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SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO DANIEL SOTELO GOIÂNIA JULHO DE 2015 1

Sociologia Da Religião

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Page 1: Sociologia Da Religião

SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

DANIEL SOTELO

GOIÂNIA

JULHO DE 2015

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Page 2: Sociologia Da Religião

RESUMO

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Page 3: Sociologia Da Religião

ABSTRACT

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DEDICATÓRIAS

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AGRADECIMENTOS

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO1 As sociologias Tradicionais2 A sociologia da escola Americana3 A sociologia Marxista

CAPÍTULO II TEMAS E FORMAS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO1 A experiência Religiosa2 As instituições Religiosas3 As seitas4 As castas5 As denominações

CAPÍTULO III RELIGIÃO E CONFLITOS SOCIAIS1 Religião e Classes Populares

CAPÍTULO IV RELIGIÃO E LUTAS DE CLASSES

Introdução1 O problema de uma Sociologia Latino - Americana das Religiões2 Afinal, o que seria Sociologia das Religiões3 O campo Religioso como produto dos Conflitos Sociais3.1 A religião na Sociedade3.2 A religião no modo de produção da sociedade3.3 A Religião nas sociedades divididas em classes3.4 A Religião numa sociedade complexa como a América Latina3.5 A religião no meio da estrutura de classes em conflitos3.6 A Religião na dinâmica conflitiva das classes sociais4 O campo religioso como terreno relativamente autônomo de conflitos sociais4.1 Interesses religiosos e Produção Religiosa

4.2 A fragmentação conflitiva de interesse e do trabalho religioso4.3 A produção religiosa especializada como produção transacional4.4 A procura, produção e consumo de bens religiosos5 O campo religioso como fator ativo nos conflitos sociais6 Conclusão

CAPÍTULO V Religião e Modos de ProduçãoIntrodução1 Definição2 Religião e coesão social nos diversos modos de produção

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Page 7: Sociologia Da Religião

3 Representações simbólicas e funções das Religiões4 Características das Sociedades pré – capitalistas de classes5 Modos de Produção6 Condições sociais da gênese e do desenvolvimento dos grandes

sistemas Religiosos do Oriente7 A religião na formação social da Palestina do século I e o

protagonista sócio – religioso: Jesus8 Estrutura de classes, poder político e correntes ideológicas9 O protagonista sócio – religioso: Jesus

CAPÍTULO VI ANTÔNIO GRAMSCI E A QUESTÃO RELIGIOSAIntrodução1 Definição do fenômeno religioso2 Evolução histórica3 Cristianismo como movimento religioso4 Ligação com o Baixo Império – A Igreja depois do Edito de Milão5 Transformação intelectual da classe Feudal6 As revoluções e o declínio da Igreja7 Considerações finais

CAPÍTULO VII PENTECOSTALISMOSIntrodução1 Histórico das primeiras Igrejas Pentecostais2 Gênese do Pentecostalismo

BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO

A importância da Sociologia e da Sociologia da Religião para o Estudo

Bíblico e Teológico é de suma importância nos estudos de um pesquisador

moderno. Quem não se habilitar nestes estudos não poderá fazer um estudo

concreto e correto das religiões pesquisadas.

Pouco tempo atrás, ninguém imaginava a importância tão grande que

teria a Sociologia e a Sociologia da Religião para os estudos Teológicos. Como

sabemos e estudamos, na história da Teologia a grande importância que teve a

história das Religiões (Religionsgeschichte) e a própria Filosofia.

Esta última influenciou o pensamento Teológico e ainda marca presença

na teologia do primeiro – mundo. A Filosofia sempre trouxe influência marcante

em períodos teológicos como: o idealismo Kantiano na teologia alemã, a

dialética no pensamento Barthiano, o existencialismo no pensamento

Bultmanniano, e outros mais. Somente na década de 70 começou a se

configurar na América Latina uma nova forma de se fazer teologia.

A Teologia da Libertação baseada na leitura dos quatro lados, isto é,

sociologia política, econômica e a ideologia. Passou a ver e encarar uma nova

forma teológica. Claro está que a Filosofia preponderante foi a Dialética

Marxista. Desta Forma a Teologia passou a ser influenciada pela Sociologia, e

a Sociologia da Religião onde as novas formas de igreja e de experiências

religiosas passaram a ser sentidas.

Estamos falando agora de Sociologia e Sociologia das Religiões. Isto

pode ser visto na obra de Clodovis Boff:

Teologia e Prática; onde ele mostra a relação entre a filosofia e Teologia,

da TEOLOGIA e da Sociologia, e que mudança esta mudança ocorreu no

terceiro mundo. Como e porque a Sociologia se torna importante no estudo

da Teologia? São os aspectos sociais que determinam as formas religiosas.

Existem teorias importantes a este respeito. Emile Durkheim em suas

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obras “As formas Elementares da vida Religiosa”, mostra extremamente

o que o título fala, discutiremos mais acerca deste trabalho.

William James em seu trabalho sobre: “As variedades da Experiência

Religiosa”, também trabalhou este aspecto. O nosso trabalho começa com um

estudo sobre a importância da Sociologia da Religião para o estudo teológico,

do estudo bíblico e sociológico, do começo ao fim. Vemos na primeira parte,

as “Sociologias das Religiões” e suas escolas, que se diferenciam nos

continentes onde são aplicadas.

Depois veremos algumas “Teorias Sociológicas da Religião”, na Segunda

parte e na terceira parte, um trabalho importante que se tem feito na América

Latina e no Brasil que é a “Religião e os Conflitos Sociais”, para finalizar, na

Quarta parte uma “Sociologia do Protestantismo”.

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CAPÍTULO I

AS SOCIOLOGIAS DA RELIGIÃO

AS SOCIOLOGIAS TRADICIONAIS

A SOCIOLOGIA AMERICANA

A SOCIOLOGIA MARXISTA

Conforme alguns autores, e existem várias formas de se fazer sociologia

da religião e de acordo com Henri Desroche (1986) achamos que esta

classificação pode ser definida como: as tradicionais ou antigas, a americana

ou ainda como anglo-americana e a nova tendência na América Latina de uma

leitura de modos de produção da religião como sendo de orientação marxista.

Essencialmente as duas primeiras analisaram os aspectos da instituição

eclesial como: a igreja em si, o templo, o culto, o rito e assim por diante;

enquanto que a última tendência se preocupou mais com as formas de

produção religiosa e as formas de alienação e da ideologia que são produtos

finais de uma religião dominante.

A Sociologia da Religião começou de uma forma dentro do cristianismo

e da teologia. As outras formas anteriores eram estudos mais de cunho

histórico e sistemático, como também comparativo das religiões. A

preocupação com os aspectos sociais apareceu bem depois.

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1 AS SOCIOLOGIAS TRADICIONAIS (HENRI DESROCHE)

Por isso, Henri Desroche (1986) demonstra que a Sociologia da Religião

começou nas primeiras décadas deste século.

Nomes mais importantes são os de: Roger Bastides (que trabalhou

muito tempo no Brasil e na USP), Gustav Mensching, Joachim Wach, George

Le Bras, T. F. Hoult, Max Weber, Friedrich Engels, Ernest Troeltsch, Emile

Durkheim, Marcel Mauss, etc.

Este grupo preocupou-se em fazer uma análise sociológica da Religião,

onde era importante o confronto com outras religiões para se verificar

semelhanças e diferenças nos cultos, ritos, mitos, instituição, etc. O estudo

tradicional está também no aspecto em que a sociologia deveria ser utilizada

nos estudos das religiões e denotava ainda o sentimento religioso de cada

estudioso ou pesquisador.

Ainda existiam aspectos ligados a uma teologia dominante no

pesquisador e isto influenciava o campo sociológico a ser estudado como: a

eclesiologia (Ernest Troeltsch), sociologia católica (Jean Leclerc), a moral de

cada religioso, a sociologia cristã (Ernest Troeltsch), as seitas (Max Weber e

Ernest Troeltsch), judaísmo antigo (Max Weber), sociologia do protestantismo

(Roger Mehl), sociologia do protestantismo brasileiro (Waldo César e Emile

Leonard), etc. A teologia no inicio exerceu tão forte influência nos estudos

sociológicos da religião que esta era denominada de sócio - teologia ou

Teologia da Sociedade.

O sucesso posterior da Sociologia da Religião teve três atitudes

essenciais: a desconfessionalização, a desclericalização, e a dessacralização.

A última ou dessacralização pressupunha o sumiço das analises das doutrinas

e aproximação de análises das concepções religiosas de uma sociedade. A

desconfessionalização mostrava o desaparecimento da concisão eclesial ou

religiosa. Por fim, a desclericalização que retira dos estudos a referência

clerical.

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Ainda nestes estudos, tradicionais, Emile Durkheim estudou as formas

elementares da experiência religiosa, outro tradicionalista foi William James

que trabalhou com as “variedades da experiência religiosa” e os temas

preferidos sempre foram às formas de expressão religiosa. O que demonstra

ainda a influência de aspectos religiosos na sociologia da religião.

Outros estudiosos partiram para análise antropológica da religião como:

Robert Lowie com os estudos de religiões primitivas, Joan M. Lewis trabalhou

com a questão do êxtase religioso; R. H. Tawney sobre as religiões e o

surgimento do capitalismo, numa perspectiva mais sócio – econômica, esta

obra é quase semelhante à famosa e consagrada obra de Max Weber sobre a

“Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Enquanto que Victorio

Lanternari se preocupou com as formas da religião dos oprimidos, sendo

assim, uma nova ótica da religião.

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2 A SOCIOLOGIA DA ESCOLA AMERICANA (PETER BERGER E OUTROS)

Como vimos, esta escola também chamada de anglo-americana tem a

influência de dois alemães emigrados para os EUA: Peter Berger e Thomas

Luckmann. Esta sociologia também tem como representantes Thomas O’Dea e

um católico chamado Gregory Baum e outros mais. Esta sociologia é baseada

na gênese da religião de forma clássica de ver a religião de um ponto de vista

burguês.

Enquanto que a sociologia tradicional explicava os fenômenos religiosos

através da teoria sociológica e fora denominado de teoria funcional, e nada

mais é, como funciona as religiões em seus cultos, era sua magia e que a

religião traz em si uma função moral para o homem, carrega o individualismo

na função social de cada um, traz os valores individuais de cada crente a

religiosidade e a experiência individual.

A distinção entre o sagrado e o profano, a instituição religiosa, o culto, a

crença e o mito de cada religião e ainda, a organização é sua fonte de

pesquisa.

A tendência desta escola limita-se e está voltada para a análise de

religião à sociedade. A religião e a estratificação social, a conversão, a cultura,

a igreja e o “mundo”, e outros aspectos tomaram tendência mais burguesa.

Esta escola não se preocupou de fato com questões fundamentais dos

conflitos sociais, que podem provocar diferentes comportamentos religiosos,

não analisa o sistema da troca que existe na religião que é um aspecto de

economia: a troca de mercadorias representa a troca de benefícios entre o

crente e as divindades, ou como no sistema capitalista, o que pode mais,

compram com seu poder os benefícios religiosos, e isto a sociologia marxista

fará muito bem em sua análise da religião desmascarando tudo.

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3 A SOCIOLOGIA MARXISTA (KARL MARX, HENRI DESROCHE)

Esta corrente sociológica só tem entrado no campo da sociologia da

religião recentemente. Como faz a analise o marxismo apenas entre as

questões da ideologia e da alienação. Agora na América Latina entra em cena

esta forma para analisar o mundo subdesenvolvido e a denominação, os

aspectos sócio-econômicos. Anteriormente, ainda existiam formas deformantes

da religião e ainda isto acontece. Estas armas eram provocadas por aspectos

exteriores e que a religião era utilizada como dominação e subjugação dos

substratos da economia e da sociedade.

Nesta forma a Sociologia da Religião mostra outros modos específicos

que tornaram a religião o “ópio do povo” (Karl Marx). Esta sociologia nos ensina

como uma sociologia Latina – Americana da religião deve ser feita nestas

condições. Esta sociologia deverá determinar o campo religioso como produto

dos conflitos sociais e também da religião como um local de conflitos, e por fim,

a religião como campo da ação dos conflitos.

Após estas considerações iniciais, resta-nos aprofundarmos ao que se

tem feito e o que se deve fazer na Sociologia da Religião, para que possamos

melhor compreender e fazer Teologia e nos Estudos da Bíblia.

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CAPÍTULO II

TEMAS E FORMAS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

1 EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: (WILLIAM JAMES E EMILE DURKHEIM)

A experiência religiosa refere-se ao ato de cada etapa da vida humana.

A religião e um aspecto da mesma que liga as etapas críticas decisivas na

experiência humana. A religião é a classificação de várias formas da

experiência humana – o sagrado e o profano: Durkheim e Otto. O profano se

refere a tudo aquilo que não é o religioso, que faz parte da experiência

cotidiana de cada indivíduo.

Durkheim mostrou que o sagrado é superior ao profano, o sagrado é a

esfera da reverência, da obediência. É a influência, o poder, a força, ou crença

no ser superior. Conforme Rudolf Otto, o sagrado ou santo é o numinoso, o

tremendum, o misterium, o tremendum et fascionorum. É a expectação de algo

superior a si mesmo, é o caráter extraordinário do fenômeno, a fascinação pelo

poder.

