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Sociologia Da Educacao

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Page 1: Sociologia Da Educacao

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Page 2: Sociologia Da Educacao

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad

GOVERNADOR DO ESTADO Wellington Dias

REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ Antonio José Medeiros

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC Carlos Eduardo Bielschowsky

DIRETOR DE POLITICAS PUBLICAS PARA EaD Hélio Chaves

COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Celso Costa

COORDENADOR GERAL DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes

SUPERITENDÊNTE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO ESTADO Eliane Mendonça

DIRETOR DO CENTRO DE CIENCIAS DA NATUREZA

Helder Nunes da Cunha

COORDENADOR DO CURSO NA MODALIDADE EAD

Miguel Arcanjo Costa

COODENADORA DE MATERIAL DIDÁTICO DO CEAD/UFPI Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira

Page 3: Sociologia Da Educacao

3

Este texto é destinado aos estudantes aprendizes que participam do Programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí (UAPI), vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Centro Federal de Ensino Tecnológico do Piauí (CEFET-PI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, através da Secretaria de Educação.

O texto é composto de quatro unidades, contendo itens e subitens, que discorrem sobre a Sociologia Geral e a Sociologia da Educação propriamente dita;

Na unidade 1 abordarei o contexto histórico do surgimento da Sociologia como ciência. Apresentarei também as disciplinas que têm afinidades com a Sociologia.

Na unidade 2 enfatizarei as primeiras formas de pensamento social, como também os procedimentos teórico-metodológicos dos pensadores clássicos, como o francês Émile Durkheim, com o método positivista-funcionalista; o alemão Karl Marx, com o seu método histórico e dialético; e o também alemão Max Weber, com o método compreensivista.

Na unidade 3 apresento a análise da educação na perspectiva marxista, durkheimiana e weberiana.

Na unidade 4 contextualizarei a Sociologia da Educação propriamente dita, abordando a sua importância; analisando a função da escola na sociedade capitalista; a sua trajetória desde o funcionalismo até o pós-modernismo; o seu papel no processo socializador; e as explicações sociológicas para o contexto brasileiro com reflexos na educação. Além do mais, ela será compreendida como Espaço Sócio-Cultural na versão de Juarez Dayrel.

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1 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 08

1.1 O Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia 08

1.2 Disciplinas que têm Afinidades com a Sociologia 11

1.3 Para Saber Mais 17

Atividade 1 17

1.4 Sugestão de Filme 18

2 AS FORMAS DE PENSAMENTO SOCIAL 23

2.1 O Positivismo como Primeira Forma de Compreensão da Vida Social.

23

2.2 As Correntes Sociológicas 24

2.2.1 Durkheim e o Positivismo-funcionalismo 25

2.2.2 Marx e o Materialismo Histórico e Dialético 30

2.2.3 Weber e o Compreensivismo 35

Atividade 2 38

2.3 Sugestão de Filme 38

3 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA MARXISTA, DURKHEIMIANA E WEBERIANA

42

3.1 Educação em Marx 42

3.2 Educação em Durkheim 44

3.3 Educação em Weber 45

Atividade 3 47

4 A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA

50

4.1 Para que Estudar Sociologia da Educação 50

4.2 A Sociologia da Educação: Entre o Funcionalismo e o Pós-modernismo

55

4.3 A Função da Escola na Sociedade Capitalista 63

4.4 Educação como Processo Socializador: Função 67

Page 5: Sociologia Da Educacao

5

Diferenciadora e Função Homogeneizadora

4.5 Explicações Sociológicas para o Contexto Brasileiro e seus Reflexos na Educação

72

Atividade 4 87

4.6 A Escola como Espaço Sócio-Cultural 94

4.7 Referência Bibliográfica 128

Page 6: Sociologia Da Educacao

6

Page 7: Sociologia Da Educacao

7

1 A SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA 08

1.1 O Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia 08

1.2 Disciplinas que têm Afinidades com a Sociologia 11

1.3 Para Saber Mais 17

Atividade 1 17

1.4 Sugestão de Filme 18

Page 8: Sociologia Da Educacao

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1 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA

1.1 Contexto Histórico do Surgimento da Sociologia

A Sociologia é uma ciência que estuda o comportamento

humano, os meios de comunicação em função do meio e os

processos que interligam o indivíduo em associações, grupos e

instituições. Ela estuda os fenômenos que ocorrem quando vários

indivíduos se encontram em grupos de tamanhos diversos, e

interagem no seu interior.

A Sociologia como ciência surgiu como um conjunto de idéias

a respeito do processo de constituição, consolidação e

desenvolvimento da sociedade moderna. Ela é fruto da revolução

industrial e é denominada de “ciência da crise” porque procurou dar

resposta às questões sociais impostas por essa revolução que, num

primeiro momento, alterou a sociedade européia e, depois, o mundo

todo.

A Sociologia como “ciência da sociedade” não surgiu de

repente ou da reflexão de algum autor iluminado. Ela representa o

resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se

empenharam em compreender as novas transformações que

estavam em curso. Ela é fruto de todo o conhecimento sobre a

natureza e a sociedade, que se desenvolveu a partir do século XV.

Mas a sua formação constitui um acontecimento complexo para o

qual concorrerá uma constelação de circunstâncias históricas e

intelectuais, e determinadas intenções práticas que se iniciam com a

desagregação da sociedade feudal e a consolidação da civilização

capitalista.

O século XVIII foi um século de profundas transformações

políticas e econômicas na sociedade européia que posteriormente se

expandiram para o resto do mundo. As transformações políticas em

decorrência da Revolução Francesa, de 1789, levaram a uma

transformação no modelo político e administrativo das nações

européias. O fim da monarquia absolutista fez surgir outras formas

Sociologia: A palavra Sociologia é um

vocábulo composto da palavra latina societas (sociedade, socius = companheiro) e da palavra grega logos (estudo, ciência). A

Sociologia é, então, a ciência da sociedade, da associação ou do

companheirismo. Assim, a Sociologia é o

estudo científico das formas fundamentais da

convivência humana.

Revolução Francesa é o nome dado ao

conjunto de acontecimentos que,

entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de

1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa

estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e

da nobreza. Foi influenciada pelos ideais

do Iluminismo e da Independência

Americana (1776). Está entre as maiores

revoluções da história da humanidade.

Page 9: Sociologia Da Educacao

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de organização política coniventes com as transformações

econômicas causadas pela Revolução Industrial da segunda

metade do século XVIII. Surge aí o Estado burguês. Os pensadores

iluministas eram os ideólogos da burguesia que atacavam os

fundamentos da sociedade feudal e os privilégios de sua classe

dominante (nobreza, clero), que restringia os interesses econômicos

e políticos da burguesia nascente. Foi este contexto que antecedeu a

Revolução Francesa.

A Revolução Industrial representa o triunfo da sociedade

capitalista, onde os empresários passaram a controlar os meios de

produção e, por outro lado, as grandes massas das classes

trabalhadoras desprovidas dos meios de produção, detentores

apenas de força de trabalho, que passaram a ser submetidos ao

dono do capital. A nova forma de produção da vida material, a partir

de então, faz surgir uma nova forma organização da vida social. A

utilização da máquina na Revolução Industrial, além de destruir o

artesanato, submete o trabalhador a uma nova disciplina onde, a

partir daquele momento, toda a produção dá-se numa linha de

trabalho produtivo. E na linha do trabalho produtivo o trabalhador não

se reconhece como produtor de bens de consumo. A partir daquele

momento, ele passa a trabalhar como um robô, ou seja, no trabalho

automatizado e repetitivo, onde ele não participa de todas as etapas

da produção e como consequência ele perde a capacidade do saber

produtivo que a partir de agora é apropriado pelo capitalista.

O novo modo produção interferiu também na forma de

organização familiar, desmantelou a família patriarcal, passando, a

partir daquele momento, a predominar a família nuclear.

Com os cercamentos dos campos para a criação de ovelhas

para abastecer a indústria têxtil e com o desenvolvimento da

Revolução Industrial, ocorre uma grande migração do campo para a

cidade à procura de trabalho, tendo como consequência um

excedente de mão-de-obra. Isso faz com que o capitalista passe a

explorar o trabalho de crianças e mulheres, com jornadas de 12 a 14

horas diárias de trabalho, salários de subsistência, cidades sem as

Revolução Industrial consistiu em um conjunto de

mudanças tecnológicas com

profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na

Inglaterra, em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir

do século XIX.

Podemos definir meios de produção ou

também modos de produção, como o

conjunto formado pelos "meios de trabalho" e

pelos "objetos de trabalho", além da maneira como a

sociedade se organiza economicamente. Os

meios de trabalho incluem os

"instrumentos de produção" (máquinas,

ferramentas), as instalações (edifícios,

armazéns, silos etc.), as fontes de energia

utilizadas na produção (elétrica, hidráulica,

nuclear, eólica etc.) e os meios de transporte.

Page 10: Sociologia Da Educacao

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menores condições de saneamento devido à rápida urbanização

como consequência da industrialização, e como resultado, a

prostituição, o suicídio, o alcoolismo, infanticídio, a criminalidade, a

violência, as epidemias etc.

Em decorrência da Revolução Industrial e da situação de

exploração em que passa a viver a classe proletária, esta inicia o seu

papel histórico como classe revolucionária na sociedade capitalista.

As manifestações que se sucederam como forma de negar suas

condições de vida se materializaram em destruir máquinas, praticar

sabotagem, roubos, crimes, criação de associações, formação de

sindicatos etc. Passaram a produzir jornais criticando o modelo

capitalista e inclinando-se para a nova forma de organização social,

onde desapareceriam as classes sociais.

Diante de todos esses acontecimentos que tornam visíveis as

dinâmicas da vida social, a sociedade coloca-se em um plano de

análise, em objeto que deveria ser investigado de forma científica,

fugindo das explicações metafísicas ou espirituais.

Uma coisa havia em comum entre os pensadores que

testemunhavam as transformações da época: apesar de pertencerem

a correntes de pensamentos diferenciados, como liberais,

conservadores, socialistas etc., eles compartilhavam do mesmo

pensamento – de que a sociedade capitalista era passível de ser

analisada cientificamente. A partir daquele momento, o pensamento

vai renunciando a visão sobrenatural de explicar os fatos e passa a

buscar explicações racionais para as modificações que ocorriam na

sociedade daquela época. O que até então era fenômeno passou a

ser explicado pelo método científico com a aplicação da observação

e da experiência, ou seja, aquilo que tinha uma autoridade teológica

deveria ceder lugar a uma dúvida metódica para que a objetividade

dos fatos passasse a ser conhecida.

Em suma, o surgimento da Sociologia prende-se, em parte,

aos desenvolvimentos oriundos da Revolução Industrial, pelas novas

condições de existência por ela criada. Mas uma outra circunstância

Sindicalismo é o movimento social de

associação de trabalhadores

assalariados para a proteção dos seus

interesses. Ao mesmo tempo, é também uma

doutrina política segundo a qual os

trabalhadores agrupados em sindicatos devem ter

um papel ativo na condução da sociedade.

O Socialismo é um sistema sócio-político

caracterizado pela apropriação dos meios

de produção pela coletividade. Abolida a

sua propriedade privada destes meios, todos se

tornariam trabalhadores, tomando parte na

produção, e as desigualdades sociais

tenderiam a ser drasticamente reduzidas

uma vez que a produção, sendo social,

poderia ser equitativamente

distribuída.

Page 11: Sociologia Da Educacao

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concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações

que vinham ocorrendo nas formas de pensamento, originadas pelo

Iluminismo. As transformações econômicas que se achavam em

curso no ocidente europeu desde o século XVI não poderiam deixar

de provocar modificações na forma de conhecer a natureza e a

cultura.

1.2 Disciplinas que têm Afinidades com a Sociologia

A falta de entrosamento entre as disciplinas tem sido um

equívoco grave cometido pelas escolas no Brasil e, por isso, hoje, os

professores estão sofrendo as consequências da ausência dessa

interdisciplinaridade em sua formação.

Isso ocorria porque cada professor preparava o seu programa

sem conhecer o dos companheiros. E os motivos que levavam à falta

de entrosamento entre os professores eram: a falta de tradição de

trabalho em equipe; a vaidade de muitas pessoas, que não querem

precisar da contribuição dos outros; o excesso de encargos dos

professores – muitos deles iam à escola somente para dar aula; a

falta de embasamento filosófico. Isso dificultava uma visão integrada

do processo educativo.

Hoje os Programas Curriculares Nacionais (PCN’s)

propõem uma visão interdisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar,

no sentido de fundir os conteúdos curriculares.

Saiba mais:

Veja mais sobre o surgimento da Sociologia

www.alunosonline.com.br/sociologia

www.brasilescola.com/sociologia

Iluminismo é um conceito que sintetiza diversas tradições filosóficas,

correntes intelectuais e atitudes religiosas. Ainda que importantes autores contemporâneos venham ressaltando as origens do Ilumunismo no século XVII

tardio, não há consenso abrangente quanto à

datação do início da era do Iluminismo. Boa parte dos acadêmicos simplesmente utilizam o início do século

XVIII como marco de referência, aproveitando a

já consolidada denominação Século das

Luzes. O término do período é, por sua vez,

habitualmente assinalado em coincidência com o

início das Guerras Napoleônicas (1804-15).

Os Parâmetros Curriculares

Nacionais são diretrizes

elaboradas pelo Governo Federal que orientam a

educação no Brasil e são separados

por disciplina.

Page 12: Sociologia Da Educacao

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Sociologia e Filosofia da Educação

Nas escolas que trabalham com educação é importante o

entrosamento da Sociologia com a Filosofia da Educação, que as

duas disciplinas caminhem juntas na produção de saberes. Os fatos

têm de ser estudados junto com os valores, embora a Sociologia

busque a objetividade dos fatos.

Os sociólogos modernos têm de saber distinguir em que

medida seus juízos de valor afetam a atitude científica. Eles têm de

ser imparciais; não podem tomar posição, mas seus valores estão

imbuídos na investigação dos fatos.

A Filosofia deve estabelecer os fins a que se propõe a

educação e os valores desta, ou seja, a educação não é

simplesmente o repasse de informações, é também a formação

humanística do homem, por isso, ela tem valores. E deve também

distinguir quais são os valores permanentes e quais são os

determinados por momentos históricos. Como por exemplo: os

valores de manutenção da vida são permanentes; valores de uma

sociedade de consumo são históricos, são modernos; valores que se

dão à educação sistematizada são modernos e históricos.

A Sociologia da Educação busca na Filosofia os valores a

partir dos quais se elabora a teoria da educação, e volta à Sociologia

para ver como a educação interage na sociedade.

Ela oferece o ponto de partida e de chegada para todo o

conhecimento humano, uma vez que a mesma elabora as perguntas

que angustiam o homem, como também se encarrega de dar as

respostas.

Page 13: Sociologia Da Educacao

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Sociologia e Psicologia

Na Psicologia, a falta de conhecimento sociológico pode levar

a uma visão deformada dos problemas psíquicos. Tendemos a ver os

problemas como reflexos de uma situação isolada e individual.

Para entendermos a sociedade, temos de entender a psique

humana. O homem é individual e interage com os outros, formando o

social.

À Sociologia cabe integrar um caso isolado do contexto global

em que estão inseridos o indivíduo e sua família, mostrando os

condicionamentos sociais e culturais que explicam a maior parte das

afecções psíquicas do homem.

Sociologia e Ciência Sociais

A Sociologia ocupa-se dos aspectos da vida do homem e seu

relacionamento com os outros homens. O que a distingue das outras

ciências sociais, já que estas também se ocupam do homem sob o

aspecto das relações sociais?

Para começar, toda ciência tem sua particularidade, e a

Sociologia é a única ciência social que se ocupa das relações entre

os homens em seu aspecto mais geral, procurando analisar o

comportamento humano naquilo em que tal comportamento é

afetado pela vida em sociedade, estudando, ao mesmo tempo, o

produto destas inter-relações, que são as instituições sociais.

A Psicologia (do grego Ψυχολογία, transl.

psykhologuía, termo derivado das palavras ψυχή, psykhé, "alma", e λόγος, lógos, "palavra", "razão" ou "estudo") é a ciência que estuda os

processos mentais (sentimentos,

pensamentos, razão) e o comportamento humano e

animal (para fins de pesquisa e correlação, na

área da Psicologia comparada).

As ciências sociais são um ramo do conhecimento

científico que estuda os aspectos sociais do mundo humano. Diferenciam-se das

artes e das humanidades pela

preocupação metodológica. Os

métodos das ciências sociais, como a

observação participante e o

survey, podem ser utilizados nas mais diversas áreas do conhecimento, não apenas na grande

área das humanidades e artes,

mas também nas ciências sociais aplicadas, nas

ciências da terra, nas ciências agrárias, nas ciências biomédicas

etc. Embora polêmica, é comum a distinção entre qualitativos e

quantitativos.

Page 14: Sociologia Da Educacao

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Economia Política

Ela é uma ciência social porque estuda o homem e suas

relações sociais, mas tem sua particularidade. Ela estuda as relações

que homens estabelecem entre si por imposição de suas

necessidades materiais ligadas à subsistência, como alimentação,

moradia, vestuário etc.

O conceito de Economia Política, segundo o estudioso

Charles Gide, “é o estudo daquelas relações do homem em

sociedade que conduzem à satisfação de suas necessidades, ao seu

bem-estar e que dependem da posse dos objetos materiais”.

A busca da satisfação das necessidades materiais do homem

afeta a ordenação da superestrutura da sociedade. Marx analisou

que para compreender a sociedade, é necessário entender as

relações de produção, baseadas nas forças produtivas existentes

nos modos produção que se organizam em torno das forças

produtivas.

Ciência Política

A Ciência Política estuda, como as outras ciências, a relação

entre os homens, sob o ângulo da organização e da destruição do

poder – o poder dos homens sobre outros homens, que se dissimula

através do Estado. Esse fato impõe-se aos grupos que adquiriram

um mínimo de complexidade em suas relações.

No campo da educação, o conhecimento das Ciências

Políticas nos ajuda a compreender o contexto social dentro do qual

se inserem as instituições educacionais; ajuda-nos a entender de

quem o Estado está a serviço.

Economia é a ciência social que estuda a

produção, distribuição, e consumo de bens e serviços. O termo

economia vem do grego para oikos (casa) e

nomos (costume ou lei), daí "regras da casa (lar).”

Page 15: Sociologia Da Educacao

15

Em todo o grupo, a educação tem uma política que precisa

ser entendida para que se possam tomar decisões ligadas à

educação.

Antropologia

Antropologia, apesar de ser também uma ciência social, tem

vínculos com a Biologia e com a Arqueologia: a Biologia estuda a

vida; a Arqueologia, os fósseis. A Antropologia estuda o

desenvolvimento do corpo humano e o desenvolvimento cultural

através de tempo. Ela procura explicar como as alterações no mundo

físico influenciam como sócios.

Tanto a Etnografia (estudo do corpo humano descrevendo

raça, religião, língua, costumes etc.) como a Etnologia (estuda a

cultura dos povos naturais) têm contribuído para com a Teoria da

Educação. Como? Estudando as culturas particulares.

Esses estudos derrubam o mito de uma natureza humana que

impediu durante muito tempo o avanço das teorias e dos métodos

educacionais.

Antropologia e a Etnologia têm contribuído para desvendar os

papéis sociais do homem e da mulher: As comparações entre

diferentes comunidades nos mostram que os papéis masculinos e

femininos são socialmente construídos; não são imutáveis; não são

de uma natureza humana. Levantamentos da Etnografia têm nos

mostrado que os papéis tidos por nós como tipicamente masculinos

são desempenhados por mulheres, e vice-versa.

Ciência Política é o estudo da política — dos sistemas políticos, das

organizações políticas e dos processos políticos.

Envolve o estudo da estrutura (e das

mudanças de estrutura) e dos processos de

governo — ou qualquer sistema equivalente de

organização humana que tente assegurar

segurança, justiça e direitos civis. Os

cientistas políticos podem estudar

instituições, como corporações (ou

empresas, no Brasil), uniões (ou sindicatos, no Brasil), igrejas ou outras

organizações cujas estruturas e processos de ação se aproximem

de um governo, em

Antropologia (cuja origem etimológica deriva

do grego άνθρωπος anthropos, (homem /

pessoa) e λόγος (logos - razão / pensamento). É a ciência preocupada com o

fator humano e suas relações.

Page 16: Sociologia Da Educacao

16

História

A História mantém estreita relação com a Sociologia. Nós

vimos que para entender os aspectos em que surgiu a Sociologia

tivemos de fazer um resgate histórico, embora seus objetos de

estudo sejam distintos.

A História ocupa-se do fato histórico e a Sociologia ocupa-se

dar inter-relação dos indivíduos, que é constante.

A História ajuda a Sociologia da Educação no sentido de

distinguir entre o que precisa ser preservado e o que é inútil. A

grande lição que a história pode nos dar consiste em impedir que se

cometam, de novo, os erros do passado.

Psicologia Social

A Psicologia Social estuda a interação recíproca entre

pessoas e os efeitos que essa interação exerce sobre os

pensamentos, sentimentos, emoções e hábitos dos indivíduos.

Para a Sociologia Educacional, a Psicologia Social contribui

no sentido de permitir entender que os indivíduos que interagem no

processo educativo são seres sociais e, ao mesmo tempo, pessoas,

na sua individualidade. A função da Psicologia Social é neutralizar os

equívocos ditos somente sociológicos ou psicológicos.

História é o estudo do homem no tempo,

concomitante à análise de processos e eventos ocorridos no passado.

Por metonímia, o conjunto destes

processos e eventos. A palavra história tem sua

origem nas «investigações» de

Heródoto, cujo termo em grego antigo é Ἱστορίαι (História).

Todavia, será Tucídides o primeiro a aplicar

métodos críticos, como o cruzamento de dados

e fontes diferentes.

Page 17: Sociologia Da Educacao

17

Conclusões

O objetivo deste texto é mostrar o objeto de estudo de alguns

ramos do conhecimento que dizem respeito aos homo sócios, e que

as divisões destas áreas são divisões arbitrárias com fins

metodológicos.

Não existe, no homem e nem na sociedade, atuação

compartimentada ou isolada. O comportamento humano é uma

totalidade permanente.

1.3 Para Saber Mais

• Leia o livro Introdução ao Pensamento Sociológico, de Ana

Maria de Castro e Edmundo Fernandes Dias (orgs.) Eldorado.

Esse é um livro muito interessante, pois os osrganizadores procuram,

por meio de textos de autores clássicos (Èmile Durkheim, Max

Weber, Karl Marx, Talcott Parsons) e de alguns de seus

comentadores, dar uma visão panorâmica das principais questões do

conhecimento sociológico.

• O que é Sociologia, de Carlos B. Martins, Brasiliense.

ATIVIDADE 1

Pesquise sobre o Iluminismo e produza um pequeno texto sintetizando as idéias e os principais representantes desse movimento, e compartilhe com seus colegas.

Page 18: Sociologia Da Educacao

18

1.4 Sugestão de Filme

FILME: Germinal

Trabalhadores Despertos

O título do livro e do filme nos confunde um pouco e, se não

estivermos a par da temática da obra de Émile Zola, que deu origem

ao filme de Claude Berri, podemos passar por esse filme na locadora

sem percebê-lo e sem dar a ele o devido valor. Não nos enganemos:

essa produção do cinema francês merece ser vista e apreciada tanto

pelos amantes da sétima arte, quanto pelos estudiosos da Literatura,

da História, das relações humanas e dos movimentos de

trabalhadores.

"Germinal" refere-se ao processo de gestação e maturação

de movimentos grevistas e de uma atitude mais ofensiva por parte

dos trabalhadores das minas de carvão do século XIX, na França,

em relação à exploração de seus patrões. Nesse período alguns

países passaram a integrar o seleto conjunto de nações

industrializadas ao lado da pioneira Inglaterra, entre os quais, a

França, palco das ações descritas no romance e representadas no

filme.

A forma contundente como as ações ocorrem no filme tornam

a crueza dos acontecimentos extremamente chocante para os

espectadores. No entanto, esse discurso um tanto quanto agressivo

por parte do diretor Berri tem o firme propósito de conclamar os

espíritos da audiência e chamar a atenção para as dificuldades e a

rudeza do mundo operário do século XIX.

Vilipendiado, roubado, esgotado, trabalhando em

condições totalmente impróprias, inseguro, sujeito a acidentes que

O dicionário será uma ferramenta de trabalho importante para você

durante o curso. Por isso, se você ainda não

começou a utilizá-lo, comece a fazê-lo,

pesquisando o significado dos termos “igualitarismo”,

“racionalismo”, “individualismo” e

“secularização”. Utilizem, em suas pesquisas, dicionários da língua

portuguesa e de áreas como Filosofia, Pedagogia,

Sociologia e História.

Page 19: Sociologia Da Educacao

19

podem ceifar-lhe a vida ou decepar-lhe um braço ou uma perna,

assim nos é mostrado o proletariado francês nas telas. Inserido na

escuridão das minas de carvão, sujo, cumprindo jornadas de 14,

15 ou 16 horas, recebendo salários baixíssimos e tendo de ver

sua família toda encaminhar-se para o mesmo tipo de trabalho e

péssimas condições, pouco resta aos trabalhadores, senão a luta

contra aqueles que os oprimem.

A obra literária é do período que marca o surgimento da

Internacional Comunista. Por isso, há menções a Marx e Engels, e

também ao anarquismo (uma das personagens centrais da trama

assume o discurso dos pensadores que propuseram o anarquismo

até as últimas consequências, mesmo tendo em vista as desgraças

que isso poderia causar naquele contexto específico).

Um trabalho paralelo envolvendo a leitura de trechos

selecionados do livro, sendo monitorado pelos professores da área

de Literatura, acompanhado por uma passagem em Filosofia, pelas

obras dos intelectuais que abordaram os temas das lutas de classes,

e uma elucidativa aula sobre as condições em que se desenvolveu o

movimento trabalhista ao longo do século XIX, na Europa, por parte

do professor de História, fariam com que a compreensão do filme e,

consequentemente, do fenômeno da confrontação entre patrões e

empregados, fosse mais bem assimilada pelos estudantes.

