Sociologia - o Estudo Da Sociedade

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sociologia: o estudo da sociedade*Professora Livre Docente do Departamento de Educao do Instituto de Biocincias da UNESP-Botucatu.

sociologia da educao

Marlia Freitas de Campos Tozoni-Reis

Resumo: O texto traz uma apresentao geral da Sociologia como cincia que se preocupa com a explicao da vida social que tem origem na modernidade, isto , uma cincia que surgiu para explicar a vida social que se complexificou com a organizao capitalista da sociedade. Em seguida, o texto aborda a importncia de trs pensadores clssicos da Sociologia: Marx, Durkheim e Weber. Podemos encontrar no texto as principais idias de cada um desses trs pensadores na explicao da vida social, culminando com a contribuio de cada um deles para a compreenso da funo social da educao na sociedade moderna. Destaca-se, portanto, o estudo de trs diferentes, porm clssicas, Sociologias da Educao. Palavras chaves: Sociologia; Sociologia da Educao; Socilogos Clssicos.

1. a sociologia e a explicao da vida socialA Sociologia uma cincia nova. Essa afirmao, que podemos aplicar tambm em relao a outras cincias, precisa ser compreendida em seu carter essencialmente contraditrio. Ela surgiu no sculo XIX, portanto, num momento histrico em que o capitalismo se consolidou como forma econmica, poltica e social de organizao da sociedade. Ento, se a Sociologia como cincia surge no interior do capitalismo, como explicao da vida em sociedade, explicaria a vida social somente no capitalismo? A resposta a esta questo simples: no. Esse o seu carter contraditrio: surge para estudar e explicar o capitalismo, ora defendendo-o e produzindo conhecimentos para aprimor-lo segundo a perspectiva capitalista, ora criticando-o e produzindo conhecimentos para super-lo, transform-lo. Martins (1985) no conhecido texto introdutrio O que Sociologia?, afirma que a sociologia [...] para alguns representa uma poderosa arma a servio dos interesses dominantes, para outros ela a expresso terica dos movimentos revolucionrios (MARTINS, 1985, p. 7). Ento, temos que a Sociologia preocupa-se em debater conceitos e teorias que, para explicar a vida social, as relaes sociais, teorizam e apontam aes de reproduo ou de transformao das relaes sociais capitalistas. Sobre isso tambm refletem Foracchi e Martins (1977), que consideram a sociologia em sua diversidade, [...] com seus dilemas e determinaes, como forma de conhecimento historicamente situada, isto , localizada numa formao social contraditria que no pode produzir um autoconhecimento unvoco (FORACCHI; MARTINS, 1977, p. 1). As circunstncias histricas e intelectuais do surgimento da Sociologia, ou de uma cincia que estivesse voltada especialmente para a explicao social, poltica e econmica da

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sociedade, referem-se superao do feudalismo e consolidao do capitalismo, portanto, modernidade. Os grandes marcos histricos da modernidade como a Revoluo Inglesa (sculo XVII), a Revoluo Francesa (sculo XVIII) e a Independncia Americana (sculo XVIII) e, finalmente, a Revoluo Industrial (sculo XVIII), que transformaram to radicalmente as relaes econmicas e sociais, so tambm marcos histricos do surgimento da Sociologia. Lembremos que as transformaes vividas naquele momento foram de tal magnitude que marcam tambm o aprofundamento das ideias sobre a organizao da sociedade, tanto aquelas que defendiam o novo regime econmico que tambm era poltico, social e cultural quanto aquelas que o criticavam. Este o sentido da afirmao de que a Sociologia uma cincia moderna. Vejamos, portanto, as modificaes nas relaes sociais que definiram a modernidade como forma de compreender a Sociologia como cincia para a explicao da vida social. Leo Huberman (1987) apresenta-nos uma detalhada anlise da superao da Idade Mdia pela modernidade, do feudalismo pelo capitalismo, do antigo regime pelo regime moderno. Nessa anlise histrica, podemos buscar os elementos centrais para a explicao da vida social. Esse autor explica a sociedade moderna, a vida social na modernidade, como a superao do feudalismo pelo capitalismo, isto , pela profunda transformao que a sociedade feudal sofreu. Profunda porque se trata de transformao econmica, social, poltica e cultural. Nesse sentido, a sociedade feudal caracterizava-se, do ponto de vista da Sociologia, por trs classes sociais distintas: sacerdotes, guerreiros e trabalhadores. Vale destacar que, como sociedade que valorizava o cio, os trabalhadores, isto , aqueles que produziam, trabalhavam para outras classes: eclesistica e militar. Do ponto de vista da organizao da produo econmica, essencialmente agrcola, a maioria das terras agrcolas da Europa ocidental estava dividida em feudos. Um feudo consistia apenas de uma aldeia e as vrias centenas de acres de terra arvel que a circundavam e na qual o povo da aldeia trabalhava. Embora com diferenas em relao ao tamanho e as relaes entre as diferentes pessoas, os feudos tinham caractersticas sociais pela anlise sociolgica comuns. De um lado, um senhor com sua famlia e seus empregados (domsticos e administrativos). De outro, os arrendatrios das terras os servos. Esses arrendatrios eram os camponeses, os que trabalhavam a terra arvel. A principal caracterstica desse sistema residia no fato de a terra sob domnio do senhor feudal era trabalhada pelos camponeses. Eles trabalhavam em uma das metades dessa terra, da qual eram arrendatrios, e na outra metade, para o senhor. E mais, o trabalho nas terras do senhor tinha prioridade sobre o trabalho nas terras arrendadas do senhor, portanto, o trabalho dos camponeses era rduo, intenso e garantia muito pouco para a sobrevivncia desses camponeses e de suas famlias. Tratava-se, ento, de um sistema econmico fundamentado na servido: a desigualdade entre servo e senhor era a base das relaes sociais de produo no campo. Mas, existiam tambm diferentes graus nesta servido. Alguns servos tinham privilgios, alm de deveres e obrigaes, mas se relacionavam com o senhor, sempre, neste sistema. O senhor tinha total poder sobre os servos, embora no fosse necessariamente o proprietrio das terras, pois estas, muitas vezes, eram arrendadas de outros senhores, hierarquicamente mais superiores, os arrendatrios principais, isto , aqueles que arrendavam as terras diretamente do rei.

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Segundo as explicaes da Sociologia, a histria das relaes sociais no feudalismo caracterizava uma sociedade hierarquizada, esttica e imutvel. No havia propriamente a propriedade privada das terras, elas eram do Rei que concedia aos nobres hierarquicamente organizados as terras para que esses a arrendassem aos senhores feudais menos poderosos. Estes, por sua vez, arrendavam a outros senhores e assim por diante, at chegarmos aos camponeses, aos servos, aqueles que concretamente trabalhavam a terra. A economia era exclusivamente agrcola, portanto, as relaes sociais existentes eram as relaes feudais de explorao da terra. Superado o feudalismo, como modo de organizao das relaes econmicas, sociais, polticas e culturais, transformaes profundas nessas relaes deram origem ao capitalismo. So muitos os aspectos relacionados a essas profundas transformaes que caracterizam o capitalismo: as transformaes no mundo do trabalho; a ascenso da burguesia como classe com poder econmico e poltico; o surgimento de outras classes sociais; o desenvolvimento da cincia e da tcnica; novos valores sociais etc. Sobre as transformaes no mundo do trabalho, temos que a supremacia do trabalho no campo superada pelo trabalho urbano industrial, passando antes pela manufatura. Essa forma to diferente de organizao do trabalho implicou em novas formas de pensar e agir no trabalho. O trabalhador no campo, assim como no artesanato, por mais desigual que fossem suas relaes com a terra, responsabilizava-se com o processo e o produto do trabalho de forma muito diferente dessas mesmas relaes no trabalho industrial. Se o campons e o arteso, ainda que explorados, controlavam o processo de trabalho, o trabalhador no novo modo de produo moderno no tem controle algum deste processo que controlado externamente ao trabalhador. O ritmo e a intensidade do trabalho, por exemplo, so definidos externamente, isto , quem controla o ritmo e a intensidade do trabalho no mais o prprio trabalhador, mas aquele que controla todo processo de trabalho e tambm se apropria do produto advindo dele: os proprietrios dos meios de produo. Essa nova forma de organizao do trabalho na economia capitalista foi se complexificando de tal forma que as sociedades, sob a organizao capitalista, exigiram novas explicaes. Se as cincias at ento desenvolvidas no eram mais suficientes para essas explicaes, surgiu a Sociologia, que colocou a vida social e suas implicaes como principal objeto de estudo. E como explica, ento, a Sociologia a vida social moderna? Retomemos a ideia de que a Sociologia explica, contraditoriamente, a sociedade moderna. Por um lado, essas explicaes dizem respeito ao aprimoramento desta sociedade como capitalista e moderna e, por outro, dizem respeito transformao desta sociedade. Isto , diferentes correntes sociolgicas - tradies sociolgicas ou distintas sociologias - tm diferentes explicaes para a vida social, mas em todas elas o objeto de estudo da Sociologia permanece: a explicao da vida social: O carter antagnico da sociedade capitalista, ao impedir um entendimento comum por parte dos socilogos entorno ao objeto e aos mtodos de investigao desta disciplina, deu margem ao nascimento de diferentes tradies sociolgicas ou distintas sociologias, como preferem afirmar alguns socilogos (MARTINS, 1985, p. 35).

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Assim, podemos afirmar, como Foracchi e Martins (1977, p. 1), que a Sociologia debatese entre tendncias tericas, entre perspectivas produzidas por diferentes vises de mundo e, neste sentido , segundo esses mesmos autores, conhecimento cientfico historicamente situado. Historicamente, porque sua referncia a sociedade capitalista moderna. Destaca-se aqui, portanto, o carter de no neutralidade da Sociologia como cincia. importante que consideremos, ento, as diferenciaes da Sociologia na explicao da vida social, na anlise da realidade social temos mais propriamente a interpretao da realidade social: Da a posio peculiar da Sociologia na formao intelectual do mundo moderno. Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam pelo menos pelo exerccio de atividades intelectuais socialmente diferenciadas, que pela participao mais ou menos ativa das grandes correntes de opinio dominantes na poca, seja no terreno da reflexo ou da propagao de ideias, seja no terreno da ao. As ambies intelectuais de autores como Saint-Simon, Comte, Proudhon e L Play, ou de Howard, Malthus e Owen, ou de von Stein, Marx e Riehl iam alm do conhecimento positivo da realidade social. Conservadores, reformistas ou revolucionrios, aspiravam fazer do conhecimento sociolgico um instrumento da ao. E o que pretendiam modificar no era a natureza humana em geral, mas a prpria sociedade em que viviam (FERNANDES, 1977, p.11-12). As diferentes Sociologias, s quais nos referimos, podem, ento, ser definidas como conservadoras, reformistas e revolucionrias. Neste sentido, podemos afirmar que as diferentes interpretaes da realidade social a explicao da vida social, interpretada tm, desde a origem da Sociologia como cincia, esses matizes. As interpretaes conservadoras tm, em sua origem, a sociedade feudal como referncia a organizao social anterior ao capitalismo. Isso significa dizer que os estudos para anlise e interpretao da vida social da Sociologia conservadora, inclusive na contemporaneidade, referem-se a um sistema social erguido sob um sistema rgido e imutvel de privilgios de determinados grupos sociais. A Sociologia reformista refere-se ao aprimoramento do sistema capitalista. Inicialmente, esse aprimoramento tinha como base os princpios revolucionrios burgueses de igualdade, liberdade e fraternidade, princpios esses de que o capitalismo foi gradualmente se afastando. Os estudos da Sociologia reformista, portanto, empreendem anlises e interpretaes da vida social que dizem respeito a um sistema cuja doutrina liberal sua principal referncia. Lembremos da to atual ideologia do sonho americano como uma expresso dos princpios da Sociologia nessa perspectiva. A Sociologia revolucionria pauta-se pelo posicionamento contrrio reproduo do sistema capitalista, um sistema social hierarquizado, de privilgios, cuja origem possa ser conservadora ou liberal, defendendo a transformao desta forma de organizao capitalista da vida social. Uma transformao to profunda que implica na superao do capitalismo, radicalizando a igualdade social. Trata-se, portanto, de uma Sociologia que nas anlises e interpretaes da vida social, conclui sobre a necessidade de transformao das relaes sociais sob o capitalismo de tal forma a defender os princpios socialistas, reformulados nos diferentes momentos histricos.

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Ento, se os princpios do conhecimento sociolgico so, ao mesmo tempo, integradores (explicam a realidade da vida social sob o capitalismo) e contraditrios (explicam contraditoriamente a vida social sob o capitalismo), isto , no se resumem a uma forma nica de explicar a vida social, cada uma das sociologias parte de um desses princpios. Esta situao, portanto, tambm est presente na explicao, pela Sociologia, de um importante fenmeno social: a educao. Vejamos agora, ento, o que a Sociologia da Educao: 1. Ramo da sociologia que estuda os aspectos sociolgicos da educao, os valores sociais que determinam os objetivos do ensino e seus mtodos, a relao entre os sistemas educacionais e as outras instituies, como a religio, as instituies polticas e econmicas (HOUAISS). 2. Aplicao da Sociologia ao estudo dos fenmenos educacionais (DUARTE, 1986). 3. Sociologia da educao ou pedagogia social. (BRASIL, 2010) Dessa forma, trata-se da compreenso da educao como fenmeno social. Mas, lembremos que nossos estudos sobre Sociologia at aqui empreendidos apontam, principalmente, para a Sociologia como uma cincia que estuda a vida social no capitalismo, de forma integradora ou contraditria. Temos, ento, que a Sociologia da Educao trata do fenmeno educativo como um fenmeno social manifesto no capitalismo de forma integradora ou contraditria. Iniciemos pela ideia de que compreendemos a educao como um fenmeno essencialmente humano, isto , como uma necessidade do ser humano, incompleto, de fazer-se humano. Esse permanente vir-a-ser humano (SAVIANI, 2005) refere-se a um processo, individual e coletivo, de humanizao que confere humanidade ao ser humano. Isso significa dizer que, a partir de uma base biolgica-natural, o ser humano passa por um processo, cultural, de tornar-se humano, de fazer-se humano pela apropriao do conjunto de conhecimentos, comportamentos, valores, smbolos e signos produzidos pela humanidade. Isso significa dizer que o ser humano a nica das espcies vivas que necessita aprender a ser, aprender a ser o que , o ser humano precisa aprender a ser humano. A educao, portanto, um processo de formao do ser humano como humano, um processo de apropriao de elementos culturais que garantem ao humano uma formao humana. Esse fenmeno cultural, de apropriao de conhecimentos, comportamentos, valores, smbolos e signos produzidos pelos grupos sociais, chamado genericamente de educao, um fenmeno individual e coletivo, mas sempre social, um fenmeno de criao e transmisso da cultura. Dessa forma, os temas da Sociologia ou das Sociologias que se relacionam diretamente com a educao, segundo Kruppa (1994, p. 22), so: socializao, cultura, e especialmente, o aparecimento da escola enquanto instituio social, a educao escolar e a sociedade, a educao fora da escola, contedos culturais do processo educativo fora e dentro da escola. Se no existe uma Sociologia, mas diferentes Sociologias com diferentes anlises e interpretaes da vida social no capitalismo, tambm temos que considerar que existem diferentes Sociologias da Educao. Para nosso estudo, vejamos tr~es pensadores cujas obras fazem parte da histria da Sociologia e que expressam diferentes anlises: Durkheim, Marx e Weber.

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2. o pensamento de Marx, Weber e durkheim sobre a vida social e a educao 2.1 K arl Marx (1818-1883)Nascido na Alemanha, Marx foi contemporneo de Darwin, Kierkegaard, Boudelaire, Dostoivski e Tolsti, entre outros. De famlia burguesa de origem judaica, Marx ficou conhecido tanto pelo seu trabalho intelectual, quanto pela sua ao revolucionria. Doutor em Filosofia foi por motivos polticos da Universidade para o Jornalismo (1843). Toda sua trajetria de vida foi agitada, mudando-se muitas vezes por perseguies de diferentes governos. Escreveu diversos trabalhos sobre economia, poltica e filosofia. Suas obras, algumas com Engels, tm como fundamento o pensamento materialista histrico dialtico. Depois da passagem pela Frana, Blgica e, novamente pela Alemanha, instala-se definitivamente em Londres, onde, sem trabalho fixo, viveu durante longo tempo uma vida de misria, perturbada pelos problemas de sade, o trabalho difcil e sofrendo a morte de trs de seus cinco filhos. Somente nos dez ltimos anos de sua vida, teve certo equilbrio financeiro, graas a Engels, e algum reconhecimento de sua produo terica e intelectual. Na ento capital do capitalismo, a Inglaterra, ele escreve a crtica mais consistente j dirigida contra este regime: O Capital. S o primeiro tomo foi publicado durante a vida do autor, os outros dois inacabados foram terminados por Engels e publicados depois de sua morte (KONDER, 1999). Sua contribuio metodolgica o Materialismo Histrico e Dialtico. Embora Marx no tenha se dedicado construo da Sociologia como nova cincia em momento algum de sua trajetria intelectual e poltica, suas ideias e aes so, ainda hoje, consideradas como a maior referncia a uma Sociologia radicalmente crtica ao capitalismo. Diferentemente de Durkheim e Weber, Marx foi um revolucionrio no sentido das ideias, da crtica ao capitalismo, mas tambm na ao: um militante das ligas operrias revolucionrias. , portanto, no Mtodo Materialista, Histrico e Dialtico desenvolvido por Marx e Engels que buscamos a Sociologia marxista, uma radical crtica vida social no capitalismo. Em nenhum momento, na importante produo intelectual de Marx, encontraremos em sua obra referncias explcitas Sociologia, mas suas anlises sobre a realidade social foram to profundas que o tornou, juntamente com Durkheim e Weber, um dos trs mais importantes tericos da Sociologia. Martins afirma sobre Marx e Engels que: Em suas obras, disciplinas que hoje chamamos de antropologia, cincia poltica, economia, sociologia, esto profundamente interligadas, procurando oferecer uma explicao da sociedade como um todo, colocando em evidencia as suas dimenses globais (MARTINS, 1985, p. 52). Nesse sentido, afirma-se que Marx pode ser considerado como o fundador da Sociologia enquanto cincia que estuda criticamente, com base na lgica dialtica e na perspectiva materialista e histrica, a vida social no capitalismo. Essa Sociologia, portanto, tem um carter terico e prtico-transformador. Ento, o que o Mtodo Materialista, Histrico e Dialtico? Trata-se de um caminho epistemolgico para a interpretao da realidade, da realidade histrica e social. Esse caminho metodolgico de explicao da realidade implica em compreender, pelo movimento do pensa-

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mento (dialtica e contraditoriedade) e de forma ampla e complexa (totalidade e concreticidade), os fenmenos e os problemas da vida social no capitalismo. Partindo do princpio de que a realidade humana e social dialtica, pois, longe de ser esttica, mecnica e linear, mostra-se dinmica e contraditria, essa filosofia prope captar essa dinamicidade e contradio para que possamos compreender essa realidade de forma mais concreta para transform-la. Se a dialtica pode ser compreendida como a lgica do movimento do pensamento que busca na contradio a compreenso do mundo, como compreender o carter material e histrico do Mtodo? A materialidade se expressa pela compreenso de que os homens se organizam em sociedade para a produo e a reproduo da vida e a historicidade se expressa pela compreenso de que os homens vm se organizando diferentemente atravs dos tempos da histria. Isso significa dizer que, embora Marx tenha valorizado muito a cincia como instrumento de compreenso do mundo para alguns, valorizado at demais ele se distanciou de alguns paradigmas cientficos de seu tempo re-inventando uma nova e original forma para a lgica dialtica. Mas Ao contrrio do positivismo, que procurou elaborar uma cincia social supostamente neutra e imparcial, Marx e vrios de seus seguidores deixaram claro a ntima relao entre o conhecimento por eles produzido e os interesses da classe revolucionria existente na sociedade capitalista o proletariado. Observava Marx, a este respeito, que assim como os economistas clssicos eram os porta-vozes dos interesses da burguesia, os socialistas e os comunistas constituram, por sua vez, os representantes da classe operria (MARTINS, 1985, p. 59). Foram muitos os temas a que ele com ou sem Engels se dedicou. Mas, para a compreenso da educao, como contribuio Sociologia da Educao, podemos identificar no pensamento marxista as categorias de totalidade, concreticidade, historicidade e contraditoriedade. Essas categorias so essenciais para a compreenso e ao dos processos educativos na perspectiva crtica. Nesse sentido, a lgica dialtica supera a lgica formal que amarra o pensamento impedindo-lhe o movimento necessrio para a compreenso das coisas. Para a lgica dialtica, o mundo dialtico (movimenta-se e contraditrio), ento, uma teoria, que leve em conta essa dinamicidade e contraditoriedade, pode ser instrumento lgico de interpretao da realidade. O carter material (os homens se organizam em sociedade para a produo e a reproduo da vida) e histrico (como eles vm se organizando atravs do tempo) do mtodo articula-se ao seu carter dialtico. Movimentar o pensamento, dialeticamente, significa, ento, refletir sobre a realidade. Saviani (1991) sugere, nesta perspectiva, aos educadores um caminho lgico para a compreenso da realidade educativa: partir do emprico (a realidade dada, o real aparente, o objeto assim como se apresenta primeira vista) e pelas abstraes (elaboraes do pensamento, reflexes, teoria) chegar ao concreto (compreenso mais elaborada do que h de essencial no objeto, concreto pensado). Assim, a diferena entre o emprico (real aparente) e o concreto (real pensado) so as abstraes (reflexes) do pensamento que tornam mais completa, melhor compreendida, filosoficamente concebida, a realidade considerada.

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Passemos, agora, a analisar a educao em uma perspectiva metodolgica histrica e dialtica. O primeiro ponto a ser considerado a educao como formao humana que implica no desenvolvimento pleno dos sujeitos, em um processo de humanizao que histrico, concreto e dialtico, expresso pela prtica social (LOUREIRO, 2007). O desenvolvimento pleno da pessoa humana definido no pensamento marxista como unilateral (MARX; ENGELS, 1979; MARX, 1993), referindo-se ao desenvolvimento total, completo, multilateral, pleno, das possibilidades de ser humano. A educao , portanto, a busca desse desenvolvimento pleno. Mas aprofundemos a ideia de desenvolvimento pleno, pois ela emerge da concepo marxista de homem. Iniciemos pela ideia de que a essncia humana a natureza humana definida pelo trabalho. O trabalho categoria central na teoria marxista que o concebe para alm do conceito econmico, ou seja, em uma perspectiva filosfica, como uma atividade vital, essencial e humana. Dessa forma, a humanidade no ser humano em sua relao com o mundo construda com base no carter finito e limitado da naturalidade humana que coloca o homem em uma situao de dependncia do seu eu complementar, chamado por Marx de corpo inorgnico. Esse corpo refere-se ao mundo natural transformado pelo trabalho humano. Isso significa dizer que, por pertencermos a uma espcie limitada do ponto de vista de sua natureza, necessitamos desenvolver um corpo inorgnico, um corpo complementar para nossa sobrevivncia, e a atividade que leva ao desenvolvimento deste corpo o trabalho. Pode-se deduzir, ento, que mais importante considerar o trabalho de forma plena, complexa, como atividade de ao dos homens no mundo, do que simplesmente de forma econmica. Isto , ns, humanos, necessitamos para nos relacionar com o mundo de instrumentos, o que Marx chamou, pela enorme importncia que esses instrumentos tm para ns, de corpo inorgnico. Ento, a partir desta ideia, o trabalho define a natureza humana, o homem se relaciona com o mundo natural pelo trabalho. Pode-se notar que a concepo de homem se completa no pensamento marxista pela considerao de que, somente, se pode compreender a essncia humana no desenvolvimento histrico, por meio do trabalho e da histria. Desta forma, podemos afirmar que, para Marx: Tal e como os indivduos manifestam sua vida, assim o so. O que eles so coincide, por conseguinte, com sua produo, tanto com o que produzem como com o modo como produzem (MARX; ENGELS, 1979, p. 19). Isso leva a acrescentar, na construo da concepo de homem, no modo de produo capitalista, a ideia da sua definio pela diviso do trabalho. A diviso do trabalho, organizao tpica e original do modo de produo capitalista, que separa o intelectual do manual, colocando de um lado os proprietrios dos meios de produo a burguesia e de outro os proprietrios da fora de trabalho o proletariado , aliena os trabalhadores. Aliena porque, como atividade vital, ao separar aqueles que pensam o trabalho daqueles que o executam, rouba do trabalhador a possibilidade de formao plena pelo trabalho. Isto , a diviso do trabalho no capitalismo impede que os trabalhadores se desenvolvam plenamente, pois os afasta da realizao do processo de trabalho total: pensamento e ao. Esse o sentido filosfico e sociolgico da lgica capitalista de explorao analisada por Marx.

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Ento, sob a base terica do pensamento marxista, a omnilateralidade pode ser considerada como objetivo maior, como finalidade da educao (ENGUITA, 1989; MANACORDA, 1991), no sentido em que Marx compreende a superao das condies histricas de explorao no capitalismo: a transformao das relaes sociais de dominao. J nos Manuscritos Econmicos Filosficos (MARX, 1993), encontramos o conceito de omnilateralidade1. A ideia de que a relao homem-natureza definida pelo trabalho, traz a omnilateralidade resultante da atividade vital voluntria, consciente e universal: a apropriao plena do-ser-humano pelo ser humano a omnilateralidade. Temos aqui, ento, a concepo filosfica do vir a ser humano: a ideia do homem como ser natural universal, social e 1. A omnilateralidade diz respeito ao desenconsciente omnilateral. volvimento pleno humano, isto , as possibiliNas condies de dominao da sociedade capitalista, geradas em sua origem pela diviso social do trabalho e expressas pelas contradies de classe, a omnilateralidade da pessoa humana no se realiza, resultando na pessoa unilateral.dades, histricas e concretas de desenvolvimento pleno das capacidades humanas que no se realiza no capitalismo porque, nesse, o trabalho humano explorado.

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Vimos que, no pensamento marxista, o trabalho a categoria central de anlise dessas contradies, ento, os temas educativos e pedaggicos analisados sob este referencial tomam tambm o trabalho como categoria central. A educao, compreendida como formao humana, como instrumentalizao dos sujeitos no processo de humanizao, tem como ponto de partida o trabalho, a atividade vital humana em suas formas histricas, pois elas definem as relaes dos sujeitos entre si e deles com o mundo, natural e social. Nessa linha de raciocnio, a organizao das sociedades e as relaes sociais, e as formas histricas das relaes das sociedades com o mundo social e natural so fundamentais para pensar o processo educativo na perspectiva crtica. Refletindo sobre o homem omnilateral e a funo da educao na sociedade capitalista, Manacorda afirma: Quanto s implicaes pedaggicas que tudo isso comporta, podem expressar-se, em sntese, na afirmao de que, para a reintegrao da omnilateralidade do homem, se exige a reunificao das estruturas da cincia com as da produo. No pode, de fato, ter validade nem a extenso a todos da cultura tradicional no tipo de escola at agora existente para as classes dominantes, nem a permanncia da formao subalterna, at agora concedida s classes produtivas, atravs da antiga aprendizagem artesanal ou das novas formas de ensino unidas indstria moderna. (MANACORDA, 1991, p. 85). O carter crtico das anlises empreendidas sob o referencial marxista obriga-nos a considerar que, sob as contradies das relaes sociais de dominao as quais tm sua maior expresso embora no nica nas formas organizativas do trabalho, no se realiza a possibilidade de ser humano. Ao contrrio, determina formas de desenvolvimento alienantes da pessoa humana em sua dimenso social e individual. Se a pessoa humana caracteriza-se por sua ao transformadora na natureza, sendo assim produto da natureza (seu corpo inorgnico), um ser natural humano, ento, no processo histrico que ela se faz mais ou menos plena de humanidade.

Emerge dessas reflexes o conceito de alienao, fundamental no pensamento marxista, e tambm um dos mais importantes conceitos para a compreenso das teorias crticas da educao e, portanto, da formulao da pedagogia crtica. A compreenso da omnilateralidade como perspectiva para a educao crtica, exige a compreenso do seu contrrio: a alienao. A construo do conceito de trabalho alienado parte da anlise da organizao do trabalho no modo de produo capitalista. Nessa forma de organizao das relaes sociais, segundo Marx, a alienao parte integrante do processo de produo, baseado na diviso social do trabalho. O processo de trabalho que caracteriza o capitalismo implica na alienao do produto do trabalho e da atividade do trabalho. O produto do trabalho ao transformar-se em mercadoria, assumindo o valor de troca que a caracteriza, torna-se objeto estranho alienado para o trabalhador. Desse modo, o trabalhador produz um produto resultante de seu trabalho, mas no tem sobre ele controle algum, ele o produz no para o seu prprio uso, mas para outro, que lhe confere valor de troca. Alm disso, a alienao do trabalhador na atividade do trabalho caracteriza-se, na organizao do processo de trabalho sob o modo de produo capitalista, pela impossibilidade dele tomar decises sobre essa atividade: aquele que realiza a atividade de trabalho no tem controle do tempo e da sua intensidade. Assim, o seu trabalho no voluntrio, mas imposto, trabalho forado, explorado. No constitui a satisfao de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades (MARX, 1993, p. 162). Em decorrncia da organizao social do trabalho no capitalismo apresentar-se como trabalho imposto, alienado, temos a alienao das pessoas humanas. Nesta anlise, o trabalhador no se realiza plenamente como pessoa humana, um ser unilateral; cindido em sua atividade vital. Sob o capitalismo, portanto, o trabalho uma atividade que no desenvolve plenamente o ser humano, no o realiza, cinde-o. A diviso do trabalho, entre trabalho intelectual (aqueles que pensam o processo de trabalho os proprietrios dos meios de produo) e manual (aqueles que executam o trabalho os trabalhadores) no capitalismo resulta em pessoas humanas alienadas: No trabalho alienado essa identidade se transforma em antagonismo, o outro se apresenta a mim como um ser estranho, independente, irreconhecvel. Alienao inventa a solido humana, transforma cada um de ns em seres irreconhecveis perante o outro, sem par perante a prpria espcie (CODO, 1985, p. 33). A alienao transforma, portanto, as relaes sociais entre pessoas em relao entre coisas mercadoria. Este movimento constituinte das relaes sociais transforma tambm os proprietrios dos meios de produo, submetidos lgica desse mercado, em seres humanos alienados. O capital aparece para todos como naturalmente determinante das vidas das pessoas e das classes sociais. A alienao, que reifica as relaes sociais, transformando pessoas em coisas e a partir delas gerando o fetiche (CHAU, 1981), leva compreenso das atividades humanas como alheias, independentes, autnomas vontade dos homens, gerando ideologias. Temos, ento, que: [...] (a alienao) torna objetivamente possvel a ideologia, isto , o fato de que no plano da experincia vivida e imediata as condies reais da exis-

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tncia social dos homens no lhes apaream como produzidas por eles, mas, ao contrrio, eles se percebem produzidos por tais condies e atribuem a origem da vida social a foras ignoradas, alheias s suas, superiores e independentes (deuses, Natureza, Razo, Estado, destino, etc.), de sorte que as ideias quotidianas dos homens representam a realidade de modo invertido e so conservadas nessa inverso, vindo a constituir os pilares para a construo da ideologia (CHAU, 1981, p. 86-87). Dessa forma, o conceito de ideologia, na formulao poltica que lhe deram Marx e Engels, superou o conceito de uma teoria geral das ideias ao afirmar que, em toda sociedade de classes, a dominao exercida pelas classes dominantes pode ser expressa pela manipulao. Essa manipulao obtida por um corpo de ideias produzidas pela classe dominante que ser disseminado como ideias universais, verdadeiras, vlidas para todos: a ideologia um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominao, fazendo com que esta no seja percebida como tal pelos dominados (CHAU, 1981, p. 86). O conceito de ideologia na sociedade de classes, portanto, tem origem na diviso do trabalho: alienado, cindido, dividido. Essa diviso se estende para todas as relaes sociais. A diviso entre o trabalho agrcola e o pastoril, entre o realizado no campo e no comrcio, entre as diversas formas do trabalho urbano e, finalmente, em sua diviso mais elaborada entre o manual e o intelectual leva especializao do trabalho. No capitalismo, o trabalhador no produz todos os bens necessrios a sua subsistncia, produz apenas uma parte desses bens, sintetizados na mercadoria: o excesso do que produz e a carncia do que no produz instala o processo de troca. A diviso do trabalho e sua consequente diviso do produto do trabalho realizam-se sob a propriedade privada dos meios de produo, dividindo a sociedade entre proprietrio das condies de produo e proprietrios unicamente da fora de trabalho: a sociedade desigual. A contradio de interesses entre essas duas classes sociais constitui a principal caracterstica do capitalismo. Ao realizar a diviso do trabalho e das classes sociais, o capitalismo veicula as ideias sobre o mundo do trabalho e sobre as relaes sociais de produo de forma autnoma, como se elas fossem independentes das relaes materialmente construdas pelos homens. A ideologia , ento, essa explicao falsa das relaes sociais, negao da realidade. Nesse sentido, a representao da realidade na conscincia dos homens sofre a interveno da ideologia: Os homens so os produtores de suas representaes, ideias, etc., mas os homens reais e atuantes, tal e como se encontram condicionados por um determinado desenvolvimento de suas foras produtivas e pelo intercmbio que a esta corresponde at chegar a suas formaes mais avanadas. A conscincia nunca pode ser outra coisa que o ser consciente e o ser dos homens seu processo real de vida. Se em toda ideologia os homens e suas relaes aparecem de cabea para baixo, como numa cmara escura, porque este fenmeno deriva de seu processo histrico de vida da mesma maneira que a inverso dos objetos na retina deriva de seu processo de vida diretamente fsico (MARX; ENGELS, 1982, p. 14).

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A ideologia, portanto, explica a realidade das relaes sociais diferentemente de como elas so na vida real. Alis, mostra-a como invertida, de modo camuflado para que no seja percebida como realmente se configura. Desse modo, [...] tomar o resultado de um processo como se fosse seu comeo, tomar os efeitos pelas causas, as consequncias pelas premissas, o determinado pelo determinante. Assim, por exemplo, quando os homens admitem que so desiguais porque Deus ou a Natureza o fez desiguais, esto tomando a desigualdade como causa de sua situao social e no como tendo sido produzida pelas relaes sociais e, portanto, por eles prprios, sem que o desejassem e sem que o soubessem (CHAU, 1981, p. 104). Por essas razes, a ideologia somente tem sentido na sociedade de classes para manter a explorao e dominao dos homens sobre os homens, negando a existncia das classes sociais como fundamento das relaes sociais. A ideologia dominante, dessa forma, a da classe dominante. Por isso, falamos mais da produo da contraideologia na educao crtica do que na ideologia da classe dominada: As ideias dominantes nada mais so do que a expresso ideal das relaes materiais dominantes, as relaes materiais dominantes concebidas como ideias (CHAU, 1981, p. 93). Nesse sentido, a classe que controla as condies materiais de produo controla tambm a produo e a distribuio das ideias, lanando mo de diversos e diferentes meios de carter educativo: a famlia, a religio, os meios de comunicao e, particularmente, a escola. Essas instituies sociais exercem um papel educativo de reproduo da ideologia das classes dominantes. Para Marilena Chau: A ideologia um conjunto lgico, sistemtico e coerente de representaes (ideias, e valores) e de normas ou regras (de condutas) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer (CHAU, 1981, p. 113). Isso significa dizer que a ideologia possibilitada pela alienao na medida em que as relaes sociais so coisificadas. Ideologia e alienao so conceitos do pensamento marxista fundamentais para a formulao da pedagogia crtica, pois se esta indica como finalidade da educao a omnilateralidade, indica, pois, a superao que s pode ser histrica e intencional da ideologia dominante e da alienao em todas as dimenses da prtica social. Alm disso, pensemos na alienao como um fenmeno que no pode ser superado apenas pela conscincia da condio alienada: o sujeito alienado no pode, por si prprio, a partir da conscincia da alienao, promover sua superao. A conscincia da alienao necessria para a sua superao, mas insuficiente, porque concretamente incapaz de promover a transformao do mundo real que exige a ao social coletiva. Essa constatao tem consequncia direta e imediata para a educao: o enfrentamento da ideologia e da alienao no se faz no plano abstrato, mas pela prxis (ao prtica refletida, pensada concreta e historicamente). Para Marx, a prxis prtica articulada teoria, desenvolvida com e atravs de abstraes do pensamento, como busca de compreenso

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mais consistente e consequente da atividade prtica. Marx vai ainda mais longe, para ele, a prtica somente existe se for pensada, compreendida pelo pensamento atravs da reflexo terica. Para ele, a prtica social ou a prtica educativa a prxis. Para formulao de uma pedagogia crtica, fundamental pensarmos nessas relaes entre teoria e prtica, como nos apresenta Chau A relao entre teoria e prtica uma relao simultnea e recproca, por meio da qual, a teoria nega a prtica enquanto prtica imediata, isto , nega a prtica como um fato dado, para revel-la em suas mediaes e como prxis social, ou seja, como atividade socialmente produzida e produtora da existncia social (CHAU, 1984, p. 81). A busca da superao da ideologia e da alienao , ento, parte do processo de formao humana omnilateral que implica na articulao radical, no processo educativo, da articulao teoria e prtica compreendida como prxis social, como atividade socialmente produzida e produtora da existncia social. A educao, orientada terica e metodologicamente pelo pensamento marxista, articula, no processo de formao humana, a conscincia da alienao e da ideologia com a ao transformadora das relaes sociais que as produzem. A educao, no mbito da pedagogia crtica, tem como preocupao central a prtica social transformadora, a construo de relaes sociais plenas de humanidade dirigidas para a superao da desigualdade social. Trata-se, portanto, de educar para a transformao, no do sujeito individual, mas das relaes sociais de dominao que determinam relaes sociais injustas e desiguais. A educao crtica, no sentido marxista, tem carter essencialmente poltico, democrtico, emancipatrio e transformador. Assim, podemos afirmar que, nessa perspectiva sociolgica, a educao no transforma a realidade social, mas instrumentaliza os educandos para que realizem, em sua prtica social, a transformao das condies sociais no capitalismo. Esta a contribuio da Sociologia de Marx para a Sociologia da Educao.

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2.2 mile durkheim (1858-1917)Considerado tambm um dos fundadores da Sociologia, este pensador e cientista poltico tinha uma viso otimista da ento nova sociedade capitalista industrial. Durkheim recebeu forte influncia de Comte com relao ordem social, por isso buscava fundamentar, cientificamente, a tese sobre o [...] bom funcionamento da sociedade. Considerado como um advogado de uma Sociologia conservadora por seus crticos, defende, de certa forma, o determinismo social. Kruppa (1994), assim como outros autores, considera que foi por ele que a Sociologia foi reconhecida como cincia, por sua contribuio na definio tanto do objeto quanto do mtodo: Durkheim deu fundamento a uma forma determinada de anlise da sociedade a anlise funcionalista. Tal anlise baseia-se na viso da sociedade como um organismo, semelhana de um organismo vivo, um todo integrado, onde cada parte desempenha uma funo necessria ao equilbrio do todo (KRUPPA, 1994, p. 55).

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Ento, a anlise funcionalista tem como procedimento bsico a objetividade na compreenso das relaes sociais: Os fatos sociais devem ser tratados como coisas eis a proposio fundamental do nosso mtodo, e a que mais tem provocado contradies (FORACCHI; MARTINS, 1977, p. 23). Os fatos sociais so, portanto, o objeto da Sociologia e o mtodo a investigao objetiva, cientfica, positivista, desses fatos. Conforme Durkheim: Os fatos propriamente ditos, porm, constituem para ns necessariamente, algo de desconhecido, no momento em que empreendermos delinear-lhes a cincia: so coisas ignoradas, pois as representaes que podem ser formuladas no decorrer da vida tendo sido efetuadas sem mtodo e sem crtica, esto destitudas de valor cientfico e devem ser afastadas (FORACCHI; MARTINS, 1977, p. 24). A explicao da vida social o fato social, o objeto de estudo da Sociologia. Segundo Foracchi e Martins (1977), o indivduo no pode ser considerado objeto de estudo da Sociologia. O que realmente interessa a essa Sociologia o enfoque no indivduo inserido em uma determinada realidade social objetiva que, acima dele em termos de prioridade, caracteriza-se por ser essencialmente grupal, coletiva. Ou seja, para Durkheim, o fato social exterior aos indivduos. Pela Sociologia, os fatos devem ser conhecidos, revelados, para que o conjunto dos indivduos siga regras que resultem na harmonia das relaes sociais, na ordem estabelecida para que essas relaes, sob o capitalismo, consigam ser produtivas de forma a garantir o bem estar a todos. A tarefa da Sociologia, portanto, identificar, pela aplicao do mtodo cientfico, os problemas sociais e buscar solues para eles, pois o desconhecimento dos problemas que impede o desenvolvimento da sociedade. Alm de exteriores, os fatos sociais, so tambm concebidos como coercitivos: As nossas maneiras de comportar, de sentir as coisas, de curtir a vida, alm de serem criadas e estabelecidas pelos outros, ou seja, atravs de geraes passadas, possuem qualidade de serem coercitivas. Com isso, Durkheim desejava assinalar o carter impositivo dos fatos sociais, pois segundo ele comportamo-nos segundo o figurino das regras socialmente aprovadas (MARTINS, 1985, p. 49). Podemos afirmar, assim, que Durkheim foi um dos pioneiros na anlise de que os fatores coercitivos garantem que o indivduo, desde seu nascimento, se adapte, no sentido de moldar, ao grupo social ao qual pertence. Isto , o indivduo faz-se sujeito social segundo os parmetros historicamente impostos pelo seu grupo. Esta estruturao do indivduo segundo padres pr-estabelecidos e exteriores a ele, diz respeito aos aspectos psicolgicos, morais, pelos hbitos e costumes, pelo comportamento, ou seja, por toda sua constituio como indivduo de determinada cultura. Podemos observar, ento, a tese de que esse processo , de certa forma, um processo inconsciente. Mas, se por um lado, inconsciente, por outro, determinante e define todo o comportamento social dos indivduos. Sobre isso, e sobre a polmica que essas afirmaes causaram e ainda causam Durkheim afirma que a vida individual e a social so distintas, que a sntese sui generis que constitui toda sociedade desenvolve fenmenos novos, diferentes daqueles que se passam nas conscincias solitrias (FORACCHI; MARTINS, 1977, p. 26) e que, portanto, o fato social impositivo e externo ao indivduo.

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Sua tese de doutorado, intitulada De la Division du Travail Social e publicada em 1893, trata da interao social entre os indivduos que integram a sociedade: principal tema de estudo na Sociologia de Durkheim. Nesse sentido, a tarefa da Sociologia, de paradigma positivista, revelar os elementos que possibilitam a unidade e estabilidade das relaes sociais, para que permaneam ao longo do tempo lembremos, neste sentido, a importncia da ordem social do positivismo de Comte. Nessa perspectiva sociolgica, a existncia da sociedade exige solidariedade e a diviso do trabalho uma forma concreta de expresso dessa solidariedade, de consenso entre os indivduos. Desse modo, a diviso do trabalho um processo natural necessrio ao equilbrio social assim como a diviso de funes do organismo para seu equilbrio. A esse processo natural, Durkheim chamou de solidariedade orgnica em analogia com o equilbrio que os diferentes rgos e funes garantem aos organismos vivos. As crises sociais, tal como o desequilbrio social, consideradas pelo estudioso como uma doena, uma anomalia social, deveriam ser corrigidas com a contribuio da Sociologia. Nesse sentido: O pensamento de Durkheim foi usado muitas vezes para justificar atitudes e ideologias conservadoras, interessadas em manter a ordem social vigente. Como j vimos, o pensamento liberal conservador justifica a desigualdade social como fenmeno natural, afirmando que os homens so dotados de capacidades diferentes. A desigualdade tomada como uma questo individual e no social (KRUPPA, 1994, p. 56). O princpio integrador do pensamento de Durkheim sobre a organizao da vida social, segundo Kruppa, assume essa caracterstica porque considera a sociedade um todo orgnico sem contradies. Esse princpio expressa, talvez de forma mais clara, o carter conservador dessas anlises sociolgicas. A sociedade um todo orgnico organizado de forma hierrquica, segundo caractersticas de renda, instruo, prestgios etc. Esse todo orgnico , ento, garantido pela complementao integrao entre os diferentes extratos sociais. Temos, ento, a ideia de que, sendo a sociedade estratificada sob o modo capitalista de organizao da vida social, est garantida a ascenso social depositada no mrito individual. Vale destacar que essa ideia defendida pelo pensamento conservador da Sociologia de Durkheim tambm um dos princpios fundamentais do pensamento liberal. Todavia o que difere um do outro, segundo seus crticos, reside na constatao de que para os conservadores essa possibilidade existe, mas a partir do princpio integrador, assim, os extratos sociais so determinados pela existncia do todo orgnico. Temos em Durkheim, ento, diferentemente da mobilidade social liberal, um determinismo social conservador. Enguita (1999) identifica na Sociologia de Durkheim um realismo epistemolgico, isto , no presente est toda possibilidade de realizao humana: a ordem social estabelecida em seu presente imediato sem qualquer possibilidade de interveno (1999, p. 50, traduo nossa). Sendo assim, a sociedade um todo orgnico dotado de leis prprias, e cabe Sociologia descobri-las para garantir o equilbrio social, os indivduos tm uma herana social de tal magnitude que no cabe a eles intervir, mas adaptar-se de tal forma pela reproduo de um conjunto de normas e valores que garantam a ordem social e, portanto, o equilbrio

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da sociedade. Por equilbrio entendemos harmonia, ou seja, falta de conflitos. Conforme Martins, Durkheim: Disposto a restabelecer a sade da sociedade, insistia que seria necessrio criar novos hbitos e comportamentos no homem moderno, visando ao bom funcionamento da sociedade. Era de fundamental importncia, nesse sentido, incentivar a moderao dos interesses econmicos, enfatizar a noo de disciplina e de dever, assim como difundir o culto sociedade, s suas leis e hierarquia existente (MARTINS, 1985, p. 50). Isso significa que, para Durkheim, a tarefa fundamental da Sociologia estudar to profundamente os problemas sociais que, descrevendo seu funcionamento, a normalidade possa ser restabelecida, assim como o bom funcionamento da sociedade e descobertas se concretizem em tcnicas de controle na perspectiva conservadora das relaes sociais. Lembremos do eixo de nossos estudos nesta disciplina, a igualdade e desigualdade social para a Sociologia de Durkeim, que se fundamenta na manuteno e preservao da ordem social capitalista. Este problema social, p sua vez, deve ser tratado sob a perspectiva de que a diviso social do trabalho um processo natural e as diferenas entre os grupos sociais so necessrias para o equilbrio da sociedade, do todo orgnico (KRUPPA, 1994). sobre essa base terica que se ergue a Sociologia da Educao de Durkheim. Ento, como compreender a educao pela perspectiva sociolgica de Durkheim? Enguita (1999) considera-o fundador da Sociologia da Educao, pois dedicou-se ao estudo da educao em sua teoria sociolgica. Se o objetivo da Sociologia, assim como ele a compreende, a descoberta do funcionamento da sociedade para que se possam estabelecer normas e tcnicas de controle para a manuteno da ordem capitalista, a educao emerge como um fenmeno social importante e privilegiado. Ou seja, a educao, na Sociologia de Durkheim, essencialmente adaptativa, ou seja, h uma adaptao do sujeito social sociedade tal qual ela se estabelece no modo capitalista de organizao social. A sociedade na manuteno de seu todo orgnico necessita preparar, no sentido de moldar, os sujeitos sociais que a constituem como forma de manuteno da ordem exigida pela organizao das relaes sociais sob o capitalismo. Ento, Cada sociedade, considerada em momento determinado de seu desenvolvimento, possui sistema determinado de educao que se impe aos indivduos de modo geralmente irresistvel. uma iluso acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. H costumes com relao aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitamos muito gravemente, eles se vingaro em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, no estaro em estado de viver no meio de seus contemporneos, com os quais no encontraro harmonia. Que eles tenham sido educados segundo ideias passadistas ou futuristas no importa, num caso, como noutro, no so de seu tempo e, por consequncia, no estaro em condies de vida normal (DURKHEIM, 1975, p.36). Evidencia-se nessa citao a argumentao do prprio Durkheim sobre a funo adaptativa, do ponto de vista social, da educao. Nesse sentido, o processo educativo adaptador

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tem o funcionamento ideal da sociedade capitalista como objetivo, isto , a formao dos sujeitos, pela educao, tem no bom funcionamento da sociedade moderna capitalista seus objetivos. Enguita (1999) tambm identifica que, na Sociologia da Educao de Durkheim, a sociedade capitalista com a diviso social do trabalho, como um todo orgnico e solidrio, o ponto de partida para a argumentao pela educao como um meio privilegiado e poderoso para impor um modelo de sociedade superintegrada, ordenada e moral (ENGUITA, 1999, p. 50). Isso se d, segundo esse autor, porque: A educao, na teoria durkheimiana, apoia-se na supersocializao do sujeito humano, em congruncia com o realismo epistemolgico de sua Sociologia, que na configurao do presente encontra o horizonte ltimo e inexorvel de toda possibilidade de realizao humana. Realismo epistemolgico, sistema social funcional, razo positiva e educao moral, constituem dimenses de um princpio absoluto: a ordem social estabelecida em sua imediatez presente e livre de qualquer voluntarismo. A funcionalidade do sistema se converte em sua prpria racionalidade. Consequentemente, a realidade social racional ou, em outros termos, a racionalidade do sistema social no outra que a inerente as instituies que o integram e, portanto est constituda pelas normas e valores que presidem sua ao (ENGUITA, 1999, p. 50). Alm disso, destaca-se tambm na teoria sociolgica de Durkheim o carter mltiplo e uno da educao. Discutindo com pensadores que, j naquele tempo, buscavam determinar os fins da educao de forma nica e universal, e com suas preocupaes metodolgicas racionais e positivistas, ele afirmava em especial em Educao e Sociedade (DURKHEIM, 1975) que, somente, a observao emprica do funcionamento da sociedade permitiria dizer qual a finalidade da educao. A anlise das formas educativas histricas das diferentes sociedades, segundo a Sociologia da Educao durkheimiana, mostra que a educao tem em comum a transmisso de um conjunto de elementos culturais de uma gerao outra (dos adultos para as crianas), sendo isso, portanto, uma caracterstica: No h povo em que no exista certo nmero de ideias, sentimentos e prticas que a educao deve inculcar a todas as crianas, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertenam (DURKHEIM, 1975, p. 40). Por outro lado, tambm a anlise histrica que mostra como as diversas sociedades organizaram diferentemente a educao de seus filhos, atendendo s suas necessidades sociais mais caractersticas. Essa diversidade nas propostas educativas para uma determinada sociedade o que ele chamou do carter mltiplo da educao. Mas, Durkheim vai alm, considerando que o eixo organizativo da sociedade moderna a diviso social do trabalho, argumenta a favor de diversas educaes para as diferentes inseres dos indivduos no mundo do trabalho. Ou seja, para ele, cada profisso necessita de aptides prprias e conhecimentos especiais, inclusive no que diz respeito formao tica e moral, portanto, as crianas devem ser preparadas para certas funes sociais, relacionadas ao mundo do trabalho. Ento, a educao no pode ser a mesma para todos, mas direcionada a sua insero social.

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Resumindo, cada sociedade constri um certo ideal de sujeito, do ponto de vista intelectual, fsico e moral, e esse ideal o que define o sistema educativo desta sociedade. Ento, fica claro que a funo adaptadora, moralista e disciplinatria da educao representa a abordagem central desta Sociologia. Trata-se de uma educao que temos chamado, no estudo das teorias pedaggicas, de educao tradicional (SAVIANI, 2008). O processo educativo defendido por essa teoria sociolgica concerne transmisso racional e sistematizada de normas e valores de conduta social, desejveis para a manuteno da ordem social e o funcionamento ideal da organizao da sociedade capitalista. Essas ideias tm sido identificadas pela teoria pedaggica tradicional. Trata-se de, pela forma pedaggica da transmisso, da assimilao acrtica de contedos tradicionais e valores morais presentes no projeto econmico, social e poltico conservador da sociedade capitalista. Podemos perceber, ento, que muitas propostas educativas que veiculam ideias bastante moralistas e disciplinatrias sobre o comportamento dos educandos tm essa teoria sociolgica como referncia. Os valores morais tradicionais reaparecem, em propostas educativas atuais, vestidos, agora, com valores de comportamentos socialmente desejados, socialmente corretos. Com objetivos aparentemente novos e nobres, esses processos educativos so os mesmos processos adaptativos e disciplinadores dos processos tradicionais: interiorizao, acrtica, de valores impostos atravs dos processos educativos, escolares ou no. Assim, temos a educao como a tarefa de promover mudana de comportamentos socialmente inadequados a educao de fundo disciplinatrio e moralista, ou de adestramento social.

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2.3 Max Weber (1864-1920)Este pensador, um dos clssicos da sociologia, viveu em um perodo marcado por acirradas discusses acerca da metodologia das cincias sociais, discusses essas que comeavam a surgir na Europa, inclusive na Alemanha, seu pas. Isso trouxe grande influncia em sua formao e fez com que ele se dedicasse a conferir Sociologia um carter cientfico, lutando para distinguir o conhecimento cientfico do conhecimento do senso comum sobre a vida social no capitalismo o objeto de estudo da Sociologia. Essa posio foi to intensamente buscada por Weber que se constituiu em um dos princpios de sua Sociologia: o da neutralidade cientfica do sujeito pesquisador frente ao seu objeto de estudo. Martins (1985) afirma que, para Weber, a Sociologia como cincia neutra, oferecendo dimenso poltica da ao humana no mundo conhecimentos para que esta ao poltica se realize por escolhas. Outro princpio marcante de sua teoria sociolgica diz respeito definio do objeto de seus estudos sociolgicos. Weber focalizou o indivduo e sua ao, isto , quais seriam as intenes e motivaes dos indivduos nas relaes sociais que estabelece. Embora tenha defendido a neutralidade do cientista social, Weber distanciou-se do positivismo de Comte ao lidar com o objeto de estudo da Sociologia de forma a consider-lo muito diferente do objeto das cincias naturais. Para ele, a metodologia da Sociologia conferia papel ativo ao pesquisador na produo do conhecimento sobre a realidade social. Ento, como um dos principais representantes da Sociologia como cincia que estuda a vida social, Weber de-

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fendia uma neutralidade prpria das cincias sociais, diferentemente da neutralidade das cincias naturais, contribuindo, assim, para a construo do mtodo e a formao desta cincia. Opondo-se abordagem positivista na Sociologia, principalmente de Durkheim, Weber questionou os procedimentos de descrio, mensurao e experimentao no estudo do funcionamento da sociedade e props, em seu lugar, a interpretao da realidade social. Essas interpretaes so pensadas, neste sentido, a partir dos indivduos, inaugurando na Sociologia uma proposta metodolgica que viria a ser conhecida como o mtodo compreensivo. Isso significa dizer que a teoria sociolgica weberiana d nfase subjetividade, s motivaes individuais das aes dos indivduos em suas relaes sociais. A ao social , assim, todo tipo de ao e tem uma orientao no outro, ou seja, os fenmenos sociais, podem ser compreendidos a partir da subjetividade. Desse modo, o foco na compreenso da vida social incide sobre o indivduo e suas aes sociais. Essa nfase na subjetividade e no indivduo significa um ponto de partida importante em suas anlises acerca da possibilidade de ao individual consciente no mundo. Para Weber (1980): Dentro das coordenadas metodolgicas que se opunham assimilao das cincias sociais aos quadros tericos das cincias naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, a captao da relao de sentido da ao humana. Em outras palavras, conhecer um fenmeno social seria extrair o contedo simblico da ao ou aes que o configuram. Por ao, Weber entende aquela cujo sentido pensado pelo sujeito ou sujeitos referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento. Tal colocao do problema de como se abordar o fato significa que no possvel propriamente explic-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das cincias naturais), mas compreend-lo como fato carregado de sentido, isto , como algo que aponta para outros fatos e somente em funo dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude (WEBER, 1980, p. 2-3). Esse aporte terico-metodolgico de fundamental importncia nessa Sociologia para as interpretaes da realidade social no capitalismo, que fortemente marcado pela racionalidade. Diferentemente de Marx, esse terico social argumentava a favor das possibilidades histricas de superao das sociedades conservadoras pela racionalidade na organizao da sociedade capitalista e que, para compreender o carter revolucionrio desse novo modo de organizao da vida social, a Sociologia deveria aprofundar-se na compreenso de sua essncia. Os diferentes problemas da sociedade, segundo Weber, so interpretados de forma compreensiva, de forma a identificar interpretar e compreender os motivos subjetivos e individuais que esto na origem destes problemas. Assim, busca-se compreender os aspectos culturais, sociais, econmicos, polticos e ideolgicos dos fatos sociais em sua interpretao. As aes sociais do ponto de vista emprico no so descartadas, nem analisadas em si, mas tomadas como elementos constituintes para a interpretao do sentido (buscado no indivduo) dessas aes. Isso significa dizer que a violncia nas sociedades atuais, por exemplo, sob teoria sociolgica weberiana, mais do que o estudo do fenmeno social em si, seria

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compreendida pela interpretao do significado subjetivo que ela tem para os indivduos envolvidos: agressores e agredidos. importante destacar tambm que as anlises que Weber fez da vida social no capitalismo foram anlises crticas, principalmente, no que diz respeito ao poder e dominao existente neste modo de organizao da vida social. No entanto, essa crtica, interpretativa e compreensiva, no implicava em propostas transformadoras da organizao das sociedades sob o capitalismo. Muito pelo contrrio, a compreenso crtica da realidade social empreendida por Weber tinha como resultado poltico o aprimoramento racional dessa forma de organizao social. Como contribuio de seus estudos para a compreenso da vida social no capitalismo, temos os mais diversos temas, mas os estudos sobre a religio tm papel de destaque entre eles: [...] ao estudar os fenmenos da vida religiosa, desejava compreender sua influncia sobre a conduta econmica dos indivduos (MARTINS, 1985, p. 67). Conforme Martins, Weber tinha a inteno: [...] de examinar as implicaes das orientaes religiosas na conduta econmica dos homens, procurando avaliar a contribuio da tica protestante, especialmente a calvinista, na promoo do moderno sistema econmico. Weber reconhecia que o desenvolvimento do capitalismo devia-se em grande medida acumulao de capital a partir do final da Idade Mdia. Mas, para ele, o capitalismo era tambm obra de ousados empresrios que possuam uma nova mentalidade diante da vida econmica, uma nova forma de conduta orientada por princpios religiosos. Em sua viso, vrios pioneiros do capitalismo pertenciam a diversas seitas puritanas e em funo disso levavam uma vida pessoal e familiar bastante rgida (MARTINS, 1985, p. 67). Essas ideias se expressam, inclusive, no ttulo de um de seus mais importantes trabalhos: A tica protestante e o esprito do capitalismo, publicado pela primeira vez em 1905. Nele, Weber apresenta, como resultados de suas pesquisas, a influncia, entre outros fenmenos, da tica das religies protestantes na constituio do capitalismo. Weber estudou o crescimento e consolidao do capitalismo na sociedade moderna, considerando vrios dos seus aspectos e caractersticas, tendo como dados empricos da realidade o comportamento dos protestantes, interpretando, assim, as relaes entre o protestantismo e o capitalismo. Pela identificao das aes dos protestantes, dos indivduos protestantes, fundamentadas em rgidos preceitos religiosos no que diz respeito moral e ao comportamento individual na sociedade, Weber identificou a um elemento importante no desenvolvimento do capitalismo nas sociedades modernas. Isso , essa disciplina moral e comportamental dos protestantes revelava, do ponto de vista do comportamento individual, o esprito do capitalismo, um esprito disciplinado, eficiente, racional. Para o desenvolvimento desta tese, estudou comparativamente diferentes culturas orientais e ocidentais capitalistas e no capitalistas, assim como alguns tipos-ideais (indivduos que, segundo sua proposta metodolgica, condensam valores, atitudes e comportamentos sociais): Uma vez indicado o papel que as crenas religiosas teriam exercido na gnese do esprito capitalista, Weber prope-se a investigar quais os elementos dessas crenas que atuaram no sentido indicado e procura definir

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o que entende por esprito do capitalismo. Este entendido por Weber como constitudo fundamentalmente por uma tica peculiar, que pode ser exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin (1706 - 1790), um dos lderes da independncia dos Estados Unidos. Benjamin Franklin, representante tpico da mentalidade dos colonos americanos e do esprito pequeno-burgus, afirma em seus discursos que ganhar dinheiro dentro da ordem econmica moderna , enquanto isso for feito legalmente, o resultado e a expresso da virtude e da eficincia de uma vocao. Segundo a interpretao dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um utilitarismo com forte contedo tico, na medida em que o aumento de capital considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivduo. O aspecto mais interessante desse utilitarismo residiria no fato de que a tica de obteno de mais e mais dinheiro combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontneo da vida (WEBER, 1980, p. 5). Destaca-se o especial interesse de Weber sobre a sociedade americana em seus estudos sobre a vida social no capitalismo. Para ele, essa nova sociedade, este novo estilo de vida, expressava mais do que qualquer outro a possibilidade de organizao social moderna, racional, tica e de valorizao do papel dos indivduos. Temos, ento, a expresso prtica da tica protestante e o esprito do capitalismo. Embora muitos estudiosos da educao e da sociologia da educao considerem que Weber pouqussimo se ocupou diretamente dos temas educativos inclusive a escola , Lerena (1999) afirma que ele construiu uma [...] brilhante e rigorosa sociologia da educao (p.72) no decorrer de toda sua obra. Destacam-se nos estudos desse autor a sociologia da religio e a sociologia da educao. Ambas tm para Weber o mesmo objeto: o poder de coao sobre o indivduo. Nesse sentido, Lerena (1999) aponta a importncia da teoria sociolgica weberiana da educao nos estudos do to conhecido e respeitado socilogo da educao Pierre Bourdieu. Segundo Lerena (1999), Weber concebe a escola, a famlia e o aparato eclesistico como instituies de dominao. Por dominao, entende um estado de coisas pela qual uma vontade manifesta influencia os atos dos outros (tanto do dominador quanto dos dominados), de tal forma que, em um grau socialmente relevante, esses atos tm lugar como se os dominados houvessem os adotado por si mesmos. (LERENA, 1999, p. 73) Lerena (1999) afirma que a comparao, nos mesmos termos, dessas trs instituies implica em uma anlise profunda do papel autoritrio e dominador que elas exercem na sociedade em estudo, a sociedade moderna. Entre os diferentes elementos de dominao da escola na formao e conformao dos indivduos mais jovens, Lerena (1999) destaca a inculcao de hbitos, a noo de cultura legtima e superior, a funo da escola na imposio de uma cultura verdadeira e legtima para os sujeitos jovens.

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Em um outro trabalho, encontramos Gonzalez (2002) analisando as referncias educao nas obras de Weber. Essa autora definiu a contribuio desse socilogo nos temas: [...] educao para o cultivo do saber, educao racional para a burocracia, educao para despertar o carisma, educao e religio, universidade, ensino jurdico, educao militar, educao sacerdotal, educao estamental, educao econmica, educao poltica, aprendizagem no trabalho e especializao profissional (GONZALEZ, 2002, p. 1-2). Gonzalez (2002) afirma que a contribuio de Weber para a educao pode ser compreendida, na Sociologia Poltica e na Sociologia da Religio de Weber, a partir da descrio das formas de dominao/coao que encontramos nessas obras. Alm disso, essa autora chamanos a ateno para um dos mais importantes conceitos que fundamentam uma Sociologia da Educao weberiana, o de que a sociedade capitalista implica em uma luta latente entre os indivduos, em uma seleo social. Isto , para Gonzalez [...] a longo prazo, toda luta acarreta a seleo dos indivduos possuidores de determinadas qualidades pessoais, e que o fator sorte tambm contribui para o xito do indivduo na seleo social (GONZALEZ, 2002, p. 2). Nesse sentido, uma teoria sociolgica da educao com esse referencial, identifica na educao [...] um elemento que contribui para a seleo social e possui finalidades distintas de acordo com o tipo de dominao existente numa determinada sociedade (GONZALEZ, 2002, p. 3). Essas finalidades definem trs sistemas de educao: para o cultivo do saber; racional para a burocracia; e carismtica. Nessa linha de raciocnio, Gonzalez (2002) chega identificao de trs aspectos fundamentais da teoria weberiana para as reflexes sobre educao: a) a compreenso dos fenmenos sociais no tem como ponto de partida a economia (em discordncia a Marx); b) as mltiplas aes individuais determinam os fenmenos sociais; c) as formas de dominao determinam os fenmenos sociais. Temos, ento, como sntese da contribuio de Weber para a Sociologia da Educao, a tese de que a educao um processo de socializao, ou seja, a educao prepara os indivduos para participar da vida social por introduzi-los no amplo e complexo sistema cultural do grupo humano que a compe. Educao para preparao dos indivduos visa adapt-los ao mundo cultural dominante, ou seja, socializao dos indivduos. Pode-se observar que esses temas dizem respeito aos objetivos sociais dos processos educativos para os indivduos. A ideia bsica reside no conceito de que a sociedade o conjunto dos indivduos e que, educados com os propsitos de aquisio de hbitos e comportamentos socialmente adequados, desejados pela sociedade, teremos uma sociedade mais eficiente. Podemos identificar a influncia dessas ideias naquela que temos chamado, entre as mais conhecidas propostas pedaggicas, de educao nova.

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* Texto produzido especialmente para a disciplina Sociologia da Educao do Curso de Pedagogia oferecido pela UNESP atravs da UNIVESP-TV.

Bloco1

Mdulo 2

Disciplina 9

Formao Geral

Educao, Cultura e Desenvolvimento

Sociologia da Educao

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