24
2009 SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Solange Menezes da Silva Demeterco 2.ª edição

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

2009

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Solange Menezes da Silva Demeterco

2.ª edição

Page 2: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

© 2003-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Jupiter images / DPI images

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D449s2.ed.

Demeterco, Solange Menezes da Silva.Sociologia da educação / Solange Menezes da Silva Demeterco. - 2.ed. - Curitiba, PR :

IESDE Brasil, 2009. 352 p.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-387-0265-8

1. Sociologia educacional. I. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Título.

09-1973 CDD: 306.43CDU: 316.74:37

Page 3: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

Doutora e Mestre em História do Brasil pela UFPR. Especialista em Currículo e Prática (Tutoria a Distância) pela PUC-Rio. Graduada em Ciências Sociais pela UFPR.

Solange Menezes da Silva Demeterco

Page 4: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos
Page 5: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

Sumário

A sociologia e a educação ..................................................... 13

O que é sociologia? .................................................................................................................. 14

A sociologia da educação e alguns conceitos básicos................................................. 19

A socialização e seus agentes ............................................................................................... 20

A sociologia da educação ...................................................... 33

Os primeiros grandes sociólogos: a educação como tema e objeto de estudo .................................................................... 34

As teorias sociológicas e a educação ................................................................................. 43

A sociologia da educação no Brasil.................................... 51

Formação da sociedade brasileira: economia agrário-exportadora e economia industrial ............................................... 52

A sociologia continua seu caminho: dos anos 1970 aos dias atuais ....................... 55

Educação e família ................................................................... 63

As transformações da família ................................................................................................ 64

Educação e família no Brasil .................................................................................................. 70

Concepções de infância e juventude ................................ 81

O sentimento de infância – o trabalho de Ariès ............................................................. 82

O surgimento das escolas e as visões da infância ......................................................... 85

Page 6: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A escola como instituição social ......................................... 99

A escola como organização .................................................................................................103

Algumas possibilidades ........................................................................................................105

A escola e o controle social .................................................113

Padrões sociais de comportamento .................................................................................116

A escola e o desvio social ....................................................133

Comportamentos desviantes .............................................................................................135

Conformidade versus conformismo ..................................................................................137

A mudança social ...................................................................151

Fatores que desencadeiam a mudança ...........................................................................154

A ação pedagógica e a mudança social ..........................................................................157

A estratificação social ...........................................................169

Formas de estratificação social ...........................................................................................173

A educação e a estratificação social .................................................................................177

A mobilidade social ...............................................................189

Tipos de mobilidade social ..................................................................................................190

Educação como fator de mobilidade social ...................................................................193

Educação e movimentos sociais .......................................203

As formas de luta e ação coletiva ......................................................................................206

Alguns tipos de movimentos sociais e educação ........................................................210

Page 7: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A educação e o Estado .........................................................223

O conceito de Estado e suas funções ...............................................................................226

Estado e educação no Brasil ................................................................................................228

Educação e desenvolvimento ............................................241

As desigualdades sociais e o subdesenvolvimento ....................................................245

Origens históricas do subdesenvolvimento ..................................................................247

As desigualdades sociais e o papel transformador da educação ..........................248

Educação e cotidiano no Brasil ..........................................259

O difícil cotidiano dos “menos iguais” ..............................................................................263

Problemas da educação no Brasil .....................................275

O fracasso escolar: uma tentativa de explicação .........................................................279

A profissão de professor ......................................................293

A questão da formação profissional .................................................................................295

O ofício de professor e seu papel na sociedade ...........................................................298

Perspectivas da educação no Brasil .................................311

A questão da diversidade cultural – o multiculturalismo .........................................315

A democratização da educação .........................................................................................317

Gabarito .....................................................................................329

Referências ................................................................................343

Anotações .................................................................................349

Page 8: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos
Page 9: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

