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Sonhos possíveis: refaunação e restauração de interações ecológicas no
Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro
Fernando Fernandez UFRJ
Sonhos possíveis: refaunação e restauração
de interações ecológicas no Parque
Nacional da Tijuca, RJ
Fernando Fernandez
Mesa redonda Reintrodução de mamíferos no Brasil: estado
atual e perspectivas – 9 Congresso Brasileiro de Mastozoologia
Se hoje você não estranha a crueza
Dos lagos sem peixe, da rua vazia
Te peço desculpas, me abraça meu filho
Não sei se eu tentei tanto quanto eu podia
(Oswaldo Montenegro, 1980)
A floresta vazia (Redford, 1992)
Uma perda sutil, não perceptível nas imagens de satélite
A perda das interações ecológicas: os frutos apodrecendo no chão
Uma mata atlântica sem ver bichos é profundamente artificial
A
Reintrodução de populações:
preenchendo com vida a floresta vazia
Uma ferramenta cada vez mais usada em conservação
Reintrodução: restabelecimento de populações em partes da
distribuição geográfica natural da espécie, onde tenham sido
perdidas por extinção local
A proposta de refaunação
O que é refaunação?
• Oliveira-Santos & Fernandez (2011): “by refaunation we mean
restoration of entire faunas, not through reintroduction of single
species, but through reintroduction of sets of native species to
ecosystems from which they have been extirpated.”
Restauração de interações por refaunação
Modificado de Bello et al. 2015
Área defaunada Revertendo a defaunação
Reintrodução não é nada fácil – portanto,
nem refaunação
• Refaunação precisa ser feita através de sucessivas reintroduções
• A história ensina que a maioria das reintroduções não dá certo
• O problema da ausência da causa original de extinção
• O problema dos patógenos
• O problema da readaptação dos indivíduos à vida natural
• Refaunação tem o problema adicional das regras de montagem –
em que ordem devem entrar as espécies?
– As primeiras devem ser espécies importantes para restaurar processos
ecológicos, pouco especializadas, e de baixo nível trófico.
– Só após reconstruir os níveis mais baixos podemos pensar em predadores.
Parque Nacional da Tijuca: uma floresta
belíssima, mas empobrecida
• Gargalos históricos e perda de diversidade e de interações
• As solturas / reintroduções de Coimbra-Filho e Aldrighi: um
meio sucesso?
Um primeiro passo para o
sonho da refaunação
• Começando em 2009, por convite de
Ivandy Castro Astor, o LECP-UFRJ tem
reintroduzido cutias na Floresta da
Tijuca – um de vários projetos de
reintrodução existentes hoje no Brasil
• Cutias são excelentes dispersoras de
sementes grandes e portanto importantes
para restaurar processos ecológicos
• Os animais vem do Campo de Santana
• É feita soltura gradual (soft release), que
envolve um longo processo...
Triagem e quarentena dos rodentias
• Parceria com a Fundação RioZoo:
– Exames físicos (sexo, peso)
– Coleta de sangue e fezes para verificar saúde dos animais
– Colocação de brinco de identificação
– Colocação de colares de radiotelemetria
– Transporte para o cercado de aclimatação
Aclimatação com o habitat na Floresta da Tijuca
10m
2m
10m
8m 2m
Soltura e monitoramento pós-soltura
• Os animais escolhem quando
deixam o cercado
• Suplemento alimentar é disponível
enquanto desejado pelos animais
• Monitoramento por radiotelemetria
• 31 indivíduos foram soltos
O sucesso a curto e médio prazo
• Alguns critérios comuns para que uma reintrodução seja
considerada bem sucedida em curto prazo são:
• Sobrevivência independente de suplementação
• Estabelecimento de áreas de vida
• Reprodução na natureza
• As cutias reintroduzidas atenderam aos três critérios, portanto a
reintrodução foi bem sucedida em curto prazo (Cid et al., 2014).
• As cutias melhoraram a dispersão de sementes e o recrutamento de
plântulas de árvores, portanto restaurando processos ecológicos
(Zucaratto, 2013)
Foto: Marcos Terranova
• Hoje há uma população reprodutiva de
uns 35 indivíduos (Kenup et al., 2017)
Família Espécie Nome comum
Annonaceae Xylopia brasiliensis Pindaíba
Arecaceae Astrocaryum aculeatissimum Iri, Brejaúva
Attalea dubia Indaiá
Euterpe edulis Palmito-juçara
Raphia taedigera Ráfia
Syagrus romanzoffiana Jerivá
Clusiaceae Clusia lanceolata Clusia-criúva
Erythroxylaceae Erythroxylum pulchrum Arco-de-pipa
Euphorbiaceae Joannesia princeps Cutieira
Fabaceae Caesalpinia ferrea Pau-ferro
Cassia ferruginea Cássia
Cassia grandis Cássia-rosa
Centrolobium sp. Araribá
Copaifera langsdorffii Copaíba
Enterolobium contortisiliquum Orelha-de-negro
Piptadenia gonoacantha. Angico
Swartzia simplex Canzil Lythraceae Lafoensia glyptocarpa Mirindiba-rosa
Meliaceae Cedrela odorata Cedro-rosa
Guarea guidonea Carrapeta
Moraceae Arthocarpus heterophylus Jaca
Ficus sp Figueira
Myrtaceae Myrciaria sp. Jabuticaba
Myrcia espectabilis Guamirim
Plinia edulis Cambucá
Sapindaceae Cupania oblongifolia Camboatá
Sterculiaceae Sterculia chicha Chichá
Urticaceae Cecropia sp. Embaúba
Não-identificadas Sp 1 a Sp12 -
Interações com os frutos de 40 espécies de plantas (Figueira, 2011)
Pro
porç
ão d
e se
men
tes
Restauração de processos ecológicos: sementes da palmeira
Astrocaryum aculeatissimum enterradas apenas em áreas com cutias
(Zucaratto, 2013)
Germinação com sucesso apenas das sementes enterradas
Os rodentias agradecem, mas isso está muito
longe da meta de refaunação. Refaunação
precisa de uma escala muito maior. Só não
precisa trazer os gatos.
Sim, nós sabemos. Mas este é
exatamente o ponto onde estamos
agora. Uma segunda espécie, o bugio,
Alouatta guariba, foi reintroduzida em
setembro de 2015.
VIDEO
A SITUAÇÃO ATUAL DOS BUGIOS
• O primeiro grupo (2015) era: • Chico (macho) – pai de Juca, mas eventualmente desapareceu
• Kala (fêmea) – sobreviveu, engravidou, teve um bebê (Juca)
• Hanuman (macho) – se tornou dependente de pessoas, foi removido
• Maia (fêmea) – adotada em uma casa como pet, foi removida
• César (macho) – atacado por Chico, foi removido
• Juca (sexo?) – nascido na natureza, desapareceu, provav. morto.
• O segundo grupo (2017) é: • Juvenal (macho) – pareado com Kala, pai de Tupi, sobrevive.
• Kala (fêmea) – ainda lá, teve outro bebê (Tupi), sobrevive.
• Maia (female) – solta de novo, morreu.
• César (macho) – se tornou dependente de pessoas, foi removido
• Tupi (sexo?) – nascido na natureza, sobrevive.
• Situação atual: um casal (Kala, Juvenal), um bebê (Tupi)
Gargalos e problemas
• Dificuldade de manejo em cativeiro das cutias
• Precisamos entender melhor a mortalidade –
autópsias
• Cachorros
• Qual a procedência dos bugios de cativeiro
(para compatibilidade genética)?
• Qual deve ser a fonte dos bugios (cativeiro
versus translocações)?
• Recintos para quarentena e aclimatação bugios
Alguns outros candidatos para a refaunação
Concluindo
Não se iluda; eu não me iludo. Reintroduções são um
trabalho muito difícil, e a refaunação será também. Mas
é um trabalho que tem recompensas maravilhosas...
Foto: Marcos Terranova
A refaunação é um sonho difícil mas possível
Como tal, pode ajudar a trazer de volta a esperança de
que tanto precisamos, fornecendo uma agenda positiva
para a conservação no século XXI.
Pode nos ajudar a sentir que, neste momento tão crucial
para o futuro do planeta, nós estamos, sim, fazendo
tanto quanto podemos.