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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) sapiens editora

Sociologia Rural

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Sociologia Rural - Breve introdução

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

sapiens editora

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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2007,Sapiens Editora

Obras da série Estudos da Sociedade:

Volume 1 A organização das sociedades na história da

humanidade

Volume 2 O pensamento Humano na história da Filosofia

Volume 3 O desenvolvimento brasileiro – Colônia, Império e

República

Volume 4 A Humanidade em seu transcurso histórico

Volume 5 Sociologia Rural: Breve Introdução

Catalogação na Fonte

FIORIN, José Augusto (org.). Sociologia rural: Breve Introdução Ijuí: Sapiens Editora, 2007. 160 p.

1.Sociedade 2.História 3.Sociologia 4.Cultura 5.Estado I.Título II.Série

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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UMA INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA

Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela

abrangência de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mediante

métodos científicos, a totalidade da realidade social como tal, sem

proposta de transformação.

Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e

efeitos das relações que se estabelecem entre os indivíduos organizados

em sociedade. Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as

transformações por que passam essas relações, como também as

estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A abordagem

sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem

biológica, psicológica, econômica e política dessas relações. Seu interesse

focaliza-se no todo das interações sociais e não em apenas um de seus

aspectos, cada um dos quais constitui o domínio de uma ciência social

específica. As preocupações de ordem normativa são estranhas à

sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para problemas sociais

ou a responsabilidade pelas reformas, planejamento ou adoção de

medidas que visem à transformação das condições sociais.

Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia

como ciência, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os mais

importantes citam-se a inexistência de terminologia clara e precisa; a

tendência a subjetivar os fatos sociais; a multiplicidade de temas de seu

interesse e aplicação; as afinidades partilhadas com outras ciências

sociais; a dificuldade de experimentação, já que os elementos com que

lida são seres humanos; e a proliferação de métodos, técnicas e escolas

que tentaram elaborar uma teoria sociológica unificada como instrumento

adequado de análise, descrição e interpretação dos fenômenos sociais.

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Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia

na Grécia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os filósofos

gregos, porém, não elaboraram uma ciência sociológica autônoma, já

que subordinaram os fatos sociais a exigências éticas e didáticas. Assim,

a contribuição grega à sociologia foi apenas indireta.

Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma

forma não-sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos sociais, pois

se baseava na especulação e não na investigação objetiva dos fatos.

Além disso, nesse período anulou-se a distinção entre as leis da natureza

e as leis humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social

como decorrência da vontade divina, que não seria passível de

transformação. Assim, eivado de conotações ideológicas, éticas e

religiosas, o pensamento social medieval pouco evoluiu.

As profundas modificações econômicas, sociais e políticas

ocorridas na sociedade européia nos séculos XVIII e XIX, em decorrência

da revolução industrial, permitiram o surgimento do capitalismo e

libertaram pensamento dos dogmas medievais. Assim, as ciências

naturais e humanas fizeram rápidos progressos.

Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia

política, a filosofia da história, as teorias biológicas da evolução e os

movimentos pelas reformas sociais e políticas, que ensaiaram um

levantamento das condições sociais vigentes na época. Nos primórdios da

sociologia, foram mais influentes a filosofia da história e os movimentos

reformistas.

A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados

objetivos sobre a sociedade, acumulados ao longo do tempo. Além disso,

a evolução da historiografia contribuiu em parte para o aperfeiçoamento

dos métodos empíricos de compilação de dados e a análise dos fatos

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sociais. Em relação aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou

com eles sua preocupação com os problemas sociais e não mais aceitou

como fato natural condições como a pobreza, seqüela da industrialização.

Incorporou também os procedimentos dos reformistas, que se basearam

nos métodos das ciências naturais para fazer levantamentos sociais,

numa tentativa de classificar e quantificar os fenômenos sociais.

A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período

aproximado de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação de L'Esprit

des lois (O espírito das leis), de Montesquieu, e a formulação das teorias

de Auguste Comte e Herbert Spencer. Sua constituição como ciência

ocorreu na segunda metade do século XIX.

O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na

obra Cours de philosophie positive (1839; Curso de filosofia positiva), em

que batizou a nova "ciência da sociedade" e tentou definir seu objeto. No

entanto, a palavra sociologia continuou suscetível de inúmeras

interpretações e definições no que diz respeito à delimitação de seu

objeto, pois cada escola sociológica criou suas próprias definições, de

acordo com as perspectivas teóricas, filosóficas e metodológicas

adotadas. Todas essas definições, no entanto, partilhavam um substrato

comum: o estudo das relações e interações humanas.

Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de

dois pilares: a teoria e o método. A teoria se ocupa dos princípios,

conceitos e generalizações; o método proporciona os instrumentos

necessários para a pesquisa científica dos fenômenos sociais.

A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a

sociologia do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da

religião, da educação, da cultura etc. A essa lista seria possível

acrescentar um sem-número de novas especializações, como a sociologia

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da vida cotidiana, do teatro, do esporte etc., já que os interesses do

pesquisador se orientam para a compreensão e explicação sistemática,

mediante a utilização das teorias e dos métodos mais adequados, dos

aspectos sociais de todos os setores e atividades da vida humana.

Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento

de entendimento da realidade, dentro da qual se enunciam as leis gerais.

Difere, por isso, da doutrina social, de cunho normativo e ideológico, e a

ela se opõe.

As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX

e XX centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas

distinguem-se a determinação do que representam a sociedade e a

cultura; a fixação de unidades elementares para seu estudo; a

especificação dos fatores que condicionam sua estabilidade ou sua

mudança; a descoberta das relações que mantêm entre si e com a

personalidade; a delimitação de um campo; e a especificação de um

objeto e de métodos de estudos próprios à sociologia.

O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado

de acordo com três grandes temas: os tipos de generalização

empregados, os conceitos e esquemas de classificação e os tipos de

explicação.

São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1)

correlações empíricas entre fenômenos sociais concretos; (2)

generalizações das condições sob as quais surgem as instituições e

outras formas sociais; (3) generalizações que afirmam que as mudanças

que determinadas instituições experimentam estão regularmente

associadas às mudanças que ocorrem em outras instituições; (4)

generalizações sobre a existência de repetições rítmicas de vários tipos;

(5) generalizações que enumeram as principais tendências evolutivas da

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humanidade; e (6) elaboração de leis sobre as repercussões e hipóteses

relacionadas ao comportamento humano.

A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da

elaboração de conceitos e esquemas de classificação. No entanto, e

apesar de terem sido criados muitos conceitos, as definições existentes

continuam ainda insatisfatórias, o que impede a classificação adequada

das sociedades, dos grupos e das relações sociais, assim como o

descobrimento de conceitos centrais que permitam a elaboração de uma

teoria sistemática. Verifica-se que numerosos conceitos foram utilizados

com significados distintos por diferentes sociólogos. Mais ainda,

tentativas recentes de aperfeiçoar a base da conceituação atribuíram

importância excessiva à definição do conceito e relegaram a segundo

plano sua finalidade fundamental, a utilização.

As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais,

a causal e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência natural da

sociedade, indaga o porquê dos fenômenos sociais, qual a causa de sua

ocorrência. A segunda indaga a finalidade dos fenômenos sociais, com

que objetivo eles ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano

em termos de propósitos e significados.

Métodos sociológicos. Distinguem-se sete métodos na

sociologia: histórico, comparativo, funcional, formal ou sistemático,

compreensivo, estatístico e monográfico. O método histórico ocupa-se do

estudo dos acontecimentos, processos e instituições das civilizações

passadas para proceder à identificação e explicação das origens da vida

social contemporânea.

O método comparativo, considerado durante muito tempo o

método sociológico por excelência porque permitia a realização de

correlações tanto restritas como gerais, estabelece comparações entre

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diversos tipos de grupos e fenômenos sociais com o fim de descobrir

diferenças e semelhanças.

O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto

de vista de suas funções. O sistema social total de uma comunidade seria

integrado por diversas partes inter-relacionadas e interdependentes e

cada uma delas desempenharia uma função necessária à vida do

conjunto. Nessa abordagem são evidentes as analogias entre a sociedade

e um organismo, o que levou seus partidários a tentativas de diferenciar

o funcionamento normal das instituições e sistemas sociais de seu

funcionamento patológico.

O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais

existentes entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às diversas

formas que essas relações podem assumir independentemente de seu

conteúdo. Em completa oposição ao formal, o método compreensivo

atribui uma importância fundamental ao significado e aos motivos das

ações sociais, isto é, a seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a

medição matemática dos fenômenos sociais. No entanto, como a maior

parte dos dados sociológicos é do tipo qualitativo, não se pode adotar

tratamento estatístico rígido.

Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo

aprofundado de casos particulares: um grupo, uma comunidade, uma

instituição ou um indivíduo. Cada um dos objetos de estudo deve

necessariamente representar vários outros para que seja possível

estabelecer generalizações.

Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso

estabelecer a diferença entre métodos e técnicas sociológicas. Os

métodos representam uma opção estratégica e não devem ser

confundidos com os objetivos da investigação, enquanto as técnicas

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constituem níveis de etapas práticas de operação limitada, ligadas a

elementos concretos e adaptadas a uma finalidade determinada. O

método é, portanto, uma concepção intelectual que coordena um

conjunto de técnicas.

Entre as principais técnicas utilizadas na investigação

sociológica figuram as entrevistas, as experiências de grupo, as histórias

de vida ou de caso e os formulários ou questionários, que podem ser de

tipo fechado, que oferecem alternativas prévias de resposta, ou aberto,

que permitem ao entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais

técnicas não são necessariamente excludentes, pois permitem a

utilização simultânea e complementar.

Principais correntes sociológicas. De acordo com as

classificações geralmente aceitas, são cinco as correntes principais da

sociologia: organicismo positivista, teorias do conflito, formalismo,

behaviorismo social e funcionalismo.

Organicismo positivista. Primeira construção teórica

importante surgida na sociologia, nasceu da hábil síntese que Comte fez

do organicismo e do positivismo, duas tradições intelectuais

contraditórias.

O organicismo representa uma tendência do pensamento

que constrói sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e tem

origem na filosofia idealista. O positivismo, que fundamenta a

interpretação do mundo exclusivamente na experiência, adota como

ponto de partida a ciência natural e tenta aplicar seus métodos no exame

dos fenômenos sociais. Assim, os primeiros conceitos da nova disciplina

foram elaborados de acordo com analogias orgânicas, três das quais são

fundamentais para a compreensão dessa corrente sociológica: (1) o

conceito teleológico da natureza, que implica uma postura fatalista, já

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que as metas a serem alcançadas estão predeterminadas, o que impede

qualquer tentativa de alterá-las; (2) a idéia segundo a qual a natureza, a

sociedade e todos os demais conjuntos existentes perdem vida ao serem

analisados e por isso não se deve intervir em tais conjuntos. Essa noção

leva, em conseqüência, à adoção de uma atitude de laissez-faire; e (3) a

crença de que a relação existente entre as diversas partes que compõem

a sociedade é semelhante à relação que guardam entre si os órgãos de

um organismo vivo.

Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao

ambiente social e intelectual de seus países: Auguste Comte, na França,

Herbert Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Ward, nos Estados

Unidos. Os três eram partidários da divisão da sociologia em duas

grandes partes, estática e dinâmica, embora tenham atribuído

importância maior à primeira. Algumas diferenças profundas, porém,

marcaram seus pontos de vista.

Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o

método positivo, que exige a subordinação dos conceitos aos fatos e a

aceitação da idéia segundo a qual os fenômenos sociais estão sujeitos a

leis gerais, embora admita que as leis que governam os fenômenos

sociais são menos rígidas do que as que regulamentam o biológico e o

físico. Comte dividiu a sociologia em duas grandes áreas, a estática, que

estuda as condições de existência da sociedade, e a dinâmica, que

estuda seu movimento contínuo. A principal característica da estática é a

ordem harmônica, enquanto a da dinâmica é o progresso, ambas

intimamente relacionadas. O fator preponderante do progresso é o

desenvolvimento das idéias, mas o crescimento da população e sua

densidade também são importantes. Para evoluir, o indivíduo e a

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sociedade devem atravessar três etapas: a teológica, a metafísica e a

positiva.

Comte não aceitou o método matemático e propôs a

utilização da observação, da experimentação, da comparação e do

método histórico. Para Comte, a sociedade era um organismo no qual a

ordem não se realiza apenas automaticamente; é possível estabelecer

uma ordem planejada, baseada no conhecimento das leis sociais e de

sua aplicação racional a problemas e situações concretas.

Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade

de atingir o progresso pela interferência deliberada nas relações entre o

indivíduo e a sociedade. Para ele, a lei universal do progresso é a

passagem da homogeneidade para a heterogeneidade, isto é, a evolução

se dá pelo movimento das sociedades simples (homogêneas), para os

diversos níveis das sociedades compostas (heterogêneas). Individualista

e liberal, partidário do laissez-faire, Spencer deu mais ênfase às

concepções evolucionistas e usou com largueza analogias orgânicas.

Distinguiu três sistemas principais: de sustentação, de distribuição e

regulador. As instituições são as partes principais da sociedade, isto é,

são os órgãos que compõem os sistemas. Seu individualismo expressou-

se numa das diferenças que apontou: enquanto no organismo as partes

existem em benefício do todo, na sociedade o todo existe apenas em

benefício do individual.

Ward compartilhou das idéias de Spencer e Comte mas não

incorreu em seus extremos -- individualismo e conservadorismo utópico.

Deu grande ênfase, porém, ao aperfeiçoamento das condições sociais

pela aplicação de métodos científicos e a elaboração de planos racionais,

concebidos segundo uma imagem ideal da sociedade.

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Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período

clássico do organicismo positivista, caracterizado por uma primeira etapa,

em que a biologia exerceu influência muito forte, e uma segunda etapa

em que predominou a preocupação com o rigor metodológico e com a

objetividade da nova disciplina.

O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles

Darwin, considerava a sociedade como um organismo biológico em sua

natureza, funções, origem, desenvolvimento e variações. Segundo essa

corrente, praticamente extinta, o que é válido para os organismos é

aplicado aos grupos sociais. A segunda etapa clássica do organicismo

positivista, também chamada de sociologia analítica, foi marcada por

grandes preocupações metodológicas e teve em Ferdinand Tönnies,

Émile Durkheim e Robert Redfield seus expoentes máximos.

Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto

da vontade humana, manifesta nas interações. O desenvolvimento dos

atos individuais permite o surgimento de uma vontade coletiva. A

Tönnies deve-se a distinção fundamental entre "sociedade" e

"comunidade", duas formas básicas de grupos sociais que surgem de

dois tipos de desejo, o natural e o racional. Segundo Tönnies, não são

apenas tipos de grupos mas também etapas genéticas -- a comunidade

evolui para a sociedade.

O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na

afirmação segundo a qual uma sociedade não é a simples soma das

partes que a compõem, e sim uma totalidade sui generis, que não pode

ser diretamente afetada pelas modificações que ocorrem em partes

isoladas. Surge assim o conceito de "consciência coletiva", que se impõe

aos indivíduos. Para Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e como tal

devem ser estudados.

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Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma

teoria sistemática, Durkheim deixou uma obra importante também do

ponto de vista metodológico, pela ênfase que deu ao método

comparativo, segundo ele o único capaz de explicar a causa dos

fenômenos sociais, e pelo uso do método funcional. Afirmou que não

basta encontrar a causa de um fato social; é preciso também determinar

a função que esse fato social vai preencher. Sociólogos posteriores, como

Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss e Mikel Duffrenne, retomaram de

forma atenuada o realismo sociológico de Durkheim.

Um dos principais teóricos do organicismo positivista,

Redfield analisou a diferença existente entre as sociedades consideradas

em sua totalidade e sugeriu a utilização da dicotomia sagrado/secular.

Em suas análises utilizou, de forma mais avançada e profunda, a grande

tipologia do organicismo positivista clássico, basicamente

sociedade/comunidade, e suas diversas configurações.

Teorias do conflito. Segunda grande construção do

pensamento sociológico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse

alcançado sua maturidade, a teoria do conflito conferiu à sociologia uma

nova dimensão da realidade. A partir de seus pressupostos, o problema

das origens e do equilíbrio das sociedades perdeu importância diante dos

significados atribuídos aos mecanismos de conflito e de defesa dos

grupos e da função de ambos na organização de formas mais complexas

de vida social. O grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio

de forças e não mais como uma relação harmônica entre órgãos, não-

suscetíveis de interferência externa.

Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do

conflito já havia obtido resultados de grande importância em outras áreas

que não as especificamente sociológicas. É o caso, por exemplo, da

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história; da economia clássica, em especial sob a influência de Adam

Smith e Robert Malthus; e da biologia nascida das idéias de Darwin sobre

a origem das espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo

marxista, que representava uma ideologia do conflito defendida em nome

do proletariado, e o darwinismo social, representação da ideologia

elaborada em nome das classes superiores da sociedade e baseada na

defesa de uma política seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a

sociologia com novas perspectivas teóricas.

Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês

Ludwig Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural mediante o

conflito entre os grupos sociais; o austríaco Gustav Ratzenhofer, que

utilizou a noção do choque de interesses para explicar a formação dos

processos sociais; e os americanos William Graham Sumner e Albion

Woodbury Small, para os quais a base dos processos sociais residia na

relação entre a natureza, os indivíduos e as instituições.

O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas

e sectárias. Entre suas premissas estão a de que as atividades de

assistência e bem-estar social não devem ocupar-se dos menos

favorecidos socialmente porque estariam contribuindo para a destruição

do potencial biológico da raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a

manifestação de inferioridade biológica.

Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento

sociológico, que definiu a sociologia como o estudo das formas sociais,

independente de seu conteúdo, legou à sociologia um detalhado estudo

sobre os acontecimentos e as relações sociais. Para o formalismo, as

comparações devem ser feitas entre as relações que caracterizam

qualquer sociedade ou instituição, como, por exemplo, as relações entre

marido e mulher ou entre patrão e empregado, e não entre sociedades

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globais, ou entre instituições de diferentes sociedades. O interesse pela

comparação entre relações permitiu à sociologia alcançar um nível mais

amplo de generalização e conferiu maior importância ao indivíduo do que

às sociedades globais. Essa segunda característica abriu caminho para o

surgimento da psicologia social.

Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo

neokantiano e o fenomenológico. O primeiro, baseado na divisão

kantiana do conhecimento dos fenômenos em duas classes -- o estudo

das formas, consideradas a priori como certas, e dos conteúdos, que

seriam apenas contingentes -- teve grandes teóricos nos alemães Georg

Simmel, interessado em determinar as condições que tornam possível o

surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que renovou a divisão

kantiana entre forma e conteúdo quando a substituiu pela idéia de

relação.

Em oposição à interpretação positivista e objetiva do

formalismo kantiano, o ramo fenomenológico contribuiu com uma

perspectiva subjetivista. Concentrou-se não nas formas ou relações que a

priori determinam o surgimento de uma sociedade e sim nas condições

sociopsicológicas que a tornam possível. Tem grande importância,

portanto, o estudo dos dados cognitivos, isto é, das essências que podem

ser diretamente intuídas, para cuja análise o filósofo alemão Edmund

Husserl propôs um método de redução a fim de alcançar diversos níveis

de profundidade.

Behaviorismo social. Surgida entre 1890 e 1910, o

behaviorismo social se dividiu em três grandes ramos -- behaviorismo

pluralista, interacionismo simbólico e teoria da ação social -- e legou à

sociologia preciosas contribuições metodológicas. O behaviorismo

pluralista, formado a partir da escola de imitação-sugestão representada

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pelo francês Gabriel Tarde, centralizou-se na análise dos fenômenos de

massas e atribuiu grande importância ao conceito de imitação para

explicar os processos e interações sociais, entendidos como repetição

mecânica de atos.

Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead

e Charles Wright Mills são alguns dos teóricos do interacionismo

simbólico que, ao contrário do movimento anterior, centralizou-se no

estudo do eu e da personalidade, assim como nas noções de atitude e

significado para explicar os processos sociais.

O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro

movimento do behaviorismo, a teoria da ação social. Com seu original

método de "construção de tipos sociais", instrumento de análise para

estudo de situações e acontecimentos históricos concretos, exerceu

poderosa influência sobre numerosos sociólogos posteriores.

Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o

centro de todas as interpretações que constituem a contribuição do

funcionalismo, última grande corrente do pensamento sociológico e

integrada por dois importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado

do organicismo sociológico e da antropologia, e o microfuncionalismo,

inspirado nas teorias da escola psicológica da Gestalt e no positivismo.

Entre os adeptos do funcionalismo estão os antropólogos culturais

Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown.

O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica

que considera fundamental: os esquemas em larga escala. Foi o italiano

Vilfredo Pareto quem permitiu a transição entre o organicismo e o

funcionalismo, quando concebeu o conceito de sistema, conferindo-lhe

correta formulação abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é

determinada pela interação entre os elementos que a compõem e a

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interação desses elementos com o todo, o que implica a existência de

uma determinação recíproca entre diversos elementos: a introdução de

qualquer mudança provoca uma reação cuja finalidade é a recuperação

do estado original (noção de equilíbrio sistêmico).

O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos

grupos em sua dinâmica e não na área do estudo da sociedade como um

sistema. O americano Kurt Lewin, com a teoria sobre os "campos

dinâmicos", conjuntos de fatos físicos e sociais que determinam o

comportamento de um indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos

para o estudo dos grupos humanos.

COMO SURGIU A SOCIOLOGIA?

A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu

de uma mudança radical da sociedade, resultando no surgimento do

capitalismo.

O século XVIII foi marcado por transformações, fazendo o

homem analisar a sociedade, um novo "objeto" de estudo. Essa situação

foi gerada pelas revoluções industrial e francesa, que mudaram

completamente o curso que a sociedade estava tomando na época. A

Revolução Industrial, por exemplo, representou a consolidação do

capitalismo, uma nova forma de viver, a destruição de costumes e

instituições, a automação, o aumento de suicídios, prostituição e

violência, a formação do proletariado, etc. Essas novas existências vão,

paulatinamente, modificando o pensamento moderno, que vai se

tornando racional e científico, substituindo as explicações teológicas,

filosóficas e de senso comum.

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Na Revolução Francesa, encontra-se filósofos a fim de

transformar a sociedade, os iluministas, que também objetivavam

demonstrar a irracionalidade e as injustiças de algumas instituições,

pregando a liberdade e a igualdade dos indivíduos que, na verdade,

descobriu-se mais tarde que esses eram falsos dogmas. Esse cenário leva

à constituição de um estudo científico da sociedade.

Contra a revolução, pensadores tentam reorganizar a

sociedade, estabelecendo ordem, conhecendo as leis que regem os fatos

sociais. Era o positivismo surgindo e, com ele, a instituição da ciência da

sociedade. Tal movimento revalorizou certas instituições que a revolução

francesa tentou destruir e criou uma "física social", criada por Comte,

"pai da sociologia". Outro pensador positivista, Durkheim, tornou-se um

grande teórico desta nova ciência, se esforçando para emancipa-la como

disciplina científica.

Foi dentro desse contexto que surgiu a sociologia, ciência

que, mesmo antes de ser considerada como tal, estimulou a reflexão da

sociedade moderna colocando como "objeto de estudo" a própria

sociedade, tendo como principais articuladores Auguste Comte e Émile

Durkheim.

SOCIOLOGIA: FUNCIONALIDADES

A partir do momento em que um ser humano aceita o acordo

de viver e trabalhar em comum com outros seres humanos, passa a fazer

parte de uma sociedade. As sociedades humanas podem ser muito

diversificadas: abrangem uma gama ampla que varia desde as mais

simples, que sobrevivem até a atualidade no interior remoto de florestas

e desertos quase inacessíveis, até as mais complexas, como as que

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existem nos países de grande prosperidade econômica e múltiplas

manifestações culturais.

Nas sociedades mais simples, que se acham em avançado

processo de extinção, um grupo reduzido de pessoas enfrenta o mundo

utilizando meios tecnológicos muito primitivos e apoiando-se em

instituições sociais de extrema singeleza. As sociedades mais complexas

têm características opostas. Entre elas encontram-se as diversas

sociedades nacionais e, no grau máximo de complexidade, acha-se a

sociedade global, planetária, que tem adquirido um perfil cada vez mais

nítido nas últimas décadas do século XX.

Nessa época, a sociedade global mostrava-se como uma

realidade que, embora incompleta, englobava praticamente a totalidade

dos seres humanos numa rede muito técnica e rica de relações

interpessoais, que abrangem desde os códigos do direito civil às

convenções internacionais de saudação entre estranhos de diferentes

nacionalidades que partilham um mesmo elevador; desde o respeito aos

sinais de trânsito e a observância dos códigos telefônicos até os tratados

internacionais políticos, comerciais ou culturais.

Apesar da evidência dessa realidade, continuava-se a

considerar a sociedade nacional como a sociedade complexa por

excelência, à qual se atribuía, provavelmente por inércia, uma

importância excessiva, ignorando o fato óbvio de que a sociedade global

ganhava a cada dia mais coesão, independentemente das resistências

que os antigos interesses nacionalistas opunham a sua consolidação e

apesar da imensa pluralidade de interesses, vivências, hábitos e visões

culturais e religiosas de seus elementos constituintes.

A sociologia é a ciência que estuda o homem como ser

social. O objeto dessa ciência é, portanto, o comportamento social

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humano. A sociologia analisa, por sua natureza, as causas e os efeitos

das relações entre indivíduos e grupos de indivíduos, como membros de

uma mesma sociedade.

Evolução histórica da sociologia

Assim que o ser humano começou a refletir sobre o mundo

que o cercava, sem dúvida teve que observar que vivia junto com outros

indivíduos, partilhando com eles trabalhos e alimentos, formando

famílias, clãs e tribos em cujo interior cada pessoa desempenhava um

papel determinado, definido por sua idade, sexo, relações de parentesco,

trabalho etc. A reflexão sobre as formações sociais humanas, portanto,

ocorreu em momento bastante precoce da vida inteligente da

humanidade. No decorrer da história, os pensadores enfocaram o tema

social em todas as épocas, a partir de pontos de vista muito diversos:

analisando, recolhendo conhecimentos anteriores e reestudando-os à luz

de novas interpretações ou teorizando sobre especificidades políticas,

jurídicas, filosóficas, históricas e demográficas das diversas sociedades.

Mas a sociologia, como ciência da sociedade, surgiria apenas depois de

muitos séculos. A palavra "sociologia" é de criação relativamente recente.

Em sua concepção moderna, a sociologia deve seu nome a Auguste

Comte, que o empregou pela primeira vez na década de 1830.

A filosofia clássica grega produziu reflexões sobre a natureza

e os fins da sociedade. Platão e Aristóteles dedicaram boa parte de sua

vida e obra ao estudo da estrutura e funcionamento da sociedade na

qual viveram. Platão até mesmo se permitiu projetar uma formação

social utópica que considerava perfeita e chegou a fazer algumas

tentativas fracassadas de pô-la em prática. É de Aristóteles a famosa

definição do homem como "animal social". Filósofos helênicos, doutores

da Igreja Católica, teólogos e pensadores medievais, europeus e

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

21

muçulmanos, juristas e geógrafos, todos contribuíram para a criação e o

desenvolvimento de um rico acervo de pensamento social ao longo de

mais de vinte séculos.

A partir do Renascimento, e muito especialmente no período

do Iluminismo, diversos autores europeus aproximaram-se aos poucos e

cada vez mais do pensamento propriamente sociológico, a partir de

análises políticas, históricas ou de natureza jurídica ou econômica. As

ciências experimentais começavam a progredir solidamente e nasceu a

aspiração de introduzir a utilização do método ciêntífico nas ciências

humanas. No começo do século XIX, Henri de Saint-Simon defendeu a

criação de uma consciência positiva que estudasse os fenômenos sociais.

Mas o criador do termo "sociologia" haveria de ser um de seus discípulos,

Auguste Comte, um dos fundadores da sociologia científica.

Desde sua origem, a sociologia se nutriu, portanto, de

contribuições de personalidades que, em princípio, obedeciam a impulsos

de índole política, como é o caso de John Locke ou Jean-Jacques

Rousseau, e de critérios tomados de empréstimo a outras áreas do

saber, como os demográficos, de que Thomas Malthus é um exemplo, e

os econômicos, como fez Adam Smith.

Comte e os "fundadores": Durkheim, Weber e Pareto

A sociologia chegou à maioridade no período que abrangeu

as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Três

grandes autores foram os principais responsáveis pelo crescimento e

consolidação da nova ciência: o francês Émile Durkheim, o alemão Max

Weber e o italiano Vilfredo Pareto. Durkheim é tido como fundador da

sociologia moderna. Foi o criador e incentivador da principal escola

sociológica de seu tempo e seu magistério doutrinário e metodológico

ainda se estende sobre a produção sociológica de autores do mundo

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

22

inteiro um século depois do surgimento de sua obra capital, As regras do

método sociológico. Pareto chegou ao domínio da sociologia a partir de

uma disciplina muito próxima, a economia, e Weber desbravou os

caminhos do conhecimento próprios das ciências humanas, que nem

sempre coincidem com os utilizados habitualmente nas ciências

experimentais.

Desde seus primórdios, o saber sociológico progrediu em

direções muito distintas e formaram-se escolas muito diversas. As

tendências do pensamento humanístico geral se incorporaram às teorias

sociológicas, impondo "modismos" científicos, como o evolucionismo e o

psicologismo, que deram lugar a interpretações muitas vezes grosseiras,

forçadas e parciais dos fatos sociais. Assim, por exemplo, as teorias do

evolucionismo, originalmente estabelecidas nas ciências biológicas, não

tardaram a ser aplicadas às realidades sociais. Tais colaborações

desfrutaram de certo prestígio, durante algum tempo, entre os indivíduos

mais radicalmente tradicionalistas e sectários.

As contribuições e progressos doutrinários e práticos

adotados por escolas sociológicas se viram afetados profundamente pelas

distintas concepções políticas, econômicas e filosóficas sobre o ser

humano e suas construções sociais imperantes em cada época e lugar.

Sociologia contemporânea

Ao contrário da tendência generalizada entre os sociólogos

europeus, voltada para a elaboração de grandes sistemas teóricos para

explicar o conjunto dos fenômenos sociais ou pelo menos os fenômenos

correspondentes a extensos setores da vida social, a obra dos sociólogos

americanos foi desde o começo orientada para a prática, dotada de

grande concretude nos temas tratados e capaz de efetuar uma análise

minuciosa e exaustiva, baseada no estudo direto, de fatos e temas

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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específicos. A sociologia empírica, que fez grandes progressos nos

Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, alcançou o apogeu na

Europa ocidental depois da segunda guerra mundial.

Com referência ao empirismo dominante em todo o mundo

nos estudos sociológicos, difundiram-se frases pretensamente

engraçadas, como a que diz que "um sociólogo é um cientista que gasta

cada vez mais dinheiro para estudar segmentos cada vez mais

irrelevantes na realidade social". Brincadeiras à parte, na segunda

metade do século XX o trabalho dos sociólogos foi dominado, sem

dúvida, pelas tendências empíricas. Apesar disso, outras antigas escolas

sociológicas continuavam ativas nas últimas décadas do século.

A nota mais destacada do progresso sociológico talvez tenha

sido a fragmentação da sociologia em numerosas ciências especializadas:

é comum falar de sociologia do trabalho, da marginalização, da vida

cotidiana, da religião, sociologia eleitoral, sociologia das organizações e

outras. Mais ainda, a tendência que a sociologia empírica mostra para a

realização de pesquisas, das quais se extraem dados em grande número,

obrigou os sociólogos a utilizar com freqüência as estatísticas em seus

trabalhos. A popularização do uso do computador encontrou na análise

de dados sociológicos uma de suas aplicacões mais prósperas e

consistentes.

A sociologia no contexto das ciências humanas

Como sucede com as demais ciências humanas, o domínio

de estudo da sociologia apresenta muitas coincidências com o de outras

disciplinas. A sociedade, as relações sociais e a troca social podem ser

estudadas de pontos de vista propriamente sociológicos, mas também

podem sê-lo em suas características econômicas, antropológicas,

psicológicas etc. Por isso, não podem ser inteiramente dissociados os

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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enfoques de caráter propriamente sociológico daqueles adotados por

outras ciências afins que complementam sempre o trabalho do sociólogo.

Os autores antigos tinham uma visão predominantemente

política da sociedade, já que consideravam-na como produto de uma

união de vontades. Para o sociólogo moderno, no entanto, a concepção

de sociedade é mais complexa e se dá dentro de uma abordagem

organicista: considera-se que ela funciona de acordo com uma lógica que

lhe é própria.

A sociedade se compõe de grupos distintos de indivíduos:

percebemos em seu interior membros muito diferentes por sua idade,

trabalho, posses, poder que detêm sobre os demais, tipo físico,

características raciais e outras inúmeras manifestações da diversidade

humana. Uma sociedade complexa, como as atuais sociedades nacionais,

compõe-se de grande variedade de grupos humanos, formados de

maneiras muito diversas: grupos raciais, econômicos, de poder etc. Um

mesmo ser humano pode pertencer a vários desses grupos, entre os

quais as relações são complexas e se acham sempre em equilíbrio

dinâmico e cambiante.

Uma das divisões em grupos da sociedade que mais gerou

controvérsias no decorrer da história ainda breve da sociologia refere-se

às classes sociais. Enquanto alguns autores negam até mesmo sua

existência, outros baseiam na mecânica das classes sociais sua

concepção global da sociedade e seus mecanismos, sua evolução

histórica e seu futuro.

Mudança social

As sociedades não são permanentes. No decorrer da história

existiram formações sociais nas quais as mudanças, em muitas épocas,

foram imperceptíveis. Assim, prolongados períodos da história do Egito

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faraônico parecem, do ponto de vista do observador atual, ter sido

presididos por uma estrutura social estática, sem mudanças, invariável

em suas forças e componentes institucionais internos. No entanto,

mesmo as sociedades mais conservadoras e aparentemente imutáveis

experimentaram sempre tensões e movimentos de mudanças em seu

interior, que no final conseguiram transformar os alicerces sociais. Se

essa afirmação é verdadeira em relação às sociedades da antiguidade,

aplica-se com maior rigor ainda às sociedades contemporâneas, nas

quais o extraordinário progresso impôs um ritmo de transformação e de

surgimento e desencadeamento de novos problemas internos, gerou

tensões e reforçou fatores de mudança social com uma intensidade

jamais conhecida em outras etapas históricas.

Tornou-se lugar-comum afirmar que a sociedade atual está

em crise. Entretanto, apesar de trivial e repetitiva, essa afirmação não é

menos verdadeira. A sociedade do terceiro milênio é com certeza mais

aberta às transformações, e as forças que a impulsionam a mudar são

mais poderosas do que as que existiram em qualquer outro momento da

história.

O progresso tecnológico influiu poderosamente sobre as

mudanças sociais em nível mundial, mas suas conseqüências não têm

sido as mesmas em todas as sociedades, nem os processos tiveram a

mesma intensidade. Assim, o desenvolvimento econômico parece estar

fortemente enraizado, de forma irreversível, nos países industrializados e

mais ricos, nos quais, apesar de ocasionais crises econômicas, o avanço é

quase contínuo. Muitas sociedades mais pobres do Terceiro Mundo, pelo

contrário, experimentam grandes dificuldades para encontrar o caminho

do progresso.

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26

As causas que provocam um grau diferente de mudança

social entre as diversas sociedades são muito complexas. Basta no

entanto apenas um exemplo para mostrar o nível diferente de impacto

que um aperfeiçoamento tecnológico pode ter, de acordo com o tipo de

formação social sobre o qual incida. O surgimento dos antibióticos

aumentou a duração e a qualidade da vida nos países industrializados;

quando seu emprego se generalizou nas sociedades subdesenvolvidas, o

grande número de vidas humanas que tais medicamentos salvaram

originou como reação problemas adicionais às dificuldades de

alimentação e emprego que as massas humanas desses países sofrem

devido à explosão demográfica que contribuíram para criar. Assim, pois,

a conformação de uma sociedade, seus recursos e organização interna

podem originar, para as mesmas causas, efeitos de mudança social muito

diferentes.

Uma sociedade ingressa numa dinâmica intensa de mudança

social quando os laços tradicionais que seus componentes mantêm entre

si, sejam eles representados por instituições econômicas, religiosas ou

culturais, se enfraquecem a tal ponto que os indivíduos se mostram

dispostos a construir novas relações, adotar outras instituições e

modificar seu modo de vida e sua conduta. São perceptíveis, em todos os

países modernos, as mudanças na estrutura familiar, na forma com que

as crenças se materializam na prática religiosa, na estrutura ideológica

dominante e, muito particularmente, na realidade econômica. Um

processo muito intenso de mudanças sociais teve lugar, no final do

século XX, na quase totalidade do mundo.

