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GRADUAÇÃO 2014.2 SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS AUTORES: FERNANDO DE CASTRO FONTAINHA E LUANDA CHAVES BOTELHO

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GRADUAÇÃO 2014.2

SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

AUTORES: FERNANDO DE CASTRO FONTAINHA E LUANDA CHAVES BOTELHO

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SumárioSociologia das Instituições Jurídicas

ADVERTÊNCIA AOS ALUNOS: .................................................................................................................................. 3

1 — ESCOPO DA DISCIPLINA .................................................................................................................................. 4

2 — CONTEXTUALIZANDO OS AUTORES E TEXTOS...................................................................................................... 102A — Aula 2: Evolução das leis fabris inglesas no século XIX ...................................................... 102B — Aulas 3 E 4: Max Weber .................................................................................................... 152C — Aulas 4 E 5: Émile Durkheim ........................................................................................... 202D — Aula 7: Tocqueville e o judiciário americano no século XIX .............................................. 242E — Aula 8: Judicialização e crise republicana ........................................................................... 292F — Aulas 9 E 10: Pierre Bourdieu ............................................................................................ 322G — Aula 11: Ritualística forense, o direito e seus símbolos ...................................................... 362H — Aula 12: Interação e competição entre os Juristas .............................................................. 382I — Aula 13: Legalidade cotidiana e o “senso comum jurídico” ................................................. 402J — Aula 14: A categorização jurídica no mundo profano ......................................................... 423 — Textos para discussão em sala de aula ................................................................................... 443A — Aula 2: Lei de estágio ........................................................................................................ 443B — Aula 3: O caso Tim Lopes ................................................................................................. 473C — Aula 4: Condenação de morador de rua à prisão domiciliar .............................................. 493D — Aula 5: Barcas S/A X PSOL .............................................................................................. 503E — Aula 6: Constituição Federal X Código Penal Militar ........................................................ 513F — Aula 7: A efetividade da Lei Seca ....................................................................................... 533G — Aula 8: Judicialização das relações de trabalho ................................................................... 543H — Aula 9: O judiciário ao alcance de todos? .......................................................................... 563I — Aula 10: “Marcha da Maconha” ......................................................................................... 583J — Aula 11: Crucifi xos nos tribunais........................................................................................ 593K — Aula 12: Magistratura e Poder Executivo ........................................................................... 603L — Aula 13: Direito e senso comum ........................................................................................ 613M — Aula 14: Código Penal de 1940 ........................................................................................ 62

4 — LEITURAS DE APOIO AO TRABALHO DE CAMPO (P2)............................................................................................. 64A observação da prática jurídica em ação: uma forma interessante de se desvendar o Direito

(por Beatriz Helena Fonseca Rodrigues de CAmpos Figueiriedo) .................................... 78Trabalho de Gabriel Florêncio Marques de Menezes .................................................................... 90A intervenção do domínio econômico nos simbolismos do campo jurídico:

Diferenças do mundo público e do corporativo (por Guilherme Migliora) ...................... 99As percepções de um novato em um escritório de advocacia: observando a área dos estagiários

(por Paula Teixeira Mendes da Costa e Silva) ................................................................. 112O plantão judiciário: Estudo da dinâmica social, os símbolos e o papel do Poder Judiciário

(por Walter Britto Gaspar) ............................................................................................ 123

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ADVERTÊNCIA AOS ALUNOS:

Este volume apresenta uma série de textos de apoio COMPLEMENTA-RES ao curso. Eles visam INCREMENTAR o aproveitamento e o envolvi-mento dos alunos na disciplina. Este material NÃO DEVE de forma alguma SUBSTITUIR a leitura dos textos assinalados para discussão em aula bem como a participação em sala.

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1 — ESCOPO DA DISCIPLINA

1A — OBJETIVOS:

(1) Familiarizar os estudantes com uma bibliografi a essencial sobre a disciplina,

(2) Introduzir os estudantes no universo de conceitos e teorias que in-formam a fronteira entre o Direito e as Ciências Sociais,

(3) Demonstrar aos estudantes a importância da pesquisa (métodos e téc-nicas) no processo de descoberta do direito como fenômeno social, e

(4) Desenvolver nos estudantes as habilidades de(a) compreensão, comparação e crítica de textos científi cos,(b) observação, relato e análise de situações concretas e(c) apresentação acadêmica oral em público.

1B — METODOLOGIA:

A metodologia do ensino da disciplina será baseada na externalidade à sala de aula e na interatividade. Por externalidade à sala de aula deve-se entender que o foco do curso não é o ensino de um conhecimento, mas de uma relação com um conhecimento. Isto implica que as fontes de aprendizado disponibi-lizadas aos alunos transcendem as palavras e as ideias do professor. De início, toda aula será marcada pela presunção de que todos leram o texto indicado, o que será obrigatório sob pena do aluno não ter condições de acompanhar o debate em sala. Em segundo lugar, os alunos deverão realizar uma mini enquete de campo (v. formas de avaliação), o que lhes permitirá trazer para sala de aula problemas e questionamentos oriundos de sua própria vivência. É este acúmulo gradativo de fontes que permitirá a criação de um ambiente interativo em sala de aula, onde o papel do professor será o de provocar ques-tionamentos, levantar problemáticas e estimular críticas.

1C — FORMA DE AVALIAÇÃO:

Os alunos serão avaliados mediante duas dinâmicas distintas, de igual peso na composição da nota fi nal. Inicialmente, os alunos se dividirão em grupos, os quais disporão dos dez minutos iniciais de cada aula de conteúdo para apresentar o texto indicado. O grupo será avaliado pela sua capacidade de compreensão, aplicação, síntese e crítica do conteúdo do texto. A presen-tação deve ser feita em três partes:

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(1) restituição do texto,(2) contribuição ao texto e(3) proposta de questão a ser discutida em sala de aula.

O grupo deve igualmente apresentar por escrito o esquema da apresenta-ção em uma lauda, que também será avaliado. A apresentação oral vale 7,0 (sete) pontos da nota da P1. Cada grupo deverá igualmente relatar uma das aulas do curso, apresentando, na aula seguinte, um relatório de aproximada-mente três laudas dividido em duas partes:

(1) descrição sumária da discussão em sala de aula, e(2) conexões da discussão com o texto.

Este relatório vale 3,0 (três) pontos da nota da P1. Num segundo momen-to, os alunos deverão realizar individualmente uma mini enquete de campo, que consiste no emprego da técnica de observação direta para a realização de uma pequena pesquisa. Eles deverão observar uma situação onde o Direito (e os profi ssionais do Direito) pode ser visto em ação (uma sessão de julga-mento, uma pauta de audiências, um dia num escritório de advocacia...). É necessário que a situação observada tenha duração de ao menos uma manhã ou uma tarde inteira. Em seguida, eles deverão elaborar um relatório (em torno de 8 páginas) em dois momentos: descrição detalhada da situação e análise da situação à luz de ao menos três textos do programa (não utilizados nas avaliações anteriores), devendo a descrição ser maior ou igual à análise. Os alunos disporão de todo o semestre para a realização da mini enquete, que valerá os 10,0 (dez) pontos da nota da P2.

1D — PLANO DE AULAS E LEITURAS:

Aula 1:Apresentação geral do curso: o professor, o objetivo, a metodologia, o pro-

grama e as formas de avaliação. (Não há leitura preparatória para a aula 1).

Aula 2:

Evolução das leis fabris inglesas no século XIXMARX, Karl. A luta pela jornada normal de Trabalho. Limitação legal do

tempo de trabalho. A legislação fabril inglesa de 1833 à 1864. Luta pela jornada normal de trabalho. Repercussões da legislação fabril inglesa nos outros países. In: “O Capital. Crítica da Economia Política”, Livro 1, Volume 1. Rio de Janei-ro: Civilização Brasileira, 2004, p. 320-346.

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Aula 3:

Forma jurídica em WeberWEBER, Max. O caráter formal do Direito Objetivo. In “Economia e So-

ciedade — Fundamentos da Sociologia Compreensiva”. São Paulo: UnB, 2004, vol. II, p. 67-85.

Aula 4:

Forma jurídica e modernidadeWEBER, Max. As Qualidades Formais do Direito Moderno. In “Economia

e Sociedade — Fundamentos da Sociologia Compreensiva”. São Paulo: UnB, 2004, vol. II, p. 142-153.

Aula 5:

Uma ciência da moral dentre os juristas alemães?DURKHEIM, Émile. Os Juristas: Rudolf Von Jhering. In: “Ética e sociolo-

gia da moral”. São Paulo: Landy, 2003, p. 11 e 41-56.

Aula 6:

Direito e solidariedade em Durkheim: o exemplo do HomicídioDURKHEIM, Émile. Deveres Gerais, independentes de qualquer grupa-

mento social. In “Lições de Sociologia — A Moral, o Direito e a Sociedade”. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 153-167.

Aula 7:

Tocqueville e o judiciário americano no século XIXTOCQUEVILLE, Alexis de. Do Poder Judiciário nos Estados Unidos e sua

atuação sobre a sociedade política. Outros poderes concedidos aos juízes america-nos. Do julgamento político nos Estados Unidos. In “Democracia na América”. São Paulo: Martins Fontes, 2001, Volume 1, p. 111-126.

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Aula 8:

Judicialização e crise republicanaVIANNA, Luiz Werneck et alii. Introdução. In “A Judicialização da Polí-

tica e das Relações Sociais no Brasil”. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 15-44.

Aula 9:

O “capital” jurídico e sua disputaBOURDIEU, Pierre. A Força do Direito: Elementos para uma sociologia

do Campo Jurídico. In “O Poder Simbólico”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 209-235.

Aula 10:

A nomeação, a forma, a homologiaBOURDIEU, Pierre. A Força do Direito: Elementos para uma sociologia

do Campo Jurídico. In “O Poder Simbólico”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 236-254.

Aula 11:

Ritualística forense: o Direito e seus símbolosGARAPON, Antoine. O Espaço, o Tempo, a Toga, o Discurso Judiciário.

Conclusão In: “Bem Julgar: ensaio sobre o ritual judiciário”. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 48-56, 73-87, 135-146 e 327-328.

Aula 12:

Interação e competição entre os juristas: um estudo de casoBONELLI, Maria da Gloria. A competição profi ssional no mundo do Direito.

In: “Tempo Social. Revista de Sociologia da USP”, Número 10, Volume 1, 1998, p. 185-214.

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Aula 13:

Legalidade cotidiana: o senso comum jurídicoSYLBEY, Susan. Everyday life and the constitution of legality. In: JACOBS,

Marc; HANRAHAN, Nancy (org.) “Th e Blackwell Companion to the So-ciology of Culture”. Malden: Blackwell Publishing, 2005, p. 332-345.

Aula 14:

A categorização jurídica do mundo profanoDUPRET, Baudouin. A intenção em ação: Uma abordagem pragmática

da qualifi cação penal num contexto egípcio. “Ética e Filosofi a Política”, v. 12, p. 109-140, 2010.

1E — BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

CAPPELLETTI, Mauro. O Problema da Legitimação Democrática do Direito Ju-risprudencial. In “Juízes Legisladores”. Porto Alegre: safE, 1999, p. 93-107.

FONTAINHA, Fernando de Castro. Por um conceito de Direito em Marx. In: MONT’ALVERNE, Martonio; BELLO, Enzo. (Org.). “Direito e Marxismo”. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v. 1, p. 381-397.

__________. Da Sociologia Política à Sociologia Jurídica, da França ao Brasil: a prática da mini enquete como instrumento pedagógico. In: I Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito, 2011, Niterói. Caderno de Ar-tigos, 2011.

__________. Um pesquisador na EMERJ: a negociação de uma postura de pesquisa em um mundo institucionalizado. In: XX Encontro Nacional do CONPEDI, 2011, Belo Horizonte. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 1952-1973.

GARAPON, Antoine. O Poder Inédito dos Juízes. In “O Juiz e a Democracia: o guardião de promessas”. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 55-74.

GERALDO, Pedro Heitor Barros; FONTAINHA, Fernando de Castro; VE-RONESE, Alexandre. Sociologia empírica do direito: Uma introdução. “Ética e Filosofi a Política”, v. 12, p. 1-13, 2010.

HALLIDAY, Simon et alii. Shadow Writing and Participant Observation: A Study of Criminal Justice Social Work Around Sentencing. “Journal of Law and Society”, Vol. 35, Issue 2, p. 189-213, 2008.

LIMA, Roberto Kant de. Por uma antropologia do Direito, no Brasil. In: “En-saios de Antropologia e de Direito”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

MARX, Karl. Sociologia da Política. In SOUZA, Amaury de. (org) “Sociolo-gia Política”. Rio de Janeiro: Zahar, 1966, p. 11-33.

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MERTZ, Elizabeth. Law, language and the Law School Classroom. In: “Th e language of Law

School: learning to think as a lawyer”. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 12-30.

OLIVEIRA, Luciano. Não fale do Código de Hammurabi! A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação em Direito. In: “Sua excelência o comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica”. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.

SANTOS, Boaventura de Souza. Sociologia dos Tribunais e Democratização da Justiça. In “Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernida-de”. São Paulo: Cortez, 2001, p. 161-186.

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2 — CONTEXTUALIZANDO OS AUTORES E TEXTOS

2A — AULA 2: EVOLUÇÃO DAS LEIS FABRIS INGLESAS NO SÉCULO XIX

KARL MARX

INTELECTUAL E ATIVISTA

Em 05 de maio de 1818, nasceu Karl Heinrich Marx, na histórica cidade de Trier, antiga capital de província do Império Romano, posteriormente ca-pital da província alemã do Reno e, como toda a Europa Ocidental, infl uen-ciada à época pelos ideias liberais franceses. Um dos oito fi lhos de Heinrich Marx e Enriqueta Pressburg, Karl Marx estudou em sua cidade de origem até ingressar, para a satisfação do pai advogado e conselheiro de justiça, no curso de Direito da Universidade de Bonn, em 1835.

Dois anos depois, Marx transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde participou do Clube dos Doutores, orientado pelo fi lósofo hegeliano que lecionava na universidade, Bruno Bauer. De Berlim, escreveu emocionada carta ao pai confessando que passaria a se dedicar aos estudos de Filosofi a. Assim, aproximou-se de uma das principais infl uências sobre toda a sua obra, a fi losofi a dialética do alemão Georg Hegel1. Marx veio a dirigir duras críticas à apreensão que Bauer fazia do idealismo hegeliano em duas de suas mais importantes obras, A Sagrada Família (1845) e A Ideologia Alemã (publicada apenas em 1932). As críticas são tão diretas — mas não menos irônicas — que sobressaem dos subtítulos de ambos os trabalhos2 e do prólogo do primeiro. Em meio ao embate com Bruno Bauer e outros fi lósofos contemporâneos de Marx, emerge a concepção materialista da história3, com os contornos com os quais permeou toda a obra marxista.

Parceiros em A Sagrada Família e A Ideologia Alemã, Karl Marx e Friedrich Engels conheceram-se na redação da Gazeta Renana, em 1842. Nesta época, Prússia, França e Inglaterra já tinham aprovado as primeiras leis de proteção aos trabalhadores e Engels havia dado início aos estudos que o levariam a publicar A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra.

1. “A reformulação crítica da fi losofi a da

história de Hegel por Marx consiste na

eliminação do sujeito fi ctício da história

do mundo, chamado “Espírito do Mun-

do”, e no prolongamento do processo

dialético de desenvolvimento histórico

para o futuro. O reino da liberdade, que

Hegel afi rmava plenamente realizado

aqui e agora, está, para Marx, no futu-

ro, como uma possibilidade real do pre-

sente. A dialética das forças produtivas

e das relações de produção que promo-

ve o progresso histórico não oferece –

ao contrário da dialética do Espírito do

Mundo de Hegel – nenhuma garantia

de que o reino da liberdade se concreti-

zará: apenas apresenta a possibilidade

objetiva desse desdobramento. Se a

revolução da sociedade, historicamente

possível, não ocorrer, então a recaída na

barbárie, como dizia Rosa Luxemburg

ou a ‘ruína das classes em luta’ (Marx)

também é possível” (BOTTOMORE,

1988, p. 175-176).

2. A Sagrada Família ou a crítica da Crí-

tica crítica (contra Bruno Bauer e seus

consortes) – em referência ao Jornal Li-

terário Geral, editado por Bruno Bauer,

também chamado de a Crítica crítica. A

Ideologia Alemã: crítica da mais recente

fi losofi a alemã em seus representan-

tes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do

socialismo alemão em seus diferentes

profetas (1845-1846).

3. “A concepção materialista da história

parte da tese de que a produção, e com

ela a troca dos produtos, é a base de

toda a ordem social; de que em todas as

sociedades que desfi lam pela história, a

distribuição dos produtos, e juntamente

com ela a divisão social dos homens em

classes ou camadas, é determinada pelo

que a sociedade produz e como produz

e pelo modo de trocar os seus produtos.

De conformidade com isso, as causas

profundas de todas as transformações

sociais e de todas as revoluções políticas

não devem ser procuradas nas cabeças

dos homens nem na idéia que eles fa-

çam da verdade eterna ou da eterna jus-

tiça, mas nas transformações operadas

no modo de produção e de troca; devem

ser procuradas não na fi losofi a, mas na

economia da época de que se trata”. (EN-

GELS, 2005, p. 69)

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O ano seguinte foi de muita agitação para Marx, tanto em sua vida pes-soal quanto no aspecto intelectual e político. Casou-se com uma antiga vi-zinha de Trier, viu a Gazeta ser fechada e assumiu a função de diretor nos Anais Franco-Alemães, escreveu A Questão Judaica — que também reserva um capítulo para a crítica a Bruno Bauer — e Crítica da Filosofi a do Direito de Hegel e, viajando a Paris, conheceu as sociedades secretas socialistas e comunistas e as associações operárias alemães. Em 1845, por requisição da Prússia, Marx foi expulso da França, após ter publicado no órgão de im-prensa dos operários alemães na emigração, o Avante!, artigo sobre greve na região prussiana da Silésia.

Morando em Bruxelas, Marx atuou em diversas organizações ligadas à causa operária. Organizou o primeiro Comitê de Correspondência da Liga dos Justos (renomeada Liga dos Comunistas), fundou a Associação Operária Alemã de Bruxelas e foi eleito vice-presidente da Associação Democrática. Atribuído pelo Congresso da Liga dos Comunistas da redação de um pro-grama simultaneamente teórico e prático para o partido, publicou, também ao lado de Engels, O Manifesto Comunista, semanas antes da revolução de fe-vereiro de 1848 na França. No Manifesto, Marx confronta outra importante infl uência sobre sua obra, o socialismo utópico francês4.

Neste contexto, Marx foi expulso de Bruxelas e convidado pelo governo revolucionário da França a retornar a Paris. Porém, com sua família (àquela altura, Marx era pai de três fi lhos e viria a ter mais três) e Engels, mudou-se para Colônia, onde o revolucionário dirigiu a Associação Operária de Colô-nia, incitando a classe trabalhadora ao boicote fi scal e à resistência armada. Mais uma vez, como represália às suas atividades políticas, Marx foi obrigado a deixar o país em que residia.

Em Londres, Marx teve de superar problemas de saúde e fi nanceiros para aprofundar os estudos de Economia. Para tanto, recebeu o apoio de Engels, recorreu a recursos de heranças deixadas por seus parentes e de sua esposa e escreveu artigos para periódicos de nacionalidades diversas. Nos anos que se seguiram, lançou Para a Crítica da Economia Política e concentrou-se naquela que viria a ser considerada sua maior obra, O Capital. Conforme a descrição utilizada pelo revolucionário russo, Vladimir Lênin, a economia política in-glesa é a terceira fonte ou parte constitutiva do marxismo, junto à fi losofi a alemã e ao socialismo francês.

A fragilidade de sua saúde e situação fi nanceira não foi sufi ciente para cansar o intelectual e ativista Karl Marx. Além de atuar em prol da indepen-dência da Polônia, Marx foi fi gura central na Primeira Internacional, como fi cou conhecida a Associação Internacional dos Trabalhadores: concebeu-a em projeto e estatuto, escreveu seu Manifesto de Inauguração, organizou a pauta de seu primeiro Congresso e redigiu as teses de seu Conselho Central. Eleito e reeleito secretário da seção russa da Internacional, Marx aprofundou

4. “O que era ‘utópico’, segundo esse

enfoque, era a crença na possibilidade

de uma transformação social total,

que compreendesse a eliminação do

individualismo, da competição e da in-

fl uência da propriedade privada, sem o

reconhecimento da necessidade da luta

de classes e do papel revolucionário do

proletariado na realização dessa transi-

ção” (BOTTOMORE, 1988, p. 341).

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os estudos e estreitou os contatos com a Rússia, ao mesmo tempo em que agia em defesa da Comuna de Paris.

Falecido em 14 de março de 1883, o pai do materialismo histórico e do socialismo científi co têm até hoje sua teoria revisitada na academia e reivin-dicada por programas de partidos políticos de esquerda do Brasil e de todo o mundo. Karl Marx foi sepultado no Cemitério de Highgate, em Londres, onde ainda se prestam homenagens em frente ao seu busto. (Foto: Fernando Fontainha no túmulo de Marx em janeiro de 2007).

O CAPITAL. CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA.

Quando Karl Marx começou a redação defi nitiva de O Capital, em 1863, já vivia em Londres, onde se dedicava aos estudos de Economia, apesar das graves difi culdades fi nanceiras e da debilidade de sua saúde. Muitos anos depois da publicação do Manifesto Comunista, Marx ainda procurava conso-lidar o arcabouço teórico do programa político ali defendido.

Como o autor explica no prefácio do primeiro volume da primeira edição de O Capital, este primeiro volume continuava o livro Contribuição à Crítica da Economia Política, editado 1859, em que analisa a mercadoria e o dinhei-ro, desenvolvendo uma teoria sistemática do valor. O intervalo entre as duas publicações se deveu justamente as enfermidades que o acometeram, tendo sido o primeiro volume de O Capital publicado apenas em 1867.

Dois volumes completam o trabalho de Marx. Porém, o autor não chegou a publicá-los em vida, foi Engels quem os editou. Enquanto o segundo volu-me, publicado em 1885, concentra-se sobre as formas concretas do processo de produção capitalista, bem como de circulação de capital, o terceiro, publi-cado em 1894, volta-se para a história da teoria.

A Inglaterra foi o país escolhido pelo autor para ilustrar sua teoria porque, segundo ele, era o campo clássico do modo de produção capitalista, suas rela-ções de produção e circulação. Marx esclarece também que sua principal preo-cupação em O Capital era com as leis naturais da produção capitalista — e não com a intensidade dos antagonismos sociais provocados por tais leis —, pois

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entendia que elas se impunham tanto sobre os menos desenvolvidos quanto sobre os mais desenvolvidos países capitalistas.

Outro aspecto da obra que merece destaque diz respeito ao tratamento que Marx confere aos indivíduos. O autor explicita que as pessoas somente o inte-ressam enquanto representantes de categorias econômicas, isto é, de relações e interesses de classe. Em suas palavras, “a formação econômico-social como um processo histórico-natural exclui, mais do que qualquer outra, a responsa-bilidade do indivíduo por relações, das quais ele continua sendo, socialmente, criatura, por mais que, subjetivamente, se julgue acima delas” (Marx, 1996). Assim, ao mesmo tempo em que a bibliografi a de O Capital traz à luz a ligação de Marx com a Escola Clássica5, a obra confronta a concepção individualista de homem econômico de seus principais representantes.

Publicado em inúmeros idiomas, reporta-se que a academia demorou para direcionar suas atenções para O Capital, enquanto muitos movimentos polí-ticos já se debruçavam sobre ele. Com efeito, a obra é tida como base teórica da Revolução Russa de outubro de 1917. A despeito das críticas e ataques que sofreu, O Capital é reconhecido como poderoso instrumento de compre-ensão tanto do passado quanto do presente, conforme deveremos constatar nas aulas desta disciplina. Segundo as palavras há poucos anos proferidas por Florestan Fernandes, a teoria marxista:

“Permite entender a economia capitalista em suas determinações mais gerais: que a contradição principal da atual fase capitalista é a que existe entre a produ-ção e a apropriação da mais-valia, do excedente econômico em valor; que a atual expansão do capital especulativo e parasitário é a manifestação e o agravamento dessa contradição; que essa fase capitalista sobrevive sobre a base da intensifi ca-ção da exploração do trabalho. A teoria do valor de Marx permite entender que essa fase capitalista não é eterna e que não poderá sobreviver por muito mais tempo” (Fernandes, 2008).

Por fi m, cabe destacar que o capítulo selecionado para nossa leitura (A Jor-nada de Trabalho), por seu conteúdo mais descritivo, é indicado pelo próprio Marx para se iniciar o estudo de O Capital.

REFERÊNCIAS:

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Trad. Wantensir Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Título original: A Dictionary of Marxist Th ought.

5. “Marx recebeu a herança que a Econo-

mia Política poderia dar-lhe no século

19, após uma longa evolução que co-

meça no mercantilismo (...) e culmina

nos trabalhos de Adam Smith e de toda

a Escola Clássica. Esta também era um

produto direto da época que mais o

interessava, motivo por que deu maior

atenção aos seus representantes, à

sua crítica, e ao seu desenvolvimento.

Do ponto de vista metodológico, to-

davia, a obra de Marx representa uma

ruptura profunda com a orientação

científi ca dos Economistas da Escola

Clássica. As críticas mais severas que

esta recebeu, e que têm sido utilizadas

posteriormente contra pontos de vista

semelhantes, foram na maior parte ela-

boradas por Marx” (Fernandes, 2008).

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ENGELS, Friedrich. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científi co. Trad. Rubens Eduardo Frias. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2005. Título Origi-nal: Socialisme Utopique et Socialisme Scientifi que.

FERNANDES, Florestan. Introdução. In: MARX, Karl. Contribuição à Crí-tica da Economia Política. Trad. Florestan Fernandes. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007. Título Original: Zur Kritik der Politischen Oekonomie.