Conforme a antropologia e fenomenologia os especialistas chegou-se a

uma conceituação do sagrado como aquele que desperta sentimentos e que se

caracteriza simultaneamente por terror ou atração, amor e medo, louvor e

fascinação. Max Weber chamou de carisma o que Durkheim denominava de

sagrado e Rudolf Otto de santo. Max Weber define carisma como a qualidade

individual que cada indivíduo pode ter aquilo que separa um indivíduo comum

de outro, que pode ter poderes sobrenaturais, sobre-humanos ou excepcionais.

Estes poderes ou sentimentos estão acessíveis também a seres comuns

e não apenas a excepcionais, é que estes atos são tidos como de origem

sagrada ou divina e que através destes o indivíduo pode ser tratado como um

líder.

O carisma tem aspecto de sagrado, que atua no profano com grande

influência social e econômica, como determinou o próprio Weber. O carisma

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para ele tem três características essenciais: o extraordinário, pois é diferente e

atua fora do cotidiano e da rotina; espontaneidade, pois, atua como novas

formas e movimentos novos, fugindo da rotinização social e econômica e ele é

criador porque cria novas fontes de atuação. Vimos então que a experiência

religiosa é dada através do sagrado e que suas manifestações têm também os

aspectos do além dos citados: o respeito e a fascinação.

O sagrado indica um poder que, embora se manifeste na experiência

está além desta, e a experiência religiosa é uma experiência desse poder. A

experiência religiosa é uma resposta a coisas experimentadas no sagrado. A

religião e o medo onipresente ou medo imaginário da consciência humana, é a

emoção, busca consciente ou o inconsciente da realidade última. A religião é a

resposta do homem a pontos críticos nos quais experimenta o poder

fundamental do sagrado.

A experiência religiosa é o encontro com um além, com um poder que

está além das coisas e acontecimentos, como um poder fundamental

entendimento como base da existência: é a partir da experiência religiosa que

se desenvolvem as crenças, as práticas e organizações religiosas, que

respondem as perguntas básicas através de seus sistemas de crenças e que

dão meios de ajustamento através de uma relação como além. Pesquisando

vários autores que falam da experiência religiosa: Paul Tillich, Martin Buber,

Georg Simmel, Ludwig Feuerbach, Sigmund Freud, eles conceituaram da

seguinte maneira:

PAUL TILLICH: A experiência religiosa está relacionada com o que é santo. O

princípio fundamental da religião não é apenas adquirido

intelectualmente, mas é como um encontro pessoal. A

experiência religiosa é um encontro com o além, com um poder

que está além das coisas e acontecimentos, como um poder

fundamental entendido como base da existência.

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MARTIN BUBER: Ele mostra que a experiência religiosa é a relação do “eu –

tu”, a relação humana com a divindade, onde o “eu – coisa” está

em relação com os outros. O “eu – tu” é fundamental para a

experiência humana. Esta relação “eu – tu” é uma relação de

presença, presença do eterno, o homem no eu – o tu responde

uma presença do tu infinito.

GEORG SIMMEL: A experiência religiosa tem a forma de elevação e

isolamento. Na elevação, o indivíduo está em relação com os

outros e se sente completamente no isolamento é onde os

indivíduos buscam alguns aspectos importantes da relação

humana. Para ele, a religião é essencialmente relação e que

nestas relações os homens modelam, exprimem atitudes e

sentimentos. A relação se refere com relação no sagrado,

relação entre indivíduos, relações sociais, relações de rituais e

crenças.

LUDWIG FEUERBACH: Se preocupa mais com a religião real ou a

concepção de Deus – que é antropologia: “toda a afirmação de

Deus é uma autoafirmação do homem” dizia Ludwig Feuerbach.

“A religião é a primeira forma indireta de autoconhecimento do homem”.

Isto denomina o autor, como sendo pregações humanas de

concepções religiosas, o homem se aliena de si mesmo e é por

isso prejudicado em sua auto-realização. Deus representa a

substâncialização da sociedade, que apóia a moral do homem. A

experiência religiosa, para ele, é uma experiência do ponto

crítico, no que pode ser denominado de situação-limite; onde o

homem, impulsionado pelo pensamento ou pelos

acontecimentos da vida, ultrapassa o aqui e o agora.

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Na situação limite, o homem atinge um grau de transcendência

diante do além. Este além é experimentado como sagrado, e ele,

o homem responde com correspondente ambivalência, é

atraente e fascinante apesar de amedrontador e ameaçador.

SIGMUND FREUD: Ele Mostrou que a religião pouco fez para nos defender da

natureza, onde se inclui a nossa natureza. A religião é uma

ilusão, pois ela faz deixar de lado a relação entre seu conteúdo e

a realidade. Para Freud, a religião nasce da necessidade de

tornar tolerável a fraqueza do homem, é a situação da afloração

no indivíduo da infantilidade. Por outra ocasião, ele dizia que a

religião é a representação, onde Deus é a figura paterna. Temer

o pai significa e temer a Deus ou vice-versa.

Concluindo, pode-se dizer que a teologia é a tentativa de usar um

método racional da filosofia para explicar o que existe nas experiências

religiosas de várias tradições. Joachim Wach em sua Sociologia da Religião

propôs critérios universais para reconhecer a experiência religiosa:

a) A religião uma resposta ao que é experimentado como realidade

fundamental;

b) A experiência religiosa é uma resposta total de ser total ao que é

aprendido como realidade;

c) A experiência religiosa é a mais intensa experiência de que o homem

é capaz;

d) A experiência religiosa inclui um imperativo, um compromisso que

leva o homem a agir.

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Para Joachim Wach, ainda existem experiências pseudo - religiosas e

semi- religiosas. As primeiras são não religiosas e os homens a utilizam como

se fossem religiosas. As segundas são encaradas como realidades

fundamentais e de sete realidades finitas.

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2 As INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS (MAX WEBER)

Nas sociedades existem dois tipos de organizações religiosas: primitivas

e arcaicas; onde a religião é os fenômenos difusos e muitas organizações,

associações, a famílias e grupo de trabalho têm caráter religioso. Com a

evolução e a diferenciação interna surge a estratificação. As instituições

surgem através da função do carisma de seus líderes, fundadores e discípulos.

A manutenção do carisma, liderança, fundadores, se encontram nos

interesses, ideais e materiais de cada um dos mesmos. A evolução das

religiões, das organizações depende de seus fundadores. Se perpetuarem os

mesmos, ocorre a estratificação que é a manutenção do status. Isto ocorreu

com o Judaísmo, Cristianismo e todas as religiões com carismas, líderes e

fundadores que tiveram seus dons e lideranças perpetuadas.

Existem vários aspectos que tornam a perpetuação viável: a oração, o

culto, a irmandade, a pregação, a liturgia, as pregações e as crenças.

O culto é a reunião dos gestos, palavras e meio simbólico de

transmissão; é a expressão de sentimento, atitudes, relações e isto tem caráter

intelectual.

O culto é o ritual religioso que consiste de linguagem, gesto, canto,

refeições sacramentais e do sacrifício. O ritual e a liturgia são expressões de

atitudes que se desenvolvem em torno de incidentes, crises e transições

importantes na vida do indivíduo e do grupo: o nascimento, puberdade, doença,

a mudança de status e a morte, são marcados por rituais e são denominados

de ritos de passagem. O culto começa como expressão espontânea e depois é

enquadrado e padronizado conforme cada instituição.

Ele é institucionalizado. O culto passou a ser a representação da

experiência religiosa e a maneira pelas quais os fiéis exprimiam sua relação

com o sagrado. A institucionalização do ritual, a padronização das palavras,

gestos e procedimentos fazem parte da estratificação social. A

institucionalização da religião está no nível intelectual e da crença. Esta

expressão intelectual pode ser de duas formas: a mítica e a racional.

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Page 21: Sociologia Da Religião

O mito é a forma primordial da expressão intelectual de atitudes e

crenças religiosas, esta é a afirmação dramática da vida humana, é um tipo

complexo de afirmação do homem. O mito resulta da emoção e seus

antecedentes emocionais mostram a concepção inicial da natureza da vida; o

mito é a forma de ser o mundo.

Outros fatores de evolução da instituição religiosos foram demonstrados

por Augusto Comte composto de três aspectos: o estágio primitivo onde o

homem vivia a religião como magia, o estágio metafísico onde o homem

começa a pensar sobre si e o mundo que o cerca e o estágio positivo, onde

para ele, é o mais importante, é a era científica onde a apreensão e a formação

de conceitos são mais profundas.

Conforme Max Weber, a ética protestante auxiliou através das

concepções teológicas as orientações dos seres humanos, influindo

significativamente na sociedade e na ação humana. O ascetismo do

protestantismo acentuava a eliminação de elementos mágicos e míticos na

interpretação religiosa focalizando a atuação do homem mais nas suas ações e

no mundo. Aqui começa o processo de secularização.

Recordando, foi a centralização do culto e a oração que possibilitou a

formação de uma organização religiosa e a sua instituição. A institucionalização

foi possível através do culto da doutrina e da organização de comunidades.

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Page 22: Sociologia Da Religião

3 SEITAS (MAX WEBER)

Para falar de seitas, é necessário também falar de instituição, o que

vimos anteriormente, que podemos resumir agora. A instituição é a igreja que

se acomodou ou se comprometeu com as formas institucionais e as

organizacionais. Ela se estratificou socialmente.

A igreja a qual participa através do seu nascimento, fundação. A

administração da mesma é pela hierarquia, dogma e que a sua geografia

coincide com a etnia, e a estrutura social. Existe uma tendência para se

encaixar na sociedade, os seus valores e instituições se acomodam entre si.

A seita é a separação em relação à sociedade, afasta-se e desconfia em

relação ao mundo, suas instituições e valores. Há um separatismo em atitude e

estrutura social. Acentua-se a experiência da conversão, anterior à qualquer

participação. A adesão voluntária, espírito de regeneração, uma atitude de

austeridade ética e ascética.

Para Ernest Troeltsch a seita é “uma sociedade voluntária, composta de

crentes cristãos, rigorosos e explícitos, unidos entre si, pelo fato de todos terem

experimentado o novo nascimento”.

“Os grupos sectários de vez em quando formam grupos de protestos,

como exemplo na Antigüidade o foi o monasticismo o que se separou do

mundo como protesto por ser coisa do demônio”.

A seita pode permanecer na igreja como foram as ordens religiosas ou

sair dela formando outro movimento que Henri Richard Niebuhr chamou de

denominação.

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Page 23: Sociologia Da Religião

4 AS CASTAS (MAX WEBER)

Este termo foi criado por Max Weber para mostrar nas religiões orientais

– China e Índia – a hierarquia religiosa das mesmas. Ele queria designar o

funcionamento, que ele denominava sendo a burocracia religiosa destas

religiões. O próprio termo designa a idéia de pureza e preservação de um

determinado grupo social que pratica a endogamia, onde se te atividades

profissionais, crenças, cerimônias, ritos; não se pode passar de casta para

outra ou grupo social para outro: nasce-se nos mesmos.

A casta em sua origem hindu é uma estratificação social onde são

importantes a cor e o nascimento. Os brancos são a casta sacerdotal, depois

os guerreiros e príncipes, após estes os agricultores e por fim os escravos.

Os que não têm casta são os párias e todos estes têm importância na

religião.

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5 AS DENOMINAÇÕES (HENRY RICHARD NIEBUHR)

Como vimos, um pouco atrás, que as seitas são fusões, rachaduras

ocorridas nas instituições e que seitas são aquelas que não passam de uma

geração de seus fundadores e se tornam estratificadas dando origem a outras

formas institucionais religiosas. As seitas são formas de protesto dentro das

instituições e formando outras igrejas. Nos EUA dentro do protestantismo

ocorreu isto e as formas no protestantismo foram chamadas de

denominacionalismo (Denominações). Denominação vem do inglês americano

“denomination” que designava as diversas igrejas e confissões dentro do

protestantismo.

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Page 25: Sociologia Da Religião

CAPÍTULO III

RELIGIÃO E CONFLITOS SOCIAIS (Otto Maduro)

Introdução

Falamos antes que, a Sociologia da Religião na forma e análise

tradicional e com orientação formalista sempre preocupou mais com as formas

religiosas, do que com os ritos e os mitos, os cultos e as instituições. De uma

época para cá a Sociologia da Religião de orientação Marxista. E utilizando

mecanismos e utensílios marxistas se preocupam mais com a religião nos

conflitos sociais: religião e classes populares; religião e lutas de classes. Ela

mostra a religião em comparação com as classes sociais e como ela funciona

na mesma classe social.

A Sociologia da Religião, nesta perspectiva mostra as

características religiosas e seus conflitos sociais em dois aspectos mais

importantes: as classes populares e as lutas de classes. A primeira, como

funciona a religião nas classes populares, pois sabemos como ela se dá na

classe média (protestantismo histórico) ou na burguesia (setores da igreja

católica) e na classe alta ou dominante (setores a igreja católica). A Segunda

reflete a religião e as lutas de classes: a luta de classe reflete a luta também

das religiões.