Apresentação

O que você espera dessa disciplina? Quais são suas expectativas em relação à so-ciologia? No que a sociologia se aproxima da educação? Essas e outras perguntas nos acompanharão a partir daqui.Mas, antes disso, seria interessante esclarecer algumas questões que nortearão nosso trabalho. Inicialmente, deve-se destacar que o que se apresenta aqui é uma síntese dos temas mais relevantes da sociologia enquanto Ciência Social, preocu-pada em tentar explicar a vida social e as questões relacionadas à vida do homem em sociedade, em seus múltiplos aspectos. Não se pretendeu elaborar um manual e muito menos um compêndio que pretendesse dar conta de todos os temas e/ou conceitos relacionados a essa ciência. Optou-se por privilegiar alguns tópicos que são considerados básicos e depois relacioná-los com a questão da educação. A sociologia da educação tem como objetivo pesquisar e analisar a educação em seus aspectos sociológicos, isto é, os fenômenos sociológicos.O objetivo maior é procurar conhecer e analisar a inter-relação entre o homem, a sociedade e a educação, à luz de diferentes teorias sociológicas, bem como das práticas pedagógicas ratificadoras e/ou transformadoras dos contextos cultural, social, político, econômico e ecológico.A proposta é despertá-lo para discussões futuras a partir do embasamento teórico que essa ciência oferece e, sempre que possível, trazer o debate para a realidade educacional brasileira. Para tanto, sugere-se alguns textos de apoio, bem como atividades para autoavaliação. Indicações de leituras complementares e filmes acompanharão o texto-base, e são importantes para aprofundar algum assunto/tema que se considere relevante.Vale lembrar também que nada substitui a leitura dos próprios mestres, no caso aqui, os “fundadores” da sociologia e da sociologia da educação. Portanto, não de-sanime em buscar na própria fonte as respostas às suas inquietações. Vá em frente!A disciplina pretende desenvolver módulos que possibilitem a compreensão da constituição da realidade social e sua relação com a educação, por meio do estudo de aspectos dos processos sociais presentes na produção e configuração do sistema educacional. Assim, o livro está estruturado em 18 unidades, em que se propõe uma discussão sobre a relação entre a sociologia e a educação, apresen-tando as contribuições dos autores clássicos e sua percepção acerca das questões relacionadas à educação (A Sociologia da Educação) e contextualizando a ciência no Brasil (A Sociologia da Educação no Brasil).A partir daí, tem-se a discussão de alguns temas/conceitos fundamentais para a reflexão aqui proposta. Na unidade intitulada educação e família apresenta-se uma síntese das transformações pelas quais passou a família ao longo do tempo e sua importância quando se discute educação. Para tanto, também se faz ne-cessário observar como o sentimento de infância surge e se modifica a partir do que se tem, inclusive o surgimento dos colégios e novas visões da infância e da juventude (concepções de infância e juventude).

Page 10: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A discussão sobre a escola à luz de alguns conceitos sociológicos compõe as próximas unidades: a escola como instituição social, a escola e o controle social e a escola e o desvio social. Em seguida, são abordados outros conceitos também im-portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos sociais e a educação e o Estado.Finalmente, são apresentados alguns temas mais amplos que dizem respeito à rea-lidade do país (educação e desenvolvimento, educação e cotidiano no Brasil e pro-blemas da educação no Brasil), da escola e do professor (a profissão de professor), além de chamar a atenção para questões que exigem muita reflexão por parte do docente, no sentido de avaliar sua prática pedagógica (perspectivas da educação no Brasil).Vale ressaltar, enfim, que vivemos um momento privilegiado na história, uma vez que a presença da sociologia no currículo está intimamente ligada à democratiza-ção do acesso ao conhecimento científico, com vistas ao incremento da discussão consciente, racional e bem fundamentada do educador na realidade social.Bom trabalho!

Solange Menezes da Silva Demeterco

Page 11: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos
Page 12: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos
Page 13: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

Desde o início dessa trajetória, vem se procurando enfatizar que a edu-cação em nenhum momento está descolada do contexto social no qual se insere e do qual é produto. Assim, vale lembrar que não há como pensar os problemas educacionais sem considerar as conexões existentes entre sistema escolar e as demais instâncias da realidade social.

A trajetória da sociologia no Brasil, como não poderia deixar de ser, está relacionada com o contexto histórico-social do país, intercalando mo-mentos de livre expressão com outros de forte repressão, chegando até mesmo ao banimento das instituições educacionais.

Não se pode deixar de pensar que, diante desse quadro, a sociologia brasileira tenha adquirido um caráter particular, marcado pela busca de explicações/análises/soluções que respondessem às demandas geradas pela sociedade capitalista brasileira, tão distinta em sua essência de outros países também capitalistas. Lembre-se de que uma das características do capitalismo é o aprofundamento da divisão social do trabalho e a luta de classes.

Por mais que a produção dos bens materiais e do próprio conhecimen-to sejam coletivos, nessas sociedades esses bens tendem a ser distribuídos de maneira desigual, reforçando, também, as diferenças entre os homens e cristalizando relações de poder pautadas na submissão, na exploração e na exclusão.

Segundo Kruppa (1994, p. 29),

[...] uma das contradições da sociedade capitalista está na existência simultânea da concentração de saber e das técnicas que permitiriam democratizá-lo, mas que não são usadas com essa finalidade. Na sociedade capitalista, quem detém o poder detém as condições de determinados saberes, que permitem controlar a sociedade. Assim, na sociedade capitalista, não só saber é poder, como poder e, geralmente, condição de saber.

De acordo com a autora e com alguns teóricos, em especial aqueles ligados às teorias críticas da sociologia, o papel dessa ciência seria então pensar sobre tudo isso.

A sociologia da educação no Brasil

Page 14: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

52

Sociologia da Educação

Mas a mesma autora chama a atenção para o fato de que, além da divisão social do trabalho, é preciso “que a organização da produção e da sociedade esteja montada de forma a prevalecer uma hierarquia entre quem tem conhecimento e poder e quem não tem” (p. 28). Essa questão é de fundamental importância para se começar a pensar a sociologia da educação no Brasil – país marcado pela de-sigualdade em vários níveis e de vários tipos, inclusive de oportunidades – onde a opção histórica feita pelo Estado tem sido pelas camadas da sociedade mais favorecidas economicamente, refletindo-se esse modelo de sociedade também na escola e no processo educativo.

Formação da sociedade brasileira: economia agrário-exportadora e economia industrial

No Brasil, os problemas educacionais tornaram-se objeto de estudo recente-mente, a partir do enfoque sociológico. E isso ocorre exatamente em função das demandas geradas por essas desigualdades históricas, que se mantêm ao longo do tempo, desde a colonização, passando pelas marcas deixadas pelo escravis-mo, por uma vida política marcada pela falta de participação da maioria dos pro-cessos decisórios, por um período ditatorial e por um lento e gradual processo de abertura e amadurecimento político. Mas a presença da sociologia nas esco-las é um pouco mais antiga, remonta ao início do século XX, quando a disciplina começou a ser ministrada no Ensino Médio e em algumas faculdades. Esse pro-cesso de institucionalização da sociologia, e inclusive da sociologia da educação, insere-se no contexto da época, na medida em que o Positivismo dominava a cena intelectual do momento. Sendo assim, partindo das teorias clássicas da ci-ência social, também no Brasil se começou a tentar investigar os problemas sob a ótica científica, com um corpo conceitual e uma metodologia específica. Pedro Demo (1987, p. 158) chama a atenção para a necessidade que a sociologia no Brasil teria de poder tratar dos nossos principais problemas, preferencialmente vinculada à prática, contemplando o tema da desigualdade social e discutindo a questão da dependência, do imperialismo, dos obstáculos ao desenvolvimento, sempre considerando que nós mesmos somos os atores desta sociedade e que é preciso “desmascarar” as desigualdades.

No contexto do Positivismo, a educação era vista como um instrumento para formar uma nova mentalidade, voltada mais para as ciências ditas positivas, isto é,

Page 15: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A sociologia da educação no Brasil

53

mais objetivas. A elite que surgia de outros segmentos da sociedade brasileira e que tinha acesso à educação tentava assim manter seus privilégios. O contexto histórico do final do século XVIII, especialmente após a Proclamação da República e primeiras décadas do século XX, é marcado pelo colapso do modelo agroexportador, por uma crescente urbanização, pela industrialização e por uma certa “desordem” social.