LENIN, Vladimir. As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxis-mo. In: As Três Fontes. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 65-72. Editado a partir da publicação de Centelha. Coimbra, 1977.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente fi losofi a alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.

_______. A Sagrada Família ou a crítica da Crítica crítica (contra Bruno Bauer e seus consortes). Trad. Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2003. Título original: Die heilige Familie oder Kritik der Kritischen Kritik (Gegen Bruno Bauer und Konsorten).

_______. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006. Extraído de Obras Escolhidas, em 3 v. de K. Marx e F. Engels. Trad. Editorial Vitória Ltda.

MARX, Karl. A Questão Judaica. Trad. Sílvio Donizete Chagas. 6. ed. São Paulo: Centauro, 2007. Título original: Zur Judenfrage.

_______. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro I – O Processo de Produção de Capital. Trad. Reginaldo Sant’Anna. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, v. I.

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2B — AULAS 3 E 4: MAX WEBER

A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER

Filho de um magistrado pertencente a uma família de classe média alta do ramo da indústria têxtil, Karl Emil Maximilian Weber, ou sim-plesmente Max Weber, nasceu em 21 de abril de 1864, na cidade de Erfurt, na Alemanha, e, com poucos anos de vida, mudou-se para Ber-lim, em virtude da eleição do pai como parlamentar pelo Partido Liberal Nacional. Os três grandes temas da obra weberiana — o poder político e as formas de dominação, a ética religiosa e o capitalismo — entrelaçam-se com essa trajetória familiar e pessoal: “A vocação política vem-lhe da inclinação paterna, a religiosa da piedade materna, e o seu interesse pelo capitalismo da sua condição de alemão inserido no momento de maior crescimento do capitalismo alemão” (Marsal, s/d).

Weber foi educado desde cedo em uma tradição humanista. No colé-gio, estudou História, línguas e Literatura Clássica. Chegando ao ensino superior, passou pela Universidade de Heidelberg, onde se matriculou no curso de Direito e de onde saiu para prestar um ano de serviço mili-tar, pela Universidade de Berlim e pela Universidade de Göttingen, em que concluiu a graduação e, após um segundo período de serviço militar, obteve o título de doutor em Direito. Em Berlim e em Göttingen, Weber não só deu continuidade ao estudo de Direito, mas também aprofundou o conhecimento de línguas e se dedicou à Filosofia, à Economia e à História, tendo escrito sua tese de doutorado sobre a história das com-panhias de comércio na Idade Média.

A carreira docente teve início em 1891, na Universidade de Berlim, substituindo temporariamente um professor de Economia. Em 1893, Weber tornou-se livre docente da Universidade e, no mesmo ano, casou-se com a prima Marianne Schnitger. Posteriormente, ocupou a cátedra de Economia Política na Universidade de Freiburg e, em seguida, na

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Universidade de Heidelberg. Contudo, a morte do pai, cerca de um mês depois de uma violenta briga entre os dois, deteriorou a tal ponto a saú-de mental do professor, que interrompeu suas atividades como docente. Weber fez muitas viagens pela Europa buscando relaxamento e repouso, porém, em um período de crise, chegou a ser internado por algumas semanas em uma casa de saúde para pessoas com perturbações mentais.

O retorno ao trabalho não se deu nas salas de aula universitárias. Weber passou a se dedicar à pesquisa em Ciências Sociais e à edição do periódico Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik. Foi a partir de então que Max Weber desenvolveu suas principais obras, escreveu sobre sociologia da religião, da arte e do Direito e proferiu conferências que até hoje são reproduzidas, como A Ciência como Vocação, em que critica professores que adotam uma postura de conselheiro de alunos, concluin-do que o verdadeiro professor deve se ater a critérios científicos e evitar adentrar no mundo dos valores.

Dois episódios na primeira década do século XX marcaram os escritos de Weber, um em sua vida pessoal e o outro um acontecimento históri-co. Em 1904, Weber fez viagem aos Estados Unidos que se refletiu em seus trabalhos sobre o sistema capitalista, como o estudo sociológico A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo, publicado no Archiv, que demonstra como a experiência religiosa do calvinismo influenciou o de-senvolvimento econômico no ocidente. Em 1905, eclodiu a Revolução burguesa na Rússia, que veio a ser objeto de diversos ensaios do autor.

Em 1909, Weber participou da fundação da Sociedade Alemã de So-ciologia e, nesta época, passou a se definir como sociólogo. No mesmo ano, começou a trabalhar em Economia e Sociedade, apontada por uma pesquisa de opinião realizada pela ISA (Associação Internacional de So-ciologia) como a obra de Sociologia mais importante e influente do sé-culo XX (Pierucci, 2008). Economia e Sociedade é a obra de Sociologia mais sistematizada de Weber e contempla os três grandes temas dos es-tudos weberianos, a religião, o sistema capitalista e, sobretudo, os tipos de dominação.

Weber morreu acometido por uma pneumonia em 1920, aos 56 anos, pouco tempo depois de ter aceitado convite para voltar a lecionar e dei-xando muitos escritos inéditos em diferentes estágios de maturação. Ma-rianne, sua esposa, tornou-se, assim, a organizadora editorial de suas publicações póstumas, inclusive de Economia e Sociedade, que estudare-mos em nossas aulas. (Foto: Fernando Fontainha no túmulo de Max e Marianne Weber em dezembro de 2010 — Begriedhof, Heidelberg).

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ECONOMIA E SOCIEDADE

Economia e Sociedade tem uma história curiosa. A obra divide-se em duas partes6, mas a primeira começou a ser redigida cerca de cinco anos depois da segunda e há controvérsias sobre se elas deveriam ter sido publicadas como um trabalho único. Por que isso aconteceu? Quem nos conta essa história é o pro-fessor da Universidade de São Paulo (USP), Antônio Flávio Pierucci (2008).

Em 1909, Weber foi convidado pelo editor Paul Siebeck para assumir o posto de editor principal de uma coletânea intitulada Elementos de Economia Social. A coletânea seria composta por cinco volumes contendo capítulos escritos por diferentes autores selecionados por Weber, que também seria responsável pela autoria de um dos capítulos.

Ocorre que um dos primeiros passos de Weber foi reformular todo o plano de conteúdos da coletânea. Lendo o novo sumário apresentado em 1910, o professor Pierucci indica que Weber pretendia demonstrar que uma “econo-mia social” se constitui de relações não econômicas. Com efeito, “Economia e Sociedade” aparecia como título de um capítulo dividido em três tópicos que evidenciam tal intenção: a) Economia e direito; b) Economia e grupos sociais; c) Economia e cultura.

No entanto, a demora na entrega dos textos e a expansão de conteúdo da contribuição de alguns autores acabaram por atrasar em demasia o início da publicação da coletânea. Neste cenário, Weber e Siebeck decidiram conceber um novo plano geral de conteúdos. Em 1914, Siebeck propôs outro sumário, com um teor mais sociológico e no qual “Economia e Sociedade” constava como título de uma seção de capítulos que seria toda redigida por Weber e que aproveitaria os conceitos trabalhados pelo autor neste intervalo de alguns anos.

6. Não há correspondência exata entre

estas duas partes e os dois volumes da

edição brasileira publicada pela editora

da Universidade de Brasília.

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Em meados de 1914, foi editado o primeiro volume dos cinco previstos para a coletânea. E foi o único, pois a eclosão da Primeira Guerra Mundial impediu que Weber e Siebeck dessem continuidade ao projeto. Weber já havia avançado na parte da coletânea que lhe cabia, mas interrompeu as suas atividades. Durante a Grande Guerra, o sociólogo serviu o exército pela ter-ceira vez, sendo encarregado da administração de hospitais militares.

Após o término do confl ito, Weber retomou o trabalho, mas engana-se quem imagina que ele tenha continuado de onde a Guerra o interrompera. As diferenças entre o antigo e o novo manuscritos, como atesta o professor Pierucci, são fundamentais:

“Durante a Guerra Mundial de 1914-1918, Weber parou de trabalhar em sua contribuição para o Grundriss. Só foi retomá-la em 1919 e, mesmo assim, recomeçando tudo surpreendentemente de um novo começo. Partiu para a com-posição de um texto puramente categorial de Sociologia, muito mais formal e sistemático do que histórico-substantivo, bem o contrário do que havia feito no primeiro manuscrito interrompido em 1914, considerado “mais sociológi-co”. Ele parecia de tal modo decidido a uma reformulação radical do aparato conceitual que empregara nas etapas anteriores de sua produção, de tal forma determinado a colocar numa formulação rigorosamente sistemática um novo dispositivo de conceitos sociológicos, que, já no ano seguinte, estava pronto o novo trabalho”.

Contudo, um ano depois de ter iniciado o novo texto, Weber faleceu sem vê-lo publicado. Os escritos de 1919-1920 compuseram a primeira parte de Elementos de Economia Social, que só recebeu o título de Economia e Sociedade em sua 4ª edição de 1956. Nesta primeira parte, Weber, por meio do siste-ma de tipos ideais7, trata dos conceitos sociológicos básicos, das categorias sociológicas bás icas da atividade econômica, dos tipos de dominação e dos estamentos e classes sociais. Já a segunda parte — de que foram selecionados os textos deste curso — reúne os segmentos escritos por Weber entre 1909 e 1914 e outros manuscritos deixados pelo autor e organizados por Marianne.

REFERÊNCIAS

MARSAL. Juan F. Por que Weber? In: Conhecer Max Weber e a sua Obra. Trad. Manuel de Seabra. Portugal: Ulisseia, s/d. Título Original: Cono-cer Max Weber y su Obra.

PIERUCCI, Antônio Flávio. Economia e Sociedade: últimos achados sobre a “grande obra” de Max Weber. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 23, n. 86, p., out. 2008.

7. “O tipo ideal, segundo Weber, expõe

como se desenvolveria uma forma

particular de ação social se o fi zesse

racionalmente em direção a um fi m e

se fosse orientada de forma a atingir

um e somente um fi m. Assim, o tipo

ideal não descreveria um curso concre-

to de ação, mas um desenvolvimento

normativamente ideal, isto é, um curso

de ação “objetivamente possível”. O tipo

ideal é um conceito vazio de conteúdo

real: ele depura as propriedades dos fe-

nômenos reais desencarnando-os pela

análise, para depois reconstruí-los”

(Tragtenberg, 1997).

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TRAGTENBERG, Maurício. Apresentação. In: Max Weber. Textos selecio-nados. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Economistas).

WEBER, Max. A Ciência como Vocação. In: Ciência e Política: duas voca-ções. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

_______. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. 1ª. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Título original: Die protestantische Ethik und der “Geist”des Kapitalis-mus.

_______. Economia e Sociedade — Fundamentos da Sociologia Compreensi-va. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: UnB, 2004, vol. I e II. Título Original: Wirtschaft und Gesellschaft: Grundriss der verstehenden Soziologie.

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2C — AULAS 4 E 5: ÉMILE DURKHEIM

“O nome e a reputação de Émile Durkheim estão, em geral, associados aos esforços que empreendeu para tornar a sociologia uma disciplina científi ca siste-mática. A permanência de seu pensamento, sua condição de “clássico” das ciências sociais, deve-se, no entanto, a mais que isso. Assenta-se nos conceitos que formulou para compreender a sociedade em seus diferentes estágios, assim como na deter-minação do método mais adequado à explicação dos fatos sociais” (Musse, 2007).

As palavras do professor da USP (Universidade de São Paulo), Ricardo Musse, dão-nos uma pequena ideia do que Durkheim representa para a So-ciologia. Nossa tarefa será, então, apresentar alguns traços de sua trajetória que o levaram a ser reconhecido como fundador dos cursos de Sociologia na França e, ao lado de Marx e Weber, como pai da Sociologia Moderna.

David Émile Durkheim nasceu em 1858 em Épinal, em solo francês. Fi-lho, neto e bisneto de rabinos, experimentou a religiosidade, mas tornou-se agnóstico após mudar-se para Paris, onde estudou no Liceu Louis-le-Grand e, aos vinte e um anos, ingressou na Escola Normal Superior. Infl uenciado pelos diretores da Escola, estudou as instituições de Grécia e Roma e a obra de Montesquieu8, mas, como ainda não havia na França um curso regular de Sociologia9, mudou-se para a Alemanha para completar sua formação.

No retorno ao seu país, Durkheim lecionou Pedagogia e Ciência Social na Faculdade de Letras de Bordeaux. Entretanto, no seu entender, a Sociologia não deveria servir como mero instrumento para outras ciências. Com efeito, a Sociologia seria uma ciência distinta e autônoma e os fatos sociais não po-deriam ser compreendidos afastados de uma cultura especialmente sociológi-ca. O empenho em prol da “independência” da Sociologia foi reconhecido e Durkheim foi nomeado para a Universidade de Sorbonne, em Paris, onde a cátedra de Sociologia foi instituída em 1910.

8. “Para Durkheim, em O Espírito das

Leis, Montesquieu não pretende es-

tudar os homens que governam, mas

sociedades concretas. (...) A leitura

durkheimiana de O Espírito das Leis

evidentemente privilegia o peso das

sociedades sobre os indivíduos, pois

tem por objetivo descobrir em que

medida Montesquieu pode ser tomado

como precursor das Ciências Sociais.”

(Ortiz, 1989)..

9. “A França, apesar de ser, num certo

sentido, a pátria da Sociologia, não

oferecia ainda um ensino regular des-

sa disciplina, que sofreu tanto com a

reação antipositivista do fi m do século

como uma certa confusão com o socia-

lismo – havia uma certa concepção de

que a Sociologia constituía uma forma

científi ca de socialismo” (Rodrigues,

2001).

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Contudo, ainda em Bourdeaux, antes dos quarenta anos de idade, o soció-logo já havia desenvolvido chaves analíticas fundamentais de sua Sociologia: defi niu os fatos sociais e o método mais adequado para estudá-los, bem como traçou a distinção entre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica, apontando para a preponderância progressiva da segunda, fundada na divisão do trabalho, nas sociedades modernas. Em outras palavras, em poucos anos, entre 1893 e 1897, Durkheim publicou três de suas mais importantes obras, A Divisão do Trabalho Social — sua tese principal de doutorado —, As Regras do Método Sociológico e O Suicídio:

Les règles de la méthode sociologique (1895) constitui a primeira obra exclusi-vamente metodológica escrita por um sociólogo e voltada para a investigação e explicação sociológica. É importante ressaltar sua própria posição cronológica: publicada depois de Division du travail social (tese de doutoramento em 1893), seus princípios metodológicos são inferidos dessa investigação (ainda que não fosse trabalho de campo); tais princípios por sua vez são postos à prova e aplica-dos numa monografi a exemplar que é Le suicide (1897), em que a manipulação de variáveis e dados empíricos é feita pela primeira vez num trabalho sociológico sistemático e devidamente delimitado (Rodrigues, 2001).

A passagem de Durkheim por Bordeaux foi marcada ainda pela fundação da revista L’Année Sociologique, que propiciou a formação de um laboratório de pesquisa coletiva sob sua liderança. A publicação tinha como objetivo, mais do que difundir literatura especifi camente sociológica, informar sobre as pesquisas em áreas como História e Economia, que serviriam de material para a construção da Sociologia.

Como ocorrera com Marx e Weber, importantes trabalhos de Durkheim foram publicados após o seu falecimento, em 1917, com base em manus-critos, aulas e artigos dispersos. É o caso de Lições de Sociologia (1950), que conheceremos em nossas aulas. (Foto: Fernando Fontainha no túmulo de Émile Durkheim — Cimetière de Montparnasse, Paris, setembro de 2009).

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ÉTICA E SOCIOLOGIA DA MORAL E LIÇÕES DE SOCIOLOGIA

Nascido em 1858, Durkheim cresceu em uma França marcada por guerras contra a Prússia motivadas pela disputa pelo domínio sobre a região da Alsá-cia-Lorena, justamente onde se situava sua cidade-natal. A derrota de 1870, com a perda de uma parte da Lorena e a captura de Napoleão III, signifi cou o fi m do II Império Francês e a instituição da III República, que sobreviveu às primeiras décadas do século XX, perdurando até a Segunda Guerra Mundial.

O cenário, descrito por José Albertino Rodrigues (2001), é de rompimen-to com tradições, com a instituição do divórcio e a proibição do ensino de religião nas escolas públicas, o que, aos olhos de Durkheim aparecia como um vazio na consciência moral dos franceses. Esta preocupação com a moral é tema dos dois textos selecionados para a leitura nesta disciplina, o primeiro destacado de Ética e Sociologia da Moral e o segundo de Lições de Sociologia.

Ética e Sociologia da Moral foi publicada logo no início da carreira do sociólogo, no ano de seu retorno da Alemanha. Durkheim, recorrendo às refl exões do jurista Rudolf Von Jhering e de outros notáveis alemães, descreve os esforços empreendidos naquele país para a constituição de uma ciência da moral. O tom parece ser o de esperança quando Durkheim conclui que exis-te uma nascente ciência da moral e que um dia ela poderá estar a tal ponto evoluída, que a teoria poderá nortear a prática.

Publicada apenas meados do século XX10, Lições de Sociologia reúne aulas ministradas por Durkheim em Bordeaux e em Sorbonne. A obra é iniciada por três lições em que o sociólogo aborda a moral profi ssional, que se distingue da moral comum principalmente por sua violação ser vista com signifi cativa indul-gência por parte da consciência pública. Em seguida, apresentam-se seis lições sobre a moral cívica, que rege as relações do indivíduo com a sociedade política (marcada pela presença de uma autoridade governante e pela pluralidade de grupos sociais). Quatro lições tratam da regra moral que resguarda o direito de propriedade individual, sendo complementadas por outras quatro lições que versam sobre direito contratual. Por último, mas não menos importante, mere-ce menção a décima lição, que, por meio do exemplo do homicídio, estimula a refl exão sobre os deveres que, segundo Durkheim, se impõem ao homem, independentemente do grupo a que ele pertença e do local em que ele esteja.

REFERÊNCIAS

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Compa-nhia Editora Nacional, 1972.

_______. Da Divisão do Trabalho Social. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

10. Os manuscritos intitulados Física dos

Costumes foram cedidos pelo etnólogo

Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim,

à Faculdade de Direito da Universidade

de Istambul, responsável pela publica-

ção original de Lições de Sociologia.

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_______. Ética e Sociologia da Moral. São Paulo: Landy, 2003._______. Lições de Sociologia. Trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fon-

tes, 2002. Título original: Leçons de Sociologie.MUSSE, Ricardo. Apresentação e Comentários. In: Émile Durkheim. Fato social

e divisão do trabalho. São Paulo: Ática, 2007. (Ensaios Comentados).RODRIGUES, José Albertino. Introdução. In: Durkheim. Sociologia. São

Paulo: Ática, 2001. (Grandes Cientistas Clássicos).

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2D — AULA 7: TOCQUEVILLE E O JUDICIÁRIO AMERICANO NO SÉCULO XIX

ALEXIS DE TOCQUEVILLE

IGUALDADE E LIBERDADE

Alexis de Tocqueville nasceu em 1805, em Paris, no seio de uma família nobre marcada pelos desdobramentos da Revolução Francesa de 1789. O jovem Alexis quase perdeu o pai, o historiador e político Hervé de Tocque-ville, para a guilhotina, o que só não ocorreu graças ao 9 Th ermidor. O avô de Hervé, o também político Lamoignon de Malesherbes, não teve a mesma sorte. Por sua defesa de Luís XVI, ele e outros entes queridos foram presos e guilhotinados entre 1793 e 1794.

Em sua análise sobre as causas da Revolução publicada em 1847, Hervé de Tocqueville concentra-se na deterioração dos laços entre a monarquia e a aristocracia francesas, ressaltando as reivindicações liberais da nobreza não atendidas pelo absolutista Luís XV (Furet, 2005). Pode-se dizer que, em algu-ma medida, Alexis seguiu os passos do pai, colocando a aristocracia, em sua complicada relação com a democracia, no centro de sua obra. No entanto, engana-se quem, olhando para esse histórico familiar, deduza que o nosso personagem tenha se tornado avesso a qualquer transformação que afrontasse as estruturas aristocráticas. A leitura de A Democracia na América será crucial para evitar tal engano.A viagem aos Estados Unidos que permitiu que Ale-xis de Tocqueville escrevesse sua primeira grande obra ocorreu entre 1831 e 1832. Àquela altura, Tocqueville já havia obtido o grau de Licenciado em Di-reito na Universidade de Paris, havia sido nomeado juiz-auditor em Versalhes e assistido a cursos sobre a história da civilização europeia, lecionados por François Guizot na Universidade de Sorbonne. Tocqueville foi acompanhado do amigo e também magistrado Gustave de Beaumont, ambos atribuídos do estudo das instituições penitenciárias americanas.

Nos anos que seguiram o retorno à França, os dois amigos publicaram o relatório sobre o sistema penitenciário americano (1833) e Tocqueville o pri-

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meiro volume de A Democracia na América (1835). Após viagens à Inglaterra, onde conheceu sua esposa, e à Suíça, Tocqueville passou a experimentar os sabores e dissabores de uma carreira política.

Eleito deputado do distrito de Valognes e membro da comissão encarregada de elaborar a Constituição após a Revolução de Fevereiro de 1848, Tocquevil-le atuou coerentemente com seus escritos, em prol da liberdade dos cidadãos franceses. No seu entender, os poderes estatais só deveriam prevalecer quando em nome da garantia das liberdades fundamentais. Assim, sustentou que a educação fosse obrigatória e assegurada pelo Estado, mas sem que se interferis-se na autonomia pedagógica das escolas. Defendeu, ainda, a descentralização administrativa e a liberdade de imprensa e relatou leis em favor da reforma prisional e da abolição da escravatura nas colônias, embora não abrisse mão da dominação da Argélia, vista como importante para a grandeza da França.

Neste cenário, Tocqueville fez viagens à Argélia e à Alemanha, foi eleito para a Academia Francesa e novamente para mandato legislativo e ocupou o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo republicano de Luís Napoleão Bonaparte. Ocorre que, com o advento do golpe de Estado de Luís Bonaparte, Tocqueville redigiu manifesto contrário ao golpe e em afronta ao poder autoritário do então Napoleão III, o que acarretou em sua prisão.

Se por um lado Tocqueville viu interrompida sua carreira política, por outro, passou a dedicar-se à sua segunda grande obra, O Antigo Regime e a Revolução. O autor reconhece a Revolução Francesa como parte de um processo de desenvolvimento da democracia, na medida em que extirpou as instituições políticas aristocráticas e feudais e ergueu uma ordem social e po-lítica fundada na igualdade de condições. Porém, alerta, como já havia feito em A Democracia na América, para os perigos da confi guração de um Estado excessivamente centralizado, sem participação dos cidadãos na política e na administração pública. O Antigo Regime e a Revolução foi publicado em 1856, cerca de três anos antes de Alexis de Tocqueville falecer.

A DEMOCRACIA NA AMÉRICA

É sabido que Tocqueville viajou aos Estados Unidos da América com a atribuição de estudar o sistema prisional daquele país. É sabido também que, na época da viagem, Tocqueville vivia um momento de desconforto na Fran-ça — com o advento da Revolução de 1830 e a lei de 31 de agosto do mesmo ano, que impunha o juramento ao novo rei. Contudo, foram estes realmente os principais motivos de sua viagem? Teriam as refl exões desenvolvidas em A Democracia na América surgido somente em solo americano? O historiador francês François Furet traz à baila carta em que o próprio Tocqueville admite que a resposta para as duas indagações é negativa:

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“Não foi portanto sem ter refl etido maduramente a esse respeito que me aba-lancei a escrever o livro que ora estou publicando. Não dissimulo em absoluto o que há de incômodo na minha posição: ele não deve atrair para mim as simpa-tias vivas de ninguém. Uns acharão que no fundo eu não gosto da democracia e que sou severo para com ela; outros pensarão que favoreço imprudentemente o seu desenvolvimento. O que haveria de mais feliz para mim seria que não se lesse o livro, e essa é uma felicidade de que talvez desfrutarei. Sei de tudo isso, mas eis a minha resposta: há dez anos venho pensando parte das coisas que logo lhe exporei. Fui para a América apenas para me esclarecer sobre esse ponto. O sistema penitenciário era um pretexto: tomei-o como um passaporte que me permitiria penetrar em todos os lugares dos Estados Unidos” (Tocqueville, apud, Furet, 2005).

Mais uma vez, as palavras do autor podem nos ajudar a identifi car o moti-vo pelo qual os Estados Unidos foram escolhidos como seu objeto de análise:

“Portanto, não é apenas para satisfazer a uma curiosidade, de resto legítima, que examinei a América; quis encontrar ali ensinamentos que pudéssemos apro-veitar. Enganar-se-ia estranhamente quem pensasse que quis fazer um panegí-rico; quem ler este livro fi cará convencido de que não era esse o meu desígnio. Meu objetivo não foi tampouco preconizar determinada forma de governo em geral, porque sou dos que acreditam que não há quase nunca uma qualidade absoluta nas leis; nem mesmo pretendi julgar se a revolução social, cuja marcha parece-me irresistível, era vantajosa ou funesta para a humanidade; admiti essa revolução como um fato consumado ou prestes a consumar-se e, entre os povos que a viram produzir-se em seu seio, procurei aquele em que ela alcançou o desenvolvimento mais completo e mais pacífi co, a fi m de discernir claramente suas conseqüências naturais e perceber, se possível, os meios de torná-la provei-tosa para os homens. Confesso que vi na América mais que a América; procurei nela uma imagem da própria democracia, de suas propensões, de seu caráter, de seus preconceitos, de suas paixões; quis conhecê-la, ainda que só para saber pelo menos o que devíamos dela esperar ou temer” (Tocqueville, 2005).

