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Sorte por uma Cautela Em tempos de crise económica, a tendência é fechar os cordões à bolsa. Na lotaria a tendência poderia ser a mesma, mas o cauteleiro Flávio constata o contrário. “Quando há crise o pouco que as pes- soas têm investem no jogo para ver se ganham alguma coisa. É a única solução”. Enquanto conseguir, vou continuando.”

Sorte por uma cautela

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Fotoreportagem sobre lotaria de Natal. Fotografia, texto e imagens de Mariana Catarino

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Sorte por uma Cautela

Em tempos de crise económica, a tendência é fechar os cordões à bolsa. Na lotaria a tendência poderia ser a mesma, mas o cauteleiro Flávio constata o contrário. “Quando há crise o pouco que as pes-soas têm investem no jogo para ver se ganham alguma coisa. É a única solução”.

“Enquanto conseguir, vou continuando.”

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Ultimamente, tem-se caracterizado o ofício de venda de cautelas como uma

Há mais de três déca-das que o conhecido som do Cauteleiro se ouve junto ao Teatro Sá da Bandeira, mesmo ao lado da conhecida Casa da Sorte. A venda tradicional por um cauteleiro e a venda em loja fundem-se neste lo-cal, cabendo ao freguês escol-her.

possível profissão em vias de extinção, como tantas outras na cidade do Porto. Flávio Bonifácio, cauteleiro há 35 anos afirma que vai “continu-ando enquanto conseguir”. Aliando as funcion-

alidades de um equipamen-to já existente às necessi-dades do mercado, os Jogos da Santa Casa introduziram a venda electrónica de lo-taria desde Outubro. As caute-

Mariana CatarinoTexto e Imagem de

Uma reportagem sobre a venda de lotaria na cidade do Porto, com imagem de Mariana Catarino.

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las continuam na rua enos postos de venda, mas os números não disponíveis nestes locais podem ser en-contrados nas máquinas. Com rapidez e apenas alguns cliques na máquina, tudo é possível. José Pedro Pinto, da Santa Casa da Mis-ericórdia explica que este novo serviço consiste na in-trodução de uma possibi-lidade nas máquinas que são normalmente utilizadas para a venda do EuroMilhões, to-toloto e outros jogos. O objec-tivo desta novidade é a criação de uma possibilidade para as pessoas escolherem “o núme-ro que bem entendem”, explica José Pedro Pinto. Há 35 anos nas ruas a apregoar os números da sorte, o cauteleiro Flávio Bonifácio, afirma que este novo serviço vai provocar uma baixa nas suas vendas porque “as pes-soas já não vêm à procura dos números finais porque agora eles já estão nas máquinas”.

“Os meus clientes habituais

continuam a comprar -me

lotaria”.

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Os novos cauteleiros electrónicos não têm alici-ado os habituais clientes do Sr. Flávio. Como o próprio explica “os meus clientes ha-bituais continuam a comprar porque estes números não há na máquina e, por exemplo os números que recebo já há 20 e tal anos são sempre os mes-mos”. O lojista Rui Santos de-nota um desinteresse por parte dos portugueses para a com-

“Sempre fui cauteleiro, não sei fazer mais nada!”

pra de lotaria, mas afirma que “quem tem o hábito continua a comprar aos cauteleiros, mas haverem novas pessoas a comprar é que acho difícil”. Ilídio Santos é fun-cionário de um posto de ven-da dos jogos da Santa Casa. Para o seu estabelecimento, a venda de lotaria em form-ato electrónico não se revela muito favorável, porque o lu-cro é menor ao da venda por

Os cauteleiros vendem apenas

a lotaria, mas nos revededores dos Jogos da Santa Casa tenta-se a

sorte no totoloto, totobola, euromil-hões, loto2, lotar-ia popular, joker, lotaria clássica e

raspadinha.

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“as pessoas vão deixar de vir à rua para comprar lotaria”

Em 1783 é criada a Lotaria Nacion-al, em Portugal, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

cautela. Explica que “nós não fazemos muita força para asPara alguns, este novo serviço poderá significar o fim dos cauteleiros, para outros não os substitui.pessoas comprarem lotaria nas máquinas. Só em úl-timo caso é que se vende,

se um cliente quiser uma determinada terminação”. Ainda são vários os apostadores que descon-hecem este novo serviço. O cauteleiro afirma que “a Santa Casa fez muita publicidade”, mas o desconhecimento é comum a Abel Correia e

Rosa Soares. Flávio sempre viveu desta profissão e construiu a sua vida à custa da sorte.”Sempre fui cauteleiro, não sei faz-er mais nada!”, explica. Ilídio Santos, fun-cionário de um posto de ven-da, julga que este novo serviço

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Tal como outras profissões que Portugal tem vindo a esquecer, como os engraxadores de sapatos e alfaiates. Nos anos 40, esta profis-são era reconhecida pela maioria dos portu-gueses. José Ribeiro Pinto escreveu no seu livro “História das Lotarias em Portugal” os grandes prémios da lotaria no nosso país.

poderá ser um marco para o fim dos cauteleiros. O lojista apelida os cauteleiros de di-vulgadores da lotaria e teme que a sua inexistência deixe de “lembrar as pessoas da lotaria”. Eduardo Xavier com-pra lotaria todas as semanas e afirma que, com o tempo, “as pessoas vão deixar de vir à rua para comprar lotaria”. Para Abel Correia, apostador da lotaria, este é um ofício que é “importante preservar”. Os pregões podem não ecoar pela eternidade, mas en-quanto a tecnologia não sub-

stituir o homem em mais um dos sectores da sociedade, os cauteleiros vão continuando nas ruas da cidade do Porto.