Tal como aconteceu na Europa, as mudanças decorrentes da consolidação do capitalismo também deixam suas marcas na vida social e na mentalidade da população brasileira. Especialmente com a emergência de novas classes sociais ligadas às novas atividades econômicas, ao lado da insatisfação com o modelo de educação que se tinha no país na década de 1920 e a instabilidade política que marca a década de 1930, formava-se o cenário ideal para o desenvolvimen-to da sociologia no país.

Acer

vo S

EMU

C.

Dom

ínio

púb

lico.

MH

IJB-

SP.

Na busca por soluções para os problemas que apareciam nessa nova ordem, a sociologia passa a fazer parte do currículo do Ensino Médio e Superior. Um pouco mais tarde, é introduzida também nos cursos de formação de professores. Várias reformas de ensino acontecem em pouco mais de 10 anos (entre 1925 e 1935). É por meio das faculdades de Pedagogia, após 1930, que passa a fazer parte do currículo regular, como foi o caso da Faculdade de Educação da Univer-sidade do Distrito Federal (1937), por Anísio Teixeira. Os cursos de Magistério e Ensino Médio também ensinam a disciplina nesse momento, o que não se cons-titui exatamente numa novidade, visto que a sociologia ainda associada à moral já era ministrada em alguns cursos secundários, por volta de 1890. É preciso des-tacar que nesse momento, e por algum tempo ainda, a educação não era o foco dos estudos sociológicos.

Page 16: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

54

Sociologia da Educação

Somente após 1932, o ensino de sociologia é incentivado como forma de pre-parar as novas gerações para o país que surgia após tantas e tão intensas mudanças econômicas, sociais e políticas, e a educação passa, assim, a ter um fim específico. Os problemas brasileiros pedem soluções urgentes para restabelecer a “ordem”. Aliás, a própria educação passa a ser vista como um problema social e um fator de mu-dança. Era preciso propor reformas que ajustassem a educação à nova ordem social. Mas é fundamental entendermos que, nesse momento, educadores e pensadores sociais – os cientistas sociais – se distanciam muito, uma vez que, para estes, a edu-cação não desperta interesse, enquanto objeto de pesquisa. Isso só aconteceria mais tarde, depois de alguns trabalhos sem muito embasamento teórico e com grandes deficiências em termos metodológicos. Apesar de tudo, no final da década de 1940, a sociologia se institucionalizava como um campo específico de conhecimento.

Nos anos 1950-1960, no auge do processo de industrialização baseado na subs-tituição de importações1, do avanço do nacionalismo e do populismo, formam-se os primeiros sociólogos. Seu objetivo, nesse momento, é analisar os problemas brasileiros de forma mais independente em termos teóricos, isto é, produzir uma sociologia “abrasileirada”, mais de acordo com as necessidades do país. Nessa con-juntura, a educação é vista como agente de transformação social e as escolas são analisadas de acordo com suas especificidades e diferenciações regionais. Isso se explica por toda uma política governamental que se volta para as diferenças regio-nais, particularmente entre o Sudeste rico e industrializado e o Nordeste arcaico e atrasado. Surgem iniciativas tais como a criação das superintendências regio-nais (Sudan, Sudene etc.). É estabelecida uma relação entre educação e desenvol-vimento, enquanto os aspectos sociológicos da educação como, por exemplo, o estudo da escola enquanto instituição social, são pouco trabalhados. Age-se como se a educação, a escola e todos os atores envolvidos no processo educativo esti-vessem fora da realidade social como um todo. Como consequência, tem-se uma dispersão dos temas de pesquisa e pouco aprofundamento nos problemas edu-cacionais propriamente ditos. O analfabetismo é um dos temas que adquire maior visibilidade, até por conta das funções que eram atribuídas à educação. Mas há mais descrição do que análise e interpretação dos problemas.

Será na Universidade de São Paulo (USP) que, nos anos 1960, alguns cientis-tas sociais começarão a efetivamente se interessar pelo tema educação, muitos norteados pelo funcionalismo2, constituindo centros de estudos com o objetivo

1 Modelo de industrialização adotado pelo Brasil, caracterizado pela produção interna de itens que faziam parte da pauta de importações do país, por conta das dificuldades externas para importá-los, de acordo também com a ideia de desenvolvimento que norteava as políticas econômicas da época – o desenvolvimentismo.2 Doutrina que concebe a sociedade como um sistema que deve estar em harmonia para “funcionar bem” e onde os conflitos são apenas uma etapa de uma preparação para uma ordem cada vez maior. Busca relacionar um sistema normativo e a situação que seria definida por esse conjunto de restrições estáveis e coerentes aos olhos daqueles que não desejam que alguma coisa mude na ordem social. É vista como uma teoria conservadora.

Page 17: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A sociologia da educação no Brasil

55

de analisar as relações de poder, particularmente aquelas entre a educação e a estrutura social.

Mesmo não seguindo mais adiante, nesse momento a sociologia (e também a sociologia da educação) procura pensar o real, com o objetivo de encontrar maneiras de modificá-lo quando necessário, sempre partindo da ideia de dimi-nuir as diferenças e as injustiças sociais. Trata-se de fornecer bases teóricas para a ação, inclusive educacional. Ao lado disso, tem-se um grande movimento em defesa da escola pública, vista como o caminho para a democratização do acesso à educação e meio de transformação social.

A sociologia continua seu caminho: dos anos 1970 aos dias atuais

Infelizmente, o caráter econômico ainda iria direcionar boa parte dos estudos nessa área, de acordo com o modelo desenvolvimentista da época, que priori-zava o desenvolvimento econômico sobre o social. Especialmente após o Golpe Militar de 1964, quando muitos cursos são fechados, a disciplina é suspensa nas escolas e universidades e muitos pesquisadores e professores são afastados do trabalho, alguns até do país, por se oporem ao regime político.

Em razão da repressão imposta pela Ditadura Militar, a década de 1970 é mar-cada por estudos quantitativos sobre administração escolar e pouco se fala de temas “incômodos” como evasão, reprovação ou rendimento escolar. Mesmo assim, aparecem críticas ao modelo econômico e político da época, bem como uma contestação da própria política educacional dos militares, eminentemente voltados para a formação de técnicos e não de pessoas com espírito crítico.

Diante do quadro social e político desse momento, há um certo pessimismo em relação ao papel transformador da educação, em sua capacidade de promo-ver mudanças sociais efetivas. Apesar de se ter durante a década de 1970 um bom número de trabalhos em educação, não há estudos na área de sociologia da educação; discutem-se teorias da aprendizagem, teorias do currículo, progra-mas, a atividade docente, entre outros temas.

O desenvolvimento de reflexões de caráter marxista estabelece relações entre algumas variáveis que antes eram consideradas, isoladamente, pouco acrescen-tando em termos teóricos. É o caso das condições socioeconômicas do aluno e seu rendimento escolar: ao estabelecer essa correlação, tem-se o que se chama de explicação sociológica para os fenômenos da evasão e/ou da repetência, por

Page 18: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

56

Sociologia da Educação

exemplo. Observa-se uma mudança em termos de percepção do processo educa-tivo, que é visto como conjunto de relações externas (interdependência, por exem-plo) e relações internas (o sistema educacional é um todo composto de partes que têm relação entre si) (FERREIRA, 1993, p. 26-27).

A preocupação com a democratização do ensino, como já se disse, torna-se o foco dos educadores e sociólogos, que agora são muito mais críticos, denun-ciando o quanto o sistema educacional estava a serviço do poder político. É aqui que teóricos como Bourdieu e Althusser, entre outros, divulgam suas teo-rias, chamadas de teorias do conflito. Voltando ao exemplo dado acima, nesse mo-mento, a reprovação e a evasão que a ela se seguia passam a ser vistas como exclusão, problemas que exigem solução enquanto fenômenos sociais ligados ao subdesenvolvimento brasileiro.

Com a abertura política, como ficou conhecido o período de transição que marcou o fim da Ditadura Militar no Brasil e que ficou marcado, entre outras coisas, pela promulgação de uma nova Constituição e pelo restabelecimento da ordem democrática (ainda que muito devagar), consolidam-se os estudos marxistas e os questionamentos sobre o caráter ideológico do material didático, por exemplo. Entretanto, não se estuda a dinâmica interna da escola, nem os movimentos edu-cacionais. O que se tem são trabalhos ainda muito marcados pelos levantamentos estatísticos, sem muita reflexão teórica ou proposições práticas, a partir dos dados coletados. Outras ciências viriam colaborar com a sociologia da educação, forne-cendo-lhe subsídios em termos metodológicos, indicando procedimentos de pes-quisa mais adequados aos temas que os pesquisadores se propunham a trabalhar.

Com tudo isso, o que se pode notar é que ainda permanece uma certa distân-cia entre os educadores e os sociólogos, tendo, inclusive, nos anos 1990, aumen-tado o desinteresse pela sociologia da educação, apesar do esforço de muitos e do fato de que a maioria dos problemas com os quais o Brasil se debatia há mais de 30 anos permanecem. Apesar do inegável avanço e melhoria dos indicadores sociais do país, amplamente divulgados pelo governo, ainda vivemos uma situa-ção de profundas desigualdades sociais, decorrentes da absurda concentração de renda e da falta de um projeto real de Reforma Agrária.

Apesar das dificuldades, a sociologia e a sociologia da educação estão conso-lidadas no país, em centros de ensino e pesquisa, publicações especializadas e com vários trabalhos que alcançaram o reconhecimento internacional. Os profis-sionais da área trabalham no sentido de pensar a realidade brasileira e fornecer subsídios para a implementação de políticas públicas voltadas para o atendi-mento das necessidades das populações mais carentes, mas, sobretudo, para propor temas para debate nacional.

Page 19: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A sociologia da educação no Brasil

57

Texto complementar

A formação do pensamento sociológico no Brasil (COSTA, 2009)

No Brasil, o processo de formação, organização e sistematização do pen-samento sociológico obedeceu às condições de desenvolvimento do capita-lismo e à dinâmica própria de inserção do país na ordem capitalista mundial. Refletindo, portanto, a situação colonial, a herança da cultura jesuítica e o lento processo de formação do Estado nacional.

No período colonial, a cultura religiosa foi utilizada como um importante instrumento de colonização, uma vez que a Ordem dos Jesuítas, com sua fi-losofia universalista e escolástica, durante três séculos exerceu o monopólio sobre a educação, o pensamento culto e a produção artística (que no país à época se desenvolveram), introduzindo paralelamente um sistema misto de exploração do trabalho indígena que, combinado com o ensino religio-so, agiu de modo a aniquilar gradativamente a cultura nativa. Esse processo submeteu as populações escravas e ajudou a distinguir drasticamente as ca-madas cultas daquelas que realizavam o trabalho braçal. De forma que se pode afirmar que a cultura do Brasil colonial mantém e ostenta, ao longo de sua vigência, um caráter ilustrado, de distinção social e dominação.

No século XVIII, ocorre o surgimento e a influência das classes interme-diárias. O desenvolvimento da mineração promove importantes transfor-mações sociais, alterando a sociedade colonial, que até então se dividia em donos de terra e administradores de um lado e escravos de outro. Surgem ocupações novas: comerciantes, artífices, criadores de animais, funcionários da administração que controlavam a extração de minérios e sua exportação, e outras. A população livre passa a ser mais numerosa que a escrava. Essa camada intermediária livre e sem propriedades, torna-se consumidora da erudição e cultura europeia, tentando distinguir-se tanto do escravo incul-to como da elite colonial conservadora, contando, para tanto, com o ensino praticado pelas ordens religiosas estabelecidas em Minas Gerais, à época. No campo das artes plásticas, passam a ser notadas manifestações nacionais, por meio de um barroco original e uma música de técnica surpreendente; já em relação ao campo científico, a produção mostra-se ainda muito pequena,

Page 20: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

58

Sociologia da Educação

predominando, por sua vez, ainda o saber erudito, voltado para os estudos jurídicos.

No que tange ao século XIX, com a transferência da corte joanina para o Brasil em 1808, é introduzida na colônia a cultura portuguesa da época, resultante das influências do humanismo neoclassista francês e da produ-ção cultural da Universidade de Coimbra. São fatos importantes a criação da Academia de Belas Artes, a fundação da imprensa, o lançamento do primeiro jornal, a organização da primeira biblioteca nacional e dos pri-meiros cursos superiores, que em parte rompem com a cultura escolástica e literária anterior. Nesse período, também se introduziu o instrumental prático destinado à formação e viabilização do aparelho administrativo do Império. Porém, ainda que voltada mais à praticidade, a cultura nacional continuava sendo alienada, ditada pelas formas europeias, objetivando or-ganizar o saber descritivo e funcional, bem como garantir o domínio do poder imperial.

Os movimentos intelectuais e literários, até meados do século XIX, apesar de tratarem de questões políticas e sociais, a terra e a nação surgiram apenas como objeto, como tema, nunca como pensamento crítico desenvolvido a partir das condições próprias da nação. Ou seja, a forma, assim como a lin-guagem, eram estrangeiras; só o motivo era nacional. Essa dicotomia entre a realidade vivida e o conhecimento produzido e consumido pela elite não só mantinha a prevalência do caráter ostentatório de uma cultura de elite, como caracterizava uma nova forma de alienação, responsável pelo tardio desenvolvimento da ciência no Brasil.

Somente após 1870, sob pressão do que ocorria na Europa, significativas mudanças irrompem na sociedade brasileira, mudanças essas que, fundidas a ciclos econômicos decadentes, provocaram a emergência do pensamento crítico, que passa a ser apresentado de forma incisiva tanto na criação literá-ria quanto na crítica social.

É de grande importância para o desenvolvimento do pensamento socioló-gico brasileiro o desenvolvimento do capitalismo no país. O desenvolvimento das atividades comerciais e de exportação do início do século, com a forma-ção da burguesia nacional, revolucionaram o modo de pensar da intelectu-

Page 21: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A sociologia da educação no Brasil

59

alidade e da sociedade brasileira como um todo. Essa revolução decorre da necessidade da nova classe de um saber mais pragmático, menos vinculado a uma estrutura social herdada da colonização. A partir de então, verifica-se uma tentativa de ruptura com a herança cultural do passado: procura-se combater o analfabetismo, homogeneizar os valores e o discurso, criar um sentimento de patriotismo que levasse a mudanças reais na estrutura social, repudiando todo traço de colonialismo, de atraso e importação cultural.

Mas, apesar de podermos reconhecer que desde o final do século XIX já se verifica no Brasil uma espécie de pensamento sociológico, desenvolvida por Euclides da Cunha, dentre outros, a sociologia entendida como atividade autônoma, voltada para o conhecimento sistemático e metódico da socie-dade, só irrompe na década de 1930 do século passado, época em que o mundo liberal entrou em crise profunda e as relações econômicas interna-cionais mostraram suas contradições mais agudas. Assim, é no momento de crise que a crítica se desenvolve, sistematizando-se de maneira científica na sociologia.

(Disponível em: <http://pt.shvoong.com/humanities/398358-orma%C3%A7%C3%A3o-

pensamento-sociol%C3%B3gico-brasil/>. Acesso em: nov. 2008. Adaptado.)

Dicas de estudoCentral do Brasil, de Walter Salles Jr.

Procure retirar do filme alguns elementos que demonstram o quanto o acesso à educação é desigual no país. Avalie o peso do analfabetismo para boa parte da população, que se vê excluída e privada de seus direitos fundamentais.

Sugestões de leituraPAIXÃO, Lea Pinheiro. Sociologia da Educação: pesquisa e realidade brasi-leira. Rio de Janeiro: Vozes.

Page 22: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

60

Sociologia da Educação

Atividades1. A partir do que aprendeu, qual a importância que você atribui à sociologia

da educação no Brasil?

Page 23: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos

A sociologia da educação no Brasil

61

2. Como profissional da educação, como você analisa questões como reprova-ção e evasão escolar? Avalie a realidade da sua escola e procure estabelecer as causas desses problemas.

Page 24: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO - videolivraria.com.br · portantes para a sociologia da educação: a mudança social, a estratificação social, a mobilidade social, educação e movimentos