A história do filme gira em torno de uma família que se

encontra nas mencionadas condições de miséria e penúria listadas

nos parágrafos anteriores. O chefe dessa família, vivido pelo

grandalhão Gerárd Depárdieu (considerado um dos melhores atores

franceses de todos os tempos, que também trabalhou em outros

importantes filmes com temática histórica, como "Danton - O

Processo da Revolução", e "1492 - A Conquista do Paraíso"), vê-se,

então, obrigado a tomar providências, e para isso é estimulado pela

chegada de um novo operário, que já possui vivência em termos de

Page 20: Sociologia Da Educacao

20

criação e fomentação de movimentos reivindicatórios. O primeiro

passo dessa dupla passa a ser, então, criar condições de

sobrevivência para os trabalhadores, tendo-se em vista que uma

greve poderia se prolongar por um longo período de tempo. Por isso,

criam uma caixa de resistência com a qual todos os operários

deveriam contribuir. A diminuição dos salários e o pouco caso dos

patrões em relação à segurança e à saúde dos trabalhadores

aumenta ainda mais as tensões.

Paralelamente à história dos trabalhadores, podemos

acompanhar a burguesia e seu cotidiano de brioches, grandes

refeições, luxuosas residências e total descaso em relação ao mundo

que existe além dos seus portões.

O contraste também é proposital. Tem por objetivo acirrar os

ânimos de quem assiste e fazer com que as pessoas tomem partido

(obviamente dos trabalhadores). Por isso, deve-se destacar, quando

se trabalhar esse filme, a questão ideológica. Como obra que

procurou ser fiel aos acontecimentos do período em que foi escrita, a

perspectiva para os operários não é das melhores.

Uma boa reprodução de época, acompanhada por atuações

convincentes, a escolha acertada das locações onde o filme foi

produzido e a excelente trama que se desenvolve paralelamente às

disputas entre burgueses e trabalhadores tornam o filme uma ótima

pedida para facilitar o estudo dessa difícil e complicada questão.

Assistam!

Ficha Técnica:

País/Ano de produção: França, 1993

Duração/Gênero: 158 min, drama

Disponível em vídeo

Page 21: Sociologia Da Educacao

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Page 22: Sociologia Da Educacao

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2 AS FORMAS DE PENSAMENTO SOCIAL 23

2.1 O Positivismo como Primeira Forma de Compreensão da Vida Social.

23

2.2 As Correntes Sociológicas 24

2.2.1 Durkheim e o Positivismo-funcionalismo 25

2.2.2 Marx e o Materialismo Histórico e Dialético 30

2.2.3 Weber e o Compreensivismo 35

Atividade 2 38

2.3 Sugestão de Filme 38

Page 23: Sociologia Da Educacao

23

2 AS FORMAS DE PENSAMENTO SOCIAL

Auguste Comte (1798-1857)

Nasceu em Montpellier, França, de uma família católica e monarquista. Viveu a infância na França napoleônica. Estudou no colégio de sua cidade e depois em Paris, na Escola Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. Devotou seus estudos à Filosofia Positivista, considerada por ele como uma religião, da qual era o pregador. Segundo sua Filosofia Política, existiam, na história, três Estados: um teológico, outro metafísico e, finalmente, o positivo. Este último representava o

coroamento do progresso da humanidade. Sobre as ciências, distinguia as abstratas das concretas, sendo que a ciência mais complexa e profunda seria a Sociologia, ciência que batizou na sua obra Curso de Filosofia Positiva, em seis volumes, publicada entre 1830 e 1842. Além desta, publicou Discurso sobre o Espírito Positivo, Discurso sobre o Conjunto do Positivismo, Sistema de Política Positiva, Catecismo Positivista e a Síntese Subjeíiva. Morreu em Paris.

2.1 O Positivismo como Primeira Forma de Compreender a Vida

Social

A primeira corrente do pensamento sociológico foi

desenvolvida por Augusto Comte e foi denominado de Positivismo,

que veio para substituir as explicações teológicas pela crença na

razão.

Na visão de Comte, a sociedade era concebida como um

organismo constituído de partes integradas e coesas. Por isso ele foi

chamado de para-organicismo.

A visão positivista de sociedade dá-se com o avanço do

imperialismo europeu do século XIX. Nesse período, os europeus

deparam-se com uma civilização de características rudimentares,

onde predominava a poligamia, a economia agrária, o artesanato, e a

produção doméstica. Para os europeus esse novo mundo teria de ser

transformado para receber o produto industrializado e a mão-de-obra

assalariada. Então, a Europa vê-se na obrigação de civilizar os

incivilizados e, para isso, utilizaram-se da Teoria Evolucionista, de

Charles Darwin, e criaram o darwinismo social, argumentando que as

Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Auguste Comte (1798-1857). Surgiu com o

desenvolvimento sociológico do Iluminismo

e das crises social e moral do fim da Idade

Média, e do nascimento da sociedade industrial.

Propõe à existência humana valores completamente

humanos, afastando radicalmente a Teologia ou Metafísica. Assim, o Positivismo - na versão contemporânea, pelo menos - associa uma

interpretação das ciências e uma classificação do

conhecimento a uma ética humana,

desenvolvida na segunda fase da carreira de

Comte.

Page 24: Sociologia Da Educacao

24

sociedades saem de um estágio primitivo para estágios avançados,

que é o capitalismo.

Os cientistas sociais positivistas entendiam que as

sociedades atrasadas eram verdadeiros “fósseis vivos primitivos” em

plena era capitalista.

Apesar do otimismo positivista, o desenvolvimento industrial

fazia surgir a todo o momento novos conflitos sociais e,

consequentemente, a classe trabalhadora passava a manifestar-se,

exigindo mudanças políticas e econômicas nas novas relações

sociais. Para evitar conflito, os filósofos positivistas da época,

desenvolveram as idéias de “ordem e progresso”. O progresso, no

sentido de transformar a sociedade das mais simples para as mais

complexas; e a ordem ajustaria os indivíduos para melhor

funcionamento da sociedade.

O Positivismo buscava justificar, através de um método

científico adequado, os padrões burgueses e industriais da

organização social. Procurava resolver os conflitos por meio da

exaltação à coesão.

As formulações positivistas, apesar de serem organicistas,

mas não terem aspirações divinas, já são o suficiente para perceber

que a sociedade é passível de ser analisada e explicada de outra

forma que não a religiosa.

2.2 As Correntes Sociológicas

A Sociologia não é uma ciência de apenas uma orientação

teórico-metodológica dominante. Ela tem diferentes formas de

analisar a sociedade. As principais, fundadas pelos seus autores

clássicos, as quais podemos citar, não necessariamente em ordem

de importância, são: a Positivista-Funcionalista, tendo como fundador

Auguste Comte e principal expoente clássico em Émile Durkheim –

de fundamentação analítica; a Sociologia Compreensiva, iniciada por

Page 25: Sociologia Da Educacao

25

Max Weber – de matriz teórico-metodológica-hermenêutico-

compreensiva; e a linha de explicação Sociológica Dialética, iniciada

por Karl Marx, que mesmo não sendo um sociólogo e sequer se

pretendendo a tal, deu início a uma linha árdua de explicação

sociológica.

Estas três formas de análise da sociedade, originadas pelos

seus três principais autores clássicos, influenciaram quase todos os

posteriores desenvolvimentos da Sociologia, levando à sua

consolidação como disciplina acadêmica já no início do século XX,

quando Èmile Durkheim sistematizou seus conteúdos e a implantou

nas Universidades da França.

2.2.1 Durkheim e o Positivismo-funcionalismo

Èmile Durkheim (1858-1917) foi fortemente influenciado pelo

pensamento científico do século XIX. Sua preocupação era delimitar

o objeto e o método da Sociologia. Para ele, somente o sociólogo

seria capaz de perceber a constituição da vida social através de uma

aventura intelectual. Durkheim achava que as leis que regulam os

fenômenos da natureza seriam iguais às leis que regulam a dinâmica

da vida social. Sendo assim, cabe à Sociologia descobrir as leis da

vida coletiva.

Éinile Durkheim (1858-1917)

Nasceu em Epinal, na Al-sácia. Descendente de uma família de rabinos, iniciou seus estudos filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha. Lecionou Sociologia em Bordéus, primeira cátedra dessa ciência criada na França. Transferiu-se em 1902 para a Sorbonne, para onde levou inúmeros cientistas, entre eles, seu sobrinho Mareei Mauss, reunindo-os num grupo que ficou conhecido como “Escola Sociológica Francesa”. Suas principais obras foram: Da Divisão do Trabalho Social; As Regras do Método Sociológico; O Suicídio; Formas Elementares da Vida Religiosa; Educação e Sociologia; Sociologia e Filosofia; e Lições de So-ciologia (obra póstuma). Morreu em Paris.

A Sociologia, na visão de Durkheim, é o estudo dos fatos

sociais que podem ser entendidos como os modos de agir que

exercem sobre o individuo uma coerção exterior e apresentam uma

existência própria, independente das manifestações individuais que

Page 26: Sociologia Da Educacao

26

possam ter. Durkheim afirmava que os fatos sociais devem ser

considerados como coisas. Ele as chama de coisas pelo fato de

termos uma visão vaga e confusa, além da ilusão de conhecê-los.

Portanto, para livrar-se das pré-noções e dos preconceitos não-

científicos, devemos tratar os fatos sociais como coisas. Coisa para

ele é todo objeto de conhecimento que a inteligência humana não

penetra de modo imediato, necessita do auxílio da ciência. Essa

atitude é tida somente na mente do intelectual.

Os fatos sociais exercem uma força sobre o comportamento

dos indivíduos. É o caso da moda, do casamento, das correntes de

opinião. São situações que exercem uma coerção, uma espécie de

obrigatoriedade sobre o indivíduo.

Os fatos sociais são exteriores à consciência individual e são

coercitivos. Na exterioridade, os próprios homens elaboram as

“maneiras de fazer”, que também são ligadas pelas gerações

anteriores (já encontramos prontas). Fazemos em conjunto com uma

multidão de pessoas que sequer conhecemos, e o resultado final

escapa ao nosso controle. Para que exista um fato social, é preciso

que vários indivíduos tenham misturado suas ações e saia um

resultado novo.

Já o caráter coercitivo dos fatos sociais dá-se pelo fato de

existirem fora de nós, e termos de nos conformar com a sua

existência. Ele age como uma força exterior que atua sobre nós, nos

moldando e nos regulando. Causa-nos uma espécie de sanção, que

pode ser legal ou espontânea. As legais são as sanções prescritas

pela sociedade, e as espontâneas seriam as que afloriam em

decorrência de uma conduta não adaptada à estrutura do grupo ou

da sociedade ao qual o indivíduo pertence.

Ao estudar os fatos sociais o investigador deve ser neutro,

pois eles devem ser estudados como se estivessem fora da

consciência do investigador, para não haver parcialidade entre

sujeito e objeto.

Fato social é qualquer forma de coerção sobre os

indivíduos, que é tida como uma coisa exterior a eles, tendo uma existência

independente e estabelecida em toda a

sociedade, que é considerada, então, como

caracterizada pelo conjunto de fatos sociais

estabelecidos.

Page 27: Sociologia Da Educacao

27

Durkheim faz a distinção entre consciência individual (psique,

jeito de pensar, agir, entender a vida, a alma do indivíduo) e

consciência coletiva (conjunto de crenças e sentimentos comuns aos

membros de determinada sociedade, que é independente dos

indivíduos – embora só se realize através deste). As duas convivem

juntas em cada indivíduo. Só separamos as duas consciências para

fins de pesquisa científica, tratando os fatos sociais como coisas

exteriores ao indivíduo.

Formas de Solidariedade

Durkheim acreditava que as “espécies” sociais tinham as

mesmas semelhanças das “espécies” vivas, e que poderiam ser

classificadas numa escala evolutiva das mais simples para as mais

complexas.

Ele caracteriza dois tipos extremos de sociedade, que

correspondiam ao nível inferior e ao nível superior da escala

evolutiva. Nelas e estariam a solidariedade mecânica e a

solidariedade orgânica.

Solidariedade Mecânica: O Princípio das Semelhanças

Nas sociedades arcaicas – primitiva e feudal – a consciência

coletiva exercia um papel preponderante para a integração social.

Nelas, as pessoas uniam-se a partir de semelhanças na religião, na

tradição, nos sentimentos, nas crenças. Todos exercem

aproximadamente as mesmas atividades, observam os mesmos

costumes, cultuam os mesmos deuses. Os seja, o que unia as

pessoas não era a dependência uns dos outros, mas o fato de terem

sentimentos comuns.

Este tipo de solidariedade tende a declinar nas sociedades

modernas.

Solidariedade Mecânica, para Durkheim, era

aquela que predominava nas sociedades pré-

capitalistas, onde os indivíduos se

identificavam através da família,

da religião, da tradição e dos

costumes, permanecendo, em

geral, independentes e autônomos em

relação à divisão do trabalho social.

A consciência coletiva aqui

exerce todo seu poder de coerção

sobre os indivíduos.

Page 28: Sociologia Da Educacao

28

Solidariedade Orgânica: Princípio da Diferenciação

Neste tipo de solidariedade a integração é realizada

a partir da diferenciação entre os indivíduos e os grupos no

interior da sociedade. As pessoas se unem a partir da

dependência que umas têm das outras para realizar

determinada atividade social. Todos têm sua individualidade

e cada uma age de acordo com sua vontade. A divergência

não põe em risco o grupo.

Então, por que as sociedades passaram de um

modelo de solidariedade que predominava a integração

para um modelo de sociedade que tem como princípio a

diferença? Qual a causa da solidariedade orgânica? A

resposta está na divisão social do trabalho.

Mas o que levou à divisão social do trabalho? A

busca da felicidade, não foi. Porque não há provas de que

nas sociedades modernas os homens sejam mais felizes do

que nas sociedades arcaicas.

Para Durkheim a divisão é um fenômeno social

decorrente de uma combinação do volume, densidade

material e moral da sociedade.

Volume é o número de indivíduos. Mas só volume

não explica a diferenciação social; é preciso acrescentar a

densidade material e moral.

Densidade do material é o número de indivíduos em

determinado território; densidade moral é a intensidade das

comunicações e trocas entre esses indivíduos.

A diferenciação social resulta da combinação dos

fenômenos do volume e das densidades material e moral.

Solidariedade Orgânica é aquela

típica das sociedades

capitalistas, onde, através da acelerada divisão do trabalho social, os indivíduos

tornavam-se interdependentes.

Essa interdependência ga-rante a união social,

em lugar dos costumes, das tradi-

ções ou das relações sociais

estreitas. Nas sociedades ca-

pitalistas, a consciência coletiva afrouxa-se. Assim,

ao mesmo tempo que os indivíduos são mutuamente de-pendentes, cada

qual se especializa numa atividade e

tende a desenvolver maior autonomia

pessoal.

Page 29: Sociologia Da Educacao

29

Para explicar esse mecanismo, Durkheim invoca o conceito

de “luta pela vida” (quanto mais numerosos somos, mais intensa é a

luta pela vida).

Então, a diferenciação social é a solução pacífica da luta pela

vida. Ao invés de alguns serem eliminados para que outros

sobrevivam (como fazem os animais), a diferenciação social faz com

que um número maior de indivíduos sobreviva, diferenciando-se.

Como somos diferentes, cada um contribui com seu papel para a

vida de todos.

A Sociologia Diante do Caso Patológico e da Anomia

Durkheim admitia que o capitalismo é bom, e a sociedade é

perfeita. Contrapondo-se ao pensamento socialista, dizia ele, basta

apenas conhecer os seus problemas e buscar uma solução científica

para eles. Porque os problemas sociais entre empresários e

trabalhadores não se resolveria dentro de uma luta política e sim,

através da ciência, ou melhor, da Sociologia. Seria tarefa do

sociólogo compreender o funcionamento da sociedade de modo

objetivo, por observar, compreender e classificar as leis sociais,

descobrir as falhas e corrigi-las por outras mais eficientes.

O autor acreditava que os problemas sociais tivessem suas

origens na crise moral, isto é, no estado social em que várias regras

de conduta não estão funcionando. A esse estado de crise social

Durkheim denomina de caso patológico. Por outro lado, os

problemas sociais podem ter sua origem também na ausência ou

insuficiência de normatização das relações sociais, e que, por sua

vez, caracteriza-se como anomia.

Frente ao caso patológico (regras sociais falhas), cabe à

Sociologia captar suas causas, procurando evitar a anomia (crise

total), através da criação de uma nova moral social que supere a

velha moral e seja eficiente.

Page 30: Sociologia Da Educacao

30

Sabendo que a sociedade capitalista está cheia de

problemas, Durkheim admitia que o Estado fosse uma instituição que

teria o poder de elaborar leis que corrigissem os casos patológicos

da sociedade.

Karl Marx(1818-1883)

Nasceu na cidade de Tre-ves, na Alemanha. Em 1836, matriculou-se na Universidade de Berlim, doutorando-se em Filosofia, em lena. Foi redator de uma gazeta liberal em Colónia. Mudou-se em 1842 para Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu companheiro de ideias e publicações por toda a vida. Expulso da França em 1845, foi para Bruxelas participar da recém-fundada Liga dos Comunistas. Em 1848, escreveu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, obra fundadora do "marxismo", enquanto movimento político e social a favor do proletariado. Com o malogro das revoluções sociais de 1848, Marx mudou-se para Londres, onde se dedicou a um grandioso estudo crítico da economia política. Marx foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Operários ou Primeira Internacional. Morreu em 1883, após intensa vida

política e intelectual. Suas principais obras foram: A Ideologia Alemã; Miséria da Filosofia; Para a Crítica da Economia Política; A Luta de Classes em França; O capital.

2.2.2 Marx e o Materialismo Histórico e Dialético

Marx observava as transformações que ocorriam na

sociedade de sua época. Transformações essas que causaram

miséria e sofrimento na classe trabalhadora, enquanto que a

burguesia se elevava à condição de classe dominante.

Para entender essas transformações que ocorreram na

sociedade capitalista, Marx julgou necessário entender como a

história humana funciona, desde os primórdios da civilização. Para

ele, a história da humanidade é a história da luta de classes. A luta

de classe é o motor da história.

Page 31: Sociologia Da Educacao

31

Max e seu companheiro Engels escreveram que a história

humana é a história da relação dos homens com a natureza e dos

homens entre si.

A primeira condição para o homem viver é ter de comer; e

para ter de comer, tem de trabalhar; e ao trabalhar, ele relaciona-se

com a natureza e com os outros membros da sociedade.

No processo de produção da vida material, o homem

desenvolveu formas de relacionar-se com a natureza que se

intensificaram ao longo da história. A essa forma Marx chamou de

forças produtivas.

As forças produtivas foram desenvolvendo-se à medida que o

homem passou a organizar a produção junto a seus semelhantes,

distribuindo tarefas, benefício entre os membros da sociedade. Foi

este o ponto de partida do processo de divisão do trabalho, sendo

primeiro a divisão social do trabalho, depois a agricultura e a

domesticação de animais, campo, a cidade, a indústria e o comércio.

Durante o processo produtivo o homem nunca está sozinho;

ele relaciona-se com seus pares, pois a intervenção do homem na

produção não é isolada, antes, reveste-se de um caráter social. A

esse conjunto de relações Marx denominou de relação de produção.

As relações de produção transformam-se com a alteração e o

desenvolvimento das forças produtivas a que estão organicamente

ligadas e, por sua vez, agem sobre o desenvolvimento dessas

mesmas forças. Ao produzirem bens necessários à vida, os homens

criam determinadas relações espontâneas, independentes de sua

vontade e consciência, que correspondem às etapas de

desenvolvimento das forças produtivas.

Forças Produtivas – São as forças de que se vale a sociedade sobre

a natureza para produzir sua existência.

Modo de produção, em economia

marxista, é a forma de organização sócio-econômica associada a uma determinada

etapa de desenvolvimento das forças produtivas e

das relações de produção. Existem 7 modos de produção: Primitivo, Asiático, Escravista, Feudal,

Capitalista, Comunista e

socialista.

Page 32: Sociologia Da Educacao

32

As relações de propriedade são, portanto, a base das

desigualdades sociais, na medida em que a divisão do trabalho

possibilita a existência de homens que trabalham para os outros, por

que o fazem com os meios dos outros; e de homens que não

trabalham porque têm meios e podem fazer com que os outros

trabalhem para si.

Cada época histórica possui um conjunto de forças produtivas

desenvolvidas e, ao mesmo tempo, um conjunto de relações sociais

e produção, que são o modo pelo qual os homens assumem o

controle sobre as forças produtivas.

As grandes transformações pelas quais passou a história da

humanidade foram as transformações de um modo produção para

outro. São eles: o modo de produção escravista, o feudal e o

capitalista, com suas diferentes formas de organização da

propriedade como a de escravidão, de servidão e de assalariamento.

Dessas diferentes relações de propriedade surgem as classes

sociais, e as transformações dão-se por causa da luta de classes em

cada época.

As relações sociais de produção funcionam como forma de

desenvolvimento das forças produtivas, mas chega um momento em

que as forças não mais conseguem se desenvolver; abre-se aí um

período de convulsão social, onde as relações vigentes são

contestadas, ocasionando a revolução que leva à passagem de um

modo de produção a outro

Dialética

Engels afirmava que a Dialética considera as coisas e os

conceitos no seu encadeamento: suas relações mútuas, sua ação

Page 33: Sociologia Da Educacao

33

recíproca e as decorrentes modificações mútuas, seu nascimento, o

desenvolvimento, sua decadência.

A Dialética tem três características:

A primeira é que tudo se relaciona – lei da ação recíproca: a

natureza é um todo unido, coeso, em que os objetos e os fenômenos

estão intimamente ligados entre si, dependentes uns dos outros, e

condicionando-se reciprocamente.

A segunda característica é que tudo se transforma -

desenvolvimento incessante: nem a natureza, nem a sociedade

estão em repouso; elas estão sempre em mudanças, e sempre em

relação. Realidade e natureza é processo, é movimento.

E por fim, a terceira característica é a luta dos contrários –

contradição: tudo tem um lado positivo e um negativo; um passado e

um futuro; o que aparece e desaparece; existe o velho e o novo; o

que morre e o que nasce; o que parece o que evolui. Um exemplo

típico é que com o estudante de Sociologia há uma luta entre a sua

falta de conhecimento sociológico e a vontade de saber.

Essa teoria é para mostrar que a sociedade humana é

produto de uma luta entre nossos ancestrais e a natureza cujo

conteúdo dessa luta foi e continua sendo o trabalho.

As Formas de Consciências

Marx se propõe explicar que a consciência está ligada às

condições materiais da vida, ou seja, ao intercâmbio econômico entre

os homens. Mas a consciência que os homens têm dessa relação é

falsa. As idéias, as concepções sobre como funciona o mundo são

representações que os homens fazem a respeito de suas vidas, são

A palavra alienação tem várias definições: cessão de bens; transferência de

domínio de algo; perturbação mental, na

qual se registra uma anulação da

personalidade individual; arrombamento de

espírito; loucura. A partir desses significados, traçam-se algumas

diretrizes para melhor analisar o que é a

alienação, e assim, buscar alguns motivos pelos quais as pessoas

se alienam. Ainda assim, os processos alienantes da vida humana foram tratados de maneira

atemporal, defraudada, abstraídas de processos

sócio-econômicos concretos. A alienação

trata-se do mistério de ser ou não ser, pois uma

pessoa alienada carece de si mesmo, tornando-se

sua própria negação.

Page 34: Sociologia Da Educacao

34

apenas aparências. Essas representações implicam, num primeiro

momento, em uma falsa consciência, uma consciência invertida.

A percepção da aparência e o entendimento de suas

conseqüências para cada um ficam bloqueados pelo modo como os

indivíduos adquirem consciência do mundo social em que nasce,

cresce e morre.

A realidade cotidiana só lhe ensinou que tem de trabalhar e

receber seu salário para viver. Se o trabalho sempre foi o meio

através do qual o homem se relacionou com a natureza para retirar o

seu sustento, no sistema capitalista, ele é compreendido como algo

que não pertence a este ser humano, e aí o indivíduo torna-se

alienado, adquirindo uma falsa consciência do mundo em que vive.

Como consequência, o trabalho alienado e a dominação de uma

classe sobre outra é visto como algo natural, porque o processo

histórico real é ocultado pela ideologia, ou seja, por um sistema

ordenado de idéias e concepções, de normas e de regras que

obrigam os homens a comportarem-se segundo a vontade do

sistema, como se estivessem se comportando segunda a sua própria

vontade.

Se a exploração econômica e a opressão política do homem

pelo homem sempre houve em todas as sociedades, no capitalismo

essa opressão dá-se de forma dissimulada, a ponto tal que a classe

trabalhadora pensa com a cabeça da classe dominante, ou seja, as

idéias dominantes são as idéias da classe dominante.

No modo de produção capitalista, o proprietário dos meios de

produção compra força de trabalho da classe trabalhadora, e nessa

relação ocorre a mais-valia, ou seja, o patrão não remunera todo o

trabalho realizado pelo operário, mas apenas parte dele; a outra

parte é apropriada pelo capitalista.

Ideologia é um termo usado no senso comum contendo o sentido de

"conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e,

principalmente, políticas". A ideologia,

segundo Karl Marx, pode ser considerada um

instrumento de dominação que age

através do convencimento (e não da

força), de forma prescritiva, alienando a consciência humana e

mascarando a realidade.

Mais-valia é o nome dado por Karl Marx à

diferença entre o valor produzido pelo

trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base da

exploração no sistema capitalista.

Page 35: Sociologia Da Educacao

35

Marx e Engels achavam que chegaria o momento em que as

forças produtivas entrariam em contradição, e aí se abre uma época

de revolução social e política, fazendo com que surgisse outro tipo de

sociedade, sem exploradores e inexplorados, sem a alienação, sem

ideologia, sem classes sociais, e sem Estado. Seria o comunismo.

