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SOCIEDADES DE IN-SEGURANÇA E NOVOS MUROS
DECONTENÇÃO TERRITORIAL
Rogério Haesbaert Universidade Federal Fluminense - RJ
Festa da Geografia, Mirandela, 2010
Questão
Num mundo dito globalizado, fluido, “desterritorializado”, em que uma das questões centrais em torno das quais
gira a política é a questão da segurança, que papel pode (ainda) exercer o território no exercício das relações de poder, especialmente
através da construção de
novos muros?
Proposição
Muito mais do que simplesmente marcado pela fluidez e pela “desterritorialização”, o mundo vive hoje o
paradoxo da abertura e da multiplicidade crescente dos territórios (na exacerbação de uma
MULTITERRITORIALIDADE, especialmente para aqueles que efetivamente controlam sua mobilidade)
e, ao mesmo tempo, o fechamento e o exclusivismo de territórios em nome da auto-segregação e/ou da
CONTENÇÃO TERRITORIAL
(especialmente dos grupos subalternos, na restrição a sua mobilidade compulsória em busca de melhores
condições de vida)
Alguns pressupostos conceituais
Território/Des-territorialização
relações espaço - poder
Poder - relacional - toda relação social tb relação de poder (resistência tb é poder)
crescente poder simbólico
Macro e micro-poderes / territórios
Ênfase a seu exercício / prática - o que se faz com ele (ex. muro de uma prisão - quem está des-territorializado?)
Território (e poder) construído nos processos e lutas sociais, hegemônicos e de resistência
Contextualização geo-histórica
o território se define antes de tudo com referência às relações sociais e ao contexto geo-histórico em que está inserido, os elementos-chave responsáveis [e os sujeitos envolvidos] por essas relações diferindo
consideravelmente ao longo do tempo e do espaço (Haesbaert, 2004)
Foto do Autor, 1992
Limites da “civilização”: Muralha da China (III a.C.)Limites da “civilização”: Muralha da China (III a.C.)
Foto do autor, 2010
Limites da “civilização”: Muro de Adriano / “limes” romano (122 d.C.)Limites da “civilização”: Muro de Adriano / “limes” romano (122 d.C.)
Confronto de dois blocos: muros da Guerra Fria Muro de Berlim (1961-1989)
Confronto de dois blocos: muros da Guerra Fria Muro de Berlim (1961-1989)
Foto: 1992 (parte preservada do muro para turismo)
Confronto de dois blocos: muros da “Guerra Fria” Coreias (1953 / 1977-1979)
Confronto de dois blocos: muros da “Guerra Fria” Coreias (1953 / 1977-1979)
Foto: Alexandra Novosseloff (In: Des Murs entre les Hommes. Paris: La Documentation Française. 2007) - Euilji, Coreia do Sul
Distintas formas de poder... e de territorialização
Enquanto a soberania capitaliza um território, colocando o problema maior da sede do governo
[Estado], enquanto a disciplina arquiteta um espaço e se põe como problema essencial uma
distribuição hierárquica e funcional dos elementos [indivíduos-corpos], a segurança vai tentar ordenar
um meio em função de acontecimentos ou de séries de acontecimentos (...) O meio é o suporte e o elemento de circulação de uma ação, (...) aquilo em que se faz a circulação” [da “população” - o homem enquanto espécie / biopoder] (Foucault,
2004)
Sociedades de (in)segurança
Não se trata mais de estabelecer e dominar um território, mas deixar as circulações se fazerem, controlar as circulações, separar as boas das ruins (...) de uma
maneira tal que os perigos inerentes a essa circulação sejam anulados. Não mais segurança do príncipe e do
seu território, mas segurança da população e, por conseguinte, dos que a governam.
(Foucault, 2008:85 [Segurança, Território e População])
Esse Estado de governo, que tem essencialmente por objeto a população e que se refere a e utiliza a
instrumentalização do saber econômico, corresponderia a uma sociedade controlada pelos dispositivos de
segurança. (p. 145-146)
Hoje enfrentamos os mais extremos e perigosos desenvolvimentos no pensamento da segurança.