É interessante notar que, no entender de Tocqueville, sua obra poderia ser interpretada de maneiras diametralmente opostas: seus leitores poderiam enxergá-lo tanto como um defensor incondicional quanto como um crítico ferrenho da democracia. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, Tocqueville enxergava que as nações inexoravelmente caminhariam rumo à democracia, mas advertia que a igualdade de condições poderia representar uma ameaça à liberdade. No continente americano, no país que havia feito a revolução social sem a revolução das armas, Tocqueville acreditava ter encontrado pos-

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síveis antídotos para essa incompatibilidade. No entanto, com seu estudo, não desejava prescrever uma receita a ser copiada por outros países, mas jogar luz no funcionamento e efeitos das instituições estadunidenses, de maneira que se aproveitasse o que conviesse a cada processo de desenvolvimento de-mocrático.

A Democracia na América divide-se em dois volumes. No primeiro, intitu-lado Leis e costumes e publicado em 1835, com uma descrição detalhada das instituições, Tocqueville examina as principais características da democracia nos Estados Unidos e suas consequências no que tange ao governo, às leis e à administração dos negócios públicos. Assim, há textos sobre cada um dos três poderes republicanos — como os selecionados para a leitura nesta disciplina —, sobre direitos fundamentais e sobre a descentralização de poderes para os estados, que se revela como um ponto crucial para se compreender a relação entre igualdade e liberdade nos Estados Unidos. No segundo volume, Senti-mentos e Opiniões, publicado cinco anos mais tarde, o autor procura demons-trar a infl uência do estado social democrático sobre o movimento intelectual, hábitos, ideias e sentimentos da sociedade estadunidense e a infl uência que tais ideias e sentimentos, por sua vez, exerciam sobre a política.

Se houver sinceridade na declaração de Tocqueville de que seria mais feliz se A Democracia na América não fosse lido, ele não estaria exultante se vivesse no Brasil atualmente. Ora, o livro é estudado em cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Sociais, já foi citado em decisões de diferentes Mi-nistros do Supremo Tribunal Federal11 e possui edições publicadas por pelo menos quatro editoras brasileiras12.

REFERÊNCIAS

FURET, François. Prefácio, Bibliografi a e Cronologia. In: TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. v. 1. p. XI-LVI. Título Original: De la Démocratie en Amérique.

OLIVEIRA, Isabel de Assis Ribeiro. Teoria Política Moderna: uma introdu-ção. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.

QUIRINO, Célia Galvão. Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 11. ed. São Paulo: Ática, 2006. v. 2. p.149-160.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. Leis e Costumes. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. v. 1. Título Original: De la Démocratie en Amérique.

11. Vide a Arguição de Descumprimento

a Preceito Fundamental 130 e a Ação

Direta de Inconstitucionalidade 3367,

entre outras ações.

12. Companhia Nacional, Edusp/Itatiaia,

Folha de São Paulo e Martins Fontes.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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_______. A Democracia na América. Sentimentos e Opiniões. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. v. 2. Título Original: De la Démocratie en Amérique.

_______. O Antigo Regime e a Revolução. Trad. Yvone Jean. 4. ed. Brasília: UnB, 1997. Título Original: L’Ancien Regime et La Revolution.

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2E — AULA 8: JUDICIALIZAÇÃO E CRISE REPUBLICANA

O LIVRO E SEUS AUTORES

Luiz Jorge Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos integram o Cedes (Centro de Estudos de Direito e Sociedade)13, os três primeiros como coordenadores e o último como membro de seu conselho consultivo. O Cedes apresenta-se não somente como um centro de pesquisas — que, diante do declínio da esfera pública tradicional, busca compreender os espaços para o exercício da soberania popular e as novas formas de aquisição de direitos —, mas também como um centro de divulgação de conhecimentos e de animação da vida associativa popular.

O Cedes não é, contudo, a única instituição que liga os quatro douto-res em Sociologia. Todos cursaram o doutorado no Iuperj, com a exceção de Werneck Vianna, doutor pela USP (Universidade de São Paulo). Porém, Werneck Vianna foi professor do Instituto por nada menos que trinta anos, tendo inclusive orientado as teses de doutorado de Manuel Palacios e Marce-lo Burgos, bem como a dissertação de mestrado de Luanda Botelho, coautora deste material didático.

Os anos de Iuperj foram muito frutíferos para a parceria entre os quatro estudiosos. Em 1995, foi publicado o primeiro livro assinado pelo grupo, O Perfi l do Magistrado Brasileiro, que divulgou os dados obtidos pela primeira parte de uma pesquisa sobre a magistratura e o Poder Judiciário brasileiros, encomendada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) ao Ins-tituto. O impressionante número de 3.927 magistrados, ativos e inativos, respondeu ao questionário formulado pelos pesquisadores.

Pouco tempo depois, foi publicado Corpo e Alma da Magistratura Bra-sileira, que se baseou nos dados da mesma pesquisa. Entretanto, no novo livro, além de sistematizar informações sobre o perfi l e a trajetória familiar,

13. O Cedes é um centro de estudos

atualmente associado à PUC-Rio (Pon-

tifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro). No entanto, até 2010, o Ce-

des era associado ao Iuperj (Instituto

Universitário de Pesquisas do Rio de

Janeiro). A mudança se deu por ocasião

da absorção de quase todos os profes-

sores e todos os alunos do Iuperj pela

Uerj (Universidade do Estado do Rio

de Janeiro), onde fundaram um novo

Instituto, o Iesp (Instituto de Estudos

Sociais e Políticos). Luiz Werneck Vian-

na participou da fundação do Iesp, mas

optou por seguir para a PUC-Rio, junta-

mente com o Cedes.

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acadêmica e profi ssional dos magistrados, os autores procuram estabelecer correlações estatísticas entre as respostas dadas nos questionários. Neste pas-so, foram construídos indicadores que mapeiam as opiniões dos magistrados sobre os papéis do Estado, em especial quanto ao uso de políticas sociais como instrumento redistributivo, sobre a organização e a atuação do Poder Judiciário e sobre a própria magistratura.

Em 1999, os autores trouxeram a público os resultados da segunda par-te da pesquisa. Naquele ano, Werneck Vianna, Maria Alice de Carvalho, Manuel Palacios e Marcelo Burgos lançaram o seu trabalho conjunto mais relevante: A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. A afi rma-ção da relevância do trabalho não é exagerada. De fato, àquela altura, entre nós, o tema ainda não aparecia com destaque na academia14. No entanto, o destaque seria merecido, pois como bem observaram os autores, o Judiciário se mostrava “uma instituição central à democracia brasileira, quer no que se refere à sua expressão propriamente política, quer no que diz respeito à sua intervenção no âmbito social” (Vianna, et. al., 1999).

A partir de então, mais estudiosos passaram a se concentrar na questão da judicialização, seja no campo das políticas públicas, seja no das relações trabalhistas, entre outros15. O papel do Poder Judiciário suscita debates acalo-rados, colocando em lados opostos aqueles que valorizam o Poder como uma nova arena para o exercício da democracia e da cidadania, como o próprio Werneck Vianna — que segue se manifestando sobre o tema por meio de artigos, entrevistas e palestras —, e os que o acusam de usurpador de compe-tências dos demais Poderes16.

Independentemente da posição que se assuma ante os diferentes aspectos do fenômeno da judicialização, cumpre reconhecer os méritos de A Judiciali-zação da Política e das Relações Sociais no Brasil. O livro, além de explicar cau-sas, expor os eixos procedimentalista e substancialista de análise do fenômeno e situar a Constituição de 1988 no debate, apresenta e examina os resultados da pesquisa que abrange todas as mil novecentos e trinta e cinco ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas entre a promulgação da Constituição e o fi nal do ano de 1998 e dados sobre a institucionalização dos Juizados Espe-ciais no Brasil e sobre o seu funcionamento no Rio de Janeiro.

Posteriormente, o artigo Dezessete Anos de Judicialização da Política, de au-toria de Werneck Vianna, Marcelo Burgos e Paula Martins Salles, ampliou a abrangência da análise das ações diretas de inconstitucionalidade até o ano de 2005. No artigo, conclui-se que, em nosso país, tais ações constituem, além de instrumento para a defesa das minorias, recurso institucional estratégico de governo. Segundo seus autores, as ações diretas de inconstitucionalidade fazem parte do cotidiano de nossa democracia, solucionando confl itos entre a sociedade e o Estado e no interior da própria Administração.

14. “Inexiste um esforço sistemático que

se oriente ao estudo das grandes trans-

formações doutrinárias e intelectuais

em curso – e não apenas ocorridas

no campo do direito –, resultantes da

exposição do direito, suas instituições e

procedimentos a demandas crescentes

dos cidadãos, com freqüência represen-

tadas por intérpretes vinculados à esfe-

ra pública, como o Ministério Público e

a Defensoria Pública” (Portal do Cedes).

Apesar da reconhecida falta de desta-

que concedida ao tema, não se podem

ignorar os trabalhos que antecederam

A Judicialização da Política e das Rela-

ções Sociais no Brasil, como Política e

Economia no Judiciário, de Marcus Faro

de Castro, e A Judicialização da Politica

no Brasil, de Ariosto Teixeira.

15. Citem-se alguns livros e artigos que

tratam do tema da judicialização:

Ministério Público e Judicialização da

Política, de Cássio Casagrande, Judicia-

lização ou Representação?, de Thamy

Pogrebinschi, Sentidos da Judicializa-

ção, de Débora Alves Maciel e Andrei

Koerner, Judicialização e Privatizações

no Brasil, de Vanessa Elias de Oliveira,

e Os Partidos dentro e fora do Poder, de

Matthew Taylor e Luciano Da Ros.

16. No dia 12 de abril de 2011, o Supre-

mo Tribunal Federal, no julgamento

da Arguição de Descumprimento a

Preceito Fundamental n. 54, decidiu

que, nos casos de fetos anencefálicos, a

interrupção da gravidez não se enqua-

draria no art. 124 do Código Penal que

criminaliza o aborto. No dia seguinte,

no programa de rádio a Voz do Brasil,

um parlamentar afi rmou que iria pro-

por uma Emenda Constitucional que

acrescentasse à Constituição um dispo-

sitivo que permitisse que o Congresso

Nacional anulasse decisões do Supre-

mo que invadissem a competência do

Poder Legislativo. A afi rmação é curiosa

não apenas por levantar a indagação de

quem seria o responsável por diagnos-

ticar a suposta invasão (seria o próprio

Congresso?), mas principalmente por-

que o Supremo Tribunal Federal pode

declarar a inconstitucionalidade de

emendas constitucionais...

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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REFERÊNCIAS

VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de Judicialização da Política. Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 2, nov. 2007.

VIANNA, Luiz Werneck; et. al. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1997.

_______. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

Currículo Lattes de Luiz Werneck Vianna. Acesso em: 08 abr. 2012. Dispo-nível em: http://lattes.cnpq.br/1944208293448093.

Currículo Lattes de Maria Alice Rezende de Carvalho. Acesso em: 08 abr. 2012. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/2473628350274931.

Currículo Lattes de Manuel Palacios Cunha Melo. Acesso em: 08 abr. 2012. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/0871769445993260.

Currículo Lattes de Marcelo Baumann Burgos. Acesso em: 08 abr. 2012. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/7419302491760122.

Sítio virtual do Centro de Estudos de Direito e Sociedade. Disponível em: http://www.soc.puc-rio.br/cedes/. Acesso em 08 abr. 2012.

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2F — AULAS 9 E 10: PIERRE BOURDIEU

DA FILOSOFIA À SOCIOLOGIA E O PODER SIMBÓLICO

Nascido em agosto de 1930 em Béarn, região rural no sudoeste da França, Pierre Bourdieu era descendente de uma família de agricultores e cresceu ao lado de fi lhos de camponeses, de operários e de pequenos burgueses. O des-taque do jovem aluno Bourdieu no ensino médio rendeu-lhe uma bolsa de estudos que lhe permitiu, assim como Durkheim, preparar-se para o ingresso na Escola Normal Superior no Liceu Louis-le-Grand de Paris, instituição de ensino concorrida, onde os melhores alunos da França imergiam nos estudos.

Na Escola Normal Superior, Bourdieu matriculou-se em Filosofi a, dedicando-se principalmente ao estudo da Lógica e da História da ciência. Em 1954, gradu-ado como fi lósofo, passou a lecionar no Liceu de Moulins. Contudo, cerca de um ano depois, sua carreira acadêmica foi interrompida pelo chamado militar. Em-bora tenha sido convocado para Versalhes, por razões disciplinares, acabou sendo integrado à missão de pacifi cação da Árgelia, ainda colônia francesa na época.

Bourdieu foi professor na Universidade da Argélia, porém, foi novamente obrigado a abandonar a universidade em que trabalhava, desta vez, em de-corrência do golpe pró-colônia, que colocava em risco a vida de franceses no continente africano. Em seu retorno à França, Bourdieu passou a lecionar na Universidade de Sorbonne e, em seguida, na Universidade de Lille, onde ministrou cursos sobre Marx, Weber e Durkheim. Ocupou também os car-gos de diretor de pesquisas na École des Hautes Études en Sciences Sociales, professor do Collège de France e diretor da revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales e do Centre de Sociologie Européenne.

Em O Legado Sociológico de Pierre Bourdieu (2002), o sociólogo francês Loïc Wacquant revela como cada etapa da trajetória pessoal de Bourdieu infl uenciou a trajetória intelectual, levando-o a caminhar da Filosofi a para as Ciências So-ciais. Vejamos, então, algumas das principais observações de Wacquant.

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É interessante notar que até a infância de Bourdieu está refl etida em sua obra. De fato, seu último livro publicado, Le bal des célibataires, tem como ob-jeto justamente a sociedade camponesa em que vivera, com foco na crise gerada pelas transformações nas estratégias maritais e relações de gênero em Béarn.

Passando ao período em que Bourdieu viveu em Argélia, Wacquant afi r-ma categoricamente que o contato com as marcas das guerras debeladas pela França contra o nacionalismo argelino “mudou o destino intelectual de Bourdieu para sempre: a experiência despertou seu interesse pela sociedade argelina, de um ponto de vista político e científi co, e promoveu, na prática, sua conversão da Filosofi a para a Ciência Social” (2002). Com efeito, seu primeiro livro, Sociologie de l’Algérie, escrito em 1957, conjugando História, Etnologia e Sociologia, chama a atenção para as contradições da sociedade colonizada argelina e para as desilusões do movimento nacionalista. Também em solo argelino, em regiões que estiveram à frente das guerrilhas naciona-listas, Bourdieu empreendeu seus primeiros inquéritos antropológicos, que resultaram nos trabalhos Travail et travailleurs en Algérie e Le déracinement. Com aparato etnográfi co e estatístico, Bourdieu, mais uma vez, aborda as questões do capitalismo colonial e da luta de libertação nacional.

O regresso à França não signifi cou o rompimento de Bourdieu com a ex-periência vivida na Argélia, nem no que tange ao país enquanto seu objeto de estudo — realizando, em seus meses de férias, pesquisa de campo em áreas rurais e urbanas argelinas —, tampouco quanto à preocupação metodológica com as condições sociais e operações concretas de construção de seu objeto. Conforme aponta Wacquant, “essa era uma exigência prática incontornável, às vezes mes-mo uma questão de vida ou morte, na Argélia beligerante” (2002). A relação entre o observador e seu objeto aparece como tema em diversos trabalhos de Bourdieu, dentre eles Esquisse d’une théorie de la pratique e Le métier de sociologue.

Em uma década marcada não somente pela descolonização da Argélia, mas também pelas manifestações de maio de 1968 e pela disputa entre os intelectuais no campo cultural francês, Bourdieu, aproveitando as infl uências de Marx, Weber, Durkheim e Bachelard, consolidou um quadro teórico original associado à produ-ção de novos objetos de pesquisa. Fundador do Centre de Sociologie Européenne, Bourdieu incentivou e conduziu investigações sobre as relações entre cultura, po-der e desigualdades sociais. Analisou as formas de apropriação de objetos culturais por diferentes grupos sociais e o papel do sistema de ensino na reprodução das desigualdades, revelando um espaço social organizado simultaneamente pelo ca-pital econômico e pelo capital cultural. Wacquant, atento às lições de Bourdieu, esclarece que é a distribuição desses capitais que defi ne as oposições propulsoras “de confl ito nas sociedades avançadas, aquelas entre as classes dominantes e as dominadas (defi nidas pelo volume de seu capital), e aquelas entre frações rivais da classe dominante (opostas pela composição de seu capital)” (2002). Assim, foram

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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gestadas algumas de suas mais importantes obras, como La distinction e Th e Logic of Practice.

Neste cenário, Bourdieu desenvolveu conceitos que aparecem em O Poder Simbólico, coletânea de textos de onde selecionamos A Força do Direito e que reúne outros artigos e conferências proferidas pelo autor. Para a nossa leitura da sociologia do campo jurídico, merecem destaque três conceitos. O primeiro, que atravessa toda a coletânea, é o de poder simbólico, “o poder quase mági-co que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específi co de mobilização, só se exerce se for reco-nhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário” (Bourdieu, 2007). O segundo é o conceito de habitus, que, “como indica a palavra, é um conhecimento adqui-rido e também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural —, mas sim o de um agente em acção” (Bourdieu, 2007). Por último, mas não menos importante, a ferramenta analítica de campo designa, como bem sin-tetiza Wacquant, “espaços relativamente autônomos de forças objetivas e lutas padronizadas sobre formas específi cas de autoridade, para dar força à estática e reifi cada noção de estrutura e dotá-la de dinamismo histórico” (2002).

Apesar de ter se tornado o cientista social mais citado do mundo17, Bourdieu evitou as possíveis distrações proporcionadas pela fama, sempre com vistas a preservar sua autonomia científi ca, que enxergava como pilar para uma socio-logia rigorosa. No mesmo passo, procurou consolidar instituições científi cas alheias à interferência estatal e às regras de mercado, como o periódico já citado Actes de la recherche en science sociales e a Raisons d’agir Editions, que, denuncian-do os males da globalização neoliberal, contestava a restrição das políticas do Estado de Bem-Estar Social na Europa. Bourdieu faleceu em 2002 e os últimos anos de sua vida foram marcados por esta resistência da autonomia intelectual, bem como por uma atuação que inspirou os mais diversos movimentos sociais, voltada a combater o neoliberalismo e a defender os desempregados, os desabri-gados e os imigrantes ilegais. (Foto: Fernando Fontainha no túmulo de Pierre Bourdieu — Cimetière du Père Lachaise, Paris, setembro de 2010).

17. Apesar desse dado trazido por

Wacquant, considerando-se a vasta

produção de Bourdieu, não são muitos

os seus trabalhos que foram traduzidos

para a língua portuguesa.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

FGV DIREITO RIO 35

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 10. ed. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. Título original: Le pouvoir symboli-que.

WACQUANT, Loïq J. D.. O Legado Sociológico de Pierre Bourdieu: duas dimensões e uma nota pessoal. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 19, nov. 2002. Acesso em: 02 maio 2012. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782002000200007.

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2G — AULA 11: RITUALÍSTICA FORENSE, O DIREITO E SEUS SÍMBOLOS

ANTOINE GARAPON

BREVES LINHAS SOBRE OS DIVERSOS TRABALHOS DE GARAPON

Antoine Garapon, nascido em 1952, é um jurista francês, doutor em Di-reito, que foi durante muitos anos juiz do Tribunal de Menores. Atualmente, Garapon pertence ao comitê de redação da revista Esprit, publicação mensal fundada em 1932 que se dedica à análise de transformações políticas, sociais e culturais, na França e no mundo. O primeiro artigo que Garapon publicou na revista, nos idos anos de 1985, tratou da perseguição a intelectuais na Iugos-lávia e, desde então, o autor mantém o seu olhar de jurist a direcionado para a cena política internacional, abordando temas como o pós-guerra em Kosovo, o exército francês e a Argélia, o julgamento de Milosevic, direito internacional e terrorismo e a prevenção de genocídios como o que ocorrera em Ruanda.

Desde 1991, Garapon integra também a equipe permanente do Institut des Hautes Études sur la Justice, que propõe uma refl exão pluridisciplinar e trans-nacional sobre a evolução do Direito e da Justiça. O instituto, criado com a fi nalidade de aproximar a pesquisa das necessidades práticas dos profi ssionais da Justiça, organiza suas atividades em cinco programas: Politiques de justice, Cultures judiciaires comparées, Régulation de la mondialisation, Justice pénale in-ternationale e Images et représentations de la justice. Garapon, além de secretário geral do instituto, é responsável por um destes programas, o Cultures judiciaires comparées. Por meio de seminários internacionais e da elaboração de novos ma-teriais pedagógicos sobre o tema, procura-se acompanhar a virada epistemoló-gica observada no campo jurídico, que prioriza, ao invés do direito positivo, a justiça, entendida como realidade social concreta. Por isso se fala em “culturas judiciárias comparadas” e não apenas em “direito comparado”. Com esta men-talidade, eleva-se o processo acima do direito, o procedimento acima de princí-pios abstratos, os fatos e a verdade acima da argumentação jurídica.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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A realização de todas essas atividades não tirou de Garapon o fôlego para escrever livros. Inúmeros títulos de sua obra podem ser encontrados em lín-gua portuguesa, como Os Juízes na Mundialização, A Justiça e o Mal, Punir em Democracia, Crimes que não se Podem Punir nem Perdoar e O Juiz e a Democracia. Entre nós, Luiz Werneck Vianna defi niu O Juiz e a Democracia como “um livro para fi car”, destacando-o como um dos principais exempla-res de toda uma produção voltada a examinar a crescente presença do Direito nos mais diversos aspectos da vida social. Com efeito, em A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil, Werneck Vianna e seus co-autores recorrem a Garapon para construir um dos possíveis eixos de análise do fenô-meno da judicialização.

Em Bem Julgar — ensaio sobre o ritual judiciário, Garapon faz revelações sobre os ritos dos processos submetidos à Justiça. O livro divide-se em duas partes. Na primeira, sobre a qual nos debruçaremos, o autor refl ete sobre o espaço, o tempo, a toga, os atores, os gestos e o discurso judiciário, recorren-do a uma comparação entre os sistemas judiciários na França e nos Estados Unidos. Na segunda, Garapon procura respostas para a indagação: “Pode a Justiça prescindir da encenação?” e analisa a complicada relação entre a Jus-tiça e os meios de comunicação. A bibliografi a utilizada por Garapon na fei-tura deste trabalho é vasta, mas ele confere destaque a obras como A Oresteia, de Ésquilo, Totem e tabu, de Freud, e O Processo, de Kafka, “isto para mostrar que os juristas — sobretudo em França — têm todo o interesse em ouvir aquilo que os não-juristas têm para lhes dizer” (Garapon, 1997).

REFERÊNCIAS

GARAPON, Antoine. Bem Julgar. Ensaio sobre o ritual judiciário. Trad. Pe-dro Filipe Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. Título original: Bien Juger.

_______. O Juiz e a Democracia. O guardião das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho. 2. ed. Rio de janeiro: Revan, 2001. Título original: Les gardien des promesses.

VIANNA, Luiz Werneck; et. al. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

Sítio virtual da Revue Esprit. Acesso em 14 maio 2012. Disponível em: http://www.esprit.presse.fr/.

Sítio virtual do Institut des Hautes Études sur la Justice. Disponível em: http://www.ihej.org/. Acesso em 14 maio 2012.

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2H — AULA 12: INTERAÇÃO E COMPETIÇÃO ENTRE OS JURISTAS

MARIA DA GLÓRIA BONELLI

MARIA DA GLÓRIA BONELLI E A SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES JURÍDICAS

Maria da Glória Bonelli é uma cientista social nascida no Rio de Janeiro, no ano de 1957. Segundo ela (2012), os principais motivadores da escolha de sua carreira foram as aulas de Sociologia no colégio e uma percepção crítica da ditadura militar que, por infl uência de amigos atuantes no movimento estu-dantil, acabou canalizada nas Ciências Sociais. Assim, Bonelli foi aluna da gra-duação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre 1976 e 1979.

A cientista social deu continuidade à sua formação acadêmica em quatro instituições distintas. Cursou o mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), o doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e obteve o título de pós-doutora pela American Bar Foundation e pelo instituto Internacional de Sociologia Política. Ainda no doutorado, Bo-nelli prestou concurso para a Universidade Federal de São Carlos (UFScar), onde lecionou e pesquisou como professora adjunta até 2006, ano em que se tornou professora titular da instituição em que atua até hoje.

Foi também durante o doutorado que Bonelli se aproximou do tema das pesquisas que realiza: a sociologia das profi ssões. Em um primeiro momento, como pesquisadora em um grande projeto sobre a história das Ciências Sociais no Brasil do extinto Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp). Em seguida, no período em que estudou nos Estados Unidos.

A escolha das profi ssões jurídicas como seu objeto de pesquisa também foi condicionada pelos trabalhos no Idesp. Com efeito, o Instituto recebeu fi -nanciamento da Fundação Ford para, por meio de pesquisa empírica, estudar o sistema de Justiça brasileiro e seus profi ssionais. O estudo fl oresceu em me-ados da década de 1990, ao mesmo tempo em que os debates sobre a reforma do Poder Judiciário ocupavam maior espaço no cenário político nacional.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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O artigo A Competição Profi ssional no Mundo do Direito, publicado na revista de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) em 1998, é fruto de pesquisa que Bonelli desenvolveu com o intuito de articular este projeto de âmbito nacional do Idesp com suas atividades docentes na UFSCar. Fo-ram realizadas entrevistas com juízes, advogados, funcionários de cartório, promotores de justiça e delegados de polícia de uma comarca de médio porte do interior do Estado de São Paulo com o intuito de identifi car a dinâmica das disputas e confl itos entre eles. Não obstante ter contado com o auxílio de alunos em iniciação científi ca, Bonelli relata que a maior difi culdade que encontrou foi a falta de disponibilidade dos profi ssionais estudados.

Atualmente (2012), a professora coordena cinco projetos de pesquisa re-lacionados ao campo da sociologia das profi ssões jurídicas: Profi ssões Jurídicas e Sistema de Justiça, Processos de Profi ssionalização Contemporâneos, Expertise Jurídica ou Ingerência Política, Profi ssionalismo e Gênero nas Carreiras Jurídicas e Os Despachantes na Sociedade Brasileira.