Antes de entrar nestes dois aspectos, analisaremos a religião e os

conflitos sociais. Sempre estes conflitos estiveram interligados à religião e aos

conflitos sociais, sejam eles, de classes dominante ou dominada. Conforme

alguns autores, o sectarismo e outros aspectos religiosos se tornam conflitos

religiosos por que existem os conflitos sociais: diferentes classes, sociedades

diferentes. Outros ainda enfatizam aspectos étnicos nos conflitos sociais e

religiosos. Agora a cultura, o trabalho, a guerra, o governo, o saber e a ciência

trouxeram ambigüidades e conflitos religiosos.

Todos os aspectos sociais trazidos como conflito para a religião colocam

o homem em conflito consigo e em conflito social, não conseguindo superar os

conflitos sociais se utiliza a religião para superá-los e isto os estudiosos

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Page 26: Sociologia Da Religião

denominam alienação. Sendo que, a religião pode se apresentar como consolo

emocional para o homem e se tornam o “ópio do povo” (Marx).

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1 RELIGIÕES E CLASSES POPULARES (FRANCISCO CATARXO ROLIM)

A questão fica no termo do que é e o que não é popular. Em

contraposição ao popular existe a elite. O popular é uma classe ou classes

dentro de uma classe social. Este aspecto tem sido debatido amplamente

dentro do catolicismo no Brasil. No protestantismo como o protestantismo

histórico não entra nesta análise, pois é uma religião burguesa, de classe

média e dominante. Ficando assim apenas o Pentecostalismo como classe

popular e o catolicismo nas CEBS.

A religião nas classes populares funciona como a forma de

espontaneidade de expressão das formas religiosas: os ritos, os cantos, a

leitura da Bíblia, as reuniões. Estes aspectos funcionam sem a

institucionalização, exemplo disto é o surgimento das CEBS no catolicismo. E

no Pentecostalismo as reuniões em quaisquer locais como: cinemas, antigos

bares, supermercados, estádios, praças públicas, etc. sem se preocupar com o

espaço sagrado existente no protestantismo histórico.

No catolicismo, toda a hierarquia existente acaba na democracia das

CEBS, as doutrinas elitizantes e os dogmas ficam no modelo popular, apenas

as crenças nos santos, e as expressões mais simples de fé tornam possíveis e

afloradas.

As doutrinas passam a serem devoções, as devoções passam a ser

inclusive particulares e pessoais. Para os pentecostais as experiências que

devem ser contadas e relatadas a todos nas reuniões como: a possessão

Espírito Santo, a profecia, as línguas, curas e milagres.

Na religião, nas classes populares se evidenciam: a existência de uma

classe marginalizada e denominada que não tenta se organizar para se libertar,

mas é uma forma de resistência para tentar a sobrevivência nas diferentes

formas de opressão e de ideologia, fazendo uma ideologia particular e se

instalando numa forma de fuga do mundo.

No catolicismo ou nas CEBS há uma consciência política e de

organização de resistência e de luta para sair de uma situação de opressão

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para uma vida social mais digna, no Pentecostalismo diferente se faz

transposição do aqui e o agora para o além ou no céu.

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Page 29: Sociologia Da Religião

CAPÍTULO IV

RELIGIÃO E LUTAS DE CLASSES (OTTO MADURO)

Introdução

Nestas páginas do livro de Otto Maduro: Religião e Lutas de Classes nós

temos varias características importantes a serem analisadas. O autor Otto

Maduro desenvolve em seu livro com este tema composto de capítulos: as

inter-relações do campo religioso e os conflitos de classe.

É uma tentativa de sistematização de suas interrogações interiores, as

quais procurou responder, a partir da teoria marxista da religião e do estudo da

sociologia da religião.

Como católico latino-americano marcado pelo Concílio Vaticano II. e a

Assembléia do CELAM em Medellín (1968), procurou entender as relações

entre a sociedade e a Igreja Católica em alguns aspectos – tais como: os

conflitos de classe que influência uma religião e a sua maneira de agir. Por que

a dominação de uma classe sobre outra influi na visão religiosa do mundo que

se desenvolve numa sociedade de classes?

Otto Maduro vê em Karl Marx a solução para o seu questionamento

Político - religioso interior. Este nasce do seu compromisso evangélico com a

libertação do povo oprimido na América Latina

“Como e por que a Igreja e a Sociedade na América Latina chegaram

ao ponto em que estão hoje? E quais as mudanças, hoje, possíveis? E como

alcançá-las?”.

Dividiu a sua obra em quatro capítulos, trabalhando o tema com clareza

e remetendo a cada momento o leitor a uma reflexão comprometida com a

situação da América Latina.

O primeiro capítulo é intitulado de: “o problema uma sociedade latino-

americana das religiões”. Aqui ele apresenta e discute os conceitos de religião,

29

Page 30: Sociologia Da Religião

de sociologia, de sociologia das religiões, questiona a existência de uma

sociologia latino-americana das religiões a partir da práxis e da libertação.

O segundo chama-se: “o campo religioso como produto dos conflitos

sociais”. Otto lembra neste capítulo que existem vários aspectos para se

estudar as inter-relações do campo religioso com o conjunto dos conflitos

sociais presentes nas sociedades latino-americanas. Dos quais ele destaca: a

profunda influência que exerce a estrutura social sobre o campo religioso,

inclusive os conflitos inerentes a esta estrutura social.

Já o terceiro capítulo, Otto Maduro transcorre a respeito da

especificidade sociológica do campo religioso dentro da sua própria dinâmica.

Mostrando que, no fato sociológico do campo religioso como o campo social

tem – em parte – uma atividade particular própria (autônomo, não esquecendo

que este campo estará sempre situado em um contexto social determinado,

que limita e orienta, isto é, que relativa o contexto) a específica autonomia da

religião. Dá como título a este capítulo: “o campo religioso como terreno

relativamente autônomo de conflitos sociais”.

Finalmente, no quarto capítulo, Otto focaliza a questão dos

condicionamentos religiosos das lutas sociais, analisando a relação de

influência do campo religioso nos conflitos sociais, isto é, o campo religioso

como produtor de relações sociais. Este capítulo enuncia como: “o campo

religioso como fator ativo nos conflitos sociais”.

30

Page 31: Sociologia Da Religião

1. O Problema de uma Sociologia Latino-Americana das Religiões

Para o propósito do seu livro, Otto define sociologicamente assim

religião:

“Uma estrutura de discursos e práticas comuns a um grupo

social referente a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou

unificadas) tidas pelos crentes como anteriores e superiores ao seu

ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa

dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados, etc.) e diante

31

RELIGIÃO

Significa crença em Deus (ambiente sócio-geográfico – ideológico) = dicionário.

Origem latina, usada muito antes do Cristianismo, e sua etimologia não são claras.

CÓDIGO Re-legere “Reler ou

interpretar ao pé da letra”

O termo está presente nos idiomas cuja história está estritamente ligada ao Cristianismo.

UM CAMINHO DE VIDA

re – ligare “ voltar a escolher ou aceitar em definitivo”

Re – ligare

“Amarrar de novo ou fortemente”

Religião seria alguma coisa, fiel e restrita observância de um compromisso a que

alguém se tinha ligado.

Page 32: Sociologia Da Religião

das quais se consideram obrigados a certo comportamento em sociedade

com seus” semelhantes”.

32

SOCIOLOGIA

“Ciência da sociedade”.

Vocábulo nascido dentro da língua francesa, 1839 criado por Auguste Comte.

Etimologia:

societas (latim) = sociedade

Logos (grego) = ciência, estudo.Seu objeto: as relações

sociais

Surgem num momento de transformação, inventos, migrações, guerras, revoluções, conflitos e descobertas.

Page 33: Sociologia Da Religião

2 AFINAL, O QUE SERIA SOCIOLOGIA DAS RELIGIÕES?

Nasce juntamente com a Sociologia – Augusto Comte; Karl Marx; Emile

Durkheim = percebe na religião um componente das lutas sociais dos

processos políticos e das transformações culturais, que está profundamente

imersa nessa dinâmica da sociedade e por ela é atravessada de lado a lado.

CONCEITO:

Estuda a religião como fenômenos sociais, a influência que as

instituições religiosas exercem sobre os processos sociais e o

condicionamento que a dinâmica da sociedade impõe ao

desenvolvimento das religiões.

FENÔMENOS RELIGIOSOS = FENÔMENOS SOCIAIS:

Produzidos, situados, limitados, orientados, estruturados e

com uma influência sobre a sociedade em que se encontra.

OBJETO:

Discurso religioso como análise dos fenômenos religiosos.

TAREFA:

Reconstituir a dinâmica social que se encontra por trás da

“autoimagem” das instituições

Religiosas, procura elaborar uma explicação das

características de crenças práticas no meio de seu contexto

social específico.

33

Page 34: Sociologia Da Religião

E por fim o autor nos deixa uma questão: Existe uma sociologia latino-

americana das Religiões?

A princípio, a sociologia das religiões, foi um instrumento utilizado pela

Igreja Católica para entender o que se passava na América Latina após os

anos 50, isto é, as mudanças sociais que estavam ocorrendo no seio da

sociedade latino-americana.

Tendo como modelo de análise europeu e não a realidade latino-

americana.

O que podemos perceber no Catolicismo ainda hoje predominante e

dependente.

Otto Maduro ao estudar estas questões, opta por uma sociologia crítica-

política das religiões tendo como ponto de partida a práxis e a libertação do

povo oprimido. Por isso, ele diz que, o campo religioso é produto, terreno e

fator ativo nos conflitos sociais de uma sociedade.

34

Page 35: Sociologia Da Religião

3 O CAMPO RELIGIOSO COMO PRODUTO DOS CONFLITOS SOCIAIS

Neste capítulo, o autor faz uma introdução sociológica ao estudo das

relações do campo religioso com os conflitos na gestão da sociedade,

sobretudo no que diz respeito à América Latina no fim do século XX.

Entende como campo religioso, uma “porção do espaço social

constituído de instituições e atores religiosos em inter-relação”, define com isto

o que Otto Maduro compila de François Houtart, In: “Sociologie de L’Eglise

comme institution”.

3.1 A Religião na sociedade

Nenhuma religião opera no vazio. Toda religião, ou aquilo que

entendemos por “religião”, é uma realidade situada num contexto humano

específico: um espaço geográfico, um momento histórico, um meio ambiente

social concreto e determinado. A religião existe em função dos homens (que

sentem fome, sede, frio, calor, sono... que procuram satisfazer as suas

necessidades, etc.), pois, ela é concreta, porque precisa do ser humano para

ter vida.

A religião não é um departamento estanque na sociedade. Uma religião,

qualquer que seja só existe na medida em que se encontre situada num

contexto social particular; isto, quer dizer que, a ação de qualquer religião está

limitada pelo contexto social em que opera, isto é, que suas alternativas de

atuação (de pensar, dizer e praticar sua mensagem religiosa) estão limitadas

por tal contexto (independentemente da consciência e das intenções dos

agentes religiosos, porque a religião opera com os instrumentos socialmente

acessíveis no contexto do qual ela existe, como por exemplo, a estrutura da

língua de um determinado grupo).

A religião, qualquer que seja, opera sempre em cada caso concreto,

numa sociedade estruturada de um determinado modo, a estrutura de cada

sociedade limita e orienta as possibilidades de atuação de uma religião no seu

interior, como por exemplo, o judaísmo.

3.2 A Religião no modo de produção da sociedade

35

Page 36: Sociologia Da Religião

O modo de produção de cada sociedade constitui a estrutura central, ou

infraestrutura, dessa sociedade.

Entendendo como modo de produção a organização de atividade de

produção e reprodução da vida humana, isto é que meios são adequados para

mantê-las. Essa forma depende do conteúdo organizável nela e por ela: O

grupo humano, os recursos naturais acessíveis ao grupo, o conjunto de

instrumentos de trabalho usados pelo grupo, a experiência e os conhecimentos

adquiridos pelo grupo, e os usos e costumes do grupo.

Cada grupo humano tem o seu modo peculiar de produção, isto é, este,

regulamenta o acesso aos meios de produção, à distribuição da força de

trabalho, à partilha dos produtos como também influência indiretamente outros

aspectos sociais importantes.

Do mesmo modo que a religião esta sempre situada num contexto social

específico assim, também, ocorre quanto ao modo de produção.

O modo de produção específica de uma sociedade fixa os limites dentro

dos quais tal religião pode ali atuar. Assim, o modo de produção específico de

cada sociedade particular condicionará as possibilidades e impossibilidades, a

importância, o significado, as funções, as formas de organização, os discursos,

as práticas, o desenvolvimento, as transformações e a difusão mais provável

que cada religião poderia esperar e conseguir no meio da sociedade concreta

em que atua.

3.3 A Religião nas sociedades divididas em classes

Além do conteúdo organizável, outros fatores influenciam no modo de

produção, tais como: o modo tradicional de produção que o grupo conheceu as

relações sociais internas e externas.

A partir daí pode-se classificar os diversos modos de produção em dois

grupos: os comunitários e os assimétricos.

Os comunitários são aqueles que em tudo, todos participam, enquanto

os assimétricos apenas uma minoria dominante participa dos resultados finais

da produção.

36

Page 37: Sociologia Da Religião

Na América Latina atualmente há a predominância dos modos de

produção assimétricos, sobretudo o capitalismo; mas há também uma minoria

– de indígenas, e camponeses - que possuem traços da produção comunitária.

Ao observar que uma sociedade seja qual motivo, se organiza dentro de

um modo assimétrico de produção, este fato gera um processo progressivo de

estruturação da sociedade em classes sociais. Classes sociais com graus de

poder bem diversos, relações de dominações e interesses objetivamente

contrapostos como, por exemplo: o sistema colonial de Portugal e Espanha na

América Latina.

Uma sociedade assim organizada tem sempre a minoria no poder, pois,

está com o controle dos meios de produção, que domina uma maioria

subordinada.

O poder desigual de controlar a produção – a distribuição e o uso dos

meios de produção, a distribuição da força do trabalho e a partilhar de bens

produzidos – traz relações de denominação entre os diversos em que se vai

dividindo a sociedade em torno da produção.

Enquanto uma minoria vai-se constituindo um conjunto de classes

dominantes, aumentando sua capacidade de decisão sobre o trabalho, o

descanso, a vida e a saúde, por sua vez, a maioria torna-se um conjunto de

classes dominadas, que perdem paulatinamente o poder de decidir o rumo da

sua vida.

Nesta forma de sociedade, as relações sociais, se situam em torno de

interesses contrapostos, isto é, a minoria, que tem o poder da produção nas

mãos quer manter de qualquer maneira uma organização assimétrica de

produção, enquanto a maioria dominada tenta sair da situação de domínio e

recuperar o poder decisório da sociedade. Daí, concluirmos que, uma

sociedade com um modo assimétrico de produção é uma estrutura

objetivamente conflitiva de dominação social.

Portanto, qualquer religião dentro desta sociedade, terá a estrutura

social atravessando, limitando e orientando a ação das instituições religiosas,

queiram esses ou não. Quer dizer, a estrutura conflitiva de dominação de

37

Page 38: Sociologia Da Religião

qualquer sociedade de classes estabelece uma maneira específica, os limites

dentro dos quais uma religião pode operar em seu seio e as tendências que

atravessarão e orientarão a atividade religiosa nessa sociedade (diferentes

classes, poder nas relações de produção).

3.4 A Religião numa sociedade complexa como a América Latina

A estrutura básica das sociedades latino-americanas não está

organizada em um único e isolado modo de produção, mas por um conjunto

articulado de vários modos de produção coexistentes, isto gera uma

complexidade dentro da sociedade.

A população da América Latina a partir da colonização européia começa

então a atravessar um processo em que seus indivíduos e grupos são

recolocados em novas classes sociais – por exemplo, as sociedades pré-

colombianas - mesmo no caso em que suas estruturas tradicionais são

parcialmente preservadas (mas uma nova relação social, imposta

externamente como relação de subordinação).

No meio de tal reestruturação já não é possível – salvo exceções –

referir-nos a uma religião situada numa estrutura de classe. Temos que falar,

então, de um campo religioso situado num processo conflitivo de

reestruturação da divisão em classes na sociedade. Esse processo é gerado

pela macroestrutura dos modos de produção articulados assimetricamente sob

um modo de produção dominante, e determina as marcas específicas do foco

social de limitações e orientações (contraditórias e assimétricas) exercidas

sobre o campo religioso por aquela macroestrutura.

Assim o processo religioso fica restrito aos caprichos da sociedade em

que ele está inserido.

Dessa maneira, a América Latina é conduzida no final do século XIX por

um caminho em que se instaura um campo religioso dividido, com uma Igreja

predominante, onde se ocupa um lugar secundário na sociedade latino-

americana, tanto objetiva quanto subjetivamente, e estando cada vez mais

distante do resto das instituições sociais; operando-se um processo de

burocratização cada vez mais permeável à consulta, às pressões e aos

38

Page 39: Sociologia Da Religião

conflitos. Surgindo um discurso religioso bastante complexo, sistematizado e

conflitivo.

3.5 A Religião no meio da estrutura de classes em conflito

As sociedades latino-americanas são sociedades de classes. Isto

significa dizer que, na América Latina, a produção dos bens necessários para a

sobrevivência do povo, bem como o modo de adquiri-los, então organizadas de

maneira desigual e assimétrica quanto:

- Ao acesso aos meios de produção;

- À distribuição da capacidade de trabalho;

- À partilha dos produtos finais do trabalho humano. Tendo sempre

uma minoria no poder e uma maioria explorada.

Esta situação determina um conflito de interesses, que atravessa todas

as dimensões da vida social e desarticula com o todo, indivíduo ou grupo

atuante no meio de tal sociedade, independente de qualquer coisa. Trata-se do

conflito entre as classes objetivamente interessadas em preservar e usufruir a

estrutura social em que elas ocupam na posição dominante, e as classes de

algum modo interessadas em transformar essa mesma estrutura em que

ocupam uma posição subalterna.

Assim sendo, toda ação religiosa, numa sociedade de classes é uma

ação que não está nem por fora nem por cima dos conflitos de classes:

agentes, públicos e contexto de toda a ação religiosa numa sociedade de

classes, toda ação religiosa é uma ação efetuada no seio dos conflitos de

classes e, como tal, é uma ação atravessada, limitada e orientada por tais

conflitos.

As variações significativas no caráter de uma ação religiosa no interior

de uma classe social independente da posição objetiva que cada setor público

atingido ocupa na estrutura de classes da sociedade. Por conseguintes, a

rejeição ou aceitação (e o grau desta ou daquela) de uma religião, sua

interpretação seletiva, uma difusão (de massa ou setorial, lenta ou rápida) e

39

Page 40: Sociologia Da Religião

suas expressões a nível prático hão de variar significativamente de uma classe

social para outra no seio de uma época e sociedade.

3.6 A Religião na dinâmica conflitiva das classes sociais

Toda classe social é um grupo móvel em processo de construção ou

destruição ou reconstrução, que geralmente é um processo duplamente

conflitivo, e sua posição na divisão social do trabalho são em cada caso

concreto, um momento ou ponto desse processo de sua construção/destruição

como classe; sempre partindo de uma situação preliminar.

Por isso, a relação de cada classe social – em um momento histórico

determinado – com o campo religioso ficará determinada não só pela posição

estrutural desta classe na divisão social do trabalho (perspectiva estática – mas

– também – pelo processo que levou esse grupo a ocupar aquela posição

(perspectiva dinâmica)).

Nesse sentido, então, a relação de cada parcela de classe com o campo

religioso estará condicionada também pelas quatro dimensões do processo de

construção na qual está inserida: origem particular, trajetória peculiar

(ascendente, estacionária, ou descendente), a conjectura concreta (relações), a

estratégia específica. Esta quarta dimensão é a que nos interessa dentro da

formação de uma classe.

Entendendo como estratégia de uma classe as possibilidades e

tendências objetivas que traçam o futuro provável (econômico, político, cultural)

de um grupo social e orienta por esse motivo, seu pensamento e sua ação

independentemente da consciência e da vontade das pessoas envolvidas. Tal

estratégia pode ser então de conquista do poder, de conservação do poder

adquirido, de reivindicação reformista, de submissão transacional ou de

resistência diante da marginalização.

Para melhor entendermos esta questão, observemos o exemplo: As

necessidades religiosas de uma favela operária de origem camponesa,

trajetória descendente de marginalização, conjuntura desfavorável e estratégia

de submissão transacional, não serão as mesmas necessidades religiosas de

40

Page 41: Sociologia Da Religião

um bairro operário de origem operária, trajetória ascendente de modernização,

conjuntura favorável e estratégia de reivindicação reformista.

Provavelmente – diga-se de passagem – o grupo da favela será

bastante receptivo, muito provavelmente, a seitas religiosas do tipo

“Testemunha de Jeová”, enquanto o do bairro será extremamente refratário a

qualquer sistema religioso do tipo apocalíptico.

A dinâmica conflitiva inerente a toda a sociedade de classe é, em

princípio, uma dinâmica assimétrica, isto significa que a sociedade se

caracteriza pelo poder desigual que existem em diversos setores do trabalho

(meios de produção, distribuição da força do trabalho e dos produtos finais) e

pelas relações conflitivas entre os dominados e dominantes pelo poder da

direção da sociedade.

Por conseguinte uma religião qualquer dentro dessa sociedade conflitiva

está submetida a um conjunto de limitações e orientações geradas pelo mesmo

processo de dominação, e tendentes a fazer da mera dominação uma

verdadeira hegemonia. Isto é a leitura, a interpretação e as definições oficiais

(éticas, litúrgicas, doutrinárias) originada da mensagem fundadora da religião

estará limitada e orientada pela classe dominante vigente.

Esse processo de submissão do campo religioso à dinâmica da

dominação de classe resulta do interesse objetivo das classes dominantes em

conseguir consolidar sua dominação e instaurar sua hegemonia.

Está estratégia implica no exercício da coerção e da persuasão a fim de

obter o consenso geral do seu domínio hegemonia – condição para se declarar

dirigente, tanto no poder material (econômico, político, militar,...) como no

poder simbólico (moral, educacional, literário, artístico, religioso). A dominação

de uma classe social não surge da noite para o dia. Nenhuma sociedade de

classe é uma sociedade de pura dominação. Diante da dominação, os

dominados sempre exercem de alguma forma de resistência.

A submissão é sempre um processo conflitivo cheias de reveses e

paradas. Portanto, todo o grupo social que aparentemente se vê dominado, se

41

Page 42: Sociologia Da Religião

vê imediatamente colocado independentemente de sua vontade e consciência

em uma estratégia de resistência à dominação.

Toda classe dominada tem como interesse conseguir o máximo de

autonomia possível. Este fato gera conflito porque vai de encontro com o

interesse da classe dominante de consolidar a sua hegemonia.

Esse interesse das classes subalternas em conseguir autonomia

religiosa exerce sempre um significativo impacto sobre a estruturação e a

dinâmica do campo religioso. Gerando um conflito latente ou aberto entre os

dominados (autonomia) e os dominantes (hegemonia) gerando cismas e

movimentos sectários.

Concluímos que, a resistência de classes à dominação também há de

exercer, assim, suas próprias orientações e limitações sobre a leitura, a

interpretação e as definições oficiais derivadas da mensagem fundadora de

uma religião dada que atue no seio das classes subalternas.

42

Page 43: Sociologia Da Religião

4 O CAMPO RELIGIOSO COMO TERRENO RELATIVAMENTE AUTÔNOMO

DE CONFLITOS SOCIAIS

O campo religioso, não é só produto das relações dos conflitos (macro)

sociais, mas se constitui a si mesmo como uma rede específica de relações

(micro) sociais, com certa realidade e estabilidades próprias e particulares.

4.1 Interesses Religiosos e Produção Religiosa

Algumas sociedades e certos grupos sociais tendem a elaborar uma

visão do mundo total ou parcialmente religiosa, o interesse em dispor de uma

representação comunicável do meio ambiente, que lhes permita situar-se e

atuar dentro dele, se define como interesse especificamente religioso, que se

caracteriza pela necessidade de dirigir o seu comportamento.

A religião qualquer que seja não é tão-somente nem primariamente um

conjunto dado, já estruturado, de práticas e discursos referidos a forças

sobrenaturais e meta-sociais.

Qualquer religião é o resultado de um processo de produção, produto de

um trabalho socialmente objetivo de estruturação da experiência coletiva de

uma comunidade (ou de um grupo social), a partir do contato com uma

personalidade carismática e tendo na base o interesse de contar com uma

visão do mundo referida à forças sobrenaturais e meta-sociais. A religião antes

de cristalizar-se em sistema de práticas discursos é o processo de produção,

antes de ser produto.

O campo religioso, precisamente enquanto conjunto de atores de

instituições sociais especificamente encarregados da produção religiosa

constitui então a instância mediadora do impacto dos conflitos sociais sobre a

produção religiosa como tal; e essa instância é capaz de obstaculizar, facilitar,

filtrar seletivamente ou dirigir as influências que, surgindo fora do campo

religioso, tendem, no entanto, a exercer-se sobre esse campo como tal.

O fundamento da autonomia de uma religião qualquer se dá

sociologicamente falando em três dimensões:

43

Page 44: Sociologia Da Religião

a) Subjetiva, enquanto visão do mundo capaz de orientar satisfatoriamente

uma comunidade ou um grupo social, em seu meio ambiente sócio-

cultural;

b) Objetiva , enquanto conjunto de práticas e discursos socialmente

compartilhados;

c) Propriamente institucional, enquanto produzidos, reproduzidos,

conservados e difundidos por um corpo estável de funcionários

organizados.

4.2 A Fragmentação Conflitiva do Interesse e do Trabalho Religioso

A primeira grande divisão do trabalho religioso consiste no “laicado”

(massa objetivamente despojada dos principais meios legítimos de produção

religiosa) e no clero (corpo especializado de funcionários).

