26
53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo pelo qual toda a criança passa. É a forma pela qual a sociedade, organização e estrutura do conjunto complexo de grupos sociais, vai socializar e preparar a criança para a sua autonomia. A educação procura gerar cidadãos morais, inteligentes, que possam emitir juízos coerentes e racionais. Assim sendo a educação tem dois papeis, socialização e autonomia que envolvem não só anos de trabalho como metodologia e investigação. Porém, em tantos anos de investigação, qual será o melhor método para educar crianças, para o desafio do multiculturalismo? O método apontado por Lipman para desenvolver as habilidades do pensar é a Comunidade de Investigação. Pois como salienta Lipman na obra O Pensar na Educação: A comunidade de investigação determina condições que evocam o pensar crítico e o criativo, e estes pensamentos, por sua vez, aprofundam os objectivos tanto da comunidade quanto dos seus membros. (2001, 303) O que se pretende é que a criança participando de uma Comunidade de Investigação na sala de aula, de forma espontânea e criativa, desenvolva as suas habilidades cognitivas ao ponto de serem auto-conscientes mas também auto-correctivas. Onde a criança é o centro e não o professor. Afinal o que se entende por Comunidade de Investigação? Como chegou Lipman a ela?

Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

53

Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação

1. Comunidade de questionamento A educação é um processo pelo qual toda a criança passa. É a forma

pela qual a sociedade, organização e estrutura do conjunto complexo de

grupos sociais, vai socializar e preparar a criança para a sua autonomia.

A educação procura gerar cidadãos morais, inteligentes, que possam

emitir juízos coerentes e racionais. Assim sendo a educação tem dois

papeis, socialização e autonomia que envolvem não só anos de trabalho

como metodologia e investigação. Porém, em tantos anos de

investigação, qual será o melhor método para educar crianças, para o

desafio do multiculturalismo?

O método apontado por Lipman para desenvolver as habilidades do

pensar é a Comunidade de Investigação. Pois como salienta Lipman na

obra O Pensar na Educação:

A comunidade de investigação determina condições que

evocam o pensar crítico e o criativo, e estes pensamentos,

por sua vez, aprofundam os objectivos tanto da comunidade

quanto dos seus membros. (2001, 303)

O que se pretende é que a criança participando de uma Comunidade de

Investigação na sala de aula, de forma espontânea e criativa, desenvolva

as suas habilidades cognitivas ao ponto de serem auto-conscientes mas

também auto-correctivas. Onde a criança é o centro e não o professor.

Afinal o que se entende por Comunidade de Investigação? Como chegou

Lipman a ela?

Page 2: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

54

A ideia vem de Charles Sanders Pierce que embora seja “restrita

aos profissionais da investigação científica” o termo “teve seu sentido

ampliado a fim de incluir qualquer tipo de investigação, científica ou não

científica”. (2001, 31) O que influenciou Lipman não foi o pensamento de

Pierce, mas a caracterização do processo de investigação e o valor que

ele atribui à comunidade nesse processo. (Cfr. 1999a, 102).

O que pretende Lipman é partir da dúvida e da ausência de

respostas a priori, exactamente o que Pierce defende no processo de

investigação que:

“Ela apoia-se na experiência e tenta firmar uma crença

que se substitua ao estado de dúvida inicial. Esta crença,

por sua vez, é submetida à dúvida que gera uma contra-

argumentação ou uma nova prova empírica que a

questiona.” (Ibid)

O progresso da investigação é progressivo no que respeita à

quantidade das crenças estabelecidas no progresso de investigação. “É

preciso cultivar um processo de investigação sem limites nem obstáculos

na fixação de crenças cada vez mais sólidas.” (1999a, 104) Nesta

perspectiva o pioneiro de FpC vê a comunidade como o ponto de partida

e de chegada do diálogo da aventura de cada investigação na filosofia.

Sendo que para Peirce a investigação “é que almeja descobrir suas

próprias franquezas e corrigir o que é falho em seus próprios

procedimentos.” (2001, 179)

A prática filosofia entendida como diálogo colectivo sem fim

pretende, além da vontade de saber e o questionamento incomensurável,

a colocação de todos os elementos da Comunidade de Investigação a

Page 3: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

55

procurarem meios de pensamento colectivo regrados por uma

comunidade dotada de sentido.

A noção de Comunidade de Investigação para Lipman e seus

colaboradores é “a constância da exploração auto-correctiva de temas,

que ao mesmo tempo percebe-se que são algo problemático e

importante.” (1992, 40). Como está investigação requer rigor intelectual, é

aplicada na sala de aula para que, “a sua prática se converta em

comunidade reflexiva que, pensa nas disciplinas existentes no mundo e

sobre o pensamento do mundo.” (Ibid)

Esta comunidade identifica-se com o grupo perfeito na perspectiva

de um grupo constituído por crianças ou jovens onde sabem escutar-se

uns aos outros, fomentar a tolerância e o respeito à diferença. (Cfr, in

1996, 962) Onde o importante é conhecer várias perspectivas e

desenvolver o pensar não sendo imperativo, e citamos Alte da Veiga,

“propriamente o consenso mas o lugar que é dado à palavra reveladora

de cada qual”. (Ibid).

Na obra La Filosofia en la aula (tradução castelhana), Lipman

salienta que não se pode descartar a ideia de poder encontrar

comunidades dentro de outras comunidades, isto é “descobrir que pode

haver comunidades dentro de outras mais vastas, e estas dentro de

outras ainda maiores”, mas para isso é necessário que “todas mantenham

igual fidelidade aos mesmos procedimentos de investigação”. (Ibid) A FpC

só é realizável em Comunidade de Investigação, tendo esta que estar

bem alicerçada para que seja possível garantir a segurança de cada

Page 4: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

56

indivíduo na sala de aula, para que os diálogos e as discussões não

sejam superficiais e não ousarem vislumbrar o que há sob o exterior.

A investigação desenvolve-se através do interesse dos alunos que

se convertem em investigadores de conceitos ou temas que, por sua vez,

devem ser adequados ao interesse da comunidade. Estamos perante

uma aprendizagem onde os alunos são activos, investigadores, onde

cada um tem responsabilidade pelo seu pensamento. Sendo que este

“processo é internalizado pelos participantes, estes passam a pensar em

movimentos que se assemelham aos procedimentos. Eles passam a

pensar como o processo pensa.” (2001, 32) No entanto, isso só pode

suceder se levarmos as crianças, desde cedo, a participarem de uma

Comunidade de Investigação comprometida com o princípio de auto-

correcção e a dialogar dentro da tradição filosófica. Esse diálogo não só é

caracterizado pela comunidade mas também pela responsabilidade e

compromisso individual.

1.1. Objectivos e critérios

Para entender-se o que é e como funciona a Comunidade de

Investigação, como processo, tem que conhecer-se os seus objectivos,

que segundo Lipman são quatro.

Obter um produto a partir de um julgamento é o primeiro objectivo

da Comunidade de Investigação como processo, pode parecer parcial ou

experimental mas não tem importância para o que se pretende. O

Page 5: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

57

segundo remete para um sentido de direcção, ou seja existe um

movimento conduzido pelo argumento. O terceiro é o diálogo, na medida

em que o processo não é mera conversa ou discussão, mas sim é

diálogo, obrigando-a a possuir uma estrutura. O debate é orientado por

normas. O quarto objectivo consiste em utilizar o processo para

operacionalizar e implementaras definições do pensar crítico e criativo,

isto é observar como a criatividade e a racionalidade se aplicam à

Comunidade de Investigação. (Cfr. 2001, 331-332)

Para que os objectivos da Comunidade sejam alcançados são

necessários critérios. Critérios que levam ao funcionamento autentico e a

sua autenticidade. Os critérios que serão abordados têm como base as

obras, de Lipman, La Filosofia en la aula e O Pensar na Educação, assim

como o artigo Preparando-se para filosofar (1999ª, 23-83) de Tom

Jackson e Linda Oho.

A abordagem a uma Comunidade reflexiva de Investigação envolve

necessariamente um espaço onde exista:

- segurança no sentido intelectual,

- alegria/diversão,

- respeito pelas pessoas,

- qualquer pergunta é bem vinda,

- aprecia-se a diversidade de pontos de vista,

- escutar é tão importante quanto falar/ esperar pela

sua vez,

- a comunidade estabelece as suas próprias regras,

- todos estão prontos para contribuir.

A Comunidade deve apresentar-se como um lugar onde existe

reconhecimento explícito e que “a excelência cognitiva conta tanto com a

criatividade quanto com a racionalidade” (2001, 41-42) sendo usada para

Page 6: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

58

decidir se uma discussão foi ou não bem sucedida. Esse lugar, como

Comunidade reflexiva de investigação é co-investigação, isto é ninguém

no grupo conhece a resposta, nem para onde irá a investigação. Porém

esta apresenta um componente auto correctivo.

Intelectualmente seguro porque todos os elementos da

comunidade, alunos e professores, sentem-se livres para fazer qualquer

pergunta ou observação, sem que seja quebrado o respeito pelos outros.

“A ideia de comunidade incorpora a importância da pergunta, da escuta

cuidadosa e da participação atenta de todos os membros da

comunidade.” (1999b, 74). O que significa que as pessoas são amáveis,

sabem perdoar, quando é necessário, importando-se umas com as

outras. Onde não existe murmuração, insulto, ironia ou mal dizer. Os risos

são verdadeiros e derivam da partilha de ideias e brincadeiras. Assim

como as regras que existem são poucas e justas, criadas pelos

elementos da comunidade.

É critério, também, dar a palavra uns aos outros para que exista

um equilíbrio na investigação, quando há no grupo um ou outro aluno que

dominam o diálogo o professor terá que criar condições para que isso não

prejudique o empenho da turma. Essas condições podem ser regras

criadas por todo o grupo da comunidade, para que exista a consciência

de quanto é importante darmos oportunidade a que todos exponham o

seu pensamento. Passar a palavras uns para os outros é também saber

respeitar a opinião do outro. Critério fundamental na comunidade.

Page 7: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

59

Tom Jackson e Linda Oho sugerem ao professor que junto com os

alunos crie um jogo de siglas para que não exista ameaça no decorrer do

diálogo/discussão, analisemos os seus exemplos:

“Alguns professores inventaram a sigla MAP (mais

alto por favor). Crianças que falam muito baixinho

alçam a voz imediatamente quando ouvem PIMBA.

Quando alguém não entende alguma coisa pode-se

dizer NEN, e quando há mais de uma pessoa falando

ao mesmo tempo, SUPF.” (1999b, 77)

O que significa PIMBA é mais alto, por favor, ou seja, não se ouviu

o que alguém acabou de dizer. Por NEN quer dizer não entendo nada, o

objectivo dessa sigla é levar os alunos a serem capazes de salientarem

que não entenderam. SUPF quer dizer só um por favor. É essencial para

quando são vários a falar ao mesmo tempo.

Além destas existem outras:

CPF: Comecemos, Por Favor.

OV: Outra vez. (este pode ser usado quando a sigla

PIMBA e NEN não funcionam)

PPP: Próxima Pergunta, Por Favor.

VEF: Vamos Em Frente.

MP: Momentinho, Por Favor.

FC: Fiquem Calados. (Cfr. 1999b, 78)

Cada Comunidade de Investigação pode criar as suas próprias siglas,

estas só foram um exemplo, desde que sejam compreendidas e aceites

por todos os elementos; assim como devem manter-se não estando

constantemente a alterar o que foi decidido num dado momento.

Não menos importante que os critérios analisados anteriormente é o

critério da escolha das ferramentas de trabalho na comunidade. A

comunidade em reflexão de investigação é possuidora de uma caixa de

Page 8: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

60

ferramentas31 para bem pensar que, é tida em conta no diálogo/discussão

do grupo.

Por fim, o ultimo critério, que não é sinónimo de menos importante

nem a ter em conta em ultimo lugar, mas que faz sentido aborda-lo depois

de saber que critérios para o trabalho, sendo que este é que critérios para

avaliar o trabalho. Sugere-se que a Comunidade de Investigação faça a

sua própria avaliação depois de cada investigação. Esta é direccionada

para duas componentes: Comunidade uma e investigação outra. Assim a

avaliação é realizada através das seguintes questões ou critérios:

Como funcionamos como comunidade?

1. Vocês escutaram-se correctamente?

2. Tu participas-te?

3. Foi um lugar seguro para ti?

E como foi a investigação?

1. Conseguimos manter o tema em discussão ou

falamos de outras coisas?

2. Seguimos o plano de discussão e os exercícios?

Foram esclarecidas todas as ideias? Fez-se

inferências?

3. Aprendeste algo novo?

4. Foi interessante? Divertiste-te? (Cfr. 1999b, 81)

Perante estes critérios a Comunidade está pronta para tentar obter os

seus objectivos.

Do pensar sobre o pensar, do respeito mútuo, onde a investigação

filosófica oferece os instrumentos intelectuais, a pergunta, o escutar

curioso e atento são importantes para participar de forma orientada e

31 Temática analisada no capítulo dois.

Page 9: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

61

coerente na Comunidade de Investigação proposta, por Lipman, par levar

acabo a FpC.

No caso da Comunidade de Investigação de FpC não existe

paradigmas dados, é a própria filosofia em verdade, a mãe dos

paradigmas.

“A filosofia não se ocupa principalmente de

encontrar as respostas correntes, mas de inventar

boas perguntas. E só o indivíduo pode inventar

perguntas, não o grupo ou a comunidade” (1999d,

94).

A investigação pelo questionamento, nomeadamente pelo diálogo, leva os

alunos a pensarem sobre o significado das palavras e nas consequências

das suas opiniões, assim como nas suas acções. A propósito disto

Martínez diz o seguinte:

“Num mundo onde a conexão intercultural é

cada vez mais, devemos eticamente criar discursos

conciliadores e neutros onde se afirme que

nenhuma opinião ou crença é intrinsecamente

superior a outra.” (1993, 83)

Sobretudo, porque estão a participar activamente nos temas em

discussão, começando a vivenciar a relação entre teoria e a prática.

A investigação em comunidade é a antítese do mero procurar a

resposta que o professor possa dar. As crianças precisam de desenvolver

alguns hábitos, por isso “pensar por si mesmo implica atenção aos

interesses e pontos de vista próprios das crianças, requisito prévio para

apresentar a filosofia de forma atraente.” (1992, 115) Assim, transforma-

se a sala de aula em Comunidade de Investigação, onde surge um

compromisso com o próprio processo de investigação por parte de cada

Page 10: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

62

um dos elementos da sala de aula. Sem esse compromisso,

provavelmente, não estaríamos perante um lugar seguro, onde se

revelaria o grupo perfeito, a “autenticidade da nossa identidade” (in 1996,

962). Mas sim perante a intolerância, a disputa, a falta de atenção e o

egoísmo.

2. A Sala de Aula como Comunidade de

Investigação

As crianças e os jovens ao longo dos tempos vêm sendo, cada vez

mais activos, as exigências que a sociedade lhes coloca, as influências

dos mass média, leva-os a não empenharem-se nas aulas onde o

professor tenta dar o seu melhor. A aula tradicional, onde o professor

expõe a matéria, decide quando e qual o aluno que deve intervir, tem

dificuldades de interessar aos alunos, de coloca-los a investigar a

desenvolver as suas habilidades do pensar crítico e criativo. É uma aula

que não serve para praticar a Comunidade de Investigação, que nunca

alcançará os objectivos pretendidos; pois como diz Martínez: “um dos

principais objectivos de um bom método pedagógico é procurar

mecanismos que ajudem a transformar a aula em algo vivo e

enriquecedor, não só para os alunos como também para os professores.”

(in 1993, 76)

Nesse caso, a aula tradicional serve para aprender a fazer filosofia

com crianças e jovens. Só a prática de uma aula “em comunidade viva e

Page 11: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

63

dialogante é que prepara a criança para quando adulta não descriminar a

pessoa pela cor, formação cultural ou ideologia. (1992, 83) Se for possível

conseguir isso, diz Lipman que estar-se-á perante um mundo muito

melhor, mais humano e pacífico. No entanto só se consegue numa sala

de aula onde se pratica uma investigação sólida e profunda ao nível das

habilidades dos alunos. Lipman tem o cuidado de explicar que é na aula

de FpC que se aceita, da mesma forma, com respeito, tanto um pensador

lento de argumentos sólidos como a criança que pensa rápido e

claramente. Isto também acontece com as crianças que chegam a um

raciocínio analítico, e as que chegam através da forma intuitiva ou

espontânea. (Cfr. 1992, 76).

Quando falamos de sala de aula não podemos estar a imaginar a

sala de aula com uma escrivaninha do professor na frente e os alunos

sentados em filas ordenadas voltados para o professor, que transmite

conteúdos e ainda mensagens relativas ao poder e à autoridade na sala.

O professor deve transmitir, de certa forma, harmonia e solidariedade aos

alunos, colocando-se sempre que possível em círculo, onde se observem

uns aos outros, sem ninguém estar de costas voltadas para outro.

Permitindo o pleno contacto visual. Esta posição, acaba por motivar

crianças e jovens a participar no diálogo, não se distribuindo com tanta

facilidade. O círculo simboliza, também, a unidade da comunidade de

questionamento. Assim, as crianças ou os jovens, juntamente com o

professor poderão iniciar uma investigação através do diálogo.

Na sala de aula pretende-se um trabalho digno e em conjunto, para

que, esta funcione adequadamente. Analisemos três tipos de situações

Page 12: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

64

que podem suceder, sendo que uma não é aceitável, outra apresenta-se

como favorável e a terceira a óptima:

“Com certeza que a mais indesejável é a aula

onde os estudantes têm receio de participar

perante o professor com medo de perder o seu

afecto ou respeito. De alguma forma, o professor

não foi capaz de transmitir o quanto os respeita,

independentemente de estarem ou não de acordo

com ele.

Uma situação mais favorável é aquela onde

os estudantes se sentem mais livres para

discutirem temas abstractos, no entanto têm muito

cuidado para não dizerem ou insinuarem algo que

poderia opor-se aos valores que pensa que a

professor tem.

A situação óptima, com certeza, é aquela

onde os estudantes têm a suficiente confiança no

professor como para criticarem os seus métodos

ou valores, porque sabem que o professor ouvirá

essas criticas de forma justa.” (1992, 176).

O professor tem de ser capaz de respeitar as opiniões dos alunos,

e estes devem saber expor o seu pensamento, pois tanto os professores

como alunos são partes importantes de um todo, sala de aula, para que

exista a possibilidade de desenvolver pessoas respeitosas, livres e

solidárias tendo um “papel mediador entre a família e a sociedade ou

entre a formação cultural ou étnica específica de cada indivíduo e da

sociedade como um todo.” (2001, 359) Mas, o que se pode fazer na sala

Page 13: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

65

de aula? O que se pode utilizar para a formação de uma Comunidade de

Investigação na sala de aula?

O exemplo escolhido para apresentar é aquele que é mais usual

nas Comunidades de investigação, sendo que, podem utilizar-se outros.

São cinco os momentos, apresentados por Lipman, a utilizar na prática do

pensar na sala de aula convertida em comunidade de questionamento. O

primeiro momento diz respeito à apresentação do texto filosófico32, o

segundo consiste na elaboração da agenda, como fortalecer a

comunidade é o terceiro momento da aula, como quarto vem a utilização

de exercícios e planos de discussão e por fim estimular respostas

adicionais. Este plano de aula não tem que ser comprido numa só aula,

podendo retomar, na aula seguinte, o momento onde se ficou, para que

seja possível completar os momentos da investigação. Se isso acontecer

é conveniente que o professor faça um feed beac da aula anterior, ou que

pede a um aluno para o fazer. Depois continua no ponto em que ficou.

Os cinco pontos consistem no seguinte:

1º A apresentação do texto filosófico

1. Em forma de história, o texto serve como

modelo da Comunidade de Investigação;

2. O texto reflecte valores e realizações

passadas;

3. O texto como mediador entre a cultura e o

indivíduo;

4. O texto como objecto específico da

percepção e que contem algumas reflexões;

32 O texto filosófico é retirado da Novela Filosófica (ver segundo capítulo).

Page 14: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

66

5. O texto retrata as relações humanas da

maneira mais analisável possível para relações

lógicas;

6. Alternância de leitura em voz alta:

a) As implicações éticas de alternar

entre leitura e ouvir.

b) A representação oral do texto escrita.

c) A alternância como divisão do

trabalho: o início da Comunidade de sala

de aula.

7. Internalização gradual dos comportamentos

do pensador das personagens fictícias (por

exemplo, ler como uma personagem fictícia faz

uma pergunta pode conduzir uma criança

verdadeira a fazer a mesma pergunta na sala de

aula.

8. A turma descobre que o texto é significativo

e pertinente; utilizando os mesmo nos seus

discursos.

2º A elaboração da agenda

1. O levantamento de questões;

2. Identificação, por parte do professor, dos

nomes dos alunos que levantaram as

questões;

3. A elaboração da agenda como tarefa

colaborativa da comunidade;

4. A agenda como orientação das áreas de

interesse dos alunos;

5. A agenda como indicador daquilo que os

alunos consideram importante no texto e

como expressão das necessidades

cognitivas do grupo;

Page 15: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

67

6. Cooperação entre o professor e os alunos na

decisão de onde deve ser iniciada a

discussão.

3º Como fortalecer a comunidade

1. Solidariedade grupal através da investigação

dialógica;

2. A primazia da actividade sobre a reflexão;

3. A indagação, através da compreensão, da

articulação das divergências

4. O estímulo das habilidades cognitivas ( por

exemplo suposições, generalizações,

exemplificações) através da prática dialógica.

5. Aprender a utilizar instrumentos cognitivos

(exemplo: critérios, conceitos, algoritmos,

princípios, etc.)

6. A agregação das pessoas no raciocínio

cooperativo (exemplo: a partir das ideias de

um aluno, apresentam contra-exemplos ou

hipóteses alternativas).

7. Grupo trabalhando colectivamente, seguindo

o argumento para onde este conduz.

4º A utilização de exercícios e planos de discussões

1. Utilizar perguntas da tradição académica ( o

professor pode recorrer a formação

profissional);

2. Apropriação da metodologia da disciplina

pelos alunos;

3. Desabrochar para outras alternativas

filosóficas.

4. Encaminhar a investigação para discutir

ideias reguladoras sobrepostas como a

verdade, a comunidade, a pessoa, a beleza,

justiça, bondade, etc.

5º Estimular respostas adicionais

Page 16: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

68

1. Provocar respostas adicionais (o aluno

poderá apresentar a história de várias

maneiras: escrever a história, poesia, pintura,

desenho, etc.)

2. Reconhecer a síntese do crítico e do criativo

em relação ao individual e o público.

3. Enfatizar a percepção mais realçada do

significado que brota com o julgamento

fortalecido.

Neste seguimento, é pensada uma actividade prévia, pretendendo

estabelecer um ponto de partida comum ao início do diálogo filosófico. A

actividade visa um fim. Esta poderá servir para apelar a uma participação

individual ou grupal enquanto observa os vários recursos didácticos.

Pode, utilizar um exercício que introduza alguma habilidade cognitiva

que, prepara o segundo ponto (leitura de um texto).

Seguidamente, introduz-se a leitura do texto, caso se trabalhe com

crianças que ainda não sabem ler, deve-se criar estratégias alternativas a

leitura. Por exemplo a professora lê a história, para que as crianças

entendam, ou ainda, grava ou filma a leitura do texto. Poderá ainda,

apresentar cartazes com reforços icónicos nas palavras que se

pretendem enfatizar.

No terceiro ponto, as crianças devem determinar os temas, as

ideias ou os problemas que lhes pareçam mais significativos. Este

momento é o chamado Agenda, isto é: a educadora ou o professor vai

registando num quadro as questões levantadas pelas crianças, pela

ordem de intervenção, colocando, sempre, o nome do aluno entre

parêntesis à frente da questão explanada pelo mesmo. A pesar do aluno

Page 17: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

69

não saber ler, ele já sabe identificar o seu nome, o que leva o aluno a

sentir-se participativo da aula.

O quarto ponto foi preparado, de certa forma, pelos três pontos

anteriores, ainda que cada ponto seja importante por si mesmo. Neste

ponto, pretende-se criar um prática dialogada na qual os alunos

intercambiem as suas opiniões, explorando os fundamentos do que se

diz. Se a exploração for bem encaminhada - pela educadora -, “os planos

de discussão e exercícios, quando bem construídos, podem exprimir a

praxe da filosofia de modo aceitável e às vezes excelentemente.”(1999a,

113). O objectivo é levar a criança a reflectir sobre a sua própria

percepção do texto e da constituição da realidade. Como diz Martínez:

“a desenvolver o pensamento crítico: os participantes

vêm-se encaminhados a descobrir suposições, encontrar

contra-argumentos, formular hipóteses, descobrir regras,

(…) comprometendo-se com o processo de investigação

partilhada.” (19993, 72-73)

Uma discussão filosófica exige um plano que consiste num número

de perguntas, geralmente, lidam com um único conceito, ou relacionado

com um problema.

No último momento a educadora ou a professora deve ter o

cuidado de não apresentar uma resposta às perguntas que surgiram,

como se fosse o fechar de um círculo. A aula termina mas, a

problematização não tem que chegar ao fim, não tem que se encontrar

uma resposta para a discussão. Se isso acontecer então existe a

possibilidade de pensar-se que a Comunidade de Investigação, dessa

Page 18: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

70

aula, falhou. As crianças têm de deixar fermentar as ideias que brotam da

comunidade de questionamento. Quando muito, a professora pode

provocar uma avaliação individual ou colectiva do que se fez durante a

aula, mas só se os alunos se mostrarem interessados.

Os alunos perceberão que, embora não seja possível ou

conveniente chegar a uma única resposta verdadeira aos problemas

levantados, a discussão filosófica em comunidade permitiu-lhes um certo

desenvolvimento nas suas percepções, ganhando mais agilidade no

pensar. É evidente, que as crianças que praticam investigação na sala de

aula vão para casa, dispostas a continuar o questionamento e nem

sempre os pais lhes dão, porque não são capazes ou não têm tempo, a

atenção que eles necessitam.

3. A investigação como lugar para a cidadania

Desde sempre foi preocupação dos filósofos como Sócrates, Platão,

Aristóteles e Kant, entre outros, apresentarem teorias sobre os valores,

estudadas no ensino secundário e em alguns cursos universitários. Mas

até que ponto são compreendidas e reflectidas? De que forma é que os

alunos assimilam a questão dos valores? Até que ponto a escola fruto da

sociedade e a sociedade fruto da escola, consegue educar para os

valores? Que projectos educativos tem a escola, com todo o respeito que

merece, para a educação dos valores? Existe crise de valores ou não?

Page 19: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

71

Regista-se toda uma literatura interessada em abordar esta temática

crise de valores que pode assumir o significado de uma ausência, de

uma falta. Neste sentido, a crise de valores será preocupante e dá que

pensar porque não há convivência interpessoal e comunitária sem um

quadro estável e, pelo menos parcialmente, consensual de valores. O

pensador do século XIX Saint-Simon vê o tempo de crise como: “um

tempo especial em que se põe em causa a mundividência e estruturas

sociais anteriores, e se procuram novas estruturas e mundividências

satisfatórias.” (citado em 1995, 17)

Neste sentido, impõe-se, de facto, um diagnóstico da situação

actual, onde se constata que entre os motivos de preocupação contam-se

com o primado de uma razão técnico-científica que descura a reflexão

sobre as finalidades, para se ater apenas à produção de bens; o

individualismo e o narcisismo; a cultura de massas por oposição a uma

cultura crítica; a indiferença política das novas gerações, a insegurança e

a violência nos bairros, ruas, estádios e escolas; o racismo, a xenofobia,

as guerras étnicas. Confrontados com o clima social e cultural, cujas

notas mais relevantes se acabam de apontar, não resta senão perguntar:

como foi possível chegar a esta situação?

As escolas são teatros de indisciplina, problemas agudos na

socialização, na vida familiar, de informação e comportamento sexual.

(Cfr. In, 1995, 19) A derrota de um pensamento fundador e um enorme

vazio axiológico impedem a vivência digna tanto a nível individual como

em colectivo. “A estadia na escola pode ser em si mesmo um problema a

enfrentar, e um valor a clarificar e fundamentar” (in 1995, 19). Diz Alte da

Page 20: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

72

Veiga que são vários os aspectos onde, na escola, se podem trabalhar

para ultrapassar o problema:

“Trabalho em grupo, responsabilização, participação,

reflexão nos conselhos pedagógicos, frontalidade nas

questões, expressão crítica, amizade entre os colegas e

para com os professores, interesse pelos problemas

relacionados com a vida real, preocupação pela

abordagem crítica das situações, maior amplidão de

diálogo com os adultos e enriquecimento mútuo da

experiência.” (Ibid)

No seguimento dessa ideia está o trabalho em Comunidade

de investigação, uma educação dialógica, mas para se implantar

como já foi referido em pontos anteriores enquanto crianças, onde

são encorajadas a investigar, sobre o amor, integridade, verdade,

regras, padronização, respeito, justiça e liberdade entre outros. É um

processo que prepara as crianças e jovens para uma educação em

direcção a um estágio moral que desenvolverão para uma cidadania

melhor. O benefício de tal investigação torna-se na capacidade das

crianças responderem eticamente.

Este tipo de educação torna as crianças agentes morais. A

vida, continuamente dá exemplos de como se deve proceder. Além

de considerarmos a conveniência e consistência de nossas próprias

ideias e acções, temos também que estabelecer padrões morais.

Como agentes morais, temos que tentar estabelecer os nossos

juízos dentro de algum tipo de ordem, de forma que não haja

inconsciência que impeça a relação de todas as acções morais com

uma mesma harmonia. As crianças necessitam prática em perceber

Page 21: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

73

conexões entre o que dizem, o que pensam e o que fazem.

Precisam de se preparar para entenderem as coisas a partir de

várias perspectivas.

Necessitam de ter prática em reconhecer relações entre a parte

e o todo quando se referem a valores, a detectarem inconsciências e

avaliar situações. Assim como não se espera que um jovem ou

mesmo adulto torne-se num cantor da noite para o dia, não podemos

esperar que as crianças verbalizem decisões morais na sala de aula

antes que tenham adquirido as ferramentas intelectuais necessárias,

que são um pré-requisito para tal investigação.

Para que tal investigação seja adequada, Lipman e seus

colaboradores apresentam seis áreas a trabalhar:

1. a ambiguidade de “valores”;

2. o fortalecimento do carácter, particularmente em

relação à cidadania;

3. a aplicação de habilidades de raciocínio a valores

e a eventual incorporação da investigação de

valores em todas as matérias;

4. reconhecimento de que a avaliação é um aspecto

de toda tentativa humana e que perícia em

avaliação é uma das melhores realizações da

civilização;

5. o esboço da pedagogia apropriada à investigação

de valores em sala de aula;

6. sumário e conclusões.(1990, 74)

É natural que se comece por trabalhar a ambiguidade do termo

“valores”, pois o termo “valores” salienta-nos dois aspectos. No singular -

valor - remete para a qualidade ou importância de alguma coisa. Deste

modo, qualquer coisa é um valor, seja algo material ou abstracto,

Page 22: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

74

exemplo disso poderá ser uma pintura ou a liberdade. Num outro

aspecto, o plural - valores -, é usado para indicar a opinião de alguém

sobre algo importante. Neste caso, o segundo aspecto é mais importante

para a educação dos valores, já que é objectivo, “capacitar os estudantes

a reconhecerem o que, é digno de estima” (1990, 74). Não se pode

deixar de pensar numa questão que está ligada a esta temática; a

perenidade e a historicidade dos valores. Algo que permanece; ao longo

dos tempos, tornando os valores perenes, por outro lado, eles fazem

história, ao longo dos anos, o que significa que também se alteram. Posto

isto, a mudança dos valores dá-se na perenidade dos mesmos, ou seja,

“o que não era importante ontem pode tornar-se de extrema importância

amanhã”(Ibid).

A segunda área a tratar, alerta para a importância que tem, para

as crianças, observarem o que os adultos fazem e não o que dizem, isto

é, “directores e professores, bem como os pais, são modelos. Eles

mostram, pelo exemplo, como alguém deve agir, e as crianças

frequentemente fazem do mesmo modo.” (1990, 76). É como o provérbio:

Não olhes para o que eu faço, olha para o que eu digo. É fundamental

agir de forma cívica junto das crianças. “As escolas devem preparar os

estudantes para a cidadania fornecendo-lhes toda apresentação e

participação possível nos diversos procedimentos racionais que

caracterizam a sociedade adulta”. (1990, 79) Neste sentido, se a

sociedade deseja jovens educados em valores cívicos, é necessário que

as escolas apresentem um programa para o pensar crítico pois, melhora

a capacidade de raciocínio. Sendo que a democracia requer cidadãos

Page 23: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

75

pensantes, o pensar crítico é um meio necessário para concretizar esse

objectivo.

Os valores passam pelo aspecto afectivo, sendo neste sentido

subjectivos, obrigando a que se recorra às habilidades para desenvolver

os vários tipos de raciocínio e dessa forma se possam aplicar,

devidamente, às questões dos valores. Na perspectiva da FpC o recorrer

aos critérios da lógica é tão importante que, Lipman apresenta, na sua

obra: A filosofia vai à escola, um inventário de vinte e sete habilidades de

raciocínio, que só é possível com a lógica. O pioneiro chega mesmo a

dizer que ainda há muitas mais e que “os problemas de valores são

quase sempre muito complexos e não são assunto para uma habilidade

isolada” (1990, 81).

As Habilidades são:

1. fazer inferência a partir de premissas

isoladas;

2. padronizar frases da linguagem comum;

3. fazer inferências de premissas duplas;

4. usar a lógica;

5. trabalhar com a coerência e a contradição;

6. saber como lidar com ambiguidades;

7. formar questões;

8. compreender conexões de parte - todo e

todo - parte;

9. dar razões;

10. identificar suposições subjacentes;

11. trabalhar com analogias;

12. formular relações de causa e efeito;

13. desenvolver conceitos;

14. generalizar;

Page 24: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

76

15. fazer inferências de silogismos hipotéticos;

16. habilidades em reconhecer e evitar - ou

utilizar conscientemente - a imprecisão;

17. levar em conta todas as considerações;

18. reconhecer a interdependência de fins e

meios;

19. saber como lidar com “falácias informais”;

20. operacionalizar conceitos;

21. definir termos;

22. identificar e usar critérios;

23. apresentar exemplos concretos;

24. construir hipóteses;

25. contextualizar;

26. antecipar, prever e estimar consequências;

27. classificar e categorizar. (1990, 80-81)

Estas vinte e sete habilidades não são só aplicadas no raciocinar

sobre os valores, elas aplicam-se em qualquer outra coisa que exija

raciocínio. Para entendermos as relações da linguagem com o mundo é

necessário trabalhar o pensamento, ou seja, relacionar conceitos que nos

levam a juízos, assim como a relação entre os juízos nos dá raciocínios,

como já foi dito.

A avaliação como o foco da investigação de valores, também, é

área importante de toda esta questão complexa, que são os valores.

Quando os alunos na sala de aula, transformada em Comunidade de

Investigação, trabalham as acções que são realizadas com o fim de

seguir o argumento que as leve aos actos lógicos, estão a prosseguir as

deliberações que geram novas exigências, que por sua vez provoca uma

certa avaliação sobre o que é pensado e dialogado.

Page 25: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

77

Envolvidos na investigação, os alunos, avaliam os critérios, “o

modo como as pessoas de diferentes posições sociais decidem, de fato,

sobre questões de valores”. (1990, 83) Exemplo, porque razão se deseja,

ou prefere isto em vez de aquilo. À medida que vão avaliando, os alunos

interiorizam as regras, os critérios que através da realização de

inferências válidas, sujeitas aos procedimentos da investigação,

determinam a pluralidade de valores. Sem dúvida que, para se entender

e compreender a sua avaliação, Lipman salienta como é necessário que

na educação para cidadania “os jovens percebam que é a esses

procedimentos que se tem de recorrer, pois representam a racionalidade

social que os estudantes têm que internalizar.” (1990, 84).

Deste modo, o objectivo pedagógico da educação dos valores será

levar as crianças a pensarem na linguagem dos valores, seguindo o

método da discussão. A educação para a cidadania, não pode deixar de

ser, uma garantia da democracia e só pode realizar-se em contextos

experimentais, onde a opinião de cada um tem o seu espaço, sem que

aniquile a opinião do outro. Diz respeito a todas as instituições de

socialização, de formação e de expressão da vida pública mas, sem

dúvida, está nas mãos dos sistemas educativos desenvolverem, nas

crianças e nos jovens, os saberes e as práticas duma cidadania coerente.

Para que seja possível trabalhar com crianças e jovens uma

cidadania responsável perante si mesmo e os outros, consciente de

deveres e direitos, Lipman escreveu uma série de novelas filosóficas,

como programas a serem utilizados em sala de aula de investigação,

tanto para a temática em questão como para outras. Pensadas em

Page 26: Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade ... · 53 Sub Capítulo II – Comunidade de Investigação 1. Comunidade de questionamento A educação é um processo

78

desenvolver as habilidades cognitivas do pensar. Não ficando só pela

análise da sociedade e do comportamento dos jovens, nem do trabalha

de investigação necessário na sala de aula. Criou, assim, um vasto

material didáctico a utilizar nas Comunidades de Investigação.