REFERÊNCIAS

BONELLI, Maria da Glória. A Competição Profi ssional no Mundo do Di-reito. Tempo Social, n. 10, v. 1, p. 185-214, 1998.

_______. Perguntas [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 25 maio 2012.

Currículo lattes de Maria da Glória Bonelli. Acesso em 23 maio 2012. Dis-ponível em: http://lattes.cnpq.br/1739441747281321.

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2I — AULA 13: LEGALIDADE COTIDIANA E O “SENSO COMUM JURÍDICO”

SUSAN SILBEY

UMA ESTUDIOSA DO DIREITO NA VIDA COTIDIANA

Dona de um currículo extenso e muito premiado, Susan Silbey é profes-sora e chefe do departamento de Antropologia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Dentre os projetos que Silbey coordena no Instituto, destaca-se Law in Everyday Life, uma exposição sobre a presença do Direito na vida cotidiana que contempla tanto os sinais mais visíveis desta presença, quanto aqueles que não costumam ser percebidos.

Com efeito, o campo da Sociologia do Direito é caro à professora, que em 1998 publicou o livro Th e Commom Place of Law: stories from everyday life18. O livro procura responder questões como: Por que algumas pessoas levam aos tribunais disputas simples, como o incômodo causado pelos latidos do cachorro do vizinho, enquanto outras aceitam ofensas mais sérias, como a discriminação, sem procurar socorro judicial? A investigação empreendida pela autora envolveu entrevistas com mais de quatrocentas pessoas de con-textos sociais diversos para entender como elas se relacionam com o Direito.

O artigo selecionado para leitura neste curso, Everyday Life and the Cons-titution of Legality, retoma os resultados da pesquisa realizada por Silbey. Ele foi publicado em 2005 no livro Th e Blackwell Companion to the Sociology of Culture, integrante de uma coletânea de Sociologia19 que busca introduzir tópicos emergentes nos debates entre os estudiosos da área. Neste volume sobre a Sociologia da Cultura, há artigos com ênfase nas ciências, nas religi-ões, em questões de raça, classe e gênero, no tema da memória coletiva, nas instituições e na cidadania.

A proeminência de Susan Silbey na Sociologia do Direito tem o reconhe-cimento de seus pares. Silbey já ocupou a presidência da Law and Society As-sociation e foi editora da Law and Society Review, bem como viu seu Common Place of Law receber a Special Recognition da American Sociological Association

18. Em parceria com a professora Patri-

cia Ewick. Entre 1989 e 1993, Silbey e

Ewick trabalharam juntas como con-

sultoras da força-tarefa de proteção às

minorias da Suprema Corte do Estado

de Nova Jersey.

19. Dentre os outros títulos da coletâ-

nea, podemos citar The Blacwell Com-

panion to Social Theory, The Blackwell

Companion to Medical Sociology e The

Blackwell Companion to.the Sociology

of Families.

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e foi condecorada com o prêmio Harry Kalven Jr pelo desenvolvimento de pesquisas na área.

REFERÊNCIAS

EWICK, Patricia; SILBEY, Susan. Th e Common Place of Law: stories from everyday legality. Chicago: University of Chicago, 1998.

SILBEY, Susan. Everyday life and the constitution of legality. In: JACOBS, Marc; HANRAHAN, Nancy (org.) Th e Blackwell Companion to the So-ciology of Culture. Malden: Blackwell Publishing, 2005, p. 332-345.

Sítio virtual do Programa de Antropologia do Instituto Tecnológico de Mas-sachusetts. Acesso em 31 maio 2012. Disponível em: http://web.mit.edu/anthropology/index.html.

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2J — AULA 14: A CATEGORIZAÇÃO JURÍDICA NO MUNDO PROFANO

BAUDOUIN DUPRET

BAUDOUIN DUPRET E OS ESTUDOS SOBRE O MUNDO ISLÂMICO

Autor do texto da última aula de nosso curso, Baudouin Dupret é diretor do Centro Jacques Berque (CJB), fundado em 1991 com o fi to de desen-volver estudos de Ciências Humanas e Sociais no Marrocos. O Centro, que estendeu sua abrangência para todo o Magreb, congrega pesquisadores de diversas nacionalidades em torno de suas atividades, que incluem programas de pesquisa, seminários, colóquios e conferências.

Dupret encontra-se envolvido diretamente com pelo menos três progra-mas de pesquisa do CJB. No observatório de dinâmicas políticas e jurídicas no Magreb, o pesquisador estuda as transformações jurídicas nos países da região; no observatório de práticas culturais e fatos da linguagem, as práticas emergentes nas novas mídias; no observatório do Islã marroquino e de reli-giões do Magreb, a normatividade islâmica no mundo muçulmano contem-porâneo. Além de realizar as atividades do CJB, Dupret leciona em quatro universidades disciplinas com ênfase na Sociologia do Direito e no Direito em países islâmicos.

O apreço pelo tema da civilização islâmica é bem anterior ao cargo ocu-pado no CJB. Dupret nasceu na Jordânia em 1965, antes da anexação do leste de Jerusalém por Israel, e viveu no Iraque e em Marrocos, onde seu pai faleceu em 1971. Ele (2012) nos conta que, sem dúvida, estas origens infl uenciaram a escolha de sua carreira, impulsionando-o a complementar os estudos de Direito com os de língua árabe e de cultura islâmica.

Com efeito, dentre suas publicações encontram-se muitos estudos sobre o Direito e a Justiça em países islâmicos. É o caso do artigo A intenção em ação: Uma abordagem pragmática da qualifi cação penal num contexto egípcio, em que procura esclarecer como o fator “intenção” é levado em consideração para a categorização jurídica pelos promotores de Justiça egípcios. O artigo

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faz parte de um grande trabalho de etnografi a das práticas judiciárias egípcias empreendido por Dupret durante quase cinco anos, analisando documentos e realizando pesquisas em tribunais, e que resultou na publicação do livro Le Jugemant em Action. O autor (2012) explica que, apesar dos obstáculos burocráticos enfrentados neste tipo de pesquisa, a abordagem etnometodoló-gica, que se concentra na descrição das práticas e da epistemologia em ação, revelou-se como a melhor forma de se compreender o trabalho que as pessoas realizam em suas realidades concretas. Por tal motivo, Dupret continua dire-cionando suas pesquisas nesta direção.

REFERÊNCIAS

DUPRET, Baudouin. A intenção em ação: Uma abordagem pragmática da qualifi cação penal num contexto egípcio. Ética e Filosofi a Política, v. 12, p. 109-140, 2010.

_______. Email du Brésil [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 07 jun. 2012.

Sítio virtual do Centro Jacques Berque (CJB). Disponível em: http://www.cjb.ma/. Acesso em 05 jun 2012.

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3 — TEXTOS PARA DISCUSSÃO EM SALA DE AULA

3A — AULA 2: LEI DE ESTÁGIO

LEI N.° 11.788 DE 25 DE SETEMBRO DE 2008

Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Con-solidação das Leis do Trabalho — CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1° de maio de 1943, e a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis n. 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 d março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6° da Medida Provisória n. 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.

CAPÍTULO I DA DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E RELAÇÕES DE ESTÁGIO

Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profi ssional, de ensino médio, da educação especial e dos anos fi nais do ensino fundamental, na modalidade profi ssional da educação de jovens e adultos.

(…)

CAPÍTULO II DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO

Art. 7o São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:

I — celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu repre-sentante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar;

(…)

CAPÍTULO IIIDA PARTE CONCEDENTE 

Art. 9o As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da adminis-tração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da

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União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profi s-sionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fi scalização profi ssional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:

(...)III — indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou

experiência profi ssional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultanea-mente;

IV — contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fi que estabe-lecido no termo de compromisso;

(...)

CAPÍTULO IV DO ESTAGIÁRIO 

Art. 10. A jornada de atividade em estágio será defi nida de comum acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante legal, devendo constar do termo de compromisso ser compatí-vel com as atividades escolares e não ultrapassar:

(…)II — 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de es-

tudantes do ensino superior, da educação profi ssional de nível médio e do ensino médio regular.

(…)§ 2o Se a instituição de ensino adotar verifi cações de aprendizagem peri-

ódicas ou fi nais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será re-duzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.

Art. 11. A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de de-fi ciência.

(…)Art. 13. É assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração

igual ou superior a 1 (um) ano, período de recesso de 30 (trinta) dias, a ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares.

(…)CAPÍTULO VI DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 

(...)Art. 17. O número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal

das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções:

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I — de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário;II — de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários;III — de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários;IV — acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento)

de estagiários.

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3B — AULA 3: O CASO TIM LOPES

Tim Lopes — Caso Tim Lopes mobiliza todo o país

Morte de Tim Lopes denuncia o poder dos trafi cantesDe bermuda, com uma velha camisa amarela e sandálias, como um típi-

co carioca do morro, o jornalista Tim Lopes, 51 anos, saiu da sede da TV Globo no dia 2 de junho de 2002 para fazer a sua última grande reportagem investigativa. Levava uma microcâmera escondida dentro da pochete presa à cintura para fi lmar um baile funk na favela da Vila Cruzeiro, uma das 12 fa-velas integrantes do morro conhecido como Complexo do Alemão, no bairro da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Ele havia recebido uma denúncia dos moradores da favela de que nos bailes patrocinados por trafi cantes acontecia a exploração sexual de jovens e o consumo de drogas. Os moradores pediam ajuda.

Aquela seria a quarta vez que Lopes subiria à favela para realizar esta repor-tagem. Nas duas primeiras, fez o reconhecimento de área. Na terceira, levou a microcâmera, mas as imagens não foram consideradas boas o sufi ciente para sustentar a denúncia — ele não tinha imagens do baile. Por isso, voltou ao local. A combinação era que o motorista, contratado pela TV Globo es-pecialmente para o serviço, o pegasse no morro às 20h. No horário previsto, entretanto, Lopes avisou que precisaria de mais tempo para completar o tra-balho. Pediu que o buscasse novamente às 22h. O motorista voltou como foi combinado, mas o jornalista não apareceu.

Marcelo Moreira, 32 anos, chefe de reportagem da TV Globo no Rio de Janeiro, conta que, quando o motorista ligou para a redação avisando que o jornalista não havia aparecido, foi recomendado que ele esperasse por Lopes até a meia-noite. “A questão do horário é rígida, mas ele foi num baile funk, não tinha horário para acabar, e fomos levados a crer que o baile tinha se es-tendido por causa do jogo do Brasil (durante a Copa Mundial de Futebol)”, explica Ali Kamel, 40 anos, diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo.

Moreira chegou mais cedo na redação, por volta das 4h, devido ao jogo, que começaria às 6h. “Quando desconfi amos que algo de errado havia acon-tecido, ligamos para todo mundo”, disse Moreira.

O que se seguiu foi o início da busca de Lopes que culminou, uma sema-na depois, com o anúncio de sua morte e a troca de farpas entre autoridades locais e nacionais na tentativa de encontrar os culpados e pela inefi ciência do poder público diante do poder estabelecido pelos trafi cantes de drogas.

A morte de Lopes foi confi rmada depois da prisão de Fernando Sátiro da Silva, o Frei, e Reinaldo Amaral de Jesus, o Cabê, dois integrantes da qua-drilha do trafi cante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, um dos líderes do grupo criminoso Comando Vermelho, que detém o poder no Complexo do Alemão. Os depoimentos dos presos indicam que o jornalista pode ter sido

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identifi cado pelos trafi cantes como sendo como o autor da reportagem “Feira de Drogas” veiculada pela TV Globo em agosto de 2001. Na reportagem, Lopes fi lmou, com uma microcâmera escondida, a venda de drogas nas ruas do morro do Alemão. Depois que sua reportagem foi ar, foram presos trafi -cantes e o negócio foi interrompido por um tempo, causando prejuízos aos narcotrafi cantes.

Segundo os depoimentos colhidos pela polícia, os trafi cantes teriam le-vado o jornalista da favela Vila Cruzeiro para a favela da Grota, onde estava Elias Maluco. Ali teriam feito um “julgamento” para decidir se o matariam. Ele foi barbaramente espancado e torturado. Seu corpo foi esquartejado e queimado em pneus numa gruta, método conhecido como “microondas” e muito usado por trafi cantes para matar policiais ou informantes e eliminar rastros que podem servir de provas contra seus assassinos.

A prisão de Elias Maluco, que passou a ser chamado de “bandido mais perigoso do Rio de Janeiro”, e dos demais assassinos do jornalista foi defi ni-da como uma “questão de honra” por representantes do governo do Rio do Janeiro. Durante uma semana, a polícia realizou incursões diárias no morro, em busca do corpo do jornalista e dos culpados, ou de testemunhas que pos-sam levar aos assassinos. Até o dia 17 de junho de 2002, foram identifi cados nove integrantes da quadrilha de Elias Maluco que teriam participado do assassinato de Lopes. Dois estão presos.

Ângelo Ferreira da Silva, preso em 13 de junho, confessou que estava no carro Palio que teria transportado Lopes da Vila Cruzeiro para a favela da Grota, onde estava Elias Maluco. Segundo Silva, Lopes estava amarrado e ferido à bala na perna quando foi colocado no carro. Ele relatou as cenas de tortura pelas quais passou o jornalista, mas disse que não estava presente quando Lopes morreu. Revelou também os nomes de outros dois envolvidos no assassinato.

Elizeu Felício de Souza, o Zeu, preso em 14 de junho e apontado como um dos seguranças de Elias Maluco que teria assistido à execução de Lopes, confessou que comprou gasolina e diesel em um posto de gasolina perto da entrada da favela Nova Brasília, que integra o Complexo do Alemão. Zeu disse ter entendido que um inimigo da quadrilha teria o corpo queimado, mas não confi rmou se era o de Lopes. (…)

Fonte: http://www.timlopes.com.br/casotimlopesmobilizatodoopais.htm

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3C — AULA 4: CONDENAÇÃO DE MORADOR DE RUA À PRISÃO DOMICILIAR

Morador de rua é condenado à prisão domiciliar por furto em São PauloNelson Renato da Luz foi preso duas vezes por furtar placas do Metrô.Tribunal de Justiça diz que processo não informava que ele era sem-teto.

Do G1 SP

Uma decisão polêmica foi anunciada pela Justiça de São Paulo. Mesmo sem ter casa, um morador de rua foi condenado à prisão domiciliar por furto.

Nelson Renato da Luz foi preso duas vezes por furtar placas metálicas de uma estação de Metrô de São Paulo. Advogados ligados a uma ONG de di-reitos humanos entraram com pedido de habeas corpus, que foi parcialmente acolhido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Segundo a sentença, Luz não deveria fi car numa prisão comum por ter transtornos mentais, mas também não poderia ser internado por não ser vio-lento nem perigoso.

A sentença considerou que a simples libertação dele traria risco de novos delitos, pela instabilidade e pelo constatado uso de drogas do paciente, o que levou à decisão de mantê-lo em casa: uma casa que não existe.

Em nota, o Tribunal de Justiça disse que o processo não informava que Nelson da Luz é morador de rua e que os advogados dele têm que esclarecer a situação para que seja concedido ao réu um benefício de acordo com a condição dele.

Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/02/morador-de-rua-e-condenado-prisao-domiciliar-por-furto-em-sao-paulo.html.

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3D — AULA 5: BARCAS S/A X PSOL

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3E — AULA 6: CONSTITUIÇÃO FEDERAL X CÓDIGO PENAL MILITAR

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 5º (…) XLVII — não haverá penas:a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,

XIX;

DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969.Código Penal Militar

(...)Penas principaisArt. 55. As penas principais são:a) morte;(...)Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.ComunicaçãoArt. 57. A se ntença defi nitiva de condenação à morte é comunicada, logo

que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação.

Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interêsse da ordem e da disciplina militares.

(...)Art. 72. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:(...)Parágrafo único. Nos crimes em que a pena máxima cominada é de morte,

ao juiz é facultado atender, ou não, às circunstâncias atenuantes enumeradas no artigo.

(...)TraiçãoArt. 355. Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou

prestar serviço nas fôrças armadas de nação em guerra contra o Brasil:Pena — morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.Favor ao inimigoArt. 356. Favorecer ou tentar o nacional favorecer o inimigo, prejudicar

ou tentar prejudicar o bom êxito das operações militares, comprometer ou tentar comprometer a efi ciência militar:

(...)Pena — morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.

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(...)Cobardia qualifi cadaArt. 364. Provocar o militar, por temor, em presença do inimigo, a deban-

dada de tropa ou guarnição; impedir a reunião de uma ou outra, ou causar alarme com o fi m de nelas produzir confusão, desalento ou desordem:

Pena — morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.Fuga em presença do inimigoArt. 365. Fugir o militar, ou incitar à fuga, em presença do inimigo:Pena — morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.(...)EspionagemArt. 366. Praticar qualquer dos crimes previstos nos arts. 143 e seu § 1°,

144 e seus §§ 1º e 2º, e 146, em favor do inimigo ou comprometendo a pre-paração, a efi ciência ou as operações militares:

Pena — morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.

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3F — AULA 7: A EFETIVIDADE DA LEI SECA

AGU pede que contas no Twitter que avisem sobre blitze sejam suspensasJustiça Federal em Goiás vai julgar a ação que multa de R$ 500 mil para

quem descumprir medida06 de fevereiro de 2012 | 20h 06Mariângela Gallucci — O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA — A Justiça Federal de Goiás vai ter de decidir se os motoris-tas goianos podem usar o Twitter para avisar sobre a existência de blitze no trânsito. Na ação, a Advocacia Geral da União (AGU) pede que o Twitter suspenda imediatamente as contas que alertam sobre a localização de radares.

Para a AGU, a blitz no trânsito é necessária para reduzir o número de aci-dentes e combater a prática de crimes como furto de veículos, porte ilegal de armas e tráfi co de drogas. Segundo o órgão, o aviso aos motoristas pelo Twit-ter coloca em risco a efi cácia dessas operações, agredindo a vida, a segurança e o patrimônio das pessoas.

“A ação judicial atendeu a uma necessidade de assegurar a efetividade da atuação fi scalizatória da Polícia Rodoviária Federal”, afi rmou o procurador-chefe da União em Goiás, Celmo Ricardo Teixeira da Silva.

A AGU sustenta que o uso do Twitter para fazer os alertas viola artigos dos códigos Penal e de Trânsito Brasileiro. Na eventualidade de o pedido ser aceito, a AGU pede que seja estabelecida uma multa diária de R$ 500 mil para quem descumpri-la.

BAFÔMETRO — Na quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá defi nir se é possível atestar a embriaguez por outros instrumentos, além do bafômetro. A decisão será importante porque, após a edição da Lei Seca, motoristas têm se recusado a fazer o teste.

Em parecer encaminhado ao STJ, o Ministério Público Federal defendeu a legalidade do uso de outros meios de prova, como perícia, exame clínico ou prova testemunhal.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,agu-pede-que-con-tas-no-twitter-que-avisem-sobre-blitze-sejam-suspensas,832236,0.html

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3G — AULA 8: JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Metalúrgicos vão à Justiça contra montadora HondaSindicato tenta suspender a demissão de 400 trabalhadores anunciadas pela

empresa de Sumaré

19/05/2011 — 20h25. Atualizada em 19/05/2011 — 21h20Adriana Leite — Agência Anhanguera

O Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região entrou nesta quinta-feira (19) no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região com solicitação de dissídio coletivo e pedido de liminar para tentar suspender as demissões de 400 trabalhadores da montadora Honda, localizada em Sumaré.

A entidade ainda encaminhou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) uma denúncia de assédio moral em decorrência da empresa ter encaminhado telegramas com as dispensas durante a greve, que começou na semana pas-sada.

No período, pelo mais de 3,6 mil carros deixaram de ser fabricados. O sindicato informou que uma terceirizada da Honda, que opera dentro da fábrica, também cortou 180 pessoas.

O movimento na Honda ganhou força depois que a multinacional ja-ponesa informou ao sindicato que reduzirá em 50% a produção a partir de junho e o fato provocaria um excedente de mais de 1,2 mil funcionários. O caminho seria o corte de mão de obra.

A entidade apresentou uma proposta que diminuía os dois turnos de tra-balho para cinco horas e meia por dia. Outra medida seria dar férias coletivas em blocos até o fi nal do ano, quando deve ser regularizado o fornecimento de insumos.

Em nota, o sindicato informou que deu entrada com pedido de dissídio coletivo pedindo liminar de suspensão das demissões pelas dispensas em mas-sa e por ferir artigo da Constituição Federal ao direito de greve.

Segundo a entidade, também foi encaminhada uma denúncia de assédio moral coletivo no Ministério Público, pela Honda ter efetuado as demissões por telegrama, enquanto os trabalhadores estavam ainda em greve.

O presidente do sindicato, Jair dos Santos, afi rmou que até está quinta-feira (19) a Honda não havia informado ofi cialmente a entidade sobre as 400 demissões que efetuaria no quadro de funcionários.

A situação se agrava, pois uma terceirizada, a Logística Sumaré, que faz do grupo Honda mundial e não da subsidiária brasileira, também promoveu cortes. “Nós fomos informados que 180 pessoas foram demitidas desta em-presa”, comentou.

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Santos afi rmou que a fabricante de automóveis se aproveitou da proble-mática gerada pelo tsunami, que reduziu a quantidade de insumos produzi-dos no Japão e distribuídos para as subsidiárias em outros países, para fazer uma reestruturação na unidade brasileira.

Boa parte dos demitidos é formada por pessoas mais antigas e com salá-rios mais elevados. Futuramente, a empresa volta a contratar pessoal com remuneração mais baixa. O salário médio na Honda hoje é de R$ 2.800,00”, apontou.

Santos salientou que a proposta da entidade esbarrou na recusa da empre-sa em reduzir as margens de lucro.

Tensão

Os funcionários da Honda e da terceirizada estão preocupados com as demissões. “Tentaram entregar um telegrama em casa, mas como não havia ninguém e deixaram apenas um aviso. O telegrama devia ser avisando sobre a minha demissão. Preciso do meu emprego, é a única renda da minha famí-lia”, lamentou Célio da Silva da Cruz, funcionário da montadora.

Empregado da terceirizada, o operador de empilhadeira Sandro Roberto Rosada, recebeu uma carta solicitando que ele voltasse a trabalhar, pois os funcionários da empresa também entraram em greve. ‘Temo que, na verdade, a intenção seja me dispensar”.

Fonte: http://www.rac.com.br/noticias/economia/84365/2011/05/19/metalurgicos-vao-a-justica-contra-montadora-honda.html

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3H — AULA 9: O JUDICIÁRIO AO ALCANCE DE TODOS?

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3I — AULA 10: “MARCHA DA MACONHA”

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3J — AULA 11: CRUCIFIXOS NOS TRIBUNAIS

Zveiter: “Não me arrependo de ter tirado crucifi xo”Claudio Leal e Diego Salmen

A retirada do crucifi xo da sala do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Janeiro abriu um debate tardio sobre a permanência de ícones cristãos em prédios do Estado. Em entrevista a Terra Magazine, o presidente do TJ, Luiz Zveiter, afi rma que não se arrepende do gesto.

A primeira Constituição da República já estabelecia a laicidade do Estado brasileiro. Mas desembargadores fl uminenses chegaram a esboçar insatisfa-ção. Judeu, Zveiter levou o crucifi xo para um espaço ecumênico. E minimiza as queixas:

— Não tem reação. Não houve nenhuma reação. Pelo contrário. A reação que existiu foi favorável. Há muito tempo pediam pra que fosse aberto um espaço aqui no Tribunal para que todas as outras religiões pudessem fazer sua oração. Como o Órgão Especial é composto por 25 colegas, e cada um tem sua religião, eu resolvi pegar essa imagem, o crucifi xo, e pôr no espaço ecumênico, porque eu acho que vai ter muito mais afi nidade.

Empossado no início de fevereiro, Zveiter avalia que o predomínio cultu-ral do catolicismo retardou o respeito às demais religiões nos tribunais bra-sileiros.

— Posso falar por mim. Acho que por ser um país de maioria eminente-mente católica, isso pode ter infl uenciado esses anos todos... Mas não vejo dessa forma. Nós temos condição, temos que prestigiar a harmonia, a fé, a paz. Através desses espaços ecumênicos vamos alcançar muito mais o nosso ideal.

O STF (Supremo Tribunal Federal) ainda ostenta um crucifi xo no ple-nário. Durante os debates sobre as pesquisas com células-tronco, que tam-bém envolve questões de ordem religiosa, os ministros eram coadjuvados pela imagem cristã. O presidente do TJ fl uminense prefere não comentar a atitu-de do STF, mas insiste na defesa do Estado secular:

— Não quero falar sobre outros tribunais. Falo sobre minha atitude. Cada um toma a atitude de acordo com sua consciência. Não me arrependo de ter tomado.

Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3509368-EI6578,00-ZveiterNao+me+arrependo+de+ter+tirado+crucifi xo.html

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3K — AULA 12: MAGISTRATURA E PODER EXECUTIVO

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3L — AULA 13: DIREITO E SENSO COMUM

Justiça GratuitaNei Lopes20

Felicidade passou no vestibularE agora tá ruim de aturarMudou-se pra Faculdade de DireitoE só fala com a gente de um jeitoCheio de preliminar (é de amargar)

Casal abriu, ela diz que é divórcioParceria é litisconsórcioSacanagem é libidinagem e atentado ao pudorSó fala cheia de subterfúgiosNego morreu, ela diz que é de cujusNão aguento mais essa FelicidadeDoutor defensor(só mesmo um Desembargador)

AmigaçãoPra ela é concubinatoVigarice é estelionatoCaduquice de esclerosado é demência senilSumiu na poeiraEla chama de ausenteNão pagou a conta é inadimplenteEla diz, consultando o Código Civil

Me pediu uma granaDizendo que era um contrato de mútuoComeu e bebeu, disse que era usufrutoE levou pra casa o meu violãoMeses depoisQue fez este agravo ao meu instrumentoEla, então, me disse, cheia de argumentoQue o adquiriu por usucapião(Seu defensor, não é mole não!Taí minha procuraçãoE o documento que atesta minha humilde condição!Requeira prontamente meu divórcio e uma pensão!se ela não pagar vai cantar samba na prisão...)