O campo religioso tende a refletir a mesma divisão do trabalho que a

sociedade que influí daí os interesses religiosos formam um conjunto conflitivo

e assimétrico estruturado.

Essa fragmentação do campo religioso se dá em três níveis:

a) No nível da divisão entre clero e laicado: o clero quer dominar os bens

religiosos enquanto que o laicado luta para obter os bens religiosos

(=meios de salvação);

b) No nível específico da divisão social interna do laicado: o interesse

religioso do laicado se torna a procura religiosa dirigida ao clero, que

gira em torno de dois pólos fundamentais: o da classe dominante –

legitimação da dominação – e das classes dominadas – compensação

da sua condição subalterna e uma tentativa de contra-legitimação da

ordem estabelecida.

c) No nível específico da divisão interna do clero: o interesse religioso

redunda em estratégia de conquista e conservação do poder religioso.

Determina a estruturação do clero como um corpo com relações de

denominação em seu próprio seio (“alto clero” x “baixo clero”).

44

Page 45: Sociologia Da Religião

A divisão interna do trabalho religioso tem como conseqüência um duplo

conflito (clero/laicado; alto clero/baixo clero), e isto vai Ter implicações

grandemente significativas para a organização, as práticas e os discursos

religiosos produzidos no seu seio. Daí se fazer necessário a sistematização e a

moralização do discurso religioso.

4.3 A Produção Religiosa Especializada como Produção Transacional

A produção religiosa elaborada numa sociedade de classes tem um

trabalho religioso especializado e é sempre, uma produção transacional, isto é,

uma produção que por efetuar usem meio de interesse múltiplos, diversos,

conflitivos e assimétricos tende a satisfazer de modo parcial e desigual todas e

a cada uma das diversas categorias e frações interessadas nessa mesma

produção.

A dinâmica do campo religioso, isto é, sua atividade e as transformações

dessa atividade, encontra seu fundamento precisamente nos inevitáveis

conflitos e nas correlativas transações surgidas da diversidade de interesses

entre clérigos e leigos e entre as diferentes categorias de clérigos e também

entre as diversas frações de laicado.

4.4 A procura, Produção e Consumo de Bens Religiosos

As relações que ocorrem entre o campo religioso e os conflitos sociais

no nível especificamente religioso distinguem-se em três momentos da

produção de bens religiosos (discursos, ritos, normas, objetos); o momento da

procura, o da produção propriamente dito e o do consumo de bens religiosos.

Concluindo, o campo religioso é o terreno onde se condensa o poder

religioso enquanto resultado das lutas e transações prévias entre leigos e

clérigos, o terreno onde se manifesta o poder religioso enquanto momento do

processo de expropriação/apropriação dos meios da produção religiosa, e o

terreno onde se trava a luta pelo poder religioso enquanto objeto dos conflitos

sociais.

45

Page 46: Sociologia Da Religião

5 O CAMPO RELIGIOSO COMO FATOR ATIVO NOS CONFLITOS SOCIAIS

O campo religioso é um meio de ação na sociedade sobre si mesma:

para que os seres humanos possam produzir, reproduzir e transformar suas

relações, isto é, para que a sociedade possa atuar sobre si mesma, é de mister

que esses seres humanos percebam seu meio sócio natural de maneira

compreensível e comunicável.

Para que este último seja factível, é preciso que haja uma representação

– compreensível e comunicável da experiência coletiva em uma cosmovisão

compartilhada pela coletividade em pauta, que permita a seus integrantes

situar-se, orientar-se e, por conseguinte, atuar sobre seu meio sócio- natural.

Ora se o campo religioso está nas sociedades de classes com

especialização do trabalho religioso uma instância social encarregada de

elaborar uma cosmovisão (com a especificidade de se achar referida a forças

sobrenaturais e meta—sociais).

As funções sociais de uma religião em um contexto social determinado

podem variar conforme as variações estruturais e conjunturais da sociedade

em destaque podem variar segundo as variações históricas, estruturais e

conjunturais do campo religioso, podem variar desta para aquela época, de um

lugar para o outro, de um grupo social para o outro, desta para aquela religião,

de uma categoria de clérigos para outro.

A função conservadora, desempenhada eventualmente por um sistema

religioso em uma sociedade de classes, é uma função desempenhada

exclusivamente mediante a difusão e inclusão de um produto religioso

adequado aos interesses da classe dominante.

46

Page 47: Sociologia Da Religião

6 CONCLUSÕES

Otto Maduro expõe no seu livro um quadro e marco teórico da gênese,

da estrutura e das funções sociais do campo religioso em sociedade presidida

por relações conflitivas entre classes sociais, como a latino-americana.

Mas deve ficar bem claro que, o campo religioso não é unicamente um

produto dos conflitos sociais nem tampouco realidade absolutamente

independente, desligada dos conflitos sociais.

O campo religioso é uma realidade parcialmente produzida pelas

relações sociais e autônomas, onde é também fator que atua produzindo

relações sociais.

Produto, terreno e fator ativo nos conflitos sociais em nosso continente,

o campo religioso constitui uma das dimensões onde sociedade latino-

americana, quase sempre sem o saber sequer, decide hoje, a partir de seu

passado, as possibilidades, os limites e as orientações de seu futuro próximo.

47

Page 48: Sociologia Da Religião

CAPÍTULO V

RELIGIÃO E MODOS DE PRODUÇÃO (FRANÇOIS HOUTART)

Introdução

Abordagem deste livro é marxista, retém a epistemologia essencial e os

métodos macro-sociológicos de análise. Ele considera a religião como um

componente da superestrutura das sociedades, sempre aliada à classe

dominante.

As funções sociais da religião são iguais às relações (estruturas) sociais

e as práticas exigidas por sua reprodução.

A religião pode fornecer a explicação e a justificação das relações

sociais, bem como constituir o sistema das práticas destinadas a reproduzi-las.

Por exemplo, temos o hinduísmo, com o sistema de castas era fruto de uma

decisão divina, e conseqüentemente uma estrutura social.

O objetivo deste é analisar as funções sociais da religião nos diversos

tipos de sociedades que precedem o desenvolvimento do capitalismo.

Eis o que abordaremos:

- Modo de produção Tribal

- Modo de produção Tributário

- Modo de produção Escravagista

- Modo de produção Feudal.

Será abordado também, algo sobre as religiões do Oriente bem como o

Judaísmo.

48

Page 49: Sociologia Da Religião

1 DEFINIÇÃO

Modo de Produção: Representação simplificada, ideal, de diversas

formas de organização da vida social, isto é, da natureza dos elementos que as

compõem, de suas relações e das bases estruturais de sua própria

transformação: o campo econômico, campo político, ideológico (conjunto de

modalidades onde repercutam sua própria realidade).

“A organização da economia nos modos de produção pré-capitalistas,

baseia-se em categorias intermediárias entre 2 extremos: a economia tribal e a

economia capitalista”.

49

Page 50: Sociologia Da Religião

2 RELIGIÃO E COESÃO SOCIAL NOS DIVERSOS MODOS DE PRODUÇÃO

a) As sociedades tribais: caracterizada pela simples ocupação do meio

de produção e pela liberdade de trabalho. Primeira formação de tribos

onde há oferendas e sacrifícios. A economia não conhece intercâmbios

comerciais, o produto é distribuído no interior do grupo segundo um

sistema de troca regulado pelas relações de parentesco, que assume as

relações de produção. A produção é feita para sustento próprio.

b) Um exemplo desta sociedade tem no Antigo Israel, que eram os clãs e

no Budismo com as castas. As significações religiosas são as que se

elaboram em torno do fenômeno da natureza e as ligadas às expressões

sociais do grupo. a natureza personifica as forças naturais, adquirem

poder sobre estas (ilusório), e nas expressões sociais temos o TOTEM

que representa o grupo enquanto unidade social ou, o lugar de

residência do divino..... A passagem para o tributário se dá quando é

preciso aumentar a produção, para pagamento do rei, exército...

c) Modo de Produção Tributária : Forma social diretamente derivada das

sociedades tribais (segundo Marx). Sistema dominante: político, daí

organiza-se a vida material. Como exceção do totem a religião é a

mesma da sociedade tribal. A base da religião é a troca, a produção do

excedente: é preciso produzir para pagar os tributos impostos.

d) Modo de Produção Feudal : Também é o poder político (sistema

dominante) que organiza a economia e se apropria de um tributo em

espécie e em serviço fixado sobre a produção dos grupos de base;

apropriação do meio de produção (a terra).

e) Modo de Produção Escravagista : o homem é obrigado a passar

tributo, quando não consegue mais produzir para pagá-los, torna-se

escravo ou compra os mesmos. O trabalhador escravo faz parte dos

meios de produção. Não se encontra uma leitura religiosa da

escravatura, a relação de produção é transparente, pois o escravo

50

Page 51: Sociologia Da Religião

constitui objeto de intercâmbio mercantil, ou seja, apropriação da terra e

da força de trabalho.

Todos os modos de produção se caracterizam em diferentes níveis, por

um desenvolvimento relativamente fraco das forças produtivas.

A existência de excedentes (produção maior que o consumo) é

fundamental, na origem das sociedades de classes. Com exceção das

sociedades tribais, todos os modos de produção baseiam-se na apropriação

dos excedentes.

51

Page 52: Sociologia Da Religião

3 REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS E FUNÇÕES DA RELIGIÃO

As sociedades tribais são dependentes das forças naturais. Os clãs do

Sul da Índia representavam as forças da natureza sob a forma de uma multidão

de “espíritos organizados por um chefe e dotados de uma vontade e uma

inteligência superior às dos homens”.

As práticas rituais têm como objetivo neutralizar as forças adversas

agindo, direta e eficaz sobre elas, com a intenção geralmente de um agente

religioso, o feiticeiro, como mediador:

“Um dos clãs (Kuravas) identificava-se com o totem e cada

aldeia reproduzia as mesmas práticas. Era sob a árvore

totem, que as realizava a assembléia dos anciãos, era o

lugar de habitação da divindade etc., o totem era o ponto

de encontro entre os cosmos, a ordem social e a natureza”.

No modo de produção tribal, a necessidade de assegurar a

solidariedade entre os grupos que devem se integrar em uma estrutura de

relações de parentesco, a fim de garantir sua continuidade, constitui a base das

representações das relações sociais.

A expressão de unidade (o totem) não se reveste uma conotação

religiosa. A vida sobrenaturalizada torna-se própria essência do divino.

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Page 53: Sociologia Da Religião

4 CARACTERÍSTICAS DAS SOCIEDADES PRÉ-CAPITALISTAS DE

CLASSES

(a) Modo de Produção Tributária : O excedente era feito por intermédio de

um intercâmbio de serviços. Havia um dualismo entre grupos de caráter

familiar como forma de relação social.

(b) Modo de Produção Escravagista : O excedente era feito por total

sujeição de um grupo de constituído pelas forças de produção e o meio

de produção. Foram das relações sociais: dualismo entre cidadãos livres

e escravos empregados diretamente pelo Estado.

(c) Modo de Produção Feudal : Pela apropriação do meio de produção era

feita a apropriação do excedente e a forma das relações sociais era de

dualismo entre os possuidores do meio de produção e aqueles que

detêm a sua utilização.

Agora começa a surgir uma classe capaz de substituir sem Ter que

produzir por si própria os seus meios de subsistência (apropriação de um

excedente).

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Page 54: Sociologia Da Religião

5 MODOS DE PRODUÇÃO

A. Modo de Produção Tribal : As sociedades tribais são exemplos das

sociedades não diferenciadas, ou seja, das sociedades sem classes.

Havia uma distribuição de trabalho entre as gerações ou entre os

sexos. O sistema de parentesco, baseado na troca de mulheres,

regulava o uso de produção, apresentando-se como predominante

no conjunto social.

O uso do meio de produção era coletivo, bem como a organização

trabalho e a distribuição do produto social.

Havia diferenças de categorias, mas sem que os indivíduos dos

grupos fossem dispensados de uma participação direta na produção.

A religião servia no campo simbólico as contradições resultantes das

relações com a natureza, e as contradições no campo das relações

sociais de parentesco, e fornecia um sistema de construção do

sentido global do homem e do universo.

B. Modo de Produção Tributário: As relações de produção se

estabelecem por meio de um tributo a pagar em espécie ou em

serviço, ou até mesmo em moeda. As entidades locais mantêm a

apropriação do meio de produção (terra) e organizam o processo de

trabalho. O Estado realizava obras de prestígios (palácios e templos),

encarregava-se de grandes obras de irrigação, explorava minas e

empregava artesãos a seu serviço.

b.1.) – As funções da religião no modo de produção

tributária:

A seqüência religião/natureza no modo de produção tributário

continuaria sem alteração. Há um fortalecimento das forças produtivo origem

da produção de excedente.

Continuidade da existência das entidades locais (clãs ou aldeias);

produção religiosa igual com funções transformadas.

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Page 55: Sociologia Da Religião

Abandono de expressões próprias (totem, por exemplo), a aceitação da

superioridade da divindade principal do grupo dominante.

C. Modo de Produção Escravagista : A não liberdade significa ser

possuído por outro ser humano, que dispõe não só da força

produtiva, mas pela pessoa.

As relações sociais não tinham a religião como ponto de referência, nem

por parte dos escravos nem dos senhores.

Essa sociedade lia o conjunto das relações sociais em termos da

vontade divina (ordem social desejada por Deus), não considerando justificável

a relação servil. Havia pouca ação por parte da Igreja para mudar a situação.

D. Modo de Produção Feudal :

- Feudo: uma porção de terra entregue sob a sentença judicial a

um senhor. Ponto de vista, sociológico é um conjunto Associal

dominado pelas relações de produção estabelecidas entre

camponeses e senhores de terra. Os camponeses viviam do

excedente, e os senhores eram submetidos às obrigações extras

econômicas. As relações de produção caracterizam-se pela

propriedade jurídica da terra pelos camponeses (arrendamento)

em troca de corvéias, taxas.

d.1.) As funções da Religião no modo de produção feudal:

A necessidade social de religião é determinada por uma função

essencialmente ideológica. A religião cumpre uma função ideológica por

excelência em um sistema de homogeneidade estrutural, ou seja, resolve

simbolicamente para todos os grupos, as oposições existentes ao nível das

relações sociais e do exercício do poder. Já que a apropriação do meio de

produção é que torna a base de absorção do excedente e da organização do

trabalho a representação é sempre religiosa.

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Page 56: Sociologia Da Religião

6 AS CONDIÇÕES SOCIAIS DA GÊNESE E DO DESENVOLVIMENTO DOS

GRANDES SISTEMAS RELIGIOSOS DO ORIENTE

Desenvolvimento das religiões asiáticas conjuntamente com as

sociedades de classe e contribuição da solidez das estruturas sociais.

As religiões tradicionais do Sul e Leste da Ásia achavam-se ligadas às

classes dominantes, na sua gênese; isso marcou seu desenvolvimento e suas

presentes funções:

a. HINDUÍSMO: Religiosamente há vestígios arqueológicos que

demonstram a existência de um culto à deusa mãe (terra) e um

deus da fertilidade, do grupo étnico, na índia composto de

ancestrais, que ainda hoje se encontra na metade meridional da

península. Com invasão dos arianos (para ocupação de terras),

os drávidas foram para o sul. Os arianos eram populações

nômades cuja organização social era tribal. Com a

sedentarização houve mudanças na sua organização social.

A sedentarização repercutiu sobre as crenças e práticas religiosas: 1º. O

mito cósmico se tornou mais complexo para explicar a origem dos elementos

de ser ambiente; 2º. A crença nos espíritos desaparece e aparece um panteão

de divindades personificadas; 3º. A água constitui elemento central; 4º. Aparece

uma sequência nova no sistema religioso: o culto dos ancestrais, que fortalecia

a dimensão tribal, dos grupos.

b. BUDISMO: Seu fundador Gautama preocupado com a miséria

material e moral e com os sofrimentos rejeitou a solução

apresentada de que tais coisas eram conseqüências, da conduta

de cada um. Sua posição aliviava-se o ascetismo à reflexão

teológica. A iluminação (central do budismo) representa o

momento que Buda começa sua vida itinerante divulgar seu

sistema (identifica as causas do sofrimento individual ou social à

sede de prazer, vida, riqueza ou/ e poder. A luta contra o

sofrimento implica na destruição desses desejos).

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Page 57: Sociologia Da Religião

O Budismo constitui um sistema de normas e condutas favoráveis à

manutenção da ordem social.

c. CONFUCIONISMO: Kung Fu-Tze seu fundador tinha como

ensino ajudar à superação do caos político e restaurar a paz. Sua

doutrina reintegra crenças religiosas anteriores: respeito aos

ancestrais, insistência nas cerimônias sacrificiais dos reis,

necessidades de obediência e de conformidade com a vontade de

Tien (o céu).

Socialmente colocam em violência os valores da classe aristocrática

feudal, só quem pode garantir a estabilidade da ordem social é a família

patriarcal.

d. TAOÍSMO: Da mesma época do confucionismo. No início foi mais

filosofia do que religião. Seu fundador Lao Tse (Fundador).

As comunidades taoístas não tinham projeto de transformação social,

apesar de esperarem por um imperador perfeito. Mas mesmo assim no tempo

das crises econômicas surgiram comunidades que organizaram em sociedades

secretas para rebelião.

e. JUDAÍSMO: Os descendentes de Abraão formaram 12 clãs

fixados no Egito como escravos. Mais ou menos 1.250 a. C. as

tribos abandonam o Egito indo para diversas regiões da

Palestina. Mais ou menos 1.200 se estabelece a união das 12

tribos. Houve um acordo político religioso entre esses grupos para

proteger um santuário central que simbolizava a origem e crença

no mesmo Deus. A religião criava a coesão social. Na história do

povo judeu, o judaísmo cumpriu grandes funções sociais como

elemento central na unidade das tribos.

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Page 58: Sociologia Da Religião

7 A RELIGIÃO NA FORMAÇÃO SOCIAL DA PALESTINA DO SÉCULO I E O

PROTAGONISTA SÓCIO – RELIGIOSO: JESUS

A Palestina estava ocupada pelos romanos: relação colonial exercida

por uma sociedade cujo modo de produção era escravagista sobre uma

sociedade que caracterizada pelo modo de produção tributário.

7.1 - A Formação Econômica: Atividade econômica: agricultura e

pecuária (incluindo pesca) e a produção artesanal. Forças produtivas;

arados em rodas técnicas de pesca relativização empíricas, produção

artesanal primitiva. Os escravos cobriam amplo setor da atividade

produtiva e de serviço que eram comprados por contrato escrito como

mercadorias e animais. A atividade mercantil era próspera, controlada

por um sistema de impostos (insuportáveis com Herodes).

7.2 - A Formação Social: Sistema social complexo, constituído por um

sistema de classes sociais típicos do modo de produção tributário.

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Page 59: Sociologia Da Religião

8 ESTRUTURA DE CLASSES, PODER POLÍTICO E CORRENTES

IDEOLÓGICAS

a) SADUCEUS: Desse grupo provinha os anciãos controlavam a

administração da justiça no tribunal Supremo (Sinédrio); do mesmo

grupo provinha a elite sacerdotal que administrava o templo e era

responsável pelo culto. Portanto, concentravam todo o poder político

em suas mãos. Foram os maiores colaboradores da dominação

romana na Palestina e sempre mantiveram uma política de

conciliação, pelo medo de perder seus cargos e privilégios. A ala

nacionalista do judaísmo os odiava.

Na religião eram conservadores: aceitavam apenas a autoridade da lei

escrita e rejeitavam as concepções aceitas pelos escribas e fariseus. Como

grupo, desapareceram com a destruição do Templo pelos romanos em 70 d.C.

b) FARISEUS : Inicialmente aliados à elite sacerdotal e aos grandes

proprietários de terra, deles se afastaram para dirigir o povo,

embora sempre à distância deste. O povo (para eles) era maldito,

pois desconheciam a Lei, logo, não poderiam se salvar

Eram nacionalistas e hostis ao império romano. Na religião eram

caracterizados pelo rigoroso cumprimento da Lei em todos os campos e

situação da vida.

Acreditavam na predestinação, ressurreição e messianismo.

c) ESCRIBAS : No tempo de Jesus, este grupo estava em ascensão.

Seu poder redizia no saber. Especialistas na interpretação da

Sagrada Escritura.

Tinha influência no Sinédrio (como juristas) e na Sinagoga (interpretes

da Sagrada Escritura).

Apesar de não pertencerem economicamente à uma classe abastada,

gozavam de uma posição estratégica, monopolizavam a interpretação da

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Page 60: Sociologia Da Religião

Sagrada Escritura, tornando-se os guias espirituais do povo, influenciando a

vida social e determinando até mesmo as regras que dirigiam o culto.

d) ESSÊNIOS : Saído dos Fariseus. Sua organização comunitária

caracterizava pelo sacerdócio e a hierarquia, rigoroso legalismo,

espiritualidade apocalíptica e a pretensão de representar o

verdadeiro povo de Israel.

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Page 61: Sociologia Da Religião

9 O PROTAGONISTA SÓCIO RELIGIOSO: JESUS

Jesus foi proveniente de círculos escribas e fariseus. Opôs-se a nobreza

sacerdotal e grande burguesia, ao baixo clero e a pequena burguesia escriba

farisaica. Sua vida de pregação desenvolveu-se na Galiléia. Região de

crescimento do Zelotismo e Movimento Messiânico.

Sua classe foi a pequena burguesia artesanal, mas sua base social era

constituída, pela massa marginalizada do processo de produção e pelas

massas camponesas sem instrução.

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Page 62: Sociologia Da Religião

10. CONCLUSÃO

Toda desigualdade entre grupos sociais deve encontrar sua explicação a

fim de criar um consenso social.

Na medida em que a representação da relação social torna-se desigual,

ocorre uma projeção no campo sobrenatural. A transformação do principal meio

de produção, da terra para o capital financeiro, destrói toda representação

religiosa das relações sociais de produção.

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Page 63: Sociologia Da Religião

CAPÍTULO VI

GRAMSCI E A QUESTÃO RELIGIOSA

Introdução

Antônio Gramsci, fundador do partido comunista italiano em 1921,

destacou-se como um dos mais brilhantes teóricos marxistas deste século.

Nascido em Ales (Sardenha) em 1891, filho de camponeses pobres,

lutou desde criança pela sobrevivência. Ao ganhar uma bolsa na Universidade

de Turim em 1911, estudos, filosofia e literatura, participando do comitê do

Movimento Socialista, criou em 1917 a Associação Proletária de Cultura,

interpretando as massas na ação política. Redator do Avanti e da revista

L’Ordine Nuovo, criada por ele, publicou na mesmos o “Programa da Fração

Comunista”, primeiro documento oficial do PCI, lançando o manifesto Per il

Congresso dei Consigli de Fabrica, apesar das violentas reações dos

industriais.

Ativista e organizador foi designado para representar o partido em

Moscou, onde casou com Julia Schucht. Fundou em 1923 o jornal Lúnita,

enunciando a aliança entre os extratos pobres da classe operária do norte e os

campesinos do sul. Como líder e deputado nacional, lutou contra o fascismo na

Câmara e na Imprensa, sendo preso em 1926, apesar da imunidade

Parlamentar, e sentenciando a vinte anos, não obstante os protestos do mundo

inteiro.

Este foi o período mais crítico de sua vida, porém de maior vigor

intelectual, apesar da decadência do organismo na miserável prisão. Nos 32

cadernos escritos no cárcere, palpita não somente uma incrível força de

vontade, mas o fruto de um pensamento genial num esforço prodigioso de

memória, deixando-nos o testemunho do profundo sentido histórico numa

concepção ousada do marxismo, na consciência do que somos como produto

deste processo.

Faleceu tuberculoso em 19370, aos 46 anos, onze dos quais prisioneiros

da ditadura, e “... mantendo alta a dignidade do homem”, como firmou Croce.

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Page 64: Sociologia Da Religião

O fenômeno religioso é um dos temas essenciais do pensamento de

Antônio Gramsci, naturalmente que sua perspectiva não leva em consideração

a religião enquanto fé, enquanto crença, mas sim o aspecto político da

“dominação” pela Igreja, através da religião, das classes operárias e

camponesas, alvo de sua atuação política.

O enfoque de Antônio Gramsci não é, entretanto, exclusivamente

político, o que o distingue de outros teóricos marxistas. Sua reflexão sobre a

religião levou-o a uma análise sociológica da classe camponesa e de sua

integração religiosa e a uma análise histórica da religião não como fé mas

enquanto ideologia.

Ainda que em certos momentos muito regional ou limitada no que diz

respeito a contextos históricos determinados (o que em parte é explicável pelo

fato de ter sido escrita na prisão e não em liberdade e com possibilidade de

consulta a outros textos), a obra de Antônio Gramsci nos apresenta uma visão

coerente, produto de reflexão obstinada e iluminada, do fenômeno religioso que

não pode ser ignorada, por mais que discorde de seus pressupostos teóricos.

Como Antônio Gramsci não escreveu um trabalho único sobre o

fenômeno religioso, mas aborda o tema em ocasiões diversas e esparsas em

sua obra, a tomada de contato com seu modo de pensar é facilitada pelo

trabalho de Hugues Portelli, que captou e filtrou nos escritos de Gramsci aquilo

que se refere ao problema da religião e sua importância para a compreensão

da sociedade política, formulando uma esclarecedora visão de conjunto, que

tentaremos apresentar em linhas gerais.

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Page 65: Sociologia Da Religião

1 DEFINIÇÃO DO FENÔMENO RELIGIOSO

A definição de religião como tipo particular de ideologia só permite

captar uma parte do fenômeno religioso. Para Antônio Gramsci, não é menos

necessário o estudo da Igreja como aparelho ideológico. Este estudo vai se

basear na análise histórica do papel despenhado por esta categoria de

intelectuais, mas não sem antes definir o aparelho religioso em relação ao

aparelho do Estado Clássico e em relação ao conjunto dos aparelhos

ideológicos.