Movimentos ideológicos de transformação social

A consciência de que a organização social, num momento

dado, não é a melhor possível, isto é, que não proporciona o máximo de

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bem-estar e de possibilidades de auto-realização aos componentes da

sociedade, é comum a todos os períodos históricos. Entretanto, parece

ter se tornado mais aguda a partir do momento em que a revolução

industrial despertou nos homens a idéia de "progresso", isto é, a

concepção de que a sociedade é um todo dinâmico, em permanente

transformação, e que os recursos materiais de que dispõe aumentam de

forma indefinida, possibilitando maior bem-estar aos seres humanos e

um aperfeiçoamento contínuo da sociedade.

A noção de "progresso", ao se incorporar à ideologia dos

europeus a partir do século XVIII, levou-os a repelir as idéias, antes

dominantes, de estratificação social, de que as injustiças são inevitáveis,

de convivência perpétua com a escassez, da pobreza ixexorável da maior

parte dos seres humanos. A industrialização demonstrou que, do ponto

de vista material, era possível construir "o paraíso na Terra" e evitar de

forma permanente a escassez e a fome.

Não foi sem tensões que a idéia de uma sociedade mais

justa e equitativa se plasmou paulatinamente na realidade. De fato, em

qualquer progresso social produzem-se desajustes e injustiças. A rápida

evolução da sociedade industrializada provocou uma série de conflitos,

nos quais certas camadas sociais reivindicaram -- e algumas vezes

conquistaram -- novos e melhores níveis de qualidade de vida. A história

recente da maior parte das sociedades contemporâneas encerra um ou

mais movimentos revolucionários, que em alguns casos ameaçaram

romper o tecido social e implantar condições radicalmente novas de

relacionamento entre pessoas e classes sociais.

Sociedade atual

O intenso processo de mudança social que se iniciou na

Europa há vários séculos continua em fermentação. As atuais sociedades

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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desenvolvidas -- última etapa, por enquanto, desse processo de mudança

social -- têm características muito positivas em alguns casos: extensão

generalizada da alfabetização, previdência social universal, média elevada

de duração da vida, incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a

outras atividades sociais em desvantagem cada vez menor em relação ao

homem, estabilidade social e econômica no caso dos países de

"capitalismo avançado" e bem-estar material de amplas camadas sociais.

Entretanto, em sua complexidade, as sociedades

desenvolvidas se revestem também de características que não podem

deixar de ser consideradas negativas. Uma delas é que, embora

englobem apenas uma parcela minoritária da humanidade, as sociedades

desenvolvidas, em função precisamente das necessidades de seu

desenvolvimento ou da tecnologia de que dispõem, detêm a quase

exclusividade da exploração dos recursos naturais do planeta. Essa

situação ocorre em detrimento daquelas sociedades que possuem tais

recursos, mas carecem dos meios de se beneficiarem deles.

No final do século XX, o modelo econômico e social a que

aspirava a maioria dos habitantes do planeta era, em linhas gerais,

representado pelos países capitalistas mais desenvolvidos. Entretanto, as

sociedades mais ricas tentam encontrar soluções para os problemas que

surgiram em seu interior, como a delinqüência, a violência urbana, o uso

de drogas, a marginalização de amplos setores, o racismo, o consumismo

descontrolado e a falta de solidariedade social.

Embora a "mão invisível" do sistema de mercado tenha

demonstrado sua eficácia para a conquista do crescimento econômico ao

longo de muitas décadas, tem ainda que oferecer soluções melhores para

o problema global que se apresenta com intensidade cada vez maior: a

limitação das reservas dos recursos de toda ordem: matérias-primas,

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energia, espaço, alimentos, atmosfera, água potável etc. Outro grave

problema para o qual o sistema social não soube ainda oferecer solução

plenamente satisfatória é o da acelerada automação e robotização, que

dispensa cada vez maiores contingentes de mão-de-obra humana. As

sociedades desenvolvidas, porém, baseiam grande parte da justificação

da existência humana no trabalho. Como tornar compatível a escassez do

trabalho com a necessidade psicológica, social, ideológica, econômica e

moral que dele sente o indivíduo é um tema no qual as sociedades

modernas começam a dar os primeiros passos, encaminhando-se para

um mundo no qual exista um equilíbrio entre trabalho e lazer.

As sociedades pouco desenvolvidas, nas quais o sistema

produtivo é ineficiente e as estruturas sociais em grande parte ainda

estão por se modernizar, sofrem também de modo peculiar os problemas

próprios das sociedades ricas mas, sobretudo, enfrentam dificuldades

ainda maiores advindas das desigualdades sociais que provocam grande

instabilidade interna e dificultam o funcionamento democrático das

instituições políticas. Muitas dessas sociedades se encontram divididas

em duas partes distintas: uma minoria modernizada e uma maioria na

qual predominam as atitudes e modos de vida tradicionais. Em alguns

casos o panorama negativo se complementa com a fome generalizada, a

incapacidade de deslanchar o processo de crescimento econômico, a

superpopulação e muitos outros problemas de extrema gravidade.

O processo de modernização econômica, por ser incompleto,

provoca grandes problemas sociais, como a superpopulação das cidades.

Se a migração de camponeses para os grandes centros urbanos constitui

sintoma revelador de modernização social, já que pressupõe que grandes

contingentes da população se inserem nos circuitos econômicos

modernos e se desligam de seus condicionantes ideológicos tradicionais,

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a incapacidade das grandes cidades de absorvê-los cria por sua vez

subculturas pré-modernas, marginalização, desvinculação dos laços com

o resto da sociedade e delinqüência. O controle das doenças infecciosas,

desvinculado de uma mudança na ideologia tradicional favorável a uma

alta taxa de natalidade ("ter muitos filhos para que pelo menos um

sobreviva"), provoca uma explosão demográfica que uma economia

raquítica, lenta em seu ritmo de expansão, não tem condições de

absorver.

Esses e muitos outros problemas caracterizam a maior parte

das sociedades pobres e o otimismo que imperava no meado do século

XX a respeito de sua pronta solução não se confirmou nos anos

posteriores. Apesar desse quadro negativo, algum avanço foi

conquistado. No fim da década de 1980, as taxas de crescimento

populacional começaram a diminuir em muitas regiões do mundo,

enquanto grandes países asiáticos antes identificados com a fome, como

a Índia e a China, pareciam ter superado esse problema.

No tratamento dos diversos problemas das sociedades

atuais, o trabalho do sociólogo e a contribuição das teorias sociológicas

adquiriram uma importância crescente. Embora não existam medidas

seguras ou receitas aplicáveis a qualquer caso, os governos podem,

mediante técnicas sociológicas, intervir em diferentes áreas da vida

social. Essas técnicas de intervenção tiveram progresso especial nos

setores da publicidade e da opinião pública, que servem para orientar e

conhecer as preferências de consumo e as tendências ideológicas.

Até aqui foram abordadas algumas especificidades da

sociologia, assim como uma visão do mundo atual, contemplado de um

ponto de vista sociológico. Mas os fenômenos humanos que podem ser

objeto de estudo da sociologia são muito numerosos e diversos.

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Os fenômenos humanos e a sociologia

A sociologia é pois uma forma de abordar o mundo, que

privilegia certos aspectos e despreza outros, ou seja, seleciona da

realidade o objeto de seu interesse, da forma mais adequada para esta

ou aquela finalidade. Encara as pessoas não do ponto de vista de sua

especificidade, mas como atores de relações sociais, que desempenham

certos papéis movidos por certos elementos motivadores. As relações

sociais, por sua vez, podem ser entendidas de maneiras distintas, de

acordo com o propósito do estudioso: seja no contexto das classes entre

as quais se estabelecem, seja em âmbitos mais restritos, núcleos

menores ou microcosmos que se definem dentro da realidade mais ampla

da sociedade global.

Do que foi dito se deduz, assim, que um traço característico

que define com maior rigor os estudos sociológicos é precisamente a

grande diversidade de enfoques e contribuições que se estabelecem em

seu âmbito. O principal desafio para o sociólogo é portanto a delimitação

de meios de observação e gestão para compreender uma área concreta

das sociedades.

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32

SOCIOLOGIA RURAL

PECUÁRIA

O pastor nômade que vigia seu rebanho nas planícies

do norte da África, o cowboy americano que caça e domestica

mustangues, o peão das grandes fazendas de gado do Centro-

Oeste brasileiro e o lapão que conduz seu trenó acompanhando

a migração das renas através da tundra ártica praticam a

pecuária, atividade comum aos mais diversos povos, em todos

os tempos.

Pecuária é a técnica e a prática da criação,

manutenção e aproveitamento dos animais domesticados para

deles obter tração, transporte, carne, leite, lã, couro e outros

produtos, que podem ser consumidos in natura ou servirem de

matéria-prima para a indústria. De acordo com a classificação

internacional das atividades econômicas utilizada pela

Organização das Nações Unidas (ONU), a pecuária inclui não

somente a criação dos mamíferos ruminantes conhecidos

comumente como gado, mas de todos os animais para cuja

manutenção o homem concorre e deles extrai algum produto.

Assim, pode-se dividir a pecuária em criação de grandes

animais (bovinos, eqüinos, suínos, caprinos, ovinos etc.) e

pequenos animais (aves, coelhos, peixes, bicho-da-seda,

abelhas etc.). Há animais de criação circunscrita a regiões

geográficas bem determinadas, como a lhama e a alpaca, na

região andina; a rena, nas regiões subárticas; o camelo e o

dromedário, nas regiões desérticas da Ásia e da África; e o

iaque, nos planaltos do Himalaia.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA. A atividade pecuária teve

início no período neolítico, há cerca de dez mil anos. A

implantação dos primeiros estabelecimentos dedicados à

pecuária foi fruto da necessidade de obter uma fonte segura e

perene de alimento em forma de carne, leite etc., assim como

de muitos outros produtos, como peles, ossos e chifres, usados

na fabricação de agasalhos e utensílios. Vestígios das primeiras

experiências de domesticação foram encontrados em

escavações arqueológicas realizadas no Oriente Médio, onde se

criaram, entre outras espécies, cabras, ovelhas e vacas. Dessa

forma, o homem deixou de ser um mero predador, que

dependia da caça para obter proteínas animais, e transformou-

se em guardião e senhor dos rebanhos de diversas espécies de

animais herbívoros que até então se mantinham em estado

selvagem.

A tendência gregária de alguns animais, seus hábitos

alimentares e sua mansidão favoreceram o empreendimento de

domesticação, para o qual o homem lançou mão de seus dons

de observação e sua capacidade de adaptação às condições que

o meio ambiente lhe impunha. De início, o pastor se limitava a

seguir os rebanhos em seus deslocamentos periódicos em busca

de pastos. Nos tempos atuais sobrevivem culturas como as dos

tuaregues e beduínos da região do Magreb, que são

basicamente nômades, mas o progresso e a evolução das

condições de vida tornam essa atividade de subsistência cada

vez mais rara.

Uma variação do nomadismo é a transumância,

deslocamento temporário e sazonal do gado em busca de novos

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

34

terrenos onde pastar, que foi importante durante a Idade Média

em alguns reinos europeus, como o de Castela, onde surgiu, no

século XIII, uma poderosa e influente corporação pecuarista

conhecida como Mesta. Na época do estio, o gado era

transferido das zonas planas, assoladas pelas secas, para os

pastos de vales montanhosos e planaltos, onde os rebanhos

podiam obter alimento em quantidade suficiente. O

deslocamento do gado se fazia pelas canhadas, caminhos

utilizados estação após estação, que se encontravam sob

proteção do rei.

Além de fornecer carne e outros produtos, algumas

espécies domesticadas foram empregadas na execução de

tarefas agrícolas, com o que se vinculou a pecuária à

agricultura, numa associação que se consolidou cada vez mais

com o passar do tempo. Assim, o esterco do gado começou a

ser usado para adubar as lavouras, e os restos vegetais

procedentes das colheitas se converteram em alimento para os

animais nos meses de inverno e períodos de estiagem. As

atividades de agricultura e pecuária se complementaram

perfeitamente e juntas passaram a fornecer os meios de

subsistência básicos à comunidade.

O aperfeiçoamento dos métodos de manutenção,

alimentação e controle veterinário dos animais, atividades que

se desenvolveram paralelamente à industrialização,

favoreceram o aumento da produção pecuária. Esse incremento

tornou possível satisfazer a crescente demanda de proteínas

animais que o aumento da população e sua concentração nos

grandes centros urbanos geraram. Em grandes porções de terra

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

35

das antigas colônias européias da América, África e Austrália, a

pecuária se tornou uma das principais atividades econômicas.

PECUÁRIA DE GRANDES ANIMAIS

Técnicas de exploração. A pecuária tradicional é de

tipo extensivo, que demanda grandes áreas destinadas à

pastagem, onde os animais vagam quase livremente. Na

pecuária intensiva, o número de cabeças de gado é alto em

relação ao espaço. Nesse segundo tipo de exploração, muito

ligado ao setor agrícola, é determinante o emprego da

tecnologia e de sistemas de racionalização da produção com o

objetivo de obter alto rendimento. Na pecuária extensiva, é

habitual o regime de transumância, ou rotatividade dos pastos.

Na pecuária intensiva, o gado é mantido estabulado e é

alimentado artificialmente, com ração balanceada, o que

favorece duplamente a engorda: pela administração dos

nutrientes adequados e pela limitação imposta à movimentação

dos animais. Além desses dois tipos básicos de tratamento do

gado, há outros que reúnem características de ambos.

Alimentação. O gado necessita da ingestão diária de

uma série de substâncias nutritivas básicas, cuja quantidade

difere segundo a espécie, raça, idade etc. Tais substâncias são

carboidratos ou açúcares, gorduras, proteínas, vitaminas e

minerais, que fornecem ao animal não apenas a matéria-prima

a ser utilizada na formação de seus tecidos, mas também a

energia necessária às diversas funções orgânicas,

deslocamentos e outras atividades.

A proteína é de grande importância, pois a produção

de carne dependerá do teor protéico do alimento e de sua

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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assimilação e aproveitamento pelo organismo. As gorduras são,

antes de tudo, compostos muito energéticos, armazenadas pelo

corpo como reserva alimentícia; constituem também parte

fundamental na composição do leite. As vitaminas, necessárias

em quantidades mínimas, são indispensáveis não só para a

conservação dos tecidos, mas também para a realização de

grande número de reações biológicas e metabólicas e para a

prevenção de certos desequilíbrios.

A necessidade de elementos minerais na alimentação

dos animais varia: alguns, como o cálcio, o fósforo, o magnésio

e o potássio, são necessários em maiores quantidades,

enquanto outros só em concentrações mínimas. Esses últimos

são elementos biogenéticos que em doses ínfimas atuam como

catalisadores de determinados processos vitais. Assim, o

manganês, o zinco e o ferro aceleram algumas reações

biológicas sem nelas interferir. Alguns minerais, como o cálcio e

o fósforo, que compõem o esqueleto, são parte integrante da

estrutura corporal, e outros atuam como ativadores das

enzimas. Em doses elevadas, muitos minerais se tornam tóxicos

para o gado.

Utilizam-se diversos produtos como fontes de

alimento natural na pecuária, principalmente plantas forrageiras

como a alfafa; cereais em grão como a cevada, o milho e a

aveia; farelo, procedente da casca de diversos cereais;

leguminosas; raízes e tubérculos; feno e palha. Empregam-se

também concentrados protéicos que visam a incluir na dieta, a

baixo custo, a quantidade recomendável de proteínas. A maior

parte desses concentrados se compõe de subprodutos de

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

37

processos industriais, como a extração do óleo de sementes

oleaginosas. Entre os mais usados pelos pecuaristas vale citar:

as tortas de soja e de amendoim; a farinha de ossos, com alto

teor de fósforo, cálcio e outros minerais, além de proteína; e a

farinha de peixe, obtida pela secagem e trituração de restos de

peixes e que também possui elevada concentração de sais

minerais. Também se conseguiu uma notável melhoria na

alimentação do gado graças à elaboração de rações compostas,

misturas de substâncias nutritivas de procedência variável a

que se adicionam diferentes fatores corretores, minerais etc., a

fim de assegurar a nutrição completa e equilibrada dos animais.

O problema da alimentação envolve grande número

de questões pois, além da ingestão dos principais elementos

nutritivos em quantidades ótimas, devem-se levar em conta

muitos outros fatores fisiológicos, metabólicos, a apresentação

do alimento etc. A capacidade de digestão dos alimentos, por

exemplo, varia muito de uma espécie para outra. Os

ruminantes, como vacas e ovelhas, possuem microrganismos

que lhes permitem digerir a celulose e, desse modo, aproveitam

mais a fibra vegetal que outros animais. Há animais que

mastigam com rapidez, como os porcos, e cuja assimilação de

nutrientes é favorecida se o alimento for previamente triturado.

Além disso, ocasionalmente se registram gastos energéticos e

perdas que variam muito de acordo com a espécie, raça e idade

do animal. Nos animais jovens, esses gastos são sensivelmente

maiores, devido ao crescimento e à intensa atividade

metabólica.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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Tão importante quanto a administração de elementos

nutritivos é sua proporção correta e adequada. Assim, uma

alteração na relação de cálcio e fósforo pode ser até mesmo

mais prejudicial do que a carência de qualquer dos dois

minerais. No caso dos animais produtores de leite, certos

alimentos estimulam a secreção láctea, enquanto outros podem

até provocar alterações na cor do leite e, assim, prejudicar sua

comercialização, razão pela qual não devem ser incluídos na

alimentação das vacas leiteiras antes da ordenha.

SELEÇÃO. A seleção, a reprodução do gado e a

obtenção de raças e variedades mais produtivas também se

tornaram objeto de grande interesse com a expansão da

pecuária. A mecanização de certos processos, a inseminação

artificial, a elaboração de novos métodos de tratamento dos

animais e a melhoria das condições de confinamento do gado

produziram altos índices de rendimento em muitos países. A

seleção dos animais que vão integrar o rebanho matriz, cujas

características genéticas deverão produzir um modelo fixado, se

dá de acordo com um dos seguintes processos:

(1) SELEÇÃO DE MASSA. Baseada apenas nas

características individuais do animal, a seleção de massa ou

fenotípica consiste em escolher um grupo de animais que

apresenta a característica que se deseja ver transmitida aos

descendentes, depois do que se procede ao cruzamento. A

seleção é repetida na segunda geração. A seleção de massa é o

processo seletivo mais freqüentemente empregado.

(2) SELEÇÃO POR PEDIGREE. Feita com base nas

características dos ascendentes de determinado indivíduo, a

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39

seleção por pedigree é geralmente falha, pois dois animais

descendentes dos mesmos antepassados, isto é, de idêntico

pedigree, nunca possuem as mesmas características genéticas,

a não ser quando univitelinos.

(3) SELEÇÃO POR FAMÍLIA. Em zootecnia,

denomina-se família o grupo no qual o inter-relacionamento

genético é elevado, comparado com o restante dos animais de

mesma raça que formam o rebanho. Uma família pode ser,

então, formada por um grupo de parentes colaterais, ou por

descendentes de um mesmo tronco, mas não pela mesma linha

de filiação. Como a seleção se faz pelas qualidades de diversos

indivíduos pertencentes ao mesmo tronco, as características

não-hereditárias tendem a ser suprimidas, e os indivíduos

tornam-se geneticamente mais uniformes do que no caso da

seleção de massa. A seleção por família aplica-se mais

comumente a animais que possuem, como os porcos, alta taxa

de reprodutividade.

(4) SELEÇÃO PELA PROGÊNIE. A escolha feita com

base nas características dos descendentes diretos denomina-se

seleção por progênie. Animais cujos descendentes apresentam

características consideradas boas são mantidos no rebanho; em

caso contrário, são eliminados. A seleção por progênie é lenta, e

aplica-se principalmente quando se deseja selecionar animais

com características cuja transmissão hereditária é baixa.

Sistemas de cruzamento. Depois de efetuada a

escolha do rebanho matriz, decide-se de que forma os animais

selecionados deverão ser cruzados. Os sistemas de cruzamento

podem variar desde o acasalamento endogâmico, isto é, entre

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

40

indivíduos estreitamente aparentados (primos-irmãos, no

máximo), até o acasalamento híbrido ou heterogâmico, isto é,

entre animais de raças ou espécies diferentes.

A endogamia perfeita produz geralmente excelentes

resultados na primeira geração. A endogamia imperfeita precisa

de alguns anos para produzir modificações distintas nos

descendentes. Denomina-se cruzamento linear a combinação de

endogamia, comumente imperfeita, com seleção. Aplica-se para

preservar e concentrar as boas características de um ancestral,

pelo cruzamento de indivíduos com ele aparentados. A

endogamia e o cruzamento linear aumentam a pureza genética,

dando origem a famílias homogêneas, mas entranha o perigo do

aparecimento de caracteres recessivos indesejáveis, causando

um declínio no mérito do indivíduo, o que pode ser evitado

procedendo-se a seleções intermediárias.

A heterogamia produz, não raramente, uma progênie

que ultrapassa em vigor e vitalidade os troncos paternos. O

vigor híbrido pode, no entanto, ser perdido pelo cruzamento

entre si dos primeiros descendentes. Este inconveniente supera-

se satisfatoriamente pelo cruzamento retrógrado e alternado de

duas raças, ou pelo cruzamento rotativo de três raças. A

heterogamia vem sendo usada com sucesso na produção de

animais para o corte, pois produz resultados mais rápidos e

econômicos. Quando levado a suas últimas possibilidades, como

no cruzamento de jumento com égua, produz híbridos estéreis.

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL. A fecundação de uma

fêmea, além dos métodos de cruzamento, pode ser feita com

vantagem por inseminação artificial. O método foi descoberto

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

41

pelos árabes, que há muitos anos o utilizam na criação de

cavalos. Na Europa e na América só começou a ser

intensivamente utilizado na década de 1940. A inseminação

artificial permite o uso extensivo de machos selecionados, pois

muitas fêmeas podem ser fecundadas por um mesmo macho.

Permite também a verificação das qualidades de maior número

de descendentes de um mesmo reprodutor, em menor espaço

de tempo e em condições ambientais variadas. Os testes da

progênie são mais rigorosos se os descendentes pertencerem a

um maior número de rebanhos.

A inseminação artificial pode ser mais econômica que

a reprodução natural, e evita ao fazendeiro a tarefa árdua,

custosa e delicada de manter um reprodutor em boas

condições. Além disso, devidamente aplicada, é um meio eficaz

de controle de doenças infecciosas e de certos tipos de

esterilidade. O largo uso de pequeno número de reprodutores

de grandes méritos individuais torna possível uma seleção

bastante mais rigorosa, desde que as fêmeas sejam também

cuidadosamente escolhidas para o aprimoramento do rebanho.

O criador, com muito maior rapidez, pode modificar

completamente as características hereditárias e o mérito de

toda uma população animal, indo muito além dos limites de

variação possível da população original. O aprimoramento exige

o reagrupamento dos animais segundo a nova combinação de

genes, a fim de tornar coletivas certas características que antes

apareciam apenas em animais isolados.

PRINCIPAIS REGIÕES DE PECUÁRIA. Na Europa,

as principais áreas pecuaristas dividem-se entre o Reino Unido,

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

42

França, Itália, o norte do continente, Polônia e Romênia. A

Rússia se destaca mundialmente por seus rebanhos de gado

bovino, eqüino, suíno e ovino.

No continente americano, onde logo se adaptaram

muitas variedades de espécies européias, a pecuária se tornou

muito difundida e alguns países se destacam como grandes

produtores mundiais. Os Estados Unidos, por exemplo, se

tornaram um dos maiores criadores de gado bovino e suíno,

assim como o Brasil. A Argentina destacou-se por sua grande

produção de gado bovino, eqüino e caprino. O México também

atingiu índices notáveis na produção de gado bovino e suíno.

A China e a Índia são os dois grandes produtores da

Ásia. A primeira conta com grandes rebanhos de gado suíno,

caprino, bovino e eqüino, enquanto na segunda são

especialmente numerosos os rebanhos bovino e caprino. Outras

regiões que se destacam por suas atividades no setor são a

Turquia e o Paquistão. No continente africano, a pecuária se

encontra relativamente pouco desenvolvida e alcançam índices

significativos apenas a Nigéria, com um numeroso rebanho

caprino, a Etiópia, com uma notável produção caprina e bovina

(embora reduzida pela seca), a África do Sul e o Marrocos. Na

Austrália e na Nova Zelândia a pecuária ovina, seguida da

bovina, é a mais importante do ponto de vista econômico.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

43

AGRICULTURA

A posição de domínio da espécie humana na Terra

seria inconcebível se não lhe tivesse ocorrido, desde seus

primeiros ensaios de vida em grupo, metodizar e incrementar a

extração de alimentos que a natureza espontaneamente lhe

dava. O surgimento de técnicas de plantio e, a seguir, de

criação de animais foi o pilar central da formação de sociedades

estáveis em que o homem passou de coletor, ou predador, a

construtor engenhoso da sobrevivência grupal.

O conjunto dessas técnicas deu forma à mais antiga

das artes, que iria transformar-se, ao passar dos séculos, numa

ciência de leis codificáveis e em renovação permanente: a

agricultura, palavra que deriva do latim ager, agri (campo, do

campo) e cultura (cultura, cultivo) -- o modo de cultivar o

campo com finalidades práticas ou econômicas.

ORIGENS E DESENVOLVIMENTO

Todos os indícios sugerem que a agricultura surgiu

independentemente em várias regiões do planeta. No tocante

ao cultivo das principais espécies, acredita-se que tenha

despontado em três grandes áreas: a China, o Sudeste Asiático

e a América tropical. Povos europeus e africanos podem ter

iniciado por conta própria o cultivo de algumas plantas, com

que complementariam a caça e a pesca. Além das três áreas

fundamentais citadas, talvez se deva acrescentar o nordeste da

África, onde prosperou a poderosa civilização egípcia, vários

milênios antes da era cristã.

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No Velho Mundo, a agricultura surgiu em zonas

áridas ou semi-áridas, tirando partido das margens úmidas dos

rios, para lutar contra a escassez das chuvas. Na América, a

agricultura desenvolveu-se principalmente em planaltos pouco

chuvosos onde hoje estão a Bolívia, o Peru, o México e o

extremo sul dos Estados Unidos. Atribui-se a data muito remota

o início do cultivo de alguns tubérculos no sopé dos Andes. E é

certo que, do lado oposto, nas huacas peruanas do litoral,

encontram-se, em níveis arqueológicos que remontam a cerca

de 2000 a.C., algumas plantas já cultivadas, como a pimenta, a

abóbora e o feijão.

Na árida costa peruana, a agricultura se fazia e se faz

em terras regadas por rios provenientes dos Andes. Em época

posterior teve início o cultivo do milho, o cereal americano por

excelência, cultivado desde os grandes lagos norte-americanos

até o Chile. No Brasil, os índios o plantavam também. As

espigas, na origem, eram pequeníssimas e equivaliam, no

tamanho, a uma moeda moderna. Na gruta dos Morcegos, no

Novo México, Estados Unidos, pode-se observar, nas sucessivas

camadas arqueológicas, como elas se tornaram

progressivamente maiores, graças à seleção das mais graúdas

para o plantio. De suma importância para os índios, o milho -- e

outros vegetais, como a batata, o amendoim, a mandioca e o

fumo -- foi uma das grandes dádivas que a América

proporcionou ao resto do mundo.

Em muitas civilizações, o desenvolvimento da

agricultura não tardou a associar-se ao da criação de animais. A

existência de excedentes de alimentos permitia manter junto

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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aos núcleos de povoação um número expressivo de cabeças de

gado, com o que se acelerou o processo de domesticação das

espécies. Tudo isso acarretou mudanças profundas na vida

humana, que passou a orientar-se, cada vez mais, pelos ciclos

agrícolas. A necessidade de registrar a duração dos períodos de

semeadura, crescimento e colheita estimulou o

desenvolvimento da astronomia e do calendário, assim como a

medição dos campos contribuiu para que se fixassem princípios

de geometria e matemática. Os fatos relacionados à agricultura

adquiriram significado religioso e festivo, dando origem a

tradições e ritos.

O MUNDO ANTIGO. Graças ao plantio metódico de

alimentos floresceram as antigas civilizações da Caldéia, Assíria,

China, Índia, Palestina, Grécia e Roma. Em 2800 a.C. os

chineses já usavam o arado, incentivados pelo imperador Cheng

Nung, tido por fundador de sua agricultura. Os chineses

cultivavam o arroz, o sorgo, o trigo e a soja, da qual tiravam

subprodutos, e também criavam o bicho-da-seda para

empregar seus fios no fabrico de tecidos de grande valor. Com

o tempo, passaram a exportá-los para o Império Romano, e em

tal quantidade que Tibério proibiu o uso da seda, para evitar a

catastrófica evasão do ouro.

Na Índia, Caldéia, Assíria, Arábia, Pérsia, Etiópia e

outras partes, igualmente remoto foi o início do cultivo de

outras plantas cuja importância econômica nunca cessou de

crescer, como mangueira, figueira, pessegueiro, romãzeira,

pereira, videira, cafeeiro, cravo, pimenta, canela.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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IRRIGAÇÃO. Muitos povos pré-históricos

aprenderam desde cedo a controlar a água, a fim de distribuí-la

em seus campos no momento oportuno, ou de ampliar a área

cultivada. Assim surgiu a irrigação, com técnicas às vezes

elaboradas: canais, feitos de bambu, de barro cozido ou de

pedra; comportas; túneis para transposição de bacias;

aquedutos; noras para elevar a água etc. Em muitas regiões, o

homem construiu, de longa data, terraços com costados de

pedra seca. Essa paisagem caracteriza o mundo rural

mediterrâneo, como também, de modo mais espetacular, os

Andes peruanos e o Sudeste Asiático.

No Mediterrâneo, onde os verões extremamente

secos começam entre 15 de junho e 15 de julho, um sistema de

rotação bienal de terras, implantado na antiguidade, manteve-

se até a época contemporânea graças a seu perfeito

ajustamento às condições ecológicas da região. A produção de

cereais em campos arados dá ênfase aos trigos de inverno,

semeados no outono e que, à chegada da rigorosa estiagem, já

estão próximos da maturação. Num mesmo campo, as culturas

temporárias se alternam a cada ano com as terras de pousio, ou

de descanso.

No Peru, a agricultura pré-colombiana chegou a

graus extraordinários de refinamento e intensidade, permitindo

que a produção se organizasse numa região onde agricultores

modernos talvez morressem de fome. Essa região é a

cordilheira peruana, que não forma, como na Bolívia, um

altiplano, mas é sulcada por vales íngremes em cujo fundo

penetra a selva amazônica, enquanto os altos estão cobertos de

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

47

neve eterna. As culturas irrigadas e adubadas, em terraços e

solos artificiais, são obra de um povo que foi chamado de

megalítico ou pré-incaico e que seria provavelmente da raça dos

quíchuas, embora mais desenvolvido.

Os quíchuas atuais ignoram quem fez essas

construções engenhosas e as admitem como naturais. Os

terraços nas encostas abruptas, exigência da falta de terras

planas, atingem notáveis dimensões: seus muros de arrimo,

com três a cinco metros de altura, são feitos com pedras de

formato não-geométrico, porém encaixadas sem argamassa.

Comumente a largura dos terraços varia de três a cinco metros,

embora sejam freqüentes, sobretudo nas encostas inferiores,

larguras maiores. Nos fundos dos vales, os cursos dos rios

tiveram trechos retificados e estreitados, para deixar mais

espaço cultivável, como ocorreu no rio Urubamba, perto de

Pisac, e a cerca de oito quilômetros a jusante de Ollantaytambo.

Os terraços pré-incaicos, que se chamam andenes,

donde o nome da cordilheira, eram irrigados por canais e

aquedutos, construídos também com blocos de pedra

justapostos sem argamassa, pelos quais corria a água

resultante do derretimento de geleiras e neve. Técnicas

elaboradas faziam com que a água, após irrigar um terraço,

caísse num terraço inferior sem provocar erosão. O engenho

posto na conquista de espaço e irrigação, a grande diversidade

de plantas em cultivo (batata e feijão, goiaba e abacaxi, tomate

e coca etc.) e a aplicação de adubos como o guano e o peixe,

transportados da costa em lhamas, caracterizam o sistema

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48

peruano de agricultura intensiva como um dos mais perfeitos

que o mundo conheceu.

A irrigação tomou notável impulso nos vales do Tigre,

Eufrates, Indo e vários rios chineses, mas foi ao longo do Nilo

que seus efeitos sobre a civilização e a história se tornaram

mais óbvios. O sofisticado sistema agrícola egípcio começou a

esboçar-se ao fim do período neolítico, no quinto milênio a.C., e

apoiou-se em culturas, animais e instrumentos oriundos

principalmente da Ásia e, em menor escala, da Etiópia.

EGITO. No terceiro milênio, ao instalar-se o poder

dos faraós sob o qual se estruturariam mais de mil anos de alta

civilização, uma rede de canais constantemente ampliada já se

estendia pelo vale do Nilo, para controlar suas cheias. Quando o

Nilo transborda, entre junho e setembro, suas águas podem

subir de seis a oito metros. Muito acima ou abaixo desses

limites, as cheias causavam irremediáveis desastres. Os

aspectos danosos dessas cheias puderam, no entanto, ser

evitados graças à ação do homem e a obras colossais, como o

lago regulador Méris, atribuído a Amenemhat III, que recolhia a

água em excesso para distribuí-la nas fases de escassez.

As águas sob controle acabaram por acumular na

planície um depósito de limo de fertilidade espantosa, que fez

da calha do Nilo uma faixa verdejante a cortar o deserto. As

terras do vale pertenciam aos deuses ou ao faraó. As dos

primeiros eram entregues aos templos e seu arrendamento

revertia em benefício do clero; as do último, cultivadas por

lavradores reais ou felás, destinavam-se a manter a massa de

funcionários. Soldados, príncipes e chefes (guerreiros) podiam

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49

também ocupar terras, mediante arrendamento. Os

camponeses não eram escravos, nem servos da gleba, nem

tampouco homens livres, mas rendeiros (inquilinos) do faraó. O

trabalho em comum era obrigatório.

As famílias camponesas e os animais de carga viviam

em aldeias lineares (metrocomia), à beira do tabuleiro

desértico. As terras do vale eram controladas por um duplo

registro cadastral, segundo os nomes dos campos e das pessoas

que os cultivavam. Permitiam-se trocas e doações de terras,

desde que inscritas e taxadas nesse cadastro. Os impostos

eram muito elevados. Uma legião de escribas mantinha o

cadastro atualizado; e outra, de agrimensores, relocava as

parcelas do terreno, à medida que as cheias iam baixando.

Todos os anos determinavam-se previamente as áreas a

cultivar e sua ordem. Certas culturas, como as oleaginosas __

sésamo, cártamo, linho, mamona __, eram monopólio real.

Os egípcios cultivavam principalmente cereais, que

constituíam a base de sua alimentação: trigo, cevada, sorgo.

Entre os têxteis, sobressaíam o papiro e o cânhamo, aos quais

se acrescentou, em fase bem posterior, o algodão. Favas,

lentilhas, grão-de bico e alho-porro integravam o elenco de

legumes, ao passo que as frutas mais comuns eram melão,

melancia, romã, figo, uva, azeitona, amêndoa, alfarroba e

tâmara. Plantas tintoriais e odoríferas, como as roseiras,

completavam os moldes do universo agrícola. O estado

comprava as safras e fornecia crédito aos agricultores.

O Egito antigo conheceu muito cedo, no setor da

pecuária, a caça, o cativeiro e a seleção de animais. Criavam-se

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várias raças de bois, burros, cabras, porcos e carneiros, além de

antílopes e gazelas da própria África e cavalos procedentes da

Ásia. Um papel todo especial no trabalho agrícola foi atribuído

ao boi, elevado à categoria de divindade (o boi Ápis) e, segundo

a tradição, uma dádiva da Índia ao Egito.

Do Egito a agricultura passou à Grécia, onde inspirou

a Hesíodo um poema didático, Os trabalhos e os dias, e a

Teofrasto dois trabalhos técnicos, As pesquisas sobre as plantas

e As causas das plantas, que sobrevivem ainda como

manifestações pioneiras.