Max Weber (1964 – 1920)

Foi na cidade de Erfurt que nasceu Max Weber, numa família de burgueses liberais. Desenvolveu estudos de Direito, Filosofia, História e Sociologia, constantemente interrompidos por uma doença que o acompanhou por toda a vida. Iniciou a carreira de professor em Berlim e, em 1895, foi catedrático em Heidelberg. Manteve contato permanente com intelectuais de sua época, como Simmel, Sombart, Tõnnies e Georg Lukács. Na política, defendeu ardorosamente seus pontos de vista liberais e parlamentaristas, e participou da comissão redatora da Constituição da República de Weimar. Sua maior

influência nos ramos especializados da Sociologia foi no estudo das religiões, estabelecendo relações entre formações políticas e crenças religiosas. Suas principais obras foram: Artigos Reunidos de Sociologia da Religião; Artigos Reunidos de Teoria da Ciência; Economia e Sociedade (obra póstuma); e A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Morreu em Munique

2.2.3 Weber e o Compreensivismo

Weber teve uma contribuição importantíssima para o

desenvolvimento da Sociologia. Herdeiro de uma tradição filosófica

diferente e vivendo os problemas da Alemanha, diversos dos da

França e Inglaterra na mesma época, pôde trazer uma nova visão

que não descendia nem de ideais políticos, nem de racionalismo

positivista de origem anglo-francesa.

Diferentemente de Durkheim, Weber tem como preocupação

central compreender o indivíduo e suas ações. Segundo ele, a

O Comunismo é uma ideologia e um sistema econômico que tem por

objetivo a criação de uma sociedade sem classes, baseada na propriedade comum

dos meios de produção, com a

consequente abolição da propriedade privada, sob tal

sistema, o Estado não teria necessidade de existir e seria extinto.

Page 36: Sociologia Da Educacao

36

sociedade existe concretamente, não é algo externo acima das

pessoas, é sim, o conjunto das ações individuais, relacionando-se

reciprocamente. Durkheim afirmava que o indivíduo é produto da

sociedade. Quando nós nascemos, a sociedade já existe e vai nos

moldar através de um processo educacional chamado de

socialização. Já Weber diz que a sociedade é formada por

indivíduos, que na sua individualidade se relacionam com seus

pares, formando a sociedade.

As representações (Estado, a igreja, a família) são o

desenvolvimento e entrelaçamento de ações específicas de pessoas

individuais, e para se compreender como se encadeia esse

entrelaçamento de ações, Weber desenvolveu o conceito de ação

social para estruturar a Sociologia como uma ciência compreensiva.

O objeto das Ciências Sociais é decifrar o sentido da ação

social, ou seja, as ações humanas, e a única maneira de estudar

esse objeto é tendo a compreensão de como se desenvolvem essas

ações.

O ponto de partida é a ação social. Weber, ao analisar o

modo como os indivíduos agem e, levando em conta a maneira como

eles orientam suas ações, agrupou as ações individuais em quatro

grandes tipos, a saber:

- Ação social racional com relação a fins: nesse tipo de ação,

o indivíduo pensa antes de agir em uma situação dada; ele calcula os

custos e benefícios que terá realizando ou não a ação.

- Ação social racional com relação a valores: fundamenta-se

em convicções, tais como o dever, a dignidade, a beleza, a

sabedoria, a piedade ou a transcendência de uma causa. São os

valores que estão impregnados na sociedade.

AÇÃO SOCIAL – È toda ação que o

indivíduo desenvolve quando leva em

consideração os outros indivíduos.

Page 37: Sociologia Da Educacao

37

- Ação social afetiva: esta ação tem por fundamento os

sentimentos de qualquer ordem. O que importa nesta ação é dar

vazão às paixões momentâneas.

- Ação tradicional: tem por base os costumes arraigados, a

tradição familiar ou um hábito. É um tipo de ação que se adota quase

automaticamente, reagindo a estímulos habituais.

Reparem que no dia a dia, esses tipos de ações sociais não

aparecem separadamente. As razões se misturam. Mas o método de

Weber consiste em isolar esses tipos “puros” de comportamentos,

que não existem, servem apenas como referência pelos sociólogos

para analisar a realidade social.

Vamos compreender como funciona a metodologia de Weber,

através da metodologia compreensivista. Para isso, temos de seguir

alguns passos.

O primeiro passo é construir um tipo ideal “puro” (o tipo é uma

construção mental, feita na cabeça de investigadora, a partir de

vários exemplos históricos. Ele é um exagero de perfeição que

jamais será encontrado na vida prática).

No segundo passo, selecione o aspecto a ser investigado no

mundo social que o cerca.

No terceiro passo, compare o mundo social empírico com o

tipo ideal que você construiu na sua mente.

No quarto passo, à medida que você compara, a realidade

apresenta-se para você, aproximando-se ou distanciando-se do tipo

puro que você imaginou, ou seja, revelando-se em seu caráter mais

complexo.

Na F, Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais)

formadoras das idéias, discordando, portanto,

da noção de idéias inatas. Na ciência, o

empirismo é normalmente utilizado

quando falamos no método científico tradicional (que é

originário do empirismo filosófico), o qual

defende que as teorias científicas devem ser

baseadas na observação do mundo,

em vez da intuição ou fé.

Page 38: Sociologia Da Educacao

38

É assim que a ação social com relação a fins serve – para

que se possa avaliar o alcance daquilo que é irracional. Então,

chegamos a um entendimento melhor do que seja a Sociologia

chamada de Compreensiva, que é aquela que se refere à análise de

comportamentos movidos pela racionalidade dos sujeitos com

relação aos outros.

ATIVIDADE 2

Neste capítulo, examinamos conceitos utilizados por

diferentes autores na análise da relação dos indivíduos na

sociedade: classe social (Marx), consciência coletiva e anomia

(Durkheim), ação social (Weber). Qual desses conceitos poderia nos

ajudar na interpretação do comportamento de nossa sociedade?

Produza um texto e compartilhe com seus colegas.

2.3 Sugestão de Filme

Este filme é indicado para a compreensão sobre socialização

na discussão apresentada por Durkheim

Kaspar Hauser (provável 30 de Abril de 1812 – 17 de dezembro

de 1833, em Ansbach, Mittelfranken) foi uma criança abandonada,

envolta em mistério, encontrada na praça Unschlittplatz, em

Nuremberg, Alemanha do século XIX, com alegadas ligações com a

família real de Baden.

VIDA

Hauser passou os primeiros anos de sua vida aprisionado

numa cela, não tendo contato verbal com nenhuma outra pessoa,

fato esse que o impediu de adquirir uma língua. Porém, logo lhe

foram ensinadas as primeiras palavras, e com o seu posterior contato

Page 39: Sociologia Da Educacao

39

com a sociedade, ele pôde, paulatinamente, aprender a falar, da

mesma maneira que uma criança o faz. Afinal, ele havia sido

destituído somente de uma língua, que é um produto social da

faculdade de linguagem, não da própria faculdade em si. A exclusão

social de que foi vítima não o privou apenas da fala, mas de uma

série de conceitos e raciocínios, o que fazia, por exemplo, com que

Hauser não conseguisse diferenciar sonhos de realidade durante o

período em que passou aprisionado.

Hauser, supostamente com quinze anos de idade, foi deixado

em uma praça pública de Nuremberg, em 26 de maio de 1828, com

apenas uma carta endereçada a um capitão da cidade explicando

parte de sua história, um pequeno livro de orações, entre outros itens

que indicavam que ele provavelmente pertencia a uma família da

nobreza.

Entre as idiossincracias originadas pelos seus anos de

solidão, Hauser odiava comer carne e beber álcool, já que

aparentemente havia sido alimentado basicamente por pão e água.

Aprendeu a falar, a ler e a comportar-se, e a sua fama correu a

Europa, tendo ficado conhecido à época como o "filho da Europa".

Obteve um desenvolvimento do lado direito do cérebro notadamente

maior que o do esquerdo, o que teoricamente lhe proporcionou

avanços consideráveis no campo da música.

Hauser foi assassinado com uma facada no peito, em

dezembro de 1833, nos jardins do palácio de Ansbach. As

circunstâncias e motivações, ou autoria do crime jamais foram

esclarecidas, apesar da recompensa de 10.000 Gulden (c.

180.000,00 Euros), oferecida pelo rei Luís I, da Baviera.

A sua história foi representada no filme de Werner Herzog,

"Jeder für sich und Gott gegen alle" (em língua portuguesa, "Cada

um por si e Deus contra todos"), de 1974, lançado no Brasil com o

título "O Enigma de Kaspar Hauser".

Page 40: Sociologia Da Educacao

40

Page 41: Sociologia Da Educacao

41

3 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA MARXISTA, DURKHEIMIANA E WEBERIANA

42

3.1 Educação em Marx 42

3.2 Educação em Durkheim 44

3.3 Educação em Weber 45

Atividade 3 47

Page 42: Sociologia Da Educacao

42

3 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA MARXISTA,

DURKHEIMIANA E WEBERIANA

3.1 A educação em Marx

O tema da educação não ocupou o lugar central na obra de

Marx. Ele não formulou explicitamente uma teoria da educação,

muito menos princípios metodológicos e diretrizes para o processo

ensino-aprendizagem. Observamos que sua principal preocupação

fora o estudo das relações sócio-econômicas e políticas e o seu

desenvolvimento no processo histórico. Entretanto, a questão

educacional encontra-se inevitavelmente enredada em sua obra.

Existem alguns textos que Max, juntamente com Engels, redigiu

sobre a formação e o ensino em que a concepção de educação está

articulada com o horizonte das relações sócio-econômicas daquela

época. É por isso que, antes de fazer algumas considerações sobre

educação, foi necessário passar pelo seu modo de compreender a

sociedade.

A educação, na sociedade capitalista é, segundo Marx e

Engels, um elemento de manutenção da hierarquia social. A

igualdade política é algo meramente formal e não passa de uma

ilusão, visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca.

No entanto, uma das possibilidades de viabilizar a superação

das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside

na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles

designam ensino politécnico ou formação ominilateral. Por meio

dessa educação omnilateral o ser humano desenvolver-se-á numa

perspectiva abrangente, isto é, em todos os sentidos. A integração

entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação

crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade,

segundo Marx, deve dar-se desde a infância. O tripé básico da

educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral),

Page 43: Sociologia Da Educacao

43

desenvolvimento físico (ginástica e esportes) e aprendizado

profissional polivalente (técnico e científico).

Marx e Engels não só indicaram frequentemente que o

trabalho físico sem elementos espirituais destrói a natureza humana

como, também, que a atividade intelectual à margem do trabalho

físico conduz facilmente aos erros de um idealismo artificial e de uma

abstração falsa. Logo, a união entre os dois dá um caráter integral à

educação e tomará o lugar da formação unilateral, especializada e

alienada.

Assim, o ensino aparece como instrumento para o

conhecimento e também para a transformação da sociedade e do

mundo. Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O

proletariado, por si só, não conquista sua consciência de classe, sua

consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado desde o

início dos meios que lhe permitem consegui-lo. Por isso, há a

necessidade de um processo educativo pautado em um projeto

político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande

maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos

educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são

decisivos para construção da consciência de classe do trabalhador.

Acreditamos que é extremamente pertinente a concepção

educativa de Marx e Engels, visto que a sua proposta recupera o

sentido do trabalho enquanto atividade vital em que o homem

humaniza-se sempre mais, ao invés de alienar-se, e a educação é

concebida não como instrumento de dominação e manutenção do

status quo, mas como processo de transformação dessa situação.

A obra desses autores constitui uma crítica fundamental à

concepção da burguesia sobre o ser humano e a educação. Às

concepções metafísicas e idealistas, que são fundamentalmente

conservadoras, estes pensadores opõem a concepção materialista,

“O novo homem comunista deveria ser educado de tal modo

que ele pudesse de fato superar a divisão do

trabalho que o dominara sob o

capitalismo. Não seria suficiente a revolução política e o controle do poder do Estado pelos

operários para socializar os meios de

produção. Seria necessário que, ao

socializar os meios de produção, a nova forma

de organização industrial encontrasse homens preparados

para desempenhar um trabalho que não fosse

alienado, parcial, restrito de suas

potencialidades.”

Page 44: Sociologia Da Educacao

44

histórica e dialética, isto é, no interesse pelo ser humano real em

carne e osso, por seus problemas enquanto vivem em sociedade,

visando a uma transformação positiva e o humanizante. Esta

concepção dialético-histórica do ser humano toma como premissa

fundamental o fato de ele não ser um dado, mas é essencialmente

um “construir-se”. Deste modo, a educação deve vir para corroborar

essa construção que não é meramente teórica ou abstrata, mas real,

prática.

Na sociedade capitalista contemporânea, a educação

reproduz o sistema dominante tanto ideologicamente quanto nos

níveis técnico e produtivo. Na concepção socialista, a educação

assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser

humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação

omnilateral é o que continua fazendo falta à nossa sociedade. O

atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que

se diz sobre reprodução, exclusão e dominação.

3.2 Educação em Durkheim

Para Durkheim, a educação é essencialmente um processo

pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade. Educação e

socialização.

“É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos

como queremos”, sentencia Durkheim, no seu livro Educação e

Sociologia. Existem certos costumes, certas regras, que devem ser

obrigatoriamente transmitidas no processo educacional, gostemos

deles ou não. Se não fizermos isso, a sociedade vingar-se-á de

nossos filhos, pois não estarão em condição de viver em meio aos

outros, quando adultos. A cada momento histórico, acredita

Durkheim, existe um tipo adequado de educação a ser transmitida.

Idéias educacionais muito ultrapassadas ou muito à frente das do

tempo, diz nosso sociólogo, não são boas porque não permitem que

Para Durkheim, a “educação é a ação

exercida pelas gerações adultas

sobre as gerações que não são

encontradas ainda preparadas para a vida social; tem por

objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo

número de estados físicos, intelectuais e morais, relacionados

pela sociedade política, no seu

conjunto, e pelo meio moral a que a

criança, particularmente, se

destine”.

Page 45: Sociologia Da Educacao

45

o indivíduo educado tenha uma vida normal, harmônica com seus

contemporâneos.

Mas se, como dissemos antes, as sociedades modernas são

muito diferenciadas, devido à divisão do trabalho social, como seria

possível um único tipo adequado de educação para todos? Ora, não

seria possível. Para Durkheim, a educação adequada é educação

própria ao meio moral que cada um compartilha. Nas sociedades

complexas existem muitos meios morais, conforme a divisão em

classes, em castas, em grupos, em profissões etc. Assim, não existe

uma educação única para que todos aprendam a ser membros da

sociedade. Você aprende a ser um membro da sua classe, no seu

grupo, de sua casta, de sua profissão, enfim, no seu meio moral.

Este é o modo específico, particular, pelo qual você se torna membro

da sociedade. Isto não é algo que esteja disponível em sua

abrangência total para todas as pessoas. Socializar-se é aprender a

ser membro da sociedade, e aprender a ser membro da sociedade é

aprender seu devido lugar nela. Só assim é possível preservar a

sociedade. Preservá-la inclusive de sua própria diferenciação.

É isso que nos permite viver em sociedade; é isso que

permite que a sociedade viva em nós; e é isso que permite à

sociedade continuar viva: sermos iguais e diferentes ao mesmo

tempo. Só a educação pela qual passamos é capaz de fazer assim.

E é por isso que educação é um processo social.

3.3 A Educação em Weber

Segundo Weber, a história humana é um processo crescente

de racionalização da vida, ou seja, é o abandono de concepções

mágicas e tradicionais que justificavam o comportamento dos

homens.

Page 46: Sociologia Da Educacao

46

Para ele, o que constitui a sociedade é a ação e a interação

dos indivíduos. Quanto mais complexas forem as sociedades, mais

conflitivas tendem a ser as interações entre indivíduos e grupos, uma

vez que maiores serão as constelações de interesses. Então, o

Estado veio para regular o conflito através da dominação de uns

sobre os outros.

O exercício da autoridade do Estado depende de um quadro

administrativo, hierarquizado e profissional que se caracteriza pela

existência de uma burocracia. Nesse sentido é que a educação é o

modo pelo qual determinados tipos de homens são preparados para

exercer as funções de racionalização.

Segundo Weber, a educação sistemática passou a ser um

pacote de conteúdos e de disposições voltados para o treinamento

de indivíduos que tivesse de fato condições de operar essas novas

funções, de “pilotar” o Estado, as empresas e a própria política, de

um modo racional.

A racionalização e a burocratização alteraram radicalmente o

modo de educar. Então, a burocracia estatal e a empresa capitalista

precisam de profissionais para isto.

A educação, para Weber, não é mais, então, a preparação

para que o membro do todo orgânico aprenda a sua parte do

comportamento harmônico do organismo social, como propôs do

Durkheim. Nem é, tampouco, vista com possibilidades de

emancipação com base na ruptura com a alienação, como propôs

Marx. Ela passa a ser, na medida em que a sociedade se racionaliza

historicamente, o fator de estratificação social, um meio de distinção,

de obtenção de honras, de prebendas, de poder e de dinheiro.

Weber vê a educação dirigida três tipos de finalidades: a de

despertar o carisma, preparar uma conduta de vida e transmitir

conhecimentos especializados. As duas primeiras fogem à nossa

Enquanto que Marx via na educação a possibilidade de romper com a

escravidão do ser humano, Weber vê

na educação a possibilidade de desenvolver o talento do ser

humano, em nome da preparação para obtenção de poder

e dinheiro.

Page 47: Sociologia Da Educacao

47

racionalização; portanto, a terceira, por ser a racional, torna-se a

pedagogia do treinamento.

Com a racionalização da vida social e a crescente

burocratização do aparato público de dominação política e das

grandes corporações capitalistas privada, a educação passa a ter a

finalidade de um preparo especial com o objetivo de tornar o

indivíduo um perito.

ATIVIDADE 3

Com base na visão dos autores sobre o papel da educação, comente

no fórum a sua visão de educação, destacando a sua preferência em

uma das análises anteriores.

Page 48: Sociologia Da Educacao

48

Page 49: Sociologia Da Educacao

49

4 A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA

50

4.1 Para que Estudar Sociologia da Educação 50

4.2 A Sociologia da Educação: Entre o Funcionalismo e o Pós-modernismo

55

4.3 A Função da Escola na Sociedade Capitalista 63

4.4 Educação como Processo Socializador: Função Diferenciadora e Função Homogeneizadora

67

4.5 Explicações Sociológicas para o Contexto Brasileiro e seus Reflexos na Educação

72

Atividade 4 87

4.6 A Escola como Espaço Sócio-Cultural 94

4.7 Referência Bibliográfica 128

Page 50: Sociologia Da Educacao

50

4 A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA

SOCIOLÓGICA

4.1 Para que Estudar Sociologia da Educação?

No artigo “Sociologia da Educação: para quê?” O autor

Cristian Baudelot faz um questionamento: é útil ou inútil ensinar

Sociologia da Educação aos futuros professores? O sociólogo

francês Èmille Durkheim foi o primeiro a formular este

questionamento há mais de um século. E a essa pergunta ele deu

respostas teóricas e práticas.

Durkheim era um erudito e militante da educação. Ele tinha

um interesse enorme pela educação por dois motivos: como

intelectual que era, ele via na educação o principal mecanismo de

socialização dos jovens; ele também tinha interesse em desenvolver

uma moral laica, isso porque a moral existente na época era

impregnada de dogmas religiosos, e esses dogmas não mostravam a

realidade de forma objetiva e racional, como preconizava Durkheim,

ao entender a sociedade cientificamente.

Durkheim via na disciplina Sociologia da Educação a ciência

destinada aos futuros professores, uma forma de proceder a uma

análise objetiva do sistema de ensino, sua história, suas funções,

seus conteúdos, seus ideais. Isso para se obter dois resultados:

primeiro, manter a educação moral na educação primária. E uma

moral laica, racionalista e sociológica, embasando os professores de

conhecimentos sobre os sistemas de ensino para que eles mesmos

possam transformá-los, sabendo o que estão fazendo.

A partir dessa nova visão da realidade social, a sociedade

passaria a ter uma nova fé, a fé na racionalidade, na objetividade dos

fatos, desarmados de dogmas religiosos, para que se tenha uma

nova opinião que não seja uma inculcada de cima para baixo, sem

questionamentos. Mas Durkheim sabia que isso não seria tarefa fácil

O laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado

das igrejas e comunidades religiosas,

assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa.

Não deve ser confundida com o ateísmo de

Estado.

Page 51: Sociologia Da Educacao

51

para a Sociologia da Educação, porque ele conhecia a resistência

que oferecia a realidade social. Afinal de contas, quando as pessoas

nascem, a realidade já existe; e essa realidade vai atuar sobre o

individuo. E fazer o inverso não seria tarefa fácil.

A Sociologia da Educação seria a disciplina que deveria

introduzir no desenvolvimento da sociedade uma alta consciência de

si através da educação. Então, professores bem preparados teriam

esse papel de conscientização. Daí a utilidade do ensino da

Sociologia da Educação aos futuros professores.

Mas segundo Cristian Baudelot, a Sociologia da Educação

adormeceu um bom período, votando a renascer nos anos 60, com a

pesquisa de alguns sociólogos na área da educação.

A Sociologia moderna, diferente da Sociologia durkheimiana,

vê os estudantes como o centro das análises: suas origens de

classes, os diferentes resultados escolares, as diferenças sociais.

Essa nova Sociologia analisa o público escolar que vem de origens

diferentes e que ocuparão postos diferentes na divisão social do

trabalho. Estes alunos que ocuparão postos diferenciados serão

justificados por alguns autores como consequência da natureza

humana como dom e o mérito; outros acham que é normal essa

desigualdade social, devido à lei da reprodução da sociedade. Mas

todos percebem a diferenciação sócio-profissional.

Legitimidade de um Balanço

Diante dessa realidade, faz necessário levantar o seguinte

questionamento: os conhecimentos sociológicos da educação

levaram a alguma transformação no funcionamento escolar? Todos

esses conhecimentos sociológicos dos últimos anos mudaram algo

Page 52: Sociologia Da Educacao

52

na escola, uma vez que a ética de todo sociólogo, que estuda

cientificamente a sociedade é combater as desigualdades sociais?

Então o autor argumenta que é em função desse balanço que

saberemos se é o útil ou não ensinar Sociologia da Educação aos

futuros professores. Para isso, ele nos convida a fazer uma

abordagem, fazendo referência às diferenças de classes.

A abordagem remete à percepção de que a escolarização

obrigatória ampliou-se: há mais pessoas com diplomas certificados

de estudo em todos os níveis.

Mas isso não é a democratização do acesso ao ensino.

Porque esse acesso é aos diferentes diplomas para crianças de

diferentes classes sociais: filhos de operários e camponeses têm

acesso a certificados primários e de habilidades profissionais; e aos

filhos da classe média e alta, o acesso dado é ao ensino superior. Os

diplomas são compatíveis com os empregos: ensino curto – operário

ensino superior – funções de melhor status. A mudança quanto aos

professores foi a feminização: de 1950 a 1975, de cada dez

professores, oito eram mulheres, e apenas 18% eram filhas de

operárias, o restante eram filhas de classe média e alta; em 1979-80,

um filho de operário tinha 10 vezes mais possibilidades de repetir seu

primeiro ano primário do que um filho ou filha de um médio. Então, a

generalização da escolarização e a tendência de elevar o número de

diplomas não significam democratização do ensino, nem aceso de

ensino de qualidade para todos.

Então, a difusão de uma Sociologia da Educação de esquerda

contra a perpetuação das desigualdades sociais pela escola não

modificou o sistema educacional. A Sociologia da Educação não

serve para nada, pois não conseguiu vencer as desigualdades

sociais que combate? Seria melhor substituí-la por outras disciplinas.

Afinal de contas, as informações mostradas anteriormente mostram

Page 53: Sociologia Da Educacao

53

que quem tem poder econômico tem acesso às melhores escolas, e

quem têm acesso às grandes escolas, terá melhor poder econômico.

Esse balanço negativo não deve nos levar ao desanimo,

porque só em reconhecer esse fracasso já é uma lição de Sociologia

para a ação. Pois a realidade escolar não se muda pela boa vontade

dos professores, nem por decretos de governos. A realidade é mais

complexa, e temos de perceber como se encadeia essa

complexidade.

Dentro da sociedade capitalista, o problema são as funções

sociais do sistema escolar da sociedade burguesa. E quem é capaz

de contribuir para elucidar essas funções sociais é a Sociologia da

Educação.

A escola capitalista divide as crianças porque a divisão

capitalista do trabalho exige que trabalhadores intelectuais sejam

separados dos trabalhadores manuais.

Temos uma realidade na sociedade capitalista: 20% dos

trabalhadores são trabalhadores intelectuais, e a grande maioria,

80%, são de indivíduos pouco qualificados.

A divisão capitalista do trabalho, a exploração dos

trabalhadores, a extorsão da mais-valia, a desqualificação do

trabalho, o temor do desemprego, o exército industrial de reserva, a

separação crescente do trabalho intelectual e trabalho manual, eis

aqui as verdadeiras causas que permitem explicar a estrutura e o

funcionamento da escola capitalista.

É a organização capitalista que separa as crianças em duas

vias de escolarização: uma destinada aos filhos membros da classe

Page 54: Sociologia Da Educacao

54

trabalhadora, e a outra destinada aos filhos membros da classe

dominante.

O professor deveria ser o elucidador dessa trama social que é

costurada, no sentido de reproduzir uma sociedade de classes. Mas

ele também é vítima, porque também concorre dentro do sistema de

produção capitalista.

Esta é, entretanto, a realidade, e tem de ser encarada. A

função real da escola não tem, em absoluto, como fim, desenvolver

harmoniosamente o indivíduo ou desenvolver suas qualidades

pessoais; isto é um sonho abstrato de psicólogo. Consiste, pelo

contrário, em produzir para o mercado de trabalho séries de mão-de-

obra mais ou menos qualificada. É a estrutura do mercado de

trabalho o que pesa sobre a escola, com todo seu peso, até o ponto

de imprimir-lhe sua forma.

