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    STEPHEN GRAYE A DESCOBERTA DOS CONDUTORESE ISOLANTES

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    TRADUO COMENTADA DE SEUS ARTIGOS SOBRE ELETRICIDADE E REPRODUO DE SEUSPRINCIPAIS EXPERIMENTOSSERGIO LUIZ BRAGATTO BOSSANDR KOCH TORRES ASSISJOO JOS CALUZI

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS

    CONDUTORES E ISOLANTES

  • Conselho Editorial Acadmico

    Responsvel pela publicao desta obra

    Prof. Dr. Washington Luiz Pacheco de Carvalho

    Prof. Dr. Joo Jos Caluzi

    Prof. Dr. Ana Maria de Andrade Caldeira

    Prof. Dr. Antonio Vicente Marafioti Garnica

    Prof. Dr. Luciana Maria Lunardi Campos

    Prof. Dr. Roberto Nardi

    Prof. Dr. Nelson Antonio Pirola

    Prof. Dr. Osmar Cavassan

    Doutoranda Maria de Ftima Neves Sandrin

    Doutaranda Renata Cristina Cabrera

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS

    CONDUTORES E ISOLANTES:TRADUO COMENTADA DE SEUS

    ARTIGOS SOBRE ELETRICIDADE E REPRODUO DE SEUS

    PRINCIPAIS EXPERIMENTOS

    SERGIO LUIZ BRAGATTO BOSSANDR KOCH TORRES ASSIS

    JOO JOS CALUZI

  • 2012 Editora Unesp

    Cultura AcadmicaPraa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]

    CIP Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria de Ps-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho(Unesp)

    B757s

    Boss, Srgio Luiz Bragatto

    Stephen Gray e a descoberta dos condutores e isolantes : traduo comentada de seus artigos sobre eletricidade e reproduo de seus principais experimentos / Srgio Luiz Bragatto Boss, Andr Koch Torres de Assis, Joo Jos Caluzi. So Paulo: Cultura Acadmica, 2012.

    464 p.

    Inclui bibliografia e ndiceISBN 978-85-7983-374-8

    1. Gray, Stephen. 2. Fsicos - Inglaterra - Biografia. 3. Condutores

    eltricos. 4. Induo eletromagntica. 5. Eletricidade. I. Assis, Andr Koch Torres de. II. Caluzi, Joo Jos. III. Ttulo.

    12-9173. CDD: 925.3 CDU: 929:53 041593

  • AGRADECIMENTOS

    Os autores agradecem a todos que, direta ou indiretamente, con-triburam para a realizao deste trabalho. Em particular, agradecem o apoio recebido da Faculdade de Cincias da Unesp -Bauru, do Cen-tro de Formao de Professores da UFRB e do Instituto de Fsica da Unicamp.

  • SUMRIO

    Apresentao 11

    Introduo 13

    Parte I Vida e obra de Stephen Gray 15

    1 Biografia de Gray 17

    2 Linha do tempo 41

    Parte II Contexto da poca e informaes gerais 47

    3 Histria sucinta da eletricidade na poca de Gray 49

    4 Informaes introdutrias sobre eletricidade e sobre os experimentos de Gray 63

    Parte III Tradues dos artigos de Gray sobre eletricidade 101

    5 Artigo 1 Carta de Stephen Gray para Hans Sloane, de 3 de janeiro de 17078 103

  • 8 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    6 Artigo 2 Uma descrio de alguns experimentos eltricos novos 119

    7 Artigo 3 Uma carta para Cromwell Mortimer, M. D. Secr. R. S. contendo vrios experimentos a respeito da eletricidade 127

    8 Artigo 4 Uma carta a respeito da eletricidade da gua, do Sr. Stephen Gray para Cromwell Mortimer, M. D. secr. R. S. 171

    9 Artigo 5 Uma carta do Sr. Stephen Gray para o Dr. Cromwell Mortimer, Secr. R. S. contendo descries adicionais de seus experimentos a respeito da eletricidade 179

    10 Artigo 6 Duas cartas do Sr. Stephen Gray F. R. S. para C. Mortimer, M. D. Secr. R. S. contendo descries adicionais de seus experimentos a respeito da eletricidade 189

    11 Artigo 7 Experimentos e observaes sobre a luz que produzida pela comunicao da atrao eltrica para corpos animados ou inanimados, com alguns dos seus mais surpreendentes efeitos; comunicado em uma carta do Sr. Stephen Gray, F. R. S. para Cromwell Mortimer, M. D. Secr. R. S. 221

    12 Artigo 8 Uma carta de Stephen Gray, F. R. S. para Dr. Mortimer, Secr. R. S. contendo alguns experimentos relacionados eletricidade 239

    13 Artigo 9 Sr. Stephen Gray, F. R. S. sua ltima carta para Granville Wheler, Esq.; F. R. S. a respeito das revolues que pequenos corpos

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 9

    pendulares, pela eletricidade, fazem em torno de grandes corpos de oeste para leste como fazem os planetas ao redor do Sol 249

    14 Artigo 10 Um relato de alguns experimentos eltricos planejados para serem comunicados a Royal Society pelo Sr. Stephen Gray, F. R. S. tomado de sua boca por Cromwell Mortimer, M. D. Secr. R. S. em 14 de fevereiro de 1735/6, sendo o dia anterior ao da sua morte 251

    Parte IV Reproduo dos principais experimentos de Gray com materiais de baixo custo 259

    15 Experimentos do Artigo 1 261

    16 Experimentos do Artigo 2 297

    17 Experimentos do Artigo 3 309

    18 Experimentos do Artigo 4 361

    19 Experimentos do Artigo 5 373

    20 Experimentos do Artigo 6 393

    21 Experimentos do Artigo 7 411

    22 Experimentos do Artigo 8 427

    23 Experimentos do Artigo 10 433

    Parte V Concluso 439

    Consideraes finais 441

    Referncias 449

  • APRESENTAO

    Este livro apresenta a vida e a obra de Stephen Gray (1666 -1736). Nele, mostrado o conhecimento sobre eletricidade at a poca de Gray, algumas de suas contribuies mais relevantes, alm da influncia de sua obra sobre os pesquisadores que vieram depois dele. A principal descoberta de Gray foi perceber que existem na natureza dois tipos de substncias com propriedades eltricas bem diferentes. Hoje essas substncias so denominadas condutores e isolantes. Ele descobriu ainda algumas das principais propriedades dessas substncias. Conseguiu atribuir aos metais e a outros condu-tores, pela primeira vez na histria, a propriedade de atrair corpos leves colocados em suas proximidades esse fenmeno chamado atualmente de induo ou polarizao eltrica. Tambm conseguiu eletrizar condutores isolados por meio de fascas ou descargas el-tricas entre esses condutores e um tubo de vidro eletrizado colo-cado em suas proximidades. Criou ainda os primeiros eletretos da Histria, ou seja, substncias que apresentam uma eletrizao de longa durao, mostrando ainda como preservar temporalmente a eletrizao dos corpos.

    Nesta obra apresentada a traduo comentada de seus dez ar-tigos sobre eletricidade. Seus experimentos so contextualizados, ilustrados com figuras didticas e explicados com base nos conheci-

  • 12 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    mentos de Fsica atuais. So apresentados tambm alguns dos prin-cipais instrumentos eltricos, tais como o versrio, o eletroscpio, a linha pendular e o pndulo eltrico. Alm disso, so discutidas as diferenas entre os vidros da poca de Gray e os vidros atuais. Seus principais experimentos so reproduzidos com materiais de baixo custo. No final da obra discute -se, ainda, de forma sucinta, a rela-o de alguns aspectos deste livro com a educao cientfica. O livro termina com uma ampla bibliografia.

  • INTRODUO

    Este livro1 apresenta a vida e a obra de Stephen Gray (1666-1736), que foi um dos principais pesquisadores sobre eletricidade do incio do sculo XVIII. Apresenta tambm, de forma sucinta, o conhecimento sobre eletricidade at sua poca, enfatizando as prin-cipais descobertas de Gray, assim como o impacto de sua obra no trabalho dos cientistas que o sucederam.

    Entre as mais importantes descobertas de Gray est a distino de condutores e isolantes, assim como suas principais propriedades. Gray tambm conseguiu comunicar a eletricidade a distncia ao aproximar um tubo de vidro eletrizado por atrito da extremidade de um condutor isolado eletricamente, observando que a outra ex-tremidade do condutor passava a atrair corpos leves colocados em suas proximidades. Dessa forma, ele conseguiu fazer com que me-tais, pedaos de madeira, gua e outros condutores exibissem pro-priedades eltricas, algo que historicamente no havia sido obtido por outros pesquisadores. Conseguiu tambm eletrizar condutores isolados ao realizar descargas eltricas entre estes e tubos de vidro

    1 Originou -se da tese de doutorado intitulada Traduo comentada de artigos de Stephen Gray (1666 -1736) e reproduo de experimentos histricos com materiais acessveis: subsdios para o ensino de eletricidade, defendida pelo Programa de Ps -Graduao em Educao para a Cincia da Faculdade de Cincias Unesp, campus Bauru -SP.

  • 14 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    atritados colocados em suas proximidades. Criou os primeiros ele-tretos da histria, isto , corpos que apresentam uma eletrizao de longa durao. Mostrou ainda como preservar, ao longo do tempo, a eletrizao adquirida pelos corpos. A descoberta dos condutores e isolantes permitiu o controle da eletricidade, ocasionando um rpi-do desenvolvimento do conhecimento eltrico e de suas aplicaes tecnolgicas.

    Nesta obra, feita uma traduo comentada dos dez artigos de Gray que tratam de eletricidade. Alm disso, seus principais ex-perimentos so reproduzidos com materiais de baixo custo, e so apresentadas figuras para ilustrar suas experincias. Os principais fenmenos descritos por ele so interpretados do ponto de vista da Fsica atual, ou seja, em termos de cargas positivas e negativas, polarizao ou induo eltrica, comportamento dos condutores e isolantes etc. Ao final, discute -se ainda, de forma sucinta, a rela-o de alguns aspectos deste livro com a educao cientfica.

    O objetivo deste livro tornar mais conhecidas a vida e a obra de Gray, ajudando a resgatar a memria desse grande pesquisador, que tinha um olhar afiado, era bastante preciso em suas explicaes, criativo em suas ideias e muito claro em seus textos. Espera -se tam-bm motivar outras pessoas a se aprofundarem nessas pesquisas, desenvolvendo a obra de Gray, utilizando -a no ensino e ajudando a divulg -la.

  • PARTE IVIDA E OBRA DE STEPHEN GRAY

  • 1BIOGRAFIA DE GRAY

    1.1 Introduo

    Stephen Gray1 (1666 -1736) foi um importante, porm pouco mencionado, pesquisador do incio do sculo XVIII. Ele deu im-portantes contribuies para a rea da Astronomia e da Eletricida-de. Entre seus feitos esto observaes precisas sobre as manchas solares, a verificao da transmisso da eletricidade e da eletriza-o por induo, bem como a proposio da existncia de materiais condutores e no condutores de eletricidade.

    Chamou -nos a ateno a pequena ou nenhuma relevncia que alguns textos do a Stephen Gray e ao seu trabalho. Assim, pro-curamos entender e divulgar um pouco mais sobre a vida desse astrnomo e importante pesquisador da eletricidade. Neste livro, apresentaremos uma breve biografia sobre Gray, bem como algu-mas dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores2 na construo

    1 O texto deste captulo foi publicado inicialmente como artigo na Revista Bra-sileira de Ensino de Fsica com o ttulo Uma breve biografia de Stephen Gray (1666 -1736) (Boss; Caluzi, 2010). Foram feitas modificaes no texto. Pu-blicao autorizada.

    2 Refere-se aos autores (referncias) nos quais nos fundamentamos para fazer este captulo.

  • 18 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    da biografia desse cientista. Apresentaremos tambm aos leitores algumas informaes sobre como localizar fontes de pesquisa so-bre histria da cincia disponveis na internet. Este ltimo objetivo justifica -se pelo fato de termos verificado, ao longo dos anos, certa dificuldade dos alunos de graduao e de ps -graduao para loca-lizar fontes quando iniciam pesquisas sobre histria da cincia.

    Um estudo mais detalhado sobre as publicaes de Stephen Gray mostra que seus trabalhos podem ser divididos em trs pe-rodos: de 1696 a 1706; de 1706 a 1731; e de 1731 at sua morte, em 1736.3

    3 Para pesquisar trabalhos produzidos naquela poca ou mesmo antes, pode-mos utilizar as seguintes fontes:

    O catlogo elaborado por Jeremias David Reuss (1750 -1837), formalmente denominado Repertorium Commentationum a Societatibus Litterariis Edita-rum. A obra tem dezesseis volumes disponveis no endereo .

    Outro catlogo que possui finalidade semelhante o elaborado por Johann Christian Poggendorff (1796 -1877), formalmente denominado Biographisch--Literarisches Handwrterbuch der exakten Naturwissenschaften. O primeiro e segundo volumes esto disponveis para download gratuito no site .

    Outro catlogo importante o produzido pela Royal Society de Londres: Ca-talogue of Scientific Papers em dezenove volumes. Ele est disponvel on -line no endereo .

    Outro endereo bastante til : . Nesse site possvel obter informaes sobre Academias de Cincias em todo o mundo, com links, abreviaes de ttulos de jornais e revistas antigas presentes nos catlogos citados anteriormente.

    Para procurar informaes sobre a produo cientfica recente, possvel uti-lizar as bases de indexao de informao, como Web of Science, disponibi-lizada pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES). Infelizmente, nem todas as bases esto disponibilizadas para o acesso pblico. Algumas so de acesso restrito a algumas universidades p-blicas e particulares. Outras bases so de acesso gratuito ao pblico em geral, como e .

    Tivemos acesso aos artigos publicados por Gray no site da Biblioteca Nacio-nal da Frana (), que de acesso livre. Alm da revista Philosophical Transactions, est disponvel um grande nmero de peridicos nas mais variadas reas. Os artigos de Stephen Gray tambm podem ser obti-dos no banco de dados JSTOR (), que de acesso restrito a assinantes.

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 19

    As publicaes do primeiro perodo abordam temas relacio-nados Astronomia, Instrumentao Cientfica e ptica, num total de dez trabalhos. No segundo perodo, encontram -se apenas quatro trabalhos, sendo trs sobre Astronomia e um sobre eletri-cidade.4 No ltimo perodo foram publicados oito trabalhos sobre eletricidade e um sobre Astronomia, totalizando nove trabalhos.5 Portanto, encontramos 23 artigos de Stephen Gray publicados no peridico Philosophical Transactions of the Royal Society. Esse le-vantamento apresentou uma caracterstica intrigante, pois as pu-blicaes dos artigos concentram -se principalmente no primeiro e no ltimo perodos, ou seja, entre 1696 e 1706 e entre 1731 e 1736. Neste trabalho, discorreremos sobre esses perodos e seus caminhos e, ao final do captulo, apresentaremos uma lista com as 23 publicaes de Gray.

    1.2 Algumas dificuldades para a elaborao de uma biografia

    Uma das dificuldades encontradas pelos bigrafos de Gray diz respeito ao acesso s fontes primrias de seus trabalhos. A avaliao detalhada desses textos permite ao pesquisador levantar fatos que, ao serem organizados cronologicamente e analisados, fornecem al-guns parmetros da vida do biografado. Dessa forma, elaborar uma biografia exige que o pesquisador tenha em mos uma grande quan-tidade de material de pesquisa de fonte primria, pois o trabalho ser

    Para levantamento de literatura secundria, uma fonte interessante o Current Bibliography, publicado anualmente, desde 1913, pela revista Isis. Para mais informaes, acesse o site . Outra referncia interessante o Catlogo da Comunidade Cientfica dos sculos XVI e XVII. Esse catlogo foi elaborado por Richard Westfall e pode ser acessado no endereo .

    4 Os trs trabalhos que versam sobre astronomia no foram enviados a Philosophical Transactions por Gray, mas so publicaes que contm dados coletados por ele. Ver as notas de rodap 34 e 35 deste captulo.

    5 Ver a Seo 1.6 Publicaes de Gray.

  • 20 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    to completo quanto maior for a quantidade de material relevan-te dis ponvel. No caso de Gray, suas cartas manuscritas encontram--se aos cuidados de instituies como o Observatrio Real de Greenwich, o Museu Britnico e a Real Sociedade de Londres. Os pes-quisadores tambm encontraram informaes nos arquivos paro-quiais de igrejas, como a Catedral de Canterbury (provvel cidade natal de Gray), em arquivos pessoais e em arquivos familiares dos Stukeley (Chipman, 1954, 1958; Clark; Murdin, 1979; Cohen, 1954).

    Nesse caminho percorrido existem vrios pontos de dificuldade, que vo desde a constatao da existncia de determinado documen-to at sua obteno. A anlise de documentos no relacionados di-retamente ao biografado tambm pode ser extremamente relevante, visto que pode auxiliar na delineao dos fatos e esclarecer pontos obscuros da pesquisa como o caso dos arquivos dos Stukeley.

    Tivemos acesso a duas listas cronolgicas das cartas manuscri-tas de Gray (Chipman, 1958, p.430; Clark; Murdin, 1979, p.352). Para obteno dos textos mencionados nas listas e que foram pu-blicados, os pesquisadores recorreram ao peridico Philosophical Transactions of the Royal Society. Para conseguir as cartas manus-critas no publicadas, eles recorreram s colees da Real Socie-dade (RS), do Museu Britnico (BM) e do Observatrio Real de Greenwich (RGO). Quase tudo o que conhecido sobre Gray est compilado em 62 cartas. Destas, 25 esto nos arquivos do RGO, 9 esto na coleo Sloane do BM, 22 esto aos cuidados da RS e 6 outros manuscritos cujo destino no se conhece foram publicados na Philosophical Transactions (Clark; Murdin, 1979, p.352). Alm dessas fontes, Bernard Cohen descobriu nas me-mrias da famlia do reverendo e mdico William Stukeley,6 publi-cadas pela Surtees Society,7 informaes que iluminaram pontos obscuros da vida de Gray (Chipman, 1958, p.414).

    6 W. Stukeley cursou Medicina na Universidade Bennet ou Benet, hoje Uni-versidade Corpus Christi, em Cambridge. Estudou com um sobrinho de Stephen Gray, John, e, por isso, teve contato com Stephen. Em sua autobio-grafia, Stukeley refere -se a Gray: Naquele momento, o primeiro eminente propagador da eletricidade [...] (Cohen, 1954, p.45).

    7 Sociedade fundada em 1834 com o objetivo de publicar manuscritos indi-tos, ilustrativos da condio intelectual, moral, religiosa e social daquela par-

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 21

    Para o estudo da vida de Gray tivemos acesso a quatro artigos bas-tante relevantes (Chipman, 1954, 1958; Clark; Murdin, 1979; Cohen, 1954). Alm desses artigos, nosso trabalho de pesquisa fundamentou--se tambm em uma anlise detalhada dos nove artigos escritos por Gray sobre eletricidade e publicados na Philosophical Transactions.

    Os artigos de Chipman (1954, 1958), Clark e Murdin (1979), e Cohen (1954) foram fundamentados nos documentos encon-trados nas instituies citadas anteriormente (RGO, RS, BM). Apresentaremos a biografia de forma concisa, com o propsito de fornecer ao leitor uma viso geral da vida de Gray. No ser dif-cil nos depararmos com dvidas que pairam sobre alguns fatos e questes sem respostas, ou, ainda, com respostas contraditrias.

    1.3 Dados biogrficos de Gray

    1.3.1 Alguns dados sobre sua vida

    No incio de uma biografia geralmente so apresentados a data e o local de nascimento. No caso de Gray tais informaes no so precisas e, por isso, merecem ateno, uma vez que no h nenhu-ma fonte conhecida que informe explicitamente esses dados. Sen-do assim, eles foram obtidos de duas formas distintas: a primeira, fundamentada em citaes do prprio Gray, e a segunda, a partir da anlise de alguns documentos. Faremos o confronto entre essas duas fontes, o que tambm ilustra parte da dificuldade que um pes-quisador pode enfrentar ao construir uma biografia.

    Em um primeiro momento, a data de nascimento de Gray foi estabelecida a partir de uma meno dele em uma carta8 enviada

    te da Inglaterra e Esccia [situada no norte da Gr -Bretanha], includas no Leste, entre Humber e o esturio de Forth, e no Oeste, entre Mersey e Clyde, regio que constitua o Antigo Reino de Northumberland [Antigo Reino da Nortmbria]. Fonte: .

    8 Essa carta, escrita em 31 de julho de 1711 em Cantebury, Inglaterra, pertence ao grupo de manuscritos de Hans Sloane (Chipman, 1958, p. 416).

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    para Hans Sloane,9 na qual est escrito: agora estou nos meus 45 anos de idade. A partir desse comentrio, da data em que a carta foi escrita 31 de julho de 1711 , e supondo que no era seu ani-versrio, pode -se deduzir que ele nasceu entre 1o de agosto de 1666 e 30 de julho de 1667 (Chipman, 1958, p.416; Cohen, 1954, p.42).

    Posteriormente, Clark e Murdin (1979) analisaram os arqui-vos da Catedral de Canterbury, que permitiram afirmar a data de batismo de Gray. Seu batizado consta no livro de registros pa-roquiais da Igreja de Todos os Santos (All Saints Church) para a data de 26 de dezembro de 1666. Embora a data de nascimento seja desconhecida, para Clark e Murdin possvel presumir que Gray tenha nascido poucas semanas antes de seu batismo, pois a alta incidncia de mortalidade infantil da poca leva a crer que o batizado logo aps o nascimento era uma prtica comum (1979, p.355). Com esse argumento, pode -se dizer que Gray nasceu no final do ano de 1666.

    A suposio de Clark e Murdin (1979) aparenta ser mais precisa do que a primeira, tendo em vista que Chipman (1958) e Cohen (1954) apontam um intervalo de quase um ano como perodo pro-vvel para o nascimento de Gray. No entanto, fundamentando -se somente na informao da data de batismo, nada assegura que Gray no tenha nascido um ou dois anos antes e s depois tenha sido bati-

    9 Hans Sloane nasceu em Killileagh ou Whites Castle, County Down, Irlan-da, em 16 de abril de 1660. Faleceu em Chelsea, Londres, em 11 de janeiro de 1753. Foi mdico e tinha como campo de pesquisa, alm da Medicina, a Histria Natural. Estudou em Montpellier, Orange e Oxford. Recebeu o ttulo de doutor em Medicina em 1683. Foi para a Jamaica como mdico pessoal do Duke of Albemarle, onde recolheu mais de 800 espcies botni-cas. Tambm foi mdico no Christs Hospital (1694 -1730). Fundou o Jar-dim Botnico de Chelsea em 1721 e foi o primeiro mdico de George II. Foi benfeitor do Christs Hospital, da Biblioteca Bodleian e de muitas outras instituies. A coleo de Sloane formou o ncleo do Museu Britnico, com cerca de 200.000 exemplares. Sloane foi o primeiro cirurgio britnico a receber o ttulo de Baronete. Foi membro do Royal College of Physicians of London em 1687 e seu presidente entre 1719 e 1735. Foi tambm membro da Royal Society, eleito em 21 de janeiro de 1685, secretrio, de 1693 a 1713, e presidente, de 1727 a 1741. Fonte: , base de dados Sackler Archive Resource.

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 23

    zado. Sendo assim, podemos dizer que os dados se complementam. A primeira suposio traz a informao de que Gray no pode ter nascido antes de agosto de 1666; a segunda traz a informao de que ele no pode ter nascido aps 26 de dezembro de 1666. A combi-nao das duas informaes estabelece, com relativa certeza, o que atualmente se considera a poca do nascimento de Gray, isto , a segunda metade de 1666.

    Para Chipman (1958, p.416), o local de nascimento de Gray, muito provavelmente, foi Canterbury, na Inglaterra. Essa conclu-so baseia -se no trecho de uma carta10 escrita por Gray, em que ele apresenta o Dr. Lane a John Flamsteed.11 Na carta, Gray diz: Eu o conheo desde o nascimento, e os pais dele, muitos anos antes, sempre moraram em nossa cidade de Canterbury, com muito boa reputao [...]. Para Clark e Murdin (1979), a cidade natal de Gray

    10 Carta escrita de Canterbury em 10 de dezembro de 1708. Esse documento encontra -se no grupo de manuscritos de Flamsteed (Chipman, 1958).

    11 John Flamsteed nasceu em Denby, Derbyshire, Inglaterra, em 19 de agosto de 1646 e faleceu em Greenwich, Inglaterra, em 31 de dezembro de 1719. Filho nico de Stephen Flamsteed e Mary Spateman, perdeu sua me ainda criana. John estudava e se preparava para ingressar em uma universidade, porm teve seus planos interrompidos quando foi acometido por uma crise reumtica, que fez com que seu pai o impedisse de ir universidade em 1662. Flamsteed foi para Irlanda em busca de cura, em 1670 foi para Londres, onde se encontrou com Henry Oldenburg (FRS*) e Jonas Moore (FRS), que se tornaram seus patronos. Foi ordenado em 1675, sendo ento o primeiro Astrnomo Real (1675 -1719) e utilizando seus prprios instrumentos. Con-siderado um perfeccionista, publicava suas observaes apenas se estivessem perfeitas, o que o levou a conflitos com Newton e Halley (ver ref. Clark; Clark, 2000)**. Tambm foi clrigo da Igreja da Inglaterra. Suas observaes foram publicadas postumamente por sua esposa, Margaret, em seus padres, em 1725. Em 1729, tambm foi publicada por sua esposa o seu Atlas Coelestis . Flamsteed foi membro da Oxford Philosophical Society e da Royal Society, eleito em 8 de fevereiro de 1677. Fonte: , base de dados Sackler Archive Resource (Thoren, 1981).

    * Fellow of Royal Society Membro da Sociedade Real.** O livro Newtons tyranny: the suppressed scientific discoveries of Stephen Gray

    and John Flamsteed traz uma interessante discusso a respeito dos problemas que Gray e Flamsteed enfrentaram nas suas carreiras cientficas por causa da tirania de Newton (Clark; Clark, 2000).

  • 24 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    tambm Canterbury, porm essa afirmao fundamentada no histrico da famlia Gray na cidade, onde foram encontrados vrios documentos referentes a ela. Nos arquivos paroquiais da Catedral de Canterbury est registrado o casamento dos pais de Stephen, Matthias Gray e Anne Tilman, em 1658. Outros documentos in-formam que a famlia Gray morou em Canterbury por vrias geraes, trabalhando como comerciantes. Seus bisavs foram fer-reiros e seu pai foi tintureiro, profisso que ele acabou seguindo (Clark; Murdin, 1979, p.355).

    As atividades de Stephen Gray e de seu irmo mais velho, Matthias Gray, que foi prefeito de Canterbury, sugerem que eles receberam boa educao. No se sabe onde ou como eles foram educados, porm, na poca, havia duas escolas conhecidas em Canterbury: a Poor Priests Hospital, que mais provvel de eles terem frequentado, e a Kings School, fundada por Henry VIII. O fato de Gray dominar disciplinas como Latim e Matemtica intriga os pesquisadores e traz muitas dvidas quanto ao seu local de ins-truo, pois, embora seja evidente que ele tivesse domnio de am-bas, no eram ensinadas ao mesmo tempo nas duas escolas. Ainda no foram encontradas evidncias que indiquem definitivamente onde ele estudou (Clark; Murdin, 1979, p.356-9).

    Segundo Chipman (1958, p.418), em seus primeiros artigos publicados, Gray demonstra certa familiaridade com a Dioptica Nova, de Molyneux (publicada em 1694), com as observaes de animalcules, de Leeuwenhoeck, com o Meteors, de Descartes, e com vrios artigos da Philosophical Transactions of the Royal Society sobre microscpios e tpicos relacionados. Provavelmente, foi por meio de exemplares da Philosophical Transactions que Gray conhe-ceu os estudos sobre Eletricidade realizados por Hauksbee12 (Clark; Murdin, 1979).

    12 Francis Hauksbee nasceu em 1660, em Colchester, Inglaterra, e faleceu em abril de 1713 em Londres, Inglaterra. Filho de Richard Hauksbee, ne-gociador de tecidos de Colchester, casado com Mary. Trabalhou como nego-ciador de tecidos e na fabricao de instrumentos cientficos. Foi aprendiz de seu irmo mais velho, que tambm trabalhava como negociador de teci-dos. Seu campo de pesquisa foi o que atualmente se denomina de Fsica

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 25

    Do nascimento de Gray at o final do sculo XVII, pouco se sabe a respeito de sua vida. De 1696 at a sua morte, em 1736, seus dados biogrficos flutuam entre perodos razoavelmente conheci-dos e perodos sobre os quais muito pouco ou nada se sabe.

    1.3.2 Os trabalhos de Gray e seu relacionamento com a comunidade cientfica

    Stephen Gray continua sendo uma figura intrigante na his-tria da Fsica do incio do sculo XVIII. Embora seja dado a ele o crdito pela verificao de que os efeitos eltricos podem ser transmitidos a longas distncias por meio de fios adequados, [...] a extenso, a qualidade e a versatilidade de seu trabalho cientfi-co so quase inteiramente desconhecidas (Chipman, 1958, p.414). Gray realizou vrios experimentos interessantes em eletricidade, demonstrando fenmenos importantes, como a conduo da eletri-cidade e a eletrizao por induo; ele tambm chegou concluso de que existem materiais condutores e materiais no condutores de eletricidade (Electricity, 1798; Gray, 1731 -2c).13

    Experimental e Instrumentao Cientfica. Na sua carreira profissional, foi, possivelmente, assistente de Denis Papin (FRS -1680) e foi curador de experimentos da Royal Society (1703-1713). Hauksbee foi membro da As-sociao dos Negociadores de Tecido e membro da Royal Society eleito em 30 de novembro de 1705. Fonte: , base de dados Sackler Archive Resource. Outras informaes sobre Hauksbee po-dem ser obtidas em Guerlac (1981).

    13 Gray utilizava os termos eltrico e no eltrico para designar o que, atualmen-te, so denominados materiais isolantes e condutores, respectivamente. Os termos condutores e no condutores foram introduzidos posteriormente a ele por Jean Theophilus Desaguliers (1683 -1744). Os termos eltrico e no el-trico foram propostos por William Gilbert (1544 -1603), sendo que eltricos eram os materiais que apresentavam a mesma propriedade do mbar (do gre-go, elktron) de atrair pequenos objetos quando atritado e no eltricos eram os materiais que no apresentavam tal caracterstica. Quando Gray chega concluso de que existem materiais que podem conduzir a virtude eltrica e que h materiais que no a conduzem, esses termos passam a ter tambm

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    A primeira rea de pesquisa em que Gray trabalhou foi a As-tronomia. Ele realizou observaes de eclipses do Sol e da Lua, de eclipses dos satlites de Jpiter e de manchas solares (Chipman, 1958, p.425). Em 4 de maio de 1700, Gray escreveu de Canterbury para a Royal Society sobre seu trabalho em Astronomia.14

    Nessa carta, ele descreve, entre outras coisas, que utilizava um relgio de pndulo para cronometrar o progresso dos eclipses e que calibrou esse relgio pela passagem meridiana do Sol. A primeira breve meno das manchas solares foi feita em 24 de junho de 1703, de Canterbury, a John Flamsteed, em uma carta no publicada. Entre novembro e dezembro de 1703, Gray escre-veu para Sloane descrevendo, com detalhes, a drstica mudan-a na forma das manchas solares que ocorre em poucas horas e a mudana da superfcie do Sol que ocorre em poucos dias. Em 3 de abril de 1704 e 5 de fevereiro de 17045,15 Gray escreveu de Canterbury para a Royal Society sobre seus clculos do perodo de rotao do Sol sobre seu prprio eixo e da inclinao do eixo da eclptica, feitos por meio das observaes das manchas solares (Chipman, 1958, p.426-7). Nenhuma dessas cartas foi publicada. As observaes astronmicas sobre as manchas solares realizadas

    outro significado, passando a designar, ainda, os materiais condutores (no eltricos) e os no condutores (eltricos). Para mais detalhes, ver Assis (2010), Heilbron (1979) e Roller e Roller (1957).

    14 O texto de Gray algo que nos chama ateno. O ponto final a nica pontua-o utilizada por ele. O editor da Philosophical Transactions, algumas vezes, pontuava seus textos para deix -los mais claros (Clark; Murdin, 1979). Segun-do Clark e Murdin (1979, p.359), ainda no havia na poca uma gramtica esta-belecida da lngua inglesa, e a escrita era mais uma questo de gosto pessoal. Robert Chipman publicou em dois artigos (1954, 1958) a transcrio de alguns manuscritos de Gray, em que podemos verificar a forma original de sua escrita.

    15 A Inglaterra utilizou o calendrio juliano at 1752; dessa forma, at 1752 o ano novo ingls comeava em 25 de maro. Entretanto, grande parte da Europa j havia adotado o calendrio gregoriano. Por isso, para citar datas at o dia 25 de maro utilizava -se uma indicao de ano que contemplava os dois calendrios, na qual colocavam -se dois nmeros para expressar o ltimo dgito, e.g., 17078. O primeiro nmero indicava o ano no calendrio juliano e o segundo, o ano no calendrio gregoriano. Aps 25 de maro utilizava -se somente o ano comum a ambos os calendrios (Silva; Martins, 1996, p.315).

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    entre 1703 e 1705 so, atualmente, de considervel interesse cien-tfico (Clark; Murdin, 1979, p.376).

    Suas primeiras cartas para a Royal Society, no perodo que an-tecede a presidncia de Isaac Newton (1643 -1727),16 mostram seu crescente interesse cientfico, bem como sua vontade de deixar a profisso de tintureiro e estabelecer contato com o centro de ativi-dade cientfica (Ibid., p.360). Segundo Clark e Murdin (1979), de 1699 a 1715, Gray correspondeu -se com John Flamsteed, primei-ro Astrnomo Real, diretor do Observatrio Real de Greenwich e desafeto de Newton.17 O primeiro contato entre Gray e Flamsteed ou, ainda, como ele se interessou pela Astronomia, um mistrio (Clark; Murdin, 1979, p.369). Ele foi um grande admirador de Flamsteed sua admirao declarada e reiterada em vrias car-tas. Outra pessoa importante em sua vida foi John Godfrey.18 Eles se conheceram provavelmente em 1714 (Clark; Murdin, 1979, p.369-71).19 Essa hiptese tambm est fundamentada em uma carta enviada a Godfrey por Gray, de Canterbury, em 26 de dezem-bro de 1714 (Chipman, 1958, p.417). Godfrey foi importante na vida de Gray no perodo mais produtivo de sua pesquisa em Ele-tricidade, isto , de 1729 a 1736. Gray esteve hospedado algumas vezes na residncia de Godfrey, em Norton -Court, Inglaterra, e foi

    16 Newton presidiu a Royal Society no perodo de 1703 a 1727.

    17 Os motivos pelos quais as correspondncias entre Gray e Flamsteed cessa-ram ainda so desconhecidos, porm h duas suposies. A primeira est re-lacionada ao fato de Gray ter morado com Desaguliers, amigo de Newton, em Londres, a partir de 1716. Com isso, ele se aproxima dos colaboradores de Newton e se afasta de Flamsteed algo pouco provvel quando se ana-lisa o carter e o comportamento de Gray. Essa atitude contraria o que se conhece da honestidade e franqueza da sua natureza. A segunda hiptese tambm versa sobre a ida de Gray para Londres em 1716, o que os deixou bem prximos, de forma que pararam de trocar cartas para se comunicarem pessoalmente (Clark; Murdin, 1979, p. 375).

    18 John Godfrey, membro da Royal Society, eleito em 10 de novembro de 1715. Fon-te: , base de dados Sackler Archive Resource.

    19 Em um manuscrito de 4 de janeiro de 17156, Gray afirma que Godfrey pri-mo de Flamsteed, da a suposio de que Gray conheceu Godfrey por inter-mdio de Flamsteed (Clark; Murdin, 1979, p.371).

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    auxiliado por ele em inmeros experimentos, fato que fica evidente no texto de Gray (Gray, 1731 -2c; Chipman, 1958, p.417).

    Vrios documentos (como cartas manuscritas e artigos publica-dos) evidenciam que, entre 1696 e 1716, Gray residiu em Canterbury (Chipman, 1958, p.416). Contudo, no perodo entre 26 de janeiro de 17067 e 8 de setembro de 1708, datas de duas cartas manuscritas no publicadas enviadas de Canterbury, no h muitos indcios de sua residncia. H apenas uma carta, tambm no publicada na poca, escrita do Trinity College, em Cambridge, datada de 3 de janeiro de 17078 (Chipman, 1958, p.416-7). Essa carta foi publicada em 1954 por Robert Chipman (1954).20 Cohen (1954) levanta a possibilidade de Gray ter permanecido parte daquele perodo em Cambridge.

    Sloane foi uma das figuras mais importantes na carreira cientfica de Stephen Gray. Enquanto ele foi secretrio ou vice--presidente da Royal Society, doze cartas de Gray foram publica-das, e enquanto Sloane esteve na presidncia, todas as dez cartas enviadas por Gray a Society foram publicadas (Clark; Murdin, 1979, p.360). Entretanto, Sloane no publicou nenhuma das cin-co cartas que Gray enviou depois de 1703, ano em que Newton tornou -se presidente da Royal Society. Embora existam outras ex-plicaes para alguns casos, o confronto de Flamsteed com Newton

    20 Gray enviou essa carta para Hans Sloane, secretrio da Royal Society. No difcil concluir porque Sloane no a publicou. Hauksbee havia, naquele mo-mento, encantado a Royal Society com suas demonstraes em eletricidade. bem provvel que Sloane tenha solicitado uma avaliao prvia por parte de Hauksbee da carta de Gray. Naquele perodo, ele era curador/demonstrador da Royal Society. Hauksbee foi capaz de suprimir a publicao da carta de Gray. Pouco tempo depois, ele sentiu -se vontade para publicar muitas das desco-bertas de Gray como sendo dele, por exemplo, o pairar de uma pluma sobre um basto de vidro eletrizado. O mais estranho foi Hauksbee publicar* sobre o eflvio luminoso da cera e do enxofre apenas poucos meses aps a Royal Society ter recebido a carta de Gray anunciando suas descobertas. Em 1711, Hauksbee publicou uma carta na Philosophical Transactions ** dizendo: Pode ser lembrado o sucesso que tive em produzir luz por meio de corpos, tal como lacre, resina, e enxofre comum [...] , ignorando completamente o fato das descobertas no serem dele (Clark; Murdin, 1979, p.394).

    * Philosophical Transactions, v. 25, n. 315, p.87, 1708.** Philosophical Transactions, v. 27, n. 331, p.328, 1711.

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    e seus seguidores pode ter ocasionado [...] alguma desvantagem no relacionamento de Gray com a Royal Society, afinal, Flamsteed era seu amigo e o defendeu diante da comunidade cientfica em al-gumas ocasies (Clark; Murdin, 1979, p.374).21

    Um exemplo da dificuldade de publicao enfrentada por Gray est relacionado ao seu estudo das manchas solares. Nos trinta primei-ros volumes da Philosophical Transactions, apenas nove trabalhos sobre o tema foram publicados, incluindo o trabalho de Gray de 1703. No perodo de 1703 a 1705, ele enviou vrias cartas para a Royal Society discutindo o tema, mas nenhuma foi publicada. Suas observaes eram precisas e seriam uma contribuio importante no estudo das manchas solares, tendo em vista que, naquele perodo (1703 a 1705), o Sol estava em grande atividade (Clark; Murdin,1979, p.376-8).22

    Gray participou de alguns estudos no muito convencionais. Em 1705, Flamsteed deu a ele a tarefa de investigar a histria do surgimento de um fantasma. Na ocasio, Canterbury foi agitada com a apario de um suposto fantasma de uma mulher para uma das moradoras da cidade. O episdio mostrou uma considervel habilidade de Gray como observador e investigador. Alm desse caso, os arquivos do Observatrio Real de Greenwich guardam do-cumentos sobre vrias observaes realizadas por Gray e enviadas por Flamsteed a Royal Society (Ibid., p.373-4).

    Por causa de sua condio financeira, Gray no comprava livros e peridicos, dependendo da generosidade de pessoas como Hunt23 e

    21 H uma hostilidade bem documentada entre Flamsteed e Newton. A hos-tilidade era tanta que causou o desprezo de Newton pelos amigos e associados de Flamsteed. Durante a permanncia de Newton na presidncia da Royal Society (1703 a 1727), Gray, conhecido por apoiar Flamsteed, quase no teve publicaes. Outros fatores poderiam ter contribudo para isso. Gray era um comerciante, com pouco tempo e dinheiro para investigao cientfica. Sua personalidade tambm contribuiu para isso, suas cartas demonstram um ho-mem modesto, humilde e reservado. Esse conjunto de fatores tambm pode explicar porque Gray teve seu trabalho ignorado por seus contemporneos e pouco conhecido pelas geraes mais recentes (Clark; Murdin, 1979, p.353).

    22 Para detalhes sobre as atividades solares consultar, Eddy (1976).

    23 Henry Hunt foi um importante amigo de Gray. A primeira carta de Gray para ele mostra que j se conheciam. Funcionrio da Royal Society, Hunt pro-

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    Sloane. Suspeita -se que Hunt comeou a enviar exemplares da Philosophical Transactions para Gray em 1692. Muitos dos trabalhos de Gray foram inspirados no que ele lia nas revistas que recebia. As cartas enviadas para a Society at 1703 mostram uma grande varie-dade de assuntos. As primeiras cartas j mostram seu interesse pelo mtodo cientfico e indicam seu talento para utilizar seus limita-dos aparatos experimentais (Clark; Murdin, 1979, p.366 -7).

    Entre 1715 e 1719, Gray teve autorizao para participar de vrias reunies da Royal Society. Muitas informaes levam a acreditar que durante grande parte desse perodo, talvez todo, Gray ficou longe de Canterbury. Assduo visitante de John God frey, em Norton Court, provavelmente residiu com Jean Desaguliers24 em Westminster (Ibid., p.389).25

    H uma divergncia entre os historiadores quanto s atividades de Gray entre 1716 e 1730. O perodo que nos parece menos docu-mentado sobre sua vida entre 1720 e incio de 1729. No perodo entre 1716 e 1729 somente duas datas da vida de Gray esto bem

    vavelmente providenciou o primeiro contato de Gray com a instituio. Em janeiro de 1672/3, comeou a trabalhar na Royal Society como assistente de Robert Hooke. Desde ento, ele conviveu com a Royal Society. Em 1696, foi promovido, tornando -se responsvel pela biblioteca da Royal Society (Clark; Murdin, 1979, p.356).

    24 Jean Theophilus Desaguliers foi um dos mestres de demonstrao cient-fica no incio do sculo XVIII na Inglaterra e amigo de Newton (Cohen, 1954, p.45). Desaguliers (1683 -1744) nasceu em La Rochelle, Frana, indo com seus pais, ainda pequeno, para a Inglaterra. Foi clrigo da Igreja da In-glaterra. Sua rea de pesquisa era a Filosofia Natural e Experimental. Foi membro da Royal Society, eleito em 29 de julho de 1714. Foi demonstrador e curador dela (1714). Introduziu na cincia eltrica os termos condutor e isolante, tendo em vista que no incio do sculo XVIII estes materiais eram chamados, respectivamente, de no eltricos e eltricos. Recebeu trs vezes a Medalha Copley: 1734, 1736 e 1741. Fonte: , base de dados Sackler Archive Resource (Assis, 2010, p.148-9; Heil-bron, 1979, p.292-3).

    25 Chipman (1958) e Cohen (1954) tambm apontam a possibilidade de Gray ter morado com Jean Desaguliers em Londres, por algum perodo entre 1716 e 1719. Essa hiptese baseada em publicaes de William Stukeley (Chipman, 1958, p.418; Cohen, 1954, p.45 -6).

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    estabelecidas. A primeira delas a importante data de admisso para a Charterhouse,26 que Courtney (1906) descobriu ter sido em 24 de junho de 1719. A outra a data da nica publicao neste longo intervalo de tempo, que est na Philosophical Transactions (v.31, n.366 (1720-1721), p.104-107) (Chipman, 1958, p.417).27

    O ltimo amigo importante na vida de Stephen Gray foi Granville Wheler.28 A amizade entre eles comeou por volta de 1729 (Chipman, 1958, p.418). Wheler tambm foi uma figura importan-te para ele no perodo de 1729 a 1736, tal como Godfrey. No dia 2 de julho de 1729, Gray e Wheler obtiveram xito no experimento

    26 A Charterhouse foi uma casa de caridade fundada no incio do sculo XVII para capites do mar aposentados e semelhantes, em Londres, Inglaterra. Tambm conhecida como Hospital para Irmos Pobres, ela foi fundada por Thomas Sutton. Aos aristocratas patrocinadores da instituio de caridade era dado o direito de indicar candidatos que eram colocados em uma lista de espera e admitidos quando ocorria uma vaga. Embora a Charterhouse habilitasse um homem a viver sem medo de passar fome, ela certamente no proporcionava uma vida luxuosa. H indcios do baixo nvel de conforto proporcionado pela instituio, mas provavelmente um padro razovel quando comparado a um asilo de pobres. Havia alguns pr -requisitos para o ingresso na instituio, como: no ser casado, ser membro da Igreja da In-glaterra, enquadrar -se em um padro de bom comportamento, entre outros. Em 1711, Gray recorreu a Hans Sloane para tentar sua admisso, porm s conseguiu seu ingresso em 1719, por uma indicao do Prncipe de Gales. Gray sentiu que poderia j no mais suportar seu ofcio de tintureiro e precisava de tempo para se dedicar pesquisa. Sua carta para Sloane mos-tra seu esforo para prosseguir com seus experimentos, apesar da sua sade debilitada e da falta de recursos financeiros (Clark; Murdin, 1979, p.390 -2; Stevens; Floy, 1853).

    27 Gray (1731 -2c) apresenta vrias informaes sobre os estudos de Gray em 1729 e sobre seu paradeiro nesse perodo.

    28 Granville Wheler nasceu em Londres, Inglaterra, em agosto de 1701, e fale-ceu em 12 de maio de 1770. Era clrigo da Igreja da Inglaterra e fez pesqui-sas no campo da eletricidade. Estudou na Faculdade De Christ, Cambridge; Bacharel em Artes (1721); incorporado em Oxford (1734). Membro da Christ (1722); ordenado Dicono e Sacerdote (1737). Reitor de Leake, Nottinghamshire (1737 -1770) e Prebendeiro de Southwell (1753 -1770). Foi eleito membro da Royal Society em 27 de junho de 1728. Fonte: , base de dados Sackler Archive Resource.

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    para transmisso horizontal da eletricidade.29 Eles tambm pro-puseram a existncia de materiais condutores (no eltricos) e no condutores (eltricos) (Gray, 1731 -2c).

    De 1729 at a sua morte, em 1736, Gray residiu na Charterhouse. Porm, em vrios momentos desse perodo ele esteve no interior do pas, em Norton Court, na residncia de John Godfrey, ou em Otterden Place, na residncia de Granville Wheler, realizando ex-perimentos em eletricidade. Esse perodo foi o mais produtivo na sua pesquisa sobre eletricidade. Ele foi eleito membro da Royal Society em 1733 e recebeu em 1731 e 1732 um importante prmio dela: a Medalha Copley (Chipman, 1958, p.422).30 Stephen Gray faleceu, provavelmente, em 15 de fevereiro de 1736, em Londres, na Inglaterra.31

    29 Gray anteriormente no havia conseguido obter sucesso ao tentar transmitir a virtude eltrica com a linha de transmisso na posio horizontal. O sucesso do experimento se deve a uma sugesto de Wheler, que optou por trocar os suportes da linha de transmisso, que eram de barbante (packthread, no ori-ginal), que pode significar uma corda usada para enfardar ou para costurar sacos, ou um barbante de cnhamo (Assis, 2010, p.246; Canby, 1966, p.18), ou ainda, corda robusta utilizada para embalar pacotes (Heilbron, 1979, p.246), portanto condutores, por linhas de seda, que um material isolante para as diferenas de potenciais eltricos envolvidos naqueles experimentos (Gray, 1731 -2c, p.25 -7).

    30 A Medalha Copley a mais alta honraria dada pela Royal Society. Ela foi instituda em 1709.

    31 As informaes sobre a data de falecimento de Gray tambm so divergentes. Na base de dados de informaes biogrficas da Royal Society (Sackler Archive

    Resource), encontramos a data 15 ou 25 de fevereiro de 1736. No Catlogo da Comunidade Cientfica dos sculos XVI e XVII elaborado por Richard Westfall (ver nota de rodap 3 deste captulo) encontramos a data 7 de fevereiro de 1736. No artigo de Clark e Murdin (1979, p.398) consta a data 17 de feverei-ro de 17356. O ltimo artigo de Gray publicado na Philosophical Transactions (1735 -1736, p.400 -3) tem o seguinte ttulo: An Account of Some Electrical Experiments Intended to be Communicated to the Royal Society by Mr. Stephen Gray, F. R. S. Taken from His Mouth by Cromwell Mortimer, M. D. R. S. Secr. on Feb. 14, 1735 -6. Being the Day before He Died. A parte em negrito do ttulo mostra que o texto foi escrito em 14 de fevereiro de 1735/6, apenas um dia antes da morte de Gray. Com essa informao, a data

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 33

    1.4 Consideraes sobre a carreira de Gray

    Os manuscritos no publicados revelam a extenso e a quali-dade do trabalho de Gray sobre astronomia durante o perodo de 1696 a 1716, dando -nos sua dimenso enquanto filsofo natural (Chipman, 1958, p.428). Tais caractersticas so verificadas tam-bm nos seus trabalhos publicados sobre eletricidade entre 1731 e 1736. Nesses artigos, nota -se sua perspiccia, engenhosidade e sutileza. Segundo Robert Chipman (Ibid.), a leitura dos traba-lhos de Gray e de seus contemporneos, como Francis Hauksbee e Jean Desaguliers, enfatiza a sua grande e superior clareza, capa-cidade de pensamento e escrita. Seu trabalho admiravelmente livre de obscuridade literria, de beligerncia pessoal, especulao intil ou explorao de diverso. Os problemas para os quais ele procurou solues, se no so de grande importncia, so sempre verdadeiros e nunca triviais ou insensatos. Suas sugestes, expe-rimentos e concluses foram quase sempre altamente relevantes (Ibid., p.428).

    No h evidncias de que Gray tenha submetido outro arti-go a Philosophical Transactions entre 1708 e 1720, alm daque-le publicado em 1720 (Philosophical Transactions, 1720 -1721, p.104 -7). Esse perodo foi seguido por outra grande lacuna at 1731. Gray pode ter sido desencorajado pela falta de entusiasmo dentro da Royal Society para alguns de seus artigos, especialmen-te alguns sobre eletricidade (Clark; Murdin, 1979, p.402).

    Se no bastasse a falta de reconhecimento, Gray teve de convi-ver com plgios. Como j abordamos, suas primeiras descobertas sobre eletricidade foram publicadas por Hauksbee em 1708 (ver a nota de rodap 20 deste captulo). Anos depois, em maio de 1715, Flamsteed interveio quando outro pesquisador, Dr. Harrys, tentou tomar os crditos de algumas observaes astronmicas feitas por Gray (Clark; Murdin, 1979, p.372 -3).

    de falecimento de Gray 15 de fevereiro de 1736 (as bases de dados foram acessadas em 18 ago. 2009).

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    Um dos mistrios que ainda permanece a sua repentina apa-rio no Trinity College, em Cambridge. Os arquivos do Trinity College no do informaes sobre a real data de sua chegada, ou de como ele foi para l. H uma carta de Gray escrita em janeiro de 17078 em que ele diz: dos meus aposentos no Trinity College; e outra escrita de Canterbury, em setembro de 1708, referindo--se s razes da sua sada de Cambridge (Ibid., p.382).

    Sloane foi uma figura bastante importante para Gray como pesquisador, mas fica bastante evidente a limitao de suas aes no perodo em que Newton ocupou a presidncia da Royal Society (1703 -1727). S resta imaginarmos o quanto a cincia da eletrici-dade teria se desenvolvido se Gray tivesse tido o apoio da Royal Society e de seus contemporneos. Em vez disso, ele foi abando-nado pela comunidade cientfica e deixado em investigaes so-litrias na Charterhouse. Somente depois da morte de Newton e do incio da presidncia de Sloane que Gray se reaproximou da Royal Society. Ento, ele marcou seu tempo com suas con-tribuies sobre a transmisso da eletricidade, recuperando seu crdito com descobertas demonstradas para a Royal Society por Desaguliers (Ibid., p.395).32

    Um ponto que chama a ateno que nos parece que o objetivo de Gray era fazer experimentos e verificar o comportamento el-trico dos corpos. No se preocupou muito em propor explicaes para os fenmenos encontrados e descritos por ele. Nos seus textos, encontramos apenas uma tentativa de explicao sobre o fenmeno da atrao e repulso dos corpos leves, a qual refere -se emisso e reflexo de eflvios pelos corpos. Contudo, ele prprio questiona a ideia e diz que deixar a explicao considerao dos doutos

    32 Tal como descrito por Gray: No ano de 1729, comuniquei ao Dr. Desaguliers e a alguns outros senhores uma descoberta que havia feito recentemente, mostrando que a virtude eltrica de um tubo de vidro pode ser transmitida para outros corpos, dando a eles a mesma propriedade de atrao e repulso de corpos leves, tal como o tubo faz quando excitado por atrito. Essa virtude pode ser levada para corpos que esto a muitos ps de distncia do tubo. Em maio, o prprio Dr. Desaguliers fez um relato para a Royal Society dos expe-rimentos que ele havia visto [...] (Gray, 1731 -2c, p.18 -9).

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    (ver Captulo 5, 12o Experimento, neste livro) (Chipman, 1954, p.36). Uma possvel explicao para esse comportamento de Gray que ele estava imerso em alguma tradio ou corrente filosfica que estivesse mais ligada descrio dos fenmenos. Contudo, ele no deixa isso explcito, mas parece conduzir seu trabalho de acor-do com alguns preceitos oriundos dessa tradio.

    Os manuscritos foram de fundamental importncia para a elabo-rao das biografias de Gray, contribuindo com inmeras informa-es, resultando em explicaes e relatos satisfatoriamente contnuos nos perodos de 1696 a 1716 e de 1729 a 1736 (Id., 1958, p.429). O mesmo ainda no foi possvel fazer sobre o incio de sua vida e o pe-rodo entre 1716 e 1729, por causa da falta de documentos.33

    1.5 Comentrios finais

    Buscamos apresentar uma breve biografia de Stephen Gray, bem como apontar algumas dificuldades e alguns caminhos para uma pesquisa em histria da cincia, tal como a localizao de fontes. Na pesquisa biogrfica sobre Gray, os documentos estavam es-palhados por vrias instituies, alm disso, informaes impor-tantes foram encontradas em acervos pessoais, como o do reverendo William Stukeley. Isso evidencia certa dificuldade em se realizar pesquisas em histria da cincia.

    Para quem deseja fazer um trabalho em histria da cincia com fontes primrias, relevante ressaltar que isso possvel, tendo em vista o acesso a algumas bases de dados e catlogos bibliogrficos, como os j mencionados. Porm, apenas algumas universidades brasileiras assinam essas bases, o que dificulta o trabalho. O servi-o de comutao bibliogrfica das bibliotecas uma ferramenta que auxilia bastante as pesquisas. importante destacar que a Biblio-teca Nacional da Frana () de acesso livre e possui vrios peridicos disponveis. Outra dificuldade com relao

    33 Outras informaes sobre a vida de Gray podem ser obtidas em Heilbron (1979, 1981).

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    ao idioma, pois o material em portugus praticamente inexistente, sendo bastante comum em ingls, francs e alemo. Para a pesquisa em fontes primrias mais antigas (e.g., sculo XVIII), como fize-mos com os artigos de Gray sobre eletricidade e os bigrafos citados fizeram com suas fontes, surge um novo obstculo: a escrita, pois geralmente encontra -se em uma verso arcaica do idioma, o que di-ficulta um pouco o trabalho.

    Por fim, ressaltamos a importncia das pesquisas de Stephen Gray sobre o tema eletricidade, cuja discusso sobre o assunto ser apresentada nos prximos captulos deste livro. A variedade de ex-perimentos e a riqueza de detalhes do seu trabalho algo louvvel. Chama -nos a ateno a pequena divulgao que o trabalho de Gray tem dentro da Fsica. Diante disso, buscamos destacar nesta seo, por meio de uma breve biografia, alguns pontos relevantes da vida desse importante cientista do sculo XVIII.

    1.6 Publicaes de Gray34,35

    I) 1696 a 1706

    1) Several Microscopical Observations and Experiments, made by Mr. Stephen Gray. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 19, n. 221 (1695 -1697), p.280 -287.

    2) A Letter from Mr. Stephen Gray, Giving a Further Account of His Water Microscope. Philosophical Transactions (1683-1775), v. 19, n. 223 (1695 -1697), p.353 -356.

    3) A Letter from Mr. Stephen Gray, from Canterbury, May the 12th 1697, concerning Making Water Subservient to the Viewing Both Near and Distant Objects, with the Description of a Natural Reflecting Microscope.

    34 Outra lista de publicaes de Gray na Philosophical Transactions pode ser vis-ta em Cohen (1954, p.48-50).

    35 Os textos de Gray e informaes sobre eles podem ser encontrados em: e .

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    Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 19, n. 228 (1695 -1697), p.539 -542.

    4) A Letter from Mr. Stephen Gray, Dated Canterbury, Dec. 8. 1697. Relating Some Experiments about Making Concave Specula Nearly of a Parabolic Figure. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 19, n. 235 (1695-1697), p.787 -790.

    5) Part of a Letter from Mr. Stephen Gray, about a Way of Measuring the Heighth of the Mercury in the Barometer More Exactly. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 20, n. 240 (1698), p.176 -178.

    6) An Observation of Some Parelii Seen at Canterbury. By Mr. Stephen Gray. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 21, n. 251 (1699), p.126 -127.

    7) Part of a Letter from Mr. Gray, concerning an Unusual Perihelion and Halo Mr. Gray. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 22, n. 262 (1700 -1701), p.535.

    8) Part of a Letter from Mr. Stephen Gray to the Publisher, containing His Observations on the Fossils of Reculver Clisfe, and a New Way of Drawing the Meridian Line, With a Note on This Letter by the Publisher. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 22, n. 268 (1700 -1701), p.762 -764.

    9) A Letter from Mr. Stephen Gray, concerning Drawing the Meridian Line by the Pole Star, and Finding the Hour by the Same. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 22, n. 270 (1700 -1701), p.815 -819.

    10) Part of Two Letters from Mr. Stephen Gray, concerning the Spots of the Sun, observed by Him in June Last. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 23, n. 288 (1702-1703), p.1502 -1504.

    II) 1706 a 1731

    1) Observations of the Solar Eclipse, May 1/12/1706 At the Royal Observatory at Greenwich, etc. Communicated by the Reverend Mr. John Flamsted, Math. Reg. & F. R. S. John Flamsteed. Philosophical Transactions (1683 -1775), v.

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    25, n. 306 (1706 -1707), p.2237 -2241. (As observaes de Gray esto nas pginas 2238 -2239.)36

    2) Observationes Stellae fixae in Geminis a Corpore Jovis Occultatae, Januarii 11 mo. St. vet. 1717. & Transitus Arctissimi Martis Infra Borealem in Fronte Scorpii Febr. 5. Mane Jovis. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 30, n. 351 (1717 -1719), p.546 -548.37

    3) Nuperae Observationes Astronomicae cum Regia Societate Communicatae. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 30, n. 363 (1717 -1719), p.1109 -1114.

    4) An Account of Some New Electrical Experiments. By Mr. Stephen Gray. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 31, n. 366 (1720 -1721), p.104 -107. (Gray, 1720 -1, p.104 -107 Captulo 6 deste livro.)

    III) 1731 a 1736

    1) A Letter to Cromwell Mortimer, M. D. Secr. R. S. Containing Several Experiments concerning Electricity; By Mr. Stephen Gray. Philosophical Transactions (1683-1775), v. 37, n. 417 (1731 -1732), p.18 -44. (Gray, 1731 -2c, p.18 -44 Captulo 7 deste livro.)

    2) A Letter concerning the Electricity of Water, from Mr. Stephen Gray to Cromwell Mortimer, M. D. Secr. R. S. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 37, n. 422 (1731-

    36 Esse artigo foi enviado a Philosophical Transactions por Flamsteed e contm dados coletados por Gray. Esses dados constam em uma carta manuscrita de Gray enviada para Flamsteed (Clark; Murdin, 1979, p.369 -70). Flamsteed menciona o nome de Gray no artigo.

    37 Os artigos 2 e 3 do perodo entre 1706 a 1731 foram enviados a Philosophical Transactions por Desaguliers e contm dados coletados por Gray. Desaguliers frequentemente apresentava resultados de observaes astronmicas feitas por Gray e por ele em Westminster, parte dos dados de duas dessas obser-vaes foi publicada nesses dois artigos (Clark; Murdin, 1979, p.389). Em ambos os textos o nome de Gray mencionado: no artigo 2, p.546, e no artigo 3, p.1111.

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 39

    1732), p.227 -260. (Gray, 1731 -2a, p.227 -230 e 260 Cap-tulo 8 deste livro.)

    3) A Letter from Mr. Stephen Gray to Dr. Mortimer, Secr. R. S. Containing a Farther Account of His Experiments concerning Electricity. Philosophical Transactions (1683-1775), v. 37, n. 423 (1731 -1732), p.285 -291. (Gray, 1731 -2b, p.285 -291 Captulo 9 deste livro.)

    4) Two Letters from Mr. Stephen Gray, F. R. S. to C. Mortimer, M. D. Secr. R. S. Containing Farther Accounts of His Experiments concerning Electricity. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 37. n. 426 (1731-1732), p.397 - 407. (Gray, 1731 -2d, p.397 -407 Captulo 10 deste livro.)

    5) A Letter from Mr. Stephen Gray, F. R. S. to the Publisher, Containing an Account of the Same Eclipse of the Sun, as Observed by Himself at Norton -Court: And at Otterden--Place, by Granville Wheler Esq.; F. R. S. Both in Kent Granville Wheler. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 38, n. 429 (1733 -1734), p.114 -116.

    6) Experiments and Observations upon the Light That is Produced by Communicating Electrical Attraction to Animal or Inanimate Bodies, Together with Some of Its Most Surprising Effects; Communicated in a Letter from Mr. Stephen Gray, F. R. S. to Cromwell Mortimer, M. D. R. S. Secr. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 39, n. 436 (1735 -1736), p.16 -24. (Gray, 1735 -6b, p.16 -24 Ca-ptulo 11 deste livro.)

    7) A Letter from Stephen Gray, F. R. S. to Dr. Mortimer, Secr. R. S. Containing Some Experiments Relating to Electricity. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 39, n. 439 (1735 -1736), p.166 -170. (Gray, 1735 -6c, p.166 -170) Captulo 12 deste livro.)

    8) Mr. Stephen Gray, F. R. S. His Last Letter to Granville Wheler, Esq.; F. R. S. concerning the Revolutions Which Small Pendulous Bodies Will, by Electricity, Make Round Larger Ones from West to East as the Planets do Round the Sun. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 39, n. 441 (1735 -1736), p.220. (Gray, 1735 -6d, p.220 Captulo 13 deste livro.)

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    9) An Account of Some Electrical Experiments Intended to be Communicated to the Royal Society by Mr. Stephen Gray, F. R. S. Taken from His Mouth by Cromwell Mortimer, M. D. R. S. Secr. on Feb. 14, 1735 -6. Being the Day before He Died. Philosophical Transactions (1683 -1775), v. 39, n. 444 (173 -1736), p.400 -403. (Gray, 1735 -6a, p.400 -403 Captulo 14 deste livro.)

  • 2.1 Linha do Tempo

    2.1.1 Fatos e publicaes importantes contemporneos vida de Gray

    Tabela 1.1 Fatos e publicaes importantes contemporneos vida de Gray1

    Ano Acontecimento

    1646 Nasce John Flamsteed (1646-1719).

    1656 Christiaan Huygens desenvolve o relgio de pndulo.

    1 Informaes extradas de: Silva e Martins (1996); Carvalho (1989); ; ; , ; ; ; ; Acesso em: 7 abr. 2013.

    2LINHA DO TEMPO

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    Ano Acontecimento

    1660

    Restaurao da monarquia Inglesa.

    Fundao da Royal Society da Inglaterra (o primeiro cura-dor de experimentos foi Robert Hooke (1635-1703)).

    Nasce Francis Hauksbee (1660-1713).

    Robert Boyle (1627-1691) publica o livro New experimentsphysico-mechanical touching the spring of the air .

    1661

    Charles II coroado rei da Inglaterra.

    Luis XIV (1643-1715) comea a governar a Frana.

    Robert Boyle publica o Sceptical Chymist.

    1665Primeira edio da Philosophical Transactions publicada por Henry Oldenburg, secretrio da Royal Society.

    Robert Hooke (1635-1703) publica o Micrographia.

    1666

    Nasce Stephen Gray (1666-1736).

    Robert Boyle publica o The Origin of Forms and Qualities.

    Fundao da Acadmie Royale des Sciences da Frana.

    1672Isaac Newton (1643-1727) publica na Philosophical Transactions um trabalho discutindo sua concepo de luz branca e das cores.

    1673

    A primeira das cartas de Antony van Leeuwenhoek (1632-1723) para a Royal Society, descrevendo seu trabalho com microscpio.

    Christiaan Huygens (1629-1695) publica o Horologium Oscillatorium.

    1675 Concluso do Royal Observatory at Greenwich e John Flamsteed (1646-1719) torna-se o primeiro astrnomo real.

    1685 James II torna-se rei na Inglaterra.

    1686

    Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) ope-se ideia de que a conservao da quantidade de movimento dada por mv, como apontava Ren Descartes, mas sim por mv2. Este episdio ficou conhecido como querela das foras vivas.

    1687 Isaac Newton (1643-1727) publica o Mathematical Principles of Natural Philosophy.

    1688 Ocorre a Revoluo Gloriosa na Inglaterra.

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 43

    Ano Acontecimento

    1690 Christiaan Huygens publica o Treatise on Light.

    1698 Nasce Charles F. C. Du Fay (1698-1739).

    1703

    Morre Robert Hooke (1635-1703).

    Isaac Newton tornou-se presidente da Royal Society, cargo que ocupou at sua morte, em 1727.

    1704 Isaac Newton (1643-1727) publica o Opticks.

    1706 Nasce Benjamin Franklin em janeiro.

    1713 Morre Francis Hauksbee (1660-1713).

    1727 Morre Isaac Newton (1643-1727).

    1736 Morre Stephen Gray (1666-1736).

    2.1.2 Fatos Importantes da Vida de Gray

    Tabela 1.2 Fatos importantes na vida de Gray (Chipman, 1954, 1958; Cohen, 1954, 1966; Clark; Murdin, 1979; Heilbron, 1979, 1981; Boss; Caluzi, 2010; ).

    Ano Acontecimento

    1666Nasce Stephen Gray. Foi batizado em 26 de dezembro na All Saints Church em Best Lane. A data exata de nasci-mento ainda desconhecida.

    1692 (ou 1696)

    Henry Hunt passa a enviar exemplares do peridico Philosophical Transactions para Gray.

    1693

    Hans Sloane (1660-1753) eleito secretrio da Royal Society, cargo que ocupou at 1713. Depois foi vice-pre-sidente e em 1727 tornou-se presidente, aps a morte de Isaac Newton (1643-1727).

    1696 Gray tem seu primeiro trabalho publicado, sobre microscpios.

  • 44 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    Ano Acontecimento

    Junho de 1703

    Gray fez sua primeira observao das manchas solares, estas foram reportadas em cartas para J. Flamsteed e para a Royal Society, que publicou um resumo das duas cartas. Os manuscritos originais foram perdidos.

    1705

    As cartas de Gray revelam a sua perda de interesse pela observao de manchas solares, o que pode ter ocorrido devido ao no reconhecimento e no publicao de suas cartas sobre o assunto.

    1707/8

    Carta datada 3 de janeiro de 1707/8 foi enviada por Stephen Gray para Hans Sloane, ento secretrio da Royal Society. Entretanto, ela no foi publicada no peridico Philosophical Transactions.

    1715-1719 Gray participou de vrias reunies na Royal Society.

    24 de junho de

    1719

    Gray ingressa como pensionista na Charterhouse, Londres.

    1720 Gray publicou uma carta na Philosophical Transactions (1720-1, p. 104-107), na qual reporta a descoberta da eletrizao de vrios materiais, tais como: penugens, fios de cabelo, linha de seda, papel, fitas de madeira, entre outros.

    1720-1729

    No se conhece quase nada sobre as atividades de Gray neste perodo. Nenhuma meno feita quanto a ele comparecer em reunies da Royal Society. Os arquivos da Charterhouse no trazem nenhuma informao.

    1729 Gray esteve em Otterdem Place e Norton Court realizando vrios experimentos com Wheler e Godfrey, respectivamente. Neste perodo descobriu a conduo da eletricidade e props a existncia de materiais condu-tores e no condutores de eletricidade dentre vrios outros experimentos que foram reportados no artigo Gray (1731-2c, p. 18-44).

    1731 Gray j era conhecido pelos seus experimentos em eletricidade. Neste ano o Prncipe de Gales visitou a Royal Society para assistir demonstrao de seus experimentos.

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 45

    Ano Acontecimento

    1731-1736 Vrias cartas de Gray sobre eletricidade so publicadas na Philosophical Transactions, todas esto traduzidas neste livro. Os experimentos de Gray chamam a aten-o de Du Fay, que refaz vrios dos experimentos.

    1736 Stephen Gray morre em fevereiro.

  • PARTE IICONTEXTO DA POCA E

    INFORMAES GERAIS

  • 3HISTRIA SUCINTA DA ELETRICIDADE

    NA POCA DE GRAY

    Neste captulo, apresentaremos uma histria resumida da ele-tricidade (Heilbron, 1979; Assis, 2010). Inicialmente, apresenta-remos alguns dos principais fenmenos eltricos conhecidos at a poca de Gray. Descreveremos, ento, algumas de suas principais descobertas e seus impactos sobre os pesquisadores posteriores a ele. Depois, listaremos alguns dos fenmenos mais relevantes des-cobertos aps a poca de Gray, mas que esto relacionados com suas pesquisas. O objetivo contextualizar um pouco o conhecimento eltrico encontrado por ele no incio de suas pesquisas, o significado de seu trabalho e os avanos que esse trabalho trouxe para o nosso atual conhecimento sobre eletricidade.

    3.1 Conhecimento sobre eletricidade at a poca de Gray

    Um dos fenmenos eltricos mais bsicos e antigos conheci-dos pelo homem a propriedade que alguns corpos tm de atrair objetos leves aps serem atritados, como o caso do mbar, resina fssil proveniente de uma espcie extinta de pinheiro. O dilogo Timeu, de Plato (428-348 a.C.), apresenta a descrio mais antiga

  • 50 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    que se conhece do chamado efeito mbar. O mbar atrai prati-camente todos os corpos leves, desde que se aproxime deles aps ter sido atritado.

    Durante sculos, avanou-se muito pouco no conhecimento de outros fenmenos eltricos. O mdico ingls William Gilbert (1544-1603) fez experimentos importantes sobre o tema, descritos em seu livro Sobre os ms, de 1600. Gilbert criou uma nova deno-minao, chamando de eltricos (mbar, em grego) os objetos que se comportavam como o mbar; os outros objetos eram denominados no eltricos.

    At sua poca, eram conhecidos essencialmente apenas o azevi-che (uma forma compactada e dura de carvo) e o diamante, que se comportavam como o mbar. Ele ampliou essa lista com vrias pe-dras preciosas, alm de vidro, enxofre, laca etc. Entre os no eltri-cos estavam todos os metais, a maioria das madeiras, gramas, carne etc. Para fazer essa lista, ele utilizou um versrio, isto , uma agulha metlica horizontal que podia girar sobre um suporte vertical co-locado abaixo de seu centro, como uma bssola, mas no imanta-da. Gilbert atritava o corpo a ser testado e aproximava-o da agulha. Caso ela girasse em direo ao corpo, ele seria considerado eltrico; caso contrrio, seria no eltrico. Gilbert tambm parece ter sido o primeiro a observar o mbar atritado atrair uma gota de gua.

    Honor Fabri (1607-1688) e Robert Boyle (1627-1691) desco-briram, em 1660 e 1675, respectivamente, que as aes eltricas so mtuas, isto , que um pequeno pedao atritado de mbar atrado por um corpo grande colocado em suas proximidades.

    Otto von Guericke (1602-1686) descreveu em seu livro Novas ex-perincias (assim chamadas) de Magdeburgo sobre o Espao Vazio, pu-blicado em 1672 (Guericke, 1972), um experimento que teve grande importncia para a histria da eletricidade. Ele prendeu um globo de enxofre do tamanho da cabea de uma criana a uma haste de madei-ra. Atritou o globo de enxofre contra a mo e segurou-o pela haste. Aps soltar uma penugem sobre o globo, percebeu que ela o tocava e passava a ser repelida por ele. Guericke conseguiu fazer com que a penugem flutuasse sobre o globo enquanto caminhava com ele.

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 51

    3.2 Algumas das principais descobertas de Gray sobre eletricidade

    No incio do sculo XVIII, alguns pesquisadores da poca de Gray, como Hauksbee (1666-1713), publicaram trabalhos descre-vendo experimentos nos quais um tubo de vidro atritado produzia luzes, alm de atrair objetos leves colocados em suas proximidades. Aparentemente, foram esses experimentos que despertaram o inte-resse de Gray pela eletricidade.

    O primeiro artigo de Gray foi escrito em 1707/8, mas s foi publi-cado em 1954.1 Gray fez um experimento anlogo ao da penugem flutuante de Guericke, mas utilizando um tubo de vidro eletrizado no lugar do globo de enxofre. Ao aproximar a penugem flutuante de uma parede ou de algum outro objeto, observou o movimento oscilatrio da penugem entre esse objeto e o vidro eletrizado.

    Em seu segundo artigo sobre eletricidade, publicado em 1720, Gray aproveitou-se do fato de que um corpo eletrizado atrado por um dedo ou um pedao de madeira colocada em suas proximidades para descobrir novos materiais eltricos. Para isso, atritou algumas linhas, tecidos e outros materiais, passando-os entre os dedos; de-pois, observou quais deles eram atrados por algum corpo slido colocado em suas proximidades.

    Seu terceiro artigo, publicado em 1731, o mais importante.2 Ele contm algumas das descobertas mais notveis na histria da eletricidade, entre elas a transmisso da eletricidade, a eletrizao dos metais e a descoberta dos materiais condutores e isolantes, alm de experimentos realizados em 1729. At a poca da publi-cao do artigo, no se conheciam os condutores e os isolantes, no-menclatura que vamos utilizar aqui para facilitar a descrio das descobertas de Gray.

    Ele atritava um tubo de vidro com a mo nua, segurava-o com a outra mo e utilizava-o para atrair corpos leves. O vidro utiliza-

    1 O artigo em questo ser apresentado no Captulo 5 deste livro.

    2 O artigo em questo ser apresentado no Captulo 7 deste livro.

  • 52 S. L. B. BOSS | A. K. T. ASSIS | J. J. CALUZI

    do por Gray era um excelente isolante, ao contrrio da maioria dos vidros encontrados hoje nas residncias e no comrcio, que se com-portam como condutores.

    O artigo inicia-se com a observao casual de que a rolha que estava na extremidade do tubo de vidro atraa uma penugem em suas proximidades quando apenas o tubo era atritado. A rolha com-portava-se como um condutor e no atraa corpos leves se atritada enquanto era segurada pela mo, sendo, portanto, uma das substn-cias classificadas como no eltricas.

    Gray ampliou essa descoberta da comunicao ou transmisso da eletricidade para a rolha, prendendo a ela, ou no vidro, varetas de madeira, barbantes, arames metlicos etc. As extremidades livres de todos esses corpos (ou alguns condutores presos a essas extre-midades livres) atraam corpos leves quando Gray atritava seu tubo de vidro. Com isso, ele conseguiu, pela primeira vez na histria, fazer com que os metais, particularmente, atrassem corpos leves. Ningum havia conseguido observar isso em dois mil anos desde a descoberta do efeito mbar, apesar de vrias tentativas anteriores feitas para obter tal fenmeno atritando os metais, dando-lhes pan-cadas, aquecendo-os etc.

    Gray ampliou o comprimento dos condutores presos ao tubo de vidro por dezenas e at centenas de metros, sendo sempre bem--sucedido. Porm, ao ter de apoiar os longos condutores presos ao tubo de vidro, percebeu que eles deixavam de atrair corpos leves quando os apoios presos ao solo eram feitos de corda, barbante ou metal. De outro lado, se os apoios presos ao solo fossem de seda, as extremidades livres dos longos condutores presos ao tubo de vi-dro atritado continuavam a atrair os corpos leves colocados em suas proximidades. Essa foi a grande descoberta apresentada no artigo, permitindo a classificao dos materiais em condutores e isolantes, denominao que, como j dissemos, s foi introduzida mais tarde. Os isolantes eram aquelas substncias que no permitiam a passa-gem da eletricidade ou dos eflvios eltricos (denominao comum na poca de Gray), enquanto os condutores permitiam a passagem, comunicao ou transmisso da eletricidade. Entre os isolantes

  • STEPHEN GRAY E A DESCOBERTA DOS CONDUTORES E ISOLANTES 53

    mencionados por Gray em seus artigos, encontravam-se a seda, cri-na de cavalo, resina endurecida, vidro, tabletes de cera de abelha, de enxofre e de goma-laca. Todos os outros corpos comportavam-se como condutores.

    Ainda em seu artigo de 1731, Gray descobriu que a propriedade de um corpo de comportar-se como condutor ou isolante em seus experimentos dependia das propriedades intrnsecas ao corpo, e no de sua forma. Por exemplo, se o apoio preso ao solo no experimento que acabamos de descrever fosse de seda, a extremidade livre do longo condutor preso ao tubo de vidro atritado atrairia corpos leves em suas proximidades. Porm, se o apoio do longo condutor fosse de metal, a extremidade livre do condutor preso ao tubo de vidro atritado deixaria de atrair corpos leves, mesmo que a espessura do apoio metlico fosse igual espessura do apoio de seda. Logo, no era o tamanho da espessura que afetava o comportamento condutor ou isolante do apoio em seu experimento, mas sim o material do qual era feito esse apoio.

    Nesse artigo, Gray apresentou tambm a primeira observao conhecida sobre o aterramento eltrico; em termos atuais, isso signi-fica que um condutor eletrizado perde sua carga eltrica para a Terra ao entrar em contato com o solo. Outra maneira de descarregar um condutor inicialmente isolado foi fazendo com que outro condutor encostasse simultaneamente no primeiro e no solo.

    Gray descobriu ainda que podia comunicar a eletricidade a dis-tncia, sem contato. Para isso, deixava um longo condutor isolado do solo, ou seja, apoiado ou suspenso por materiais isolantes. Ao aproximar o tubo de vidro atritado de uma das extremidades do longo condutor, sem toc-lo, percebeu que a outra extremidade do condutor atraa corpos leves que estivessem em suas proximi-dades. Conseguiu tambm fazer com que bolhas de sabo atras-sem corpos leves. Para isso, suspendeu por meio de fios isolantes um cachimbo com a boca do fornilho para baixo, produziu uma bolha na boca do fornilho e aproximou seu tubo de vidro atritado da extremidade livre da piteira do cachimbo. Da mesma forma, conseguiu fazer que um garoto suspenso por linhas isolantes, sem

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    contato com o solo, atrasse corpos leves colocados prximos de seu rosto ou de suas mos. Para conseguir essa atrao, aproximou seu tubo de vidro eletrizado dos ps do garoto suspenso no ar.

    No artigo de 1731, Gray descreve ainda a descoberta de que a eletricidade esttica distribui-se apenas pelas superfcies dos con-dutores. Para concluir isso, observou que dois cubos de madeira de mesmo tamanho, sendo um deles oco e o outro macio, suspensos por fios isolantes atraam a mesma quantidade de corpos leves co-locados em suas proximidades, quando ele colocava o tubo de vidro atritado mesma distncia entre os dois cubos. Ele descreve ainda um efeito que hoje chamado de efeito das pontas ao comparar a distncia mnima em que um tubo de vidro atritado conseguia atrair corpos leves, enquanto esses corpos estavam apoiados sobre superfcies de formatos diferentes. Essa distncia era maior quando a superfcie era pontiaguda. Se a superfcie fosse plana, a distncia era menor.

    Em seu quarto artigo sobre eletricidade, publicado em 1731, Gray descreve experimentos nos quais conseguiu eletrizar um pra-to com gua apoiado sobre um material isolante. Para isso, ele apro-ximava seu tubo de vidro atritado da gua, observando que ela era atrada em direo a ele, havendo ento uma fasca entre o tubo e a gua. Depois disso, afastava o tubo e observava que o prato com gua atraa uma linha condutora colocada em suas proximidades.

    Em seu quinto artigo, de 1732, abriu um novo ramo de conhe-cimentos relacionados eletricidade ao descobrir uma nova ma-neira de eletrizar corpos e de tornar essa eletrizao permanente. Para isso, fundiu diferentes resinas em uma concha metlica e ob-servou que elas passavam a adquirir a propriedade de atrair corpos leves ao serem retiradas das conchas, mesmo sem serem atritadas. Ao cobrir essas resinas com flanelas e outros condutores, prote-gendo-as do ar, observou que conseguia preservar a eletrizao obtida por vrios meses. O que ele descobriu hoje denominado eletreto. Eletretos so substncias que apresentam eletrizao per-manente ou com longo tempo de vida. Essa eletrizao pode ser um dipolo eltrico, anlogo a um m, com uma carga resultante

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    nula, ou pode ter uma carga eltrica resultante diferente de zero, seja ela positiva, seja negativa.

    Em seu sexto artigo, de 1732, Gray conseguiu comunicar a atra-o de corpos leves atravs de corpos opacos e transparentes. Por exemplo, em um de seus experimentos, ele pendurava uma linha no centro de um tubo oco de vidro. Ao aproximar externamente um basto de vidro eletrizado de um dos lados desse tubo, observava o movimento da linha colocada em seu interior.

    Conseguiu tambm comunicar a atrao atravs de condutores que estivessem prximos, mas sem se tocar. Para obter esse efeito, ele suspendia, por exemplo, duas varetas condutoras por meio de fios isolantes, deixando a extremidade de uma das varetas prxima extremidade da outra. Ao aproximar o tubo eletrizado da extremida-de livre da primeira vareta, Gray observava que a extremidade livre da segunda vareta atraa corpos leves que estivessem em suas proxi-midades. Gray realizou diversas variaes desses experimentos.

    Em seu stimo artigo, de 1735, Gray descreveu vrios experimen-tos relacionados com as descargas eltricas e a luz produzida pelos condutores eletrizados quando estes ficavam prximos de outros condutores. Para realizar esses experimentos, ele apoiava ou suspen-dia um condutor por meio de isolantes, de modo que ficassem sem contato com o solo. Aproximava, ento, seu tubo de vidro atritado de uma das extremidades desse condutor. Depois, observava as fascas, os estalos e as luzes produzidos por outra extremidade desse condu-tor quando ela era aproximada de um segundo condutor.

    Em seu oitavo artigo, do mesmo ano, alm de ampliar as ob-servaes descritas no stimo artigo, comeou a comparar a condu-tividade de diferentes materiais. Para isso suspendia um condutor por fios isolantes de seda e de l. Aproximava seu tubo de vidro eletrizado desse condutor at que ocorressem fascas ou luzes entre eles. Com isso, eletrizava o condutor, concluindo haver eletrizao ao observar que esse condutor passava a atrair corpos leves coloca-dos em suas proximidades. Observava, ento, por quanto tempo o condutor eletrizado mantinha a atrao, que ia de alguns segundos a alguns minutos. Concluiu, por exemplo, que a atrao permanece

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    por muito mais tempo quando o corpo est suspenso por fios de seda do que quando est suspenso por fios de l. Portanto, a seda um isolante melhor do que a l. Essa tcnica ainda utilizada para comparar as condutividades dos materiais.

    Seu nono e dcimo artigos tratam do mesmo tema. Ambos fo-ram publicados aps sua morte, em 1736. Gray colocou um globo metlico sobre um bolo de resina eletrizada. Depois, construiu um pndulo eltrico uma de suas invenes ao pendurar uma pe-quena cortia ou miolo de sabugo em uma fina linha isolante. A bo-linha do pndulo eltrico feita de um material condutor e suspensa por um fio isolante. Ao ser colocada prximo ao plano equatorial do globo, a bolinha passou a ser repelida por ele, descrevendo rbi-tas aproximadamente elpticas ao seu redor, no plano equatorial do globo, sempre no mesmo sentido. Ele tinha grandes expectativas com esse experimento, acreditando que reproduzia o que ocorria no sistema solar. Mas os pesquisadores que vieram depois dele ob-servaram que o sentido de movimento era aleatrio e dependia das condies iniciais ou do movimento da mo que segurava o pndulo eltrico. Como Gray morreu nesse mesmo ano, no chegou a apro-fundar seus experimentos sobre o tema, e no parece ter tido tempo de fazer observaes mais detalhadas sobre o fenmeno.

    3.3 Algumas descobertas posteriores relacionadas com os trabalhos de Gray

    Du Fay (1698-1739) foi altamente influenciado pelos trabalhos de Gray, como afirmou em seus artigos. Ele reconheceu a atrao como um fenmeno essencialmente eltrico, alm de caracterizar o chamado mecanismo ACR, ou seja, atrao (A), contato ou co-municao da eletricidade (C), seguido de repulso (R). Um exem-plo desse fenmeno ocorre em um experimento realizado por ele, anlogo ao de Guericke e Gray. Inicialmente, ele atritou um tubo de vidro; em seguida, soltou uma fina folha de ouro acima dele. A folha de ouro foi atrada pelo tubo, tocou nele, passando ento a ser

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    repelida por ele, flutuando acima dele enquanto Du Fay caminhava com seu tubo eletrizado.

    Foi ao realizar um desses experimentos que chegou a sua gran-de descoberta, em 1733: os dois tipos de eletricidade. Enquanto a folha de ouro estava flutuando acima do tubo de vidro eletrizado, Du Fay aproximou um pedao de goma-copal, que tambm havia sido eletrizado por atrito. Ao contrrio do que ele esperava, a folha de ouro foi atrada pela goma-copal atritada. Pelo seu primeiro princpio, Du Fay esperava que ela tambm fosse repelida pela goma-copal atritada, assim como era repelida pelo vidro atritado. Ao continuar seus experimentos, Du Fay concluiu que havia dois tipos de eletricidade, que chamou de vtrea e resinosa. Descobriu tambm que corpos eletrizados com eletricidade de mesmo tipo repeliam-se, enquanto corpos eletrizados com eletricidades de ti-pos diferentes se atraam.

    Canton (1712-1772) descobriu, em 1754, que o vidro podia ser eletrizado com os dois tipos de eletricidade, dependendo de ser atritado com flanela ou com seda oleosa. Pesquisas como es-sas mostraram que o tipo de carga adquirido por um corpo no dependia apenas da natureza do corpo, mas tambm do material com o qual era atritado. Os dois tipos de eletricidade passaram a ser chamados de positiva e negativa, em vez de vtrea e resinosa. As primeiras sries triboeltricas foram apresentadas na dcada de 1750, por Wilcke (1732-1796) e Benjamin Wilson (1721-1788). Nessas sries, colocava-se a carga positiva (+) em uma extremida-de, os corpos no meio, e a carga negativa () na outra extremidade. Ao se atritarem dois corpos, A e B, fica eletrizado positivamente aquele que est mais prximo da carga + na srie triboeltrica, enquanto o outro corpo fica eletrizado negativamente.

    Ao continuar os experimentos de Gray, Du Fay criou os primeiros eletroscpios. O nome eletrmetro devido a Nollet (1700-1770), que foi aprendiz de Du Fay durante alguns anos. Os primeiros eletroscpios nada mais eram do que fios de diferentes materiais condutores dobrados em V e colocados sobre conduto-res isolados do solo. Quando o corpo era eletrizado por atrito ou

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    por descargas eltricas, os fios abriam-se, indicando a eletrizao desse corpo.

    Aepinus (1724-1802) fez descobertas importantes, descritas em um livro de 1759. Ele aproximou um tubo de vidro eletrizado de uma das extremidades de uma barra metlica que estava apoia-da sobre isolantes, sem contato com o solo, assim como na maio-ria dos experimentos de Gray. Sobre a barra, havia colocado dois coletores de carga, ou seja, pequenos condutores suspensos por fios de seda. Mantendo o tubo de vidro prximo da barra, retirou um dos coletores e examinou a carga que havia nele; depois fez o mesmo com o outro coletor. Concluiu, ento, que a barra havia sido polarizada pelo tubo de vidro eletrizado. Particularmente a extremidade da barra prxima ao tubo de vidro ficava eletrizada com uma carga de tipo oposto do tubo eletrizado, enquanto a ex-tremidade oposta da barra ficava eletrizada com carga de mesmo sinal que a do tubo de vidro. Esse fenmeno conhecido como polarizao ou induo eltrica. Esse era o fenmeno que acontecia em boa parte dos experimentos de Gray, exceto naqueles em que havia descarga ou fasca eltrica. Nesse caso, se o condutor esti-vesse isolado, a carga adquirida pela descarga eltrica entre ele e o tubo eletrizado colocado em suas proximidades seria do mesmo tipo que a carga do tubo eletrizado.

    Na dcada de 1770, descobriu-se que os metais e outros con-dutores tambm podem ser eletrizados por atrito, assim como ocorria no efeito mbar. Contudo, para essa eletrizao ocorrer, era fundamental que o condutor estivesse isolado enquanto fosse atritado, para evitar que as cargas geradas no atrito fossem descar-regadas para o solo, por causa do aterramento.

    Aps a descoberta de que os metais e todos os outros corpos po-diam ser eletrizados por atrito, desde que estivessem isolados ele-tricamente, a nomenclatura que havia sido introduzida por Gilbert ao denominar os corpos como sendo eltricos e no eltricos perdeu sentido. Alm disso, o prprio Gray j havia descoberto que era possvel comunicar a eletricidade (ou a propriedade de atrair cor-pos leves) aos metais. Para obter essa comunicao da eletricidade,

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    bastava deixar os metais em contato com um tubo de vidro eletri-zado, sendo suficiente aproxim-los, desde que os metais estives-sem isolados da Terra (com os metais suspensos por fios de seda ou apoiados por resinas, por exemplo). Passou-se, ento, a utilizar a denominao isolantes e condutores para