ainda bem

novas. É o caso de terem três laranjas para dividir entre si e um colega. Considerando

apenas o domínio dos números naturais, o resultado teria quociente 1 e resto 1. As

crianças não titubeiam na ação prática, e repartem a laranja restante ao meio, dando

metade a cada um. A representação correspondente poderia ser 3 ÷ 2 = 1 e metade, ou

uma laranja e meia. . Na escola, não se cogita de considerar tais situações, ainda que

façam parte da realidade infantil. Talvez por um arraigado tradicionalismo matemático,

em que situações envolvendo números fracionários seriam espúrias no tratamento dos

números naturais.

Situação análoga foi proposta em uma sala de 5º ano, por uma professora aluna do curso

PIE em Brasília, conforme narrado, em 2004, por Erondina Silva, mediadora do curso.

A sala tinha 30 alunos e a questão foi: se houvesse 45 bolinhos para serem divididos

entre todos os alunos, quantos caberia a cada um? Os alunos pensaram, dividiram e

chegaram ao resultado correto: 1 bolinho e meio para cada um.

Outra situação desse tipo tem sido proposta pela autora em diversos cursos de

capacitação de professores: 10 cocadas divididas para 6 crianças, quanto daria a cada

uma? É um caso típico da divisão entre dois números naturais, dando um resto 4, o qual,

na realidade e principalmente no universo infantil, demanda uma continuidade da

divisão. Foram apresentadas várias soluções. Em uma dela, após dar uma cocada a cada

criança, as 4 restantes foram todas divididas ao meio, resultando em 8 metades, das

quais 6 foram distribuídas, uma para cada criança. As duas metades restantes foram

divididas em 3 partes cada uma, fornecendo seis partes, uma para cada criança. Ao todo,

cada criança recebeu 1 cocada e meia mais um pedacinho, que será identificado com um

terço de meia cocada. Outra solução começou igualmente com a distribuição de uma

cocada a cada criança. Das 4 restantes, apenas 3 foram repartidas ao meio,

possibilitando dar uma metade a cada criança. A última cocada foi dividida em 6 partes,

dando um sexto a cada criança. A comparação das duas soluções induziu à

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reflexão/investigação se um terço da metade seria igual a um sexto. Foi possível

verificar que, se cada metade havia sido dividida em três partes iguais, a cocada inteira

teria sido dividida em 6 partes iguais.

Uma situação particular de divisão entre números naturais conduzindo à introdução de

números fracionários é exposta por Tropfke (1980), em seu livro História da

Matemática Elementar. Discorrendo sobre as possíveis origens da frações, ele narra a

seguinte situação, que apresentamos em tradução com observações e particularizações

de símbolos nossas, em itálico:

A tarefa de dividir k objetos em n partes (por exemplo, 7 caças por 10

pessoas) apareceu na prática , seguramente, antes de qualquer costume

escrito. Talvez se tenha inicialmente dividido cada uma delas em 10

partes – obtendo, desse modo a “fração tronco” 1/10, que podia ser

considerada, de certo modo, como uma nova unidade, e então reunia-se

7 dessas novas unidades. A fração geral 7/10 é assim, por um lado,

entendida com o resultado da divisão 7 po 10; por outro.como a reunião

de 7 “unidades” iguais a 1/10.

Note-se que, ao dividir um número de objetos menor do que o número dos que ao

receber, a solução presumível é que dividissem cada unidade igualmente entre o número

de participantes. Aparentemente, alguns milênios depois, os egípcios rejeitavam essa

solução primitiva de redução das unidades a pedaços pequenos, procurando descobrir

pedaços maiores que resolvessem a divisão. No célebre Papiro Rhind (ou Ahmes)

datado aproximadamente no ano 1650 a.C., aparece o problema da divisão de 3 pães por

10 homens, ao qual Ahmes dá a solução 1 quinto mais 1 décimo, em vez de 3 décimos.

A procura de situações significativas para a introdução do conceito de número

fracionário nos leva à formação do conceito segundo Vergnaud. Franchi (1999)

menciona que

Vergnaud considera um conceito como constituído de três conjuntos:

S: conjunto de situações em que o sentido é constituído (referência)

I: conjunto dos invariantes operatórios, conceitos-em-ato e teoremas-

em ato que intervêm dos esquemas de tratamento dessas situações (o

significado);

L: o conjunto de representações lingüísticas e não lingüísticas que

permitem representar simbolicamente o conceito, suas propriedades, as

situações às quais ele se aplica e os procedimentos de tratamento que

dele se nutrem (o significante).

Starepravo e Moro (2005) mencionam que

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Segundo Vergnaud, (1979), é possível aprender muito mais sobre o

significado que um conceito matemático tem para uma criança se for

estudada a forma como ela, criança, lida com problemas que, para sua

solução, necessitem deste conceito, do que estudando-se apenas o uso

que ela faz de palavras e símbolos referentes ao conceito.

Após a investigação e a procura por situações significativas e contextuais para a

introdução dos números fracionário, investigamos os esquemas de ação dos alunos, os

invariantes a que chegavam, as representações que surgiam e as que se faziam

necessárias.

Um dos primeiros esquemas observados foi “quanto mais divide, menor fica”. O que

levava as crianças a saberem que um quarto é menor do que um terço, porque um quarto

foi obtido pela divisão do objeto em quatro partes iguais, enquanto um terço foi obtido

de divisão em três partes iguais, e, se dividir em mais pedaços, fica menor. Uma lógica

muito evidente, pouco ou nada explorada nos livros didáticos. Outros esquemas

comparativos usavam a comparação com a unidade, a metade ou o complementar.

