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319 Solos e paisagem Capítulo 19 Capítulo 19 Capítulo 19 Capítulo 19 Capítulo 19 Padrões de diversidade e endemismo de térmitas no bioma Cerrado Capítulo 19 Capítulo 19 Capítulo 19 Capítulo 19 Capítulo 19 Padrões de diversidade e endemismo de térmitas no bioma Cerrado FOTO: REGINALDO CONSTANTINO FOTO: REGINALDO CONSTANTINO Reginaldo Constantino Departamento de Zoologia Universidade de Brasília Brasília, DF Reginaldo Constantino Departamento de Zoologia Universidade de Brasília Brasília, DF

Solos e paisagem - mma.gov.br 19.pdf · são detritívoros e formam um dos grupos dominantes na fauna de solo de ecossistemas tropicais, exercendo um ... primeira metade do século

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Solos e paisagem

Capítulo 19Capítulo 19Capítulo 19Capítulo 19Capítulo 19

Padrões dediversidade e

endemismo detérmitas no

bioma Cerrado

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Universidade de BrasíliaBrasília, DF

Reginaldo ConstantinoDepartamento de Zoologia

Universidade de BrasíliaBrasília, DF

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Diniz & Moraes

Dieta de Lagartas

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INTRODUÇÃO

Os cupins são insetos sociais daordem Isoptera, que contém cerca de2.800 espécies conhecidas no mundo.Mais conhecidos por sua importânciaeconômica como pragas de madeira e deoutros materiais celulósicos, os cupinssão detritívoros e formam um dos gruposdominantes na fauna de solo deecossistemas tropicais, exercendo umpapel importante nos processos deciclagem de nutrientes e formação de solo(Eggleton et al., 1996). Devido à suacapacidade incomum de digerir celulose,eles direcionam para si uma proporçãoconsiderável do fluxo de energia,atingindo biomassa elevada e ao mesmotempo servindo de alimento para umgrande número de organismos (Wood &Sands, 1978). Ao abrir túneis e construirseus ninhos, os cupins arejam emelhoram a estrutura do solo, além demovimentar verticalmente grandequantidade de partículas. Os termiteiros

servem de abrigo a uma fauna diversa,incluindo artrópodes, vertebrados eoutros grupos. Os ninhos velhos eabandonados servem de substrato parao desenvolvimento de várias de plantas.Devido a esse poder de modificar aestrutura do habitat, os cupins podemser incluídos entre os “engenheiros doecossistema” (Lawton, 1997),organismos que afetam a disponibilidadede recursos para outras espécies atravésde mudanças físicas em materiaisbióticos ou abióticos. Isso significa quea eliminação de algumas espécies decupins de um ecossistema em particularcausaria a perda de inúmeras espéciesde outros organismos que dependemdestes insetos para sobreviver e sereproduzir.

A maioria das espécies de cupinsvive nas regiões tropicais e subtropicais,com algumas poucas se estendendo atélatitudes mais elevadas, raramente alémde 40o norte ou sul. Mais espécies decupins podem ser encontradas num

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Constantino

único hectare de floresta ou savanatropicais do que em toda a Europa. Comoa maioria dos entomólogos vive naAmérica do Norte e na Europa, o estudodos cupins tem sido tendencioso por seconcentrar nas poucas espécies comunsnessas regiões. A maioria dasgeneralizações sobre a biologia de cupinsse baseia em estudos detalhados dealgumas poucas espécies norte-americanas e européias pertencentes àsfamílias Kalotermitidae, Rhinotermitidaee Termopsidae. No entanto, a faunatropical é dominada pela famíliaTermitidae, que foi muito menosestudada.

A diversidade de cupins da regiãoNeotropical, com 505 espécies, éultrapassada apenas pelas regiõesEtiópica e Oriental (Constantino, 1998).Entretanto, enquanto os cupins dessasduas regiões foram mais bem estudados,a fauna de vastas áreas da Neotrópicapermanece pouco conhecida. A fauna decupins da Colômbia, por exemplo, épraticamente desconhecida. O Brasil é oúnico país da América Latina comtradição no estudo dos cupins, e suafauna é a mais bem conhecida da região,com cerca de 280 espécies registradas.

Até o final do século 19, oconhecimento sobre os cupins neotro-picais se limitava a informaçõesfragmentadas coletadas por naturalistaseuropeus. As pesquisas termitológicasneotropicais se aceleraram durante aprimeira metade do século 20 comoresultado do trabalho desenvolvido porentomólogos europeus e norte-americanos. O brasileiro R.L. Araujorealizou importantes estudos sobre atermitofauna brasileira, de 1950 até suamorte prematura, em 1978; sua obramais importante foi o Catálogo dosIsoptera do Novo Mundo (Araujo, 1977).Nas últimas duas décadas do século 20,o número de termitólogos nativos da

região aumentou bastante, principal-mente no Brasil, e o conhecimento sobreesse importante grupo de insetos temavançado mais rapidamente. Um dosmaiores obstáculos para o desenvol-vimento da termitologia neotropical temsido a falta de informações taxonômicas.Poucos grupos foram adequadamenterevisados e existem poucos especialistas,dificultando o trabalho de identificação.Isso tem resultado em muitos trabalhoscom identificações incorretas ouincompletas, o que impede a acumulaçãoordenada de informações e a comparaçãode resultados de trabalhos diferentes.

CUPINS DO CERRADO

Os cupins formam um componentedominante e conspícuo da fauna doCerrado, atingindo densidades impres-sionantes em algumas áreas. Algunsdeles, como Cornitermes cumulans,podem ser considerados espécies-chave(“keystone species”) devido a sua grandeabundância e impacto sobre o ambiente(Redford, 1984). Essa fauna começou aser conhecida no início do século 20,quando o entomólogo italiano FilipoSilvestri estudou os cupins em algumaspartes de Mato Grosso (Silvestri, 1903)e descreveu algumas das espécies maiscomuns dessa região, como Armitermeseuamignathus, Constrictotermescyphergaster, Embiratermes festivellus eVelocitermes heteropterus. Nas décadasde 1950 a 1970, Renato L. Araujo realizoulevantamentos principalmente noscerrados de Minas Gerais e São Paulo(Araujo, 1958a; Araujo, 1958b) eorganizou a importante coleção deIsoptera do Museu de Zoologia da USP,que serviu de base para muitos trabalhostaxonômicos realizados por ele e outrosautores. O trabalho realizado porMathews (1977) na Serra do Roncadorfoi o primeiro a incluir informações

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ecológicas e taxonômicas maisdetalhadas da fauna do Cerrado. A obrade Mathews tem sido usada comoreferência para a termitofauna doCerrado, embora limite-se a umapequena área de Mato Grosso natransição para a Amazônia, e incluamuitas espécies de distribuiçãoamazônica (que têm sido erroneamenteincluídas na fauna do Cerrado). Coles(1980) e Coles de Negret & Redford(1982) acrescentaram novos dados sobrea biologia e ecologia dos cupins doCerrado, infelizmente sem umtratamento taxonômico adequado. Coles(1980) registrou 60 espécies para oDistrito Federal, mas sua lista contémmuitas identificações incorretas.Domingos et al. (1986) encontraram 47espécies de cupins num levantamentoexaustivo de uma área de 5.000m² decerrado em Sete Lagoas, MG.Constantino & Schlemmermeyer (2000)estudaram a fauna de cupins da regiãodo Manso, MT, onde foram registradas76 espécies, 64 das quais em cerradopropriamente. Além disso, existemvários estudos mais específicos sobre abiologia de algumas espécies (Brandão,1991; Domingos, 1985; Domingos &Gontijo, 1996; Godinho et al., 1989) eestudos de faunas locais e“comunidades” (Brandão & Souza, 1998;Gontijo & Domingos, 1991; Lacher et al.,1986).

INVENTÁRIOS DISPONÍVEIS

Os cupins do Cerrado são aindamuito mal inventariados e asinformações existentes concentram-seem algumas poucas localidades. O graude conhecimento da taxonomia doscupins do Cerrado pode ser ilustradocom o exemplo do rápido inventáriorealizado há alguns anos em Serra daMesa, Goiás, onde este autor registrou

46 espécies. Entre essas, seis eram novas,12 não puderam ser identificadas equatro eram registros novos para oCerrado. Dentre as espécies identi-ficadas, várias eram previamenteconhecidas apenas da respectivalocalidade-tipo. A fauna das matas daregião do Cerrado é pouco conhecida,mas sabe-se que contém elementos daMata Atlântica e da Amazônia eaparentemente poucos endêmicos.

O mapa da Figura 1 mostra adistribuição do esforço amostral combase em dados publicados e das coleçõesda Universidade de Brasília e do MuseuParaense Emílio Goeldi (MPEG). As áreasmelhor amostradas são: Serra doRoncador (Mathews, 1977), DistritoFederal (Coles, 1980, Constantino, dadosnão publicados), Cuiabá (Silvestri,1903), Manso, MT (Constantino &Schlemmermeyer, 2000), Sete Lagoas,MG (Domingos et al., 1986). Inventáriosdisponíveis em coleções incluem Serrada Mesa, GO, e Paracatu, MG (coleçãoUnB, Constantino, dados nãopublicados). Existem também dadosesparsos de várias localidades de MinasGerais (Araujo, 1958b) e de São Paulo(Araujo, 1958a). Em relação a SavanasAmazônicas, várias delas com faunasemelhante à do Cerrado, existeminventários de Humaitá, AM, e Amapá(coleção MPEG, Constantino, dados nãopublicados), de Vilhena e Pimenta-Bueno, RO (coleção UnB, Constantino,dados não publicados), e dados esparsosde outras localidades.

A Figura 1 mostra claramente queexistem vastas áreas com faunadesconhecida ou pouco conhecida.Mesmo na área melhor amostrada, oDistrito Federal, a amostragem seconcentra em poucos pontos e novosregistros têm sido feitos com freqüência.A lista original de Coles (1980) continha60 espécies, incluindo também as de

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mata. Nos últimos quatro anos foramacrescentadas cerca de 20 espécies,incluindo as de mata e da área urbana.É também surpreendente que a fauna doscerrados do Estado de São Paulo sejapouco amostrada. Os dados publicadoslimitam-se a registros isolados emalgumas poucas localidades. Os cerradosde Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahiasão praticamente desconhecidos, assimcomo os do Mato Grosso do Sul(incluindo o Pantanal) e Paraná.

COMPOSIÇÃO E CARACTERÍSTICASDA FAUNA DE CUPINS DOCERRADO

As espécies registradas na região doCerrado, em vegetações abertas, isto é,excluindo as matas, estão listadas naTabela 1. São pelo menos 139 espécies,mas como os Anoplotermes spp. estão

agrupados, a lista real deve conter pelomenos 150 espécies. Algumas delas,marcadas com asterisco na lista, sãomais típicas de matas e ocorremocasionalmente em cerrados maisdensos.

Devido a limitações taxonômicas, éimpossível apresentar uma lista acurada.A taxonomia das espécies neotropicaisda subfamília Apicotermitinae é caóticae as listas de espécies publicadas contêmapenas morfoespécies tentativas. OsApicotermitinae são cupins semsoldados, abundantes na fauna de solo.Devido aos inventários limitados e aosproblemas taxonômicos também é difícilter certeza de quais espécies sãorealmente endêmicas do Cerrado e suaassociação com os vários tipos dehabitats. De modo geral, poucas espéciesvivem bem tanto em floresta como emáreas abertas. Ou seja, existe uma faunatípica de savanas e outra típica de matas.

Figura 1Distribuição doesforço deinventário de cupinsno Cerrado ealgumas savanasamazônicas. A áreados círculos éproporcional aoesforço amostral emcada área (númerode amostras).Baseado eminventáriospublicados e noscatálogos dascoleções da UnB edo Museu ParaenseEmílio Goeldi.Pontos com menosde 50 amostrasforam omitidos epontos próximosforam agrupados.

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Tabela 1. Térmitas registrados em vegetação de cerrado e fauna conhecida de algumas regiõesou localidades. Fontes: Serra do Roncador: Mathews (1977); Manso: Constantino &Schlemmermeyer (2000); Brasília: Coles (1980) e dados inéditos do autor; Sete Lagoas:Domingos et al. (1986); São Paulo: Araujo (1958) e dados inéditos do autor; Vilhena eParacatu: dados inéditos do autor.

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Tabela 1 (continuação)

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A Figura 2 apresenta a composiçãotaxonômica das faunas de cinco locaisbem amostrados de cerrado. Ficaevidente a grande dominância dasubfamília Nasutitermitinae, quecorresponde a mais da metade dasespécies. Da lista toda, elescorrespondem a cerca de 60%. Essegrupo é dominante também em termos

de abundância e quase todos ostermiteiros epígeos e arborícolas emcerrado são construídos porNasutitermitinae. Essa dominância étípica da fauna Neotropical, mas é umpouco mais acentuada no Cerrado. Poroutro lado, a família Kalotermitidae épouco representada, com apenasalgumas poucas espécies registradas

* Espécies que ocorrem predominantemente em florestas e apenas ocasionalmente em cerrados.(1) Espécies em negrito são aparentemente endêmicas do Cerrado e algumas Savanas Amazônicas.(2) O gênero Aparatermes foi descrito após a publicação das listas de Roncador e Sete Lagoas; anteriormente essas espécies eram incluídas em

Anoplotermes.(3) O número de espécies corresponde ao total registrado na localidade e pode incluir espécies indeterminadas não listadas nesta tabela. Esse

número é maior do que o total de espécies marcadas com X.(4) O número de amostras indicado é aproximado e serve como medida do esforço amostral.

Tabela 1 (continuação)

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ocasionalmente. Devido aos hábitosextremamente crípticos dos Kaloter-mitinae, que vivem em pequenascolônias em madeira dura, é certo quesua presença é subestimada. Por outrolado, eles não devem ser abundantes defato no Cerrado, já que a quantidade demadeira disponível é muito menor queem florestas. A família Rhinotermitidae,apesar de representada por poucasespécies, contém algumas de ampladistribuição e extremamente abundantes,especialmente os Heterotermes spp.

Os cupins do Cerrado podem serdivididos em quatro grupos funcionais:xilófagos, humívoros, comedores de

folhas da serapilheira (litter) eintermediários (espécies que não seenquadram claramente em nenhum dosoutros grupos). Não existe consensosobre essa classificação e sobre quaisespécies devem ser incluídas em cadagrupo. A Figura 3 mostra a proporçãodessas guildas alimentares nas faunas decinco locais. Fica claro que o grupo maisdiversificado é o dos humívoros. Aproporção de espécies de humívorosprovavelmente está subestimada devidoa limitações taxonômicas, já que osApicotermitinae são quase todos dessegrupo. Uma revisão mais cuidadosacertamente aumentaria a proporção dehumívoros ao revelar a diversidade real

Figura 2

Composiçãotaxonômica dafauna de cupins decinco áreas decerrado. Fontes:ver Tabela 1.

Figura 3

Composição degrupos funcionaisna fauna de cupinsde cinco áreas decerrado. Fontes:ver Tabela 1.

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de Apicotermitinae, como no estudo dafauna de Paracatu. Outra característicaimportante da fauna do Cerrado é aabundância e diversidade de comedoresde folhas. Alguns desses forrageiam emgrande número na superfície durante anoite, comendo ou recolhendo pedaçosde folhas mortas. Todos os Syntermes,Velocitermes, Rhynchotermes eRuptitermes estão incluídos nesse grupo.As principais diferenças da termitofaunade cerrado em relação à de florestas são:a) menor proporção de xilófagos; b)maior proporção de comedores de folhasda serapilheira.

Não existe nenhuma estimativa dabiomassa de cupins no Cerrado. Asdificuldades práticas são muito grandes,já que muitos deles vivem dentro demadeira dura ou em túneis difusos nosolo. O fato de viverem em colônias maisou menos discretas implica numadistribuição altamente agregada noambiente, o que resulta em grandevariância em qualquer tipo deamostragem. Além disso, a distribuiçãodos ninhos de várias espécies também éclaramente agregada, com altasdensidades em algumas áreas e baixadensidade ou ausência em outras. Ouseja, para cada espécie existe umavariação muito grande na abundâncialocal, o que dificulta ainda mais qualquerestimativa de biomassa média noscerrados. Não se sabe se isso se aplicatambém às espécies subterrâneas. Dequalquer modo, é evidente que os cupinsestão entre os animais mais abundantesno Cerrado e, provavelmente, alcançambiomassa maior que todos osvertebrados somados. As estimativas dedensidade de termiteiros em cerradosensu stricto estão entre 564.ha-1 (Coles,1980) e 972.ha-1 (Domingos et al., 1986)e o de colônias entre 1.296.ha-1 (Coles,1980) e 1.804.ha-1 (Domingos et al.,1986). Esses números são certamentesubestimativas considerando-se adificuldade em encontrar as colônias da

maioria das espécies. Com base nessasestimativas e supondo um pequeno pesomédio (hipotético) de 10g por colônia, abiomassa total estaria em torno de15kg.ha-1. A biomassa real deve, portantoser maior que isso. Como referência paracomparação, as estimativas para florestasda Amazônia estão em torno de 20kg.ha-1 (Martius, 1994).

Em termos de hábitos denidificação, apenas cerca de 20% dasespécies da Tabela 1 constroem ninhoepígeo ou arborícola. O restante ocorreno solo, em madeira ou em ninhos deoutras espécies. É extremamente comuma ocupação do mesmo termiteiro porvárias espécies. Geralmente uma espécieconstrói e outras, os chamadosinquilinos, invadem gradativamentepartes diferentes do ninho, modificandosua estrutura. As galerias são mantidasseparadas e não existe interação diretaentre diferentes espécies. Alguns casosde inquilinismo são bem específicos,como os Inquilinitermes, que vivemexclusivamente em ninhos deConstrictotermes. Os Inquilinitermes sãohumívoros e se alimentam do materialfecal de Constrictotermes, acumulado nabase do ninho. Constrictotermescyphergaster é o único cupim arborícolacomum no Cerrado. Seus ninhos são bemtípicos e atingem alta densidade emalgumas áreas. Os ninhos epígeos maisconspícuos são os de Cornitermes, quepodem também atingir altas densidades,principalmente em áreas de vegetaçãomais aberta.

PADRÕES DE DISTRIBUIÇÃOGEOGRÁFICA, ENDEMISMO EDIVERSIDADE

Devido às limitações dos dadosdisponíveis, é possível apenasreconhecer, tentativamente, padrõesmuito gerais. A definição melhor dos

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padrões de distribuição geográfica,endemismo e diversidade depende deamostragem de áreas pouco conhecidase, principalmente, de estudostaxonômicos. A diversidade local emáreas de cerrado está em torno de 40-60espécies. Coles (1980) registrou 37espécies em um quadrado de cerradosensu stricto de 50 x 50m em Brasília,enquanto Domingos et al. (1986)encontraram 47 espécies num quadradosimilar em Sete Lagoas, MG. Acomparação dos dados dos estudosdisponíveis é dificultada pela ausênciade padronização de protocolos deamostragem. Aparentemente os cerradosde São Paulo apresentam diversidademais baixa, o que é esperado devido àlatitude e ao conseqüente clima mais frio,especialmente a ocorrência de geadas,que aparentemente restringe adistribuição de alguns gêneros eespécies.

A determinação de padrões dedistribuição geográfica e endemismosesbarra tanto no problema deamostragem como da falta de estudostaxonômicos. Muitas espécies são aindaconhecidas apenas da localidade-tipo oude algumas poucas localidades. Ospadrões são mais claros para espéciesque constroem ninhos conspícuos e comtaxonomia revisada, como osCornitermes, e totalmente obscuros emespécies altamente crípticas e comtaxonomia menos estudada, como osApicotermitinae e os Kalotermitidae. Dasespécies listadas na Tabela 1, cerca de50% são endêmicas do Cerrado, umaproporção bastante alta. A proporção deendemismo em aves no Cerrado, porexemplo, é muito mais baixa, em tornode 3%. A Figura 4 mostra dois padrõescomuns de distribuição geográfica,estabelecidos com base em gruposmelhor conhecidos. Algumas espécies,

Figura 4

Dois padrõescomuns dedistribuiçãogeográfica deespécies de cupinsno Cerrado. PadrãoA: Serritermesserrifer, Cornitermessilvestrii,Cyranotermestimuassu. Padrão B:Labiotermesbrevilabius,Procornitermesaraujoi, Syntermeswheeleri, S.praecellens,Cornitermes villosus,Dihoplotermesinusitatus. Adistribuição éaproximada,podendo ser maiorou menor paraalgumas dessasespécies.

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Diversidade e endemismo de térmitas

como Serritermes serrifer, ocorrem emboa parte do Cerrado e em algumassavanas amazônicas (Figura 4, área A),mas têm um limite sul que correspondeaproximadamente à divisa entre MinasGerais e São Paulo. Várias outras, comoLabiotermes brevilabius e Procornitermesaraujoi, ocorrem numa área menor(Figura 4, área B), de São Paulo a Goiás.É provável também que existam doisoutros padrões comuns. O primeirocorresponderia à porção noroeste,incluindo parte de Goiás até Rondônia,onde ocorrem Spinitermes allognathus eSpinitermes robustus. O segundo seria aparte nordeste, em Tocantins, Maranhão,Piauí e Bahia. A fauna dessa última áreaé praticamente desconhecida, mas umaespécie nova, Noirotitermes noiroti, foidescoberta recentemente num cerrado doPiauí (Cancello & Myles, 2000).

As relações da termitofauna doCerrado com a de outros biomas daAmérica do Sul são ainda bastanteobscuras. O maior problema é a falta deinformações sobre os outros biomas devegetação aberta, como a Caatinga, oChaco e os Llanos da Venezuela.Acredita-se que durante o Pleistocenotodas essas áreas estiveram interligadas.Algumas espécies de cupins estãodistribuídas por várias dessas áreas,como Syntermes grandis. É provável aocorrência de formas vicariantes entreessas áreas, mas ainda não existenenhum caso conhecido, possivelmentedevido à falta de estudos taxonômicos.A fauna da Caatinga foi amostrada porCancello (1996), que encontrou umagrande proporção de espécies nãodescritas. Os resultados detalhados doestudo desse material ainda não forampublicados e não é possível compararessa fauna com a do Cerrado. Um estudosuperficial de Martius et al. (1999) indicaque a fauna da Caatinga é distinta da doCerrado, com baixa densidade de ninhos

e composição taxonômica diferente. Afauna dos Llanos foi estudada muitosuperficialmente e sabe-se apenas quealguns gêneros comuns no Cerrado,como Armitermes, Velocitermes eNasutitermes, também são abundanteslá, mas as espécies não foramidentificadas (San Jose et al., 1989). Nãoexiste nenhum inventário da fauna doChaco, apenas registros isolados deespécies. No entanto, os registrosexistentes correspondem a váriasespécies comuns no Cerrado, o quesugere que existe alguma semelhançaentre essas faunas.

As faunas dos vários tipos de matada região do Cerrado são muito malconhecidas. Os poucos dados do DistritoFederal e do Manso indicam que a faunadas matas de galeria é composta deelementos da Amazônia e da MataAtlântica. Até o momento, a únicaespécie aparentemente endêmica dematas dessa região é Angularitermestiguassu, conhecida apenas de uma matade Goiânia. Como existem poucosinventários, é possível que exista umafauna endêmica e desconhecida emalgumas matas na região do Cerrado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido à sua capacidadeincomum de digerir celulose, os térmitassão um grupo funcional dominante noCerrado, com grande impacto no fluxode energia, ciclagem de nutrientes eformação do solo. Uma faunaextremamente diversa depende doscupins para alimento ou abrigo. Poroutro lado, a conversão de cerrados emagrossistemas freqüentemente leva adesequilíbrios que transformam algumasespécies de térmitas em pragas agrícolas.Vários estudos mostraram que os cupinssão fortemente afetados pelas alterações

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antrópicas (DeSouza & Brown, 1994;Eggleton et al., 1996). O estudo de faunaslocais e sua dinâmica é importante parao desenvolvimento de estratégias demanejo que garantam os serviçospositivos executados pelos cupins,especialmente no solo, e ao mesmotempo evitem problemas com osurgimento de pragas.

A determinação mais detalhada depadrões de distribuição geográfica eendemismo é essencial para os esforçosde conservação da biota do Cerrado, edeve ser baseada numa amostragembalanceada de diversos gruposfuncionais e taxonômicos. Os cupinsestão entre os insetos mais bemestudados do Cerrado. Não porque atermitofauna do Cerrado seja bemconhecida, mas devido à ausência deinformações sobre a maior parte daentomofauna. Os padrões observados namegafauna, especialmente aves emamíferos, que apresentam baixoendemismo, claramente não se aplicama outros elementos da biota do Cerrado.

Os cupins constituem um grupoadequado para estudos voltados àconservação devido aos seguintesfatores: 1) riqueza de espécies tratável,entre 150 a 200 espécies no biomaCerrado; 2) taxonomia em situaçãomuito melhor que a da maioria dosoutros grupos de insetos; 3) altaproporção de endêmicos; 4) boafidelidade de habitat; 5) grandeabundância e papel importante noecossistema; 6) facilidade deamostragem através de protocolospadronizados, independente desazonalidade, já que as colônias têmlonga duração (a maioria dos outrosinsetos apresenta forte sazonalidade); 7)são fortemente afetados pelas alteraçõesantrópicas. Por outro lado, isso nãosignifica que os padrões apresentadospelos cupins possam ser extrapoladospara todos os “invertebrados”. Mas elesrepresentam um grupo funcionalimportante devido à socialidade, comcolônias de longa duração presentes noambiente em altas densidades, e ao seupapel na cadeia detritívora.

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