A análise gramsciana da Igreja e da religião baseia-se numa redefinição

do Estado. Se a Igreja se apresenta ao mesmo tempo como uma casta

intelectual autônoma e como o equivalente, ao nível ideológico, do aparelho do

Estado em nível repressivo, é porque ela constitui uma das engrenagens

essenciais do verdadeiro Estado, afirma Antônio Gramsci.

O Estado, tal como o entende Gramsci é constituído pelo conjunto

“sociedade civil + sociedade política, a função dominação – e os aparelhos

repressivos correspondentes – e a função hegemônica – e os aparelhos

ideológicos correspondentes”.

A definição gramsciana de Estado permite definir a Igreja como aparelho

ideológico do Estado e por isso precisa suas relações com a “sociedade

política”.

O segundo problema que a análise do fenômeno religioso levanta situa-

se no nível das relações entre os diversos tipos de aparelhos ideológicos e

principalmente as existentes entre partidos políticos e Igrejas. Estes dois tipos

de aparelhos estando estreitamente relacionados.

O estudo privilegiado das ideologias políticas e religiosas e de sua

difusão é necessário na medida em que elas constituem as duas principais

formas de concepção do mundo. Por isso, o estudo da religião exige uma

análise prévia das relações entre sistema político e sistema religioso.

Nos “Quaderni” Antônio Gramsci sublinha principalmente, a partir dos

exemplos francês e americano, a correspondência entre multipartidarismo e

unidade religiosa, sectarismo religioso e unidade política. Sendo a estrutura

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Page 66: Sociologia Da Religião

dos sistemas políticos e religiosos e suas relações recíprocas amplamente

influenciadas pelas existências e força de castas intelectuais tradicionais.

O segundo fator histórico essencial não é estrutural, mas está ligado à

relação entre aparelho ideológico (Igrejas, partidos) e o aparelho do Estado

(forças de coerção em geral).

Assim, a multiplicidade das seitas religiosas é, efetivamente, a

consequência, segundo Antônio Gramsci, das limitações às liberdades

políticas. Aliás, a criação de seitas religiosas não é fruto de iniciativas

populares, mas ao contrário, de uma decisão dos correspondentes da classe

dirigente, que as utilizam para canalizar os movimentos que não podem se

organizar dentro do quadro político: portanto, as seitas religiosas não passam

de ramificações do aparelho ideológico – religioso do estado. Portanto, sistema

político e sistema religioso são estreitamente dependentes. E, para além de

sua interação, o problema que se apresenta é o de saber qual é o aparelho

ideológico dominante.

Durante o período medieval, a Igreja católica é ao mesmo tempo,

aparelho ideológico e aparelho político na medida em que ele detém o

monopólio ideológico. Mas, depois da contrarreforma esta função permanece

apenas parcialmente: a análise gramsciana da Ação Católica, dos partidos

católicos demonstra que a Igreja ainda continua um ramo do aparelho político.

A tendência geral vai permanecer, todavia, caracterizada um recuo

político, e, um acantonamento no domínio religioso.

Antônio Gramsci prevê, tendo em mente o partido de tipo comunista,

que, ao contrário, o partido político moderno na medida em que se afirma como

a expressão de uma Weltanschauung, tenderá a absorver o conjunto das

funções do futuro Estado que ele propõe, e, portanto o conjunto de sua

estrutura ideológica. Dessa forma ele englobará, superando-o qualitativamente,

o aparelho religioso, tendendo assim a tornar-se o novo tipo de aparelho

ideológico dominante.

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Page 67: Sociologia Da Religião

Definindo a religião como uma forma de ideologia e a Igreja como um

aparelho ideológico de Estado, Antônio Gramsci dispõe dos dois instrumentos

conceptuais necessárias o estudo da função histórica do catolicismo.

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Page 68: Sociologia Da Religião

2 EVOLUÇÕES HISTÓRICAS

Antônio Gramsci divide a evolução histórica do fenômeno religioso

(catolicismo em particular) em 4 períodos:

1.1. Aparecimento como movimento revolucionário.

1.2. Ligação com o Baixo Império.

1.3. Transformação em intelectual de classe feudal.

1.4. Declínio.

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Page 69: Sociologia Da Religião

3 CRISTIANISMOS COMO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO

A análise do cristianismo primitivo não é nova na literatura marxista. Ela

estabelece entre “revolução cristã” e revolução socialista.

Engels dedicou-se, sobretudo ao estudo da formação progressiva da

religião tentando reconstruir o filão ideológico do cristianismo (Fílon e Sêneca)

e depois sua elaboração propriamente dita – do apocalipse às cartas de Paulo.

Antônio Gramsci não se pronuncia sobre esta questão porque, para ele, o

verdadeiro problema está em saber concretamente que função ideológica e

política desempenha o cristianismo.

Esta questão que já havia sido entrevistado por Engels foi desenvolvida

por Antônio Gramsci de maneira original.

Engels analisou as seguintes questões:

- Quais eram os grupos sociais e nacionais cristianizados;

- Por que sua revolta assumiu a forma de uma religião;

- Por que o cristianismo triunfou das outras religiões da época.

Antônio Gramsci retoma parcialmente esta problemática, mas o faz a

partir de dois temas constantes nos Quaderni: a passagem da concepção

cristã do mundo à atitude prática cristã e à análise do cristianismo como tipo de

movimento revolucionário.

Antônio Gramsci e Friedrich Engels completam-se assim de maneira

notável: se a religião cristã pode triunfar facilmente sobre seus rivais, foi porque

ela os superava ideologicamente – Engels -, mas, sobretudo porque levava a

uma norma de conduta prática revolucionária – Antônio Gramsci. A isto Antônio

Gramsci acrescenta que o cristianismo primitivo teve a vantagem de Ter

intelectuais notáveis capazes precisamente de traduzir a religião em atitude

prática.

Deste ponto de vista, Paulo desempenhou um papel determinante que

Antônio Gramsci compara ao de Vladimir Lênin com relação ao Karl Marx:

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Page 70: Sociologia Da Religião

“Cristo – Weltanschauung – Paulo - Organizador e ação expansão da

Weltanschauung”.

A qualidade essencial de Paulo é, aos olhos de Antônio Gramsci, Ter

sabido elaborar prática – tanto em nível moral como político – na

Weltanschauung cristã; em resume, o fato de Ter sido um estrategista

revolucionário.

A análise do cristianismo primitivo nos Quaderni está, efetivamente,

ligada a das estratégias revolucionárias.

A par das estratégias revolucionárias tradicionais “guerras de

movimento”, “guerras de posições”, Antônio Gramsci acrescenta

a”revolução passiva”, uma passividade total em nível político e militar e um

poderoso determinismo fatalista em nível ideológico e que, portanto, se

caracteriza pela ausência de toda luta determinada contra a antiga classe

dirigente, o que na realidade leva a uma solução de compromisso, a uma

”revolução-restauração”.

Assim, o determinado fatalista da religião cristão, graças principalmente

à função da providência e ao tema da ressurreição igualitária, mesmo em

condições de luta totalmente negativas transforma-se em uma formidável força

de resistência moral, de coesão, de perseverança paciente e obstinada.

Além disso, Antônio Gramsci considera que a forma ideológica e política

específica do cristianismo primitivo – a resistência não violenta, se explica

melhor ainda pelo fato de que os povos oprimidos militares exerciam uma

verdadeira hegemonia cultural.

O cristianismo primitivo, para Antônio Gramsci, é tanto a expressão da

resistência dos povos de Roma submetidos, especialmente os da civilização

helênica – como das classes subalternas propriamente ditas.

O cristianismo aparece, pois, inicialmente como um movimento

ideológico e político dos povos oprimidos e das classes subalternas. Tornando-

se ideologia oficial da classe dirigente, vai modificar consideravelmente esta

função inicial.

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Page 71: Sociologia Da Religião

4 LIGAÇÕES COM O BAIXO IMPÉRIO = A IGREJA DEPOIS DO EDITO DE

MILÃO

Depois do Edito de Milão o cristianismo sofre uma transformação

profunda, conseqüência da modificação de suas relações com o aparelho de

Estado Imperial. A partir do momento em que se tornou a maneira exterior de

pensar de um grupo dominante, sua sorte e sua difusão não podem ser

separadas da história geral e, portanto, das guerras. Assim, o movimento de

resistência não violenta dá lugar a um aparelho ideológico que doravante

utilizará a ajuda do braço secular para vencer seus adversários. Teria se

verificado no cristianismo o que ocorre nos períodos de restauração em relação

aos períodos revolucionários: a aceitação atenuada e camuflada dos princípios

contra os quais se lutara.

A conseqüência do Edito de Milão foi neutralizar as classes subalternas

pela união da hierarquia eclesiástica com o Império, através de algumas

vantagens corporativas e, sobretudo, do reconhecimento do cristianismo como

ideologia oficial e da Igreja como aparelho ideológico de Estado.

Antônio Gramsci sublinha particularmente dois aspectos que

sobreviverão ao desaparecimento do Império romano: o cosmopolitismo e o

papel do Papa.

O cosmopolitismo era um fenômeno necessário na medida em que o

cristianismo se firmava como religião universalista e foi forçado pela sua

aproximação com o aparelho do Estado, ele mesmo cosmopolita e

centralizado.

No nível ideológico, o culto imperial era o fundamento deste

cosmopolitismo intelectual. Como conseqüência da aliança Império - Igreja,

esta herda atribulações religiosas do imperador. Depois da queda do Império, o

Papa herdará a tradição do culto imperial. Na visão de Antônio Gramsci o

papado teria feito uma combinação entre os atributos do Sumo Pontífice e os

do imperador divinizado.

Esta restauração não se limita à estrutura e ao papel da Igreja: ela

atinge a religião. Antônio Gramsci sublinha que ao difundi-se entre os grupos

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Page 72: Sociologia Da Religião

subalternos, o cristianismo sofre a influência dos cultos pagãos, influência esta

de que vimos o exemplo com relação ao Papa; forma-se assim, uma religião

popular muito diferente do cristianismo oficial e cujas características

sobreviveram: superstições, feitiçarias, etc.

Por isso, a aliança como o Império romano modifica radicalmente o

cristianismo primitivo sob seu tríplice aspecto de movimento das classes

subalternas, de organização eclesiástica e de religião. É com esta nova face

que a Igreja vai tornar-se a estrutura ideológica do mundo feudal.

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Page 73: Sociologia Da Religião

5 TRANSFORMAÇÃO INTELECTUAL DA CLASSE FEUDAL

A situação da igreja medieval é a de uma categoria de intelectuais

orgânicos que controlam a sociedade civil feudal: esta organicidade repousa

em duas características permanentes do clero medieval: sua osmose

econômica política com a aristocracia e seu monopólio ideológico.

Antônio Gramsci considera que a Igreja está em larga escala na origem

da sociedade feudal. Depois das invasões e diante da decadência da

civilização urbana, os mosteiros tornaram-se os únicos centros intelectuais. É

em torno dos mosteiros que se estabelecem às novas estruturas sociais

feudais, cuja partir de uma divisão social do trabalho entre intelectuais

religiosos e servos - artesãos.

A influência da Igreja sobre a estrutura da sociedade medieval não se

situa só no meio do rural: as sedes episcopais tornam-se centros religiosos e

também econômicos desempenhado papel importante na origem das colunas

medievais.

Nos dois casos – no meio rural e urbano, a igreja aparece, pois, como

uma das origens da sociedade feudal. Antônio Gramsci conclui que esta origem

explica sua preeminência e a preeminência da instância intelectual, e,

sobretudo, ideológica, na Europa medieval: o vínculo orgânico entre a Igreja,

casta intelectual, e a estrutura feudal é um vínculo invertido: a casta intelectual

está na origem da classe fundamental da qual se tornará o intelectual orgânico.

Em razão de sua função econômica, a Igreja aparece, pois, como uma

categoria social ambígua, ao mesmo tempo classe feudal e casta intelectual.

A multifuncionalidade do clero explica, de outro lado, que sua

preeminência não se apóia unicamente em sua função ideológica; fora de seu

papel econômico com fração da aristocracia feudal, a Igreja controla certo

número de” serviços”. Estes diferentes serviços correspondem a três funções

específicas:

73

Page 74: Sociologia Da Religião

Uma função ideológica dominante ligada ao monopólio ideológico da

igreja e que inclui o controle de todos os aparelhos culturais,

principalmente do ensino;

Uma função repressiva: a justiça, sobretudo durante a Alta Idade

Média;

Uma função social, dirigida principalmente para as classes

subalternas.

A função social não sendo mais que uma função secundária, pois a

assistência é a conseqüência do controle da Igreja sobre as classes

subalternas. Segundo Antônio Gramsci, ela está ligada à atividade da Igreja –

aparelho econômico e não da Igreja, organização religiosa.

A função repressiva é conseqüência, sobretudo, da hegemonia

ideológica da Igreja. É importante lembrar que o prevalecimento do direito

canônico sobre o direito romano.

A função essencial da Igreja continua sendo a função ideológica: a

religião católica é a concepção oficial do mundo da sociedade feudal e a igreja,

enquanto aparelho ideológico único encontra-se em situação privilegiada, na

medida em que todas as atividades superestruturais devem conformar-se ao

quadro ideológico do qual ela tem o controle e cuja reprodução ela assegura –

Igreja, Universidade, artes, etc.

A partir do século XIII a Igreja entra num período de crise, sofrendo

sucessivas contestações provindas dos domínios em que ela própria recuou

(direito, ciência). Essas contestações foram reabsorvidas enquanto ela

manteve sua hegemonia, exercendo sua função histórica.

O despertar da vida econômica e comercial depois dos anos mil e

ascensão da burguesia trouxe como conseqüência a volta do direito romano,

para regulamentar as novas relações sociais. Isto levou a uma redução do

domínio do direito canônico e as profundas modificações em sua estrutura.

Outro fenômeno que atingiu particularmente a hegemonia ideológica da

Igreja foi o desenvolvimento das línguas vulgares em detrimento do latim.

74

Page 75: Sociologia Da Religião

Colocando ao alcance do povo a cultura e as idéias, os responsáveis por esta

tendência tornaram-se “um fermento de heresia”.

Onde esta oposição do domínio ideológico da Igreja se apresenta de

modo mais claro é nos movimentos religiosos populares, que mereceram assim

a reação mais forte da Igreja.

Quando a ruptura foi total e assumiu a forma de luta política e ideológica

(heresia) a Igreja muitas vezes utilizou a força para tapar as brechas de sua

hegemonia (a inquisição, por exemplo).

Quando a ruptura não afetava a base ideológica da hegemonia a Igreja

adotou a tática de reabsorver ou recuperar o movimento contestatório,

canalizando-o para estruturas oficiais e integrando ou eliminando os líderes.

Nem sempre esta tática teve a mesma eficácia em longo prazo: é o caso de

certas ordens monásticas, que conservaram em seu bojo o fermento da

reforma ideológica: assim os dominicanos, dos quais saiu Giovanni Savanarola,

ou os Agostinianos, de onde saíram a reforma e o jansenismo.

Enquanto na Baixa Idade Média a Igreja ainda tem forças para conservar

o controle ideológico da sociedade, a partir do renascimento o conflito se

radicaliza e torna-se uma crise orgânica.

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Page 76: Sociologia Da Religião

6 AS REVOLUÇÕES E O DECLÍNIO DA IGREJA

Antônio Gramsci chama de ”heresias” aqueles movimentos que apesar

de em sua concepção serem movimentos político - ideológicos, reveste-se de

caráter religioso na medida em que a Igreja Católica é a ideologia dominante.

Assim Antônio Gramsci não só considera as Reformas Luteranas e Calvinistas,

mas também as Revoluções Francesa e Inglesa.

Esses movimentos têm uma base social comum, a burguesia, e uma

estratégia comum frente às classes populares subalternas, além disso, têm 3

características básicas: são obra de pensadores nacionais, opondo-se ao

cosmopolitismo que domina a Weltanschauung católico-feudal, efetuam uma

união em torno de um ideal nacional e reinserem o povo na vida política e

cultural e finalmente, difundem uma ”reforma intelectual e moral”.

Antônio Gramsci analisa historicamente esses movimentos

contestatórios, que em sua opinião marcam uma evolução decisiva para a

independência religiosa (e, portanto, político - ideológico) em relação ao mundo

católico - feudal. Ele mostra a Igreja se vê obrigada a recorrer ao auxílio do

aparelho repressivo do Estado, à coação e repressão, perdendo assim

progressivamente sua unidade e sua autonomia frente ao Estado.

Subordinando-se ao Estado, a Igreja definitivamente seu caráter

democrático, a ponto de na Revolução Francesa a Luta deixar o terreno

estritamente religioso (ideológico) e passar a um campo abertamente político,

envolvendo o clero (e, portanto, a Igreja) na medida em que este estava

intimamente identificado à classe dirigente que era alvo do movimento.

A revolução Francesa completa, portanto, a crise ideológica da Igreja e a

coloca em posição subalterna.

A visão gramsciana completa o ciclo colocando o marxismo como

herdeiro e realizador na prática dessas três correntes. Antônio Gramsci utiliza

para sua análise do marxismo como ideologia os critérios que esboçou para o

estudo do catolicismo, na tentativa de evitar no primeiro a trajetória declinante

do último.

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Page 77: Sociologia Da Religião

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Hugues Portelli o verdadeiro problema por Antônio Gramsci na

sua análise da religião é o de pesquisar porque a Weltanschauung religiosa

não conseguiu forjar uma norma de vida religiosa, e não se prolongou por uma

práxis. Segundo ele, com exceção do período heróico do cristianismo primitivo,

os indivíduos e as massas que tentaram conformar sua conduta prática à sua

religião foram condenados e/ou recuperados pela Igreja, que não cessou de

impedir a realização de uma verdadeira ”práxis”, tanto em nível individual

como coletivo, a práxis cristã fracassou, sob a pressão dos intelectuais

religiosos, para tornar-se apenas o “ópio do povo”.

Gramsci não se interessa essencialmente pela religião concepção do

mundo, mas, sobretudo pela norma de conduta prática que corresponde a cada

religião. Deste ponto de vista, a religião pode conduzir a atitudes totalmente

oposta: a ativa e progressista do cristianismo primitivo ou do protestantismo, ou

a passiva e conservadora do cristianismo jesuitizado. É esta Segunda forma

que Gramsci qualifica de ópio do povo, porque elas correspondem a uma fase

declínio, na qual a religião esgotou sua função histórica e só se mantém pelos

artifícios e/ou pela repressão.

A religião não é automaticamente o “ópio do povo”: ela se torna tal

quando, superada por uma concepção superior do mundo, impede toda

evolução. ““A religião cristã, que em certo período histórico e em condições

históricas determinadas, foi e continua a ser uma” necessidade”, uma forma

necessária da vontade das massas populares, uma forma determinada de

racionalidade do mundo e da vida. “Mas, também neste caso trata-se do

cristianismo ingênua, não do cristianismo jesuitizado, transformado em simples

ópio para as massas populares”.

Portanto, o determinismo católico é necessário quando corresponde a

um movimento popular, mas deve ser combatido quando leva as classes

subalternas à passividade.

A crítica gramsciana da religião está, pois, subordinada à apreciação da

função histórica de cada ideologia religiosa. A religião é, assim, estudada como

forma particular de ideologia.

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Page 78: Sociologia Da Religião

Podemos aplicar esta crítica o nosso contexto de país do Terceiro

Mundo, espoliado pelo capitalismo civilizado do Primeiro Mundo, onde o

catolicismo é ainda uma força importante e quando a Igreja tenta uma

reaproximação com o povo, de diversa forma, inclusive ideológica – Teologia

da Libertação – fazendo-nos indagar em que medida esta visão sociológico –

política enriquece nossa concepção e nossa prática da religião cristã.

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Page 79: Sociologia Da Religião

CAPÍTULO VII

O PENTECOSTALISMO (FRANCISCO CATARXO ROLIM)

Introdução

O Pentecostalismo continua sendo um assunto atual e interessante,

também continua despertando um enorme interesse aos sociólogos,

antropólogos, teólogos e pastoralistas.

Este trabalho como diz o tema é uma análise sócia religiosa do

Pentecostalismo no Brasil, que também está interessado em saber e

questionar se tomar alguns conceitos marxistas e procedimentos deterministas

que esvazia essa religião de sua dimensão específica, ou pelo contrário, vem

esclarecer vários problemas comumentes colocados de maneira arbitrária.

Este trabalho não tem a pretensão de ser conclusivo, que fique claro que

existem alguns problemas que pedem continuidade e mais aprofundamento.

Toda análise como sabemos não é neutra, é feita a partir de uma

formação. Nisto se enquadra também à ideologia pentecostal, pois usa religião,

não está apenas preocupada com o sacral. Não é politicamente neutra não

esta imune à força das relações sociais. A história das religiões mostra que as

crenças, movimentos e teologia sempre estiveram associados com a situação

social de sua época.

Este é um ponto principal em mira pela nossa perspectiva: apresenta a

religião pentecostal como determinada pelas relações sociais e classes sociais.

Como diz Marx; “não é a consciência dos homens que determinam os seus

seres, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”.

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Page 80: Sociologia Da Religião

1 HISTÓRICOS DAS PRIMEIRAS IGREJAS PENTECOSTAIS

O Pentecostalismo é um fenômeno recente no Brasil. Apareceu entre

nós no início da Segunda década do século XX. Com a fundação da

congregação Cristã no Brasil, em 1910, na capital paulista, no bairro Brás,

povoado praticamente de integrantes italianos.

O seu fundador foi o Italiano; Luigi Francescon; que viveu nos Estado

Unido e converteu-se ao Pentecostalismo. Foi presbiteriano e freqüentou por

um tempo a igreja presbiteriana de São Paulo, mas saiu fundando assim a

primeira igreja pentecostal do Brasil.

Um ano mais tarde surge a Igreja da Assembléia de Deus em 1911, em

Belém do Pará. Sendo que o seu primeiro nome foi Missão de Fé Apostólica,

mas logo o nome foi mudado. Vieram para o Brasil missionários suecos que

também moraram nos Estado Unido com a intenção de fundar a nova religião.

Começaram freqüentar a igreja Batista de Belém do Pará e através de vigílias

de oração dividiram a igreja, fundando assim a Segunda igreja pentecostal em

1911.

Somente em 1940 é que todas as regiões do Brasil foram atingidas pelo

Pentecostalismo, melhor dizendo Assembléia e Congregação Cristã.

A Igreja Internacional do Evangelho Quadrangular surgiu nos Estados

Unidos, em Los Angeles, pelo ano de 1918. Ela apareceu no Brasil sob forma

de uma campanha, a cruzada de evangelização, barracas de lona, desmontado

de uma região para outra.

O Brasil para Cristo teve como seu fundador Manuel de Melo que da

Assembléia de Deus e depois, foi o Evangelho Quadrangular e em 1955,

lançava seu movimento que batizou com o nome que deu a mesma.

A Igreja de Nova Vida, seu templo foi inaugurado em 1970 em Botafogo,

no Rio de Janeiro, é uma igreja elitista e o seu bispo norte americano Roberto

MacAlister.

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Page 81: Sociologia Da Religião

2 GÊNESE DO PENTECOSTALISMO

Estaremos abordando aqui hipóteses sobre o surgimento do

Pentecostalismo no Brasil, como ele se processou e quais os fatores que gerou

este fenômeno.

Primeiramente gostaria de lembrar que fazer uma análise sobre este

movimento é uma tarefa difícil devida ser um fenômeno amplo e complexo, e

sua dificuldade maior se encontram na sua dimensão transcendental ou supra-

social que ela comporta e também é um conjunto especificamente religioso.

As mudanças sociais ocorridas no Brasil nos anos 30, e a partir desta

época, com a política brasileira tendenciosamente voltada para a

industrialização e produção com vistas para o mercado interno, e com a

urbanização progressiva, sem industrialização correspondente em

conseqüência da migração inter-regional o crescimento e surgimento pareceu

aos olhos de muitos analistas deste assunto como um fenômeno religioso

intimamente ligado aos processos de urbanização/migração/industrialização.

Ao lado entanto destes fatos, assistimos ao mais profundo

empobrecimento da história brasileira, com milhões de compatriotas vivendo a

situação que os economistas chamam de miséria. Ao lado da industrialização,

que não só concentrou a renda, mas também concentrou a população no meio

urbano. Estes fatores são da maior importância para a explicação do fenômeno

pentecostal, no Brasil.

O Pentecostalismo não nasceu aqui no Brasil, foi uma experiência

trazida para cá, através de alguns pentecostais vindos dos Estados Unidos.

Esses fundadores trouxeram além de suas experiências religiosas, suas

concepções capitalistas, suas formações e vivências religiosas totalmente

voltadas para o sacral. Sem abertura para o social, sem experiência político

social.

Um dos fundadores deste movimento, Luigi Francescon veio para o

Brasil como imigrante e seus primeiros adeptos foram seus compatriotas. A

congregação Cristã buscava no imigrante italiano o seu suporte social,

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Page 82: Sociologia Da Religião

aproveitando-se dos elementos católicos entre os italianos e convertendo-os ao

Pentecostalismo.

Para se ter uma idéia da predominância de italianos na congregação

cristã, basta dizer que seus hinos eram cantados em italiano até década de 30,

quando aparece a terceira edição do hinário desta igreja, metade em italiano,

metade em português.

O imigrante reage na nova situação buscando, geralmente por ensaios,

um grupo no qual possa sentir afinidade emocional e reconhecimento de sua

própria pessoa. Entre várias alternativas que lhe apresentam podem escolher a

mais acessível, isto é os pentecostalismos.

O movimento da igreja Brasil para Cristo e Evangelho Quadrangular

escolheu São Paulo como o lugar para o seu surgimento. Todos nós sabemos

que São Paulo é o centro da migração. Suas mensagens são para as pessoas

pobres, por isso teve uma boa acolhida.

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Page 83: Sociologia Da Religião

BIBLIOGRAFIA

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