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AI okal & Jean Bricmont IMPOSTURAS INTELECTUAIS Tradução MAXALTMAN Revisão Técnica ALEXANDRE IDRT ~~hw- .... .,.... ~ . _··"t'Iar .,Gtri (d ~NOA I _1,-- EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO SÃO PAULO " 1999

Sokal Imposturas Intelectuais

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Prefácio e Introdução. Texto que analisa o abuso das ciências humanas e sociais quanto ao abuso do uso de conceitos vindos das outras ciências.

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Page 1: Sokal Imposturas Intelectuais

AI okal & Jean Bricmont

IMPOSTURASINTELECTUAIS

TraduçãoMAXALTMAN

Revisão TécnicaALEXANDRE IDRT

~~hw-•.....,.... ~. _··"t'Iar .,Gtri (d

~NOAI_1,--

EDITORA RECORDRIO DE JANEIRO • SÃO PAULO

"

1999

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li A I\N SOICAL E JEAN BRICMONT

Ap ndic ( N 229P irt ,A: Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica

transformativa da gravitação quântica 231Parte B: Comentários sobre a paródia 275Parte C: Transgredindo as fronteiras: um posfácio 285

Bibliografia 297

Índice 313

Prefácio à edição brasileira

publicação na França do nosso livro Impostures intellectuelles' parece\11 'riado uma pequena tormenta em determinados círculos intelectuais.I h' wordo com Jon Henley, em artigo publicado no The Guardian, nós1110 trnm S que "a moderna filosofia francesa é um monte de velhas toli-1 I • J S •rund Robert Magglo " em artigo publicado no Libération nó

111110 1111 cientistas e antes sem senso de humor que corrigim~ e~osI1 11I\.IIicui em cartas de amor.' Gostaríamos de explicar sucintamente por'1'11' uubns as caracterizações do nosso livro são errôneas, e de responder\ 1111" 'os nossos críticos quanto aos nossos superentusiasmados defenso-11 ,FI1I especial, queremos desfazer um bom número de mal-entendidos.

( ) livr riginou-se da farsa agora famosa que consistiu na publica-1I 11 I I 'vista americana de estudos culturais Social Text, por um de nós'A

I 1111I rrtigo satírico cheio de citações sem sentido, porém infelizmente\\11\ 11\ II ,I I N br física e matemática, proferidas por proeminentes inte-

I I li li 1'1.111 'S e americanos." No entanto, apenas uma pequena par-I ti. t li II I ,i "111 ntado na pesquisa bibliográfica realizada por Sokal pôde

1 111111 ti 1 110 paródia, Após ter exibido este longo dossiê aos amigos1 tI II1 ,'1\ )- 'j .nti tas, ficamos (paulatinamente) convencidos de que" , ]H'I\I tornã-lo disponível para um público mais amplo. Quise- ,

1111 I I'Ii .11, -m icrrno laicos, J2.or.s.ueas~ita ões são absurdas 0ld em" \11 1 () , simpk-sm ntc carentes de sentido; e desejamos também

I I 1111 I I ili'llll. t 11 ias ulturai que permitiram que esses discursosI 1111 t 11 I('PIII I 'fio 'lI5 f s, m, até agora, desmascarados,

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IMPOSTURAS INTELECTUAIS 2726 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT

7. ocês também não se apóiam no argumento da autoridade? Se1 amos que a matemática de Lacan é uma tolice, como podem os

leitores não-cientistas julgar? Devem fiar-se apenas nas nossas palavras?~talme.Dte. Antes de mais nada, tentamos, rigorosamente, for-

necer explicações detalhadas dos conhecimentos científicos, de sorte quo leitor não-especialista possa avaliar por que determinada asserçãoerrônea ou sem sentido. Podemos não ter sido bem-sucedidos em todoos casos: o espaço é limitado, e a pedagogia científica é difícil. O leitortem perfeitamente o direito de reservar seu julgamento para aqueles ca-sos em que nossa explanação é inadequada. Porém, acima de tudo, de-veria lembrar que a nossa crítica não cuida principalmente de erros, mda manifesta irrelevância da terminologia científica para o tema supo -tamente sob investigação. Em todas as críticas, debates e correspondên-cia privada que se· seguiram à publicação do nosso livro na França, ninguém forneceu nem mesmo o mais leve argumento explicando como estrelevância poderia ser estabeleci da.

(DMas esses autores não são "pós-modernistas". É verdade que oautores franceses abordados neste livro não se definem todos como "pómodernistas" ou "pós-estruturalistas". Alguns desses textos foram pblicados antes do surgimento dessas correntes intelectuais, e alguns deautores rejeitam qualquer ligação com essas correntes. Além do m ios abusos intelectuais criticados neste livro não são homogêneos; Ipodem ser classificados, muito simplificadamente, em duas categoricorrespondendo aproximadamente a duas fases da vida intelectualFrança. A primeira fase é a do estruturalismo extremo e se estende atcomeço dos anos 70: os autores tentam desesperadamente atribuirvagos discursos no campo das ciências humanas um tom de " itificidade" invocando algumas aparências externas da matemática. A 01de Lacan e os primeiros trabalhos de Kristeva enquadram-se nesta ,goria. A segunda fase é a do pós-estruturalismo, que com ou em til

dos da década de 1970: aqui, qualquer preten âo d "i ntifi idud I

abandonada, e a filosofia subjacente (na m dida 111que Ii(' pod( id( 1\ficar) inclina-se na dire ão do irra .ionr lismo ou do niilismo. () t·de Baudrillard, O .leuz c ,1Iatllri ( emplifk 111I(s. a uiuule,

AI J1I dis o, i pr priu id i I ti lJlH (' i 1(' uniu (aI' () i I di 11111YP 11 11111110(11 unud I "P( lIIod('r111 I I" muito 11\(110 diítm I Ilor 111 111 110111111110 I líu 11 11 11 I, 1\1 011111tio 11I1'

11111\ por comodidade, é porque todos os autores aqui analisadosorno pontos de referência fundamentais no discurso pós-mo-

IIII I • em idioma inglês, e porque alguns aspectos dos seus textos (jar-,11I lira, rejeição implícita do pensamento racional, abuso da ciên-"11111metáfora) são traços comuns do pós-modernismo anglo-

I , 1110.Em todo caso, a validade das nossas críticas não pode, de11II , ilguma, depender do emprego de uma palavra; nossos argumen-

I, I 11\ er avaliados, para cada autor, independentemente de seus11111 sejam conceitualmente justificados ou meramente socioló-

com a corrente "pós-modernista" mais ampla."'I' que vocês criticam esses autores e não outros? Uma longa lista \

1111111" nos foi sugerida, tanto publicamente quanto em particular: Iuclui virtualmente todas as aplicações da matemática nas ciên-

111lis (p. ex. economia), especulações de físicos em livros de di-""".",.".11-,1ientífica (p, ex. Hawking, Penrose), sociobiologia, ciência

I • ic ria da informação, a interpretação de Copenhague (escolaI' IIh igue) da mecânica quântica, e a utilização de conceitos cientí-1111111111por Hume, La Mettrie, D'Holbach, Helvetius, Condillac,

I • l nrrkhcim, Pareto, Engels e vários outros."1111111IIlOS observando que esta pergunta é irrelevante para a vali- \11111\() dos nossos argumentos; na melhor das hipóteses pode serI 11I lnn ar calúnias sobre nossas intenções. Suponha q~e exis-

111111ibu os tão ruins como os de Lacan ou Deleuze; como esse1"11.I I legitimar estes autores?

111111lo, lima vez que a questão das razões da nossa "escolha" é tão1111III'II1elevantada, vamos tentar esclarecê-Ia brevemente. An-1111 11Ida, não temos a intenção de escrever uma enciclopédia

••IIIIIH'. sobre "o absurdo desde Platão", nem temos competên-1li )0. Nos o copo é limitado, em primeiro lugar, aos abusos

."'-1111'1 110 tcrr 'I} i ntíficos nos quais podemos reivindicar algu-, to ,Illat '111ti a e f{ ica; 13 em segundo lugar, aos abusos

•• 11I111IH'III('('111111 da m influ ntes círculos intelectuais; em1 1 tr, 111 I!lU () que n 10 f ram pr viamente analisados em

I 11111I10,11I1\110UlIIl ('ssa delimita .s, nâ afirmamos que

1"lorlll 11'/1UII du lln

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IMPOSTURAS INTELECTUAIS 2928 ALAN SQKAL E JEAN BRICMONT

I 11 C ti 'Q ao pós-modernismo é útil por razões intelectuais, pe-•...,~",'II,'c,I.~• culturais e políticas; voltaremos a esse assunto no epílogo.

nosso conjunto de alvos seja exaustivo ou que eles constituam uma "seleção natural". Muito simplesmente, Sokal topou com a maioria destetextos ao escrever a sua paródia, e nós decidimos, após reflexão, quvaleria a pena torná-Ias públicos.

Além disso, sustentamos que existe profunda diferença entre os textos aqui analisados e a maioria dos outros exemplos que nos foram sugeridos. Os autores citados neste livro obviamente não têm mais que umvaga compreensão dos conceitos científicos que invocam e, mais importante, não fornecem nenhum argumento que justifique a relevância detes conceitos científicos para os temas que, segundo dizem, estão em etudo. Estão empenhados em alinhavar nomes e não simplesmente eraciocínio defeituoso. Assim, embora seja muito importante avaliar cricamente o uso da matemática nas ciências sociais e as asserções filosõficas ou especulativas feitas por cientistas naturais, estes projetos são difrentes - e consideravelmente mais sutis - que os nossos próprios."

a questão relacionada é a seguinte:10. Por que uocês escrevem um livro sobre isso e não sobre tem

m is--sérios?É o pós-modernismo um perigo tão grande à cioilizaçãAntes de mais nada, esta é uma pergunta estranha. Suponha-se queguém descubra documentos relevantes para a história de NapolBonaparte e escreva um livro sobre eles. Alguém perguntaria seconsidera este tema mais importante que a Segunda Guerra MundiSua resposta, e a nossa, seria que um autor escreve sobre determintema em duas condições: se é competente e se está capacitado atribuir com algo original. O assunto escolhido nunca irá coincidiro problema mais importante do planeta, a menos que se tenha umafora do comum.

É claro que não achamos que o pós-modernismo seja um grandrigo para a civilização. Do ponto de vista mais geral, é um fenômenotanto marginal, e existem formas de irracionalismo bastante mais Igosas - o fundamentalismo religioso, por exemplo. Todavia, a r

I I 1111. r fim de evitar polêmicas inúteis e "refutações" fáceis, que- \1IILlr que este livro não é um panfleto de direita contra inte-

qurrda, ou um ataque imperialista americano àintelligentsia'··"'·"'·11" ,111111msimples apelo ignorante ao "bom senso". De fato, o

uur« (I IJII defendemos conduz freqüentemente a resultados que111 untlito om o "bom senso"; o obscurantismo, a confusão111111111'anticientíficas de modo algum são de esquerda, assim

I .1V('1l'ração quase-religiosa aos "grandes intelectuais"; e"'1 II 11111;1parte da intelligentsia americana ao pós-modernismo

Ifllti IIm!1I 1 'Itw 11Ieuômeno é internacional. Em especial, a nossa críticaI " 11111c motivada pelo "nacionalismo e protecionismo teóri-

I' I r ttur francês Didier Eribon acredita detectar no trabalhoI 11111 .1I11crianos." Nossa finalidade é, muito simplesmen-11 ,I di' onestidade e a impostura intelectuais, venha de onde

I I I ".1111 (oJlsid rável do "discurso" pós-modernista dos aca-1 1111 IIIJHII.II· S americanos e ingleses é de inspiração france-I! I 1111VIrd.idc que os intelectuais de língua inglesa vêm há11"1 d.III.!O .1 l'SS "discurso" um autêntico sabor autóctone."

II ItVIO ronsist na análise de textos, autor por autor.I('llon's 1150- pecialistas, forneceremos, em no-c' plirnç 'S d s conceitos científicos relevantes,

I li. I 1 I 110111textos de popularização científica.11111 11 O, ('11\dúvida, que levamos esses textos de-

I 11/ I Vc Id 1111',('111.crt sentido. Mas, como esses tex-I • I 11pUI iuuiru W'IlI " pensamos que eles merecem

III ti 111.1ItI IlgCll, Em nlgum as citaremos longos tre-, 1.1 ele 1111111I (c'r () leitor, mas para mostrar que não

1I 1.1 .1., I c 11.C II li udo fras( s do IH'U .ont xto.

1'"11'10 11 1111 1'111111"

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30 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT

Além dos abusos stricto sensu, analisamos certas confusões científi-cas e filosóficas nas quais se fundamenta muito do pensamento pós-mo-dernista. Primeiramente, levaremos em conta o problema do relativismcognitivo e mostraremos que uma série de idéias originárias da histórie da filosofia das ciências não tem as implicações radicais freqüentementatribuídas a elas (cap. 3). Em seguida indicaremos diversos equívocorelativos à teoria do caos e à auto denominada "ciência pós-moderna(cap. 6). Finalmente, no epílogo, situaremos nossa crítica num contextcultural mais amplo.

Muitos dos textos aqui transcritos surgiram originalmente na França. Empenhamo-nos emmanter, tanto quanto possível, fidelidadeoriginal francês, e em caso de dúvida reproduzimos este último entrparênteses ou mesmo in totum. Garantimos ao leitor que, se as pasgens parecere91 incompreensíveis, é porque no original francês tambo são.

Capítulo J

]ACQUES LACAN

li" 1,I,/'lIm esse fim, reconhecer que Lacan confere, enfim, aoI"~1/ "/111'/110 de Freud os necessários conceitos científicos.

11/111~ /slthusser, Écrits sur Ia psychanalyse (1993, p. 50)

I ", ,/1/ r, /'01/10 ele mesmo diz, um autor cristalino.

JI'IIII-Claude Milner, I'Oeuvre claire (1995, p. 7)

I .11.111foi um dos mais famosos e influentes psicanalistas des-1 •• .111 11111, d 'Z nas de livros e artigos são dedicados à análise

II I I I 1\urdo meus discípulos, ele revolucionou a teoria eII I' 11 IIl.tlis('; S gundo seus detratores, é um charlatão e seus"1"11.1 verborragia. Não entraremos no debate sobre a parte

_tIIl'III'111 I 11 .ur.rln ira da bra de Lacan. De preferência, limitar-nos-1I I .I, "11,1'> Ircqü .nt referências à matemática, para mos-

111111111" pnfcilam .ntc, em diferentes partes de seu traba-I 1IIIIIII'Iiltlos (1111n s, a introdução.

I 1 li 111 1'1·111 1II,III'III.llica centra-se fundam ntalmcnte na11111ti I 111111'111\til I qlll' li' 11.1(1'lItn' outru» coisos) das pro-

•••• " •• lltllt I. ,1.'1111 l'IIIIIIII'lIl III)('tflit, • olido t' I im por di 1Il

11111 1111111111,I1 qllllldll o ""\1'1" 1I1'I1I11II.ltlo ('111 I'r

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10 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT

Mos () (li' pretendemos exatamente? Nem oito nem oitenta. Mos -1110, que int lcctuais famosos com acan istev ;igaray ~d'I ,\.uze .busaram repetidamente da termino ogia e e conceitos êiêfití-

fi os: tanto utilizando-se de idéias científicas totalmente fora de contex-to, m dar a menor justificativa - note-se ue não somos contra aextrapolação de conceitos de um campo a outro e sim contra extraP.olaçõesfeitas sem fundamentação -, quanto atirando a esmo jargões científicosna cara de seu~.leito;esnão-cientistas, sem nenhum respeito pela sua (e-levância ou mesmQ...Reloseu sentido. Não pretendemos dizer que isso in-valida o restante de su~'obra, ~ a qual não emitimos julgamento.

Somos, por vezes, acusados de ser cientistas arrogantes, porém nos-sa visão do papel das ciências exatas é, na verdade, bastante modesta.Não seria bom (para nós, matemáticos e físicos) que o teorema de Gõdelou a teoria da relatividade tivessem implicações imediatas e profundas~no estudo da sociedade? Ou que o axioma da escolha pudesse ser usadono estudo da poesia? Ou que a topologia tivesse algo a ver com a psiquehumana? Contudo, este não é o caso.... - -~

Um segundo alvo do nosso livro é lativismo epistêm'êo"especifi-camente a idéia - a qual, pelo menos quando manifestada expli~-

te;e muito mais comum no mundo anglõfono.do que no francõfono -de ue mo erna ciêI}cianão é mais ue uÇ<mito", uma "narração" ouuma "construção social", entre muitas outras.T2\1ém de gritantes abu-sos (p. ex., lrigaray), dissecamos um bom número de confusões muitfreqüentes nos círculos pós-modernistas e de estudos culturais: por exem-plo, apropriação indevida de idéias da filosofia da ciência, como a dsubdeterminação da teoria pela evidência ou da impregnação teórica dobservação [theory-ladenness of observation], com o intuito de sustcntar um relativismo radical.

Este livro, portanto, é a fusão de dois trabalhos - relacionado ntre si - reunidos sob a mesma capa. Prjmeiramenre, trata-se de umcoleção de abusos extremos descobertos, mais ou menos por acaso, P- --Sokal; são as "imposturas" do título. Em segundo lugar, cont m a 110

crítica ao relativismo cpistêmico e ao con cit .rr nc s s bre a "ci li

pó -mod ma", tas an tis s sâo cousidcruvchuente 11I 11i deli .udn..

IMPOSTURAS INTELECTUAIS 11

IOU xão entre estas duas críticas é principalmente sociológica: os auto-1('S franceses das "imposturas" estão na moda nos mesmos círculos aca-I1 micos de língua inglesa onde o relativismo epistêmico é a pedra-de-111<1\1 ,.6 Existe também urna tênue ligação lógica: se alguém aceita o1 l.uivi mo epistêmico, tem menos motivo para ficar aborrecido com adi Iurpaçâo das idéias científicas, que, de qualquer modo, não passam,I, 1I\('r "discurso".

()I viamente, não escrevemos este livro apenas para denunciar alguns1\111 'os isolados, Temos objetivos mais amplos em mente, m~ .não ~e- ./, / .n iarnente aqueles a nós atribuídos. ~t a mIstIfica a ~ C-di lmguagcm deliberadament cura dos ensamentos confusos ~do ~

111(11 ('~Ó incorreto dos conceitos c· , cos. Os textos que citamos po-di 111 ,('r a ponta de umiceberg; contudo o iceberg deve ser definido como1"11 t oujunto de práticas intelectuais, não como um grupo social.

uponhamos, por exemplo, que um jornalista descubra, e publique,111, IIU\( nt demonstrando que alguns altos e respeitáveis políticos são

'"11 Ilptos. (Salientamos que isto é urna analogia e que não considera-11111 () ihu os aqui descritos de comparável gravidade.) Muita gente,

111 duvida, chegaria rapidamente à conclusão de que a maioria dos\' 111111 () , rrupta, e os demagogos que pensarem tirar proveito políti-

,di .1 noção irão estimulá-Ia? Mas a extrapolação seria errônea.(li mesma forma, considerar este livro uma crítica generalizada às

1111111 "IIII,H1eS ou às ciências sociais - corno alguns analistas franceses oI 1111 ' não apenas interpretar mal nossas intenções como também

, 'I I uma uriosa confusão, revelando um desprezo implícito porI" I, di riplinas." Por uma questão de lógica, ou as humanidades e as

11 1 I uri.iis são co-extensivas aos abusos denunciados neste livro,ICI, St f rem, então o nosso livro seria com efeito um ataque

,II'('aS em bloco, mas seria justificado. Caso contrário (como

1111 d 111 1\1 11 1111111,1114 11 I IdllvI 11111 1'1 1 11I1 11/111 nlIlVIII" 11" I.tllh 11111 11111 I 11 111111111111,.11111 1 1""

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12 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT

acreditamos), simplesmente não existe razão para criticar umscholar poraquilo que outro, da mesma área, diz. Mais amplamente, qualquer in-terpretação do nosso livro como um ataque generalizado a X - seja Xo pensamento francês, a esquerda cultural americana ou o que for -pressupõe que todo X esteja permeado pelos maus costumes intelectu-ais que estamos denunciando, e esta acusação deve ser demonstrada porquem quer que o faça.

Os debates estimulados pela artimanha de Sokal englobavam umalista cada vez mais ampla de questões cada vez mais fracamente relacio-nadas, não somente o status conceitual do conhecimento científico ouos méritos do pós-estruturalismo francês, mas também o papel social daciência e a tecnologia, o multiculturalismo e o "politicamente correto",a esquerda acadêmica versus a direita acadêmica, a esquerda culturalversus a esquerda econômica. Queremos salientar que este livro não tra-ta da maioria destes tópicos. Em especial, as idéias aqui analisadas têmpouca, talvez nenhuma, relação conceitual ou lógica com a política. Sejqual for a visão que alguém tenha a respeito da matemática lacaniana oda "theory-ladenness of observation", pode-se sustentar, sem receio dcair em contradição, qualquer opinião, seja qual for, sobre despesas militares, bem-estar social ou casamento gay. Existe, certamente, um vírculo sociológico - apesar de sua magnitude ser amiúde exageradaentre as correntes intelectuais "pós-modernistas", que criticamos, cguns setores da esquerda acadêmica americana. Não fosse esse vínculnão estaríamos mencionando a política de modo algum. Contudo nqueremos que o nosso livro seja visto como mais um tiro na enfadonl"Guerra das Culturas", menos ainda como um tiro partido da dircit .pensamento crítico sobre a injustiça do nosso sistema econômicobre a opressão racial e sexual cresceu em muitas instituições a ad I I

cas desde os anos 60 e foi submetido, em anos recentes, a muito (',nio e crítica injusta. Não existe nada em nosso livro que pOSNH

interpretado assim, mesmo remotamente.Nosso livro enfrenta um contexto in tituci nal int irarn '!lH' difer I

na França e no mund d língua ingl .sa. Enquanto os nutorc: po I

criti 'ndos têm lido uma profunda iuílu ncin nn edllc:H;no superior Ir \I

'11 (' disp )('111 d(' 1111111('1'11 o, di. c pulo: 11 I 11I dia, 111. ('ditor I

1111,·11,",,,1;0 d,II .I1~lIll101d.I lurJo.I I (' I~(H 10 uo o Iivt I

• IIIIV 1I 1111 III~III 11111'111 11111 11 IIlId I 11111 11111111111 (11111 11·1111,

IMPOSTURAS INTELECTUAIS 13

1111 dos círculos intelectuais (conquanto bem entrincheirada em algunsI' dlll< s). Este fato tende a fazer com que pareçam mais "radicais" e

uhv .rsivos" do que realmente são, tanto aos seus próprios olhos quantoI1I olhos de seus críticos. Todavia nos~Jiyrº-não é contrário ao radica-I I!lO político, ~. usão intelectual. Nosso objetivo não é cri-IIi \I .1 esquerda, mas ajudá-Ia a defender-se de um segmento seu que está11\ iuoda. Michael Albert, escrevendo no Z Magazine, resume bem aI'tI I li: "Não há nada verdadeiro, sábio, humano ou estratégico em

t uulundir hostilidade à injustiça e à opressão, que é bandeira da esquer-II 10111 hostilidade à ciência e à racionalidade, o que é uma tolice. "9

I LI edição é, em muitos aspectos, uma tradução direta do original

l'1111 • Mas ampliamos algumas discussões a respeito dos debates in-I, IlI,tis no mundo anglófono. Fizemos também algumas pequenas al-I I lI! I <Iramelhorar a clareza do texto original, para corrigir impre-111 • I'IHI '0 importantes e para evitar mal-entendidos. Agradecemos aos

111111 leitores da edição francesa que nos ofereceram sugestões.I 1IIIII1IIl escrevíamos este livro, fomos beneficiados por inúmeras" (I(' c debates e recebemos muita crítica e estímulo. Embora não

111111 igradccer individualmente a todos os que deram a sua contri-'I, 11urr 'mos expressar nossa gratidão àqueles que nos ajudaram

I, Illdo 101l es de referência ou lendo e criticando partes dos origi-~ lu h.ul Albert, Robert Alford,..RQ~er Balian, Louise Barre, Paul

1111 1.111 Rnyrnond Boudonr'Pierre Bourdie Jacque Bouveresse,I 1\1 II mont, James Robert Brown, Tim udden, oam Chomsky;

I "I ,10Ilill, Bérangêre Deprez, Jean Dhombres, Cyrano aeI5'(;-1I I'" I' ai Engcl Barbar"a Epsteif), Roberto Fernández, Vincent

I [ull: l'rnn k, Allan Franklin, aul Gérardi , Michel Gevers,I(,llin', YV( S Jingras, Todd Gitlin, Gerãfd Goldin, Sylviane Goraj,1111 ,I\IÍI'IIIH' .uyon, Michael Harris, Géry-Henri Hers, Gerald

1,1111I1IIIIh, Markku Javanainen, Gérard Jorland, Jean-MichelIH'II:I Korrtgc I Iub .rt Krivine, Jean-Paul Krivine, Antti

• •••••. ·"11 1I I ,1111i 1,(' Borgo(" I rard Lcmainc, Gcert Lernout, JerroldI 'li NUIIII l x-vitt , .f(·III- .lnudc Limpa h, Andréa Loparic, John

I I I1I i ti 111 M,I(,. PI.uu i. Murtrus, Tim Mnudlin, Sy Mauskopf,I11I1 M 11111 MI '.lviJ-t.III, N. I ).Ivid Mermiu, Rnriqu« Mufioz,

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14 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT

Meera Nanda, Michael Nauenberg, Hans-Joachim Niernann, MarinaPapa, Patrick Peccatte, Jean Pestieau, Daniel Pinkas, Louis Pinto, Patri-cia Radelet de Grave, Marc Richelle, Benny Rigaux-Bricmont, RuthRosen, David Ruelle, Patrick Sand, Mônica Santoro, Abner Shimony, LeSmolin, Philippe Spindel, Hector Sussmann, Jukka-Pekka Takala, SergTisseron, Jacques Treiner, Claire Van Cutsem, Jacques Van Rillaer, LofWacquant, Nicky White, Nicolas Witkowski e Daniel Zwanziger. Res-saltamos que essas pessoas não estão necessariamente de acordo comconteúdo ou mesmo com a intenção deste livro.

Finalmente, agradecemos a Marina, Claire, Thomas e Antoine ponos terem aturado nesses últimos dois anos.

Introdução

Enquanto a autoridade inspirar temor reuerencial, a confusãoI' o absurdo irão consolidar as tendências conservadoras da so-ciedade. Primeiramente, porque o pensamento claro e lógicoconduz à acumulação de conhecimentos (cujo melhor exem-1'/0 é fornecido pelo progresso das ciências naturais), e o auan-~'O do conhecimento cedo ou tarde solapa a ordem tradicional.Pensamento confuso, por outro lado, leva a lugar nenhum epode ser tolerado indefinidamente sem produzir nenhum im-fitl to no mundo.

Stonistau Andreski, Social Sciences as Sorcery (1972, p. JO)

I" tOtÍlI de te livro começa com uma farsa. Durante anos, fomosIId" umdalizados e angustiados com a tendência intelectual de cer-

It11110 ti 1 n ademia americana. Vastos setores das ciências sociais1111111midud 'S parecem ter adotado uma filosofia que chamaremos,

II I 1111IIlOr t .rmo, de "pós-modernismo": uma corrente intelec-I 1111 111 iz I<InP 'Ia rejeição mais ou menos explícita da tradição

111II I I do lluminismo, por discursos teóricos desconectados de1111 " te (11I1>rico, por um rclativismo cognitivo e cultural que

I· "-",, . "I1 1111 I 01110111(ti mrus qu . uma narraçao ,um mito ou umaI1 •• 111111('1111(' IIlllitas outra ..

I IIl1dn I (' ( Ieu IIU'IIO, 11mde 11 S ( kal) decidiu tentar" I I 1\ o (j('IIU/h 111I1. origiuul: uluncter ] apre ia ~o de111111II 11I11 11I d \11101 I. 1 Soe /(I/'Ii' t, 1I11l\( nrirnturn

1 11 IIt 1111111" li V I I'loltl I 1111111I 111I n'l ('lIh , I' I

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16 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT IMPOSTURAS INTELECTUAIS 17

ver se eles o publicariam. O artigo, intitulado "Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitaçãquântica";' está eivado de absurdos e ilogismos flagrantes. Ademaiele defende uma forma extrema de relativismo cognitivo: depois de ridicularizar o obsoleto "dogrna" de que "existe um mundo exterior, cujpropriedades são independentes de qualquer indivíduo e mesmo da humanidade como um todo", proclama categoricamente que "a 'realidde' física, não menos que a 'realidade' social, é no fundo uma construção social e lingüística". Por meio de uma série de raciocínios de umlógica espantosa, o artigo chega à conclusão de que "o 1t de Euclideso G de Newton, antigamente imaginados como constantes e universaisão agora entendidos em sua inelutável historicidade". O restante prosegue na mesma linha.

Apesar disso, o artigo foi aceito e publicado. Pior, foi publicado numedição especial da Social Text destinada a refutar a crítica dirigida ao p6modernismo e ao construtivismo social por vários cientistas eminente.É difícil imaginar, para os editores da Social Text, um meio mais radide atirar nos próprios pés.

Sokal revelou imediatamente sua artimanha, provocando uma rçâo tempestuosa tanto na imprensa acadêmica quanto na imprensageral." Muitos pesquisadores em humanidades e ciências sociais esveram a Sokal, às vezes de maneira muito comovida, para agradecer-lo que tinha feito e para expressar sua própria rejeição às tendências pmodernistas e relativistas que dominam largas parcelas de suas disci Inas. Um estudante achou que o dinheiro que tinha economizado pfinanciar seus estudos tinha sido gasto com as roupas de um imperque, como na fábula, estava nu. utro escreveu que ele e seus col

Idl 1111lie. do excitados pela farsa, mas pedia que seu estado de ânimoI 1I1,II11idoem segredo porque, se bem que desejasse mudar as atitu-11I 11:1 disciplina, ele só poderia fazê-Ia depois de assegurar um tra-

111" pl'l"manente.II () que significou este estardalhaço todo? Apesar do exagero da

Id I, !) , imples fato de a mistificação ter sido publicada prova poucoI I 1III'S1ll; no máximo revela algo sobre os padrões intelectuais de

I 11VI t.1 da moda. Outras conclusões interessantes podem ser obti-1111rutuuto, examinando-se o conteúdo do simulacro." Num exame

1111011 o, p de-se perceber que a paródia foiconstruÍcla em torno de11(, .minentes intelectuais franceses e americanos concernentes

I, ,111.1implicações filosóficas e sociais ela m.rtemática ;das ciên-1111111lis. Os trechos são absurdos ou desprovidos de sentido, masli" 11dis o, autênticos. Com efeito, a única contribuição de Sokal

1111 ,dC'lll iar um "cimento" (cuja "lógica" é evidentemente fantasiosa)111111.11estas citações e elogiá-Ias. Os autores em questão formamId uleiro panteão da "teoria francesa" contemporânea: Gilles

I 111,' uqu > Derrida, Félix Guattari, Luce Irigaray, Jacques Lacan,11I I .uour, J an-François Lyotard, Michel Serres e Pau] Virilio.' As

1I1111t'1l1também muitos proeminentes acadêmicos americanosIlId" 1'111turais e campos correlatos; contudo estes autores são11111I1I1t',pelo menos em parte, discípulos ou comentadores dos

li IIH('S .s.111'1"1' .IScitações inseridas na farsa foram um tanto breves, Sokal

1I1 ( uidn uma série de textos mais longos para ilustrar a mani-.,III,"~."" I' lt) .uuores das ciências naturais, fazendo-a circular entre seus"III"MIII~ I 1111 t •• A r 'açá deles foi um misto de hilaridade e conster-

.1" I illII{'lItt' pod 'riam acreditar que alguém - muito menos

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oque queremos mostrar

18 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT IMPOSTURAS INTELECTUAIS 19

renomados intelectuais - pudesse escrever tamanhos disparates. Entrtanto, quando os não-cientistas leram este material, salientaram a ncessidade de explicar com precisão e em termos de alcance geral por

Ias mencionadas passagens são absurdas ou sem sentido. A parrlrdemomento, nós dois trabalhamos juntos para produzir uma série de aolises e comentários dos textos, que resultaram neste livro.

1 .I, I rrudamente, termos técnicos num contexto em que eles são111111111 irr levantes. O objetivo é, sem dúvida, impressionar e, aci-I tllclo, intimidar os leitores não-cientistas. Mesmo alguns acadê-

I 111IH ntaristas da imprensa caem nesta armadilha: Roland Barthes• •••• ,,··'''··11111011-. • com a precisão do trabalho de Julia Kristeva (p. 49), e

funtl" .idmira a erudição de Paul Virilio (p. 169).t.iuipular frases e sentenças que são, na verdade, carentes de

II AIv,\lIIS destes autores exibem uma verdadeira intoxicação deI ouibinada com uma extraordinária indiferença para com o seu

, I .tln.I uuore falam com uma autoconfiança que excede de longe sua

I I 11I LI científica: Lacan orgulha-se de utilizar "a mais recente evo-1I lopo!ogia" (p. 35), e Latour pergunta se ele não teria ensinado

01 I I Einstein (p. 131). Eles imaginam, talvez, que podem ex-I' I'IC' I gi das ciências naturais de modo a-transmitir aos seus

I di c 111SOS uma aparência de rigor. E parecem confiar que nin-II 1 c c 1.11' o .mprego incorreto dos conceitos científicos. Ninguém

I pie' O rei está nu.I 11111'11 pr .cisamente dizer que o rei está nu (e a rainha também).I 1" \I 1110. lcixar claro: não investimos contra a filosofia, as humani-!)I II I1 111 ias S ciaisemgeral; pelo contrário, consideramos que estes

"""IH'!! It II c mlu cimento são da máxima importância e queremos prevenirI 1111 II lI! rllu m nessas áreas (especialmente estudantes) contra al-

111 uiilcsros de charlatanismo." Em especial queremos "des- \I I I 1I I"II.IÇ: o que certos textos têm de ser difíceis em virtud~ d~ (tf

I c ClIII id,lS serem muito profundas. Irem~~nstrar, em mui-1'11 I () textos parecem incompreensíveis, isso se deve à ex~e-

I I de 1\"1 1110 qll 'r '111 dizer absolutamente nada.t 111 ti 111110 gr IlIS de abuso. De um lado, encontram-se extra-

I c 1111 (ilo cirutff ' para além de sua área de abrangência,1II 11 I 111 I por rnz ) 's sutis. Por outro lado, deparamos com

H••ItI""!1~I!I~I 111 "\I( '110 '!Idos d termos científicos mas são intei-I !,IClvlIl" dI' ('lllido. E h" 'claro, uma massa de discursos11 I \I 1111,,111 '111 ill~lIl1l ponto eutr • t dois extremos.

O objetivo desta obra é oferecer uma contribuição, limitada porém o

IIginal, à crítica do evidentemente nebuloso Zeitgeist que denominam"pós-modernismo". Não temos a pretensão de analisar o pensamepós-modernista em geral; nossa intenção é chamar atenção para asptos relativamente pouco conhecidos, isto é, o abuso reiterado de cceitos e terminologia provenientes da matemática e da física. Quereanalisar também determinadas confusões de pensamento que são freqütes nos escritos pós-modernistas e que se relacionam tanto com oteúdo quanto com a filosofia das ciências naturais.

Para ser preciso, a palavra "ab " denota aqui uma ou mais dguin es características:

1. Falar abundantemente de teorias científicas sobre as quais sena melhor das hipóteses, uma idéia extremamente confusa. A táticacomum é usar a terminologia científica (ou pseudocientífica) semcomodar muito com o que as palavras realmente significam.

2. Importar conceitos próprios das ciências naturais para o intericiências sociais ou humanidades, sem dar a menor justificação conou empírica. Se um biólogo quisesse empregar, em sua pesquisa, nelementares de topologia matemática, teoria dos conjuntos ou geoidiferencial, ele teria de dar alguma explicação. Uma vaga analogi ntomada muito a sério pelos seus colegas. Aqui, pelo contrário, apr 'U

com Lacan que a estrutura do paciente neurótico é pre isam nt o to () (menos que a própria realidad ,cf. p, 33); !TI Krist .vn qu ' n IiIlHl1 I

tica pode ser teorizada em t .rmos da mrdinnlidnd ,do ontlnuum (I 'om Buudrillnrd qu l ~1I -rr l uiod -rn l () xirr . num Jll o 1\ o U I

(p. 7) t lido ('11I pli I (I.

I 'lIt I UIII I rudi (I IIJl I fH 1i (I 1i li

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IMPOSTURAS INTELECTUAIS 2120 AlAN SOKAl E JEAN BRICMONT

Embora priorizemos neste livro os abusos manifestos, falaremos tbérn brevemente de algumas confusões menos óbvias, concernentesteoria do caos (cap. 6).

(

Sublinhemos que não é nada vergonhoso ser ignorante em cálcuinfinitesimal ou em mecânica quântica. O que estamos criticando é a prItensão de alguns celebrados intelectuais de propor reflexões profundsobre assuntos complexos que eles conhecem, na melhor das hipótesno plano da popularizaçâo.?

Neste ponto, o leitor deve naturalmente éstar se perguntando: esabusos nascem de uma fraude consciente, de auto-engano ou de uma cobinação de ambos? Não podemos dar nenhuma resposta categórica aquestão, por falta de prova (publicamente disponível). Porém, mais imptante, devemos confessar que não consideramos essa questão de graninteresse. Nosso propósito aqui é estimular uma atitude crítica não •plesmente em relação a certos indivíduos, mas com respeito à parcelintel/igentsia (tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e outras pdo mundo) que tolerou e até mesmo encorajou esse tipo de discurso.

!t.I" 11 .ânones da racionalidade e da honestidade intelectual que'li dl'vcriam ser) comuns a todas as disciplinas eruditas.• 'ldC'111\ que não temos competência para julgar os aspectos nãoI •11 10 trabalho desses autores. Entendemos perfeitamente bemI1I "1111.rvenções" nas ciências naturais não constituem os temasI ti,· uas obras. Porém, quando a desonestidade intelectual (OU!,I. 1111nnpetência) é descoberta num trecho - mesmo marginal

til de alguém, é natural querer examinar mais criticamente oI, dtl ('11 trabalho. Não queremos prejulgar os resultados de tal

111,1ximplcsmente remover a aura de rofundidade que por ve-I" .1111c''illldantes (e professores) de empreendê-Ia.111,1'1((Ic~in são aceitas como dogma ou por estar na moda, elasI I rluu-nt ' sensíveis ao desmascaramento, até mesmo em seus111lI/1inai.. Por exemplo, as descobertas geológicas dos séculosI urnstrararn que a Terra é muito mais velha que os cinco mil

II •111" qu ' o valha, narrados na Bíblia; e, embora estas cons-I I nu.uligarn apenas uma pequena parte da Bíblia, tiveram oI 11111 dt' solapar sua credibilidade geral como narração factualI, dc' modo que hoje em dia poucas pessoas (a não ser nos Es-1,1,) 11rcdi Iam na Bíblia de maneira literal como o fazia a maioria

I I" 111('01'sé ulos atrás. Considerem, em compensação, a obratuu: estima-se que 900/0 de seus escritos tratam de alqui-

t I I 1110,Mas e daí? O resto sobrevive porque está baseadoI I "1' III1U'lIloscmpíricos e racionais. Do mesmo modo, a maior

1i 1\ , dc' Iks 'arte é falsa, porém algumas das questões filosó-I," uuou ainda hoje são pertinentes. Se o mesmo pode ser

I .I, 1111sos aut r ., nossas constatações, então, têm reve-I 111111\111,11.Todavia, e tes escritores se tornaram estrelas

1 1'lllIlc'II,lIl1cnle por razões sociológicas em vez de intelec-11"1' 111111(111'S:lOmcstr s da linguagem e podem impressio-11,,, 1111111111111:hil abuso d \ r rminologia sofisticada - não

I 1111111I ,1'111.10as rcvclnçõ 'S ntidas neste ensaio po-Ii I 111"'1cII/':.c)(' sigllificalivas .

•• 11.11'11'11(11111.111/11qllC' c' h's ,IIIIOI'('sdif('r('1lI cnorrn .m nr ntreI 111.1,I 111II·II~ 1111 I i 111ÍoIc' 11,1iruport: nrlu que dã( nela.

111'I 111111111111111111111111IlIlIil 11,111'111L" c'qIlC'f('IIHISah-rturI I. IIt,l I li li 1 1111I 11. 1'," I l'llIplll 111111111I I I il.I~~II

Sim, mas ...

Antes de prosseguir, vamos responder a algumas das objeções que,dúvida, ocorrerão ao leitor.

. O caráter marginal das citações. Poder-se-ia argumentar quprocuramos pequenos deslizes de autores que reconhecidamente nformação científica e que talvez tenham cometido o erro de se avrar em terreno pouco familiar, mas cuja contribuição à filosofia Iciências sociais é importante e não está, de maneira alguma, invalipelos "pequenos equívocos" aqui revelados. Responderíamos, pritmente, que esses textos contêm muito mais que meros "erros"demonstram uma profunda indiferença, se não de dém, pelos fatológica. Nosso objetivo não é, portanto, ridi ularizar rfti 'os li! •que cometem enganos ao itar a r .lativid: de ou () tcorcma de (I( d ·1

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22 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT IMPOSTURAS INTELECTUAIS 23

de Derrida contida na paródia de Sokal seja muito engraçada," tratade abuso isolado; uma vez que não existe um emprego sistemáticocorreto da ciência na obra de Derrida, não existe capítulo específico soDerrida neste livro. Por outro lado, a ~bra de Serre está repleta de

(

sões mais ou menos poéticas à ciência e sua história; contudoassertivas, embora extremamente vagas, não são, em geral, destitude sentido nem totalmente falsas, e por isso não as discutimos aquidetalhe." Os primeiros trabalhos d Krist~se baseiam firmernentabusivamente) na matemática, mas ela abandonou esta abordagemmais de vinte anos; nós os criticamos aqui porque os consideramotomáticos de certo estilo intelectual. Todos os outros autores,contraparjida, invocaram extensamente a ciência em suas obras. Otos de Latou levam considerável quantidade de água ao moinhrelativfsmôcontemporâneo e estão fundamentados numa análise sutamente rigorosa da prática científica. Os trabalhos de I3~ril1DeleuzenGuattari Virili estão repletos de referências aparentem-eruditas à relatividade, à mecânica quântica, à teoria do caos etc. Anão é inútil demonstrar que sua erudição científica é bastante sucial. Além do mais, iremos fornecer referências de textos adicionais dautores onde o leitor poderá encontrar outros numerosos abuso.(9 Vocês não entenderam o contexto. Defensores de Lacan, Dei uai. poderiam afirmar que suas citações de conceitos científicos são v iaté profundas, e que nossa crítica falha porque não conseguimos cno contexto. Afinal de contas, admitimos de boa vontade que nementendemos o restante da obra desses autores. Não seríamos nós UI1

tistas arrogantes e intolerantes, que deixam escapar algo sutil e profuContestaríamos, antes de mais nada, que, quando conceitos ti

temática ou da física são trazidos para outra área do conhe im 'li

gum argumento deve ser fornecido para justificar sua pcrtin 1\ itodos os casos aqui apresentados, verificamos qu nâ .xist« 11 I

argumento deste tipo, nem próximo ao trc h que itamos IH'III 1nhuma outra parte do artigo ou do livro.

Além do mais, cxist '111algllllla. "mnncir I. pr liras dc' prO( (11podem scr utilizndu» p Ir;\ dt'lc'lllIill.\r (' \ IIlllc'llI \li, I c' 1.\ ,'ml,

11111111\bjetivo intelectual verdadeiro em mente ou sirnplesmen-1I11"I'ssionar o leitor 'PlliIierro nos casos de uso legítimo, o au-

11.1Ic'r um bom con eciment da matemática que ele pretende.IIIII'11iI1 (1\1 special, não deve haver erros grosseiros - e deve ex-

1111\)('S técnicas necessárias, tão_claramente quanto - ossível,I I1I qlH' s 'jam inteligíveis para o pretenso leitor (pr~mivelmente

111111ista). Em ~egundo lugar, como os conceitos matemáticos1\ fll ,II!Opreciso, a mate citica é útil principalmente quando apli-

III!,O n quais os conceitos têm igualmente significado maisI 1'11'(iso. É difícil perceber como a noção matemática de espa-

1111pode er aplicada proveitosamente em alguma coisa tão malfll.llllo o "espaço de jouissance" [gozo] em psicanálise. Em er-" I I P .cialmente suspeito quando conceitos matemáticos in-1111110n hipótese do continuum na teoria dos conjuntos), que

I1I 11tiS, d s, quando muito na física - e certamente nunca na11111I01of'ia-, se tornam milagrosamente relevantes em huma-I I 111ti 'ncias sociais.

" " 1m tica. Se um poeta utiliza palavras como "buraco ne-I 111de liberdade" fora de contexto e sem uma verdadeira com-1111'\1"i znificado científico, isso não nos incomoda. Do mes-

I I 1111Ic'Siritor de ficção científica usa corredores secretos no1111'11eI(' forma a enviar seus personagens de volta para a era

11 I 10 simplesmente uma questão de gosto.111111'I",rlida, insistimos em que ~ exemplos citados no livro \

I I 1011Ilicença poética. Esses autores dissertam, com pretensa~1 •••I,tl. f 1111f ilosofia, p icanálise, semiótica ou sociologia. Seus tra-

1.1111111dt, in ntáv is análises, exegeses, seminários e tesesI .I•• 111 Se'lI ob] tivo é nitidamente produzir teoria, e é neste

I 1Iuit UIIOS.AI m disso, seu estilo é habitualmente pesa-I \I I IHI i NO 'ollmn nte improvável que sua meta seja pri-

•• ".11••111 1111 I 111.1 011 JlO 'li a.11/' 1'/,1 11I1'/, [oras. AIglIJlltls pessoas p n arão, sem dúvida, queI Il'f I \llelo e'. c' uutore muito literalm nt e qu as passa-

111111111111I1111111111'1,'0,1'1'r, /dl)11111'1' '111. 1'011,1.111111_11111'111I1 .•I.••10

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24 ALAN SOKAL E JEAN BRICMONT

gens que citamos deveriam ser lidas como metáforas e não como raciocí-nios precisos. Na verdade, em certos casos a "ciência" tem indubi-tavelmente a pretensão de ser metafórica; porém qual é o propósito des-tas metáforas? Uma metáfora é usualmente empregada para esclarecer umconceito pouco familiar relacionando-o com outro conceito mais famili-ar, não o contrário. Suponhamos, por exemplo, que num seminário de fí-sica teórica tentássemos explicar um conceito extremamente técnico deteoria quântica de campos comparando-o ao conceito de aporia na teorialiterária de Derrida. Nosso público de físicos se p.crg!!ntaria com razão,qual é o objetivo de tal metáfora - se é ou não ertinente - a não ser

/" - -- - -simplesmente exiJ?ir nossa própria erudição. Do mesmo modo, nãovemosa utilidade de invocar, mesmo metaforicamente, noções científicas muitomal dominadas para um público de leitores composto quase inteiramentede não-cienti tas: A finalidade da metáfora não seria então apresentar comoprofunda uma observação filosófica ou sociológica bastante banal, reves-tin o-a elegantemente de jargão pretensamente científico? .

5. pa1!.dJ.a.s.J:l.J1alogias.Muitos autores, incluindo alguns daquelesdiscutidos aqui, tentam argumentar por analogia. Não nos opomos, demodo algum, ao esforço de estabelecer analogias entre os diversos do-mínios do pensamento humano; de fato, a observação de uma analogiaválida entre duas teorias atuais pode, com freqüência, ser muito útil aodesenvolvimento subseqüente de ambas. Neste caso, contudo, pensamosque as analogias são entre teorias bem estabelecidas (nas ciências natu-rais) e teorias demasiado vagas para serem testadas empiricamente (por

\exe~plo, psicanálise .lac:niana). Não se. ~ode deixar de suspeitar ue afunçao destas analogias e ocultar a fragilidade da teoria mais va a.

r Queremos enfatizar que uma teoria incompleta - seja na física, nabiologia ou nas ciências sociais - não pode ser redimida com o meroenvolvimento em símbolos e fórmulas. O sociólogo Stanislav Andreskiexpressou essa idéia com a sua habitual ironia:

Para alcançar ostatus de autor neste ramo de ncgó 'i 1',11 f't' '('itfl é tãosimples quanto compensadora: pegue um livro unlvrr Itlll ill dr m it '-mática, copie as partes m n . 'mplicndlllC'll 11 111111111111,1,,1'1I'ias à lit .ruturu sobre um ou dois 1'1111111111 ltllll 1111111, ('111 c'

pl' 'o 'lIpOI' ('111 k-nuu i I c' 11 1'(')111111111'1" 11 I 11I IIIIIIKIIIIIII1('11, (I "111111111,'I( lumuuiu I I I I t I' 1111111111111111111

IMPOSTURAS INTELECTUAIS 25

bem sonoro, que sugira que você encontrou a chave da ciência exatado comportamento coletivo. (Andreski 1972, pp. 129-130,)

A rítica de Andreski visou originalmente a sociologia quantitativa ame-I i .ana, porém é igualmente aplicável a alguns dos textos aqui citados,notadamente os de Lacan e Kristeva.

6.~uem é c~mp'etente? Ternos sido freqüentem ente confrontados10m a seguinte pergunta: Vocês desejam impedir os filósofos de falarobre ciência porque eles não têm a formação requeri da; mas que qua-

lificações têm vocês para falar de filosofia? Essa pergunta revela ummonte de mal-entendidos. Antes de mais nada, não queremos impedir11111uém de falar sobre coisa alguma. segun lugar, o valor intelec-f uul de uma intervenção é determinado pe o seu conteúdo, não pela iden-t dnde de quem fala e muito menos pelos seus diplomas." E terceirI"1'ar, háuma assimetria: nós não estamos julgando a psicanálise de Lacan,I fil sofia de Deleuze ou a obra concreta de Latour na sociologia. Ape-

II I nos limitamos às suas afirmações sobre a matemática e as ciênciasI{ icas ou sobre problemas elementares da filosofia da ciência.

IIC) IillgUistaNoam Chomsky ilustra o assunto muito bem:No meu próprio trabalho profissional abordei uma variedade de campos distintos.Trabalhei na lingüísticamatemática, por exemplo, semnenhuma credencial profissi-onal em matemática; nessaárea sou totalmente autodidata, e não muito bem forma-do. Porém sempre fuiconvidado pelasuniversidadespara falar sobre lingüísticamate-mática em seminários e colóquios de matemática. Ninguém nunca me perguntou seu tinha credenciais apropriadas para falar sobre estesassuntos; os matemáticos nãoe importam nem um pouco. O que elesqueriam saber era o que eu teria a dizer. Nin-

1I11ém jamais feznenhuma objeção ao meudireito de dizer,indagando setenho grau deli utor em matemática ouse cursei estudos avançados a respeito, Isto nunca entrariam suas cabeças. Querem saber se estou certo ou errado, se o tema é interessante ou

11o, se abordagens melhoressão possíveis-a discussãogira em torno do assunto emI, não sobre o meu direito de discuti-Io.

Em courraparnda, nas discussõesou debates concernentes a questões sociaisou àpollnca externa norte-americana, Vietnã ou Oriente Médio, por exemplo, o temaluvnrlavelmeute esquenta, freqüenremenre com considerável virulência. Sou repeti-IIlIm nte d safiado a respeito das minhas credenciais,ou questionado: "Que preparoI' I -!l11você tem que o habilite a falar sobre estas matérias?" A suposição é que pes-

001 ·.,m() 11,(j11-somos intrtlsasdo ponto devistaprofissional, não estão habilitadas11 (111r Illur c I IISNllIlIo,

ClIllIllIlr!'11I111m41i'11 d nl'! "oUli 'li - ~ bastante surpreendente. Na mate-111li, I 1111U II ,11 pc lIóI 1111pllll('npllllll com o que vo e diz, não com o seu<lIP'"IIIII.1'11/11I, (111I,I ItlllI ulu I IIdlldr oclal, VIW li v portar credcn '11111'1111'1li ,I' Ilillllllll 111 dlv 1M,11111I11,1111.1I' 11 IIIC'1l111" 110. De modo1111.1'I I 111111111"1/1'1",'1" 11111111llel! ,," 111" IUI 11111Idrlllllll 11',

11111111'1111111'~ 1111111I11d 1111I 1111111I'IIIIIIII"I~,1111111I1111111"I". (I 11,,11IyI 'IJ, 1'1' I)