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www.sinprors.org.br/textual apoio O preço da corrupção para o Estado e para a sociedade a partir de estudos internacionais sobre o assunto Suborno n Ócio O aproveitamento do tempo livre nem sempre é encarado com criatividade. Uma reflexão sobre o tema sob os olhos da ciência Educação inclusiva: os dilemas e as problemáticas relacionadas à inserção de portadores de necessidades especiais nas escolas regulares artigo TextuaL S ETEMBRO 2 0 0 5 | VOL 1 | N º 6 TextuaL x ISSN 1677-9126

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O preço da

corrupção para o

Estado e para a

sociedade a partir

de estudos

internacionais

sobre o assunto

Suborno

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O aproveitamento

do tempo livre nem

sempre é encarado

com criatividade.

Uma reflexão sobre

o tema sob os

olhos da ciência

Educação inclusiva: os dilemas e as problemáticas relacionadas à inserção de portadores de necessidades especiais nas escolas regularesartigo

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Textual / Fundação Cultural Assistencial Ecarta.

v.1, n.1 (nov./2002). – Porto Alegre: Fundação Ecarta, 2002.

v.: 22x26 cm

Semestral

ISSN 1677-9126

11. Educação-periódicos 2. Ensino privado-periódicos I.

Fundação Cultural e Assistencial Ecarta.

CDU: 37(05)

Instituída em dezembro de 2003, pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), a

Fundação Cultural e Assistencial Ecarta é uma organização jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e que tem como

missão a formação de cidadãos competentes, críticos, criativos e solidários, por meio do efetivo exercício da cidadania. O

lançamento público da entidade ocorreu em maio de 2004, em Porto Alegre.

A Fundação Ecarta tem entre suas finalidades a promoção e apoio de ações no campo da educação, cultura, recreação e

desporto, assistência, ciência e tecnologia. Para a concretização dos empreendimentos culturais e assistenciais, a Fundação

Ecarta conta com o apoio do Sinpro/RS, dos professores e da comunidade em geral. Informações da Fundação podem ser

obtidas pelo telefone 51.3226-1319.

Bibliotecária responsável: Melissa Martins CRB10/1380

Indexada ao CIBEC/INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Fundação Cultural e Assistencial Ecarta

Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul

Diretoria Executiva Nei Lisboa Amarildo Pedro CenciPresidente – Marcos Júlio Fuhr Walter Galvani Sani Belfer Cardon Vice-presidente – Renata Cerutti

Solon ViolaDiretora Geral – Valéria Ochôa Clarice Bau PortoRicardo FranzoiPresidência do

Conselho FiscalConselho Curador: João Ignácio Lucas Presidente – Sani Cardon Celso F. Stefanoski

Darci ZanfelizVice-presidente – Clarice Bau Porto Claudio Darci GresslerCelso Woyciechowski Conselho Curador

Antonieta Mariante José FortunatiSônia Zanchetta

S U M Á R I O

EXPEDIENTE

A Revista Textual é uma publicação da Fundação Cultural e Assistencial Ecarta com apoio do Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – SINPRO/RS. Avenida João Pessoa, 943Porto Alegre / RS CEP 90040-000Tel 51 3226-1319

RedaçãoFones: (51) 3211-1900 Fax: (51) 3211-2628www.sinprors.org.br/[email protected]ão: Nova ProvaTiragem: 5.000 exemplares

Coordenação

Geral

Edição Executiva

Conselho editorial

Fernando Becker,

Jaime Zitkoski, Jorge

Campos, Dagoberto

Nunes de Ávila,

João Paulo Pooli,

Marcos Júlio Fuhr, César

Fraga, Valéria Ochôa,

Celso F. Stefanoski

Revisão

Fotografia

Ilustrações

Projeto Gráfico e Edição Gráfica

Editoração

Valéria Ochôa

Valéria Ochô[email protected]

César [email protected]

Gabriela Koza

René Cabrales

Tânia Meinerz

Eduardo Oliveira

Rogério Nolasco Souza

EML Design

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores

Aos leitores

10 ÓCIO tempo livre com criatividadeIEDA RHODEN

ensaios

alunos portadores de necessidades especiaisINCLUSÃOBENTO SELAU6

dinâmica do meio educacional

CORRUPÇÃO quanto custa para o país?ECLEIA CONFORTO36

28 CÂMERAS NAS ESCOLAS pedagogia da desconfiançaFERNANDO BECKER E TANIA BEATRIZ IWASZKO MARQUES

22 MONITORAMENTO DO TRABALHO vigilância eletrônica

o professor e o mundo da escola

LUCIANE LOURDES WEBBER TOSS

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Envie suas cartas para [email protected] ou endereço vide expediente

Trabalho em EaD

Tenho acompanhadoAcessei a Revista Textual

Acho fundamental

preconceito, que muitas quiser ver. Não há melhor

vezes parte dos próprios laboratório do que a e gostaria professores. realidade. que o tema fosse abordado

Paulo Assunção Menezesmais vezes em Textual. Por Cármen GomezPai de aluno portador de Professora – São Paulotratar-se de uma modalidade necessidades especiais– São Leopoldonova de educação, com

muito ainda a ser trilhado e

regulamentado, gostaria que a o assunto fosse novamente revista pela internet, porque pela internet e fiz o abordado a partir do projeto obviamente aqui em Minas download dos artigos. Muito de Reforma Universitária. interessante o ensaio da Gerais ela não circula. Ainda há muitas dúvidas professora Darli Collares Mesmo assim, gostaria de sobre o futuro do setor. sobre construtivismo na parabenizá-los pela Margarete Alves última edição. A visão do longevidade e pertinência Monitora – Porto Alegre professor como um dos assuntos abordados e

investigador me fez perceber deixar a sugestão de que

que a pesquisa diária que fosse feito um artigo

o tema da inclusão seja fazemos, mesmo que de analisando profundamente a

abordado nessa revista, forma empírica, no nosso Reforma Universitária que principalmente quando se cotidiano. A bagagem de está em curso. Há, a meu experiência acumuladas, trata da inclusão de alunos ver, um certo avanço no que quando bem observadas e portadores de necessidades se refere à regulamentação analisadas, podem ser de especiais. Há a Lei, as do setor privado diante da uma riqueza ímpar. No texto políticas, as escolas, mas na

da pesquisadora, o que mais prática o que se vê é um legislação vigente. Mas, por

me chamou a atenção foi a despreparo da sociedade, outro lado, me parece que possibilidade de o cientista das escolas, dos governos, houve muto retrocesso no estar na sala de aula como dos professores para que está proposto se ator do próprio objeto a ser enfrentarem esse problema compararmos com as pesquisado, o que de frente e sem hipocrisia.

versões anteriores infelizmente, aos olhos da Não se trata de uma questão

divulgadas na imprensa. academia, nem sempre é que pode ser resolvida com

Será que o lobby das bem-visto. Mas afinal, o canetaços como vem sendo

instituições prevaleceu e próprio Piaget partiu de sua feito, mas com ações conseguiu dar um perfil mais afirmativas e concretas. São experiência com os filhos privatista para o projeto? milhares de crianças e para muitos dos seus Deixo para vocês essa jovens espalhados pelo escritos, o que valida cada provocação e meu desejo de Brasil que sofrem com essa vez mais esse raciocínio.

ausência de condições para Não raro a produção ver esse debate nas páginas o seu crescimento como acadêmica restringe-se ao de Textual, afinal ainda tem cidadãos de forma integrada cientificismo e ao labirinto o trâmite no Congresso se a à sociedade. Não precisa sem fim das referêncais poeira da crise política existir tratamento igual, mas bibliográficas e citações, baixar. adequado às necessidades enquanto a realidade e seus

Carlos Gonçalves Padilhada cada um, com respeito problemas estão vivos e Professor universitário – Belo às diferenças e sem Horizontepulsando lá fora para quem

Estudante de Comunicação e educadora

questõesfundamentais

Tenho acompanhado a todas as e-

dições da Revista Textual e gostaria

de saudar os artigos sobre a Saúde

do Professor e a Sobrecarga de Tra-

balho da última edição. José Ou-

teiral e Dagoberto Nunes de Ávila

foram muito felizes ao levantar, res-

pectivamente, questões que são fre-

qüentes na profissão do educador,

como o desgaste emocional e a ex-

cessiva carga horária dos professo-

res. Esses assuntos que a revista

vem aprofundando nos alerta de

que na maioria das vezes várias

questões não são levadas em conta

quando se fala dos problemas as-

sociados à profissão de educador.

Em ambos os textos, os autores não

buscam uma resposta, mas sim

compartilhar preocupações sobre

a situação, justamente a proposta

deste meio que busca ser um espa-

ço para a expressão. Mais uma vez,

Textual preocupa-se em agir como

fomentadora de debates sobre pro-

blemáticas fundamentais e sérias

para o trabalho de quem está inseri-

do no contexto educativo.

| MarthaSoares

Cdiretoria colegiada | Sinpro/RS

Escândalos envolvendo corrupção de políticos tomaram propor-

ções nunca antes vistas, expondo um cenário que torna urgente a

teorização e entendimento desse fenômeno em seus vários

aspectos. Prática que está presente em maior e menor grau em

todos os sistemas políticos, seja autoritário ou democrático, a

corrupção se apresenta ao longo da história do mundo sempre

impactando a vida política, moral e econômica dos Estados. Muito

debatida do ponto de vista ético, legal e moral, ela nem sempre

é vista sob o olhar da economia, justamente a esfera motivadora

da corrupção.

De acordo com o ensaio da economista Ecléia Conforto, publicado

nesta edição de Textual, a corrupção levou a China à estagnação

econômica, infestou a administração do Império Romano, difi-

cultou o desenvolvimento político da Grã-Bretanha e dos EUA,

além de ter acelerado o colapso da ex-União Soviética. Porém, a

economista afirma, baseada em estudos recentes, que nas últimas

duas décadas é possível observar uma movimentação mundial em

busca de solução ou minoração desse problema. As iniciativas para

combater a corrupção são várias: tratados e convenções firmados

entre países e blocos econômicos, que compreendem preocupa-

ções sobre o impacto desse fenômeno na democracia, justiça

social, desenvolvimento econômico, comprometimento do Estado

e estabilidade política.

Mas nem só de corrupção vive essa edição de Textual. As problemá-

ticas da educação escolar inclusiva para alunos portadores de

necessidades especiais é tema de artigo em que o professor Bento

Selau expõe uma análise da questão a partir de uma abordagem

histórica, que mostra como a humanidade vê os portadores de

necessidades especiais em diferentes épocas até os dias de hoje.

Ainda no universo escolar, instituições vigiam eletronicamente seus

profissionais por meio de câmeras e computadores, transformando

escolas e universidades em verdadeiros big brothers. Inaugura-se

uma nova modalidade de constrangimento e intimidação aos

docentes. Dois artigos tratam do assunto, o primeiro é da advogada

trabalhista Luciane Webber Toss, que aborda questão jurídica, e o

segundo, de autoria do professor Fernando Becker e da psicóloga

Tania Beatriz Iwaszko Marques, refere-se à questão pedagógica.

O ócio construtivo é o tema do ensaio da psicóloga e doutora no

tema Ieda Rhoden. Ela se baseou em vasta bibliografia para res-

gatar a essência do conceito “tempo livre”.

O custo da corrupçãoSexta edição

Boa leitura!

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Atualmente, debate-se sobre

uma proposta de educação

escolar inclusiva, que se

define por uma educação

escolar, na mesma sala

de aula, para todos os

alunos, independentemente

das diferenças que

possam apresentar

dinâmica do meio educacional

6REVISTA TEXTUAL setembro 2005

1 Mestre em Educação pela PUCRS. Professor pela Ufrgs e Colégio Sévigné.

:: bento selau | professor1::

atenção aos gruposEducação escolar inclusiva:

Escritos relacionados às pessoas que são

consideradas com necessidades especiais

não são recentes. Autores da Filosofia Clás-

sica já mencionavam esta inquietação, co-

mo, por exemplo, Platão (2000), que admi-

tiu o abandono ou a eliminação destes su-

jeitos, a fim de se conservar à raça humana

toda a sua pureza.

Através dos anos, a maneira de com-

preendermos deficientes, superdotados,

enfim, as pessoas ditas com necessidades

educativas especiais, tem se modificado,

porém, fala-se mais de inclusão hoje, mas

não se pode admitir que exclusão é algo que

passou, conforme afirmou Sassaki (1999,

p.31), como alguma situação que “ocorria”

na sociedade. Vê-se a enorme intenção

de incluir, mesmo na escola, mas se pensa

que nossa sociedade age de maneira am-

bígua e dupla, excluindo e incluindo ao

mesmo tempo.

Atualmente, debate-se sobre uma pro-

posta de educação escolar inclusiva², que se

define por uma educação escolar, na mes-

ma sala de aula, para todos os alunos, inde-

pendentemente das diferenças que possam

apresentar. O texto oferecido é provocado

pela pesquisa que se realizou na PUCRS

(Selau, 2005), relacionada à questão dos

grupos em educação escolar inclusiva, no

contexto das Séries Iniciais do Ensino Fun-

damental. De acordo com estes estudos,

2 Educação escolar inclusiva é opção de terminologia que se utilizou na pesquisa.

firmaram-se algumas considerações, listadas e debatidas na

seqüência:

1. Crê-se na possibilidade de educação escolar inclusiva

para todos os alunos, na Educação Infantil e Séries

Iniciais do Ensino Fundamental, mas com estrutura

adequada;

2. Acredita-se que educação escolar inclusiva deve

pressupor fazer com que os alunos se envolvam nas

mais diversas atividades em grupos;

3. Deve-se ter atenção à afetividade nos grupos;

4. Acredita-se que brincar é momento oportuno para que

as crianças possam interagir em grupo.

Os estudos indicam que a educação escolar inclusiva em

Educação Infantil e Séries Iniciais é possível, porém num

ambiente racionalmente estruturado, que se considera pré-

requisito para uma inclusão que quer ter sucesso.

A partir da pesquisa, notou-se que a presença de apenas

um professor em sala que tem aluno dito com necessidade

educativa especial deixava o trabalho docente exaustivo, o

que fazia com que suas operações produtivas fossem de-

caindo com o passar das horas, perdendo em motivação,

tanto professor quanto alunos. Mais de um professor seria

um auxiliar importante em educação escolar inclusiva. A

opinião vai ao encontro do pensamento de Hugo Bayer,

professor da Ufrgs, que, concordando com a idéia, chama-a

de Bidocência. Assim, um professor poderia conduzir o

grande grupo, e, dependendo da necessidade especial da

criança, outro poderia tutorar suas relações e aprendiza-

gens, como se faz na Espanha.

Outro aspecto é a formação adequada dos professores.

E, para isto, um debate se apresenta: as instituições devem

propor a formação dos seus profissionais, ou os professores

devem procurar formação? Apesar de ainda não se ter res-

posta para o questionamento, acredita-se que não se pode

crer que sem formação o professor deve dar conta da tare-

fa de comandar uma turma com crianças que apresen-

tam uma diversidade muito mais ampla daquela que teve

como formação.

Finalmente, uma educação escolar inclusiva que quer

A possibilidade de educação escolar inclusiva

ser positiva deve compreender a interação benéfica entre

professores, pais, coordenação, colegas de aula, formando

um conjunto preocupado com a educação escolar adequada

para todos.

Neste estudo, entende-se por grupo uma situação de

interatividade de dois ou mais componentes, no mínimo,

uma criança considerada normal e uma dita com neces-

sidade educativa especial. O significado do grupo no seu

papel de aproximação das pessoas parece estar de acordo

com a premissa de Vygotski (1997), que acreditava que as

aprendizagens que propiciam desenvolvimento se dão ini-

cialmente entre as pessoas, para posteriormente acontece-

rem como processos internos individuais.

A educação escolar inclusiva não pode ser pensada

somente na colocação do aluno na sala de aula, mas se preo-

cupar com que todos os alunos se envolvam, entre si e com

o professor. Os grupos têm papel fundamental porque se

efetivam em estratégias que produzem envolvimento entre

os participantes de uma turma.

A pesquisa mostrou que a maneira de distribuição da

turma na sala pôde influenciar para que os colegas esta-

belecessem, ou não, relações com os demais. A natureza da

tarefa (individual, competitiva ou cooperativa) esteve li-

gada a este fato, porém com menos intensidade do que in-

fluenciou a aproximação física das pessoas. Assim, a dis-

posição das pessoas em grupos com quatro componentes

foi fator que facilitou a interação e a troca entre os alunos.

Para Vygotski (1997), a relação com o outro implica desen-

volvimento, sendo possível se dizer que a diversidade em

educação escolar inclusiva enriquece, mas se ocorrer ação

e relação entre as pessoas.

Quando as crianças estavam dispostas em grupos, acon-

teceram várias situações de relacionamento: os componen-

tes auxiliavam-se para a resolução de problemas, de tare-

fas, motivavam-se para o desenvolvimento das mesmas,

também para que as regras previamente definidas se fi-

zessem valer, aconteciam intervenções de dúvida para com

os participantes, e tudo isto estava sendo vivenciado pela

criança dita com necessidade educativa especial. O fato de

Pelos grupos em educação escolar inclusiva

7 REVISTA TEXTUALsetembro 2005

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as crianças estarem em grupo auxiliava também na promo-

ção de situações do convívio humano, em que as relações

possuem um papel único e fundamental. É importante dizer

que se viu que no grupo também ocorreram situações pelas

quais o aluno dito com necessidade educativa especial foi

muitas vezes deixado de lado, assim como aconteceram in-

tervenções de explicações de tarefas ou retomada de com-

binações para com este que não tiveram sucesso, efetuadas

tanto pelo professor quanto pelos colegas de grupo.

Crê-se que não é possível se falar de grupos em edu-

cação escolar inclusiva sem que se refira à questão da

afetividade. Os grupos são formados por pessoas. Pessoas

precisam de afeto, precisam do outro. Foi destacado pelas

professoras entrevistadas o valor da afetividade como

situação que deve ser ligada com o processo educativo, com

o fim de facilitar o trabalho de grupos, a aprendizagem, e,

inclusive, ressaltou-se que o professor também precisa de

afetividade, e que seu sentimento é determinante para o

bom desempenho de sua tarefa. Vygotski (1997) argumenta

que qualquer atividade pressupõe a presença de um es-

tímulo afetivo, principalmente com crianças que tenham

atrasos mentais.

Afetividade pareceu uma necessidade de todos os alu-

nos. O professor manifestava afeto, bem como os alunos, e

estes se demonstravam motivados para tal a partir do mo-

mento em que o docente aprovava a situação. O auxílio em

situações corriqueiras para com o aluno dito com neces-

sidade educativa especial foi, muitas vezes, necessário,

tanto do professor quanto dos colegas, e representou uma

situação afetiva muito importante nos grupos.

Os relatos sobre o clima de trabalho entre os professores

apontaram que o ambiente de trabalho não é hostil, mas

poderia ser melhor, com mais momentos para que se es-

tabelecessem trocas informais. Apareceu, ainda, o tema do

medo da demissão, sendo que este pode afetar o desem-

Por uma educação escolar inclusiva afetiva

penho docente. Segundo Mosquera e Stobäus (2003), o cli-

ma escolar pode influenciar o professor, e este os alunos,

mesmo que ele não se dê conta disto.

Os alunos ditos com necessidades educativas especiais

demonstraram precisar de amizade íntima. Entretanto, al-

guns dos colegas apresentavam uma certa aversão a ter

amizade com a aluna considerada com necessidade educa-

tiva especial, pois se percebeu, em alguns momentos, um

distanciamento por estar com a colega, além de se observar

situações em que os colegas a menosprezavam.

Afetividade também pode ser uma situação conflituosa

que ajuda educativamente, não podendo ser confundida

com hostilidade. Foi citado que afeto e conflito são situa-

ções humanas, e que ambas não podem ser negadas para o

aluno dito com necessidade educativa especial. Com isto,

afetividade parece estar ligada também à questão de limites.

Além disso, ficou demonstrado que, na medida em que o

aluno dito com necessidade educativa especial compreen-

de, e tem capacidade de participar das regras das atividades,

ele deve ser cobrado para que as cumpra.

O brincar é atividade principal da criança. Não pode ser

considerado diferente em educação escolar inclusiva. Ini-

cialmente se perceberam dificuldades entre as crianças no

momento do brincar, como: o aluno dito com necessidade

educativa especial não participava, pois os colegas, de tão

agradados que estavam com o seu brincar, não tinham inten-

ção de mudar as regras para que ele pudesse ser incluído; as

crianças, em geral, procuravam mais os seus melhores ami-

gos para brincar do que tentar inserir outros; o aluno dito

com necessidade educativa especial, muitas vezes, não ti-

nha iniciativa para brincar com ninguém.

Convidar o colega para brincar pareceu um elemento

motivador, fundamental para o desenvolvimento da brinca-

deira em grupos. Professor e colegas convidavam o aluno

dito com necessidade educativa especial para brincar, e isto

O brincar nos grupos

8REVISTA TEXTUAL setembro 2005

foi positivo. Porém, apesar da boa influ-

ência do convite, nem sempre resultou em

sucesso, pois muitas vezes, a despeito do

convite do professor ou dos colegas, a cri-

ança não brincava.

Talvez o fato mais relevante nas obser-

vações do brincar coletivo foi a evidência

de que, independentemente das diferenças

que as crianças apresentavam, elas se en-

volviam numa mesma brincadeira. Assim,

em muitas aulas, se notou que o aluno dito

com necessidade educativa especial não

brincou sozinho em nenhum momento.

Entretanto, deve-se dizer que ficou evi-

dente que os colegas de grupo também ex-

cluem durante o brincar. Isto foi percebido

quando o aluno dito com necessidade edu-

cativa especial não fazia bem a atividade e

era deixado de lado, ou quando os ditos nor-

mais desejavam praticar um jogo de rendi-

mento com aqueles que eram considerados

melhores, sendo que os que não eram tão

bons ficavam de fora.

Percebeu-se também que, para que se

constatassem grupos no brincar, o profes-

sor apresentou papel de destaque. A tarefa

docente em educação escolar inclusiva

envolve também o cuidado para que se

desenvolvam atividades que contemplem

as diferenças.

De outra maneira, viu-se que o profes-

sor também pode ser excludente, princi-

palmente quando organizava atividades

que não respeitavam as diferenças, ou

quando colocava a aluna considerada com

necessidade educativa especial a realizar

tarefas à parte, julgando que a estives-

se incluindo.

Salienta-se que o assunto da educação

escolar inclusiva merece grande aten-

ção, pois parece que o tema ainda não é

tranqüilo.

Crê-se que, ao se optar pela proposta,

algo que deve ser inerente ao modelo pe-

dagógico adotado em sala de aula é fazer

com que as pessoas possam se relacionar,

porque o fato de que estejam juntos alunos

considerados normais e alunos ditos com

necessidades educativas especiais não ga-

rante que troquem experiências.

Considera-se que a formação de grupos

entre as crianças para o trabalho pedagó-

gico, e promover o brincar coletivo, é fun-

damental, inclusive para o desenvolvi-

mento de relações afetivas entre alunos e

também professor.

Comentários finais

9 REVISTA TEXTUALsetembro 2005

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1. INTRODUÇÃO

trabalhar, como ainda se pensa, posto que a vida nos convida também ao exercício da contemplação e da autotransformação. Se não cremos que existem outros verbos con-jugáveis além de trabalhar, produzir, ensi-nar, controlar e possuir, será difícil compre-ender, valorizar e, principalmente, desfrutar esta leitura.

Conhecendo algumas das concepções e significados controvertidos que o ócio cos-Parece-nos oportuno recordar um dos tuma ter no imaginário de cada um, sabe-princípios que nos acompanharam na rea-

“Ora et labora” mos que podemos encontrar em nosso meio lização deste trabalho: , cuja quem confunda ócio com ociosidade ou pre-autoria se atribui a São Benito (480-547 guiça. Da mesma forma, não é difícil per-d.C.). Uma frase simples como esta repre-ceber que algumas pessoas sofrem de um senta antes de tudo o reconhecimento de mal-estar, atualmente já reconhecido como que não somos feitos somente para trans-doença, a “enfermidade do tempo”, cujo sin-formar a natureza, como se pensava nos pri-toma tanto pode ser a sensação permanen-mórdios do pensamento científico, ou para

Resumo O presente ensaio resgata alguns conceitos como tempo livre, lazer e ócio, relacionando-os com o estilo, a qualidade de vida e o potencial para o desenvolvimento humano. Está baseado num aprofundado estudo bibliográfico e numa pesquisa de campo realizada com aproximadamente 400 adultos de 30 a 60 anos, professores e funcionários de uma instituição de ensino privado e católico. Os resultados apontam para a realidade na qual os sujeitos pesquisados gostariam de ter mais tempo livre; embora, quando o tem, não costumam diversificar muito suas práticas, prevalecendo a realização de atividades típicas da intimidade do lar na busca do descanso e do en-tretenimento. Do ponto de vista da subjetividade, as experiências de ócio dos profes-sores e funcionários participantes deste estudo se caracterizam basicamente pelo desfrute e encontro interpessoal. Também confirmando a teoria, além destes atributos, contata-se a presença da percepção de liberdade e da motivação.

Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. E

duc, Porto A

legre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005

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te de que o tempo nunca é suficiente para o mo significado, dependendo de quem o apli-que se deseja realizar, como também o des- ca e em que contexto. Neste estudo conside-conforto ante o “vazio” do tempo livre quan- raremos sinônimas as palavras ócio, em es-do ele existe. panhol; leisure, em inglês; loisir, em francês;

Academicamente, encontramos tanto e lazer, em português, recordando que to-conceitos que se contradizem como que se das, exceto ócio, procedem do termo licere, complementam. O entendimento sociológi- que em latim significa “ser permitido”, coin-co aponta para o sistema de organização do cidindo, portanto, com uma das acepções do trabalho e sua ideologia como o responsá- ócio, quer dizer, o ócio como uma experiên-vel pela realidade do tempo livre, do lazer e cia permitida e que permite, seja o encontro, do ócio na sociedade. Enquanto isso, a o desfrute ou o desenvolvimento pessoal.Filosofia e a Psicologia sugerem múltiplas Em suas origens históricas, o ócio era possibilidades para o devir humano além entendido pelos gregos como um tempo do trabalho e da família, como o são as ex- desocupado, dedicado a si mesmo e vincu-periências pessoais de ócio num tempo li- lado à formação humana através da contem-vre e pessoal. plação da sabedoria ou dos valores supre-

No entanto, na cultura ocidental, a for- mos: verdade, bondade e beleza. Desde aí mação predominante esteve, e quem sabe vem a palavra grega skolé, que mais tarde ainda está, centrada nos mercados de tra- deu origem ao termo escola. Esta contribui-balho e de consumo. Não sabemos se o que ção histórica nos sugere uma primeira per-aprendemos sobre como viver bem é a me- gunta: seria o ócio uma experiência de au-lhor forma possível de se viver. Mas perce- têntica aprendizagem? bemos que não fomos educados para des- Para os romanos, o ócio ou otium era um frutar o tempo livre através de experiências tempo de não-trabalho com a finalidade de de ócio, e algumas vezes estamos tão iden- restabelecer forças para o trabalho ou ne-tificados ou envolvidos com nosso estilo de gotium, a negação do ócio. Ainda existe uma vida, que já nem o questionamos. É nesta diferença substancial entre o modelo de ócio direção que desenvolvemos este estudo, is- grego e o modelo de ócio romano: o primeiro to é, no intento de desvelar e valorizar um se apresenta como um fim em si mesmo, e âmbito da vida que merece e deveria – se o segundo como um meio para alcançar pensássemos em termos de saúde e quali- outro fim. dade de vida – ser mais e melhor vivido: o As três formas atuais de entendimento ócio como experiência subjetiva e potencial- do ócio mais reconhecidas no meio aca-mente construtiva. dêmico e científico são:

A) o ócio como uma categoria de ativi-dade que pressupõe algumas característi-cas pertinentes à própria atividade; em ou-tras palavras, é a prática de uma particular

O ócio é um fenômeno de natureza atividade (Horna, 1994), considerada social humana quase tão antigo quanto sua e culturalmente como lazer ou recreação. própria natureza. Entretanto, a evolução Por exemplo, o esporte, a arte, o turismo, as social produziu modificações com respeito festas, etc. Nesta concepção, o ócio se con-à sua valorização e formas de manifestação. funde com a atividade realizada, e qualquer Variáveis sociais, culturais e econômicas pessoa que esteja praticando futebol, pin-têm tido um papel importante nestas mu- tando um quadro ou viajando, estaria teori-danças. Encontramos na literatura muitas camente em situação de ócio. Este entendi-concepções de ócio, que nem sempre se mento desconsidera o fato de que o indiví-opõem, mas revelam contextos históricos e duo pode praticar estas atividades visando a sociais diferentes, e, principalmente, distin- recompensas financeiras, ou o fato de que a tas visões de homem. atividade pode gerar aborrecimento ou pro-

Convém remarcar que a palavra ócio é vocar danos à saúde. um termo adotado e aceito com mais força B) o ócio como um espaço de tempo na Espanha que em outros países. Estudar na vida, separado e diferente do tempo de o ócio implica, portanto, utilizar distintas de- trabalho ou do tempo comprometido com nominações que podem ter ou não o mes- outras obrigações (familiares, sociais, po-

2. CONCEITUALIZAÇÃO E ESTADO DA QUESTÃO

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líticas, etc.). Nesta concepção, o ócio se complexidade, o estudo do ócio ainda permi-opõe ao trabalho e exige uma delimitação te que se faça uma leitura humanista do temporal e espacial destinada à recreação, tema, como intencionalmente fazemos nes-entretenimento ou descanso. Para alguns te trabalho.autores, qualquer tempo de não-trabalho é Como disse Trilla acertadamente: um tempo de ócio. Para outros, é preciso descontar os tempos utilizados nos deslo- “Ócio se define como mais que um camentos, nas obrigações familiares e so- conjunto de atividades, se define como ciais e nos cuidados pessoais (higiene, saú- uma maneira de fazer e como uma de, etc.). Em qualquer destas concepções, o maneira de estar no tempo (...) o es-ócio é sinônimo de tempo livre, portanto, de- sencial do Ócio não o encontramos no fine-se quantitativamente e caracteriza-se conteúdo da atividade, e sim na postura por ter um começo, um meio e um fim es- com que esta se realiza (...)” (Trilla, tabelecidos cronologicamente e marca- 1984, p.24).dos pela não-obrigatoriedade e liberdade; e finalmente Entendemos, como Trilla e outros auto-

res, que a dimensão pessoal é um fator de-C) o ócio como uma experiência hu-terminante para a identificação e apreciação mana, de caráter pessoal e subjetivo, com de um ócio humanista ou construtivo, ainda características psicológicas que a definem e que reconheçamos que o indivíduo esta-a diferenciam como fenômeno psicossocial. belece relações de interdependência e com-Esta concepção não colide totalmente com plementaridade com as condições sociais, as apresentadas anteriormente, e sim com-culturais e econômicas em que vive. Não plementa e amplia consideravelmente o en-obstante, a concepção humanista de ho-tendimento do que é ou pode vir a ser o ócio. mem sustenta que o ser humano está po-O tempo disponível e as atividades realiza-tencialmente dotado de capacidades de su-das são variáveis que intervêm na experiên-peração e transformação de sua própria cia, mas não a definem, nem a determinam. realidade em direção à realização e auto-Por exemplo, uma pessoa pode praticar realização (Maslow, 1976), desde que sejam esporte ou alguma modalidade artística e respeitadas as condições para uma vida não estar em situação de ócio se o faz por digna, na qual as necessidades básicas, compromisso profissional ou sem experi-objetivas e subjetivas, estejam satisfeitas.mentar determinadas sensações e senti-

A partir deste referencial, chegamos a mentos próprios de uma experiência de ócio. um entendimento humanista e positivo do Do mesmo modo, é possível estar em um ócio, tal como já propunha Aristótoles em tempo de não-trabalho, como “estar em casa sua época, e mais recentemente retomado assistindo à televisão” e não estar em situa-por Huizinga (1987), Kriekemans (1973), ção de ócio construtivo, seja por associar-se Csikszentmihalyi (1998) e Cuenca (2000). a um sentimento negativo como tédio ou Se compartirmos de um “dever ser” mais irritação, seja por não ter vontade de estar humano e de uma sociedade mais íntegra, fazendo exatamente isso. Além disso, uma estudar e valorizar as experiências pessoais pessoa também pode vivenciar momentos de ócio pode nos ajudar a renovar nossas de liberdade e desfrute no trabalho ou no visões de homem e de mundo e aportar cuidado dos filhos, de tal maneira que estes novas formas de viver, evidentemente, com momentos se configurem como autênticas mais qualidade humana. Neste sentido, a experiências de ócio.idéia de um ócio construtivo é mais que um É evidente que o ócio é um fenômeno espaço de tempo livre ou a realização de que pode ser entendido a partir de diferentes uma atividade específica. O ócio entendido disciplinas, como a Psicologia, a Pedagogia, assim é uma via de resgate do equilíbrio vital a Economia, etc., porém como objeto de já tão alterado pelo atual modus vivendi e estudo se mostra propício a uma abordagem uma possibilidade de recuperação da di-transdisciplinar, na medida em que cada mensão humana, ética, social e ecológica uma das disciplinas oferece contribuições do cotidiano.importantes para a compreensão deste fe-

Neulinger (1984), primeiro autor a abor-nômeno e nenhuma delas pode dar conta dar o fenômeno a partir da Psicologia, define do fenômeno isoladamente. Apesar de sua

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o ócio como um “estado mental particular” principalmente na Espanha e no Brasil, não que se manifesta como um fenômeno psi- se encontram instrumentos adequados para cossocial e de natureza subjetiva. Inves- aprofundar o estudo das experiências pes-tigações dos últimos 20 anos (Argyle, 1987; soais de ócio, o que dificulta a confrontação Csikszentmihalyi, 1988; Tinsley, 1988) con- teórica e prática deste fenômeno em contex-firmam a realidade fenomenológica do ócio, tos latinos ou em realidades específicas seu caráter positivo e seus benefícios para a como a dos professores, por exemplo. En-qualidade de vida, para a promoção da saú- contramos algumas ferramentas de ava-de e para o desenvolvimento humano. liação do ócio de autoria norte-americana,

A vivência de ócio pode se dar no cotidia- não traduzidas, nem validadas em outros no ou em circunstâncias extraordinárias. Al- contextos, e que tão pouco permitem gumas vezes se traduz como “estados óti- um aprofundamento qualitativo do tema, mos”, em que as capacidades humanas posto que são instrumentos de investi-atingem seus picos (Csikszentmihalyi, 1997; gação com fundamentos metodológicos Maslow, 1999), e, outras vezes, como esta- quantitativos. dos de recuperação biopsicossocial (Argyle, Por estas razões, desenvolvemos um 1987; Dumazedier, 1964; Mannell, 1980; instrumento específico e mais flexível, que Neulinger, 1984; Tinsley, 1988). Como fenô- nos permitisse penetrar no interior das ex-meno psicológico, o ócio pode se manifes- periências de ócio, a partir da percepção dos tar em distintas idades, diferentes status so- próprios sujeitos, e extrair delas suas carac-cioeconômicos e distintas culturas. Entre- terísticas ou qualidades psicológicas tanto, pode haver diferenças individuais essenciais. Nos referimos ao MICEO – Mé-quanto aos atributos da experiência de ócio. todo de Identificação das Qualidades das Isto significa dizer que, o que distingue a ex- Experiências Pessoais de Ócio. O instru-periência de ócio de outro tipo de experi- mento em questão não somente dá priorida-ência humana, ou duas ou mais experiên- de à dimensão subjetiva e psicológica do cias de ócio entre si, são: ócio, como também parte de uma perspecti-

– as razões que a impulsionam (causas) va positiva e humanista do fenômeno. e as condições psicossociais nas quais Assim sendo, passamos a considerar ocorrem; como “qualidade” das experiências de ócio o

– a vivência pessoal, isto é, os pensa- que se apresenta no campo cognitivo, sen-mentos, sensações, sentimentos e e- sorial e emocional dos sujeitos pesquisados moções implicados na experiência; e espontaneamente atribuído à experiência

– os benefícios da experiência percebi- em si. Isto inclui as condições psicossociais dos pelo próprio sujeito; e que a antecedem, os atributos que a carac-

– a extensão e profundidade da mesma. terizam e os benefícios experimentados e Manell (1980) entende que a caracterís- relatados pelos indivíduos como próprios da

tica principal da experiência de ócio é a experiência de ócio.implicação psicológica, e Tinsley (1986) afir- As condições prévias se referem aos ma que a experiência pode variar “quali- aspectos subjetivos ou concretos que geram tativamente” quanto ao significado e “quanti- ou favorecem a experiência de ócio, isto é, tativamente” em relação ao grau de inten- seus fatores causais. Os atributos aludem sidade ou potência. Muitos autores estão de aos pensamentos e sentimentos que ocor-acordo com a idéia de que o ócio é uma ex- rem antes, durante ou depois da experiência periência com características psicológicas como conseqüência dela, isto é, a natureza próprias, ainda que nem todos estejam de da experiência de ócio a partir da percepção acordo na identificação e descrição destas de seu protagonista. Os benefícios são as características. A partir destas formulações conseqüências ou os resultados que a expe-básicas da teoria do ócio, observamos que o riência proporciona ao sujeito, mesmo que, caráter subjetivo destas experiências exigia ao começá-la, não estivesse buscando ou que pensássemos nelas em termos quali- colocando atenção sobre um provável bene-tativos e que investigássemos algo mais que fício, como, por exemplo, o bem-estar, a me-a quantidade de horas dedicadas ao ócio e o lhora da saúde, a qualidade de vida ou o de-tipo de atividade realizada no tempo livre. senvolvimento pessoal. Todos os atributos e

Percorrendo as referências disponíveis, benefícios se manifestam através de sen-

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A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida

sações, sentimentos, emoções ou idéias de- zá-los, selecionamos os que pareciam ter maior aceitação, além de alguma consistên-rivadas e associadas às experiências de ócio.cia e coerência do ponto de vista da Psico-Alguns autores se dedicaram à definição

e descrição do ócio como experiência pes- logia, ainda que não estivessem devidamen-soal, entre os quais se destacam: Iso-Ahola te conceituados. Então, com a intenção de (1980), Neulinger (1984), Tinsley e Tinsley facilitar a compreensão das experiências de (1986), Shaw (1986), Mannell (1980), etc. A ócio, agrupamos algumas de suas qualida-maioria deles coincidem ao definir os prin- des ou atributos segundo suas interações cipais atributos ou qualidades das experiên- psicodinâmicas e seus possíveis efeitos cias de ócio. Tinsley e Tinsley (1986) suge- psicológicos sobre o sujeito protagonista rem como principais qualidades do ócio a da experiência. absorção ou concentração no interior da O resultado foi o destaque e aprofunda-experiência; o foco fora do Self; os sentimen- mento teórico de 11 constructos ou conjunto tos de liberdade ou ausência de inibição; o de qualidades: liberdade e percepção de enriquecimento da percepção de objetos e liberdade; motivação, significado intrínseco acontecimentos; o aumento da intensidade e autotelismo; desfrute: estados afetivos e das emoções; o aumento da sensibilidade emocionais positivos; desenvolvimento pes-para com os sentimentos; e diminuição da soal e auto-realização; relações interpesso-consciência do passar do tempo. Shaw ais; descanso e relaxamento; ruptura, eva-(1986) considera quatro fatores como deter- são e distração; ativação, desafio e esforço; minantes no ócio: a percepção de liberdade, implicação psicológica e absorção; identida-a avaliação social (ou ausência desta), o de, autoconceito e auto-expressão; e, final-desfrute e a auto-expressão. Em um de seus mente, os estados introspectivos: o encon-estudos, Shaw (1986) encontrou fatores tro consigo mesmo, com a natureza e com a mais evidentes do significado conotativo do beleza. Na realidade, estes são os atributos ócio: o prazer, a percepção de liberdade e a capazes de distinguir uma experiência de ausência de avaliação social, compreen- outra quando o assunto é o ócio como ex-dendo que a presença da avaliação social é periência pessoal e construtiva, ou, em ou-importante na medida em que pode ser uma tras palavras, quando estivermos falando barreira para a auto-expressão. do uso do tempo livre favorável a uma me-

Observamos também que alguns estu- lhor qualidade de vida e ao desenvolvi-dos demonstram que a implicação e o des- mento pessoal.frute no ócio estão relacionados com a per-cepção de competência (Csikszentmihalyi, 1997; Iso-Ahola, 1980), no sentido de que as

Os objetivos deste estudo foram essen-pessoas tendem a escolher atividades para cialmente: as quais se sentem capazes, e que quando n Provar empiricamente um instrumen-percebem que têm as habilidades requeri-

to desenvolvido para investigar qualitativa-das experimentam sentimentos de controle mente os componentes subjetivos das ex-sobre si mesmas, de força, de liberdade, de periências de lazer ou ócio: o Método de excitação, de sociabilidade e de prazer. Por Identificação das Qualidades das Experiên-outro lado, se a atividade exigir muito mais cias Pessoais de Ócio, eou muito menos do que a pessoa é capaz, os n Diagnosticar o estado da questão do efeitos serão desastrosos. Do ponto de vista

ócio nas suas três concepções: tempo livre psicológico, deve haver, portanto, um equi-de obrigações, atividades praticadas e qua-líbrio entre as exigências da experiência e as lidades das experiências pessoais de ócio capacidades do protagonista. Esta premissa junto a professores e funcionários de uma põe em relevo a necessidade das pessoas instituição de Ensino Superior.se conhecerem e/ou serem conhecidas o

Desde já anunciamos nosso particular suficiente para que se proceda uma avali-interesse em divulgar e discutir neste ensaio ação e adequação das atividades ou práti-os resultados relativos a este último objetivo: cas enquanto opções de ócio.o diagnóstico do lazer e do ócio de um con-De um leque de mais de 50 qualidades tingente de professores e funcionários do ou atributos encontrados na literatura espe-ensino privado.cializada, depois de identificá-los e organi-

3. OBJETIVOS DO ESTUDO

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4. O MÉTODO

4.1 POPULAÇÃO E AMOSTRA

4.2 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS4.3 TRATAMENTO DOS DADOS

esta pesquisa a partir de modelos prévios utilizados em outras investigações;A pesquisa se desenvolveu apoiada na n Inventário de atividades de lazer/ócio triangulação metodológica, recebendo tra-

praticadas – elaborado especificamente pa-tamento tanto qualitativo como quantitati-ra este estudo a partir de instrumentos uti-vo, dependendo dos objetivos de cada eta-lizados em pesquisas anteriores sobre o pa. No estudo-piloto foi realizada uma ex-emprego do tempo livre e atividades de ócio tensa investigação teórica e uma aproxima-ou lazer; ção empírica.n MICEO – relatos pessoais sobre as

experiências de ócio, instrumento qualitativo desenvolvido ao longo deste estudo e tes-

A pesquisa foi realizada numa instituição tado na etapa definitiva da pesquisa;de Ensino Superior, localizada na região

n WHOQOL 100 – Questionário sobre a metropolitana do Rio Grande do Sul. Con- Qualidade de Vida da Organização Mundial tamos com um total de 413 sujeitos voluntá- de Saúde, instrumento internacional valida-rios de 30 a 60 anos de idade. Destes, 62 do no RS por uma equipe de pesquisadores sujeitos tiveram participação na etapa-piloto da Ufrgs;e 351, na etapa definitiva. A amostra final

n Centralidade do Trabalho – instrumen-contou com 351 sujeitos válidos ou 23% de to sobre a importância do trabalho e outras um universo de aproximadamente 1.400 áreas da vida; ferramenta utilizada interna-pessoas adultas, vinculadas a uma univer- cionalmente e validada para o Brasil por sidade jesuíta na condição de professores uma equipe de pesquisadores da UnB.ou funcionários. A figura 1 detalha as ca- Os referidos instrumentos foram aplica-racterísticas sócio-demográficas da amos- dos no campus da universidade, em peque-tra definitiva. nos grupos, em duas sessões de aproxima-

damente uma hora de duração cada.

Para a realização do estudo-piloto, fize-mos Grupos Focais; aplicamos questioná- Os dados receberam distintos tratamen-rios sobre o tempo livre disponível e as ativi- tos conforme os objetivos a serem alcança-dades praticadas e solicitamos relatos sobre dos. A partir do estudo-piloto, foi possível a-as experiências pessoais de lazer ou de ócio. nalisar qualitativamente os conteúdos dos

Para a operacionalização da pesquisa Grupos Focais e dos relatos pessoais e ex-de campo em sua etapa definitiva, foram uti- trair daí elementos para definir e/ou ade-lizados os seguintes instrumentos: quar os instrumentos à realidade, bem como n Questionário de dados sócio-demo- proceder ajustes no MICEO.

gráficos – elaborado especificamente para Já no estudo definitivo, aplicamos téc-esta pesquisa; nicas de validação do instrumento desen-n Questionário sobre tempo livre de o- volvido, como, por exemplo, o julgamento

brigações – elaborado especificamente para paralelo, com o qual cinco juízes analisaram

Figura 1: Principais características sócio-demográficas da amostra

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Sexo Idade (anos)

De 31 a 4048%

De 41 a 5034%45%

De 51 a 6018%

Doutor14%

Nível de estudosMédio16%

Superior14%

Especialista20%

Mestre 36%

Outras8%

Origem étnica

Alemã40%

Italiana18%

Portuguesa14%

Mista20% Administrativa

26%

Ocupação na universidade

Docência39%

Gestão23%

Técnica13%

Outras regiões 8%

Local de residência

Porto Alegre39%

Vale dos Sinos53%

mais de 7.8547%

Renda mensal (R$)

Até 1.83035%

1.831 a 3.67523%

3.676 a 7.85435%

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paralelamente os relatos de 70 sujeitos es- rantir os 30 dias previstos pela legislação colhidos aleatoriamente entre os 351 da a- trabalhista. As expectativas com respeito às mostra. Ao final desta prova, observamos férias é de poder desfrutar de 21 a 30 dias ou que os coeficientes Kappa alcançados re- mais de férias por ano. presentavam níveis significativos de con- O tempo livre disponível para o ócio está cordância entre os juízes. Com base em abaixo do que poderíamos esperar, consi-Landis e Koch (1977), obtivemos índices de derando investigações anteriores realizadas concordância que variaram de moderado em outros países europeus ou norte-ame-(0,41 a 0,60) a substancial (0,61 a 0,80), ricanos. A conclusão que podemos extrair confirmando um bom grau de concordância destes dados é que ou as pessoas estão entre os juízes. bastante ocupadas ou se percebem

Além destes procedimentos, para co- ocupadas. Assim mesmo, questionamos os nhecer a realidade no seu conjunto, foram motivos de tanta ocupação: trata-se de uma aplicadas ferramentas estatísticas descri- condição de vida determinada ou esta situa-tivas, e, para verificar a existência de cor- ção é conseqüência dos valores que deter-relações entre variáveis, utilizamos estatís- minam as prioridades de cada um? ticas correlacionais. De qualquer modo, percebe-se que as

mulheres, os doutores, os que recebem os maiores salários e aqueles que realizam outras atividades profissionais fora da ins-Este estudo, por sua extensão – quan-tituição são os que apresentam menos tem-tidade de variáveis investigadas – e pro-po livre em comparação com os demais. fundidade – conteúdo das informações co-Especialmente para estas pessoas, mas letadas –, possibilitou-nos uma gama de não só, o tempo para si mesmo é um bem reflexões e questionamentos que não ca-escasso e precioso na medida em que o beriam neste ensaio. Aqui nos limitaremos a entendemos como um tempo vivido por de-apresentar e discutir algo dos resultados cisão e vontade pessoal. relativos a realidades de tempo livre de obri-

Está claro que a existência concreta de gações, das atividades praticadas e das um tempo livre cronológico não contempla qualidades subjetivas das experiências de toda a complexidade da relação das pes-lazer ou ócio de nossa amostra. soas com o tempo. Como bem nos recorda Moreno (1994, p.94),“cada trabalhador pro-duz mais coisas que não consome e con-some mais coisas que não produz”. Este re-trato sintético e atual do que estamos viven-do pode nos dar pistas para uma compreen-são de por que as pessoas se percebem com A realidade em termos de tempo livre menos tempo do que gostariam, indepen-de obrigações (qualquer atividade realizada dentemente se por trás desta percepção por obrigação ou senso de compromisso) na existem ou não elementos concretos que a percepção dos próprios sujeitos é de 3 horas justificam. A pergunta que fica é: por que a-e 40 minutos em média por dia. Enquanto ceitamos ou escolhemos fazer tantas coisas isso, existe uma expectativa de poder contar quando sabemos que nossa capacidade é li-com aproximadamente 5 horas e 30 minutos mitada (está convencionado que um dia tem por dia livres de obrigações, além de dispor 24 horas, em qualquer lugar, época e para de todos os sábados e domingos disponí-todos)? Por que aceitamos ou escolhemos veis. Evidentemente, os dados relativos fazer tantas coisas quando na realidade te-às expectativas chocam com a realidade mos interesses específicos e prioritários que atual destes professores e funcionários, em-não são atendidos ou facilitados por tudo o bora coincidam com os dados relativos ao que fazemos? Ou será que nos pensamos tempo livre disponível na população norte-onipresentes e ilimitados? Ou será que não americana. temos consciência de nossos reais inte-Quanto ao período de férias, obtivemos resses e prioridades e por isso nos deixamos a informação de que o período efetivamente emaranhar de tal forma que tudo o que gozado varia entre 11 e 20 dias por ano, fazemos consideramos de fato “necessário”? apesar da instituição à qual pertencem ga-

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 RESULTADOS SOBRE A DISPONIBILIDADE DE TEMPO LIVRE E A PRÁTICA DE ATIVIDADES DE LAZER OU ÓCIO

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5.2 RESULTADOS SOBRE AS ATIVIDADES PRATICADAS NO TEMPO LIVRE

5.3 SOBRE OS NÍVEIS DE SATISFAÇÃO COM AS ATIVIDADES PRATICADAS

5.4 RESULTADOS SOBRE AS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS DE ÓCIO

população, além de revelar um estilo de vida no mínimo questionável quanto ao seu con-teúdo humano e social. Neste sentido, cabe destacar que de 80% a 93% dos professores

De 35 atividades ou grupos de ativida- e funcionários pesquisados não praticam: des apresentadas no Inventário de Ativida- relaxamento; atividades de autoconheci-des de lazer/ócio, constatamos que as ativi- mento; expressão da criatividade e das habi-dades habituais na vida destas pessoas, lidades artísticas; participação em grupos professores e funcionários, são: ver televi- amadores; associações; voluntariado; es-são e vídeo; ler jornais e revistas; tomar chi- portes de aventura e de equipe. Percebe-marrão; navegar na internet e brincar com mos que as atividades menos praticadas crianças e/ou com animais de estimação. são aquelas que exigem mais implicação Portanto, há um predomínio evidente de ati- pessoal e investimento de tempo. A rigor, as vidades que costumam ocorrer em ambien- possibilidades de experimentar um ócio tes interiores, que proporcionam entreteni- construtivo se vêem restringidas pela pouca mento, evasão e recuperação de energias. diversidade e pobreza de conteúdo das ativi-

Este tipo de atividade parece ser apro- dades mais praticadas.priado para preencher o tempo livre sem comprometer demasiadamente o corpo e a mente. No caso específico do chimarrão, re-conhecemos que pode favorecer também a sociabilidade. Curiosamente são as atividades mais

O que estes dados nos sugerem é que a praticadas pelos sujeitos pesquisados (as qualidade do lazer ou ócio destes professo- de entretenimento ou recuperação de ener-res está deixando a desejar em termos de gia) as que proporcionam os índices mais diversidade e riqueza de experiências, na baixos de satisfação na percepção dos pró-medida em que suas práticas mais freqüen- prios sujeitos, enquanto que as atividades tes são aquelas que servem para um refazer menos praticadas foram as que propor-mínimo das energias e disposição para a cionaram a seus praticantes os maiores índi-próxima jornada. Não estamos com isso ne- ces de satisfação. Algo parece empurrar es-gando o valor da recuperação da home- tes sujeitos em direção à prática de ativida-ostase, apenas delatando que o equilíbrio des mais cômodas, que servem para des-não se associa necessariamente com a mu- cansar o corpo e a mente. Esta pode ser a dança e o crescimento pessoal. Atividades manifestação de uma tendência, já iden-propícias ao descanso podem também ser- tificada pela Psicologia Social, que é a ten-vir para manter as pessoas iguais a como dência à repetição de atividades como se eram no início do dia, da semana ou do mês. fossem rituais em busca de uma sensação

Em termos de atividades físicas, as habi- de equilíbrio e numa tentativa de eliminar as tualmente praticadas costumam estar rela- ansiedades e inseguranças típicas do coti-cionadas com os cuidados para com a saú- diano na contemporaneidade.de e/ou com a imagem corporal: caminhar, Os resultados gerais de tempo livre dis-musculação, exercícios aeróbicos e de alon- ponível e atividades praticadas nos reme-gamento. Também são praticadas algumas tem para o fenômeno do “paradoxo do ócio”: atividades que implicam deslocamentos, e as pessoas dizem que não dispõem de tem-entre estas se destacam: as visitas a fami- po livre ou tempo para si mesmas, e quan-liares ou amigos, ir ao cinema e as peque- do o têm não sabem bem a melhor forma nas viagens de fim de semana rumo à praia de utilizá-lo.ou serra. Estas atividades servem tanto ao propósito de romper com a rotina, como tam-bém para promover as relações humanas e o desenvolvimento pessoal.

O predomínio da prática de atividades de Neste tópico gostaríamos de recordar entretenimento e recuperação de forças po- que estamos trabalhando com um conceito de significar a expressão de uma necessida- de ócio que pressupõe uma experiência de ou um imperativo de saúde para esta pessoal e subjetiva, mais ou menos enri-

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E N S A I O

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A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida

quecida de atributos psicológicos e psicos- de dependência e menor qualidade em suas sociais. Para acessarmos estes atributos relações humanas).aplicamos o MICEO – Método de Identifica- A qualidade geral do ócio ou a boa rela-ção das Qualidades das Experiências Pes- ção com este aspecto da vida aparece refle-soais de Ócio –, através do qual solicitamos tida na qualidade de vida. As pessoas que a cada um dos participantes da pesquisa apresentaram alguma dificuldade com res-dois relatos pessoais: um sobre a expe- peito ao ócio alcançaram menores índices de riência de ócio/lazer mais memorável de “qualidade de vida” como mostra a figura 2.sua vida adulta e outro sobre a experi- Como os relatos dos sujeitos versavam ência de ócio/lazer mais significativa no sobre dois tipos de experiências de ócio seu cotidiano. distintas – as experiências memoráveis e as

A primeira descoberta importante com cotidianas –, foi possível observar que as que nos deparamos se refere ao fato de que experiências de ócio memoráveis se apre-as pessoas admitiram estabelecer relações sentaram mais intensas e ricas e se dife-diferenciadas com o ócio, lazer ou tempo renciaram pela presença de mais desa-livre. Isto nos permitiu classificar os relatos fio/exigência, desenvolvimento pessoal, li-pessoais quanto à facilidade ou dificuldade berdade, apreciação estética e fusão com o com que as pessoas se relacionam com o ambiente natural ou cultural.ócio, resultando na formação de dois grupos Enquanto isso, as experiências significa-representativos: tivas de ócio no cotidiano apresentaram

– os sujeitos cujos relatos de experiênci- mais os atributos descanso e intimidade, as não aparentavam dificuldades em rela- sendo que geralmente apareceram as-ção ao ócio ou lazer, o qual denominamos os sociadas à prática de atividades de sociabili-EO – Experiência de Ócio –, e dade e entretenimento (atividades em casa).

– os sujeitos que expressaram explicita- Um “novo” problema que identificamos é mente ter dificuldades com o ócio, os EOC – a possibilidade do sujeito protagonista da Experiências de Ócio com Conflito – experiência de ócio entrar em contradição (13,4%). Exemplos de dificuldades relata- com as necessidades de evasão e descan-das foram: sentimentos de culpa, ansiedade so, já que ao repetir este tipo de ócio se cor-ou desprezo frente a situações de lazer, re o risco de automatizar o comportamento tempo livre ou ócio. Estes apresentaram e desprovê-lo de singularidade, fazendo médias significativamente inferiores em do tempo livre um tempo condicionado, aspectos da qualidade de vida (dimensão ou, em outras palavras, transformando o física, psicológica e ambiental; maior nível ócio em rotina.

Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. E

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legre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005

Figura 2-Teste para a comparação dos resultados do WHOQOL de acordo com a classificação do relato

Atividade sexualAtividades da vida cotidianaAuto-estimaEnergia e fadigaParticipação / oportunidades de ócioRelações sociaisSegurança física e proteçãoSentimentos negativosSentimentos positivos

AmbienteFísico

PsicológicoRelações sociais

Domínios

Nível de independência

Qualidade de Vida em geral 15,2014,8315,3515,2913,8312,4815,8511,9511,1814,89

13,9813,6816,4214,6615,26

Qualidade de VidaEO EOC

Média

Facetas

2,453,102,432,382,712,992,142,222,952,32

1,622,261,991,961,99

Desvio padrão Média Desvio padrão t. Valor de p

13,2613,0914,1314,0912,4310,3814,7211,1912,6013,00

13,4412,6615,5913,5014,10

2,913,462,612,823,062,742,542,213,031,82

1,632,132,171,922,34

3,252,163,273,035,364,923,494,543,193,16

2,142,922,643,793,65

0,00**0,03*0,00**0,00**0,00**0,00**0,00**0,00**0,00**0,00**

0.03*0,00**0,00**0,01**0,03*

* Diferença significativa entre grupos ao nível de 5% ** Diferença significativa entre grupos ao nível de 1%

19

E N S A I O A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida

Em termos gerais, o MICEO permitiu descanso. Descansar, além de uma expe-identificar nos relatos sobre experiências de riência prazerosa, serve para estas pessoas ócio as seguintes qualidades subjetivas: como mecanismo de restauração de um desfrute (73,5%), encontro interpessoal certo equilíbrio e de manutenção da saúde. (52%), desenvolvimento pessoal (34%), mo- O MICEO não nos permite avaliar a qua-tivação ou significado intrínseco (32%), li- lidade do descanso destes sujeitos quando berdade (32%) e desafio/exigência (29,5%). o ócio se mostra caracterizado principal-

A presença de desenvolvimento pessoal mente por este atributo, mas somos levados em um terço da amostra confirma teorias de a questionar a qualidade deste “descanso” fundo humanista e representa um potencial especialmente se este for impulsionado a ser explorado por estes sujeitos. pelos intensos ritmos de trabalho.

A qualidade do desafio/exigência não Mais uma característica da maioria das está presente na maioria das experiências experiências de ócio relatadas é a ausência de ócio, porém o desfrute sim. Este dado da qualidade da absorção. Este dado aponta sugere que a presença de desafio pode ser para a tendência a um estilo de lazer/ócio uma condição sine qua non para uma ex- que não chega a comportar mudanças pes-periência ótima ou pico, como propõe a teo- soais importantes, ou dito de outra forma, ria, mas não necessariamente para carac- um ócio que não se caracteriza pela impli-terizar uma experiência de ócio do cotidia- cação psicológica (atenção concentrada, no. A presença de outras qualidades, como o esquecimento do próprio Eu, perda da no-relaxamento ou descanso, a apreciação ção de tempo, etc.) e que provavelmente estética, a ruptura e a absorção, sugere que diz respeito a uma gama de experiências outros tipos de experiências constituem o mais superficiais.ócio das pessoas que não reconhecem a Outro resultado interessante foi o fato de presença de desafio ou algum grau de exi- que as qualidades identificadas pelo MICEO gência em sua experiência de ócio. apresentaram uma relação direta com as

De qualquer forma, é inegável que o ócio médias de “qualidade de vida” em algumas desta amostra está “empapado” do atributo das facetas e domínios analisados pelo

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A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida

WHOQOL, conforme pode-se observar na gyle, 1992; Dumazedier, 1964; Iso-Ahola, figura 3. 1979; Cuenca, 2000). Estes dados concor-

Estes dados evidenciam o poder do dam com investigações anteriores que re-atributo “descanso/relaxamento” como for- velaram que a oportunidade de conhecer ou ma de repor energia e restaurar o equilíbrio aprofundar relações com pessoas, sejam psicológico ou físico (Fontcuberta, 1976; amigos(as) ou familiares, é uma das princi-Saint-Arnaud, 2002; Dumazedier, 1964). pais fontes de estados de ânimo positivos

Percebemos como uma experiência de e de felicidade (Handerson, Argyle e Fur-ócio pode diferenciar-se qualitativamente de nham, 1984, em Argyle, 1992).outra. E isso explica por que um ócio pode exigir pouco física ou psicologicamente. Um exemplo seria o “deitar-se num sofá e ver um

Através do MICEO identificamos, entre programa qualquer de televisão”. Trata-se de muitas qualidades distintas de lazer ou de uma experiência que não causa o mesmo ócio, experiências de ócio construtivo, isto é, impacto nos níveis de “qualidade de vida” experiências ricas em qualidades psicosso-que um ócio que desafia ou exige algum ciais que promovem a pessoa, a família ou a esforço, seja físico, intelectual ou emocional.comunidade dentro de uma ética humanista. Os resultados confirmam que, na

Observamos também que determinadas presença do atributo encontro interpessoal qualidades quando presentes no ócio no ócio cotidiano, observa-se uma maior podem contribuir para melhorar a qualidade satisfação com as relações sociais, de vida; ou seja, um ócio de qualidade confirmando que o ócio é uma fonte de favorece uma vida com mais qualidade. desenvolvimento da sociabilidade e do bem-Neste sentido, as experiências de relaxa-estar no campo afetivo (Tinsley, 1986; Ar-

6. CONCLUSÕES

** Diferença significativa entre grupos ao nível de 1%* Diferença significativa entre grupos ao nível de 5%

Figura 3 – Teste para a comparação dos resultados do WHOQOL de acordo com a presença/ausência dos atributos do MICEO no ócio cotidiano

PresenteDesvio padrãoMédia t. Valor

de p

14,97

14,75

14,58

14,44

14,79

15,66

15,56

16,13

15,09

15,85

15,21

15,52

15,64

15,86

14,91

13,63

16,13

16,1515,29

1,89

2,09

1,93

1,62

1,77

1,94

2,21

2,20

1,87

3,22

2,20

1,97

2,37

2,30

2,19

2,88

2,07

2,012,33

-2,382,13

-2,40

-2,25

-3,01

2,20-

2,21-

2,26

-2,83-

2,06-

2,05

-2,06

-2,19

-2,11

2,94

-2,17

-2,142,15

0,02*

0,03*

0,02*

0,03*

0,00**

0,03*

0,03*

0,02*

0,01**

0,04*

0,04*

0,03*

0,03*

0,04*

0,00**

0,02*

0,03*

0,03*0,03*

MICEO

Domínios:Psicológico

Físico

Social

Ambiente

Nível de independência

Relações sociais

Facetas:

Energía vital

Sono e repousoSentimentos positivosCapacidade para aprender e concentrar-se

Auto-estima

Oportunidades adquirir novos conhecimentos e habilidadesOportunidades participar ócio

WHOQOL

Qualidade de vida geral

Atributo de ócioAusente

N Média Desvio padrão N

Desafio/exigência

Descanso

AbsorçãoDesafio/exigência

Desenvolvimento pessoal

Desafio/exigência

Plenitude

Descanso

Absorção

Desafio/exigência

Ruptura

Descanso

Ruptura

Descanso

Ruptura

Desfrute

Desafio/exigência

Encontro interpessoalDescanso

245

174

272

275

173

271

254

249

272

272

245

174

174

245

104

272

161

174249

14,43

15,38

13,58

13,89

16,51

13,89

14,94

15,10

13,68

14,79

14,66

14,78

15,04

15,16

15,70

12,35

15,60

15,6215,97

1,99

1,95

2,27

1,61

1,58

1,98

2,59

2,46

3,62

2,76

2,38

2,51

2,36

2,38

2,31

2,97

2,18

2,222,09

130

55

32

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32

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32

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32

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Textual: A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida. E

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legre, v.1 n.6, p. 10-21, setembro 2005 21

E N S A I O A experiência de ócio construtivo e a qualidade de vida

mento ou descanso presentes no ócio coti- sim experimentar um ócio caracterizado pe-diano, assim como as de desafio no ócio me- la máxima riqueza de qualidades subjetivas morável, são as que se destacam quanto à possíveis em função da personalidade, da a-

tividade escolhida, da duração da experiên-sua relação com aspectos da qualidade de cia e das circunstâncias sociais onde ela se vida destes sujeitos. insere. Entendemos, pois, que é imprescindí-Pensamos que o caráter humanista do vel que a experiência não seja impulsiva nem ócio reside na maneira como a pessoa vive e condicionada por fatores psicossociais, mas percebe cada momento de seu ócio. O ideal que seja fruto do exercício da consciência de de um ócio construtivo não é possuir atri-si e de uma visão crítica da realidade.butos específicos, nem mais intensidade, e

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Monitoramento e vigilância

eletrônica do trabalho

1 Advogada, especialista em

Direito Privado pela Unisinos e em

Direito Público, pela Universidad

de Burgos – Espanha,

mestranda em Ciências Sociais

Aplicadas na Unisinos e

assessora jurídica do Sinpro/RS.

23 REVISTA TEXTUAL

o professor e o mundo da escola

1. Meios de monitoramento e vigilânciaUma pesquisa realizada em 1998 na New York

American Management Association revelava que

35% das empresas americanas monitoravam seus

trabalhadores através de chamadas telefônicas, de

arquivos eletrônicos em seus computadores, de

seus e-mails ou videotapes do trabalho. Destas

empresas, 23% não informavam aos seus empre-

gados a respeito da vigilância. Até 2000, este

índice pulou para 73,5%. No Brasil, pesquisas

realizadas em 2002, pela Symantec, apontaram

para um percentual de 75% de empresas que

monitoram e vigiam acessos à internet no am-

biente de trabalho (Locks, 2004), sem o conheci-

mento de seus empregados.

Aliadas ao monitoramento informático de e-

mail e internet, as câmeras de vídeo, máquinas

fotográficas e gravações de conversas têm sido

utilizadas para controle e vigilância não só do

trabalho, mas de todas as atividades/posturas do

empregado no local de trabalho.

Alguns empregadores alegam má utilização

dos equipamentos de informática, sobretudo e-

mails e internet, por seus empregados; outros ale-

gam furtos, mau comportamento e baixa produ-

ção. Percebe-se que o trabalhador pode ser moni-

torado em todos os momentos em que permanecer

nas dependências de seu local de trabalho, inde-

pendentemente do horário de sua atividade. Com

o computador, as câmeras de vídeo, as máquinas

fotográficas e os gravadores, o empregador pode

obter relatórios, não só do trabalho exercido, mas

também de como se comportam os empregados

no horário em que se encontravam no local de tra-

balho, seja no escritório, seja na sala de aula, no

laboratório, na sala de professores, refeitório, pro-

dução, enfim, em todos os lugares.

Não alheias às novas possibilidades tecno-

lógicas, as instituições de ensino começam a ado-

tar, agora explicitamente, meios de monitora-

mento e fiscalização do trabalho dos professores.

Os meios de controle mais freqüentes são o e-

mail, os programas de computador, sobretudo no

Ensino Superior, que pressupõem senhas especí-

ficas para acessos a bancos de dados que viabili-

zam monitorar o que o professor está acessando,

câmeras de vídeo, não só nas salas de aula, mas

nas salas dos professores, cantina, corredores e

demais dependências da escola, e máquinas

fotográficas – incluindo aqui as acopladas às can-

celas dos estacionamentos. Cabe lembrar que

muitos destes aparatos já são há muito utilizados

pelas instituições, sob o argumento não menos le-

gítimo, mas genérico, da segurança interna de

professores e alunos.

Resta saber até que ponto os empregadores

podem utilizar os avanços tecnológicos e os meios

informáticos no ambiente de trabalho para mo-

nitorar e vigiar seus empregados sem ferir o di-

reito à intimidade e à liberdade de comunicação

destes. O que está em jogo aqui é a evidente

antinomia – colisão de direitos – entre o poder

fiscalizador do empregador garantido pelo art. 2º

da CLT e os direitos fundamentais do trabalhador

garantidos pelo art. 5º da C.F./88.

Do modelo fordista aos meios tecnoinformáti-

cos da atualidade, o trabalho sempre foi moni-

torado e vigiado. Este olhar, antes visível e explí-

cito através das portas ou paredes de vidro co-

muns nas instituições de ensino, tornou-se, a dis-

tância, impessoal e, portanto, passível de ser es-

quecido, mas é internalizado pelo empregado. A

constância no monitoramento e vigilância torna

qualquer ação do empregado a priori passível de

ser considerada um ato ilícito (Locks, 2004).

Convém observar, também, que o ônus do mo-

nitoramento acaba recaindo sobre a pessoa mo-

nitorada. Em outras palavras, diante de fatos am-

bíguos registrados por uma câmera ou lançados

em um registro de banco de dados, cabe ao moni-

torado provar sua inocência e demonstrar o con-

trário, correndo o risco de sofrer condenações

equivocadas e julgamentos de valores injustos,

sem sequer ter a certeza de que poderá liquidar,

definitivamente, todas as dúvidas a respeito de

tais fatos (Leonardi, 2004).

A legislação brasileira concede ao empregador

o poder diretivo, regulamentar, fiscalizador e dis-

ciplinar. Isso garante um conjunto de prerroga-

tivas jurídicas no exercício do poder de mando do

empregador para o controle tanto da atividade la-

boral quanto do local de trabalho – é o chamado

controle empresarial. Obviamente, tal poder, e-

xercido na relação de trabalho, é limitado sobre-

tudo pela Constituição Federal, que veda quais-

quer atitudes e atividades que agridam a liberdade

2. Possibilidades de controleNão alheias às novas

possibilidades tecnológicas,

as instituições de ensino

começam a adotar, agora

explicitamente, meios de

monitoramento e fiscalização

do trabalho dos professores

22REVISTA TEXTUAL setembro 2005 setembro 2005

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controle, estabelecendo o mínimo de garantias exigíveis

por parte do trabalhador a respeito de seus direitos, como

informar ao representante de empregados, ao sindicato

profissional ou a um terceiro medidor a respeito da

fiscalização (Paiva, 2004).

A empresa/instituição de ensino detêm a faculdade de

controle, tanto em relação ao correio eletrônico quanto à

conexão à internet, desde que ambos sejam efetivamente

fornecidos pelo empregador, ressalvando-se assim a conta

pessoal do correio eletrônico, mesmo que acessada do

local de trabalho. Tal faculdade pode se legitimar, desde

que se comprove que a fiscalização do correio eletrônico

serviu para o fim a que se destinava – provar algumas ili-

citudes ou desídia do empregado, sem maiores interven-

ções que pudessem revestir-se de ilegalidade e lesão a di-

reitos do empregado. O simples fato de ser um correio ele-

trônico proporcionado pela empresa, uma ferramenta de

trabalho, não deve ser suficiente para permitir a intercep-

tação do mesmo de forma arbitrária pelo empregador, sob

pena de ser considerada lesiva aos direitos fundamentais

do trabalhador (Paiva, 2004).

Quando um empregador instala um aparato de moni-

toramento e vigilância, ele está obrigado a captar somente

informações que tenham relação direta com o trabalho.

Qualquer captação de informações da vida privada das

pessoas envolvidas caracteriza a invasão da privacidade e

da intimidade. Isto serve tanto para câmeras de vídeo quan-

to para gravações em tape, máquinas fotográficas e con-

trole de chamadas telefônicas.

O caso da câmera de vídeo em sala de aula é, todavia,

mais complexo e, por conseqüência, a restrição à sua

utilização é ainda maior. A câmera de vídeo captará ima-

gens das ações dos professores e dos alunos. Se ela per-

manecer ligada durante os intervalos, captará, inclusive, o

momento de recreação dos alunos. Se ela estiver posicio-

nada na sala dos professores, obterá imagens da relação

existente entre os profissionais. Se ela estiver nos corredo-

res, toda movimentação será apreendida em imagens. O

limite entre o que é trabalho e o que é intimidade é tênue

nas relações que se dão dentro de uma instituição de ensi-

no. Não raras vezes há manifestações de carinho e afeto,

por exemplo, que, se deslocadas do contexto original, po-

dem suscitar equivocadas interpretações.

A regra da justificativa legal, moral e legítima serve

também para câmeras de vídeo em sala de aula. Deve o em-

pregador dizer por que quer instalá-las, por que quer moni-

torar e vigiar alunos e professores e, sobretudo, como vai

utilizar as imagens captadas. Estas informações devem ser

difundidas tanto ao corpo docente quanto ao corpo discen-

te. Em se tratando de crianças e adolescentes, é necessário o

conhecimento dos responsáveis legais.

Qualquer punição a professores e alunos obtida através

25 REVISTA TEXTUALsetembro 2005

e a dignidade do trabalhador (Delgado, 2005).

É dizer, o exercício do poder diretivo e fiscalizador do

empregador não pode servir em nenhum momento para a

produção de resultados inconstitucionais, lesivos dos di-

reitos fundamentais do trabalhador, nem à sanção do exer-

cício legítimo de tais direitos por parte daqueles. Na rela-

ção de trabalho devem ser respeitados os preceitos do art.

5º, X da C.F. – direito à intimidade, à vida privada, à honra

e à imagem. O contrato de trabalho não pode suportar, por

si mesmo, a renúncia destes direitos e sua restrição por

parte do empregador; deve ser objeto de justificação moral

e legal (Paiva, 2004).

Cabe lembrar que ao empregador é permitida a inser-

ção, para exercício de seu poder legal de fiscalização no

local de trabalho, de meios, equipamentos e aparatos que

possibilitem este exercício. Mas, esta fiscalização não

pode ser exaustiva e injustificada.

A liberdade do empregador supõe o poder de decisão

sobre a estrutura e funcionamento da empresa ou da insti-

tuição. Quer dizer, sobre a disponibilidade dos meios de

produção e a direção da prestação de trabalho do pessoal

contratado de acordo com as condições pactuadas no

contrato de trabalho.

Mas há de considerar que os contratos de trabalho são

baseados em princípios como o da boa-fé e da diligência

profissional. O a priori da relação de emprego é o de que o

empregado cumprirá, zelosamente, os compromissos que

assumiu quando os firmou com o empregador. Não pode

o empregador partir do pressuposto de que tais atividades

serão negligenciadas pelo empregado (Rossal, 1996). Con-

siderando isto, a autonomia organizativa do empresário

não é, e nem pode ser, ilimitada.

Consideremos dois exemplos: o caso da violação dos e-

mails e o da instalação de câmeras de vídeo nas salas de aula.

O correio eletrônico, proporcionado pela empresa/ins-

tituição de ensino, em regra, é destinado ao uso profissio-

nal, como uma espécie de ferramenta de trabalho de pro-

priedade da empresa, não podendo o empregado, a princí-

pio, utilizá-lo para fins particulares. Em regra e a princípio,

porque o empregado deve ser comunicado formalmente a

respeito da restrição na utilização do e-mail. Valendo a

mesma regra para os acessos à internet pela conexão do

local de trabalho. Há um princípio de publicidade que li-

mita a ação do empregador. Este princípio é prévio ao

poder fiscalizador do empregador.

O empregado deve estar consciente do caráter não

sigiloso de suas comunicações no local de trabalho. A

empresa/instituição de ensino deve advertir seus traba-

lhadores/professores de que todas as mensagens, de qual-

quer natureza, inclusive as pessoais, estão disponíveis para

o conhecimento do empregador. Bem como a utilização da

internet. Isso porque é razoável que o empregador moni-

tore os acessos para evitar a má utilização, e até abuso, do

equipamento e das ferramentas de trabalho. Mas, o moni-

toramento legitima-se na medida em que existem indícios

de má utilização, caso contrário, ele é injustificado e,

portanto, condenável (Vargas, 2002).

Esses indícios devem ser baseados em critérios obje-

tivos, como, por exemplo, a freqüência no número de

comunicações de caráter pessoal, ou o título próprio das

mensagens, no caso do correio eletrônico. Nesses casos, se

o empresário tiver um indício objetivo de que está sendo

produzida uma situação de abuso, deverá ser permitido o

O empregado deve estar

consciente do caráter não

sigiloso de suas comunicações

no local de trabalho. A instituição

de ensino deve advertir seus

professores de que todas as

mensagens, inclusive as pessoais,

estão disponíveis para o

conhecimento do empregador.

Mas, o monitoramento legitima-se

na medida em que existem indícios

de má utilização, caso contrário,

ele é injustificado e condenável

24REVISTA TEXTUAL setembro 2005

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27 REVISTA TEXTUAL

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3. A negociação coletiva e seu caráter normativo

As questões voltadas à inserção de meios eletrônicos de

controle do trabalho estão sendo levadas à Justiça do

Trabalho, sobretudo no que diz respeito ao poder punitivo

do empregador. É crescente o número de demissões por

justa causa que utilizam como prova de fundamentação a

quebra do sigilo de correspondência eletrônica, fisca-

lização de acessos à internet, gravações em tape e imagens

em câmeras de vídeo. No silêncio legal, em relação à

especificidade, o Judiciário muitas vezes olvida-se do fato

de que gravar imagens ou sons, bem como violar cor-

respondência privada, sem autorização judicial, são meios

ilícitos de obtenção de prova.

A adoção de medidas de controle e vigilância pode ser

estabelecida através de negociação entre empregadores e

empregados. A especificidade normativa pode vir com as

negociações coletivas. Para viabilizar a inserção destes

aparatos, preservando tanto o direito de empregadores

quanto o de empregados, é imprescindível que seja esta-

belecida uma clara política por parte da empresa/instituição

de ensino a respeito. Tais medidas devem ser publicizadas

ou normatizadas, por exemplo, por intermédio da

Convenção Coletiva de Trabalho, ou através da formação de

uma comissão paritária entre sindicatos profissionais e

sindicatos econômicos.

Somente a transparência pode garantir que seja mantido

o direito do empregador – direção, vigilância, regu-

lamentação e punição – e os direitos fundamentais dos

empregados – intimidade, comunicação, liberdade de

expressão, imagem.

setembro 2005

de captação de imagens sem o conhecimento dos mes-

mos, equivale, para associarmos um paradigma, à quebra

de sigilo telefônico. Só à guisa de exemplificação, quan-

do o Estado ou a iniciativa privada instalam em espaços

públicos ou privados câmeras de vídeo, tomam o cuidado

de publicizar o ato e ainda fixar placas com a mensagem

“você está sendo filmado”. No caso do contrato de traba-

lho, além de público, o ato deve ser justificado.

Deve ser justificado caso a caso. Não basta, no mo-

mento da contratação do empregado, um aviso ou auto-

rização genérica. O contrato de trabalho também consi-

dera a hipossuficiência do empregado, ou seja, sua impos-

sibilidade material de negociar determinadas condições.

O contrato de trabalho é um contrato de adesão. A gene-

ralidade da autorização não significa que foram cumpri-

dos os requisitos de publicidade e de justificação para uti-

lização de meios de controle, monitoramento e vigilância.

No princípio da proporcionalidade entre os direitos do

empregador – de fiscalização e vigilância – e os direitos

do professor e dos alunos – à intimidade, à vida privada, à

liberdade de expressão e comunicação e à imagem–, te-

mos que estes, por serem garantias constitucionais, direi-

tos fundamentais, devem ser preservados em sua plenitu-

de. É dizer, quando há risco de violação, deve-se optar pe-

la não-inserção das câmeras de vídeo. Na ausência de

pressupostos legais específicos, aos direitos fundamentais

é atribuída uma posição superior aos direitos celetizados.

Em alguns países europeus – como a Espanha, por

exemplo – a inserção de câmeras de vídeo, máquinas

fotográficas e gravadores no local de trabalho depende de

autorização de uma comissão composta por sindicato de

empregados, empregador e um membro do Judiciário.

Dessa forma, para que o empregador controle deter-

minado empregado, deve justificar suas razões e motivos,

e obter autorização formal para tanto. Caso contrário,

qualquer penalidade ao empregado proveniente de vigi-

lância não autorizada reverte-se em indenização ao tra-

balhador (Velasco, 2002).

Portanto, pela legislação atual, para inserir meios de

controle, monitoramento e vigilância no local de trabalho

são recomendáveis dois requisitos preliminares: o da pu-

blicidade do ato e a justificativa para fazê-lo.

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O uso de câmeras

nas escolas pode

parecer novidade

para alguns. Para

outros já é uma

realidade. Alguns

podem se horrorizar

e dizer que os

tempos do Big

Brother (não o da

televisão, e sim o de

1984, de George

Orwell) chegaram

é tarefa fácil. Por isso, as ações institucionais

devem ser pensadas à exaustão pela comu-

nidade envolvida, para que não se corra o

risco de produzir ações que, em curto prazo,

possam parecer positivas mas que, em longo

prazo, mostram-se ainda mais prejudiciais

que os defeitos que visam a sanar. O nazis-

mo, por um lado, e o stalinismo, por outro,

produziram ações que, decorridos mais de

cinqüenta anos, ainda produzem raiva, ódio,

náuseas, mal-estares; sua simples lembrança

provoca horror. Há quanto tempo a humani-

dade esforça-se, refletindo sobre tais expe-

riências, para produzir seu oposto – já que

não pode reverter os efeitos perversos des-

sas nefastas ações.

O uso de câmeras nas escolas pode pare-

cer novidade para alguns. Para outros já é

uma realidade. Alguns podem se horrorizar e

dizer que os tempos do Big Brother (não o da

televisão, e sim o de 1984, de George Or-

well) chegaram. Outros podem alegar que

isso nos dá segurança. As argumentações a

favor e contra são amplas. Cabe-nos produ-

zir reflexões que mostrem, com clareza, a

qualidade ética e pedagógica de tais ações.

Pensamos do ponto de vista de quem

acredita que as regras precisam ser interna-

lizadas e não constituírem apenas instâncias

externas reguladoras dos comportamentos.

Além disso, precisamos aprender a lidar

com a frustração sob pena de nos vermos em

um mundo cada vez mais inseguro em que os

efeitos das ações perversas predominarão

sobre os das ações benéficas. Referimo-nos,

neste texto, ao uso de câmeras filmadoras no

interior das escolas. Apressamo-nos a dizer

29 REVISTA TEXTUALsetembro 2005

o professor e o mundo da escola

Uso escolasde câmeras nas A direção da Escola Estadual Elói Lacerda, em Osasco, na grande São Paulo, resolveu instalar três câmeras filmadoras nas dependências do colégio, na tentativa de inibir a violência dos alunos. A decisão veio depois que os estudantes Rafael Barbato da Silva, de 18 anos, e David Vieira da Silva, de 19, foram feridos à bala durante o horário de aula, na noite da última quarta-feira. No dia seguinte, as aulas foram canceladas.

As câmeras foram instaladas ontem no pátio, na secretaria e na entrada do banheiro masculino. Hoje o colégio foi aberto, mas o clima ainda era de tensão entre os alunos. [...]

[O pai de uma aluna de 13 anos lembrou que] no final do ano passado, um jovem foi morto a tiros, por volta das 15 horas, em uma das esquinas do colégio, um dos 65 mantidos pelo Estado em Osasco (O Estado de S. Paulo, 16 abr. 2002).

As ações humanas são como as ondas. Depois de

cessada a causa que as gerou, elas continuam, durante mui-

to tempo, a produzir efeitos. Uma pedra, jogada num lago

de águas tranqüilas, em segundos chega ao fundo; as ondas

que ela produz podem durar horas. Se podemos dizer isso

das ações individuais, com muito mais razão poderemos

afirmá-lo das ações institucionais. Elas têm efeitos poten-

cialmente mais poderosos do que as ações dos indivíduos.

Efeitos benéficos ou destruidores. A escola é uma institui-

ção criada pela sociedade para produzir ações que, prati-

cadas pelos seus sujeitos, causem efeitos benéficos sobre

os comportamentos; efeitos de longo alcance, que durem a

vida inteira.

Mudar o rumo de ações potencialmente prejudiciais não

28REVISTA TEXTUAL setembro 2005

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gra legitimadas pela comunidade e até por

ações judiciais, medidas como blitz polici-

ais, cães farejadores, câmeras filmadoras.

A escola que não identifica seu com-

promisso educativo com a busca sistemá-

tica da autonomia identifica seu compro-

misso educativo com o exercício sistemá-

tico da heteronomia. Realiza-se o objeti-

vo da autonomia pela construção de rela-

ções de confiança e de respeito ativo (Bec-

ker, 2004). Realiza-se o objetivo da hete-

ronomia pela imposição sistemática de

relações de submissão: do aluno ao profes-

sor, do professor à direção, da direção

à Secretaria de Educação... Autonomia

constrói-se com relações democráticas.

Com relações autoritárias criam-se dita-

dores e indivíduos subservientes. E é pre-

ciso tomar cuidado: indivíduos subservi-

entes obedecem por temer um castigo e

não por força de uma consciência moral.

Logo, se puder evitar o castigo, nada o im-

pedirá de cometer atos ilícitos.

No momento em que a escola precisa

adotar instrumentos de vigilância, como

câmeras intramuros, ela está dando um

atestado de que não está confiando na edu-

cação que pratica. Se ela própria não con-

fia na educação que pratica, certamente

não serão os alunos que nela acreditarão.

Se a escola não acredita na sua autoridade,

não serão os alunos que nela acreditarão.

Ela está terceirizando a função da auto-

ridade. O que há com a escola que tão rapi-

damente renuncia a sua responsabilidade

pedagógica entregando-a a juízes, a poli-

ciais e, até, a cães farejadores?

Acreditamos no direito à privacidade.

Porém, é importante não confundir direito

à privacidade com abandono. Há alguns

anos, um garoto americano de 15 anos ma-

tou colegas e professores e, em seguida,

suicidou-se. A polícia encontrou no seu

quarto um verdadeiro arsenal. A mãe disse

que não entrava no quarto do menino há

alguns anos porque respeitava sua priva-

31 REVISTA TEXTUALsetembro 2005

que somos a favor de seu uso até o por-

tão da escola, não no seu interior. Tenta-

remos justificar o porquê.

Quando se pensa em vigiar, algu-

mas questões podem ser levantadas.

Vigiar para quê, por quê, a quem, quan-

do, como? Vigilância como cuidado

ou como ação ostensiva de controle

de comportamento?

Quando se diz que o porquê de vi-

giar é a segurança, pode-se perguntar:

segurança de quem? Dos que vigiam ou

dos que são vigiados? Ilude-se quem

pensa que controlando os compor-

tamentos de quem está sendo vigiado

fará com que cesse seus atos causa-

dores de insegurança e mal-estar. Se

alguém quer burlar a regra, podemos

dificultar essa ação, mas ele encon-

trará formas de fazê-lo. Poderá, even-

tualmente, ser flagrado; mas isso não

o demoverá de evitar atos ilícitos por

força da própria consciência – já que a

consciência ou não existe ou está

amordaçada.

Tudo que se faz na escola deve

visar a fins educativos. A escolha das

ações escolares deve mirar os obje-

tivos da educação. Educar é, então,

treinar para não ser flagrado cometen-

do atos ilícitos? Ou educar é, entre ou-

tros, ajudar a construir uma consci-

ência moral que leve o indivíduo a não

cometer atos ilícitos? Lembramos o

filme Laranja mecânica em que o

personagem principal recebe um tra-

tamento para não cometer atos de vio-

lência. Ele não os comete porque pas-

sa mal, fisicamente, ao pensar em

cometê-los; foi treinado para isso.

Moralmente, continua acreditando na

correção de tais atos, uma vez que não

sente a mínima culpa ao cometê-los.

Assim que cessarem os efeitos do con-

dicionamento e desaparecer o mal-

estar, voltará a praticar a violência,

sem nenhuma culpa.

Quando pensamos em educação,

pensamos fundamentalmente nessa

questão. As ações praticadas pelos a-

lunos, por decisão da escola (profes-

sores, direção, projeto político peda-

gógico, sistema educacional), visam a

formar estruturas de consciência, de

conhecimento e de afetividade – não

apenas estocar conteúdos. O manu-

seio de conteúdos deve ter por objeti-

vo a formação de tais estruturas e não

apenas sua estocagem. É por isso que

as ações escolares não devem ser pen-

sadas como treinamento – exercícios

repetitivos visando à formação de

comportamentos fixos –, mas como a-

ções orientadas, desde sua origem, pe-

la e para a autonomia.

A chamada escola tradicional é au-

toritária (Becker, 2005) no seu próprio

âmago. Vigora nela a heteronomia. Há

pouco lugar, no seu âmbito, para a au-

tonomia. Por isso, ao primeiro sinal de

descontrole, instauram-se nela, por

iniciativa de suas direções, via de re-

30REVISTA TEXTUAL setembro 2005

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33 REVISTA TEXTUALsetembro 200532REVISTA TEXTUAL

cidade. Esclarecemos que isso não é priva-

cidade. É abandono, descuido.

Câmeras na sala de aula, no corredor ou

no banheiro da escola, é cuidado? Compa-

remos a situação. Estabelecemos, com

nossos alunos, uma relação. Nosso com-

portamento muda, é claro, se alguém, com

a devida permissão, entra na sala para

filmar. Sabemos que aquelas imagens se-

rão vistas também por pessoas que des-

conhecemos e que nada sabem do que

acontece nesse recinto. Portanto, cui-

daremos para nos comportar de forma que

essas pessoas não façam um recor-

te descontextualizado, descaracterizando

o que aí acontece. Se, ao contrário, as

imagens colhidas forem destinadas aos

alunos daquela turma, a situação será di-

ferente, porque eles conhecem seu con-

texto relacional.

Quando recebemos uma visita em casa,

procuramos tratá-la levando em conta suas

características. Estamos sendo falsos?

Não, estamos usando regras de convi-

vência social, construídas ao longo de

gerações. Até por respeito a quem chega,

procuraremos recebê-lo ou recebê-la bem.

Da mesma forma, quando o professor está

em sala de aula, ele estabelece uma relação

particular com aqueles alunos. No dia em

que um determinado aluno falta ou algum

novo se integra à turma, um esforço

coletivo será feito para que se redesenhem

as relações nessa sala. É importante que

cada tempo de sala de aula constitua-se de

momentos de verdadeira relação, com

sujeitos reais, que se olham nos olhos e

constroem relações de respeito e tolerân-

cia. Como construir relações de respeito e

tolerância se há olhos estranhos presentes,

observando o que ali acontece com finali-

dades divergentes aos objetivos da sala de

aula? Aliás, de quem são esses olhos?

Relações de respeito e tolerância cons-

troem-se na medida em que se constro-

em relações significativas com alguém a

quem se procurará agradar para não perder

o afeto. O medo de estar sendo vigiado

impede que se formem relações significa-

tivas; antes, faz com que se busquem me-

lhores estratégias para escamotear dispo-

sitivos de vigilância ou burlar a regra.

Na faculdade onde trabalhamos, não há

banheiros distintos para professores e alu-

nos. Politicamente incorretos, às vezes

brincamos sobre a necessidade de haver

um espaço em que alunos possam falar mal

de professores e professores possam falar

mal de alunos. Entendemos que isso é mais

do que capricho; é necessidade. Isso signi-

fica que, ao fazê-lo, alunos desrespeitam

professores, ou professores desrespeitam

alunos? Não necessariamente. Falar mal é

reorganizar-se internamente, é envidar es-

forços para elaborar frustrações. Frustra-

ções de alunos frente a cobranças de pro-

fessores e frustrações de professores frente

a resistências ou críticas de alunos.

Há algo errado no fato de professores

falarem mal de alunos (ou no fato de pais

falarem mal dos filhos)? Não neces-

sariamente. Há momentos em que os pro-

fessores se sentem tocados com certas

questões que provocam raiva e precisam

setembro 2005

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elaborar tal sentimento. Igualmente,

alunos e, também, pais vivem conflitos

que precisam ser elaborados. Senti-

mentos negativos existem; não é reco-

mendável negar sua existência. É ad-

mitindo sua existência que podemos

aprender a controlá-los, a recalcá-los,

realizando um processo interior, indi-

vidual, que ninguém pode fazer por nós

– mas que precisamos da mediação dos

outros para fazê-lo.

Faz algum tempo, uma mãe contava,

muito contente, que na escola de Edu-

cação Infantil de sua filha podia-se

acompanhar a sala de aula via internet.

Somos absolutamente contra tal proce-

dimento. Não que se tenha algo a escon-

der, mas por uma razão pedagógica

elementar: a partir do momento em que

os pais escolheram a escola, devem

passar ao filho a segurança de que estão

bem cuidados. Se os pais escolheram

aquela escola específica, estão deixan-

do claro que entregam seu filho ou filha

porque acreditam que aquele é um lugar

muito bom. Se não confiam, então, por

que entregam? Se entregarem, sem

confiar, passarão aos filhos a idéia de

que aquele não é um lugar bom. Logo,

estão passando a mensagem de que os

filhos não devem adaptar-se e confiar.

Isso revela, por outro lado, a incapa-

cidade do adulto de tolerar frustrações

ao não conseguir desconectar-se do fi-

lho. As crianças precisam aprender a li-

dar com a frustração e uma das formas

para isso é aprender que os pais não

estão disponíveis o tempo inteiro. Isso é

quase impossível para os filhos se os

pais ainda não aprenderam essa to-

lerância. Os pais têm de ajudar os filhos

a aprender que, se eles não estão dispo-

níveis, há alguém que estará disponí-

vel para cuidá-los caso ocorra alguma

eventualidade. Ou seja, essa ausência

dos pais não significa descuido. Além

disso, o fato de os pais não consegui-

rem desconectar-se dos filhos mostra o

quanto os adultos não aprenderam a

tolerar frustrações; eles continuam a se

comportar como bebês que precisam de

satisfação imediata. Em vez de serem

34REVISTA TEXTUAL setembro 2005

referência indispensável à criança, competem com ela.

Exemplo. Professores de uma escola de Porto Alegre

pediram, em reunião com os pais, para que as crianças não

trouxessem celular para a escola; e, caso o trouxessem,

por julgar tratar-se de real necessidade, que o deixassem

no silencioso. Alguns pais manifestaram grande ansieda-

de só de imaginar que seus filhos não estariam, o tempo

todo, conectados.

Perguntamos pelos verdadeiros motivos da instalação

de câmeras no interior da escola porque não acreditamos

que eles tenham a ver com segurança. Embora tenham

ocorrido casos de violência no interior da escola, e eles

assustam, acreditamos que as verdadeiras razões são ou-

tras; razões ligadas à perda de identidade, de autoridade da

escola. Assim como se discute, há algum tempo, a respeito

da dificuldade da família em estabelecer limites, em en-

contrar o justo equilíbrio entre autoridade e respeito, deve-

se pôr em discussão a crise de identidade da escola.

A escola, e também a família, estão longe de produzir uma

síntese que supere de vez o autoritarismo que tudo coman-

dava e o também autoritário laissez-faire no qual caímos.

Não será a ambigüidade entre autoritarismo e laissez-faire

que leva a escola a apelar para recursos tecnológicos a fim

de recuperar o poder perdido?

Para alguns, é mais fácil viver sob um poder autoritário,

pois nele tudo se resume em disciplina; é muito mais fácil

que administrar conflitos, pôr as pessoas frente a frente,

olhando olho no olho, confrontando-se até chegar a con-

sensos. Será que os educadores de uma escola precisam

realmente de uma câmera filmadora para saber quem é que

vai cometer infração? Por isso, não nos opomos à presença

de câmeras nas estradas, nas ruas, nos supermercados, nas

prisões, na entrada da escola e na entrada do prédio onde

moramos.

Pelos motivos expostos e, talvez, por outros ainda não

explorados, nos opomos, sem concessões, à presença de

câmeras dentro da escola! Por motivos similares, nos opo-

mos à presença de câmeras dentro de nossa casa!

35 REVISTA TEXTUALsetembro 2005

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Resumo O presente artigo procura analisar o fenômeno da corrupção destacando aspectos teóricos e principalmente o custo desse fenômeno sobre a economia brasileira. O artigo inicia procurando definir alguns parâmetros teóricos como o conceito de corrupção, suas condicionantes, tipos e conseqüências sobre a socieda-de. A última seção traz alguns números do impacto da corrupção sobre a economia brasileira, deixando claro que o desvio de recurso de uma economia tão carente como a brasileira poderia ser reinvestindo em benefícios sobre toda a sociedade.

1 Mestre em Economia e doutoranda pela Ufrgs

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Introdução

venções firmados entre países e blocos econômicos, que compreendem preocupa-ções sobre o impacto desse fenômeno na democracia, justiça social, desenvolvimento econômico, comprometimento do Estado e estabilidade política.

Contudo, o que é efetivamente corrup-A corrupção não é um fenômeno re-ção? Quais os fatores que propiciam sua cente, bem pelo contrário. Se formos ana-ocorrência? Há tipos? Quais são suas con-lisar alguns fatos históricos, podemos obser-seqüências? E, principalmente, quanto cus-var a sua presença. Ela levou a estagnação ta ao Brasil a corrupção? Nesse ensaio, pro-econômica na China, infestou a administra-põe-se, de maneira muito modesta, respon-ção do Império Romano, dificultou o desen-der. Sendo assim, o ensaio está dividido em volvimento político da Grã-Bretanha e dos quatro seções. Na primeira seção, faz-se Estados Unidos e acelerou o colapso da uma breve retomada e revisão dos princi-Rússia. Porém, nas últimas duas décadas, é pais conceitos sobre corrupção. A segunda possível observar uma movimentação seção versa sobre os fatores que favorecem mundial em busca de solução ou pelo me-a corrupção. A terceira seção busca iden-nos minoração desse problema. As ini-tificar os principais tipos de corrupção e ciativas para combater a corrupção são suas conseqüências sobre a sociedade. Por inúmeras, traduzidas em tratados e con-

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Economia Brasileira.

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fim, na última seção, procura-se analisar poder público e o setor privado na presença os custos da corrupção sobre a econo- de algo ilegal. Há um consenso que a mia brasileira. corrupção refere-se a situações nas quais o

poder do cargo público é usado para ganhos pessoais de uma forma que transgride as regras do jogo. Cabe ressaltar que o conceito de corrupção antes de tudo depen-

A corrupção é um fenômeno que pode de da posição de cada observador ou do ser estudado cientificamente por diversas padrão jurídico de cada nação. O conjunto áreas, por esse motivo o termo apresenta de regras moral e social do Brasil e do uma série de definições dependendo da Paquistão é diferente entre si em alguns as-área de estudos. A corrupção tem origem na pectos e alteram a avaliação da sociedade palavra ruptura, que pode significar o rompi- do que é ou não passível de corrupção.mento ou desvio de um código de conduta moral ou social. Atualmente a corrupção é vista como uma espécie de conduta através

Durante algum tempo, a teoria econômi-da qual o agente motivado por alguma van-ca e social considerou que a corrupção tagem age desvirtuando as regras de de-apresentava aspectos benéficos. Entre terminado objetivo, contrariando o que a esses estudos, Nye (1967) considerava que sociedade considera como justo e moral.uma das vantagens da corrupção seria O conceito acima descrito, embora pos-contornar o excesso de regulação e buro-sa parecer simples em um primeiro mo-cratização pública, podendo com isso ace-mento, traz uma série de problemas quando lerar os procedimentos. As empresas, por procuramos defini-lo de forma mais exata. O exemplo, poderiam dentro de um processo problema de sua definição está exatamente de licitação reduzir seus custos e aumentar em identificar as regras que foram desvirtua-suas eficiências subornando o agente do das. Além disso, a proximidade das relações governo para obter informações sobre o sociais entre os agentes dificulta identificar processo. Nesse sentido, a corrupção servia uma situação de corrupção ou apenas uma também como uma forma de aumentar a situação socialmente aceitável. Isso em par-produtividade dos agentes públicos.te justifica a apreciação do termo corrupção

Obviamente, essa visão benéfica da por diversos estudiosos. corrupção não foi aceita nem pelo meio aca-Segundo Andving (2000), há diferença dêmico e muito menos pela sociedade, e os entre a corrupção econômica e os outros argumentos para combatê-la são muitos. tipos de corrupção. A corrupção econômica Segundo Rose (1975), é muito difícil limitar ocorre em uma determinada situação de essas práticas de corrupção em áreas onde mercado relacionada à troca de dinheiro ou supostamente ela seria favorável. Além dis-mercadorias. A corrupção social, por sua so, uma vez aceita a cobrança de propinas vez, pode valer-se de outras formas de para agilizar tal procedimento, nada impe-favorecimento como nepotismo, proteção, diria que os agentes públicos dificultassem clientelismo, entre outros.os processo apenas para beneficiarem-se.Já Nye (1967) considera que a corrup-

Soma-se a isso o problema da generali-ção ocorre quando o comportamento de um zação da corrupção, que desvia pessoas ca-determinado agente desvia-se das obri-pazes e talentosas para atividades ilegais, gações formais do cargo público, buscando deslocando toda a energia de determinados vantagens pessoais, riqueza ou status. Com agentes para ações que não geram ganho o objetivo de evitar conotações moralistas social algum. Segundo Mauro (1995), quan-sobre o termo corrupção, Macrae (1982) to maior o nível de corrupção, menores são emprega a idéia de arranjo. Para ele um as taxas de investimento interno e externo.arranjo significa uma troca privada entre

Não há nenhuma dúvida quanto aos duas partes que têm influência na disponibi-malefícios da corrupção, porém é um proble-lidade e alocação dos recursos, e que ma posto. Para que a corrupção ocorra, envolve o uso de responsabilidades públicas algumas condições devem ser seguidas: (a) ou coletivas para fins privados.

De uma maneira geral, os conceitos de a existência de poderes discricionários, (b) a corrupção compreendem a interação entre o existência de rendas econômicas conside-

1. Corrupção: as dificuldades de definir um conceito

2. As condicionantes da corrupção

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aumentam, principalmente aquelas relacio- suficientes para entrar na concorrência. nadas ao narcotráfico, o caminho natural Além disso, surgem graves distorções no passa a ser a diversificação das atividades, estabelecimento de prioridades, principal-

mente em relação aos gastos públicos. Nes-investindo em negócios legais de fachada. se sentido a corrupção impacta inclusive O narcotráfico boliviano é um exemplo claro sobre o crescimento e o desenvolvimento dessa situação. econômico. Os estudos realizados pelo Ban-Por fim, a corrupção política abarca os co Mundial demonstram claramente que os dois tipos anteriores e se manifesta por meio países que apresentaram maiores quedas do roubo do Tesouro Nacional por parte das no PIB em 2003 foram exatamente aqueles autoridades públicas ou através do financia-com maiores índices de corrupção. mento ilegal de campanhas eleitorais.

Segundo Al-Marhubi (2000), a corrup-Segundo Naím e Gall (2005), partidos políti-ção impacta também sobre a inflação por cos do Japão, entre outro países, costu-três motivos. Primeiro, porque, em governos mam se aproveitar de pagamentos realiza-onde o custo de coleta dos impostos é ele-dos por empresas privadas e estatais para vado e a evasão fiscal é grande, a ampliação financiar suas atividades e seus estilos de de receitas é realizada por meio da senhori-vida suntuosos.agem. Cabe lembrar que em nações A corrupção estimulada pelo crime orga-corruptas a carga tributária é maior. Segun-nizado e a corrupção política são atual-do, porque frente à corrupção há um mente as duas formas mais correntes de aumento na informalidade dos negócios, corrupção. A primeira facilitada pela integra-ampliando sua dependência em relação à ção informatizada dos mercados financei-inflação, e, por fim, aumentando as receitas ros, a segunda, fruto da disseminação da e elevando os gastos públicos. A corrupção democracia que tornou as eleições mais contribui para o déficit fiscal, influenciando freqüentes e os custos de campanhas mais negativamente sobre a inflação. Além disso, elevados. Atualmente qualquer candidato a reduz a produtividade do capital e o produto eleições precisa de dois recursos básicos, o por trabalhador na economia, apresentando dinheiro e o apoio público. A obtenção des-efeitos diretos sobre a taxa de juros. ses recursos faz com que os partidos políti-

Contudo, a corrupção tem solução sim. cos busquem contribuições de empresas, Qualquer ação no sentido de combater a abrindo espaço para uma possível relação corrupção deve levar em consideração que corrupta entre eles. Cabe lembrar que a a mesma pode ser vista como decorrência

democracia oferece oportunidades mais de um comportamento oportunista de um

visíveis para a corrupção do que em regimes agente econômico relacionado ao controle e

autoritários. Nestes últimos, por sua vez, a à regulamentação por parte do governo das

corrupção tende a ser institucionalizada, atividades econômicas. Sendo assim, as

controlada e previsível. ações direcionadas ao combate da cor-

O grande problema da corrupção é que rupção devem, primordialmente, estabe-seu resultado final não se limita apenas a lecer regras sérias e justas, que garantam o desviar recursos dos cofres públicos. Países resultado esperado pela sociedade.com índices de corrupção elevados ou Os valores morais são fundamentais pa-intermediários apresentam um menor ra que se compreenda a extensão da cor-volume de investimentos tanto interno como rupção e a recrimine. A forma como a socie-externo, em virtude do aumento da incerte- dade vê e aceita determinadas ações, como za por parte dos agentes econômicos quan- a violação das leis de trânsito ou a compra to ao custo e retorno de seus investimentos. de produtos piratas/contrabandeados, é um A corrupção passou a ser um dos fa-tores indicador sobre a aceitação de atos cor-relevantes na decisão do local do investi- ruptos. Sociedades com valores mais frá-mento. Segundo dados de Naím e Gall geis tendem a ser mais corruptas. Além (2005), as empresas chinesas gastam entre disso, a probabilidade do indivíduo ser pego 3% e 5% de seus custos operacionais com conta no momento deste tomar sua decisão. suborno de funcionários de outros países Desse modo, é necessário adotar sanções para obter vantagens ou garantir contratos. pecuniárias, pois em grande parte dos As menores empresas por sua vez sofrem casos o objetivo do corrupto pode ser ampli-mais, pois não têm recursos nem contatos ar patrimônio. Logo, um prejuízo econômico

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ráveis, e (c) uma percepção de impunidade de combatê-las. Para Naím e Gall (2005), é relativamente baixa. Quanto maior a quan- possível classificar a corrupção em três tidade de poderes do agente do governo, tipos: a corrupção empresarial competitiva, maior poderá ser a chance deste oferecer, a corrupção estimulada pelo crime organi-ao setor privado, práticas ilícitas. A separa- zado e a corrupção política. ção dos poderes entre os diversos agentes A corrupção empresarial competitiva

inclui todas as atividades ilegais de uma permite diluir o poder de negociação. O item (b) fala por si mesmo, quanto maior o volume empresa com o objetivo único de se manter de recursos, maior será o estímulo para que competitiva no mercado. Essa é tipicamente os proprietários busquem evitar a regulação uma corrupção empresarial que busca ga-(Jain, 2001). Para a última condição, é ne- rantir a sobrevivência da empresa em um cessário levar em consideração que o grau ambiente concorrencial. Essa situação é de corrupção irá depender da existência e muito comum nos grandes projetos de obras abrangência das barreiras aos atos corrup- públicas. Segundo Naím e Gall (2005), em tos. Aqueles que optam pela corrupção alguns países, é praticamente impossível devem acreditar que o risco e os rendimen- vencer um processo de licitação pública sem tos esperados por meio do ato ilegal são que se tenha subornado um agente público. mais valiosos que os riscos ou inconveni- Os regulamentos burocráticos dos governos entes de uma punição. O aumento da proba- acabam por estimular essas práticas. bilidade de um determinado agente ser A corrupção estimulada pelo crime orga-flagrado na prática ilícita ou de uma punição nizado é um pouco mais complexa de se mais severa reduz o grau de corrupção. identificar. As empresas envolvidas no crime

organizado têm como foco, e são criadas única e exclusivamente para, infringir a lei. Conforme os lucros dessas atividades Há diversos tipos de corrupção e formas

3. Corrupção: tipos e conseqüências

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estimado em R$ 100 bilhões, cerca de 5,5% tidade, ajuda a dimensionar a relação do do Produto Interno Bruto (PIB) de 2004. Isso setor privado com a corrupção. significa um gasto anual per capita de R$ Entre os seus resultados, um de cada 800,00 ou de R$ 67,00 por mês. Segundo três entrevistados disse que a corrupção é dados do Banco Mundial, caso a corrupção comum no ramo de negócios, 48% das fosse estancada, a renda per capita brasi- empresas brasileiras que participam de leira poderia passar dos R$ 9.743,00 para licitações oficiais para obras e compras R$ 16.394,80, o que representaria um cres- receberam pedidos de propina e 31% das cimento de 68,72%. Em contrapartida, caso empresas que dependem de licenças e a corrupção chegasse a patamares como o alvarás oficiais receberam pedidos para de Angola, a renda per capita teria uma pagar por fora. Dos agentes públicos com queda de 75%, passando para R$ 2.435,75. maior possibilidade de serem corruptos, Além disso, calcula-se que o volume de in- segundo as empresas pesquisadas, são os vestimentos de uma economia com grau de policiais, fiscais tributários, funcionários li-corrupção como a brasileira é cerca de 2,6% gados a licenças, parlamentares entre ou-menor que uma economia com baixa cor- tros. Do total de empresas pesquisadas, rupção, como o Chile. A corrupção pode sig- 69% gastam até 3% de seu faturamento com nificar, segundo o Banco Mundial, uma so- a corrupção. bretaxa de 20% sobre os investimentos. Ao comparar os três níveis de poder, a

Para que se tenha uma idéia sobre o que esfera municipal parece com a mais cor-pode ser feito com os recursos desviados rupta. O Ministério Público estima que, entre pela corrupção, podemos comparar com al- 1993 e 2000, só a máfia de fiscais que agia guns indicadores disponibilizados pelos na Prefeitura de São Paulo impediu que R$ IBGE para o ano de 2004. Apenas para 13 bilhões chegassem aos cofres públicos lembrar, o Custo na Corrupção no Brasil em em forma de impostos ou taxas. É importan-2004 foi estimado em R$ 100 bilhões. Nesse te ressaltar que nem sempre a moeda de mesmo período, o volume de investimento troca é o dinheiro. Funcionários corruptos estrangeiro indireto foi de R$ 52,9 bilhões, pedem presentes e mordomias, empregos a a amortização da dívida junto ao FMI² foi parentes, bem como contribuições para de R$ 2,6 bilhões, os investimentos da campanhas eleitorais. Seguindo a linha da União ficaram na ordem de R$ 10 bilhões pesquisa, o imposto mais vulnerável à em Habitação, R$ 5,64 bilhões na Agricul- corrupção é o Imposto sobre Circulação de tura e R$ 23,94 bilhões na Saúde. Mercadorias e Serviços (ICMS). Um exem-

Considerando que existe atualmente no plo disso foi a quadrilha de fiscais da Se-Brasil, conforme dados do IPEA, cerca de cretaria da Fazenda do Mato Grosso des-41,8 milhões de pessoas que ainda não têm coberta nos anos 90, que cobra 10% do acesso a serviços de saneamento básico e ICMS devido para deixar a mercadoria 17 milhões de pessoas que moram em entrar no Estado sem pagamento de impos-residências superlotadas, onde a densidade tos. Apenas um dos fiscais levava por mês populacional por dormitório é de três pes- cerca de R$ 90 mil.soas, o volume de investimento e o gasto Em junho deste ano, o chefe da Dele-com a corrupção são uma afronta. Isso sem gação do Banco Mundial, Daniel Kaufmann considerar que um terço da população brasi- disse: “Há países que estão em crise de leira, o que equivale a dizer 53,9 milhões de corrupção. Esses estão na linha vermelha, pessoas, são pobres. como no caso do Zimbábue e da Guiné

Embora o Brasil esteja dentro do gru- Equatorial. Depois, há os que estão na luz po de países intermediários no Ranking da verde, que estão muito bem, como os países Corrupção, alguns dados revelam que o Bálticos e os países que acabam de ter problema pode ser mais sério do que se ima- acesso à União Européia. Há também os gina. Um levantamento realizado pela Kroll países que têm muitos desafios, são Associates, multinacional de gerenciamento alaranjados, e há os que estão no meio de de risco, e pela Transparência Brasil, ONG tudo, são os de luz amarela, como o Brasil”. preocupada com a promoção da hones- A questão aqui é sabermos se vamos

² Dados para o 4º trimestre de 2004

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ligado a uma perda patrimonial hoje e no fu- rito que têm como principal função investigar turo fará o agente reavaliar suas decisões. qualquer denúncia que envolva os membros

Soma-se a isso a necessidade de simpli- do Poder Legislativo, tendo poderes de ficar os processos administrativos reduzin- investigação assegurados pela Constitui-do os espaços para a corrupção, contando ção. Cabe lembrar que não compete à Co-com a participação de órgãos de fiscaliza- missão julgar ou decidir, mas sim elaborar ção e controle das políticas públicas. relatórios completos que serão encaminha-

dos ao Plenário da Casa Civil. Os parla-mentares devem estabelecer mecanismos transparentes de controle da atividade go-A corrupção no Brasil, ao longo da vernamental e parlamentar que possam história, parece sempre ter estado presente conter o gasto público, assegurar a utiliza-na administração pública, em maior ou ção dos recursos em prol da sociedade e menor grau, influenciando a evolução do solidificar as instituições públicas. nosso país e a melhoria de nossa socieda-

O grande problema é que as instituições de. Isso possibilitou, de certa forma, que o brasileiras ainda são muito fracas, gerando país estruturasse um sistema-norma capaz um enorme abismo entre o que pregam, a de reprimir os desvios de conduta adminis-norma/regras, e o que efetivamente é prati-trativa, os crimes de colarinho branco, os cado. Isso reflete claramente quando obser-desvios de verbas e a corrupção de modo vamos os resultados das pesquisas reali-geral. A luta contra a corrupção fica a cargo zadas por dois economistas do Banco Mun-da Polícia Federal, do Ministério Público e do

Poder Judiciário, auxiliados pelo Tribunal de dial, Daniel Kaufmann e Art Kray, que ela-Contas do Estado, o Ministério Público Es- boraram um banco de dados com indica-

dores de boa governança de 160 países e tadual, Procuradoria Geral da República, incluíram como indicador o combate à cor-Secretaria da Receita Federal, Câmaras rupção. Conforme a pesquisa, o Brasil o-Municipais e por que não dizer a imprensa,

que tem a obrigação de divulgar as denúnci- cupa a septuagésima posição, encontrando-as desde que isentas de qualquer aspecto se ao lado de países como Sri Lanka, Ma-ideológico ou interesses corporativos. lauí, Peru, Jamaica, Cuba e Bielo-Rússia

Além desse instrumento, poderíamos (Tabela 1). citar as Comissões Parlamentares de Inqué- O gasto com corrupção no Brasil está

4. A corrupção no Brasil

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Os mais honestos Colegas do Brasil Os menos honestos

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Finlândia

Suécia

Islândia

Cingapura

Holanda

Nova Zelândia

Dinamarca

Canadá

Suíça

Inglaterra

Turcomenistão

Angola

Iraque

Somália

Myanmar

Papua Nova Guiné

Sudão

Rep. Dem. do Gongo

Burundi

Afeganistão

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Malauí

Jordânia

Barein

Croácia

Sri Lanka

BRASIL

Letônia

Peru

Jamaica

Bielo-Rússia

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passar o sinal amarelo ou se ficaremos presos no sinal vermelho. Essa decisão dependerá de como a sociedade, o gover-no e o país vão responder aos processos de corrupção.

A corrupção não é um problema único e exclusivo do Brasil, toda a comunidade mundial volta seus olhos para esse fenô-meno e seus impactos sobre a sociedade como um todo.

A análise econômica sobre a corrupção não é completa e nem pretende ser. É muito simplista considerar que o impacto da cor-rupção limita-se apenas à redução do in-vestimento e a problemas na alocação de talentos. O custo social é muito maior que o econômico. Desviar recursos que poderiam melhorar as condições de vida da popula-

Conclusão

ção é uma ofensa para aqueles que acre-ditam na democracia e na justiça social.

Entretanto, não podemos acreditar que a corrupção está limitada ao universo público. Muitas vezes, dentro das nossas próprias casas incentivamos certas atitudes que também são vistas como um ato de corrupção. Comprando produtos piratas, tendo pontos de TV a cabo não pagos ou lendo o jornal do vizinho, contribuímos para que essas atitudes sejam vistas como normais. Temos a tendência a achar que o corrupto é aquele que promove grandes golpes aos Estados, carrega malas de dinheiro e suborna políticos. Isso sem dúvi-da nenhuma é corrupção, principalmente dentro da visão econômica, mas faz-se ne-cessário analisar esse conceito sob a ótica das demais áreas, como a Filosofia, a So-ciologia e as Ciências Políticas.

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