Os números de uma pesquisa do INSEE mostram que dos

jovens que entram no mercado de trabalho, 3/4 são empregados

ditos das classes subalternas, o restante são empregos e quadro.

Temos uma polarização das qualificações: por um lado, postos que

não exigem qualificação; por outro, postos destinados a indivíduos

que receberam uma longa formação escolar.

Temos aí duas vias de escolarização: a primeira é a via

secundário-superior, que formará 20% dos quadros; e a segunda via

é a primário-profissional; que absorverá os 80% restantes. E contra

essa divisão o professor não pode fazer nada. É melhor reconhecer

essa divisão do que negá-la. Ela só desaparecerá com a destruição

das relações capitalistas de produção. Somente a Sociologia da

Educação permite aos professores distinguir entre o que depende

deles e o que não depende.

INSEE (Francês: Institut National de la Statistique

et des Études Économiques) é o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos. Ele

coleta e publica informações da economia

e sociedade francesas, realizando periodicamente o censo da nação, sendo semelhante ao Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (do Brasil) e ao

Instituto Nacional de Estatística (de Portugal). Está localizado em Paris.

Page 55: Sociologia Da Educacao

55

A educação popular de massa propaga o discurso de que

somos todos iguais e que a educação tem de ser igual para todos.

Mas, à medida que é pregada a igualdade, a sociedade reproduz a

desigualdade. Não há necessidade ou vontade, por parte do sistema,

da construção de uma educação popular de massa, pois só assim a

desigualdade é reproduzida.

A melhor forma de melhorar a formação dos mais

abandonados seria a democratização do ensino. Democratizar

ensino é pôr a escola à serviço do povo, com todo produto que é

reservado também aos intelectuais. Todos têm de ter a mesma

educação na via primário-profissional.

O sociólogo da educação é quem tem essa visão ampla da

realidade social e escolar. E para ter essa sensibilidade intelectual

com relação à escola e seu papel na sociedade capitalista, os

professores de Sociologia da Educação têm de estar preparados em

suas áreas, pois é comum encontrar professores de Sociologia da

Educação sem a preparação adequada para tal fim. O autor afirma

que em um colégio da França, no curso Educação Física, o professor

de Sociologia do Esporte é um esportista. E na nossa realidade

muitos dos professores de Sociologia são pedagogos, teólogos,

filósofos, historiadores etc., ou seja, são profissionais que não têm o

embasamento teórico necessário para ministrar tal disciplina.

Então, é importante ensinar aos futuros a serem, eles

próprios, Sociólogos da Educação.

4.2 A Sociologia da Educação: entre Funcionalismo e o Pós-

modernismo

O campo da Sociologia é bastante fluido, daí a dificuldade de

se fazer Sociologia. No campo das ciências naturais, os objetos de

estudo são objetivos; já na Sociologia, a objetividade ganha ares de

Page 56: Sociologia Da Educacao

56

subjetividade. E em se tratando de educação, não podemos dizer

que existe somente uma Sociologia ou se existem várias Sociologias.

A Sociologia da Educação de hoje é tão crítica,

principalmente no Brasil, que é difícil pensar que nem sempre foi

assim. Mesmo assim, ainda hoje, convive, lado a lado, uma

Sociologia da Educação extremamente crítica com relação à ordem

existente, baseada em alguns modelos marxistas e uma outra

inspirada no modelo funcionalista de pesquisas empíricas.

Quando se fala de Sociologia da Educação, pensa-se

imediatamente nos estudos das grandes relações entre processos

sociais amplos e resultados amplos dos processos educacionais. Um

exemplo disso é a produção da desigualdade via escolarização. Mas

existem setores no campo da Sociologia da Educação mais

preocupados com processos sociais produzidos em nível das

pequenas unidades. É o caso do estudo da sala de aula.

Isso mostra como é difícil falar de uma Sociologia da

Educação. A diferença entre os temas, as referências teóricas, as

orientações políticas são tão grandes que é mais correto falarmos de

Sociologias da Educação.

Vamos falar da Sociologia da Educação que se tornou

dominante, ou seja, a mais discutida pelos autores desta disciplina,

que é a perspectiva crítica.

Movendo-se no Campo: As Referências Principais.

O grande tema da Sociologia da Educação é o dos

mecanismos pelos quais a escola contribuiu para a produção e a

reprodução de uma sociedade de classes. Temos como autores

Page 57: Sociologia Da Educacao

57

Althusser, Bowles e Gintis, Bourdieu e Passeron, Baudelot e

Stabelet, Michel Young.

O que esses autores têm em comum é que em seus estudos

percebemos a contribuição da educação para a produção e

reprodução das classes. E o que os diferencia são os ensaios como

os de Althusser, Bowles e Gintis, Baudelot e Estabelt, para os quais

a divisão social decisiva é aquela entre as classes econômicas e

para os quais o dever da escola é preparar as pessoas para os

diferentes papéis do trabalho. Já para Boudieu e Passeron, a divisão

social é medida por um processo de reprodução cultural.

Vamos tentar, a partir de agora, descrever os argumentos

centrais de cada um desses estudos para mapear os principais

temas da Sociologia da Educação.

A Divisão Capitalista do Trabalho: O Ponto de Partida e o Ponto

de Chegada.

Nos estudos de inspiração marxista (Althusser, Bowles e

Gintis, Baudelot e Estabelt), o problema a ser explicado é a divisão

da sociedade entre proprietários e não-proprietários, em conjunção

com a divisão entre trabalho intelectual e manual, e sua reprodução,

com ênfase para o papel da escola nesse processo.

Nessa forma de análise, o papel da escola é preparar

tecnicamente e subjetivamente as diferentes classes sociais para

ocuparem os seus devidos lugares.

Althusser teoriza a respeito do papel do Estado na

reprodução das classes sociais através dos aparelhos ideológicos do

Estado. E aí entra a escola, encarregada de fornecer as condições

ideológicas ideais para o processo de acumulação capitalista.

Page 58: Sociologia Da Educacao

58

Para Baudelot e Estabelt, o sistema escolar é dividido em

canais separados e incomunicáveis, que agem através dos currículos

diferenciados, reproduzindo as classes sociais.

Para Bowles e Gintis, é a vivência de um contexto escolar que

se constitui na imagem do contexto do local de trabalho; e que dada

vivência produz o tipo de personalidade adequada às divisões

existentes.

Tomás Tadeu da Silva, autor do ensaio “O que Produz e o

que Reproduz em Educação”, relata que os estudos desses autores

têm deficiência, porque eles partem da visão de que o sistema tem

necessidade de produzir mão-de-obra com características técnicas, e

de uma população dócil. Daí a necessidade da escola para produzir

esses resultados. Então, a escola só funciona assim porque o

sistema assim o exige.

Bourdieu e Passeron: Os Processos Culturais em Evidência.

Para Bourdieu e Passeron, a escola não inculca valores e

modos de pensamentos dominantes. Ela limita-se a usar o código de

transmissão cultural de que apenas as crianças e jovens da classe

dominante já foram iniciados no ambiente da família. A escola

permite a continuação no jogo da cultura e confirma a exclusão dos

filhos dos pais das classes subordinadas. A ênfase é ao de

transmissão do capital cultural.

Bourdieu e Passerom atribuem ao capital cultural,

transmitido aos filhos por parte das

famílias das classes média e alta, o

sucesso escolar e profissional.

Page 59: Sociologia Da Educacao

59

A Problematização do Conhecimento Escolar.

A Nova Sociologia da Educação, organizada por Michel

Young, em 1971, na Inglaterra, depois se estendeu aos EUA e

França, tendo pouca repercussão no Brasil.

Ela coloca no centro das análises sociológicas da educação a

problemática dos currículos escolares. Ela põe em questão o

processo pelo qual um determinado tipo de conhecimento veio a ser

considerado como digno de ser transmitido via escola.

Como é que o conhecimento foi estratificado? Qual a

hierarquia entre as diferentes disciplinas? Como essa hierarquia veio

a ser estabelecida? Através de qual luta e negociação?

A nova Sociologia da Educação não tem como tema central a

estratificação social, mas sim, a estratificação do conhecimento

escolar.

Ironicamente, uma das promessas da nova Sociologia da

Educação, a da análise pela qual as disciplinas escolares vieram a

se constituir objeto de análises sociológicas, não chegou a ser

cumprida. Uma importante tarefa parece ser realizada por uma

história das disciplinas.

O Legado dos Fundadores e os Temas Centrais Hoje

Apesar do desenvolvimento da Sociologia da Educação

nesses 20 anos, a problemática central continua a mesma e os

temas preferidos são os mesmos. O tema central gira em torno do

papel da educação na produção e reprodução de uma sociedade de

classes.

Page 60: Sociologia Da Educacao

60

Esse grande tema se desdobra:

• Nos temas do papel da ideologia nesse processo;

• Na natureza do Estado capitalista e de sua participação na

estrutura central, na institucionalização e continuação de um sistema

educacional que mantém uma relação estreita com as exigências da

produção capitalista;

• Na contribuição decisiva da organização da distribuição do

conhecimento escolar no processo de construção das desigualdades

educacionais;

• Na estreita relação entre os processos de reprodução cultural e de

reprodução social;

• Na contribuição da escola para a reprodução da divisão social do

trabalho.

Muitas das temáticas introduzidas pelos fundadores

permanecem pouco desenvolvidas. Por exemplo:

• A da relação entre uma teoria do Estado e a educação;

• A da conexão entre os níveis micro e macro sociológico;

• A das complexas relações entre ideologias e cultura;

• A das relações entre a divisão social do trabalho e a educação;

• A da questão das relações de gênero e raça.

Com relação ao primeiro tema, Bowles, Gintis e Altusser

fizeram um esboço da Teoria do Estado, onde levaram em conta a

educação como sendo aparelho do Estado.

No que diz respeito ao segundo tema, durante muito tempo foi

negligenciado um estudo minucioso do cotidiano das escolas e das

salas de aulas.

Page 61: Sociologia Da Educacao

61

Hoje, muitos sociólogos da educação vêm tentando

selecionar certos eventos de uma sala de aula e tentar fazer uma

ligação com processos, como o da permanência da estratificação

social.

Uma dessas temáticas foi realizada: é a de Willian (1991).

Ele tentou fazer uma conexão entre o micro e o macro, procurando

mostrar como involuntariamente, mas de forma decisiva, um grupo

de adolescentes masculinos, originários da classe operária e

concluindo um ciclo de educação secundário, determinava, através

da rejeição dos valores escolares e do trabalho mental, seu próprio

encaminhamento para o trabalho manual. O resultado final é a

reprodução da classe operária como classe operária e como

consequência, das relações sociais existentes.

A crítica a William reside no erro em tentar reduzir um

processo amplo e complexo aos detalhes isolados de um evento

qualquer da vida cotidiana.

Sobre ideologia e cultura, tem-se observado nestes últimos

anos uma tentativa de encontrar ideologia em tudo dentro da

educação: a ideologia do livro didático; a ideologia das políticas

educacionais; a ideologia nos currículos escolares; a ideologia nas

mensagens e nos atos dos professores etc. O que se tem discutido é

que a ideologia é da classe dominante, e nas classes populares, é

cultura.

Nas Ciências Sociais, a conexão entre ideologia e cultura tem

sido aproveitada, mas muito pouco no campo da educação.

Outra temática discutida foi a da relação entre educação e

trabalho. A educação aparece como local apropriado para a

preparação técnica da força de trabalho para a produção capitalista.

Page 62: Sociologia Da Educacao

62

A natureza precisa de conexão entre a divisão social do

trabalho para que haja uma “quase” perfeita organização da

produção da vida material. E nesse processo de conexão da divisão

social do trabalho, a organização da educação tem sido deixada de

lado. Isso porque não querem se centrar na natureza do trabalho

capitalista.

Outro tema central da Sociologia da Educação são as

relações de raça e gênero. No Brasil, esse tema tem tido pouca

importância. Um dado evidente é que a educação no Brasil é feita, na

sua maioria, por mulheres.

O Fim da História, o Pós-modernismo e a Sociologia da

Educação.

Com a derrocada dos regimes do leste europeu, triunfou o

capitalismo. E no Brasil, predomina uma nova direita (neoliberal).

Anuncia-se o fim da modernidade e agora tem-se a pós-

modernidade. Há uma crise nas Ciências Sociais e nos métodos de

análise tradicionais; e a Sociologia da Educação não poderia ter

ficado fora desta suposta crise.

O modelo crítico da Sociologia da Educação sobre os

aspectos da educação capitalista e a perversa organização da

economia capitalista foram errados, porque agora não há nada

perverso no capitalismo.

No Pós-modernismo o eixo da dinâmica social está em toda

parte, e em parte alguma.

Page 63: Sociologia Da Educacao

63

O Neoliberalismo Triunfante

Como fica a Sociologia da Educação nessa encruzilhada? É

talvez a hora de reafirmar-se a sua vocação crítica. É hora de

desamarrar os nós mistificadores da onda neoliberal e da onda pós-

modernista. É hora da Sociologia da Educação reafirmar sua

vocação crítica, denunciando a mistificação representada pela voga

liberal.

Esse novo véu ideológico apenas demonstra que a tarefa da

Sociologia da Educação está longe de ser esgotada; ela está apenas

começando.

4.3 A Função da Escola na Sociedade Capitalista

Nas teorias estudadas até agora pela Sociologia da

Educação, a escola tem aparecido como a instituição mais eficiente

quando se trata de segregar as pessoas. Ela aparece como

instituição única, que trata todos os alunos da mesma forma e onde

se elaboram o conhecimento e os valores.

Dois pesquisadores franceses – Establet & Baudelot -

chegaram à conclusão de que existem duas redes de escolarização

na França: uma destinada aos filhos dos membros da classe

empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe

trabalhadora.

Os filhos da classe empresarial têm acesso às melhores

escolas; mais tempo e recurso para estudarem frequentam outras

atividades que complementam a formação e educação escolar;

participam de cursos de língua estrangeiras, jogos; vão ao teatro,

música, dança. Conseguem terminar o curso secundário e ingressar

Page 64: Sociologia Da Educacao

64

em boas faculdades e cursam os melhores cursos, que trazem

retorno financeiro que lhes mantém na condição de classe

dominante.

Já os filhos da classe trabalhadora, sem recursos, têm uma

longa jornada de trabalho; são obrigados a contentar-se com as

piores escolas; não atingem as notas necessárias para entrar nas

melhores faculdades e cursar os cursos que melhor trazem recursos

financeiros. Ela vê-se, no muito, a frequentar cursos noturnos, sem

nenhum curso de complementação ou aperfeiçoamento. São alunos

que mal conseguem terminar o primário e lutam para conseguir

alguma vaga em um curso profissionalizante. São excluídos dos

cursos superiores.

Essa diferença na escolarização das duas classes sociais não

aparece de forma clara. Elas coexistem de forma dissimulada,

apresentando-se como sendo única, universal, oferecendo

oportunidades a todos – e essa aparência ganha sustentação na

ideologia.

Em resumo, o processo de escolarização é diferenciado para

cada uma das classes sociais, embora a ideologia tente mostrar que

é o mesmo: a classe empresarial recebe uma escolarização que lhe

permite obter conhecimentos necessários para o exercício de classe

dirigente; a classe trabalhadora passa por uma rede de escolarização

que lhe possibilita apenas exercer um trabalho disciplinado dentro de

sua condição de classe dirigida.

Nesse processo, a instituição linguagem aparece como

principal fator de segregação social, pois ela não é única, pode dar-

se de vários modos na escola, como por exemplo, no discurso do

professor ou nos seus gestos, nos conteúdos dos livros adotados,

nos programas de ensino, nas regras de convivência ou em normas

disciplinares. Dentro da escola, a linguagem é, na visão dos

pesquisadores, muito semelhante da que aparece na vida da classe

Page 65: Sociologia Da Educacao

65

empresarial. Aquilo que o professor diz ou faz, aquilo que aparece

nos livros e as regras da escola são, na maioria dos casos,

semelhantes ao que um pai de família de classe dominante fala ao

filho, semelhante aos livros encontrados em sua casa e até mesmo

às regras de convivência nesta família. Neste sentido, para a

burguesia, a escola é prolongamento da vida cotidiana, pois a

linguagem que a classe empresarial encontra na sala de aula é a

mesma utilizada em família.

Já com os filhos membros da classe trabalhadora ocorre o

inverso. Ao ingressar na escola, a criança encontra uma linguagem

da burguesia, que não é sua. A criança pobre encontra-se diante de

uma maneira de falar ou agir do professor, diante de livros e

conteúdos que não correspondem à sua vida cotidiana de trabalho,

de pobreza e sofrimento. Para a criança da classe trabalhadora a

escola não é o prolongamento da sua vida; é rompimento, é outra

realidade, outro mundo difícil de ser interpretado. Muitas vezes a

criança da classe trabalhadora não assimila os conhecimentos que a

escola lhe transmite porque não entende a linguagem com que os

conhecimentos lhes são transmitidos: a linguagem não tem ligação

com o seu dia a dia.

Em resumo, por tratar com a mesma linguagem crianças de

classes sociais diferentes, a escola reproduz a desigualdade.

Enquanto a criança da classe burguesa conhece essa linguagem,

pois a vive no cotidiano, a criança pobre encontra-se diante de uma

linguagem nova que terá de dominar com muito esforço e sacrifício.

Esse fato reflete-se no aprendizado dessas crianças, pois enquanto a

primeira aprende com facilidade, a segunda terá muita dificuldade.

Isso explica por que tantas crianças abandonam a escola

depois de repetir a mesma série por mais de três anos consecutivos.

Sendo assim, fica desmistificada a idéia, muito comum atualmente,

que atribui à própria criança e à sua família as causas do fracasso

escolar. Afirma-se constantemente que a criança pobre, mal

Page 66: Sociologia Da Educacao

66

alimentada, não é inteligente; que a família desintegrada leva a

criança a se desinteressar pela escola. A criança pobre não se

esforça e não gosta do ensino e, por isso, através de suas próprias

deficiências, não será capaz de vencer na vida. Com isso, inocenta-

se a escola e culpa-se o próprio aluno ou a sua família pelo fracasso

escolar.

Mas é a escola que, sutilmente, através de sua linguagem,

marginaliza a criança pobre, uma vez que na sociedade capitalista

ela está a serviço da classe dominante, reproduzindo a sociedade de

classes.

Dentro dessa concepção, o professor apresenta-se também

como elemento de reprodução das desigualdades sociais. Na sala de

aula a educação formal concretiza-se e nela o professor tem papel

importante. Em outras palavras, se a educação formal apresenta-se

na sala de aula e se a instituição está a serviço da classe dominante,

pode-se concluir que o professor estará objetivamente a serviço dos

detentores dos meios de produção.

Isso se manifesta no fato de os professores aparecerem como

os primeiros a aceitarem as normas escolares e as imporem aos

alunos. Em segundo lugar, os professores disciplinam os seus alunos

para que produzam na escola como se produzissem numa fábrica,

em função da recompensa-punição.

Geralmente o modelo de bom aluno que o professor tem em

mente corresponde à criança que nunca pergunta; não reclama;

sempre aceita o que o professor diz; não conversa; não fica em pé

na sala de aula; numa palavra: o aluno autômato, submisso.

Enfim, a escola, na sociedade capitalista, tem a função de

reprodução da sociedade. Ela é conservadora na medida que o seu

Page 67: Sociologia Da Educacao

67

papel é manter a sociedade como está. E da forma como está

apenas uma pequena parcela da população vive em condições

dignas de cidadão.

4.4 A Educação como Processo Socializador: Função

Diferenciadora e Função Homogeneizadora

Análise de Algumas Funções de Educação

Segundo Durkheim, a educação tem sido empregada como

“um conjunto de influências que, sobre a nossa inteligência ou sobre

a nossa vontade, exercem os outros homens” (FORACCHI, 1985).

Stuart Mill defende educação como “tudo aquilo que fazemos para

nós mesmos, e tudo aquilo que os outros planejam fazer com o fim

de nos aproximar da perfeição de nossa natureza. Em sua mais larga

acepção, compreende os mesmos efeitos indiretos produzidos sobre

o caráter e sobre as faculdades do homem, por coisas e instituições

cujo fim próprio é inteiramente outro: pelas leis, formas de governo,

pelas artes industriais ou, ainda, por fatos físicos independentes da

vontade do homem, tais como o clima, o solo, a posição geográfica”.

(FORACCHI, 1985). Segundo Kant, “o fim da educação é

desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele seria

capaz” (FORACCHI, 1985). Mas o que é perfeição? Perfeição é

atingir o ideal supremo. Isso é possível? Não! Porque os homens têm

ações diferenciadas, ou seja, uns existem para refletir e outros para a

ação. Se fosse dessa forma, na nossa sociedade, somente uns

atingiriam essa perfeição pelo fato de uma grande maioria não estar

incluída entre os pensadores.

Segundo James Mill, a função da educação é “fazer do

indivíduo um instrumento de felicidades para si e para seus

semelhantes” (FORACCHI, 1985). Essa resposta também é vaga,

porque a felicidade é uma coisa subjetiva; cada um tem sua forma de

felicidade.

Page 68: Sociologia Da Educacao

68

O ponto fraco dessas definições é que elas partem do

postulado de que há uma educação ideal, perfeita, apropriada a

todos os homens.

Porém, se antes de tentar definir essa educação, eles

considerassem a história, suas hipóteses, teriam, talvez,

sustentação. Porque na visão de Durkheim, a educação varia com o

tempo e com o meio. Por exemplo: na cidade grega a educação era

para subordinar o indivíduo à coletividade; hoje, a educação esforça-

se em fazer do indivíduo uma personalidade autônoma; em Atenas a

educação era para formar espíritos delicados, prudentes, sutis; em

Roma, era para formar homens de ação, apaixonados pela glória

militar; na Idade Média, era uma educação cristã; na Renascença a

educação tinham um caráter mais leigo, mais literário; hoje a

educação é para a ciência.

Cada sociedade, em um determinado momento, possui um

sistema de educação que se impõe ao indivíduo de modo irresistível,

e dele não podemos fugir. E esse sistema de educação nos obriga a

educar nossos filhos de acordo com os padrões culturais pré-

estabelecidos. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos

filhos como queremos. Se desrespeitarmos esses costumes, eles

vingar-se-ão em nossos filhos, fazendo com que eles não vivam em

harmonia com seus pares devido à diferenciação no processo de

socialização.

Para entendermos os costumes, temos de remontar ao

passado e observá-lo para formular um conceito, pois não fomos nós

que o criamos; quando chegamos, já o encontramos pronto.

Page 69: Sociologia Da Educacao

69

Elementos que Durkheim Considera para Definir Educação

Para definir educação temos de comparar os sistemas

educativos que existem, ou que tenham existido, e apreender deles

os caracteres comuns. Esses caracteres constituíram a definição de

educação.

É importante salientar que para que haja educação é

necessário que haja uma geração de adultos e uma geração de não-

adultos, ou seja, jovens, crianças e adolescentes. E que uma ação

seja exercida pelos adultos sobre os não-adultos.

A natureza dessa influência é que a educação apresenta

duplo aspecto: de ser o uno e múltiplo.

O aspecto múltiplo da educação dá-se pelo fato de haver

diversas espécies de educação em determinada sociedade. Por

exemplo: na sociedade de castas, a educação varia de uma casta

para outra, ou seja, a educação dos patrícios era diferente da dos

plebeus; a dos brâmanes não era a dos sudras. Na Idade Média, a

educação do pajem era diferente da do vilão; hoje, a educação varia

com as classes sociais, como também regionais.

A educação homogênea e igualitária só existiu nas

sociedades pré-históricas.

O aspecto uno caracteriza-se pelo fato de ela ter uma base

comum que é essa ação exercida pelos adultos sobre os imaturos,

tendo como efeito a reprodução da sociedade.

Page 70: Sociologia Da Educacao

70

Partindo desses pressupostos, Durkheim define educação

como “ação exercida pelas gerações de adultos sobre as gerações

que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por

objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados

físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no

seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente,

se destine”. (FORACCHI, 1985)

Em cada um de nós existem dois seres: o ser social que é

constituído de todos os estados mentais; e o ser social que é

constituído por crenças, práticas, tradições, e as opiniões coletivas.

Então, a educação, conforme a definição precedente, tem por fim

constituir o ser social em cada um de nós, ou seja, nos socializar.

O ser social não nasce com o homem, nem o homem se

submete espontaneamente. Quem queria ser submetido

espontaneamente à autoridade política, às adversidades da

sociedade? Não há em nossa natureza congênita uma predisposição

a tornarmo-nos, necessariamente, servidores de divindades ou de

emblemas simbólicos da sociedade, que nos leve a render-lhes culto,

a nos privarmos em seu proveito ou em sua honra. Foi a própria

sociedade, na medida de sua formação e consolidação, que tirou de

seu próprio seio essas grandes forças morais diante das quais o

homem sente a sua fraqueza e a sua inferioridade.

A educação agrega ao ser a-social que acaba de nascer uma

natureza de vida moral e social. As múltiplas aptidões que a vida

social supõe não podem organizar-se em nosso tecido, então, elas

são transmitidas pela educação; não são hereditárias.

Mas há outras qualidades que o homem procura possuir

espontaneamente, como: adquirir inteligência, qualidades físicas e

tudo o que contribua para a saúde e o vigor do organismo.

Page 71: Sociologia Da Educacao

71

A inteligência tão cultivada hoje nem sempre foi concebida

por todos os povos. Antes era tida como perigosa. Basta lembrar-se

do ditado: “bem aventurados os pobres de espírito”. Rousseau já

dizia: “para satisfazer à necessidade da vida, a sensação, a

experiência e o instinto podem bastar. Nada de inteligência”.

A sede de saber deu-se quando a vida social se tornou

complexa.

E com relação às qualidades físicas, se o meio social for

inclinado para a perfeição espiritual, pela meditação, a educação

física será relegada ao segundo plano. Era assim na Idade Média; é

assim com os monges.

Tal seja a corrente de opinião, a educação física será de uma

ou de outra espécie. Em Esparta, a educação física era usada para

enrijecer os músculos, para resistir à fadiga; em Atenas, para ter os

corpos belos; nos tempos da cavalaria, para produzir guerreiros

ágeis e flexíveis; nos tempos de hoje, pela questão higiênica.

A educação fez com que, através das ações sociais, os

homens aperfeiçoassem-se cada vez mais, tornando-se mais

humano. O homem é humano porque coopera com seus

semelhantes, e esse saber apreendido é repassado às outras

gerações pela linguagem, seja ela oral, livros, figuras, instrumentos.

É através da linguagem que aprendemos todos os sistemas de idéias

organizados e classificados de todos os trabalhos ao longo dos

séculos.

Os frutos da experiência humana são quase que

integralmente conservados, graças à linguagem que se transmite de

geração.

Page 72: Sociologia Da Educacao

72

As gerações vêm e vão, mas o conhecimento não

desaparece; pelo contrário, vai acumulando-se e revisando dia a dia,

e é essa acumulação indefinida que eleva o homem acima do animal

e de si mesmo. E para que isso aconteça é preciso que haja a

sociedade.

4.5 Explicações Sociólogas para o Contexto Capitalista

Brasileiro e seus Reflexos na Educação

Pretendemos nesta análise do contexto capitalista brasileiro

entender as causas da evasão e da reprovação escolar. E para

analisar a evasão e repetência devemos ter um conhecimento da

realidade econômica, social e política vivida pela escola.

Para isso, pretendemos compreender o capitalismo e o

liberalismo, situar o nascimento da Sociologia Moderna no interior

do estabelecimento do capitalismo; perceber o papel das instituições

sociais através das teorias de Marx e Durkheim.

Brasil, país capitalista

O Brasil é um país de contrastes. Coexistem de maneira

bastante evidente duas classes sociais bem distintas e antagônicas:

de um lado temos uma classe social que vive muito bem – bem até

demais; e de outro, uma classe que vive abaixo da linha da pobreza.

Isso é próprio do capitalismo. Os ricos vivem graças à miséria dos

trabalhadores.

Da mesma maneira que diferem as condições de vida das

duas classes, variam também os anos de estudos. A classe de maior

renda, que é uma minoria, dispõe de maior escolaridade, de maior

Page 73: Sociologia Da Educacao

73

acesso aos bens culturais. A classe de menor renda, que é a maioria,

dispõe de um pouco ou nenhum acesso a tais bens culturais.

GRÁFICO DAS PIRÂMIDES

INVERTIDAS

O conhecimento perpetua a dupla relação:

poder e saber e saber e poder.

Isso se mantém igualmente na relação entre países. Os

países que têm poder econômico o ampliam através de pesquisas, e

os países pobres importam por um preço alto.

O Liberalismo e a Escola

O sistema capitalista apóia-se em um conjunto de idéias, de

formas de agir e pensar que servem para justificar esse sistema.

Esse conjunto de idéias forma uma doutrina econômica, o

liberalismo, que se sustenta nos seguintes princípios:

O individualismo – para o individualismo, todos têm direitos

naturais, independente da sociedade. Todos têm atributos diferentes,

cabendo ao governo garantir a cada um o desenvolvimento de seus

talentos.

Distribuição da população por faixa de renda:

Distribuição da escolaridade e do acesso aos bens

culturais:

Renda alta

Renda media

Renda baixa

Grande número de anos de estudo e de bens culturais

Pouco ou nenhum ano de estudo e de acesso aos bens culturais

Para Locke, a origem do governo estava

em um acordo realizado entre os

homens, para garantir a cada um os direitos naturais.

Para o liberalismo, o privilégio decorrente do nascimento (nascer em

família rica) deve ser negado. Em

contrapartida, o trabalho e o talento

são os meios corretos para se enriquecer. Portanto, afirma que qualquer indivíduo

pobre, trabalhador e com qualidades, pode enriquecer e adquirir

propriedades.

Page 74: Sociologia Da Educacao

74

Segundo o individualismo, a pobreza ou a riqueza dependem

da vontade e da capacidade cada um.

A liberdade – para o liberalismo, quanto maior for o poder do

Estado, maior será a liberdade do indivíduo.

A propriedade – o direito de cada um tem e que o Estado

deve proteger. E só se consegue a propriedade através do trabalho.

A igualdade – a igualdade perante a lei. Não a igualdade

social. Para os liberais, a existência de ricos e pobres é natural, uma

vez que homens não são igualmente esforçados ou talentosos.

A democracia – direito de todos participarem do governo

através de representante de sua própria escolha.

No Brasil, essas idéias liberais trazidas na época de

Tiradentes sempre foram contraditórias com a realidade da nossa

sociedade. Na realidade, o que nós sempre tivemos, e ainda temos,

é uma grande massa de fracassados e miseráveis. E as razões do

fracasso são colocadas como razões individuais.

O modelo liberal, hoje chamado de neoliberal, serve aos

conservadores que pretendem a permanência da sociedade como

está.

A escola tem grande peso na aceitação conservadora das

idéias federais. Ela sustenta-se com princípios individualizantes, pela

classificação de avaliação, deixando de ver o aluno como ser social e

histórico.

A Sociologia não se resume a um bloco

único de explicação da realidade. Dependendo

da posição que assumem na análise da

sociedade, os pensadores da

Sociologia diferem quanto ao papel que

atribuem à educação, à cultura e à própria

sociedade, possibilitando análises

distintas da escola.

Essas idéias liberais ganharam sua força máxima durante a

Revolução Francesa, em 1889, cujo lema era: LIBERDADE,

IGUALDADE E FRATERNIDADE.

Page 75: Sociologia Da Educacao

75

A escola trata desiguais social e economicamente como

iguais, reproduzindo a desigualdade. E as famílias acabam por

responder pelo fracasso de seus filhos. Elas não vêem que é a

escola a instituição mais eficiente no processo de segregação social.

Compreendendo a Realidade com Auxílio da Sociologia

Marx e Durkheim analisaram e explicaram a sociedade

capitalista a partir de pontos de vistas antagônicos.

A harmonia proposta por Durkheim na análise da divisão do

trabalho contrasta com o caráter de oposição, de luta de classes,

destacado por Marx na mesma divisão do trabalho.

As idéias de Durkheim são liberais, pois defendem a

manutenção da ordem social tal como é posta pelo capitalismo. Já

Marx considera que a realidade é histórica – são análises críticas da

sociedade capitalista.

Durkheim considera que as instituições sociais, entre elas, a

educação, servem para conservar a sociedade. Para Marx, essas

mesmas instituições são montadas de forma a ocultar as relações

antagônicas entre capitalistas e proletariado, mantendo o domínio

capitalista.

Durkheim e a Educação

Durkheim faz uma análise funcionalista da sociedade. Para

ele, a sociedade assemelha-se a um organismo vivo, então, há um

determinismo social sobre os indivíduos.

Page 76: Sociologia Da Educacao

76

Ele considera a divisão do trabalho como um processo

natural: “nem todos fomos feito para refletir; é preciso que haja

homens de sensibilidade e homens de ação” (KRUPPA, p. 55). Esse

pensamento é conservador e o pensamento liberal conservador

justifica a desigualdade como fenômeno natural. A desigualdade é

tomada com o fenômeno individual e não social.

A estratificação acena com a possibilidade de ascensão

social. Depende somente do esforço pessoal. E uma das vias de

ascensão social proposta é a educação. Nessa visão, a educação e

o sucesso escolar dependem apenas do esforço e da capacidade

pessoal de cada um.

As Idéias de Marx

Marx desvendou o sistema capitalista analisando seus

aspectos políticos, sociais e econômicos, com a utilização do método

dialético.

Ele analisava aspectos e elementos contraditórios da

realidade até chegar à sua unidade.

Marx observou que o homem, para sobreviver, trabalha. E ao

trabalhar, ela mantém relações com a natureza e relações sociais.

Para Marx, na sociedade capitalista existem os donos dos

meios de produção e os desprovidos de qualquer bem produtivo.

Esses são apenas donos de força de trabalho, e para sobreviver

vendem sua força de trabalho ao capitalista. E nessa relação de

compra e venda de força de trabalho, o trabalhador é explorado

através de um processo que Marx chama de mais-valia, que são as

horas trabalhadas não-remuneradas pelo empregador.

Page 77: Sociologia Da Educacao

77

Na sociedade capitalista, durante a produção, o trabalhador

separa-se de seu produto, ou seja, ele não se reconhece como

produtor de bens de consumo. É como uma espécie de esquizofrenia

mental que Marx chamou de alienação.

No capitalismo o homem deixa de ser homem pelo trabalho.

Ele será livre quando desempenhar suas funções animais, como

comer, beber, procriar etc.

A verdadeira natureza do trabalho alienado: “o trabalhador se

sente contrafeito, na medida em que o trabalho não é voluntário, mas

é imposto, é trabalho forçado; o trabalho não é uma satisfação de

uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras

necessidades; o trabalho não se pertence, mas sim a outra pessoa.

Para Marx, a alienação do objeto do trabalho simplesmente resume a

alienação da própria atividade do trabalho” (1994, p. 60).

A Escola no Brasil

Feitas essa considerações sobre a realidade brasileira e as

explicações sociológicas dessa realidade social, vamos analisar a

realidade da educação escolar brasileira. Realidade essa que se

constitui na falta de vagas, evasão, repetência, analfabetismo,

excesso de turnos etc.

Os problemas da educação são de ordem externa e interna.

Os de ordem externa são os econômicos e sociais que têm

contribuído para que a escola falhe no processo de transmissão de

conhecimento e informações à população. Os mecanismos internos

que reforçam essa situação se constituem na qualidade do ensino,

gestão do sistema educacional, planejamento educacional, currículo,

avaliação, códigos disciplinares, jornada e nível salarial dos

educadores e funcionários, espaço físico, material pedagógico etc.

Page 78: Sociologia Da Educacao

78

Partindo desses mais variados problemas, a educação será

analisada aqui sob duplo aspecto: como direto da população e como

dever do Estado. Primeiro vamos ver os resultados escolares de uma

forma global; depois vamos ver à padronização e ao funcionamento

da escola.

A escola no Contexto Capitalista Brasileiro

Escola e Renda

A população brasileira ainda acredita que a escola é um meio

de ascensão social. Basta ver as lutas pela escola: as filas no início

de ano letivo; as organizações de pais e mestres; as lutas dos

movimentos sociais etc.

A escola tem respondido a essa luta? Os dados estatísticos

nos dão respostas desanimadoras. No Brasil, apenas uma minoria

conclui a trajetória escolar. A maioria, de baixa renda, não consegue

terminá-la. Ela – a escola – está funcionando como confirmadora da

distribuição de renda e de classe social: aos de maior renda, maior

número de anos de estudos e de cursos concluídos; aos de baixa

renda, a evasão e a repetência somam-se ao trabalho precoce,

delineando um quadro já antigo: uns para pensar, outros para

trabalhar.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), de 1985 e de 1989, e os dados de 1981, nos mostram que os

problemas educacionais são de ordem estrutural. Em 1989, tendo

por base os anos de estudos, cada 100 brasileiros, de mais de 10

anos, que tivessem algum trabalho, estavam distribuídos da seguinte

forma:

Page 79: Sociologia Da Educacao

79

Tabela 1

Pessoas de 10 anos ou mais, ocupadas, segundo anos de estudo –

Brasil – 1989.

Anos de estudos Pessoas de

10 anos ou

mais

% %

Acumulada

Sem instrução e até 1

ano

De 1 a 4 anos

De 5 a 8 anos

De 9 a 11 anos

12 anos ou mais

10.126.372

22.384.977

14.081.700

8.959.854

5.002.475

17

37

23

15

8

17

54

77

92

100

TOTAL 60.621.934 100 100

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil. IBGE, 1991.

Esses mesmos 100 brasileiros que tinham algum trabalho em

1989, tendo por base sua renda, estavam distribuídos da seguinte

forma:

Page 80: Sociologia Da Educacao

80

Tabela 2

Pessoas de 10 anos ou mais, ocupadas, com indicação de anos

de estudo e classe de rendimento mensal do trabalho (todos os

trabalhos) -1989.

Pessoas de 10 anos

ou mais, ocupadas.

Classe de rendimento

mensal do trabalho

Anos de estudos Sem

rendimento

De 3 a 10

S. M.

Mais de

10S.M.

Sem instrução e até 4

anos

De 5 a 8 anos

9 anos ou mais

27.108.584

64%

10.027.298

23%

5.375.916

13%

4.673.842

36%

3.304.723

25%

5.140.969

39%

795.479

16%

749.679

15%

3.445.444

69%

TOTAL

60.621.934

42.511.798

100%

70%

13.119.534

100%

22%

4.990.602

100%

8%

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil ,IBGE, 1991.

Os números mostram que aos de baixa renda, pouco ou

nenhum estudo; aos de maior renda, anos de estudos e cursos

concluídos.

Então, a população expressa essa avaliação de forma

conformista, carregada de culpa individual: “o menino é fraco de

cabeça, não dá para o estudo”.

Vamos entender a escola: inúmeras turmas de primeiras

séries contrastam com o reduzido número de oitava séries. As séries

vão se afunilando devido às desistências que acontecem durante o

Ao contrário da aspiração da população, a escola não tem servido como meio de ascensão social, ou seja, a escola

apenas tem confirmado a distribuição de renda.

O que se tem nos grandes centros urbanos

é uma deficiência significativa de vagas frente ao número de

alunos que seria necessário atender, situação agravada

quando se pretende um ensino de qualidade,

com menos turnos por escola e menor número de alunos por sala de

aula.

Page 81: Sociologia Da Educacao

81

processo educacional. Isso se deve ao alto índice de repetência, ao

retorno à escola daqueles que foram expulsos do sistema, portanto,

às distorções série/idade.

Além do mais, existem as diferenças regionais, e nelas existe

a pobreza. No sudeste o índice evasão e repetência é bem menor do

que no nordeste; existem disparidades entre zona urbana e zona

rural.

A repetência dá-se principalmente nas primeiras e nas quintas

séries. Esses são pontos críticos de estrangulamentos, pois é o

momento em que o aluno entra em contato com o novo. E esse novo

para o aluno filho membro da classe trabalhadora está bem distante

de sua vida cotidiana. Já para o filho membro da classe burguesa a

escola não é nenhuma novidade, é praticamente uma extensão de

sua casa.

Outro problema da educação é quanto à construção e as

localizações dos prédios escolares, que muitas vezes são para

atender critérios puramente eleitoreiros; muitos prédios são

construídos onde não há demanda. Assim, nos grandes centros

urbanos, há prédios ociosos, enquanto outros funcionam em quatro

turnos ininterruptos. Escolas são feitas de forma desordenada:

escola com quatro turnos ou mais; salas superlotadas; salas com um

professor para varias séries diferenciadas etc.

Escola e Trabalho

As crianças filhos da classe trabalhadora começam a

trabalhar muito cedo para ajudar no orçamento doméstico. No

campo, o trabalho das crianças acontece com mais intensidade

devido à migração dos adultos para os centros urbanos em busca de

empregos.

No início de cada ano letivo os governos

estaduais e municipais fazem chamadas

através dos meios de comunicação,

incentivando os pais a matricularem seus

filhos, mas o que se vê são filas quilométricas

nas portas dos colégios.

Page 82: Sociologia Da Educacao

82

Isso ocorre devido à concentração de renda. Além do mais,

muitos mecanismos sociais atuam para que isso aconteça, e dentre

eles, está a travessia na escola. Os dados mostram que não há

vagas disponíveis para todos, mas os meios de comunicação

divulgam o tempo todo a existência de escola para todos.

Se a análise parar na afirmação da escola para todos,

estaremos o tempo todo reiterando a verdade sempre afirmada de

que a escola está aí, só não estuda quem não quer. E isso é uma

mentira. No Brasil, estudar é para quem pode; quem tem poder

econômico; apenas uma minoria conclui os cursos escolares.

A Escola não é uma só

Não existe escola, existem escolas. Mesmo a escola pública

localizada no centro da zona urbana é, em geral, melhor do que a da

periferia. Também a escola particular, que é mantida através das

mensalidades, varia de uma para outra.

No ensino privado podemos distinguir quatro grandes redes:

as escolinhas, que embora sejam um dever do Estado, estão longe

ser realidade; a de primeiro e segundo graus, para atender os filhos

da classe média e alta; a formada pela rede de curso pré-vestibular e

supletivo, com variação de qualidade de ensino e custos. O supletivo

é uma continuidade do ensino fora do compasso. E está destinado

àqueles que foram excluídos do ensino; e a rede formada pelas

escolas superiores, que são responsáveis por cursos de engenharia,

medicina, direito, administração, economia, jornalismo, licenciatura

etc.

Geralmente essas faculdades funcionam à noite, porque

durante o dia a sua clientela trabalha. Elas atendem pessoas

oriundas do segundo grau público regular ou supletivo. Esses alunos

As escolas privadas de ensino supletivo e de

nível superior oferecem condições deficientes de trabalho: classes

superlotadas, um ensino que se resume à lousa

e um professor, contratado por

hora/aula, sem a menor condição de

atendimento individual ao aluno, fora do tempo e do espaço da sala de

aula.

Page 83: Sociologia Da Educacao

83

das faculdades particulares depois de formados são discriminados.

Os formados nas universidades públicas ficam com os melhores

cargos.

O mercado de trabalho para docentes oriundos das

faculdades particulares vão para a rede pública como professores

temporários, lecionando em precárias condições de jornada e

remuneração, e ensinam para as classes de menor renda. Já os

formados em universidades públicas serão professores efetivos

concursados ou trabalharão nas escolas particulares da elite.

Assim, fecha-se o círculo: aos melhores alunos, os melhores

professores e, posteriormente, os melhores empregos; aos alunos de

menor renda, os professores com formação de menor qualidade e

com a exaustiva jornada de trabalho.

A Organização da Escola

Eis alguns mecanismos que nos fornecem elementos para

entendermos a evasão e a repetência escolar:

• A escola é uma instituição social que transforma a suas ações

repetidas em regras;

• O currículo é formulado de maneira distante da realidade do

aluno;

• Os elementos que estruturam a vida cotidiana como fé,

probabilidade, economicismo, pragmatismo, são cristalizados,

aí a escola se apresenta como instituição imutável;

• A escola acompanhou o desenvolvimento do

capitalismo, então ela é marcada por fatores que constituem o

sistema.

O termo burocracia tem sido utilizado em vários sentidos. Tem

sido usado para designar o seu contrário, para

designar o governo de altos funcionários, para designar organização.

Na realidade, burocracia é tudo isso,

na medida em que burocracia é poder,

controle e alienação.

Page 84: Sociologia Da Educacao

84

O objetivo aqui é mostrar que as regras de

funcionamento da escola muitas vezes se distanciam do seu

objetivo, que é formar sujeitos críticos, portadores de

conhecimentos. Elas passam a exercer apenas o papel

disciplinador. E esse poder disciplinador dá-se em decorrência

da burocracia implantada pelo Estado dentro da escola.

No Interior da Escola a Burocracia Conta com um

Poderoso Aliado: O Poder Disciplinador

A organização burocrática se sustenta com o poder e o

saber que são produzidos pelas normas burocráticas. E a

escola é quem prepara o indivíduo, através do exercício

disciplinador, para uma submissão útil ao sistema institucional

burocratizado.

Segundo o sociólogo Maurício Tratenberg, a escola é

local de vigilância: a escola lhe controla com o diário; ela tem

seu histórico; cria disciplinas para entender e controlar a

consciência e a alma do aluno, como a psicologia da educação,

a psicopedagogia.

Os Procedimentos Burocratizantes da escola são:

A) O administrativo tem procedência sobre pedagógico. A

escola para viver financeiramente precisa de demonstração de

competência. Aí os números falam mais alto que o pedagógico.

O aluno não tem controle sobre o que

ele faz ou sobre o que é feito com o produto

do seu trabalho. O caderno do aluno

funciona como registro e permite a inspeção e

o controle da conformidade às

ordens da instituição.

Page 85: Sociologia Da Educacao

85

B) A submissão. Nesse compromisso com os números valoriza-

se a submissão, que é a do diretor a seus superiores, do

professor ao diretor, dos alunos ao professor. No emprego

público, a segurança do emprego leva à acomodação e à

submissão.

Na relação professor/aluno, existe todo um conjunto

simbólico de representações que reproduz a relação de poder.

A própria posição das carteiras enfileiradas; o professor na

parte mais alta da sala vendo os alunos de cima para baixo; a

caderneta como instrumento controlador; o sistema de

avaliação, que na realidade é uma seleção, pois avaliar

pressupõe tempo.

C) A situação de medo. O medo de perder a vaga; medo de

ser reprovado; o medo de perder o emprego; o medo de perder

sua autoridade; nos grandes centros a escola tem medo da

comunidade, por isso, constroem muros altos, portões

trancados, a polícia vigilante etc.

D) A burla. Professores burlam o sistema alegando

achatamento salarial; professores faltam, tiram licença, vão

para cargos comissionados; muitos professores vão para

projetos de melhoria de ensino e não retornam mais – o que

deveria ser um meio se torna um fim; existe o desperdício de

tempo na demora de entrada na sala de aula, na distribuição

da merenda, na busca de carteiras; existe burla na redução da

jornada curricular para atender os quatro turnos; na repetência

de exercícios etc.

Page 86: Sociologia Da Educacao

86

E) As situações de preconceitos. Os preconceitos que

circulam na escola, nas falas, tanto dos professores como dos

alunos: contra o favelado, o pobre, o negro. São tidos como

sexualmente promíscuos, vadios, burros, marginais etc.

Os professores têm essas atitudes por que:

• São alienados porque o trabalho os alienou. “Segundo

Patto, a professora cumpre com sua obrigação realizando

diariamente um ritual, sempre o mesmo, destituído de vida e de

significado que a mortifica: obediente mas descrente, coloca

sílabas na lousa, passa mecanicamente pelas carteira,

constata sempre os mesmos erros que aponta com maior ou

menor irritação, para começar tudo de novo no dia seguinte, no

mês seguinte, no semestre seguinte. Os dias são todos

iguais...” (1994, p. 108).

• Reproduzem o discurso da carência cultural e alimentar:

“A criança não aprende porque não se alimenta. Porque é

pobre”.

• A escola às vezes diz que o problema da criança é

médico: “Tem que fazer tratamento. Tá cheio de verme”.

• Que a escola é o caminho para o sucesso e só não

chega lá quem não quer.

Falta uma discussão por parte da escola no sentido de

mostrar o verdadeiro papel da educação na sociedade

burguesa.

Page 87: Sociologia Da Educacao

87

ATIVIDADE 4

Produza um ensaio sobre o papel da educação na sociedade

capitalista e coloque na base de dados.

Filme: Ao mestre, com carinho

Um jovem professor enfrenta

alunos indisciplinados e desordeiros

neste filme clássico que refletiu alguns

dos problemas e medos dos

adolescentes do anos 60. Sidney Poitier

tem uma de suas melhores atuações

como Mark Thackeray, um engenheiro

desempregado que resolve dar aulas

em Londres, no bairro operário de East End. A classe, liderada por

Denham (Christian Roberts), Pamela (Judy Geeson) e Barbara

(Lulu, que também canta a canção-título), estão determinados a

destruir Thackeray como fizeram com seu predecessor, ao

quebrar-lhe o espírito. Mas Thackeray, acostumado a hostilidades,

enfrenta o desafio, tratando os alunos como jovens adultos que

em breve estarão se sustentando por conta própria. Quando

recebe um convite para voltar a engenharia, Thackeray deve

decidir se pretende continuar.

O Clube do Imperador em busca da Formação Plena

Não há entre os

autênticos educadores um

único que não tenha o

interesse genuíno de fazer

com que sua aula extrapole

os limites dos conteúdos que

Page 88: Sociologia Da Educacao

88

estão sendo trabalhados e permita a seus estudantes uma formação

plena, integral. E quando falamos nisso, destacamos que essa idéia

envolve a busca não apenas do conhecimento, do ponto de vista

acadêmico, mas também ético e filosófico.

Queremos transformar nossas crianças e jovens em pessoas

que saibam o quanto é importante valorizar a vida, estimular o

progresso, perceber o mundo em que vivem, amar o conhecimento,

gostar de conviver com outras pessoas (e com as diferenças), enfim,

crescer em busca da harmonia, do amor e da paz.

Há, sem dúvida, como nos diz o mestre Rubem Alves,

aqueles que entram em aula apenas para “dar aulas”. São

competentes (ou não tão competentes) “dadores” de aulas de

história, matemática, ciências ou português, entretanto, não

conseguem perceber que o papel dos educadores extrapola

conceitos e teorias, regras gramaticais e descrições de paisagens,

fatos históricos ou fórmulas matemáticas.

A educação carrega em si, de forma implícita, a realização da

plenitude de nossos alunos através de seu contato conosco, os

professores. Isso não significa que somos exemplares e virtuosos.

Somos sujeitos a falhas e imperfeições como todas as outras

pessoas. O que se espera é que consigamos, através de nossa

prática pedagógica, de nossa proximidade com os estudantes, de

nossa capacidade de dialogar e tantas outras habilidades e

competências que devemos ter, que sejamos capazes de falar ao

coração, atingir a alma, perpetuando palavras, pensamentos e ações

que estão além de meros conteúdos.

Muitos educadores sabem disso. São eles que estão sempre

se dispondo a escutar seus alunos tanto em aula e em relação aos

tópicos e temas trabalhados em suas disciplinas, quanto fora de aula,

Page 89: Sociologia Da Educacao

89

para ajudar a dissipar as dúvidas que surgem na estrada da vida; são

esses professores que estudam sempre e constantemente buscam

novas fórmulas e metodologias que tornem suas aulas ainda mais

motivadoras; são esses profissionais que nunca parecem satisfeitos

e que, às vezes, são chamados de inconformados por sua atitude de

perene procura de respostas aos problemas do cotidiano da escola.

Se você está se percebendo nessas linhas e notando que

suas atitudes são condizentes com aquilo que está escrito, parabéns!

Você deveria receber prêmios (o maior de todos é o carinho e a

consideração de nossos alunos) e reconhecimento por sua postura e

conduta profissional. Sei que não é isso que você está querendo

através de suas realizações, afinal de contas o nosso espírito de

educadores não é tão afeito aos holofotes, à fama e à celebridade, o

que realmente vale é saber que passamos a fazer parte da história

de vida de nossos estudantes e que os auxiliamos a obter sucesso e

alcançar a felicidade profissional e pessoal.

O filme “O Clube do Imperador” nos coloca diante de um

professor que persegue esse nosso sonho de forma abnegada.

Tenho certeza de que só isso já é suficiente para que você se

interesse em saber mais e assista ao filme... Boa diversão!

O Filme

William Hundert (Kevin Kline) é um conceituado professor de

história da Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), verdadeiramente

apaixonado por seu trabalho. Além disso, Hundert é um dos

baluartes da tradicional escola onde dá suas aulas. Respeitado pelo

Page 90: Sociologia Da Educacao

90

diretor e pelos alunos, todos os anos esse professor organiza uma

competição cultural que se tornou clássica no colégio, o “O Clube do

Imperador”.

Em sua nova turma de estudantes o professor Hundert

começa desde o princípio a estimular o gosto pelo estudo dos

grandes acontecimentos relacionados aos generais e imperadores

romanos, e aos filósofos e artistas gregos. É capaz de gastar uma

aula inteira se dedicando a explicitar pensamentos e campanhas

militares para os jovens estudantes.

Seus novos estudantes são muito promissores, o que o anima

ainda mais a realizar um trabalho de qualidade. Entre eles há,

inclusive, o filho de um dos vencedores de uma das edições

passadas do “O Clube do Imperador”. Depois de alguns dias de aula

transcorridos, sua aula é interrompida para a chegada de um novo

estudante, Sedgewick Bell (Emile Hirsch), arrogante e prepotente

filho de um senador.

Confrontado algumas vezes pelo garoto, Hundert resolve

contar com o apoio do pai do garoto para conseguir fazer com que

ele se aplique mais aos estudos e valorize a educação a que está

tendo acesso. De seu empenho surge a primeira grande

oportunidade de valorizar Sedgewick e dar-lhe o necessário estímulo

para um maior interesse na escola, ao ter em suas mãos a chance

de classificá-lo para as finais do “O Clube do Imperador”.

Será possível aos professores, através de suas atitudes,

modificar o futuro de seus alunos? Até que ponto o convívio diário

com os professores pode influenciar o caráter e as atitudes dos

estudantes? O individualismo e a busca da vitória a qualquer preço

são ensinamentos que devem continuar fazendo parte das lições

trabalhadas na escola? Até que ponto os professores devem

Page 91: Sociologia Da Educacao

91

continuar acreditando e investindo na recuperação de seus alunos

(seja na formação ética ou na acadêmica)? Será que o idealismo

muitas vezes não chega a cegar os professores em seus

julgamentos e procedimentos em relação a seus estudantes?

Todas essas questões estão de certa forma, presentes no

filme “O Clube do Imperador”, isso já o qualifica a ser visto por

educadores e seus pupilos, pelos pais e por todas as pessoas

interessadas em melhorar a educação. Assistam!

Aos Professores

1- Jamais deixem de sonhar! Mais do que isso, invistam em

seus sonhos, façam com que eles se tornem realidade. Apliquem seu

tempo, utilizem seus conhecimentos, pesquisem quando necessário

e permitam que todo o seu esforço e experiência se transformem em

projetos que revertam em favor da educação, da escola onde

trabalham, da comunidade à qual servem e, principalmente, de seus

alunos.

2- Tendo como exemplo o filme “O Clube do Imperador”, por

que não realizar concursos culturais em sua escola? Podem ser

criadas competições em qualquer disciplina ou mesmo em todas, por

séries ou níveis de dificuldade, agregando notas ao desempenho dos

alunos em cada disciplina ou para premiar com medalhas e troféus

os vencedores. O mais importante é fazer com que os alunos se

interessem e queiram cada vez mais estudar.

Page 92: Sociologia Da Educacao

92

3- Muitos professores me questionam nas palestras e

workshops que realizo a respeito da formação mais ampla e integral

do aluno. Costumo lhes dizer que os alunos se pautam muito em

nossas atitudes e postura diante do mundo. Uma das observações

mais constantes de nossos estudantes em relação a seus

professores relaciona-se à coerência entre discurso e prática. Não

adianta, por exemplo, o professor defender de forma veemente a

democracia se suas atitudes são de intolerância e incompreensão.

4- As escolas deveriam preocupar-se em documentar a

passagem de seus estudantes pela escola através de fotografias,

como ocorre regularmente nos Estados Unidos, com os Yearbooks

(livros do ano). Além disso, seria muito interessante se a cada 5 ou

10 anos as escolas conseguissem reunir os alunos que se formaram

e seus professores para reuniões e confraternizações em que se

falasse sobre o que aconteceu com cada um depois do término de

seus compromissos escolares. Seria estimulante para professores e

alunos saber que seu convívio foi fundamental para o futuro de

ambos.

Ficha Técnica

O Clube do Imperador

(The Emperor’s Club)

País/Ano de produção: EUA, 2002

Duração/Gênero: 109 min., Drama

Direção de Michael Hoffman

Roteiro de Ethan Canin e Neil Tolkin

Elenco: Kevin Kline, Emily Hirsch, Embeth Davidtz, Rob Morrow,

Edward Herrmann,

Harris Yulin, Paul Dano, Rishi Mehta, Jesse Eisenberg, Gabriel

Millman.

Page 93: Sociologia Da Educacao

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FILME: Nenhum a Menos

Vencedor do festival de Veneza de 99, Nenhum a Menos, de

Zhang Yimou, é um retrato quase documental da atual situação da

classe de estudantes rurais na China. Com uma câmera discreta, e

muitas vezes escondida, Yimou registrou o ensino em uma escola

rural no interior do país.

Com atores amadores, e grande parte deles ainda crianças, o

que se vê é uma verdadeira aula de direção ao retratar a evasão

escolar justificada pela pobreza.

Tudo começa quando o

professor da escola tira uma licença

para cuidar de sua mãe. Em seu

lugar, a prefeitura coloca uma garota

de apenas 13 anos, Wei (Wei

Minzhi). Ela terá de morar na própria

escola durante um mês, junto com

alguns dos 28 alunos, até que o

mestre retorne. Sua missão é

garantir que nenhum deles abandone

a escola.

Wei faz a chamada religiosamente a cada novo dia e depois

passa para os alunos os deveres de cópias das lições escritas no

quadro negro. Sem se preocupar muito se eles realmente estão

aprendendo, ela só quer que eles não abandonem o curso e saiam

da escola. Tamanha é a pobreza do local que a garota só dispõe de

um giz para cada dia de aula, ninguém possui livros, e as camas dos

alunos são improvisadas com as carteiras da classe.

A iniciante Wei Minzhi é

uma professora de

apenas 13 anos

Page 94: Sociologia Da Educacao

94

A garota professora e seus alunos, fixados no meio de um

vilarejo, formam uma espécie de espelho-miniatura da comunidade

chinesa com seus problemas atuais, principalmente quando se refere

à camada rural da população.

A determinação de Wei em manter os alunos na escola é

tanta que as situações passam a ser cada vez mais absurdas,

chegando ao ponto da garota partir para uma grande e próspera

metrópole, em busca de um dos alunos, Zhang Huike (Zhang Huike)

que fugiu com a família em busca de trabalho.

O diretor diz ter usado atores amadores para enfatizar o

realismo. Sem deixar que as crianças lessem o roteiro, a maioria das

atuações partiram como improvisações das personagens que

interpretavam, grande parte das vezes, suas próprias vidas.

NENHUM A MENOS

Título Original: Yige dou buneng shao

País de Origem: China

Ano: 1998

Duração: 106min

Diretor: Zhang Yimou

Elenco: Wei Minzhi, Zhang Huike, Tian Zhenda, Gao Enman, Sun

Zhimei

4.6 A Escola como Espaço Sócio- cultural

Juarez Dayrell

PRIMEIROS OLHARES SOBRE A ESCOLA

Boaventura de Sousa Santos (Coimbra, 15 de

Novembro de 1940) é Doutor em Sociologia do Direito, pela Universidade

de Yale e professor catedrático da Faculdade

de Economia da Universidade de Coimbra.

É diretor dos Centro de Estudos Sociais e do

Centro de Documentação 25 de Abril [1] dessa

mesma Universidade. É atualmente, um dos

principais intelectuais da área de Ciências Sociais,

com mérito internacionalmente

reconhecido, tendo ganho especial popularidade no

Brasil, principalmente, depois de ter participado

nas três edições do Fórum Social Mundial em

Porto Alegre.

Page 95: Sociologia Da Educacao

95

Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-

la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a

dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por

homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos,

adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos con-

cretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história.

Falar da escola como espaço sócio-cultural implica, assim, resgatar o papel

dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição.

Este ponto de vista expressa um eixo de análise que surge na

década de 80. Até então, a instituição escolar era pensada nos marcos

das análises macro-estruturais, englobadas, de um lado, nas "teorias

funcionalistas" (Durkheim, Talcott Parsons, Robert Dreehen, entre

outros) e, de outro, nas "teorias da reprodução" (Bourdieu e Passeron;

Baudelot e Establet; Bowles Gintis; entre outros). Essas abordagens,

umas mais deterministas, outras evidenciando as necessárias media-

ções, expõem a força das macro-estruturas na determinação da insti-

tuição escolar. Em outras palavras, analisam os efeitos produzidos na

escola pelas principais estruturas de relações sociais que caracterizam a

JUAREZ DAYRELL

Possui Graduação em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983); Mestrado em Educação, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1989), e Doutorado em Educação, pela Universidade de São Paulo (2001). Em 2006 realizou o Pós-doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenador do Observatório da Juventude da UFMG (www.fae.ufmg.br/objuventude). Está integrado à Pós Graduação da Faculdade de Educação na linha de pesquisa: Movimentos Sociais, educação e cultura, desenvolvendo pesquisas em torno da temática Juventude, Educação e Cultura.

Page 96: Sociologia Da Educacao

96

sociedade capitalista, definindo a estrutura escolar e exercendo

influencias sobre o comportamento dos sujeitos sociais que ali atuam.

Nessa perspectiva, EZPELETA & ROCKWELL (1986, p. 58)

desenvolvem uma análise em que privilegiam a ação dos sujeitos na

relação com as estruturas sociais. Assim, a instituição escolar seria

resultado de um confronto de interesses: de um lado, uma organização

oficial do sistema escolar, que "define conteúdos da tarefa central,

atribui funções, organiza, separa e hierarquiza o espaço, a f im de

diferenciar trabalhos, definindo idealmente, assim, as relações sociais";

de outro, os sujeitos-alunos, professores, funcionários, que criam uma

trama própria de inter-relações, fazendo da escola um processo

permanente de construção social. Para as autoras, em "cada escola

interagem diversos processos sociais: a reprodução das relações sociais,

a criação e a transformação de conhecimentos, a conservação ou

destruição da memória coletiva, o controle e a apropriação da instituição, a

resistência e a luta contra o poder estabelecido", (idem). Apreender a

escola como construção social implica, assim, compreendê-la no seu

fazer cotidiano, onde os sujeitos não são apenas agentes passivos

diante da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua

construção, de conluios e negociações em função de circunstâncias

determinadas.

A escola, como espaço sócio-cultural, é entendida, portanto, como

um espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão: institucionalmente,

por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação

dos seus sujeitos; cotidianamente, por uma complexa trama de relações

sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos,

imposição de normas e estratégias individuais ou coletivas de transgressão

e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das

normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar. Fruto da

ação recíproca entre o sujeito e a instituição, esse processo, como tal, é

heterogêneo. Nessa perspectiva, a realidade escolar aparece mediada, no

cotidiano, pela apropriação, elaboração, reelaboração ou repulsa

expressas pelos sujeitos sociais (EZPELETA & ROCKWELL, 1986).

Page 97: Sociologia Da Educacao

97

Desta forma, o processo educativo escolar recoloca a cada instante a

reprodução do velho e a possibilidade da construção do novo, e nenhum dos

lados pode antecipar uma vitória completa e definitiva. Esta abordagem permite

ampliar a análise educacional, na medida em que busca apreender os

processos reais, cotidianos, que ocorrem no interior da escola, ao mesmo

tempo que resgata o papel ativo dos sujeitos, na vida social e escolar.

O texto que se segue expressa esse olhar e reflete questões e

angústias de professores de escolas noturnas da rede pública de ensino,

com os quais venho trabalhando e aprendendo através de assessorias e

cursos de aperfeiçoamento, nos últimos quatro anos. É fruto também de

uma pesquisa exploratória, realizada em 1994, em duas escolas

públicas noturnas, situadas na periferia da região metropolitana de Belo

Horizonte. Esta é a fonte dos exemplos, das cenas e das situações reais

aqui apresentadas. Aos alunos, professores e direção destas escolas

deixo os meus agradecimentos.

OS ALUNOS CHEGAM À ESCOLA

Um som estridente de campainha corta o ar, juntando-se ao

burburinho de vozes, carros, ônibus. São I8h 30min e a escola dá o

seu primeiro sinal. Nota-se uma pequena agitação. Os alunos que

chegaram, até esse momento, encontram-se em grupos, espalhados

pelo largo formado pela confluência de três ruas. É um pequeno centro

comercial de um bairro de periferia, na região metropolitana de Belo

Horizonte: lojas, açougue, padaria, locadora do video, bares etc. Alguns

rapazes chegam à porta das lojas, esperando pelo movimento. A entrada

dos alunos na escola parece ser um ritual cotidiano, repetindo-se

todos os dias os gestos, falas, sentimentos, em momentos de

encontro, paquera, ou simplesmente, de um passatempo.

Rapazes e moças continuam chegando aos poucos, alguns em

grupos, outros sozinhos. Cumprimentos, risos, conversas ao pé de

Page 98: Sociologia Da Educacao

98

ouvido. Grupo de rapazes, grupo de moças, grupos misturados.

Olhares sugestivos acompanhados de comentários e risos, um rapaz

sai do seu grupo e vai até as moças e diz algo que provoca sorrisos.

Existe um clima de desejo no ar. Um casal de namorados beija-se,

encostado no muro sob uma árvore indiferente ao burburinho.

Mas é no momento do sinal que aumenta o volume de pessoas

chegando. Brancos, negros, mulatos, na sua maioria jovens,

aparentando idades que variam de 15 a 20 anos, alguns poucos mais

velhos, principalmente mulheres. Vestem-se das formas mais variadas,

predominando jeans e tênis. Começam a entrar por um portão de ferro

inteiriço.

A escola ocupa todo um quarteirão, cercada por muros altos,

pintados de azul, o que lhe dá uma aparência pesada. Além do portão,

existe uma outra entrada, através de uma garagem por onde passam

os professores. Após o portão, os alunos descem por uma rampa ao

lado de um pequeno anfiteatro e entram por um outro portão, onde

deixam a caderneta com uma servente, entrando em seguida no pátio

coberto da escola.

O espaço é claramente delimitado, como que a evidenciar a

passagem para um novo cenário, onde vão desenpenhar papéis

específicos, próprios do "mundo da escola", bem diferentes daqueles que

desempenham no cotidiano do "mundo da rua".

A DIVERSIDADE CULTURAL

Quem são estes jovens? O que vão buscar na escola? O que signi-

fica para eles a instituição escolar? Qual o significado das experiências

vivenciadas neste espaço?

Edward Palmer Thompson (3 de fevereiro de 1924,

Oxford - 28 de agosto de 1993, Worcester) foi um historiador britânico da concepção teórica

marxista e é considerado por muitos

como o melhor historiador inglês do século XX. Durante a

Segunda Guerra Mundial luta na Itália

contra o governo fascista liderado por

Benito Mussolini. Estuda no colégio

Corpus Christi (Cambridge), onde adere ao Partido

Comunista Britânico. Em 1946 formou um

grupo de estudos históricos marxistas

junto com Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Rodney Hilton, Dona Torr, dentre outros.

Lecionou na Universidade de Leeds

em cursos não acadêmicos dirigidos

aos trabalhadores. Foi professor da

Universidade de Warwich de 1965 a

1971. Nos anos 1970 lecionou

esporadicamente em universidades

estadunidenses, como a de Pittsburg, Rutgers,

Brown, Dartmoth College.

Page 99: Sociologia Da Educacao

99

Para grande parte dos professores, perguntas como estas não

fazem muito sentido, pois a resposta é óbvia: são alunos. E é essa

categoria que vai informar seu olhar e as relações que mantém com os

jovens, a compreensão das suas atitudes e expectativas. Assim,

independente do sexo, da idade, da origem social, das experiências

vivenciadas, todos são considerados igualmente alunos, procuram a escola

com as mesmas expectativas e necessidades. Para esses professores, a

instituição escolar deveria buscar atender a todos da mesma forma, com a

mesma organização do trabalho escolar, mesma grade e currículo. A

homogeneização dos sujeitos como alunos corresponde à homogeneização

da instituição escolar, compreendida como universal.

A escola é vista como uma instituição única, com os mesmos sentidos e

objetivos, tendo como função garantir a todos o acesso ao conjunto de

conhecimentos socialmente acumulados pela sociedade. Tais conhecimentos,

porém, são reduzidos a produtos, resultados, conclusões, sem levar em conta o

valor determinante dos processos. Materializado nos programas e livros

didáticos, o conhecimento escolar torna-se "objeto", "coisa" a ser transmitida.

Ensinar torna-se transmitir esse conhecimento acumulado; e aprender torna-se

assimilá-lo. Como a ênfase é centrada nos resultados da aprendizagem, o que

é valorizado são as provas, as notas e a finalidade da escola se reduz ao "passar

de ano". Nessa lógica, não faz sentido estabelcer as relações entre o vivenciado

pelos alunos e o conhecimento escolar, entre o escolar e o extra-escolar,

justificando-se a desarticulação existente entre o conhecimento escolar e a vida

dos alunos.

Dessa forma, o processo de ensino/aprendizagem ocorre numa

homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para

todos, independente da origem social, da idade, das experiências

vivenciadas. É comum e aparentemente óbvio os professores ministrarem

uma aula com os mesmos conteúdos, mesmos recursos e ritmos para

turmas de quinta série, por exemplo, de uma escola particular do centro,

de uma escola pública diurna, na periferia, ou de uma escola noturna. A

diversidade real dos alunos é reduzida a diferenças apreendidas na ótica da

cognição (bom ou mau aluno, esforçado ou preguiçoso etc.) ou na do

comportamento (bom ou mau aluno, obediente ou rebelde, disciplinado

A discussão a respeito do concito de cultura no campo da Antropologia

não é consensual, havendo mias de 300 conceitos cunhados,

não cabendo aprofundar a questão, no âmbito

deste trabalho. Para um maior aprofundamento,

buscar entre outros DURHAM (1984), GEERTZ (1978),

VELHO (1978) LARAIA (1986).

Page 100: Sociologia Da Educacao

100

ou indisciplinado etc.). A prática escolar, nessa lógica, desconsidera a

totalidade das dimensões humanas dos sujeitos — alunos, professores e

funcionários — que dela participam.

Sob o discurso da democratização da escola, ou mesmo da

escola única, essa perspectiva homogeneizante expressa uma

determinada forma de conceber a educação, o ser humano e seus

processos formativos, ou seja, traduz um projeto político-pedagógico que

vai informar o conjunto das ações educativas que ocorrem no interior da

escola. Expressa uma lógica instaimental, que reduz a compreensão da

educação e de seus processos a uma forma de instrução centrada na

transmissão de informações. Reduz os sujeitos a alunos, apreendidos,

sobretudo, pela dimensão cognitiva. O conhecimento é visto como

produto, sendo enfatizados os resultados da aprendizagem e não o

processo. Essa perspectiva implementa a homogeneidade de conteúdos,

rítmos e estratégias, e não a diversidade. Explica-se, assim, a forma como

a escola organiza seus tempos, espaços e ritmos, bem como o seu

fracasso. Afinal de contas, não podemos esquecer — o que essa lógica

esquece — de que os alunos chegam à escola marcados pela diversidade,

reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente

desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e

relações sociais, prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme

dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das

origens sociais dos alunos.

Uma outra forma de compreender esses jovens que chegam à

escola é apreendê-los como sujeitos sócio-culturais. Essa outra

perspectiva implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da

noção de aluno, dando-lhe um outro significado. Trata-se de compreendê-

lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade,

com visões de mundo, escalas de valores, sentimentos, emoções, desejos,

projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios.

O que cada um deles é, ao chegar à escola, é fruto de um

conjunto de experiências sociais vivenciaclas nos mais diferentes espaços

GILBERTO VELHO é professor titular e

decano do Departamento de Antropologia do

Museu Nacional da UFRJ. Dirige a

Coleção Antropologia Social desta editora, onde tem publicados os seguintes livros: A utopia urbana (1973); Desvio e divergência (1974);Individualismo

e cultura (1981); Subjetividade e

sociedade (1986); Projeto e

metamorfose (1994); e Antropologia urbana (2002). É autor ainda

de Nobres & anjos (1998), entre outras

obras.

Page 101: Sociologia Da Educacao

101

sociais. Assim, para compreendê-lo, temos de levar em conta a

dimensão da “experiência vivida". Como lembra THOMPSON (1984), é

a experiência vivida que permite apreender a história como fruto da ação

dos sujeitos. Estes experimentam suas situações e relações produtivas

como necessidades, interesses e antagonismos e elaboram essa

experiência em sua consciência e cultura, agindo conforme a situação

determinada. Assim, o cotidiano torna-se espaço e tempo significativos.

Nesse sentido, a experiência vivida é matéria-prima a partir da qual

os jovens articulam sua própria cultura, 1 aqui entendida enquanto

conjunto de crenças, valores, visão de mundo, rede de significados e

expressões simbólicas da inserção dos indivíduos em determado nível da

totalidade social, que terminam por definir a própria natureza humana

(VELHO, 1994). Em outras palavras, os alunos já chegam à escola com um

acúmulo de experiências vivenciadas em múltiplos espaços, através das

quais podem elaborar uma cultura própria, um "óculos" pelo qual vêem,

sentem e atribuem sentido e significado ao mundo, à realidade onde se

inserem. Não há, portanto, um mundo real, uma realidade única, preexistente à

atividacie mental humana, como afirma SACRISTÁN (1994, p.70)

O mundo real não é um contexto fixo, não é só nem

principalmente o universo físico. O mundo que rodeia o desenvolvimento do

aluno é, hoje, mais que nunca, uma clara construção social onde as

pessoas, objetos, espaços e criações culturais, políticas ou sociais

adquirem um sentido peculiar, em virtude das coordenadas sociais e

historicas que determinam sua configuração. Há múltiplas realidades,

como há múltiplas formas de viver e dar sentido à vida (Tradução minha).

Nessa perspectiva, nenhum indivíduo nasce homem, mas

constitui-se e se produz como tal, dentro do projeto de humanidade do

seu grupo social, num processo contínuo de passagem da natureza para

a cultura, ou seja, cada indivíduo, ao nascer, vai sendo construído e vai

se construindo enquanto ser humano. Mas como se dá esta produção

numa sociedade concreta?

Page 102: Sociologia Da Educacao

102

Quando qualquer um daqueles jovens nasceu, inseriu-se numa

sociedade que já t inha uma existência prévia, histórica, cuja estrutura

não dependeu desse sujeito, portanto, não foi produzida por ele. São as

macroestruturas que vão apontar, a principio, um leque mais ou menos

definido de opções em relação a um destino social, seus padrões de

comportamento, seu nível de acesso aos bens culturais etc. Vai definir as

experiências que cada um dos alunos teve e a que têm acesso. Assim, o

gênero, a raça, o fato de serem filhos de trabalhadores desqualificados,

grande parte deles com pouca escolaridade, entre outros aspectos, são

dimensões que vão interferir na produção de cada um deles como sujeito

social, independentemente da ação de cada um.

Ao mesmo tempo, porém, existe um outro nível, o das interações

dos indivíduos na vida social cotidiana, com suas próprias estruturas,

com suas características próprias. É o nível do grupo social, onde os

indivíduos se identificam pelas formas próprias de vivenciar e interpretar

as relações e contradições, entre si e com a sociedade, o que produz

uma cultura própria. É onde os jovens percebem as relações em que

estão imersos, apropriam-se dos significados que se lhes oferecem e os

reelaboram, sob a limitação das condições dadas, formando, assim, sua

consciência individual e coletiva (ENGUITA, 1990). Nesse sentido, os

alunos vivenciam experiências de novas relações na família,

experimentam morar em diferentes bairros, num constante reiniciar as

relações com grupos de amigos e formas de lazer. Passam a trabalhar

muito cedo em ocupações as mais variadas. Alguns ficam com o

salário, outros – a maioria, já o dividem com a família. Aderem a

religiões diferentes, pentecostais, católicos, umbandistas etc. O lazer é

bem diferenciado, quase sempre restrito, devido à falta de recursos.

São essas experiências, entre outras, que constituem os alunos

como indivíduos concretos, expressões de um gênero, raça, lugar e

papéis sociais, de escalas de valores, de padrões de normalidade. É

um processo dinâmico, criativo, ininterrupto, em que os indivíduos vão

lançando mão de um conjunto de símbolos, reelaborando-os a partir

das suas interações e opções cotidianas. Dessa forma, esses jovens

que chegam à escola são o resultado de um processo educativo amplo,

2. Para uma discussão detalhada sobre este

processo de formação, ver o texto “A

educação do aluno trabalhador, uma

abordagem alternativa”.

(DAYRELL, 1992)

Page 103: Sociologia Da Educacao

103

que ocorre no cotidiano das relações sociais, quando os sujeitos fazem-

se uns aos outros, com os elementos culturais a que têm acesso, num

diálogo constante com os elementos e com as estruturas sociais onde

se inserem e as suas contradições. 2Os alunos podem personificar

diferentes grupos sociais, ou seja, pertencem a grupos de indivíduos

que compartilham de uma mesma definição de realidade, e interpretam

de forma peculiar os diferentes equipamentos simbólicos da

sociedade. Assim, apesar da aparência de homogeneidade, expressam

a diversidade cultural: uma mesma l inguagem pode expressar

múltiplas falas.

Nessa medida, a educação e seus processos é compreendida

para além dos muros escolares e vai ancorar-se nas relações sociais:

São as relações sociais que verdadeiramente educam, isto é,

produzem os indivíduos em suas realidades singulares e mais

profundas. Nenhum indivíduo nasce homem. Portanto, a educação tem

um sentido mais amplo, é o processo de produção de homens num

determinado momento histórico (DAYRELL, 1992, p.2).

A educação, portanto, ocorre nos mais diferentes espaços e

situações sociais, num complexo de experiências, relações e

aiividades, cujos limites estão lixados pela estrutura material e

simbólica da sociedade, em determinado momento histórico. Nesse

campo educativo amplo, estão incluídas as instituições (família, escola,

igreja etc.), assim como também o cotidiano difuso do trabalho, do bairro,

do Iazer etc.

O campo educativo onde os jovens se inserem como habitantes

de uma sociedade complexa, urbana e industrial, apresenta uma ampla

diversidade de experiências, marcadas pela própria divisão social do tra-

balho e das riquezas, o que vai delinear as classes sociais. Constitui, a

princípio, dois conjuntos culturais básicos, numa relação de oposição

Page 104: Sociologia Da Educacao

104

complementar, e expressam uma das dimensões da heterogeneidade cul-

tural na sociedade moderna: a oposição cultura erudita x cultura popular.

A diversidade cultural, no entanto, nem sempre pode ser

explicada apenas pela dimensão das classes sociais. É preciso levar em

conta uma heterogeneidade mais ampla, "fruto da coexistência,

harmoniosa ou não, de uma pluralidade de tradições cujas bases

podem ser ocupacionais, étnicas, religiosas etc." (VELHO, 1987, p.l6),

que faz com que os indivíduos possam articular suas experiências em

tradições e valores, construíndo identidades cujas fronteiras simbólicas

não são demarcadas apenas pela origem de classe.

Porém, nos adverte Eunice DURHAM (1984): tratar a

heterogeneidade cultural no âmbito de uma mesma sociedade é

qualitativamente diferente de tratá-la entre diversas sociedades. Em outras

palavras, quando procuramos compreender a cultura xavante, por

exemplo, estamos lidando com diferenças que expressam manifestações

de uma mesma capacidade humana criadora, fruto de um procsso histórico

independente. Outra coisa é lidar com alguma expressão da cultura popular, a

linguagem, por exemplo, em que a diversidade não é apenas a expressão

de particularidades do modo de vida, mas aparece como "manifestações

de oposições ou aceitações que implicam num constante reposicionamento

dos grupos sociais na dinâmica das relações de classe" (Idem, p.35). A

diversidade cultural na sociedade brasileira tembém é fruto do acesso

diferenciado às informações, às instituições que asseguram a distribuição

dos recursos materiais, culturais e políticos, o que promove a utilização

distinta do universo simbólico, na perspectiva tanto de expressar as

especidades das condições de existência, quanto de formular interesses

divergentes. Dessa forma, a heterogeneidade cultural também tem uma

conotação político-ídeológica.

Essa mesma diversidade está presente na elaboração e na

expressão dos projetos individuais dos alunos, onde a escola se inclui. A

noção de projeto é entendida como uma construção, fruto de escolhas

racionais, conscientes, ancoradas em avaliações e definições de realidade,

EUNICE RIBEIRO HURHAM

Possui Graduação em Ciências Sociais, pela Universidade de São

Paulo (1954), Mestrado em Ciência Social

(Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1964) e

Doutorado em Ciência Social (Antropologia

Social) pela Universidade de São

Paulo (1967). Atualmente é professor titular da Universidade

de São Paulo. Tem experiência na área de

Antropologia, com ênfase em Antropologia

Urbana, atuando principalmente nos

seguintes temas: obra etnográfica, Bronislaw

Malinowski.

Page 105: Sociologia Da Educacao

105

representando uma orientação, um rumo de vida (VELHO, 1987). Um

projeto é elaborado e constando em função do processo educativo, como

evidenciamos acima, sempre no contexto do campo educativo ou de um

"campo de possibilidades", ou seja, no contexto sócio-histórico-cultural

concreto, onde se insere o indivíduo, e que circunscreve suas possibilidades

de experiências. Com isso, afirmamos que todos os alunos têm, de uma

forma ou de outra, uma razão para estar na escola, e elaboram isto de uma

forma mais ampla ou mais restrita, no contexto de um plano de futuro.

Um outro aspecto do projeto é a sua dinamicidade, podendo ser

reelaborado a cada momento. Um fator que interfere nesta dinamicidade é a

faixa etária e o que ela possibilita enquanto vivência. Essa variável remete ao

amadurecimento psicológico, aos papéis socialmente construídos, ao

imaginário sobre as fases da vida. Concretamente, as questões e

interrogações postas por um adolescente serão muito diferentes das de um

jovem de 18 anos e, mais ainda, de um adulto de 30 anos. Um adolescente,

por exemplo, está às voltas com sua identidade sexual, com seu papel no

grupo: o que é ser homem? O que é ser mulher? Pode estar perplexo diante

dos diferentes modelos sociais de homem e mulher que lhe são passados

pelos meios de comunicação de massa, pelos colegas no trabalho, pela

família. Certamente, seu projeto individual vai espelhar este momento que vive.

Portanto, os alunos que chegam à escola são sujeitos sócio-

culturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais

amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre

existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de

possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos.

O que implicam estas considerações a respeito da diversidade

cultural dos alunos?

Um primeiro aspecto a constatar é que a escola é polissêmica, ou

seja, tem uma mult ipl icidade de sentidos. Sendo assim, não

podemos considerá-la como um dado universal, com um sentido único,

principalmente quando este é definido previamente pelo sistema ou

Page 106: Sociologia Da Educacao

106

pelos prolessores. Dizer que a escola é polissêmica implica levar em conta

que seu espaço, seus tempos, suas relações podem estar sendo

significadas de forma diferenciada, tanto pelos alunos, quanto pelos

professores, dependendo da cultura e projeto dos diversos grupos sociais

nela existentes.

Sobre o significado da escola, as respostas são variadas: o lugar

de encontrar e conviver com os amigos; o lugar onde se aprende a ser

"educado"; o lugar onde se aumentam os conhecimentos; o lugar onde se

tira diploma e que possibilita passar em concursos. Diferentes significados

para um mesmo território certamente irão influir no comportamento dos

alunos, no cotidiano escolar, bem como nas relações que vão privilegiar.

Um segundo aspecto é a articulação entre a experiência que a

escola oferece, na forma como estrutura o seu projeto político-

pedagógico, e os projetos dos alunos. Se partíssemos da ideia de que a

experiência escolar é um espaço de formação humana ampla, e não

apenas transmissão de conteúdos, não teríamos de fazer da escola um

lugar de reflexão (refletir, ou seja, voltar sobre si mesmo, sobre sua

própria experiência) e ampliação dos projetos dos alunos?

Essa questão torna-se mais presente quando levamos em conta

as observações de Gilberto Velho:

[...] Quanto mais exposto estiver o ator a experiências diversificadas, quanto mais tiver de dar conta de ethos e visões de mundo contrastantes, quanto menos fechada for sua rede de relações ao nível do seu cotidiano, mais marcada será a sua autopercepção de individualidade singular. Por sua vez, a essa cons-ciência da individualidade, fabricada dentro de uma experiência cultural específica, corresponderá uma maior elaboração de um projeto (VELHO, 1987, p. 32).

Page 107: Sociologia Da Educacao

107

A escola não poderia ser um espaço de ampliação de

experiências? Considerando-se principalmente a realidade dos alunos

dos cursos noturnos, a escola não poderia estar ampliando o acesso,

que lhes é negado, a experiências culturais significativas ?

Pensando no exemplo do adolescente em crise, referido

anteriormente, podemos nos perguntar também sobre quais lugares ele

possui para refletir sobre .suas questões e angústias pessoais. Quais

espaços e momentos podem contribuir para que ele se situe em relação

ao mundo em que vive? A família, nestes tempos pós-modernos, tem

dado conta de responder a demandas desse nível? São questões que

remetem a uma reflexão sobre a função social da escola e seu papel no

processo de formação de cidadãos. Essa discussão torna-se cada vez

mais urgente, principalmente se levarmos em conta, como Vicente BARRETO

(1992), que o domínio moral situa-se na ordem da razão, da qual a

educação é o instrumento, na sociedade democrática. Quando essa

ordem de valores éticos é rompida ou não é transmitida às novas

gerações, instala-se a violência, tornando inviável a vida social, política e

cultural.

Tais implicações desafiam os educadores a desenvolverem

posturas e instrumentos metodológicos que possibilitem o

aprimoramento do seu olhar sobre o aluno, como "outro", de tal forma

que, conhecendo as dimensões culturais em que ele é diferente, possam

resgatar a diferença como tal, e não como deficiência. Implica buscar

uma compreensão totalizadora desse outro, conhecendo "não apenas o

mundo cultural do aluno mas a vida do adolescente e do adulto em seu

mundo de cultura, examinando as suas experiências cotidianas de

participação na vida, na cultura e no trabalho". (BRANDÃO, 1986,

p.139).Tal postura nos desafia a deslocar o eixo central da escola para o

aluno, como adolescentes e adultos reais. Como nos lembra

Malinowski, para compreender o outro, é necessário conhecê-lo.

Page 108: Sociologia Da Educacao

108

AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES EDUCATIVAS DO ESPAÇO ESCOLAR

O som estridente da campainha volta a soar, avisando, pela

segunda vez, que é hora de iniciar o turno. São 18h 35min e os alunos

continuam entrando pelo portão gradeado, deixando as cadernetas

com a servente. Entram sozinhos, em grupos, e dirigem-se para um

grande pátio coberto em frente à cantina. É grande a algazarra, som

de vozes, risos, gritos. Uns param no pátio, conversando em grupos,

brincando com outros; alguns seguem direto, pelos corredores, para a

sala de aula.

Vista de dentro, a escola ocupa um grande espaço. É formada

por dois grandes blocos. Um menor, com salas da administração, de

professores, uma biblioteca e uma sala um pouco maior, transformada

em auditório. Lá um pequeno pátio descoberto entre os dois blocos:

um pouco mais escuro é o lugar preferido dos poucos casais do

namorados. Um casal que está se beijando num canto é repreendido

pela servente: o namoro é proibido na escola.

O outro bloco tem um grande pátio coberto, que termina na

cantina e em dois longos corredores laterais, que dão acesso às salas

de aulas. Nesse pátio, existem 4 mesas grandes, baixas, de madeira,

para os alunos "tomarem a merenda". Grupos sentam-se sobre as

mesas, fazendo delas uma arquibancada. Conversam entre si, mexem

com os outros, brincam com as meninas que passam. Umas param e

ficam também a conversar. Nesses momentos, misturam-se alunos de

diferentes turmas. É perceptível um "clima" diferente daquele de

quando estão fora da escola.

O corredor do lado direito é limitado pelo muro alto que cerca a

escola; já o do lado esquerdo dá para um desnível, com uma quadra de

futebol embaixo, nesse momento, vazia. Há um movimento pelos

corredores e, na frente das salas, alguns alunos esperam a chegada dos

professores. No meio do bloco há um pequeno corredor que liga os dois

Page 109: Sociologia Da Educacao

109

lados, onde estão os banheiros. Parece ser um lugar próprio para

qualquer transgressão, matar aula, por exemplo, pois, além de mais

escondido, pemite uma boa visão de quem se aproxima.

No seu conjunto, o espaço físico é rígido, retangular, frio, pouco

estimulante. As paredes são lisas, sem nenhum apelo. Apenas há, perto da

cantina, cartazes anunciando festas e alguns avisos da escola. Logo os

professores começam a passar pelo pátio e alguns alunos vão procurar um ou

outro professor. Com o sinal efelivo do começo das aulas, os alunos

encaminham-se para as salas e o pátio fica vazio.

A ARQUITETURA DA ESCOLA

A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras.

Desde a forma da construção até a localização dos espaços, tudo é

delimitado formalmente, segundo princípios racionais que expressam

uma expectativa de comportamento dos seus usuários. Nesse

sentido, a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das

pessoas, na definição das funções para cada local. Salas,

corredores, cantina, pátio, sala dos professores, cada um destes

locais têm uma função definida a priori. O espaço arquitetônico da

escola expressa uma determinada concepção educativa.

Um primeiro aspecto que chama atenção é o seu isolamento

do exterior. Os muros demarcam claramente a passagem entre duas

realidades: o mundo da rua e o mundo da escola, como que a tentar

separar algo que insiste em se aproximar. A escola tenta fechar-se

em seu próprio mundo, com suas regras, ritmos e tempos.

O território é construído de forma a levar as pessoas a um

destino, através dos corredores. Chega-se às salas de aula, o locus

central do educativo. Assim, boa parte da escola é pensada para

uma locomoção rápida, contribuindo para a disciplinação. A

Page 110: Sociologia Da Educacao

110

biblioteca fica num canto do prédio, espremida num espaço reduzido.

Nenhum local, além da sala de aula, é pensado para atividades

pedagógicas. Da mesma forma, a pobreza estética, a falta de cor, de

vida, de estímulos visuais, deixam entrever a concepção educativa

estreita, confinada à sala de aula e à instrução, tal como afirmamos

anteriormente.

Os alunos, porém, apropriam-se dos espaços, que a rigor,

não lhes pertencem, recriando neles novos sentidos e suas próprias

formas de sociabilidade. Assim, as mesas do pátio tornam-se

arquibancadas, pontos privilegiados de observação do movimento. O

pátio torna-se lugar de encontro, de relacionamentos. O corredor,

pensado para locomoção, é também utilizado para encontros, onde

muitas vezes os alunos colocam cadeiras em torno da porta. O

corredor do fundo torna-se o local da transgressão, onde ficam

escondidos aqueles que "matam" aulas. O pátio do meio é re-

significado como local do namoro. É a própria força transformadora

do uso efetivo sobre a imposição restritiva dos regulamentos. Fica

evidente que essa re-significação do espaço, levada a efeito pelos

alunos, expressa sua compreensão da escola e das relações, com

ênfase na valorização da dimensão do encontro.

Dessa forma, para os alunos, a geografia escolar e, com isso,

a própria escola, tem um sentido próprio, que pode não coincidir com

o dos professores e mesmo com os objetivos expressos pela

instituição. Mas não só os alunos re-significam o espaço; também os

professores o fazem. Uma das professoras dessa escola descrita,

ocasionalmente, em dias de muito calor, leva seus alunos para as

mesas do pátio, fazendo dali uma sala de aula, para o prazer de

todos.

Essa questão, no entanto, é pouco discutida entre os

educadores. Não se leva em conta que a arquitetura é o cenário onde se

desenvolve o conjunto das relações pedagógicas, ampliando ou limitando

suas possibilidades. Mesmo que os alunos, e também professores, o re-

Page 111: Sociologia Da Educacao

111

signifiquem, existe um limite que muitas vezes restringe a dimensão

educativa da escola. É muito comum, por exemplo, professores

desenvolverem pouco trabalho de grupo com seus alunos, em nome de

dificuldades, tais como: tamanho da sala, carteiras pesadas etc. Uma

discussão sobre a dimensão arquitetônica é importante em um projeto de

escola que se proponha a levar em conta as dimensões sócio-cullurais do

processo educativo. Ao mesmo tempo, é preciso estarmos atentos à forma

como os alunos ocupam o espaço da escola e fazermos desta observação

motivo de discussões entre professores e alunos. Atividades, como essas,

poderiam contribuir, e muito, para desvelar e aprofundar a polissemia da

escola.

A DIMENSÃO DO ENCONTRO

As cenas descritas evidenciam que a escola é essencialmente

um espaço coletivo de relações grupais. O pátio, os corredores, a sala

de aula, materializam a convivência rotineira de pessoas. No momento

em que os jovens cruzam o portão gradeado, ocorre um "rito de

passagem", pois passam a assumir um papel específico, diferente

daquele desempenhado em casa, tanto quanto no trabalho, ou mesmo

no bairro, entre amigos. Neste sentido, os comportamentos dos sujeitos,

no cotidiano escolar, são informados por concepções geradas pelo

diálogo entre suas experiências, sua cultura, as demandas individuais e

as expectativas com a tradição ou a cultura da escola.3

A forma das relações entre os sujeitos vai variar também,

dependendo do momento em que ocorrem, seja fora ou dentro da

escola, fora ou dentro da sala, numa clara relação entre tempo e espaço.

O recreio é o momento de encontro por excelência, além de ser o da

alimentação. Os alunos de diferentes turmas misturam-se, formando

grupos de interesse. Enquanto uns merendam, outros, quase sempre

rapazes, sentam-se sobre as mesas no pátio. Alguns grupos de moças

ficam andando por ali, num footing pelo pátio; outros ficam em sala ou

pelos corredores, em pequenos grupos. É também comum haver grupos

3. Para FORQUIN (1993), a cultura da

escola são suas características de vida própria, seus ritmos e ritos, suas linguagens,

seu imaginário, seu regime peculiar de

produção e gestão de símbolos. Como

expressão da cultura, também é dinâmica, se

efetivado de fato quando os sujeitos se

apropriam desse imaginário e o

reelaboram no seu cotidiano. É isso que faz de cada escola, e nesta, de cada turno,

uma experiência peculiar.

Page 112: Sociologia Da Educacao

112

menores nas salas jogando truco. É o momento da fruição da afetividade,

quando os alunos ficam mais soltos, conversam, discutem, paqueram.

Há um clima diferente entre o encontro no início das aulas, e o

da hora da saída, quando as relações tornam-se mais fugazes, com

mais avisos, recados, combinações. Em cada um destes momentos,

predomina um tipo de relação, com comportamentos e atitudes próprios,

regras e sanções.4

Em qualquer um dos lugares mencionados, o tempo é sempre

curto para um fluir das relações. Na medida em que a escola não

incentiva o encontro ou, ao contrário, dificulta a sua concretização, ele dá-

se sempre nos curtos espaços de tempo permitidos ou em situações de

transgressão. Assim, as relações tendem a ser superficiais, com as

conversas girando em torno de temas como paqueras, comentários sobre

alguma moça ou rapaz, programas de televisão. Durante a observação,

nunca tive oportunidade de presenciar alguma conversa que aprofundasse

mais algum tema.

A sala de aula também é um espaço de encontro, mas com

características próprias. É a convivência rotineira de pessoas com

trajetórias, culturas, interesses diferentes, que passam a dividir um mesmo

território, pelo menos por um ano. Sendo assim, formam-se sub-grupos,

por afinidades, interesses comuns etc. É a formação de "panelinhas",

quase sempre identificadas por algum dos estereótipos correntes: a turma

da bagunça, os C.D.F, os mauricinhos. A ocupação dos territórios, muitas

vezes, coincide com os comportamentos dos grupos: a turma da bagunça

tradicionalmente ocupa o fundo da sala, tornando-se a "turma de trás";

os CDF ocupam as cadeiras da frente, é a "turma do gargarejo". Com as

conversas e brincadeiras ocorrendo preferencialmente no interior de

cada um deles, cada grupo tem regras e valores próprios. Ao mesmo

tempo, há vários alunos "soltos", que parecem não se ligar a nenhum dos

grupos, ou porque não se identificam, ou porque, de alguma forma, são

excluídos. Interfere aqui a mobilidade dos alunos entre escolas. Na sala

de aula observada, de 26 alunos, 10 haviam chegado nesse último ano.

4. Refletindo sobre as diferentes formas de interação entre os alunos destes

com o ambiente no cotidiano escolar,

MACLAREN (1991, P.131) classifica

como “estados de interação” os

diferentes estilos de relação. Identifica

quatro estilos básicos de “esquina de rua”, “estudante”,

“santidade” e” de casa”. Em cada um

deles identifica conjuntos,

organizados de comportamentos,

dos quais os emerge um sistema de práticas vividas.

Page 113: Sociologia Da Educacao

113

Outro fator que interfere nos agrupamentos são os critérios de enturmacão,

levados a efeito pela escola. A tendência é separar as turmas anualmente,

desfazendo as "panelinhas", separando os "bagunceiros", numa lógica

que privilegia o bom comportamento em detrimento da possibilidade de

um aprofundamento dos contatos. Se em cada ano as turmas são mistu-

radas, há um reiniciar constante das relações, dificultando o seu desen-

volvimento. Mais uma vez a escola expressa a lógica instrumental.

De qualquer forma, o cotidiano na sala de aula reflete uma

experiência de convivência com a diferença. Independente dos

conteúdos ministrados, da postura metodológica dos professores, é um

espaço potencial de debate de idéias, confronto de valores e visões de

mundo que interferem no processo de formação e educação dos alunos.

Ao mesmo tempo, é (mas poderia ser muito mais) um momento de

aprendizagem de convivência grupal, onde as pessoas estão lidando

constantemente com as normas, os limites e a transgressão. Como

lembra BRANDÃO (1986, p.121), a sala de aula

[...] funciona não como o corpo simples de alunos e professores regidos por princípios igualmente simples que regram a chatice necessária das atividades pedagógicas. A sala de aula organiza sua vida a partir de uma complexa trama de relações de aliança o conluios, de imposição de normas e estratégias individual ou coletivas de transgressão, de acordos. A própria atividade escolar, como o dar aula, fazer prova, era apenas um breve corte, no entanto, poderoso e impositivo, que interagia, determinava relações e era determinado por relações sociais, ao mesmo tempo internas e externas aos limites da norma pedagógica.

Em cada um desses espaços e momentos, a vivência do tempo

é específica. Assim, o tempo do recreio é sempre curto, passa rápido,

com vários eventos ocorrendo ao mesmo tempo e os alunos podendo

envolver-se com todos eles. Já o tempo na sala de aula tende a ser

longo, ligado ao lazer, um contínuo "transformar a impaciência em

hábito", num claro processo de disciplinação.

Page 114: Sociologia Da Educacao

114

Podemos dizer que a escola se constitui de um conjunto de

tempos e espaços ritualizados. Em cada situação, há uma dimensão

simbólica, que se expressa nos gestos e posturas acompanhados de

sentimentos. Cada um dos seus rituais possui uma dimensão

pedagógica, na maioria das vezes, implícita, independente da

intencionalidade ou dos objetivos explícitos da escola. É o que muitos

autores entendem como "currículo oculto" (SILVA, 1994). Os diferentes

comportamentos dos alunos, a relação com os professores, a semana

de provas são exemplos desses rituais escolares.

Além desses, há um outro tipo de rituais, ligados às datas

comemorativas. São momentos mais intensos, que demandam um

investimento maior dos professores e um maior envolvimento dos

alunos. Alguns servem para fortalecer emocionalmente alunos e/ou

professores: é o caso da Semana do Estudante, do Dia dos Professores

ou Dia das Mães. Outros funcionam para tentar injetar uma renovação

do compromisso com as motivações e valores dominantes: é o caso da

Semana da Pátria. E, ainda, outros enfatizam a memória coletiva, ativando

lembranças que manifestam a tradição de um grupo: como é o caso das

festas juninas. Todos eles são momentos que garantem a reprodução de

valores considerados universais na nossa cultura, contribuindo, de

alguma forma, na construção dos elementos de uma "identidade

nacional".

Vista por esse ângulo, a escola torna-se um espaço de encontro

entre iguais, possibilitando a convivência com a diferença, de uma

forma qualitativamente distinta da família e, principalmente, do trabalho.

Possibilita lidar com a subjetividade, havendo oportunidade para os

alunos falarem de si, trocarem idéias, sentimntos. Potencialmente,

permite a aprendizagem de viver em grupo, l idar com a diferença,

com o confito. De uma forma mais restrita ou mais ampla, permite o

acesso aos códigos culturais dominantes, ncessários para se disputar um

espaço no mercado de trabalho.

Tomaz Tadeu da Silva

Tomaz Tadeu da Silva é P.h.d. pela Stanford

University (1984). Atualmente é professor

colaborador do Programa em Pós-

Graduação em Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Seu último (2007) trabalho publicado é a tradução da Ética, de Spinoza (Autêntica). Publicou mais de 30 artigos em periódicos

especializados, 30 capítulos de livros e 25 livros. Atua na área de educação, com ênfase em Teoria do Currículo.

Em seu Currículo Lattes, os termos mais

frequentes na contextualização da

produção científica são: currículo, diferença, Deleuze, Foucault,

neoliberalismo, Estudos Culturais, identidade e pós-

modernismo.

Page 115: Sociologia Da Educacao

115

Olhar a instituição escolar pelo prisma elo cotidiano permite vislum-

brar a dimensão educativa presente no conjunto das relações sociais que

ocorrem no seu interior. A questão que se coloca é que esta dimensão

ocorre predominantemente pela prática usual dos alunos, à revelia da

escola, que não a potencializa. Os tempos que a escola reserva para

atividades de socialização são mínimos, quando não reprimidos.

Comentando sobre esse aspecto, principalmente na ótica dos alunos

BRANDÃO (1986, p.119) afirma:

“Aos olhos do observador formal esta face tribal, desbragada e

não visivelmente estruturada, ocorre como inexistente, ou são

simplesmente profanas e profanadoras o bastante para não serem

considerados. No entanto, na dinâmica cotidiana da sala de aula e

mesmo da vida da escola, este conjunto absolutamente ordenado,

regrado e criativo de práticas escolares, autônoma e

transgressivelmente pedagógicas, interagia com as "atividades

planejadas". Em boa medida, sempre foi da interaçao justamente entre

este lado livre e permissivo da iniciativa discente, e os mecanismos

pedagógicos de controle docente, que a própria vida real da escola se

cumpria como uma realidade social culturalmente existente, e não

apenas pedagógica e formalmente pensada.

A DIMENSÃO DO CONHECIMENTO NA ESCOLA

Às 18h 35min chego à porta da sala. A sala está vazia: dentro,

três meninas cochichando num canto, quatro rapazes no fundo

discutindo futebol. No dia anterior houve jogo do Atlético. Os quatro

restantes estão calados. São onze alunos de uma turma de vinte e

seis.

A professora S., de Geografia, chega, cumprimenta os alunos;

eles respondem, mas pouca coisa muda, os alunos continuam do mesmo

jeito. Ela diz que vai continuar com a matéria, a geografia da América

do Norte. Começa a escrever um "resumo" no quadro, a respeito da

colonização dos EUA. Num primeiro momento, os alunos movimentam-

Page 116: Sociologia Da Educacao

116

se: pegam os cadernos, abrem, e começam a escrever. Mas não

demoram cinco minutos começa a desconcentração na sala, gerando

uma situação comum a quase todas as aulas: apenas os alunos que

estão na primeira fila copiam silenciosos. O restante inicia um movimento

de escrever no caderno, por pouco tempo. Param, conversam com os

colegas dos lados, voltam a copiar. Um aluno levanta, vai até outra

carteira. Outro pede uma caneta emprestada. Ao meu lado, José

começa a conversar com Angela, sentada na sua frente, sobre beijos,

abraços, numa brincadeira de sedução. Brincadeira, porque há uma

regra implícita de não se namorar alguém da própria sala. Do outro lado,

Vander liga o wallkman e fica escutando rádio; logo depois empresta

um dos fones para Sheila escutar uma música. Às vezes, entabulam

alguma discussão, mas sem nenhuma relação com o que se passa na

sala.

A cada aluno que vai chegando, até às 18h 50min, altera-se o

clima: sempre alguém tem algum comentário, algum recado para

aquele que chega. Em quinze minutos chegaram sete alunos, mesmo

assim, fica evidente como o primeiro horário é sempre esvaziado.

Maria levanta a voz e "ordena" que todos tragam as cartolinas

para a festa do Haloween. Parece ter uma liderança na turma. A

professora S. continua escrevendo no quadro, sem alterar-se com o

zum zum zum. Para os alunos, a atividade parece ser uma obrigação,

que eles cumprem para se verem livres. A maioria expressa um tédio

que é compensado pelo clima de "ti ti ti" que eles próprios criam em

sala. Tudo é motivo de brincadeira: entra uma abelha na sala e

começa uma pequena confusão para tirá-la: "olha a picadura deste

bicho, einh!" grita Celso, lá de trás. A "turma de trás", correspondendo

às imagens criadas, é sempre mais barulhenta e desafiadora.

Proessora S. acaba de copiar, coloca seu caderno na mesa e

começa a andar pela sala. No fundo, pára na carteira de José e

pergunta por que ele não está copiando. Ele, sério, diz que está com

um problema na mão, devido a um acidente na fábrica e que Maria

Page 117: Sociologia Da Educacao

117

está copiando para ele. S. aceita a desculpa. Ele me vê observando a

conversa e pisca para mim, dando a entender que conseguiu enrolar a

professora.

S. começa a explicar a matéria: a explicação baseia-se no

resumo que está no quadro. Não desperta a atenção da turma. Todos

estão calados, mas poucos prestam atenção no que ela fala:

continuam a copiar, desenham, ficam quietos, ouvem música.

S. faz a chamada pelos números da lista. Soa o sinal avisando

o fim da aula. S. despede-se, dizendo que continua a explicação na

terceira aula daquele mesmo dia. O horário é significativo: 4 aulas de

quarenta minutos cada. Nesse dia, os alunos terão Geografia, Educação

Artística, Geografia, Matemática. Chamou-me a atenção o fato de S.

não tocar no assunto do eclipse, que ocorreria naquela noite.

Essa aula servirá de modelo ao fazermos algumas considerações.

Num primeiro momento, observar a sala de aula é constatar o óbvio, a

"chatice" de uma rotina asfixiante, onde pouca coisa muda. O que é uma

sala de aula? Uma turma de alunos, uns interessados e bem comportados,

outros nem um pouco interessados, em constante bagunça. Os

professores, uns mais envolvidos que outros, mais criativos ou tediosos. Os

processos terminam sendo muito parecidos: ensinar a matéria. Mas se

apurarmos o olhar, por trás desta aparente obviedade, existe uma dinâmica

e complexa rede de relações entre os alunos e destes com os

professores, num processo contínuo de acordos, conflitos, construção de

imagens e estereótipos, num conjunto de negociações, onde os próprios

atores, alunos e professores, parecem não ter a consciência da sua

dimensão. Essa rede aparece como relações naturalizadas, óbvias, de

qualquer sala de aula.

Um aspecto que chama a atenção são os papéis de aluno e de

professor. Esses papéis não são dados, mas sim construídos, nas relações

no interior da escola, onde a sala de aula aparece como o espaço

Page 118: Sociologia Da Educacao

118

privilegiado. Na construção do papel de aluno, entra em jogo a identidade

que cada um veio construindo, até aquele momento, em diálogo com a

tradição familiar, em relação com a escola, e com suas experiências

pessoais em escolas anteriores. É um diálogo com estereótipos socialmente

criados, que terminam por cristalizar modelos de comportamento, com os

quais os alunos passam a se identificar, com maior ou menor proximidade: o

"bom aluno"; o "mau aluno", o "doidão"; o "bagunceiro"; o "tímido", o

"esforçado". Concorre para essa escolha a tradição que a própria escola e

seus professores mantêm, relacionada com uma concepção de aluno,

naquele espaço. Em cada situação, a turma vai lançando mão desses

elementos do imaginário escolar e os reelabora a partir da situação

específica de cada um. A construção do papel desses jovens, como

alunos, vai dando-se, assim, na concretude das relações vivenciadas, com

ênfase na relação com os professores. É esse mesmo entrecruzamento de

modelos que constrói os diferentes "tipos" de professores e demais sujeitos

da escola.

Na relação entre professor e aluno, existe um discurso e um

comportamento de cada professor que termina produzindo normas e

escalas de valores, a partir das quais classifica os alunos e a própria

turma, comparando, hierarquizando, valorizando, desvalorizando. Dessa

forma, a turma, como um todo, e os alunos, em particular, podem ter uma

reação própria a cada professor, dialogando, negando ou assumindo a sua

imagem. Nessa construção de imagens e estereótipos, mesmo sendo fruto

das relações entre alunos e professores, o discurso e a postura destes têm

uma influência muito grande, interferindo diretamente na produção de

"tipos" de alunos e da própria turma.

Uma turma pode ser "bagunceira" ou "fraca" para uns professores e

não o ser para outros, mas certamente isto interfere na auto-imagem, e ela

pode assumir de fato o "tipo" ou abrir o conflito com o professor. Na escola

observada, por exemplo, os professores comparavam duas turmas de 8ª série,

uma delas considerada pior que a outra. Falavam disso constantemente,

quando havia algum problema, quase sempre ligado à disciplina. Os alunos,

quando se referiam a essa imagem negativa, expressavam um certo

ressentimento, quase a dizer que se sentiam rejeitados. Assim, cada turma

Page 119: Sociologia Da Educacao

119

pode ter uma especificidade em relação às demais. E mais, com cada

professor pode ter uma reação diferenciada, dependendo da forma como se

constroem as relações.

É significativo também que, nesse jogo de papéis, as imagens cria-

das quase sempre se refiram a um dos aspectos cognitivos (bom e mau

aluno, inteligente e preguiçoso, responsável e irresponsável etc.) e aos

comportamentos em sala, expressão da lógica instrumental, que, como

vimos anteriormente, representa o aluno reduzido a sujeito cognoscente,

mas de forma mecânica.

Nessa criação de imagens e papéis, onde geralmente se expressam

com mais clareza os preconceitos e racismos existentes nas relações, são

comuns imagens ligadas à cor ou à raça, e mesmo a questões sexuais, com

ênfase no homossexualismo e na prostituição.

De uma forma ou de outra, a construção dessas auto-imagens

interfere, e muito, no desempenho escolar da turma e do aluno, refletindo

também no seu desempenho social, em outros espaços além da escola. Existe

uma dimensão educativa nas relações sociais vivenciadas no interior da

instituição, nesse processo de produção de imagens e estereótipos, que

interfere na produção da subjelividade de cada um dos alunos, de forma

positiva ou negativa. Um jovem, taxado de "mau aluno", assumindo ou não o

estereótipo, tende a se ver assim e deixar-se influenciar por esse rótulo, que

se torna um elemento a mais na produção de sua subjetividade. Aliada a outros

fatores, como as repetências constantes (numa turma de 26 alunos, 18 já

tinham tomado pelo menos uma bomba), ou a desqualificação no trabalho,

contribuem, no seu conjunto, para produzir, no caso desses jovens

trabalhadores, uma subjetividade inferiorizada.

Um segundo eixo de questões refere-se ao cotidiano das aulas e à

relação com o conhecimento. No dia a dia das relações entre professor e

alunos, parecem existir dois mundos distintos: o do professor, com sua

matéria, seu discurso, sua imagem; e o dos alunos, com sua dinâmica. Os

Page 120: Sociologia Da Educacao

120

dois mundos às vezes se tocam, se cruzam mas, na maioria das vezes,

permanecem separados.

Para boa parte dos professores, não todos, é verdade, a sala se

reduz a uma relação simples e linear entre eles e seus alunos, regida por

princípios igualmente simples. Como descrevemos no início deste

trabalho, os alunos são vistos de forma homogênea, com os mesmos

interesses e necessidades, quais sejam, o de aprender conteúdos para

fazer provas e passar de ano. Cabe, assim, ao professor, ensinar, transmitir

esses conteúdos, materializando o seu papel. O professor parece não

perceber ou não levar em conta a trama de relações e sentidos existentes

na sala de aula. O seu olhar percebe os alunos apenas enquanto seres de

cognição e, mesmo assim, de forma equivocada: sua maior ou menor

capacidade de aprender conteúdos e comportamentos; sua maior ou

menor disciplina.

Imerso nessa visão estreita da educação, dos processos educativos,

do seu papel como educador e, sobretudo do aluno, o professsor não

percebe a dimensão do conjunto das relações que se estabelecem ali na

sua frente, na sala de aula. Deixa, assim, de potencializar a apren-

dizagem, já em curso, de uma das dimensões humanas, ou seja, do

grupo, das relações sociais e seus conflitos.

Diante da aula, a pergunta imediata poderia ser: quais são os objetivos

desta unidade? Qual a relação que existe com a realidade dos alunos? O que

e em que este tema acrescenta algo ou é importante para cada um deles? Em

nenhum momento, a professora ou qualquer outra professora explicitou os

objetivos específicos da matéria que está ensinando. O professor não diz e

os alunos também não perguntam. Parece que a resposta está implícita: o

conhecimento é aquele consagrado nos programas e materializado nos

livros didáticos. O conhecimento escolar reduz-se a um conjunto de

informações já construídas, cabendo ao professor transmiti-las e, aos

alunos, memorizá-las. São descontextualizadas, sem uma intencionalidade

explícita e, muito menos, uma articulação com a realidade dos alunos. No

caso desses conteúdos, por exemplo, os jovens são “bombardeados”

Page 121: Sociologia Da Educacao

121

constantemente pela indústria cultural, com elementos da cultura

americana: roupas, gírias, atividades de lazer etc. Não seria o caso de

estabelecer relações entre as duas realidades? De analisar essas relações, a

partir do que os próprios alunos já sabem sobre aquele país? O que se

questiona não é tanto o conteúdo escolar em si, apesar das muitas

aberrações existentes, mas a forma como é entendido e trabalhado

pelo professor. Da forma como está posto, o conhecimento escolar

deixa de ser um dos meios através dos quais os alunos podem se

compreender melhor, compreender o mundo físico e social onde se

inserem, contribuindo, assim, na elaboração de seus projetos.

Também podemos nos perguntar se a escola, mais do que enfatizar a

transmissão de informações, cada vez mais dominadas pelos meios

de comunicação de massa, não deveria se orientar para contribuir na

organização racional das informações recebidas e na reconstrução

das concepções acríticas e modelos sociais recebidos.

Os professores, na sua maioria, presos que estão a esta forma

de lidar com os conteúdos, deixam de se colocar como expressão de

uma geração adulta, portadora de um mundo de valores, regras,

projetos e utopias a ser proposto aos alunos. Deixam de contribuir no

processo de formação mais amplo, como interlocutores desses alunos,

diante das suas crises, dúvidas, perplexidades geradas pela vida

cotidiana.

Cabe perguntar: está havendo, nesse caso, um processo de

aprendizagem? Se levarmos em conta a noção de aprendizagem

significativa, a resposta é não. Na concepção desenvolvida por

SALVADOR (1994), o aluno aprende quando, de alguma forma, o

César Coll Salvador é Diretor do Departamento de Psicologia Evolutiva e professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona, Espanha. Lá foi o Coordenador da reforma do ensino de1990, a Renovação Pedagógica. O modelo desenvolvido por ele e sua equipe inspirou mudanças na educação de diversos países, inclusive do Brasil. Como consultor do Ministério da Educação (MEC) entre 1995 e 1996, colaborou na elaboração dos nossos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados em 1997.

Page 122: Sociologia Da Educacao

122

conhecimento se torna significativo para ele, ou seja, quando estabelece

relações substantivas e não arbitrárias entre o que se aprende e o que

já conhece. É um processo de construção de significados, mediado por

sua percepção sobre a escola, o professor e sua atuação, por suas

expectativas, pelos conhecimentos prévios que já possui. A

aprendizagem implica, assim, estabeIecer um diálogo entre o

conhecimento a ser ensinado e a cultura de origem do aluno.

E aqui retomamos a discussão sobre a diversidade cultural.

Tanto a Antropologia, quanto a Psicologia e a Linguística, entre outras

áreas das Ciências Sociais, já constataram a relação íntima existente

entre a cultura de origem, os sentimentos e emoções, e as suas

expressões ou, em outras palavras, a relação íntima entre a

construção de um universo simbólico e a dimensão cognitiva, como

evidencia Basil BERNSTEIN (1971, p.28). Este autor mostra também que

a cognição se expressa nos diferentes usos da linguagem, relacionando-

a às diferenças de classes sociais: "A receptividade de uma forma

particular de estrutura da língua determina a maneira como são

construídas as relações com os ojbjetos e a orientação para uma

manipulação própria das palavras." Quando afirmamos a existência de

BASIL BERNSTEIN

Autor da teoria sobre os impedimentos sociais no aprendizado e sobre o papel que a comunicação linguística desempenha em uma sociedade estruturada em classes, sua obra teve grande influência na reforma educacional de países como Chile e México. Basil Bernstein nasceu em Londres, filho de uma família de imigrantes judeus. Em 1947, foi estudar Ciências Sociais na London School of Economics, curso trocado depois pelo de Sociologia. Sem qualquer ajuda econômica, foi obrigado a trabalhar para continuar os estudos. Em 1960, conseguiu uma bolsa de pesquisa em Fonética no University College de Londres, instituição na qual posteriormente faria seu Doutorado em Lingüística. Dois anos depois, ingressou no Instituto de Educação, assumindo o cargo de professor-adjunto de Sociologia da Educação. Alguns meses mais tarde era promovido a professor, sendo em 1967 nomeado catedrático e diretor do Departamento de Pesquisa Sociológica. Foi nessa época que escreveu duas de suas obras mais importantes: Estudos Teóricos para uma Sociologia da Linguagem (1971) e Estudos Aplicados (1973). Suas pesquisas culminaram com a publicação de A Estrutura do Discurso Pedagógico, em 1997.

Page 123: Sociologia Da Educacao

123

uma diversidade cultural entre os alunos, implica afirmar que, numa

mesma sala, podemos ter uma diversidade de formas de articulação

cognitiva. Dessa forma, para a aprendizagem efetivar-se, é

necessário levar em conta o aluno em sua totalidade, retomando a

questão do aluno como um sujeito sócio-cultural, quando sua cultura,

seus sentimentos, seu corpo, são mediadores no processo de ensino e

aprendizagem.

Além da postura pedagógica dos professores, cabe também

nos perguntarmos pela qualidade dos conhecimentos, dos conteúdos

ministrados na escola. O que observamos, em grande parte das aulas

assistidas, das mais diferentes matérias, é que o que é oferecido aos

alunos é uma versão empobrecida, diluída e degradada do

conhecimento. A falta de acesso dos alunos a um corpo de

conhecimentos significativos, com coerência interna, que possibilite um

diálogo com sua realidade, aliada a uma postura pedagógica estreita,

pode ser uma das causas centrais do fracasso da escola,

principalmente daquela dirigida às camadas populares.

Vista num outro ângulo, a aula, para os alunos, parece ser uma

provação necessária para atingir a meta, que é ter notas para passar

de ano. O que dá sentido e motivação são as notas, os possíveis

pontos que vão ganhar com cada uma das atividades passadas pelo

professor. Nosso período de observação foi o 4° bimestre, e as

conversas dominantes entre os alunos eram a respeito dos pontos

necessários para passar em cada uma das matérias, aquelas em que

precisavam mais ou, menos e – felicidade – aquelas nas quais não

precisavam de nenhum ponto. Nesses casos, nem era mais necessário

frequentar as aulas. O conteúdo é encarado como um meio para o

verdadeiro fim: passar de ano. E a escola também tende a se tornar

um meio para outro fim: o diploma e, com ele, a esperança de um

emprego melhor, ou uma certa estabilidade ocupacïonal.

Se os alunos têm essa percepção das aulas e dos conteúdos é

porque ela, assim, veio sendo construída nas experiências escolares.

Page 124: Sociologia Da Educacao

124

Mais do que "alienação" dos alunos, como muitos professores gostam de

afirmar, é fruto da própria cultura escolar. Mas no cotidiano da sala de

aula, mesmo tendo estes objetivos, as alunos vão produzindo estratégias

próprias, para suportar a "chatice necessária" das aulas. O que parece

mesmo ajudar a passar o tempo são as conversas e brincadeiras, o

ritmo alternado de concentração e desconcenlração. A intensidade e o

grau de envolvimento nas aulas vão depender do papel que se assume

como aluno. Na sala, tem desde aqueles que não dão uma palavra,

ficando quietos praticamente todo o período, até os que não param ou

que ficam escutando rádio pelo walkman.

Os estudantes tendem a criar um mundo próprio, mais ou

menos permeável, dependendo de cada professor e da relação que

ele cria com a turma. Poucos conseguem tocar efetivamente a turma.

Nesse sentido, ficam reduzidas as passibilidades educativas. O cotidiano

evidencia a pouca ênfase na criação de hábitos necessários ao trabalho

intelectual. Os professores não conseguem (e muitas vezes não preten-

dem) disciplinar minimamente os alunos, por exemplo, na atenção, na

concentração. Nas aulas, não estimulam o exercício das capacidades de

abstração, de questionamento, de articulação entre fatos etc. Em suma,

não há uma intencionalidade naquilo que seria uma das funções

centrais da escola, que são as habilidades básicas necessárias ao

processo de construção de conhecimentos. Parece que o que é

aprendido, neste nível, o é individualmente, sem uma intencionalidade,

por parte dos professores ou da escola.

Junto a esta dimensão do conhecimento, um outro elemento

fundamental na escola são as alividades extra-classe. O próprio nome já

indica que são atividades realizadas fora dos marcos do que são

considerados efetivamente pedagógicos. Talvez por isso mesmo, nelas,

o prazer e o lúdico são permitidos. Nessas atividades, nem todos os

alunos, e muito menos o conjunto dos professores, participam. São

momentos quando fica mais explícita a noção de uns e outros a respeito

da escola, sua função, suas dimensões educativas. Para muitos alunos, e

também professores, as atividades extra-classe são perda de tempo,

"penduricalhos" pedagógicos, que pouco acrescentam à dimensão

Page 125: Sociologia Da Educacao

125

educativa central, que é a transmissão de conteúdos, o "ensino forte", no

dizer de muitos alunos.

Presenciamos um destes eventos, a festa do Halloween,

coordenada pelas professoras de Inglês, Português e Educação Física.

Cada turma teve de preparar alguma alividade para apresentar, à noite, além

de contribuir na confecção da ornamentação: vampiros, aranhas e

morcegos de cartolina. A preparação deu-se em uma semana, mudando

o clima da escola, de um cotidiano monótono, para uma excitação

significativa. Durante a semana, o recreio era o momento em que cada

turma ensaiava sua apresentação e, nas aulas, os alunos organizam-se. No

dia, a comunidade lotou o anfiteatro, evidenciando uma predisposição a

participar de atividades culturais. As apresentações, na sua maioria, foram

coreografias coletivas de dança. Era visível o envolvimento e interesse de

boa parte dos alunos. O fato de uma turma produzir uma coreografia,

ensaiar, dividir responsabilidades, brigar com aqueles que não queriam se

envolver, produzir as fantasias, ficar tensa na véspera da apresentação,

apresentar e ser aplaudida, é uma experiência educativa intensa. Não

deixa de significar um resgate da capacidade de criar, expressar, de

potencializar as capacidades que quase nunca são estimuladas no cotidiano

destes jovens.

Ao mesmo tempo, chama a atenção o fato da escola não

aproveitar esses momentos e situações para ampliar seu trabalho

educativo, relacionando tais ações ao cotidiano da sala de aula, aos

conteúdos, ampliando o acesso dos alunos aos bens e expressões

culturais. O que foi apresentado foi criação apenas dos alunos, sem

nenhuma orientação ou acréscimo por parte dos professores. Apesar

daqueles professores que promoveram a festa trabalharem de alguma

forma com o tema em suas aulas, havia uma desconexão entre o

conteúdo da sala e o extra-classe. Mas, mesmo com esses limites, uma

atividade como esta aponta para a riqueza pedagógica dessas

situações, contribuindo, através do prazer, para o reforço da auto-

estima, do sentimento de ser criativo, para o fortalecimento do

sentimento de grupo entre os alunos e os professores. Aponta também

Page 126: Sociologia Da Educacao

126

para o potencial da escola como um espaço de cultura e lazer para o

próprio bairro.

Um último aspecto a ser analisado diz respeito à estrutura da

escola. A forma como a escola se organiza, como divide os tempos e

espaços, pouco leva em conta a realidade e os anseios dos alunos. Há

aí um deslocamento: a escola parece organizar-se para si mesma,

como se a instituição em si tivesse algum sentido. Exemplo claro deste

deslocamento é o horário de início das aulas. Se grande parte dos

alunos dessa escola são trabalhadores, iniciar as aulas às 18h 30min irá

resultar em não menos de 50% do infrequência diária no primeiro

horário. Isso evidencia a falta de sensibilidade de colocar a organização

da escola em função daqueles que são sua razão do existir, ou seja, os

alunos.

Finalizando, vimos construindo, ao longo deste texto, um determinado

olhar sobre a instituição escolar, apreendida enquanto espaço sócio-

cultural. Neste sentido, buscamos apreender alunos e professores como

sujeitos sócio-culturais, ou seja, sujeitos de experiências sociais que são

feitas reproduzindo e elaborando uma cultura própria. Na escola,

desempenham um papel ativo no cotidiano, definindo de fato o que a

escola é, enquanto limite e possibilidade, num diálogo ou conflito constante

com a sua organização. Portanto, vimos definindo a escola como uma insti-

tuição dinâmica, polissêmica, fruto de um processo de construção social

Nesta ótica, ressaltamos aspectos e dimensões presentes no

cotidiano escolar, que muitas vezes nos passam despercebidos,

aparecem como "naturalizados" ou óbvios, que nada acrescentam aos

"objetivos educacionais". Buscamos desvelar como os atores lidam na

escola com o espaço, o tempo e seus rituais cotidianos. Concluímos

que os atores vivenciam o espaço escolar como uma unidade sócio-

cultural complexa, cuja dimensão educativa encontra-se também nas

experiências humanas e sociais ali existentes. Os alunos parecem

vivenciar e valorizar uma dimensão educativa inportante em espaços o

tempos que geralmente a Pedagogia desconsidera: os momentos do

Page 127: Sociologia Da Educacao

127

encontro, da afelividade, do diálogo. Independente dos objetivos explícitos

da escola, vem ocorrendo no seu interior uma multiplicidade de situações e

conteúdos educativos, que podem e devem ser potencializados. É

fundamental que os profissionais da escola reflitam mais detidamente a

respeito dos conteúdos e significados da forma como a escola se organiza

e funciona no cotidiano.

Acreditamos que a escola pode e deve ser um espaço de formação

ampla do aluno, que aprofunde o seu processo de humanização,

aprimorando as dimensões e habilidades que fazem de cada um de nós

seres humanos. O acesso ao conhecimento, às relações sociais, às

experiências culturais diversas, podem contribuir, assim, como suporte no

desenvolvimento singular do aluno como sujeito sócio-cultural, e no

aprimoramento de sua vida social.

Tornam-se necessários a ampliação e o aprofundamento das

análises que, como essa, buscam apreender a escola na sua dimensão

cotidiana, apurando o nosso olhar sobre a instituição, seu fazer e seus

sujeitos, contribuindo, assim, para a problematização da sua função social.

Page 128: Sociologia Da Educacao

128

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Ferdinan Francisco do Nascimento

Page 129: Sociologia Da Educacao

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Nasceu em Teresina – Piauí. É

Bacharel e Licenciado em Ciências

Sociais, pela Universidade Federal do

Piauí. É especialista em Educação,

Políticas Públicas e Desenvolvimento

Sustentável pela mesma Universidade.

Foi Professor substituto da disciplina Sociologia da Educação, do

Centro de Ciências da Educação da UFPI e da Universidade

Estadual do Piauí (UESPI). É professor do Curso de Especialização

em Gestão da Escola de Gestores do MEC (ministério da Educação).

É professor de Sociologia da rede pública e do sistema privado de

ensino.