Ao longo de uma gradual neutralização da política e a progressiva capitulação das tarefas tradicionais do Estado, a segurança se tornou o
princípio básico da atividade do Estado. Um Estado que tem a segurança como sua única
tarefa e origem de legitimidade é um organismo frágil; ele sempre pode ser provocado pelo
terrorismo para se tornar, ele próprio, terrorista. (Agamben, 2002)
No seu extremo: Estado de Exceção em que a exceção (“desejada”) se torna a regra
Sociedades Disciplinares e de Segurança
Instituições “globais”- segurançaTerritórios-Rede (T-DT)
Instituições “locais” disciplinaresTerritório-Zona (DT-RT)
Redes flexíveis moduláveis,limites fluidos, segregação
Moldagens fixas, “territoriais”,limites claros, hierarquias
Guerras civis, “ação de polícia”,conflitos dispersos e interiores
Guerras inter e anti-imperialistascontra o “Outro”, o de “fora”
Homem endividadoIdentidades móveis e híbridas
Homem produtor (confinado)Identidades-padrão estáveis
Controle de curta duração erotação rápida, contínuo e
ilimitado (virtual) – “Segurança”
Disciplina de longa duração,descontínua
Confinamento - Reclusão
Biopoder Massa,População, Espécie
Poder Disciplinar Indivíduo,Corpo
2a. Metade Séc. XX(Globalização ou “Império”)
Sécs. XVIII e XIX – início séc. XX(Imperialismo,Capitalismo Fabril)
Segurança eContenção Social
• Contenção: de usos mais estritos como os do campo jurídico (sistema penal) e do planejamento territorial (“contenção [da expansão] urbana”) para a esfera mais ampla da sociedade como um todo (“contenção social”)
• Do Estado do bem-estar (nos países centrais) ao Estado de contenção social ou penal (há mais tempo conhecido da periferia): mecanismos de controle/vigilância generalizados
enquanto a disciplina “quer produzir a ordem, a segurança quer regular a desordem”. (Agamben, 2002:145)
• Diante da crise da “reclusão” disciplinar pelo próprio aumento da precarização social: medidas de contenção territorial
(da mobilidade)
I-mobilidade e Contenção
• Questão central: (i)mobilidade / circulação (especialmente de pessoas - seja enquanto força de trabalho, seja
enquanto grupos culturais)
Ideal de mobilidade irrestrita / multiterritorialidade para a globalização hegemônica e mobilização restringida (contenção) para os subalternizados
• Daí a questão sob um prisma geográfico: como “regular a desordem” – espacial/territorial – num mundo dito cada vez mais móvel, fluido, globalizado
-> contenção territorial
Contenção Territorial
Reclusão simulada/fracassada = contenção territorial
Contenção: efeito-barragem ou represa (tb. no sentido simbólico); caráter provisório, paliativo, do fechamento/cerceamento/ constrangimento. Contidos por um lado, podem fluir ou proliferar por outro. Impedimento ou restrição à expansão/ proliferação pode significar (com o tempo) maior efeito-pressão.
Contenção = não-enfrentamento, evitação, fugir do problema real, atacando apenas seus efeitos (“ataca o fluxo, não a fonte”). Resta sempre a possibilidade de reconstituição da dinâmica em novas bases.
Formas deContenção Territorial
Duas formas básicas em sentido mais estrito, de tentativas de “contenção” biopolítica das “populações”
novos muros de contenção : tanto a nível internacional (v. mapa) quanto a nível intra-urbano (v. favelas do Rio) - contenção da expansão desses “aglomerados” (enquanto “territórios de des-controle” e/ou ecologica e sanitariamente “insustentáveis”)
“campos” de exceção (Agamben: “exclusão por inclusão”/ “captura fora” - Territórios de indistinção entre exceção e regra, lícito e ilícito: campos de refugiados, de controle de imigrantes, prisões de “terroristas”.
Novos Muros na Globalização
Muros de Contenção na Globalização EUA-México (1994 /2006...)
Muros de Contenção na Globalização EUA-México (1994 /2006...)
Foto: Alexandra Novosseloff (In: Des Murs entre les Hommes. Paris: La Documentation Française. 2007) -Playa Tijuana, México
Muros de Contenção: Melilla (Espanha-Marrocos, 1995)Muros de Contenção: Melilla (Espanha-Marrocos, 1995)
Foto: Alexandra Novosseloff (In: Des Murs entre les Hommes. Paris: La Documentation Française. 2007)
Muros de Contenção (e Confinamento) Israel-Palestina (2002...)
Muros de Contenção (e Confinamento) Israel-Palestina (2002...)
Muros de Contenção Intra-Periféricos Cerca Eletrificada Botswana-Zimbábue
(2003)
Muros de Contenção Intra-Periféricos Cerca Eletrificada Botswana-Zimbábue
(2003)
(...) graças aos muros, uma soberania estatal e um imaginário nacional em declínio se confortam mutuamente. Muros visíveis
respondem à necessidade de contenção e de limites num mundo tornado demasiadamente global, num universo que
perdeu demais seus horizontes. Eles produzem um “nós”, uma identidade e uma política nacionais espacialmente delimitadas,
a fim de remediar a crise de autonomia política, de homogeneidade demográfica, ou de uma história, de uma
cultura e de valores partilhados. (p. 185)
No próprio momento em que a demografia e a economia mundiais vêm minar as identidades políticas e econômicas
ontologizadas, os muros as ressuscitam sob os planos ótico e psíquico, projetando a bondade sobre os dominantes (vítimas)
e a hostilidade, a violência, a perfídia ou a cobiça sobre os dominados. (Brown, 2009:191)
Muros de Contenção (“ecolimites”) na escala intra-urbana em Favela carioca (2009)
Muros de Contenção (“ecolimites”) na escala intra-urbana em Favela carioca (2009)
Foto: Vicente Coelho, 2010 (Favela Santa Marta)
Trecho remanescente de favela murada num dos bairros classe média alta de São Paulo (Vila Olímpia) - ao lado de uma das lojas mais caras da cidade (Daslu, ao fundo)
Foto do Autor2009
Basicamente essas barreiras físicas, paralelamente aos “campos” de contenção, estão sendo propostas e construídas visando o
fluxo de pessoas, de migrantes, de refugiados, de fluxos ilegais, em síntese, de “criminosos” (que, alegadamente, pelo simples fato de sua “ilegalidade”, todos seriam), em nome de discursos xenófobos pautados no medo (do terrorismo, dos tráficos, dos próprios pobres, “classes perigosas”) e na insegurança frente
às diversas “ameaças” ou “riscos” imputados ao Outro, ao diferente, àquele que deve permanecer “do outro lado”. Como se o “outro lado”, num mundo globalizado como o nosso, ainda
pudesse ser claramente discernível, e a ilusão da fronteira murada, neste sentido, pudesse também ressuscitar,
simbolicamente, o sentido do território clássico que separava pela reclusão “nós” e os “outros”, os “normais” e “confiáveis”
dos “perigosos” ou “anormais”.
Contenção -> Contorno(e auto-contenção)
“Contenção”, como técnica de evitação, implica sua contra-face indissociável, o “contorno”, o ato de contornar, de circundar, de rodear, uma verdadeira estratégia de sobrevivência – e também uma “arte” (“arte de contornamento” para Fresia, 2004) utilizada por aqueles que desenvolvem uma habilidade especial em “transitar entre fronteiras” (do legal e do ilegal, do “deter-se” e do “avançar”...). Subordinados ao que Francisco de Oliveira denominou de mera “administração da exceção”, são populações que vivem “contornando” dois grandes riscos, o da morte violenta e o de ficar subordinado à caridade ou ao assistencialismo alheio (Telles, 2007). Muitas vezes são alvo fácil de grupos ainda mais violentos, pautados por “leis/normas de exceção” e estratégias de (auto-)contenção ainda mais autoritárias do que as do próprio Estado, como no caso do narcotráfico e das milícias nas favelas do Rio de Janeiro.
Fechamento de ruas/(auto-)contenção territorial pelo narcotráfico e as milícias
Fotos: Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 2008
Tipo de Fechamento Total de
Ocorrências (1 ano / 2007-08)
Ruas/rodovias 41 Fechamento de vias de circulação pelo narcotráfico
Ferrovias Estações de trem
4
12 Fechamento do comércio 9 Fechamento de escolas 7 Fechamento de hospitais públicos 1 Fechamento de central ilegal de televisão a cabo e de internet pela polícia
3
Fechamento de espaços públicos (privatização ilegal de praças e ruas / loteamento [venda de terrenos] ilegal pelas milícias)
7
Paiol 3 “Fortalezas”/Postos de observação
6
Refinarias de droga 2 Esconderijos 2
Fechamento / Destruição de “aparelhos” do narcotráfico pela polícia Local de assistência
médico-hospitalar 1
Posto de observação 1 Fechamento / Destruição de “aparelhos” das milícias pela polícia
Posto de rádio-difusão
1
Nada é mais importante do que uma revisão do conceito de segurança como princípio básico da política de Estado. Os
políticos europeus e americanos finalmente têm de considerar as conseqüências catastróficas do uso geral acrítico desta figura de pensamento. Não é que as democracias deveriam deixar de se
defender; mas, talvez a hora de trabalhar no sentido da prevenção da desordem e da catástrofe tenha chegado, não
meramente no sentido de seu controle [contenção]. Ao contrário, podemos dizer que a política trabalha secretamente no
sentido da produção de emergências. É a tarefa da política democrática impedir o desenvolvimento das condições que
conduzem ao ódio, ao terror e à destruição [tb. econômica] – e não se limitar às tentativas de controlá-los [contê-los], uma vez
que já ocorreram. (Agamben, 2002:147)
Quanto aos subalternos, cabe-lhes superar as simples “artes/técnicas do contornamento” por uma reconfiguração do Estado (social-economicamente justo) e das territorialidades - rumo a uma efetiva multiterritorialidade ao mesmo tempo não-
segregadora e promotora da diversidade humana
“sociedade de segurança”:biopoder (Foucault)
“sociedade de controle”:novas tecnologias de vigilância (Deleuze)
“sociedade de risco” (Beck)
“capitalismo de catástrofe” (Klein)
• Ambivalência da contenção: também no sentido de que, ao “contermos” o Outro, de alguma forma “contemos” também a nós mesmos, muitas vezes impedidos de livremente transitar ou entrar. Impedir a expansão do outro significa também, de alguma forma, alimentar o nosso retraimento. Retraimento muito evidente em gated communities, condomínios fechados.
• ... Assistencialismo – incluída aí, devemos acrescentar, a chamada “intervenção humanitária”, tão em voga na sociedade biopolítica de segurança como forma, ainda que indireta, de legitimar a própria intervenção armada e, por parte dos próprios grupos subalternos, a “auto-contenção” como aquela promovida pelas milícias.
Governamentalidade
Estado de justiça - territorialidade feudal - soc da lei
Estado administrativo - territorialidade fronteiriça - sociedade de regulamentos e disciplinas
Estado de governo (governamentalidade) - “não definido essencialmente por sua territorialidade, pela superfície ocupada, mas por uma massa de população, com seu volume, densidade...”(2008:145) reprodução (natalidade, mortalidade...) - biopolítica
Esse Estado de governo, que tem essencialmente por objeto a população e que se refere a e utiliza a instrumentalização do saber econômico, corresponderia a uma sociedade controlada pelos dispositivos de segurança. (p. 145-146)
Contenção dos “aglomerados de exclusão”
• Aumento da polarização e da desigualdade sociais - “aglomerados de exclusão/precarização” – questão: sua reprodução e mobilidade, associados que passam a ser com violência, “valores culturais retrógrados”, “nova barbárie”, difusão de epidemias...
Isto implica identificar e colocar em primeiro
plano os sujeitos da des-re-territorialização, ou seja, quem des-territorializa quem e com que objetivos. Permite também perceber o
sentido relacional desses processos, mergulhados em teias múltiplas onde se
conjugam permanentemente distintos pontos de vista e ações que promovem aquilo que
podemos chamar de territorializações desterritorializadoras e desterritorializações reterritorializantes. (Haesbaert, 2004:259)
Estado de Segurança ou Penal
A destruição deliberada do Estado social e a hipertrofia súbita do Estado penal transatlântico no curso do último quarto de século são dois desenvolvimentos concomitantes e complementares.
Cada um a seu modo, eles respondem, por um lado, ao abandono do contrato salarial fordista e do compromisso
keynesiano em meados dos anos 70 e, por outro, à crise do gueto como instrumento de confinamento dos negros [espécie de “reclusão” da sociedade disciplinar] em seguida à revolução dos direitos civis e aos grandes confrontos urbanos da década
de 60. (Wacquant, 2003:55)
• Estado de segurança/policial – repressão/”contenção” generalizada, incluindo a terceirização da segurança (milícias, grupos paramilitares, seguranças privadas)
(...) graças aos muros, uma soberania estatal e um imaginário nacional em declínio se confortam mutuamente. Muros visíveis
respondem à necessidade de contenção e de limites num mundo tornado demasiadamente global, num universo que
perdeu demais seus horizontes. Eles produzem um “nós”, uma identidade e uma política nacionais espacialmente delimitadas,
a fim de remediar a crise de autonomia política, de homogeneidade demográfica, ou de uma história, de uma
cultura e de valores partilhados. (p. 185)
No próprio momento em que a demografia e a economia mundiais vêm minar as identidades políticas e econômicas
ontologizadas, os muros as ressuscitam sob os planos ótico e psíquico, projetando a bondade sobre os dominantes (vítimas)
e a hostilidade, a violência, a perfídia ou a cobiça sobre os dominados. (Brown, 2009:191)
(...) graças aos muros, uma soberania estatal e um imaginário nacional em declínio se confortam mutuamente. Muros visíveis
respondem à necessidade de contenção e de limites num mundo tornado demasiadamente global, num universo que
perdeu demais seus horizontes. Eles produzem um “nós”, uma identidade e uma política nacionais espacialmente delimitadas,
a fim de remediar a crise de autonomia política, de homogeneidade demográfica, ou de uma história, de uma
cultura e de valores partilhados. (p. 185)
No próprio momento em que a demografia e a economia mundiais vêm minar as identidades políticas e econômicas
ontologizadas, os muros as ressuscitam sob os planos ótico e psíquico, projetando a bondade sobre os dominantes (vítimas)
e a hostilidade, a violência, a perfídia ou a cobiça sobre os dominados. (Brown, 2009:191)