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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 1 www.compos.org.br www.compos.org.br/anais_encontros.php SUJEIÇÕES CON-SENTIDAS: estudo empírico da felicidade no trabalho em uma organização costarriquenha 1 . Lisbeth Araya Jiménez 2 Resumo: Nessas linhas fazemos um percurso exploratório pelas compreensões através das quais as ciências sociais têm definido as emoções; trajeto que consideramos fundamental para chegar no estudo da emoção específica da felicidade no trabalho, a partir da comunicação. Desde uma perspectiva crítica, - que analisa aquilo que as emoções fazem na subjetividade, nos vínculos e nas relações sociais no âmbito organizacional-, testamos empiricamente nossas categorias analíticas na procura de uma bússola que oriente a pesquisa sobre felicidade das pessoas no trabalho, no mundo contemporâneo. Palavras-Chave: Emoções, Felicidade no trabalho, Comunicação organizacional. Abstract: In these lines we make an exploratory journey through the understandings through which the social sciences have defined the emotions; course that we consider fundamental to arrive at the study of the specific emotion of happiness at work, from the communication. From a critical perspective, - which analyzes what emotions do in subjectivity, in social bonds and relationships in the organizational context-, we empirically test our analytical categories in the search for a compass called to guide our research on people's happiness at work, in the contemporary world. Keywords: Emotions, Happiness at work, Organizational communication. 1. Introdução A reflexão, definição e procura pela compreensão das emoções e dos sentimentos, é tão antiga quanto a humanidade e se faz presente tanto na filosofia africana, quanto na filosofia clássica ocidental, chegando nas ciências sociais a partir do século XIX; evidentemente em cada época, contexto e sociedade, a definição das emoções, sua compreensão e controle, variam. Muitas autoras e autores 3 concordam com a ideia de que os anos oitenta do século passado marcam uma retomada do estudo das emoções com força renovada nas múltiplas disciplinas que conformam as ciências sociais, tanto na pesquisa como na reflexão teórica. Dita retomada tem coerência com os chamados regimes de sentimentalidade (AHMED, 2015, p. 10), 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Comunicação Organizacional do XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2018. 2 Doutoranda em Comunicação e Cultura na Universidade Federal de Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil. Professora e pesquisadora na Universidade da Costa Rica (UCR), Centro de Investigação em Comunicação (CICOM). Bolsista da Oficina de Assuntos Internacionais (UCR). [email protected]. 3 Lutz; Abu-Lughod em Harding e Pribram, 2009; Freire-Filho, 2010; Rezende e Coelho, 2010; Greco e Stenner apud Ahmed, 2015.

SUJEIÇÕES CON-SENTIDAS estudo empírico da felicidade no ...€¦ · uma bússola que oriente a pesquisa sobre felicidade das pessoas no trabalho, no ... Pela sua vez a sociologia

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

1 www.compos.org.br

www.compos.org.br/anais_encontros.php

SUJEIÇÕES CON-SENTIDAS: estudo empírico da felicidade

no trabalho em uma organização costarriquenha1.

Lisbeth Araya Jiménez2

Resumo: Nessas linhas fazemos um percurso exploratório pelas compreensões através das quais as ciências sociais têm definido as emoções; trajeto que consideramos fundamental para chegar no estudo da emoção específica da felicidade no trabalho, a partir da comunicação. Desde uma perspectiva crítica, - que analisa aquilo que as emoções fazem na subjetividade, nos vínculos e nas relações sociais no âmbito organizacional-, testamos empiricamente nossas categorias analíticas na procura de uma bússola que oriente a pesquisa sobre felicidade das pessoas no trabalho, no mundo contemporâneo.

Palavras-Chave: Emoções, Felicidade no trabalho, Comunicação organizacional. Abstract: In these lines we make an exploratory journey through the understandings through

which the social sciences have defined the emotions; course that we consider fundamental to arrive at the study of the specific emotion of happiness at work, from the communication. From a critical perspective, - which analyzes what emotions do in subjectivity, in social bonds and relationships in the organizational context-, we empirically test our analytical categories in the search for a compass called to guide our research on people's happiness at work, in the contemporary world.

Keywords: Emotions, Happiness at work, Organizational communication.

1. Introdução

A reflexão, definição e procura pela compreensão das emoções e dos sentimentos, é tão

antiga quanto a humanidade e se faz presente tanto na filosofia africana, quanto na filosofia

clássica ocidental, chegando nas ciências sociais a partir do século XIX; evidentemente em

cada época, contexto e sociedade, a definição das emoções, sua compreensão e controle,

variam.

Muitas autoras e autores3 concordam com a ideia de que os anos oitenta do século passado

marcam uma retomada do estudo das emoções com força renovada nas múltiplas disciplinas

que conformam as ciências sociais, tanto na pesquisa como na reflexão teórica. Dita retomada

tem coerência com os chamados regimes de sentimentalidade (AHMED, 2015, p. 10),

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Comunicação Organizacional do XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2018. 2 Doutoranda em Comunicação e Cultura na Universidade Federal de Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil. Professora e pesquisadora na Universidade da Costa Rica (UCR), Centro de Investigação em Comunicação (CICOM). Bolsista da Oficina de Assuntos Internacionais (UCR). [email protected]. 3 Lutz; Abu-Lughod em Harding e Pribram, 2009; Freire-Filho, 2010; Rezende e Coelho, 2010; Greco e Stenner apud Ahmed, 2015.

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próprios das nossas sociedades globalizadas, essa perspectiva é também reconhecida como a

virada emocional4.

No que diz respeito a emoção da felicidade especificamente, a contemporaneidade

conseguiu colocar ela tanto no topo da pesquisa acadêmica, no cerne das aspirações da

existência humana, do senso comum, da publicidade e do marketing, na perspectiva mais pós-

moderna do new age e sua lógica do pensamento positivo, no coaching, quanto na realização

no trabalho.

O trabalho, pela sua vez, é o organizador da vida no mais amplo sentido do termo; na

medida em que, as nossas rotinas, lugares de residência, tempos de traslados, amizades,

relacionamentos, até o valor pessoal hoje, está governado em uma boa medida pelo trabalho

(tê-lo ou não, que tipo de trabalho, em qual categoria ou patamar, ter sucesso ou não nele, se

realizar ou não, etc). Enfrentamos assim, cada dia, um dos paradoxos do contexto

contemporâneo: ao mesmo tempo que o trabalho adquire centralidade, o(a) trabalhador(a) está

mais desprotegido(a) porque o trabalho informal continua a aumentar, o subemprego cresce, a

chamada uberização do trabalho5 (ABÍLIO, 2017) se incrementa, e a distância entre o público

e o privado se perde progressivamente.

Neste artigo as duas dimensões em análise são exatamente essas, felicidade e trabalho,

por isso, resumimos primeiro os olhares gerais com os quais as ciências sociais (psicologia,

sociologia, e antropologia) têm definido as emoções, para chegar depois na comunicação e

nas categorias analíticas que usamos para estudar as percepções que, sobre felicidade no

trabalho têm um grupo de funcionárias e funcionários administrativos de um Instituto de

Pesquisa na Universidade da Costa Rica. A reflexão teórica sobre emoções em geral e sobre

felicidade em particular, assim como a centralidade normativa do trabalho apresentadas neste

artigo, fazem parte da tese de doutoramento da autora - em andamento-6.

Interessa-nos, especificamente, a leitura política das emoções e sua função na construção

tanto das subjetividades contemporâneas, quanto dos grupos e dos relacionamentos entre eles,

sublinhando o papel decisivo da organização e das suas práticas na saúde dos funcionários.

Metodologicamente para as indagações específicas que são descritas e discutidas neste

artigo, usamos um questionário com perguntas fechadas. O link (google form) foi enviado

4 “El giro emocional” em espanhol, “The emotional turn” em inglês. Michelle Rosaldo (apud AHMED, 2015, p.11) o chama de “embodied thought”. 5 Segundo Abílio (2017), a “uberização do trabalho” refere-se a um novo estágio de exploração, que traz mudanças qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração das empresas, assim como às formas de controle, gerenciamento e expropriação. 6 A tese é um estudo de alcance descritivo e desenho misto que compara tanto as práticas organizacionais como os discursos dos empregados de um grupo de cooperativas na Costa Rica e no Brasil, colocando no cerne o coletivo e a organização.

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pelo e-mail a todas e todos os funcionários administrativos e respondido por elas e eles no

mês de dezembro de 2018. Antecipadamente foi revisado pela diretora e por um grupo de

funcionárias do Instituto de Pesquisa (que chamaremos de IP). O questionário foi anônimo e

responderam um total de 16 pessoas; os dados foram processados (frequências simples) e são

descritos abaixo, após explicar nosso referencial teórico.

2. A compreensão das emoções nas ciências sociais.

Nas ciências sociais, em geral e grosso modo, podemos dizer que as emoções têm sido

estudadas desde duas perspectivas7, uma que as vincula com o corpo e outra com a cognição

(AHMED, 2015). A primeira vertente é herdeira de autores clássicos como René Descartes e

David Hume, até William James8; para ela, em resumo: a emoção é o que o corpo sente,

sentimos medo porque temos resposta galvânica da pele, tristeza porque choramos, etc. Assim

por exemplo W. James, no seu artigo What is an emotion? publicado em 1884, explica como

ao encontrarmos com um urso, ficamos com medo e fugimos9.

Herdeira dessa vertente é a linha chamada de Afective studies, – por outros conhecida

como etnopsicologia ocidental moderna (REZENDE e COELHO, 2010, p. 20) – que explica a

vida afetiva a partir da perspectiva orgânica, especialmente na medida em que compreende as

emoções como resultado de processos psicobiológicos, com funções adaptativas e portanto

universais, irracionais e naturais (dela decorrem, por exemplo, classificações das emoções em

primárias e secundárias) e centra uma parte da sua reflexão e pesquisa na expressão dessas

emoções consideradas internas. As emoções se convertem assim em propriedade dos sujeitos

(AHMED, 2015, p.13), Sara Ahmed chama isso de pretensão de interioridade e também de

privatização das emoções, que desde a psicologia construiu e naturalizou a ideia das emoções

como componentes que vão de dentro do corpo individual para fora10. Coerente com a

perspectiva biológica, tem se pensado que as emoções cumprem uma função de adaptação

(MILLER, 1997, p.10).

Considera-se também (na psicologia) que os sentimentos produzem reações corporais o

qual permite pensar que as emoções acontecem de maneira independente da vontade do

7 Como toda construção categorial, essa é uma separação possível, sem aspiração nenhuma de verdade nem de exclusividade. 8 AHMED, 2015, p. 25. 9 Esse exemplo clássico é citado em vários textos que estudam emoções, entre eles Le Breton (2009, p. 121) e Ahmed (2015, pp. 29-30), na última referência a autora recomenda Castañeda (2002) para uma excelente leitura sobre a maneira na qual, a figura da “criança” se produz na teoria. 10 Cf. AHMED, 2015, p. 31.

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sujeito (REZENDE e COELHO, 2010, pp. 22-23), no qual também fez seu aporte a

psicanálise.

Assim, historicamente uma proporção nada depreciável da psicologia compreendeu e

estudou as emoções desde o ponto de vista da biologia, essa perspectiva sobrevive até os

nossos dias, por exemplo, na Universidade de Porto em Portugal, o SexLab, coordenado por

um profissional da psicologia, mede a resposta fisiológica genital de homens e mulheres ante

estímulos erógenos,11 na procura de respostas sobre os porquês da excitação e as suas

diferenças entre gêneros e em atenção a idade das pessoas.

Sara Ahmed reflete criticamente sobre como o pensamento evolucionista tem sido crucial

na maneira na qual compreendemos as emoções: elas são descritas como um signo da “nossa”

pré-história, e do modo no qual persiste o primitivo no presente. Segundo essas perspectivas

estão, diz a autora, não só embaixo, mas, atrás do homem/humano, como signo de uma época

antiga e primitiva (AHMED, 2015, p. 23).

Também se teve a perspectiva psicológica geral das multidões, das massas12 e grupos13

que propôs a ideia da emoção como uma questão que o sujeito individual adotaria do grupo,

fosse pelo contágio, a imitação, a introjecção ou a identificação. Nessa ótica, em geral, a

expressão dos sentimentos seria o processo regrado por prescrições sociais.

Pela sua vez a sociologia (cujo nascimento, como sabido, perpassa a diferenciação e o

distanciamento da psicologia), faz uma crítica às compressões que colocaram na fisiologia a

origem das emoções. Os clássicos da sociologia - Émile Durkheim (2000) e Marcel Mauss

(1981) -, estudando as chamadas tribos australianas no começo do século passado, elucidaram

que as emoções são uma construção social, relacionada com a pressão moral, que explica ao

mesmo tempo a emoção e o coletivo, e que estão baseadas em um signo, uma simbologia, um

significado que dá conta da sua eficácia nos coletivos; portanto, estão relacionadas com a

linguagem, com a comunicação.

Durkheim, ainda se distanciando da psicologia, continua no que Ahmed chama de enfoque

de “fora para dentro”, isto é, tanto a compreensão “psi” quanto a nascente sociologia do início

do século passado, acreditaram na existência – objetiva – de uma separação entre “eu e nós”

“indivíduo e sociedade”; “dentro e fora”.

11 https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/30/eps/1517337621_684554.html consultado 5 de janeiro de 2019. 12 Lembremos o clássico de Psicologia das Massas e Análise do Eu, de Sigmund Freud de 1921 e nele as críticas às ideias de alma coletiva e contágio de Le Bon e Mc Dougall. 13 Para um resumo da psicologia das multidões veja-se Blackburn e Walkerdine, 2002, apud, Ahmed, 2015, p. 34.

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A primeira perspectiva é criticada por todas e todos os autores14 que incluem em diversos

graus os componentes cognitivos, sociais, culturais e políticos na abrangência da constituição,

desenvolvimento e controle das emoções na contemporaneidade (MILLER, 1997; REZENDE

e COELHO, 2010; AHMED, 201515).

A segunda vertente a partir da qual tem se estudado as emoções nas ciências sociais,

explica a emoção como um processo de julgamento, nasce como é sabido na filosofia com

Aristóteles, passando por Jean-Paul Sartre até Robert C. Solomon, para chegar aos nossos dias

com teóricas como Elizabeth V. Spelman e Marta Nussbaum16.

Segundo Claudia Rezende e Maria Claudia Coelho (2010) a antropologia das

emoções, tem abordado seu objeto através de três grandes perspectivas: interpretativa,

relativista e contextual. Lila Abu-Lughod e Catherine A. Lutz (em HARDING e PRIBRAM,

2009) as chamam de estratégias com as quais se desenvolveu (ou pode se desenvolver) a

antropologia das emoções: essencializando17, relativizando, historicizando ou

contextualizando o discurso da emoção (p.100).

Essencialista seria a abordagem para a qual, a emoção é natural, propriedade do

sujeito individual e, portanto, universal (Ibid., p. 101). Discordamos dessa aproximação, seja

usada na psicologia ou na antropologia.

A estratégia historicista tem estudado notadamente discursos sobre emoções,

subjetividade, e o self, analisando-os através do tempo, olhando nos lugares particulares e

momentos históricos em que acontecem, para perceber as suas mudanças: especialmente

quando e como eles mudam (Ibid., p. 102). Nossa pesquisa não adere a essa estratégia de

estudo das emoções.

A abordagem interpretativa segundo Rezende e Coelho (2010, p. 14) surge nos

Estados Unidos na década dos anos setenta do século passado, quando a cultura passou a ser

compreendida como uma série de significados construídos de sociedade para sociedade; na

época os estudos enfatizaram a articulação das emoções com as definições vigentes de pessoa,

a moralidade, a estrutura social e as relações de poder. A perspectiva relativista – dizem as

autoras – aparece uma década depois, sendo as emoções compreendidas como conceitos

culturais que produzem e permeiam a experiência afetiva e como elementos das práticas

ideológicas (LUTZ apud REZENDE e COELHO, 2010, p. 14). Se desfazem as antigas 14 Kemper, 1978; Hochschild, 1983; Rosaldo, 1984; Lutz E Abu-Lughod 1990; Collins, 1990; White, 1993 Katz, 1999; Williams, 2001 apud, AHMED, 2015, p. 32. 15 Ainda essa última autora argumenta que “as emoções envolvem a materialização dos corpos, e em consequência, mostram a instabilidade “do biológico” e “do cultural” como maneiras de entender o corpo” Ahmed, 2015, p. 29. 16 Cf. Rezende e Coelho, 2010. 17 Tradução libre de essentializing em inglês.

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disputas sobre as emoções como contidas dentro dos sujeitos ou existindo fora deles (estados

subjetivos/sentimentos sociais) na medida na qual a cultura cria, também, essas categorias.

Mais recentemente, a abordagem contextual toma força; nela, ecoando seu nome, o

contexto tornou-se o fator central, tentando sair do relativismo anterior, se prioriza a análise

tanto das circunstâncias, e das suas influências na mudança das emoções ao interior de um

grupo social; quanto das consequências da expressão dos sentimentos nas relações sociais e

de poder. (REZENDE e COELHO, 2010, pp. 14-15).

Além da linha estadunidense, há uma vertente também amplamente desenvolvida na

França, da qual, um dos mais conhecidos exponentes é o sociólogo e antropólogo, David Le

Breton. Entre as contribuições de Le Breton à discussão sobre emoções, resulta interessante a

noção de avaliação cognitiva18.

Concordando em aparência com as propostas da abordagem contextual, Le Breton

(2009, p.139-141) situa a emoção em circunstâncias e ambientes, em um contexto social, do

qual toma os significados e em função do qual surge a resposta adequada em cada particular

circunstância, resposta que, segundo a sua elaboração conceitual, passará sempre pela

interpretação do sujeito individual.

Em síntese, no estudo das emoções alguns autores e autoras (na dependência de suas

disciplinas, linhas teóricas de pertença e os momentos e geografias nas quais se produzem as

suas escritas) se interessam pela expressão – obrigatória – das emoções como construções

coletivas que ao mesmo tempo dão conta dessas coletividades (DURKHEIM, 2000; MAUSS,

1981). Outros relacionam as emoções com o controle moral que produz hierarquias

(MILLER, 1997)19, há quem as defina como a interpretação dos significados atribuídos pelos

sujeitos individuas a circunstâncias inscritas em contextos sociais (LE BRETON, 2009) e tem

ainda quem aspira à sua mudança olhando para o futuro com otimismo coletivista

(MAFFESOLI, 2009).

Outras autoras, mais interessadas por o que as emoções fazem – aquilo que orientam –

refletem sobre sua dimensão relacional, vincular (AHMED, 2015). Finalmente temos uma

aproximação que sem descartar componentes da biologia prioriza o cultural (as normas

sociais vigentes, a construção de crenças), na preocupação pelo rol das emoções na vida

pública (especialmente no exercício do direito, a legislação e as políticas públicas)

adicionando à perspectiva moralista os critérios de razoabilidade/verdade; e explicando na

18 Essa ideia da cognição encontrava-se já em Aristóteles e em Sartre (apud Ahmed 2015, p.26), e é desenvolvida em Nussbaum 2006 -que reflete sobre o julgamento e as crenças- e em Ahmed 2015. 19 Essa ideia é apropriada depois por Nussbaum, 2006 e Ahmed, 2015.

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vulnerabilidade humana uma boa parte do nosso agir emocional sobre os objetos de nosso

mundo, sejamos ou não conscientes daquilo (NUSSBAUM, 2006).

Apesar dessas diferentes aproximações, todas e todos os teóricos citados parecem

coincidir na sua base sociocultural em detrimento da perspectiva biológica. É a dita corrente

de pensamento que este artigo adere, especialmente por considerar que as emoções são uma

construção sociocultural (DURKHEIM, 2000; NUSSBAUM, 2006), criada através da

linguagem (MAUSS, 1981), dos sentidos socialmente compartilhados (Le BRETON, 2009),

possibilitados ou restritos, permitidos ou negados, isto é, a comunicação inserida nos

contextos particulares, politicamente determinados (AHMED, 2015), mediadas assim pelas

relações de poder e inseridas em estruturas sociais específicas (MILLER, 1997;

NUSSBAUM, 2006; AHMED 2015).

Afirmamos, outrossim, que a emoção está atrelada ao pensamento, consideramos que

são duas estruturas diferentes, mas estruturalmente unidas; no entanto esse pensamento-

emoção tem uma dimensão que escapa ao sujeito, tanto em relação com ele próprio, quanto

com os seus relacionamentos e vínculos, incorporando na nossa pesquisa o conceito freudiano

de inconsciente.

As emoções não pertencem aos sujeitos individuais, (ainda que tenham sido

culturalmente edificados como tais), nem à coletividade, mas, se produzem através do contato

entre esses corpos individuais e coletivos20. Para que esse nascimento possa acontecer, são

precisos uns antecedentes históricos e culturais, fundamento para a compressão dos signos,

sentidos e significados compartilhados (MAUSS, 1981; Le BRETON, 2009; NUSSBAUM,

2006; AHMED 2015), a forma pela qual pensamos, além domais, a forma pela qual antes de

pensar construímos as palavras para nomear as coisas do mundo que habitamos, são

estruturalmente uma construção coletiva e social.

3. Delineando nosso campo de estudo: felicidade e trabalho na comunicação

Feito (grosso modo) esse percurso pela compreensão que em geral as ciências sociais têm

tido das emoções, e explicado nosso lugar teórico e epistêmico; é possível agora nos adentrar

na análise da felicidade, uns dos temas mais pesquisados no ocidente nas últimas seis décadas.

Como a felicidade esteve e está na moda tem-se produzido desde o “índice do planeta

feliz”, à “Felicidade Interna Bruta”21 (SEQUEIRA, 2009), a medição do “país mais feliz do

20 Cf. AHMED, 2015, p. 19. 21 Também chamada Felicidade Nacional Bruta (FNB) que, como é sabido nasceu em Butão em 1972 com a intenção de se separar do crescimento econômico como indicador exclusivo do progresso de um país.

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mundo”, o mapeamento da felicidade, a sua promoção em famosas campanhas publicitárias22,

inúmeros livros de autoajuda e espiritualidade que descobrem o segredo (as vezes importado)

para a felicidade23, programas de televisão com dicas e artesãos para a superação pessoal

(FREIRE FILHO, 2011), a invenção do coaching; até jornais que tipificam a melhor

companhia para trabalhar e ser bem-sucedido e feliz nela. Como aponta Vasconcelos (2004, p.

2) se destacam as edições de revistas que exaltam os esforços das organizações em

proporcionar um ambiente de trabalho (AT) mais saudável aos seus empregados; nos Estados

Unidos a revista Fortune anualmente edita The 100 best companies to work for in America,

assim como a Boa Cidadania Corporativa e a Revista Exame com Melhores empresas para

você trabalhar -cujo nascimento substituiu o Índice de Felicidade no Trabalho (IFT) que

segundo Bakker (2012) era mais objetivo e atualizado e se produzia desde 1997-. Existe

também a organização “Great Place to Work”24.

Em relação com a pesquisa acadêmica sobre felicidade, temos abordagens a partir da

filosofia, psicologia, sociologia, antropologia, administração, economia e a comunicação dos

quais encontram-se um mapa genérico em A felicidade nas organizações sociais25.

Sant’anna, Paschoal e Gosendo (2012, p. 746) apontam a dificuldade de generalização

dos resultados encontrados, pois os estudos são conduzidos com organizações e grupos de

trabalhadores específicos, e para as autoras raramente são replicados. Isso se contrapõe à

coletânea de pesquisa quantitativa encontrada, por exemplo, na psicologia, na economia e na

administração; áreas nas quais são frequentes os questionários (originais e adaptados) que

evidenciam o entendimento da felicidade como medível e a apreciação das técnicas

econométricas.

Os estudos analisados no mapeamento mencionado parecem coincidir com França e

Dejours (apud VASCONCELOS, 2004, p. 5) quando apontam respectivamente, que a relação

entre felicidade e trabalho está profundamente atada às condições físicas e ambientais do

mundo do trabalho. Tanto a quantidade de pesquisa encontrada na psicologia quanto o centro

na percepção dos funcionários/as evidenciam a profundidade com que a pesquisa acadêmica

22 Sendo a campanha da Coca-Cola Abra a felicidade (de 2006) uma das mundialmente reconhecidas. Para uma revisão detalhada dos estudos sobre a relação entre Coca-cola e felicidade vide VOLOTÃO, 2015. 23 O segredo da Dinamarca: Descubra como vivem as pessoas mais felizes do mundo de Helen Russell, editado em português em 2016. Ikigai: os segredos dos japoneses para uma vida longa e feliz de Héctor García e Miralles Francesc, para citar só alguns exemplos. 24 Que, paradoxalmente, já teve a Monsanto como uma das melhores empresas para você se empregar (DALPONTE, 2018, Tradução nossa). No avesso dessa lógica, em 2014, a Confederação Sindical Internacional -CSI- criou uma lista dos piores empregadores do planeta, entre eles o primeiro é Jeffrey Bezos fundador de AMAZON (DALPONTE, 2018, p.72 Tradução nossa). 25 Apresentado no XV Congresso Internacional IBERCOM, em novembro de 2017 na Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal (http://assibercom.org/ebook-ibercom-2017.pdf).

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sobre felicidade é uma filha legítima da contemporaneidade e seu excessivo foco no sujeito

individual, procurando soluções individuais aos problemas estruturais.

A maior parte dos estudos identificados problematiza pouco a centralidade normativa do

trabalho na contemporaneidade, associa felicidade com produtividade, coloca o âmbito

privilegiado do estudo no trabalhador e não nas práticas da empresa/companhia/organização,

e esquece as relações de poder, os conflitos e as desigualdades, tanto organizacionais quanto

sociais, naturalizando-as. Nessa perspectiva há um conjunto de estudos que abordam a

comunicação mal-entendida somente como informação (ESCOBAR, 2014) ou desde um

enfoque da administração da comunicação priorizando a eficácia, eficiência, e o controle26

(FERNÁNDEZ; ROBBINS; JUDGE apud ESCOBAR, 2014).

Além de evidenciar a prolixa produtividade que gera a felicidade, esse primeiro roteiro

geral pelas indagações empíricas, antes de abraçar as pesquisas realizadas pela comunicação,

procurou relacionar o que seria “próprio” da nossa área com os seus antecedentes. Dessa

revisão podemos afirmar que a comunicação positiva surge a partir da psicologia positiva,

que as nossas medições são devedoras da psicologia da motivação, assim como da

administração e a satisfação laboral. A novidade parece ser a abordagem que se aproxima da

felicidade a partir do comprometimento organizacional e especialmente o enfoque da

espiritualidade no trabalho.

Uma diferença feita na literatura separa os estudos do bem-estar daqueles que

investigam a felicidade. Nessa separação as análises do bem-estar realizadas tanto desde a

comunicação quanto por outras áreas de conhecimento, tendem a se chamar de estudo

científico da felicidade; em outras pesquisas os conceitos são simplesmente usados como

sinônimos; o também chamado de paradigma moderno da felicidade em geral se vincula de

modo direito com conceitos como bem-estar, bem viver e boa vida.

Felicidade

Segundo a proposta de diversos(as) pesquisadores(as) que têm estudado a felicidade

na contemporaneidade a partir da comunicação (FREIRE FILHO 2010, 2011, 2013; VAZ,

2012; BAKKER, 2012; BOECHAT, 2013; HUCHE, 2013; MAZETTI, 2014; VOLOTÃO,

2015), afirmamos que ela tem seis caraterísticas sobressalientes, todas elas problemáticas em

maior ou menor grau; a felicidade hoje é: 1. Responsabilidade do sujeito individual; 2. 26 Uma parte da administração científica do trabalho adapta o trabalhador à empresa, não a empresa ao trabalhador. Na sua origem a administração, foi pensada para melhorar a eficiência da empresa para o lucro, não para melhorar a qualidade de vida das e dos trabalhadores; marca de nascimento que ainda carrega.

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Evidência de autenticidade 3. Direito universal 4. Obrigatória; 5. Individualista, concorrente,

mediada pelo consumo; e 6. deve ser permanente. Explicamos a seguir cada uma.

A primazia do sujeito individual é uma construção do capitalismo-neoliberalismo, que

constituiu uma condição para a existência da felicidade como compreendida na

contemporaneidade, isto é, sem a centralidade desse sujeito individual, não poderia ter se

estabelecido a felicidade como responsabilidade, praticamente exclusiva, dele próprio;

convertendo-a em uma questão pessoal. O papel do Estado, em outras épocas chamado a

garantir o bem-estar coletivo, é ativamente apagado, ao mesmo tempo que, a responsabilidade

do mercado na criação de uma importante quantidade dos males atuais, se minimiza e até

aniquila. A felicidade hoje depende do que cada um faz, ou não, de se aprimorar permanente,

ser um empreendedor que tem pensamentos positivos e se vincula com pessoas não tóxicas.

A ideia da fidelidade desse sujeito individual com ele próprio, chamada de

autenticidade (TAYLOR, 2007; 2011), é uma segunda categoria na nossa análise. Fala-se

assim de uma felicidade “verdadeira”, que diz respeito a um sujeito fiel a seus mais profundos

desejos, consciente deles e agindo em sua procura. Essa ideia de felicidade como fidelidade

com as aspirações pessoais se vincula com a escolha acadêmica e o emprego; que vira

prazeroso e, segundo Bakker (2012) ideal de autorrealização profissional. Parece claro que

esse discurso apela só às classes médias e altas das nossas sociedades desiguais (BIRMAN em

FREIRE FILHO, 2010).

Pela sua vez, a democratização da felicidade, ou seja, pensar a felicidade como um

direito de todas e todos, precisou também de uma mudança na sua definição, com a qual a

felicidade, antes compreendida como parte do acaso, ou responsabilidade dos deuses, sem

controle humano, foi levada para dentro de sujeito com o cristianismo (MAZETTI, 2014, p.

59), e com o protestantismo foi assentada nas pequenas coisas da vida (McMAHON, 2006)27.

A felicidade é assim convertida em um bem universal, geral, ao qual, na teoria, todos nós,

podemos acessar28.

A felicidade como obrigação, como imperativo cultural (FREIRE FILHO, 2010, 2011,

2013), é também parte dessa criação contemporânea, das nossas sociedades globalizadas;

sendo a nossa quarta categoria analítica. Para a felicidade hoje ser compreendida como uma

obrigação, muito caminho foi andado, ela teve que sair do âmbito dos deuses e do acaso,

27 Para uma revisão da apropriação histórica do conceito de felicidade nas sociedades ocidentais, se recomenda a leitura de Happiness: A history (2005), um rigoroso e meticuloso texto do historiador Darrin M. McMahon. Encontra-se também sua tradução ao português (2006). 28 Segundo essa compreensão, se você não é feliz é porque você não se esforçou o suficiente, porque outros que são iguais que você, estão conseguindo ser felizes; aparecem e são massificadas assim noções tão enganosas como a meritocracia, que apaga as desigualdades sócias.

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entrar no homem, desconhecer o papel do coletivo, ser colocada no cerne da existência

humana e especialmente da procura pelo sentido da vida.

A felicidade está fortemente atrelada ao consumo29, e também à concorrência com os

outros para se tornar vitorioso, bem-sucedido, aquele que mais faz ou mais tem - sejam bens

materiais, seja a família mais feliz, uma coletânea de atestados acadêmicos, de viagens

excitantes, ou de sucessos esportivos... a lista é interminável. No “ethos consumista, onde a

vida feliz é tida como objetivo central e imediato do sujeito moderno” (VOLOTÃO, 2015, p.

16).

Por último, afirmamos que hoje, a felicidade deixou de ser uma questão instantânea

(dos momentos de felicidade), para se converter em uma demanda permanente, duradoura no

tempo, o sujeito hoje tem a obrigação de ser constantemente feliz.

Trabalho

Nesse artigo compreendemos o trabalho como central e como avesso à existência,

tanto pelas demandas que ele impõe quanto pelas condições nas quais a maioria o exerce; hoje

o trabalho é cada vez mais informal, flexível, terceirizado, precarizado, desregulamentado

(ANTUNES, 2009; ABÍLIO, 2017; DALFONTE, 2018), ao tempo que continuam a crescer

os índices de desemprego30.

A maneira de compreender e praticar a felicidade (acima explicada) está atrelada a

nossa relação com o trabalho hoje, por isso precisamos encontrar um trabalho que seja nossa

suposta vocação, no qual possamos nos realizar e ser bem-sucedidos, idealmente chegar muito

cedo e sair ao final do dia, ou levar trabalho para casa e também no final de semana

(misturando cada vez mais vida privada com trabalho), não sentir cansaço nem ficar doentes

(e se ficarmos a indústria farmacêutica tem tudo para nos restabelecer em segundos), para

estar disponíveis e animados; sem esquecer a resiliência e a automotivação, devemos além,

ser exemplo de superação permanente para as e os colegas.

29 Recomendamos o texto de Zygmunt Bauman “Vida de consumo”. 30 São mais de 200 milhões em total, os que atualmente procuram trabalho (DALPONTE, 2018, p. 23 Tradução nossa).

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4. Discussão

Como explicado acima, metodologicamente, das seis categorias com as quais a

comunicação tem definido a felicidade na contemporaneidade, testamos três delas em um

questionário que foi respondido pelas funcionárias e funcionários administrativos de um

Instituto de Pesquisa na Universidade da Costa Rica.

Em relação as caraterísticas sociodemográficas das dezesseis pessoas que responderam

o questionário, onze são mulheres e cinco são homens; oito estão casadas, sete solteiras e uma

divorciada. Três quartas partes têm educação universitária completa (delas 5 tem um

bacharelado, 4 o grau de graduação e 3 o grau de mestrado); três pessoas têm estudos

universitários incompletos e uma não acabou o ensino médio .

É preciso indicar que laborar para a Universidade da Costa Rica significa um trabalho

estável, que cumpre com a legislação trabalhista em termos dos salários mínimos, horários,

férias pagas e licenças (de saúde, maternidade, etc), geralmente inclui possibilidades de

desenvolvimento, cargo e salário melhoram com o tempo.

Averiguando sobre a percepção da responsabilidade pessoal pelo sucesso no trabalho

perguntamos pelas habilidades indispensáveis de um trabalhador excelente e as caraterísticas

dos relacionamentos com os colegas em termos de confiança, concorrência e apoio;

examinamos quem aparece como responsável da satisfação e pela motivação no trabalho.

Avaliamos a autenticidade investigando a identificação com a organização, na noção de

autoestima, na sensação de preparo e na motivação; e finalmente pesquisamos o conceito de

obrigatoriedade: consultando os níveis de estresse e ansiedade e a relação direta deles -ou

não- com o trabalho; incluímos uma pergunta aberta para elas e eles definirem felicidade no

trabalho.

No que diz respeito às variáveis da dimensão trabalho, interrogamos a opinião em

relação com as demandas do emprego perguntando pelo volume de trabalho, as horas extras,

levar trabalho para casa e no final de semana; e pelas características que deve ter um

empregado hoje, indagamos no estresse, na ansiedade e sua relação com o trabalho.

Em seguida descrevemos e discutimos os resultados obtidos com o questionário para

cada uma das dimensões em análise, das suas categorias e das variáveis que usamos para sua

operacionalização.

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Quando consultados pela habilidade que hoje resulta imprescindível em um

trabalhador excelente31 (variável da dimensão Responsabilidade individual pelo sucesso) a

maioria (11 pessoas) respondeu que todas as opções ofertadas na pergunta, isto é, um

excelente empregado deve: responder com eficiência às necessidades da organização, mudar

com rapidez e ser flexível, aprender permanentemente novas habilidades e desenvolver novas

destrezas, fazer múltiplas tarefas ao mesmo tempo e com qualidade, ter iniciativa32 e saber

lidar com a incerteza. Três pessoas valorizaram a habilidade de aprender sempre e duas a

flexibilidade e o multitasking (uma para cada variável respetivamente).

Gráfico #1. Habilidade imprescindível em um(a) excelente trabalhador(a)

FONTE - Elaboração própria.

O mesmo aconteceu quando consultados pelas caraterísticas do melhor trabalhador, a

maioria delas(eles) respondeu que tinha que ter todas as habilidades sugeridas nas opções.

31 O uso de imprescindível e excelente, tem uma intenção conceitual relacionada com a intensidade. 32 Não se incluiu a informação para a variável que consultou pela pro-atividade dos funcionários, mas a maioria (12) afirmou que a equipe costuma tomar a iniciativa, no entanto só três pessoas esperam por indicações e uma é indiferente.

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Gráfico #2. O(a) melhor trabalhador(a) é quem

FONTE - Elaboração própria.

No título de nosso artigo, falamos em sujeição porque acreditamos que a forma na

qual o trabalho governa nossas vidas hoje é um tipo de escravidão - que, sem desmerecer os

trabalhadores do mundo que arriscam as vidas (o literalmente morrem) no emprego-33, gera

um sujeito disposto a se explorar, as respostas às duas perguntas parecem confirmar essa

hipótese, quando ter uma só ou várias das habilidades que exige o emprego hoje, não é

suficiente, o trabalhador tem que ter todas. Ademais, não é exclusivamente uma exigência

quantitativa, soma-se o nível qualitativo, no sentido da obrigação de dar conta das múltiplas

demandas sem perder eficiência nem qualidade, transformando-se constantemente e sabendo

lidar com a incerteza para superar as limitações, conseguindo explorar seu máximo potencial.

Sobre a lógica da responsabilidade individual que no trabalho se converte, como

explicada, em sucesso e auto-superação permanente, perguntamos pelo nível de acordo das e

dos funcionários com a ideia a seguir: Superar as limitações no trabalho é uma decisão

pessoal. Doze pessoas concordam em alguma medida com ela, sendo que sete estão

parcialmente de acordo e outras cinco concordam totalmente. A minoria (quatro pessoas)

discorda total ou parcialmente (duas respetivamente).

33 Seja nos casos mais dramáticos de suicídios laborais em Japão (chamados de Karojisatsu), ou das mortes causadas pelo excesso de trabalho (karoshi); dos suicídios na fábrica de autos Peugeot na França em 2007, ou dos trabalhadores explorados pela Samsung em Manaos, Brasil, denunciados pelo Ministério de Trabalho em agosto de 2013; ou inclusive, dos operários da indústria têxtil em Honduras obrigados -no mesmo ano- a usar fralda para reduzir o tempo de uso do banheiro. “No mundo, ao final de cada dia, um milhão de trabalhadores sofre um acidente no lugar de trabalho, 5.500 morrem diariamente por um acidente ou doença laboral” (DALPONTE, 2018, p. 67 Tradução nossa).

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Gráfico #3. Acorda/discorda com a frase: “Superar as limitações é decisão pessoal”

FONTE - Elaboração própria.

Argumentamos que pensar, definir e atuar como se as emoções fossem uma

propriedade da pessoa, e se colocassem na sua interioridade; faz parte da primazia do sujeito

individual caraterística do contemporâneo, donde o social, o coletivo e a responsabilidade

pelo comum, é ativamente apagada. Assim a privatização das emoções aplaca a

responsabilidade social na sua construção, ao tempo que coloca no sujeito (por isso cada vez

mais sujeitado) a responsabilidade de seu sucesso no trabalho, na medida em que se

fortalecem imaginários ligados à meritocracia, ao empreendedorismo e à superação

constantes, imaginários que consideramos altamente problemáticos porque longe de aumentar

a felicidade e satisfação geram estresse e ansiedade, debilitam os vínculos e a preocupação

pelo coletivo. Se a violência da sociedade disciplinar se exercia desde as instituições sobre o

sujeito, de fora para dentro, a violência no que o filósofo sul-coreano chama de sociedade do

desempenho, a produz, especialmente, o sujeito sobre ele próprio (HAN, 2015)

Na busca de conhecer quanto esse sujeito individual é responsável, inquirimos sobre a

satisfação e a motivação no trabalho. Segundo nossa compreensão, que procura colocar o

centro na organização, nas suas práticas e políticas, é saudável que a maioria dos funcionários

assente o maior peso da responsabilidade da satisfação e a motivação no trabalho no IP; no

entanto, não é depreciável que nas duas variáveis o segundo valor seja depositado no próprio

empregado, centrando-se de novo no sujeito individual.

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Gráfico #4. Sua satisfação no trabalho depende:

FONTE - Elaboração própria.

Encontramos dados quase idênticos na pergunta pela responsabilidade da motivação

dos funcionários e funcionárias, nove pessoas apontam ao IP, seis pessoas respondem que

estarem motivados é seu próprio fardo, e uma disse que a chefia tem esse papel.

Gráfico #5. Sua motivação no trabalho é responsabilidade:

FONTE - Elaboração própria.

Interessante o dado de que os outros (chefia e colegas) quase desaparecem da equação.

Segundo nossa epistemologia o problema empírico, e especialmente o problema político, diz

respeito de quanto essa construção (emoções como questão individual e privada) tem se

incorporado na vida cotidiana das pessoas, naturalizando-se e abrangendo todos os âmbitos

dela, despolitizando o papel das emoções na construção dos objetos e sujeitos da vida social,

ao tempo que nega os processos de fabricação e cultivo neles envolvidos.

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Como tem se apontado ao longo deste artigo, a nossa preocupação teórica e empírica

centra-se no coletivo, nas relações sociais, nos vínculos, neste caso nas relações que se

estabelecem no lugar de trabalho, na vida organizacional. A primazia do sujeito individual,

como categoria analítica, é uma construção da modernidade que impulsionada pelo

neoliberalismo e as lógicas do consumo, atinge sua máxima expressão na contemporaneidade;

o foco pelo coletivo é, também por isso, uma escolha política.

Em atenção a esses pressupostos, resulta gratificante encontrar dados que contrariam

nossa hipótese, evidenciando algumas práticas avessas as representações que interpretamos

como maioritárias nas nossas sociedades ocidentais, são os três dados que demonstram

confiança nos colegas, priorização das equipes (acima do pessoal/individual) e ajuste ao

horário oficial.

Gráfico #6. Seus colegas representam para você

FONTE - Elaboração própria.

Quase a totalidade das pessoas afirmam que encontram nos colegas do IP cooperação,

e só uma tem se deparado com a indiferença. Seguindo os estudos de Huertas (2005), Ciruela

(2006), Garrido (2013) afirmamos a relação entre confiança e cooperação, sendo a confiança

um requisito para a cooperação; no primeiro estudo o autor estabeleceu inclusive uma

correlação estatisticamente significativa para a população analisada.

Garrido (2013, p.25 Tradução nossa) disse que ante a cooperação os seres humanos

tem uma atitude de caráter condicional, isto é, as normas organizacionais só são respeitadas se

os empregados acreditam que os outros as respeitam também, e se tiverem certeza de que

cumprir tais normas correspondem aos objetivos organizacionais.

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Gráfico #7. Frente de uma demanda do trabalho você prefere:

FONTE - Elaboração própria.

A dita confiança se evidencia também na escolha de se apoiar maioritariamente nas

habilidades da equipe. Insistimos que, em um contexto marcado pelo individualismo e a

concorrência, essas práticas podem ser interpretadas como contra-culturais, tanto quanto a

resposta na qual 11 pessoas afirmam que o IP deve se preocupar prioritariamente pelos

grupos, equipes, coletivos, antes que pelas pessoas individualmente. Na definição de

felicidade criada por eles e elas (única resposta aberta do questionário), encontramos outra

chave interpretativa, no parecer dos funcionários do IP a relação coesa com os colegas é

muito importante; deram relevância as relações interpessoais saudáveis, cordiais, sinceras,

éticas, a laborar em um ambiente seguro e harmonioso (harmonia aparece reiteradamente).

Essa resposta oferece também uma informação interessante em relação com os

vínculos com a autoridade (chefia) e a importância que parece ter para esse grupo de

funcionários e funcionárias; na definição qualitativa da felicidade no trabalho as pessoas

incluíram ser agradáveis à chefia (os superiores).

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Gráfico #8. O IP precisa se preocupar por:

FONTE - Elaboração própria.

Corresponde também ao IP a primeira responsabilidade em alcançar as metas, sete

pessoas são dessa opinião, no entanto outras cinco afirmam que essa é uma tarefa de cada

empregado.

Gráfico #9. A principal responsabilidade de alcançar as metas é:

FONTE - Elaboração própria.

Para indagar sobre a autenticidade, pedimos pontuar o nível de identificação de cada

um dos funcionários e funcionárias com o IP.

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Gráfico #10. Pontuação da identificação com o Instituto de Pesquisa

FONTE - Elaboração própria.

Todas as pessoas (dezesseis) que responderam o questionário têm uma identificação

alta com o Instituto de Pesquisa costarriquenho, esta interpretação é possível na medida em

que quinze pessoas a qualificam com uma avaliação igual ou superior a sete, sendo que duas

deram nota 9, e sete pessoas pontuaram a identificação com nota 10.

A informação qualitativa obtida por meio da pergunta aberta na qual pedimos definir

felicidade, confirma esses dados, as respostas discorrem sobre alcançar os objetivos para os

quais o Instituto foi criado, do seu posicionamento, de se sentir fazendo parte das conquistas

do IP, em resumo “Nós todos somos o IP”.

Gráfico #11. Pontuação do nível de motivação.

FONTE - Elaboração própria.

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As qualificações do nível de motivação também são altas, quinze pessoas a rotulam

com uma avaliação igual ou superior a sete, sendo que uma colocou nota 9, e seis pessoas

qualificaram a motivação com nota 10. Pelas magnitudes dos valores escolhidos podemos

afirmar que a identificação reportada é levemente maior que a motivação. Importante lembrar

os aprendizados que a pesquisa quantitativa tem nos ensinado em relação com a influência do

que é desejável socialmente nas respostas, isto é, é presumível que em relação com a

identidade e a motivação, numa dimensão, essas altas qualificações respondam a uma

demanda social de “você tem que estar motivado e se identificar com seu emprego”.

Perguntamos pela sensação interna de preparo, pensando nas demandas atuais do

trabalho; a maior parte das e dos funcionários do IP disse se sentir preparado (12 pessoas), ou

inclusive hiper-preparado (4 pessoas) para afrontá-las.

Gráfico #12. Em relação com as demandas do trabalho você se sente:

FONTE - Elaboração própria.

Nenhuma pessoa escolheu a opção despreparado, como veremos nas linhas a seguir

isso contrasta com a quantidade de pessoas que tiveram uma crise de estresse ou de ansiedade

no ano passado (2018).

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Gráfico #13. Pontuação do nível de autoestima.

FONTE - Elaboração própria.

Por último, em relação com a dimensão felicidade, perguntamos pelo amor próprio,

esse valor aparece também pontuado nas magnitudes mais altas da escala. Todas as pessoas

avaliam sua autoestima com nota igual ou superior a 7; sendo que a maioria se concentra entre

8 (cinco pessoas) e 9 (seis pessoas), três pessoas afirmam que sua autoestima é perfeita.

Finalmente investigamos as demandas no trabalho. É satisfatório e surpreendente

encontrar que das 16 pessoas que responderam o questionário, 14 trabalham o necessário (não

mais) cumprem o horário regular (não trabalham horas extras) e 12 pessoas não levam

trabalho para casa. Satisfatório e surpreendente porque afirmamos, como explicado, que o

trabalho é avesso à existência nas para a maior parte da população nossas sociedades

ocidentais (DALPONTE, 2018).

Gráfico #14. A maior parte dos colegas.

FONTE - Elaboração própria.

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Unicamente duas pessoas afirmam que a maioria dos colegas trabalha mais que o

desejado, isso contrasta com os dados gerais.34

Gráfico #15. Você trabalha horas extra toda semana?

FONTE - Elaboração própria.

São também duas pessoas que trabalham horas extras toda semana.

Gráfico #16. Você leva trabalho para casa toda semana?

FONTE - Elaboração própria.

Em relação com a saúde, encontramos que a maioria dos funcionários teve alguma

crise de estresse ao longo do ano 2018 (11 pessoas), dessas, seis pessoas tiveram entre 2 e 5

crises, outras quatro pessoas tiveram unicamente uma crise, e mais uma pessoa sofreu entre 6

e 10 crises de estresse. Se consideramos que o estresse é uma resposta orgânica arcaica que 34 Um exemplo: Vinte oito milhões de estadunidenses não têm nenhum tipo de descanso pago (DALPONTE, 2018, p. 77, Tradução nossa).

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prepara o organismo para atacar ou fugir na frente de um perigo físico, podemos afirmar que

o perigo hoje é o trabalho. “Nosso sistema não foi construído para suportar com eficiência

esta atualidade humana” (DALFONTE, 2018, p. 98-99 Tradução nossa).

Gráfico #17. No último ano: Teve alguma crise de estresse?

FONTE - Elaboração própria.

Gráfico #18. No último ano: Teve alguma doença física que seja produto do estresse?

FONTE - Elaboração própria.

Para seis das onze pessoas que experimentaram crises de estresse durante 2018, a dita

crise se converteu em uma doença física.

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Gráfico #19. No último ano: Teve algum tipo de crise de ansiedade?

FONTE - Elaboração própria.

A metade dos consultados experimentou uma crise de ansiedade durante o ano 2018,

deles a maioria (6 pessoas) sofreu só um evento, no entanto, duas pessoas experimentaram

entre 2 e 5 ou entre 6 e 10 crises (uma pessoa respectivamente).

Gráfico #20. Essa crise de ansiedade está relacionada com o trabalho?

FONTE - Elaboração própria.

Um dos dados mais relevantes, indica que para quase todos os casos (com duas

exceções) o trabalho é a origem da ansiedade; nesse nível os dados respaldam nossos

argumentos.

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5. Considerações finais

Em síntese as pessoas que responderam o questionário pensam que: os trabalhadores

têm que desenvolver o maior número possível de habilidades, na medida em que o melhor

trabalhador deve se auto-motivar, conhecer e superar suas limitações, aprender

permanentemente, responder com eficiência às necessidades da organização, mudar com

rapidez e ser flexível; fazer múltiplas tarefas ao mesmo tempo, sem perder a qualidade; ter

iniciativa e saber lidar com a incerteza, explorando seu potencial. Suas equipes são

maioritariamente proativas e dignas de confiança porque significam cooperação. A motivação

e o pertencimento são altos. A organização aparece como a principal responsável tanto por

atingir as metas, quanto da motivação e da satisfação no trabalho. A maioria das pessoas

consideram que se trabalha o necessário, ao tempo que a maioria se sente preparada para

enfrentar as demandas organizacionais (uma quarta parte se define como hiper-preparada). No

âmbito da saúde emocional e física: a maioria evidencia uma autoestima que pode ser definida

como alta, e teve (pelo menos uma) crises de estresse ou ansiedade no ano 2018 (a maioria

teve entre dois e cinco crises), relacionada com o trabalho.

Evitando toda idealização e romantismo, sabemos que as organizações são espaços de

tensão, de contradições e jogos de poder, nos quais o ideal organizacional, a sua filosofia e

teoria, se misturam com os discursos e as práticas concretas. No caso em estudo, a confiança

nos colegas e a preocupação pelo coletivo e por ter relacionamentos harmônicos, como

fazendo parte da definição de felicidade é um resultado interessante, na medida que aparece

como contra-cultural; especialmente em um contexto marcado pelo ressurgimento dos

conservadorismos, onde medo, desconfiança e ódio prevalecem e tomam força, ao mesmo

tempo que a desigualdade, o desemprego, a violência e a privatização – no sentido mais

amplo do termo –, continuam a crescer. Nos perguntamos pela relação entre essa necessidade

de harmonia e a alta identificação e motivação no trabalho reportada pelas funcionárias e

funcionários. São precisas outras técnicas de pesquisa, do tipo qualitativo, para indagar com

maior profundidade nesse nível de análise, sendo uma limitante da técnica de questionário e

pela sua vez, uma constatação empírica que reforça o uso do desenho misto na pesquisa de

doutorado.

Parece possível afirmar que a obrigatoriedade de cumprir com as demandas do

emprego tem sido interiorizada, chegando inclusive a gerar estresse, doenças e crises de

ansiedade, inerentes à sociedade do desempenho (HAN, 2015). Por isso, argumentamos que,

como paradoxo do nosso tempo, a procura pela felicidade no trabalho como compreendida

hoje, promove a ansiedade e o estresse no grupo em estudo.

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Afirmamos que cabe à organização uma preocupação genuína pela felicidade dos seus

trabalhadoras e trabalhadores, não utilitária, nem produtivista, isto é, não envolvida no

clássico esquema da motivação para produção. Dessa maneira asseveramos que compete à

comunicação organizacional o desafio de continuar na reflexão sobre o que é felicidade no

trabalho na contemporaneidade, identificando organizações com práticas não hegemônicas.

Acreditamos que o papel da comunicação organizacional, na sua compreensão, estudo e

desconstrução, adquire cada dia mais relevância, especialmente na medida em que os

imaginários da eficiência, a eficácia, a produtividade e a superação permanentes parecem ter

sido incorporados na subjetividade contemporânea, passando livres de questionamentos.

Nossa formulação arrisca na procura de práticas organizacionais contra-culturais que

promovam uma felicidade outra, ao mesmo tempo que uma nova relação com o trabalho,

menos central e enferma.

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