Usando a comparação com a unidade e fazendo uso de frações unitárias, que será objeto

de reflexões quando tratarmos da simbologia, alunos disseram que 4 de 1 quinto é

menor do que 3 metades, porque o primeiro é menor do que a unidade e o segundo é

maior (4/5 < 3/2). Essa apreensão rápida da quantidade representada pelo número –

quatro de 1 quinto não dá 1; 3 metades passa de 1 – seguida de uma comparação

evidente entre ambas, exemplifica o que objetivamos para o ensino-aprendizagem das

frações: uma compreensão quantitativa do significado do número e o estabelecimento

de relações entre eles. Quanto ao uso da metade na comparação, narramos em (Bertoni,

2002) a história de Toninho., para resolver a questão de qual era maior: 1 meio ou 2

terços. Primeiro, ele falou: É claro que 2 terços é o maior dos dois. Ele vale mais que

meio! E a professora: E como você sabe que 2 terços vale mais que meio? Ao que o

Toninho respondeu, em sua linguagem arrevezada: “Porque prá ter o inteiro só falta

um, não falta igual, então é porque já passou da metade”. Ele queria dizer que ao 2

terços, só faltava 1 terço para chegar à unidade; não faltava igual, isto é, não faltavam

outros 2 terços. (O que caracteriza mais um esquema para caracterizar fração

equivalentes a meio: é aquela em que falta algo igual a ela própria para formar a

unidade). Eles diriam,ainda, que 5 de 1 doze-avo é menor do que 4 de 1 sexto (5/12 <

4/6), porque o primeiro é menor do que a metade (não chega a 6 de 1 doze-avo) e o

segundo é maior do que a metade (passa de 3 de 1 sexto). Outro esquema comparativo

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foi pelo complementar: 2 terços é menor do que 3 quartos, porque se tirarmos 2 terços

(da unidade) sobra 1 terço, e se tirarmos 3 quartos da unidade sobra 1 quarto; e 1 terço é

maior que 1 quarto (dividiu menos, só em 3) e quando sobra mais é porque tirou

menos. Ou seja, 2/3 < 3/4 porque 1/3 ¼.

Esquemas de equivalência apoiavam-se bastante na compreensão. Assim, era comum

alunos dizerem: 1 terço é igual a 2 sextos porque um sexto é metade de 1 terço.

Quanto à simbologias e nomenclatura, Behr e Post (1992) comentam:

Vamos pensar cuidadosamente sobre o que pode estar envolvido para

que uma criança compreenda que 3/5 representa uma só entidade,

compreender o que é essa entidade, que ela tem um tamanho e que

tamanho é esse.

Ohlson (1991) também refere-se a essa dificuldade:

a complicada semântica das frações é, em parte, uma conseqüência da

natureza composta das frações. Como ocorre do significado de 2

combinado com o significado de 3 gerar um significado para 2/3?

Pelo que constatamos e comentamos em Bertoni, 2009, a introdução da representação

numérica concomitante à introdução das frações tem representado certa dificuldade para

as crianças. Do ponto de vista de ação sobre uma figura geométrica, a criança opera e

entende o símbolo com certa facilidade. Ou seja, aprende o procedimento de dividir a

figura em um número de partes indicado pelo número abaixo do traço e pintar um

número de figuras indicado pelo número superior. Assim, o símbolo fracionário

apresenta-se dissecado em dois números – um serve para dividir a figura geométrica,

outro para saber quantos pintar. Não aparece com sua propriedade essencial de número,

a quantificação.

Para superar esse obstáculo, há várias opções. Experimentamos desenvolver o

significado do número fracionário e a apropriação de seu nome anteriormente à

apresentação do seu símbolo numérico.

Por outro lado, o tratamento histórico dado às frações pelos egípcios sugere uma maior

facilidade no trato com as frações unitárias, isto é, as frações oriundas da divisão da

unidade em certo número de partes iguais, quando se considera e se denomina apenas

uma dessas partes. Quanto às demais frações, os egípcios resolveram o problema

decompondo-as em somas de frações unitárias distintas, processo que envolve certa

complexidade, constituindo uma situação pouco prática para a aprendizagem.

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Diferentemente dessa solução, pode-se pensar em frações genéricas tomando frações

unitárias com certa multiplicidade. Isso traz maior compreensão à fase da exploração

com linguagem verbal, e, mais ainda, na introdução da representação simbólica. Na

primeira, são usadas expressões como um quarto mais um quarto é igual a um meio e

um meio mais um quarto é igual a três de um quarto. Observe-se que não se usa ainda o

termo 3 quartos. Os símbolos iniciais introduzidos para frações são do tipo ½, 1/5, 1/9.

As expressões verbais citadas podem ser representadas por ¼ + ¼ = ½ , ½ + ¼ = 3 de ¼

= ¼ + ¼ + ¼.

Com essa abordagem, a quantidade correspondente a dois terços é mencionada

inicialmente como duas de 1/3, ou 1/3 + 1/3, ou duas vezes 1/3.

Essa proposta encontra respaldo em Moro (2005, p.45), segundo a qual:

No ensino, é essencial seguir as notações espontâneas das crianças para,

a partir delas, provocar-lhes a produção de notações mais avançadas,

sempre em relação à interpretação das próprias crianças e trabalhando-

se, primeiro, com os quantificadores de sua linguagem natural.

Uma vez bem compreendidas por meio desse facilitador, a passagem ás frações com

outros numeradores se dá de modo natural, uma vez que tanto a soma um terço mais um

terço (intuitivamente pensada como igual a 2 terços) quanto a expressão dois de um

terço conduzem naturalmente à designação 2 terços. Gradativamente, e à medida que

aparecem no contexto de problemas, tais frações devem passar a ser representadas por

2/3, muitas vezes ainda lidas como 2 de 1/3. Como dissemos, é uma possibilidade de

superação do obstáculo do entendimento do símbolo como um todo. É um exemplo de

construção dessa interpretação e entendimento.

Um recurso para favorecer o estabelecimento de relações entre os números fracionários

criado por nós foi o de trabalhar com famílias de frações. Chamamos de família de

frações as frações oriundas da divisão inicial da unidade em certo número de partes, e as

que resultam da divisão sucessiva dessas partes em duas partes iguais. Por exemplo,

dividindo-se a unidade inicialmente em duas partes iguais, cada parte será igual à

metade ou 1 meio, que, dividido em duas partes iguais, faz surgir quartos, que, dividido

em duas partes iguais, faz surgir oitavos. Um número qualquer de metades, quartos e

oitavos também faz parte da família. Outras famílias são as formadas por terços, sextos,

doze-avos; e quintos, décimos, vigésimos.

A divisão de um bolo em duas partes iguais, e a subseqüente divisão de cada uma

novamente em duas partes iguais, gera o aparecimento de dois quartos em cada uma e,

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portanto, de quatro quartos no bolo todo. Isso possibilita o estabelecimento de inúmeras

relações: 2 quartos mais 2 quartos são 4 quartos ou 1 inteiro; 1 bolo dividido para duas

crianças dá metade ou 1 meio para cada uma; metade do bolo dividido para duas

crianças dá 1 quarto para cada uma; um quarto mais um quarto é igual à metade; metade

menos 1 quarto é igual a 1 quarto etc. Estendo-se o processo para a divisão de cada

quarto em duas partes iguais, surge o oitavo. A criança constata que em cada quarto há

dois oitavos, na metade há quatro oitavos, no inteiro há 8 oitavos, bem como estabelece

relações entre metade, quartos, oitavos.

Nossas experiências indicam que a adoção dessa metodologia produz bons resultados.

Por exemplo, em uma situação de jogo, que pedia o resultado de 5/3 – 1/6, Angélica

respondeu logo “quatro terços e meio”, e explicou: Um sexto é metade de 1 terço. Se

tenho cinco terços, e tiro a metade de um, ficam quatro terços e meio. Na resposta,

ficou claro que o meio referia-se a meio terço. E que ela identificava prontamente 1/6

como meio terço devido ao trabalho com famílias – no caso, 1, 1 terço, 1 sexto – que,

pelo modo como eram desenvolvidas, evidenciavam as relações entre seus

componentes.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Respaldados em teorias já formuladas e complementações que criamos e

experimentamos, nossas hipóteses conclusivas indicam que a introdução das frações por

meio de situações significativas que demandem o conceito de número fracionário

promovem a compreensão desses números pelos alunos, permitindo estabelecer relações

entre os mesmos, abstraí-los e reconhecê-los em situações da realidade; desenvolvem o

raciocínio dos alunos e permitem a elaboração de esquemas e o reconhecimento de

invariantes envolvidos.

Consideramos que teorias em educação só podem ser validadas a médio e longo prazo e

em escala significativa. Como as idéias propostas ainda não fazem parte dos livros

didáticos atuais, uma conclusão geral ainda não pode ser afirmada, embora

consideremos que há fortes indícios e numerosos experimentos apontando para a

validade de uma introdução aos números fracionários suportado pelas idéias expostas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PROJETO Um Novo Currículo de Matemática da 1ª. a 8ª. Séries UnB/ Matemática;

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Sociedade Brasileira de Educação Matemática – Regional Distrito Federal 23 a 25 de setembro de 2011

FATORES ASSOCIADOS À APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA:

UM ESTUDO DE CASO

Raquel Costa da Silva Nascimento

[email protected]

Orientador: Prof. Dr. Álvaro Chrispino

[email protected]

CEFET – RJ

RESUMO

Este trabalho é um Estudo de Caso resultado de uma análise comparativa entre

duas turmas de 8º ano do Ensino Fundamental, nas quais buscamos verificar a

influência de três dos fatores que são considerados relevantes para o sucesso escolar,

segundo Juan Casassus. Esses fatores são: a participação dos pais, a prática de

exercícios de casa e o clima da sala de aula. Observamos os impactos entre a aplicação

desses três fatores em uma turma experimental, comparando-os a uma aula tradicional

de matemática. Com o intuito de proporcionar um clima favorável à aprendizagem, este

trabalho apresentou como produto um roteiro de atividades aplicadas que podem tornar

o ensino de matemática mais eficiente.

Palavras-chave: Sucesso escolar. Participação dos pais. Dever de casa. Clima escolar.

1. JUSTIFICATIVA

O desempenho da educação é resultado de uma combinação complexa de fatores

que exercem influências sobre os alunos. Sendo a qualidade da aprendizagem mediada

pelos processos ocorridos em sala de aula, nosso objetivo é propor metodologias que

busquem alcançar um ensino de matemática mais eficaz, partindo do principal

responsável por esse processo, o professor, pois cremos numa relação entre seu fazer e

pensar e tudo o que ocorre em sala de aula.

Acreditamos que entender os problemas na aprendizagem da matemática é o

primeiro passo para estabelecer ações que proporcionem resultados melhores. A falta de

motivação dos alunos, a deficiência nos conceitos básicos e a exigência de abstração

elevada são apenas alguns dos fatores contribuintes para o desinteresse no estudo da

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matemática. Partindo desse principio, estabelecemos três fatores que podem contribuir,

quando associados, de forma positiva para a aprendizagem da matemática.

Tendo em vista que os Parâmetros Curriculares de Matemática visam à

construção de um referencial que oriente a prática escolar de forma a contribuir para que

toda criança e jovem brasileiros tenha acesso a um conhecimento matemático que lhe

possibilite de fato sua inserção, como cidadãos no mundo do trabalho, das relações

sociais e da cultura, acreditamos que trabalhar os conteúdos relacionando-os a situações

reais é uma forma de motivar o estudo da matemática.

Porém, para o estudo da matemática ser atraente é necessário o interesse do

aluno nas aulas, e para isso, o “clima da sala de aula” deve ser propício ao aprendizado.

Segundo Casassus, a variável mais recorrente em suas pesquisas como a mais

importante é a que se refere ao clima favorável à aprendizagem existente na escola,

mais especificamente se for um clima emocional favorável dentro da sala de aula. Uma

sala de aula deve ser um lugar agradável, onde o aluno sinta prazer em estar ali,

tornando-se um importante elemento na composição de um bom rendimento de

aprendizagem.

No entanto, não basta tornar o ambiente agradável, é necessário que o aluno

compreenda bem o conteúdo a ser assimilado. Talvez a não compreensão de

determinado conteúdo seja um dos principais agentes de desinteresse pelo estudo da

matemática. Se o aluno não compreende bem determinada disciplina, a tendência

natural é ficar desmotivado, e em seguida, desinteressado. E o insucesso escolar vem

sendo visto como a gênese do comportamento indisciplinado do alunado.

Dada a deficiência de conteúdos na progressão de série dos alunos e,

principalmente, devido a carência de professores, pois é comum encontrarmos turmas

sem uma ou mais disciplinas por todo o ano letivo, entendemos que o ensino da

matemática deva ocorrer de forma gradativa, sempre relembrando conceitos já

estudados, mas sempre necessários para a compreensão dos novos conteúdos abordados.

Nesse contexto, as tarefas de casa podem contribuir diretamente para alcançarmos essa

eficiência no ensino da disciplina.

Todavia, outra parte do incentivo aos estudos deve partir de casa. Porém,

sabemos que a maioria dos nossos alunos da rede pública não tem referências, e boa

parte deles possuem pais com baixo grau de escolaridade. Daí a importância de se

buscar a participação dos pais, no sentido de acompanhar a vida escolar do aluno. Dessa

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forma eles passam a contribuir nesse processo, na medida que compreendam a

importância da escola, mesmo não dominando o conteúdo estudado pelo filho.

2. OBJETIVOS

Após refletirmos sobre os questionamentos citados, nossa pesquisa objetiva

responder às seguintes questões:

A participação ativa dos pais na vida escolar do aluno é realmente um fator

de extrema relevância?

Que impactos a prática diária de realizar exercícios de casa exerce sobre o

aluno?

Aulas expositivas com atividades práticas apresentam melhores resultado

nos alunos do que as aulas tradicionais?

3. DISCUSSÃO

3.1.PARTICIPAÇÃO DOS PAIS

Uma forma de verificar a participação dos pais na escolaridade de seus filhos é

examinar seus vínculos com a vida escolar. Ao realizar um estudo abordando a

participação dos pais nas escolas, acabamos por consequentemente estudar os vínculos

familiares existente nesse meio. Através de um questionário, pudemos estabelecer

algumas conclusões desses vínculos no nosso grupo pesquisado. Notamos que poucos

pais ou responsáveis conversam com seus filhos sobre a escola, comparecem as

reuniões ou simplesmente acompanham os exercícios de casa. Atualmente, observamos

uma inversão de valores, ou seja, a escola passou a cumprir as funções da família. É

importante ocorrer uma interação nessa relação família-escola, por isso a necessidade do

fortalecimento desta relação.

Historicamente, a educação era uma atividade exclusivamente familiar que, com

o decorrer dos séculos, foi transferida para instituições religiosas ou públicas. Durante

este processo cada vez mais os pais foram transferindo suas responsabilidades sobre a

educação dos filhos para a escola, e em virtude das diversas relações familiares

encontradas atualmente podemos justificar a ausência dos pais na vida escolar dos

alunos. Seja por falta de tempo ou por descaso.

Em pesquisa realizada, sobre dez questões atuais sobre o relacionamento

professores/pais/comunidade, constatamos que “A atuação da família na escola deve

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ser complementar à ação educativa. Jamais deve funcionar como substituta da escola

que não assume suas responsabilidades e tenta passá-las para os pais.” ( FESP, 2007)

A participação dos pais em parceria com a escola pode contribuir de forma

positiva na vida escolar do aluno. Simples ações como conversar sobre como foi o dia

do aluno na escola, acompanhar as notas e as tarefas propostas para casa contribuem

diretamente com o compromisso do aluno com a escola, à medida que ele percebe o

interesse dos pais por suas ações.

3.2.A PRÁTICA DO DEVER DE CASA

O dever de casa é uma prática adotada há alguns anos por muitos países

desenvolvidos e, aos poucos, vem alcançando sua devida importância no Brasil. O dever

de casa não pode ser visto como uma simples tarefa a ser realizada fora de sala de aula.

Deve ser entendido como: (a) uma necessidade educacional, reconhecida por pais e

professores, sendo concebida como uma ocupação adequada para os estudantes em casa;

(b) um componente importante do processo ensino/aprendizagem e do currículo escolar

dentro de uma dada tradição cultural; e (c) uma política tanto da escola e do sistema de

ensino, objetivando ampliar a aprendizagem em quantidade e qualidade, além do

tempo/espaço escolar, quanto da família, visando estimular o progresso educacional e

sócio-econômico dos descendentes (CARVALHO, 2004b, 2000a, 1997).

O dever de casa deve ser visto como um mecanismo para tornar a participação

dos pais mais efetiva. Em nossa pesquisa, buscamos relacionar o dever de casa à

participação dos pais na vida escolar dos alunos, por tratar-se de um dos principais

momentos onde o aluno percebe o interesse da família por seu progresso escolar. É a

ferramenta para acompanhar diariamente o que está sendo feito na escola, e, além disso,

torna-se importante considerar o dever de casa como um hábito de estudo.

No caso particular de nossa pesquisa, temos de considerar a importância do

hábito de estudo, pois o estudo da matemática não se faz somente por meio de leituras,

mas também com a realização de exercícios. Em virtude do pouco tempo disponível em

sala de aula e extensão do conteúdo programático, faz-se necessário praticá-los em casa

e, neste caso, o dever de casa pode se apresentar como um excelente recurso para

melhorar o rendimento à medida que são executados. Como diz Gomes (2005): “A

duração do tempo letivo e a sua extensão por meio de deveres de casa apresentam alta

incidência de relações positivas e significativas com o rendimento nas resenhas e

pesquisas internacionais.” ( p.287)

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3.3.AULAS DIFERENCIADAS E AULAS TRADICIONAIS

Muito se questiona sobre qual o melhor método de ensino. Segundo pesquisas,

existem experiências inovadoras que levam a melhores resultados, como também há

experiências de práticas tradicionais resultando em bons desempenhos. (CASASSUS,

2007)

Atualmente, encontramos algumas escolas favoráveis ao construtivismo, e outras

às aulas tradicionais. A nossa proposta é fazer uso de algumas aulas diferenciadas com o

objetivo de incentivar os alunos e trabalhar a capacidade de abstração nas aulas de

matemática e, conseqüentemente, melhorar o clima da sala de aula.

Neste questionamento sobre o modelo tradicional encontramos discussões sobre

como há necessidade de mudança nessa metodologia. É senso comum que precisamos

adotar novas estratégias de ensino se quisermos motivar nossos alunos, porém ainda é

um desafio como atingir tal objetivo.

Reconhecemos que reformular o ensino da matemática e estabelecer novas

metodologias são discussões necessárias dentro do ensino da matemática;

principalmente em virtude de fazermos parte de um mundo cada vez mais informatizado

e globalizado.

Acreditamos que essas medidas estão relacionadas a outras mudanças, entre elas,

com as formas de avaliações existentes. Não há como discutir mudanças nas práticas de

ensino se não ocorrerem mudanças nas formas com as quais nossos alunos são

avaliados.

Segundo Gomes (2005), o clima de sala de aula e a organização do processo de

ensino-aprendizagem têm papel relevante e as condições podem variar de sala para sala,

quando em relação a grupos discentes e a alunos individualmente. Como os processos

educativos são muito sensíveis às origens sociais dos alunos, pode haver diferenciações

do tratamento segundo as estatísticas e, conseqüentemente efeitos regressivos (dar

menos a quem tem menos), em vez de efeitos progressivos (dar mais a quem têm

menos).

À medida que o aluno encontra um clima de sala de aula propício à

aprendizagem, seja porque as aulas são motivadoras ou simplesmente porque existe

uma boa relação professor-aluno, alcançamos nosso passo mais importante: aumentar a

auto-estima do aluno. Motivado está apto a aprender, isto exige a colaboração de todas

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as partes envolvidas no processo de ensino-aprendizagem. A metodologia aplicada pelo

professor e a participação dos pais são fatores preponderantes, em nosso ponto de vista,

para atingirmos um bom índice de eficiência na prática docente da disciplina de

matemática, podendo refletir nas diversas áreas do conhecimento.

4. METODOLOGIA

4.1.A PESQUISA

Optamos por realizar um estudo de caso, por ser um tipo de pesquisa voltada

para a análise de determinada unidade social, no nosso caso, a sala de aula.

Nosso estudo, em particular, irá fazer uma análise comparativa relacionando o

comportamento das turmas trabalhadas com relação às práticas adotadas.

Nossa maior preocupação foi garantir a validade e confiabilidade de nossa

pesquisa, para isso, foram tomados os devidos cuidados para evitar contaminações das

análises e interpretações para garantir o rigor científico.

Porém, com o receio de não comprovar posições preconcebidas, todas as

possíveis evidências foram obtidas no decorrer do ano letivo, e constatadas através de :

Análise de comportamento dos alunos no decorrer do ano letivo e

interpretações das respostas dos questionários aplicados.

Resposta dos alunos às ações implementadas tais como: a cobrança das

tarefas devidamente cumpridas, a participação dos pais e aos recursos

adotados para contribuir para um clima prazeroso em sala de aula.

Desempenho escolar medido através de questões de avaliação

quantitativa dos assuntos abordados de diferentes formas em ambas as salas.

Dentre as constatações relatadas acima, é importante ressaltar a análise dos

discursos, pois como nosso estudo será aplicado pelo próprio pesquisador faremos

bastante uso dessa ferramenta de coleta de dados.

Para analisar o discurso é importante levar em consideração os aspectos verbais

e os paraverbais (pausas, entonação, hesitação etc.) e os aspectos não verbais (os gestos,

os olhares etc.) (MARTINS, 2008) Com esse intuito, todos os comportamentos

observados foram relatados diariamente, desde um simples comentário até um gesto.

Não apenas no âmbito dos alunos, mas, também, dos seus respectivos responsáveis.

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Apesar de tomados todos os cuidados necessários para a aplicação da pesquisa,

admitimos nossas implicações pessoais no estudo. Por mais "neutro"que possa parecer,

o pesquisador, principalmente em ciências humanas, pode ter seu olhar e análises

influenciados por suas expectativas, experiências, valores etc.

4.2.AS TURMAS PESQUISADAS

O estudo foi desenvolvido com duas turmas de 8° ano do ensino Fundamental

de uma escola da Prefeitura Municipal de Macaé. As turmas foram escolhidas de acordo

com as seguintes características comuns: ambas numerosas, composta por alunos

agitados e com baixo rendimento em matemática. Inicialmente, as turmas apresentavam

o seguinte perfis:

Turma Tradicional Turma Experimental

Estrutura

37 alunos. 41 alunos.

70% acima da idade/série. 60% com a idade correta por série.

58% meninos. 70% meninas.

Características

importantes

23% da turma não mora com a

mãe.

12% não moram com a mãe.

Mais da metade relatam não

estudar em casa.

58% alegam estudarem para as

provas.

Apesar de ser uma escola pública da prefeitura de Macaé, o questionário

constatou que ambas as turmas têm acesso a quase todos os aparelhos eletrônicos

usados como meios de comunicação, com exceção de internet em casa.

De forma geral, são raros os pais participantes da vida escolar dos filhos, fato

notável quando observamos que a maioria dos alunos alega não estudar para as provas e

não realizar deveres de casa. Este comportamento é recorrente nas duas turmas.

A respeito de fazer as tarefas de casa, a turma experimental se mostrou bem

equilibrada, metade afirma fazer sempre as tarefas e a outra metade só às vezes. Desde

que comecei a lecionar, outro fato perceptível em todas as escolas públicas é que a

maioria dos alunos não estuda para as provas.

A opinião dos alunos sobre a escola é bem positiva. Cerca de 70% dos alunos

entrevistados gostam da escola e reconhecem as qualidades que a escola apresenta, tais

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como: bons professores, a importância da escola na vida deles e as amizades

conquistadas nela.

Quando questionados sobre o que seria uma escola ideal, podemos observar o

impacto da falta de professores à medida que alguns alegam que uma escola ideal seria

uma escola com professores. Paralelo a isso, é relevante a frustração dos alunos pelo

fato da escola não possuir uma quadra de esportes.

A respeito das aulas, é senso comum que uma aula ideal seria aquela na qual o

professor explica bem e todos entendem. A postura do professor também é questionada

em algumas das respostas. Alguns alegam que os professores deveriam respeitar mais os

alunos, e ter mais paciência, inclusive questionando o fato de os professores gritarem.

Saber o que pensam e o que almejam nossos alunos é um importante passo para

proporcionar um clima de sala de aula favorável ao aprendizado.

4.3.PROPOSTAS ABORDADAS NA PESQUISA

O estudo consistiu de uma análise comparativa entre as turmas em questão. Na

turma tradicional, foram lecionadas apenas aulas tradicionais, ou seja, cópia do

conteúdo, exercícios de fixação e correção de exercícios. Não foi realizado um controle

sobre quem fazia ou não as tarefas.

Em contrapartida, na turma experimental, foram realizadas metodologias

focando os três fatores abordados por nossa pesquisa. Com relação aos conteúdos, as

aulas eram idênticas às da turma tradicional, com exceção de algumas aulas que foram

aplicadas de forma diferenciada. Para esta turma as atividades de casa e os vistos nos

cadernos eram semanais. Propusemos um “Caderno de atividades extras”, com o intuito

de o aluno adquirir um hábito de estudo, exigindo o registro do dia da semana, da hora

da realização da atividade extra, assim como a assinatura dos pais, para que estes

começassem a cobrar a feitura dos exercícios. As atividades extras não substituíram as

atividades de casa, sendo apresentadas somente as respostas.

Foram aplicadas algumas aulas diferenciadas na turma experimental, com o

objetivo de modificar o clima de sala de aula. Realizamos seis atividades, nas quais três

exigiam trabalho em equipe e eram atividades práticas, as demais trabalhavam a parte

de raciocínio lógico de cada um. Lembrando que todas as atividades realizadas foram

referentes ao conteúdo que estava sendo estudado pelas turmas, porém aplicadas

somente na turma experimental.

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Para “forçar” a participação dos pais na turma experimental foram tomadas

algumas medidas durante todo o ano letivo, entre elas:

Chamar os pais para conversar a respeito dos alunos, no caso dos alunos

indisciplinados e/ou com baixo rendimento.

Pedir o acompanhamento dos pais nas atividades de casa através do

“caderno de atividades extras”.

Propor atividades que exigissem a participação dos mesmos.

Pedir a assinatura dos pais nas avaliações realizadas pelos alunos.

Acreditamos que a educação moral e comportamental estão diretamente

relacionadas à educação cognitiva. Ao trabalhar o comportamento do aluno

desenvolvendo conteúdos atitudinais, estamos contribuindo para a aprendizagem da

matemática.

De acordo com o PCN de Matemática, é importante que o professor estimule os

alunos a desenvolver atitudes de organização, investigação e perseverança. Além disso,

é fundamental que eles adquiram uma postura diante de sua produção que os leve a

justificar e validar suas respostas e observem que situações de erros são comuns, e que a

partir delas também se pode aprender.

Dentro deste contexto, propor uma dinâmica cooperativa, favorecendo um clima

mais agradável durante as aulas e fazer o aluno sentir-se motivado a estudar foram

metodologias seguidas com rigor durante todo o ano letivo.

5. RESULTADOS

Após concluir um ano de pesquisa, os resultados nos indicam que podemos obter

muitos avanços no âmbito da sala de aula e proporcionar uma melhoria no desempenho

do ensino da matemática com simples ações. E não somente em relação ao desempenho,

mas também algumas mudanças de comportamento, através de metodologias que

desenvolvam responsabilidades e exijam comprometimento dos alunos com a escola.

Simples ações como determinar prazos, estabelecer critérios nos trabalhos

desenvolvidos fazem o aluno tornar-se mais comprometido com a aula. A educação não

consiste apenas em transmitir conteúdos. Educar é preparar o aluno para a vida.

Ações desse tipo em escolas públicas a princípio são criticadas e existem reações

contra essa prática, pois é comum o tratamento dado aos alunos da rede pública como

“coitadinhos”. No entanto, como podemos constatar na nossa pesquisa, podemos sim,

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tornar nossos alunos mais preparados para a vida através de simples práticas e,

consequentemente obter melhores resultados na disciplina.

Com o intuito de observar se nossos alunos realmente mudaram seus hábitos de

estudos e comportamentais durante o decorrer deste ano letivo, realizamos um

questionário que objetivou analisar detalhadamente se ocorreram algumas mudanças

comportamentais, principalmente, quanto à prática discente. Para isso refizemos

algumas perguntas realizadas no primeiro questionário, realizado no inicio do ano,

obtendo resultados interessantes.

Após as análises comparativas das respostas de ambos os questionários,

constatamos que praticamente todos os alunos concordam com a importância do dever

de casa. É opinião da maioria que os exercícios de casa ajudam a fixar o assunto

estudado em sala de aula fazendo-os estudar em casa.

Este último questionário confirmou as observações feitas no decorrer do ano.

Para complementar o resultado de nossa pesquisa, realizamos uma auto-avaliação em

ambas as turmas na realização da última avaliação. Foi pedido para cada aluno auto-

avaliar-se atribuindo ao seu desempenho durante o ano letivo uma nota de 0 a 100, e

justificando-a. Importante ressaltar que a aplicação do questionário, assim como a

realização das auto-avaliações foram aplicadas também na turma Tradicional.

De forma geral, nas auto-avaliações, os alunos da turma tradicional atribuíram

uma nota mediana para si, esta nota foi justificada através dos próprios

comportamentos, ou seja, devido às faltas e ao desinteresse aparente nos estudos.

Em contrapartida, na turma experimental, percebemos que a grande maioria

alega ter tido um bom desempenho no decorrer do ano letivo. Alguns confessaram não

terem sido bons alunos nos primeiros bimestres, mas que mudaram ao longo do ano,

apresentando um amadurecimento. Outros relataram terem estudado somente para

passar, confirmando que a cobrança aos exercícios pode ter uma influência positiva,

pois contribui para que o aluno adquira o hábito de estudar, pelo menos para as

avaliações.

Realizar auto-avaliações é uma prática interessante, pois ajuda o aluno a refletir

sobre suas ações e assumir suas responsabilidades de forma a reconhecer as

conseqüências por seus atos. No que se refere ao professor, pode ser um importante

indício do crescimento individual de cada aluno, pois somente o próprio é capaz de

analisar o seu desempenho de forma precisa. Muitas vezes, nós professores somos

incapazes de avaliar se o aluno não apresenta um bom desempenho por falta de interesse

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ou se realmente o aluno tem dificuldades cognitivas, por isso a importância da auto-

avaliação.

Para concluir nossa pesquisa, fizemos uso de alguns dados quantitativos que

podem nos auxiliar nas conclusões. A análise das notas obtidas pelos alunos durante os

quatro bimestres pode justificar algumas das observações obtidas no exame

comportamental.

Para compreendermos melhor os gráficos abaixo é importante esclarecer que o

1º e o 2º bimestres valem 20 pontos e que o 3º e o 4º valem 30, totalizando 100 pontos.

O desempenho dos alunos nas avaliações dos 1º e 2º bimestres, nas quais foram

aplicadas as aulas diferenciadas na turma experimental, pode ser observado através dos

gráficos a seguir:

1º BIMESTRE:

No primeiro bimestre, a turma tradicional apresentou melhor resultado do que a

turma experimental, fato que justificamos pela dificuldade que o aluno apresenta em

transpor algo ensinado de forma prática para a forma mecânica. Ou seja, enquanto a

turma experimental teve aulas práticas sobre determinados assuntos, a turma tradicional

realizou mais exercícios referente ao assunto de forma mecânica. Por outro lado,

podemos notar uma maior facilidade em aplicar o conteúdo à realidade quando

aprendido de modo tradicional. Acreditamos ser esta a razão da turma experimental

apresentar um percentual maior de alunos reprovados. Também atribuímos este fato

como uma reação às práticas metodológicas atribuídas a turma no decorrer deste

bimestre. O primeiro bimestre pode ser caracterizado como um período de reações às

novas regras, que de alguma forma, foram sendo impostas exigindo da turma algumas

mudanças de comportamento em relação aos estudos, como cumprimento das

atividades, prazos para entregas, entre outros.

38% 59%

3%

Turma Tradicional

0 - 5

6 - 9

10 - 15

16 - 20

10%

40% 50%

Turma Experimental

0 - 5

6 - 9

10 - 15

16 - 20

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Porém, no segundo bimestre, apesar de observar algumas mudanças

comportamentais na turma experimental, com relação ao desempenho das notas, não

constatamos grandes mudanças.

2º BIMESTRE

No entanto, sobre o comportamento, a turma experimental durante o ano letivo

foi se tornando mais responsável a cada aula, cumprindo os compromissos nos prazos

estabelecidos e apresentando-se mais comprometida com os estudos. Além disto, a

turma se apresentou mais concentrada durante as aulas, deixando de reclamar das

cobranças impostas. Atribuímos essa mudança de comportamento à metodologia

rigorosa aplicada na turma, à prática dos exercícios de casa associados a participação

dos pais.

Nas avaliações dos 3º e 4º bimestres já era possível notar que mais da metade da

turma passou a estudar antecipadamente para as provas. Praticamente todos realizavam

as tarefas e participavam ativamente das aulas. Com o retorno das aulas, a cobrança

tornou-se mais intensa por conta da redução dos dias letivos. Como conseqüência da

mudança comportamental, a turma experimental, muito cobrada durante todo o primeiro

semestre, manteve o ritmo e, ao contrário, na turma tradicional muitos acabaram

abandonando ou não entregando as atividades cobradas. de reposição e por conta disso,

ao fim do ano letivo, tivemos os seguintes resultados:

Turma Experimental

19% 12%

66%

3%

Turma Tradicional

0 - 5

6 - 9

10 - 15

16 - 20

24%

18% 47%

11%

Turma Experimental

0 - 5

6 - 9

10 - 15

16 - 20

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Turma Tradicional

Na turma experimental, os alunos desinteressados permaneceram até o fim do

ano, mesmo não cumprindo as tarefas, fato não ocorrido na outra turma, na qual os

alunos foram deixando de assistir às aulas, isto justifica o número de reprovações maior

na turma experimental. A turma tradicional apresentou um grande número de evadidos e

transferidos.

No que se refere ao desempenho quantitativo, ambas apresentaram resultados

muito próximos, considerando o número de aprovados em cada sala.

Na turma tradicional, a maior dificuldade era fazer os alunos assistirem as aulas.

A carência de alguns professores desmotivou demais os alunos. Por sua vez, na turma

experimental, temos a comprovação de que a participação dos pais é um fator

importante e pode ter um caráter decisivo. Os alunos cujos pais foram solicitados para

conversar sobre as notas no início do 3° Bimestre, foram os reprovados. Não aconteceu

uma efetiva participação destes responsáveis no processo de recuperação das notas,

mantiveram-se distantes da rotina escolar de seus filhos. Por outro lado, sua

participação ativa não implica que o aluno apresente um bom rendimento, como

exemplificamos nos relatos anteriores.

58% 32%

10%

Aprovados

Reprovados

Outros

54% 19%

27% Aprovados

Reprovados

Outros

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No que se refere às atividades de casa, os resultados obtidos foram além das

expectativas. O “caderno de atividades extras” que a principio causou um choque nos

alunos, pois não tinham o hábito de realizar exercícios de casa, gradativamente foi

atingindo o seu objetivo. E no decorrer do ano, conseguimos criar um hábito de realizar

exercícios. Notamos que a maioria dos pais se preocupa apenas com a permanência do

filho na escola e não com o acompanhamento escolar dos alunos.

Concluímos que os fatores abordados anteriormente, aliados ao planejamento e

comprometido do professor, quando associados de forma continuada, possibilitam

mudanças comportamentais nos alunos ao adquirirem mais responsabilidades e

comprometimento com a escola conforme observamos na turma experimental. Por outro

lado, a falta de cobrança, e aulas tradicionais não proporcionou muita motivação para os

alunos. Apesar de tudo, as turmas apresentaram resultados semelhantes, comprovando

que aulas tradicionais podem ser uma metodologia válida até para os dias atuais.

As diferenças entre as turmas se enfatizam no que diz respeito ao abandono e ao

comportamento da turma de forma geral. A turma experimental, durante o ano, teve

quatro alunos transferidos, enquanto a turma tradicional apresentou nove alunos

transferidos após muitas faltas, e dois abandonaram a turma.

Coincidentemente, a turma tradicional também sofreu com vários problemas

durante o ano letivo. Muitos fatores ocorridos justificam o grande número de alunos

desistentes, onde podemos constatar que o clima da sala de aula favorece o aprendizado

auxiliando na permanência do aluno na escola.

Acreditamos que um bom clima escolar dentro da sala de aula seja

extremamente importante para o ensino, fator defendido por muito pesquisadores. Não

nos referimos apenas a relação professor - aluno, mas as aulas experimentais que podem

estimular o aluno a estudar a disciplina.

Por outro lado, devido à importância desta relação não descartamos ser possível

obter bons resultados mesmo em aulas tradicionais. Para compreender bem matemática

é importante motivar o aluno a aprender. A importância da ciência e da tecnologia na

vida cotidiana fez com que a Matemática se transformasse em uma disciplina central

nas aprendizagens escolares (Casassus, 2007), por isso se faz necessário aulas

experimentais relacionando o conteúdo a problemas do dia a dia, sem descartar algumas

práticas tradicionais, ainda possuidoras de relativa importância.

De forma geral, acreditamos que o principal fator de extrema relevância para se

obter um bom rendimento escolar em Matemática, é o clima da sala de aula. Um clima

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favorável à aprendizagem, definido com situações de boa relação entre os alunos,

compreensão do conteúdo abordado, ausência de brigas, são ações que incentivam os

alunos a comprometerem-se com os estudos.

A grande revelação de nossa pesquisa foi a turma Tradicional, que apesar de não

ter recebido cobrança similar da turma experimental, os aluno apresentaram bons

resultados comparados a Turma Experimental.

Acreditamos que, mesmo com todos os problemas nos quais nos deparamos nas

escolas, podemos realizar algumas mudanças significativas no rendimento de nossos

alunos apenas fazendo uso da única ferramenta que temos: a nossa prática. E sugerimos

que, em sua pratica pedagógica, todos os professores realizem estudos de casos com

suas turmas.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. Escola como extensão da família ou família

como extensão da escola? O dever de casa e as relações família-escola. Rev.

Bras. Educ. [online]. 2004, n.25, pp. 94-104. ISSN 1413-2478.

CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. O dever de casa como política educacional e

objecto de pesquisa. Revista Lusófona de Educação, 2006, 8, 85-102

CASASSUS, Juan. A Escola e a desigualdade. Brasília: Unesco e Liber Livros, 2007

BRASIL. MEC, Parâmetros Curriculares Nacionais. Livro III – Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro03.pdf. Acessado em: 04/05/11

FESP - Fundação Escola do Serviço Público . Escola e família: Dez questões atuais

sobre o relacionamento professores/pais/comunidade. Fundação Escola do

Serviço Público/Jornal “Extra” - 2007

GOMES, Cândido A. A escola de qualidade para todos: Abrindo as camadas da

cebola. Ensaio: Aval. Pol. Públi. Educ, Rio de Janeiro, v.13, n.48, jul/set, 2005,

p. 281-306.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996.

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MARTINS, Gilberto de Andrade. Estudo de Caso: uma estratégia de pesquisa, 2º

Edição, São Paulo, Editora Atlas S.A. - 2008