ROMA. Os romanos, de posse de uma múltipla

herança, deram grande valor ao campo e sistematizaram o

emprego de técnicas fundamentais como a enxertia e a poda.

Columela, com sua obra Sobre a agricultura, tornou-se o mais

célebre especialista de Roma, enquanto Públio Catão fez o

louvor da classe agrária e garantiu por escrito, 200 anos antes

de Cristo, que a agricultura é a profissão "que menos expõe os

homens a maus pensamentos".

Em Roma, de início, os lavradores formavam a

vanguarda do patriciado: só proprietários de terras podiam

comandar a defesa da pátria. Casos como o de Cincinato, que

deixou uma chefia no exército para retornar à charrua, não

foram raros. A agricultura romana progrediu até a época dos

antoninos. O poder central, em seus avanços imperialistas,

assenhoreou-se das terras conquistadas, escravizando os

habitantes, e distribuiu-as entre os patrícios. A agricultura

tornou-se assim atividade servil. Mas suas bases foram minadas

pela crescente concentração urbana de escravos fugidos e

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pequenos proprietários arruinados. Ante a nova situação, Plínio

o Antigo declarou: "Latifundia perdidere Italiam" ("Os

latifúndios arruinaram a Itália"). Apenas seis aristocratas

chegaram a possuir a maior parte dos domínios romanos no

norte da África; Nero mandou assassiná-los e apoderou-se de

suas terras. Com o gradativo declínio da força inicial do campo

e o colapso econômico-social de Roma, preparou-se o terreno

para o advento de uma nova estrutura agrícola nas partes mais

ativas da Europa.

IDADE MÉDIA. O cultivo de plantas forrageiras e de

outros cereais que não o trigo, como a aveia e a cevada,

generalizou-se na Europa ao longo da Idade Média. Cessadas as

lutas e a insegurança decorrentes das migrações conhecidas

como "invasões dos bárbaros", instalou-se, nas regiões em que

se estabeleceram povos germânicos, o sistema chamado de

rotação trienal ou dos três campos. Tal sistema, cuja

característica básica era sua subordinação à economia de

subsistência, estendeu-se ao leste europeu depois de prevalecer

nas partes central e ocidental do continente.

As terras de uma comunidade eram divididas em três

folhas ou campos (Fluren, em alemão), ao redor da aldeia, com

suas casas e culturas de quintal. Numa dessas folhas, os

camponeses faziam uma lavoura de inverno, geralmente de

trigo ou centeio semeado no outono, à qual sucedia uma

lavoura de verão, que podia ser de cevada, aveia ou

leguminosas. No terceiro ano, aquela folha era deixada em

descanso, convertendo-se em pasto para o gado comunal.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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O afolhamento era feito em três anos e submetia

cada folha, rotativamente, a dois cultivos (um de inverno, outro

de verão) e a um descanso. Aproveitavam-se, pois, dois terços

das terras aráveis, enquanto no Mediterrâneo utilizava-se

somente metade (rotação bienal). Cada família camponesa

possuía em cada folha uma parcela, de forma alongada e sem

cercas, visto que na mesma folha todos os terrenos eram

arados em conjunto. Além das folhas se estendia uma faixa de

pasto comum permanente, em que o gado de todos os

habitantes da aldeia ia pastar. Mais longe ainda estava

localizada a floresta comunal, onde os camponeses se

abasteciam de lenha e caça.

No esquema de distribuição das áreas habitáveis

prevaleciam os traçados alongados, com as aldeias se formando

pelas beiras de estrada. O habitat concentrado estimulava os

hábitos comunitários, embora associados à propriedade privada

do solo. O feudalismo se entrosou nessa organização

econômico-social. Na propriedade dominial, os camponeses,

transformados em servos da gleba, pagavam seu tributo em

espécie (cereais, vinho, pequenos animais); e na propriedade

privada do senhor, em corvéia (trabalho gratuito). O senhor

lhes retribuía com uma certa segurança: a defesa militar.

Durante sua longa dominação da Espanha, a partir

do século VIII, os árabes introduziram numerosas fruteiras e

plantas de importância essencial, como o algodão. A agricultura

européia, já um ponto de encontro de tradições bem diversas,

tornar-se-ia cada vez mais eclética com a posterior expansão

das grandes rotas marítimas. O contato com novas terras

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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permitiria importar e aclimatar espécies antes desconhecidas e

que às vezes teriam, como aconteceu com a batata, um papel

de extraordinário relevo nas dietas mais rotineiras. Sob esse

aspecto, há uma linha de apropriações incessantes que parte

das novidades surgidas na Espanha arabizada, atravessa a era

das descobertas e desemboca, nos séculos XVIII e XIX, no

período dos grandes domínios coloniais nos trópicos. Ao

aumentarem, ao longo dessa linha, seu patrimônio de recursos

naturais, os europeus prenunciaram um dos traços mais típicos

da agricultura moderna: seu absoluto ecletismo, decorrente da

transferência intercontinental de espécies e produtos.

Dois momentos sociais de grande peso histórico

afetaram profundamente, na Idade Média, a agricultura

européia: nos séculos XII e XIII, o surto demográfico que se

espalhou pelo continente, provocando uma febre de urbanização

e a conseqüente derrubada de novos trechos de mata; no

século XIV, as epidemias de peste que dizimaram a população,

gerando escassez de mão-de-obra no campo e uma retração

ponderável do mercado agrícola. Todos esses fatores se uniram

para levar a uma fase de crise na agricultura, com o abandono

ou a perda de muitas terras produtivas.

Aos mosteiros, centros de saber na época feudal,

coube uma atuação à parte. Os monges, em particular os

beneditinos, dedicaram-se com inventividade a seus campos,

drenando pântanos, elaborando novas técnicas e plantando

seus próprios cereais, pomares e vinhedos. Além disso,

copiaram e conservaram muitos documentos antigos e

contemporâneos sobre a agricultura. O tratado mais difundido

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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na Idade Média foi Sobre a agricultura comum, no qual Petrus

Crescentius, senador de Bolonha, compilou e condensou, em

1240, tudo o que se conhecia em seu tempo. Depois de muito

copiado, esse livro, após a descoberta da imprensa, saiu em

várias edições, precedendo as obras clássicas sobre o tema

editadas nos séculos XVI e XVII.

A agricultura de Flandres, no final da Idade Média,

deu um exemplo altamente expressivo do que pode o esforço

humano ante condições adversas. Os solos dessa região ou

eram arenosos __ e portanto excessivamente permeáveis,

ressecando facilmente, mesmo sob o clima úmido, e deixando-

se penetrar pelo frio __ ou eram argilosos, pesados, difíceis de

trabalhar pelo arado e duros na estação seca.

Não obstante, desde o século XIV aboliu-se o

sistema de rotação trienal em Flandres, e as terras de pousio

foram substituídas por pastos artificiais e culturas de nabos. Os

lavradores aplicavam toda espécie de adubo a seu alcance: a

lama dos canais, restos de comida, estrume de gado e

sobretudo dejetos humanos __ adubo tão representativo de

Flandres quanto da China. Assim, no século XVII, às culturas de

verão __ cereais ou linho __ sucediam as culturas de inverno,

constituídas sobretudo de raízes, como o nabo e a cenoura.

Enquanto a Europa central e a ocidental nem sequer

vislumbravam um rompimento com a tradição da rotação

trienal, já a agricultura intensiva dos Países Baixos apresentava

um mosaico de campos de beterraba, linho, fumo, chicória,

favas, feijão, batata, entremeados de ricas pastagens para gado

leiteiro.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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A CIDADE E O CAMPO. A decadência do sistema de

rotação trienal da Idade Média teve como causa básica a

industrialização urbana, iniciada com a criação de manufaturas.

A burguesia mercantil que nelas se apoiava passou a adquirir

madeira, lã e outros produtos do campo em quantidades cada

vez maiores. Os nobres, levando uma vida parasitária, mas

dispondo de força militar, interessaram-se em participar dos

negócios. Exploraram diretamente as florestas, impedindo que

os camponeses aí cortassem lenha e caçassem, e começaram a

tomar e a cercar os pastos antes comunais.

Na Inglaterra, onde o processo se evidenciou, a

nobreza se interessou em vender lã às manufaturas de Flandres

e, mais tarde, à burguesia do próprio país. O fechamento dos

campos comuns, que deu origem na Inglaterra às chamadas

enclosures, teve uma evolução rápida: 121.500 hectares foram

cercados de 1710 a 1760, e desse ano até 1840 cercaram-se

aproximadamente 2.800.000ha. Com isso se consolidava o

latifúndio, um dos marcos no estabelecimento da agricultura

moderna.

Com o início da revolução industrial e a crescente

importância das cidades fabris, a Inglaterra foi cenário de um

fenômeno que pouco a pouco se irradiou pelo Ocidente e, mais

tarde, pelo resto do mundo: o rápido aumento das populações

urbanas e o declínio progressivo das populações rurais. A

participação do campo no conjunto da população inglesa, que

era de 35% em 1811, desceu para 28% em 1831. Essa redução

se fez sentir de maneira mais drástica no contingente rural

masculino, que de 1.243.057 nesse último ano passou a

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1.207.989 em 1841. Nas décadas subseqüentes, a população

empenhada em atividades agrícolas sofreu diminuições em

valores absolutos: de 2.084.153 em 1851, desceu para

2.010.454 em 1861 e 1.657.138 em 1871.

Na França, durante a revolução de 1789, os

camponeses aboliram à força a comunidade territorial, a

coerção da corvéia e os tributos, repartindo em pequenas

propriedades contínuas as folhas e os pastos comuns. Na

Alemanha, a mudança mais notável ocorreu em 1848, através

de desapropriações em que os camponeses compraram partes

das terras dos nobres, por quantia cujo total foi da ordem de

um bilhão de marcos.

Apesar das revoluções agrárias que agitaram a

Inglaterra durante a Idade Moderna, os camponeses foram

derrotados, e a aristocracia latifundiária reorganizou a estrutura

econômico-social nos meios rurais. Uma nova paisagem foi

criada com pastos permanentes, limitados por cercas vivas,

para a criação de carneiros. Empregados ou arrendatários

cultivavam as terras e após certo número de anos as devolviam

com novos pastos formados. Esse sistema rotativo de culturas e

pastagens (field-grass system) se expandiu para Gales, Escócia

e Irlanda, e ainda era encontrado no século XX em regiões

pastoris do hemisfério sul.

Enquanto essas mudanças se verificavam no oeste da

Europa, as descobertas marítimas dos séculos XV e XVI iam

cada vez mais abrindo os mercados coloniais às metrópoles

daquela parte do mundo. Os portugueses foram pioneiros nas

formas de exploração desses mercados, primeiro pelo escambo,

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

57

depois pela implantação de engenhos de açúcar. Os mais

antigos engenhos, com seus canaviais, foram os da ilha de

Fernando Pó (atual Bioko), no golfo da Guiné, trabalhados por

judeus escravizados pela Inquisição. Entretanto, a agroindústria

do açúcar só alcançou sua plenitude na costa do Brasil.

As regiões dos trópicos e subtrópicos úmidos, fora do

Extremo Oriente, ao tempo do capitalismo mercantilista, isto é,

até o século XVIII, conheciam três formas principais de

economia rural: a economia de subsistência dos nativos,

baseada no sistema de roças; as chamadas plantations, com

monocultura de cana, algodão ou café, em solos férteis de

várzeas ou florestas, com mão-de-obra escrava; e as fazendas

de criação, em pastos nativos, nas savanas e campinas, com o

sistema de livre pastoreio.

As várzeas foram desde a pré-história áreas de

eleição para o desenvolvimento da agricultura porque, além de

naturalmente férteis, tinham essa fertilidade renovada todos os

anos através das enchentes. Nessas condições, só impõem

restrições às culturas permanentes; as plantas temporárias

podem ser cultivadas livremente nas várzeas, seja em

monocultura anualmente repetida, seja em diversidade total,

sem risco de esgotarem o solo.

EVOLUÇÃO DAS PESQUISAS

Intensificando-se a exploração da terra, na Idade

Moderna, intensificaram-se também as preocupações científicas

em relação à vida das plantas e ao melhor aproveitamento do

solo. Já em meados do século XVI, o naturalista e ceramista

francês Bernard Palissy projetou-se como pioneiro da

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

58

agronomia, a ciência da agricultura, ao enfatizar que os

cuidados com o solo e a adubação eram essenciais à

racionalização dos cultivos. Em palestras e escritos que

marcaram época, Palissy procurou converter em leis o saber de

ordem prática que os lavradores detinham; assinalou por

exemplo como as cinzas da palha queimada restituíam à terra

os sais que as plantas tinham extraído para com eles nutrir seu

crescimento.

Grande influência sobre o progresso agrícola teve

também Olivier des Serres, que substituiu em sua granja-

modelo de Pradel os métodos tradicionais de pousio pela

adubação verde. Coube-lhe introduzir na França, com sucesso,

várias espécies estrangeiras, como a garança, o lúpulo e

sobretudo a amoreira. Sua obra Théâtre d'agriculture des

champs (1600; Panorama da agricultura dos campos),

traduzida para várias línguas, manteve-se em longo uso na

Europa, como uma enciclopédia agrícola.

Teorias como a dos "sucos próprios da terra",

sustentada por Jan Baptista van Helmont e Francis Bacon,

segundo a qual o nutriente mais importante das plantas era a

água, foram difundidas na mesma época. Em 1741, J. A. Kulbel

lançou a teoria do humo, afirmando que nessa matéria deveria

residir o princípio da vegetação. Entre 1735 e 1750, Buffon

organizou plantios experimentais e trabalhou já com auxílio de

químicos no então Jardim do Rei, em Paris.

Em diferentes partes da Europa, pesquisadores de

orientações bem diversas debruçaram-se sobre a mesma

intenção: a de estabelecer as bases da nutrição vegetal a partir

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

59

dos vislumbres propiciados pelas leis e avanços da química.

Francis Home, na Grã-Bretanha, verificou que o nitrato de

sódio, o sulfato de potássio e outros sais tinham influência

decisiva sobre o crescimento das plantas. A água não era pois

seu nutriente único, embora fosse o condutor de muitos outros.

Em 1775, Joseph Priestley descobriu que as plantas

purificavam o ar. Em 1777, Lavoisier criou o princípio da

indestrutibilidade da matéria e afirmou que "na natureza nada

se perde, nada se cria, tudo se transforma". Em 1779, Jan

Ingenhousz descobriu a fotossíntese, demonstrando que na

ausência da luz solar as plantas deixavam de purificar o ar.

Giovanni Fabroni, que publicou suas Reflexões sobre a

agricultura em 1780, fez ressurgir a teoria do humo ao garantir

que a terra vegetal permitia prescindir das lavras e adubos e

era o verdadeiro segredo da fertilidade.

A teoria revivida do humo, após prevalecer várias

décadas, foi afinal refutada, em 1840, por Justus von Liebig,

que estabeleceu que as fontes essenciais da nutrição vegetal

eram de natureza inorgânica. Coube-lhe observar que os solos

se tornavam impróprios pela deficiência ou ausência de um só

dos constituintes necessários. Daí para a frente, todas as

pesquisas convergiram para mostrar o papel do anidrido

carbônico do ar, do nitrogênio do solo e dos sais minerais na

alimentação das plantas.

Na virada do século XIX para o século XX, foi possível

determinar a função dos fermentos e dos microrganismos do

solo, que transformam o nitrogênio orgânico em nitrogênio

amoniacal e este, por sua vez, nos nitritos e nitratos

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

60

assimiláveis pelas plantas. Em 1804, Nicolas-Théodore Saussure

definiu a origem e a natureza dos sais, mostrou que as plantas

decompõem e fixam a água, a partir da atuação das raízes, e

também como são suscetíveis à ação do ar atmosférico. Toda

essa longa seqüência de pesquisas, em suas marchas e

contramarchas, conduzia diretamente à grande realização

específica do século XX: sua agricultura cientificamente

racionalizada, com base na adubação e defesa por produtos

químicos.

No tocante às descobertas dos pesquisadores, outro

fato de relevo para a agricultura em larga escala e de cunho

científico foi a confirmação das leis de Gregor Mendel, também

realizada no raiar do século XX. Entre 1856 e 1864, esse padre

e botânico morávio dedicou-se à hibridação de ervilhas para

mostrar o que há de previsível nos caracteres transmitidos por

hereditariedade. Suas experiências, embora tivessem tido êxito,

caíram no esquecimento. Mas foram retomadas, por volta de

1900, por Hugo de Vries, Karl Erich Correns, Eric Tschermak e

outros, de cujos trabalhos isolados decorreu a genética. A

ciência da hereditariedade, levada sem demora à prática no

domínio agrícola, permitiu aprimorar, por seleção e hibridação,

as novas raças de plantas e animais que afinal sobrepuseram-

se, em todo o mundo, às espécies silvestres não sujeitas à

intervenção humana.

EFEITOS DA MECANIZAÇÃO

O fenômeno historicamente conhecido como

revolução industrial foi o impulso que gerou a modernização da

agricultura inglesa, a partir da segunda metade do século XVIII.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

61

Ao mesmo tempo, deu em linhas gerais o modelo de

produtividade em constante fomento que seria o grande trunfo

do ocidente moderno e em etapas graduais se aplicaria às

regiões mais diversas.

Sob o aspecto do imediatismo da prática, a indústria

nascente influenciou a agricultura ao fornecer-lhe as primeiras

máquinas realmente eficazes. Sob o aspecto econômico,

forneceu-lhe mercados urbanos em expansão, não só pelo

número maior de habitantes, mas também por seu poder

aquisitivo igualmente maior.

Dois fatos essenciais, e hoje de valor emblemático,

caracterizaram a agricultura da primeira era industrial: a

introdução do arado de aço, cuja venda começou no Reino

Unido em 1803, e a aplicação de adubos e corretivos, a

princípio naturais: marga, calcário, argila, estrume, salitre. Ao

arado de aço não sucedeu logo uma genuína mecanização das

lavouras, o que só ocorreria, e ainda assim lentamente, no

século XX. Mas o aço foi logo usado com proveito em partes de

outras máquinas, como a grade e o rolo compressor.

O campo, com a introdução de novas máquinas,

tornou-se mais dependente da cidade. Os lavradores ingleses,

consolidado o poder dos nobres em seus latifúndios,

transplantaram-se em massa para as áreas urbanas ou

emigraram para os Estados Unidos. Na Nova Inglaterra, como

se pusessem em prática os ideais liberais do século XVIII,

constituíram pequenas propriedades de tipo familiar que

estavam destinadas a um belo futuro.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

62

Na mesma época, outras inovações foram concebidas

no próprio meio rural, como a substituição do boi pelo cavalo na

tração do arado. Mas a transformação fundamental, para alguns

autores, foi a rotatividade de culturas em terras enxutas, ou

seja, sem irrigação, associada à criação de gado estabulado.

Essa técnica, difundida a princípio sob o nome de sistema de

Norfolk, tornou-se conhecida também como sistema inglês ou

"jardinagem do tipo ocidental".

Em Norfolk fazia-se a correção dos solos arenosos

com argila e marga. As propriedades grandes, predominantes,

eram cultivadas em arrendamento a longo prazo. A rotação de

culturas usual era a quatro termos: nabo, cevada, trevo e trigo,

com variações. Na essência, faziam-se cultivos sucessivos de

cereais de inverno (sobretudo trigo, centeio ou cevada), raízes

(beterraba, nabo ou batata) e forragens (como o trevo).

Evitava-se que duas colheitas de cereais se sucedessem

imediatamente. O sistema inglês dava ênfase à produção de

cereais e gado bovino, e não de ovinos, como o field-grass

system anterior. Entre uma colheita e o plantio seguinte, o solo

era arroteado e adubado com esterco ou composto.

É interessante notar que o novo sistema agrícola não

surgiu nas terras mais férteis da Inglaterra, mas justamente

nos solos pobres de Norfolk, onde se mantinham contatos

tradicionais com os Países Baixos através do comércio de

tecidos e de pescado. O novo sistema foi o ponto de partida

para a seleção de raças de bovinos especializadas na produção

de leite ou de carne e para a diversificação da produção

agropastoril.

Page 63: Sociologia Rural

SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

63

Na realidade, o sistema inglês foi um

aperfeiçoamento do sistema flamengo, que permitiu a

generalização da agricultura intensiva, associada à pecuária, em

terras não irrigadas. Ao irradiar-se da Inglaterra, difundiu-se

muito depressa na Europa ocidental e central, assim como no

leste e Middle West (meio-oeste) dos Estados Unidos. A

expansão dos mercados urbanos na Europa e, a seguir, nos

Estados Unidos, provocou uma especialização agrícola ou

criatória em determinadas áreas. A propósito, já se lembraram

o queijo de Cheshire, os perus de Norfolk, os patos de

Aylesbury, o lúpulo de Kent e o mel de Hampshire. Em escala

bem maior, tomaram vulto extraordinário, para firmarem-se

como tradições de longa data, por exemplo, a floricultura dos

Países Baixos; a pecuária leiteira da Normandia ou da

Dinamarca; os olivais das penínsulas ibérica, itálica e dos

Balcãs; e a citricultura do leste espanhol, do sul da Itália ou,

nos Estados Unidos, da Califórnia e da Flórida.

A invenção do arado de aço permitiu aos farmers do

Estados Unidos romperem o emaranhado de raízes dos férteis

solos das pradarias e estepes da bacia do Mississippi e lançarem

pouco depois, no mercado mundial, imensas quantidades de

cereais, especialmente trigo, a baixo preço, concorrendo

seriamente, na própria Europa, com a produção regional. Em

1807 foi posto em serviço o primeiro barco a vapor. Em 1815

outro navio desse tipo fez a primeira travessia do Atlântico.

Com a navegação mais ágil, já em meados do século XIX o

Reino Unido praticamente abandonou as lavouras de cereais,

porque dispunha de grandes quantidades de grãos, a baixo

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

64

preço, procedentes dos Estados Unidos. Enquanto isso, países

mais longínquos, como o Chile e o Peru, mandavam para a

Europa, ainda em frotas de veleiros, expressivos carregamentos

de salitre extraído de suas costas desérticas.

Nos trópicos úmidos, a agroindústria do açúcar foi

aperfeiçoada com a evaporação a vácuo, inventada no Reino

Unido em 1813, a qual, além de melhorar o aspecto do produto,

aumentou a capacidade de produção industrial. Esse fator exigiu

a intensificação da lavoura, que passou a adotar o sistema de

culturas repetidas ou de monocultura (one-crop system) nos

canaviais, em campos arados e adubados.

A partilha do mundo tropical e subtropical entre as

grandes potências colonizadoras, nos séculos XVIII e XIX,

colocou os capitais e a técnica desses países em contato com

grandes massas de população pobre, atrasada e passível de ser

transferida, em regime de servidão ou escravatura. A forma de

economia criada pelos portugueses nos engenhos de cana foi

adaptada para muitos outros produtos, além do açúcar,

recebendo dos ingleses o nome genérico de plantations.

Disseminaram-se as plantations de copra, chá, café, borracha,

algodão, banana, cacau, agave, assim como também geraram

grandes fortunas as destinadas à produção de fumo (na

Virgínia, nos Estados Unidos), anil (Venezuela) e paina

(Indonésia).

As plantations concentraram-se em certas partes do

mundo colonial e semicolonial, especialmente no sul e sudeste

da Ásia, no Caribe, sul dos Estados Unidos, costa do Brasil e

África oriental. Como fontes de matérias-primas e alimentos,

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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constituíram um dos motivos da organização da economia rural

no mundo dos trópicos e subtrópicos, em função dos mercados

europeus e norte-americanos. As monoculturas intensivas das

plantations, em cultivos permanentes ou repetidos, entraram

em vivo contraste, nessas regiões tropicais, com as roças

desordenadas e pobres dos nativos.

FORMAÇÃO AGRÍCOLA DO BRASIL

Embora vivessem fundamentalmente da caça, da

pesca e da coleta de frutas e outros produtos das matas, como

o mel silvestre, os índios brasileiros não eram de todo nômades.

Plantavam milho, mandioca, fumo, amendoim, e dispunham de

alguma tradição no lidar com a terra. Auguste de Saint-Hilaire

acreditava que os colonizadores europeus tinham aprendido

agricultura com os índios, e é certo que alguns de seus métodos

foram mantidos pela tradição dos caboclos. Foi essa que deu

continuidade, em toda a extensão do território, ao sistema de

roças de subsistência, que permaneceu quase inalterado,

enquanto a agricultura de procedência européia se implantava e

sofria alterações enormes.

O plantio da cana-de-açúcar e sua transformação

industrial nos engenhos instalados pelos portugueses em certos

pontos da costa, a partir de 1534, constituíram a primeira

atividade economicamente estável da agricultura no Brasil. A

evolução do ciclo da cana foi muito rápida. Cinco anos depois de

seu início, já havia trinta engenhos em Pernambuco, 18 na

Bahia e dois em São Vicente. Passados mais cinqüenta anos,

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

66

subia para 256 o número total de engenhos concentrados na

produção de açúcar.

No fim do século XVI, o país ainda não tinha um

milhão de habitantes, mas a agricultura, diante das excelentes

condições naturais, evoluía a contento para abastecer a

metrópole. Além da cana, os colonizadores já cuidavam

também de plantar fava, feijão, batata-doce, cará, algodão,

árvores frutíferas e as espécies oriundas do patrimônio dos

índios, como o milho e a mandioca. Paralelamente à expansão

dos canaviais, com mão-de-obra de escravos africanos, foi

implantada a criação de gado, não só para fornecer tração aos

engenhos, como também para prover de carne as povoações

pioneiras instaladas na costa. A pecuária, com o tempo, ampliou

essas funções iniciais, interiorizando-se cada vez mais pelos

sertões ainda brutos.

Foi também nos primórdios da investida agrária na

faixa litorânea brasileira que a ganância extrativista de

portugueses e piratas de procedência diversa começou a causar

severos danos à integridade ecológica do país recém-

descoberto. Derrubado indiscriminadamente e levado para a

Europa como matéria-prima para tintas e obras de marcenaria

de luxo, o pau-brasil (o muirapiranga, ibirapita ou arabutã dos

índios) constituiu um dos primeiros itens das exportações

brasileiras e acabou sendo dizimado no estado silvestre. Na

mesma linha, a mata atlântica sofreu pilhagens contínuas para

a extração de preciosas madeiras que escasseariam com o

tempo, como jacarandá, jequitibá, maçaranduba e pau-ferro.

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Além dos solos ainda virgens e do bom clima sem

catástrofes, outro fator foi decisivo para permitir os progressos

da agricultura em sua fase de formação no Brasil: a mão-de-

obra abundante. No fim do século XVII, havia na colônia,

cuidando basicamente das lavouras -- em mãos de apenas cem

mil brancos --, 175.000 africanos e 25.000 índios escravizados.

Graças à conjunção desses fatores, a cana-de-açúcar

pôde ser, a certa altura, a maior exploração tropical do mundo,

desempenhando papel bem semelhante ao que mais tarde iria

ter o café, sob o Brasil independente, ou a soja, no final do

século XX.

Diversas culturas, como o fumo, que se irradiou da

Bahia para chegar até Santa Catarina e o Rio Grande do Sul,

tiveram centros de dispersão bem marcados. O café ingressou

no Brasil pela Amazônia, em 1730, e daí passou ao Maranhão.

Efetuando lenta mas segura migração norte-sul, desde fins do

século XVIII, conquistou áreas cada vez mais amplas do Rio de

Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, de onde

depois se estendeu ao Paraná. A formação das lavouras de café,

tal como acontecera com as de cana e com a pecuária,

estruturou-se em bases latifundiárias e dependeu em

proporções ainda maiores do trabalho escravo.

No começo do século XIX, a vocação de grande

celeiro já estava consolidada para o Brasil, que então

exportava, para várias partes do mundo, expressivas

quantidades de açúcar, café, cacau, algodão, arroz, além de

madeiras e matérias-primas variadas de extração vegetal.

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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Em 1850 cessou o tráfico de escravos. A partir daí, a

fixação de imigrantes europeus no campo, por estímulo

governamental, tornou-se o fato essencial para que a

agricultura brasileira iniciasse o processo de diversificação que a

caracterizou no século XX. Os imigrantes, sobretudo alemães e

italianos, romperam com a tradição de monocultura em bases

latifundiárias e, tirando partido do clima semelhante ao da

Europa, introduziram no extremo sul do país novos cultivos:

trigo, aveia, cevada, centeio, alfafa. Além disso, plantaram os

primeiros vinhedos, para a fabricação de vinho, e numerosas

frutas não tropicais, como maçã, pêra, marmelo, pêssego, que

posteriormente se irradiariam com êxito para outras regiões.

Grande importância econômica sempre tiveram as

espécies nativas, como a seringueira e o guaraná da região

Norte, a erva-mate da região Sul, ou a carnaúba e o babaçu do

Nordeste, cujo cultivo metódico tomou impulso com o tempo,

para afinal sobrepor-se ao extrativismo do início.

A constante introdução de novas espécies, o

alargamento das fronteiras agrícolas __ com o aproveitamento

de áreas, como as do cerrado e da caatinga irrigada __ e a

transferência de cultivos, com sucesso, de uma região para

outra, foram notas de destaque nos períodos mais

recentemente vividos.

Cultivos especializados para posterior processamento

na indústria, como juta, agave (sisal) ou pimenta-do-reino,

tornaram-se cada vez mais comuns, valendo-se com freqüência

de impulsos originais, partidos de novas levas de imigrantes,

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como os japoneses, que foram essenciais para o progresso da

horticultura e pomicultura.

A cana voltou à ordem do dia como matéria-prima de

álcool combustível, dividindo com imensos laranjais, no interior

de São Paulo, terras por onde antes tinha passado o café. Em

outras áreas desmatadas pelos avanços agrícolas, como no

Espírito Santo, processou-se a introdução do eucalipto,

originário da Austrália e a mais comum das árvores usadas em

reflorestamento.

Ao encerrar seu quinto século de existência, o Brasil,

que de início exportava papagaios e araras, junto com a árvore

que lhe deu o nome, tinha uma agricultura dinâmica e

altamente diversificada, que o situava como um grande celeiro.

Em vez de coisas exóticas, exportava alimentos para o mundo,

principalmente soja, café, laranja, cacau, amendoim, e outros

produtos valiosos da terra, como o algodão e o açúcar.

PRINCIPAIS ÁREAS AGRÍCOLAS DO MUNDO

Estados Unidos. Dentre os países que primeiro

implantaram a revolução industrial, o que dispunha de mais

vasta superfície de terras aproveitáveis eram os Estados Unidos.

Assim, a agricultura desse país pôde ditar ao mundo seus

modelos de modernização, caracterizados por mecanização

generalizada e complexa e pela aplicação de conhecimentos

científicos, em particular da biologia e da química, em apoio às

técnicas agronômicas.

Empregando força animal, a produção de um alqueire

(bushel, 36,7dm3) de trigo nos Estados Unidos, por volta de

1830, exigia pouco menos de três homens-hora de trabalho; em

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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1896, pouco menos de um homem-hora; em 1930, um quarto

de homem-hora; e na segunda metade do século XX, com o uso

de tratores, o trabalho se reduzia a apenas um oitavo de

homem-hora.

As máquinas reduzem a tal ponto os custos de

produção que, embora os Estados Unidos sejam um dos países

de mão-de-obra mais cara do mundo, os produtos de sua

lavoura mecanizada incluem-se entre os mais baratos do

mercado mundial. Milhões de hectares, antes aproveitados para

a produção de forragens, foram liberados para a produção de

alimentos para o homem e matérias-primas para as indústrias

(especialmente fibras). Nos tempos de colônia, oitenta a

noventa por cento dos trabalhadores americanos estavam

empenhados na produção de alimentos e fibras; já em meados

do século XX, eles não iam além de dez por cento da população

ativa do país.

Excluindo-se o Velho Sul e as lavouras irrigadas da

Califórnia, encontram-se na América do Norte dois tipos

fundamentais de agricultura: a da costa atlântica e a das

planícies centrais. A primeira é representada pelas pequenas

propriedades familiares da Nova Inglaterra e da província de

Québec (Canadá), que se aproximam muito, pela estrutura

fundiária e os sistemas agrícolas, das pequenas lavouras da

Europa atlântica. Em meados do século XX, a maior propriedade

em Hartford (Connecticut) media 65ha, dez tinham mais de

8ha, setenta de 4 a 8ha e 41 variavam de 0,40 a 4ha. Todos

eram de forma alongada, retangular, como as lanières do leste

da França.

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A agricultura das planícies centrais é, porém, muito

mais representativa, porque lá está um dos maiores celeiros do

mundo. No Middle West (alto vale do Mississippi) a agricultura é

ainda tipicamente intensiva e encontra paralelo nas culturas

especializadas da planície norte-européia: a rotação de culturas

para a criação de gado leiteiro estabulado, em Wisconsin, se

assemelha à da pecuária dinamarquesa; os milharais do

cinturão do milho ou corn belt (em Iowa, por exemplo) podem,

de alguma forma, ser comparados aos trigais das planícies do

norte da Alemanha. São típicas lavouras intensivas.

Mas nas Grandes Planícies, no sopé oriental das

montanhas Rochosas __ por exemplo: Kansas, Nebraska e

Dakota, nos Estados Unidos; Alberta e Saskatchewan, no

Canadá __, as propriedades são extensas, altamente

mecanizadas e têm população muito rarefeita. O que se deseja

aí, antes de tudo, é a rentabilidade. Por isso, foram chamadas

de "campos especulativos, campos sem camponeses". Em

regra, no oeste americano as propriedades têm mais de 100ha:

a média no Kansas é de 120ha; em Montana, de 440; no

Wyoming, de 750. A propriedade cerealífera comum em

Montana tem 1.200ha, dos quais cada metade é cultivada

alternadamente com trigo. Quatro homens cumprem todas as

tarefas agrícolas, com máquinas. Existem fazendas nessa região

cujo único assalariado permanente, fora dos membros da

família, é um tratorista.

As terras pertencentes a pessoas jurídicas alcançam

lá as maiores dimensões. A Campbell Corporation possui uma

fazenda de 24.000ha no Kansas, trabalhada por apenas trinta

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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assalariados permanentes, que garantem a produção de

estupendas quantidades de trigo. Nessa região às vezes se

prefere cultivar menos para ganhar mais; o espectro da

superprodução ali sempre ameaça o empresário, para quem são

fundamentais o controle sobre a bolsa de cereais de Chicago e a

orientação dos consultores agrícolas.

Em vista da freqüente ocorrência de excedentes,

seria normal, se as forças econômicas atuassem sem

interferências, que os preços dos cereais caíssem

assustadoramente nos países produtores e no mercado

internacional. Mas, a fim de evitar que a crise agrária se

acentuasse, os governos dos Estados Unidos e do Canadá

passaram a adquirir os excedentes de safra e a estocá-los. Essa

armazenagem toma, em certas fases, proporções alarmantes e

não evita a deterioração de alimentos, compelindo ambos os

governos a adotar políticas de dumping, de efeitos negativos a

longo prazo.

EXPERIÊNCIA SOVIÉTICA. Outro importante

celeiro agrícola são as repúblicas que no passado integraram a

União Soviética. A área de 106 milhões de hectares

efetivamente arados (1913) dessas repúblicas ampliou-se para

quase 250 milhões no fim do século. Entretanto, não se via

nelas aquele vazio desolador do campo norte-americano. Na

mesma época, cerca de 16% da população economicamente

ativa da Rússia e países vizinhos trabalhavam na agricultura,

contra 2,2% nos Estados Unidos.

A inferioridade dos rendimentos da lavoura na antiga

União Soviética não pode ser atribuída somente a métodos mais

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73

extensivos ou irracionais que os americanos, mas, sobretudo, a

condições climáticas e de solo inferiores: período vegetativo

geralmente mais curto, limitado pelo frio ao norte e a seca ao

sul. Havia também variações nos rendimentos das grandes

regiões cerealíferas que compunham o universo soviético. A

Ucrânia, com rotações complexas de culturas, acusou

rendimentos médios para o trigo de trinta a quarenta quintais

por hectare, enquanto as zonas pioneiras de solos tchernoziom

da Ásia central colhiam, em média, apenas seis a oito quintais

por hectare.

A organização agrária das ex-repúblicas soviéticas

teve origem na revolução socialista de 1917, quando toda a

terra foi estatizada. O governo revolucionário confiou, a título

gratuito e perpétuo, a utilização do solo a colcoses, que eram

cooperativas de produção geridas por um conselho

administrativo eleito pelos próprios colcosianos. A remuneração

destes era feita por jornadas-tarefas, avaliadas para cada

atividade específica pelo conselho administrativo. Cada família

colcosiana recebia, como propriedade privada, uma pequena

área junto à casa, onde plantava geralmente jardim e horta,

além de criar pequenos animais e uma ou outra vaca leiteira.

Paralelamente às fazendas coletivas, havia os sovicoses,

propriedades estatais cuja função precípua era realizar

pesquisas agronômicas e orientar os colcoses da região.

Inicialmente, as dimensões do colcós coincidiam com

as das terras do mir, ou comunidade aldeã, onde ele fora

instalado. As áreas variavam entre dois mil e seis mil hectares,

com 1.500 a 4.500ha de terras lavradas, nos solos negros da

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Ucrânia; nos solos de podzol das florestas de pinheiros (ou em

algumas de suas clareiras), as áreas dos colcoses oscilavam de

150 a mais de 1.000ha.

Durante a segunda guerra mundial, a agricultura foi

totalmente desorganizada nas terras soviéticas ocupadas pelos

nazistas. No pós-guerra, as autoridades julgaram recomendável

reagrupar os antigos colcoses em unidades maiores. Os novos

colcoses situados em solos de podzol tinham, de área média,

1.796ha; os das terras negras, 8.340ha, com quase 6.000ha de

terrenos arados. Os menores colcoses, que reuniam outrora

menos de vinte trabalhadores, passaram após o reagrupamento

a pelo menos 500, na região dos podzols, e até 600, na de

tchernoziom.

Entretanto, nos colcoses de antes da guerra, em que

o mesmo sistema foi mantido, o número de trabalhadores

diminuiu após o reagrupamento, em virtude da mecanização

mais intensa. Uma grande fazenda coletiva de seis mil hectares

em terras negras, onde trabalhavam antes mais de 600

colcosianos, passou a ter contingente inferior a esse número,

embora sua área fosse ampliada para oito mil hectares. O

reagrupamento envolveu problemas de habitat, porque os

novos colcoses abrangeram, às vezes, mais de um núcleo rural.

EXTREMO ORIENTE. O Japão, primeiro país a se

industrializar no Extremo Oriente, introduziu os fertilizantes

químicos em seus campos de paddy e obteve os rendimentos

mais altos dentre os grandes produtores mundiais de arroz.

Com o refinamento de sua cultura, os japoneses criaram uma

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

75

arquitetura paisagística, em que a utilização do solo é posta a

serviço da estética, para fins turísticos.

Surpreendentes também foram os resultados das

transformações na agricultura chinesa. Em resumo, suas

condições anteriores eram: um grande número de

consumidores, área cultivável relativamente pequena,

insuficiência dos meios de regeneração dos solos, desperdício

de esforço humano e sucção desenfreada das rendas dos

agricultores pelos arrendamentos, pelos impostos e pela usura.

A maior reforma agrária do mundo, afetando a cerca de 500

milhões de pessoas, estava implantada em noventa por cento

do país já em 1953.

As dívidas foram anuladas e todas as propriedades

feudais e religiosas, suprimidas, mas as dos camponeses ricos

foram respeitadas. Estimulou-se a organização de propriedades

coletivas, que receberam o nome de comunas populares.

Enquanto no norte eram introduzidos (1952) setenta mil arados

e 130.000 noras na agricultura, nas montanhas do sul, antes

baldias, iniciou-se um amplo programa de plantio de florestas.

Grandes obras de irrigação, efetuadas na década de 1960,

aumentaram em cerca de trinta por cento a área cultivada do

país, além de ampliarem sua quantidade de energia disponível.

Por outro lado, a rápida industrialização da China aliviou a

pressão demográfica nas áreas de maior densidade de

população rural e criou novos mercados regionais para os

produtos agrícolas. Assim, a situação mudou completamente

em duas décadas.

FERTILIZANTES E HERBICIDAS

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

76

Não é somente o alto nível de mecanização que

caracteriza a agricultura contemporânea. Fundamental também

é a mobilização da pesquisa científica, da técnica e de capitais,

em favor da agricultura. Assim, o uso de adubos naturais, já

muito antes aplicados __ como o esterco, o composto, o guano

ou o salitre __, é complementado por uma ampla gama de

fertilizantes sintéticos: nitrogenados, como a uréia e toda uma

série de outros compostos, a partir do nitrogênio extraído do ar

(pela primeira vez na Alemanha, em 1910); fosfatados, obtidos

sobretudo através da mineração da apatita ou, em menor

escala, da escória siderúrgica pelo processo Thomas & Gilchrist

(França); e potássicos, oriundos da exploração do sal-gema

(Alemanha, Estados Unidos).

Mais comuns são, hoje em dia, os fertilizantes

mistos, tipo NPK, vendidos sob rótulos comerciais diversos.

Antes de 1950, eram usuais os adubos químicos em pó; os

granulados são mais difundidos nos Estados Unidos, e em

meados da década de 1960 começaram a aparecer os líquidos

com pó em suspensão, aplicados por meio de fumigadores. Na

segunda metade do século XX, pelo menos vinte por cento dos

alimentos produzidos nos Estados Unidos dependiam

diretamente de fertilizantes comerciais.

A aplicação da química à agricultura contribuiu

também com nutrientes minerais secundários, como cálcio,

magnésio e enxofre, o primeiro dos quais utilizado

principalmente para corrigir a acidez do solo. Aquela ciência

revelou igualmente o papel desempenhado por oligoelementos

minerais, como boro, cobre, ferro, manganês, cobalto, zinco e

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

77

molibdênio, que funcionam como catalisadores nas reações

metabólicas das plantas e animais, dando pleno valor nutritivo

às culturas forrageiras e alimentícias.

Inseticidas, herbicidas e fungicidas foram

descobertos e aperfeiçoados pelos químicos, especialmente

após a primeira guerra mundial, para libertar as lavouras de

concorrentes ou parasitos que as prejudicavam ou mesmo

destruíam. O uso desses produtos, junto com o de fertilizantes,

disseminou-se sem contestação até meados do século, de modo

sempre crescente.

A partir das décadas de 1960 e 1970, no entanto,

uma nova consciência ecológica, irradiada dos Estados Unidos e

triunfante entre as parcelas mais jovens de sua população,

começou a questionar os milagres que estavam sendo

arrancados da terra com o apoio da química. Pesquisas de

orientação bem diversa à das que até então prevaleciam

apontaram os efeitos danosos, de caráter residual, que muitas

das substâncias em uso tinham sobre o meio ambiente.

Produtos como o DDT, antes aplicados em larga escala no

campo, foram simplesmente banidos de numerosos países, uma

vez comprovado o risco de seu uso para o próprio homem.

Da condenação aos agrotóxicos e dos alertas

lançados pela ecologia surgiu um novo conceito, o de

agricultura orgânica. Voltada basicamente para a obtenção de

comida natural, essa agricultura não hesitou em retomar muitos

princípios antigos, conservados pelos sistemas de roças, e

propõe o uso de matérias como a terra vegetal e os reciclados

de lixo para substituir nos cultivos os fertilizantes químicos. Da

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

78

mesma forma, propõe o uso de insetos predadores de pragas,

como alternativa para os inseticidas danosos, e estabelece

como regra um maior respeito pelo espaço físico e a

manutenção do equilíbrio na natureza.

NOVOS DESAFIOS

A Europa ocidental, vanguardista nos sistemas

agrícolas decorrentes da primeira fase da revolução industrial,

requintou-se em sistemas intensivos especializados __ como a

viticultura na França, Alemanha, Espanha, Itália e Portugal __

mas retardou-se na grande lavoura contemporânea, devido à

falta de energia hidrelétrica abundante e barata e às

deficiências de petróleo e da indústria mecânica pesada. O

fracionamento em grande número de países pequenos e de

economia autárquica determinou esse atraso.

Por isso, a grande lavoura mecanizada em moldes

contemporâneos só despontou na Europa na década de 1930, e

sua ampla difusão começou apenas na década de 1950, após a

criação do Mercado Comum Europeu.

Não seria justo afirmar que a agricultura

contemporânea é uma realização exclusiva dos Estados Unidos,

embora deles sejam as inovações fundamentais. A ciência do

solo ou edafologia, criada no fim do século XIX por Vasili V.

Dokutchaiev e Konstantin D. Glinka e o notável impulso dado à

genética vegetal pelos trabalhos de seleção e hibridação de Ivan

V. Mitchurin, no princípio do século XX, foram contribuições de

grande alcance prestadas pela Rússia. O processo de vacinação,

inventado por Louis Pasteur (França), assim como as

descobertas de Friedrich Wöhler e Justus von Liebig

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

79

(Alemanha), no ramo da química, foram passos preliminares,

mas decisivos, para a implantação da agricultura científica.

Em contrapartida, seria ainda mais incorreto julgar

que os americanos tivessem apenas posto em prática inventos

alheios. As pesquisas efetuadas nos Estados Unidos a partir de

1920 permitiram a seleção do milho híbrido, hoje cultivado em

mais de 95% dos milharais do país, que duplicou os

rendimentos unitários desse cereal. Os americanos souberam

muito bem conciliar os progressos das ciências agrícolas com

suas possibilidades e condições objetivas.

As muitas inovações introduzidas no campo

suscitaram também muitas questões práticas relevantes. A

propagação de um número limitado de variedades e híbridos de

plantas de altos rendimentos, por exemplo, tem acarretado o

desaparecimento de plantas rústicas, economicamente menos

vantajosas, mas portadoras de genes valiosos para os trabalhos

de genética. Por outro lado, os germes patológicos conseguem,

através de mutações, desenvolver novas espécies e raças

capazes de atacar as plantas resistentes e altamente

produtivas. Uma doença vegetal já causou terríveis prejuízos às

lavouras de milho híbrido dos Estados Unidos. Em vista disso,

surgiu a idéia da criação de bancos ou reservas de plantas

rústicas, em certas regiões da Terra, que possam socorrer as

culturas comerciais, em semelhantes casos.

A agricultura tem hoje diante de si dois problemas

fundamentais, da máxima importância para o futuro da

humanidade: o primeiro é o de produzir alimentos e matérias-

primas em quantidades crescentes, para atender ao aumento

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

80

das populações e à ampliação das exigências do consumo

mundial; o segundo consiste em aplicar racional e

harmoniosamente os progressos tecnológicos e as reformas

sociais, de modo a inverter a tendência atual e corrigir o

desemprego e o subemprego representados pelas migrações

urbanas.

A partir de meados do século XX, a produção

agropecuária no mundo (compreendendo a totalidade dos

produtos vegetais e animais) evoluiu favoravelmente, mas de

modo lento e com resultados pouco satisfatórios em termos de

crescimento per capita. No que se refere, em particular, à

produção de alimentos, os resultados negativos aparecem em

muitos países da área dos menos desenvolvidos.

Grande número de estudiosos dos problemas da

agricultura mundial, entre eles os técnicos dos organismos

internacionais, como a FAO (Organização de Alimentação e

Agricultura das Nações Unidas) e o CIDA (Comitê

Interamericano de Desenvolvimento Agrário), manifestam seu

otimismo quanto aos progressos alcançados no campo da

tecnologia. Mas, ao mesmo tempo, são praticamente unânimes

no reconhecimento de que a estrutura agrária, sobretudo nos

países em desenvolvimento, não está preparada para receber e

adotar as mais recentes inovações, quer no que concerne à

maquinaria agrícola, quer no que diga respeito às importantes

descobertas verificadas no campo da química e da genética.

O atraso na introdução de medidas de alcance social

-- as modificações estruturais e, em geral, a aplicação efetiva

de reformas agrárias -- tem contribuído para manter, e às vezes

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

81

acirrar, o conflito inevitável dos efeitos da revolução tecnológica

e da "revolução verde" ante as velhas estruturas agrárias, ainda

inadaptadas ao rolo compressor do progresso.

As experiências com as novas sementes de alto

rendimento, cuja expansão é um dos fatos mais notáveis dos

últimos tempos, demonstram que elas já começam a esbarrar

em sérios obstáculos de cunho tradicional. Nos países em que o

principal dos incentivos criados para a agricultura repousa sobre

os preços garantidos pelo Estado, as sementes de alto

rendimento, ao proporcionarem excedentes de colheita,

provocam, nos mercados ainda restritos, baixas de preços que

desestimulam a produção. Em outros casos, determinam

maiores concentrações da renda agrária e mudanças nas

relações de trabalho, em desfavor dos agricultores mais pobres

ou dos trabalhadores rurais.

Por outro lado, os avanços tecnológicos preocupam

os técnicos e planejadores governamentais pelos efeitos que

têm na sociedade, como aceleradores do desemprego e

subemprego rural e urbano. Esses efeitos são particularmente

danosos em países como os da América Latina, onde as taxas

de desemprego e subemprego são excessivamente altas,

formando um conjunto superior a vinte por cento sobre o total

de mão-de-obra ocupada na agricultura.

AGRICULTURA – CARACTERIZAÇÕES GERAIS

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

82

Desde o aparecimento do ser humano sobre a Terra,

passaram-se milênios ao longo dos quais o homem, que se

deslocava em hordas e se refugiava em cavernas ou choupanas,

obtinha seus alimentos por meio da caça, da pesca e da coleta

de produtos silvestres. Progredindo no emprego de técnicas,

passou a usar utensílios de pedra cada vez mais polidos e

aperfeiçoados, a produzir fogo e a fabricar instrumentos de osso

e chifre. Deu-se assim a revolução neolítica, fenômeno

responsável por uma transformação radical nos padrões de

vida, que passou a centrar-se no cultivo de espécies vegetais e

na criação de gado.

Entendida como conjunto de operações e atividades

destinadas a cultivar plantas úteis ao ser humano, a agricultura

é um setor da economia cuja consolidação foi de importância

transcendental na evolução histórica, com implicações sociais,

políticas e culturais. A implantação da agricultura deve avaliar-

se, por isso mesmo, como uma transformação radical em todos

os aspectos da vida humana que determinou, em boa medida,

as condições de existência até os dias atuais. Os problemas da

agricultura moderna, no entanto, devem ser encarados como

partes de uma economia em permanente evolução, da qual essa

atividade constitui o setor primário, que inclui também a

pecuária e o extrativismo vegetal e mineral. A respeito disso é

preciso notar a grande diversidade de culturas praticadas

modernamente e a importância delas para as diferentes

sociedades, com fatores interligados de todo tipo, que dizem

respeito à produtividade, à manutenção de ecossistemas, às

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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variações climáticas e mesmo aos costumes das pessoas que

habitam lugares onde existe atividade agrícola.

RESUMO HISTÓRICO

O longo período durante o qual o hábito da

agricultura foi se impondo paralelamente à criação de ovelhas,

cabras, bois e porcos, pressupôs em primeiro lugar a

substituição da economia de subsistência por outra com

produção de excedentes. Estes constituíram a base sobre a qual

se deu a troca de bens entre membros de diferentes classes

sociais e entre grupos assentados em diversas regiões

geográficas. Na gênese da atividade agrícola se situam, pois, o

início das transações comerciais da forma como são entendidas

na atualidade e os primeiros contatos que teriam como

resultado as relações políticas entre os povos.

A localização geográfica dos centros ao redor dos

quais se estabeleceram lavouras em caráter permanente é uma

das questões que mais interessam aos especialistas em história

antiga, já que a importância do fenômeno fez desses lugares o

berço da civilização. As escavações arqueológicas contribuíram

com dados que permitem saber quais foram alguns dos pontos

de origem da atividade agrícola, como a Palestina e o Irã, onde

foram encontrados restos fósseis de sementes. Esse centro de

difusão da agricultura costuma-se fixar aproximadamente no

sétimo milênio antes da era cristã e é considerado

unanimemente como o primeiro ponto de referência

cronológico, embora algumas pesquisas indiquem zonas de

difusão agrícola primitiva no sudeste da Ásia e na América

Central. Esta última possibilidade suscitou polêmica histórica e

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

84

antropológica sobre a possível origem múltipla da agricultura,

em diferentes pontos de expansão, hipótese que se contrapõe à

da zona única de difusão com passagem a outras regiões em

ondas sucessivas.

Etapas posteriores de evolução introduziram nas

grandes civilizações da antiguidade as primeiras lavouras

importantes na Anatólia, no Egito e na bacia mediterrânea

(cereais, linho, vinhedos, oliveiras, legumes); no Extremo

Oriente (arroz) e na América Central (batata, tomate, milho). A

diversificação das culturas, elemento de importância primordial

para estender a atividade agrícola a todas as civilizações num

lapso de tempo relativamente curto, ocorreu paralelamente ao

emprego dos primeiros implementos agrícolas rudimentares.

Machados, pás, enxadas e foices passaram a fazer parte do

instrumental empregado pelos lavradores desde que se

consolidou a atividade agrícola. Foram outras ferramentas, no

entanto, como a escavadora das culturas andinas e,

especialmente, o arado de grade inventado pelos romanos, as

que desencadearam uma radical renovação das técnicas de

aragem das lavouras e permitiram o estabelecimento da

agricultura de forma sistemática.

As peculiaridades de cada tipo de plantação

funcionaram como motores da evolução das técnicas de

irrigação, canalização, semeadura e colheita. Assim, por

exemplo, a implantação de sistemas de irrigação razoavelmente

complexos e a aplicação das plantações em terraço foram

conseqüência, na Indochina, da generalização do consumo e do

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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plantio de arroz, que requer terrenos permanentemente

encharcados.

Os contínuos progressos da agricultura durante a

antiguidade redundaram em novos parâmetros na Idade Média.

O valioso acervo de conhecimentos sobre cada particularidade

da agronomia e a produção literária que tomou forma na

recopilação de escritores italianos como Plínio o Jovem e Lúcio

Júnio Moderato Columela, tidos como os primeiros

sistematizadores da agronomia como disciplina científica,

serviram de base para outros avanços. A nova orientação, que

contou com a contribuição da cultura islâmica, em especial no

que diz respeito às técnicas de irrigação e canalização, reverteu

na consolidação de todos os setores da agricultura, que em

muitos casos tornou-se a única atividade econômica organizada.

O fato de grande número de pessoas dedicarem-se

ao trabalho agrícola durante a Idade Média teve conseqüências

sociais, políticas e relacionadas à distribuição da riqueza. A idéia

de campesinato como grupo específico da população prevalecia

na ordem feudal e o desenvolvimento das técnicas agrícolas

sofreu um processo de estagnação gradual que só foi superado

quando teve início a mecanização e a racionalização das

lavouras, fenômenos cujo ponto de partida se encontra no

século XVIII.

IMPLANTAÇÃO E EVOLUÇÃO DA AGRICULTURA

Entre os povos ocidentais, a abertura do caminho

para a América no final do século XV possibilitou o acesso a

uma variedade de culturas até então desconhecidas na Europa.

Em alguns casos, como no da batata, esse fato acarretou

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

86

importantes mudanças nos hábitos alimentares de todo o

Ocidente. O intercâmbio de espécies vegetais cultiváveis entre

os dois extremos do oceano Atlântico contemplou

principalmente a batata, como já se disse, mas também

tomate, fumo e milho, procedentes do Novo Mundo; e o trigo e

numerosas variedades hortícolas que, da Europa, passaram

primeiro ao continente americano e mais tarde, com as

expedições, aos arquipélagos do Pacífico e à Austrália.

O impulso à ciência e à tecnologia trazido pelo

pensamento iluminista e, mais tarde, a avalanche de novos

recursos conquistados pela revolução industrial traçaram o

cenário em que se inseria a nova concepção de agricultura,

sempre em evolução mas perene em muitos aspectos. A

ampliação e o aperfeiçoamento da maquinaria agrícola, o

planejamento da semeadura, o controle da produtividade, o

estabelecimento de ciências biológicas e aplicadas como a

botânica, a genética e a ecologia, as técnicas de combate às

pragas e às doenças que acometem as espécies cultiváveis são

alguns dos fatores que caracterizam a agricultura moderna. No

entanto, a diversificação de culturas também trouxe problemas

que não se verificavam em épocas remotas, embora a pesquisa

científica se encontre em melhores condições de enfrentá-los.

Nesse particular, cabe mencionar as numerosas pragas

produzidas pelo deslocamento de espécies fora de seu ambiente

de origem.

AGRICULTURA E ECONOMIA

A transformação da agricultura em atividade

mecanizada, dotada de recursos rudimentares que vieram a

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

87

beneficiar um setor econômico que, para muitos países, é o

principal senão único gerador de riquezas, foi possível graças à

criação de uma disciplina específica, a engenharia agronômica.

Essa disciplina estuda a adequada disposição das áreas de

cultivo e sua delimitação; examina a qualidade e produtividade

do solo, num ramo dessa ciência conhecido com o nome de

edafologia; pesquisa fertilizantes adequados para cada tipo de

cultura e produtos adequados para combater as doenças e

pragas que trazem graves prejuízos à produção rural; analisa as

condições climáticas e ambientais favoráveis à agricultura e os

eventuais inconvenientes que algumas espécies cultivadas

podem trazer para as regiões onde são produzidas.

ESPECIALIDADES E TEMAS DA AGRONOMIA

Agricultura e tecnologia

A relação entre crescimento agrícola e progresso

tecnológico se manteve constante desde que foram implantadas

as primeiras lavouras. Ao longo da história, sucederam-se as

contribuições da tecnologia à agricultura, com infinidade de

instrumentos muitas vezes caracterizados por um desenho

rudimentar e muito simples.

Durante muitos séculos, as ferramentas agrícolas

apresentaram como traço fundamental a simplicidade, o que

teve conseqüências desfavoráveis para atividades rurais mais

especializadas, como a irrigação e a drenagem de terrenos. Da

mesma forma, o transporte e os trabalhos de força necessários

para desempenhar as diferentes atividades agrícolas se

realizaram, até o século XIX, mediante o uso exclusivo de

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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tração animal, sem outra ajuda até que fosse implantada a

mecanização.

O invento e utilização de tratores, colheitadeiras,

trilhadeiras, ceifadoras e tantos outros dispositivos mecânicos

de trabalho agrícola implicaram uma reformulação do setor,

especialmente nos países em que o grau de industrialização é

elevado, o que representou uma significativa redução de custos

e, ao mesmo tempo, aumento da produtividade. A infra-

estrutura agrícola de alguns países com produção em aumento

apresentou tendência a se modificar no seguinte sentido:

lavouras que antigamente tinham que ser dedicadas

periodicamente à produção de plantas forrageiras, ou

simplesmente eram deixadas em pousio para que se

recompusessem do esgotamento do solo, puderam, na era da

mecanização, ser aproveitadas para o cultivo de plantas

destinadas à alimentação humana e recuperar-se em menos

tempo.

TÉCNICAS AGRÍCOLAS

Áreas da agricultura

As modernas idéias sobre agricultura apresentam

uma pronunciada tendência ao estudo interdisciplinar, o que

pressupõe que a pesquisa e a prática agrícola não sejam

reguladas por princípios específicos, mas mantenham relação

com outras áreas do conhecimento. Assim, entendida como

análise de todas as etapas de produção das plantas cultivadas,

a agricultura se apóia nos resultados obtidos pela pesquisa nas

áreas da climatologia, da saúde e da economia, cujo objetivo

fundamental é a melhora do rendimento e a distribuição

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adequada das numerosíssimas espécies vegetais capazes de se

aclimatarem em cada meio ambiente.

Assim, por exemplo, procura-se o conhecimento das

plantas do ponto de vista botânico, com especial atenção aos

fatores ambientais. Desse parâmetro de ação nascem ramos

combinados de duas ou mais áreas, como a agroclimatologia,

ou estudo das variações climáticas quanto a sua incidência

sobre a produção agrícola; a fitopatologia agrícola, que se

ocupa da descrição e combate das doenças e pragas que afetam

a lavoura e, numa amplitude ainda maior, a sociologia agrícola,

que estuda as necessidades de cada grupo populacional rural

em cada localidade.

As sociedades mais evoluídas tendem à implantação

de um sistema agrícola integrado, em que seja possível

estabelecer programas de apoio à produção, ao processamento

e à distribuição da produção agrícola, ao mesmo tempo que

agiliza a relação entre produtores, intermediários e

consumidores, para que todos obtenham maiores lucros em

menos tempo.

Essa concepção da agricultura dá margem ao

estabelecimento de especialidades dedicadas a cada tipo de

planta cultivada -- horticultura, fruticultura, olericultura,

cerealicultura -- e a setores de produção afins.

TEMAS LIGADOS À AGRICULTURA

Diversificação das culturas

O papel fundamental desempenhado pela agricultura

na economia, desde seus primórdios até a expansão da

indústria e do setor de serviços, incentivou o processo

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

90

sustentado de diversificação de espécies cultivadas, com as

limitações impostas pelas características geológicas, climáticas

e orográficas dos terrenos a cultivar. Assim, a escolha entre

empregar ou não instalações de irrigação, entre policultura ou

monocultura, e entre a exploração extensiva ou intensiva do

solo, deram como resultado a diversidade de espécies e mesmo,

dentro de uma mesma espécie, de variedades.

Não obstante isso, a natureza da aplicação de cada

vegetal determina condicionamentos em função dos quais se

estabelece uma série de produtos básicos para a alimentação

humana e animal, para a obtenção de fibras utilizadas na

indústria têxtil, para a obtenção de materiais aplicados na

indústria de transformação, como as vagens de certos vegetais,

ou a madeira necessária para a fabricação de papel, ou os

materiais que se utilizam mais rudimentarmente, na construção

de palhoças ou abrigos.

Entre todas as espécies cultivadas, têm especial

importância os cereais, plantas das quais se obtêm grãos que

desempenham função essencial na alimentação humana.

Foram, na verdade, os cereais, e sobretudo o trigo, as espécies

vegetais sobre as quais se fundamentaram as primeiras etapas

da agricultura. Na planta de espiga se materializa o símbolo da

fecundidade das terras, em todas as civilizações. No continente

americano, esse papel coube ao milho. Matéria-prima da farinha

e do pão, o trigo e demais cereais constituem uma área especial

da agronomia, pois, dadas as suas peculiaridades, as entidades

dedicadas à gestão econômica da maior parte dos países

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

91

identificam a produção desse setor com a disponibilidade de

alimentos.

Fundamentais para a cerealicultura, os processos de

moagem do grão para a obtenção de farinhas e a panificação

são duas das operações de maior importância histórica do ponto

de vista da influência da agricultura na evolução dos povos. No

entanto, a evolução tecnológica na indústria alimentícia e a

progressiva diversificação dos artigos de consumo ampliaram

extraordinariamente as aplicações dos cereais no campo da

nutrição. Assim, dependem desse grupo de alimentos a

produção de biscoitos, doces, produtos naturais, massas e

forragem para a alimentação de animais.

O interesse pelos derivados dos cereais se estende à

fabricação de polvilhos, sacarose, glicose, dextrinas e outros

compostos químicos. Do ponto de vista botânico, a maior parte

dos cereais se enquadra na família das gramíneas ou poáceas --

alguns cereais de outras famílias, como o trigo-mouro ou

fagópiro, são escassamente empregados -- que, portanto, são

objeto de pormenorizada análise quanto ao teor de nutrientes,

quanto aos níveis de produtividade e rendimento, quanto à

possibilidade de aclimatação das espécies e outros tópicos de

índole geográfica, social e econômica. Assim, definem-se como

cereais próprios dos países asiáticos o arroz, a soja e o sorgo;

como cereais cultivados preferentemente na Europa, a cevada,

a aveia e o trigo; e como o grão economicamente mais

importante para a América tropical, o milho.

CEREAIS

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

92

Outro importante setor agrícola, definido pela

especialização da agricultura, é a horticultura, que compreende

o trabalho de semeadura, cuidados e colheita de hortaliças,

árvores frutíferas e flores. Dentro dessa divisão se cultivam

plantas das quais se aproveitam os bulbos, como a cebola e o

alho; as folhas, como a alface e o espinafre; os frutos, como

tomate, pimentão, melão, maçã, pêra e muitos outros; as

raízes, como a cenoura e o rabanete; os tubérculos, como

batata, mandioca e inhame; e as sementes, como feijão, grão-

de-bico, ervilha e lentilha.

Em todas as culturas são necessários cuidados

especiais desde a semeadura até a colheita, mas no caso das

hortaliças e frutas esses cuidados devem ser redobrados,

especialmente para evitar pragas de insetos e doenças. A

aplicação de modernos recursos tecnológicos é, assim, mais

freqüente na horticultura que em outras atividades agrícolas, já

que as necessidades de água são também proporcionalmente

maiores. Equipamentos de irrigação, estufas, sacos plásticos

para proteger os frutos, e coberturas feitas de palha ou plástico

fornecem a rega e a proteção contra o vento, granizo, geadas e

chuvas fortes.

As espécies enquadradas no ramo da horticultura são

muito diversas quanto à classificação botânica, porém as mais

apreciadas, ou economicamente mais importantes, pertencem a

umas poucas famílias principais. Entre as hortaliças, a batata e

o tomate pertencem à família das solanáceas; o feijão, a fava e

a ervilha são leguminosas; a alface e a alcachofra são

asteráceas; a acelga, o espinafre e a beterraba são

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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃOJOSÉ AUGUSTO FIORIN

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quenopodiáceas e, finalmente, o alho, a cebola, o alho-porro e o

aspargo pertencem à família das liliáceas. Todos esses vegetais,

de grande importância econômica e alimentar, foram adaptados

para cultivo em grande escala pela engenharia genética, que

criou grande número de variedades adequadas ao consumo

humano. É o caso da couve, entidade biológica única (Brassica

oleracea) desdobrada em variedades como a couve comum, a

couve-flor, a couve-de-bruxelas e o repolho.

HORTALIÇAS

Entre as espécies enquadradas na horticultura

existem também aquelas cuja aplicação principal é o uso como

condimento ou na preparação de infusões ou soluções. O

interesse de muitas dessas espécies decorre da importância

econômica que tiveram no passado e do papel histórico que

desempenharam. As diversas especiarias de origem oriental,

por exemplo, foram mercadorias preciosas na Europa durante

muitos séculos e seu comércio deu origem a florescentes

centros comerciais em Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi na época

do Renascimento. Mais tarde, a popularização do consumo de

bebidas como o café e o chá resultou na valorização econômica

dessas mercadorias.

CONDIMENTOS E INFUSÕES

O consumo de infusões como estimulantes ou

bebidas refrescantes deu origem, mais recentemente, a um

campo autônomo dentro da farmacologia, que é o estudo das

propriedades terapêuticas de grande variedade de ervas,

empregadas sob a forma de folhas maceradas, raízes moídas ou

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94

flores. A medicina natural faz uso também de plantas

aromáticas e medicinais.

As árvores frutíferas são provavelmente o conjunto

de espécies cultiváveis em que mais se aplicam técnicas de

enxertia e cruzamentos a fim de obter novas e melhores

variedades. Frutas como a banana e a laranja são

comercializadas em grande número de variedades, como maçã,

prata, ouro, da terra, d'água ou nanica, são-tomé e outras, no

caso da primeira, e seleta, baía, lima, itaboraí e outras, no caso

da segunda.

FRUTAS CULTIVADAS

Dentre as espécies cultivadas, destacam-se algumas

que têm em comum a variável climática, geralmente

relacionada à necessidade de abundante irrigação, a

temperaturas elevadas e à riqueza da vegetação e do solo.

Trata-se das plantas tropicais, entre as quais há espécies

frutíferas, florestais e hortícolas, cuja importância econômica

pode ser medida pelos esforços despendidos na adaptação

dessas espécies a outros climas a fim de aumentar-lhes a

produção.

CULTURAS TROPICAIS

Cumpre também mencionar o grupo de espécies

cultivadas não destinadas à alimentação que servem de

matéria-prima a setores industriais da maior importância.

Assim, por exemplo, a indústria do papel consome enormes

quantidades de madeira, o que exige constante reflorestamento

das áreas de extração. A fabricação de móveis e a extração de

borracha, igualmente, constituiriam um sério perigo de

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devastação e conseqüente desequilíbrio ecológico do planeta se

não fossem postas em prática políticas de reflorestamento que

repusessem os exemplares abatidos e proibissem o corte de

árvores nativas em perigo de extinção. Também fazem uso de

produtos agrícolas as indústrias têxtil e de confecção,

consumidoras de linho, algodão, cânhamo e plantas similares.

Existem também produtos de origem agrícola que

não são próprios para consumo direto, humano ou animal. É o

caso dos óleos e gorduras vegetais de vários tipos (oliva, milho,

girassol e margarinas) que entram no preparo de diferentes

pratos e são obtidos por procedimentos industriais. Outros

alimentos de consumo freqüente são também objeto de

tratamento industrial antes da comercialização no varejo. A

farinha de trigo e o pão, componente principal do regime

alimentar de muitos povos, demandam instalações industriais

para sua elaboração. Os álcoois de diversas qualidades, vinhos

e cervejas, de consumo tão difundido, requerem fermentação,

engarrafamento ou maturação.

AGRICULTURA E INDÚSTRIA

O aproveitamento industrial ou alimentício de flores

de algumas plantas é comum, mas a semeadura, os cuidados

durante o desenvolvimento da planta e a colheita de flores com

fins ornamentais conformam uma disciplina agrícola especial, a

floricultura. Nessa atividade, as operações propriamente

agrícolas se complementam com a arte da jardinagem,

especialmente nos cultivos em pequena escala. A prevenção e

cura das doenças de plantas floríferas constituem um campo

singular, já que para muitas espécies é necessário forçar as

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condições de crescimento em relação ao desenvolvimento

natural da planta e, em certo aspecto, isso aumenta os riscos

de fitopatologias.

FLORICULTURA

Assim se organiza o complexo espectro de disciplinas

e recursos que de alguma forma estão envolvidos na

agricultura, setor primordial da economia, para o qual estão

voltadas pesquisas de todo tipo, pois dele depende a riqueza da

maior parte dos países do mundo. Para esse fim hão de

convergir, portanto, os estudos sobre seleção animal e vegetal,

a análise dos mecanismos que comandam a função dos

compostos orgânicos do solo e daqueles usados como

fertilizantes, além da distribuição das áreas cultiváveis de

acordo com critérios de avaliação geoeconômica e ecológica,

compatível com a administração, comercialização e

processamento industrial da produção agrícola.

O crescimento populacional do planeta, que se

acompanha do gradual abandono das tarefas agrícolas por parte

de muitos dos que delas se ocuparam tradicionalmente,

migrados para a indústria e para atividades no ramo de

serviços, envolve o desafio de gerar maiores quantidades de

alimentos com menor contingente de trabalhadores e os

mesmos recursos naturais: terra cultivável, pastos e outros. É

necessário, portanto, racionalizar a exploração dos recursos

agrícolas e pecuários para obter maior rendimento das fontes

disponíveis, e, paralelamente, incentivar a pesquisa científica e

tecnológica voltada para aumentar a produtividade agrícola. A

produtividade do trabalhador rural é, hoje em dia, muito maior

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que em qualquer outra época e tudo indica que a percentagem

da população ocupada nesses afazeres continuará decrescendo.

A contribuição de químicos e engenheiros para essa

tarefa é essencial. Seu trabalho proporciona um melhor

rendimento da terra, produz colheitas mais abundantes e

freqüentes, evita o esgotamento dos solos, melhora as

propriedades nutritivas dos produtos agropecuários, agiliza as

colheitas, implanta instalações industriais onde o gado pode ser

estabulado e alimentado com métodos mais econômicos e

racionais e proporciona maquinaria capaz de realizar tarefas

como a ceifa e a ordenha com maior velocidade, eficiência e

higiene. Vale destacar também o trabalho dos especialistas em

economia agrícola, que oferecem ao meio rural instrumentos

para gerir com melhores resultados as suas empresas.

Tudo o que se disse acima permite olhar o futuro

com otimismo. O fantasma de uma escassez geral de alimentos,

aparentemente, não ameaça o mundo contemporâneo: pelo

contrário, a produção de alimentos de todo tipo se realiza na

atualidade com nível técnico e em condições sanitárias sem

precedentes no passado.

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Expõe de forma clara as modernas técnicas de pesquisa.

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irrigação. São Paulo, Nobel, 1984. Esta obra detalha os

principais métodos de irrigação. Relaciona, de forma bastante

clara e ilustrada, seus efeitos sobre o solo e seus custos de

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John Seymour. Auto-suficiência. Lisboa, Perspectivas

& Realidades, 1986. Demonstra como é possível atingir a auto-

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suficiência no campo. Discorre sobre todas as atividades

relacionadas ao pequeno produtor rural.