Fonte: http://nei-lopes.musicas.mus.br/letras/2001837/

20. Nei Brás Lopes é compositor, escritor

e cantor. Nascido e criado em Irajá, no

subúrbio do Rio de Janeiro, no mesmo

ano que Gilberto Gil, Caetano Veloso e

Paulinho da Viola, completou 70 anos

em 2012. Nei formou-se em Direito

pela UFRJ e chegou a exercer a profi s-

são por alguns anos, antes de passar a

se dedicar mais profundamente à arte.

Destaca-se por seu conhecimento da

cultura afro-brasileira, bem como pela

militância em prol da inserção do negro

na sociedade brasileira. Sua premiada

obra, composta por dezessete discos e

mais de vinte livros, refl ete estas preo-

cupações.

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3M — AULA 14: CÓDIGO PENAL DE 194021

DECRETO-LEI N. 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940Código Penal

(...)Circunstâncias agravantesArt. 44. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não cons-

tituem ou qualifi cam o crime:I — a reincidência;II — ter o agente cometido o crime:

a) por motivo futil ou torpe;b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impuni-

dade ou vantagem de outro crime;c) depois de embriagar-se proposìtadamente para cometê-lo;d) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro

recurso que difi cultou ou tornou impossivel a defesa do ofendido; e) com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfi xia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

f ) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;g) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações do-

mésticas, de cohabitação ou de hospitalidade;h) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo,

ofício, ministério ou profi ssão;i) contra criança, velho ou enfermo;j) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autori-

dade;k) em ocasião de incêndio naufrágio, inundação ou qualquer

calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido.(...)Circunstâncias atenuantesArt. 48. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:I — ser o agente menor de vinte e um ou maior de setenta anos;II — ter

sido de somenos importância sua cooperação no crime;III — a ignorância ou a errada compreensão da lei penal, quando excusa-

veis;IV — ter o agente:

a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou mo-ral;

b) procurado, por sua espontânea vontade e com efi ciência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

21. Optamos por trabalhar com o texto

original do Código Penal de 1940, que

atenderá melhor aos objetivos desta

aula que o texto atual.

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c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou sob a infl uência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime, ignorada ou imputada a outrem;

e) cometido o crime sob a infl uência de multidão em tumulto, se, lícita a reunião, não provocou o tumulto, nem é reincidente.

(...)EstuproArt. 213. Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou

grave ameaça:Pena — reclusão, de três a oito anos.Atentado violento ao pudorArt. 2l4. Constranger alguem, mediante violência ou grave ameaça, a pra-

ticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena — reclusão de dois a sete anos.Posse sexual mediante fraudeArt. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude:Pena — reclusão, de um a três anos.Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de

dezoito anos e maior de quatorze anos:Pena — reclusão, de dois a seis anos.Atentado ao pudor mediante fraudeArt. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir

que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:Pena — reclusão, de um a dois anos.Parágrafo único. Se a ofendida é menor de dezoito e maior de quatorze

anos:Pena — reclusão, de dois a quatro anos.

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4 — LEITURAS DE APOIO AO TRABALHO DE CAMPO (P2)

DA SOCIOLOGIA POLÍTICA À SOCIOLOGIA JURÍDICA, DA FRANÇA AO BRA-SIL: A PRÁTICA DA MINI ENQUETE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO

Fernando de Castro Fontainha

RESUMO

O artigo tratará de parte da minha experiência docente na França, quando lecionei a disciplina “Sociologie Politique” para alunos do terceiro ano da fa-culdade de Direito e Ciência Política da Universidade de Montpellier 1, nos primeiros semestres de 2010 e 2011. Uma das formas de avaliação adotadas foi a realização de uma mini enquete etnográfi ca, onde eles eram instados a observar, descrever e analisar uma sessão de trabalhos parlamentares, em qualquer escala. O artigo discutirá as potencialidades pedagógicas e metodo-lógicas deste exercício, bem como o projeto de transposição da atividade para o ensino da Sociologia do Direito no Brasil.

PALAVRAS CHAVE

(1) Ensino Jurídico, (2) Sociologia empírica do Direito, (3) Pesquisa Et-nografi a

INTRODUÇÃO

Este artigo tratará de parte da minha experiência docente na França, quan-do lecionei a disciplina “Sociologie Politique” para alunos do terceiro ano da faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade de Montpellier 1, nos primeiros semestres de 2010 e 2011. Uma das formas de avaliação adota-das foi a realização de uma mini enquete etnográfi ca, onde eles eram instados a observar, descrever e analisar uma sessão de trabalhos parlamentares, em qualquer escala.

Num primeiro momento, o artigo descreverá e fará um balanço desta ex-periência, sob o enfoque do que a atividade em campo pôde trazer à sala de aula, inclusive sua capacidade de despertar interesses para a pesquisa e para a carreira acadêmica.

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Num segundo momento, será discutida a possibilidade de incremento didático-pedagógico que a inserção de uma técnica de pesquisa social pode trazer à relação professor/aluno/conhecimento no que tange o ensino da So-ciologia ou do Direito como um elemento contextual, que somente ganha sentido quando analisado e interpretado “em ação”.

Num terceiro e último momento, será exposto o projeto de adaptação desta prática pedagógica à disciplina “Sociologia das Instituições Jurídicas” a ser ministrada por mim na FGV Direito Rio, com a diferença que os alunos não serão instados a observar atividades parlamentares, mas judiciárias.

1) A mini enquete na Sociologia Política, uma experiência francesa

Após haver concluído o mestrado em Sociologia e Direito na Universi-dade Federal Fluminense, eu fui benefi ciado por uma bolsa da CAPES de doutorado pleno no exterior. Assim, em setembro de 2006 eu desembaquei na França para realizar meu doutorado em Ciência Política na Université de Montpellier 1, sob a direção do professor Michel Miaille. Muitos foram os frutos desta experiência de quase cinco anos, a começar por uma tese sobre o recrutamento da magistratura francesa sob um enforque interacionista (Fon-tainha, 2011).

Além da tese, o tempo passado na França também foi marcado por uma intensa socialização minha no seio do laboratório de Ciência Política da Fa-culdade, o CEPEL — Centre d’Études Politiques de l’Europe Latine. Dentre as muitas atividades que fui convidado a participar, o ensino de graduação foi uma das mais enriquecedoras. À convite do Chefe do Departamento de Ciência Política, professor Jean-Yves Dormagen, eu tive a oportunidade de lecionar no primeiro semestre dos anos de 2009, 2010 e 2011, primeiro como horista, e no último ano como professor temporário.

Duas precisões são necessárias acerca deste ensino. A primeira é referente à maneira como a Ciência Política é organizada em Montpellier (e na maioria das universidades francesas): ela é um Departamento da Faculdade de Direi-to. Assim, o aluno, após cursar dois anos do curso jurídico básico, opta por um terceiro ano de Ciência Política, e é licenciado nesta disciplina. Após a licença, ele pode prosseguir seu curso, obtendo mais diplomas: o Master 1, o Master 2 e o Doutorado em Ciência Política. A segunda precisão é referente à maneira como o ensino é ministrado: não existem aulas tais como as con-cebemos no Brasil, mas duas modalidades de estrutura de relações professor aluno. Ou o ensino é ministrado nos Cursos Magistrais, ou nos Trabalhos Dirigidos. Nos Cursos Magistrais os alunos são reunidos em grandes grupos, num anfi teatro, e para eles o professor ministra aulas expositivas, genera-listas, e com pouca ou nenhuma interação, em encontros semanais de três

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ou quatro horas. Nos Trabalhos Dirigidos, quase sempre complementares aos Cursos Magistrais, os alunos são divididos em pequenos grupos (de 20 pessoas aproximadamente), e para eles são ministradas aulas mais aprofunda-das, baseadas em leituras prévias ou até em trabalhos práticos, em encontros semanais de uma hora e meia, sendo esperado destes uma interação intensa entre professor e alunos.

Neste artigo eu tratarei particularmente da minha experiência de ter mi-nistrado a disciplina Sociologie Politique em Trabalhos Dirigidos, comple-mentares ao Curso Magistral de mesmo nome ministrado pelo professor Ale-xandre Dezé, nos primeiros semestres de 2010 e 2011. Utilizando a liberdade do enquadramento dos Trabalhos Dirigidos, mas também de um excelente relacionamento com os professores Dormagen e Dezé, eu resolvi colocar em prática uma ideia fruto de certas inquietações pedagógicas minhas.

A primeira destas inquietações concerne a natureza das Ciências Sociais, onde o pesquisador não possui um objeto mas uma relação com um objeto. Diferentemente dos nossos colegas das Ciências Naturais, não podemos repro-duzir nossos objetos de estudo em laboratório para estudá-los em condições controladas. Nosso laboratório, como afi rmava Burgess (1929: 47), é a vida em comunidade. Seria necessário introduzir um elemento empírico ao curso.

A segunda inquietação diz respeito a desvalorização do saber comum e das atividades cotidianas como capazes de produzir as categorias fundamentais da Sociologia, por uma arraigada tradição de combate das universidades con-tra o “senso comum”. Na esteira do conceito de sociologia leiga (lay sociology) de Garfi nkel (1967: 75), eu queria planejar uma atividade onde os alunos fossem confrontados com categorias às quais os atores sociais dão sentido ao realizarem seus fi ns práticos no cotidiano. O mundo acadêmico é radical na rejeição de sistemas de interpretação não acadêmicos. No entanto, são os sistemas não acadêmicos, teorias inventadas por sociólogos amadores, que se põem em marcha na vida real dando sentido a ela, mesmo que o mundo acadêmico tenha a pretensão de, por meio dos seus sistemas, cumprir esta função (Parnell, 2002: 34).

No entanto, ao dar por certas determinadas categorias, instâncias e va-riáveis do mundo social, os professores terão apenas o poder de transmitir aos seus alunos o campo semântico necessário para a socialização na comu-nidade daqueles que já decidiram quais são as instâncias óbvias do mundo real (Cicourel, 1995: 3-4). Para meus alunos franceses de Ciência Política, na sua maioria interessados em tornar-se jornalistas, consultores de ONGs ou assessores governamentais, um ensino com este escopo despertaria muito pouco interesse.

Minha ultima inquietação é referente a relação tecnicista que muitos pesquisadores desenvolvem com a empiria. Em outras palavras, por se valer de uma técnica de pesquisa perenizada pelos pares, o pesquisador tende a

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naturalizar os dados colhidos em campo, ignorando que tais dados, uma vez objetivados, já são construtos sociais, e não serão inteiramente recons-tituídos ao leitor pela simples descrição da técnica de coleta, mas sim pela problematização das implicações pessoais do pesquisador com seu objeto de pesquisa. Na metáfora de Rimbert (2009), seria necessária uma ativi-dade onde os alunos pudessem, na entrega de um dever, mostrar os “an-daimes” da construção de sua pesquisa, ao invés de entregar um “trabalho fi nal” e suas conclusões.

Assim, surgiu a ideia de confrontá-los à um trabalho de observação etno-gráfi ca, que batizei “mini enquete de campo”, e que consistiria na observação, descrição e análise de uma sessão parlamentar inteira, de qualquer parlamen-to francês (nacional, regional, departamental ou municipal). Este trabalho, a ser entregue em aproximadamente dez páginas, deveria contar com breves introdução e conclusão, uma parte descritiva e uma parte analítica, sendo a parte descritiva tão grande ou maior que a parte analítica, e somente nesta segunda os alunos poderiam ter preocupações externas à restituição do que experimentaram, como citar autores e teorias.

Esta atividade representaria, junto com a apresentação de um texto em grupo e a prova fi nal, uma das notas da disciplina. Na França, as sessões parlamentares são públicas por força de lei, e geralmente as salas de sessão são relativamente adaptadas à presença de público, e os atores locais acostu-mados com a recepção de estudantes, notadamente estudantes secundaristas. Assim, estar em uma sessão parlamentar na condição de estudante de Ciência Política criava as condições perfeitas para a realização de notas etnográfi cas (Emerson et. al., 1995: 18). Não apenas a condição de estudante era esperada e tolerada pelos atores locais, como geralmente, nas pesquisas etnográfi cas, onde uma intensa interação com estes é necessária, esta condição traz inúme-ras vantagens. Dentre elas, Beaud e Weber destacam a facilidade de recrutar aliados para a pesquisa, pela disposição que as pessoas tem de ajudar um estudante, bem como o fato do estatuto de estudante ser considerado como pouco ameaçador socialmente (2003: 98-99).

Assim, o primeiro encontro da disciplina, que tem o escopo de apresentar o curso e o professor, seria também marcado pela apresentação desta ativi-dade como uma das formas de avaliação. A segunda aula seria dedicada à discussão da mini enquete. A ideia era a de, com base em textos guia, discutir com os alunos o signifi cado, a importância e as implicações de se realizar uma etnografi a. Para tanto, selecionei dois textos do antropólogo Marc Abélès: o primeiro, conclusão de um livro sobre os bastidores de um processo eleitoral no interior de um pequeno departamento Francês, tratava justamente do potencial explicativo da etnografi a, e de como fazê-la (1989: 335-356), e o segundo já trazia a descrição e análise do “Almoço do Canguru”, organizado por um grupo parlamentar de mesmo nome, formado por deputados euro-

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peus em Estrasburgo (1992: 330-336). Ainda, no fi nal do curso, na data de entrega dos trabalhos, uma aula seria dedicada ao balanço da atividade.

É evidente que, nas três turmas em que esse exercício foi aplicado (uma em 2010 e duas em 2011), os alunos transformaram a ideia em algo ainda mais desafi ador. De início, pude perceber que na primeira aula a atenção deles foi voltada para a extração de consignas sobre a realização do trabalho, o interesse deles era captar qual a minha concepção sobre a etnografi a, no objetivo claro de poder melhor se adaptar a ela e se benefi ciar da melhor nota possível no exercício. A inquietação deles era também justifi cada pelo fato que tal avaliação lhes tirava do contexto cognitivo de medição de performan-ce dentro do qual eles foram socializados desde muito: provas escritas e orais. O que eu procurei fazer foi legitimar e objetivar o interesse deles em obter boas notas, trazendo-o claramente para o discurso de sala de aula. Tentei, assim, canalizar esse interesse em torno das consignas gerais da pesquisa etno-gráfi ca, e de como Abélès tinha feito as dele, e de como a criatividade, como elemento essencial do exercício, seria também recompensada.

O resultado foi surpreendente. Até a ética na pesquisa empírica foi tema de discussões calorosas. Deveriam eles se identifi car, e como? Poderiam gravar em áudio a sessão com um gravador portátil escondido no bolso? Deveriam eles descrever o que se passa antes, depois e nos bastidores da sessão? Deve-riam eles restituir o que outros membros da plateia lhes falassem? Deveriam eles focar a descrição nos locais ou nos diálogos? Estavam ávidos por exem-plos, queriam saber o que eu considerava uma sessão parlamentar. Minha estratégia foi a de jamais dar exemplos, sempre repetindo que a importância era a de observar a interação ente políticos profi ssionais realizando seu tra-balho cotidiano. No entanto, eu os exortei a me fazerem contrapropostas. A maioria dos alunos entendeu do que se tratava e efetivamente observou uma sessão parlamentar. Três alunas me perguntaram se poderiam observar a reunião plenária de uma associação de defesa dos direitos dos defi cientes físicos, o que foi estimulado e autorizado, rendendo três bons trabalhos. Um grupo de alunos, que não pôde assistir a sessão do Conselho Geral do Hérault (departamento francês onde se localiza a cidade de Montpellier) devido a um confl ito entre manifestantes e forças de ordem, me perguntou o que fazer. Respondi que tendo vivenciado este confl ito, e tendo o mesmo fortes impli-cações políticas, que fi zessem um trabalho sobre o que se passou! Uma parte dos alunos não entendeu a proposta, mas a outra metade realizou excelentes trabalhos.

A maioria dos alunos não saiu de Montpellier — sede da Região e do Departamento — e observou sessões do Conselho Municipal da cidade, do Conselho Geral do Hérault e do Conselho Regional do Languedoc. No en-tanto, aproximadamente um terço dos alunos, aproveitando o costume de realização de sessões nos sábados pela manhã, observou parlamentos locais de

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cidades vizinhas, como Arles, Nîmes e Agde. Tive extremos, certo, como o aluno que foi à sua cidade natal, de 2000 habitantes, e realizou um trabalho sobre um Conselho Municipal realizado em torno de uma churrasqueira, onde estavam presentes ele mesmo e cinco conselheiros de mais de sessenta anos. Um outro resolveu ir à Paris e observar uma sessão do Senado no Palais de Luxembourg. O resultado coletivo do exercício, manifestado na aula de balanço, foi extremamente rico em termos pedagógicos. Um a um, os alunos expuseram brevemente suas conclusões, que eu as reduzia à palavras chave no quadro, e o debate fi nal revelou ao menos que todos fantasiavam bastante sobre a realidade concreta de uma sessão parlamentar, e que o contato direto com a situação contribuiu para reconstruir neles um olhar sobre a realidade. Além disso, todos manifestaram a importância deste contato como elemento que compõe uma refl exão sobre a realidade.

Nos trabalhos em si, quando me vi sentado a ler e corrigir, me lembrei das críticas que alguns colegas doutorandos me dirigiram quando pela primeira vez expus a ideia do exercício. Eles me disseram que os alunos, se levassem o exercício à sério, apenas o fariam porque ele os vinculava a uma nota. Argu-mentaram também que, sem nenhum ou quase nenhum treinamento etno-gráfi co, o resultado seria catastrófi co, prejudicando o componente pedagógi-co do exercício: não era o momento de ensinar etnografi a!

No tocante ao interesse dos alunos, jamais entendi o problema de o mes-mo ser dirigido às notas. Afi nal, todos nós, na realização de quaisquer ativida-des do dia a dia, não dirigimos nosso interesse à realização de fi ns e objetivos práticos? Assim, considerei que querer uma boa nota era um fi m mais que legítimo no contexto da relação professor aluno. No tocante ao treinamento etnográfi co, os trabalhos denunciaram realmente a falta de prática e acú-mulo, e foram corrigidos com atenção a este fato. E ainda, como a pesquisa empírica é algo que também se aprende empiricamente, lamentei o fato de jamais ter sido eu mesmo confrontado com um exercício desta natureza no meu curso de graduação.

O problema mais comum foi a supervalorização da descrição dos locais, em detrimento das interações entre os conselheiros, ou das interações diretas com os demais presentes. Não faltaram plantas baixas, desenhos e até mesmo caricaturas na parte descritiva dos trabalhos. No entanto, me surpreendeu a honestidade e a consciência com que os alunos restituíram o dilema que se põe a todo momento, mesmo ao etnólogo mais experiente: como sair do leque de cenas que nos são mais familiares, que fazem parte de nossas catego-rizações (Peneff , 2009: 207). A maioria dos trabalhos deixou claro o fato de ser o aluno ele mesmo também partícipe da cena em questão.

Voltei ao Brasil com a impressão de ter conseguido ao menos demonstrar a três turmas a importância de um contato direto na conformação de uma refl exão sobre um objeto. Não creio haver mudado as ambições profi ssionais

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da grande maioria deles, mas alguns vieram me procurar, desde aqueles que gostariam de saber se se pode viver da pesquisa, até aqueles que pediram orientação para realizar suas monografi as com base numa etnografi a. O caso mais extremo foi o da aluna Audrey Hernandez, que realizou seu trabalho no Conselho Municipal de Carpentras, sua cidade natal. Além de ter realizado um trabalho excelente, ela continuou a assistir as sessões do Conselho sema-nalmente, e dedicou seu Mémoire de Master 1 (homólogo à nossa Monogra-fi a de Graduação), dirigido pelo pesquisador François Buton, à um estudo da política local naquela cidade:

“En janvier 2010, je me retrouvais à assister, pour la première fois de ma vie, à un conseil municipal, celui de ma ville de naissance, Carpentras. J’étais là dans le cadre d’un travail universitaire, c’est en eff et en travaux dirigés de sociologie politique qu’il nous avait demandé de réaliser une enquête de terrain; une enquête ethnogra-phique. Il s’agissait d’appréhender les outils au service de la science politique et dans le cas présent celui de l’enquête de terrain, pour entrevoir toutes les contraintes et les avantages de la méthode. En sortant du conseil municipal, j’étais fort étonnée par tout ce que j’y avais vu et l’idée m’est venue de renouveler l’expérience. Voici donc maintenant un peu plus d’un an que j’assiste à chaque conseil municipal de Carpen-tras (hormis, un que j’ai loupé durant les partiels)” (Hernandez, 2011: 5).

2) A mini enquete como um incremento pedagógico

Sempre me incomodou no ensino jurídico a maneira da “aula douta coim-brã” de que se queixava Alfredo Lamy Filho (1972: 6), onde a única com-petência efetiva que é ensinada é a de como fazer a prova do professor no fi nal do semestre. Eu já tive a oportunidade de arguir, conjuntamente com o professor Michel Miaille, algumas insufi ciências do ensino jurídico francês, como a rejeição da multidisciplinaridade e da empiria em prol da especifi ci-dade do Direito:

“Sempre que se depara com uma crise, o corpo de docentes em direito usa o discurso da “especifi cidade” da disciplina para tentar reduzir tanto quanto pos-sível o potencial de transformação dela. Ainda que os docentes sejam forçados a incorporar mudanças, a resistência cotidiana vai privilegiar os velhos hábitos e o status quo. O ensino do direito é assim, condenado a viver crises, ou viver em crise. Talvez esta seja sua especifi cidade: um tipo bem peculiar de conservadoris-mo que se põe em marcha. Um conservadorismo o qual procura se fechar dentro de si, sendo um sistema que, além de precipuamente existir para explicar a si mesmo, tenta submeter as questões do seu tempo e do seu espaço à sua lógica” (Miaille; Fontainha, 2010: 65).

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Não me ocuparei aqui de uma crítica ao ensino jurídico praticado no Brasil, mas de uma refl exão sobre as potencialidades do exercício de mini enquete enquanto incremento pedagógico, enquanto ferramenta não apenas de avaliação, mas de transmissão de competências acadêmicas.

Há muito que venho trabalhando com uma dimensão do ensino jurídico bastante peculiar: o ensino preparatório para concursos públicos ministrado nos chamados “cursinhos”. Minha abordagem, num primeiro momento, se aproxima daquela que desenvolveu Merton quando se dedicou à pesquisa sobre os estudantes de medicina. Para o autor, “É claro que nem tudo que é ensinado nas escolas de Medicina é o que é efetivamente aprendido pelos estudantes, e nem tudo que é aprendido por eles é o que lhes foi efetivamen-te ensinado, se o termo ‘ensinado’ se refere a formas didáticas de transmis-são” (Merton, 1957: 41-42; apud Champy, 2009: 48, numa tradução livre minha). Não é graças aos preceitos e exemplos deliberados anunciados em sala de aula que os estudantes aprendem a profi ssão de médico, mas “Eles aprendem também — e em muitos casos mais duravelmente — pelo seu en-gajamento constante com o pessoal médico, com outros estudantes e com os pacientes, que fazem da escola de medicina uma organização social” (Idem).

Assim, esta externalidade à sala de aula constituiria uma dimensão impor-tante — e talvez primordial — da formação profi ssional. Quando ministra-mos um ensino baseado no aprendizado dos preceitos dos autores clássicos e na capacidade de tratá-los sob as regras do raciocínio dedutivo, o que legamos aos corredores da faculdade? Como estudante, pude participar de inúmeros diálogos onde os veteranos passavam aos calouros o “jeito” que cada um dos professores gostava que suas provas fossem feitas. Sem perceber, isto se consti-tuía como um elemento essencial da disciplina e do conjunto do aprendizado ministrado. Não é à toa que o elemento prático desencaixado das Faculdades de Direito será encontrado fora delas, nos estágios ou nos “cursinhos”. No bar ou nos corredores, quando falávamos de Direito, nos reportávamos a contextos vividos nos nossos estágios. Ainda havia, para mim, uma inquieta-ção suplementar: como resgatar este elemento perdido numa disciplina como Sociologia do Direito?

Mesmo que muitos alunos passem anos a cursar Direito Contratual sem jamais terem visto um contrato de verdade ou Direito Processual sem jamais terem visto uma sentença ou um recurso de verdade, os professores destas disciplinas já contam com uma predisposição positiva da parte deles: são dis-ciplinas “práticas”. Numa sala de aula onde a maioria esmagadora dos alunos deseja se tornar advogado ou prestar concurso para uma carreira pública, como resgatar a dimensão “prática” da Sociologia do Direito? A primeira fonte da minha resposta vem da crítica de Cicourel ao modelo psicolinguís-tico como ponte entre a competência linguística e a inteligência dos alunos. No lugar de apreender um campo semântico durante o curso, e ser capaz

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de reproduzi-lo durante as avaliações, Cicourel afi rmou que é no contexto interacional que a relação professor aluno se dá, e que as competências dos estudantes podem verdadeiramente ser postas à prova. Assim:

“What is missing from the educational psychologist’s model of intelligence is the psycholinguistic’s conception of the child’s linguistic competence and how this com-petence is presupposed in the assessment of intelligence. But both the educational psychologist and the psycholinguist need a model of how attention and memory are integral to an interpretive ability necessary for learning and carrying out the tasks that comprise tests of intelligence and experiments in language. An understanding of basic theoretical issues and experimental results in attention and memory is helpful for recognizing the central role our study gives to the interactional context within which experiments, tests, classroom instructions, and evaluation takes place” (1974: 312).

A competência instilada em sala de aula não é outra senão a competência interacional, e somente tem sentido dentro do contexto no qual ela se rea-liza através de um longo processo de negociação que se dá entre professor e alunos. Não é o conhecimento jurídico que está sendo testado quando de uma prova escrita ou oral, é a capacidade de se fazer uma prova escrita ou oral. Esta visão se choca com uma concepção extremamente presente na co-munidade jurídica: a de que existe algo chamado “conhecimento jurídico”, algo que conseguimos acumular intelectualmente, ensinar academicamente e reproduzir profi ssionalmente. Assim, a sala de aula conseguiria atingir o patamar de neutralidade e sacralidade necessários à abordagem do Direito de forma descontextualizada, e os meios tradicionais de avaliação seriam a forma adequada de medir quanto do conhecimento jurídico do professor foi efetivamente transmitido, apreendido e reproduzido pelos alunos.

Mehan, ao tratar da competência dos estudantes, se preocupou em afastar uma concepção individualista e cognitiva acerca do aprendizado. O “conhe-cimento” não é a régua através da qual se mede a competência de alguém. Isto porque a competência não se encontra “na cabeça” das pessoas, mas na maneira como elas conseguem organizar e realizar o que elas sabem em rela-ção aos demais:

“Distilling these views, we obtain a conception of competence as the requisite skills, abilities, and knowledge necessary for a participation in a given community. However, We must be on guard here against an overly mentalistic and individualistic conception of competence. Th e concepts of cultural, linguistic, and social knowledge reviewed above as a distinctively cognitive orientation. Th is cognitive orientation can lead unwittingly to the position that competence is only things in people’s heads. Competence for participation in interaction is not a subjectivistic consideration. It is a social consideration. Interactional competence is not to be equated with underlying

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abilities, or reduced to the level of an individual person. (…) People must display what they know. (…) Competence, then, is assembled by people in concern with each other” (Mehan, 1979: 3-4).

Assim, “saber o Direito” apenas pode ser concebido (e testado) em con-texto e em ação, nos usos do Direito, seja quando o usamos para fazer uma petição, para dar uma sentença, para escrever um livro, para dar uma aula, ou mesmo para fazer uma prova. Assim a medida da competência e a avaliação da performance só ganham sentido quando uma relação social com elas é ins-taurada. No nosso caso, não nos interessa a relação entre juizes e advogados, ou destes com seus clientes, mesmo sendo elas profundamente marcadas pela permanente avaliação da competência interacional. Aqui tratamos da relação professor aluno, onde o primeiro tem a tarefa prática de medir a competência do segundo através de um instrumento de objetivação: a nota (v. BECKER et al, 1968: 131). Mas e a competência dos professores, como é medida? À despeito dos múltiplos e pouco institucionalizados mecanismos de avaliação docente, ser um “bom professor” é um status reputacional de que gozam alguns colegas, e geralmente vem de aspectos subjetivos da apreciação geral dos estudantes.

No entanto, Mehan afi rma a dimensão indexical da competência docente, ao tratar da relação professor aluno como uma permanente negociação das regras de avaliação: “In brief, this analysis of teacher-child classroom interac-tion has shown that the interpretation of rules is a negotiated process; teachers’ instructions are indexical expressions, which requires teacher and children to em-ploy contextually bound interpretive practices to make sense of the instructions” (Mehan, 1974: 128-129). Assim, é no emprego de práticas interpretativas contextualmente conectadas que professor e alunos negociam o sentido das atividades em sala de aula, o que inclui as avaliações.

Foi baseado nestas considerações, somadas às de ordem metodológica já expostas anteriormente, que optei pelo resgate da dimensão “prática” da So-ciologia do Direito através de um pequeno trabalho de campo, cuja negocia-ção das consignas pudesse ser o espaço para o ensino do método etnográfi co, cujas experiências vividas pelos estudantes pudessem ser valorizadas durante o curso como elementos de interpretação e fi nalmente cujo resultado fi nal, na forma de um relatório, pudesse lhes render uma nota baseada na medição de uma performance absolutamente externa ao contexto da sala de aula.

Elizabeth Mertz, ao estudar a linguagem das Faculdades de Direito, per-cebeu algo de comum no que toca o aspecto contextual mesmo dos profes-sores com estilos mais diferentes: “aspectos sutis da estrutura pragmática do discurso da sala de aula desviavam a atenção dos alunos dos quadros sociais contextuais com os quais eles estavam acostumados” (2007: 211, numa tra-dução livre minha). Muitos foram os métodos dos quais se valeram muitos

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professores de Direito para tentar incrementar suas aulas de sentido. Dentre eles o mais célebre é o método do case-study nos Estados Unidos. Não quero aqui repertoriar todos ou mesmo alguns destes métodos, mas salientar que existe um aspecto comum a todos eles: o reenquadramento contextual da relação professor aluno.

Na mini enquete, cada aluno terá o seu “case”, e ele não constituirá apenas um dos primeiros contatos do estudante com a realidade prática do Direito ou da Política, mas servirá de referencia permanente para sua intervenção durante o curso, para a interpretação dos textos e mais tarde, de parâmetro estável para a avaliação de sua performance. Por estas razões, o exercício pare-ce ser não somente um interessante elemento de ensino metodológico, como também um incremento pedagógico. É necessário, entretanto, pô-lo à prova.

3) A mini enquete na Sociologia Jurídica, um projeto brasileiro

Concluído meu doutorado, de volta ao Brasil, é tempo de me deparar com uma nova realidade: a de professor da disciplina Sociologia das Instituições Jurídicas na Fundação Getúlio vargas do Rio de Janeiro. Várias são as carac-terísticas que aproximam os contextos francês e brasileiro. Lá, minhas três turmas foram compostas por mais ou menos vinte alunos de terceiro ano, aqui minha primeira turma é composta por trinta e cinco alunos de segundo ano (saliento que no momento em que escrevo estas linhas apenas a aula de apresentação foi ministrada). Lá o curso era estruturado em dez encontros de uma hora e meia de duração, aqui ele é estruturado em quinze encontros de uma hora e quarenta minutos de duração. Lá, a maioria esmagadora dos meus alunos não se interessava pela docência e pela pesquisa em Ciência Po-lítica, aqui, apenas dois dos meus trinta e cinco alunos declararam na aula de apresentação um possível interesse pela docência e pela pesquisa em Direito. Lá, os trabalhos parlamentares são públicos por força de lei e os parlamentos tinham o hábito de receber público, notadamente estudantes. Aqui, as audi-ências, sessões de júri e de julgamento são igualmente públicas por força de lei (ressalvados os processos que correm em segredo de justiça, sobretudo nas varas de família), e igualmente os magistrados tem o hábito de receber estu-dantes universitários, que inclusive necessitam de sua assinatura ou carimbo para validar atividades junto à suas faculdades.

Tudo isto criou condições propícias para que a ideia da mini enquete cru-zasse o Atlântico comigo de volta. No entanto, algumas adaptações deveriam ser feitas, pois a homologia contextual não é absoluta. Em primeiro lugar, meus alunos franceses já estavam recém inscritos no percurso “Ciência Políti-ca”, mesmo se vinham de dois anos de ensino jurídico. Meus alunos brasilei-ros se engajaram num percurso universitário de cinco anos, jurídico do início

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ao fi m. Em segundo lugar, meu estatuto de estrangeiro facilitou a entrada do novo método na França à título do encontro de tradições acadêmicas. Ser brasileiro sem dúvida alguma me autorizava a quebrar as regras do cânone acadêmico de lá com menos desgaste que teriam meus colegas franceses que quisessem fazer o mesmo. Aqui esta questão não se coloca de jeito nenhum.

Todavia, no tocante ao encontro de tradições acadêmicas, minha experi-ência no exterior pode ser trazida ao discurso de sala de aula como elemento capaz de qualifi car o método, que de fato nasceu de uma experiência francesa, muito embora não tenha nada a ver com a tradição acadêmica daquele país, sobretudo no tocante ao ensino propriamente jurídico. No tocante à disci-plina em si, evidentemente o exercício deve ser adaptado. No lugar de uma sessão parlamentar, os alunos serão instados a observar, registrar e restituir uma pauta inteira de trabalhos judiciários (uma sessão de julgamento, uma sessão de audiências...), começando o trabalho deles por identifi car onde e como elas se passam, o que não é evidente para um aluno de segundo ano de Direito. Outra adaptação é o texto guia da discussão etnográfi ca: eu não poderia reutilizar Abélès. Decidi me valer da pesquisa etnográfi ca que Halli-day e seus coautores (2008: 189-213) realizaram no Serviço Social da justiça criminal da Escócia. Neste trabalho, não apenas eles realizam a observação etnográfi ca de uma situação cotidiana de um tribunal, como a discutem e ainda desenvolvem uma forma particular de técnica de registro de dados, que eles batizam shadow writing. Esta técnica consiste na assunção das funções de um dos membros da situação, geralmente daquele que é encarregado das atas, e na tomada das notas etnográfi cas como se fossem efetivamente uma peça jurídica, na tentativa de fazer aparecer em si o sistema de interpretação nativo.

Fico devendo ao leitor o resultado da experiência brasileira. Por ora, ape-nas posso afi rmar que a inquietude dos alunos, quando na aula de apresenta-ção a mini enquete foi anunciada como forma de avaliação, apenas pôde ser aplacada quando eu disse: “calma, calma... leiam o texto do Halliday, que nós passaremos toda a próxima aula discutindo a mini enquete”.

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1

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

Trabalho de Sociologia das Instituições Jurídicas

A observação da prática jurídica em ação:

uma forma interessante de se desvendar o Direito

Professor: Fernando de Castro Fontainha

Aluna: Beatriz Helena Fonseca rodrigues de Campos Figueiredo.

Turma: 2010.2

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2

Introdução:

Este trabalho foi dedicado a observação e análise empírica de uma pauta, composta por três

audiências, da 43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em que fora

realizada no dia 21 de setembro de 2011.

Meu objetivo inicial foi o de investigação/observação de como é a dinâmica do trabalho jurídico,

bem como as pessoas se portam diante dessa situação, tanto entre juristas e entre juristas e leigos.

Dividirei essa pesquisa em duas partes, compostas respectivamente pela (i) observação e descrição

pura e direta do que me foi apresentado na atividade e (ii) pela análise teórica dessa dinâmica com

enfoque nas relações de poder entre os profissionais do direito e a ritualização do cenário jurídico.

Ademais, gostaria de fazer uma consígnia sobre a parte descritiva. Nela, fui mais tocada pelo

espetáculo performático jurídico que se apresentou na dinâmica do que pela discussão específica

dos casos tratados nas audiências. Isso porque, nos moldes de Antoaine Garapon, antes de ser uma

faculdade moral, julgar é um acontecimento. Este contecimento é montado no palco de uma sala de

audiência e seus atores constantemente entram em competição por um pleito ou estabelecem

relações mais próximas de acordo com uma possível hierarquia existente entre os profissionais do

direito, como posto por Maria da Gloria Bonelli . Os principais autores que utilizarei para a análise

teórica da observação feita são, portanto, Antoine Garapon e Maria da Gloria Bonelli.

Vale ressaltar que sublinhei as partes que mais me chamaram atenção e dei destaque para os

diálogos travados entre os juristas.

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3

Desenvolvimento:

1. Descrição detalhada da situação:

Para a realização da pesquisa de campo, fui ao Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, no

dia 16 de setembro de 2011, na parte da tarde, para conhecer o local e conseguir pautas de

audiências, da semana seguinte, para que pudesse me programar para assistir as mesmas. Só havia

ido lá apenas uma vez e não estava muito bem situada com a disposição das varas, cartórios e as

suas competências, contudo, tinha em mente que desejava observar uma pauta de vara criminal uma

vez que gosto naturalmente da temática e também vejo mais facilidade na compreensão dessa área,

devido a periodicidade que a mídia expõe a criminalidade bem como os termos técnicos do direito.

Procurei me informar na recepção onde eram as varas criminais, e prontamente a resposta de que

seriam a partir do oitavo andar. Me encaminhei para o respectivo andar após uma longa caminhada

entre rampas e escadas e cheguei ao local. Posso descrever a disposição do oitavo andar como

sendo um saguão de recepção, com outro grande saguão a esquerda, com poltronas e outros

elevadores e rampas que levam ao nono andar, e do lado direito um grande corredor em que ficam

as varas criminais, cartórios e suas respectivas salas de audiências.

Entrei nos cartórios, me introduzindo como estudante de direito que estaria realizando uma pesquisa

de campo para a Fundação Getúlio Vargas, e pedi a pauta de audiência da semana subsequente em

cada uma delas para poder ter mais facilidade de escolha do que eu gostaria de ver. Em cada vara

que entrei todos os funcionários que me atenderam foram muito solícitos, educados e dispostos a

ajudar. Segundo Stéphane Beaud e Florence Weber: “Ser estudante traz numerosos recursos para a

realização de uma pesquisa. (...) As pessoas querem lhe fazer favores, lhe ajudar. Você não é

socialmente ameaçador.” Sendo assim, me pareceu que quando se tratam de estudantes de direito os

funcionários possuem uma obrigação natural em disponibilizar ao máximo o que o aluno/estagiário

precisa, e isso ficou evidente quando foi entregue a mim as impressões de todas as pautas em todas

as 15 varas que visitei.

Após verificar as pautas que recebi acabei me interessando mais pelas audiências da 43ª vara

criminal que ocorreriam no dia 21 de setembro de 2011, composta por 3 audiências: Tráfico de

Drogas Condutas e Afins ; Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de uso Restrito e Outros e

Estupro de Vulnerável. Escolhi essa pauta pela variedade de tipos criminais.

Exatamente na semana seguinte, no dia da realização das audiências da pauta escolhida, me

encaminhei para o Tribunal de Justiça para a observação de campo. Estava muito empolgada e ao

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4

mesmo tempo receiosa de como seria essa experiência já que era a minha primeira vez nessa

situação.

Eu não tinha idéia do tamanho da sala de audiêcnias, da disposição das cadeiras, com quem eu

deveria me dirigir para poder entrar assistir a pauta. Haviam muitas pessoas ao longo de todo o

corredor e também nas cadeiras em frente a 43ª vara. Escolhi entrar no cartório e perguntar com

quem eu deveria falar já que gostaria de ver as audiências, e obtive a seguinte resposta: “É só bater

na porta da sala de audiências e procurar a assistente do juíz. Ela que dá as informações necessárias

sobre a audiência. Não precisa ficar constrangida viu?”. E foi o que eu fiz. Entrei na sala,

devagarinho, procurando a assistente e prontamente fui atendida pela mesma. Disse que era

estudante de direito da FGV e estaria fazendo uma pesquisa de campo naquele dia para o trabalho

de Sociologia da faculdade, e se seria possivel assistir as audiências. Ela me disse que eu poderia

sentar e esperar o início da audiência sem nenhum problema. Tinha até outro estudante de direito do

meu lado para a mesma função. Estava exatamente 30 minutos adiantada. Sendo assim, pude

observar com calma todo o local em que me encontrava enquanto a secretária do juíz fazia a

chamada “triagem” das pessoas para ver se estavam presentes para a audiência.

Era uma sala pequena separada em duas por uma meia divisória com vidro. Tinha uma mesa em

formato de “T” com 3 cadeiras na base, 4 cadeiras de cada lado e uma cadeira na cabeçeira. Tinham

microfones com apoio na mesa e um computador. Um crucifixo na parede como tradição. Paredes e

pisos brancos. Estava sentada de frente para a mesa e ao meu lado tinham mais duas cadeiras para

os demais observadores. Na outra parte da sala, com a meia divisória de vidro, tinha outra mesa, só

que esta pequena, com um computador e também uma estante, alta, de madeira clara, também

pequena, com pastas de arquivo (eu supus) em toda ela. Abaixo um desenho simplório de como era

a sala:

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5

Legenda:

“S” Secretária do juíz

“J” Juíz

“PJ” Promotor de Justiça

“T” Testemunha

“AD” Advogado de Defesa

“DP” Defensoria Pública

“R” Réu

“Seta vermelha” Minha posição de observação

Passados aproximadamente 20 minutos o Juíz entra na sala, seguido do Promotor de Justiça, de

maneira descontraída, dispensando o uso da toga tradicional utilizando-se do terno e gravata, e o

Promotor de Justiça também. Sentou-se em seu lugar, exatamente no meio da base da mesa em “T”.

O Promotor sentou a sua direita e trocou algumas palavras com o juíz. Minha impressão é de que

continuavam uma conversa inacabada. Falavam sobre a filha pequena do Promotor. Trocaram risos

e alguns toques nas costas e em seguida o juíz pediu para sua secretária chamar a parte acusada da

primeira audiência, seu representante e a primeira testemunha. Prontamente o réu e a Defensora

Pública entram na sala e se sentaram. O réu na frente do Juíz e a Defensora Pública na frente do

Promotor de Justiça. O lugar ocupado pelo réu era exatamente ao meu lado. Me recordo do medo

que senti por estar tão próxima de um traficante em potencial, mesmo sabendo que estava em total

segurança. O juíz cumprimentou a defensora e trocou algumas palavras com ela também, de forma

meiga e educada. Já o promotor absteve-se de conversar com ela. Logo após entra a primeira

testemunha que também o cupa seu lugar, encaminhado pela secretária. O juíz pergunta se já está

tudo pronto para a gravação tendo o “ok” de sua secretária e inicia a primeira audiência sobre

tráfico de drogas condutas e afins exatamente as 13:50h. Nessa audiência o réu fora indiciado por

tráfico de drogas. As testemunhas, que eram policiais militares, relataram fatos referentes ao

contexto do crime e o momento da captura do acusado. Após o termino dos depoimentos o juíz

trava um pequeno diálogo com o réu e pergunta se ele teria testemunhas de defesa para o seu pleito.

Ele disse que sim, que traria sem problemas (vele ressaltar que o réu respondeu ao juíz com

rouquidão na voz, quase que em um sussurro). Então o juíz pede para sua secretária adicionar na

chamada “Assentada” (que é um termo de comparecimento e o que ocorreu na audiência), uma

outra data para que fossem ouvidas as testemunhas de defesa do réu. A defensora pública também

conversa rapidamente com o réu, de uma maneira bastante educada e polida, sobre o que fora

acordado com o juíz ressaltando a importância do comparecimento das testemunhas de defesa.

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6

Sendo assim a secretária entrega a assentada para o réu que a assina e se retira da sala de audiências

após agradecê-la e cumprimentá-la. Assim terminou a primeira audiência da pauta, dentro do

horário estipulado, mais ou menos meia hora de duração.

O juíz pede rapidamente para a sua secretária chamar a parte acusada da segunda audiência, sobre

porte ilegal de arma de fogo, seu advogado e a primeira testemunha. Eles entram e sentam

ocupando as posições de réu e testemunha semelhantes a audiência anterior. Vale ressaltar a forma

como o advogado de defesa cumprimentou o juíz e o promotor de justiça: exagerado por suas

expressões formais de falar e nervoso pelo cumprimento de mãos. O que foi percebido pelos

mesmos. O relato das testemunhas também foram sobre o contexto da apreensão de uma arma de

fogo de posse não registrada do réu. Entre um depoimento e outro o advogado de defesa pede vênia

ao juíz e ao promotor para que pudesse falar, prontamente atendido pelo juíz. Eles travam o

seguinte diálogo:

(AD): Vossa Excelência me perdoe por não ter inserido no processo as notas do meu cliente

na faculdade. Elas são muito boas por sinal.

(J): Não precisa se desculpar já que seria algo irrelevante ao processo.

(AD): Mas é que o senhor poderia ter ficado magoado com minha falta.

(J): Eu? Magoado? Que coisa absurda!

(AD): Vossa Excelência, já vi alguns juízes revoltados com falta de dados processuais.

(J): Mas essa informação seria de qualquer forma ignorada por mim! Ela não é relevante!

(Com risos de deboche ao final)

O juiz, ao término da segunda audiência, após o advogado de defesa se retirar, brinca com o

promotor sobre ele estar “magoado”, ironizando portanto a interferência do mesmo.

Como nas audiências anteriores, o juíz pede para entrar a testemunha, que era mãe da vítima, da

terceira e última audiência, sobre estupro de vulnerável. Ela entra, senta e dá o seu relato sobre o

caso. Após o término do testemunho ocorreu o seguinte diálgo entre o juíz e a mãe da vítima sobre

o não comparecimento da principal testemunha do caso, quem de fato viu o que aconteceu:

(J) E esse “X”. Porque ele não veio?

(T) Não sabia que ele tinha que vir.

(J) Teve duas vezes que a testemunha não veio porque o cartório não intimou direito. Um

absurdo isso! Pergunta se ele consegue vir sem o oficial de justiça ter que ir lá ok?

(T) Sem problema.

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Com o fim da terceira audiência, aproximadamente 16:30h, e a testemunha se retirar, me levantei,

me despedi dos juristas e da secretária e me retirei da sala de audiências com bastante material

recolhido e muitas impressões a serem analisadas.

2. Análise da situação:

Inicio minha análise, primeiramente, a luz do texto de Maria da Glória Bonelli, sobre sua pesquisa

referente ao mundo profissional do Direito. A autora identifica um campo de interações e

competições que se realizam entre os diversos profissionais que atuam no Direito (Magistrados,

Promotores Públicos, Advogados e Defensores, Delegados, Funcionários de Cartório e o Poder

Legislativo).

A competição entre esses os profissionais é colocada, no texto de Bonelli, segundo dois aspectos: as

disputas interprofissionais e intraprofissionais. Contudo, para a referente análise, utilizarei apenas o

aspecto da disputa interprofissional.

A competição se evidencia através do cargo e hierarquia que o profissional ocupa, e também na

interação com o campo jurídico (evidenciado na obra de Pierre Bourdieu como local onde existe o

princípio da oferta jurídica que se gera na concorrência dos profissionais e a procura dos profanos

que são sempre em parte determinados pelo efeito da oferta). Sendo assim, o conflito é decorrente

da existência desses diferentes lugares no sistema das profissões e mais nítido nas profissões de área

jurídica.

Os tipos de conflitos, apresentados por Bonelli, apontam para a existência de maior tensão entre os

profissioanais que estão em posições mais próximas em hierarquia e, portanto, seus respectivos

pleitos geram maior disputa. A pirâmide abaixo nos permite uma melhor visualização de tal

hierarquia entre os profissionais do direito (os delegados de polícia foram ocultados para uma

melhor visualização):

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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Os principais conflitos que foram identificados por Bonelli em sua pesquisa são:

A tensão da Magistratura voltada para o Poder Legislativo, que cria as leis a serem

aplicadas pelo Poder Judiciário.

Promotores e advogados conta posicionamento de magistrados.

Delegados manifestam conflito com os membros do Ministério Público

Funcionários de cartório concentram suas críticas aos advogados, caracterizando

alguns como desconhecedores dos trâmites legais.

Em contrapartida, a reação daqueles que estão nas posições superiores se manifestam somente

quando seus competidores conseguem representar ameaças concretas. A autora exemplifica tal

posicionamento quando parte dos juízes entrevistados sequer identifica a pressão e/ou ameaça vinda

dos promotores. Interessante essa questão, pois pude observar, antes do início das audiências, que

juíz e promotor conversavam descontraidamente, entre risos e tapinhas nas costas, sobre as

peripécias da filha pequena do representante do Ministério Público. Portanto, ao meu ver, não existe

somente um possível conflito entre cargos hierárquicos mas também um coleguismo pela

proximidade dos mesmos. O que também permite essa relação de proximidade entre os

profissionais, segundo Bonelli, seria a intensa socialização no ambiente jurídico, valores sociais

semelhantes (o que garante que os profissionais em questão pertençam ao mesmo universo)

utilização de linguagem própria, formas de agir, e até semelhança ao se vestir.

Cabe esclarecer, entretanto, no que tange a competição em seu aspecto hierárquico que segundo o

estatuto da OAB, lex 8.906/1994, em seu artigo 6º, dispõe que não há hierarquia nem subordinação

entre advogados, magistrados e membros do ministério público, devendo todos tratar-se com

consideração e respeito recíprocos.

Tendo isso em vista, pude observar nas audiências que não é exatamente assim que se dão as

relações entre os profissionais do direito. É nítida a competição interprofisional e o respeito

hierárquico dos advogados para com o promotor público e este com o juíz (com a permissão da

analogia em que o soldado faz continência ao tenente e este ao capitão). Pude observa isso

principalmente nas três audiências, respectivamente, (i) na abstenção do cumprimento entre o

promotor de justiça e a defensora pública, mesmo tendo o juíz a cumprimentado, (ii) no tratamento

do advogado com os juristas, pela forma do mesmo cumprimentar com caráter demasiado formal e

também quando ele interviu em favor de seu cliente, pedindo anexação de dado processual, o que

foi veementemente negado pelo juíz e ironizado ao final da mesma audiência e (iii) pela indignação

do magistrado com o cartório por não ter feito a intimação de testemunha corretamente.

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Sendo assim me apropriando do ensinamento de Bourdieu, nem sempre o law in books (Estatudo da

OAB) retata verdadeiramente o law in action.

O autor Antoine Garapon, também contribui muito para a análise em questão, sobretudo no que

tange a relação entre o campo jurídico e seus rituais, e a inserção de seus atores sociais.

Primeiramente o autor observa em seu texto o espaço onde acontecem os embates e decisões

judiciais. Segundo ele o local exerce um efeito inibidor, induzindo ao jurisdicionado uma certa

submissão a instituição, e o ápice desta inibição será evidenciada na sala de audiências pelo controle

direto dos profissionais do direito. Mister se faz a observação que na primeira audiência sobre

tráfico de drogas, o acusado demonstrou grande gratidão em sua despedida à defensora pública

tendo a mesma sido atenciosa com o seu caso e também por explicá-lo, ao final da audiência, o que

havia se passado e o que era necessário fazer em seguinte. Sendo assim, é possível a observação de

que o indivíduo que penetra a barreira do campo jurídico fica realmente a mercê do controle

profissional confiando totalmente naqueles que os orientam em seu pleito uma vez inibidos ao

questionamento sendo o território da justiça terreno hostil para os leigos.

Ainda me referindo a segunda audiência, foi possível observar que o réu, quando solicitada resposta

direta por um questionamento do juíz, faltou-lhe a voz e o mesmo tossiu e respondeu a ele com

rouquidão, quase sussurrando. Esse pequeno fato se liga a um entendimento do autor sobre o

comportamento do réu diante de um tribunal ou sala de audiências. Para ele, na maioria dos casos, o

acusado responde por monossílabos, com uma voz débil e insegura, hesitante e pouco habituada ao

falar ao microfone. Isso acontece porque, uma vez naquele recinto, o acusado não encontra a voz

necessária para explicar o que aconteceu por medo e receio de que seja interpretado errôneamente e

venha a se prejudicar.

Ademais, no que se refere a ordem de entrada na sala de audiência, o autor enaltece que a passagem

pela porta respeita uma ordem hierárquica. Primeiramente o Juíz seguido do Promotor de Justiça.

Exatamente como se deu na audiência que observei. Esta maneira solene de penetrar o espaço das

relações judiciais manifesta o princípio do rito jurídico. Vale ressaltar que o juíz é a figura central

desse rito. Nas palavras do autor dá-se a definição do ritual jurídico:

“O ritual judiciário é, em simultâneo, a encenação da finitude do mundo sensível no qual os

interesses são antionômicos e os homens estão divididos, e uma antecipação da perfeição.

Restitui a um povo os seus valores, seu passado e o seu direito. Relembra a todos – juízes e

partes – a harmonia a alcançar. Sem a ajuda do símbolo e do ritual, o direito seria uma mera

ideia irreal ou ilusória, pelo que necessita do símbolo para se transformar em experiência

concreta. O que exprime o ritual é o todo do direito, é o estado do direito antes de se

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subdividir numa miríade de regras. O essencial não está no ordenamento mas sim no esforço

de organização do real.”

Necessário se faz a análise do diálogo entre magistrado e advogado, na segunda audiência, a luz do

texto de Garapon. Quando o advogado de defesa interfere no andamento da audiência para se se

desculpar da falta de dados e pleitear anexação nos autos do processo as notas de seu cliente na

faculdade, o que foi veementemente negado pelo Juíz, seria para o autor, um mau uso da quebra do

silêncio no ritual jurídico uma vez que o mesmo não favorece a comunicação direta, sendo infeliz

aquele que pleiteia algo mas que não é relevante aos olhos do Juíz. Ele registra aquela intervenção e

pode se utilizar dela para uma possível tomada de decisão ou juízo de valor. No caso em questão o

jurista atribuíu valor ao pleito do advogado desmerecendo-o após o término da audiência, quando

ironizou seu discurso. Nas palavras do autor:

“O silêncio é eloquente. Infeliz do acusado que deixar o silêncio instaurar-se após uma

questão embaraçosa do presidente ou do advogado que não conseguir preenchê-lo. O

silêncio é uma arma temível e tão eficaz quanto a palavra. O tribunal é um local de discurso

que põe a prova a voz daqueles que se aventuram.”

Além disso, se faz importante frisar que como parte do ritual, todos os discursos proferidos durante

a audiência se encontram sob o domínio do juíz que os pode censurar ou solicitar. Só ele tem poder

para interromper uma pessoa, vetá-la, fazer perguntas e recentrar os debates. Sendo assim, nem

todos os discursos tem o mesmo valor na audiência, já que estes passam pelo crivo exclusivo do

Juíz.

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Conclusão:

A observação e transcrição direta do que me foi exposto nas audiências e a análise dessa dinâmica a

luz dos textos de Bonelli e Garapon, por mim realizada, da prática jurídica em ação, pôde

evidenciar e exemplificar empiricamente como de fato se dão as relações interpessoais de

competição entre os profissionais do direito bem como a ritualização que compõe o campo jurídico.

Competição esta que se realiza nos moldes hierarquicos dos cargos ocupados por estes profissionais

observados pelo poder e prestígio social e a ritualização com a encenação conflituosa de interesses

antônimos onde os homens se encontram divididos e que juízes e partes se inserem num contexto de

regras simbólicas para a resolução dos embates. Não só utilização dos símbolos (regras) que se dão

no campo jurídico transformam a experiência do rito em algo concreto mas sim o esforço de todas

as partes envolvidas, para a organização do real, o funcionamento da máquina judiciária.

Bibliografia:

BOURDIEU, Pierre. A Força do Direito: Elementos para uma sociologia do Campo Jurídico. In “O

Poder Simbólico”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, pp. 236-254.

GARAPON, Antoine. O Espaço, o Tempo, a Toga, o Discurso Judiciário. In: “Bem Julgar: ensaio

sobre o ritual judiciário”. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, pp. 48-56, 73-87, 135-146 e 327-328.

BONELLI, Maria da Gloria. A competição profissional no mundo do Direito. In: “Tempo Social.

Revista de Sociologia da USP”, Número 10, Volume 1, 1998, pp. 185-214.

BEAUD, S; WEBER, F. Guide de l’Enquête de Terrain. Paris: La Découverte, 2003, pp. 98-99 In

FONTAINHA, F. Um pesquisador na EMERJ: a negociação de uma postura de pesquisa em um

mundo institucionalizado.

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Anexo: Pauta de Audiências – 21/09/2011 - quarta-feira

43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro

13:30 0168851-14.2011.8.19.0001 Tráfico de Drogas Condutas e Afins (Art. 33 – Lei

11.343/06)

Resumo do caso:

O réu foi indiciado de estar traficando substâncias psico-ativas. O primeiro policial, que foi ouvido

como testemunha, relatou os fatos referentes ao momento de sua captura, no qual supostamente

estaria com as substâncias entorpecentes dentro de uma sacola na qual tinha anteriormente tentado

se desfazer. Outrossim, estava conversando com uma menina antes do policial o avistar,

possivelmente tentando vender-lhe as substâncias, consubstanciando-se em tráfico de drogas e

condutas afins (Art. 33 – Lei 11.343/06).

14:00 0040824-13.2011.8.19.0001 Posse Ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de uso Restrito e

Outros (Art. 16 – Lei 10.826/03), § único, inciso IV

Resumo do caso:

Segundo o depoimento dos policiais, estava havendo uma comoção num bar local enquanto estavam

patrulhando a área e se depararam com um sujeito embriagado, presumivelmente a fonte da

confusão, que estava em posse de uma arma. Os policiais deram ordem de prisão para ele e foi

indiciado por Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de uso Restrito e outros com base na

legislação vigente referente ao Art. 16 da Lei 10.826/03), § único, inciso IV.

14:30 0030902-83.2009.8.19.0205 (2009.205.031310-6) Estupro de Vulnerável (Art. 217 –

a – Cp); Lei dos Crimes Hediondos (Lei ) 8.072/90)

Resumo do caso:

Um menino teria sido constrangido de maneira involuntária e forçada a praticar sexo oral em outro

rapaz mais velho que também morava no bairro. A pessoa chamada para depor foi a mãe do

menino, que relata o caso baseando-se em suas observações como também no que seu vizinho

relatou; este por sua vez também fora solicitado para testemunhar a favor da acusação, porém

acabou por não vir. Vale ressaltar que a mãe do menino não pode ser enquadrada como testemunha,

pois ela não pode ser compromissada com a verdade já que a vítima é seu filho. Sendo assim, ela é

considerada informante.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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Trabalho de Sociologia das Instituições Jurídicas

Professor: Fernando Fontainha

Aluno: Gabriel Florêncio Marques de Menezes

Data de Entrega: 24/11/11

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Introdução

Este trabalho é baseado em uma experiência de duas tardes acompanhando as atividades de um

Ministro da Xª Turma do Superior Tribunal de Justiça, uma delas em seu gabinete e outra na sessão

de julgamento de sua Turma. Tal experiência ocorreu nos dias 15 e 16 de Agosto de 2011. A

revelação da identidade do Ministro não se faz necessária para a descrição realizada e análise aqui

proposta. Não houve, contudo, proibição de sua parte quanto ao emprego de seu nome verdadeiro

em quaisquer trabalhos posteriores à visita e breve observação do funcionamento de seu gabinete.

Com o objetivo de facilitar a escrita, substituirei seu nome por Ministro X e sua Turma no STJ por

Turma Xª.

Descrição

Começarei a minha descrição explicando como surgiu a oportunidade de visitar o STJ. O leitor verá

a importância te tal explicação no decorrer do trabalho. Meu primeiro intuito ao visitar o STJ era

conseguir um estágio não remunerado de férias no gabinete do Ministro X. Minha motivação era

conhecer, na prática, algo que vinha estudando desde o começo da faculdade e ainda era obscuro

em minha cabeça. Tenho um parente promotor de justiça em minha cidade natal que é um amigo

íntimo do Ministro X. Não foi difícil, portanto, entrar em contato com o Ministro e agendar uma

visita e entrevista em seu gabinete. A esntrevista ficou marcada para uma segunda-feira (dia 15 da

Agosto), como tenho muitos parentes e amigos em Brasília, fui na sexta-feira anterior. No dia de

minha chegada em Brasília, porém, tive acesso à informação de que para estagiar no STJ, mesmo

em programas de férias, é necessário estar pelo menos no 5º período da graduação. Nesse momento

o foco de minha visita ao Tribunal e ao gabinete do Ministro X mudou. De modo que pude

aproveitar a oportunidade que tive para observar o funcionamento do gabinete de um Ministro do

STJ, como são tomadas as decisões, como é seu relacionamento com seus acessores, como é feita a

comunicação entre o Ministro e seus pares, dentre outros aspectos.

Chamo atenção do leitor ao fato de que minha observação não teve a pretensão de detalhar com

perfeição cada momento vivido naquele ambiente. Se fosse essa minha pretensão, o leitor não

ficaria satisfeito e entenderá mais adiante o por quê. Adianto que na época da experiência em

questão, eu estava comçando o terceiro período da Faculdade de Direito e tinha pouco entendimento

do que acontecia a minha volta, especialmente no que tange ao conteúdo propriamente jurídico com

que me deparei. Esse, aliás, era o motivo de buscar um estágio ali, ter um contato prático no começo

da faculdade para, no mínimo, clarear o que é para mim um mundo tão cinzento. Minha abordagem,

portanto, se dará de maneira a descrever o que eu senti e ao me deparar com uma realidade

surpreendentemente distante a de um estudante de Direito, apesar do STJ já ser objeto de estudo

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frequente, mesmo para um aluno do terceiro período, e de como minhas expectativas sobre o mundo

jurídico prático, desenvolvidas ao longo dos primeiros meses de faculdade, foram desconstruídas

quando se depararam com a realidade.

A visita ficou marcada com a secretária do Ministro para segunda-feira às duas da tarde. Almocei

com um parente meu, um desembargador aposentado , também amigo do Ministro. Ele sabendo de

minha visita ao amigo, me deu várias recomdações e dicas de como me comportar, me disse

também para não deixar de falar que ele, meu parente, estava tentando marcar um almoço com o

Ministro a dias, sem sucesso com sua secretária. Fui levado ao STJ por um de meus primos que

mora em Brasília. Apesar de morar em Brasilia a vida inteira, ele não sabia aonde ficava o STJ e

tivemos que perguntar algumas vezes no caminho.

Ao tentar entrar no Superior Tribunal de Justiça, percebi o forte esquema de segurança, que

impediu, inclusive, que o carro do meu primo entrasse e me deixasse no prédio em que ficava o

gabinete do Ministro. Antes de entrar na área do Tribunal, tive que me registrar como visitante e

deixar um segurança colocar um adesivo em meu computador portátil. Logo que entrei, percebi que

se tratavam de vários prédios diferentes, uns para os gabinetes dos ministros, outros para as salas

que as Turmas de ministros se reunião, outro para a biblioteca, outros para salões nobres, tinha

ainda um restaurante que não conseguira identificar sua localidade exata, tinha apenas visto a placa.

Naquele momento, me senti impressionado com a magnitude do Tribunal, ainda mais por só ter

visitado cortes pequenas na cidade do Rio de Janeiro.

Subi até o andar do gabinete do Ministro X. Depois de andar um corredor muito grande, entrei na

sala de espera do gabinete e me deparei pela primeira vez com um grupo de três advogados

conversando. Não entendi exatamente sobre o que estavam conversando, entendi apenas algo sobre

“adiar o prazo”. Eles discutiam bem intensamente entre si, mas pareciam bem calmos. Depois de

alguns minutos de espera, a secretária do Ministro me avisou que ele estava voltando do almoço e

que eu poderia entrar na sala de um de seus acessores para conversar com ele. Logo que entrei, ele

se apresentou como chefe de gabinete e foi muito cordial comigo. Me perguntou especialmente

sobre meus estudos, quais matérias já tinha cursado, como era o sistema de créditos em minha

faculdde, quais eram meus interesses profissionais, falou do por quê de seu gosto pelo Direito e

falou um pouco da vida do Ministro. Respondi tudo e acabamos tendo uma conversa agradável.

Enquanto isso, o grupo de advogados ainda estava na sala de espera. O chefe de gabinete pediu

licensa, mandou um dos auxiliares do gabinete buscar um documento em algum lugar no Tribunal e

voltou a conversar comigo. O assessor chefe com quem eu conversava perguntou se eu já tinha

estudado Processo, respondi negativamente. A partir daí começou a dar uma série de sugestões e

conselhos sobre a importância de se estudar Processo. Ele enfatizou bastante que a vida do

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

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advogado e do operador do direito, em geral, é feita de prazos e como o domínio dos prazos pode

fazer a diferença na vida do profissonal, tanto na área pública quanto na área privada. Segundo ele,

prazos e formalidades pesam quase tanto quanto um bom conteúdo e uma argumentação clara,

afinal, se os prazos ou formalidades não forem obedecidos, de nada adiantará bons argumentos.

Neste momento o Ministro X entrou na sala do assessor que estava conversando comigo. O assessor

e outros auxiliares que estavam presentes se levantaram em sinal de respeito e deram boa tarde. Eu,

um pouco atrasado, me levantei e dei boa tarde. O Ministro me convidou para seu gabinete. Eu

entrei, ele me perguntou como estava minha família, especialmente os parentes que ele conhecia.

Eu logo aproveitei para dizer sobre o meu parente que não conseguia marcar um almoço com ele.

No mesmo momento ele, além de mostrar levemente irritado com sua secretária, ligou para meu

parente marcando um almoço na semana seguinte. O Ministro, então, começou a me questionar

sobre meus estudos, minha faculdade e meus interesses. Contou sua própria história, de como tinha

estudado no Rio de Janeiro, apesar de não ser sua cidade natal, e de como havia ingressado na

carreira pública. Sentia o nervosismo natural que qualquer estudante de direito estaria sentindo no

gabinete de um Ministro do STJ, mas ao mesmo tempo me sentia confortável pelo ambiente que ele

tinha construído em seu gabinete. Nada muito luxuoso ou exageradamente grande, como a minha

primeira impressão do Tribunal com um todo. O Ministro me contou de histórias cômicas que

vivenciou com outros ministros e ministras de sua Turma.

No meio da conversa, ele chamou seu assessor chefe por telefone e fez mais algumas perguntas a

mim enquanto seu assessor entrava em sua sala. O Ministro pediu que seu assessor resolvesse um

problema. Aparentemente, haveria um evento na Procuradoria Geral da República, cuja maioria dos

ministros do STJ e outras autoridades tinham assentos especiais. Ele, por ser um dos mais modernos

integrantes da Corte, tinha sido esquecido. O Ministro se mostrou calmo e até fez piadas sobre o

acontecimento. Depois que seu assessor saiu de seu gabinete, o Ministro também reforçou a

importância de se estudar o Processo, afinal, “prazos são muito importantes na atividade em que nós

escolhemos”.

O último tópico abordado em nossa conversa foi sobre o sistema eletrônico em que os votos são

publicados antes de cada reunião de cada Turma e apenas os ministros e seus assessores tem acesso.

Trata-se, segundo o próprio Ministro, de uma ferramenta de aceleração do processo decisório. Por

meio desse sistema, cada ministro sabe de antemão os votos dos outros, pode pedir vista, pode

mudar seu voto para acompanhar o ministro relator ou não, de modo que na sessão da Turma muito

pouco é novidade, ou seja, muito pouco atrasa o processo de tomada de decisões. Graças a esse

sitema o número de processos julgados em uma só sessão da Turma de ministros pode chegar a

algumas centenas. Segundo o Ministro, para o leigo é fácil pensar em princípio que um sistema

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desses empobrece as decisões, mas ao contrário, é com a adoção desses tipos de mecanismos que a

justiça brasileira ganhará mais celeridade sem, necessariamente, perder a profundidade. Ele me

explicou detalhadamente como funciona e como ele mesmo revisa todos os seus votos antes da

sessão de sua Turma. O Ministro teve que sair pois tinha um compromisso e me deixou na

companhia de um de seus assessores novamente.

O assessor perguntou como tinha sido, se eu tinha gostado da conversa com o Ministro, e me deixou

com um de seus subordinados para eu conhecer o Tribunal. Ao andar pelo STJ, fui impedido de

entrar em certos lugares pois não estava de terno e gravata, apesar de estar com uma roupa social.

Ao voltar a sala do assessor, ficou combinado que eu voltaria no dia seguinte às duas da tarde para

assistir a sessão da Turma do Ministro X, mas que seria necessário eu vestir terno e gravata.

No dia seguinte, cheguei no Tribunal na hora estipulada. Segundo seu assessor, o Ministro já estava

indo para a sessão por um caminho especial. Enquanto o assessor assistia a sessão de julgamento de

sua sala, pelo computador, um dos auxiliares me levou para assisti-lá ao vivo. Confesso que tentei

tomar notas do que era discutido pelos ministros e das defesas que eram feitas pelos advogados,

mas não consegui. Realmente não entendia o que estava sendo discutido. Ouvia e entendia as

palavras, claro, mas o conjunto de tudo, os interesses que estavam em jogo, o que estava sendo

efetivamente decido, me escapou. Aproveitei para observar a postura dos advogados que esperavam

suas defesas. Mesmo sendo advogados nitidamente maduros, me pareciam calmos demais.

Conversavam uns com os outros, mexiam em seus computadores e “tablets” tranquilamente, mesmo

esperando sua vez de sustentar uma defesa na maior corte infraconstitucional do país. Por último,

me chamou a atenção que as discussões entre os ministros eram raramente acaloradas, mesmo

quando havia discordância e conflito entre os votos, e o relator sempre era seguido pela maioria dos

votos.

Acaba aqui minha descrição dos fatos observados em minha visita de duas tardes ao STJ, mais

especificamente a descrição do que senti ao me deparar com uma realidade tão distante a de um

estudante de Direito nos primeiros anos de faculdade.

Análise

A análise da descrição feita anteriormente será baseada em dois textos lidos para a matéria de

Sociologia das Instituições Jurídicas. São eles: “A competição profissional no mundo do Direito” de

Maria da Gloria Bonelli e “Força do Direito: Elementos para uma sociologia do Campo Jurídico”de

Pierre Bourdieu, páginas 209 a 254.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

FGV DIREITO RIO 95

Alguns aspectos descritos me chamaram a atenção mais do que outros. Na verdade, visitar o STJ

com a mentalidade de um estudante de 3º da graduação em Direito me mostrou como eu possuo

conceitos pré-formulados na faculdade que não são, necessariamente, verificáveis no mundo

prático. Analisarei aqui algumas situações que foram de encontro com a expectativa ou imagem

mental construída por mim do que seria a realidade do campo jurídico.

É importante intruduzir o conceito de campo jurídico, como apontado por Bourdieu, como o lugar

em que, primeiro, são interpretadas as normas por um grupo de agentes, capazes tecnicamente e

reconhecidos socialmente, segundo, em que são definidos os graus de legitimidade de tais agentes

para dizer o direito. A definição de quem é tem o monopólio para proclamar o Direito é

acompanhada da concorrência entre os agentes capacitados, que por sua vez, acabam sendo

motivados a tomarem certas condutas. Além de criarem um corpo de normas com uma lógica

própria, diferentes da lógica das outras ciências sociais, principalmente para conferir legitimidade

ao Direito, os profissionais envolvidos no campo jurídico tendem a aumentar e consolidar a cisão

existente entre eles e os chamados profanos.

O primeiro aspecto da descrição a ser abordado será o da linguagem. As situações vivenciadas e

descritas em que eu me deparei com a linguagem jurídica e não a compreendia, serviram para

fustrar a expectativa construída previamente de que, depois de estudar Direito e ter iniciado minha

socialização ao mundo jurídico pelo período de um ano e meio, eu seria capaz de não apenas

entender o significado individual das palavras, mas que também entenderia o conjunto de interesses

em jogo. Nas duas situações descritas envolvendo a linguagem jurídica, prmeiro os três advogados

conversando na sala de espera e depois a própria sessão da Xª Turma, percebi que não bastava

entender os vocábulos de forma isolada, não sistêmica, para ter minha expectativa de entender o

conflito de interesses em jogo atendida.

Bourdieu, interpreta a liguagem que proporciona o funcionamento do campo jurídico e contriubui

para seu distânciamento da lógica das outras ciências sociais, como uma combinação de elementos

derivados da língua cotidiana com elementos cuja origem não remonta à lingua dos profanos, em

outras palavras do próprio autor, “ocorre um uso particular da linguagem vulgar” que gera

neutralização e universalização. Tal leitura se encaixa na minha interpretação das situações vividas

no STJ, na medida em que eu não consegui interpretar o real sentido dos diálogos observados,

apesar de entender as palavras isoladas. Claramente, o minha interpretação levou em conta apenas

os elementos derivados da língua cotidiana e minha breve socialização ao mundo jurídico não foi

sufuciente para eu combinar tais elementos com os próprios da linguagem jurídica.

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SOCIOLOGIA DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

FGV DIREITO RIO 96

O fato de eu ter criado certa expectativa de começar entender a língua jurídica depois de alguns

breves meses de estudo do Direito sugere que a socialização no mundo do Direito começa na

graduação. Na verdade, a graduação em Direito tem papel importante em contingenciar a

complexidiade comportamental dos bacharéis, ou seja, definir padrões para que haja equilíbrio

quando o recém-formado se relacione com outros recém-formados e, principalmente, com

profissionais mais experientes. Por termos contato diário, ao menos teórico, com questões jurídicas,

algumas delas complexas, temos a sensação de fazer parte do mundo jurídico. Não só temos a

sensação, como queremos nos sentir parte do mundo do Direito.

Maria da Gloria Bonelli afirma que a socialização ao mundo do Direito se dá por uma linguagem

característica, o jeito de agir, aparência, o convívio diário com questões de justiça, dentre outros.

Tal explicação sugere que a socialização já começa na graduação, com o convívio com professores

devidamente socializados e com outros alunos sendo moldados. O processo de socialização pode ter

diferentes graus de intensidade, como expicíta Bonelli em relação aos diferentes profissionais

abordados em seu trabalho. Diferentes faculdades de Direito também influenciam em diferentes

graus no processo em questão. Minhas expectativas em relação ao mundo jurídico prático poderiam

ser extremamente diferentes se estudasse em uma faculdade cujo foco fosse diferente da instituição

que curso. De modo que, um aluno de outra instituição poderia ter suas expectativas atendidas em

seu primeiro contato com o mundo jurídico prático, bem como poderia ter desenvolvido diferentes

expectativas quanto a este.

O fato que mais me chamou a atenção e veio de encontro às minhas expectativas foi a forma como

são compartilhados os votos antes de cada sessão. Como explicado na descrição, os ministros usam

um sistema eletrônico em que os votos são publicados antes da sessão de julgamento. Só os

ministros e seus assessores têm acessso ao sistema. Os votos podem ser revisados, alterados, pode-

se trabalhar melhor um argumento que tiver sido questionado no voto de outro ministro,

acompanhar o voto do relator, pedir vista do processo e adiar seu julgamento e mesmo trocar

mensagens eletrônicas com outros ministros.

Tinha criado certa expectativa de confirmar, com minhas observações, a vaidade que envolve as

decisões da Corte e principalmente a argumentação dos ministros. Meu pensamento, e de muitos

outros profissionais ou profanos, era de que existia necessariamente inimizade entre os ministros e

que essa rivalidade era observável especialmente nos seus votos e argumentações. O fato de alguns

julgamentos serem transmitidos ao vivo por televisão em rede nacional seria, no meu raciocínio, um

fator que incentivaria a vaidade e rivalidade entre os ministros. Minha observação sugeriu, contudo,

um cenário bem diferente do esperado. Primeiramente, o número de processos julgado por sessão é

surpreendentemente alto, chega na casa das centenas de processos em um único dia, sugerindo que

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não há discussões e conflitos entre os ministros nas reuniões das Turmas que atrasem demais as

decisões. Segundo, mesmo quando há certo desentendimento, as discussões não são acaloradas,

afinal, todos já sabem os votos de todos, de maneira que se existe discordância, os ministros já se

posicionam no sistema eletrônico de antemão. Por último, quanto à minha expectativa de que

haveria rivalidade entre os ministros, a conversa com o Ministro X em seu gabinete me sugeriu o

exatamente o contrário, quando ele me contou histórias envolvendo outros ministros e ministras em

momentos que extrapolavam a relação profissional e adentravam nítidamente a esfera da amizade.

Maria da Gloria Bonelli afirma em seu trabalho que a competição intraprofissional consiste nos

atritos e tensões típicas vivenciadas pelos profissionais do mundo do Direito com seus pares. Esse

tipo de competição é influenciada por várias questões, como, por exemplo, o viés de seleção de

novos candidatos, que pode inclusive permitir que haja predominância de determinado gênero ou

etnia em certa carreira, criando os atritos intraprofissionais com as minorias. O conceito de

competição interprofissional se opõe a uma interpretação mais simplista de que os profissionais de

uma mesma carreira constroem um grupo unificado e coeso, segundo Bonelli.

A autora analisa em seu texto uma comarca de médio porte em que claramente, como atestado pelos

profissionais entrevistados, há competição intraprofissional. Minha breve observação do gabinete

de um Ministro e de uma sessão de julgamento da Turma X do STJ, sugere que não

necessariamente há competição intraprofissional entre os ministros, como aponta o senso comum,

que acredita em rivalidade e vaidade nesse patamar do Poder Judiciário. Ao meu ver, o fator que

mais influencia e motiva a competição intraprofissional é o grau de importância da carreira

analisada. Não pretendo atestar aqui que necessariamente não há competição intraprofissional entre

os ministros do STJ. Entretanto alguns aspectos observados, como o fato dos ministros manterem

uma boa relação entre si, algumas vezes adentrando o âmbito da amizade, grande parte das

discussões se darem de maneira interna, pelo sistema eletrônico, não permitindo que a vaidade

individual prevaleça nos votos dos ministros, o fato de os ministros seguirem o voto do relator, na

maioria dos casos observados, dentre outras coisas, me inclina a pensar que, por se tratar de um dos

patamares mais elevados da carreira jurídica, a competição intraprofissional entre os ministros do

STJ é menor do que em comarcas de médio porte, em que o potencial de crescimento futuro na

carreira é muito maior.

Finalizo minha análise satisfeito com a abordagem proposta, primeiro, de descrever e analisar como

um estudante de Direito em seus primeiros meses de faculdade reage ao se deparar com o mundo

jurídico prático em dois dias de observação da maior corte infraconstitucional do país, objeto

frequente de meus estudos teóricos na graduação, e, segundo, como minhas expetativas alimentadas

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nos breves meses início de socialização ao mundo do Direito foram quebradas quando confrontadas

com a realidade.

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre. A Força do Direito: Elementos para uma sociologia do Campo Jurídico. In “O Poder Simbólico”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, pp. 209-254.

BONELLI, Maria da Gloria. A competição profissional no mundo do Direito. In: “Tempo Social. Revista de Sociologia da USP”, Número 10, Volume 1, 1998, pp. 185-214.

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O PLANTÃO JUDICIÁRIOEstudo da dinâmica social: os símbolos e o papel do Poder

Judiciário

Walter Britto Gaspar

FGV Direito Rio 2010.2

Novembro de 2011

Sociologia das Instituições Jurídicas

Professor Fernando Fontainha

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INTRODUÇÃOEste é um trabalho que pretende documentar e estudar a dinâmica de trabalho do plantão

judiciário do Foro Central de uma grande capital brasileira. Baseia-se na observação de parte desses

plantões em diferentes dias da semana. As informações dispostas são fruto da observação e de

conversas com as pessoas envolvidas na atividade.

O funcionamento de um plantão revela as entranhas do judiciário nacional: longe das salas de

audiência e das deliberações dos operadores do direito, o plantão judiciário é a sala de

operacionalização dos ditames legais. Por lá transitam pedidos de habeas corpus, mandados de

segurança, comunicações de prisão em flagrante, decretações de prisões preventivas ou temporárias,

pedidos de busca e apreensão, medidas cautelares. Tudo isto sujeito à urgência, pois é esta a função

do plantão judiciário: atender às demandas imperativas a que os expedientes normais não

atenderam.

É, portanto, a sala do plantão judicial, tanto quanto ou mais do que qualquer tribunal de vara

comum, uma casa de direito. A natureza dos assuntos tratados e o caráter limítrofe das situações

encontradas desenham um ambiente em que se trata, a cada instante, de decisões que determinam a

proteção, ou não, de direitos fundamentais. O direito como coisa concreta apenas existe nas

manifestações como as que são encontradas lá, enquanto prática jurídica; no mais, são palavras em

códigos. O direito brasileiro nasce nas práticas de instituições jurídicas que são operadas por

pessoas sujeitas a pressões pessoais, sociais, políticas, econômicas, religiosas, de toda sorte.

A análise de um conjunto de fatores autoriza a composição de um estudo sobre o animus que

impera sobre a instituição e, consequentemente, a forma como o direito e a justiça serão tratados: o

ambiente em que se desenrola essa atividade judiciária; o comportamento dos funcionários – juízes,

desembargadores, técnicos judiciários, oficiais de justiça; as relações sociais travadas e as estruturas

de poder a que dão origem.

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DESCRIÇÃOMinha observação dos plantões judiciários teve início com uma visita preliminar ao Foro

Central na Comarca da Capital. A experiência sociológica começou no caminho. Fui acompanhado

por minha mãe, pois minha situação atual – recupero-me de um atropelamento em que quebrei a

perna esquerda – faz-me sentir frágil diante da empreitada de ir a um local desconhecido e distante

em que não tenho a mínima ideia do tipo de recepção que terei. Fomos, então, de táxi até o centro

da cidade e o percurso foi pontuado por uma discussão entre ela e o taxista sobre o poder judiciário

brasileiro. Das impressões colocadas, a mais marcante foi a de que os julgamentos mais

interessantes acontecem no tribunal de júri, em que há um aspecto “teatral” e “apaixonado” que

torna toda a experiência mais excitante e aprazível. Minha opção por um plantão judiciário seria,

por isso, um erro: seria mais como um escritório de despachos burocráticos do que um tribunal “de

verdade”. Ao chegar lá, no entanto, a impressão que tive foi diametralmente oposta.

O centro da cidade do Rio de Janeiro é um local de grandes avenidas e edifícios, e o prédio

em que funciona o plantão judiciário não foge à regra. É de arquitetura grandiosa e alto e tem a

particularidade de parecer neutro: suas cores, seus traços, tudo contribui para a imagem de um titã

que observa as querelas mortais com superioridade quase divina. O local aonde funcionam os

plantões, no entanto, não reproduz a grandiloquência do prédio em que funciona. Entra-se no local

pela porta de trás, que, no momento, situa-se em frente a um imenso canteiro de obras públicas. Ao

chegar ao estacionamento externo que dá acesso ao local, a pessoa depara com sinalização pífia e,

ainda por cima, errada – o desavisado que seguisse a indicação caminharia até a feira de

antiguidades que funciona ali perto, distanciando-se de seu objetivo. A sala do plantão situa-se a um

canto do estacionamento interno, atrás de uma porta de vidro com as palavras “Plantão Judiciário”

em adesivo dourado. Para chegar até lá, a pessoa passa por uma guarita com dois policiais militares

que guardam os carros estacionados. Tudo indica que se está a encaminhar para um local que

apenas existe por força da necessidade, mas que não fora planejado originalmente.

O interior da sala é semelhante a qualquer repartição pública ou sala de espera de banco.

Cadeiras de tecido preto em fileiras diante de um balcão encravado na parede, por detrás de uma

divisória de vidro com buracos para a comunicação. Nenhuma janela. Paredes de cor levemente

amarelada dão uma atmosfera sóbria, porém quente, ao local e contrapõem-se à frieza das lâmpadas

brancas. Fora a parede em que se encontra o balcão, uma parede vazia e duas com portas – uma leva

ao gabinete do juiz e a outra, à sala do defensor público de plantão. Nenhuma janela. O interior da

ala atrás do balcão, aonde trabalham os técnicos judiciários, tem paredes brancas, mesas e um

amontoado de papéis, documentos espalhados como um mar interminável. O Ministério Público

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também tem um setor reservado, porém fora do local aonde estão os demais, na ante-sala do

plantão.

Sobre os personagens desse panorama paira o ar de urgência típico das atividades que ali se

desenrolam. Um par de advogados usando ternos baratos, de olhos injetados, olhar e postura

cansados, está apoiado no balcão. Conversam com o técnico que os atende em um linguajar típico

da profissão. A relação entre o atendente e os advogados é de paridade: não há indicação em seus

tons de voz de dominância; suas posturas indicam atenção ao que o outro diz – cabeças levemente

inclinadas para o lado, atentos.

As pessoas que esperam sentadas nas cadeiras têm olhos vítreos, suplicantes. Suas demandas

são urgentes, porém a justiça não funciona como uma mãe que atende a todas as vontades de sua

criança mimada. Ela se envolve em análise detida dos problemas que chegam a ela, e esse seu

tempo os suplicantes precisam aceitar, sentados à distância e fora da linha de visão dos profissionais

que ali trabalham. É a sala do plantão uma sala de olhares parados e respirações hesitantes. A

qualquer momento, o despacho derradeiro pode sair e a solução para um caso ser entregue.

Enquanto, no entanto, não houver essa decisão, todo o poder, e a responsabilidade que o

acompanha, reside nas mãos dos funcionários que ali estão.

Os técnicos judiciários são engrenagens enferrujadas do mecanismo que funciona nas tripas

desse titã. Os fins de semana são os mais cheios, com o movimento intensificando-se a partir da

quarta-feira. Os plantões estendem-se por vinte e quatro horas nos fins de semana e eles têm que

virar noites a serviço, às vezes sem tempo nem mesmo para almoçar. O esforço hercúleo que

despendem para desamontoar os processos em sua mesa é demonstração da gritante insuficiência do

amparo à sua atividade: são apenas três, em alguns casos dois, profissionais para atender a centenas

de pedidos. Cansados, roupas amarrotadas, olhar enevoado por preocupações e impaciência. Eles

são a verdadeira face da justiça na sala em que o juiz é uma presença constantemente ausente,

enclausurado qual criatura mitológica em seu escritório particular por trás de uma das portas da

sala, e o desembargador é ainda mais distante, disponível em sua residência, porém raramente

presente na sala do plantão.

Conversando com esses técnicos judiciários, pude obter um panorama do dia-a-dia do lugar.

Segundo relatado, 95% dos casos que chegam à bancada envolvem problemas com planos de saúde

que não querem pagar por um tratamento ou uma cirurgia de emergência. O segundo lugar é de

ações contra o estado ou o município exigindo leitos em UTI pública, seguido por pedidos de

habeas corpus e pelas comunicações de flagrante de polícia civil. O ritmo de trabalho, conforme já

colocado, é pesado e ininterrupto: ao chegar lá pela primeira vez, encontrei apenas dois

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funcionários regulares, pois um deles havia passado mal e voltou para casa, e mais um, de um setor

distinto, que os ajudava a pôr em dia o trabalho. Um deles estava trabalhando desde o dia anterior

sem dormir e alimentando-se precariamente.

Além dos três que ficam de plantão, dois oficiais de justiça estão sempre a postos para a

execução de qualquer ordenação judicial. Há, ainda, a defensoria pública por trás de uma das

misteriosas portas do recinto: para lá são encaminhados os desamparados que têm uma demanda,

porém não são capazes de pagar pela guarida de um advogado particular.

Minha segunda visita foi em um dia mais calmo. Ainda assim, três técnicos mantinham um

ritmo acelerado de trabalho, declarando falta de pessoal para lidar com o volume de demandas.

Havia menos gente esperando a decisão da juíza de plantão na sala, porém os casos não eram menos

extremos. Uma mãe inquieta despejava sua angústia pela sala em imprecações lançadas contra a

força policial. “Tem uns que presta, mas aquela delegada lá não tem coração! Minha filha grávida

na cadeia... você imagina o que é p’ra uma mãe ver isso”. A mulher esperava o habeas corpus para

sua filha, presa durante uma briga com o marido, que a espancava.

Enquanto isso, sereno esperava um advogado sentado pela decisão da juíza – seu cliente

acompanhava a maioria dos casos: exigia de sua companhia de seguros o pagamento de serviços

médicos emergenciais. O operador do direito parecia habituado à situação e conversava calmamente

com um investigador da polícia que porventura estava presente, certo de que o direito caminhava

segundo as linhas de sua petição exigiam. Após algum tempo a secretária da juíza sairia para sanar

dúvidas a respeito da mesma, dispensando-lhe o tratamento respeitoso de quem coloca seu

interlocutor em um nível de compreensão equiparado ao seu.

A situação diferia profundamente do caso que se apresentou em seguida: um homem era

atendido aos berros por um técnico judiciário cansado, estressado e incapaz de mostrar-se

compassivo em relação ao homem que, a seu ver, não compreendia os caminhos da justiça e o

importunava com perguntas referentes aos trâmites do próprio plantão judiciário. O pedido é a

demonstração mais clara do caráter emergencial das causas que chegam ao plantão: a esposa do

cidadão em questão, portadora do vírus da AIDS e gravemente afetada pela doença, precisava estar

ligada ininterruptamente a aparelhos; a Light cortara a energia de sua residência e o homem

suplicava ao Estado os meios para mantê-la viva. A juíza tinha em mãos neste momento, de fato, a

vida de uma pessoa.

À ocasião, perguntei pelo juiz e pelo desembargador. O primeiro foi tratado como participante

do fluxo de trabalho em que todos estavam envolvidos. Um parceiro na luta contra a imensa

profusão de processos a se decidir. O discurso do técnico judicário que me atendia foi conciliatório,

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visando a justificar o claustro do juiz e sua recusa em realizar audiências. “Ele tem muito trabalho,

não tem tempo p’ra audiência (...) A gente também, olha ali”. O juiz é colocado como uma peça-

chave do funcionamento do plantão judicial que está tão envolvido quanto os próprios técnicos na

tarefa a cumprir, e por isso é defendido ante um questionamento que é visto como advindo de um

julgamento negativo.

O desembargador, por outro lado, é figura a que não se empresta respeito ou apreço, pois está

afastado da realidade em que os demais se inserem. Conta-me o homem, como exemplo do

comportamento dos desembargadores de plantão, sobre um que vive na Barra. “Ele fica na casa

dele, lá na Barra, nem vem aqui. Só responde em caso de urgência, quando tem que assinar alguma

coisa”. Ainda, sobre um outro, este bem-visto porque presente no quotidiano: “Só tem um que vem

aqui, mas ele fica só até nove horas. Porque a gente tem que ficar aqui a noite inteira: o plantão vai

de onze da manhã até às onze do dia seguinte”. A impressão que se passa é que a auto-imagem de

grupo é de uma falange de guerreiros grega: os funcionários defendem-se uns aos outros, pois

reconhecem que sua missão é árdua e que alguns perecerão. São respeitados como guerreiros

aqueles que se esforçam por cumprir o objetivo à frente, e esses merecem a proteção dos escudos e

lanças de seus companheiros. Os que, por outro lado, pertencem àquele grupo apenas por força da

denominação estatal, porém que não participam da luta diária e não enfrentam o inimigo “olhos nos

olhos”, não merecem o apreço desse grupo de elite.

São, de fato, um grupo de elite. Um dos técnicos, ao descrever a atividade que desenrolavam

no plantão, comparou-o a um “hospital de campanha”. “Aqui é assim, feito hospital de campanha,

mesmo, sabe? A gente pega, faz o curativo na ferida e já parte p’ra próxima”. Lidam com situações

de vida ou morte tanto quanto um médico plantonista em qualquer hospital público teria que o fazer.

As agruras e dificuldades por que precisam passar fazem deles um irmandade, cria um elo de

identidade em que todos são pedras fundamentais na construção da Justiça. Pois que é, nesta sala,

construída a Justiça: não os ideais que habitam o imaginário popular ou as elucubrações teóricas,

mas a concreta Justiça que baseia-se nas garantias fundamentais ao cidadão, que é capaz de tirá-lo

das garras da morte ou do terror do cárcere ou de mantê-lo lá. Não é, portanto, a meu ver, de

maneira alguma entediante o ambiente encontrado na sala do Plantão Judiciário. Sua aparência é de

uma casa de burocracia, um local aonde o tempo demora a passar, esquecido pelo próprio Estado.

No entanto, a realidade é de uma instituição que tem a árdua tarefa de transferir para o papel e fazer

transitar pelo sistema jurídico as paixões da população, seus desejos de liberdade e vida, sua

iminente necessidade de ver garantidos seus direitos.

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ANÁLISEO panorama observado em um plantão judiciário é o extremo oposto ao colocado por Antoine

Garapon em seu “Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário”. É a negação dos diversos códigos e

padrões colocados pelo autor, que conformariam uma ritualística do direito, e estabelece uma ordem

de produção em massa, uma lógica da eficiência que se sobrepõe à necessidade de confirmação e

legitimação simbólica da coisa jurídica. Ainda assim, é o espaço simbólico de defesa dos direitos

fundamentais, colocados sob a égide da justiça enquanto “agência de controle da vontade do

soberano” (VIANNA, 1999). É um baluarte de resistência das minorias, das camadas pobres da

sociedade, diante dos campos políticos-legislativos em que impera uma prática distanciada da

realidade do dia-a-dia do povo.

Como colocado magistralmente por Luiz Werneck Vianna em “A Judicialização da Política e

das Relações Sociais no Brasil”, um extenso processo histórico, que perpassou o Welfare State

norte-americano, investiu o Poder Judiciário do papel de “legislador implícito”1. Ademais, a

positivação dos direitos fundamentais, consubstanciados eminentemente na Declaração dos Direitos

do Homem, reintroduziu no direito “a ideia de justiça, que o positivismo jurídico recusara”,

reforçando, desta forma, “os processo originários do Welfare State, que teriam conduzido à perda de

nitidez das fronteiras distintivas, na esfera pública contemporânea, entre a política e o direito”2.

Este ponto de vista coaduna com a exposição do animus reinante no plantão judiciário

conforme apresentado na primeira seção deste trabalho. Aliás, sua referência a Dworkin ao realizar

descrição dos magistrados como seres míticos, “empenhados em abrir caminho, por meio de

decisões exemplares, à realização do justo”3, é demonstração da aplicabilidade de tal interpretação

do papel institucional do judiciário ao caso ora estudado. Conforme disposto anteriormente, o

plantão é casa de direitos e, principalmente, de realização de garantias para minorias, para os pobres

e excluídos das políticas públicas. São os plantonistas representantes legítimos da função do poder

judiciário como guardião do inexorável, do inelutável por vias executivas ou legislativas. De fato, o

próprio eixo substancialista de Dworkin e Cappelletti para interpretação da judicialização da

política coloca como papel precípuo deste poder “tomar decisões de princípio, não de política –

decisões sobre que direitos as pessoas têm sob o nosso sistema constitucional, não decisões sobre

6

1 Apesar de tratar-se processo histórico norte-americano, o próprio Werneck Vianna o utiliza para analisar transformações no Judiciário brasileiro, posicionamento que se reproduz neste trabalho.

2 VIANNA, Luiz Werneck et alii. Introdução. In “A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil”. Rio de Janeiro: Revan, 1999, pp. 21-22.

3 Idem, p. 23.

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como se promove o bem-estar geral”4, justamente a operação realizada corriqueiramente em um

plantão judiciário: a garantia dos direitos individuais, sem maiores conjecturas a respeito dos efeitos

políticos das decisões.

O plantão judiciário tem, portanto, um caráter ambíguo em suas representações e símbolos.

Enquanto, por um lado, é locus primordial de defesa de direitos individuais fundamentais –

porquanto entremeado por princípios basilares do constitucionalismo brasileiro contemporâneo –;

por outro, organiza-se de maneira avessa às representações típicas da justiça – como elemento

distanciado da existência profana5, com espaço, tempo e costume alheios às transformações da

sociedade. Não é, à primeira vista, o plantão judiciário um representante da justiça, mas de uma

burocracia tediosa, oposta à ideia corrente da defesa “apaixonada” e “teatral” das garantias

individuais. Entretanto, basta restar sentado algumas horas em uma de suas cadeiras de tecido puído

que se revela a natureza feroz de sua atuação, o aspecto muito mais do que teatral – porque

verdadeiro, com toda a intensidade do termo – dos casos que por ali transitam.

Neste ponto, cumpre tratar da observação e análise realizada por Antoine Garapon na obra já

citada6. No segundo capítulo, o autor discorre sobre uma série de aspectos formais do julgamento

que compõem no palácio da justiça uma realidade à parte. Este novo plano é o campo do

pensamento detido e baseado nas leis, aonde não se permite a penetração de idiossincrasias dos

operadores do direito e aonde se reprime manifestações avessas ao cumprimento pleno da tarefa de

bem julgar.

Primeiramente, deve-se analisar o tempo judiciário colocado por Garapon. É um tempo que

“compensa as lacunas do tempo profano” por ser inteiramente dominado. É marcado por atos que

separam-no em sessões distintas, como a “procissão judiciária”, as “frases rituais” e os períodos

judiciários. O objetivo deste tempo ritual seria simbolizar a passagem de um universo sensível em

que há disputas de poder entre os indivíduos para um universo ideal em que se busca a conciliação e

resolução dessas disputas, em que o homem se desprende dos meios primitivos para cumprir sua

vontade e entrega seu destino ao juiz.

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4 DWORKIN, Ronald. “Uma questão de princípio”. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 101.

5 Utiliza-se aqui a denominação “profano” para o cidadão comum, não iniciado na ciência e nos costumes do direito, à oposição do operador de direito, do magistrado, advogado, técnico judiciário etc., conforme utilizado por Garapon na obra-base deste trabalho.

6 O que é aqui disposto a respeito dos escritos de Antoine Garapon refere-se aos capítulos 2, 3 e 6 de sua obra “Bem Julgar: ensaio sobre o ritual judiciário”. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

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O que se encontra no plantão judiciário é um tempo muito diferente do apresentado por

Garapon. Não há uma desaceleração ou separação marcada. É, em verdade, a adoção de um ritmo

frenético de urgência. Este ritmo está representado no constante entra-e-sai dos funcionários que

circulam para entregar papéis e colher assinaturas e no tom de voz apressado em que as conversas

são travadas entre advogados e técnicos judiciários. Ainda, na espera impaciente dos atendidos nas

cadeiras e ao balcão, que têm a necessidade imediata de verem resolvidos seus problemas, mas

precisam quedar inertes diante dos caminhos da justiça. O que ocorre não é precisamente uma

transformação entre o profano e o judiciário, pois observa-se que o tempo das ruas, o compasso

inflamado dos corações e mentes que têm sua vida e liberdade por um fio, é naturalmente

reproduzido dentro da sala de espera. É o cidadão que leva o seu ritmo ao plantão judiciário, não o

plantão que impõe ao cidadão um ritmo diferenciado.

A vestimenta, segundo fator estudado por Garapon, é no plantão não tão distinto do colocado

pelo autor. A toga judiciária é descrita em “Bem julgar” como traje ritual que destaca o magistrado

de sua condição de mortal; cujo negrume simboliza a indiferença ante os assuntos profanos; que

carrega em si o próprio corpo social. É a marca da superioridade da instituição sobre o homem que

está encerrado sob o pano. Em um plantão judiciário, não difere esta função, porém a veste é outra.

O juiz e o desembargador, como colocado, são figuras que vestem-se de ausência e,

consequentemente, têm a aparência imaginada da própria justiça personificada para os que lhes

levam suas demandas. São o corpo social, são avatares imortais da força do Poder Judiciário, pois

não têm representação física definida, mas utilizam como máscara a própria instituição – o espaço

propriamente dito, as pessoas que o compõem e as funções nele exercidas.

Por fim, o discurso judiciário é posto por Garapon como elemento que diferencia leigos e

iniciados e, neste ponto, sua análise é congruente com o que é encontrado no ambiente estudado

neste trabalho. Percebe-se uma clara distinção entre os usos das palavras e dos tons de voz quando o

discurso desenrola-se entre operadores do direito e entre eles e os profanos. O tratamento do

cidadão comum que chega ao plantão é feito pelos técnicos judiciários, que pressupõem a

incapacidade daquele de compreender o jargão da justiça. Por outro lado, os advogados que

comparecem são tratados “de igual para igual”. Não há, no entanto, em hipótese alguma, o caráter

performático do tribunal observado por Garapon: o ambiente é tomado pelo pragmatismo e toda a

comunicação visa à eficiência, não à construção de símbolos de justiça.

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CONCLUSÃOObserva-se no plantão judiciário uma atuação que pressupõe seu papel de guardião dos

direitos individuais fundamentais. Isto é patente nos modos dos funcionários que trabalham lá, os

“trezentos de Esparta” diante da enxurrada de demandas que chega ao plantão. Ele dialoga

simultaneamente com a ideia do substancialismo de Dworkin, da judicialização das relações sociais

de Werneck Vianna e com o universo simbólico de Garapon. Seu simbolismo não é, no entanto,

baseado em manifestações reproduzidas ao longo da história, mas uma representação clara do

zeitgeist em que se insere. Em um tempo de workaholics, de experiências transmídia e

comunicações instantâneas, o poder representado nos plantões judiciários é uma extensão da

realidade diuturna do cidadão, obedece a uma lógica de eficiência que ignora a necessidade de

reafirmação de seus símbolos típicos. Isto talvez seja fruto do próprio reconhecimento do

substancialismo e da judicialização nas mídia: o homem não vê mais o direito como elemento

distante; ainda que desconhecido, reconhece-se sua função de derradeiro defensor dos interesses

individuais diante dos poderes Executivo e Legislativo desacreditados. O brasileiro não acredita no

Estado como entidade distante cercada de rituais, pois busca aproximar a máquina estatal de seu

universo íntimo: é “homem cordial” que guia suas relações sociais pelas relações que cria na vida

doméstica7. A “desritualização” do judiciário é consequência natural da legitimação deste poder, da

aceitação de sua atuação como voz do povo inconformado diante dos desmandos de seus

governantes.

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7 HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Raízes do Brasil”. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 146.

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FERNANDO DE CASTRO FONTAINHAÉ Professor da FGV Direito Rio e Pesquisador do CJUS — Centro de Jus-tiça e Sociedade. Possui doutorado em Ciência Política pela UM1 — Université de Montpellier 1 (França), mestrado em Sociologia e Direito pela UFF — Universidade Federal Fluminense, e graduação em Ciên-cias Jurídicas e Sociais pela UFRJ — Universidade Federal do Rio de Ja-neiro. É Pesquisador Associado do CEPEL — Centre d`Études Politiques de l`Europe Latine (França). É Diretor da Associação Brasileira de Ensino do Direito — ABEDi.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0139847188403527Página Institucional FGV: http://direitorio.fgv.br/fernandofontainhaPágina Institucional CEPEL: http://www.cepel.univ-montp1.fr/spip.php?article37

LUANDA CHAVES BOTELHOÉ Tutora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Possui mestrado em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Tecnologista em Informações Geográfi cas e Esta-tísticas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE).Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2815361628086356Página Institucional FGV: http://direitorio.fgv.br/graduacao/progra-ma-de-tutoria/corpo-de-tutores

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO