137
S H Q D F E D STORYTELLING NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: O DESIGN DO NOVO FORMATO GRÁFICO E O CAVALEIRO DAS TREVAS RICARDO TROULA mestrado em design universidade anhembi morumbi são paulo, 2008 STORYTELLING NAS HISTORIAS EM QUADRINHOS RICARDO TROULA 2008

STORYTELLING NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: O …livros01.livrosgratis.com.br/cp129503.pdf · E O CAVALEIRO DAS TREVAS STORYTELLING NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: O DESIGN DO NOVO

Embed Size (px)

Citation preview

STORYTELLING NAS HISTORIAS EM QUADRINHOS: O DESIGN DO NOVO FORMATO GRÁFICO E O CAVALEIRODAS TREVAS

STORYTELLING NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: O DESIGN DO NOVO FORMATO GRÁFICO E O CAVALEIRODAS TREVAS

RICARDO TROULA

mestrado em designuniversidade anhembi morumbisão paulo, 2008

STO

RY

TELL

ING

NA

S H

ISTO

RIA

S EM

QU

AD

RIN

HO

SR

ICA

RD

O T

RO

ULA

2008

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

1

STORYTELLING NAS HISTORIAS EM QUADRINHOS: O DESIGN DO NOVO FORMATO GRÁFICO E O CAVALEIRODAS TREVAS

RICARDO TROULA

mestrado em designuniversidade anhembi morumbisão paulo, 2008

orientadora: profa. dra. gisela belluzzo

2 3

Prof. Dr. Francisco Homem de Melo, Examinador ExternoFAU - USP

Profa. Dra. Claudia Marinho, Examinadora InternaUniversidade Anhembi Morumbi

Profa. Dra. Gisela Belluzzo de Campos, OrientadoraUniversidade Anhembi Morumbi

banca examinadora

4 5

O gibi “Batman O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller, é o objeto de estudo desta dissertação que busca estudar o storytelling ou a narrativa visual nas histórias em quadrinhos e a evolução gráfica do meio nos Estados Unidos. Através de um resgate histórico da utilização dos recursos e processos gráficos desde 1930 e da presença do design gráfico nos quadrinhos, objetiva-se analisar a introdução do novo formato gráfico na década de 1980 e da utilização subseqüente deste nos demais quadrinhos publicados, até a ampla e desmedida utilização na década de 1990 e a maturidade gráfica do meio no novo século. O storytelling na linguagem dos quadrinhos também é abordado de forma histórica comparando sua gênese com a do cinema clássico hollywoodiano e o desenvolvimento desta narrativa com a entrada de diferentes profissionais no meio pós-censura nas décadas de 1960, 1970 e 1980, dentre eles Frank Miller. E as mudanças causadas pela introdução do novo formato que permitiram uma alteração nessa narrativa, sem jamais negá-la. A dissertação investiga também o resgate feito por Miller do personagem Batman quando da publicação de sua obra. Através de um resgate histórico da carreira do quadrinista e da história do próprio personagem, investigo as conseqüências do objeto de estudo no meio e para o Batman. Por fim, aplico o estudo acima em uma análise no objeto de estudo.

Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Design Gráfico. Cinema. Batman. Frank Miller.

resumo

The graphic novel “Batman The Dark Knight Returns”, by Frank Miller, is the object of this dissertation. The main goal is studying the storytelling on comic books and the graphic evolution of the media in the United States. Through the study of the graphic resources and process of comic book history since 1930 and the application of graphic design in comics, this dissertation has the intent of analyzing the introduction of the new format at the decade of 1980, its consequences on the release of the further comic books of the 1990s and the graphic achievements of the market in the new century. The storytelling at the comic book’s language is also retreated historically making a comparison to the classical Hollywood cinema and its specific narrative and the evolution of its storytelling with the entrance of new kind of professionals after the post-censorship at the decades of 1960, 1970 and 1980, including Frank Miller. The new format suggests different approaches in the classic narrative but it has never denied it. This dissertation also investigates the Miller’s point of view of character Batman when “Batman The Dark Knight Returns” was published. Through the recapitulated of Miller’s career and the history of the character itself, I look at the consequences of the graphic novel on the comic book field and Batman. Finally, using the study above I analyze the object of this dissertation.

abstract

Keywords: Comic Books. Graphic Design. Cinema. Batman. Frank Miller.

6 7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Pg.

1. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E SEU DESENVOLVIMENTO GRÁFICO: A CAPA, A EMBALAGEM E O NOVO FORMATO

Pg.10

2. NARRATIVA VISUAL E A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS

Pg.

3. CAVALEIRODASTREVAS

Pg.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE FICA E O QUE MUDA

Pg.

5. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

Pg.250

6

72 166

246

8 9

O objetivo dessa dissertação é discutir o storytelling nas histórias em quadrinhos investigando-a como uma forma narrativa e conduzindo uma análise de sua evolução gráfica e tecnológica. Para isso, farei uso da HQ Batman The Dark Knight Returns (Batman: O Cavaleiro das Trevas) como estudo de caso, pois esta se insere em um momento de transição gráfica, narrativa e principalmente temática na história dos quadrinhos norte americanos.

Uma história em quadrinhos é uma narrativa, majoritariamente visual, contada através de uma seqüência de imagens, com os diálogos dos personagens incorporados através dos balões e os demais efeitos sonoros inseridos na forma de onomatopéias. Por ser uma forma hibrida, combinando imagem e texto, os quadrinhos oferecem um problema ao serem analisados. Ao utilizar uma comparação com a ficção literária para tal análise, o pesquisador acaba por ignorar a narrativa visual do meio, sua principal característica. Por isso, optei por fazer uma comparação com o cinema objetivando investigar e estabelecer os princípios narrativos dos quadrinhos para em seguida analisar as mudanças que ele sofreu. No entanto, também considerei o texto nos quadrinhos pois, mesmo em menor proporção, ele também é parte fundamental da linguagem dos quadrinhos.

Essa dissertação procura demonstrar que quadrinhos é uma linguagem narrativa rica e complexa, tendo publicado histórias de diversos gêneros objetivando os mais variados tipos de

leitores. Essa complexidade se evidencia ao observarmos quequadrinhos interage com diversas outras áreas, apropriando-se de elementos e soluções e, muitas vezes, transformando-as conforme as utiliza. Mas também emprestando recursos e técnicas características de sua linguagem a outros meios, como o uso dos balões e onomatopéias, por exemplo. O meio mais próximo das HQs é provavelmente o cinema, mas diversos gibis já demonstraram que sua utilização da linguagem dos quadrinhos sofre influências de outros meios, como a arte, a ilustração, a fotografia, a televisão, a literatura e o design. Estas influências variam do emprego de elementos, até se beneficiar do avanço tecnológico destas áreas. A linguagem dos quadrinhos possui essa riqueza de influências sem perder sua identidade de narrativa seqüencial e visual, e o faz sendo uma linguagem popular e de cultura de massa. A linguagem dos quadrinhos pode oferecer histórias para quase qualquer público de qualquer idade disposto a ler, suas soluções técnicas podem ser manipuladas para atender os diferentes níveis de complexidade narrativa dependendo do tipo de leitor e, principalmente, do tipo de história a ser contada. A diversidade de temas e gêneros nos quadrinhos permite um maior acesso a leitores diferentes oferecendo possibilidades variadas.

Para construir essa dissertação abordo, no primeiro capítulo, a história gráfica dos quadrinhos desde seu início na década de 1930, até o novo século. Estudo de forma aprofundada o processo de produção de uma história em quadrinhos e conduzo um breve

int oduçãoR

10 11

resgate histórico da evolução dos aspectos gráficos e do formato do gibi. Investigo especificamente a embalagem de uma HQ, ou seja as capas, considerando a presença cada vez mais intensa de profissionais especializados trabalhando com as questões gráficas e de composição visual nas mesmas. Para isso, selecionei três desses profissionais especializados em trabalhar com capas de quadrinhos e analiso algumas peças de seus trabalhos buscando ilustrar esse estudo. Dei preferência a profissionais que fossem responsáveis pela totalidade dos elementos em uma capa, tanto textuais quanto visuais, e optei também por aqueles que tivessem uma formação e uma experiência especifica em lidar com as necessidades de produzir uma peça gráfica como uma capa. Em seguida abordo os resultados dessa evolução gráfica através do surgimento das graphic novels na década de 1970, da introdução do chamado new format (novo formato) na década de 1980, e da sua subseqüente difusão através do meio com a cacofonia de soluções de impressão e exageros gráficos da década de 1990

até sua solidificação e maturação no novo século. O objetivo de estudar a evolução gráfica das HQs é investigar a importância deste novo formato na constituição do objeto de estudo do ponto de vista da utilização da linguagem em uma nova configuração gráfica e em seu subseqüente sucesso de público. Além de estudar as capas com o objetivo de analisar a intensificação da presença do design gráfico nas histórias em quadrinhos que hoje não se restringe apenas a parte externa de um gibi.

Em seguida, no segundo capítulo, abordo o storytelling na linguagem dos quadrinhos e sua forma visual. Para isso investigo os elementos que compõe uma HQ e as técnicas, soluções e estratégias narrativas usadas pelos quadrinistas para contar uma história visualmente. Selecionei elementos visuais que constituem e formam o produto da história em quadrinhos, que é a história contada nas páginas do gibi, bem como a montagem destas páginas e a arte dos quadrinhos.

Quanto a arte me refiro as características que perfazem a linguagem do desenhista e sua produção que ocupa o interior dos quadrinhos em uma página. Abordo também o texto nas HQs e sua aplicação através dos balões e onomatopéias e a relação entre a combinação de imagens e texto. Por fim, analiso também os elementos narrativos do meio traçando um paralelo entre a narrativa clássica das histórias em quadrinhos e sua evolução com a narrativa clássica do cinema hollywoodiano. A opção por utilizar o cinema se deu em função da proximidade que estes dois meios possuem no que concerne seus objetivos e algumas de suas soluções e técnicas, mesmo possuindo linguagens diferentes. Além disso, o cinema possui um estudo mais amplo acerca de sua história narrativa oferecendo pontos de reflexão que podem ser transpostos para os quadrinhos, que possui ainda pouca bibliografia disponível sobre o assunto. A base para discussão de narrativa nesta dissertação veio dos livros de cinema presentes na bibliografia.

E por fim, o terceiro capítulo, é dedicado a análise do objeto de estudo tomando como base o que foi discutido nos primeiros dois capítulos. Primeiro fiz um breve resumo da história da série e abordei quatro elementos temáticos e técnicos da HQ que julguei pertinentes por sua importância histórica e conceitual para o Batman. Em seguida, abordo partes específicas da história utilizando as seqüências para nortear a análise de acordo com os temas abordados. Obviamente que a obra inteira não foi analisada de forma detalhada, mas sim partes dela que servirão ao estudo que esta dissertação se propõe.

O final da dissertação traz algumas considerações a respeito das histórias em quadrinhos, do personagem Batman e do objeto de estudo, bem como da pesquisa e possíveis desdobramentos.

12 13

1.

1.2. Histórias em quadrinhos e seu desenvolvimento gráfico

formato e cor

1 As revistas pulp foram publicadas nos Estados Unidos a partir da década de 1920 até a metade do século. Eram publicações baratas que traziam histórias de ficção com temas diversos como o policial, a aventura, o velho-oeste e o romance, para citar alguns. 2 A Era de Ouro dos quadrinhos norte-americanos começou em 1939 com o lançamento de Action Comics #1 e o surgimento do Superman, e estendeu-se até o final da década de 1940. Nela, o super-herói foi definido e a maioria dos personagens clássicos foram introduzidos.

O início dos quadrinhos nos Estados Unidos se deu nos jornais, primeiro com as charges, como na Inglaterra (SABIN, 2003, pg.12), no final do século XIX, e em seguida com as tiras. As primeiras tiras eram curtas, compostas de apenas alguns quadros, mas logo evoluíram para seqüências maiores e coloridas, geralmente abordando sátiras políticas ou sociais, passando a fazer mais sucesso. Os editores dos jornais norte-americanos perceberam que as tiras em quadrinhos agradavam ao público e ajudavam a vender mais jornais (WEINER, 2003, p.1), assim, as tiras ganharam um suplemento publicado aos domingos dedicado exclusivamente a elas (SABIN, 2003, pg.20).

Logo, estas tiras começaram a diversificar sua temática, emprestando boa parte das revistas pulp1 tão famosas na época ou de adaptações de obras literárias como Tarzan. Com o sucesso comercial das tiras, diversas editoras começaram a publicar compilações de tiras de jornal em livros, mas estes obtiveram pouco sucesso, pois os leitores da época não queriam pagar a mais por algo que eles já recebiam de graça em seu jornal (IBID, p.34). Algumas tentativas foram feitas buscando encontrar um formato que vendesse, até que em 1934, Maxwell C. Gaines, empresário do ramo gráfico, dobrou um jornal que tem aproximadamente 60 cm por 38 cm em quatro partes e criou o formato de revistas em quadrinhos norte- americanos, com cerca de 25,4 cm por 17,8 cm

(JONES, 2006, p.126). Ele publicou sua primeira revista, Famous Funnies, que contava com uma generosa quantidade de tiras coloridas organizadas nesse novo formato. Mais barato do que os anteriores (SABIN, 2003, p. 21), este novo formato distanciou as tiras dos livros, agradou aos leitores e abriu as portas para a produção de material exclusivo para as revistas. Este formato consistia em uma revista no tamanho citado anteriormente, com cerca de vinte a trinta páginas, uma dobra e grampeada. As histórias eram impressas em papel jornal e quadricromia. Quando Superman foi lançado em Action Comics #1 (figura 1), em 1938, representando o início da Era de Ouro2 dos quadrinhos, este novo formato já estava estabelecido. A revista em quadrinhos só voltaria a sofrer mudanças na década de 1980, mas voltaremos a isso mais tarde.

Não foi apenas o formato que sofreu poucas modificações, o processo de colorização dos quadrinhos e o papel utilizado também mudou pouco. Desde sua inserção nas tiras de quadrinhos, a cor sempre foi um diferencial para o público, mas evoluiu pouco até a década de 1970. Desde as primeiras revistas em quadrinhos, o colorista possuía apenas 63 cores para escolher, as quais ele aplicava de forma manual sobre uma cópia da arte em preto e branco, quase como um livro de colorir. As chamadas cores primárias, amarelo, magenta e

histórias emas QUADRINHOSe seudesenvolvimentográfico: aCAPA, EMBALAGEM

e oNOVOformatoa

14 15

cyan são as bases para a composição de todas as outras cores. Elas também são chamadas de aditivas, pois quando somadas geram outras cores. Nos quadrinhos, seu uso era restrito a 100%, 50% e 20%, o que significava que os coloristas só podiam utilizar três intensidades dessas cores, o que limitava a quantidade de tons possíveis a 63, somadas ao preto, a quarta cor. Depois de aplicar as cores sobre a página, o colorista então as indicava através de curtos códigos escritos na própria página para que o separador de cores pudesse, na gráfica, atingir os mesmos tons que ele queria (figura 2). Cada editora possuía sua própria tabela de cores e códigos correspondentes.

O visual destas cores impressas em papel jornal (do início dos quadrinhos) gerou um produto final sofrível, mas que foi bem absorvido pelo público norte americano. Para compensar esse “efeito empobrecedor” do papel jornal e se destacar da concorrência, os heróis foram trajados em uniformes que possuíam cores primárias brilhantes, e foram inseridos num mundo de cores primárias (McCLOUD, 2005, p.188).

Na década de 1970, a entrada de desenhistas oriundos de outros campos causou uma revolução na arte dos quadrinhos. O trabalho de Jim Steranko e Neal Adams mudou a forma como o desenho nos quadrinhos vinha sendo feito até então distanciando-a do traço de seus fundadores como Jack Kirby, Will Eisner e Winsor McCay. Como pioneiros, estes quadrinistas não só ajudaram a desenvolver a linguagem do meio, como se desenvolveram dentro dele. Dessa forma, sua evolução artística e narrativa ficou contida no campo dos quadrinhos e foi quebrada com a entrada desses novos quadrinistas. Steranko trouxe os movimentos de arte para suas revistas, introduzindo conceitos da pop art, op art e surrealismo (figura 3) em suas capas e páginas. Adams introduziu soluções e técnicas que tornaram o visual dos quadrinhos mais realista e dramático (figura 4), com sombras e figuras humanas próximas à ilustração clássica.

Oriundo da publicidade e acostumado com uma gama de cores muito maior do que a dos quadrinhos na época, Adams forçou

uma evolução no processo de impressão nos quadrinhos elevando para 124 a quantidade de cores à disposição dos coloristas nas tabelas das editoras. Mas foi só na década de 1980 que a mudança no processo realmente foi significativa, com a introdução do computador na separação de cores e subseqüentemente na própria colorização digital das páginas, que tornou-se um padrão na década de 1990. Hoje, a grande maioria dos quadrinhos são coloridos digitalmente através de softwares específicos como o Photoshop. Esta colorização beneficiou-se do avanço tecnológico tanto dos computadores e periféricos gráficos como os tablets (mesa digitalizadora) e scanners, como das impressoras e parques gráficos que permitiram uma maior qualidade nas cores impressas.

Figura 2 Separação de cores CHIARELLO, 2004.

(a direita e abaixo) Figura 1 Action Comics Superman Cover to Cover, 2006.

(abaixo) Figura 3 Fury DUIN, 1998.

(a direita) Figura 4 Realismo Adams Superman Cover to Cover, 2006.

16 17

anteriormente é mantida. O desenhista geralmente trabalha com grafite, seja através de um lápis ou de uma lapiseira, para construir a arte das páginas. Quando estas estão devidamente desenhadas, o arte-finalista assume o trabalho e aplica nanquim às páginas, fazendo com que elas sejam mais fáceis de serem reproduzidas. Esta era a função inicial dos arte-finalistas, pois quando os quadrinhos surgiram era muito difícil reproduzir o grafite na impressão final. Durante a evolução da linguagem dos quadrinhos, os arte-finalistas desenvolveram uma série de técnicas, muitas emprestadas da ilustração, e aumentaram sua contribuição ao processo produtivo trabalhando texturas, a narrativa através do contraste e acrescentando dramaticidade alterando a informação expressiva do desenho. O Batman, por exemplo, é um personagem sombrio, que atua a noite, e portanto é sempre representado com grandes áreas chapadas de preto. Essa solução seria muito trabalhosa para se obter no lápis, e muito menos eficiente do que quando é feita com nanquim, que é capaz de oferecer ao desenho esse tipo de sombra (figura 5). Hoje, o nanquim ainda faz parte do processo, apesar de já existirem soluções digitais para a finalização e de já, há algum tempo, ser possível imprimir páginas à lápis com qualidade. Já existem alguns exemplos de arte-finalização digital, mas ainda são poucos e a forma tradicional de arte-finalizar ainda é bastante presente. Mais comum é a colorização diretamente sobre o lápis, prática que vem sendo adotada com uma certa freqüência. Depois da arte-final, o processo migra de vez para o digital com os processos de colorização e letrerização. Ambos originalmente eram feitos de forma

a estrutura de produção de uma hq

O projeto nas histórias em quadrinhos começa com o roteiro, definindo a história a ser contada e a melhor forma de fazê-lo. Dennis O’Neal estabelece que “uma história é uma narrativa estruturada e projetada para obter um efeito emocional, apresentar uma proposta ou revelar um personagem” (2001, p.13). Assim, o objetivo do escritor é contar uma história da melhor forma possível considerando a mensagem que ele quer transmitir e o efeito que ele quer causar. Essa responsabilidade para com o leitor segue para a arte, onde o modo de contar a história ganha um outro aspecto, o visual. É função do desenhista transmitir essa mensagem (a história), ou informação de um modo interessante (JANSON, 2002, p.55) e, para isso, sua preocupação deve ir além da qualidade do desenho. Não importa quão boa seja a arte dos quadros se a relação entre estes e a sua organização na página não seguir o propósito de melhor contar a história.

Depois que o roteiro é escrito, o desenhista passa a história para a página tornando-a visual. São dele as opções de layout de página e de enquadramento. Em muitos casos, o roteirista sugere algumas dessas opções como, por exemplo, quantos quadros a página terá, mas fica a cargo do desenhista a solução final. Obviamente que esta dinâmica entre escritor e desenhista depende do status de cada um, se o escritor for muito mais conceituado do que o desenhista, o segundo tende a seguir o roteiro de forma mais precisa. Se o contrário for verdadeiro, o desenhista pode decidir mais livremente. Mas em uma situação onde as partes se equivalem, a dinâmica citada

Figura 5 Arte Final JANSON, 2003.

18 19

O roteiro de uma história em quadrinhos é semelhante a um roteiro de filme, porém adaptado à sua própria linguagem. Enquanto em um roteiro de filme cada página equivale mais ou menos a um minuto de projeção, nas HQs a medida de tempo remete-se a página. Mas o formato dos roteiros de HQ não é tão homogêneo quanto no cinema e aqui cabe uma explicação a esse respeito.

O mercado de quadrinhos norte-americano possui inúmeras editoras, porém duas grandes dominam a maior parte dele: a Marvel Comics, editora do Homem-Aranha, Capitão América,

sobre roteiro

manual, a colorização, que será abordada mais adiante, era a aplicação da tinta sobre as páginas, geralmente aquarela ou ecoline, antes de seguir para a impressão. Desde a década de 1980, o processo de separação de cor é feito por computador, e um pouco mais tarde, a própria colorização passou a ser feita de forma digital. Existem gibis coloridos de outras formas, mas o padrão da indústria e a grande maioria das revistas são coloridas assim. A letrerização também era originalmente feita de forma manual em processo semelhante ao da caligrafia. Um letrista, como eram chamados os profissionais, escrevia os textos e desenhava os balões antes do arte finalista entrar no processo. Hoje esta parte também é feita por computador, mas voltaremos a isso mais adiante.

o processo de produção e a linguagem das hqs

O processo de produção de uma HQ em seus primórdios ainda era muito dependente dos artistas ou dos escritores, raramente de ambos. Mesmo os roteiros da DC ainda dependiam muito de quem os tornaria visuais, e se pensarmos em um processo de produção resultante de um projeto nas HQs, ele certamente

X-Men, entre outros; e a DC Comics, que publica Batman, Super-Homem, Mulher Maravilha, e outros. Desde que foram criadas, estas duas editoras estabeleceram modos diferentes de abordar o roteiro e subseqüentemente o processo produtivo de uma HQ. Na década de 1960, a Marvel era comandada por apenas um editor, Stan Lee, que escrevia a maior parte dos roteiros da casa, e, por causa disso, não conseguia escrever roteiros completos. Assim, ele escrevia o enredo da história dividido em alguns parágrafos, mas sem entrar em detalhes de separação por páginas, quadros e nem diálogos. Ele então enviava esse roteiro para o desenhista e este fazia a divisão dos quadros e páginas e cuidava da narrativa visual. As páginas retornavam para Lee que escrevia os diálogos e as enviava para o letrista que dava seqüência ao processo. Esse tipo de roteiro passou a ser conhecido na indústria como Plot-First, que denotava a característica de se priorizar o enredo da história. Isso era possível nas décadas de 1940 e 1950, pois os artistas que trabalhavam para a Marvel conseguiam extrair dos parágrafos de Lee uma história inteiramente visual.

Stan trabalhava com artistas brilhantes como Jack Kirby e Steve Ditko, soberbos na arte de contar histórias visualmente e trabalhar com narrativas (storytelling), e com décadas de experiência no mercado que, ou não queriam ou não precisavam de muitos detalhes (nos roteiros que recebiam) (O’NEIL, 2001, p.26).

A DC possuía uma outra forma de trabalhar conhecida como Full-Script. Os roteiros se assemelhavam mais aos de televisão

e cinema, sendo extremamente detalhados e completos. Quando estes chegavam às mãos do desenhista, o enredo já estava dividido por páginas, os quadrinhos sugeridos e os diálogos já escritos. Não que a DC não tivesse bons artistas como a Marvel, mas, a grosso modo, ela surgiu como uma empresa maior e mais estruturada. A DC possuía mais gente em seu corpo de funcionários e mais roteiristas entre eles. Estes tinham mais tempo para dedicar a seus roteiros e conseqüentemente torná-los mais completos.

Hoje em dia, com diversos escritores trabalhando para as duas editoras, e com a existência de diversas outras editoras no mercado, esta separação no formato dos roteiros não existe mais desta forma. Até por características do pós-modernismo como a desconstrução da grade e a apropriação de elementos externos (POYNOR, 2003), os roteiros de hoje são, em sua maioria, híbridos destas duas formas se assemelhando mais ao Full-Script, mas com diversas inserções de outros formatos, inclusive de outras mídias.

ainda não existia nesta época. Se retomarmos a idéia de que uma narrativa visual em quadrinhos acontece através da utilização entre texto e imagem, é fácil notar que o campo ainda estava em formação. O processo ainda era muito individual e marcado por cada um desses artistas. Ainda não havia uma linguagem gráfica nos quadrinhos nem uma estrutura ou um processo produtivo padrão a ser seguido. Na época, cada um dos artistas tinha o seu próprio arsenal de soluções gráficas para aplicar nas páginas e, como a grande maioria vinha de outras áreas, eles traziam consigo soluções de outras mídias visuais como a publicidade e a ilustração. Cada artista trabalhava individualmente aplicando sua própria fórmula, o que não consistia em uma linguagem única para os quadrinhos. Pode-se dizer que, nesta época nas HQs, não havia o uso consciente de uma linguagem visual como, por exemplo, no layout de página. A linguagem das HQs ainda estava nascendo e aqueles que a criaram estavam apenas entrando no mercado.

Os primeiros mestres da forma dos quadrinhos eram muito mais desenhistas do que contadores de histórias. Winsor McCay, Hal Foster (figura 6) e Alex Raymond, por exemplo, eram artistas clássicos que se preocupavam muito com o visual de suas histórias, cujos enredos serviam apenas de pano de fundo para estas imagens. Não que as histórias fossem ruins, não eram, mas a arte era muito mais sofisticada do que o texto. Todo o brilhantismo técnico

20 21

atribuído à McCay em seu Little Nemo in Slumberland (figura 7), já explorando diferentes formatos de quadros e desenhos inspirados na art noveau3, faltava a seu texto emocionalmente frio (SABIN, 2003, pg.20). Talvez por serem de diferentes formações ou por se tratar do início dos quadrinhos, cada artista possuía seu próprio processo e gama de soluções. McCain, um dos pioneiros da animação, objetivava uma narrativa visual mais cinematográfica no que diz respeito a movimentação de seus personagens. Já Hal Foster era um ilustrador cujo primeiro trabalho com quadrinhos foi a adaptação do livro de Edgar Rice Burroughs, Tarzan.

No fim da década de 1930 começaram a surgir os primeiros grandes nomes que haviam se formado desenhando quadrinhos, notadamente Will Eisner e Jack Kirby. Ambos foram os principais responsáveis pela formação da linguagem de quadrinhos. Eisner criou muitas das soluções narrativas e visuais utilizadas até hoje em sua tira, e depois revista, The Spirit (figura 8). Ele explorou

3 O art noveau foi um movimento internacional nas artes e na arquitetura que teve seu ápice na virada do século XX. O movimento buscava inspiração nas formas orgânicas e naturais e nas pinturas japonesas. Eram comuns as linhas curvas, sinuosas e as texturas padronizadas.

a forma gráfica dos quadrinhos, através de layouts inovadores e diversificados em suas páginas e usando elementos criativos em suas composições. Kirby desenvolveu outras soluções, tidas como cinematográficas e de expressividade de movimento, trabalhando majoritariamente com super-heróis. E explorou a narrativa visual, buscando melhorar a representação da movimentação de seus personagens e o dinamismo de seus quadros e páginas (figura 9).

Kirby criou uma nova gramática para a narrativa visual e uma movimentação cinemática. Personagens até então estáticos, saltavam de um quadrinho para o outro – ou de uma página a outra – ameaçando sair da página e aterrissar no colo do leitor. A força dos socos desferidos era visualmente e explosivamente evidente. Mesmo parado, um personagem de Kirby pulsava com tensão e energia de uma forma que faz com que versões do mesmo personagem para o cinema pareçam estáticas se comparadas (STAPLES, 2007).

Figura 6 Prince Valiant DUIN, 1998. (a esquerda e abaixo) Figura 7 Little Nemo SABIN, 2003.

(a esquerda) Figura 8 Spirit DUIN, 1998.

(a abaixo) Figura 9 Kirby DANIELS, 1991.

22 23

Com o passar dos anos, o meio foi vagarosamente evoluindo após o baque da censura4 e o estabelecimento do Comics Code Authority. As soluções criadas por Jack Kirby, Will Eisner, entre outros mestres, passaram a ser utilizadas por mais artistas, especialmente na década de 1970, quando Eisner publicou o seu livro “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, a linguagem das HQs já se apresentava estabelecida, ajudada também pela solidificação das primeiras editoras e do papel do editor que contribuíram para a padronização dos processos produtivos. O livro de Eisner, elaborado a partir de suas próprias experiências e das de seus pares, defendia a existência de uma linguagem única para as histórias em quadrinhos. A partir de então, os quadrinhos possuíam um guia que permitia o estudo e a introdução à sua linguagem. Eisner fez uso disso ao explorar essa linguagem de forma consciente em suas graphic novels , mas ele foi apenas um dos muitos a fazê-lo seguido por toda uma geração de artistas que vieram depois. No prefácio de seu livro, Eisner define:

Este trabalho tem o intuito de considerar e examinar a singular estética da Arte Seqüencial como um veículo de expressão criativa, uma disciplina distinta, uma forma artística e literária

que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma idéia. Ela é estudada aqui dentro do quadro da sua aplicação, as revistas e as tiras de quadrinhos, onde é universalmente empregada (EISNER, 1995).

A primeira publicação a abordar a forma dos quadrinhos foi importante, Eisner inaugurou a prática do estudo dos quadrinhos como linguagem, mas ele não foi o primeiro a escrever sobre quadrinhos. Jules Feiffer já o havia feito em seu The Great Comic Book Heroes (Os Grandes Super Heróis 1960), e felizmente não seria o último. Scott McCloud, em 1993, publicou Understanding Comics, lançado no Brasil anos mais tarde com o título “Desvendando os Quadrinhos”. McCloud escreveu e desenhou uma graphic novel sobre quadrinhos em quadrinhos.

Understanding Comics é em parte uma análise de como os quadrinhos são feitos, em parte uma história dos quadrinhos, em parte um estudo de como os quadrinhos (ou a arte seqüencial, a narrativa com imagens seqüenciais) funcionava, e principalmente uma leitura educativa, interessante e divertida que leitores de dentro e fora do mercado de quadrinhos jamais tinham visto (WEINER, 2003, p.48).

a evolução e o estudo da linguagem dos quadrinhos

4 Em 1954, o psicólogo alemão radicado nos Estados Unidos Dr. Frederic Wertham publicou um livro chamado “Seduction of the Innocent” (A Sedução do Inocente). Nele, ele basicamente acusava os quadrinhos de serem responsáveis pela delinqüência juvenil. Em seu livro Wertham defendia que os quadrinhos apresentavam violência, sexo, uso de drogas e outros temas adultos disfarçados em suas histórias, e que tal material encorajava as crianças a fazer o mesmo. Suas afirmações eram baseadas em relatos dos seus pacientes, que diziam ter lido quadrinhos quando crianças. Ele defendia em artigos e depois em seu livro, que o crime e a violência mostrados nos quadrinhos eram uma importante influência na mente dos jovens que entravam para a criminalidade (Lambiek). Suas alegações eram vagas e subjetivas, especialmente quando citavam sugestões sexuais em desenhos de músculos e de árvores, e ao caracterizar a relação de Batman e Robin como homossexual. Mesmo apresentando poucas e duvidosas evidências de suas alegações, Wertham havia construído um nome para si, o que por si só já chamavam atenção para o livro, mas mais importante do que isso, o país vivia um momento turbulento durante a Guerra Fria e a caça aos comunistas. Seu status o credenciou como um depoente no Subcomitê de Delinqüência Juvenil liderado pelo senador Estes Kefauver. Wertham repetiu suas acusações que

McCloud publicou mais dois livros dando continuidade ao estudo da forma dos quadrinhos: Reinventing Comics: How Imagination and Technology are Revolutionazing an Art Form de 2000 (“Reinventando os Quadrinhos”) e Making Comics: Storytelling Secrets of Comics Manga and Graphic Novels, de 2006 (Desenhando os Quadrinhos).

Os estudos sobre a linguagem dos quadrinhos, em especial o livro de Eisner, somado ao retorno já desde a década de 1960 de grandes profissionais, escritores e artistas, que haviam se distanciado do campo dos quadrinhos durante a censura e a instalação do CCA, além da entrada de artistas oriundos de diferentes meios, como os já citados Jim Steranko e Neal Adams no fim da década de 1970, aliado a profissionalização do processo produtivo de uma história em quadrinhos e as evoluções tecnológicas que chegavam aos quadrinhos na época (durante as décadas de 1970 e 1980), o meio tornou-se mais consciente de sua linguagem e de suas possibilidades. A partir de então, os demais artistas de quadrinhos começaram a ter conhecimento

desta linguagem na hora de empregá-la, pois tinham onde aprender e possuíam os editores e os demais artistas mais estabelecidos para acompanhar seus trabalhos. Isso não significa dizer que eles perderam a individualidade em suas criações, mas sim que ganharam uma maior consciência do processo como um todo. Desta forma, o mesmo tornou-se mais homogêneo na indústria, o modo de fazer e produzir uma HQ tornou-se conhecido e, a partir dessa época, os quadrinhos passaram a ter um projeto aplicável a grande maioria das revistas produzidas, independente do tema ou dos profissionais envolvidos.

A maneira como eles (os quadrinhos) foram criados evoluiu de um trabalho escrito e desenhado por um único indivíduo para um casamento entre o trabalho do escritor e do artista. Isto estabeleceu um processo que empregou as habilidades de um escritor talentoso e um artista de grande sofisticação. Tudo isso atraiu aprovação da crítica e elevou os padrões do meio (EISNER apud WEINER, 2003, p. IX).

foram bem recebidas pelos parlamentares. Apesar da decisão final do Subcomitê não caracterizar os quadrinhos como responsável pela delinqüência juvenil, eles indicaram que o meio deveria se preocupar mais com seu conteúdo. As editoras, temendo uma censura externa, trataram de criar seu próprio código regulador, o Comics Code Authority (CCA). O código estabelecia normas para a publicação de quadrinhos e determinava que certos temas e palavras não poderiam ser usados em uma HQ como, por exemplo, zumbis, lobisomens e a palavra crime. As normas do código eram tão subjetivas quanto as acusações de Wertham, mas se estabeleceram nos quadrinhos de forma implacável. Gerard Jones destaca em seu livro que o código foi usado como uma estratégia das grandes editoras para retirar do mercado um de seus mais ferozes concorrentes, a EC Comics, uma editora cuja temática era mais adulta e que publicava muitos títulos de terror, horror e suspense. O código passou a regular a publicação de quadrinhos e uma revista que não tivesse o selo do CCA na capa não poderia ser distribuída. A opressão foi muito forte até a década de 1970, quando os primeiros criadores começaram a abordar temas mais profundos e relevantes para os jovens e optaram por publicar seus gibis sem o código, que não permitiria tais assuntos. Mas a presença do código ainda levaria 20 anos para se dissipar.

24 25

Este novo processo permitia que os profissionais envolvidos fossem especialistas em suas funções e pudessem contribuir a melhor forma para este processo. E cabia ao editor gerenciar todos estes profissionais cuidando para que o projeto, que é criar, produzir e publicar uma história em quadrinhos, não se perdesse em meio as suas partes.

a capa e a importância da embalagem

O processo de produção de uma HQ fora propagado e aplicado pelos editores país afora fornecendo, por um lado, consistência à produção de quadrinhos norte-americanos, mas por outro, estabelecendo um sistema que, em muitas ocasiões, permitiria que basicamente qualquer quadrinista trabalhasse nele. Com isso, os quadrinhos logo se tornaram uma indústria produtiva, pois financeiramente já o era há muito tempo. Porém, o que os editores e quadrinistas levaram mais tempo para ver foi a importância da embalagem de seu produto ou a valorização da capa e de como apresentá-la. Durante a história das HQs, a capa teve diferentes funções. No início era apenas uma representação do conteúdo da história ou meramente uma amostra dos personagens que o leitor encontraria dentro da revista. Uma prova disso é a constante presença dos balões nas capas da Era de Ouro, que auxiliavam nessa comunicação com o leitor, funcionando

muitas vezes como um grande quadrinho introdutório ou apresentando um resumo do enredo (figura 10). Com o crescimento do mercado e o aumento da disputa entre editoras por leitores, as capas tornaram-se importantes chamarizes, e sua função primordial evidenciou-se: a de ajudar a vender as revistas. Até hoje essa continua sendo sua principal premissa, porém, com a entrada de profissionais mais qualificados e especificamente conhecedores de design gráfico, elas adquiriram maior visibilidade e passaram a ser tratadas como uma parte individual no processo, tal qual o desenho, a arte-final ou a cor.

Durante muitos anos, o artista que desenhava a HQ era também responsável pela capa. Com algum ou nenhum conhecimento de design, ele era chamado a criar uma arte individual que era organizada em uma página com um logotipo, os dados de publicação5 e o código de barras. Esta organização era feita de modo a privilegiar a arte em detrimento dos demais elementos e destacar o nome do gibi. E isso era feito à revelia de qualquer projeto gráfico, pois fazia-se o desenho e depois “encaixavam-se” as informações textuais. Nas décadas de 1960 e 1970, com a entrada dos artistas acostumados a trabalhar em mídias gráficas como a publicidade e o design, como Carmine Infantino e os já citados Jim Steranko e Neal Adams, os quadrinistas passaram a desenhar pensando mais no espaço que teriam para trabalhar, considerando as demais informações já citadas, e começaram a criar desenhos que não atrapalhassem estas

5 Os dados de publicação são o número da edição, ano, mês e etc.

(a direita) Figura 10 Capa Antiga DANIELS, 1991.

(a extrema direita) Figura 11 Batman Logos Batman Cover to Cover, 2005.

26 27

demais informações, que também sofreram mudanças, ou até que dialogassem com elas. Os títulos das revistas, que antes eram escritos apenas com fontes fantasia ou relacionadas ao gênero da história, tornaram-se logotipos e passaram a sofrer renovações constantes como mostra a Figura 11. Este exemplo será discutido na parte sobre letristas.

Algumas inovações surgiram depois devido a essa entrada do projeto na produção de uma capa, como a integração entre arte e o logotipo do personagem, a diminuição do espaço que os dados de publicação ocupavam e a mudança de posição do código de barras6 em função do layout da capa.

Tudo isso levou a criação da função do capista ou o entendimento e a afirmação de que era importante ter uma pessoa capacitada especificamente para fazer as capas, aumentando a importância destas para as editoras. Atualmente, de um modo geral, os grandes e mais famosos desenhistas realizam suas próprias capas, mas os demais acabam cedendo o espaço para um capista profissional. Este geralmente é um ilustrador oriundo dos próprios quadrinhos, da ilustração publicitária e de livros e, muitas vezes, é um designer gráfico ou ambos, como veremos a seguir. Na figura 12, a capa da esquerda foi feita pelo próprio desenhista do gibi, Michael Lark, e a capa da direita pelo capista Marko Djurdjevic. Lark fez a capa apenas de sua edição de estréia no título, depois disso apenas Djurdjevic trabalhou nas capas.

Desde a década de 1990, o lançamento de múltiplas capas de uma mesma edição tem sido comum na indústria e funciona como uma estratégia das editoras para ganhar dinheiro através do mercado de colecionadores. Com a chegada dos capistas, estas capas extras permitem que, mesmo quando o desenhista da HQ é famoso, os editores possam fazer parcerias com estes profissionais e cobrar mais caro por suas edições. Outra estratégia é usar o capista em séries novas ou em títulos com personagens menos expressivos para atrair a atenção dos leitores. É muito comum inclusive a utilização de grandes capistas em títulos cujo desenhista seja bem menos expressivo, prática que causa descontentamento na grande maioria dos leitores. Retornaremos a isso ao falarmos da mudança do produto. Para exemplificar essa evolução no processo produtivo das capas e edições de quadrinhos, investiguemos três profissionais do meio: Chipp Kidd, por ser um dos mais conceituados e atuantes no mercado de quadrinhos, e por ser um designer trabalhando no mercado de quadrinhos; Brian Wood, por seu trabalho que abrange todas as etapas da produção de uma HQ; e James Jean, por ser essencialmente um capista, mas que trabalha com a imagem e o texto. Obviamente que nem todos os trabalhos de cada um deles serão analisados ou entrarão no estudo, pois são muitos, mas uma seleção será feita. Antes, é importante estabelecer como eram as capas de quadrinhos historicamente para auxiliar no entendimento da transformação.

6 O código de barras desde a sua aplicação na capa de um gibi costuma ocupar o canto inferior esquerdo. Figura 12 Daredevil Capas BRUBAKER, 2007.

28 29

o novo visual do personagem, o já clássico uniforme vermelho e amarelo com o relâmpago no peito, e desenvolveu novas soluções gráficas para representar velocidade e movimento. O Flash passou a ser retratado como uma mancha vermelha e amarela com muitas linhas de movimento, técnica que permanece em uso até hoje (figura 14). O sucesso de seu trabalho em Flash o credenciou a assumir o Batman, e o trabalho que ele havia feito nas capas do homem mais rápido do mundo, agora ele aplicava ao homem morcego. Em ambos os casos, Infantino fez uso de soluções de composição abusando da interação do personagem com o logo (figura 15).

Mais de vinte anos depois, no final da década de 1980, a DC Comics lançou sob seu selo adulto Vertigo, a série mensal Sandman, criada e escrita por Neil Gaiman. O escritor inglês decidiu revitalizar um personagem da editora da década de 1940, Sandman, que combatia o crime utilizando uma pistola de gás do sono, porém com uma nova roupagem. A história de Gaiman narrava a jornada heróica de Morfeu, a encarnação do sono, para retomar o seu reino. Símbolo de uma nova era nos quadrinhos, o título, apesar de mensal, quebrou com uma característica quase imutável nos quadrinhos, terminando sua história em 1996. Além disso, Sandman era capitaneada por um escritor e possuía artistas rotativos que, segundo a opinião de Gaiman e da editora, melhor se encaixavam na história. O único artista que permaneceu durante toda a série foi o capista Dave McKean. Também inglês, McKean é o que se pode chamar de um artista visual. Pintor, fotógrafo, desenhista,

As primeiras revistas em quadrinhos estabeleceram um padrão no layout das capas que é seguido até hoje pela grande maioria das publicações: o logo do personagem ou do nome da revista no topo da página, as informações numéricas da mesma dispostas próximas ao título e o personagem protagonista necessariamente figurando na capa. Conforme os gibis evoluíam, essa estrutura da capa se aperfeiçoou e se padronizou. A capa estereotipada durante as décadas de 1950 e 1960 consistia em uma imagem icônica do personagem, mostrando-o em uma pose heróica e destacada, ladeada pelas informações textuais (como alguma chamada para a história), com o título do gibi ainda no topo da página e ao lado esquerdo deste, um box retangular vertical que continha o logo da editora e toda a informação da publicação (número da edição, ano e até o selo do CCA). Mesmo as capas de artistas mais inovadores não fugia desta estrutura, como o trabalho de Steranko no Capitão America (figura 13). Este formato se mantém funcional até hoje com algumas mudanças, o que não significa dizer que não existiram variações como, por exemplo, no trabalho de Carmine Infantino e de Dave McKean.

Na década de 1960, no início da Era de Ouro dos quadrinhos, Carmine Infantino, então desenhista da DC Comics, foi escalado pelo editor Julius Schwartz para desenhar o Batman em uma tentativa de resgatar o personagem depois do abalo sofrido em função da censura. Infantino estreara na DC em 1956 como desenhista do Flash, primeiro personagem que a editora apostou na renovação depois do CCA. Infantino criou

capas ontem e hoje

(acima) Figura 13 Steranko Cap DUIIN, 1998. (acima) Figura 15 Infantino Batman Batman Cover to Cover, 2005.

(abaixo) Figura 14 Flash SCHUMER, 2003.

30 31

escultor, ilustrador e designer gráfico, ele é versado em todas estas áreas visuais e as combina com freqüência em suas produções. Depois de apresentar este estilo virtuoso em Black Orchid (Orquídea Negra) e Batman Arkham Asylum (Batman Asilo Arkham) (Figura 16), ambas no início da década de 1980, McKean foi contratado para cuidar das capas de Sandman.

O resultado foram capas inovadoras que não possuíam seu personagem principal em destaque, nem se conformavam com as estruturas estereotipadas da época. McKean combinava ilustração com recortes fotográficos, com textos apresentados em diferentes criações tipográficas, sem deixar de alinhar as informações da publicação, o código de barras e o logo da editora, porém sem o box, como mostra a figura 17, em que ele trabalha com mídias e técnicas diferentes para criar a capa. Grafite e aquarela no desenho de fundo, fotografia e colagem nas correntes e cadeados. Esses elementos são compostos na capa juntamente com as informações textuais. Mesmo quando ele trabalha com menos técnicas, como na figura 24, o resultado é diferente do usual. Nesta capa ele fotografou toda a cena e inseriu as informações textuais finalizando a composição. Ele não fugia por completo do layout clássico, pois o título permanecia no topo da página e as informações textuais à esquerda, porém as organizava de forma mais harmoniosa. Quanto a temática das capas, McKean trabalhava imagens e composições que captavam a atmosfera do gibi (WEINER, 2003, p.42) sem usar personagens que necessariamente apareciam nas edições que ele trabalhava. As

capas de Sandman representaram uma quebra na estrutura das capas de quadrinhos.

Depois de Sandman, da revolução iniciada por Infantino duas décadas antes, e a valorização do formato na década de 1980 (que será abordado mais adiante), a década de 1990 viu uma supervalorização das capas como instrumento de venda. Marcada por uma super-exploração comercial dos quadrinhos que quase levou a Marvel Comics à falência, muitas estratégias foram empregadas para tirar proveito do novo status que o meio possuía após o sucesso das publicações da década anterior. A utilização de recursos gráficos e de impressão nas capas e a publicação de muitas capas para uma mesma edição tornaram-se práticas amplamente utilizadas. Capas holográficas (figura 18), com alto relevo (figura 19), com cores especiais (figura 20) e papéis diferenciados foram empregadas à exaustão pelas grandes editoras. A figura 18 mostra uma capa de The Amazing Spider-Man #385 (O Espetacular Homem-Aranha) que foi publicada com um cartão colado com uma imagem holográfica do personagem. A figura 19 mostra uma versão da capa de The Amazing Spider-Men #400 que foi publicada com um papel especial onde a imagem era valorizada através do alto relevo. A capa original desta edição, figura 20, foi impressa com cores especiais e papel de maior qualidade.

Revistas foram encerradas e reiniciadas sob o pretexto de um novo número 1 que atrairia mais leitores seduzidos pela

(a esquerda) Figura 16 Arkham SABIN, 2003.

(abaixo) Figura 17 Sandman DUIN, 1998.

32 33

possibilidade de ler um título desde o início e colecionadores que, a esta altura, haviam invadido o mercado. O aumento na popularidade dos quadrinhos na década de 1980, que será abordado mais adiante, fomentou a formação de uma grande base de fãs, que não eram mais apenas leitores, e sim fãs. A proliferação de lojas especializadas em quadrinhos na década de 1970 (WEINER, 2003, p.13) ofereceu um espaço para que estes fãs se encontrassem, e estes encontros logo se transformaram em convenções realizadas em hotéis. Hoje, estas convenções se estabeleceram como grandes eventos da cultura pop, e a convenção de San Diego é tida como o maior evento pop do mundo atraindo lançamentos da indústria cinematográfica e dos games. O meio dos quadrinhos voltou a movimentar muito dinheiro e atraiu colecionadores dispostos a pagar altas somas por edições antigas e raras, o que atraiu também especuladores dispostos a lucrar. Estas edições lançadas na década de 1990 se tornaram um chamariz para estes especuladores. A Marvel, por exemplo, lançou uma nova série mensal do Homem-Aranha intitulada Spider-Man. O número um foi publicado com oito capas, todas contando com o mesmo desenho, layout e arte, com o personagem envolto em teias, porém com diferentes cores e acabamento. A capa original foi produzida e finalizada de forma usual, as sete

demais possuíam fundo preto onde as teias e textos foram impressos com cores especiais, em alto relevo ou ambos. Essa proliferação de capas a longo prazo provou-se prejudicial. As vendas foram absurdamente altas, mas irreais, e ao fim da década, as grandes editoras enfrentaram problemas financeiros. Esses problemas não foram causados apenas pelas capas, mas estas representaram uma das estratégias falhas aplicadas aos quadrinhos na época. A Marvel entrou em concordata e a DC Comics só não seguiu o mesmo caminho, pois sua estrutura é muito mais sólida7.

Graficamente, estas experimentações e opulências foram importantes no novo século. Após o início da recuperação do mercado, em parte pela mudança do corpo editorial e em parte por opções estratégicas melhores, as editoras não deixaram de fazer uso das soluções gráficas, porém com mais parcimônia. A Marvel, impulsionada pelo sucesso de seus personagens no cinema e pelo retorno que estes filmes lhe traziam, lançou, no início do século, uma nova linha que visava rejuvenescer seus títulos e torná-los mais condizentes com a época. A linha Ultimates foi lançada com uma característica inovadora no meio: todas as capas possuíam uma mesma identidade visual. À época de seu lançamento,

7 O código de barras desde a sua aplicação na capa de um gibi costuma ocupar o canto inferior esquerdo.

a linha contava com quatro títulos: Ultimates, uma versão dos Vingadores (Supremos no Brasil), Ultimate X-Men (Marvel Milenium X-Men), Ultimate Spider-Man (Marvel Milenium Homem-Aranha) e Ultimate Fantastic Four (Marvel Milenium Quarteto Fantástico). Todas as capas consistiam em uma imagem ladeada por duas tiras em cada lateral da capa confinando a arte neste retângulo central. O logo com o nome do gibi ocupava o canto superior esquerdo e o número da edição, o canto superior direito. O código de barras e o logo da editora eram posicionados abaixo e à esquerda e os nomes dos criadores, prática que solidificou-se na década de 1990, ocupava a parte inferior direita. No exemplo abaixo, figuras 21, 22 e 23, este padrão é mostrado. As duas primeiras imagens da esquerda apresentam duas edições diferentes do titulo Ultimate, que mesmo com desenhos diferentes e composição dos elementos diferente mantém o layout da série. A terceira imagem mostra essa identidade aplicada à outro titulo, Ultimate Spider-Man #112. Todas as capas Ultimate possuíam este layout, com pequenas variações, estabelecendo uma identidade muito clara para a linha.

Esta preocupação com a identidade visual tem se tornado mais e mais presente nos quadrinhos, isto tem acontecido

(a direita no alto) Figura 18 Spidey Holo COUPER-SMARTT, 2004.

(a direita no centro) Figura 19 Spidey relevo COUPER-SMARTT, 2004.

(a direita na base) Figura 20 Spidey cor COUPER-SMARTT, 2004.

34 35

especialmente nas mini-séries8, mas já começou a ocorrer também nos títulos mensais. Há algum tempo, as duas grandes editoras realizam grandes sagas que se espalham por todos ou quase todos os seus títulos. No início, estes eventos eram mais esparsos e resumiam-se a grandes histórias atreladas a grandes personagens como, por exemplo, a história Death of Superman (Morte do Super-Homem). Neste novo milênio, o acirramento da disputa entre as duas editoras gerou uma maior preocupação com estes grandes eventos que, potencialmente, podem gerar uma receita maior. A Marvel, em 2007, escalou seus melhores escritores para elaborar o grande evento do ano, a mini-série Civil War, e demonstrou uma integração eficiente entre seus títulos mensais e a mini-série. Geralmente estas grandes sagas aconteciam principalmente na mini-série que as narrava e os demais títulos mensais recebiam as pequenas conseqüências destes eventos. Desta maneira, acabava por ser enfadonho, sem falar em caro, acompanhar tudo o que acontecia em uma determinada saga. Não valia a pena acompanhar os títulos mensais e a sintonia dos escritores destes títulos não era tão grande com os escritores da saga principal. Já em Civil War, a Marvel conseguiu tornar a maior parte dos títulos mensais interessantes, com histórias que interferiram

8 Existem três tipos de publicação no mercado americano: a publicação mensal, a mini-série e as edições únicas (chamadas de one shot). A publicação mensal é a mais comum e são os títulos que saem todo mês e possuem histórias continuadas. As mini-séries são histórias contadas em um número pré-estabelecido de edições. E as edições únicas são histórias que começam e terminam em uma mesma edição.

Figura 21 Ultimates #4 MILLAR, 2002. Figura 22 Ultimates #7 MILLAR, 2002. Figura 23 Ultimate Spider-Man #112 BENDIS, 2008.

36 37

no evento principal, sem diminuir a importância do título principal. E essa preocupação se refletiu na linguagem visual aplicada a esta saga.

O título principal da Civil War recebeu um tratamento gráfico diferenciado. As capas, ao invés de privilegiar apenas a arte, também trataram de estabelecer uma linguagem visual para toda a série. Uma grande área branca ocupa a metade de baixo da capa e da contra capa, dividindo-a em duas partes (figuras 24 e 25). Na parte de cima há uma outra área destinada a imagem. Nesta área branca são organizados o logotipo da revista, o subtítulo, os nomes dos profissionais trabalhando na revista e o número da edição. Na contra capa, um texto e uma frase emblemática sobre o tema, além do código de barras. A organização visual demonstra um cuidado típico de livros e até cartazes. O logotipo é composto de uma fonte sóbria

e serifada, diferente da maioria das outras publicações. A organização deste quebra o título em duas linhas e ainda separa uma palavra para cada lado, sendo que a primeira palavra invade a arte. Esta separação de linhas e lados é mantida em todos os textos diagramados, inclusive na frase da contra capa “Whose side are you on?”, aludindo a temática da história que separa os super-heróis em dois grupos na guerra civil que dá nome a série. A arte fica confinada a uma tira retangular na parte de cima da capa e contra capa funcionando como um pôster horizontal. Esta identidade visual é mantida durante os sete números da mini-série. O mais interessante e, até então inédito nos quadrinhos, é a idéia da editora de estender esta identidade para todos os títulos mensais participantes da saga. Todos estes títulos mensais também tiveram suas capas divididas em duas áreas, a inferior com texto e a superior com arte. O título do gibi é escrito com a mesma fonte do Civil War,

e aparece em cima da área destinada a textos. Na base fica o próprio logotipo da saga e o número da edição. Esta área para textos, branca no Civil War, varia a cor de HQ para HQ, coerente com a cor predominante do super-herói (Figura 26). Mas nos títulos mensais isso ocorre apenas na capa, pois a contra capa é destinada à publicidade.

Assim, através de uma identidade visual coesa em todos os títulos, é fácil para o leitor identificar quais revistas fazem parte da saga Civil War e também identificar as informações pertinentes para acompanhá-la (número da edição, por exemplo). Este tipo de solução gráfica nunca havia sido aplicada desta forma. Ela já havia sido feita em mini-séries, como é o caso da Superman Identity Crisis (Figura 27), por exemplo, em que a mesma linguagem foi mantida para todas as quatro edições da série, mas nunca se estendido para os títulos mensais, que tem suas capas mais ou menos iguais

há anos. Além de uma inteligente solução gráfica do ponto de vista dessa identidade e, conseqüentemente do design gráfico que demonstra um planejamento gráfico para o projeto como um todo, ela também o é do ponto de vista do marketing, pois as capas com grandes tarjas de uma mesma cor se destacam nas estantes de venda em meio a tantas capas extremamente coloridas. Uma outra possibilidade de identidade visual era, originalmente, unir as capas de uma mesma coleção através da arte. Os desenhistas criavam em cada capa desenhos que funcionavam individualmente, mas que, quando colocadas lado a lado, formavam uma grande ilustração, como um cartaz. Na figura 28 é apresentado um exemplo recente desta prática na mini-série Gotham Unerground. Publicada em nove partes, cada capa é um pedaço do grande cartaz formado pela junção de todas. Atualmente essa conexão ocorre também através do design gráfico, obviamente não da mesma forma.

38 39

Figura 24 Civil War #1 MILLAR, 2006.

Figura 26 Civil War titles MILLAR, 2006.

Figura 25 Civil War #4 MILLAR, 2006.

40 41

Um outro recurso herdado da década de opulência gráfica foi o das chamadas “capa pôster”. Na década de 1990 as editoras costumavam publicar títulos importantes com recursos gráficos elaborados, como já foi visto, e uma das variações que elas encontraram foram as capas compostas de mais de uma página. Nestas o desenho da capa se iniciava na quarta capa e terminava na capa. Ou então ele começava na própria capa e terminava em uma folha que funcionava como prolongamento da capa e geralmente vinha dobrada para trás da capa. Hoje, este recurso continua sendo utilizado em títulos importantes, mas com algumas diferenças. Em Batman #619, último número da saga Hush que opôs o protagonista à todos os seus vilões, a DC Comics publicou o gibi com duas capas diferentes, ambas feitas pelo time criativo da história (Jim Lee desenhando e Scott Williams arte-finalizando). Uma estrelando o “time” dos heróis (figura 29), e uma o dos vilões. Em ambas as capas, o recurso foi utilizado, porém a capa tripla se iniciava na própria capa e se estendia por duas folhas anexas. Essa decisão permitia que a editora não perdesse o espaço de publicidade da quarta capa, que é o mais valioso, e ainda utilizasse todo verso da capa tripla também para anúncios.

Esse recurso é bastante popular entre os fãs e colecionadores, e apesar de não ser barato, costuma ser empregado em ocasiões

especiais, como o lançamento da terceiro ano da série Ultimates pela Marvel no final de 2007. A série é um dos títulos mais vendidos da editora, e é tratada como uma série de televisão, pois é dividida em temporadas. A primeira, Ultimates, escrita por Mark Millar, desenhada por Brian Hitch e arte-finalizada por Paul Neary, foi lançada em 2002 e durou 12 edições. A série naugurou o universo Ultimates que é uma espécie de versão alternativa do universo da editora com histórias mais realistas e com os personagens mais ambientados no mundo real. Mais violento e cínico, o universo Ultimates foi um sucesso de público e as vendas tornaram o título principal um dos mais importantes da editora. A segunda, Ultimates 2, contando com o mesmo criativo foi lançada em 2004. Ela durou 13 edições e a última e aguardada conclusão da saga contou com um splash de 8 páginas, inédito no meio. Voltarei a ela ao falar de páginas splash no capítulo 2. Ultimates 3 foi lançado em 2007 e trouxe uma mudança significativa, saiu o time original, que além de ter trabalhado por 25 edições no titulo, foram os criadores da série. No lugar entraram Jeph Loeb no roteiro e Joe Madureira nos desenhos, acompanhado de Christian Lichtner colorindo. O escritor é bem diferente de Millar e foi recebido com duvidas pelos fãs, mas o desenhista é um dos mais famosos da geração que estourou no final década de 1990, e estava afastado do meio ha alguns anos. A editora publicou a primeira edição

Figura 27 Superman Secret Identity BUSIEK, 2004.

(a direita) Figura 28 Gotham Underground TIERRI, 2007.

42 43

(figura 30), que marcou a estréia deles, com uma capa tripla nos mesmos moldes da do Batman, com uma para os heróis e uma para os vilões, mas a da Marvel começava na quarta capa, continuava na capa e terminava em uma folha anexa a capa. O objetivo era valorizar o retorno de Joe Madureira, que no título, não contava com um arte-finalista, a colorização era aplicada diretamente sobre o traço à lápis.

Os títulos mensais ainda mantém parcialmente o design clássico estabelecido na Era de Ouro e sacramentado na Era de Prata, mas sofreram uma modernização. As imagens interagem melhor com as informações textuais e com o logo e, geralmente são pensadas para isso. O box com as informações da edição está bem menor e ocupando muito menos espaço, apesar de ainda se localizar no alto à esquerda. Mas a principal característica das novas capas é a maior liberdade na organização dos elementos. Com exceção do logo no alto da página, que apesar de diversas capas terem trabalhado com variações ainda é o mais comum, e o logo da editora do lado esquerdo no alto, as demais informações tem sido organizadas com mais liberdade criativa.

Ao longo desse processo, a natureza do profissional envolvido com a produção de uma capa de quadrinhos mudou. De um desenhista para um quadrinista, para um capista e até para um designer. Investiguemos, como já citado, alguns destes profissionais especialistas que adentraram o mercado dos quadrinhos.

(acima) Figura 29 Batman Capa Tripla LOEB, 2003.

(abaixo) Figura 30 Ultimates 3 LOEB, 2007.

44 45

Um indicativo do aumento da importância dada a linguagem visual nas HQs é a contratação de designers para cuidar do projeto gráfico de certas edições. O pioneiro e o mais prolífico destes designers é Chipp Kidd. Designer gráfico e escritor norte-americano que trabalha há anos criando capas de livros, Kidd é diretor de arte da Alfred A. Knopf e editor associado da editora Pantheon. Seu trabalho no meio quadrinístico é vasto; de autor e designer do livro Batman Animated (1999) sobre a série de desenhos animados do Homem Morcego, a designer de livros específicos sobre autores como Peanuts: The Art of Charles M. Schulz (2003) e sua arte como o criador de Snoopy. Ele foi responsável pelo design do livro Mythology (2003) sobre a arte de Alex Ross, Batman Collected (2001), entre outros. Mas seus trabalhos não se limitaram a livros, pois Kidd foi responsável por uma série de projetos para a DC em sua linha de HQs. Ele cuidou do design dos TPBs9 de Batman The Dark Knight Returns (Batman O Cavaleiro das Trevas) de 2002 e Batman The Dark Knight Strikes Again (Batman O Cavaleiro das Trevas 2) de 2004, bem como a edição de luxo de Batman Year One (Batman: Ano Um) de 2006. Em todos estes trabalhos, ele foi creditado nas edições como responsável pelo design da capa e da publicação (cover and publicaton design), o que é um fato não tão comum em uma obra de quadrinhos. Em Batman: Year One, ele se utilizou de um desenho de David Mazzucchelli, artista original

da série, impresso sobre um papel cinza, e criou uma sobrecapa recortada por uma faca especial10 (figura 31). Este corte na diagonal divide o próprio título da publicação revelando a figura do personagem ao fundo. A cuidadosa montagem permite que o texto na lombada comece na capa sobre o desenho do Batman e termine na sobrecapa. A cor cinza de fundo remete a sobriedade do personagem enquanto a sobrecapa magenta chama atenção para o título e as demais informações através do contraste. Esta edição de luxo contém extras inéditos nos moldes de um DVD. Estes extras trazem ao leitor páginas do roteiro original e páginas originais a lápis de Mazzucchelli antes de serem arte-finalizadas, bem como outras partes do processo, e tudo isso também foi organizado e visualmente cuidado por Chipp Kidd. Das páginas de informação e introdução, passando pelas imagens usadas como quebra de capítulos aos extras, todo o design da publicação foi feito por ele.

Esta capa apresenta uma sobrecapa cortada por uma faca especial, que se inclina para a direita e apara as letras, imitando Bruce Wayne cortando a corrupção e decadência que infesta Gotham City apresentado no enredo. A HQ recontando a história do Batman é, para mim, a melhor história do personagem já feita. A confluência da habilidade na escrita, desenho e colorização é suprema e ainda não foi batida (KIDD, 2005, p.394).

chip kidd

9 TPB, que significa Trade Paperback, é uma publicação que compila diversas edições de quadrinhos em um único volume. Geralmente dedicado a publicar mini-séries em um só volume, os TPBs também são lançados compilando as edições mensais em pequenos lotes. 10 Faca especial é uma guilhotina no formato previamente estipulado por um projeto gráfico para recortar ou dobrar o papel ou qualquer outro material em formatos diferenciados. O formato da faca é o contorno em volta do recorte de papel.

No TPB Batman The Dark Knight Returns (figura 32), que é o objeto de estudo desta dissertação, Kidd trabalhou com uma grande imagem recortada da silhueta da cabeça de Batman destacando o personagem de forma grandiosa em sua maior obra; e, em uma área separada embaixo, todos os demais personagens. No TPB seguinte, Batman The Dark Knight Strikes Again, no lugar da cabeça do Batman, um close extremo do olho do personagem. Além de ter um design ousado e pouco comum nos quadrinhos, o TPB mantinha a mesma identidade visual do TPB anterior, criado através do design gráfico e não só do personagem, como era mais comum no meio. Depois disso, Kidd cuidou do design dos novos TPBs de Sin City, lançados em 2005, criando uma linguagem gráfica para toda a série. Ele estabeleceu duas áreas muito claras no layout das capas, uma para a arte e outra para as informações textuais (figura 33). A arte é apresentada em preto e branco assim como ela é no interior dos TPBs, que é uma característica da linguagem em alto contraste de Miller para a série. O texto, composto do título e das demais informações, é organizado em um retângulo em cor chapada. Durante a série, que é preto e branca, Miller utilizou em alguns momentos inserções de cor pontualmente. Em A Dame to Kill For, o segundo volume (figura 34), os olhos de Ava, uma das protagonistas, são azuis, e são a única parte colorida em toda a história. No quarto volume (figura 35), That Yellow Bastard, o vilão, depois de inúmeras cirurgias, passa a ser representado com a cor amarela, também a única parte colorida na série. Kidd faz uso desta estratégia nas capas, mas as mantém diversificadas e diferenciando o

posicionamento dos itens. Além disso, Kidd estruturou as lombadas quadradas para que, quando dispostas lado a lado em uma estante, formem o desenho de uma das personagens tornando os TPBs facilmente reconhecíveis (figura 36).

Eu estava tentando atrair a atenção de Frank (Miller) há anos, primeiro nas páginas de Batman Collected, e depois em Batman: The Complete History, ambos com seções sobre seu trabalho. Mas foi o livro sobre o Plasticman que finalmente chamou sua atenção. Ele ficou bastante impressionado com o trabalho de retrabalhar arte de quadrinhos já existente e para minha alegria me chamou para fazer o mesmo não só na sua edição compilada de Batman: The Dark Knight Strikes Again, mas também para a edição correspondente de seu seminal Batman: The Dark Knight Returns. Se algum projeto pedia escalas extremas, esse era ele, com Batman pairando enorme sobre o resto dos personagens reunidos. A Robin/Catgirl de Miller, Carrie Kelly, está em ambas as lombadas, já que ela é central para ambas as histórias. A DC estava bastante nervosa a respeito da capa de Strikes Again, pois eles não achavam que alguém fosse reconhecer o Batman. Frank lhes garantiu que funcionaria, e ele gostou tanto do resultado que me pediu para recriar as capas para todos os seus Sin City (IBID, p.374).

No início do século XXI, a DC Comics encomendou a Chipp Kidd a criação de um novo logotipo para todos os títulos mensais do Batman e uma identidade visual para todos. Kidd criou uma área reservada para o título e as demais informações da publicação, que passaram a ocupar o cabeçalho de todas as capas mensais do personagem, estabelecendo uma inédita

46 47

(a direita) Figura 31 Batman: Year One MILLER, 2005.

(abaixo) Figura 32 Batman DKR MILLER, 2002.

48 49

identidade visual através do design gráfico em títulos deste porte. Em 2005, a mesma DC Comics lançou uma nova linha mensal de HQs com seus dois principais personagens, Superman e Batman, Intitulada All Star. O intuito da série mensal era colocar grandes escritores ao lado de grandes desenhistas e contar histórias livres, não necessariamente ligadas a cronologia atual dos personagens. Para ambas as séries, All Star Superman (Figura 37) e All Star Batman & Robin The Boy Wonder (Figura 38), a editora contratou Kidd para cuidar do design das capas de modo que elas tivessem uma identidade visual, ou seja, que os títulos pudessem ter uma linguagem própria, mas que informassem visualmente ao leitor os gibis que fazem parte desta série. Kidd estabeleceu uma área na parte de cima das capas ocupada por um retângulo preto que destaca o título e as informações da publicação. Os nomes da equipe criativa que trabalha na HQ geralmente são dispostos verticalmente na capa e organizados por sobrenome. Kidd colocou os nomes completos (nome e sobrenome) do escritor e desenhista em uma tarja no alto da capa, acima do retângulo preto organizados horizontalmente (ela é vermelha no All Star Superman e amarela no All Star Batman & Robin The Boy Wonder). Dessa forma, ele destacou os nomes de acordo com o objetivo da série All Star que era a parceria entre escritores e desenhistas conceituados, e ainda acrescentou um sinal de mais (+) entre os nomes para enfatizar a colaboração. Abaixo destes nomes, em cinza e com menos destaque, o nome do terceiro (ou quarto e quinto no

caso do All Star Batman & Robin The Boy Wonder) membro da equipe criativa. O logotipo da revista, no caso o nome do personagem, destaca-se do retângulo preto. Em ligeira diagonal e em perspectiva, o logo da All Star Superman transita de fora para dentro da capa, da esquerda para a direita, com uma das extremidades recortada pela borda. No caso do All Star Batman & Robin The Boy Wonder, a orientação da diagonal é de dentro para fora da capa, ou seja, os logotipos são espelhados. Além disso, a própria tipografia dos títulos é diferenciada, sendo sóbria, sem serifa, na cor branca, sem nenhum efeito que dê volume as letras (recurso comum a grande parte dos títulos de quadrinhos) ou qualquer outro recurso de fantasia. Completam a capa, nos dois casos, o logotipo da editora com uma pequena interferência do texto All Star circundando-o, e o número da edição em destaque. Ambos foram posicionados entre o título e a borda da revista. Esta concentração dos elementos textuais de informação na capa facilita a identificação da revista e auxilia o leitor, deixando um espaço sem interferências para a arte.

Chipp Kidd aborda um trabalho em quadrinhos como o designer que é, analisando os elementos e combinando-os da forma mais eficiente de acordo com a proposta e sua própria criação. Ele produz tudo que aplica em suas capas e publicações, direta ou indiretamente. Seu trabalho é tão respeitado e valorizado no meio dos quadrinhos que ele geralmente tem liberdade para decidir sobre a criação.

(acima) Figura 34 Sin City: A Dame to Kill For MELNICK, 2005.

(a esquerda no centro) Figura 33 Sin City MELNICK, 2005.

(a esquerda) Figura 35 Sin City: That Yellow Bastard MELNICK, 2005.

(abaixo) Figura 36 Sin City lateral MELNICK, 2005.

50 51

Outro designer gráfico a se estabelecer no mercado dos quadrinhos foi Brian Wood. Ilustrador por formação, Wood fez seu primeiro trabalho para os quadrinhos em 1997, quando escreveu e ilustrou Channel Zero, publicado pela Image Comics. A mini-série em cinco partes fazia parte de seu trabalho de conclusão de curso na faculdade e era composta de muitas fotos e montagens, bem como diversas soluções gráficas, logos e textos, todos de sua autoria, incluindo o material de divulgação da série. Este foi publicado alguns anos mais tarde em uma edição especial chamada Public Domain (figura 39), apresentando todo material de produção e ainda peças não-publicadas, muito semelhante ao que se faz como os extras de um DVD. A HQ, originalmente feita de forma manual, possui uma linguagem bastante gráfica, com interferências tipográficas diversas – algumas vezes, a tipografia transforma-se em imagem e/ou textura. Wood mistura ilustração e fontes, imagens com bastante contraste, riqueza de detalhes e áreas chapadas de cor, acentuadas pela arte em preto e branco. Algumas ilustrações parecem fotos da cidade e várias descrevem cenas e lugares urbanos, um dos pontos centrais de sua produção. O trabalho de Wood faz questão de incorporar a experimentação gráfica, mas considerando-a parte do processo e da criação. Ele explora várias opções de composição distribuindo os elementos de diferentes maneiras dentro dos quadros, com grandes espaços brancos buscando dar maior tempo de leitura ao leitor ou com o desenho saindo do quadro para expressar força e valorizar todo o sentimento do personagem destacado. Explora o branco

para a leitura do preto e vice-versa, com espaços positivos e negativos. Às vezes, ele se utiliza de sarjetas pretas diminuindo o tempo de leitura e fazendo com que a arte em branco se destaque ainda mais.

Eu tento criar meus gibis do mesmo jeito que eu imagino que algumas pessoas façam discos. Eu desenho muito, produzo muitas páginas; muito mais do que é necessário, com seqüências alternativas e múltiplas versões das mesmas páginas e, quando eu tenho todo esse material, eu começo a “misturá-lo”, montando a narrativa, cortando quadrinhos desta página e colando-os em outras. Eu acrescento quadros de transição e páginas novas quando preciso e, ao final do processo, me resta a história final e algo como duas ou cinco vezes mais material produzido do que eu usei sobrando (WOOD, 2002, p.4).

Depois de publicar Channel Zero, Wood passou alguns anos longe dos quadrinhos, trabalhando como designer gráfico para inúmeros sites e para a Rockstar Games, estúdio que produz jogos de vídeo game como Max Payne, Midnight Club e, seu maior sucesso, a série Grand Theft Auto. Ele foi parte da equipe de designers por quatro anos até sair para retornar ao mercado de quadrinhos. Em 2004 assumiu o posto de diretor de arte da AiT/Planet-Lar, uma editora independente de quadrinhos, onde ficou por cerca de oito meses e trabalhou em todas as frentes visuais da editora, criando o logo da empresa e de seus diversos selos, cuidando da identidade visual dos títulos e fazendo as capas dos gibis publicados por eles. Nesse período, Wood

brian wood

(a esquerda) Figura 37 All Star Batman MILLER, 2006.

(a esquerda e abaixo) Figura 38 All Star Superman MORRISON, 2006.

52 53

foi contratado para trabalhar como capista da mini–série em doze partes Global Frequency, escrita por Warren Ellis e publicada pela Wildstorm11, que trata de uma agência mundial liderada por uma ex-agente secreta que luta contra os mais diferentes tipos de ameaças. As capas dessa mini-série lhe renderam prêmios no meio quadrinístico e sacramentaram sua posição no mercado. Primeiro, por ser um título de uma grande editora, Global Frequency (figura 40) era publicado pela Vertigo - braço adulto da DC Comics; segundo, por ser escrito por Warren Ellis, que já era um roteirista de quadrinhos conceituado na época e estava a caminho de tornar-se um dos principais; e terceiro, porque o seu trabalho destacou-se das demais capas. Produzindo a partir de fotos que ele mesmo tirou, Wood criou capas completamente diferentes do que já haviam sido feitas. Usando fotografia nas capas que criou, uma solução que não era inédita nos quadrinhos, mas ainda não havia sido feita da forma como ele fez. Desde a década de 1960, alguns quadrinistas como Jack Kirby e Neal Adams usam fotos em suas capas, mas o mais comum era aplicá-las em conjunto com um personagem, geralmente como fundo. O que Wood fez foi trabalhar as fotos como elementos protagonistas em suas capas combinando-as com textos, cores e desenhos. Ele trabalhou também com bastante contraste, sempre em preto e branco ou em preto e alguma outra cor, algumas vezes emulando luzes ou combinando cores vibrantes.

Há áreas de imagens bem claras e separadas por assunto. O logo do gibi, que também é dele, foi criado através da manipulação de fontes e, o subtítulo, remete a fontes antigas de máquinas de escrever.

Oito meses depois de entrar, ele deixou seu cargo de diretor de arte da AiT/Planet Lar e, em parceria com a artista Becky Cloonan, lançou Demo (figura 41), uma maxi-série em doze partes focando histórias curtas, mais dramáticas e humanas, calcadas na realidade, diferentemente do que ele vinha fazendo em Channel Zero e outros títulos. Cloonan cuidou da arte e Wood dos roteiros, das capas e do design das edições. Além disso, Wood foi responsável pela capa e pela linguagem gráfica do gibi. O logotipo foi criado por ele a partir de manipulação de uma fonte, buscando expressar visualmente um certo desgaste, com falhas e riscos representados como interferências nas letras, remetendo também ao processo de impressão tipográfica tradicional que, por ser feito manualmente, sempre estava sujeito “falhas” na cor, na impressão e no próprio processo. Em vez da letra “D” possuir o contorno interno usual da fonte, ela traz uma estrela vazada ou com cor, dependendo da cor do restante do logo. Em toda a série, o logotipo possui uma área delimitada, e com a mesma identidade visual encontrada na tipografia “suja”, o traçado que separa a fonte da arte parece desgastado também. Do roteiro,

11 Wildstorm é a editora fundada por Jim Lee, um dos mais influentes e famosos desenhistas dos quadrinhos norte-americanos, especialmente a partir do final da década de 1980. Inicialmente parte da Image Comics, a Wildstorm separou-se da editora e foi vendida por seu criador para a DC Comics no final da década de 1990.

(abaixo) Figura 40 Global Frequency ELLIS, 2004.

(a esquerda) Figura 41 Demo WOOD, 2005.

Figura 39 Public Domain WOOD, 1997.

54 55

Wood privilegiou finais abertos - inclusive para oferecer ao leitor a possibilidade dele mesmo decidir e interpretar a continuação da história - e evitou finais felizes tradicionais. O foco da série é na vida nua e crua, tratando das escolhas, muitas vezes difíceis, que as pessoas tem que fazer e que irão mudar o resto de suas vidas. Em todo seu trabalho, Wood possui diversas referências, inclusive a linguagem do cinema, e Demo é um exemplo.

Depois de namorar uma diretora de cinema logo antes de começar Demo, eu havia passado horas e horas assistindo a curta metragens (eu querendo ou não), e eu passei a gostar do formato. O melhor curta ou história não é uma história em três atos espremida em um espaço pequeno, mas sim uma única cena ou um momento, que ainda funciona por conta própria. Se teve um mandamento que eu trouxe comigo para Demo foi o de escrever esses curtas em quadrinhos e explorar a forma. Para essa finalidade, não importava qual era a história por trás ou o que os personagens fizeram depois da página 24. Não importava (WOOD apud BRADY, 2007).

Em 2005, ele retornou para a Vertigo e publicou DMZ (figuras 42 e 43), uma série mensal que aborda uma Nova York pós-guerra civil em pleno século XXI. Ricardo Burcelli foi escalado para os desenhos enquanto Wood escrevia e era responsável pelas capas. DMZ possui um tom político no seu roteiro e na sua arte onde suas capas retratam uma qualidade urbana, representada com símbolos, excessos, contrastes, fontes bold – incluindo a do logo - e outras que lembram placas de rua, texturas e grafite. No ano seguinte, ele escreveu e cuidou do design da mini-série em quatro partes Supermarket, cuja arte ficou a cargo de Kristian Donaldson. A colorização remete a pop arte, com mistura de cores ácidas e fortes. E em 2007, Wood lançou seu segundo título pela Vertigo, Northlanders, que aborda um viking e sua jornada de volta para casa. Mais uma vez os roteiros e o design da série, que é mensal, ficaram a cargo de Wood, enquanto a arte é de Massimo Carnevale e Davide

Brian Wood caracteriza-se nos quadrinhos pelo design total, ou seja, por cuidar de todas as partes as quais ele tem acesso da produção. Do roteiro a capa, passando pelo logo e qualquer outro elemento visual da publicação.

(acima) Figura 42 DMZ Showcase WOOD, 2007.

(a direita) Figura 43 DMZ #20 WOOD, 2007.

56 57

Por fim, o último dos exemplos que serão abordados é também o mais recente a entrar no mercado. James Jean, assim como Brian Wood, é um ilustrador. Mas outro tipo de ilustrador. Enquanto Wood possui um estilo mais gráfico, com figuras estilizadas, cores sólidas e contrastes acentuados, Jean é um ilustrador que possui um estilo clássico, porém moderno. Ele possui um traço limpo, que beira o cartunizado, mas sua finalização é elaborada e realista como as pinturas classicistas e suas alegorias. Seu trabalho é inspirado em artistas clássicos japoneses como Hokusai, Yoshitoshi e Hiroshige, mas possui características bastante originais. A arte de Jean é hiper-realista, porém não representa a realidade como ela é, e sim como ele a vê, adicionado um caráter interpretativo à suas obras. Esse realismo extremo, em grande parte resultado de sua técnica apurada, é usado para representar interpretações fantasiosas, que combinam diversos elementos gráficos a sua arte, como arabescos e florais. Sua arte possui uma estranheza perturbadora em qualquer de suas composições, representada através de temas e soluções. O quadrinista e ilustrador Paul Pope fala sobre essa característica na introdução do primeiro livro sobre a arte de Jean:

A segunda estranheza é uma estranheza em transformação, algo que em um primeiro momento nos pega e então gradualmente deixa completamente de ser estranho... uma estranheza que, eventualmente, se torna familiar e invisível. Ao invés de ofender, ela permeia, torna-se parte da forma como vemos e pensamos (POPE apud JEAN, 2005, p.6).

James Jean é um dos mais requisitados e premiados capistas do mercado, e seu trabalho não se concentra apenas nos quadrinhos, ilustrando para grande parte das revistas norte americanas e para a publicidade, além de grandes clientes como Nike (figura 44), Atlantic Records, Time Magazine e Prada. E sua produção não se concentra meramente na arte, mas também no design, porém direcionado para a organização dos elementos textuais e visuais. Jean é responsável pelo design das peças que trabalha, sejam elas capas, pôsteres ou embalagens.

Nos quadrinhos, ele é quase um homem de uma casa só, pois a grande maioria de sua produção foi feita para a DC Comics. Seu primeiro grande trabalho para o meio, e sua estréia na editora, foi em 2000 como capista da série Batgirl durante dezesseis edições. No ano seguinte, ele tornou-se capista do título Green Arrow (Arqueiro Verde), para quem fez quatorze capas, e foi responsável pela capa da primeira antologia Meathaüs, organizada por alunos da School of Visual Arts de Nova York, onde ele próprio se formou. Em 2002, Jean iniciou o trabalho pelo qual ganhou mais reconhecimento e inúmeros prêmios, e que formará a maioria dessa análise. Ele foi contratado como capista da debutante série Fables. Criada e escrita por Bill Willingham e desenhada, em sua maioria, por Mark Buckingham, Fables conta a história dos personagens dos contos de fada e folclore que foram expulsos de sua terra natal por um inimigo comum e formaram uma comunidade clandestina em Nova York. Publicada pelo

james jean

Figura 44 Jean Nike FENNER, 2007.

58 59

selo Vertigo, Fables, desde o número um, teve James Jean como capista, posto que ele ocupa até hoje, já tendo criado e executado setenta e duas edições. Neste meio tempo, ele criou diversas outras capas, notadamente Amazing Fantasy (2004) e Runaways (2005), dois títulos da Marvel, para duas mini-séries do Batman, War Drums (2004) e War Games (2005), e para a Dark Horse Comics, onde fez uma capa de The Escapist (2006) e foi o capista das seis edições da mini série The Umbrella Academy (2007), escrita pelo cantor Gerard Way e desenhada pelo brasileiro Gabriel Bá.

Seu trabalho em Fables oferece uma amostra de seu processo de trabalho profissional. A partir do roteiro ou de um resumo da história, Jean começa esboçando soluções para a capa. O sketch é parte fundamental de seu processo, e ele os faz em profusão até atingir o ponto em que “a composição se acerta”.

Eu recebo um roteiro ou um resumo do meu editor, e depois de absorver a informação começo esboçando em papel Bond (papel de alta gramatura e maior qualidade). Depois de alguns thumbnails, eu dobro um pedaço de papel A4 em dois e começo a trabalhar em um sketch refinado. Depois que isso é feito, eu o scanneio e mando para aprovação (do editor). Quando aprovado, eu amplio o sketch na minha impressora e o transfiro para um papel Bristol usando uma mesa de luz. Depois que o desenho final está pronto, eu scanneio e no computador trabalho a colorização no Photoshop (JEAN in ELLIS, 2005).

Nas capas mensais de Fables, Jean trabalha os elementos de composição tentando integrar todos. Desde o sketch até o layout final, todos os elementos estão presentes. O logo da revista é sempre escrito com a mesma fonte, mas Jean trabalha com diferentes formas de organizá-lo e apresentá-lo. Seja horizontal, vertical, desarrumado ou integrado a imagem, o que é o mais comum, a fonte é sempre a mesma. A capa do número 60 (figura 45), apresenta uma orientação vertical. A ilustração mostra o personagem, Fly Catcher (sapo cururu no Brasil), de corpo inteiro limpando o chão. O logo é disposto verticalmente com as letras dentro de círculos, e o número da edição ao lado do “S”. O logo da editora, como é de praxe, está no alto e à esquerda, e um pouco abaixo, o nome da história com sua própria fonte e disposição. Abaixo estão os nomes dos criadores. As informações da publicação foram organizadas na parte inferior direita, exatamente oposta ao logo da editora. O último item, o código de barras, ocupa a parte inferior esquerda. Jean usa os contrastes da cor da ilustração para destacar elementos gráficos como o título sobre a parte mais clara da parede e o número da edição na parte mais escura.

No número 61 de Fables (figura 46), a composição como um todo também é vertical. A ilustração, com o macaco alado segurando um elmo e a corda presa a um galho no topo da página pendendo até a parte de baixo, é vertical em sua orientação. O logo, com as letras contidas em círculos, também o é, bem como o número da edição estabelecido abaixo do “S”. Por causa do galho, importante elemento na história, o logo

Figura 45 Fables #60 WILLINGHAM, 2007.

60 61

da editora foi deslocado para a direita. Os nomes dos criadores bem como o da história foram posicionados entre a cabeça do macaco e o galho também de forma vertical. Tanto o código de barras quanto as informações da edição foram posicionados no canto inferior direito, formando uma tarja de informações textuais à direita da capa. O rabo do macaco quebra esta faixa, se enrolando no número da edição conectando ilustração e texto. Jean é detalhista e suas capas refletem isso, o arabesco que separa o título da história de sua numeração possui uma mosca no meio, alusão ao protagonista da história.

A capa do número 65 (figura 47) utiliza as mesmas soluções das anteriores, porém com pequenas mudanças e outra orientação. A ilustração possui elementos horizontais, bem como a informação textual. O cavaleiro na padiola sendo carregado e o tigre em primeiro plano são horizontais. O logo, ainda contido nos círculos, também está na horizontal. A disposição dos elementos na capa é centralizada e a cor é um importante elemento narrativo. O tigre é laranja e está em primeiro plano. Para valorizar o logo do gibi, Jean coloriu os círculos que contém suas letras também de laranja. A cor ainda alude ao uniforme do protagonista na primeira capa da série (número 60). A variação é outra tática utilizada por ele para tornar suas capas dinâmicas.

O número 64 (figura 48), que mostra o aniversário dos filhos de dois dos protagonistas, tem uma capa bem mais alegre que as descritas aqui, com cores quentes e vibrantes. O layout circular

(a direita) Figura 46 Fables #61 WILLINGHAM, 2007.

(a extrema direita) Figura 47 Fables #65 WILLINGHAM, 2007.

62 63

torna a composição forte e coesa, representando o significado de família. As informações textuais são mais discretas nesta capa do que nas outras. Jean se aproveita do fato do título já estar estabelecido no mercado, e cria variações na relação entre a imagem e o texto. Geralmente, a imagem tem mais destaque do que o texto como neste caso, mas essa relação é mutante tornando-se às vezes mais igualitária. Em algumas capas, Jean procura integrar mais a imagem e o logo.

No número 71 (figura 49), o logo corta a capa em diagonal da esquerda para a direita, guiando o olhar do leitor para o número da edição posicionado no canto superior direito. Muito maior do que ele costuma aparecer, o logo torna-se um elemento de composição do fundo, principalmente porque a personagem, protagonista da história, está centralizada verticalmente e na frente do logo. A fonte

do logo não é alterada e divide as cores com o restante dos elementos da capa. Tudo oscila entre o vermelho e o branco. Outro exemplo desta integração, a capa do número 72 (figura 50), apresenta o logo “misturado” a imagem. A ilustração mostra uma briga, com personagens espalhados pela capa. O logo quebrado ao meio possui uma organização irregular que se enquadra na ação. O “FAB” posicionado diagonalmente sobre a cabeça do homem em primeiro plano possui sangue espirrado da boca do homem a sua frente. O “LES”, destacado do restante do logo, está ligeiramente rotacionado sobre o braço da protagonista. Essas variações entre a disposição dos elementos e as soluções gráficas e técnicas empregadas sem perder a identidade do título tornam possível que um mesmo capista se mantenha durante tanto tempo em um mesmo gibi. Nesse caso específico, há mais de setenta edições.

(a esquerda) Figura 48 Fables #64 WILLINGHAM, 2007.

(abaixo) Figura 49 Fables #71 WILLINGHAM, 2008.

(abaixo e a direita) Figura 50 Fables #72 WILLINGHAM, 2008.

64 65

a sutil mudança na “embalagem”

Até a década de 1980 muito pouco mudara no formato das revistas em quadrinhos criado por Maxwell C. Gaines cinqüenta anos antes ao dobrar um jornal em quatro partes. Durante todo esse tempo, a qualidade baixa do papel usado para impressão manteve-se, a quantidade de cores utilizadas nas máquinas sofreu vagarosa evolução, como vimos anteriormente, e pouco se fez para sair da lombada canoa12, organizada em cadernos e presa por grampos. Quanto as razões para isso nos cabe apenas especular, pois não há informações precisas sobre esse desenvolvimento. Mas é possível que seja em função da tardia formação e profissionalização do meio, e também devido a censura e ao código que certamente desaceleraram a evolução dos quadrinhos norte-americanos, quase parando-os. Assim que a indústria se restabeleceu e começou a atrair de volta aqueles profissionais que a haviam deixado e abriu espaço para outros especialistas e, em alguns casos, mais capacitados em diversas outras áreas, essa evolução foi retomada. Desde a década de 1960, artistas com Gil Kane, então atuando no mercado de quadrinhos, começaram a experimentar a partir da forma, testando, por exemplo, diferentes layouts de página e soluções de composição novas, tornando-se cada vez mais ousados, até atingir o ápice da experimentação artística nos quadrinhos no fim da década de 1970. Durante a década de 1980, através dos trabalhos de Jim Steranko e Neal Adams, Bill Sienkiewicz, John J. Muth e mais tarde Dave McKean, esse experimentalismo se espalhou pelo meio conquistando

espaço nos quadrinhos e expandindo as fronteiras criativas que já haviam sido ampliadas por seus antecessores. Essas experimentações geraram uma necessidade de novos tipos de publicações em termos de formatação gráfica. Desde o final da década de 1960, as HQs começaram a “flertar” com diferentes formatos de publicação além do já clássico (25,4 cm x 17,8 cm), como o romance em quadrinhos de Gil Kane e Archie Goodwin His name is Savage publicado em formato de revistas, e as duas edições de The Spectacular Spider-Man publicadas no mesmo formato e ano pela Marvel. His name is Savage é tido por muitos como um dos precursores das graphic novels, ou para alguns, a primeira graphic novel.

A autoria do termo graphic novel é bastante imprecisa, mas a primeira vez que ela foi usada em uma HQ foi em 1976 por Richard Corben ao adaptar a obra literária de Robert E. Howard, Bloodstar. O quadrinho é descrito pelos próprios editores como “um conceito revolucionário, uma graphic novel que combina toda a imaginação e poder visual da arte dos quadrinhos com a riqueza do romance tradicional” (Brucke, 2003). O gibi era uma história em quadrinhos adaptando um livro, não possuía inovações em seu formato e, apesar de ser muito difícil precisar, possui a primeira citação do termo. Considerando o formato, a obra de Gil Kane Blackmark, de 1971, é bem mais experimental do que a de Corben e foi, trinta anos depois, reconhecida como a graphic novel original pelos

12 A lombada canoa é utilizada em publicações com um número de páginas não muito alto, pois emprega grampos, o que não é um acabamento indicado para impressões com muitas páginas.

seus editores. O termo teve diversas aplicações na década de 1960, sempre buscando atribuir ao quadrinho uma suposta qualidade narrativa de romance e não simplesmente de quadrinhos, mas foi realmente popularizado pelo trabalho de Will Eisner, A Contract with God and other tenement stories (Um Contrato com Deus e outras histórias de cortiço) lançado em 1978 (figura 51). Eisner criou um novo tipo de quadrinho abordando um tema adulto, incomum ao meio, com histórias curtas e finitas, fugindo dos gêneros em voga de super-heróis, como Superman e Batman, e quadrinhos infantis como os da Disney. A HQ contava quatro histórias curtas unidas tematicamente que juntas formavam um retrato da classe trabalhadora judaica durante a Grande Depressão em Nova York (WEINER, 2003, p.17). Ela possuía lombada quadrada, também incomum nos quadrinhos e característica de livros, um papel de melhor qualidade e recebera um tratamento editorial estampando na capa o termo graphic novel, buscando diferenciá-la dos quadrinhos já existentes. A lombada quadrada é mais cara do que a canoa, primeiro por permitir publicações com mais páginas, e segundo, pois a lombada canoa demanda apenas um vinco e um grampo como acabamento, enquanto a lombada quadrada requer cola ou até costura dependendo do tipo. O sucesso desta publicação popularizou o termo e erroneamente creditou Eisner como criador do mesmo, o que ele próprio admite não ser. Eisner não criou o termo nem o novo formato, mas apropriou-se do que já havia sido feito por alguns outros criadores e desenvolveu o formato de graphic novel que dominaria o meio desde então.

Figura 51 Contrato EISNER, 1995.

66 67

Não pretendo aqui debater mais sobre a criação do termo ou não e sobre as características narrativas das graphic novel, e sim sobre o formato gráfico dos quadrinhos, mas abordarei as mudanças estabelecidas por Eisner quando falar de narrativa visual nos quadrinhos.

O formato usual das revistas em quadrinhos, popularmente chamado de revista, era bem mais simples do que a graphic novel. Sem nenhum acabamento diferenciado, ele consistia em alguns cadernos presos por uma lombada canoa e um ou dois grampos. Na época do surgimento das graphic novels, as revistas em quadrinhos ainda eram impressas em papel jornal de baixa qualidade e em uma quantidade limitada de cores.

Depois do sucesso de “Um Contrato com Deus”, os editores passaram a investir nas graphic novels, criando inclusive variações para o formato, que logo chegou aos super-

heróis. De 1982 a 1988, a Marvel Comics publicou uma linha chamada de Marvel Graphic Novel em formato americano (25,4 cm x 17,78 cm). Essa primeira coleção não trouxe nenhuma mudança propriamente dita no formato, pois era o mesmo dos gibis, mas possuía mais páginas, com uma qualidade comparativamente superior de papel, e fazia uso de mais cores, fato conquistado na década anterior. A DC Comics seguiu o mesmo caminho lançando suas publicações mais importantes da década, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Watchmen13 (figura 52), ambas lançadas em 1986, no que viria a ser conhecido como novo formato (new format). E não foi a única. A Pantheon Books, uma editora que até então publicava livros, lançou Maus14 (figura 53) já nesse novo formato, que consistia em papel de melhor qualidade, pois as HQs sempre foram impressas em papel jornal e passaram a figurar em papel couchê, em lombada quadrada, muito mais páginas por edição – as revistas, que tinham de vinte

13 Wacthmen é uma mini-série publicada originalmente em 12 partes, e depois lançada como uma graphic novel, pela DC Comics, escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons. A série, que se passa nos Estados Unidos em uma versão alternativa de 1985, trata de uma América onde os super-heróis existem de verdade e as conseqüências de sua presença interferem nos eventos históricos. A tensão nuclear entre russos e americanos está para explodir enquanto um dos super-heróis do passado é assassinado, o que lança os demais em uma investigação. Os heróis de Moore são pessoas reais que tem de lidar com questões éticas e sociais e enfrentar falhas e “neuroses”. A série foi a única história em quadrinhos a receber um prêmio Hugo, conferido todo ano as melhores publicações sobre ficção científica e fantasia, foi incluído na lista dos 100 melhores livros desde 1923 da revista Time e recebeu os maiores prêmios dos quadrinhos. Além de ser um marco na indústria por sua inovadora abordagem dos super-heróis, Watchmen ajudou a enterrar o estigma de que quadrinhos era um produto para criança, e estabelecer o meio como uma forma narrativa apta a contar qualquer história para qualquer público. 14 Maus é uma graphic novel escrita e desenhada por Art Spiegelman que reconta a luta de seus pais, judeus poloneses, para sobreviver ao Holocausto nazista a partir das lembranças de seu pai. Paralelamente a isso relata, de forma autobiográfica, a conturbada relação do autor com seu excêntrico pai que, de muitas formas, ainda revive a guerra (WEINER, 2003, p.35). E ainda, a própria luta do autor contra a trágica história de sua família. Inteiramente em preto e branco, a história apresenta todos os personagens de forma antropomórfica: os judeus são ratos, os poloneses são porcos e os nazistas são gatos. A graphic novel recebeu todos os grandes prêmios de quadrinhos e um prêmio Pullitzer.

e cinco a trinta páginas passaram a ter cinqüenta, com capas impressas em papel cartonado e maior qualidade na impressão. E esse formato não era apenas usado nas edições encadernadas lançadas depois desse boom das graphic novels, mas também nas edições mensais. Batman: O Cavaleiro das Trevas, por exemplo, foi uma mini-série publicada em quatro partes. Enquanto um gibi normal se estende por vinte e poucas páginas, Batman possuía cinqüenta por edição, com lombada quadrada, capa cartonada, páginas mais bem impressas e papel couchê. Essa melhoria na qualidade do produto aliada a histórias mais sérias cujo o público alvo era mais adulto, fizeram com que os quadrinhos chamassem a atenção da mídia não especializada. A graphic novel ganhou reviews em diversos jornais e figurou quarenta semanas na lista dos livros mais vendidos na Inglaterra. Além dela, Watchmen foi revisado por críticos literários de diversos grandes jornais americanos como, por exemplo, o New York Times, e Maus recebeu o prêmio Pullitzer. Toda esta atenção recebida representou um aumento expressivo nas vendas, mas principalmente ajudou a desfazer o estigma que sempre acompanhou os quadrinhos, de subproduto cultural ou de “coisas para criança”, estabelecendo o gibi como uma forma narrativa tão boa quanto qualquer outra. Outro benefício que as graphic novels trouxeram foi a possibilidade das editoras sempre terem material importante sendo publicado. Ao lançar histórias em formatos mais bem produzidos e compilar edições mensais da mesma forma, elas podiam manter em publicação suas histórias mais importantes, o que não ocorria antes quando os quadrinhos eram apenas

lançados em edições mensais. Batman: The Dark Knight Returns continua sendo publicado até hoje, e teve edições comemorativas encadernadas em seus aniversários de dez e vinte anos de publicação, todos eles publicados com a qualidade estabelecida pelas graphic novels.

A DC apoiou o trabalho de Miller com um pacote que incluiu mais páginas, lombada quadrada e papel brilhante de alta qualidade para exibir a aquarela usada por Lynn Varley. Os quadrinhos americanos nunca haviam tido esse tratamento, mas uma nova geração de leitores que sabia distinguir e escolher o que queria, servidos por uma crescente rede de lojas especializadas, apoiaram o formato mais caro. The Dark Knight Returns atingiu vendas impressionantes (DANIELS, 1999, p.149).

Essa melhoria gráfica foi aos poucos se estendendo para as edições mensais e, na década seguinte, com o surgimento da Image Comics, o new format estabeleceu-se definitivamente. Formada pelos mais famosos desenhistas da época, a Image Comics logo se tornou a terceira maior editora de quadrinhos dos Estados Unidos, logo atrás da Marvel e da DC Comics. Comandada por artistas, o foco da editora era majoritariamente visual e suas histórias refletiam isso. Para valorizar suas HQs, os criadores fizeram uso das novas tecnologias gráficas, de impressão, não economizando nos custos e efeitos. Papéis de qualidade, impressões de alta precisão e muitos efeitos gráficos como, por exemplo, capas holográficas, colorização digital, utilização de cores especiais, vernizes e alto relevo foram bastante utilizados. Logo, as demais editoras seguiram

Figura 52 Watchmen MOORE, 1987. Figura 53 Maus SPEGELMAN, 2003.

68 69 (abaixo) Figura 54 Asterix SABIN, 2003.

(a direita) Figura 55 Siegfried ALICE, 2007.

70 71

um caminho semelhante e muitas capas de edições especiais passaram a utilizar efeitos de impressão ou de acabamento. As graphic novels, que continuavam sendo publicadas e faziam mais sucesso do que nunca, não detinham exclusividade nos formatos mais bem cuidados. Esse tratamento foi estendido à todos os gibis, que passaram a ser publicados em papel de maior qualidade e impressos da mesma forma.

É válido ressaltar que o formato dos quadrinhos europeus já se beneficiava de papéis de melhor qualidade e mais espaço nas páginas desde seu surgimento. Na Europa, os títulos geralmente surgiam em revistas que publicavam diversas histórias curtas, como, por exemplo, a Pilot, e caso fizessem sucesso, eram compiladas em edições encadernadas passando a ser lançadas direto nesse formato. Essas revistas como a Pilot, onde surgiram clássicos como Tin Tin e Asterix (figura 54), serviam como um teste para os novos personagens. Aqueles que agradavam ao público eram publicados em grandes álbuns com uma qualidade superior aos quadrinhos americanos. Mas na Europa, os quadrinhos possuem um status diferente e seus consumidores não se importam de pagar mais caro por eles. O custo de um álbum europeu é mais alto do que o de um gibi nos Estados Unidos, obviamente em função de suas estruturas formais – o álbum europeu, no geral, tem um formato maior, possui mais páginas, é impresso em papel de melhor qualidade (figura 55) e geralmente encadernado e publicado com capa dura. Esses álbuns se assemelham muito mais às graphic novels do que aos gibis mensais. A presença

de quadrinhos europeus publicados nos Estados Unidos era pequena como ainda é, mas é possível afirmar que os editores norte-americanos sabiam que a tecnologia existia e que essa melhoria gráfica podia ser feita, mas demoraram a fazê-la. Isto aconteceu provavelmente porque essa nova tecnologia não seria bem recebida na década de 1970 quando os quadrinhos ainda eram uma indústria em crescimento, diferentemente da forma como ela foi na década de 1990, quando este mercado já estava estabelecido, preparado para essa mudança e que colhia os frutos de duas décadas muito boas.

Neste novo milênio, os quadrinhos descobriram definitivamente as edições de luxo. Estas edições existem no mercado desde a década de 1990, quando as grandes obras de quadrinhos começaram a fazer aniversário, mas recentemente ganharam um tratamento gráfico bem mais cuidadoso. Tomemos como exemplo Batman Dark Knight Returns, publicado em 1986. Dez anos depois, a publicação ganhou uma versão comemorativa que trazia três TPBs em uma luva especial. Um dos TPBs continha a HQ original, o outro sketches15 originais de Frank Miller e o último o script original. Eles eram bem organizados, com um acabamento luxuoso, pois vinham em uma luva exclusiva, e eram limitados a 1000 cópias, mas seu principal apelo não era o design da edição em si, e sim os extras que ela trazia (e para o público colecionador norte-americano a quantidade limitada de cópias disponíveis no mercado). Dez anos depois em 2006, a DC lançou uma nova edição comemorativa para

Figura 56 Absolute DKR O Autor, 2008. Figura 57 Absolute New Frontier O Autor, 2008.

72 73

celebrar os 20 anos da publicação, e não só contratou Chip Kidd para cuidar do design da edição, como anunciou em propagandas que ele estaria encarregado da tarefa. Esta edição possui o formato maior do que a original (21,5 x 32 cm contra 17 x 26 cm do original), e todas as páginas foram ampliadas proporcionalmente. Ela conta com uma sobrecapa em papel especial, capa dura e é vendida em uma luva16. Além disso, a edição traz não só a HQ Dark Knight Returns, como também sua seqüência Dark Knight Strikes Again, além de muitos extras. Kidd foi responsável pela sobrecapa bem como o design interno da publicação de mais de 500 páginas. Absolute Dark Knight Returns é uma edição luxuosa e com o design cuidadosamente elaborado (figura 56).

A série Absolute, que foi lançada em 2006 pela DC, não pára de crescer e, depois do Absolute Dark Knight Returns, a segunda mini-série foi Absolute New Frontier (figura 57) , publicada no mesmo ano. O interessante é que o responsável pelo design da versão de luxo foi o próprio escritor e artista da série original, Darwyn Cooke. Oriundo da animação, Cooke trabalhou como designer e ilustrador para o mercado publicitário norte-americano antes de trabalhar com quadrinhos. A terceira publicação de luxo foi Absolute Kingdom Come, de 2006, versão da edição lançada na década

de 1990. A publicação foi cuidada pelo escritório de design de Nova York Brainchild Studios. Mais três Absolutes já foram lançados, Absolute Watchmen (figura 58), de 2005, e Absolute Sandman Vol. 1, 2 e 3, de 2006, 2007 e 2008 respectivamente. Porém, as edições com design especialmente cuidadoso não são exclusividade da DC Comics, o último trabalho do escritor Alan Moore, Lost Girls, de 2006, foi lançado pela editora Top Shelf diretamente em uma edição de luxo, separada em três HQs com tamanho maior do que o usual, com papel especial e capa dura, acondicionada em uma luva. Recentemente uma edição comemorativa da tira de jornal Calvin and Hobbes (Calvin e Haroldo) foi lançada compilando todas as tiras já publicadas (figura 59). Três grandes volumes, com mais de 500 páginas cada, lançados em uma luva especial, todos com papel especial, cuidadoso design interno e capa dura. O acabamento tornou-se enfim importante em uma publicação de quadrinhos, e isso não se resumiu às revistas em quadrinhos e o design gráfico tornou-se valorizado.

A evolução do processo gráfico chegou tardiamente aos quadrinhos nos Estados Unidos, mas foi um crescimento conciso que se espalhou pelo meio e veio para ficar e produzir obras melhores, tornando o produto quadrinhos mais interessante e pronto a atingir audiências maiores e mais adultas.

15 Sketches são esboços de desenhos, que podem ser preliminares para algum trabalho final, exercícios, idéias criativas ou até parte do processo de criação. 17 Luva é um tipo de caixa com um dos lados aberto que serve para acondicionar um ou mais livros. Ela costuma ter um visual compatível com o tema ou com a própria capa do livro e sua função é tanto decorativa quanto funcional. 18 www.brainchildstudiosnyc.com

(a esquerda) Figura 58 Absolute Watchmen O Autor, 2008.

(a esquerda e abaixo) Figura 59 Complete Calvin and Hobbes O Autor, 2008.

74 75

A narrativa nas histórias em quadrinhos acontece através da combinação de texto e imagem. A leitura de uma página de quadrinhos é feita, em sua maior parte, pelas imagens. A importância do texto também não pode ser ignorada já que é uma parte fundamental da história, ou seja, os diálogos, que carregam informações que nem sempre podem ser representadas de forma visual, são inseridos na página em forma de texto com ou sem os balões. Assim, para efetivamente se analisar a narrativa visual de uma HQ, é preciso pensar tanto no visual quanto no textual. Falarei mais detalhadamente sobre essa relação na parte a seguir sobre storytelling.

Visualmente uma página de quadrinhos possui diversos elementos narrativos, mas os mais importantes podem ser definidos como os quadros, a distribuição destes na página e o formato dos mesmos; e a arte ou a ilustração dentro dos quadros. Textualmente existem duas principais utilizações em uma página dentro da narrativa: os diálogos, geralmente apresentados dentro de balões e as onomatopéias que representam os efeitos sonoros em uma HQ. São estes cinco elementos que levarei em consideração na minha análise do objeto de estudo.

Para isso, vou estabelecer as bases do storytelling primeiro, para em seguida abordar o que estes elementos são e quais suas funções e aplicações em uma história em quadrinhos e, em depois, discutirei a narrativa em si e como ela funciona em uma HQ.

O storytelling, que pode ser traduzido como narrativa, é a parte da linguagem dos quadrinhos responsável por contar a história visualmente. Quaisquer que sejam as estratégias do quadrinista para atingir este objetivo, elas devem ajudar o leitor a ler a história e não atrapalhá-lo, a menos que esta seja a intenção. O princípio e o guia do storytelling é o roteiro ou a história. É ela quem será o combustível para quaisquer soluções gráficas criativas que o quadrinista empregará buscando contar esta história visualmente da forma mais interessante possível. Como ele contará essa história faz toda a diferença, como sumariza Klaus Janson nesta analogia:

Todo mundo já deve ter tido a experiência de contar uma piada sem sucesso – eu com certeza. Como uma pessoa pode contar uma piada e ser muito engraçada, e outra contar a mesma piada e ser péssimo? Se os personagens e a conclusão são os mesmos, o provável é que a resposta esteja na maneira como a piada foi contada. Ou a seqüência de eventos estava bagunçada, ou o ritmo estava errado, ou talvez os personagens estivessem mal definidos, ou a conclusão foi mal resolvida. Talvez o contador da piada tenha apenas repetido as palavras, sem se comprometer emocionalmente em contar a piada. Qualquer que seja o problema, a falha é sempre resultado da inabilidade da pessoa que está contando em organizar os eventos e apresentá-los de maneira interessante (JANSON, 2002, p.82).

De acordo com Klaus Janson, a organização dos eventos é fundamental para contar uma história de forma eficiente. Esta organização, que parte do roteiro, é responsabilidade do

Enquadramento, Composição e Storytelling

2.narrativa

VISUAL ea linguagemdos

QUADRINHOS

76 77

desenhista. Em uma história linear e clássica (veremos mais sobre isso na parte sobre narrativa), uma forma de conseguir isto é assegurar constantemente que o leitor não se perca. Para isso, o quadrinista deve contar visualmente em cada página quem, o quê, onde e quando. Ou seja, o leitor deve ser capaz de entender com facilidade quem é o protagonista da cena que está se passando, o quê está acontecendo nesta cena e onde e quando ela está se passando. Se o leitor precisar voltar algumas páginas pois ele se perdeu, há uma quebra na continuidade da história, o que atrapalha a fluidez da mesma. É um conceito semelhante ao de um filme em que voltar a uma cena anterior para entender alguma parte confusa subverte o propósito. Para atingir este objetivo, o quadrinista conta com muitos recursos visuais e narrativos como o desenho, a arte final, a cor, os balões e as onomatopéias, o estilo, o timing, o ritmo, entre outros, que podem tanto elevar uma história quanto “derrubá-la”. Porém, nada disso terá qualquer serventia se a história não sustentar a narrativa. Por mais que a arte seja interessante ou belíssima, se a história for fraca e falhar em interessar o leitor, o storytelling não terá obtido sucesso. Na verdade, o storytelling transcende a qualidade estética do desenho. É importante entender que o ele deve ressaltar a história, e não o contrário (CAPUTO, 2003, p.26).

Uma relação fundamental para o storytelling é entre texto e imagem. Scott McCloud dedica um capítulo em seu livro “Desvendando os Quadrinhos” a essa relação, onde ele faz um resgate histórico do texto e imagem na nossa sociedade. Apesar de extremamente importante, esse resgate histórico não será

abordado aqui, mas sim a classificação que McCloud faz em seu livro das sete formas existentes de trabalhar a relação entre texto e imagem (2005, p.152). A primeira é a que ele chama de combinação Específica de Palavras (IBID., p.153), nela a imagem serve apenas para ilustrar o que o texto está dizendo, não acrescentando nada ou muito pouco (figura 60). A segunda combinação, ele denomina de Específica da Imagem que, ao contrário da anterior, é ditada pelo visual. O texto serve apenas como trilha sonora de uma seqüência visual (figura 61).

A terceiro combinação é a Duo Específica (figura 62), onde texto e imagem transmitem a mesma mensagem (IBID., p.153). A quarta é a Aditiva, nela as palavras ampliam ou elaboram o significado que a imagem já carrega com ela (figura 63).

A quinta trata de Combinações Paralelas, em que as imagens e as palavras não tem nenhuma relação aparente, seguindo caminhos diferentes que podem ou não fazer sentido dentro da história (figura 64). A sexta é a que ele denomina de Montagem (figura 65), onde as palavras fazem parte da imagem. Esta relação não é tão comum nos quadrinhos, a não ser quando onomatopéias interagem com o desenho, mas ela existe em quadrinhos experimentais assemelhando-se aos trabalhos dadaístas.

E a última combinação é a Interdependente (figura 66), nela imagens e palavras se combinam para transmitir uma idéia que nenhuma das duas seria capaz de fazer sozinha (IBID., p.155). Dessas combinações, a mais comum nos quadrinhos é a última, mas a primeira e a segunda também são muito

utilizadas. É importante ressaltar que elas não constituem uma fórmula, mas foram observadas nos próprios quadrinhos, e a utilização das mesmas depende da necessidade da história e da criatividade do quadrinista.

Em quadrinhos, as palavras e imagens são como parceiros de dança e cada um assume a sua vez conduzindo. Quando os dois tentam conduzir, a concorrência pode subverter as metas globais, embora uma pequena concorrência, às vezes, possa produzir resultados apreciáveis. No entanto, quando cada parceiro conhece seu papel e se apóiam mutuamente, os quadrinhos podem se equiparar a qualquer uma das formas de arte da qual extrai de todo o seu potencial (IBID, p.156).

De maneira geral, as duas formas que geram resultados mais interessantes ao storytelling, são a combinação Específica de Imagem e a Interdependente. Como é uma mídia visual, se a narrativa acontece principalmente através da imagem, o storytelling é mais eficiente e interessante do que se ela ocorrer majoritariamente através do texto. Mas a melhor combinação entre imagens e texto em uma narrativa de quadrinhos é a Interdependente, pois ambas as partes se complementam. O texto é utilizado para contar o que não seria possível fazer com a imagem (BYRNE, apud, CAPUTO, 2003, p.159), ou o que seria muito trabalhoso e consumiria páginas demais, enquanto a imagem funcionaria como o principal veículo do storytelling. A opção por texto e imagem geralmente considera a história em primeiro lugar, alguns eventos e ações podem se beneficiar de serem apresentados de forma puramente visual, enquanto outros podem ser

(a direita) Figura 60 Espeífica de Palavras McCLOUD, 2005.

(a extrema direita) Figura 61 Espeífica de Imagem McCLOUD, 2005.

(acima) Figura 62 Duo McCLOUD, 2005.

(acima e a direita) Figura 63 Aditiva McCLOUD, 2005.

(acima) Figura 64 Paralelas McCLOUD, 2005.

(a direita) Figura 65 Montagem McCLOUD, 2005.

(acima) Figura 66 Interdependente McCLOUD, 2005.

78 79

mais compreensíveis se auxiliados por texto. A opção do quadrinista sempre deve privilegiar a história a ser contada. Quadrinhos é um meio majoritariamente visual, afinal, existem quadrinhos sem texto, mas não quadrinhos sem imagens. Por isso, o storytelling objetiva contar a história visualmente, sem que o texto tenha que explicar o que está acontecendo. O quadrinista deve decidir quando contar algo somente de forma visual, e quando contar através de imagens e textos ou quadrinhos e balões. Essas decisões cabem ao roteirista na estrutura especializada de produção de uma HQ ou ao próprio desenhista, dependendo de quanta liberdade ele tem para interferir. Esse tipo de decisão, benéfica ao storytelling, tende a acontecer com mais freqüência quando o escritor e o desenhista são a mesma pessoa. É importante que a história em quadrinhos funcione como narrativa visual, o texto pode ser usado para acrescentar, como diálogos e narrações, por exemplo, mas a ação deve se desenrolar visualmente.

Um dos elementos essenciais do storytelling é o ritmo. Nos quadrinhos, o ritmo pode ser entendido de duas formas: o ritmo de leitura, ou seja, o tempo que o leitor leva para ler e absorver as informações de uma ou mais páginas e a intencionalidade do quadrinista em guiar o leitor em sua leitura. Quanto a primeira, o quadrinista tem pouco ou nenhum controle, podendo apenas estimar considerando a cultura e as referências de seu leitor, mas jamais ter certeza. Já sobre o segundo, o autor pode exercer total controle dependendo

da forma como ele controlar as opções como a distribuição de balões e as onomatopéias, a organização de página e a disposição de quadros, a construção das cenas dentro dos quadros e sua relação com os quadros anterior e o seguinte. Essas opções determinam a fluidez ou não da leitura de sua HQ, ou seja, o ritmo de seu storytelling. E este ritmo pode e deve ser manipulado dependendo das necessidades que a história estabelece e da intenção do quadrinista. Isto também depende do gênero em qual sua história está inserida. Tomemos como exemplo as duas páginas de Greg Capullo mostrando a mesma cena. O garoto-robô é recebido pela velhinha com um jarro de biscoitos na mão. De dentro do jarro, ela saca uma pistola e dispara atingindo o garoto-robô. Ele montou a mesma cena de duas formas diferentes. Na primeiro quadrinho da primeira página (figura 67), ele apresenta os personagens. No segundo, um close na mão da velhinha, e no terceiro, ela disparando sua arma despedaçando a cabeça do garoto. Esta página busca dar um susto no leitor, ela começa e termina abruptamente sem qualquer valorização do tempo. Tudo acontece muito rápido e a ação é resolvida quase de imediato. A resolução é apresentada logo depois de estabelecer o evento e o leitor não tem tempo de se preparar. O quadrinho de apresentação e principalmente o de finalização são os mais importantes.

No segundo exemplo (figura 68), Capullo usa muito mais quadros para dramatizar a cena. Enquanto na primeira são três, na segunda são quatorze quadros. O quadrinista faz do leitor um cúmplice da ação, apresentando a cena e cada momento

Figura 67 Ritmo 1 WIZARD #57, 1996. Figura 68 Ritmo 2 WIZARD #57, 1996.

80 81

O ritmo pode ser constante em uma história ou sofrer variações dentro da própria dependendo da necessidade ditada pelo roteiro. Para trabalhar o ritmo nas HQs, o quadrinista pode manipular o layout de uma página, os quadrinhos e sarjetas que ela contém: muitos quadrinhos em uma página tornam essa mais difícil de ler e também mais demorada, enquanto poucos quadros aceleram a leitura tornando-a mais objetiva. Essa opção pela quantidade de quadros considera o ritmo relevante na construção da história e é permeada pela preocupação do quadrinista ao organizar a página.

O layout de uma página deve servir a duas finalidades básicas: apresentar a história através dos quadros, organizados de forma compreensiva se for essa a intenção, e guiar o leitor de acordo com a história. Guiar a leitura é uma das premissas básicas do storytelling e a melhor forma de fazê-lo é trabalhando a organização da página através dos já citados grids. Ao decidir que tipo de grid vai ser usada, o quadrinista o faz sabendo que tipo de imagens ele terá que desenhar dentro dos quadros. E antes de fazê-lo, ele tem que considerar a relação das imagens que ele está posicionando lado a lado. Isso porque o leitor entenderá dois quadrinhos lado a lado como uma continuidade, se a ação se inicia no primeiro e termina no segundo, ele fará a conexão entre os dois criando em sua mente a ação intermediária. Este processo ocorre em função da justaposição entre os dois quadros, que força uma assimilação da informação dos dois. Os leitores de quadrinhos assimilam os quadrinhos de uma página, somando-os, para obter um entendimento mais completo da história (JANSON,

separado construindo a tensão até o clímax. O primeiro e o último quadrinhos são os mais importantes, mas são bem menores do que no outro exemplo. Os quadros estreitos são lidos de forma mais rápida e ajudam a criar essa tensão. O ritmo da primeira, que pode ser entendido como parte do gênero de terror, é mais rápido, enquanto o segundo, uma página de suspense, o ritmo é mais lento. Esta relação de gêneros e ritmo é bem descrita por Hitchcock em sua entrevista para Truffaut:

A diferença entre suspense e surpresa é muito simples, e costumo falar muito sobre isso. Mesmo assim, é freqüente que haja nos filmes uma confusão entre essas duas noções. Estamos conversando, talvez exista uma bomba embaixo desta mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso, mas, antes que tenha se surpreendido, mostraram-lhe uma cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora, examinemos o suspense. A bomba está embaixo da mesa e a platéia sabe disso, provavelmente porque viu o anarquista colocá-la. A platéia sabe que a bomba explodirá à uma hora e sabem que falta quinze para uma – há um relógio no cenário. De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima porque o público participa da cena. Tem vontade de dizer aos personagens que estão na tela: “Vocês não deveriam contar coisas tão banais, há uma bomba debaixo da mesa, e ela vai explodir!”. No primeiro caso, oferecemos ao público quinze segundos de surpresa no momento da explosão. No segundo caso, oferecemos quinze minutos de suspense, donde se conclui que é necessário informar o público sempre que possível, a não ser quando a surpresa for um twist, ou seja, quando o inesperado da conclusão construir o sal da anedota (HITCHCOCK apud TRUFFAUT, 2004, p.77).

2002, p.56). O quadrinista está no controle não só das imagens dentro dos quadros como também sugere ao leitor o que acontece entre os quadros, ou seja, na sarjeta, onde a assimilação da justaposição acontece. Essa participação do leitor é única dos quadrinhos.

A qualidade da narrativa depende da organização de texto e imagem. Espera-se que o leitor participe. “Ler as imagens” requer experiência e permite que o próprio leitor determine o ritmo de absorção das mesmas. O leitor deve fornecer som e ação em sua própria mente (EISNER, 2002, p.69).

Para que a justaposição seja eficiente, é importante que o conteúdo de cada quadrinho seja pensado pelo quadrinista, que ele conduza a história e faça sentido com seu quadrinho anterior e posterior.

Eu faço distinção entre dois tipos primários de percepção (nos quadrinhos) – intrínseco e extrínseco:

Percepção intrínseca remete especificamente aos componentes da imagem. Uma foto de um bebê sentado no chão, segurando um ursinho de pelúcia e olhando para cima surpreso de forma inocente sugere felicidade e contentamento, nada mais do que é – uma imagem neutra.

Percepção extrínseca se desenvolve quando a imagem descrita acima é justaposta à uma imagem de um carro em movimento, que por si só é uma imagem neutra (denotando pouco mais talvez do que sua idade e estado de conservação). Juntas, no entanto, elas geram uma resposta

de choque e suspense (particularmente se o carro for visto se deslocando em direção ao leitor visto de um ângulo baixo), que sugere que o bebê está no caminho do carro, mesmo que eles possam estar em lugares diferentes. Apesar de não existir qualquer evidência de proximidade, a mente do leitor faz uma conexão narrativa, criando um terceiro significado completamente diferente que pode ser derivado das imagens individualmente (STERANKO in CAPUTO, 2003, p.173).

A relação de um quadro para o outro é importante na justaposição, e por isso a opção do quadrinista quanto à quais quadrinhos justapor é fundamental para ajudar o leitor a acompanhar a história. Na figura 69, há seis quadrinhos numerados de 1 a 6. Considerarmos a seguinte ordem de leitura: 6, 1, 5, 2, 3 e 4. O primeiro quadrinho, 6, funciona como um estabilishing shot dizendo ao leitor onde a cena se passa. O segundo quadrinho, o 1, apresenta um pássaro voando. O leitor entende, através da justaposição, que ele está voando na local estabelecido pelo quadrinho anterior, mesmo não existindo qualquer relação visual explicita entre os quadros. Nenhum dos elementos visuais apresentados no primeiro quadrinho pode ser visto no segundo. O terceiro quadrinho é um close de um garoto chorando segurando uma arma, e o leitor entende que ele está no mesmo ambiente, e que possivelmente o pássaro é seu alvo, ou possui qualquer tipo de relação entre eles, em função da justaposição das duas imagens. O quarto quadrinho, 2, mostra o garoto preparando seu rifle e o quinto, 3, atirando. E por fim a cena termina com a conclusão obvia da morte do pássaro. Essa versão não traz muita informação sobre o enredo, não transmite nenhuma outra certeza a não ser que a história

82 83

se trata de um garoto que matou um pássaro. Qualquer outra interpretação é especulativa. Para o storytelling clássico essa quantidade de incertezas e variáveis é incomum e dificilmente seria o objetivo do quadrinista. A disposição de uma história estruturada visualmente seria: 2, 1, 3, 4, 5 e 6 (figura 70). A cena abre com o garoto observando algo com um rifle na mão. Em seguida um pássaro é mostrado e o leitor conecta as duas imagens justapostas entendendo que o garoto está olhando para o pássaro. A terceira mostra um close da arma disparando, o leitor pode supor o que ocorreu. Suposição essa que é confirmada pelo quadrinho seguinte, o 4, que mostra o resultado do tiro. O quinto quadrinho oferece uma imagem mais dramática do garoto chorando e o leitor entende que ele se arrependeu do que fez, e o último quadrinho oferece

a informação de onde tudo isso ocorreu, mas funciona como um quadrinho reflexivo sobre a cena, que pode ser resumida como a perda da inocência (JANSON, 2002, p. 60). As imagens são rigorosamente as mesmas, mas a simples mudança na disposição das mesmas altera completamente, a partir da justaposição, o sentido da história.

Voltando aos grids, abordados anteriormente, a opção do quadrinista ao escolher o grid que ele usará na página deve considerar a informação a ser passada. O layout do grid clássico não oferece nenhuma informação inicial ao leitor quanto aos quadros, pois todos são do mesmo tamanho (figura 71). Já o free form tende a estabelecer uma hierarquia de importância nos quadros da página, assim o

leitor entenderá que os quadros maiores são as partes mais importantes da história (figura 72). A organização dos quadros, a relação entre eles, seus tamanhos e formas já transmitem informações ao leitor mesmo sem pensarmos nas imagens no interior deles (JANSON, 2002, p.61). A opção por qual grid usar deve ser baseada no conteúdo a ser passado, ou seja, na história. O quadrinista pode manipular essa opção por grids de acordo com os interesses da história, e pode alternar o uso de grids dependendo do que ele precisa contar. Cenas mais tensas podem pedir mais quadros por página, com ou sem valorização em algum deles como vimos no exemplo anterior de Greg Capullo e como mostra a figura 71. Cenas de ação podem ser trabalhadas com quadros maiores cujo espaço possa ser aproveitado para valorizá-las, como na figura 72.

Porém, guiar a leitura é sim uma das premissas básicas do storytelling, e para fazê-lo o quadrinista deve primeiro considerar a cultura para qual ele está produzindo a HQ, pois esta determinará o sentido de leitura que guiará as opções de leiaute e composição da página. Nos quadrinhos americanos, a leitura acontece da esquerda para a direita e de cima para baixo, e essa é a informação principal que o quadrinista possui ao organizar uma página. O layout em forma de “Z” é o mais básico e utilizado, que leva essa ordem de leitura, da esquerda para direita em consideração. Mas existem muitas outras possibilidades de layout, seja de cima para baixo, na diagonal, ou em qualquer outra solução visual. Independente da escolhida, o critério mais importante a ser seguido é o da clareza. O storytelling clássico, como será abordado a seguir,

Figura 69 Justaposição 1 JANSON, 2002. Figura 70 Justaposição 2 JANSON, 2002.

84 85

preconiza que, para este ser bem sucedido, precisa seguir dois critérios: clareza e entretenimento. Se a organização dos quadros dificulta a leitura, o leitor pode se perder na história. É possível controlar a clareza de uma página explorando leiautes diferentes e inovadores, mas o risco do leitor se perder é grande, o que pode ser prejudicial ao entendimento.

Desde que as pessoas contam histórias umas as outras, storytellers como eu e você queremos duas coisas do nosso público. Nós queremos que eles entendam o que nós temos para contar, e queremos que eles se importem o suficiente para continuar prestando atenção até acabarmos (McCLOUD, 2006, p.8).

Desde a década de 1960, os quadrinistas começaram a explorar soluções visuais diversas de layout e narrativa, mas a maior parte da produção de quadrinhos permanece muito próximo do clássico. Exemplos como a página de 1967 de Neal Adams para a HQ Deadman (figura 73), e seu trabalho de 1969 para X-Men (figura 74), de 1969 mostram layouts inovadores. No primeiro, ele trabalha o layout da página de forma conservadora, mas o estrutura de forma ousada, compondo os desenhos dos quadros para que eles formem uma outra figura, a cabeça do protagonista. No segundo, Adams trabalha a diagonal da página de forma dinâmica, mudando a ordem de leitura da mesma. Semelhante ao que Adam Kubert fez em Action Comics Annual #11, ao trabalhar a diagonal formando um arco crescente dos quadros da página (figura 75). Kubert também explorou a ordem de leitura (figura 76), fazendo com que o leitor primeiro lesse o quadrinho longo da

(a extrema esquerda) Figura 71 Grid Clássico BOLLAND apud CHIARELLO, 1996.

(a esquerda) Figura 72 Free Form LOEB, 2007.

86 87

esquerda, depois siga a seqüência do centro da página e por fim leia o quadrinho final a direita da página.

O layout sofreu uma evolução visual devido a diversos fatores, porém a grande maioria dos quadrinhos permanecem presos as soluções da narrativa clássica, que será abordada a seguir. A entrada de quadrinistas com formações artísticas, gráficas e narrativas mais especializadas certamente contribuiu para esse desenvolvimento. A exploração visual das páginas que esses profissionais realizaram, potencializou as soluções gráficas das páginas de quadrinhos. A entrada de produções estrangeiras no mercado americano também contribuíram para esse desenvolvimento do storytetlling. Mangás (figura 77) possuem diferentes técnicas narrativas oriundas das soluções e padrões

característicos de sua cultura e da diversidade muito maior de gêneros abordados, enquanto os quadrinhos europeus (figura 78), que sempre foram considerados produtos narrativos de qualidade desde seu surgimento, são obras de qualidade artística e estética e graficamente superiores a qualquer outra publicação de quadrinhos. Essa contaminação positiva que os quadrinhos americanos sofreram ofereceu novos horizontes narrativos, especialmente visuais e técnicos. Soluções e técnicas narrativas foram absorvidas e combinadas a antigas formas de contar histórias visualmente, o que resultou em produtos mais elaborados e inovadores. Parte dessas soluções se deu dentro dos quadros, parte na justaposição dos quadros lado a lado e nas transições, e as opções que o quadrinista tem que fazer para criar uma narrativa visual envolvem ambas.

A composição das imagens dentro dos quadros é fundamental para a compreensão dos mesmos, e esta composição passa por duas questões: o que mostrar e como mostrar. O que mostrar depende da seleção feita pelo quadrinista do momento da ação que ele está representando. A escolha do momento decide o que incluir e o que deixar de fora visualmente em uma história. A grosso modo essa escolha representa a quantidade de quadros que serão necessários para apresentar a ação e quais quadros serão esses. Ela determina também a forma como a história será contada, quanto mais direta, provavelmente, menos quadros. Cada quadrinho avança o enredo em direção a sua conclusão. Mas o quadrinista também pode valorizar partes dessa narrativa optando por usar mais quadros e contar a história de forma mais demorada, como visto anteriormente.

(acima) Figura 74 Deadman DUIN, 1998.

(acima e a direita) Figura 75 Adams X-Men DANIELS, 1991.

(acima ) Figura 76 Kubert 1 JOHNS, 2008. (acima ) Figura 77 Kubert 2 JOHNS, 2008.

88 89

(a direita ) Figura 77 Blade SAMURA, 2007.

(a extrema direita ) Figura 78 Blacksad CANALES, 2000.

90 91

Cada quadrinho mostra uma ação individual que é parte de uma ação maior ou evento e, dependendo do que o quadrinista quer fazer, pode ser manipulada de acordo com a necessidade, seja ela, por exemplo, diminuir a velocidade da narrativa para valorizar um determinado momento, ou saltar para um momento chave. Para essa manipulação, existem seis formas de transição entre quadros, segundo a catalogação de Scott McCloud em seu “Desvendando os Quadrinhos” (2005, p.70). A primeira, que ele denominou Momento-Para-Momento (figura 79), demanda pouca conclusão por parte do leitor, pois o tempo que se passa entre um quadro e outro é muito pequeno. Nela, uma única ação é representada por uma série de momentos (McCLOUD, 2006, p.15). Essa transição pode ser usada para capturar uma movimentação mais realista nos quadrinhos, mais próxima dos filmes, ou para agregar suspense ou drama a uma ação diminuindo a velocidade da narrativa, ou ainda dando mais atenção a algum detalhe. Como mostra o exemplo, os quadros sofrem pequenas alterações na seqüência.

A segunda é a Ação-Para-Ação (figura 80), que apresenta um único assunto em uma série de ações (IBID.). Ou seja, se comparada a anterior, se passa mais tempo de um quadro ao outro. A ação é apresentada em uma progressão direta,

ideal para manter o enredo avançando de forma rápida, pois o quadrinista seleciona e apresenta um único momento por ação, como o ataque do personagem ao soldado no exemplo abaixo.

A terceira é a Tema-Para-Tema (figura 81). Essa transição pressupõe um grau de envolvimento muito maior do leitor. As cenas não são diretamente seqüenciais em uma ação, mas permanecem dentro de uma mesma idéia ou cena. Ela também é bastante eficiente em acelerar o enredo, pois muda o enfoque sem sair da cena ajudando a manter o leitor interessado. No exemplo abaixo, o personagem no segundo quadrinho comenta a discussão realizada no primeiro. Ele não esta presente na cena, mas sua participação é parte da seqüência.

A quarta, exige uma capacidade de conclusão e assimilação maior do leitor. Na transição Cena-Para-Cena (figura 82), ele é conduzido por distâncias significativas de tempo e espaço (McCLOUD, 2005, p.71), o que permite ao quadrinista trabalhar longas passagens de tempo na história, e ambientá-la em cenários distantes e ainda manter o gibi dentro de uma quantidade de páginas razoável. Na figura abaixo passa-se o tempo suficiente para que os personagens mostrados andando

(abaixo ) Figura 79 Momento-Para-Momento MIGNOLA, 2004.

(acima e a direita ) Figura 80 Ação-Para-Ação MIGNOLA, 2004.

(abaixo e a direita) Figura 81 Tema-Para-Tema MIGNOLA, 2002.

Figura 82 Cena-Para-Cena MIGNOLA, 2003.

92 93

na neve no primeiro quadrinho, se tornem as caveiras que são mostradas no segundo. A justaposição das imagens faz com que o leitor faça tal conexão.

O quinto tipo de transição, denominada Aspecto-Para-Aspecto (figura 83), não oferece informações tão claras sobre a passagem do tempo, mas requer um olhar atento por parte do leitor para detalhes e características migratórios de uma cena a outra sobre diferentes aspectos, sejam através de lugares, idéias ou atmosferas. Originária dos quadrinhos japoneses e hoje amplamente usadas nos americanos, esta transição oferece a chance do quadrinista ignorar a passagem do tempo, possivelmente congelando-o, e deixar o olhar do leitor vagar pelos quadros, muitas vezes, mais poético do que objetivo. No exemplo abaixo, não é possível precisar quanto tempo se passa do primeiro para o quadrinho, que é o estabilishing shot da próxima seqüência.

E a sexta e última forma de transição é chamada de Non-Sequitur (figura 84), que não oferece nenhuma seqüência lógica entre os quadros (IBID., p.72), ou pelo menos nenhuma lógica tradicional na narrativa, pois suas conseqüências poéticas e abstratas nos quadrinhos experimentais não podem

ser menosprezadas. No exemplo que se passa entre o primeiro, segundo e terceiro quadros é difícil precisar o tempo, mas o leitor consegue compreender que do primeiro para o segundo quadro, o quadrinista representa a destruição do monstro transformado em caveira e consumido pelo solo, no quadrinho 2. O terceiro quadro não tem relação clara com o que vinha sendo mostrado, mas funciona como um quadrinho de pausa para que o leitor absorva o que aconteceu, antes de retornar para a narrativa cronológica (quadrinho 4).

Dependendo do tipo de história a ser contada, a opção pela transição a ser usada é bastante clara. Em histórias guiadas pelo avanço do enredo, transições de Ação-Para-Ação serão bastante úteis para tornar dinâmico o avanço da história, bem como algumas Tema-Para-Tema e Cena-Para-Cena. Se o objetivo for contar uma história com apelo emocional maior, as transições Momento-Para-Momento e Aspecto-Para-Aspecto serão mais utilizadas pois permitem mais clareza nos detalhes e também uma poesia maior nas passagens. Essa dinâmica entre as transições nos quadrinhos clássicos, como veremos a seguir, deve funcionar por trás da história, permitindo que o conteúdo apareça. McCloud, em seguida, analisou a utilização dessas transições em diferentes publicações chegando a

conclusões bastante interessantes, mas as que nos interessam aqui são as relacionadas aos quadrinhos americanos. Ao analisar um quadrinho de Jack Kirby de 1966, ele encontrou uma predominância de transições Ação-Para-Ação (IBID., p.74), o que condiz com o trabalho de Kirby que é, como visto anteriormente, norteado pela ação, objetividade e movimento dramático e exagerado característico de um animista. Mais da metade das transições do gibi, cerca de 65%, são Ação-Para-Ação, o restante divide-se entre Tema-Para-Tema e Cena-Para-Cena. Essa proporção, na verdade, pode ser observada na grande maioria das HQs americanas, e até européias, pois as transições descritas são as mais eficientes para se contar uma história de forma objetiva e clara. Obviamente existem diversos quadrinistas com diferentes abordagens, mas a grande maioria da produção de quadrinhos americanos se encaixa nestas transições em função de grande parte das histórias funcionarem como uma série de eventos cronológicos interligados por um enredo. A primeira transição não é tão empregada, pois ela faz basicamente o mesmo do que a segunda, só que requer mais quadros o que, um quadrinista produzindo um gibi mensal de vinte e poucas páginas, nem sempre pode se dar ao luxo de usar. Já a quinta, é uma transição em que, efetivamente em termos de progressão de história, nada “acontece”. E a sexta não

(acima) Figura 83 Aspecto-Para-Aspecto MIGNOLA, 2004.

(no alto) Figura 84 Non-Sequitur MIGNOLA, 2004.

94 95

se preocupa com eventos ou qualquer proposta mais objetiva de narrativa. Essa preocupação com o objetivo que guia as histórias é melhor expressa pelas três transições já citadas. Essa dinâmica vem mudando aos poucos com a exposição às técnicas narrativas dos quadrinhos orientais, onde o uso de transições é mais equilibrado.

Com as transições estabelecidas, o quadrinista pode se concentrar em como mostrar o que ele precisa. A opção pelo enquadramento envolve a composição do quadro, o ângulo e o equilíbrio da cena. A composição permite que ele monte os elementos visuais do quadrinho para guiar o olhar do leitor mantendo a história interessante, como visto, o eye movement. Para isso, ele pode também trabalhar a variação do ponto focal na cena, tornando mais dinâmica a leitura e fugindo da monotonia das figuras centrais. O quadrinista pode também expressar significados através do

posicionamento das figuras no quadro, como, por exemplo, ao mostrar um personagem depressivo isolado na composição. E trabalhar a dramaticidade e emoção no quadrinho variando a proximidade do personagem ao quadro, alternando entre closes, que permitem uma proximidade maior do leitor, ou mais distantes, revelando mais da cena. O quadrinista também pode manipular a orientação do leitor de acordo com os interesses da narrativa variando o ângulo do conteúdo do quadrinho, que representa, a grosso modo, a visão que o leitor terá da cena quando olhar o quadro, ou, analogamente, seria o ângulo de visão da câmera no cinema. Ele pode variar da altura dos olhos, que é a mais comum (figura 85), a uma visão de baixo que confere grandeza a cena (figura 86), ou de cima (figura 87), que oferece uma panorama mais claro da cena para o leitor dando mais informações de onde se encontram os elementos. Essas opções dependem muito do que o quadrinista precisa mostrar.

(acima) Figura 85 Normal MILLER, 1996.

(abaixo) Figura 87 Alto JOHNS, 2008.

(a esquerda) Figura 86 Baixo LOEB, 2005.

96 97

O estabilishing shot, que será aprofundado na parte sobre narrativa, quadrinho que apresenta basicamente um cenário, é muito comum e amplamente utilizado para situar o leitor, especialmente em transições de Cena-Para-Cena. Independente do ângulo usado, ele tende a apresentar o lugar onde a ação a ser mostrada se passa ou, em alguns casos, onde a ação já mostrada se passou, e dependendo da quantidade de informação que ela contiver, pode oferecer uma sensação de lugar ao leitor que o situará inclusive nas demais cenas. Muitos quadrinistas utilizam o estabilishing shot bem caracterizado, para poderem abrir mão do fundo em quadros onde os personagens aparecem conversando, o que faz com que a mensagem dita por eles seja mais facilmente absorvida, sendo mais valorizada. Estratégias como essa são o cerne do storytelling e podem representar muito para compreensão, mas o uso excessivo de alternâncias de ângulo de visão podem confundir o leitor e atrapalhar a história.

Quanto às imagens dentro dos quadros, o quadrinista tem uma gama grande de opções para trabalhar. O princípio norteador continua sendo o da clareza, mas neste caso, ele refere-se à comunicação. Nos quadrinhos, um desenho bem feito ou um quadrinho bem construído pode chamar a atenção dos fãs, mas se ele falhar em comunicar a porção da

história que lhe cabe, o quadrinista terá que reavaliá-lo. Se o storytelling transcende a mera qualidade estética da arte nos quadrinhos, a opção pela imagem dentro do quadro deve ser relacionada a história em primeiro lugar. Um artista habilidoso é um grande beneficio para qualquer narrativa visual, seja qual for a sua linguagem, se ele consegue fazer com que os elementos nos quadros pareçam o que elas são, já permitem que o leitor entenda o que está representado. É aqui que toda a teoria de arte dos quadrinhos é aplicada: anatomia, perspectiva, luz e sombra, e etc. Tudo isso é utilizado de acordo com a linguagem do quadrinista. Alguns poucos conseguem variar seu estilo dentro da própria linguagem dependendo da necessidade da história, mas a grande maioria possui um mesmo traço e um mesmo conjunto de soluções que ele aplica para cada história em que trabalha, independente do gênero ou tema. Esta linguagem torna-se a ser característica daquele quadrinista e passa a ser seguida por muitos leitores. Nem todos os desenhistas trabalhando nos quadrinhos possuem linguagens elaboradas, na verdade, muitos apenas seguem soluções e traços estabelecidos por outros. Na década de 1990, por exemplo, a Marvel possuía um grupo de artistas que se tornaram muito reconhecidos e passaram a atrair uma legião de fãs, e depois saíram da editora para formar a Image Comics. Depois do surgimento deles, muitos

outros desenhistas passaram a “imitar” sua linguagem, ou pelo menos tentar. Jim Lee19, por exemplo, ficou famoso desenhando o gibi do Punisher (Justiceiro) na Marvel, mas sua fama realmente atingiu níveis impressionantes quando desenhou os X-Men (figura 88), um dos carros chefe da editora. Logo, diversos artistas surgiram tentando imitar seu trabalho com algum ou nenhum sucesso, e passaram a ser usados pela editora tentando pegar carona no sucesso de Lee. Essa prática não é exclusividade da Marvel, e nem da década de 1990, mas ficou bastante em evidência nesta época em função da quantidade de desenhistas nesta situação.

Por outro lado, alguns quadrinistas são praticamente inimitáveis, pois adaptam sua linguagem de acordo com a história, variando o traço, a técnica e o estilo. Stuart Immonem20 é um deles. Ao trabalhar em Superman Secret Identity (figura 89), seu traço se aproximou muito mais da

19 Jim Lee é um desenhista de quadrinhos nascido na Coréia, mas que imigrou muito cedo para os Estados Unidos. Lee ingressou no mercado em 1986 e, trabalhando para a Marvel, desenhou a HQ Tropa Alfa. Em seguida, trabalhou com o Justiceiro e X-Men. Na década de 1990, ele deixou a Marvel para fundar junto com mais seis desenhistas, a Image Comics. Sob o selo Wildstorm, Lee publicou co-escreveu e desenhou WildC.a.t.s., título de estréia de sua editora. No início do novo século, ele vendeu sua editora para a DC Comics e passou a trabalhar como desenhista para a editora em títulos do Batman e Superman. 20 Stuart Immonen é um quadrinista canadense que entrou no mercado de quadrinhos em 1988 com a Playground, uma série que ele mesmo publicou. Em 1993, ele entrou nas grande editoras e trabalhou com personagens diversos como Superman, Hulk, Legion of Super Heroes e X-Men. Recentemente, Immonen trabalhou no universo Ultimate da Marvel nos títulos Ultimate Fantastic Four e Ultimate Spider-Man, além da série alternativa Nextwave, escrita por Warren Ellis. Ele mantém também duas tiras online, de co-autoria de sua mulher, chamadas Never as Bad as You Think e Moving Pictures.

ilustração, representando os personagens de forma realista e pouco caricatos. Immonen trabalhou o lápis de forma a não precisar de arte final, a cor é aplicada diretamente sobre o grafite. Em Ultimate Spider-Man (figura 90), seu mais recente trabalho, ele usa toda a estrutura tradicional dos quadrinhos, desenhando à lápis e arte-finalizando à nanquim. Seu traço é bem mais definido e os personagens muito mais caricatos. Já em sua tira online, Moving Pictures, Immonen utiliza um traço bastante estilizado, com alto contraste e poucas linhas. A opção de como mostrar as imagens dentro dos quadrinhos é importante para o storytelling, mas ela geralmente é feita levando-se em conta as características do quadrinista, a menos que ele consiga suplantá-las em prol da história que ele decidir contar.

A disposição dos balões pode ser uma importante aliada do quadrinista no storytelling, contanto que ele não

Figura 88 Jim Lee MEADOWS, 2008.

98 99

Figura 89 Immonen 1 BUSIEK, 2004.

100 101

sobreponha partes importantes da arte com ela. Ao dispor os balões, é importante que nenhuma parte fundamental da arte seja coberta, e é indicado que a ordem dessa disposição seja pensada para o balão de quem fala primeiro esteja posicionado na frente dos demais considerando o sentido da leitura, ou seja, que quem fala primeiro esteja à esquerda do quadro. Geralmente os balões são posicionados dentro de um quadro acima dos personagens que estão falando, mas ele pode ser colocado basicamente em qualquer lugar se esses cuidados forem tomados. Além disso, os balões também podem ser usados para auxiliar a leitura da página como um todo. No ocidente, a leitura, como já foi dito, é feita da esquerda para a direita e de cima para baixo e, em uma página de quadrinhos, isto ocorre dentro

do balão, no quadrinho e na página inteira (KLEIN, 2004, p.101). Quando o layout da página é fácil de ser lido, a disposição dos balões não apresenta grandes dificuldades, mas quando a distribuição de quadros é mais complicada, o posicionamento de balões pode ser mais difícil de ser feito, porém eles podem auxiliar a leitura (figura 91). A melhor forma de fazer essa distribuição é deixar uma trilha de balões para o leitor seguir ao ler a página (IBID., p.103).

Para garantir que o leitor não tenha que parar nem por uma fração de segundo para tentar entender qual balão é o próximo, o quadrinista deve fazer os balões e onomatopéias considerando a fluidez da narrativa e o caminho da leitura desejado (CAPUTO, 2003, p.38).

Figura 90 Immonen 2 BENDIS, 2008.

Figura 91 Distribuição de Balões CHIARELLO, 2004.

102 103

A organização dos quadros em uma página parte do roteiro da HQ. O desenhista, a partir dele, divide a história em imagens e as distribui na página de acordo com a necessidade que esta história apresenta. Muitos escritores já dividem seus roteiros nos quadros, descrevendo o que acontece em cada um deles e sugerindo uma quantidade destes em cada página, enquanto outros optam por descrever o que acontece na página e deixam a cargo do desenhista fazer a divisão em quadrinhos. Ao pensar o layout de uma página, o desenhista considera a distribuição dos quadros21 como um todo, mas deve considerar também o que eles significam individualmente, levando em conta o que o formato de cada quadro representa e como a disposição destes influência a leitura e o entendimento da própria página. Ou seja, ele deve pensar na página toda como um produto gráfico formado por elementos, mas também deve pensar cada um destes elementos individualmente e as relações entre eles.

A organização dos quadros em uma página pode partir de uma estrutura pré-definida regular ou irregular, chamada de grid. No início das HQs era comum a utilização do que hoje denominamos de grid clássico ou simples que denota uma disposição de quatro quadros do mesmo tamanho divididos igualmente na página (figura 92). Sua origem vem das primeiras HQs, onde tiras de quadrinhos oriundas de jornais eram organizadas no formato de revista. Quando

passou-se a produzir material específico para este formato de revista, aplicaram essa disposição de quadros clássica a suas páginas. Com o desenvolvimento da linguagem e a entrada de artistas oriundos de outros meios, os layouts de página sofreram mudanças e tornaram-se cada vez mais irregulares e diferenciados.

O próprio formato dos quadros também passou a ser modificado e começou a carregar diferentes significados, tornando-se ainda mais parte da linguagem não-verbal dos quadrinhos, oferecendo ao leitor informações a respeito do que ele está mostrando e da própria disposição dos elementos da página. Geralmente, quanto maior o tamanho do quadrinho em uma página, maior a sua importância em termos de história. A figura 93 mostra uma página de Bill Sienckiewicz para a HQ Daredevil onde o último quadrinho claramente se destaca, ao contrário da página de Springer para a HQ Volunteer 2 (figura 94), nela o tamanho dos quadrinhos não possui muita diferença, conferindo a mesma importância a todos eles. Mas este tamanho também pode representar sensações espaciais, quadros estreitos para ambientes fechados e quadros largos para espaços abertos. O próprio traçado do requadro carrega significado. O quadrinho cujas bordas são regulares determina que a ação se passa no presente, a menos que o texto diga o contrário. Um traçado mais sinuoso ou ondulado tende a expressar que a ação se passa no passado, que os eventos ali

quadros em uma página

21 A palavra quadrinho, no singular, denota um quadro preenchido em uma página com uma imagem e/ou texto. A moldura do quadro sem conteúdo é chamada de requadro.

apresentados já ocorreram; ou em alguns casos, pode remeter a algum estado de inconsciência do personagem representado no quadro. Existe ainda o requadro com traçado “dentado” que denota tensão, o requadro duplo, que oferece mais destaque ao quadro, e o requadro rompido pela arte. A opção pelo tipo de requadro depende da necessidade da história e de quem a conta. Dependendo do que o quadrinista quer informar, ele pode optar pelo tipo de requadro que melhor se adequa a cena que ele está desenhando, mas é importante considerar a informação que cada requadro transmite ao leitor, o requadro rompido pela arte, por exemplo, chamará toda a atenção da página para si em detrimento dos demais quadrinhos da página (CAPUTO, 2003, p.170). Se esta não for intenção, a página carregará uma informação errada e pode atrapalhar a leitura.

A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é comunicar idéias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolve o movimento de certas imagens (tais como pessoas ou coisas) no espaço. Para lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos seqüenciais. Esses segmentos são chamados de quadrinho (EISNER, 2002, p.38).

Além do tipo de quadrinho, a relação entre os quadrinhos em uma página e o espaço existente entre eles também carrega

Figura 92 Grid JANSON, 2002.

104 105

Figura 93 Sienckiewicz Daredevil MILLER, 1986.

Figura 94 Volunteer

SPRINGER, 2004.

106 107

informações narrativas. O espaço entre um quadro e outro é conhecido como “sarjeta” (gutter no original), e é nele que ocorre a maior participação do leitor na narrativa. O que acontece entre um quadro e outro depende do que foi mostrado no quadro anterior e no seguinte, mas depende também da largura da sarjeta e da cor. Se em um quadrinho é apresentada uma pessoa pondo a mesa e no seguinte a mesma pessoa sentada satisfeita, o leitor entenderá que houve uma refeição neste intervalo. É no limbo da sarjeta que a imaginação humana capta duas imagens distintas e as transforma em uma única idéia (McCLOUD, 2005, pg. 66). A conexão entre as imagens será feita na mente do próprio leitor. A quantidade de tempo que se passa na sarjeta é completamente variada e determinada pela história, podem se passar minutos como o exemplo citado acima, podem se passar segundos ou até eras. Para trabalhar esta passagem de tempo o desenhista tem diversas opções, muitas na disposição dos quadros, que discutirei no próximo parágrafo, e algumas no que concerne a manipulação da sarjeta. Uma delas é aumentar o espaço da sarjeta fazendo com que o leitor leve mais tempo de um quadro a outro. Outra solução é mudar a cor da sarjeta, que geralmente é branca (figura 95), ao torná-la preta (96), ou seja, da mesma cor dos requadros, o desenhista torna a leitura mais rápida. Essa manipulação também pode ser feita através do formato ou da repetição dos quadros. Um quadro mais longo tende a levar mais tempo para ser lido, bem como um mesmo quadro repetido mais de uma vez comunica ao leitor a passagem mais demorada do tempo. Manipulando o quadro e a sarjeta, as possibilidades da linguagem visual das HQs se multiplicam.

(a direita) Figura 95 Sarjeta Branca DINI, 2007.

(a extrema direita) Figura 96 Sarjeta Preta SIENCKIEWICZ apud CHIARELLO, 1996.

108 109

A participação do leitor em uma história em quadrinhos é ativa, sem sua atuação a narrativa não acontece. É ele quem vira as páginas, quem conecta os quadros e que comanda o ritmo da leitura. As opções que o quadrinista faz manipulando os elementos visuais de uma página ajudam a conduzir a leitura, tais como a disposição dos balões, o formato dos quadros, a composição das páginas e o enquadramento dos quadros, mas se o leitor não atuar, a narrativa não acontece. Por isso, essas opções visuais na criação, desenvolvimento e montagem da página são tão importantes, pois é possível contar uma história com poucos ou muitos quadros, em muitas ou poucas páginas, e cabe ao quadrinista decidir como fazê-lo.

estabelecidos pelo desenhista. Os balões (figura 97) são parte da linguagem pictórica dos quadrinhos e sua forma é conhecida dos leitores que sabem identificar o tipo do balão com o tipo da mensagem. O mais comum desses balões é o de fala, que apresenta o que o personagem diz, e é representado por uma elipse ou um círculo. Ele é ligado ao personagem que está falando por um triângulo curvo chamado de “ponta” ou “cauda”. O balão de pensamento originalmente era representado por uma elipse com a borda ondulada, como uma nuvem, cuja cauda era composta de elipses em tamanho decrescente em direção ao personagem. Na década de 1980, com a prática de explorar mais os pensamentos dos personagens e usar os mesmos para narrar as histórias, os letristas passaram a usar o balão de narrador também como o de pensamento. Apenas recentemente o balão de pensamento original voltou a ser usado especificamente no título The Mighty Avengers (figura 98). Além desses três mais característicos, existem diversos outros que buscam representar diferentes tipos de dispositivos de comunicação ou fala como o balão de grito, com as bordas pontiagudas e irregulares, o de sussurro, com o contorno tracejado, o de rádio, com o contorno ondulado emulando eletricidade estática, e até alguns criativos, como o balão de telepatia que não se conecta ao personagem e possui as bordas do contorno vazadas. A forma e a linha de contorno do balão sempre buscam representar as características dessa fala.

Com o desenvolvimento do balão, ele também foi se aprimorando, e deixou de ter a forma de um requadro.

balões e onomatopéia

O balão nos quadrinhos é um recurso que busca captar a fala e representá-la de forma gráfica. A onomatopéia ou o efeito sonoro faz a mesma coisa com o som. Ambos são responsabilidade do letrista que, segundo Todd Klein, um dos primeiros a ser creditado pela função, é responsável por colocar as palavras do escritor na arte do desenhista (2004, p.83). Mas ele divide com o desenhista a responsabilidade de posicionar e muitas vezes até elaborar as onomatopéias. Depois que toda a arte já está pronta, as páginas da HQ chegam ao letrista que é responsável por desenhar os balões, escrever os diálogos e onomatopéias e escolher ou criar as fontes a serem usadas nesse processo. Ele também organiza os balões na página, geralmente em espaços pré-

Adquiriu significado e passou a contribuir para a narração. À medida que o uso dos balões foi se ampliando, seu contorno passou a ter uma função maior do que de simples cercado para a fala. Logo lhe foi atribuída a tarefa de acrescentar significado e de comunicar a característica do som à narrativa (EISNER, 2002, p.27).

Além do formato dos balões e do texto dentro deles, a própria disposição dos balões é função do letrista, porém em conjunto com o desenhista. Esta organização é parte do storytelling, como foi abordada anteriormente. O texto dentro dos balões originalmente era escrito com fontes semelhantes que estabeleceram um padrão e geraram diversas fontes conhecidas por nomes ligados aos quadrinhos, como, por exemplo, a Comic Sans, a mais famosa delas. Com a evolução da linguagem dos quadrinhos e a especialização do meio, o cargo de letrista começou a ser ocupado por designers e por tipógrafos que passaram a empregar as mais diversas fontes e também a criar famílias tipográficas para personagens e títulos. Estas fontes buscam revelar a identidade do personagem, o que já é feito através do visual do mesmo, e tem continuidade na fonte presente em seu balão, emulando a voz e/ou a forma como ele fala. Isto acontece geralmente para o protagonista da história, para o grande vilão ou até algum personagem mais importante (figura 99). Mas dificilmente ocorre para todos os personagens de uma HQ, pois a informação visual seria excessiva e por demais dispersiva para o leitor.

Alguns escritores pedirão para que você desenvolva uma família tipográfica única e exclusiva para uma história ou um personagem específico. Este pode ser uma forma eficiente de destacar tal personagem, mas o estilo da fonte precisa combinar com a personalidade do personagem, e não pode ser tão incomum visualmente a ponto de distrair o leitor da história, ou torná-la difícil de ler. Os estilos das letras podem ser sutis como uma borda ligeiramente mais grossa ou uma letra em uma forma alternativa do alfabeto usual. Ou eles podem ser tão elaborados a ponto de ter um personagem melodramaticamente teatral falando através de uma fonte floreada e com um estilo decorativo de um pôster de circo. Alguns exemplos são mostrados e você encontrará mais em seu gibi favorito, mas lembre-se de não abusar. Uma história em que cada personagem possui um estilo diferente em sua fala pode ser um pesadelo para ler (KLEIN, 2004, p.99).

Em alguns casos, e isto vem tornando-se cada vez mais comum desde a década de 1990, a fonte utilizada no gibi de um artista renomado é feita a partir da escrita manual do próprio artista. Isso remete ao início dos quadrinhos, quando apenas uma pessoa cuidava de todas as partes do processo e o desenhista letrerizava suas próprias histórias e, sem treinamento tipográfico algum, acabava por sempre empregar sua própria escrita. Hoje, estas fontes são criadas por estúdios especializados em tipografia, alguns até trabalhando especificamente com tipografia para quadrinhos, que fazem uma fonte digital a pedido do artista, e que depois poderá ser usada por qualquer letrista que venha a trabalhar em seu título. A figura 100 mostra dois exemplos dessa prática, o da esquerda, apresenta a fonte baseada na escrita manual do desenhista

(acima) Figura 97 Balões O’NEIL, 2001. (acima) Figura 98 Balão de Pensamento BENDIS, 2008. (a esquerda) Figura 99 Balão de Personagem CHIARELLO, 2004.

110 111

Joe Madureira, e o da direita, a baseada na escrita do capista Travis Charest. Ambas foram feitas pelo estúdio especializado em tipografia e design para quadrinhos Comicraft. O estúdio foi fundado na década de 1990 por Richard Starkings, letrista inglês com uma longa carreira no meio.

Todas as preocupações de um designer gráfico ou tipográfo ao diagramar um texto também existem em um balão: espaço entrelinhas, kerning, opções por caixa alta e baixa, viúvas e alinhamento. Porém, a existência de alguns deles são menos problemáticos nos quadrinhos, como as viúvas e o alinhamento do texto, que nos balões de fala quase que exclusivamente é central e nos balões de narrador alinhados à esquerda. Além da fonte, a forma como o texto é escrito ajuda o entendimento do leitor. Recursos como negrito, itálico e o tamanho da fonte podem auxiliar a caracterizar uma frase ou uma fala.

Variando o estilo, tamanho e a espessura das letras é possível sugerir tipos de discurso. Pra mim ISTO É UM GRITO, ISTO É UM

SUSSURRO, isto é uma frase tensa, esta palavra é pronunciada com ênfase, um pouco mais alto do que o normal. Antes era uma prática comum dos editores rechear os balões de palavras em negrito, muitas vezes sem se preocupar com o conteúdo do diálogo. A idéia era de oferecer algo interessante para o leitor visualmente – para variar a presumida monotonia do letreiramento comum. Pode ter havido algo válido nesta teoria, mas quando palavras ilógicas eram enfatizadas, a prática causava mais danos à qualidade literária e narrativa do trabalho do que benefícios (O’NEIL, 2001, p.20).

Além desses exemplos do uso de tipografia entre as funções do letrista também estão as onomatopéias, que são palavras usadas para representar algum efeito sonoro cujo visual auxilia nessa função. Elas são tratadas de forma semelhante a logotipos com sombras, diferentes fontes e soluções gráficas, porém, elas muitas vezes servem para auxiliar a narrativa visual. Em inglês, a grande maioria das onomatopéias utilizam a palavra relacionada ao som que ela representa. Por exemplo, a onomatopéia de uma chicotada é “whip”, que em inglês significa chicote. A própria representação visual da onomatopéia é condizente com o seu efeito sonoro na história. Letras grossas e blocadas são utilizadas para o som pesado de um impacto, cuja palavra em inglês é “thump”, que significa pancada (figura 101). Letras finas e tremidas são para um grito fantasmagórico e assustador (KLEIN, 2004, p.95). Expansivas e grandes para uma explosão ou um impacto muito forte, como mostra a figura 102, e assim por diante.

Onomatopéias são invenções visuais que você pode improvisar como louco. Não há certo e errado, mas existem algumas variações com as quais você pode improvisar, incluindo altura, geralmente indicada pelo tamanho, pela grossura das letras, inclinação e pontos de exclamação, timbre, a qualidade do som, sua textura, ondulação, agudeza e etc. Associação, o estilo da fonte e sua forma podem remeter ou imitar a origem do som e integração gráfica, que são considerações puramente relacionadas ao design como a forma, a linha e a cor – assim como o efeito interage com a imagem (McCLOUD, 2006, p.147).

Além da onomatopéia, quaisquer textos existentes nas páginas e nos quadrinhos são função do letrista, a menos que elas sejam feitas por outros. Textos inseridos na composição dos quadros como outdoors, letreiros de lojas ou quaisquer outras informações textuais em uma cidade, por exemplo, podem ser feitos pelo desenhista. Se isso ocorrer, eles passarão pelo restante do processo como qualquer outro desenho, sendo arte finalizados e coloridos. Caso eles não sejam feitos pelo desenhista, cabe ao letrista acrescentá-los ao espaço deixado pelo desenhista. O título da história e os créditos também são criados e aplicados na página pelo letrista. Tanto os letreiros, outdoors quanto os títulos e créditos são criados como qualquer produção gráfica que envolva letras de forma semelhante a criação de um logo. A opção pela fonte, a preocupação com a organização e a utilização do espaço, bem como a legibilidade e a estética também são pontos relevantes neste trabalho. Uma complicação para o letrista é ter que realizar essa criação sobre uma página já preenchida que pode ou não estar preparada para receber sua criação. No exemplo da figura 103, o letrista uniu os créditos a imagem, dispondo-os na placa da lanchonete mostrada nesta página. Os números de página também podem ser feitos pelo letrista que, como já foi dito, acaba atuando também com a finalização gráfica da edição, ou seja, como um designer responsável pela publicação que cuidará da finalização da mesma acrescentando os títulos, créditos, números de página e quaisquer outras informações necessárias ao gibi. Em muitos casos, os letristas ainda são responsáveis por finalizar o contorno e a borda dos quadros.

Outro indicativo de que o letrista por vezes faz o trabalho de um designer gráfico, são os logotipos das revistas e personagens. Quando as revistas em quadrinhos surgiram, os logotipos eram criados por funcionários das editoras, geralmente responsáveis pela impressão ou com algum contato com a parte gráfica do processo produtivo. Com a entrada dos letristas no mercado para a assumir a função, a criação ou remodelação dos logos passou a ser feita por eles. Hoje, as editoras costumam contratar estúdios especializados em design e tipografia para cuidar de seus logos. A figura 11, já mostrada antes, apresenta as mudanças sofridas pelo logotipos da HQ do Batman, desde seu lançamento quando ele ainda era feito por funcionários da empresa, até o número 9, e o criado por Chip Kidd na década de 1990 para o personagem, número 10, e o mais recente de todos.

Em 2005, a DC Comics realizou uma remodelação em seu logo, que era o mesmo desde a década de 1970. A história do logo da editora começou em 1940 quando apareceu pela primeira vez em uma edição do Batman composto apenas pelas letras “DC”. O logo passou por algumas pequenas mudanças desde sua criação, até que na década de 1970, a editora contratou Milton Glaser para reformular seu logo. Glaser é um dos mais famosos designers gráficos americanos, tendo trabalhando em inúmeros projetos. Ele é conhecido por sua prolífica produção de capas de livro, por cartazes e publicações diversas como New York Magazine, fundada por ele. O resultado, que teve sua estréia em 1976, foi um logo forte, utilizando uma fonte angulosa e com as letras “DC” dentro de um círculo cujas bordas

Figura 100 Fontes STARKIINGS, 2001. Figura 101 Thump MIGNOLA, 2001.

112 113

azuis possuem quatro estrelas brancas (figura 104). O logo, que ficou conhecido como the bullet (a bala) por se assemelhar a base de um projétil, marcou a editora e permaneceu em uso até 2005, quando foi substituído por uma versão criada por Josh Beatman do estúdio Brainchild (figura 105). A razão para a remodelação, além da modernização natural do visual, foi a necessidade de uma marca que pudesse ser usada em diversas mídias. Quando Glaiser criou o antigo logo, o único produto da editora eram revistas em quadrinhos e artigos de merchandising, que podiam acomodar o logo sem alterações em suas embalagens. Hoje em dia a editora estampa seu logo em muitos produtos e em diversas produções, inclusive em filmes e desenhos animados. Assim, ela julgou precisar de um logo que servisse a todas as mídias e procurou um estúdio de design para remodelação. O logo é mais dinâmico que o anterior, apesar de não ter a mesma força, possui uma fonte mais curvilínea que a anterior e mais suave. O círculo foi mantido, mas ele é apresentado na diagonal e sem envolver o nome, e apenas uma estrela completa o logo. Apesar de ter contratado um estúdio de design para retrabalhar seu logo, a DC Comics costuma utilizar seus letristas para cuidar dos logos internos, sejam de revistas ou de personagens.

Dos recursos exclusivos da linguagem dos quadrinhos, o balão e a onomatopéia são dois dos mais característicos e únicos do meio. Além de serem dois elementos gráficos e visuais da linguagem, eles também são empregados no storytelling, como veremos mais adiante.

(a esquerda) Figura 102 Choom JOHNS, 2008. (acima) Figura 103 Letreiro Thor JOHNS, 2008.

(acima e a esquerda) Figura 104 Bullet DUIN, 1998.

(acima e a direita) Figura 105 Novo DINI, 2008.

114 115

Tempo, enquadramento e composição

Também é opção do quadrinista manipular as soluções visuais de layout para melhor exprimir o que a história tem a contar, e entre estas opções, uma das mais importantes e eficientes é a manipulação do tempo e do ritmo na narrativa. Contar uma ação visualmente permite que o desenhista trabalhe a passagem do tempo da forma que achar mais condizente com a história e com o objetivo que ele queira atingir. Ele pode ser mais realista ao representar a passagem do tempo, ou pode manipular essa passagem para valorizar ou explorar melhor a ação, o que é chamado de timing (figura 106).

A habilidade de expressar tempo é decisiva para o sucesso de uma narrativa visual. É essa dimensão da compreensão humana que nos torna capazes de reconhecer e de compartilhar emocionalmente a surpresa, o humor, o terror e todos no âmbito da experiência humana. Nesse teatro da nossa compreensão, o narrador gráfico exercita sua arte. No cerne do uso seqüencial de imagens com o intuito de expressar tempo está a comunidade de sua percepção. Mas, para expressar o timing, que é o uso dos elementos de tempo para a obtenção de uma mensagem específica, os quadrinhos tornam-se um elemento fundamental. Uma história em quadrinhos torna-se “real” quando o tempo e o timing tornam-se componentes ativos da criação (EISNER, 2001, p. 26).

As histórias em quadrinhos são um meio único na forma como lida com o tempo, pois o faz manipulando-o através do espaço, utilizando a página, os quadros nela distribuídos e as imagens que compõem estes quadros e a relação entre elas. Nos quadrinhos como no cinema ou na televisão, o quadro que

o leitor está representa o presente (McCLOUD, 2005, p.104). Todos os quadros que antecedem este são passado, e aqueles que estão depois dele são o futuro. Mas nos quadrinhos, em uma mesma página, o leitor pode ver todos os quadros, fixando-se no agora, mas captando também o passado e futuro. O quadrinista pressupõe que a leitura se dará sempre a caminho do futuro, lendo os quadros um atrás do outro, mas o leitor pode simplesmente olhar para o lado e verá os quadros passados, “quebrando” assim a ordem desejada de leitura. Por isso, as opções de formato de quadros e a disposição deles lado a lado deve ser cuidadosa para não “perder” o leitor durante a história, bem como a imagem dentro do quadro.

Quando aprendemos a ler quadrinhos, aprendemos a perceber o tempo espacialmente, pois nas histórias em quadrinhos, tempo e espaço são uma única coisa. O problema é que não há diagrama de conversão. Os poucos centímetros que nos transportam de segundo para segundo numa seqüência podem nos levar por centenas de milhões de anos em outra. Assim sendo, como leitores, nós temos a vaga sensação de que, movendo-se pelo espaço, nossos olhos estão se movendo pelo tempo – só não sabemos quanto (McCLOUD, 2005, p.100).

O elemento básico em uma página de quadrinhos para a manipulação do tempo é o quadro. Ele é o instrumento de divisão do tempo e age como um indicador desta fragmentação de uma ação ou evento (McCLOUD, 2005, p.99). A forma como o quadrinista decide representar uma passagem do roteiro visualmente envolve a opção do que mostrar no quadro e como mostrar. Isso porque

dificilmente ele mostrará uma ação inteira, mas fará uso dos quadros para fragmentá-la e contá-la ao leitor em menos espaço do que ela provavelmente tomaria em termos reais. Eisner, figura 107, estabelece um exemplo onde um casal chega separado a um carro e o toma para seguir caminho juntos (2002, p.39). Para representar esta cena inteira, o quadrinista poderia mostrar os dois personagens indo em direção ao carro, se encontrando nele, entrando, e depois saindo com ele, mas precisaria de pelo menos quatro quadros, se considerarmos que ele conseguiria mostrar ambos indo para o carro no mesmo quadro. Se esta for uma cena principal, ele pode valorizá-la usando muito mais do que quatro quadros, mas se não for, ele tem que ser capaz de contá-la com a menor quantidade de quadros possível. Para tanto, ele deve escolher o que mostrar, ou seja, qual parte dessa seqüência melhor representaria toda a cena. A opção de Eisner neste caso específico é pelo momento em que o casal chega no carro. Se ele decidisse mostrar o antes, caso os personagens não tivessem sidos apresentados, ou não tivesse sido caracterizada uma relação entre eles, o leitor não compreenderia que eles estão se dirigindo para o mesmo carro, ou nem mesmo que eles estão se dirigindo para um carro. Se ele optasse por enquadrar a terceira imagem, não ficaria claro que o casal acabou de se encontrar e entrou no carro, o leitor poderia entender que eles já estavam no carro. Por isso, a segunda imagem da seqüência, neste caso, é a ideal.

O quadrinista pode também, caso ele tenha espaço para fazê-lo, apresentar uma seqüência em mais quadros. Neste caso ele deve optar por quais partes da ação mostrar. É importante

(acima) Figura 106 Timing EISNER, 2002.

(abaixo) Figura 107 O que mostrar EISNER, 2002.

116 117

considerar o entendimento e a compreensão do leitor e escolher os quadros que melhor a representem, mas também é importante pensar quais quadros carregam mais emoção. No exemplo a seguir, figura 108, Eisner desenhou a ação em três quadros e, do lado direito, indicou os demais momentos que compõe a totalidade dessa ação. Nele é possível ver os quadros-chave, que são aqueles capazes de contar a história, e os intermediários. Aqui, uma ação que poderia levar até uma hora, ou mais, é contada em alguns segundos.

Outra estratégia utilizada pelos quadrinistas para manter a atenção do leitor “presa” na página é variar o ponto focal de cada quadrinho em uma seqüência, o que é chamado de eye movement (que pode ser traduzido como a movimentação do olhar). Existe uma teoria em quadrinhos que diz que o interesse do leitor em uma página pode ser medido pela movimentação de seus olhos ao lê-la (JANSON, 2002, p.90). Obviamente que não há dados científicos ligados a isso, mas meramente uma intencionalidade do quadrinista de tornar a leitura mais dinâmica através da variação do ponto de interesse em cada quadrinho. Assim, se em uma seqüência de três quadros o ponto focal estiver sempre no meio de cada quadrinho e a imagem, conseqüentemente, for trabalhada a partir disso, ela será menos interessante do que se os pontos tivessem variações. Nela os pontos representam o foco de cada quadrinho. A primeira linha de quadrinhos é mais monótona do que a segunda e a terceira.

Essa mudança do ponto focal pode ser controlada guiando o leitor pela página. É claro que não é uma regra e que, dependendo da história, o quadrinista pode construir os quadros como achar melhor, mesmo que isso signifique trabalhar com pontos focais seguidamente no mesmo local dependendo da necessidade. Mas esta variação pode ser empregada para tornar a leitura mais dinâmica e auxiliar a narrativa. No exemplo da figura 109, Steranko compõe os quadrinhos para conduzir o olhar do leitor. O segundo quadrinho possui uma orientação diagonal para baixo, indicada pelo punho cerrado do homem no segundo plano. Essa orientação leva a base do terceiro quadrinho, que por sua vez tem uma composição diagonal para cima, indicada pela mão que leva ao quarto quadrinho cuja cabeça do personagem forma uma diagonal para baixo. A mesma sequencia se repete nos quadrinhos 5, 6 e 7.

Essas opções constituem a base da narrativa, pois é a partir delas que esta é composta. Porém, a simples opção por qual parte da ação mostrar não constitui o todo, pois existe ainda a possibilidade do quadrinista manipular essa apresentação de acordo com a necessidade ditada pela história. Ao manipular o tempo em uma determinada seqüência, ele deve auxiliar o leitor a entender e identificar essa passagem de tempo, a menos que sua intenção seja confundi-lo. No exemplo à seguir, figura 110, os elementos apresentados no quadro são familiares a qualquer leitor, pois tratam de uma conversa. Isso torna mais fácil para ele determinar a duração desta seqüência. No primeiro e no último quadro

Figura 108 Sequência EISNER, 2002. Figura 109 Steranko Eye Movement CAPUTO, 2003.

118 119

existem falas, o que torna fácil a identificação da passagem do tempo. O quadro do meio, que na ação é o de pausa, não tem nenhuma indicação aparente, mas por estar entre os outros dois é facilmente entendido como alguns segundos, pois ele é o único sem balão e isso torna sua leitura mais rápida. Caso o quadrinista quisesse manipular esta pausa, ele poderia reproduzir o quadro de pausa mais vezes, e isso faria com que o leitor, ao ler mais de uma vez o mesmo quadro, entenda a repetição do momento. Ou poderia manipular com a sarjeta, aumentando a distância entre os quadros e fazendo com a leitura seja mais demorada, indicando ao leitor que a passagem de um quadro para o outro não é comum. Ou ainda poderia explorar o formato do quadro tornando-o maior do que os demais fazendo com que o leitor levasse mais tempo para lê-lo e entendesse que mais tempo

Além das opções relacionadas a passagem do tempo e do que mostrar no quadro, o quadrinista deve escolher como fazê-lo. Já que dificilmente ele vai mostrar uma ação inteira, ele deve escolher o que mostrar e como mostrar.

A arte dos quadros

Ilustração ou cartum?

No que concerne as opções dentro do quadro, vou considerar duas, a arte, ou seja, o desenho, a arte-final e a cor; e a composição e o enquadramento. O texto, através dos balões e onomatopéias, será considerado parte da composição.

O desenho nos quadrinhos é uma das bases da narrativa visual, e é através dele que o roteiro é transformado visualmente em uma HQ. Mas basta folhear algumas revistas em quadrinhos para se perceber a diversidade de estilos e linguagens nos mais diferentes títulos. Nos quadrinhos, um desenho pode ser classificado, de acordo com Scott McCloud, dentro de um escala que vai do cartum ao realismo dependendo do seu nível de abstração (figura 111). Esta variação tem o desenho realista como ícones que mais se aproximam da representação da realidade (figura 112), e no extremo oposto, o cartum, que, em sua abordagem mais extrema, simplifica ao máximo a imagem, eliminando detalhes e concentrando nas características gerais (figura 113). O desenho realista opta por mostrar características específicas de forma trabalhada e habilidosa a ponto de se confundir com o objeto representado. O cartum escolhe mostrar características gerais de forma universal, reduzindo a imagem quase ao seu significado puro.

Chamarei de linguagem todas as opções visuais do autor, sejam de estilo, soluções gráficas ou formas de representação. Tzevetan Todorov define que a linguagem é a matéria do poeta ou da obra (2003, p. 54), podemos traçar uma analogia e dizer que a linguagem é aqui definida como a matéria do autor. Portanto, toda solução visual empregada por ele faz parte de sua linguagem.

Figura 110 Tempo McCLOUD, 2005.

120 121

Cada artista possui uma abordagem variando dentro desta escala, mas há mais na linguagem do que simplesmente a forma como o artista representa a realidade. Scott McCloud, ao buscar uma classificação para o estilo de arte de um quadrinista, definiu quatro grupos em que, segundo ele, basicamente todos os artistas podem ser encaixados, e alguns possuem características de mais de um dos grupos (2006, p.230). Para definir esses grupos, ele enumera uma coleção de valores para cada um. O primeiro, que ele chama de classicistas, em alusão ao movimento de arte, é o grupo dos artistas cuja preocupação primordial é com a beleza estética de sua arte e com a extrema habilidade técnica. Estes possuem uma tradição de excelência e domínio das técnicas do desenho e, muitas vezes, também da arte-final. Seu objetivo é produzir arte que sempre será apreciada, atemporal, e sua busca será sempre em direção a perfeição dos traços precisos e formas bem construídas. O segundo grupo, é denominado de animistas, que remete a doutrina filosófica e científica de animar o inanimado, de dar alma a alguma coisa. Seu foco principal é no conteúdo de suas criações muito mais no que na forma. Sua habilidade está a serviço do propósito e eles acreditam que se a força da história e dos personagens for passada, nada mais importará (IBID., p.230). O terceiro grupo, chamado de formalistas, é o dos quadrinistas adeptos da exploração das possibilidades da forma dos quadrinhos. Seu objetivo é testar possibilidades de todos os tipos buscando compreender este potencial. Eles se dispõem a colocar a história e a técnica em segundo plano em prol da

exploração. E o último grupo, os iconoclastas, cujo compromisso principal é com a representação da realidade crua e da forma mais verdadeira possível. Esta abordagem remete mais a temática de suas histórias do que a representação gráfica, mas eles tendem a ter linguagens que representam bem sua visão de mundo. McCloud define estes grupos, de forma análoga, como fogueiras onde os quadrinistas se reúnem em volta, e explicita o fato de que a maioria dos artistas busca ter um pouco de cada um dos grupos, mas que em quase todos os casos, é possível distinguir qual destas fogueiras brilha mais, ou seja, a qual grupo ele se remete mais, e a qual destas fogueiras ele raramente ou nunca vai (2006, p.232). E que, por isso, é comum encontrar características de dois grupos em um só artista. Essa classificação de McCloud engloba não só a linguagem visual de um quadrinista, mas também sua capacidade narrativa como um storyteller. É importante ressaltar que qualquer sistema de classificação de arte, por si, só pode ser visto como reducionista, e muitas vezes o é, mas neste caso, não há qualquer objetivo de taxar os quadrinistas, e sim auxiliar a análise que será feita. Obviamente que os artistas classificados a seguir são mais do que a soma de suas virtudes, mas para efeito desta análise, me concentrarei nestes quatro grupos.

Assim, tomarei alguns exemplos para aplicá-la e melhor entendê-la e depois analisarei Frank Miller, autor do objeto de análise deste estudo. Alex Toth, conhecido por suas criações visuais para o estúdio de animação Hanna-Barbera, trabalhou

Figura 111 Escala McCLOUD, 2005.

(abaixo) Figura 112 Realismo DINI, 2005.

(a esquerda) Figura 113 Cartum WATTERSON, 2006.

122 123

muito tempo nos quadrinhos em diversos títulos. Entre seus trabalhos mais famosos estão sua passagem pela DC Comics desenhando personagens como The Flash e Green Lantern (Lanterna Verde), e sua adaptação de Zorro (figura 114) para os quadrinhos. Alex Toth possui um traço cartunizado, e sua preocupação primordial sempre foi com a história em primeiro lugar. Mas ele era um desenhista habilidoso que jamais descuidou da forma. Ele seria um animista com preocupações de um classicista, contanto que estas preocupações não interferissem na história.

Will Eisner, de quem muito já foi dito, é um dos principais nomes da história dos quadrinhos. Sua tira e depois revista The Spirit, publicada na década de 1940, foi laboratório de muitas criações que até hoje são utilizadas pelos quadrinistas. E criou as graphic novels como elas são conhecidas, como Invisible People (figura 115). Para ele, assim como Toth, a história está em primeiro lugar, mas sua técnica e preocupação com o visual são inegáveis. Ele também é um animista com traços de um classicista. Mas sua preocupação com a forma, como é bem evidenciada

por suas publicações sobre o tema, denota algumas características de um formalista, mas em menor escala, principalmente porque suas explorações se concentram na narrativa mais do que na forma em si.

Jack Kirby, por outro lado, é completamente animista. Com uma produção nos quadrinhos inteiramente dedicada aos super-heróis, Kirby foi um pioneiro nas soluções narrativas durante a década de 1960 e 1970. Sua arte e técnica existem em função da história, e todas as soluções narrativas que ele desenvolveu, assim como as de Eisner, foram sempre em prol das histórias. Sua linguagem visual é bastante gráfica, pouco rebuscada e completamente objetiva. Suas tentativas e sucesso em tentar representar graficamente conceitos abstratos como poder e energia (figura 116) são recursos utilizados por quadrinistas até hoje (SCHUMER, 2003, p.72).

Já Robert Crumb, ícone do movimento underground dos quadrinhos da década de 1960, é um iconoclasta. Sua preocupação é com a representação crua da realidade caracterizada por sua visão satírica da sociedade americana.

(a extrema direita) Figura 115 Eisner Invisible EISNER, 2002.

(a direita) Figura 114 Toth DUIN, 1998.

124 125

O traço de Crumb (figura 117) é um símbolo da arte underground, finalizadas com canetas nanquim baratas, com muitas hachuras e sombras pesadas. Sua representação das figuras é caricatural e crítica.

Jim Steranko foi um dos símbolos da ressurreição dos quadrinhos durante a Era de Prata desenhando Nick Fury, Agent of S.H.I.E.L.D.. Desenhista oriundo da ilustração publicitária, Steranko trouxe para os quadrinhos uma técnica apurada e soluções oriundas da arte, de movimentos como, por exemplo, o surrealismo, a op art e a pop art. Com sólidas noções de design gráfico, ele explorou o layout da página de forma inovadora. Ele fundiu os conhecimentos de um designer gráfico com uma abordagem de ilustração no meio do storytelling seqüencial (IBID, p.137). Steranko é um classicista, possui traços dos formalistas no que concerne as soluções de organização de página e layout, mas sua característica mais marcante é a preocupação técnica (figura 118).

Neal Adams, como Steranko, foi instrumental na recuperação do meio pós-código de censura. Recém-chegado do mercado publicitário, Adams desenhou personagens importantes na DC Comics como Batman (figura 119) e depois Green Arrow & Green Lantern. Sua linguagem de anatomia dinâmica e impressionantemente real foi um marco nos quadrinhos.

Seu traço realista trouxe uma gama de emoções humanas diferentes dos padrões do meio até então. Adams é a definição do classicista com traços de animista.

Bill Sienkiewicz, quadrinista que ficou famoso na década de 1980 pelos trabalhos com os personagens Batman, Moon Knight, Daredevil (figura 120) e Elektra, segue a linha de Steranko. Ilustrador e pintor, Sienkiewicz experimentou diversas técnicas nas páginas que desenhou.

Art Spiegelman, que surgiu como um quadrinista underground na década de 1960 e depois se consagrou com o já citado Maus na década de 1980, é um dos patronos dos formalistas (IBID., p.233). Suas experimentações com a forma em suas publicações underground, como a revista RAW (figura 121), trouxeram diversas inovações para o meio. Porém, sua preocupação com a cuidadosa representação da realidade, seja da sociedade americana em seus quadrinhos underground e os publicados depois de Maus, ou dos judeus e alemães durante a Segunda Guerra, o classificam também como um iconoclasta.

A arte de Dave McKean, já citado ilustrador, fotógrafo, escultor e designer, combina experimentações dos formalistas com a busca pela excelência visual dos classicistas (figura 122).

(a esquerda) Figura 116 Kirby Power SCHUMER, 2003.

(a direita) Figura 117 Crumb ROSEKRANZ, 2008.

(abaixo) Figura 118 Steranko Cap SCHUMER, 2003.

(acima) Figura 121 Spiegelman DUIN, 1998.

126 127

(a direita) Figura 119 Adams O’NEIL, 2004.

(acima) Figura 120 Sienkiewicz MILLER, 1986.

128 129

Mike Mignola, criador de Hellboy (figura 123), construiu sua arte sempre preocupado em submetê-la a história, o que o caracterizaria como um animista. Porém, seu estilo gráfico de sombras pesadas e largas áreas chapadas, e suas experimentações com layouts e soluções visuais demonstram traços dos formalistas.

Alex Ross inaugurou uma nova categoria de artistas nos quadrinhos, o pintor de quadrinhos. Com uma arte foto-realista, Ross surgiu na década de 1990 com a série Marvels abordando o início do universo Marvel, mas foi na DC Comics trabalhando com os principais personagens da editora que ele se consagrou (figura 124). Apesar de ser também escritor, o foco de Ross como artista é na qualidade visual da arte, cada quadro de uma página é como uma pintura, o que faz dele um classicista.

Chris Ware, que surgiu nos quadrinhos no fim da década de 1980, mas se destacou pela criação de The Acme Comics Library, publicada pela Fantagraphics Books em 1993 e já está na sua décima oitava edição, e pela inovadora graphic novel Jimmy Corrigan, the Smartest Kid on Earth (figura 125), Ware é um dos principais formalistas nos quadrinhos atuais. Sua revista, The Acme Comics Library, é dedicada exclusivamente a

experimentação da forma dos quadrinhos. Suas edições variam de formato e tamanho e contém histórias de diferentes estilos e linguagens. Mesmo sua graphic novel explora bastante a forma, com grandes seqüências sem texto e páginas cujo objetivo é a composição gráfica. Sua arte geométrica e precisa é eclética e reflete seu interesse na arte americana e no design gráfico do século XX. Ware possui traços dos iconoclastas, pois suas histórias exploram a vida real.

Já Frank Miller, autor do objeto de estudo desta dissertação, e cuja história é contada com mais detalhes no capítulo dois, é um animista. Sua grande preocupação é a história e a forma de contá-la. Quando ele entrou nos quadrinhos, sua arte ainda estava em desenvolvimento, ainda era bastante classicista, pois remetia muito aqueles que o inspiraram. Porém, ele gradativamente foi migrando para uma linguagem mais gráfica e objetiva, concentrando-se primordialmente na história e na narrativa. Ronin (figura 126) foi um momento de experimentação técnica combinando influências da arte oriental e européia. Em Batman The Dark Knight Returns (figura 127), ele iniciou sua caminhada rumo a uma maior estilização, passando a construir corpos mais angulares e usando sombras mais pesadas em suas composições. Esta linguagem se solidificaria e se estabeleceria em Sin City (figura

(a direita) Figura 122 McKean MORRISON, 1987.

(a extrema direita) Figura 123 Mignola MIGNOLA, 1998.

130 131

132 133

(acima) Figura 125 Ware MELNICK, 2005.

(a direita) Figura 126 Miller Ronin MILLER, 1987.

(página anterior) Figura 124 Ross DANIELS, 2001.

(a extrema direita) Figura 127 Miller DKR MILLER, 1986.

134 135

Figura 128 Miller Sin City MILLER, 1996.

136 137

128), onde a arte em preto e branco e de contraste exagerado tornou-se sua marca e caracterizando um estilo único para ele. Sua exploração classicista foi escrava de sua preocupação animista e cada vez mais ele busca referências cartunescas para compor sua linguagem.

Com a passagem dos anos, eu me vejo mais e mais apaixonado por coisas que se assemelham a cartunização exagerada. Eu quero que o suor das pessoas voe de suas cabeças quando elas estiverem nervosas. Isso é algo que os quadrinhos podem fazer (MILLER in BROWNSTEIN, 2005, p.39).

Todas essas etapas, a criação das páginas à lápis, a arte-finalização à nanquim e a colorização digital, na maioria das vezes, são ditadas pela linguagem do artista, sendo ele uma pessoa só responsável por todas as etapas, ou mais de uma, onde geralmente impera o estilo do desenhista, a menos que alguém mais conceituado ocupe alguma das duas outras posições.

cor

A cor também é um elemento importante do storytelling que, se usado de forma consciente, pode ajudar o leitor a ler a história. A cor como elemento narrativo e não simplesmente como complemento da arte é um poderoso aliado do quadrinista ao contar uma história. Ela pode ser usada para colorir as coisas como elas são e, dessa forma, apenas traduzir as informações básicas do que está sendo mostrado em uma página, ou pode ser usada para comunicar melhor a história. Nesta última

opção, o quadrinista passa a considerar o roteiro em cenas e não mais em páginas, isso porque a colorização assume um caráter informacional. No exemplo abaixo, figura 129, a cor auxilia o leitor a entender onde a cena se passa. Quando a ação ocorre dentro da sala, a colorização é esverdeada. Quando acontece fora, ela é azulada.

Além de estabelecer um guia de cores através das páginas, a cor pode também ajudar a dar foco a um quadrinho destacando planos e personagens. E por fim, a cor complementa o desenho e por isso, deve dialogar com a linguagem do artista. Qualquer sombra deve ser linear, gráfica e não muito rebuscada (CHIARELLO, 2004, p.31). Enquanto páginas desenhadas por artistas detalhistas, com muitas hachuras e adeptos de linhas intensas requerem uma colorização altamente renderizada e detalhista, explorando assim todas as suas características. Obviamente que nem todos os quadrinhos são coloridos, muitos são em preto e branco, seja por opção criativa ou debilidade financeira. A forma como ambos são trabalhados difere muito em termos de processo, pois no quadrinho preto e branco, geralmente, a arte final é o último passo que a imagem sofre e também em termos de resultado final para o leitor.

A diferença entre quadrinhos em preto e branco e em cores é profunda, afetando cada nível da experiência de leitura. Em preto e branco, as idéias por trás são comunicadas de maneira mais direta. O significado transcende a forma. Em cores planas, as formas assumem mais significância. O mundo torna-se

Figura 129 Narrativa por Cor MILLAR, 2002.

138 139

um playground de forma e espaço. E, através de cores mais expressivas, os quadrinhos podem transmitir sensações que só a cor é capaz de proporcionar (McCLOUD, 2005, p.192).

O storytelling depende de todos esses elementos, e como muitos sistemas de comunicação, ele é mais do que a soma de suas partes, pois depende principalmente, da forma como eles são usados e combinados. O processo de produção de uma história em quadrinhos nada mais é do que a montagem de uma história contada visual e textualmente. O sucesso das soluções usadas pelo quadrinista dependem do planejamento realizado por ele. Muito do storytelling é resolvido na parte inicial, no planejamento das páginas. Grande parte dos quadrinistas começa a elaborar uma página visualmente através de sketches pequenos das próprias páginas chamados de thumbnail. Nestes sketches de planejamento ele estabelece

a quantidade de quadros em cada página, a disposição dos elementos em cada quadro e o posicionamento dos balões e onomatopéias. A principal razão para a universalidade desta prática é a facilidade que os thumbnails oferecem para que o quadrinista visualize a página como um todo, e a relação desta com as demais, podendo até ter um entendimento de todo o gibi. É muito mais fácil ter esse controle com versões reduzidas das páginas do que com elas em tamanho natural, além de ser mais rápido e prático de se trabalhar layouts de alguns centímetros ao invés de páginas inteiras. Se um dos objetivos do storytelling é conduzir o olhar do leitor através do layout da página e da organização de seus elementos, ter uma visão geral da mesma é sempre benéfico. Em muitos casos, se o artista e o roteirista são a mesma pessoa, o quadrinista opta por escrever e trabalhar o layout ao mesmo tempo, desconsiderando o roteiro tradicional. O objetivo

do thumbnail não é engessar o processo, mas sim ajudar a guiá-lo. É comum mudanças acontecerem na passagem de uma página em thumbnail para seu tamanho final, mesmo porque existe uma diferença entre um sketch e um desenho finalizado, assim como existe entre o projeto e o produto final, mas esta diferença, se o processo for respeitado, pode ser uma evolução da idéia inicial. No exemplo (figura 130), as duas primeira imagens da esquerda mostram os thumbnails de Juanjo Guarnido para uma página de Blacksad. No primeiro, o traço é solto e livre, mais preocupado em planejar os espaços do que definir as imagens dos quadrinhos. A imagem seguinte mostra um segundo thumbnail já mais definido e com os quadrinhos mais resolvidos. O quadrinista alterou o ângulo do quadrinho maior e direção da cabeça do personagem no quarto quadrinho. A página finalizada a lápis aparece na figura 131, e a versão final da mesma na 132.

140 141

(acima) Figura 130 Thumbnail CANALES, 2005. (acima) Figura 131 Lápis Final CANALES, 2005.

(a direita) Figura 132 Página Final CANALES, 2000.

142 143

Trabalhar a partir do thumbnail permite que o quadrinista decida como organizar as páginas em termos da quantidade de quadrinhos por página, pois ao ter uma visão geral da HQ ele pode balancear esse uso. Um recurso à disposição é a página splash, que pode ser dupla ou individual. A página splash consiste em uma página inteira sem quadrinhos com apenas uma grande imagem, mais ou menos como um pôster (figura 133). Ela pode contar com balões e onomatopéias, mas geralmente não com quadrinhos. Existem casos de páginas splash com um ou dois quadrinhos inseridos, mas essa solução diminui o impacto, que é o propósito principal desse artifício. Existem dois tipos de página splash, a no começo do gibi e a no interior dele. A página de abertura de uma HQ geralmente é um splash, que ainda pode conter o título da história e os créditos (JANSON, 2002, p.77). Nos primórdios dos quadrinhos, ela sempre era usada na primeira página para capturar a atenção do leitor, o que não mudou, mas não é incomum que o quadrinista postergue a aparição da página splash até no máximo a quarta página da HQ para assim valorizá-la. Quando ela é usada no interior do gibi, sua função e composição é outra. Ela não possui o título da história nem os créditos e

não funciona como uma porta de entrada na história, mas sim para ilustrar uma parte dramática da história que pode beneficiar-se de uma página inteira (IBID).

Existem também as páginas duplas que podem conter um splash duplo ou quadrinhos contínuos. No primeiro caso, funciona como uma splash normal, porém o resultado é muito mais dramático pela amplitude do espaço (figura 134).

No segundo caso (figura 135), o quadrinista pode compor a organização dos quadros considerando duas páginas ao invés de uma. Isso oferece uma gama de novas possibilidades, mas pode também desnortear o leitor. O layout pode ser pensado de forma contínua com os quadrinhos seguindo de uma página para outra na horizontal, ou podem seguir sua estrutura de leitura normal, mas ambas as páginas devem funcionar juntas. O perigo aqui é usar esse elemento inadvertidamente, especialmente se as páginas seguintes voltarem ao layout de uma página só, pois o leitor pode tentar ler novamente as páginas como se fossem duplas, o que certamente não funcionará.

Figura 133 Splash STARCZIINSKY, 2007.

144 145

(acima) Figura 134 Splash Duplo McFARLAINE, 1996.

(abaixo) Figura 135 Splash Duplo 2 JOHNS, 2008.

146 147

Para melhor exemplificar todas estas soluções citadas, olhemos uma seqüência do gibi Action Comics Annual #11 escrito por Geof Johns, roteirista de quadrinhos, Richard Donner, o cineasta diretor de filmes como Superman I e II, Goonies e Lethal Weapon (Máquina Mortífera), e desenhado por Adam Kubert. Na primeira página (figura 136) do gibi, o layout é bem cinematográfico em termos de organização de página, com quadros longos horizontalmente. As imagens mostram closes de jornais e já apresentam os créditos de forma gradual distribuindo-os pelos quadrinhos. Ao virar a página o leitor se depara com um splash duplo apresentando a cidade, funcionando como um grande estabilishing shot que ainda contém o restante dos créditos e o titulo da história (figura 137). Continuando com splashs duplos visando não desnortear o leitor e fazer uso da dramaticidade que este recurso oferece, Kubert organiza os quadros nas páginas 4 e 5 do gibi (figura 138). O layout é livre (free form) e faz uso de formas irregulares nos quadrinhos. Nas páginas seguintes o quadrinista mantém o uso de páginas splash duplas, porém variando o layout das mesmas e a forma dos quadrinhos bem como as transições. Nas páginas 6 e 7 as transições são bem mais pontuais, passando-se muito pouco tempo de um quadro ao outro (figura 139). Kubert mantem esse uso dos splash duplos com quadrinhos por toda a HQ, como nas páginas 20 e 21 (figura 140), mas ocasionalmente retorna ao splash duplo sem quadros, como na página 27 (figura 141).

Figura 136 Kubert Pg. 1 JOHNS, 2008. Figura 137 Kubert Pgs. 2 e 3 JOHNS, 2008.

148 149

(a esquerda e acima) Figura 138 Kubert Pgs. 4 e 5 JOHNS, 2008.

(a esquerda e abaixo) Figura 139 Kubert Pgs. 6 e 7 JOHNS, 2008.

(abaixo) Figura 140 Kubert Pgs. 21 e 22 JOHNS, 2008.

(próxima página) Figura 141 Kubert Pgs. 27 e 28 JOHNS, 2008.

150 151

152 153

As páginas splash permitem diversas soluções criativas, e geralmente são usadas pelos quadrinistas para trabalhar as partes mais dramáticas da história de forma grandiosa. No exemplo da figura 142, extraído da mini série Hush publicada na HQ Batman do número 608 ao 619, vemos a utilização da página splash no começo do gibi com os créditos dos criadores e da história. O letrista, Richard Starkings, estabeleceu um grid para as informações textuais que se repete em todas as edições da série. Trabalhando juntamente com o quadrinista, Jim Lee, ele cria um padrão de identidade para a série facilitando o entendimento do leitor, funcionando analogamente como uma apresentação do episódio de uma série de televisão.

Frank Miller também faz uso de soluções originais no emprego das páginas splash duplas em sua mini série em 6 partes Sin City

Figura 142 Hush LOEB, 2006.

154 155

That Yellow Bastard (1996). O início de toda edição possui uma splash dupla composta da segunda capa e da primeira página do gibi. Sempre uma imagem continua que introduz a história dando inicio a narrativa. A figura 143 mostra o splash do número 1 do gibi, enquanto a figura 144 a do número 2. Em ambas o titulo da história é apresentado de acordo com a composição da imagem, que já estabelece a história através do conteúdo das imagens, estabilishing shot, e da presença dos balões de texto. As figuras 145 e 146 mostram as splashs da terceira e da quarta edição, seguindo o mesmo padrão de imagem, texto e o titulo da história, que é sempre apresentado com a mesma fonte dando continuidade a identidade. O quadrinista se utiliza desse recurso narrativo para reforçar um acontecimento da história. No final da quinta edição o protagonista é subjugado pelo vilão. Este o prende a uma corda amarrada no ventilador e o deixa para morrer enforcado. No começo da sexta e última parte da história, figura 147, Miller abre o gibi com uma cena do protagonista enforcado, ao virar a página o leitor se depara com a mesma imagem, figura 148, porém o personagem esta morto, e para reforçar isso, Miller insere os créditos da edição. Durante toda a série estes créditos sempre aprecem no fim da HQ, ao colocá-los na quarta página ele brinca com o leitor sugerindo que o protagonista esta verdadeiramente morto. O que é reforçado pelo fato do mesmo ser um personagem mais velho, que quase havia morrido do coração duas vezes durante a história. Ao virar a página o leitor vê que mais uma vez ele volta a vida (figura 149). Uma solução técnica utilizada para reforçar um momento dramático da história.

(acima) Figura 143 Yellow 1 MILLER, 1996. (abaixo) Figura 145 Yellow 3 MILLER, 1996. (acima) Figura 144 Yellow 2 MILLER, 1996. (abaixo) Figura 146 Yellow 4 MILLER, 1996.

156 157

(acima) Figura 147 Yellow 5 MILLER, 1996.

(acima) Figura 149 Yellow 7 MILLER, 1996.

(a direita) Figura 148 Yellow 6 MILLER, 1996.

158 159

As soluções citadas e exemplificadas acima, e as demais existentes na linguagem de quadrinhos para contar uma história funcionam se forem usadas pensando na história e na força de seu resultado. Qualquer dos recursos do storytelling, se usado em demasia, perde sua intensidade. A soluções de layout, técnicas e artísticas atingem seu efeito desejado se forem equilibradas. Usar páginas splash em toda página fará com que o recurso perca a sua força, o que não significa dizer que não pode ser feito. Stan Lee e Jack Kirby publicaram uma história do Surfista Prateado na década de 1960 composta apenas por páginas splash. A solução foi criada para ilustrar de forma visualmente emblemática a melancolia do personagem no vasto espaço sideral. Eles sabiam o que estavam fazendo e o fizeram de forma experimental. Muito poucas coisas não podem ser feitas, tudo depende da intenção do quadrinista e da necessidade da história.

quadrinhos se encaixam nesta estrutura, apesar de diferir na forma, assemelhando-se mais a estrutura de séries televisivas. Isso porque o roteiro de um filme é criado para uma narrativa completa a ser contada no período de duração do filme. O de uma história em quadrinhos também o é para a duração de uma revista, mas é muito comum que a história se estenda por diversas edições, neste caso, cada revista deve funcionar como um episódio da história maior, semelhante a uma serie de televisão. Cada um desses episódios geralmente obedece a estrutura de três atos, mas avança um pouco mais na trama principal. No roteiro de cinema, cada página corresponde mais ou menos a um minuto de filme enquanto o roteiro de quadrinhos é dividido em páginas. Cada página de roteiro corresponde a uma página de quadrinhos, dependendo do tipo de roteiro (como visto anteriormente). Alguns roteiristas são mais detalhistas ou algumas páginas demandam mais descrição e podem ocupar mais páginas do roteiro. Apesar de bastante próximos, os dois meios são formas bem distintas, como veremos a seguir.

Os quadros em um filme são temporalmente contínuos. Tudo que o público tem que fazer é se recostar na cadeira e prestar atenção a ação se desenrolando na tela, seguindo os personagens conforme ele cruzam um quarto, cometem um assassinato, ou apenas olham pela janela. Quadrinhos, por outro lado, não são contínuos da mesma forma, e não existe verdadeiramente uma movimentação. Por exemplo, os leitores vão “ligar os pontos” entre os quadros no seu próprio ritmo. Alguns podem ler uma cena de combate em slow motion, outros podem lê-la em um

piscar de olhos (CAPUTO, 2003, p.38).

Narrativa Cinematográfica

A narrativa nas histórias em quadrinhos guarda muito mais semelhanças com a narrativa do cinema do que com a literária. A estrutura de roteiro dos filmes clássicos hollywoodianos de três atos é seguida nos roteiros de quadrinhos. Esta, organiza uma história em três partes: começo, meio e fim, ou a apresentação dos personagens e locais (the setup), a confrontação e a resolução. Grande parte dos roteiros de

Os quadrinhos como uma forma de arte narrativa cujo principal objetivo é contar uma história, mostra-se ilimitada em suas possibilidades, pois conta com três formas para fazê-lo: texto, imagem e a justaposição de ambos. Ao contrário de um filme, por exemplo, quadrinhos não tem orçamento de produção, não sofre cortes em função de verba e sua única limitação reside na criatividade do autor. Quadrinhos, assim como cinema, é uma forma narrativa que pode ser palco de qualquer temática ou gênero. Além disso, a narrativa nos quadrinhos guarda muitas semelhanças com a narrativa cinematográfica, e não só na forma como os seus roteiros são construídos, mas também em termos de montagem e até historicamente. Will Eisner, o primeiro a publicar um estudo da forma dos quadrinhos como uma linguagem única, relata ter baseado-se na linguagem de cinema para nortear a sua busca por uma específica para os quadrinhos (EISNER in BROWNSTEIN, 2005, p.88). Ele baseou-se em diversos conceitos do cinema clássico para criar suas histórias, que acabaram por gerar seus estudos da forma das HQs. Mas, apesar de Eisner ter estudado cinema clássico e ser fã declarado da forma, ele definiu a linguagem de quadrinhos como uma forma narrativa única, e não um subproduto do cinema como já se chegou a acreditar. Apesar de possuírem semelhanças, suas formas narrativas são diferentes.

Ele (Eisner) foi um pioneiro ao definir quadrinhos como quadrinhos, e não simplesmente como um filme de quinta categoria. (...) Quadrinhos e filmes possuem gêneses semelhantes e objetivos narrativos parecidos, mas são duas formas de contar histórias diferentes (MILLER in SALISBURY, 2000, pg. 162 e 164).

Uma das grandes diferenças entre filmes e quadrinhos é que as histórias em quadrinhos não precisam necessariamente ter um processo colaborativo. Nos chamados quadrinhos de autor, a produção toda é feita por uma única pessoa. Da concepção ao roteiro, dos desenhos à finalização, tudo é feito por um só quadrinista, como Sin City de Frank Miller, Strangers in Paradise de Terry Moore, Hellboy de Mike Mignola ou qualquer trabalho de Eisner. Os quadrinhos oferecem um tipo de liberdade criativa em todas as etapas que o cinema raramente consegue igualar. Talvez apenas o cinema documentário em seus mais extremos exemplos pode ser comparado. Os quadrinhos mensais das grandes editoras se assemelham ao processo produtivo colaborativo dos grandes estúdios de cinema, mas os quadrinhos de autor oferecem uma forma do storyteller visual trabalhar livre de exigências de software, hardware e de orçamento (CAPUTO, 2003, p.55). Isso porque, ao contrario de um filme que precisa pagar por tudo que é vai aparecer na tela, dos atores aos efeitos, nos quadrinhos o limite é a habilidade do desenhista.

Eisner, além de ter estruturado suas próprias narrativas a partir dos princípios de storytelling do cinema clássico quando escreveu “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, o primeiro livro a oferecer uma análise do modo de produção, da estrutura visual e narrativa dos quadrinhos, estabeleceu estes mesmos princípios como válidos para uma produção de HQs. Ele definiu que o princípio básico ao se contar uma história em quadrinhos era ter uma narrativa clara e objetiva (EISNER,

160 161

2002, p.11), princípio encontrado também na base do cinema clássico norte-americano, que visa uma narrativa com unidade e clareza (THOMPSON, 2001, pg. 12). Narrativa esta que pode ser considerada uma cadeia de eventos de causa e efeito ocorrendo em tempo e espaço (BORDWELL, THOMPSON, 2003, p. 69). O cinema clássico hollywoodiano, segundo David Bordwell, estende-se, de forma geral de 1917 até 1960, e consiste em uma forma de fazer filmes que se utilizam de um mesmo estilo, tanto visual quanto sonoro, e buscam sempre contar uma história de forma continuada cuja narrativa visual é “invisível”, ou seja, sem que a presença da câmera seja notada pelo expectador (1985, p.3). Além desse estilo homogêneo e distinto em seus filmes que manteve-se constante durante décadas, gêneros, estúdios e funcionários (IBID, p.3), o cinema clássico hollywoodiano também caracterizou-se por padronizar o modo de produção dos filmes. Esse conjunto de normas que perfaz o estilo clássico de cinema hollywoodiano é seguido até hoje, apesar das inovações e novas soluções narrativas e produtivas, e também depois do fim do período ao qual ele pertence (THOMPSON, 2001, p.44). Isso acontece devido a solidez e eficiência do estilo clássico, o que não significa dizer que o cinema não mudou desde então, mas sim que, mesmo depois de todas as mudanças tecnológicas e na narrativa, diversas normas estabelecidas pelo sistema clássico ainda são seguidas nos filmes hollywoodianos, o que se assemelha bastante a linguagem dos quadrinhos. Quando Eisner reconheceu uma linguagem coesa para a forma dos quadrinhos e descreveu suas regras iniciais, ele definiu que

seu objetivo maior era contar uma história de forma clara e objetiva para o leitor, o que, obviamente, não implica em uma história simples (THOMPSON, 2001, pg. 10), como pode ser observado em The Spirit ou mesmo em suas graphic novels, como a já citada Um Contrato com Deus, e Outras Histórias de Cortiço. Em The Spirit, Eisner diversas vezes contava histórias cuja estrutura encaixava-se no modelo clássico, mas as trabalhava de forma visualmente inovadora. E fez isso mais vezes em suas graphic novels, que permitiam histórias mais complexas e visuais ainda mais ousadas. Mas, apesar de toda a ousadia que ele mostrava nestas HQs, as histórias mantinham-se claras e objetivas.

O princípio mais básico do cinema clássico hollywoodiano é o de que uma narrativa deve consistir em uma cadeia de causas e efeitos que sejam fáceis para o espectador seguir (THOMPSON, 2001, pg. 10).

O objetivo deste sistema de normas nos quadrinhos é contar a história, e se ele é aplicado de forma eficiente, o leitor passará pelos balões, pelas onomatopéias, pelos quadrinhos e pelas imagens e entenderá e guardará simplesmente a história, e não a forma. Este era o preceito defendido por Eisner que é valido para a grande maioria das HQs até hoje, como pode ser observado também no cinema, onde as narrativas atuais hollywoodianas ainda guardam muitas das características da forma clássica. Mesmo o pós-cinema clássico e todos os sistemas que o seguiram ainda guardam características do cinema clássico hollywoodiano, e se tomarmos os filmes

produzidos em Hollywood, isto fica ainda mais evidente. Por mais não lineares que sejam algumas das histórias em quadrinhos modernas, diversos preceitos clássicos da linguagem ainda são usados, mesmo em obras marcantes que trouxeram muitas mudanças, atenção para o meio e o fizeram sem se distanciar tanto das normas estabelecidas na década de 1970. Obviamente que existem diversas histórias que trabalham com estruturas diferentes, mas o mais comum das produções tidas como inovadoras é ocorrer uma mescla de soluções novas com soluções clássicas, como veremos no capítulo da análise.

É sempre complicado estabelecer datas de início e fim para movimentos e sistemas de normas, mas se a estrutura clássica do cinema hollywoodiano caracterizou-se e estabeleceu-se no período de 1917 a 1960, a dos quadrinhos pode ser entendida do final da década de 1930 até o final da década de 1970. O início do cinema clássico hollywoodiano aconteceu, segundo Kristin Thompson, com o fim do cinema mudo e o estabelecimento de Hollywood como o maior produtor de cinema no mundo, e seu fim ocorreu no pós Segunda Guerra Mundial com a quebra no sistema tradicional de estúdios que caracterizara a época. Nos quadrinhos, o início pode ser atribuído ao surgimento dos super-heróis e o estabelecimento da produção de material específico para o formato de revistas em quadrinhos, cujo representante principal pode ser entendido como a HQ Action Comics #1, de 1938, que marca o nascimento oficial de Superman. Esta estrutura clássica

começou a sofrer mudanças mais significativas no final da década de 1970 e início da década de 1980, com a entrada de artistas oriundos de diferentes áreas que passaram a trazer o experimentalismo para o mainstream dos quadrinhos norte-americanos e realizar pequenas mudanças no modo de contar uma história visualmente, e também pela mudança no tom das histórias contadas. É possível argumentar que esta estrutura clássica tenha se mantido apenas durante a Era de Ouro dos quadrinhos que terminou no fim da década de 1940, mas seria leviano deixar de fora as contribuições à linguagem clássica dos quadrinhos feitas pelos pioneiros da Era de Prata como Gil Kane e Carmine Infantino.

Tanto os quadrinhos como o cinema, como qualquer mídia narrativa visual que produza entretenimento, se preocupa e busca a imersão de sua audiência no produto, seja ele um filme, uma história em quadrinhos, uma animação ou um jogo. Para que uma história entretenha seu espectador, segundo Tony C. Caputo, ela precisa ter clareza, dinamismo, realismo e continuidade (2003, p.66). Clareza, como visto, é o principio básico tanto do cinema quanto dos quadrinhos clássicos. Essa clareza não implica em soluções simplistas, mas sim em ter a história como primeiro plano da narrativa, e soluções técnicas em segundo. A imersão no cinema é mais profunda do que nos quadrinhos, o filme conta com uma estrutura propícia para tanto, a sala de cinema, e possui mais recursos que permitem essa imersão como o som, por exemplo. Nos quadrinhos, a imersão depende da qualidade da narrativa e da história, mas

162 163

depende muito também do leitor. Como já foi discutido, se ele quiser saber o que acontecerá depois, basta dirigir o olhar para a página ao lado. O dinamismo pode ser obtido em ambas as mídias, mas através de recursos diferentes. As soluções de montagem são semelhantes, mas as de movimento diferem. Enquanto o cinema mostra o movimento, o quadrinhos emula. O cinema possui um dinamismo narrativo dentro de um mesmo espaço, a tela, enquanto os quadrinhos possuem o dinamismo da página que se beneficia de todas as soluções gráficas já citadas. O realismo é bastante variado em ambas as mídias, mas o cinema é uma mídia realista simplesmente por mostrar imagens fotograficamente reais, ou seja, filmadas. As cenas de um determinado filme podem ser irreais e impossíveis de acontecer, mas elas parecem verdadeiras, pois o meio as faz possíveis (IBID., p.72). Os quadrinhos interpretam essa realidade através dos traços do desenhista. Porém, a construção do ambiente nos quadrinhos pode suprir essa necessidade através de cenários realistas e bem construídos.

Se esforçar para colocar todos os detalhes de um cenário pode fazer a diferença entre desenhar uma página em seis horas ou em vinte, mas para os leitores, pode ser a diferença entre saber onde a história está se passando e estar lá (McCLOUD, 2006, p.159).

A imersão no cinema depende de diversos fatores, entre eles, a cinematografia notável, a beleza cênica, as grandes atuações ou as estrelas carismáticas, os efeitos especiais de última geração, a construção do suspense ou medo, e

etc. (CAPUTO, 2003, p.81). Nos quadrinhos, essa imersão depende da qualidade das imagens oferecidas ao leitor, do storytelling, das soluções gráficas adotadas e da qualidade da história a ser contada. Em ambos os casos, a imersão depende de soluções técnicas e narrativas misturadas a uma solução estética acertada de acordo com a proposta no resultado final. A representação e a busca por esses quatro itens existem em todas as mídias visuais, mas ela pode variar de intensidade dependendo de quão interpretativa for a obra produzida.

Realismo, clareza, continuidade, dinamismo – o objetivo máximo de qualquer storyteller visual é usar essas ferramentas para criar um mundo onde a imersão é completa, um em que o leitor, espectador, ou jogador “caia” e, uma vez lá, não queira sair. Qualquer coisa que não funcione no contexto da história sendo contada, do estilo e da produção do meio sendo usado para contá-la, pode interferir na imersão (IBID., p.80).

Muitas técnicas são semelhantes entre quadrinhos e cinema, algumas são muito parecidos, outras bem diferentes em suas aplicabilidades e muitas possuem a mesma denominação. Duas técnicas podem ser usadas para comparar como o cinema e os quadrinhos abordam a narrativa, e quão semelhantes as duas mídias são mesmo sendo em meios individuais: o estabilishing shot e a continuidade. O estabilishing shot basicamente é uma cena que apresenta o espaço onde a ação está se passando, vai se passar ou já se passou (figura 150). Nos quadrinhos, ela é utilizada para dar uma sensação de

espaço para o leitor, e é geralmente um quadrinho largo que diz ao leitor onde ele está (IBID., p.160).

O princípio desta técnica é, além de estabelecer onde está ocorrendo a ação, economizar trabalho e valorizar tomadas mais dramáticas. Isso porque, depois que o ambiente está estabelecido, o quadrinista pode, ao trabalhar com closes e enquadramentos mais próximos dos personagens, apenas sugerir esse ambiente através de partes do cenário. Além de economizar tempo, pois desenhar o cenário inteiro é bem mais demorado do que apenas fragmentos, ajuda a concentrar os quadrinhos nos protagonistas, especialmente se estes estiverem falando. Neste caso, muito cenário pode ser dispersivo. A utilização do estabilishing shot pode ser variada, e com resultados diversos. O quadrinista pode optar por mostrá-lo no início da cena, e depois seguir com a ação, mas pode também optar por começar a cena e somente revelar o lugar onde ela se passa depois. Ele pode durar mais do que um quadrinho, como pode também ser feito em um quadrinho pequeno. No cinema clássico, o estabilishing shot faz parte da primeira fase da anatomia de uma cena, que Bordwell chama de expositiva, sendo a segunda a de desenvolvimento (1985, p.63). Com o mesmo objetivo dos quadrinhos, ele serve para situar o espectador dizendo onde ele está. Aqui ela é ditada pela história e serve meramente como um espaço que contém o personagem, e geralmente é a parte mais rápida da cena (IBID.). Desde que o cinema passou a usar múltiplas tomadas em uma mesma cena, no início do século XIX, o estabilishing

Figura 150 ES BUSIEK, 2004.

164 165

shot ganhou a incumbência de mostrar ao leitor onde a cena está se passando (THOMPSON, 1985, p.196), para que o diretor tenha mais liberdade de montar a seqüência e possa usar enquadramentos mais dramáticos, como close up22, por exemplo. Em ambos os casos, tanto nos quadrinhos quanto no cinema, o estabilishing shot é um recurso narrativo que permite ao quadrinista/diretor montar a cena da forma que melhor servir a história, tendo que apenas uma vez mostrar onde ela se passa. Ela oferece a possibilidade de uma maior dramatização das cenas com personagens sem correr o risco de desorientar o leitor/espectador.

O estabilishing shot não precisa ser o primeiro quadrinho, mas ele tem que estar lá em algum lugar, para que nós saibamos onde estamos, quem está na cena, o que está acontecendo e o por quê. Clareza, clareza, clareza... e afaste a câmera (BYRNE in CAPUTO, 2003, p.66).

Já continuidade é uma regra da imersão ou um esforço no sentido de manter os elementos visuais de uma cena coerentes com a seguinte e com as demais que virão para que o leitor/espectador não seja desconectado, a menos que algum evento na história os altere. Sendo assim, a continuidade visual, que é a que nos interessa aqui, é uma extensão do estabilishing shot. Ela representa a narrativa visual através de objetos de cenário

e de composição. Tanto nos quadrinhos quanto no cinema cuidar da continuidade visual significa manter uma coerência entre os objetos e elementos presentes em uma cena (figura 151). A grande diferença é que nos quadrinhos esses objetos são gráficos, ou seja desenhados, e no filme eles são reais, filmados de objetos do mis-en-scene23. Mas o princípio é o mesmo do estabilishing shot: o cenário que foi estabelecido deve ser reproduzido nas demais cenas/quadrinhos, mesmo que seja apenas uma parte dele. É possível usar esses elementos da composição do cenário de forma narrativa como, por exemplo, caracterizar um determinado ambiente por alguma peça de sua decoração e sempre que ele aparecer na história enfocar tal objeto auxiliando o leitor/expectador a acompanhar a história. Além disso, um dos objetivos desse continuísmo gráfico no cinema clássico é oferecer um senso de realismo as cenas e convidar o espectador a olhar através da tela (BORDWELL, 1985, p.55), como se ele estivesse assistindo algo real. Nos quadrinhos, essa pretensão também existe, mas em menor escala e faz parte do processo de imersão constituir uma cena de forma plausível com o roteiro e a história.

Como o cinema, a produção de quadrinhos se distanciou aos poucos do clássico, mas nunca o abandonou. Diversas das soluções e técnicas do cinema clássico bem como da linguagem

22 O close up surgiu nesta época e solidificou-se com o estabelecimento do chamado star system (BORDWELL, 1985, p.201), que foi a época onde os filmes passaram a contar com atores importantes e reconhecidos, com elevado status de estrelas, que valorizavam e davam importância aos closes. 23 Mis-enscene é a manipulação do espaço cinematográfico de tudo aquilo que aparece na frente da câmera. O termo trata da disposição e a organização de figuras, formas, espaços e da iluminação em uma cena.

clássica dos quadrinhos, como já citados anteriormente, ainda são amplamente usadas, mesmo pelos mais revolucionários gibis. O próprio Eisner explorou a forma já em sua primeira graphic novel, “Um Contrato com Deus e outras Histórias de Cortiço”, onde a arte carregava a maior parte da narrativa da história (WEINER, 2003, p.17). Scott McCloud e sua série de quadrinhos Zot! focam mais a forma dos quadrinhos do que a história em si, o que não quer dizer que ele não cuida do enredo, como também o faz Chris Ware em Jimmy Corrigan, The Smartest Kid on Earth. O próprio McCloud, que é um dos principais defensores da inovação e da exploração na forma dos quadrinhos, defende em seu mais recente livro a respeito da linguagem do meio que, o mais básico princípio de qualquer quadrinista deve ser a clareza em suas narrativas, independente das soluções técnicas adotadas (2006, p.9). Mesmo se olharmos os quadrinhos na internet, uma categoria de HQs defendida e incentivada pelo próprio McCloud, perceberemos que a maior parte delas foca suas experimentações narrativas na forma e na estrutura, mantendo a clareza da história em seu cerne.

A inter-relação entre os campos apresenta-se quando pensamos na narrativa visual. Quadrinhos emprestou técnicas e elementos de cinema, que nos últimos anos vem buscando referências em quadrinhos para soluções narrativas em seus filmes. Essa troca dentro de um mesmo tema também é válida se

considerarmos quadrinhos e a televisão, a animação e também os jogos de vídeo game. Essa discussão é claramente ampla e tema para um outro trabalho, mas basta observar as produções ou profissionais para notar que essas trocas vem acontecendo há um bom tempo. Winsor McCay, autor e criador de Little Nemo in Slumberland, foi um dos pioneiros da animação com seu desenho Gertie the Dinossaur. Jim Steranko, famoso nos quadrinhos, trabalhou em todos estes campos aplicando técnicas da fotografia nos quadrinhos, técnicas de quadrinhos no cinema, técnicas de cinema em ilustração e técnicas de ilustração em seu trabalho em animação (SPURLOCK in CAPUTO, 2003, p.46). Hergé, criador de Tin Tin também utilizou técnicas de cinema em seus gibis (CAPUTO, 2003, p.46). A série 24 Horas usa muito da linguagem de quadrinhos em suas soluções narrativas para apresentar eventos ocorrendo ao mesmo tempo. Kevin Smith, que é diretor e roteirista de cinema, escreveu uma importante série nos quadrinhos abordando o personagem Daredevil (Demolidor). Quando a oitava temporada da série televisiva Buffy foi cancelada na televisão, seu criador, o diretor e roteirista de quadrinhos Joss Whedon, levou a série para os quadrinhos. E cada vez mais filmes sobre personagens de quadrinhos tem sido feitos, e cada vez mais elementos da linguagem dos quadrinhos tem aparecido nestas produções. Essa troca poliniza todos os meios beneficiando suas respectivas linguagens.

166 167

Figura 151 Continuista CANALES, 2000.

168 169

3.

‘Batman O Cavaleiro das Trevas’ conta a história de um Batman mais velho reassumindo o manto para limpar sua cidade. Escrito e desenhado por Frank Miller, arte-finalizado por Klaus Janson e colorido por Lynn Varley, a série foi um sucesso que beneficiou não só seu autor, mas também o próprio personagem e o meio. Os quadrinhos nunca tiveram tanta atenção dos meios de comunicação externos ao universo das HQs. Batman, criado em 1939 por Bob Kane, sofria criativamente nos gibis desde a implementação do Código, com as vendas despencando. O resgate ao personagem havia sido iniciado na década de 1960 pelo editor Julius Schwartz e o artista Carmine Infantino, e havia sido continuado por Denny O’Neil e Neal Adams na década desguinte. A dupla fez do Batman um personagem mais sério e sombrio novamente retornando-o a suas origens. Mas coube a Miller caracterizar o personagem de acordo com a época em que ele vivia. The Dark

Knight Returns enfoca um Batman cinquentão que abandona sua aposentadoria para pôr fim a uma crescente onda de crimes na cidade de Gotham, decisão que o leva a batalha final contra seus maiores inimigos e até seu maior aliado.

A HQ chamou atenção pela releitura que trouxe do personagem e de seu universo, ao caracterizá-lo como um combatente do crime cínico guiado por seus demônios internos cada vez mais incontroláveis. Tudo aquilo que Miller havia trazido para Daredevil24 ele agora aplicava ao Homem-Morcego. Porém, em Daredevil ele recriou o personagem ou a forma como ele era abordado e compreendido, tornando-o um produto da época. Com Batman, o resultado foi uma história extremamente violenta cujo protagonista passa a agir como juiz, júri e carrasco em sua cruzada. Miller tornou Batman uma criatura assustadora novamente, não só como uma figura gótica

Uma leitura do quadrinho

24 Daredevil é uma HQ que conta a luta do personagem homônimo contra o crime. Matt Murdock, o alter ego de Daredevil, é um advogado que perdeu a visão ao tentar salvar um idoso de ser atropelado por um caminhão transportando material radioativo. Murdock conseguiu salvá-lo, mas foi atingido no rosto por um frasco que caiu do caminhão. O frasco lhe tirou a visão, mas a radiação aguçou seus demais sentidos de forma sobre-humana, conferindo-lhe inclusive um radar. Na época, um personagem de segunda linha da Marvel, Daredevil foi a porta de entrada do então jovem Frank Miller no mercado de quadrinhos. Ele assumiu os desenhos na edição 158 e dez números depois também passou a escrevê-lo. Logo introduziu uma atmosfera noir na história, caracterizando-a como uma espécie de HQ de crime urbana com super-heróis. Somando a isso cenas de ação dinâmicas e uma boa dose de artes marciais, Miller modificou completamente a abordagem do personagem. A forma como ele abordou o personagem retratando-o sob um olhar mais realista para os padrões de sua época, ajudaram a tirar a Marvel de sua era de inocência. Drogas, ninjas, máfia, misticismo, prostituição e assassinatos frios não eram temas comumente abordados em gibis da editora, muito menos ao mesmo tempo. O grande apelo do personagem até então era sua disposição de lutar contra o crime mesmo à luz de sua deficiência, ele era um advogado bom moço e estudioso durante o dia e um combatente do crime jocoso a noite. A empatia que o personagem gerava vinha de seu passado sofrido, pois seu pai havia sido assassinado por gângsteres, e de sua deficiência física adquirida ao ajudar um estranho. Miller tratou de mudar essa visão do pobre Matt Murdock para o destemido combatente do crime. E ele fez isso acabando com a diferenciação entre o advogado e o herói, pois não havia mais o bom samaritano de dia e o justiceiro implacável à noite, ambos eram a mesma pessoa e seus conflitos estavam expostos. Miller “abriu a mente” do personagem para os leitores como um psicólogo, revelando questionamentos complexos e muito mais reais.

cavaleirodastrevas

170 171

envolta em sombras, mas também por sua brutalidade. Fruto do olhar de Miller para a vida nova-iorquina na década de 1980 com o aumento dos desabrigados e da violência nas ruas, o personagem que emergiu da série era violento, frio e psicologicamente complexo como ele jamais fora. O Batman de Miller fazia exatamente o que os leitores da época queriam que ele fizesse, ele reagia a uma realidade cada vez mais violenta e assustadora.

Obviamente que essa versão era trabalhada dentro do universo do personagem dos quadrinhos, pois o próprio Miller foi o primeiro a admitir que o personagem não duraria cinco minutos no mundo real (Comic Book Superheroes Unmasked, 2003). Mesmo profundamente influenciado pela realidade que cercava seu autor, Batman ainda foi tratado como um personagem ficcional que é, e Miller fez questão de representá-lo como tal, porém levando-o ao extremo dentro deste universo ficcional realista. Todos os personagens coadjuvantes importantes na história do Batman são representados dentro da realidade da HQ, Gordon, comissário de polícia e principal aliado dele, está a beira da aposentadoria; Alfred, seu fiel mordomo, é um idoso que ainda conserva seu afiado senso de humor inglês; e Robin, surge através de uma menina adolescente. E Miller não esquece de Gotham, a cidade de Batman, representada como uma versão exagerada da Nova York que o próprio quadrinista vivia. A história é uma investigação da mente torturada do personagem (DANIELS, 1995, p. 190), e sua relação com a cidade que ele jurou defender, além de explorar

a relação de Batman e seus pares no mundo dos super-heróis, notadamente Superman, que na representação de Miller se aliara ao governo e passara a ser nada mais do que um fantoche da extrema direita americana, uma clara antítese ao posicionamento anárquico e quase terrorista do Morcego. As posições conflitantes dos dois maiores personagens da DC Comics se chocariam no eletrizante final da história. Batman enfrentou a corrupção em todos os níveis, das ruas ao governo, de Superman a TV (DANIELS, 1999, p. 151). Miller retornaria ao tema anos mais tarde em Sin City . Voltarei aos personagens e sua abordagem no Cavaleiro das Trevas, bem como a relação de Batman e Superman um pouco adiante. É importante notar também que, o que Miller fez com Batman, difere do que ele fez com Daredevil em um ponto. Como vimos anteriormente em Daredevil, Miller retratou um personagem que era um advogado certinho que se transformava em um combatente do crime acrobata e despreocupado e o transformou em um violento e profundo personagem. Ele introduziu uma nova abordagem que acabou por se tornar a forma como este é representado até hoje. O Batman sempre foi o que se mostra em O Cavaleiro das Trevas, e o que Miller fez foi explicitar seus métodos de forma crua e clara para leitores que esperavam por isso e cuja realidade permitia. A própria origem do personagem já impõe certas condições ao seu perfil. O assassinato de seus pais que foi o início de tudo, fez com que ele partisse em busca de vingança. Em suas primeiras histórias, ele carregava uma pistola e pouco se importava se os bandidos viviam ou morriam, contanto que eles pagassem

por seus crimes. Esse perfil foi abrandado durante os anos por uma série de razões, até atingir seu ápice na série de televisão da década de 1960, mas nunca com sucesso absoluto. A versão que Miller introduziu em Dark Knight foi um retorno às origens do personagem à luz de uma sociedade mais cínica e suja. Esta interpretação do personagem atingiu em cheio as expectativas de muitos leitores, mas não de todos, pois para alguns a versão de Miller beirava o fascismo (Ibid, 1999, p. 151).

A seguir, farei uma abordagem mais específica sobre alguns aspectos desta história e seus personagens. É importante denotar que caso o leitor ainda não tenha lido Batman O Cavaleiro das Trevas, sugiro que o faça pois esmiuçarei a história e revelarei partes do enredo, e isso pode estragar a futura leitura.

Miller estrutura a história como a última aventura do personagem e, para isso, a trata como uma ópera (MILLER apud SALISBURY, 2000, p.176). Fora da cronologia normal do Batman, a mini-série parte do princípio de que Bruce Wayne “pendurou o manto” depois da morte do segundo Robin. Depois de anos afastado, e já tendo vivido mais de meio século, ele retorna para uma última missão, limpar Gotham dos vermes que a infestam. Essa estrutura de ópera que Miller cita, refere-se a dramaticidade do gênero, pois ele queria retornar o personagem a sua origem e dar a ele um fim digno do seu começo, e ele divide as quatro partes da história com esse objetivo. A primeira edição, The Dark Knight Returns (A

Figura 152 DKR 1 MILLER, 2002.

172 173

Volta do Cavaleiro das Trevas) (figura 152), apresenta um Bruce Wayne tentando afogar sua culpa e suas memórias em álcool e passatempos perigosos, e financiando a cirurgia e o processo de recuperação de seu ex-amigo e depois inimigo Harvey Dent, o Duas Caras. Aliado a isso, o gibi apresenta a situação caótica de Gotham e o fim do tempo de serviço de seu mais notório defensor público, o Comissário Gordon. Batman demora a aparecer, pois Miller foca boa parte da edição no conflito interno de Burce Wayne revivendo as situações que o levaram a se tornar o que é. Mas quando ele aparece, lá pela metade da edição, o leitor não o vê. Notícias e flashes são apresentados, mas ainda demora um pouco para que o Homem Morcego apareça em toda sua glória e em uma página inteira. O que acontece a seguir é que é Bruce Wayne quem desaparece da história. Miller faz da primeira edição uma batalha entre Wayne e Batman com o único resultado possível, a vitória do segundo, pois o primeiro morreu há quarenta anos junto com seus pais. O retorno do Batman suscita todo o tipo de reação dos mais diversos personagens e setores sociais, e Miller toma o cuidado de representar todos. O Coringa também retorna do estado catatônico em que se encontrava desde o desaparecimento do Batman. Miller reafirma a idéia de que o vilão não existiria sem o herói. A edição também apresenta os Mutantes, um grupo criminoso que assola a cidade e seu líder. Ela termina com o retorno do supostamente recuperado Harvey Dent ao crime, que é preso em seguida pelo Batman, marcando a sua volta em definitivo. A recaída ao crime de Duas Curas, que havia sido regenerado por uma cirurgia

plástica, prova que o monstro na verdade está dentro e não na superfície do personagem, exatamente como Batman.

A segunda edição, The Dark Knight Triumphant (O Cavaleiro das Trevas Triunfa) (figura 153), mostra a luta de Batman contra os Mutantes e a substituta de Gordon, a Capitã Ellen Yindell, que não é a favor de um vigilante em sua cidade. Miller mostra o herói atacando a corrupção ao desmascarar um general que fornecia armas aos Mutantes. Batman enfrenta o líder dos Mutantes no lixão da cidade quando eles se organizavam para atacar a central da polícia de Gotham. A luta com o monstruoso líder do grupo serve para mostrar os efeitos do tempo sobre o personagem. Ele toma uma surra e sofre ferimentos graves nas mãos do mais jovem, mais rápido e mais violento inimigo. Então surge a Robin aparece para salvá-lo e levá-lo de volta a Batcaverna, onde ele a aceita como sua parceira. O líder dos Mutantes vence, mas não sai ileso e é preso por Gordon e seus homens. Miller continua mostrando as reações da sociedade e, principalmente, as da mídia, às ações do Batman. A presença de Superman é citada e ele aparece conversando com o presidente dos Estados Unidos, mas o leitor não o vê, apenas acompanha o diálogo. O prefeito incapaz de Gotham tenta fazer um acordo com o aprisionado líder dos Mutantes e é assassinado. A derrota mostra a Batman que ele deve assumir o controle da situação e manipulá-la ao invés de tentar vencer seus oponentes na força física. Ajudado por Gordon e Robin, ele reconduz o líder dos Mutantes para

o lixão e o vence diante de sua gangue. Usando mais a estratégia do que a força bruta, Miller mostra um Batman violento e cínico que transmite uma mensagem eficiente aos criminosos de sua cidade apelando para truculência e a inteligência. Ao lutar com o líder em um lamaçal, Batman diz ao subjugado oponente: “Você não entende garoto, isso não é uma poça de lama, mas uma mesa cirúrgica... e eu sou o cirurgião.” Após extrair o câncer de sua cidade, Batman vê, no encerramento da edição, Gordon se aposentando.

Na terceira edição, Hunt the Dark Knight (Caça ao Cavaleiro das Trevas) (figura 154), apresenta Batman e Robin atuando como um time enquanto a jovem parceira recebe treinamento já no campo de batalha. Superman contata Batman a mando do governo buscando uma solução pacífica para a situação. O governo teme que alguém atuando fora de seu controle se torne perigoso. Batman se recusa a aceitar e Superman parte para “policiar” o mundo. Enquanto isso, a nova Comissária de polícia não poupa esforços na caça ao Homem Morcego, e o Coringa revela seus planos ao assassinar uma platéia inteira de um programa de entrevistas cuja atração principal era ele mesmo. O debate dos grupos pró e contra Batman toma conta da sociedade e da televisão. Em uma conclusão explosiva, Batman, ajudado pela Robin, enfrenta o Coringa, seus capangas e a polícia em um parque de diversões lotado. A seqüencia tensa chega ao seu clímax com a briga final entre Batman e Coringa. O Homem Morcego fura um dos olhos de seu inimigo, mas recebe um tiro na barriga. Ao fim, Batman torce o pescoço do vilão

Figura 153 DKR2 MILLER, 2002.

174 175

deixando o paralítico, mas incapaz de trair seu voto de nunca matar ele hesita. Por mais violenta que seja a representação de Miller, ele jamais traí os princípios do personagem. Ao fim da edição, Coringa, literalmente, morre de rir.

A quarta e última edição, The Dark Knight Falls (A Queda do Cavaleiro das Trevas) (Figura 155), começa onde a última terminou, no campo de batalha que se transformou o parque de diversões. Batman enfrenta a polícia e a Comissária e é, mais uma vez, salvo pela Robin. Seu corpo envelhecido sofre danos significativos que são reparados dentro do possível por Alfred. Um novo grupo de jovens violentos surge, entitulando-se Filhos do Batman, e eles buscam fazer justiça com as próprias mãos. Superman é enviado para impedir que um míssel atômico disparado pela União Soviética chegue aos Estados Unidos. Os dois governos, em uma das muitas disputas na Guerra Fria, tentavam obter o controle da ilha Corto Maltese no Caribe – Miller da nome a ilha de um importante personagem dos quadrinhos italiano criado por Hugo Pratt. Superman consegue desviar a bomba para um deserto, mas a nuvem eletromagnética se espalha pelo país criando uma espécie de inverno nuclear. Superman é testado contra o poder de uma explosão nuclear e sobrevive. Em Gotham, um Batman parcialmente recuperado luta contra a disseminação dos Filhos de Batman e, prevendo o caos com a chegada da

nuvem atômica, alista tanto os Mutantes presos quanto os Filhos do Batman e os disciplina como um pequeno exército. Miller trabalha o poder de liderança do personagem enquanto seu exército luta para conter o caos nas ruas de Gotham. Gordon oferece uma visão civil dos eventos ajudando outros cidadãos em meio a crise. A parte final da edição é dedicada ao inevitável enfrentamento entre Batman e Superman. Batman representa uma alternativa ao governo totalitário do presidente Ronald Reagan, que se vende como a única opção provedora da nação, especialmente depois da nuvem nuclear que aleijou o país. Mas não Gotham, graças aos esforços de Batman. Na crítica de Miller ao governo americano durante a Guerra Fria, Superman é o cão de guarda desse governo e é enviado para suprimir essa ameaça ao domínio. A batalha que se segue é um dos momentos mais memoráveis da história dos quadrinhos e o fim de uma era na relação entre os personagens, que será abordada mais a frente. Batman vence o duelo da estratégia contra o poder, ele bate o Superman, que abertamente não quer enfrentar uma disputa inevitável, mas morre em seguida. O fim da edição e da série mostra que a morte de Batman foi encenada e que a luta continuará mesmo sem os holofotes, de acordo com o planejado. Miller apresenta Batman como o grande estrategista, que emprega seus recursos em prol de seu plano e vence desafios maiores do que ele.

Figura 154 DKR3 MILLER, 2002. Figura 155 DKR4 MILLER, 2002.

176 177

Quatro elementos são importantes e ainda não foram propriamente abordados aqui: a Robin, Gotham, os narradores e Superman. O primeiro é a presença de uma Robin na história. Muitos fãs da fase mais violenta do Batman não gostam do Robin por acreditarem que ele tira um pouco desse caráter do personagem, o que não deixa de ser verdade, afinal, quando Bob Kane introduziu um parceiro mirim para o Batman foi exatamente para suavizar sua representação e aumentar o apelo com as crianças. Criado por Jerry Robinson na década de 1940, Robin sempre fora um personagem controverso no universo do Batman. A presença de um garoto nas HQs do Homem Morcego tirou gradativamente o peso das histórias, abrandando o personagem e o tom de suas aventuras. E a DC nunca soube muito bem o que fazer com o personagem. O primeiro Robin, Dick Grayson, foi um sucesso e conseguiu atrair fãs mais jovens para o personagem, mas sua participação foi afetada pelo ataque da censura. Depois das acusações de homossexualismo a editora tratou de buscar soluções para desmenti-las e sua participação nos títulos do Batman nunca mais foi a mesma. Na década de 1970, quando O’Neil e Adams trabalhavam com o retorno de um Batman mais sombrio, a DC tratou de envelhecer e emancipar o Robin, pois é difícil imaginar um Batman sombrio com um garoto como parceiro no combate ao crime. Grayson crescera e se tornara um personagem independente líder de um grupo de jovens super-heróis chamado New Teen Titans (Novos Titãs). Como resultado ele abandonou o manto de Robin e tornou-se o Nightwing (Asa Noturna) (figura 156). Em 1983, a editora

particularidades

tentou um novo Robin, o segundo. Jason Todd foi apresentado aos leitores como um órfão vivendo nas rua. Todd era um Robin mais arrogante e nunca fez sucesso com os fãs. Em 1988, a DC resolveu matá-lo. Surrado pelo Coringa e deixado para morrer em um galpão prestes a explodir, a vida de Jason Todd estava nas mãos dos leitores. A editora disponibilizou um telefone para que estes ligassem e votassem se o Robin deveria ou não morrer. No mesmo ano, a mini-série A Death in The Family marcou o fim do segundo Robin (figura 157). Atualmente existe um terceiro Robin, que surgiu em 1991 e dura até hoje com alguns intervalos de ausência. A Robin de Miller em The Dark Knight Returns é uma menina. Miller, mesmo 30 anos depois da censura, ainda buscava claramente distanciar o personagem das acusações sofridas na época do CCA (figura 157). Além disso, ele reconhece a importância de Robin para o Batman ao estabelecer que, na história de sua série, depois da morte de Jason Todd ele abandonaria a luta, e ao determinar como Robin é importante para o personagem. Essa parceira não funciona sempre, mas dependendo de como ele é tratado, pode oferecer soluções interessantes para a história. Batman é um personagem forte o suficiente para ser trabalhado sozinho, mas seu universo não está completo sem os personagens coadjuvantes que o cercam. Miller reintroduz Robin na história como uma menina, Carrie Kelley, como uma resposta final as acusações de Wertham e uma solução para a temática da história. Conforme ele retorna para combater o crime, Batman é cada vez mais frio e implacável em sua luta, e cabe a Robin oferecer o lado humano na história. Ela

Figura 156 Nightwing LOEB, 2006.

178 179

(a esquerda) Figura 157 A death in the Family DANIELS, 1991.

(acima) Figura 158 Carrie Kelly MILLER, 2002.

(a direita) Figura 159 Gotham MILLER, 2002.

180 181

representa ainda a incerteza da juventude, como todos os Robins, mas o faz do ponto de vista de uma menina, fato inédito no universo masculino do personagem. Carrie é também um retrato social da época, pois ela também é a única Robin a não ser órfã, mas a ter pais ausentes. Eles mal são mostrados na história, e quando são, servem apenas para reforçar a idéia de descaso. Ela encontra em Bruce Wayne uma figura paterna e uma forma de lutar contra o sistema opressor e criminoso que infestara a cidade. Visualmente ela também reforça o tamanho do personagem, que comparado a ela é um gigante.

A cidade de Gotham é um personagem na história. Quando Bill Finger caracterizou a cidade do Batman como Gotham ao invés de Nova York ou qualquer outra cidade real, ele criou um dos mais importantes personagens do universo do Homem Morcego. Além de abrir uma porta criativa para todos aqueles que trabalhariam com o personagem depois, Finger criou uma bandeira para que o personagem defendesse. Gotham é a cidade do Batman. E Miller não esquece de dela, representado-a como uma versão exagerada da Nova York que o próprio quadrinista vivia. A história é uma investigação da

mente torturada do personagem (DANIELS, 1995, p. 190), e sua relação com a cidade que ele jurou defender Em O Cavaleiro das Trevas Gotham é o palco de toda a ação e é utilizada por Miller como um elemento narrativo. De tempos em tempos ele utiliza uma visão panorâmica da cidade para quebrar o ritmo frenético da história (figura 159), além de trabalhar constantemente a relação do personagem com a cidade.

Miller utiliza-se de diversos narradores na história, e faz isso dando acesso para o leitor aos pensamentos dos personagens, característica do quadrinista em todos os seus títulos, e uma das características que destacou seu trabalho em Daredevil. Os personagens e seus balões de pensamento são diferenciados pelo modo como pensam e pelas cores. O principal e mais constante narrador na história é o Batman, como não poderia deixar de ser. Sua presença é constante na história inteira e a utilização dessa narrativa através dos pensamentos do personagem oferece um interessante recurso para o leitor acompanhar a história. Enquanto Bruce Wayne está no controle, seu balão de pensamento é branco (figura 160), mas sempre que ele pensa como Batman, o balão fica cinza (figura

161). Quando ele reassume o manto, seus balões passam a ser cinza até o fim da história.

No início da história o Comissário Gordon também oferece seus pensamentos ao leitor, e sua visão é diferente da do Batman, principalmente quando ele deixa de ser Comissário e oferece uma visão das ruas de Gotham no desenvolvimento dos eventos. Seu balão é branco (figura 162), mas torna-se preto durante o caos que se segue à explosão da bomba (figura 163), manifestando sua revolta, decepção e medo.

Robin aparece também como narrador de suas partes na história e possibilita ao leitor acompanhar mais de perto sua situação, os pais ausentes, e seu desenvolvimento até se tornar Robin. Seu balão é amarelo como sua capa (figura 164). Até o Coringa, com seu balão destacadamente verde (figura 165), oferece uma breve visão em seus pensamentos em uma curta passagem que antecede seu retorno criminoso, bem como Superman, cujo balão é azul (figura 166). Miller faz uso da possibilidade de manifestar os pensamentos do Homem de Aço para caracterizar bem as diferenças entre ele e Batman.

Figura 160 Wayne MILLER, 2002. Figura 161 Batman MILLER, 2002. Figura 164 Robin MILLER, 2002.

(acima) Figura 166 Superman MILLER, 2002.

(a esquerda) Figura 165 Coringa MILLER, 2002.

(acima e a direita) Figura 162 Comissário 1 MILLER, 2002.

(acima e a extrema direita) Figura 162 Comissário 1 MILLER, 2002.

182 183

E por fim, Miller fez uso de um recurso de narrativa incomum nos quadrinhos, mas bastante presente na época: a televisão. As páginas do Cavaleiro das Trevas são recheadas de quadrinhos que remetem ao formato da tela de uma televisão, e esse recurso é introduzido logo no início, na primeira página da primeira edição. Miller usou a televisão para retratar grande parte da repercussão que o retorno do herói tem na sociedade, revelando os mais diversos personagens (figura 167). Por diversos momentos, o que é dito na televisão avança em muito pouco, ou em quase nada a história, contrariando um preceito básico da narrativa clássica, mas serve ao propósito de ilustrar a cacofonia de opiniões que a mídia televisiva suscita. Das mais absurdas e irrelevantes as mais cruas, essas opiniões oferecem ao leitor um interessante olhar da sociedade de Gotham e, porque não, da sociedade americana na década de 1980.

Esse excesso de quadrinhos por páginas, que será abordado a seguir, dificulta a leitura, e a presença dessa grande quantidade de quadrinhos televisivos também não ajuda, algo que pode ser notado na grande maioria dos relatos dos fãs que leram o gibi quando ele foi lançado. Mas a solução de Miller tem um propósito narrativo mais intrínseco a história, o de elevar a tensão. As constantes entrevistas de pseudo-profissionais das mais diversas áreas analisando os acontecimentos servem para tumultuar o ambiente da narrativa, bem como os debates acalorados dos prós e contras ao Batman que preenchem quadros e mais quadros (figura 168).

Miller utiliza esse recurso dos quadrinhos televisivos como uma narrativa secundária, por vezes paralela a primeira que é a cruzada do Batman, como ao mostrar o discurso de despedida do Comissário Gordon introduzindo a nova Comissária que se tornaria um problema para o personagem (figura 169). Por vezes até terciária ou até mais distante da primária, como os incessantes debates entre os médicos de Harvey Dent e os contrários a sua volta ou os favoráveis ou contrários a volta de Batman (figura 167). Mas por vezes torna essa narrativa protagonista, como ao mostrar o ataque do Coringa à platéia do programa de entrevistas do qual ele é o convidado. A apresentadora do noticiário é uma das personagens mais presentes na história, e as entrevistas com diversos personagens que ela apresenta também são interessantes do ponto de vista narrativo, pois oferecem uma base de comparação entre o que eles dizem e o que pensam. Miller, ao tornar o leitor cúmplice dos personagens dividindo os pensamentos dos mesmos, consegue uma proximidade com a narrativa e com a temática do gibi que lhe permitiu seguir o caminho que seguiu. É interessante notar que, como um resultado disso, ele consegue a simpatia e a aprovação do leitor em relação aos métodos questionáveis do Batman, ou pelo menos da maioria dos leitores. Além disso, ao alternar o nível de importância para história das informações apresentadas nos quadrinhos televisivos, Miller busca impedir que o leitor disperse da história. Eles não podem ser ignorados, pois o leitor nunca sabe se informação terá relação direta com Figura 167 Balões Televisivos MILLER, 2002.

184 185

a história ou não. Esse recurso inovador, apesar de não ser inédito, foi rapidamente absorvido pelo meio e pode ser visto em diferentes histórias, como em Spawn, por exemplo (figura 170), porém com muito menos uso para a história.

A relação entre Superman e Batman merece uma atenção especial, pois Miller a transformou para sempre. Desde o surgimento dos dois personagens na década de 1930, eles foram amigos. Depois do estabelecimento de ambos e da condição de principais personagens da editora, Superman e Batman se tornaram aliados e amigos aparecendo juntos em diversas histórias e inúmeras capas de gibis. Na década de 1940, a DC criou um título estrelado pela dupla chamado World’s Finest (Os Melhores do Mundo) (figura 171), que apresentava aventuras vividas por eles, muitas vezes com inúmeros personagens do universo DC. Eles eram apresentados como melhores amigos.

Mas isso só foi possível pela suavização na representação do Homem Morcego, pois sua versão original diferia sensivelmente da visão de mundo do Homem de Aço (figura 172). Superman é um alienígena que foi adotado por pais terráqueos depois que seu planeta explodiu, ele fora enviado para a Terra por seus pais biológicos como o último sobrevivente. Na Terra, possuidor de poderes sobre humanos, ele decide usá-los a serviço da humanidade e combater o crime e a injustiça no mundo. Ele assume uma identidade secreta entre os humanos, a do atrapalhado repórter Clark Kent, completamente oposta

(acima) Figura 168 Anti Batman MILLER, 2002.

(a direita) Figura 169 Adeus Gordon MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 170 Spawn TV McFARLAINE, 1994.

186 187

ao seu eu verdadeiro. Superman como personagem é um mito que representa todas as boas qualidades da sociedade norte-americana, ou pelo menos as que seus criadores entendiam como tais. Ele é honesto, justo, se importa com os outros a ponto de tomar atitudes, não se importa em se colocar em perigo para ajudar as pessoas e respeita a vida acima de tudo. Ele é um dos mais poderosos personagens dos quadrinhos, mas usa esse poder em prol do bem geral, mesmo ao custo de sua própria segurança. Ele representa um otimista, daqueles que acreditam que as pessoas são boas por natureza. Ele é o cidadão perfeito, o ser humano exemplar, mesmo sendo um alienígena. Batman (figura 173), por outro lado, possui um outro olhar. Ele é um personagem nascido da vingança, e que não poupa esforços para punir os criminosos.

Ao voltar para casa, vindos do cinema, Thomas Wayne, sua mulher e seu filho são surpreendidos por um assaltante armado que exige o colar da mãe de Bruce. O pai tenta defendê-la e é morto. Ela grita, chamando pela polícia, e é baleada também. O pequeno Bruce Wayne vê pai e mãe morrerem na sua frente. Dias depois, rezando ao pé da cama ele diz: “Juro pela alma de meus pais que vou vingar a morte deles e passar o resto da vida em guerra contra todos os criminosos”. Durante 15 anos, ele se exercita para ser um grande cientista e um atleta. Mas precisa de um disfarce: “Bandidos são covardes supersticiosos. Então meu disfarce tem que ser capaz de infundir terror neles. Preciso ser uma criatura noturna, negra, terrível... um... um...””Como resposta um enorme morcego passa voando diante da janela aberta.””Um morcego! É isso! Esse é o sinal. Eu hei de me tornar um MORCEGO!” (IBID, p.186).

Ele era humano, não tinha super poderes e podia se machucar. Além disso, ao contrário do Homem de Aço, Batman era um personagem violento, que carregava uma arma de fogo, casualmente matava e não se importava se seus inimigos morressem durante o combate. Um personagem era pura esperança e o outro puro cinismo (WAGNER apud DUIN, 1998, p.44). Ele havia surgido de uma tragédia e buscava vingança. Quando o personagem se provou no mercado e suas vendas subiram, a editora tratou de tentar suavizá-lo. Ele perdeu a arma e Kane foi encorajado a acabar com as mortes. Seu mais importante voto passou a ser o de não matar, mas antes disso tudo é válido. Ele não é cruel, mas também não é misericordioso, ele faz o que tem que fazer para atingir seus objetivos. A versão de Miller para ambos os personagens é bastante curiosa. Ele mostra que o personagem Batman é por demais forte, e esse lado desafiador e não subserviente a ninguém é muito presente, e que qualquer tentativa de ajustá-lo aos padrões e regras da sociedade estará fadada a falhar. Ele surgiu para os quadrinhos combatendo a polícia, passou a ser aliado do Comissário Gordon, mas não possui a aceitação de todos os órgãos da lei. A grande maioria, na verdade, preferia vê-lo preso, pois eles não tem qualquer controle sobre ele ou sobre o que ele faz. O Batman não precisa da lei, mas a lei precisa do Batman, e a versão de Miller deixa isso bem claro. Já o Superman lutou a vida inteira para se encaixar nos padrões sociais. Como um forasteiro, ele se esforçou para se tornar um cidadão exemplar e, por suas crenças e caráter, virou um modelo de “bom moço”. Miller eleva essa representação

e a distorce mostrando-o como um fantoche do governo. O motivo, segundo ele, é evitar uma guerra entre humanos e não humanos. A versão de Miller deturpa por completo o conceito original do personagem, e desagradou muitos fãs, mas ela faz sentido dentro da história por dois motivos. Primeiro, para o Batman ser o supremo desafiador, o Superman tinha que ser o grande pilar de sustentação da situação. Miller relatou em mais de uma ocasião que esta não é sua visão do Superman, mas uma licença criativa que ele tomou por sua série não se passar em nenhuma cronologia oficial da DC. Com o Homem de Aço como cão de guarda do governo que o Batman seguidamente desafiava e ignorava, Miller alinhou ambos em uma batalha final inevitável, que gerou o aclamado clímax de sua história.

Em segundo lugar, a versão de Miller faz sentido de acordo com o Batman que ele estava criando. A versão dele do personagem é quase um anti-herói, cujos métodos são questionáveis, mas o resultado é benéfico. Essa versão de protagonista, que ditou o modo como o Batman passou a ser representado, e que é completamente contrária ao conceito do Superman, estava alinhada com o que os leitores da época pensavam sobre um herói. Essa versão de herói, que é a valorizada até hoje, não é a do herói certinho e bom moço, mas sim a do herói sujo e violento, que não poupa esforços para obter seus objetivos e que escancara o lado humano, amargo e vingativo. Hoje em dia, o herói correto e respeitador de leis “está em baixa”, a pureza de caráter e de coração que fizeram sucesso e eram vistos como virtudes na Era de Ouro, hoje são entendidos

Figura 171 World’s Finest DANIELS, 1995.

188 189

como fraquezas. Os personagens dominantes de antes, como Superman e Captain America25, deram lugar aos Wolverines 26 (figura 174) e Spawns27 (figura 175). O resultado dessa representação de Miller foi o fim da amizade cristalina entre Superman e Batman como existia, e a transformação desta para uma amizade difícil e um respeito ressentido, cercada de tensão. Ambos os personagens se respeitam e confiam um no outro, mas sabem que seus métodos são completamente diferentes e ambos desaprovam a posição um do outro, mas as toleram. Essa visão do relacionamento dos dois tornou-se a padrão no mercado de quadrinhos e ainda é presente até hoje. Um exemplo dessa nova relação é o fato de Superman

ter confiado a última pedra de kriptonita28 na Terra ao Batman por saber que se ele, Superman, algum dia saísse do controle, o Homem Morcego não hesitaria em tomar as providências necessárias.

O legado do trabalho de Miller no Cavaleiro das Trevas já está profundamente enraizado no personagem. As representações do Batman que vieram depois foram invariavelmente sombrias, violentas e obsessivas como a de Miller, incluindo a versão do já citado filme de Tim Burton. Esse resultado ajudou a formar o personagem, mas espalhou uma febre pelos quadrinhos cujos resultados são questionáveis. A HQ de Miller é creditada,

25 Captain America (Capitão América), cuja identidade secreta é Steve Rogers, é um personagem da Marvel Comics. Criado em 1941 por Jack Kirby e Joe Simon, ele foi concebido e lançado no início da Segunda Guerra Mundial. Ele é o soldado perfeito, mais forte e rápido do que um humano normal graças a um experimento militar, Captain America é o combatente supremo e o maior patriota. Sua primeira aparição, em Captain America#1, o mostrava na capa dando um soco em Hitler. Seus gibis eram enviados para o front de batalha para incentivar os soldados. Depois da guerra, em sua última missão, ele caiu em um lago gelado e ficou congelado até a década de 1960 quando ele foi descoberto pelo super grupo de heróis Avengers (Vingadores). Desde então ele tem sido o líder do grupo formado originalmente por Iron Man (Homem de Ferro), Thor, Hulk, entre outros. O personagem luta pelos ideais da justiça e verdade para todos, e sua posição tem sido bastante delicada no atual cenário mundial. Recentemente ele foi morto por um de seus maiores vilões, e sua morte chamou atenção da mídia não especializada. 26 Wolverine, cuja identidade é Logan, é um personagem canadense da Marvel Comics criado por Len Wein e John Romita Jr. como um adversário do Hulk em 1974. O personagem foi recrutado no ano seguinte para integrar o grupo de mutantes X-Men. Depois de um inicio incerto, o personagem se desenvolveu, em parte graças ao trabalho de Chris Claremont e John Byrne, e em parte ao trabalho de Frank Miller, e se tornou um dos principais personagens do grupo.

Wolverine é um mutante que possui um olfato sobrehumano e uma capacidade de regeneração que o faz se recuperar de qualquer dano. O último, chamado de fator de cura, permitiu que, em um experimento do governo canadense, ele tivesse seu esqueleto revestido com o metal indestrutível Adamantium. Seu temperamento explosivo e selvagem, aliado a sua natureza bestial que ele luta para controlar, fizeram dele um perfeito candidato para qualquer interpretação mais violenta e extrema. Ele se tornou o X-Men mas famoso e hoje é um dos personagens mais populares dos quadrinhos, eleito o primeiro dos 200 personagens mais importantes em uma recente edição da revista Wizard (2008, 200, p.27). 27 Spawn é um personagem criado por Todd McFarlaine no nascimento da Image Comics em 1992. Ele era um soldado que ao morrer faz um acordo com o demônio Malebolgia para retornar e ver sua mulher uma última vez. Ele retorna como um enviado do inferno (hellspawn) descarnado e possuidor de poderes mágicos ilimitados e força sobrehumana. Ao descobrir que cinco anos se passaram e que sua mulher está casada com seu melhor amigo e tem uma filha, Spawn tenta renegociar seu acordo acusando o demônio de traição, mas não tem sucesso. Ele passa a lutar para não perder sua humanidade enquanto combate forças místicas e reais. O título é bastante violento e o personagem pode ser considerado um anti-herói. 28 Kriptonita é um minério oriundo de Kripton, planeta natal do Superman. O minério é sua maior fraqueza, pois sua exposição a ele pode matá-lo.

juntamente com Watchmen, por dar início a uma era grim and gritty (que pode ser traduzido como severo, inflexível, sujo e violento) nos quadrinhos de super-heróis que estendeu-se até a metade da década de 1990. Nesse período muitos temas adultos foram abordados à exaustão, geralmente violência explicita e sexo, independente dos personagens envolvidos. Em muitos casos, essa interpretação tinha muito pouco a ver com o personagem, mas foi realizada do mesmo jeito por se enquadrar naquilo que vendia na época. Nos quadrinhos de hoje, depois da febre inicial, ainda é possível identificar traços do que estes títulos introduziram, e a representação de Batman deve até hoje muito ao que Frank Miller fez no

Cavaleiro das Trevas.

Dentro dos quadrinhos, os resultados (do Cavaleiro das Trevas) foram misturados e sua influência ainda pode ser sentida. O Cavaleiro das Trevas incitou alguns criadores a seguir em direções idiossincráticas com seus trabalhos, enquanto outros foram inspirados à cultivar a estética suja, violenta e visceral dos super-heróis que tomou conta do final da década de 1980 e começo de 1990. Enquanto os resultados do Cavaleiro das Trevas são variados, seu impacto no meio quadrinistico e em sua linguagem é inegável (BROWNSTEIN, 2000).

190 191

Figura 172 Superman Atual Superman Cover to Cover, 2006. Figura 173 Batman Atual Batman Cover to Cover, 2005. Figura 174 Wolverine BENDIS, 2005. Figura 175 Spawn McFARLAINE, 1996.

192 193

Frank Miller estruturou sua narrativa visualmente a partir da história, mas o fez pensando na temática e no impacto das soluções visuais, mesmo, em alguns momentos, sacrificando a clareza e a objetividade pregada pela narrativa clássica. O que não significa dizer que ele inovou. Na verdade, seu trabalho era bastante clássico em muitos sentidos, mas com soluções diferentes. A análise que se seguirá abordará uma parte destas soluções, mas não objetiva abordar todas pois seria inviável nessa dissertação e desnecessária ao estudo. Os assuntos estão divididos em subtítulos, mas é importante ressaltar que as soluções e técnicas são utilizadas em conjunto umas com as outras e dificilmente uma página possui apenas uma. A divisão foi feita para facilitar a análise e o entendimento.

Miller queria criar uma história do Batman que fosse extrema, que remetesse o personagem aos seus melhores momentos e ainda fosse inserida no contexto social da década de 1980. Ele queria que o tema de sua história fosse mitológico, dramático como uma ópera (MILLER apud SALISBURY, 2000, p.176). A forma que ele encontrou para representar essas qualidades de forma visual foi trabalhar com layouts caóticos e extremamente cheios, com uma profusão de textos e quadros em cada página. No modelo clássico de narrativa, aquele estabelecido por Eisner em seu Quadrinhos e Arte Seqüencial, a quantidade de quadros por página deveria seguir um equilíbrio em sua distribuição, sempre levando em consideração a clareza e fluidez da história. Não era comum utilizar muitos quadros por página, e se o autor o fizesse, compensaria nas demais

4.1. Cavaleiro das Trevas: uma análise visual

utilizando uma quantidade menor para não cansar o leitor. Quando Miller chegou aos quadrinhos, essa prática já estava em transição, diversos quadrinistas como Neal Adams, Jim Steranko, Steve Ditko, já trabalhavam com layouts de página mais ousados, variando a quantidade de quadros. O próprio Miller já fizera uso dessas soluções abusando da quantidade de quadros por página em prol da tensão na narrativa em Daredevil e em Ronin. Em Batman The Dark Knight Returns, ele elevou isso ao extremo aplicando um grid inicial de 16 quadros que se repete em todas as páginas durante a toda mini-série. Ele trabalha com variações, utilizando menos quadros em algumas páginas, mas sempre dentro desse grid. Ele faz uso de elementos clássicos como as páginas splash com bastante propriedade, utiliza as onomatopéias com os elementos narrativos e visuais e manipula os textos e imagens para criar um storytelling tenso como a temática da história.

grid

Miller apresenta esse grid (figura 176) logo na primeira página (figura 177), em que ele introduz o protagonista Bruce Wayne em closes se acidentando. Dos 16 quadros da página, 13 são idênticos em tamanho e formato, apresentando Wayne pilotando e em seguida se acidentando, mas os três últimos quadros introduzem os já citados quadrinhos televisivos e a âncora do telejornal, personagem que aparecerá na série inteira. É interessante notar que o texto é sempre colocado

(acima) Figura 176 Grid 16 O Autor, 2008.

(a direita) Figura 177 DKR 1 Pg. 1 MILLER, 2002.

194 195

fora desses quadrinhos, acima deles, e nunca dentro. Miller representa a televisão como ela é, separando texto e desenho, representando a separação entre som e imagem.

A segunda página traz a cidade de Gotham quebrando parte do grid, ocupando o espaço de 6 quadros em uma página infestada de quadrinhos televisivos (figura 178). Essa imagem de Gotham se repete por toda a série, sempre oferecendo um respiro ao leitor do tenso ritmo estabelecido pelo grid de 16 quadros. Acontece de novo na página 5 (figura 179), porém de forma inversa, na base da página, retornando ao alto na 18 (figura 180), e na 34 da primeira edição (figura 181). No decorrer da série, Miller usa muito menos esse recurso de manipulação do ritmo.

Na segunda edição, ele quase não o faz, e Gotham aparece apenas na página 40, representada como uma silhueta ocupando metade da página. Na terceira edição, ele não usa, e na quarta, a cidade faz uma breve aparição na página 17 e na página 20, mostrando um avião em queda e o resultado dessa queda na cidade. A cena toma os quatro quadrinhos de ambas as páginas. Ele só volta a mostrar Gotham da mesma forma na mesma edição na página 31, exibindo os efeitos do inverno nuclear com a neve caindo sobre a cidade (figura 159), e um quadrinho televisivo inserido sobre ela. Essa tomada da cidade é usada por Miller para trabalhar a passagem de tempo na história, e é exatamente igual a trabalhada por ele na quarta página da primeira edição, onde ela também é usada para

apresentar o clima da cidade, nesse caso um calor infernal introduzido na primeira vez que Miller apresenta a cidade (página 2). Ele usa a cidade de novo para comentar o clima na página 18 da mesma edição (figura 180), uma tempestade desta vez. Essa repetição de formato e tema, além de cumprir a função de quebrar o ritmo, como já foi dito, ajuda a situar o leitor durante o avanço da história funcionando como um estabilishing shot recorrente. As únicas vezes que ele usa esse recurso de forma diferente são nas páginas 31, da primeira edição, e na 40, da segunda edição. Na 31, Miller mostra Gotham amanhecendo e, no quadrinho televisivo inserido, a ativista pró Batman faz menção a expectativa de ver o batsinal projetado nas torres gêmeas da cidade, o que é exatamente mostrado na visão da cidade apresentada na página 40 da segunda edição, o símbolo do personagem projetado sobre as torres da cidade (figura 182).

A segunda página da primeira edição, na verdade, oferece uma amostra do que está por vir (figura 178). Ela é composta por dez quadrinhos televisivos que Miller usa para introduzir três informações vitais para a história: Gotham sofre com uma onda de violência, o Comissário Gordon está prestes a se aposentar e Batman está ha dez anos sem ser visto. Essa quantidade grande de informações é passada de forma eficiente ao leitor com o dinamismo da televisão, onde notícias são transmitidas em alta velocidade. E o último quadrinho da página faz a conexão com a próxima página e com a cena seguinte. Um dos preceitos básicos da narrativa de quadrinhos é o da

importância do último quadrinho da página da direita, pois ele deve ser interessante o suficiente para fazer com que o leitor vire a página. Miller faz isso mostrando no último quadrinho a âncora do telejornal falando em tom de despedida, como se o leitor estivesse para desligar a televisão. A proximidade dela da “tela” também ajuda a chamar atenção para o quadro. Ao virar a página, ele é conduzido para o mundo “real”, fora da televisão. A transição funciona pois Miller cumpre o que promete, ao desligar a televisão o leitor “retorna” ao mundo real (figura 183).

As páginas 3 e 4 (figuras 183 e 184) oferecem uma possibilidade de analisar a forma como Miller manipulará esse grid de 16 quadros em seus layouts por toda a série. Ao olhar a página três, o leitor identifica que o quadrinho mais importante é o último da página, pois ele é o maior ocupando metade do grid. Os oito primeiros quadros focam a conversa entre os dois personagens

mencionados pela âncora de televisão na página anterior, Bruce Wayne e o Comissário Gordon. Miller trabalha todos os quadros da mesma forma, com closes e enquadramentos parecidos. O foco é nos personagens e no que eles estão dizendo, por isso o fundo é composto apenas pela cor. A cena é simples, mas ele usa técnicas da narrativa clássica para torná-la ainda mais compreensível, como manter o posicionamento dos personagens em relação um ao outro, Gordon sempre aparece olhando para a direita e Wayne para a esquerda. Quando ele introduz um elemento característico do personagem, o charuto de Gordon, ele o utiliza para solidificar as posições entre os personagens, no sétimo quadrinho onde o charuto aparece em primeiro plano recortando Wayne, e aproveita para mostrar a resposta de Wayne a incômoda pergunta de Gordon sobre Dick Grayson, o primeiro Robin, de frente. Miller já usava as sombras pesadas e largas que aparecem na série, e que caracterizariam o seu trabalho daí para frente, em alguns desses quadros.

Figura 178 DKR 1 Pg. 2 MILLER, 2002. Figura 179 DKR 1 Pg. 5 MILLER, 2002.

196 197

Figura 180 DKR 1 Pg. 18 MILLER, 2002. Figura 181 DKR 1 Pg. 34 MILLER, 2002.

(acima e a direita) Figura 182 DKR 1 Pg. 40 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 183 DKR 1 Pg. 3 MILLER, 2002.

198 199

sob um poste de luz no Beco do Crime, local onde seus pais foram mortos quarenta anos atrás. O beco é emblemático na história do personagem e também o é nesta história, pois é aqui que o Batman se manifesta pela primeira vez como uma fera clamando por liberdade. Nos quadrinhos que se seguem, do sexto ao décimo, Miller enfatiza o personagem. Ele apresenta o perigo através dos balões dos ladrões, os mostra brevemente no oitavo quadrinho como figuras enquadrando Wayne, mas eles são meros coadjuvantes na ação. Os ladrões funcionam como catalisadores do ressurgimento do Morcego, e Miller mostra isso graficamente. O foco é completamente no protagonista, a presença dos bandidos é sentida nas reações de Wayne cada vez mais próximas no enquadramento, e nos balões de fala dos ladrões. E o balão cinza do Batman faz sua primeira aparição diferenciando-o do de Wayne. A cor também é trabalhada em prol da narrativa, nos primeiros quadros da página 3 as cores são mais quentes e ajudam a compor o fundo do quadrinho, demonstrando uma sensação de aconchego do espaço interno. A partir do nono quadrinho, as cores ficam frias e quase monocromáticas, representando a desolação da cidade e sua aspereza emocional. Elas escurecem gradualmente conforme a narrativa progride rumo a página seguinte, mas Lynn Varley trabalha a valorização de alguns quadrinhos importantes tornado-os mais claros, quase brancos, como o quarto e o sétimo da página quatro. Essa identidade visual de cores é mantida sempre que a cidade é mostrada como uma metrópole melancólica sob os olhos do protagonista.

Notadamente o segundo, o terceiro, o quarto e o oitavo. Como não é importante para esta parte da cena que o leitor saiba onde os personagens estão, Miller não mostra nenhum indício, e guarda o estabilishing shot para o último quadrinho da página. Na verdade, esta imagem também estabelece o cenário da próxima página, mostrando Wayne caminhando pelas ruas sujas e caóticas de Gotham. Miller deixou um espaço lateral ao lado do quadro para o texto letrerizado por John Constanza. A imagem, sem nenhuma interferência textual, oferece ao leitor a primeira chance de ver por completo o envelhecido Bruce Wayne e de vivenciar a decadência de Gotham. O quadrinho maior permite que o leitor leve mais tempo nele e absorva de forma mais demorada a situação melancólica e conflituosa do protagonista. O texto complementa a informação como uma combinação interdependente, e em parte duo específico. Na página 4, os primeiros quadrinhos apresentam o primeiro contato do leitor com os pensamentos do personagem conforme ele dá a si mesmo desculpas por ter abandonado o combate ao crime. Os enquadramentos vão ficando cada vez mais próximos e apertados representando essa luta interna do personagem, enquanto quem continua a história é o texto em uma combinação específica de palavras. Miller muda o ângulo do enquadramento do quarto quadrinho, o último da seqüência, abordando o personagem de cima, como se fosse a visão do poste de luz do quinto quadrinho da página, trabalhando com a antecipação. O quinto quadrinho é o mais importante da página, pois ele mostra o velho e bigodudo Wayne parado

Figura 184 DKR 1 Pg. 3 MILLER, 2002.

200 201

quadrinho

Miller usa a relação do quadrinho com a mensagem em diversos momentos. Um exemplo disto está na página 6 (figura 185), quando o cirurgião plástico e o psiquiatra de Harvey Dent, ex-Duas Caras, se preparam para retirar as bandagens do rosto recém operado de seu paciente. Duas Caras possui metade do rosto desfigurado devido à um acidente com ácido, e essa condição se reflete em sua dupla personalidade. Miller explora essa dualidade do personagem na disposição dos quadrinhos a partir do oitavo. Todos os quadrinhos até o fim da página são divididos ao meio sendo compostos por dois quadros. E a divisão sempre cai estrategicamente no meio do rosto de Harvey Dent. Isso se repete até o último quadrinho da página quando a totalidade da imagem é restabelecida de forma análoga à reconstituição do rosto do personagem, que ainda não é revelado ao leitor escondido por um espelho. A curiosidade impele o leitor a virar a página, valorizando o último quadrinho, e ele é recompensado pelo primeiro quadrinho da página 7 (figura 186), que mostra o rosto completo de Dent. Os quadrinhos televisivos fazem o papel de transição na história conectando a cena de Dent com a cena do sonho de Wayne, que é a seguinte (figura 187). Essa conexão funciona para avançar a história ao mesmo tempo que oferece explicações adicionais e reflexões sobre os eventos recém apresentados. A televisão mostra a repercussão do caso de Dent ao entrevistar os médicos, o próprio Dent já recuperado, o Comissário Gordon e termina com as declarações de Wayne, que foi o patrocinador da operação de Dent. Ao terminar em Wayne, a seqüência de

quadrinhos televisivos conecta as duas cenas.

A cena a seguir é importante para explicar a formação do personagem. Ela já havia sido feita antes, mas brevemente, não com tamanha exploração visual e dramaticidade como fez Miller. Ela é tão forte que foi reproduzida no recente filme de Christopher Nolan Batman Begins. A cena mostra um sonho de Wayne relembrando seu primeiro contato com os morcegos que habitam as cavernas abaixo da mansão de sua família. Ela começa na metade da oitava página (figura 187), e Miller usa três quadrinhos para fazer um estabilishing shot dramático e temático apresentando uma silhueta da mansão Wayne contra a lua cheia, que é cruzada por um morcego voando. O estabilishing shot, usado de forma inovadora e diferente da narrativa clássica, apresenta o lugar, mas também dá o tom à seqüência. Através da justaposição das imagens, o leitor entende que Wayne, mostrado no décimo segundo quadrinho, está no lugar estabelecido no quadrinho anterior, a mansão. A cor ajuda a dar unidade a cena, pois o azul é mantido durante a passagem. O texto auxilia a passagem seguinte, do décimo segundo para o décimo terceiro quadrinho. Wayne murmura ao dormir “...mais rápido do que um coelho...”, e no quadrinho seguinte aparece ainda criança correndo atrás de um coelho. O leitor entende que o garoto mostrado é o pequeno Wayne em função também da justaposição de imagens e da informação textual. A cores desaturadas e claras destacam o sonho da realidade até o último quadrinho da página que mostra o pequeno Wayne caindo em um buraco. Miller vazou o preto

Figura 185 DKR 1 Pg. 6 MILLER, 2002.

202 203

do quadrinho para o fim da página dando continuidade a imagem, e o balão de um dos pais do garoto gritando seu nome ajuda a tornar a cena forte. Na página seguinte (figura 188), Miller continua a narrativa com um longo quadrinho vertical ocupando todo o lado esquerdo da página. Ele representa a profundidade da caverna com o formato vertical do quadrinho e ao desenhar o garoto pequeno em relação ao tamanho do quadrinho. A onomatopéia é fundamental nesta seqüência. A base do quadrinho é povoada de palavras repetidas que surgem da escuridão. Elas representam os sons emitidos pelos morcegos. Miller repete o recurso no segundo quadrinho, porém invertendo as posições do garoto e das onomatopéias reforçando a idéia de que ele caiu e aterrisou. O balão de Wayne auxilia a leitura conectando os dois quadros. Ele compõe os dois quadrinhos seguintes de forma bastante gráfica variando a posição dos morcegos entre o primeiro e o terceiro plano mantendo Wayne no segundo, dando a sensação de que o garoto está cercado pelos animais. A onomatopéia ocupa todo fundo dos quadros ajudando a demonstrar a desorientação. Conforme os morcegos passam pelo garoto, no quinto quadrinho, as onomatopéias diminuem de tamanho e intensidade, demonstrada pela mudança da cor vermelha para cinza usando um recurso técnico de forma narrativa. Miller distancia a “câmera” do garoto mostrando a amplitude da caverna e valorizando a condição solitária em que ele se encontra. No quadrinho seguinte, ele amplifica esse sentimento com um close em Wayne, mas sem ocupar o quadro todo, o garoto aparece no canto inferior direito do quadrinho.

A próxima imagem é um close extremo do rosto de Wayne dividido em quatro partes. Esse recurso dramatiza a imagem ao diminuir a velocidade de leitura do quadro, forçando o leitor a absorver cada parte da imagem por vez, que mostra Wayne assustado olhando para algo. O último quadrinho da página é completamente preto, quebrado por dois olhos e narinas alaranjados. O quadro é precedido por um texto narrado por Wayne. A narração é feita da mesma forma que anteriormente quando o personagem já mais velho foi apresentado pensando, e isso serve para conectar os dois Waynes. A décima página (figura 189) começa com uma seqüência de oito quadrinhos mostrando a aproximação do morcego em direção ao garoto, consumindo-o com sua sombra. Miller mostra a cena ritmada, com os quadrinhos todos do mesmo tamanho e a ação se desenrolando seqüencialmente interrompida apenas no quinto quadrinho por um close assustador do morcego. O texto continua fora dos quadrinhos até o último da seqüência, o oitavo, quando o texto é inserido em um balão de narração dentro do quadro e já na cor cinza característica do Batman. A página termina com um grande quadrinho ocupando a metade de baixo mostrando o Wayne mais velho observando a caverna. A cena é mostrada de cima com o intuito de revelar a base do Batman completamente desativada, com todos os veículos e equipamentos cobertos por lençóis. O texto se estabelece do lado esquerdo do quadro, sem interferir na imagem, deixando a mensagem visual bastante clara. O quadro é igual ao mostrado na página três, quando vimos Wayne por inteiro pela primeira vez, porém é invertido. A cor

(acima) Figura 186 DKR 1 Pg. 7 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 187 DKR 1 Pg. 8 MILLER, 2002.

204 205

(a extrema direita) Figura 188 DKR 1 Pg. 9 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 189 DKR 1 Pg. 10 MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 190 DKR 1 Pg. 12 MILLER, 2002.

(página 206) Figura 191 DKR 1 Pg. 13 MILLER, 2002.

(página 207) Figura 192 DKR 1 Pg. 14 MILLER, 2002.

(página 208) Figura 193 DKR 1 Pg. 15 MILLER, 2002.

(página 209) Figura 194 DKR 1 Pg. 16 MILLER, 2002.

206 207

também transmite uma mensagem interessante e importante para a história. Wayne e a caverna são representados com tons frios e desaturados, cinzas e marrons, enquanto o morcego, o agente transformador da mudança do personagem, é sempre representado com cores quentes e vivas, laranjas e vermelhos, destacando-o em detrimento do personagem.

Nas páginas 13 e 14, Miller aborda o momento mais famoso da história do personagem, o assassinato de seus pais. Desde sua introdução na cronologia do Batman, a cena é provavelmente a passagem mais visitada por quadrinistas em toda a sua história. Toda HQ dele remete a esse evento que marcou o nascimento do Batman. Miller trabalha sua interpretação da seqüência como o restante da história, de forma dramática. É um dos poucos momentos da mini-série em que Miller utiliza o grid de 16 quadros por completo por mais de uma página. O leitor é forçado a ler as duas páginas sem respiro, e a ação se desenrola vagarosamente como uma seqüência em slow motion. Miller obtém esse efeito através da quantidade de quadros por página. A cena começa na página anterior, 12 (figura 190), com Bruce Wayne assistindo televisão e o filme lhe desperta lembranças perturbadoras. A Máscara do Zorro é o mesmo filme que ele fora assistir com os pais no cinema quando estes foram assassinados. O primeiro quadrinho da página 13 (figura 191) mostra o velho Wayne bebendo vinho em frente à televisão. Nos três quadrinhos seguintes, a câmera se aproxima do rosto de Wayne enquanto ele percebe o filme que começa. Na linha de baixo, Miller intercala quadrinhos

do velho Wayne assustado com a lembrança, e imagens da própria lembrança. Conforme a memória assume o papel central na narrativa, Miller concentra as imagens nas reações do pequeno Wayne brincando. Seus pais são apresentados nos três primeiros quadrinhos da lembrança, respectivamente o sexto, o oitavo e o nono da página, mas em seguida, as atenções são voltadas para o garoto. Miller antecipa o assalto através da expressão nas mãos de Thomas Wayne, pai de Bruce, agarrando a camisa do filho e puxando-o para trás de si. No penúltimo quadrinho da página, o leitor vê o rosto assustado do garoto e em seguida o cano da arma. O quadrinista compôs as imagens dentro dos quadrinhos de modo que elas ficassem uma de frente para outra, para estressar a relação e a justaposição, Bruce Wayne olha para a direita enquanto a arma aponta para a esquerda. Nos dois primeiros quadrinhos da página seguinte (figura 192), Miller retorna ao mesmo enquadramento da mão do pai sobre o filho. Novamente, o leitor vê as reações do pai através da expressividade das mãos, neste caso, o pai cerra o punho indicando que ele não aceitará pacificamente o assalto. No terceiro e quarto quadrinhos, Miller inverte o ponto de vista fazendo um contra plano, como é chamada essa inversão no cinema. O leitor agora está atrás do garoto e do pai vendo o assaltante pela primeira vez. A cabeça do jovem Wayne está em primeiro plano, a silhueta do braço do pai é mostrada no segundo plano, e o assaltante em terceiro. No quarto quadrinho, o braço do pai está mais alto mostrando a reação ao assaltante. Nos cinco quadrinhos que se seguem, Miller usa closes extremos da arma para mostrar

o disparo que vitima Thomas. Primeiro o leitor acompanha o gatilho sendo pressionado e depois a trajetória da cápsula da bala sendo ejetada da arma. No décimo quadrinho Miller retorna para o enquadramento do garoto e da mão do pai, para mostrar indiretamente a morte do mesmo. Os últimos quadrinhos da página apresentam enquadramentos de partes do corpo do pai caindo e da mãe sendo atacada pelo assaltante, remetendo a confusão instaurada na cena. Miller potencializa a dramaticidade da cena através de closes e super closes.

Enquanto o ladrão busca o colar de pérolas da mãe, o leitor passa para a página seguinte, décima quinta (figura 193), onde Miller inicia a conclusão da cena voltando a intercalar imagens da lembrança com as do presente. A morte da mãe é mostrada também de forma indireta, mais até do que a do pai, pois o leitor vê o bandido apontar a arma para o pescoço dela enroscando seu braço no colar, e entende que o tiro foi disparado ao ver as contas do colar se separarem. Essas últimas cenas são gradativamente intercaladas por imagens do rosto do velho Bruce assustado. Miller acrescenta balões do som da televisão reportando crimes cometidos em Gotham, como o seqüestro de crianças pela gangue dos Mutantes. A seqüência termina com um último quadrinho focando um apresentador de televisão. Miller quebra o grid preenchendo a composição de quadros emulando Wayne zapeando entre os canais tentando fugir das notícias ruins que estão em todos os canais. Ele intercala imagens do protagonista com diversos apresentadores de televisão até culminar na já conhecida

âncora do telejornal, que enfim traz boas noticias sobre o tempo (do quadrinho nove ao dezesseis). As onomatopéias presentes nos quadrinhos que mostram Wayne trocando de canal ajudam o leitor a entender que ele está operando o controle remoto. Ao retornar para o grid padrão, o quadrinista mostra cenas de Wyane sucumbindo a tristeza intercaladas por um quadrinho das contas do colar de sua mãe ainda intactas. O último quadrinho da página apresenta um close do protagonista com a mão na frente do rosto, a imagem e a posição da mão fazendo uma menção à ele mesmo vestindo a máscara do Batman. A décima sexta página (figura 194)começa com um quadrinho amplo, onde o grid faz as vezes das janelas da mansão enquanto um Wayne transtornado esbarra e derruba uma estátua em sua casa quebrando-a. O movimento de queda da estátua é repetido pelos balões de pensamento do personagem dando mais dinâmica a cena e ajudando a conduzir o olhar do leitor. Na metade de baixo da página, Miller intercala imagens de Wayne no chuveiro com imagens do flashback, a cápsula da bala ejetada, ele quando jovem em pânico e as contas do colar voando, tudo isso com balões de pensamento fora dos quadros documentando a luta interna do personagem. Ao virar a página mais uma vez, o leitor é confrontado pelo grid quase completo de novo. Miller mostra uma imagem de Wayne no escritório de sua casa, a grade da janela está em primeiro plano representando o aprisionamento do Batman dentro de Wayne. O quadrinista intercala imagens do protagonista sofrendo ao ouvir mensagens de sua secretária eletrônica, uma de Harvey Dent, ex-inimigo supostamente

208 209

210 211

212 213

reformado, uma de Clark Kent, amigo distante, e Selina Kyle, ex-rival e amante, todos relacionados primariamente ao Batman e não a Wayne, com imagens da janela e de um morcego se aproximando desta. A iluminação é sombria e escura, recortada apenas pelos relâmpagos. Conforme a câmera se aproxima do personagem e da janela, as imagens quase se unem, e Wayne abandona o rosto desesperado se conformando e abraçando a mudança. No último quadrinho da página, o maior ocupando quatro quadros do grid, Miller mostra um morcego destruindo a vidraça da casa. A imagem é simbólica pois representa a primeira vez que ele se tornou o Batman, e é usada aqui para marcar sua ressurreição. As cores de toda a seqüência seguem uma identidade, o flashback transita entre o cinza e o marrom, semelhantes aos do outro flashback, as imagens de Wayne em sua casa são majoritariamente azuis com exceção das que mostram o efeito do relâmpago na iluminação, e as da televisão são coloridas e mais saturadas. A seqüência de Miller é muito original e faz uso eficiente do seu grid e da temática mais dramática e exagerada da série. Não foi por acaso que

esta seqüência tornou-se uma referência da passagem na história do Batman.

onomatopéia

O som, emulado através da onomatopéia, é um elemento muito importante no storytelling do Cavaleiro das Trevas, tanto para o layout das páginas, como para a narrativa visual, como para o andamento da história. Na página 23 da primeira edição (figura 195), Miller abre com uma grande onomatopéia de um trovão ocupando toda primeira parte horizontal de cima do grid. Mas a própria onomatopéia faz as vezes do quadrinho já que o próprio relâmpago é mostrado dentro dela. A narrativa progride mostrando Carrie, a futura Robin, e uma amiga andando por uma região iluminada por neons na cidade. Ele usa o neon de um desses lugares para caracterizar o corte na eletricidade (quadrinhos sete e oito), e reforça essa situação trabalhando apenas com silhuetas (a partir do quadrinho nove

(acima) Figura 195 DKR 1 Pg. 23 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 196 DKR 1 Pg. 24 MILLER, 2002.

214 215

até o fim da página e na próxima). Na página seguinte (figura 196) mantém consistente esse uso de silhuetas para escuridão, mostrando cores e detalhes apenas quando os quadros são iluminados por relâmpagos. Miller usa a onomatopéia como elemento visual condutor da narrativa no quinto quadrinho, e do sexto para o sétimo, quebrando a borda do mesmo com o grito do bandido. Ele repete essa solução na passagem do nono para o décimo quadrinho com a onomatopéia do braço do outro bandido se partindo. Esse uso do efeito sonoro ajuda a conduzir a leitura.

Na página 25 (figura 197), Miller continua usando as onomatopéias na narração. Nos dois primeiros quadros, ele faz a conexão visual através dela, e no sétimo e oitavo elas são utilizadas para mostrar a sirene do carro de polícia e para conectar dois quadros (o balão de transmissão do rádio da polícia). Na história, o leitor já leu metade da edição, sabe que Batman retornou, já viu alguns indícios desse retorno, mas ainda não foi apresentado a ele. Miller constrói esse retorno aumentando a tensão e espalhando a informação de sua volta. Os quadrinhos televisivos nas páginas 25 e 26 (figura 198) relatam os telejornais através de diferentes âncoras dando notícias de seu aparente retorno, mas ainda sem nenhuma fonte confiável. Os informes da televisão são intercalados por cenas de uma perseguição policial à um carro com bandidos. As cores, sempre laranja, além do formato dos quadrinhos, ajudam o leitor a diferenciar as transmissões televisivas do mundo “real”. As onomatopéias são amplamente usadas aqui dando a

sensação conhecida por qualquer habitante de uma metrópole do alto som e da barulheira do trânsito, especialmente com uma sirene por perto. Miller trabalha a composição dos quadros combinando as imagens e os textos da onomatopéia de forma dinâmica, usando-as para reforçar a movimentação das figuras. Na perseguição, ele focou os dois policiais de dentro da viatura, um novato e um experiente. Conforme a cena chega ao fim da página 26, ele confirma o retorno do protagonista usando a experiência do policial mais velho que desliga a sirene, ato reforçado pelo fim da onomatopéia, e antecipa a entrada do Batman, que é consumada na página seguinte (figura 199), na primeira página splash da série.

Miller mostra o personagem em toda sua glória, usando um ângulo baixo para enquadrá-lo caindo do céu e com aspecto grandioso. A combinação da imagem com o texto é interdependente oferecendo ao leitor acesso aos pensamentos do personagem. A página não é um splash clássico pois possui três inserções de quadrinhos televisivos e seus balões, que mostram pessoas dando depoimentos sobre uma criatura sobrenatural ao comentarem sua experiência quando foram salvas pelo Batman. Os depoimentos servem à dois propósitos: valorizar o personagem em sua aparição, comparando os comentários com a imagem e a visão do próprio Batman, e inseri-lo definitivamente no universo da história dominado pela televisão. No primeiro quadrinho da página seguinte (figura 200), o leitor é apresentado ao carro dos bandidos da seqüência anterior e suas caras espantadas, e é sobre ele que

(acima) Figura 197 DKR 1 Pg. 25 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 198 DKR 1 Pg. 26 MILLER, 2002.

216 217

(acima) Figura 200 DKR 1 Pg. 28 MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 202 DKR 1 Pg. 32 MILLER, 2002.

Figura 199 DKR 1 Pg. 27 MILLER, 2002.

(acima) Figura 201 DKR 1 Pg. 31 MILLER, 2002.

218 219

o Batman cairá. A página é composta apenas por quadrinhos horizontais quebrando o grid original, que valorizam a movimentação e a narrativa cinematográfica. A onomatopéia é fundamental assegurando a sensação de movimento do carro nos quadros. A do segundo quadrinho, que é o maior da página, é bastante inovadora ao mostrar a palavra segmentada por círculos emulando o impacto do Batman aterrisando no capô do carro. Os demais quadrinhos da página são estreitos e dinâmicos acelerando a leitura e a movimentação. Nas páginas 31 e 32, Miller faz uso das onomatopéias de forma mais direta. Na primeira (figura 201), os quadros longos e verticais tornam a ação ágil e rápida de ler e remetem ao ambiente fechado em que ela se passa, onde os bandidos estão a mercê do Batman. Nos primeiros dois quadrinhos, a onomatopéia comunica ao leitor o barulho do chão de madeira, que mascara a sorrateira movimentação do Batman. No quarto, a posição das letras ajuda a caracterizar o movimento do bandido sendo puxado pelo Homem Morcego. A cor branca da onomatopéia a destaca do restante do quadrinho. No quinto quadrinho, ela é posicionada exatamente abaixo da metralhadora disparando, funcionando como um prolongamento da ação. E por fim, no quinto quadrinho da página 32 (figura 202), a onomatopéia ajuda a potencializar os efeitos da cena. O efeito sonoro de quebra no chute do Batman faz do golpe muito mais potente do que ele seria sem ela.

Miller abusou do uso de silhuetas e da variação de áreas coloridas para algumas com poucas cores, e até preto e brancas na série. Nas páginas 45 e 46 (figuras 203 e 204), que concluem a primeira edição mostrando o embate final do Batman com o Duas Caras, ambas as páginas possuem duas grandes áreas horizontais, no topo e na base, e um intervalo no meio. Na primeira, a 45, Miller começa com uma tomada interna de um escritório cuja janela está sendo quebrada por Batman e Duas Caras se atracando. A cena é toda construída por silhuetas que são quebradas apenas pela onomatopéia branca do som dos vidros estilhaçados. O que se segue são oito quadrinhos intercalados com cenas da briga entre os personagens, e um helicóptero se afastando. Os quadrinhos com a briga (três, cinco e sete), que são todos do mesmo tamanho, são mostradas apenas silhuetas também quebradas pelas onomatopéias dos golpes, mas Miller usa as bandagens do rosto do Duas Caras para ajudar o leitor a entender as largas áreas pretas. Já os quadrinhos do helicóptero, também usando puramente silhuetas, vão diminuindo cada vez mais conforme ele se distancia. A própria onomatopéia também diminui dando continuidade a mensagem, e as sarjetas ficam cada vez maiores conforme ele se distancia. Este é um recurso interessante para resolver o problema do tempo, pois os três golpes da briga levam menos tempo para se desenrolar do que o distanciamento do helicóptero. Essa solução ainda ajuda a

silhuetas

Figura 203 DKR 1 Pg. 45 MILLER, 2002. Figura 204 DKR 1 Pg. 46 MILLER, 2002.

220 221

criar um senso de expectativa no leitor que leva mais tempo se deslocando de um quadrinho ao outro. O clímax da página é a grande explosão do último quadrinho, que também é a imagem mais colorida da página. No primeiro quadrinho da página seguinte, Miller mostra o resultado desta explosão de cores no universo monocromático das páginas. O quadrinho é preto e branco com as figuras em alto contraste. Os balões são amarelos destacando-os da composição e facilitado a leitura. Esse alto contraste e o grande balão amarelo com a fala do Batman também valoriza o momento em que ele descobre que o homem por trás das bandagens é mesmo Harvey Dent, ou o Duas Caras, apesar de sua torcida para que fosse apenas um imitador. O meio da página retorna ao grid básico da história e Miller abre espaço para mais nuances e tons fugindo do alto contraste, mas termina o último quadrinho com a escuridão, refletindo a conclusão soturna da primeira edição.

Ele usa o recurso da silhueta de forma dramática por toda a série, como ao apresentar Batman patrulhando a cidade pela primeira vez na segunda edição (página 3) (figura 205), ou na conversa de Batman com Gordon no topo da delegacia (página 40) (figura 206). Ele faz variações na silhueta de diversos personagens, como ao mostrar a capa amarela da Robin na página 8 da terceira edição, ou a capa vermelha do Superman em diversos momentos (figura 207). Esse uso da silhueta é um marca registrada de seu trabalho e ele elevou a prática com maestria em Sin City, sua HQ em preto e branco.

(acima) Figura 205 DKR 2 Pg. 3 MILLER, 2002.

(acima e a direita) Figura 207 DKR 4 Pg. 24 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 206 DKR 2 Pg. 40 MILLER, 2002.

222 223

O quadrinista também recorre aos balões para conduzir a narrativa dependendo da necessidade. Na página 10 da segunda edição (figura 208), Miller usa os doze últimos quadrinhos da página para trabalhar de forma criativa um evento na história. Os quadrinhos são todos pretos, a exceção dos três últimos que começam a revelar gradativamente uma cidade, através do que parecem ser dedos. Ao virar a página (figura 209), o leitor se depara com Batman, que capturara um do integrantes dos Mutantes, interrogando o criminoso no topo de um prédio. Ele o prendeu em um gárgula amarrado pelos pés de cabeça para baixo. A visão que os últimos quadrinhos da página dez oferecem ao leitor é a visão do próprio Mutante pendurado. Visão esta que é descortinada pelos dedos da mão do Batman. Nesses quadrinhos pretos, Miller usa os balões para dar continuidade a narrativa. Caracterizando dois tipos de balão diferentes, um cinza e sólido, que o leitor já sabe ser do Batman, e um magenta e irregular para o bandido. Miller coloca o leitor na posição do Mutante desde o início, ambos estão desorientados e não sabem o que aconteceu, e a situação é revelada a ambos ao mesmo tempo aumentando o impacto para o leitor. Miller utiliza esse recurso novamente quando o líder dos Mutantes escapa da prisão por um duto de ventilação em uma estratégia do Batman (página 41 da segunda edição) (figura 210). Mas neste caso, ele faz uso das onomatopéias para caracterizar o espaço e as mudanças de local do personagem.

balões

(acima) Figura 208 DKR 2 Pg. 10 MILLER, 2002.

(a direita) Figura 209 DKR 2 Pg. 11 MILLER, 2002.

(a extrema direita) Figura 210 DKR 2 Pg. 41 MILLER, 2002.

224 225

Miller mostra interessantes soluções de ritmo e construção de página dentro de seu grid nas duas brigas de Batman com o líder dos Mutantes, ainda na segunda edição. Na primeira, iniciada na página 16 (figura 211), ele começa com um grande quadrinho, o maior da página, apresentando o líder aos leitores. Até então ele só havia aparecido em silhuetas. Em um quadrinho ocupando metade da página, Miller introduz o personagem de forma definitiva. Usando o mesmo recurso de separar o pensamento do Batman em uma tarja lateral da imagem, ele adiciona os balões do personagem ao lado do quadrinho do líder. Nos três quadrinhos que se seguem, ele apresenta closes extremos do vilão discursando a seus comandados, e só no quinto quadrinho da página, mostra o Batman observando a cena de dentro do Batmóvel - um close na mão dele apertando um gatilho no sexto quadrinho, e um maior, o último da página, com o líder tomando um tiro na tocha que ele empunhava. A onomatopéia funciona como um último quadrinho convidando o leitor a mudar de página. As cores de Varley servem à narrativa mantendo-se quentes nas cenas do líder, e frias dentro do Batmóvel.

Nas duas páginas que se seguem Miller apresenta a sua versão do carro do Batman, mais realista, ela se assemelha a um descomunal tanque de guerra. A versão serviu de inspiração para o Batmóvel do recente filme do Homem Morcego, Batman Begins. As páginas possuem poucos quadrinhos, quatro na primeira, na página 17 (figura 212), e um splash na segunda, na página 18 (figura 213). O foco de Miller é

no arsenal do carro, as onomatopéias grandes extrapolam as bordas do quadrinho e as explosões tomam conta. As cores se mantém consistentes às já estabelecidas na página anterior. Na página 19 (figura 214), em meio a cacofonia de sons e cores representando a batalha, Miller introduz dois quadrinhos, sexto e sétimo da página, sem qualquer relação com a mesma e completamente diferentes. Eles mostram os pais da Robin se lembrando da existência da filha, que havia sido mostrada no quadrinho anterior já no campo de batalha (no quinto quadrinho especificamente). O interlúdio oferece um respiro ao leitor antes da briga realmente começar. Mas Miller se certifica de manter o leitor dentro da cena principal ao mostrar a metade de baixo da página a escala do Batmóvel cara a cara com o líder. Na página seguinte (figura 215). Ele oferece uma visão do Batman dentro do carro cercado por painéis, controles e gatilhos. Ele enxerga o lado de fora através de um monóculo tecnológico. Miller usa o formato deste para destacar o líder em pequenos quadrinhos circulares que quebram o grid, intercalados à closes do Batman.

Ao virar a página, o leitor se depara com uma página splash do Homem Morcego saindo do Batmóvel para enfrentar o vilão (figura 216). Ele sorri enquanto cerra os punhos a caminho da briga. A cena serve como um respiro ao leitor, depois de cinco páginas de antecipação ao combate. Quando a briga realmente começa (figura 217), Miller varia entre quadros compridos horizontalmente e menores, dentro do grid, apresentando detalhes e resultados de

ritmo e construção de página

(a direita) Figura 211 DKR 2 Pg. 16 MILLER, 2002.

(a extrema direita acima) Figura 212 DKR 2 Pg. 17 MILLER, 2002.

(a extrema direita abaixo) Figura 213 DKR 2 Pg. 18 MILLER, 2002.

226 227

golpes, e cenas abertas mostrando chutes e socos por completo. A cor é mais escura, ainda dentro da mesma cromia, mas representando o fim das explosões e tiros. O clima sombrio ajuda a construir a atmosfera da cena quebrada apenas pelas onomatopéias brancas dos golpes e ossos se partindo. Miller as distribui pela página auxiliando a leitura e valorizando a movimentação dos personagens e a intencionalidade dos movimentos. Mesmo os dois personagens sendo bastante diferentes, ele caracterizou o líder com óculos cujo visor vermelho o destaca nos quadrinhos tornando qualquer confusão improvável. Miller também usa silhuetas diversas vezes criando uma variação de soluções gráficas, como a do sétimo quadrinho da página 23 (figura 218), onde ao representar o líder da visão do já surrado Batman, ele o desenha como um contorno disforme e embaçado emulando a condição física abalada do protagonista. A variação no tamanho dos quadros cria um ritmo frenético, mas possível de ser aproveitado pelo leitor conforme a briga se desenrola. E em alguns momentos, Miller valoriza alguma cena específica, como o último quadrinho da página 24 (figura 219) quando o líder fratura o braço de Batman. É um quadrinho sem requadro e com o fundo branco, a variação chama atenção e aumenta o impacto da cena, ajudada pela única onomatopéia colorida de toda a seqüência. As últimas duas páginas (figuras 220 e 221) não tem onomatopéias, como se o Batman já estivesse por demais ferido para conseguir ouvir qualquer barulho. Conforme o espancamento termina e a Robin

Figura 214 DKR 2 Pg. 19 MILLER, 2002. Figura 215 DKR 2 Pg. 20 MILLER, 2002. Figura 216 DKR 2 Pg. 21 MILLER, 2002.

228 229

Figura 217 DKR 2 Pg. 22 MILLER, 2002. Figura 218 DKR 2 Pg. 23 MILLER, 2002.

(acima e a direita) Figura 219 DKR 2 Pg. 24 MILLER, 2002.

Figura 220 DKR 2 Pg. 25 MILLER, 2002. Figura 221 DKR 2 Pg. 26 MILLER, 2002.

230 231

entra em cena para ajudar o protagonista, o único “som” são os pensamentos de Batman. A cena termina em um quadrinho sem fundo nem bordas com o Homem Morcego extremamente ferido no chão, ajudado pela Robin.

Na história, depois do primeiro embate perdido pelo Batman, ele chega a conclusão de que seu erro foi lutar como um jovem, mas sendo um velho, foi tentar igualar a selvageria e a ferocidade de seu inimigo quando ele não mais podia. Quando eles voltam a

se enfrentar, na página 42 (figura 222), ele usa sua inteligência e estratégia superiores ao líder para vencer. Miller representa essa mudança de duas formas. A segunda briga é bem mais rápida do que a primeira e Miller dá atenção à platéia. Enquanto a primeira se estendeu por onze páginas, a segunda leva apenas quatro. Começando na página 41 (figura 210) da segunda edição, ela também é visualmente mais clara e colorida do que a primeira. O céu é azul (figura 223), a lama, parte da estratégia do Homem Morcego para tornar seu oponente mais lento, é marrom, bem

como os personagens que a ocupam, e a platéia é uma grande silhueta coletiva e preta recortada pelos visores vermelhos dos Mutantes. O objetivo do personagem é humilhar o líder para acabar com a gangue, já que eles são muitos para serem presos, por isso a importância da platéia. No decorrer da briga, Miller posiciona alguns quadros com comentários de membros da gangue, e como não importa quem eles sejam individualmente, os trata como silhuetas. A segunda briga também possui muito menos quadrinhos abertos e longos e mais quadros que se mantém no

grid, ela é quase toda ditada pelo Batman conforme sua estratégia funciona (figura 224). Ele repete algumas soluções reforçando a narrativa, o golpe final é a única onomatopéia colorida do combate, mas desta vez quem o aplica é o protagonista. A luta termina em um grande quadro ocupando metade da página 45 (figura 225) mostrando Batman em pé e seu oponente caído, ambos cercados por Mutantes atônitos. Miller enquadra a cena de cima apresentando-a em sua totalidade. Ela é quebrada por um único quadrinho televisivo com os novos Seguidores de Batman.

Figura 222 DKR 2 Pg. 42 MILLER, 2002. Figura 223 DKR 2 Pg. 43 MILLER, 2002. Figura 224 DKR 2 Pg. 44 MILLER, 2002. Figura 225 DKR 2 Pg. 45 MILLER, 2002.

232 233

Miller usa uma interessante solução para introduzir o Superman na história sem mostrá-lo, como é sua estratégia para todos os grandes personagens. Na página 26 da segunda edição, ele mostra a Casa Branca em um quadrinho horizontal ocupando toda a fileira do topo (figura 226). O estabilising shot apresenta o espaço através das grades e mostra uma bandeira americana tremulando acima da casa. Nos oito quadrinhos que se seguem, cada um se aproxima mais um pouco da bandeira, até ela se tornar apenas listras vermelhas, e então curvas vermelhas e brancas, que se tornam vermelhas e amarelas e se caracterizam, no nono quadrinho da página, como o emblema no peito do Homem de Aço. Além de apresentar o personagem de forma sutil, Miller já estabelece a condição dele de fantoche do governo totalitário. Os textos funcionam como uma Combinação Paralela às imagens, os balões organizados nos quadros mostram a conversa entre Superman e o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, e as imagens reforçam gráfica e indiretamente essa relação de subserviência. O presidente pede ao Homem de Aço que fale com o Batman, pois ele está “passando dos limites’.

estabilishing shots

splashes

Miller trata os splashes em suas páginas como interrupções no ritmo frenético da história. Na seqüência que se inicia na página 8 da terceira edição, ele, depois de sete páginas de um combate entre Batman e um grupo nazista em uma loja de conveniência, é entrecortado por inúmeros quadrinhos

televisivos cobrindo a repercussão do retorno do Homem Morcego nos diferentes escalões de poder e na sociedade, e pela aparição de Superman como um raio. Depois de quase uma centena de quadros em apenas sete páginas, a oitava termina com uma silhueta de Batman e da Robin correndo pelo topo dos prédios de Gotham (figura 227). Batman chama a atenção dela por tê-lo desobedecido durante o combate e ela o questiona a respeito da existência ou não de Superman. O início do diálogo acontece nesse quadrinho, mas ele é interrompido por uma página splash da dupla em pleno ar (figura 228). Sem qualquer palavra, o leitor é convidado a contemplar a primeira aparição da dupla dinâmica em uma splash. O diálogo continua no primeiro quadrinho da página 10 (figura 229). A página splash oferece uma quebra no ritmo dando ao leitor uma chance de respirar e aproveitar a arte.

Quando eu estava criando o layout o Cavaleiro das Trevas, a primeira coisa que eu fiz foi estabelecer o grid de dezesseis quadros que toda a série se basearia. Era eu tentando tratar os quadrinhos como notas musicas em uma tentativa para controlar o ritmo. Era um gibi muito denso, eu estava aglutinando muita coisa naquele ponto, mas você vai notar que a tensão daqueles pequenos quadrinhos staccato é quebrado de vez em quando por uma imagem inteira de meia página ou página inteira que foram elaborados não para tirá-lo da história, mas para fazê-lo parar e entender em que parte a história está. Minha favorita está na terceira edição, quando você vira a página e da de cara com uma imagem do Batman e Robin sobre a cidade, e você esta olhando para cima para vê-los e é provavelmente a cena mais heróica

deles em toda a série. Eu fiquei muito satisfeito com o efeito, especialmente depois que Lynn a coloriu, porque eu senti que esse era uma de parar o trânsito e era exatamente isso que eu queria. Eu queria que todos respirassem, absorvessem a cena e pensassem sobre ela, e eu acho que funcionou (MILLER apud SALESBURY, 2000, p.178).

Mas nem sempre as soluções funcionam tão bem. O Cavaleiro das Trevas é um gibi mais difícil de ser lido do que a média dos quadrinhos, pois em alguns trechos, a narrativa pode ficar bem complexa. Na página 35 da terceira edição (figura 230), Miller mostra em uma mesma página, o Coringa distribuindo algodão doce junto de seu capanga para crianças em um parque de diversão, três quadrinhos televisivos discutindo a onda de crimes do vilão, o resultado dos algodões doces envenenados, Batman chegando na cena com a Robin e mais dois quadrinhos televisivos apresentando um partidário e um contrário ao Batman discutindo. Além de ser bastante informação para uma única página, existem balões de narração à exaustão: os da televisão, os do Batman e os do Coringa. O quadrinho do vilão, que é o maior da página, é profusamente colorido por ser um parque de diversões, e ainda conta com os balões de pensamento verdes do Coringa. Os demais quadros possuem os balões cinzas do Batman e os brancos da televisão. As imagens são sempre cheias e a única que oferece algum respiro, a das crianças mortas, possui uma pesada sombra e dois balões de pensamento do Batman. O leitor não se perde, mas a página demanda bastante esforço para ser lida.

Figura 226 DKR 2 Pg. 26 MILLER, 2002.

234 235

(a esquerda) Figura 227 DKR 3 Pg. 8 MILLER, 2002.

(a extrema esquerda) Figura 228 DKR 3 Pg. 9 MILLER, 2002.

(abaixo) Figura 229 DKR 3 Pg. 10 MILLER, 2002.

236 237

Conforme a história atinge seu clímax, próximo do fim da quarta edição, Miller intensifica o uso da sarjeta preta, como na página 23 (figura 231). Essa solução torna a leitura mais ágil, pois o leitor conecta os quadrinhos mais rapidamente, e para ajudar nesse processo, ele usa muitas silhuetas nos quadros tornado-os mais gráficos. Os três primeiros quadros da página são coloridos normalmente, pois eles se ligam diretamente aos eventos anteriores. A partir do quarto quadrinho, o leitor passa a acompanhar a luta de Jim Gordon, ex-comissário, para ajudar as pessoas na rua em meio ao caos que se segue a detonação da bomba nuclear. Gordon aparece liderando os civis, ajudando uma enfermeira, e por fim toma parte em uma linha de pessoas que carregam baldes para conter o fogo da queda do avião paralisado pela descarga eletromagnética emitida pela bomba. As cores de Varley são mais poéticas e recortam as silhuetas negras com detalhes em branco dos personagens. Os balões de pensamento do Batman são pretos e mais pesados como a situação, e os de Gordon surgem sem nenhum recorte, como palavras soltas sobre a imagem, exatamente como as do Superman que ocupam os três últimos quadros da página. O laranja e o amarelo do fogo chamam a atenção para estes quadros que se destacam do grid básico, e conectam com os quatro primeiros da página seguinte, que

sarjeta preta

mostram um Superman quase cadavérico levantando dos escombros da explosão da bomba (figura 232). As cores que completam a página nos três quadros que faltam são as mais diferentes em toda a série, as que mais fogem da linguagem aquarelada da HQ. Para representar os efeitos do coração da explosão nuclear, Varley emprega cores extremamente saturadas e quentes. Quando o leitor vê o Homem de Aço no sexto e maior quadrinho da página, ele é apenas uma fração do que ele já foi, seu corpo consumido pela radiação e pela explosão. Ele é reconhecível apenas pelo uniforme e por seus balões de pensamento que se mantém azuis auxiliando o entendimento. O último quadrinho da página mostra o herói distante e pequeno tentando subir para o sol em meio ao céu violeta. Ao virar a página (figura 233), Miller atrai a atenção do leitor com uma visão de Superman sendo atingido por um relâmpago. O quadrinho é o maior da página ocupando duas colunas do grid e segue a mesma cor dos últimos. E não há som em meio à nevoa, somente os pensamentos do personagem. Os oito quadrinhos que se seguem mostram o Homem de Aço caindo e atingindo o solo ainda intacto, distante da explosão e sendo gradativamente regenerado pela força do sol. Superman se recupera por completo nos primeiros quadrinhos da página seguinte, voltando a sua cor e forma originais (figura 234).

Figura 230 DKR 3 Pg. 35 MILLER, 2002.

238 239

Figura 231 DKR 4 Pg. 23 MILLER, 2002.

Figura 232 DKR 4 Pg. 24 MILLER, 2002.

Figura 233 DKR 4 Pg. 25 MILLER, 2002.

Figura 234 DKR 4 Pg. 26 MILLER, 2002.

240 241

A última parte a ser analisada é o embate final entre Batman e Superman. Além de ser o clímax da história, Miller sabia da importância da cena porque, entre os fãs, sempre houve um acirrado debate sobre quem venceria em uma luta, o poder do Homem de Aço ou a inteligência do Homem Morcego. A resposta de Miller é mais complicada do que isso, pois ambos representam os dois extremos do universo do Cavaleiro das Trevas. Superman chega para o combate sem querer lutar, tentando racionalizar, mas Batman tem um plano e sua estratégia foi cuidadosamente preparada para atingir seu objetivo. A questão não é o combate em si, pois ninguém é páreo para o Superman, mas o “homem” do “super” pode ser derrotado. Miller monta a cena com uma multiplicidade de quadrinhos e soluções e a espalha por oito páginas cuidadosamente montadas. O combate começa duas páginas antes deles se encontrarem, na página 35 da quarta edição (figura 235). Superman enfrenta mísseis teleguiados disparados por Alfred, e uma carga do Batmóvel pilotado

pela Robin (figura 236). Quando ele chega ao Beco do Crime (figura 237), Batman o espera trajando uma armadura de batalha, empunhando uma arma e com fios conectando-o ao poste de luz. A cena é apresentada em um quadrinho longo e alto, o maior da página. Superman é apenas uma silhueta com uma capa vermelha. Ele fala, mas o leitor não pode ouvir, pois o Batman não pode ouvir, ele tem os ouvidos protegidos, e Miller dá acesso apenas aos seus pensamentos. A briga se inicia e o Homem Morcego dispara uma carga sônica e em seguida uma magnética conforme Superman destrói seus equipamentos. Esse desenrolar é mostrado em diversos quadrinhos estreitos, como frações da briga. Muitos closes extremos, interrompidos apenas por um quadrinho preto e o batimento do coração do Batman, elemento introduzido antes como motivo de preocupação do velho personagem. A briga é congelada em um dos momentos mais épicos da história dos quadrinhos, um soco do Batman no primeiro quadrinho da página 38 (figura 238).

A imagem, que ocupa metade da página, só é possível graças a sua armadura especial ter sugado a força da cidade para se fortalecer. O restante da página é preenchido com mais cenas do combate e dos desdobramentos da Robin enfrentando os militares, e apresenta os primeiros balões de pensamento do Superman. A página seguinte (figura 239) retorna ao combate principal enquanto ambos trocam golpes. Batman narra a maior parte com seus pensamentos, mas o maior quadrinho é do Superman ao quebrar três costelas de seu adversário. A página 40 (figura 240) mostra a entrada do velho Green Arrow (Arqueiro Verde) no combate disparando a última cartada do Homem Morcego, uma flecha com a ponta revestida de kriptonita. Superman a impede de atingi-lo, mas a flecha explode no primeiro quadrinho da página seguinte (figura 241). A cor, que era bastante quente nas páginas anteriores, torna-se verde em função da kriptonita, tornado o combate mais dramático conforme ele fica cada vez mais pessoal. Superman percebe a condição do coração

do Batman enquanto o Homem Morcego se aproveita da fraqueza causada pela kriptonita para surrar o Homem de Aço, que quase não reage. A página possui doze quadros, metade dos quais dedicados ao combate, os demais tratam da Robin resgatando o Arqueiro Verde. A cor ajuda a distinguir bem as cenas. A última página do combate abre com uma imagem enorme, tomando quase a página inteira, do Batman desferindo um chute no queixo do Superman e arrancando sangue (figura 242). A imagem é mais forte do que a primeira, assim como os pensamentos do Batman. Os últimos quatro quadrinhos na base da página mostram um Superman vencido e um Batman triunfante, mas derrubado por um ataque do coração. O terceiro e quarto quadrinho possuem o mesmo enquadramento e são separados pelo fim dos batimentos do Batman. A briga termina com a suposta morte do Homem Morcego. As duas últimas páginas do combate não possuem onomatopéias, retornando ao silêncio utilizado pelo autor nos momentos mais dramáticos.

242 243

Figura 235 DKR 4 Pg. 35 MILLER, 2002.

Figura 236 DKR 4 Pg. 36 MILLER, 2002. Figura 237 DKR 4 Pg. 37 MILLER, 2002.

Figura 238 DKR 4 Pg. 38 MILLER, 2002.

244 245

Figura 239 DKR 4 Pg. 39 MILLER, 2002. Figura 240 DKR 4 Pg. 40 MILLER, 2002. Figura 241 DKR 4 Pg. 41 MILLER, 2002.

246 247

Miller combinou em seu trabalho soluções clássicas e algumas inovadoras, e as aplicou em um personagem importante de uma grande editora. Ele não criou os quadrinhos televisivos, por exemplo, eles já haviam sido empregados por Howard Chaykin em seu American Flagg (1983), mas os utilizou de forma mais intensa e presente na narrativa. Outros quadrinistas já haviam feito uso de páginas com muitos quadrinhos, mas poucos sustentaram um grid como o do Cavaleiro das Trevas durante toda uma série. Miller também fez uso de alguns elementos clássicos porém dentro da coerência de sua narrativa, como o estabilishing shot prolongado dramaticamente por três quadrinhos na seqüência em que o jovem Bruce Wayne cai na caverna. Ou o uso das páginas splash estrategicamente posicionadas para quebrar o ritmo frenético e dramático da história. Miller valoriza a narrativa clássica através da utilização criteriosa das soluções e técnicas de acordo com a história que ele queria contar, manipulando-as em prol do enredo, mas não se limitando a elas e criando novas. Além das soluções narrativas, ele fez uso do novo formato gráfico a sua disposição, explorando a maior quantidade de páginas para ditar o ritmo de sua história e melhor distribuí-

la graficamente. As cores de Lynn Varley foram valorizadas pelo papel de melhor qualidade e pela impressão superior aos quadrinhos da época, que reproduziam com precisão as manchas de aquarela. E a qualidade do produto Cavaleiro das Trevas permitiu que ele atingisse uma audiência muito maior do que as histórias em quadrinhos estavam acostumadas. A narrativa do Cavaleiro das Trevas é por vezes caótica por seus elementos excessivos, e foi confusa para alguns leitores que a leram à época de seu lançamento, mas ela não se distancia demais dos princípios clássicos da narrativa dos quadrinhos e mantém a história como seu foco principal. Depois da primeira edição, quando os leitores se acostumaram as páginas mais cheias e a narrativa mais frenética, a leitura se tornou objetiva e direcionada pela história. A série foi um marco nos quadrinhos e estabeleceu uma nova forma de trabalhar com super heróis e de conduzir uma narrativa visual. Miller trouxe questionamentos para o Batman, modificou para sempre a relação deste com o outro grande ícone da editora, criou uma obra inserida em seu tempo e atualizou o personagem para toda uma nova geração. Mais do que isso, Miller recuperou o Batman devolvendo-o ao seu lugar.

Recapitulação

Figura 242 DKR 4 Pg. 42 MILLER, 2002.

248 249

considerações

As histórias em quadrinhos nos Estados Unidos sofreu um processo de transição em sua linguagem, em sua narrativa visual e em sua estrutura gráfica que iniciou-se no final da década de 1960 e culminou no ano de 1986 com a publicação de três títulos: Batman The Dark Knight Returns (Batman o Cavaleiro das Trevas), Watchmen e Maus. Todas as inovações introduzidas na linguagem no período pós-código de censura pelos quadrinistas que voltaram para a indústria no final da década de 1960 e durante toda a década de 1970 e aqueles que entraram no meio neste mesmo período, foram agregadas pelos quadrinistas que entraram no mercado na década de 1980, como é o caso de Frank Miller. Todas as experimentações técnicas e gráficas que vinham sendo feitas, aliadas ao surgimento das graphic novels, culminaram em um novo formato gráfico introduzido em 1986. Este, foi instrumental no sucesso comercial dos títulos citados acima e particularmente no Batman de Miller, porém sua contribuição ao meio não foi apenas financeira, mas também criativa. Materiais e técnicas melhores permitiram reproduções com maior qualidade e mais fidedignas ao que era criado, inspirando quadrinistas a desenvolverem trabalhos mais complexos. Essa maior qualidade atraiu profissionais mais especializados que, depois de uma fase de adaptação do meio à essa qualidade, agregaram muito aos quadrinhos, seja na produção de capas, na identidade das revistas ou no cuidado gráfico com o produto quadrinhos. Essa maturidade gráfica permitiu maiores experimentações e contaminações de linguagens como, por exemplo, o cinema, promovendo a

troca de elementos, técnicas e soluções entre as mídias, e desenvolvendo tantas outras.

Todas essas modificações refletiram-se também nas histórias, que se tornaram mais realistas em seus temas e mais conectadas a situação social de sua época, ambientando o super-herói no mundo real da década de 1980 e abrindo seus pensamentos para o leitor, apresentando todos os problemas e a complexidade desses personagens. Os próprios super-heróis, desde a introdução do Homem-Aranha, passaram a refletir mais a sociedade. Batman e Superman, melhores amigos durante quarenta anos, tiveram sua amizade reestruturada. O super-herói puro e cristalino dos quadrinhos tornou-se um espécime em extinção e, cada vez mais, anti-heróis e heróis violentos passaram a dominar o meio. Essas histórias atraíram um publico mais velho para os quadrinhos o que credenciou o meio a explorar novos gêneros e temas adentrando o mercado que, desde a década de 1970 e da graphic novel “Um Contrato com Deus”, está aberto a temas sociais que não necessariamente abordem super heróis.

Combinando imagens e textos de um modo único, os quadrinhos podem ser utilizados para diversas funções, mas sua principal aplicação é como uma forma de entretenimento de massa. Desde seu surgimento, as histórias em quadrinhos tem sido relegadas a condição de subproduto e de entretenimento barato para crianças, particularmente nos Estados Unidos e conseqüentemente no Brasil. Porém, desde a década de 1980,

FINAIS: oQUEficaeoMUDA

4.que

250 251

esta visão vem se modificando, com a expansão dos gêneros contemplados pelo meio, com a diversificação do público leitor de quadrinhos e com o amadurecimento desse público. Essa nova condição dos quadrinhos permitiu um aumento das trocas com outros meios, oferecendo conteúdo para diversas mídias e recebendo de tantas outras.

Em termos narrativos, muitas mudanças surgiram no meio, mas estas não inibiram a presença das soluções e técnicas da narrativa clássica dos quadrinhos que ainda forma a base da grande maioria das HQs, sendo também utilizada pelos mais criativos e inovadores autores, como o próprio Miller. Não obstante, estes mesmos quadrinistas provaram que é possível fazer uma história em quadrinhos que não se prenda por completo aos padrões de clareza e objetividade pregados na Era de Ouro, se o compromisso com o storytelling for mantido. Muitos desses quadrinistas acabaram por valorizar a narrativa clássica dos quadrinhos ao usar suas técnicas e soluções de forma criteriosa e categórica. Esta pesquisa demonstrou que, ao contrário do

que se pensa e se “vende” em grande parte das escolas e nos cursos de quadrinhos, a habilidade de um quadrinista está em contar uma boa história sabendo usar todos ou quase todos os elementos narrativos e visuais que o meio oferece. Todas as soluções técnicas, estéticas e especializadas são importantes e agregam muito à uma história em quadrinhos, mas de nada servirão se a história não for boa.

Essa especialização de funções e o reconhecimento da necessidade de certos tipos de profissionais que nem sempre foram presentes nos quadrinhos, abriu espaço para a participação de novos especialistas. As editoras hoje procuram bons capistas com a mesma intensidade que procuram desenhistas e roteiristas, o que não ocorria há vinte anos atrás. O mesmo acontece com profissionais do meio gráfico, como designers e tipógrafos. As grandes editoras têm buscado cada vez mais estúdios de design para criar soluções para os seus produtos, assim como mais estúdios têm se especializado em lidar exclusivamente com quadrinhos. O design gráfico tem

uma contribuição importante para os quadrinhos, no que concerne as soluções gráficas, de impressão e acabamento, e por isso, o meio tem representado nos últimos dez anos um campo fértil para o trabalho de designers gráficos, tipógrafos e ilustradores. E tanto o mercado e os profissionais quanto os produtos evoluem e com esse amadurecimento conjunto.

Esta dissertação abriu diversos caminhos de pesquisa possíveis que poderão ser explorados no futuro, aprofundando ainda mais a história gráfica do meio, possivelmente tomando como base as capas de quadrinhos, fazendo um levantamento histórico e uma reflexão sobre as mesmas, o que não existe dentre as publicações do meio. Bem como investigar de forma mais aprofundada as relações entre cinema e quadrinhos e, por que não, outras relações pertinentes com outros meios. Além disso, outra possível pesquisa futura, seria estudar a arte nos quadrinhos, com ênfase na ilustração dos quadros, investigando os recursos técnicos e criativos e relacionando com a História da Arte.

252 253

referências

ALBERS, Josef. Interaction of Color. Yale: Yale University, 2006.

AMBROSE, Gavin; HARRIS, Paul. Colour. Lausanne: AVA Publishing, 2005.

AMBROSE, Gavin; HARRIS, Paul. Layout. Lausanne: AVA Publishing, 2005.

AMBROSE, Gavin; HARRIS, Paul. Typography. Lausanne: AVA Publishing, 2005.

CAMPBELL, Alaister. The Designer’s Lexicon. London: Kassell & Co., 2000.

CULLEN, Kristin. Layout Workbook. Massachusetts: Rockport, 2005.

FERLAUTO, Claudio; JAHN, Heloisa. O Livro da Gráfica. São Paulo: Edições Rosari, 2001.

FERLAUTO, Claudio. O tipo da gráfica – uma continuação. São Paulo: Edições Rosari, 2002.

GRUSZYNSKI, Ana Claudia. Design Gráfico: do invisível ao ilegível. Rio de Janeiro, 2AB, 2000.

HELLER, Steven; BALLANCE, Georgette. Graphic Design History. New York: Allworth Press, 2001.

HELLER, Steven; PETTIT, Elinor. Graphic Design TimeLine. New York: Allworth Press, 2000.

HOLLIS, Richard. Design Gráfico Uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

LIVINGSTON, Alan; LIVINGSTON, Isabella. The Thames & Hudson Dictionary of Graphic Design and Designers. London: Thames &

Hudson, 2001.

LUPTON, Elle. Pensar com tipos. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

MELNICK, Mark; KIDD, Chip. Chip Kidd Work: 1986-2006 Book One. New York: Rizzoli, 2005.

MELO, Chico Homem de. Signofobia. São Paulo: Edicoes Rosari, 2005.

MORIOKA, Adams; STONE, Terry. Color Design Workbook. Massachusetts: Rockport, 2006.

NIEMEYER, Lucy. Tipografia: Uma apresentação. Rio de Janeiro: 2AB Editora, 2000.

ROCHA, Claudio. Projeto Tipográfico. São Paulo: Edições Rosari, 2005.

VILLAS-BOAS, André. O que é ((e o que nunca foi) design gráfico? Rio de Janeiro: 2AB, 2003.

VOLLMER, Lara. ABC da ADG Gossário de Termos e Verbetes. São Paulo: ADG, 2002.

design

BIBLIOGRÁFICAS5.

254 255

histórias em quadrinhos

ALICE, Alex. Siegfried Edition Espéciale. Paris: Dargaud, 2007.

BENDIS, Brian; CHO, Frank; KEITH, Jason. The Mighty Avengers #6. New York: Marvel Comics, 2008.

BENDIS, Brian; FINCH, David; MIKI, Danny. New Avengers #5. New York: Marvel Comics, 2005.

BENDIS, Brian; IMMONEN, Stuart; Von GRAWBADGER, Wade. Ultimate Spider-Men #115. New York: Marvel Comics, 2007.

BENDIS, Brian; IMMONEN, Stuart; Von GRAWBADGER, Wade. Ultimate Spider-Men #112. New York: Marvel Comics, 2007.

BENDIS, Brian; IMMONEN, Stuart; Von GRAWBADGER, Wade. Ultimate Spider-Men #116. New York: Marvel Comics, 2007.

BRUBAKER, Ed et al. Daredevil #87. New York: Marvel Comics, 2007.

BRUBAKER, Ed et al. Daredevil #90. New York: Marvel Comics, 2007.

BRUBAKER, Ed et al. Daredevil #97. New York: Marvel Comics, 2007.

BRUNNER, Chris et al. The Ride Foreign Parts. Califórnia: Image Comics, 2005.

BUSIEK, Kurt; IMMONEN, Stuart. Superman Secret Identity #1. New York: DC Comics, 2004.

BUSIEK, Kurt; IMMONEN, Stuart. Superman Secret Identity #2. New York: DC Comics, 2004.

BUSIEK, Kurt; IMMONEN, Stuart. Superman Secret Identity #3. New York: DC Comics, 2004.

BUSIEK, Kurt; IMMONEN, Stuart. Superman Secret Identity #4. New York: DC Comics, 2004.

CANALES, Juan Diaz; GUARNIDO, Juanjo. Blacksad The Sketch Files. New York: Ibooks, 2005.

CANALES, Juan Diaz; GUARNIDO, Juanjo. Blacksad. New York: Ibooks, 2000.

CHIARELLO, Mark et al. Batman Black and White #2. New York: DC Comics, 1996.

CHIARELLO, Mark et al. Batman Black and White #3. New York: DC Comics, 1996.

CHIARELLO, Mark et al. Batman Black and White #4. New York: DC Comics, 1996.

CHIARELLO, Mark et al. Batman Black and White Volume 2. New York: DC Comics, 2001.

CHIARELLO, Mark et al. Batman Black and White. New York: DC Comics, 1998.

CLAREMONT, Chris; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. X-Men #1. São Paulo: Editora Abril, 1995.

COOKE, Darwin. DC The New Forntier The Absolute Edition. New York: DC Comics, 2006.

EISNER, Will. Invisible People. New York: DC Comics, 1993.

EISNER, Will. Last Day In Vietnam A Memory. Milwaukie: Dark Comics, 2000.

EISNER, Will. Life on Another Planet. New York: DC Comics, 1995.

EISNER, Will. Minor Miracles. New York: DC Comics, 2000.

EISNER, Will. No Coração da Tempestade 1. São Paulo: Editora Abril, 1996.

EISNER, Will. No Coração da Tempestade 2. São Paulo: Editora Abril, 1996.

EISNER, Will. O Nome do Jogo. São Paulo: Devir, 2003.

EISNER, Will. The Best of Spirit. New York: DC Comics, 2005.

EISNER, Will. The Dreamer. New York: DC Comics, 1986.

EISNER, Will. Um Contrato com Deus, e Outras Histórias de Cortiço. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.

GALE, Bob; MALEEV, Alex; FAUCHER, Wayne. Detetcice Comics #730. New York: DC Comics, 1999.

JOHNS, Geof; DONNER, Richard; KUBERT, Adam. Action Comics #845. New York: DC Comics, 2007.

JOHNS, Geof; DONNER, Richard; KUBERT, Adam. Action Comics #846. New York: DC Comics, 2007.

JOHNS, Geof; DONNER, Richard; KUBERT, Adam. Action Comics Annual #11. New York: DC Comics, 2008.

LOEB, Jeph; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. Batman #608. New York: DC Comics, 2002.

LOEB, Jeph; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. Batman #609. New York: DC Comics, 2003.

LOEB, Jeph; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. Batman #613. New York: DC Comics, 2003.

LOEB, Jeph; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. Batman #614. New York: DC Comics, 2003.

LOEB, Jeph; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. Batman #615. New York: DC Comics, 2003.

LOEB, Jeph; LEE, Jim; WILLIAMS, Scott. Batman #619. New York: DC Comics, 2003.

LOEB, Jeph; MADUREIRA, Joe; LICHTNER, Christian. The Ultimates 3 #1. New York: Marvel Comics, 2008.

LOEB, Jeph; YU, Leinil Francis. Fallen Son Death of Captain America #1. New York: Marvel Comics, 2007.

McFARLAINE, Todd; CAPULLO, Greg. Spawn #45. Anaheim: Image Comics, 1996.

McFARLAINE, Todd; CAPULLO, Greg. Spawn #52. Anaheim: Image Comics, 1996.

McFARLAINE, Todd; CAPULLO, Greg. Spawn #69. Anaheim: Image Comics, 1998.

McFARLAINE, Todd. Spawn #21. Califórnia: Image Comics, 1993.

McFARLAINE; Todd. Spawn #22. Anheim: Image Comics, 1994.

256 257

MIGNOLA, Mike; BYRNE, John. Hellboy Seed of Destruction. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1993.

MIGNOLA, Mike; CORBEN, Richard; RUSSEL, P. Craig. Hellboy The Troll Witch and Others. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2007.

MIGNOLA, Mike; FEGREDO, Duncan. Hellboy Darkness Calls. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2008.

MIGNOLA, Mike. Hellboy Conqueror Worm. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2001.

MIGNOLA, Mike. Hellboy Strange Places. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2006.

MIGNOLA, Mike. Hellboy The Chained Coffin and Others. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1997.

MIGNOLA, Mike. Hellboy The Right Hand of Doom. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1997.

MIGNOLA, Mike. Hellboy Wake the Devil. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1994.

MILLAR, Mark; HITCH, Brian; NEARY, Paul. The Ultimates #4. New York: Marvel Comics, 2002.

MILLAR, Mark; HITCH, Brian; NEARY, Paul. The Ultimates #5. New York: Marvel Comics, 2002

MILLAR, Mark; HITCH, Brian; NEARY, Paul. The Ultimates #7. New York: Marvel Comics, 2002

MILLAR, Mark; HITCH, Brian; NEARY, Paul. The Ultimates 2 #13. New York: Marvel Comics, 2007.

MILLAR, Mark; McNIVEN, Stevie. Civil War #1. New York: Marvel Comics, 2006.

MILLAR, Mark; McNIVEN, Stevie. Civil War #4. New York: Marvel Comics, 2006.

MILLER, Frank; et al. Daredevil by Frank Miller. New York: Marvel Comics, 2007.

MILLER, Frank; JANSON, Klaus; VARLEY, Lynn. Batman The Dark Knight Returns 10th Anniversary. New York: DC Comics, 1996.

MILLER, Frank; JANSON, Klaus. Batman: The Dark Knight Returns. New York: DC Comics, 2002.

MILLER, Frank; MAZZUCCHELLI, David. Batman: Year One – Deluxe Edition. New York: DC Comics, 2005.

MILLER, Frank; MAZZUCCHELLI, David. Daredevil: Born Again. New York: Marvel Comics, 1987.

MILLER, Frank; SIENKIEWICZ, Bill. Demolidor: Amor e Guerra. Graphic Novel #2. São Paulo: Editora Abril, 1986.

MILLER, Frank; VARLEY, Lynn. 300. Milwaukie: Dark Horse Books, 1999.

MILLER, Frank; VARLEY, Lynn. Ronin. New York: DC Comics, 1987.

MILLER, Frank. Absolute Dark Knight. New York: DC Comics, 2006.

MILLER, Frank. Ronin #2. São Paulo: Opera Graphica Editora, 2003.

MILLER, Frank. Sin City That Yellow Bastard #1. Milvaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. Sin City That Yellow Bastard #2. Milvaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. Sin City That Yellow Bastard #3. Milvaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. Sin City That Yellow Bastard #4. Milvaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. Sin City That Yellow Bastard #5. Milvaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. Sin City That Yellow Bastard #6. Milvaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. SIn City: A Dame to Kill For. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1993.

MILLER, Frank. SIn City: Booze, Broads and Bullets. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1998.

MILLER, Frank. SIn City: Family Values. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1997.

MILLER, Frank. SIn City: Hell and Back. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2000.

MILLER, Frank. SIn City: The Big Fat Kill. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1996.

MILLER, Frank. SIn City. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1992.

MOORE, Alan; BOLLAND, Brian. Batman The Killing Joke The Deluxe Edition. New York: DC Comics, 2008.

MOORE, Alan; Gibbons, Dave. Watchmen Absolute Edition. New York: DC Comics, 2005.

MOORE, Alan; Gibbons, Dave. Watchmen. New York: DC Comics, 1987.

MORRISON, Grant; QUITELY, Frank. All Star Superman #1. New York: DC Comics, 2006.

MORRISON, Grant; QUITELY, Frank. All Star Superman #7. New York: DC Comics, 2006

O’NEIL, Dennis; ADAMS, Neal. The Green Lantern/Green Arrow Collection V.1. New York: DC Comics, 1991.

O’NEIL, Dennis; ADAMS, Neal. The Green Lantern/Green Arrow Collection V.2. New York: DC Comics, 1992.

O’NEIL, Denny; ADAMS, Neal; GIORDANO, Dick. Green Lantern & Green Arrow #3. New York: DC Comics, 1983.

O’NEIL, Denny; KALUTA, Michael W.; HEATH, Russ. O Sombra 1941. Graphic Novel 16. São Paulo: Editora Abril, 1989.

ROBINSON, Andrew; PRUET, Joe. Dusty Star #1. Califórnia: Image Comics, 2006.

SAMURA, Hiroaki. Blade of the Immortal#100. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2007.

SMITH, Jeff. Rasl #1. Ohio: Cartoon Books, 2008.

SMITH, Kevin; QUESADA, Joe; PALMIOTTI, Jimmy. Daredevil Vol.2 #3. New York: Marvel Comics, 1999.

SMITH, Kevin; QUESADA, Joe; PALMIOTTI, Jimmy. Daredevil Vol.2 #7. New York: Marvel Comics, 1999.

258 259

SPIEGELMAN, Art. In the Shadow of No Towers. New York: Viking, 2004.

SPIEGELMAN, Art. The Complete Maus. London: Penguin Books, 2003.

SPRINGER, Benoit; SEVESTRE, Muriel. Volunteer 2. Rennes: Delcourt, 2004.

STRACZINSKY, J. Michael; COIPEL, Oliver. Thor #2. New York: Marvel Comics, 2007

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #1. New York: DC Comics, 2007.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #2. New York: DC Comics, 2007.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #3. New York: DC Comics, 2007.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #4. New York: DC Comics, 2008.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #5. New York: DC Comics, 2008.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #6. New York: DC Comics, 2008.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #7. New York: DC Comics, 2008.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #8. New York: DC Comics, 2008.

TIERI, Frank; CALAFIORI, Jim. Gotham Underground #9 New York: DC Comics, 2008.

WAID, Mark; ROSS, Alex. Kingdom Come. New York: DC Comics, 1997.

WARE, Chris. Acme Novelty Library. New York: Pantheon, 2005.

WARE, Chris. Jimmy Corrigan The Smartest Kid on Earth. New York: Pantheon, 2003.

WILLINGHAM, Bill; BUCKINGHAM, Mark; LEIALOHA, Steve. Fables #60. New York: DC Comics – Vertigo, 2007.

WILLINGHAM, Bill; BUCKINGHAM, Mark; LEIALOHA, Steve. Fables #61. New York: DC Comics – Vertigo, 2007.

WILLINGHAM, Bill; BUCKINGHAM, Mark; LEIALOHA, Steve. Fables #71. New York: DC Comics – Vertigo, 2008.

WILLINGHAM, Bill; BUCKINGHAM, Mark; LEIALOHA, Steve. Fables #72. New York: DC Comics – Vertigo, 2008.

WOOD, Brian; BURCHIELLI, Riccardo. DMZ # 10. New York: DC Comics Vertigo, 2007.

WOOD, Brian; BURCHIELLI, Riccardo. DMZ # 12. New York: DC Comics Vertigo, 2007.

WOOD, Brian; BURCHIELLI, Riccardo. DMZ # 15. New York: DC Comics Vertigo, 2007.

WOOD, Brian; BURCHIELLI, Riccardo. DMZ # 16. New York: DC Comics Vertigo, 2007.

WOOD, Brian; BURCHIELLI, Riccardo. DMZ # 20. New York: DC Comics Vertigo, 2007.

WOOD, Brian; BURCHIELLI, Riccardo. DMZ # 7. New York: DC Comics Vertigo, 2007.

WOOD, Brian; CLOONEAN, Becky. Demo. San Francisco: AiT/Planet Lar, 2005.

WOOD, Brian; KRISTIAN. Supermarket #1. San Diego: IDW Publishing, 2006.

WOOD, Brian; KRISTIAN. Supermarket #2. San Diego: IDW Publishing, 2006.

WOOD, Brian; KRISTIAN. Supermarket #3. San Diego: IDW Publishing, 2006.

WOOD, Brian; KRISTIAN. Supermarket #4. San Diego: IDW Publishing, 2006.

livros sobre quadrinhos

BATMAN: Cover to Cover. New York: DC Comics, 2005.

BENGAL, Rebecca. On Cartooning. Disponível em: <http://www.pbs.org/pov/pov2006/tintinandi/sfartists_ware.html> Acessado

em: 29 de maio de 2008.

BRADY, Matt. Brian Wood on Demo Part 1. Newsarama. Dispoível em: <http://forum.newsarama.com/showtread.php?t=157109>

Acessado em: 24 de maio de 2008.

BRADY, Matt. Frank Miller talks about Batman & Robin the Boy Wonder. Newsarama. Disponível em:

<http://www.newsarama.com/dcnew/Batman/AllStar/MillerBatmanRobin.html> Acessado em: 23 de abril de 2008.

BRIAN Wood.com. Disponível em: <http://www.brianwood.com> Acessado em: 22 de maio 2008

BROWSTEIN, Charles. Eisner/Miller. Milwaukie: Dark Horse Comics, 2005.

BROWSTEIN, Charles. Returning to the Dark Knight: Frank Miller Interview – Part 1. Comic Book Resources. Disponível em: <http://

www.comicbookresources.com/news/newsitem.cgi?id=233> Acessado em: 22 de abril de 2008.

BROWSTEIN, Charles. Returning to the Dark Knight: Frank Miller Interview – Part 2. Comic Book Resources. Disponível em:

<http://www.comicbookresources.com/news/newsitem.cgi?id=234> Acessado em: 22 de abril de 2008.

BRUCKE, Benjamin D. The History of the “graphic novel”… Disponível em:

<http://www.geocities.com/rucervine/002261.html Acesso em: 17 de maio de 2008.

CHIARELLO, Mark; KLEIN, Todd. The DC Comics Guide to Coloring and Lettering Comics. New York: Watson-Guptill, 2004.

COMIC Book Artist #6. Honoring the Great Master Will Eisner. Marietta: Top Shelf Productions, 2005.

260 261

COMIC Book Marketplace #104. Missouri: Gemstone Publishing, 2003.

COMIC Book Marketplace #70. Missouri: Gemstone Publishing, 1999.

COMIC Book Superheroes Unmasked. The History Channel, 2003.

COOKE, Jhon B. The Warren Companion. North Carolina: Twomorrows Publishing, 2001.

COUPER-SMARTT, Jonathan; KIEFER, Kit. The Amazing Spider-Man Five Hundred Covers 1962 – 2003. New York: Marvel Comics, 2004.

DANIELS, Les. Batman: The Complete History. San Francisco: Chronicle Books, 1999.

DANIELS, Les. DC Comics Sixty Years of the World’s Favorie Comic Book Heroes. New York: Bullfinch Press, 1995.

DANIELS, Les. Marvel: Five Fabulous Decades of the World’s Greatest Comics. New York: Abradale Press, 1991.

DINI, Paul; KIDD, Chip. Batman Animated. Neew York: Harper Etertainment, 1998.

DOOLEY, Michael; HELLER, Steven. The Education of a Comics Artist. New York: Allworth Press, 2005.

DUIN, Steve; RICHARDSON, Mike. Comics Between the Panels. Milwaukie: Dark Horse Comics, 1998.

EISNER, Will et al. Will Eisner’s Shop Talk. Milwaukie: Dark Horse, 2001.

EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ELLIS, Jonathan. Interview: James Jean. Disponível em: <http://www.popimage.com/content/jamesjean2005.html> Acessado em:

31 de maio de 2008.

EVAINER, Mark. Kirby The King of Comics. New York: Abrams, 2008.

FRANK Miller’s The Art of Sin City. Milwaukie: Dark Horse, 2002.

FRIGERIO, Rossella. Flourishing Spaces. Disponível em: <http://magazine.chictoday.com/issue016/jamesjean/jamesjean.php>

Acessado em: 1 de junho de 2008.

GRANT, Steve. The first Graphic Novel. Comic Book Resources. Disponível em: <http://www.comicbookresources.

com/?page=article&id=15123> Acessado em: 15 de maio de 2008.

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os quadrinhos. São Paulo: Conrad Editora, 2006.

HARVEY, Robert C. The Art of the Comic Book – An aesthetic history. Mississippi: University Press, 1999.

HEER, Jeet; WORCESTER, Kent. Arguing Comics – Literary Masters on a Popular Medium. Mississippi: University Press of

Mississippi, 2004.

HOW to Draw: Storytelling – The Best of Wizard Basic Training. New York: Wizard Entertainment, 2006.

JAMES Jean.com. Disponível em: <http://www.jamesjean.com> Acessado em: 22 de maio 2008

JANSON, Klaus. The DC Comics Guide to Inking. New York: Watson-Guptill, 2003.

JANSON, Klaus. The DC Comics Guide to Penciling. New York: Watson-Guptill, 2002.

JONES, Gerard. Homens do Amanhã. São Paulo: Conrad Editora, 2006.

KANE, Brian. Hal Foste: Prince of Illustrators, Father of the Adventure Strip. Clinton: Vanguard Productions, 2001.

KIDD, Chip; SPEAR, Geoff. MYTHOLOGY. The DC Comics Art of Alex Ross. New York: Pantheon Books, 2003.

KLEIN, Todd. How it All Began. Disponível em: <http://kleinletters.com/LetteringTop.htm> Acesso em: 15 de novembro de 2007.

LAMBIEK.net. Disponível em: <www.lambiek.net> Acessado em: 25 de maio de 2008.

MARTIN, Gary. The Art of Comic Book Inking v2. Milwaukie: Dark Horse, 2002.

MARTIN, Gary. The Art of Comic Book Inking. Milwaukie: Dark Horse, 1997.

McCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books do Brasil, 2005.

McCLOUD, Scott. Making Comics. New York: Harper Collins, 2006.

MEADOWS, Joel; MARSHALL, Gary. Studio Space. Califórnia: Image Comics, 2008.

O’NEIL, Denis. The DC Comics Guide to Writing Comics. New York: Watson-Guptill, 2001.

OS Super-Heróis dos Quadrinhos. Discovery Channel, 2002.

RAMEY, Bill. Batman on Film. Disponível em: <http://www.batman-onfilm. com/.html> Acessado em 6 de junho 2008.

ROBINSON, Tasha. Frank Miller. Disponível em: <http://www.avclub.com/content/node/24216> Acessado em: 17 de

maio de 2008.

ROSENKRANZ, Patrick. Rebel Visions. Washington: Fantagraphics Books, 2008.

SABIN, Roger. Comics, Comix & Graphic Novels. New York: Phaidon, 2003.

SALISBURY, Mark. Writers on Comics Scriptwriting. London: Titan Books, 1999.

SALISRBURY. Mark. Artists on Comic Art. London: Titan Books, 2000.

SCHUMER, Alen. The Silver Age of the Comic Book Art. Portland: Collector’s Press, 2003.

SIMONSON, Louise. DC Comics Covergirls. New York: Universe Publishing, 2007.

262 263

SPURGEON, Tom. Alex Toth, 1928 – 2006. Comics Reporter. Disponível em: <http://www.comicsreporter.com/index.php/cr_

sunday_magazine052806/> Acessado em: 28 de maio de 2008.

STAPLES, Brent. Jack Kirby, a Comic Book Genius, Is Finally Remembered. New York Times Disponível em: <http://www.nytimes.

com/2007/08/26/opinion/26sun3.html?_r=3&th&oref=slogin &oref=slogin> Acessado em: 23 de maio de 2008.

STARKINGS, Richard; ROSHELL, John. Comic Book Lettering: The Comicraft Way. Los Angeles: Active Images, 2003.

SUPERMAN: Cover to Cover. New York: DC Comics, 2006.

THE Art of Marvel. New York: Marvel Comics, 2003.

THE Comics Journal Library V. 2: Frank Miller. Seattle: Fantagraphics Books, 2003.

The Yellow Kid on the Paper Stage. Disponível em: <http://xroads.virginia.edu/~MA04/wood/ykid/intro.htm> Acessado em: 22 de

maio de 2008.

VARNUM, Robin; GIBBONS, Christina T. The Language of Comics Word and Image. Mississippi: University Press of Mississippi, 2001.

VERGUEIRO, Waldomiro. A trajetória de Frank Miller – A história de um dos criadores da Nona Arte. Omelete. Disponível em:

<http://www.omelete.com.br/quad/100004698/1_trajetoria_de_Frank_Miller.aspx> Acessado em: 8 de março de 2008

WEINER, Stephen. Faster Than a Speeding Bullet: The Rise of the Graphic Novel. New York: Nantier, Beall e Minoustchine, 2003.

WIZARD #193. New York: Wizard Entertainment 2007.

WIZARD #57. New York: Wizard Entertainment, 1996.

WOOD, Brian. Public Domain. New York: Global Design Unit, 2002.

BARTHES, Roland; et al. Análise Estrutural da Narrativa. Rio de Janeiro: Editora Vozes,1973.

BAZIN, André. What is Cinema? Volume 1. Los Angeles: University of California Press, 2005.

BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin; STAIGER, Janet. The Classical Hollywood Cinema. New York: Columbia University Press, 1985.

BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. Film Art An Introduction. 7th Ed. New York: McGraw-Hill, 2003.

CAPUTO, Tony C. Visual Storytelling: The Heart and Technique. New York: Watson-Guptill Publications, 2003.

narrativa e cinema

ilustração e arte

CAMPBELL, Eddie. Alec: How to be an artist. London: Eddie Campbell Comics, 2001.COLI, Jorge. O que é arte. 13a edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.FENNER, Cathy; FENNER, Arnie. Spectrum 13 - The Best in Contemporary Fantastic Art. Nevada City: Underwood Books, 2006.FENNER, Cathy; FENNER, Arnie. Spectrum 14 - The Best in Contemporary Fantastic Art. Nevada City: Underwood Books, 2007.GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão – Um Estudo da Psicologia da Representação Pictórica. São Paulo: Martins Fontes, 1986.HELLER, Steven; ARISMAN, Marshall. Inside the Business of Illustration. New York: Allworth Press, 2004.ITTEN, Johannes. The Art of Color. New York: John Wiley & Sons, 2004.JEAN, James. Process Recess V.2 – Portfólio. Richmond: ADHouse Books, 2007.JEAN, James. Process Recess: The Art of James Jean. Richmond: ADHouse Books, 2005.

CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem Secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006.

EISNER, Will. Graphic Storytelling & Visual Narrative. Florida: Poorhouse Press, 2002.

GAUDREAULT, André; JOST, François. El Relato Cinematográfico. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1995.

KOLKER, Robert. Film, Form and Culture. Disponível em: <http://userpages.umbc.edu/~landon/Local_Information_Files/Mise-en-

Scene.htm> Acessado em: 4 de junho de 2008.

THOMPSON, Kristin. Storytelling in the New Hollywood. London: Harvard University Press, 2001.

TODOROV, Tzevetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2006.

TRUFFAUT, François. Hitchcock Truffaut. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico. 3a Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2005.

história

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

264

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo