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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UnB FACULDADE DE DIREITO FD SUMIDOURO DE TRÁFEGO UMA ABORDAGEM REGULATÓRIA E CONCORRENCIAL Brasília 2004

SUMIDOURO DE TRÁFEGO UMA ABORDAGEM … · sumidouro de tráfego, que constitui o objeto de investigação do presente trabalho. Antes, porém, de se ater à análise dos Direitos

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB

FACULDADE DE DIREITO – FD

SUMIDOURO DE TRÁFEGO – UMA ABORDAGEM

REGULATÓRIA E CONCORRENCIAL

Brasília

2004

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ANDRÉ MELO DE ABREU

SUMIDOURO DE TRÁFEGO – UMA ABORDAGEM

REGULATÓRIA E CONCORRENCIAL

Monografia apresentada como requisito para conclusão do

curso de bacharelado em Direito da Universidade de

Brasília

Orientador: Prof. Eros Roberto Grau

Co-orientadora: Profª. Paula A. Forgioni

Brasília

2004

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Agradeço aos meus pais, Washington e Eliane, aos quais tudo devo.

Ao meu amor, Tahinah, cujo apoio e incentivo foi imprescindível para a

realização deste trabalho.

À minha amiga Alessandra, com quem sempre pude contar.

Aos meus amigos, que seguiram e cresceram junto comigo nesta jornada que

é graduação.

À Dra. Helena Xavier, a quem sempre pude recorrer para iluminar minhas

idéias.

Aos meus orientadores, Dra. Paula A. Forgioni e Ministro Eros R. Grau,

fonte de inspiração permanente, pelo auxílio na busca do conhecimento.

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RESUMO

O desenvolvimento tecnológico, como o da Internet, ocorre, em geral, mais rápido

que o Direito, de modo que distorções da lógica do sistema legal podem surgir ao se fazer

uma interpretação literal de um dispositivo legal, como no caso do sumidouro de tráfego.

Sendo um dispositivo infralegal contrário à lógica de outros dispositivos infralegais, bem

como contrário à lei e à Constituição, este deve ser declarado ilegal e inconstitucional. Isso,

entretanto, somente pode ser feito pelo Poder Judiciário. É de competência exclusiva da

agência reguladora de telecomunicações – ANATEL – a formulação de normas infralegais de

aspecto regulatório. No entanto, sendo este dispositivo regulamentar ilegal do ponto de vista

concorrencial, a autoridade antitruste pode, no caso concreto, aplicar determinações e/ou

limitações, do ponto de vista estrutural, ou determinações e/ou condenações, do ponto de vista

de condutas, quando provocada.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 07

1. RELAÇÃO ENTRE CONCORRÊNCIA E REGULAÇÃO ................................... 11

1.1. Considerações sobre a Ordem Econômica ............................................................. 11

1.2. Direito Concorrencial ............................................................................................... 15

1.3. Direito Regulatório ................................................................................................... 20

1.3.1. Serviço público ........................................................................................................ 24

1.4. Interação entre concorrência e regulação .............................................................. 26

1.4.1. A interconexão e compartilhamento de meios ou recursos entre prestadoras do

serviço de telecomunicações ................................................................................................ 33

1.4.2. Da importância da análise econômica no Direito Econômico ................................. 37

2. DEFINIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS EM TELECOMUNICAÇÕES ................. 39

2.1. Da competência concorrencial ................................................................................. 39

2.1.1. Da competência instrutória ...................................................................................... 40

2.1.2. Das regras de hermenêutica ..................................................................................... 45

2.1.3. Posições divergentes ................................................................................................ 54

2.1.4. Do mercado relevante afeto à competência ............................................................. 58

2.1.5. Controle de estruturas de mercado .......................................................................... 60

2.1.5.1. Atos de concentração ............................................................................................ 61

2.1.5.2. Compromisso de desempenho .............................................................................. 64

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2.1.6. Controle de condutas que ocasionem infrações á Ordem Econômica ..................... 65

2.1.6.1. Averiguações preliminares ................................................................................... 66

2.1.6.2. Processo administrativo ........................................................................................ 68

2.1.6.3. Medida Preventiva ................................................................................................ 71

2.1.6.4. Compromisso de Cessação ................................................................................... 75

2.2. Competência regulatória .......................................................................................... 76

3. ANÁLISE DO SUMIDOURO DE TRÁFEGO À LUZ DA REGULAÇÃO E DA

CONCORRÊNCIA ............................................................................................................ 79

3.1. Surgimento do problema ......................................................................................... 79

3.2. Mercados Relevantes sob a ótica do produto ......................................................... 84

3.3. Implicações concorrenciais do sumidouro de tráfego – análise dos efeitos

estruturais e da potencialidade de condutas anticompetitivas ....................................... 93

3.4. Desconformidade da norma regulatória com o sistema legal ............................ 116

3.5. Possíveis soluções ................................................................................................... 123

3.6. Da análise dos casos concretos .............................................................................. 131

3.6.1. Análise de estrutura ............................................................................................... 131

3.6.2. Análise de conduta ................................................................................................ 139

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 145

REFERÊNCIAS..............................................................................................................148

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INTRODUÇÃO

Hodiernamente, verificamos que inúmeros problemas jurídicos, oriundos

das constantes inovações legislativas, ainda não encontraram solução, já que não foram alvo

de uma análise mais aprofundada. É o que se observa, por exemplo, no âmbito do Direito

Econômico.

Deve-se observar que, com o advento das agências reguladoras, a partir de

1997, pôde-se observar uma rápida e significativa mudança na disciplina legal deste campo

jurídico. As privatizações alteraram, de forma significativa, o cenário da intervenção estatal,

principalmente no que tange ao setor de telecomunicações. O Estado passou a não mais

prestar o serviço diretamente, delegando-o a entes particulares, emergindo daí a necessidade

de que ele exerça algum tipo de controle sobre esta atividade a fim de garantir uma prestação

adequada deste serviço. Ocorreu, portanto, o recrudescimento da atividade regulatória estatal,

não se podendo falar em surgimento da atividade regulatória, tendo em vista que esta é ínsita

ao Estado e já era exercida, embora de forma diversa da que atualmente conhecemos.

O advento das agências reguladoras traz à baila a necessidade e a

importância da manutenção de um regime de concorrência pautado em uma estrutura legal e

institucional confiáveis e capazes de exercer um controle eficiente sobre as atividades

privatizadas. Isso deve ser obtido por meio de uma eficaz regulação pelas agências, dotadas

de maior autonomia, liberdade de ação e distanciamento das pressões políticas.

É importante destacar que a proliferação das agências reguladoras trouxe

enormes dificuldades no campo do direito antitruste na medida em que as competências que a

elas foram delegadas, em muito se aproximam da dos órgãos de defesa da concorrência,

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causando uma certa confusão na atuação destes dois entes. O fim a ser alcançado deve ser o

de coordenar e compatibilizar adequadamente a atuação das agências reguladoras com regras

gerais existentes para o funcionamento do mercado e com a ação dos outros organismos

estatais responsáveis pelas políticas de livre concorrência, quais sejam o CADE, a SDE e a

SEAE.

Neste diapasão, verifica-se que os liames da concorrência e da regulação

merecem detida análise. Buscar-se-á, portanto, destrinchar o conceito de regulação, tentando-

se estabelecer um paralelo com o conceito de defesa da concorrência, a fim de se sopesar a

interação entre estes dois institutos e, conseqüentemente, entre as duas autoridades

responsáveis pela aplicação destes conceitos no setor de telecomunicações.

Verifica-se que, no que atine aos problemas advindos deste novo panorama

legal, muito pouco foi debatido tanto no âmbito da doutrina, como no da jurisprudência. Neste

diapasão, dentre os problemas atuais que se verifica em virtude desta tênue relação entre

regulação de defesa da concorrência, estão os decorrentes do sumidouro de tráfego.

O sumidouro de tráfego consiste no aproveitamento do modelo de regulação

adotado pela ANATEL para a interconexão e remuneração entre redes de prestadoras de

telefonia local na troca de tráfego de dados e conseqüente uso recíproco de redes, para aplicá-

la, a situação absolutamente diversa e artificialmente criada pela concessionária deste serviço

de telecomunicações. Busca-se, neste caso, canalizar para sua rede grande volume de tráfego

de dados por meio de sua associação a Provedores de Internet (que apenas recebem

chamadas), com o objetivo de obter o recebimento de elevadas receitas de interconexão da

concessionária local.

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Têm-se verificado também em risco o direito corresponde à livre

concorrência no mercado de provimento de serviço de acesso discado à Internet. Inobstante

seja mais competitivo e pulverizado do que o mercado de provimento de infra-estrutura, o

mercado de provedores de acesso é significativamente dependente daquele, ocorrendo, às

vezes, integração vertical.

Isso se explica pelo fato de que a infra-estrutura de provimento de acesso à

Internet constitui-se em insumo essencial para o provedor. Essa depende, sobretudo, da

qualidade das linhas telefônicas que conectam o usuário ao provedor na “última milha”, da

capacidade do canal para transmissão de dados que conecta o provedor de acesso ao provedor

de backbone da Internet e em última instância da capacidade do próprio backbone1. Neste

sentido, os acessos privilegiados à última milha e ao backbone IP são importantes diferenciais

competitivos.

A problemática gira em torno de as empresas detentoras da infra-estrutura

de provimento de acesso à Internet estarem arcando com todos os custos necessários à infra-

estrutura de telecomunicações e compartilhando receita de interconexão gerada pelos usuários

que se conectam ao provedor.

A concessionária, associada aos provedores através de “contratos de

fomento de tráfego”, pode utilizar-se de mecanismos de descontos progressivos que, na

prática, implicaria verdadeiro compartilhamento das receitas de interconexão que venham a

ser recebidas pelo expressivo desequilíbrio de tráfego canalizado para sua rede, bem como

1 "Última Milha" corresponde ao trecho da rede de telefonia local que liga o usuário ao provedor de acesso à

Internet e constitui um essential facility, pois somente a empresa concessionária local (incumbent) possui tal

insumo. Backbones são “portas” de acesso à Internet. No Brasil, poucas empresas são realmente proprietárias

de backbones de Internet, como é o caso da Embratel, da Telefônica e da Telemar. Essas empresas vendem

conexão com os backbones para os provedores de acesso à Internet.

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poderia praticar preços predatórios no fornecimento de infra-estrutura de acesso aos

provedores.

Vê-se, portanto, que a ausência de uma regulação mais adequada nos

mercados relevantes envolvidos tem gerado evidentes reflexos e distorções anticompetitivas.

Este trabalho tem por escopo identificar as possíveis soluções deste

problema, tanto do ponto de vista regulatório, como do ponto de vista concorrencial. Para

tanto, o presente trabalho encontra-se dividido em três capítulos, cujos conteúdos seguem

abaixo sumariados.

No primeiro capítulo, Relação entre concorrência e regulação, fazer-se-á a

análise de como se dá esta interação no direito pátrio, estabelecendo-se antes seus objetos,

para que partindo desta análise, posteriormente, possa-se chegar a uma conclusão acerca do

problema que ora se pretende analisar.

No segundo capítulo, Definição das competências em telecomunicações,

buscar-se-á em primeiro lugar identificar o que está sob a égide da ANATEL, sob o ponto de

vista regulatório e em segundo lugar estabelecer-se-á as competências para a análise

instrutória de matéria concorrencial no âmbito do SBDC e da ANATEL.

O terceiro capítulo, Análise do sumidouro de tráfego à luz da regulação e da

concorrência, é o ponto cujo estudo este trabalho tem por escopo final. Tendo estabelecido

nos capítulos anteriores a lógica a ser seguida, parte-se para a análise do problema concreto e

suas possíveis soluções. Faz-se, por fim, a análise dos casos concretos que já passaram ou

estão sob o crivo da autoridade antitruste brasileira.

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1. RELAÇÃO ENTRE CONCORRÊNCIA E REGULAÇÃO.

1.1. Considerações sobre a Ordem Econômica

Este capítulo buscará dar um panorama sobre os objetivos do Direito

Concorrencial e do Direito Regulatório, com vistas a subsidiar a posterior análise do

sumidouro de tráfego, que constitui o objeto de investigação do presente trabalho.

Antes, porém, de se ater à análise dos Direitos Concorrencial e Regulatório,

é necessário tecer algumas considerações sobre como está disciplinada a Ordem Econômica

na Constituição Federal de 1988, para que se compreenda como estas esferas jurídicas estão

nela inseridas. Para tal, recorre-se, fundamentalmente, aos ensinamentos do Professor Eros

Roberto Grau.

Grau, quando analisa as formas de atuação do Estado em relação ao

processo econômico, adota três modalidades de intervenção do Estado: a intervenção por

absorção ou participação, a intervenção por direção e a intervenção por indução. Quanto à

extensão dos termos intervenção e atuação estatal, observa que:

“[...] intervenção conota atuação estatal no campo da atividade econômica

em sentido estrito; atuação estatal, ação do Estado no campo da atividade

econômica em sentido amplo.

Isso nos remete ao tema da distinção que aparta o campo dos serviços

públicos do campo da atividade econômica em sentido estrito”.2

2 GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1998. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros

Editores, 2002, p. 85.

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Considerar-se-á intervenção como a atuação do Estado em área de outrem,

ou seja, na esfera do privado. Neste diapasão, o Estado não pratica intervenção quando presta

serviço público ou regula a prestação de serviço público, já que atua em área de própria

titularidade.

Estabelece Grau, que o gênero atividade econômica em sentido amplo

compreende duas espécies, quais sejam o serviço público e a atividade econômica em sentido

estrito. O serviço público é aquela atividade indispensável à consecução da coesão social, ou

seja, sua vinculação ao interesse social, devendo ser prestado à sociedade pelo Estado (ou por

outra pessoa administrativa direta ou indiretamente). Veja-se como o citado Professor

conceitua serviço público:

“Serviço público, assim, na noção que dele podemos enunciar, é a atividade

explícita ou supostamente definida pela Constituição como indispensável,

em determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da

coesão e da interdependência social (Duguit) – ou, em outros termos,

atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como serviço

existencial relativamente à sociedade em um determinado momento histórico

(Cirne Lima).

Não há qualquer demasia em relembrarmos, aqui, que a interpretação da

Constituição, indispensável ao desvendamento do quanto por ela definido a

esse respeito, explícita ou supostamente, envolve também a interpretação dos

fatos, tal como se manifestam em um determinado momento.”3

As demais atividades seriam as atividades econômicas em sentido estrito,

abrangendo, portanto, todas as matérias que podem ser, imediata ou potencialmente, objeto de

profícua especulação lucrativa.

O professor4 classifica os serviços públicos, que podem ser praticados tanto

pelo Estado como pelo particular, em serviços públicos privativos (que somente podem ser

prestados pelo setor privado sob os regimes de concessão, permissão ou autorização, como,

3 Ibidem, p. 114.

4 Ibidem, p. 108.

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por exemplo, os serviços telecomunicações) e serviços públicos não privativos (que podem

ser praticados independentemente de concessão, permissão ou autorização, como, por

exemplo, os serviços de educação e saúde).

É importante verificar que, quando o Estado exercer atividade econômica

em sentido amplo em função de imperativo da segurança nacional ou para atender a relevante

interesse coletivo, estará desenvolvendo atividade econômica em sentido estrito. Já quando

desenvolvê-la para prestar acatamento ao interesse social, desenvolverá, portanto, serviço

público.5

A categoria de interesse público congrega o interesse coletivo e o interesse

social. Este exige a prestação de serviço público, já o interesse coletivo refere-se às hipóteses

de relevante interesse coletivo e imperativo da segurança nacional, quando ocorre o

empreendimento de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado.

Ainda quanto às formas de atuação do Estado na Economia, mais

especificamente quanto às modalidades de intervenção estatal (que, repita-se, refere-se à

atividade econômica em sentido estrito), estabelece, o citado professor, quatro espécies.

A intervenção estatal na economia, quando o Estado atua como agente

econômico, subdivide-se em: atuação por absorção, hipótese em que o Estado assume, em

regime de monopólio, o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor,

como no caso da extração, produção e transporte de petróleo (frise-se flexibilizado pela

Emenda Constitucional nº 09/1995) e gás natural e dos minérios nucleares; e atuação por

participação, hipótese em que o Estado assume parcialmente (em regime de concorrência

5 Ibidem, p. 108.

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com agentes do setor privado) ou participa do capital de agente que detém o controle

patrimonial de meios de produção e/ou troca.

A intervenção estatal sobre a economia, caso em que o Estado age como

ente regulador do processo econômico, subdivide-se em: atuação por direção, exercendo o

Estado pressão sobre a economia, de modo que estabelece normas de comportamento

compulsório para os agentes econômicos (sujeitos da atividade econômica em sentido estrito)

– por meio das normas de controle; e atuação por indução, quando o Estado dinamiza os

instrumentos de intervenção premial, ou seja, incentivos, em consonância e em conformidade

com as leis que regem o funcionamento dos mercados – por meio das normas diretivas.

O Direito Econômico para Grau, como ramo do Direito, teria como

destinação a instrumentalização, mediante ordenação jurídica, das políticas públicas do

Estado, que constituem o conjunto de políticas econômicas e políticas sociais, as quais

englobam, de modo amplo, todo o conjunto de atuações estatais no campo social.6

Segundo Gomes:

“As manifestações doutrinárias são convergentes em identificar o objeto do

direito econômico como o conjunto de regras e princípios jurídicos que

instrumentalizam a intervenção do Estado sobre a vida econômica, em suas

diversas modalidades, seja para regular disfunções endógenas (falhas de

mercado) do sistema econômico, seja para imprimir (a este) metas e

objetivos derivados de valores políticos e sociais conformadores, positivados

na ordem econômica constitucional”.7

Estabelecidos estes pressupostos e classificações iniciais, passa-se à análise

do Direito Concorrencial e Regulatório. É importante destacar que, no presente trabalho, não

se buscará fazer uma análise do surgimento, evolução histórica, caráter ou não de ciência

6 Idem. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 22.

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jurídica autônoma, mas sim estabelecer possíveis objetivos destas duas esferas jurídicas, para

que possa entender como podem servir de instrumento à consecução dos fins

constitucionalmente e legalmente previstos no ordenamento pátrio.

1.2. Direito concorrencial

Quanto ao objetivo do direito antitruste, nos ensina Gomes que este “tem

por objeto normas jurídicas que implementam a intervenção estatal sobre a economia, na

modalidade atuação por direção, visando o controle do exercício abusivo do poder

econômico”.8

Não obstante, conforme nos ensina a Professora Paula A. Forgioni, para

uma compreensão mais ampla do objeto do direito concorrencial não se deve ater-se somente

à busca de um ou de todos os objetivos possíveis, já que estes estarão condicionados a uma

dada realidade, seja espacial (e, portanto, também legal) ou histórica. Segundo a autora:

“(...) cada ordenamento jurídico tem uma série de princípios próprios que o

embasam, diversa daquela de outros sistemas. Essa peculiaridade decorre da

diversidade das realidades que permeiam cada um dos direitos. Assim, o

7 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: Editora

S. A. Fabris, 2004, p. 40-41. 8 As normas antitruste seriam normas de controle repressivas ou preventivas. Sobre este tipo de norma estabelece

que: “As normas de controle visam, de um lado, proteger o direito de propriedade e a livre iniciativa

econômica e, de outro, adequar o exercício de tais liberdades aos valores sociopolíticos conformadores da

ordem econômica, tais como função social da propriedade, valorização do trabalho, dignidade da pessoa

humana, justiça social, tutela do consumidor e da empresa de pequeno porte, redução das desigualdades

regionais e sociais, defesa do meio ambiente e busca do pleno emprego.

As normas de controle caracterizam-se por determinar a abstenção, pelo particular, da prática de certa conduta

perante o domínio econômico, tida por lesiva ao interesse público (isto é, ao direito de propriedade, à livre

iniciativa e aos valores sociopolíticos conformadores da ordem econômica), sob pena de sancionamento de

natureza administrativa ou penal.

Podem (as normas de controle) ser repressivas, quando a hipótese de incidência da norma pressupõe a prévia

consumação da conduta ilícita, ou preventivas, quando autorizam o Estado a intervir, previamente, no

exercício da livre iniciativa, ou mesmo na formação da propriedade privada, por entender que a sua disposição

estrutural poderá favorecer, no futuro, o uso abusivo do poder de fato (aqui, o poder econômico) que de tal

propriedade resulta.” (grifo nosso).

Ibidem, p. 46-47.

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direito (ou o sistema jurídico) é diretamente ligado às usas realidades

histórica, econômica e social, que não são as mesmas de outro direitos. Entretanto, o sistema jurídico não apenas é modificado pela realidade que o

circunscreve, mas também age de modo a modificá-la, em uma relação

simbiótica. Cada componente do sistema jurídico tem uma função certa e

determinada, ou seja, tem um escopo, que é, por sua vez, instrumental a

todo o sistema e com ele harmonizado.

A Lei Antitruste desempenhará, em determinados sistema jurídico e

momento historio, função diversa daquela desempenhada em outros

sistemas, em outros momentos. Fácil perceber, portanto, que discussões

excessivamente gerais sobre os objetivos da Lei Antitruste, sem que seja

determinada a lei e o momento de que se trata, são, de certa maneira,

estéreis.

A restrita visão de tentar subsumir a Lei Antitruste a um único objetivo

decorre, também, da compreensão dessas normas como um mero

instrumento para eliminar os efeitos autodestrutíveis do mercado (função de

preservação dos meios de reprodução do capital), sem que seja considerada

a política econômica que por essas pode ser atuada.

[...]

Sob esse prisma devem ser encaradas todas as discussões sobre os objetivos

da Lei Antitruste: mais do que objetivos, estamos falando de relação

entre instrumentos e objetivos possíveis. E, acima de tudo, estamos

tratando com princípios”.9 (grifo nosso)

É importante, neste sentido, conjugar os possíveis objetivos a serem

alcançados com a legislação vigente no ordenamento em análise, já que este se insere em uma

dada realidade histórica e legal.

Não se quer dizer que se deva desprezar a experiência jurisprudencial e

doutrinária estrangeira, ou até mesmo pátria que já esteja ultrapassada, no que se refere aos

seus pressupostos e objetivos, mas que se deve amoldá-los à realidade jurídica nacional e ao

momento em que este complexo normativo esteja inserido.

Tal constatação ganha destaque ao se analisar a evolução das escolas de

Harvard e Chicago, bem como a evolução da jurisprudência norte-americana quanto à

aplicação de sua lei (evolução da aplicação do Sherman Act sob a perspectiva de análise per

se e sua evolução para uma análise embasada na regra da razão). Isso porque atenderam, ou

serviram de instrumento, a diferentes objetivos dentro de uma perspectiva histórica.

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A disciplina concorrencial européia também é instrumental, almejando a

consecução de inúmeros interesses e fins da União Européia a serem conciliados, o que

impede a busca de um único fim. Neste sentido, a concorrência não é um fim em si mesma,

mais um instrumento para alcançar o objetivo maior de todo o sistema.

Neste diapasão, impende verificar quais são os objetivos das normas

antitrustes brasileiras, pautando-se em uma análise sistêmica do ordenamento jurídico,

principalmente nos ditames da Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.884/94.

O artigo 170 da Constituição Federal, tratando dos princípios gerais da

atividade econômica nos dá os parâmetros para uma verificação dos meios/instrumentos e fins

a serem alcançados. In verbis:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos

de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42,

de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas

sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos

casos previstos em lei”. (grifo nosso)

Observa-se, da leitura do citado artigo que a livre concorrência é um

princípio que deve ser utilizado como instrumento para o fim constitucionalmente

9 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 149-

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previsto, qual seja assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da

justiça social.

Este caráter instrumental da proteção da concorrência também pode ser

verificado no § 4º, do artigo 173 da Constituição de 1988, conforme nos ensina Forgioni:

“O caráter instrumental da proteção da concorrência permanece na

atual Constituição, que manda reprimir o abuso do poder econômico que

vise à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência (art. 173, §

4.º), em atenção ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV). Manda,

também, reprimir o aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º), conforme o

princípio da defesa do consumidor (art. 170, inc. V). Essa proteção,

entretanto, vai inserta no FIM GERAL E MAIOR, qual seja, ‘assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.10

(grifo

nosso)

O artigo 1º da Lei 8.884/94 acompanha a disciplina constitucional

estabelecendo que ela tem por finalidade prevenir e reprimir as infrações contra a ordem

econômica, utilizando-se para tal os princípios da liberdade de iniciativa, livre concorrência,

função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder

econômico.

Para Forgioni as normas antitrustes, dentre as técnicas ou instrumentos de

organização do mercado, são destinadas a regular a concorrência entre os agentes econômicos

e o abuso do poder econômico11

. Neste sentido, seria insuficiente pautar-se no aspecto

meramente econômico da defesa da concorrência, sendo importante observar suas

imbricações nos demais aspectos da vida social como, por exemplo, na própria política

pública.

152. 10

Ibidem, p. 170. 11

Ibidem, p. 81-82.

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19

As normas legais de defesa da concorrência consideram dois aspectos

essenciais, que são a estrutura do respectivo setor, industrial ou de serviços, e a conduta de

empresas neles atuantes12

.

A experiência da aplicação das normas antitruste revelou que estruturas

excessivamente concentradas, isto é, onde poucas empresas detenham elevado índice de poder

econômico13

, levam algumas empresas a adotar condutas infrativas, ou seja, condutas que, de

alguma forma, restrinjam ou eliminem a concorrência.

Igualmente, demonstrou a análise da dinâmica de mercados que, para as

empresas que disputam em um mercado competitivo e para o consumidor final, é melhor que

se previnam as infrações contra a ordem concorrencial do que simplesmente se venha a

reprimir as infrações que venham a ocorrer. Por esta razão, a Lei de Defesa da Concorrência

estabelece, no artigo 54, que as operações econômicas com impacto no Brasil sejam

apresentadas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para a análise de seus impactos

sobre o(s) mercado(s) envolvido(s), de modo a adotar as medidas adequadas à eliminação de

seus efeitos deletérios ou simplesmente aprová-las sem a imposição de qualquer restrição.

Por outro lado, a conduta anticoncorrencial diz respeito à prática lesiva à

ordem econômica por parte dos agentes econômicos que fazem parte de uma estrutura14

. Há

infração à ordem concorrencial quando a conduta do(s) agente(s) econômico(s) restringe(m)

12

DUTRA, Pedro. A livre concorrência e sua defesa. Revista de Direito Econômico, Brasília: jan./mar, 1996, p.

81-88 e p. 82. 13

Observe-se que agente econômico que possui grande parcela de poder econômico pode atuar de forma

independente e com indiferença à existência ou comportamento dos outros agentes. Sob esta perspectiva, a

posição dos pequenos agentes será sempre de sujeição ao comportamento da empresa que detém elevado poder

econômico. O poder de mercado leva, portanto, à possibilidade de imposição de preços (a maior – lucros

extraordinários – ou a menor – preços predatórios), o que, por vezes, impossibilita a atividade dos

concorrentes e prejudica os consumidores. 14

Ibidem, p. 82.

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20

ou elimina(m) a livre concorrência, enquadrando-se nas hipóteses definidas nos artigos 20 e

21 da Lei n 8.884/94.

1.3 . Direito regulatório

Por muito tempo o Estado Brasileiro incumbiu-se da promoção dos serviços

públicos privativos, ente outros motivos, devido ao fato de que tais serviços foram, ao longo

do tempo, identificados como monopólios naturais. O Estado Liberal passa a adotar um

modelo de Estado Social. Isto se deveu, porque a iniciativa privada, em setores em que

envolviam elevados investimentos com retorno apenas a médio e longo prazo, não possuía

recursos econômicos próprios ou financiamento adequado para empreender estas atividades.

Nos últimos anos, entretanto, tanto no Brasil quanto em outros países da

América Latina e da Europa, verificou-se uma significativa mudança neste panorama,

principalmente em função do esgotamento dos recursos no setor público. Neste sentido, tem-

se verificado que o modelo de Estado Social tem passado por uma nova transformação

paradigmática, surgindo, então, um Estado Regulador, onde o Estado passa a ter não mais o

papel de promotor social, mas de regulador, sob uma perspectiva minimalista, intervindo

apenas quando necessário. Verifica-se, portanto, uma paulatina retirada do Estado da

produção direta das utilidades públicas15

.

Neste sentido, assiste-se a uma acelerada diminuição do intervencionismo

direto do Estado como agente econômico, conforme a classificação do Professor Eros Grau,

15

SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2000,

p. 73.

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21

passando a haver um crescimento da intervenção indireta do Estado como agente regulador16

.

Isto não significa dizer que, com o advento das Agências Reguladoras, houve o

surgimento da atividade regulatória, mas apenas um novo modelo pelo qual o Estado

exerce seu poder regulatório, até porque esta atividade é ínsita ao Estado.

O Professor Calixto Salomão Filho ensina que, no campo econômico, “a

utilização do conceito de regulação é a correspondência necessária de dois fenômenos. Em

primeiro lugar, a redução da intervenção direta do Estado na economia, e em segundo o

crescimento da concentração econômica”.17

A regulação é, deste modo, a busca do interesse público, na expressão de

conformação e correção do mercado, causa principal da ação indireta do Estado. Busca-se,

portanto, uma igualdade jurídico-material e não meramente formal entre todos os agentes

econômicos, sendo a possibilidade de efetiva competição um valor fundamental da

regulação18

.

As agências reguladoras não podem ser confundidas como decorrentes do

processo de privatização, já que autoridades com poderes de regulação podem existir para

diversos setores da econômica (como o Banco Central no mercado financeiro).

Agências reguladoras existem em países que nunca chegaram a conhecer os

fluxos de estatização e privatização, como os Estados Unidos. Observe-se, também, que

privatizações foram implementadas sem que o Estado se preocupasse em ampliar a sua função

16

“A necessidade regulatória aumenta porque, deixando o Estado de ser ele próprio provedor do bem ou serviços

de relevância social, tem ele que passar a exercer algum tipo de controle sobre esta atividade, sob pena de estar

descurando de controlar a produção de uma utilidade dotada de essencialidade e relevância.”

Ibidem, p. 75. 17

SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São

Paulo: Ed. Malheiros, 2001, p. 15. 18

Ibidem, p. 30-34.

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22

regulatória, quer por o setor não o justificar (caso das desestatizações de empresas

siderúrgicas e petroquímicas federais no Brasil dos anos 80), quer por opção política (caso das

privatizações dos serviços básicos na Argentina da década de 80).19

Segundo o Professor Carlos Ari Sundfield a regulação é “característica de

um certo modelo econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o exercício da

atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no mercado utilizando instrumentos de

autoridade”.20

De modo que, “regular é, ao mesmo tempo, ser capaz de dirimir os conflitos

coletivos ou individualizados. É por isso que surgem as agências reguladoras, porque o Estado

tem de regular”.21

De acordo com a classificação de Grau quanto à intervenção estatal, a

atividade reguladora do Estado é a intervenção por direção, que ocorre quando a organização

estatal passa a exercer pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de

comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica.

A virtude da adoção de tal tipologia repousa sobre a circunstância de que a

dinamização de cada uma das modalidades de ação considerada envolve a adoção de critérios

e técnicas jurídicas inteiramente distintos entre si.22

Além disso, é certo também que os conjuntos de normas de intervenção por

direção e por indução apartam-se entre si de modo claro e preciso. No primeiro caso, estamos

diante de comandos imperativos, definidos pelo seu caráter cogente, impositivos de

19

SUNDFELD, op. cit. p. 19. 20

Ibidem, p. 23. 21

Ibidem, p. 28. 22

“Assim, a primeira distinção em apartá-las, umas das outras, está em que, ao passo que a modalidade de

intervenção por absorção e participação expressa atuação do Estado no processo – desempenhando ele, então,

o papel de sujeito no processo – as demais consubstanciam-se em atuação dele sobre processo econômico –

atribuídas, então, ao Estado, funções de ordenação do processo. É evidente que as posturas assumidas, em uma

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23

determinados comportamentos, a serem necessariamente cumpridos pelos agentes no processo

econômico. Já no segundo, defrontamo-nos com normas que, embora apontem uma

determinada conduta ou organização a ser seguida pelo seu destinatário, não o obrigam

juridicamente a seguí-la, deixando em aberto outras opções a serem por ele adotadas.

É neste contexto, portanto, que Grau entende que a regulação estatal

deve servir ao fim da ordem econômica, qual seja assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social, consoante já observado e inserto no art. 170,

CF/88.

O princípio da justiça social, assim, conforma a concepção de existência

digna cuja realização é o fim da ordem econômica e compõe um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil (art. 1, inciso III, CF/88). Sendo assim, seria o objetivo

último da regulação estatal a consecução do ideal de justiça social.

A justiça social foi entendida, inicialmente, como significando superação

das injustiças na repartição, em nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo,

contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas

inspirados em razões micro, mas, macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição

deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer

política econômica capitalista23

.

“A noção de justiça social foi sendo aprimorada, atribuindo-se hoje a ela

uma significação macro e não meramente microeconômica. Trata-se, agora,

de cuidar da repartição, a nível pessoal, desde uma visão macroeconômica.

Desde esse ângulo, as correções na injustiça da repartição deixam de ser

e outra hipóteses, colocam o Estado em posições jurídicas inteiramente diversas.” GRAU, Eros R. Elementos

de Direito Econômico. p. 65 23

GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. p. 249.

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24

apenas uma imposição ética e passaram a consubstanciar, também, uma

exigência de política econômica”.24

O elemento fundamental na noção de justiça social, enquanto fim da

ordem econômica, está centralizado na pressuposição de uma melhoria na repartição do

produzido como conseqüência da sua realização. Por certo que, por isso mesmo, a

justiça social compreende bem-estar geral, da sociedade – mesmo porque a disseminação

do bem-estar pela sociedade é resultante daquela melhoria.

A aplicação deste conceito à regulação da economia implica que a

atividade regulatória deve ter, eminentemente, caráter redistributivo, ou seja,

garantidor da igualdade de condições nas relações econômicas. Este aspecto, destaque-se,

servirá de cerne para a solução do problema que se propõe analisar.

1.3.1 Serviço público

Como já observado, o escopo dado às instituições jurídicas está vinculado

ao momento e local onde estão insertas. Neste sentido, cumpre observar o que preleciona

Sundfeld no que se refere aos serviços públicos:

“Os velhos serviços públicos, de regime jurídico afrancesado e explorados

diretamente pelo Estado, estão desaparecendo, com as empresas estatais

virando particulares e o regime de exploração dos serviços sofrendo

sucessivos choques de alta tensão. Telecomunicações, energia elétrica e

portos são alguns dos setores em que a noção de serviço público, se algo

ainda diz pouco; admite-se a exploração em regime privado, por meio de

autorizações, não mais apenas pelas clássicas concessões; introduz-se a

competição entre prestadores, suscitando a aplicação do Direito da

Concorrência e a interferência dos órgãos incumbidos de protegê-la”.25

24

GRAU, Eros R. Elementos de Direito Econômico. p. 56. 25

SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA,Oscar Vilhena. (coords.) Direito Global. São Paulo: Editora Max

Limonad, 1999, p. 161-162.

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25

A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano

da escolha política, observável nas fontes do direito pátrio. Dentre elas, a mais importante é a

Constituição Federal Brasileira, que fez o arrolamento das atividades consideradas como

serviço público. O art. 21 estabelece que há serviço público, de titularidade de União, na

prestação dos serviços referidos nos seus incisos, sendo que para fins do presente estudo cabe

destacar o inciso XI, que se refere ao serviço de telecomunicações.

As agências reguladoras surgem, portanto, no setor de serviços públicos,

como instrumento institucional através do qual o Estado atua de forma indireta na economia,

buscando o atendimento do interesse público, ou melhor, das políticas públicas. Deste modo,

como estabelece Grau, “o Estado do nosso tempo – o Estado contemporâneo – é,

fundamentalmente, Estado implementador de políticas públicas”.26

Uma das justificativas para a necessidade de regulação nos serviços públicos

é a existência das falhas de mercado nos serviços públicos alvo deste controle.

A falha de mercado é um termo genérico que caracteriza situações em que

uma imperfeição no sistema de preços impede uma afetação eficiente dos recursos27

.

Existem diversos tipos de falhas de mercado. Para os objetivos da política

concorrencial, os mais relevantes são a existência de poder de mercado ou a ausência de

concorrência perfeita (como no caso dos monopólios naturais).

A existência dos chamados monopólios naturais (que levam a uma

concorrência imperfeita) é eleita como a justificativa central para a regulação. Sendo assim, o

26

GRAU, Eros R. O direito posto e o direito pressuposto. p. 59. 27

SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia. 12ª ed. Lisboa: Editora McGaw-Hill, 1988, p.

121.

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26

controle é necessário neste tipo de estrutura uma vez que o comportamento natural e racional

será o de aumentar os preços a níveis supracompetitivos. A racionalidade da conduta não

torna o comportamento lícito.

No entanto, Salomão Filho entende que as razões utilizadas desviam o foco

principal da questão. Para ele, portanto, a regulação não terá como objetivo eliminar as falhas

de mercado (já que no mais das vezes isto é praticamente impossível), mas sim estabelecer

uma pluralidade de escolhas e um amplo acesso ao conhecimento econômico28

.

Logo, a regulação surge não para eliminar as falhas de mercado mas, tão

somente, para evitar o aparecimento de seus efeitos negativos.

A mera descrição de natureza econômica que se dá aos monopólios naturais

não é apta a identificar as situações que tornam imprescindível a intervenção regulatória. A

existência de custos irrecuperáveis não garante, por si só a autoproteção de que o monopólio

necessita para que sua ação não seja atingida pela tradicional ação antitruste. Assim, a

condição básica para que essa autoproteção ocorra é a existência de uma rede natural ou

artificial, física ou virtual, de duplicação inviável.

Destarte, pode-se citar como exemplos de mercados regulados tendo em

vista a ocorrência de falhas de mercado, caracterizadas pela existência de essential facility, o

setor de telecomunicações, o de energia elétrica e o de distribuição do petróleo.

1.4 . Interação entre concorrência e regulação

28

SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. p.

42.

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27

Para atingir a justiça social, questão analisada sob a perspectiva

concorrencial e regulatória, a regulação depende, diretamente, das regras de concorrência,

pois são elas que, em primeiro lugar, possibilitam a escolha individual por parte do

consumidor e, em segundo, sendo regras predominantemente procedimentais, permitem a

descoberta das melhores opções econômicas por meio de seu próprio exercício.

“Uma vez atribuída importância a uma regra de procedimento econômico,

permitem a participação individual (do consumidor) no processo de escolha

dos objetivos econômicos. Finalmente, cumprem um terceiro e fundamental

objetivo: o de difundir o conhecimento econômico, necessariamente

redistributivo. A difusão de conhecimento é incompatível com a existência

de poder econômico. A democracia cognitiva proporcionada pela

concorrência traduz-se, também, em maior isonomia econômica”.29

Neste diapasão, ao se entender que a regulação visa a consecução da

justiça social, não se pode entendê-la dissociada da proteção da concorrência devendo

esta ser compreendida, portanto, como um dos aspectos daquela.

Neste sentido, adotar-se-á o já mencionado conceito de regulação

apresentado por Eros Grau, tendo em vista que não adota uma análise meramente jurídico-

formal, mas a analisa à luz da Economia e, sobretudo, em função do atendimento aos

princípios fundamentais da Constituição Federal.

Incluiu-se, nesta seara, a proteção da concorrência como um dos aspectos da

regulação pois, como já se viu nos itens anteriores, dependendo do setor regulado e do tipo de

regulação que for feita, haverá uma interferência direta no âmbito concorrencial como

quando, por exemplo, o órgão regulador estabelece o valor de uma determinada tarifa ou,

ainda, quando faz exigências técnicas exacerbadas a fim de impedir o ingresso de um novo

competidor no mercado.

29

Ibidem, p. 39.

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28

É importante, portanto, observar algumas das tentativas doutrinárias a fim

de estabelecer uma fronteira entre a regulação e a defesa da concorrência.

Gesner Oliveira tenta estabelecer esta distinção em virtude do tipo de

mercado em que cada uma das instituições atua30

. Destarte, para este autor, o foco da

autoridade de defesa da concorrência estaria nos mercados não-competitivos, nos quais há

maior probabilidade de ocorrência de ilícito em função da existência de poder de mercado.

No entanto, no caso de mercados em que existem falhas de mercado, o autor

admite a imprescindibilidade do órgão regulador a fim de diminuir os problemas

concorrenciais.

De outra sorte, o foco da agência reguladora residiria, a seu turno, nos

monopólios naturais temporários. As condições de produção nestes tipos de monopólio fazem

com que uma única empresa tenha custos marginais sempre decrescentes a medida em que

aumenta sua atividade, fazendo com que a maneira mais eficiente seja a produção por uma

única firma. Daí a necessidade do regulador estabelecer regras setoriais específicas que

impeçam o monopolista natural de abusar de sua posição.

Tal atividade guarda estreita relação com a da autoridade de defesa da

concorrência tendo em vista que “a boa regulação é aquela que mimetiza da melhor maneira

possível o mercado competitivo, fazendo convergir o objeto de análise dos dois tipos de

autoridade”.31

30

OLIVEIRA, Gesner. Concorrência: panorama no Brasil e no mundo. Saraiva: São Paulo, 2001, p. 62. 31

Ibidem, p. 63.

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29

Afirma, portanto, que a tendência moderna da teoria da regulação é

desenvolver mecanismos que gerem uma convergência entre a defesa da concorrência e a

regulação.

Há, ainda, quem entenda32

ser o objetivo precípuo da regulação, a defesa da

concorrência porque por meio dela haverá maior consciência na decisão tomada pelo

consumidor e, a partir daí, um maior fornecimento de informações aos agentes no mercado

acerca de como o consumidor deseja ver atendido o seu interesse enquanto parte da sociedade.

Onde não seja possível a promoção da competição, o objetivo da regulação será impedir que

dos oligopólios ou monopólios surjam abusos em função de sua ausência.

Como conseqüência, pode-se dizer que a defesa da concorrência difere da

regulação apenas em grau. Ou seja, a defesa da concorrência prioriza o estabelecimento de

mercados concorrenciais enquanto que a regulação prioriza o estabelecimento de regras para o

devido funcionamento do mercado. É patente, deste modo, que grande parte da atividade

regulatória tem implicação direta na atividade concorrencial, de sorte que, como já foi dito

anteriormente, a proteção da concorrência passa a ser um aspecto indispensável da regulação.

Além das implicações diretas da atividade regulatória na defesa da

concorrência, Schuartz33

traz outro aspecto importante na análise do direito da concorrência

em confronto com a regulação. Para este autor a análise do Direito da Concorrência deve se

iniciar pela análise do art. 170, da Constituição Federal de 1988, que fixa os fundamentos e a

finalidade da Ordem Econômica constitucional.

32

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. IDAF – Informativo de Direito Administrativo e

Responsabilidade Fiscal. n 08. março/2002, passim. 33

SCHUARTZ, Luís Fernando. O Direito da Concorrência e seus Fundamentos. Racionalidade e Legitimidade

na Aplicação da Lei n 8.884/94. Revista de Direito Econômico. n 31. Brasília, jan./jul. 2000, p. 47-86.

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30

Neste contexto, destaca o fato de que o referido artigo prescreve como fim

da Ordem Econômica o “bem de todos” segundo critérios de justiça social (na mesma direção

vai o art. 1, inciso IV, CF/88, que define como um dos fundamentos do Estado Democrático

de Direito os valores sociais da livre iniciativa). A diretiva geral implicada por estes textos

está no dever atribuído aos poderes públicos de agir no sentido de, preservando a estrutura

normativa básica do sistema capitalista, influenciar sua trajetória, tendo em vista a realização

da justiça social34

.

Um tal dever, por outro lado, não faria sentido no contexto de uma descrição

do capitalismo que associasse a realização desta finalidade ao seu funcionamento não

regulado. É justamente em função da pressuposição de que o capitalismo não produz, por si

próprio, uma ordem social justa, que a definição normativa da finalidade da Ordem

Econômica, no sentido da realização deste ideal, adquire um significado consistente com as

normas constitucionais que definem positivamente âmbitos de regulação estatal da economia.

É claro, de outra parte, que a diretriz normativa geral contida no art. 170 da

CF/88 não é suficiente (por ser demasiado abstrata) para solucionar os problemas específicos

relacionados à interpretação e aplicação da defesa da concorrência. Assim, é preciso que se

troque em miúdos a afirmação da necessidade de regulação estatal da economia como meio

para a realização de um estado social justo, e isto até o ponto de permitir interpretar o Direito

Concorrencial vigente como um instrumento regulatório racional para a busca deste ideal.

34

CF, capítulo anterior.

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31

Este entendimento também é esposado por Forgioni, a qual assevera que “a

tutela da concorrência não é, portanto, um fim em si mesma e poderá ser afastada quando o

escopo maior perseguido pelo sistema assim o exigir”.35

Esta concepção tem uma implicação imediata para um tratamento

cientificamente consistente do conceito de concorrência no âmbito do Direito Concorrencial.

A concorrência deixa de ser entendida como um mecanismo passivo de

ajustamento de variáveis econômicas a um equilíbrio com propriedades de eficiência

paretiana; ao contrário, passa a ser vista como um processo dinâmico de geração,

estabilização e equalização de assimetrias entre agentes econômicos em busca de lucros

extraordinários.

Neste contexto, a relação entre concorrência e eficiência (definida em

termos de ganhos de “bem-estar” social) não se dá espontaneamente, mas pressupõe a

mediação de pressões competitivas suficientes para transformar as inovações em fatores

determinantes de criação de vantagens comparativas e apropriação de ganhos extraordinários,

mas, também, de redução do tempo necessário para a contestação destas vantagens e a

diluição de – ou a socialização dos benefícios associados a – tais ganhos36

.

Em síntese, a defesa da concorrência deve ser tratada como um aspecto

da regulação tanto porque a própria atividade regulatória tem influências

determinantes na defesa da concorrência, como porque é um mecanismo utilizado pela

entidade reguladora para que se atinja o ideal de justiça social e, neste ponto, acaba

servindo como mecanismo implementador de políticas públicas.

35

FORGIONI, Paula A. op. cit. p. 170. 36

SCHUARTZ, Luís Fernando. op cit, passim.

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32

Em consonância com esta necessidade de implementação de políticas

públicas, é interessante observar o que preceitua Forgioni:

“Tendo-se em mente os objetivos da Lei Antitruste, aparece clara,

conjuntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua aptidão

para servir à implementação de políticas públicas, especialmente de políticas

econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de

maneira sistemática sobre a economia”.

Neste sentido, a Lei Antitruste deve ser utilizada como instrumento a

desmantelar os monopólios naturais, na medida em que esta é a política econômica pública

que se pretende perquirir. Deste modo, servirá de instrumento a que se promova a

concorrência entre os poucos agentes econômicos atuantes no mercado, bem como para

impedir a colusão ou condutas anticompetitivas deste agentes.

Esta íntima relação entre a regulação e o direito concorrencial pode ser

expressamente observado, no caso do mercado de telecomunicações, na Lei Geral de

Telecomunicações, já que em inúmeros dispositivos desta lei ocorre a expressa determinação37

37

Art. 2° O Poder Público tem o dever de:

I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições

adequadas;

II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em

benefício da população brasileira;

III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e

propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;

Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os

princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre

concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do

poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando

não conflitarem com o disposto nesta Lei.

[...]

§ 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de telecomunicações que, na celebração de

contratos de fornecimento de bens e serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer

forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.

Art. 80. As obrigações de universalização serão objeto de metas periódicas, conforme plano específico elaborado

pela Agência e aprovado pelo Poder Executivo, que deverá referir-se, entre outros aspectos, à disponibilidade

de instalações de uso coletivo ou individual, ao atendimento de deficientes físicos, de instituições de caráter

público ou social, bem como de áreas rurais ou de urbanização precária e de regiões remotas.

§ 1º O plano detalhará as fontes de financiamento das obrigações de universalização, que serão neutras em

relação à competição, no mercado nacional, entre prestadoras.

Art. 70. Serão coibidos os comportamentos prejudiciais à competição livre, ampla e justa entre as prestadoras

do serviço, no regime público ou privado, em especial:

I - a prática de subsídios para redução artificial de preços;

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33

de que a justa e livre competição entre as empresa seja observada. Mais uma vez se constata,

portanto, a necessária interação entre a defesa da concorrência e a regulação..

1.4.1. A interconexão e o compartilhamento de meios ou recursos entre prestadoras

do serviço de telecomunicações

II - o uso, objetivando vantagens na competição, de informações obtidas dos concorrentes, em virtude de

acordos de prestação de serviço;

telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens.

Art. 71. Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concentração econômica no mercado, a Agência

poderá estabelecer restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à obtenção e

transferência de concessões, permissões e autorizações.

Art. 77. O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, no prazo de cento e vinte dias da publicação

desta Lei, mensagem de criação de um fundo para o desenvolvimento tecnológico das telecomunicações

brasileiras, com o objetivo de estimular a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias, incentivar a

capacitação dos recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e

médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competição na indústria de telecomunicações.

Art. 84. As concessões não terão caráter de exclusividade, devendo obedecer ao plano geral de outorgas, com

definição quanto à divisão do País em áreas, ao número de prestadoras para cada uma delas, seus prazos de

vigência e os prazos para admissão de novas prestadoras.

§ 1° As áreas de exploração, o número de prestadoras, os prazos de vigência das concessões e os prazos para

admissão de novas prestadoras serão definidos considerando-se o ambiente de competição, observados o

princípio do maior benefício ao usuário e o interesse social e econômico do País, de modo a propiciar a justa

remuneração da prestadora do serviço no regime público.

Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução

do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário.

Parágrafo único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em

risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7° desta Lei.

Art. 98. O contrato de concessão poderá ser transferido após a aprovação da Agência desde que,

cumulativamente:

[...]

III - a medida não prejudique a competição e não coloque em risco a execução do contrato, observado o disposto

no art. 7° desta Lei.

Art. 104. Transcorridos ao menos três anos da celebração do contrato, a Agência poderá, se existir ampla e

efetiva competição entre as prestadoras do serviço, submeter a concessionária ao regime de liberdade tarifária.

[...]

§ 2° Ocorrendo aumento arbitrário dos lucros ou práticas prejudiciais à competição, a Agência restabelecerá o

regime tarifário anterior, sem prejuízo das sanções cabíveis.

Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento

das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores,

destinando-se a garantir:

[...]

II - a competição livre, ampla e justa;

Art. 129. O preço dos serviços será livre, ressalvado o disposto no § 2° do art. 136 desta Lei, reprimindo-se toda

prática prejudicial à competição, bem como o abuso do poder econômico, nos termos da legislação própria.

Art. 151. A Agência disporá sobre os planos de numeração dos serviços, assegurando sua administração de

forma não discriminatória e em estímulo à competição, garantindo o atendimento aos compromissos

internacionais.

Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse

coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de

serviços de telecomunicações de interesse coletivo.

Art. 193. A desestatização de empresas ou grupo de empresas citadas no art. 187 implicará a imediata abertura à

competição, na respectiva área, dos serviços prestados no regime público.

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34

A posição dominante do concorrente que já se encontra no mercado se erige

em barreira à entrada de novo concorrente toda vez que se tratar de setor dependente de uma

essential facility, que deve ser entendida como sendo a situação de monopólio natural em que

há um bem (geralmente uma rede) de tal importância que é impossível minimamente competir

sem que haja acesso a este bem38

. É indispensável, para a configuração desta situação, que

haja impossibilidade prática e/ou econômica de duplicação do referido bem e que seja

possível a realização de interconexão.

A duplicação é inviável não apenas, e não principalmente, pelos altos custos

envolvidos. Ocorre que, além dos altos custos, as redes criam os denominados retornos

crescentes de escala, isto é, quanto mais consumidores fazem parte da rede, mais útil é ela

para o próximo consumidor.

Desta forma, não há qualquer estímulo, seja do ponto de vista do custo ou

da utilidade, para o consumidor escolher a rede concorrente (a não ser que esta agregue novos

serviços). A sua construção é, então, inconveniente. Se assim é, então as redes já construídas

passam a desempenhar um papel fundamental. Só nelas poderá se desenvolver qualquer tipo

de concorrência e só através delas o consumidor poderá ser atendido. Essas redes são o

elemento básico para a dominação dos mercados por partes dos agentes econômicos que as

detêm.

Já a interconexão é a disponibilização, por parte da detentora da rede, (que,

no caso brasileiro, é, geralmente uma empresa pública) da sua utilização pelas demais

empresas do mesmo setor.

38

SALOMÃO FILHO, Calixto. op. cit.. p. 54.

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35

No setor de telecomunicações, os casos e condições para a interconexão são

determinados pela ANATEL e foram objeto de um Regulamento de Interconexão que permite

às empresas, que vão ceder a sua rede, a cobrança pela sua utilização por parte das

concorrentes39

.

A interconexão e o compartilhamento de meios ou recursos entre

prestadoras do serviço de telecomunicações são institutos semelhantes e advêm da

necessidade do disciplinamento do uso das redes destinadas a dar suporte à prestação de

serviços de telecomunicações, no intuito de se viabilizar a competição.

Sem o compartilhamento dos meios físicos entre as prestadoras e a

interconexão, não há como se implementar a competição, conforme entende Jacintho Arruda

Câmara, respectivamente:

“[...] em virtude dos altos custos que envolvem a construção e a instalação

de uma rede de telecomunicações; tal fato demanda a necessidade do

máximo aproveitamento dos recursos existentes, inclusive por terceiros, que

não os proprietários das redes.

[...] se num mercado como esse existe apenas um operador dominante, que

detém a imensa maioria de clientes, a entrada de um novo competidor

somente será viabilizada se for garantido a ele o acesso à rede do operador

dominante, de modo que seus usuários, desde logo, tenham como se

comunicar com os demais usuários do serviço, mesmo aqueles vinculados a

um outro operador40

”.

Como se percebe, o compartilhamento de meios está muito ligado à idéia de

economia de infra-estrutura, sem o que seria, praticamente impossível, a entrada de um novo

prestador no setor, uma vez que os custos para implantação de uma rede física alternativa são

muitos elevados. Com efeito, possibilita-se a utilização, por parte do novo prestador, da rede

39

SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência: estudos e pareceres. São Paulo: Ed. Malheiros,

2002, p. 22. 40

Apud PEREIRA DA SILVA, Pedro Aurélio de Queiroz. As Agências Reguladoras e a Defesa da

Concorrência. Revista do IBRAC.Vol. 08, n 2. São Paulo, 2001, passim.

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36

física do prestador já estabelecido, de modo que o primeiro não precise despender grandes

quantias para o seu estabelecimento, pagando apenas pelo “empréstimo” dos meios.

No concernente à interconexão, temos que tal instituto está ligado à idéia de

possibilidade de comunicação entre usuários de serviços, cujas redes são distintas, isto é,

consoante o art. 146, parágrafo único, da LGT:

“Interconexão é a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente

compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam

comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela

disponíveis”.

Caso não fosse possível a realização da interconexão, um concorrente

encontraria enormes dificuldades para entrar no mercado. Segundo estabelece o art. 155 da

LGT,

“para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de

telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições

fixados pela agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de

serviços de telecomunicações de interesse coletivo”.

Destarte, verifica-se que, tanto a interconexão quanto o compartilhamento

de meios entre prestadoras do serviço de telecomunicações têm como idéia basilar a defesa da

concorrência41

.

41

Ainda outros dispositivos da LGT relevantes à análise da matéria:

Art 93. O contrato de concessão indicará:

[...]

VII - as tarifas a serem cobradas dos usuários e os critérios para seu reajuste e revisão;

Art 73. As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de

postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de

telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e

condições justos e razoáveis.

Art 93. O contrato de concessão indicará:

[...]

XII - as condições gerais para interconexão;

Art 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão,

observando-se, no que couber, a legislação específica.

[...]

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37

1.4.2. Da importância da análise econômica no Direito Econômico

O reconhecimento da importância da ciência econômica, na análise jurídica

da realidade, não significa que esta esteja reduzida àquele, e vice-versa, mas que são esferas

da ciência que se tocam, de modo que a melhor compreensão da primeira, faz com que se

possa melhor compreender e aplicar a segunda.

Alexandre Ditzel Faraco elucida em que medida se dá esta interação:

“Para tanto, a economia pode prover modelos analíticos e dados empíricos

necessários à discussão dos problemas envolvidos, ajudando a identificar

quem potencialmente ganha ou perde com uma determinada ação

estatal, e sugerir, também, alternativas que permitam minimizar os

efeitos de alocações indesejadas de riqueza. É admissível, assim, que

possa ser vista com um instrumento útil para a formulação de juízos

quanto à validade de determinadas regulações.

A análise econômica ganha importância, nessa perspectiva, não na

definição dos valores envolvidos na criação e na aplicação do direito,

§ 2º Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos

decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas

alternativas.

§ 3º Serão transferidos integralmente aos usuários os ganhos econômicos que não decorram diretamente

da eficiência empresarial, em casos como os de diminuição de tributos ou encargos legais e de novas

regras sobre os serviços.

Art 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o

cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos

dos consumidores, destinando-se a garantir:

[...]

VIII - o cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo, bem como dos encargos dela

decorrentes;

Art 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:

I - é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;

II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional;

III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função

social.

Art 147. É obrigatória a interconexão às redes de telecomunicações a que se refere o art. 145 desta Lei, solicitada

por prestadora de serviço no regime privado, nos termos da regulamentação.

Art 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das redes obedecerão à regulamentação editada pela

Agência, assegurando a compatibilidade das redes das diferentes prestadoras, visando à sua harmonização em

âmbito nacional e internacional.

Art 152. O provimento da interconexão será realizado em termos não discriminatórios, sob condições

técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos e justos, atendendo ao estritamente necessário à

prestação do serviço.

Art 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre negociação entre os interessados,

mediante acordo, observado o disposto nesta Lei e nos termos da regulamentação. (grifou-se e sublinhou-se)

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38

mas como um instrumento que permite: (i) subsidiar a interpretação e a

aplicação de normas cuja hipótese de incidência inclui dados de

natureza econômica; (ii) auxiliar a compreensão dos efeitos produzidos

por uma norma na realidade por ela afetada.

[...]

Esse [o instrumental analítico da economia] será relevante também para

verificar a validade jurídica de certos atos normativos pois, para usar o

mesmo dispositivo [§ 2º, do art.108, da LGT] citado, cabe à Anatel regular

como será feito o referido compartilhamento. SE AS NORMAS FIXADAS

PELA AGÊNCIA NÃO PERMITIREM ALCANÇAR ESSE

RESULTADO, ELAS NÃO PODERÃO SER JURIDICAMENTE

VÁLIDAS, POIS NÃO ESTARÃO EM CONFORMIDADE COM A

NORMA QUE LHES SERVE DE FUNDAMENTO DE VALIDADE”.42

(grifo nosso)

Deste modo, a análise econômica poderá fornecer subsídios para que se

verifique se os objetivos fixados na norma estão sendo alcançados, ou se, ao contrário, a

realidade econômica demonstra se tem verificado uma afronta a estes objetivos. Ou seja,

permitirá verificar se as normas infralegais estão em consonância com os objetivos

estabelecidos pela lei e pela Constituição, o que não ocorre, tendo em vista a afronta à justiça

social, no caso no qual se pretende analisar, qual seja o sumidouro de tráfego.

42

FARACO, Alexandre Ditzel. Regulação e direito concorrencial: (as telecomunicações). São Paulo: Livraria

Paulista, 2003, p. 199.

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39

2. DEFINIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS EM TELECOMUNICAÇÕES

Estabelecida como se deve dar a relação entre a concorrência e a regulação,

é necessário verificar em que medida são outorgas as competências para a aplicação e

implementação dos ditames legais atinentes a estas duas esferas jurídicas.

Como já observado, são tênues os limites entre regulação e concorrência.

No caso posto no presente trabalho, para que seja possível chegar a uma conclusão acerca do

problema é necessário conhecer os limites das competências da ANATEL, CADE, SDE e

SEAE.

Para tanto, em primeiro lugar, serão estabelecidas as competências

concorrenciais e, após, será estabelecida a competência regulatória. Frise-se, que, tendo em

vista que esta primeira envolve todos os órgãos supracitados, sua análise exige maior atenção,

até porque controversa sob alguns aspectos.

2.1. Da competência concorrencial

Para que se possa fazer um acurado estudo sobre a delimitação destas

competências, deve-se ter como base as regras de hermenêutica aplicáveis ao caso em estudo.

Inicialmente buscar-se-á definir qual a metodologia mais escorreita para a realização desta

análise. Em seguida verificar-se-á qual(is) outra(s) interpretação(ões) têm sido adotada(s)

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40

pelos órgãos de defesa da concorrência e pelas agências reguladoras, e pela doutrina

majoritária.

2.1.1. Da competência instrutória

Inicialmente, por uma questão de coerência metodológica, deve-se fazer

uma breve análise acerca do instituto da competência e sua abordagem no direito pátrio. Neste

diapasão devemos inicialmente nos reportar à Constituição Federal, nossa lei maior, para que

verifiquemos quais as modalidades de competências existentes em nosso sistema jurídico.

José Afonso da Silva, analisado as modalidades de competência existentes

em nossa Magna Carta, classifica as competências quanto à forma, conteúdo, extensão e

origem. Ao presente estudo interessa a classificação quanto à extensão (participação de uma

ou mais entidades na esfera da normatividade ou da realização material) que se distingue

em: exclusiva (atribuída a uma entidade com exclusão das demais), privativa (enumerada

como própria de uma entidade, com possibilidade de delegação e de competência

suplementar), comum, cumulativa ou paralela (faculdade de legislar ou praticar certos atos,

em determinada esfera, juntamente e em pé de igualdade) concorrente (possibilidade de

disposição sobre o mesmo assunto ou matéria por mais de uma entidade) e suplementar

(correlativa da competência concorrente, e significar o poder de formular normas que

desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão

destas)43

.

43

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.

479.

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41

Analisado o tratamento constitucional do instituto, importa verificar como

se dá sua regência no direito administrativo. Neste ramo do direito não basta que o sujeito

tenha capacidade (ser titular de direitos e obrigações, podendo exercê-los por si ou por

terceiros), é necessária que tenha também competência expressamente definida em lei. Quem

tem capacidade para a prática de atos administrativos são as pessoas públicas políticas (União,

Estados, Municípios e Distrito Federal), cujas funções são distribuídas entre órgãos

administrativos e, dentre destes, entre seus agentes, pessoas físicas. A distribuição de

competências das pessoas jurídicas políticas está disposta na Constituição, enquanto que a dos

órgãos e servidores em leis.

É o que se verifica no caso em estudo, já que em matéria de

telecomunicações a competência legiferante é privativa da União (inciso IV, artigo 22, da

Constituição Federal) e em matéria de direito econômico é concorrente entre a União, Estados

e Distrito Federal (inciso I, artigo 24, da Constituição vigente), sendo que as competências da

SEAE (órgão vinculado ao Ministério da Fazenda), da SDE (órgão vinculado ao Ministério da

Justiça) e do CADE (autarquia federal) e ANATEL (autarquia especial) estão dispostas em

lei.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que:

“Aplicam-se à competência as seguintes regras:

1. decorre sempre da lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si,

as suas atribuições;

2. é inderrogável, seja pela vontade da Administração, seja por acordo com

terceiros; isto porque a competência é conferida em benefício do interesse

público;

3. pode ser objeto de delegação ou avocação, desde que não se trate de

competência conferida a determinado órgãos ou agente, com exclusividade,

pela lei.”44

44

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 196.

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42

Em consonância com isso, está o que dispõe o artigo 11, da Lei nº 9.784/99,

que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal,

estabelecendo que “a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a

que foi atribuída como própria, salvo os caso de delegação e avocação legalmente admitidos”.

Verifica-se, desta forma, que, em respeito ao princípio administrativo da

legalidade estrita, a competência somente surge por expressa determinação legal, sendo

irrenunciável. No caso dos órgãos regidos pelas leis em estudo (Lei de Defesa da

Concorrência e Lei Geral de Telecomunicações), tais competências não foram alvo de

delegação ou avocação.

Compreendido o instituto da competência, importa delimitar o alcance de

competência que a lei atribui aos órgãos do SBDC e à ANATEL. Podemos verificar dois

problemas relevantes afetos à delimitação de competência destes órgãos. O primeiro surge da

tênue separação entre regulação e concorrência. O segundo surge da possível sobreposição de

competências entre a SDE/SEAE e a ANATEL no que atine à competência instrutória para

análise de questões concorrenciais, com o posterior julgamento pelo CADE.

No presente capítulo ater-se-á à análise exaustiva do segundo problema,

fazendo-se tão somente breves comentários acerca do primeiro problema, já que este foi

analisado no primeiro capítulo, mas está intimamente relacionado ao segundo.

Com o advento da LGT, a ANATEL passou a disciplinar os aspectos

regulatórios do setor de telecomunicações, enquanto que o CADE, residualmente, reteve sua

competência para a apreciação somente das questões que envolvam a defesa da concorrência.

É o que nos ensina Helena Xavier:

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43

“Na sua vertente específica de direito econômico, a LGT submete ainda a

disciplina das relações econômicas do setor de telecomunicações, não só aos

princípios constitucionais do art. 170 CF, determinando que a organização

dos serviços seja fundada no princípio da livre, ampla e justa competição

entre todas as operadoras (art. 6º), como também ao princípio da

continuidade do serviço prestado no regime público da continuidade do

serviço prestado no regime público (art. 5º), assumindo-se expressamente

como direito especial em relação à Lei Brasileira de Defesa da Concorrência

– “LBDC” (Lei nº 8.884/94, de 11.06), nos termos do art. 7º, caput.

Enquanto direito especial em relação à LBDC, a LGT, embora sem

contrariar substancialmente os princípios naquela contidos, adapta-a às

particularidades circunstâncias do setor de telecomunicações, relegando a

sua aplicação para o plano da subsidiariedade.

O modelo de competição do setor de telecomunicações estabelecido pela

LGT assenta, assim, no binômio regulação e concorrência (art.6º e 7º e 71

LGT).”45

Isso porque, conforme se observa no artigo 6º da LGT, a regulação prevista

não é destinada a eliminar a dinâmica do livre mercado, mas sim introduzi-la, tanto quanto

possível. Ou seja, busca-se, com a paulatina extinção do monopólio legal, atingir um modelo

competitivo.

Como preleciona Sundfeld:

“Não há, portanto, contradição finalística entre a regulação de

telecomunicações e o direito antitruste – pois aquela tem, tanto, quanto este,

compromissos com a livre concorrência

Demais disso, a LGT não quebrou a unidade do direito antitruste contido na

Lei 8.884/94, quer em seu aspecto substancial, quer em seu aspecto adjetivo.

Bem ao contrário: determinou de modo expresso a incidência, no setor, das

normas gerais de proteção à ordem econômica, relativas ao controle tanto

das estruturas como das condutas.”46

Os conceitos de regulação e defesa da concorrência são distintos entre si e

não se deve confundi-los, não obstante isto ocorra freqüentemente na prática, tendo em vista

sua imbricada relação.

45

XAVIER, Helena de Araújo Lopes. O regime especial da concorrência no direito das telecomunicações.

Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 31-32. 46

SUNDFELD, Carlos Ari. In: Processo Administrativo nº 08700.001498/2002-23, p. 19/20.

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44

Como já observado, a escopo deste estudo é estabelecer as competências em

matéria de defesa da concorrência, por esta razão, insta frisar que utilizar-se-á o conceito de

defesa da concorrência, abrangendo o controle preventivo das estruturas de mercado (análise

de aquisições, fusões e joint ventures, impedindo-se ou impondo condições àquelas que forem

prejudicais à concorrência) e o controle repressivo de condutas (iniciando investigação

pública, por meio de processo administrativo, de práticas supostamente anticompetitivas e, ao

final, condenando os seus agentes, se caracterizado o ilícito).

Esta é justamente a sistemática adotada pela Lei de Defesa da Concorrência

(Lei 8.884/94), cujo escopo está determinado em seu artigo 1º:

“Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra

a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de

iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos

consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por

esta Lei.” (grifo nosso)

Sua atuação divide-se em controle de estruturas e controle de condutas. O

controle de estruturas, disciplinado pelo artigo 54 da Lei 8.884/94, visa monitorar atos e

contratos, enquadrados dentre as hipóteses de subsunção estabelecidas no referido artigo,

tendentes a produzir concentração econômica. O controle de condutas trata da repressão de

condutas anticoncorrenciais, previstas nos artigos 20 e 21 desta mesma lei, capazes de limitar

ou prejudicar a livre concorrência.

Para a aplicação desta lei previu-se a competência genérica para investigar,

reprimir e prevenir os atos lesivos à concorrência com interação entre três órgãos distintos:

CADE, SDE e SEAE. A SDE e a SEAE são órgãos técnicos com poderes de monitoramento

do mercado, cabendo-lhes instruir os processos. O CADE possui função judicante, julgando,

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45

como única instância no âmbito da administração pública, os processos instruídos pelos

órgãos instrutores, envolvendo análise de estrutura ou de conduta.

Cumpre, portanto, verificar se, com a edição de normas substantivas de

regulação e criação de um órgão regulador, a lei teria de modo explícito ou tácito afetado o

modo de aplicação e incidência da norma antitruste genérica (Lei 8.884/94), com a

conseqüente modificação da competência dos órgãos antitruste constantes na referida lei

(CADE, SDE e SEAE), transferindo-a para o órgão regulador.

Para que se possa analisar se, com o advento da LGT, teria ocorrido a

exclusão da competência da SDE e SEAE para a análise instrutória de questões concorrenciais

ou, se ao revés, a ANATEL passaria a atuar em conjunto com estes órgãos, sendo, portanto, a

competência concorrente, deve-se utilizar as regras de hermenêutica aplicáveis ao direito

brasileiro.

2.1.2. Das regras de hermenêutica

João Francisco, partindo dos ensinamentos de Karl Larenz em sua obra

Metodologia da Ciência do Direito, elenca os critérios tradicionais de hermenêutica jurídica,

que devem ser analisados sob uma perspectiva de complementariedade e interdependência: a

interpretação literal da norma (sentido extraído da acepção direta da linguagem, em específico

a técnico-jurídica), a interpretação histórica (a intenção reguladora do legislador ao tempo da

formulação da norma, sempre limitado pelo teor do texto vigente), interpretação teleológica

(busca concretizar os objetivos essenciais da norma) e a interpretação sistemática (a norma é

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46

analisada não isoladamente, mas em cotejo ou como parte integrante de um sistema

normativo).47

Deste modo, devemos partir inicialmente da interpretação literal da norma,

para em seguida fazermos o cotejo com as demais técnicas de hermenêutica, sendo esta

modalidade também o ponto de chegada, já que os signos lingüísticos têm significados finitos,

não se podendo extrair o que foge de sua possível compreensão.

Cumpre, desta maneira, observar o que dispõe a LGT acerca da competência

da ANATEL. Vejamos:

“Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao

setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta

Lei.

§ 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no

regime público ou privado, que visem a qualquer forma de concentração

econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação de empresas,

constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer

forma de agrupamento societário, ficam submetidos aos controles,

procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção

à ordem econômica.

§ 2° Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação

do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, por meio do

órgão regulador.

§ 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de

telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e

serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma,

prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o

atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das

telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade,

legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

[...]

XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais

em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem

econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de

Defesa Econômica – CADE.”

Com efeito, ao analisarmos a literalidade da norma verificaremos que se

outorgou à agência reguladora, relativamente às telecomunicações, a competência exposta no

47

DRUMOND, João Francisco Aguiar. Interpretação do Direito e da Constituição – Aspectos Gerais.

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47

inciso XIX, do artigo 19, da referida lei, e não a esta em conjunto ou alternativamente ou de

qualquer outra forma que se possa querer inferir em relação à SDE e à SEAE.

Novamente, atendo-se à literalidade da norma, podemos observar que no

que quis o sistema legal delimitar ou ressalvar determinada competência a fez de modo

expresso e inequívoco, quando dispôs que as competências da agência seriam exercidas,

ressalvadas as atribuídas ao CADE. Observe-se, portanto, que no que atine às competências

do CADE, estas foram integralmente mantidas, tendo este órgão a competência, no âmbito da

administração pública, para julgar as condutas e estruturas a ele submetidas.

A análise do artigo 7º, da LGT, em cotejo com o artigo 19, inciso XIX, da

mesma lei, nos dá ainda mais segurança para considerar a competência exclusiva, em relação

à SDE e SEAE. Isso porque, se há a ressalva, no artigo 19, da competência, tão somente, do

CADE e o caput do artigo 7º determina que são aplicáveis ao setor de telecomunicações as

normas gerais, somente quando não conflitarem com a LGT, patente está que, neste setor,

estão afastadas as competências instrutórias dos órgãos do SBDC, já que em evidente conflito.

Frise-se que, partindo-se do pressuposto de que não há conflito de

competência, já que excluídas as competências instrutórias da SDE e da SEAE, o conflito de

competência seria apenas aparente, havendo, na realidade, um conflito de normas.

Isso porque não seria tecnicamente correto utilizar o termo conflito de

competência, já que somente um destes órgãos a possuiria. O termo seria aplicável e tratar-se-

ia de um conflito positivo de competência, caso os dois órgãos (SDE e SEAE) reivindicassem

para si a persecução do exercício da mesma competência.

Dissertação de Mestrado em Direito e Estado na Universidade de Brasília, 2001. p. 33 e ss.

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48

Ainda quanto à análise do artigo 7º, deve-se frisar que o texto dos §§ 1º e 2º

deste artigo deixam igualmente de forma clara que o controle estrutural será submetido ao

CADE por meio do órgão regulador. O que novamente nos leva a concluir que a competência

da ANATEL não seria exercida em conjunto ou alternativamente ou de qualquer outra forma

que se possa querer inferir com a SDE e a SEAE.

Como o § 3º está inserido dentro do mesmo artigo 7º e da mesma lei e,

portanto, em cotejo com o inciso XIX, do artigo 19, da LGT, ao controle de condutas aplica-

se a mesma sistemática supra defendida. Esta é a teleologia inserta pela LGT também no

artigo 6º.48

Entendemos que, se por um lado, segundo a interpretação histórica, pode-se

inferir que o legislador buscou, face à especificidade da questão regulatória e concorrencial

das telecomunicações, instituir um complexo normativo e institucional próprios, o mesmo se

pode estender à interpretação teleológica, já que esta é a razão e o fim que se objetiva com a

vigência desta lei especial.

Entendemos ser a interpretação sistemática a mais relevante, até porque a

mais completa, na medida em que busca fazer a adequação da norma a todo o sistema jurídico

vigente.

Neste diapasão, do ponto de vista metodológico, é mister que estabeleçamos

o conceito de sistema jurídico. Juarez Freitas o compreende como uma rede axiológica e

hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a

de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos

48

“Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa

competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para

corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica.” (grifo nosso)

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49

fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram

consubstanciados,expressa ou implicitamente, na Constituição.49

O mesmo autor nos orienta acerca da interpretação do Direito

Administrativo:

“Com efeito, toda a interpretação publicista, mesmo diante das questões

mais singelas, há de ser sistemática, principiológica e hierarquizadora, ainda

quando não se explicite claramente como tal, eis que todo e qualquer

diploma legislativo regente das ditas relações de administração – a despeito

de aparentemente claro ou eivado de vícios e de falhas técnicas, voluntárias

ou não, originárias ou supervenientes – precisa ser interpretado e, não raro,

teleologicamente corrigido em estrita consonância com os altos princípios

constitutivos do sistema jurídico em geral e do subsistema administrativista

em particular.”50

Deve-se, pois, buscar realizar o cotejo entre as normas ora em análise e os

princípios constitucionais e administrativos aplicáveis ao problema em tela.

Utilizando-se a interpretação sistemática podemos dizer que é inteiramente

coerente, dentre uma sistemática legal em que haja uma norma geral, com dotação

institucional para atuação também genérica, e uma norma específica, também com dotação

institucional própria para atuação nesta matéria, que haja um órgão competente para exercer

com exclusividade a competência instrutória deste mercado. Até porque este órgão é

justamente especializado para tal. Restando, para todos os outros mercados que não lhe sejam

afetos, a atuação dos órgãos de atuação genérica.

Incoerência ou incompatibilidade lógica interna do sistema haveria se,

havendo um órgão instituído e dotado de estrutura e quadro de funcionários especializados

para atuar especificamente em telecomunicações, fosse permitido que órgão sem o mesmo

49

FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2 ed. rev. e ampl. Editora Malheiros: São Paulo,

1998, p. 46 . 50

Ibidem, p. 167.

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50

grau de especialização viesse a exercer as mesmas funções, em substituição, sob pena de

evidente perda de qualidade na apreciação da matéria.

Ou exercendo as mesmas funções, em complementaridade, sob pena de

imputar ao administrado uma excessiva onerosidade, com afronta ao princípio da economia

processual, (com o pagamento em dobro de taxas processuais, gastos com profissionais para a

condução do processo, dentre outros), insegurança jurídica (com possibilidade de

manifestações ou decisões – como no caso da medida preventiva – conflitantes) e flagrante

infringência ao princípio da celeridade, tendo em vista que, pela natureza da matéria em

análise – em razão, principalmente, da velocidade da dinâmica que exigem as relações

comerciais – exige-se que sejam dadas decisões no menor tempo hábil possível, para que

possam ter efetividade (seriam exaradas seis manifestações – SEAE, SDE, ANATEL,

Procuradoria da ANATEL, Procuradoria do CADE e Ministério Público Federal – para, após,

haver o julgamento pelo CADE, o que é totalmente incoerente, quando se deseja dar decisões

rápidas).

O próprio administrador, caso as funções sejam exercidas em

complementaridade, também seria prejudicado, já que haveria uma duplicidade de esforços

(contribuindo com uma maior morosidade do sistema, com evidente infringência ao princípio

da constitucional da eficiência, que está explicitamente disposto no caput do artigo 37 da

Constituição, consistindo na permanente busca da melhor prestação e funcionamento da

administração).

Partindo-se desta mesma incoerência podemos invocar os princípios da

proporcionalidade (constitucional da administração pública) e da razoabilidade

(administrativo). Pelo primeiro, é importante elucidar que se deve atribuir uma proporção

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adequada entre os meios que se emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que não se

trate de uma medida desproporcional, excessiva em relação ao que se deseja alcançar,

devendo realizar-se do modo mais eficiente pela administração. Pelo segundo, há de se

verificar que o administrador, ao exercer a interpretação normativa, deve obedecer a critérios

aceitáveis do ponto de vista racional, buscando a interpretação que esteja mais próxima do

lógico e razoável. Pela lógica acima exposta, verifica-se que há evidente afronta a estes dois

princípios.

Os princípios do processo administrativo que se aplicam especificamente a

este problema são o da economia processual, que observa ser o processo o instrumento para

aplicação da lei, de modo que as exigências a ele pertinentes devem ser adequadas e

proporcionais ao fim que se pretende atingir, e o da celeridade, exigindo serem os meios

utilizados de modo proporcional e razoável, para que se alcance a almejada presteza na

análise do processo.

Pode-se, ainda, invocar o princípio administrativo da finalidade, legalmente

previsto na Lei 9.784/99, segundo o qual o administrador, ao manejar as competências postas

a seu encargo, deve obediência à finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando

execução. Este princípio deve ser analisado em cotejo com o princípio da especialidade, já

que, havendo lei específica que venha a reger um órgão com atuação especializada, o fim da

lei não é outro, senão o de que seja a matéria inteiramente regida e operacionalizada pela

agência instituída para tal.

O princípio da especialidade, concernente à idéia de descentralização,

decorre dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público pela

administração pública. Segundo este princípio as pessoas públicas administrativas deverão

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52

empregar o patrimônio, os meios técnicos e o pessoal de que dispõem para a consecução do

fim específico, em virtude do qual foram criadas.51

Este princípio é aplicável em especial às autarquias, sendo que o Estado cria

pessoas jurídicas públicas administrativas como forma de descentralizar a prestação de

serviços públicos, com vistas à especialização da função definida em lei. Tal princípio

respalda nossa interpretação, na medida em que o Estado criou uma agência reguladora

especializada para setor de telecomunicações, em detrimento de uma estrutura genérica

estabelecida em lei (Lei 8.884/94).

Tendo amplamente justificado a interpretação de que a modalidade de

competência mais adequada seria a exclusiva, importa, por fim, esclarecermos como se dá a

vigência da Lei nº 8.884/94.

Pelo princípio da continuidade, do Direito Civil, a lei vige até que outra a

modifique ou revogue, sendo que, com o advento da nova lei, esta revogação, quanto à

extensão, pode denominar-se ab-rogação, quando total, e derrogação quando parcial.

Quanto à forma de atuação da revogação nos ensina Francisco Amaral52

que

a revogação por lei nova é expressa ou tácita, neste caso, quando as disposições novas forem

incompatíveis com as já existentes, ou regularem inteiramente a matéria de que tratava a lei

anterior. A incompatibilidade pode ocorrer entre lei geral e lei especial e vice-versa. No caso

em tela, importa observar que, como preleciona Caio Mario da Silva Pereira, a

incompatibilidade poderá surgir também no caso de disciplinar a lei nova, não toda, mas

51

CRETELLA JÚNIOR, José. Filosofia do direito administrativo. 1 ed. Forense: Rio de Janeiro, 1999, p. 104. 52

AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3. ed. rev,. aument..e atual. Renovar: Rio de Janeiro,

2000, p. 100.

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53

apenas parte da matéria, antes regulada por outra, apresentando o aspecto de uma contradição

parcial.53

Ora, esta incompatibilidade é justamente o que se verifica no caso em tela,

já que com base nas regras de hermenêutica e embasados nos princípios constitucionais e

administrativos, vê-se uma patente incoerência entre o que dispõe o inciso XIX, do artigo 19,

da LGT e a Lei nº 8.884/94, que atribui à SDE, em seu artigo 14, inciso XII, competência

instrutória para receber e instruir os processos e que atribuiu à SEAE, em seu artigo 54, §. 6º,

competência para emitir parecer técnico em ato de concentração, e, em seu artigo 38, a

faculdade de se pronunciar em processo administrativo.

A primeira lei atribui competência exclusiva à ANATEL e rege

exaustivamente a matéria a ela afeta, senão sua redação seria diferente, para que não houve-se

incoerência gramatical entre esta norma e a Lei 8.884/94. Isso porque, quando foi necessário

definir a competência do CADE a lei o fez expressamente. Outra não poderia ser a

interpretação, sob pena também de se admitir sua incoerência histórica, finalística e lógica

com sistema legal do direito concorrencial, já que em dissonância com toda a principiologia

constitucional e administrativa aplicável à matéria.

Destarte, pode-se afirmar que houve, com o advento da lei especial, a

derrogação de parte da competência legal da SDE e SEAE, exatamente no que atine à

competência instrutória em matéria concorrencial no mercado de telecomunicações, vindo a

LGT reger totalmente este âmbito específico, afeto anteriormente, ao advento desta lei, aos

órgãos instrutórios do SBDC.

53

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. 1. 19 ed. rev. e atual. Editora Forense: Rio

de Janeiro, 1998. p. 84.

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54

Frise-se, ademais, que a LGT é lei especial que veio disciplinar, quanto ao

mercado de telecomunicações, a Lei de Defesa da Concorrência, lei genérica, que em

momento algum apontou com esta incompatibilidade material, cingindo-se esta

incompatibilidade tão-somente ao âmbito procedimental ou formal. Desta forma, tratando-se

de questão formal e não material, mais liberdade possui o interprete para aplicar a

hermenêutica.

Isso porque, tanto no direito processual civil e ainda mais no direito

processual administrativo (regido por uma maior informalidade), busca-se a instrumentalidade

das formas em detrimento do excessivo formalismo. Podendo-se, deste modo, adequar o

procedimento a uma sistemática mais coerente com o sistema jurídico como um todo, torna-se

um poder-dever do Estado, ou melhor, do administrador, fazê-lo.54

Cabe, ademais, observar que, caso o Conselheiro-Relator, submetendo ao

Plenário do CADE, ou o próprio Plenário do CADE, conforme estabelecem, respectivamente,

os artigos 9º, inciso III e 7º, inciso IX, poderiam, caso entendessem necessário, por meio de

ofício, requerer à SDE e SEAE, informações, assim como poderiam fazer com relação a

qualquer pessoa, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas. Deste modo, ao se

estabelecer exclusiva a competência da ANATEL para a instrução do caso, permite-se o

respeito ao sistema jurídico, sem que isto signifique a impossibilidade de se obter destas

secretarias, quando o CADE entender necessário, informações que se julgue necessário, assim

como poderia obter de qualquer outro órgão.

2.1.3 Posições divergentes

54

Veja-se, neste sentido, os artigos 154, do Código de Processo Civil, e 2º, inciso IX, da Lei 9.784/99.

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55

Não obstante se tenha concluído, no presente trabalho, excluídas as

competências da SDE e da SEAE, com o advento da LGT, grande parte da doutrina e a

inclinação hodierna da jurisprudência têm sido pela competência concorrente. Observemos o

que entende, a este respeito, Ana Maria de Oliveira Nusdeo:

“Deve ser observado, por outro lado, que ao transferir as competências da

SDE e da SEAE para a ANATEL, em momento algum fala a Lei 9.472, de

1997, em exclusividade. Desse modo, deve ser entendido que as

competências da SDE e da SEAE foram mantidas, residualmente, com

relação ao setor de telecomunicações.

[...]

A sobreposição de esferas administrativa, nesse sentido, longe de ser um

mal, gerador de dificuldades burocráticas e operacionais, apresenta-se como

uma vantagem do sistema, proporcionando que a intervenção dos órgãos de

defesa da concorrência se coloque como uma instância revisora das decisões

ou omissões no âmbito das agências reguladoras, de maneira a corrigir

eventual ‘contaminação’ que as agências possam sofrer em decorrência da

influência direta das empresas do setor.”55

Com efeito, em que pese a inegável proficiência da autora na matéria

devemos discordar de seu posicionamento. A um, porque, como acima demonstrado, não

precisa haver revogação expressa, podendo esta ser tácita, quando há incompatibilidade ou

incoerências entre as normas, como se verifica no caso em tela.

A dois, porque entendemos que ao invés de atuar como instância revisora,

estes órgãos atuariam de forma a emperrar o escorreito andamento do processo. Isso porque,

na prática, como já visto, veríamos seis pareceres no mesmo processo e sete entes se

pronunciando: um da SDE, um da SEAE, um da Procuradoria da ANATEL, um da ANATEL,

um da Procuradoria do CADE e um do Ministério Público Federal. Além disso, por fim, ainda

haveria a análise e julgamento do caso pelo CADE, sendo que este exerce a reclamada função

55

NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Agências Reguladoras e Concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari. (org.)

Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 181 e 189.

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56

de instância revisora, já que após a instrução seria responsável pela função judicante, dando a

decisão final.56

A três, porque esta eventual “contaminação” passaria pelo crivo da

Procuradoria do CADE e do Ministério Público Federal e ainda pelo próprio CADE. Tendo

em vista que a matéria seria revista ainda três vezes, isto estaria plenamente apreciado. Além

do fato de que não se poderia, estendo-se este raciocínio, garantir que também a SDE e a

SEAE não fossem “contaminadas”, vindo na realidade tumultuar o processo e não agregar, até

porque são tidos como órgãos dotados de uma especialidade inferior quanto a esta matéria.

Ronaldo Porto Macedo corrobora tal entendimento, conforme se observa da

leitura de despacho por ele proferido em Pedido de Medida Preventiva em que são

Requerentes Embratel e Intelig:

“A lei que cria a ANATEL em momento algum revogou expressamente a

competência dos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa para atuarem no

setor de telecomunicações. Não houve delegação ou avocação.

[...]

É de se observar que a ressalva feita ao CADE indica que não existe

competência da ANATEL para o exercício das funções judicantes próprias

do CADE. A lei apenas cometeu à ANATEL competências para o exercício

das atividades instrutórias e de fiscalização. Ao fazê-lo, diga-se de

passagem, não estabeleceu sequer que sua competência seria privativa ou

exclusiva.

O sistema jurídico brasileiro admite inúmeras hipóteses de competência (ou

atribuição) concorrente de órgãos da administração para o desempenho de

funções, não sendo razoável supor que a mera justaposição de competências

seria ilegal e, portanto, imporia o acolhimento de que teria ocorrido a

revogação tácita da competência de um órgão sempre que outro passasse a

ter competência legal para o exercício de parcela das funções originalmente

cometidas a apenas um deles.”57

Como já observado, não precisa haver revogação expressa, podendo esta ser

tácita, quando há incompatibilidades ou incoerências entre as normas, o que se verifica no

caso em tela. Ademais, frise-se, que a revogação tácita não se dá pela mera justaposição de

56

Ressalve-se, ademais, a competência do Poder Judiciário, para rever a matéria, decorrente do princípio da

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57

competências, o que poderia ocorrer, caso não implicasse uma incoerência lógica com todo o

sistema jurídico correlato.

Este tem sido o entendimento jurisprudencial adotado pelo CADE em outros

julgados também. Cite-se, dentre eles, o Processo Administrativo nº 53500.000359/99, o Ato

de Concentração nº 08012.004550/99-11 e o Ato de Concentração nº 08012.006762/2000-09.

Caso admita-se, apenas por hipótese, que a concorrência seja concorrente,

não tendo havido, assim, a revogação da competência dos órgãos instrutórios da defesa da

concorrência (SDE e SEAE), dever-se-ia sujeitar inicialmente e preferencialmente à

ANATEL a tarefa de realizar a análise de condutas, bem como a instrução dos procedimentos

de análise de estruturas de mercado.

Isso porque, não obstante se considere que, tanto a ANATEL, como a SDE

e a SEAE, teriam competência instrutória, ilógico seria exigir que em todos os casos o

processo fosse submetido à análise de ambos. Dever-se-ia invocar a manifestação dos outros

(SDE e SEAE), tão somente, no caso concreto em que sua necessidade fosse suscitada e

requerida, seja pela administração, seja pelo administrado.

Esta lógica procedimental, ou seja, suscitar a manifestação da SDE e da

SEAE quando estritamente necessário, estaria em perfeita sintonia com a idéia de criação das

agências reguladoras e sua especificidade, além de estar em sintonia com os já citados

princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos (razoabilidade,

economia processual, celeridade e especialidade).

dualidade de jurisdição, contida no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. 57

Processo Administrativo nº 08700.001498/2002-23, p. 8.

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58

Isso porque seria incoerente abrir desnecessariamente (e por isso

preferencialmente, concebendo-se concorrente a competência, já que, se exclusiva, seria

necessariamente e unicamente pela a ANATEL) a possibilidade para que ambos (ANATEL e

órgãos instrutórios de defesa da concorrência) analisassem a mesma matéria.

2.1.4. Do mercado relevante afeto à competência

Deve-se, por fim, delimitar qual seria o campo de incidência da competência

instrutória da ANATEL, seja se concebendo a competência como exclusiva, seja como

concorrente.

Frise-se que a incidência de competência da ANATEL não se deve

simplesmente pelo fato de as empresas envolvidas prestarem serviço de telecomunicações,

mas pelo fato de ser o mercado ou um dos mercados relevantes, a que se refere a análise do

caso concreto, o serviço de telecomunicações.

Esta é a teleologia que se infere da leitura do artigo 1º, da Lei Geral de

Telecomunicações, corroborado pelos artigos 6º, 7º e 19, XIX da referida lei. Vejamos:

“Art. 1° Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos

das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar

a exploração dos serviços de telecomunicações.

Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o

disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos

serviços e da implantação e funcionamento de redes de

telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro

de radiofreqüências.” (grifo nosso)

A definição legal de serviço de telecomunicações também está disciplinada

na Lei Geral de Telecomunicações:

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59

“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que

possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,

radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo

eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons

ou informações de qualquer natureza.

§ 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou

aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de

telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as

instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.”

(grifo nosso)

Verifica-se que as normas insertas na LGT e que aludem à ordem

econômica e, em especial, à defesa da concorrência, fazem expressa e restrita referência ao

setor de telecomunicações. Destarte, embora, por exemplo, o art. 7º, § 1º, da LGT faça alusão

a atos de concentração envolvendo prestadoras do serviço de telecomunicações, tanto a

ANATEL como o CADE vêm entendendo que, para a configuração de incidência da

competência para a análise de atos ou condutas, não é condição o fato de uma das empresas

envolvidas no ato ser prestadora de tal serviço. O que se requer é a presença, na operação, do

mercado relevante de telecomunicações. Neste sentido, inclinam-se o Ato de Concentração nº

08012.011890/99-99, o Ato de Concentração nº 08012.005536/99-25 e a Representação nº

08700.003431/2001-31.

Pode, ademais, ocorrer hipótese na qual se verifique que, em uma mesma

análise de controle de estrutura ou conduta, estejam envolvidos, tanto o mercado de

telecomunicações, como um outro qualquer, que não esteja adstrito a este mercado específico

definido na Lei Geral de Telecomunicações.

Com base no que fora acima exposto e escolmado principalmente nos

princípios constitucionais e administrativos supracitados, havendo, no caso concreto, o

envolvimento do mercado de telecomunicações, o caso deveria ser apresentado primeiramente

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à ANATEL, em respeito ao princípio da especialidade, para que esta possa observar e analisar

tanto os aspectos regulatórios, como os concorrenciais envolvidos.

Isso porque como extensamente demonstrado, a legislação pátria dá

tratamento especial a este setor. Destarte, não se pode cogitar que, em casos envolvendo o

mercado de telecomunicações, esta Agência Reguladora, instituída para este fim, não se

pronuncie sobre o caso, antes de julgamento pelo Conselho Administrativo de Defesa

Econômica.

Após o pronunciamento da ANATEL, verificando esta que o caso concreto

envolve outros setores, além do setor de telecomunicações, cumpre a ela requerer e

encaminhar os autos ao pronunciamento da Secretaria de Direito Econômico e da Secretaria

de Acompanhamento Econômico para que procedam a instrução do caso, quanto aos demais

mercados envolvidos, para posteriores pareceres. Somente após esta completa análise

instrutória é que os autos deveriam ser encaminhados ao CADE.

Verificando a Agência que, no caso concreto, a análise cinge-se, tão

somente, ao mercado de telecomunicações, após sua instrução, deverá remeter os autos

imediatamente ao CADE. Caso a Agência entenda que não há outro mercado relevante

envolvido, mas o CADE compreenda de modo diverso, este, quando os autos estiverem sob

sua apreciação, deverá encaminhá-los aos órgãos instrutórios do SBDC.

2.1.5. Controle de estruturas de mercado

Realizada a interpretação de competência exclusiva do órgão regulador do

mercado de telecomunicações que é a mais escorreita com base nas regras de hermenêutica,

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escolmadas nos princípios constitucionais e administrativos aplicáveis, cumpre demonstrar

qual o atual panorama legal que institui as competências do SBDC e da ANATEL para análise

de controle de estruturas de mercado. Ater-se-á à análise dos instrumentos legais, previstos na

Lei 8.884/94, que são relevantes para a análise do sumidouro de tráfego.

Frise-se, ainda, que será observado como seria a disposição destas

competências, admitindo, por hipótese, que pudesse haver competência concorrente entre a

ANATEL e os órgãos instrutórios do SBDC.

2.1.5.1. Atos de concentração

Consoante dispõe o artigo 7º, inciso XII da Lei de Defesa da Concorrência,

Lei nº 8.884/94, compete ao Plenário do CADE apreciar os atos, sob qualquer forma

manifestados, sujeitos à aprovação nos termos do artigo 54, desta lei.58

Destarte, os atos que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre

concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços deverão,

caso subsumidos à hipótese do § 3º (resulte em 20% de participação de mercado da empresa

ou grupo de empresas ou qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual

58

“Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a

livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser

submetidos à apreciação do CADE.

[...]

§ 3º. Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica,

seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de

empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de

empresas resultante em 20% (vinte por cento) de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes

tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos

milhões de reais).

§ 4º. Os atos de que trata o caput deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de

quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à

SDE, que imediatamente enviará uma via ao CADE e outra à SEAE.”

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62

no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00), ser apresentados para apreciação do

CADE.59

Tal entendimento está corroborado pelo artigo 1º da Resolução nº 15 do

CADE, que disciplina as formalidades e os procedimentos no CADE, relativos aos atos de

que trata o artigo 54, da Lei nº 8.884/94.

Determina o parágrafo 6º, do artigo 54, da Lei nº 8.884/94, que a SEAE

elaborará parecer técnico, encaminhando, após, à SDE para elaboração de sua manifestação.

Assim como à SDE e ao CADE, será uma via da documentação encaminhada à SEAE.

A Lei nº 8.884/94 atribui à SDE, em seu artigo 14, inciso XII60

,

competência instrutória genérica para receber e instruir os processos. O parágrafo 6º, do artigo

54, dispõe que a SDE manifestar-se-á em 30 dias, encaminhando o processo devidamente

instruído ao Plenário do CADE para deliberação. Com efeito, este parágrafo define a

competência instrutória da Secretaria de Direito Econômico para Atos de Concentração.

Frise-se que, conforme se observa do parágrafo 4º do artigo 54 uma via dos documentos deve

ser remetida à SDE.

Corrobora esta disciplina, o artigo 1º, da Resolução nº 8 do CADE,

explicitando que o processo será devidamente recebido instruído pela Secretaria de Direito

Econômico, nas hipóteses de Ato de Concentração.

59 No ato de apresentação devem ser submetidas duas vias à ANATEL, quando envolva o mercado de

telecomunicações – uma delas será imediatamente dirigida ao CADE e a outra será utilizada pela ANATEL,

com posterior remessa ao CADE, caso envolva somente o mercado de telecomunicações, ou à SDE que depois

remeteria ao CADE, quanto envolva mercado diverso do de telecomunicações, seguindo-se a lógica processual

acima definida – ou três vias à SDE, quando não envolva o mercado de telecomunicações – uma delas será

imediatamente dirigida ao CADE e outra à SEAE, a terceira será utilizada pela SDE, com posterior remessa ao

CADE destes os autos devidamente instruídos com os dois pareceres. 60

“Art. 14. Compete à SDE:

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63

Quanto aos processos de competência da ANATEL, a sistemática utilizada é

semelhante, ou seja, o CADE é competente, após a análise instrutória, para apreciar o Ato de

Concentração. É o que disciplina a Lei Geral de Telecomunicações61

em seu artigo 7º e 97 e

os artigos 2º, 61 e 64 da Norma nº 7 da ANATEL.62

Conforme se observa, a LGT determina que é aplicável ao setor de

telecomunicações o disposto nesta lei, sendo impostas as normas gerais de proteção à ordem

econômica, quando não conflitarem com ela. Destarte, estabelece que os atos de concentração

ficam submetidos ao controle estrutural das normas gerais de proteção à ordem econômica,

devendo ser submetidos à apreciação do CADE, após a análise do órgão regulador e a

elaboração de parecer técnico.

[...]

XII - receber e instruir os processos a serem julgados pelo CADE, inclusive consultas, e fiscalizar o

cumprimento das decisões do CADE”. 61

Dispõe a LGT:

“Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando

não conflitarem com o disposto nesta Lei.

§ 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no regime público ou privado, que visem a

qualquer forma de concentração econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação de empresas,

constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário,

ficam submetidos aos controles, procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção à

ordem econômica.

§ 2° Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de

Defesa Econômica - CADE, por meio do órgão regulador.

Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução

do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário.

Parágrafo único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em

risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7° desta Lei.” 62

Dispõe a Norma 7 da ANATEL:

“Art. 2º. Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle, prevenção

e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações:

[...]

XI – receber e instruir os processos a serem julgados pelo CADE que envolvam prestadora de serviço de

telecomunicações e fiscalizar o cumprimento das decisões do CADE;

XII – elaborar parecer sobre os atos e contratos de que trata o art. 54, da Lei nº 8.884/94, que envolvam

prestadora de serviço de telecomunicações.

Art. 61. Os atos de que trata o artigo 54, da Lei nº 8.884/94, envolvendo prestadora de serviço de

telecomunicações, deverão ser submetidos à apreciação do CADE, por meio da Anatel, nos termos e prazos

estabelecidos pela Norma nº 4/98 da Anatel.

Art. 64. O Conselho Diretor da Anatel se manifestará em sessenta dias, contados do recebimento da

documentação nos termos da Norma nº 4/98 da Anatel, em seguida encaminhará o processo devidamente

instruído ao Plenário do CADE.”

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64

A norma 7 da ANATEL vem disciplinar esta questão mais detalhadamente

em seus artigos 2º, 61 e 64. Frise-se que uma via da documentação apresentada à ANATEL

será encaminhada ao CADE, consoante determina o artigo 63, da Norma 7 da ANATEL.

Observa-se, que nos setores diversos do de telecomunicações, a análise

técnica deverá ser realizada pela SEAE e pela SDE, devendo ser submetido ao CADE para

julgamento. No setor de telecomunicações, esta análise instrutória e a elaboração do parecer

técnico serão realizadas pela ANATEL.

Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a

SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,

tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos

(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se

inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL.

Observe-se, ainda, que com base no disposto no artigo 3º, da Norma 7 da

ANATEL63

, deve-se observar que a ANATEL, em cotejo com os artigo 19, XXV e 97, da

LGT, reserva para sua competência exclusiva matéria relativa a regulação.

2.1.5.2. Compromisso de desempenho

63

“Art. 3º. As condutas, atos ou contratos que implicarem descumprimento de legislação ou regulamentação

específica do setor de telecomunicações, de contrato de concessão, de termo de permissão ou de ato ou temo

de autorização, serão julgadas pela Anatel que implicará as sanções correspondentes, não cabendo das suas

decisões recurso ao CADE, segundo estabelecido pelo inciso XXV, do art. 19, da Lei nº 9.4712/97.

§ 1º. As condutas, atos e contratos mencionados neste artigo que configurem hipótese de infração à ordem

econômica nos termos dos arts. 20, 21, da Lei, ou ato previsto no art. 54, da mesma Lei, serão submetidos, por

meio da Anatel, também à apreciação do CADE, para julgamento no âmbito de sua competência.

§ 2º. É responsabilidade dos celebrantes do ato previsto no art. 54, da Lei nº 8.884/94, solicitar, por meio da

Anatel, a apreciação do CADE.”

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65

O CADE possui a faculdade de celebrar e aprovar os termos de

compromisso de desempenho, assinados pelo Presidente do CADE, bem como pode

determinar que a SDE fiscalize seu cumprimento, consoante dispõe o artigo 7º, VI, XII e 8º,

VII. da Lei nº 8.884/94. O Compromisso de Desempenho encontra-se disciplinado pelo artigo

58, da Lei Antitruste64

.

A SDE possui, portanto, competência para sugerir compromisso de

desempenho e fiscalizar o seu cumprimento (artigo 14, X, da Lei Antitruste).

Quanto ao setor de telecomunicações, a sistemática é muito semelhante,

tendo a ANATEL competência para sugerir compromisso de desempenho e fiscalizar e

acompanhar o seu cumprimento (artigo 2º, IX e 67 da LGT), cabendo ao CADE a

competência para celebrá-lo e aprová-lo.

Entendendo-se que haveria competência concorrente, tanto a SDE como a

ANATEL teriam competência para, no setor de telecomunicações, sugerir o compromisso de

desempenho e fiscalizar o seu cumprimento.

2.1.6. Controle de condutas que ocasionem infrações á Ordem Econômica

Partindo-se igualmente da interpretação de competência exclusiva do órgão

regulador do mercado de telecomunicações, cumpre demonstrar qual o atual panorama legal

que institui as competências do SBDC e da ANATEL para análise de controle de condutas. É

importante observar que, assim como realizado na análise de estruturas, ater-se-á à análise dos

64

“Art. 58. O Plenário do Cade definirá compromissos de desempenho para os interessados que submetam atos a

exame na forma do art. 54, de modo a assegurar o cumprimento das condições estabelecidas no § 1º do referido

artigo. (Vide Lei nº 9.873, de 23.11.99)”

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66

instrumentos legais, previstos na Lei 8.884/94, que são relevantes para a análise do sumidouro

de tráfego.

Frise-se, ainda, que será observado como seria a disposição destas

competências, admitindo, por hipótese, que pudesse haver competência concorrente entre a

ANATEL e os órgãos instrutórios do SBDC.

2.1.6.1. Averiguações preliminares

A Lei nº 8.884/94 estabelece a competência do Secretaria da Direito

Econômico relativa à averiguação preliminar em seu artigo 1465

. Observa-se, pois, que a SDE

terá competência genérica para promover as averiguações preliminares. Entendendo haver

indícios suficientes, promoverá a instauração do processo administrativo. Em caso contrário

determinará o arquivamento da averiguação preliminar, devendo recorrer de ofício ao CADE.

O CADE é competente para decidir os recursos de ofício do Secretário da SDE (artigo 7º, IV,

da Lei nº 8.884/94).

65

“Art. 14. Compete à SDE:

[...]

III - proceder, em face de indícios de infração da ordem econômica, a averiguações preliminares para instauração

de processo administrativo;

IV - decidir pela insubsistência dos indícios, arquivando os autos das averiguações preliminares;

[...]

VII - recorrer de ofício ao CADE, quando decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do

processo administrativo.

Art. 30. A SDE promoverá averiguações preliminares, de ofício ou à vista de representação escrita e

fundamentada de qualquer interessado, das quais não se fará qualquer divulgação, quando os indícios de

infração da ordem econômica não forem suficientes para instauração imediata de processo administrativo.

§ 1º. Nas averiguações preliminares, o Secretário da SDE poderá adotar quaisquer das providências previstas no

art. 35, inclusive requerer esclarecimentos do representado.

§ 2º. A representação de Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas Casas, independe de

Averiguações Preliminares, instaurando-se desde logo o processo administrativo.

Art. 31. Concluídas, dentro de sessenta dias, as averiguações preliminares, o Secretário da SDE determinará a

instauração do processo administrativo ou o seu arquivamento, recorrendo de ofício ao CADE neste último

caso.”

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67

A Portaria nº 849 do Ministério da Justiça reproduz a disciplina esculpida

nos artigos da Lei nº 8.884/94, principalmente em seus artigos 7º e 1066

.

O artigo 35-A67

da Lei de Defesa da Concorrência, em seus parágrafos, abre

a possibilidade da SEAE atuar conjuntamente com a SDE, não obstante ser desta

precipuamente a competência instrutória.

No que atine ao setor de telecomunicações, o artigo 19, inciso XIX, da LGT

estabelece competência para exercer controle, prevenção e repressão das infrações da ordem

econômica. Entretanto, esta lei não disciplina exaustivamente o procedimento das

averiguações preliminares. A disciplina procedimental encontra-se em norma infralegal,

estabelecida nos artigos da norma 7 da ANATEL.68

66

“Art. 7º A SDE promoverá averiguações preliminares de ofício ou à vista de representação escrita e

fundamentada de qualquer interessado, quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes

para a imediata instauração do processo administrativo. 67

“Art. 35-A. A Advocacia-Geral da União, por solicitação da SDE, poderá requerer ao Poder Judiciário

mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais,

computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física, no interesse da instrução do procedimento,

das averiguações preliminares ou do processo administrativo, aplicando-se, no que couber, o disposto no art.

839 e seguintes do Código de Processo Civil, sendo inexigível a propositura de ação principal. (Artigo incluído

pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000)

§ 1o No curso de procedimento administrativo destinado a instruir representação a ser encaminhada à SDE,

poderá a SEAE exercer, no que couber, as competências previstas no caput deste artigo e no art. 35 desta Lei.

(Parágrafo incluído pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000)

§ 2o O procedimento administrativo de que trata o parágrafo anterior poderá correr sob sigilo, no interesse das

investigações, a critério da SEAE. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000)” 68

“Art. 2º. Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle,

prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações.

[...]

II – proceder, em face de indícios da infração da ordem econômica no setor de telecomunicações, a averiguações

preliminares para instauração de processo administrivo;

III – decidir pela insubsistência dos indícios, arquivamento os autos das averiguações preliminares;

VI – recorrer de ofício ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), quando decidir pelo

arquivamento das averiguações preliminares ou do processo administrativo.

Art. 11. A Anatel promoverá averiguações preliminares, das quais não se fará qualquer divulgação, de ofício ou

à vista de representação escrita e fundamentada de qualquer interessado, quando os indícios de infração não

forem suficientes para instauração imediata de processo adminstrativo.

Art. 13. O Superintendente Executivo dará ciência da representação ao Superintendente da Superintendência que

acompanha a prestação do serviço envolvido nas atividades objeto da representação que, se for pertinente,

instaurará averiguações preliminares, responsabilizando-se pela sua instrução e pela designação da equipe de

trabalho que o assistirá na elaboração de parecer técnico que submeterá à apreciação do Superintendente

Executivo.

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68

Observa-se, pois, que a sistemática definida pela Agência Reguladora é

basicamente a mesma aplicável aos outros setores. A ANATEL terá competência para

promover as averiguações preliminares. Entendendo haver indícios suficientes, promoverá a

instauração do processo administrativo. Em caso contrário determinará o arquivamento das

averiguações preliminares, devendo recorrer de ofício ao CADE.

Não obstante o artigo 7º, IV, da Lei nº 8.884/94 determinar que o CADE é

competente para decidir os recursos de ofício do Secretário da SDE, deve-se entender que tal

dispositivo se estende aos recursos de ofício do Superintendente Executivo, até porque há

norma infralegal (artigo 16, da Norma 7 da ANATEL) disciplinando desta forma a

competência do CADE para apreciar tais recursos.

Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a

SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,

tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos

(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se

inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser a

averiguação preliminar instaurada por esta Agência.

2.1.6.2. Processo administrativo

Consoante observado acima, caso o Secretário de Direito Econômico ou

Superintendente Executivo da ANATEL encontrem indícios de infração à ordem econômica

Art. 16. Recebido o parecer ao que faz referência o art. 13, o Superintendente Executivo, em decisão

fundamentada, determinará o encerramento das averiguações preliminares e a instauração de processo

administrativo de proteção à ordem econômica se presentes indícios de infração à ordem econômica ou seu

arquivamento, recorrendo a Anatel de ofício ao CADE neste último caso.”

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69

suficientes ou haja representação da Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas

Casas, será instaurado o processo administrativo.

Compete ao CADE, conforme dispõe o artigo 7º, incisos II e III, decidir

sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei,

decidindo os processos instaurados pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da

Justiça. É como disciplina a Lei nº 8.884/94 em seus artigos 46 e 5069

.

Também neste caso, deve-se entender que tal dispositivo se estende aos

processos instaurados pelo Superintendente Executivo, até porque há norma infralegal

(Norma 7 da ANATEL) disciplinando desta forma a competência do CADE para decidir

nestes processos.

A Lei Antitruste70

e a Portaria 84971

, do Ministério da Justiça, definem a

competência instrutória da SDE no que atine ao Processo Administrativo. Após a instrução e

69

“Art. 46. A decisão do Cade, que em qualquer hipótese será fundamentada, quando for pela existência de

infração da ordem econômica, conterá:

I - especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas

pelos responsáveis para fazê-la cessar;

II - prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências referidas no inciso anterior;

III - multa estipulada;

IV - multa diária em caso de continuidade da infração.

Parágrafo único. A decisão do Cade será publicada dentro de cinco dias no Diário Oficial da União.

Art. 50. As decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, promovendo-se, de

imediato, sua execução e comunicando-se, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais

cabíveis no âmbito de suas atribuições.” 70

“Art. 14. Compete à SDE:

[...]

VI - instaurar processo administrativo para apuração e repressão de infrações da ordem econômica;

VII - recorrer de ofício ao Cade, quando decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do

processo administrativo;

VIII - remeter ao Cade, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender configurada infração da

ordem econômica;

[...]

XII - receber e instruir os processos a serem julgados pelo Cade, inclusive consultas, e fiscalizar o cumprimento

das decisões do Cade;

Art. 32. O processo administrativo será instaurado em prazo não superior a oito dias, contado do conhecimento

do fato, da representação, ou do encerramento das averiguações preliminares, por despacho fundamentado do

Secretário da SDE, que especificará os fatos a serem apurados.

Art. 39. Concluída a instrução processual, o representado será notificado para apresentar alegações finais, no

prazo de cinco dias, após o que o Secretário de Direito Econômico, em relatório circunstanciado, decidirá pela

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70

elaboração de nota técnica o processo é remetido ao CADE para julgamento. Caso se entenda

pelo arquivamento o Secretário de Direito Econômico recorrerá de ofício ao CADE.

A SEAE também possui competência instrutória nos processos

administrativos julgados pelo CADE é o que dispõe os artigos 35-A e 38 da Lei de Defesa da

Concorrência72

e o artigo 24 da Portaria 849 do Ministério da Justiça73

. Entretanto, consoante

dispõe o artigo 38, da Lei Antitruste, sua manifestação não é obrigatória.

No setor de telecomunicações, a questão é disciplinada pela Lei 9.472/97,

artigo 19, inciso XIX, e pelo Decreto 2.338/97, artigo 16, que estabelecem competência à

ANATEL para exercer controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica. O

artigo 7º, § 3º da LGT estabelece que praticará infração da ordem econômica a prestadora de

serviço de telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e

serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre

concorrência ou a livre iniciativa. Em consonância com esta disciplina está o que dispõe o

artigo 18, do Decreto 2.338/9774

.

remessa dos autos ao Cade para julgamento, ou pelo seu arquivamento, recorrendo de ofício ao Cade nesta

última hipótese.” 71

“Art. 25. Os interrogatórios, declarações, acareações, reconhecimentos de pessoas ou coisas, laudos, inspeções

e quaisquer outras diligências, deverão ser reduzidos a termo e juntados aos autos do processo administrativo.

Art. 26. Concluída a instrução processual, será elaborado relatório sucinto dos atos do processo e indicadas as

conclusões preliminares da Secretaria relativas aos fatos apurados, devendo o Secretário da SDE, acolhida nota

técnica de responsabilidade do DPDE, notificar o representado para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar

alegações finais.” 72

“Art. 24. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda SEAE será informada pela

autoridade da instauração do processo administrativo para, querendo, emitir parecer sobre o objeto do

processo.

Parágrafo único. A SEAE será informada sobre o andamento do processo, para que a sua manifestação, se

houver, seja encaminhada antes do encerramento da instrução processual.” 73

“Art. 24. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda SEAE será informada pela

autoridade da instauração do processo administrativo para, querendo, emitir parecer sobre o objeto do

processo.

Parágrafo único. A SEAE será informada sobre o andamento do processo, para que a sua manifestação, se

houver, seja encaminhada antes do encerramento da instrução processual.” 74

“Art.18. No exercício das competências em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações à ordem

econômica, que lhe foram conferidas pelos art. 7º, § 2º, e 19, inciso XIX, da Lei nº. 9.472, de 1997, a Agência

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71

O procedimento aplicável a esta matéria é discriminado pela Norma 7 da

ANATEL75

. É competência da ANATEL instaurar processo administrativo para a apuração e

repressão de infrações contra a ordem econômica. Após o parecer da Agência, esta remeterá

os autos ao CADE para julgamento e, se entender pelo arquivamento, recorrerá de ofício ao

CADE.

Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a

SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,

tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos

(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se

inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser o processo

administrativo, assim como no caso da averiguação preliminar, instaurado por esta Agência.

2.1.6.3. Medida preventiva

observará as regras procedimentais estabelecidas na Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994, e suas alterações,

cabendo ao Conselho Diretor a adoção das medidas por elas reguladas.

Parágrafo único. Os expedientes instaurados e que devam ser conhecidos pelo Conselho Administrativo de

Defesa Econômica - CADE ser-lhe-ão diretamente encaminhados pela Agência.” 75

“Art. 2.º Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle,

prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações:

[...]

V - instaurar, de oficio ou mediante representação, processo administrativo para apuração e repressão de

infrações da ordem econômica;

VI - recorrer de ofício ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), quando decidir pelo

arquivamento das averiguações preliminares ou do processo administrativo;

VII - remeter ao CADE, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender configurada infração da

ordem econômica;

[...]

XI - receber e instruir os processos a serem julgados pelo CADE que envolvam prestadora de serviço de

telecomunicações e fiscalizar o cumprimento das decisões do CADE;

Art. 23. A Anatel poderá instaurar processo administrativo destinado a apurar infração contra a ordem

econômica prevista na Lei n.º 8.884/94 e, em particular, a adoção de condutas colusivas ou restritivas à livre

concorrência, diante da verificação, entre outros, dos seguintes indícios:

Art. 46. Concluída a instrução processual, o representado será notificado para apresentar alegações finais, no

prazo de cinco dias, após o que o Conselho Diretor, com ou sem manifestação do representado, em relatório

circunstanciado, decidirá pela remessa dos autos ao CADE para julgamento, ou pelo seu arquivamento,

recorrendo de ofício ao CADE nesta última hipótese, considerando o disposto no art. 3° desta norma.”

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72

Compete ao Conselheiro-Relator do CADE adotar medidas preventivas,

fixando o valor de multa diária pelo seu descumprimento, competindo ao Plenário do CADE

apreciar em grau de recurso (recurso voluntário) as medidas preventivas adotadas pela SDE

ou pelo Conselheiro-Relator (artigo 7º, VII e 9º, IV, Lei nº 8.884/94). A medida preventiva

encontra-se disciplinado pelo artigo 52 da Lei Antitruste76

.

Compete, portanto, à SDE adotar medidas preventivas que conduzam à

cessação de prática que constitua infração contra a ordem econômica, fixando prazo para seu

cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento (artigo 14,

XI, da Lei Antitruste). Corrobora e disciplina esta sistemática a Portaria 849,do Ministério da

Justiça.77

No setor de telecomunicações, a questão está disciplinada somente por

norma infralegal, não tendo a Lei Geral de Telecomunicações ou outra lei ou decreto previsto

76

“Art. 52. Em qualquer fase do processo administrativo poderá o Secretário da SDE ou o Conselheiro-Relator,

por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Geral do Cade, adotar medida preventiva,

quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar

ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo.

§ 1º Na medida preventiva, o Secretário da SDE ou o Conselheiro-Relator determinará a imediata cessação da

prática e ordenará, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos

termos do art. 25.

§ 2º Da decisão do Secretário da SDE ou do Conselheiro-Relator do Cade que adotar medida preventiva caberá

recurso voluntário, no prazo de cinco dias, ao Plenário do Cade, sem efeito suspensivo.” 77

“Art. 37. Em qualquer fase do processo administrativo, poderá o Secretário da SDE, em despacho

fundamentado, adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado

direta ou indiretamente cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne

ineficaz o resultado final do processo.

§ 1o Na medida preventiva, o Secretário da SDE determinará a imediata cessação da prática e ordenará, quando

materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos termos do art. 25 da Lei nº

8.884, de 1994.

Art. 38. Se o representado não cumprir a ordem de cessação, o Secretário da SDE poderá requerer à Advocacia-

Geral da União que pleiteie ordem judicial para a efetivação da medida.

Art. 39. O Secretário da SDE poderá revogar a medida preventiva se, no curso das investigações, revelarem-se

insubsistentes os pressupostos que lhe serviram de fundamento.”

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73

esta medida. Insta, pois, observar o que dispõe os artigos 2º, X, 49, 50 e 54, da norma 7 da

ANATEL.78

A adoção de medida preventiva possui algumas peculiaridades, face à

possibilidade de poder ser concedida ou revogada em qualquer fase do processo seja pelo

CADE, seja pela SDE ou pela ANATEL (quando tratar do setor de telecomunicações).

Carlos Ari Sundfeld nos aponta os caminhos que melhor norteiam a

possibilidade de adoção de medida preventiva no setor de telecomunicações. Ademais, é

mister frisar que suas conclusões amoldam-se com perfeição à norma geral da concorrência,

face à similitude da disciplina legal destes sistemas jurídicos (conforme se pode verificar na

análise acima).

Em parecer de sua lavra, o citado professor responde ao problema de que, se

na hipótese da negativa de medida preventiva à ANATEL, em representação por infração das

78

“Art. 2.º Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle,

prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações:

[...]

X - adotar medidas preventivas que conduzam à cessação de prática que constitua infração da ordem econômica,

fixando prazo para seu cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento;

Art. 49. Em qualquer fase do processo administrativo, a Anatel poderá, por decisão do Conselho Diretor, adotar

medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente,

cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final

do processo.

Parágrafo único. Em caso de risco iminente, a medida preventiva poderá ser adotada sem a prévia manifestação

do representado.

Art. 50. Na medida preventiva, o Conselho Diretor determinará a imediata cessação da prática e ordenará,

quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária, pelo descumprimento da

medida preventiva, nos termos do art. 25, da Lei n.º 8.884/94.

§ 1.º A ordem deverá ser fundamentada e comunicada imediatamente ao representado e a seu advogado, se for o

caso, feita pelo correio, com aviso de recebimento em nome próprio, ou, não tendo êxito a notificação postal,

por edital publicado no Diário Oficial da União.

§ 2.º A decisão de aplicação da medida preventiva será publicada no Diário Oficial e comunicada ao CADE.

§ 3.º Determinada a medida preventiva, os autos do processo administrativo permanecerão na Anatel,

assegurando ao representado o direito de vista aos autos nas dependências da Anatel.

Art. 54. O Conselho Diretor da Anatel poderá revogar a medida preventiva se, no curso das investigações,

revelaram-se insubsistentes os pressupostos que serviram de fundamento à ordem, comunicando ao CADE a

providência tomada.”

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74

normas da Lei nº 8.884/94, ocorre preclusão ou a medida poder ser adotada posteriormente

por outra forma:

“Existe a possibilidade de adoção de medida preventiva por infração das

normas da Lei 8.884/94, mesmo após esta ter sido negada pela ANATEL. A

viabilidade da adoção de medida preventiva não se esgota numa única

análise, ainda mais quando realizada por órgãos que exerce função

instrutória nos processo (papel desempenhado, no caso, pela ANATEL). As

medidas preventivas admitidas no processo de proteção da concorrência da

Lei 8.884/94, a exemplo do que ocorre com as medidas acautelatórias do

processo judicial, podem ser tomadas a qualquer tempo durante o curso do

processo, dependendo da análise que, no momento, o aplicador da regra tiver

a respeito da situação a ser protegida.

Assim, referida medida, mesmo após ter sido rejeitada pela ANATEL, pode

ser adotada posteriormente por ela própria (ANATEL, como órgãos de

instrução) ou pelo CADE (por decisão do Conselheiro-relator do processo).

A adoção da medida preventiva pelo CADE, conforme se extrai da

interpretação do art. 52 da Lei 8.884/94, pode ocorrer a qualquer tempo

durante o processo; vale salientar, portanto, que a competência do CADE

nesta matéria pode ser exercida desde a fase instrutória (quando o processo

tramita pela ANATEL) como na fase final (decisória), momento em que os

autos são encaminhados ao CADE para proferir decisão definitiva no âmbito

administrativo de proteção da concorrência”.79

Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a

SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,

tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos

(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se

inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser o processo

administrativo, assim como no caso da averiguação preliminar, instaurado por esta Agência.

Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a

SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,

tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos

(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se

inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser a medida

preventiva adotada por esta Agência.

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75

2.1.6.4. Compromisso de cessação

O CADE possui a faculdade de celebrar e aprovar os termos da celebração

compromisso de cessação, assinado pelo Presidente do CADE, bem como pode determinar

que a SDE fiscalize seu cumprimento, consoante dispõe o artigo 7º, VI e 8º, VII. da Lei nº

8.884/94. O Compromisso de Cessação encontra-se disciplinado pelo artigo 53 da Lei

Antitruste80

.

A SDE possui, portanto, competência para celebrar, ad referendum do

CADE, compromisso de cessação e fiscalizar o seu cumprimento (artigo 14, IX, da Lei

Antitruste). A Portaria 849, do Ministério da Justiça81

corrobora esta sistemática.

Quanto ao setor de telecomunicações, a sistemática é muito semelhante,

tendo a ANATEL competência para celebrar, ad referendum do CADE, compromisso de

cessação e fiscalizar e acompanhar o seu cumprimento (artigo 2º, VIII, 55 e 58, da LGT),

tendo o CADE igualmente competência para celebrá-lo e aprová-lo.

Entendendo-se que haveria competência concorrente, tanto a SDE como a

ANATEL teriam competência para, no setor de telecomunicações, sugerir o compromisso de

cessação e fiscalizar o seu cumprimento

79

SUNDFELD, Carlos Ari. In: Processo Administrativo nº 08700.001498/2002-23, p. 31. 80

“Art. 53. Em qualquer fase do processo administrativo poderá ser celebrado, pelo Cade ou pela SDE ad

referendum do Cade, compromisso de cessação de prática sob investigação, que não importará confissão quanto

à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. (Vide Lei nº 9.873, de 23.11.99)” 81

“Art. 40. Em qualquer fase do processo administrativo, a SDE poderá celebrar compromisso de cessação de

prática sob investigação, na forma do art. 53 da Lei nº 8.884, de 1994.

Parágrafo único. O compromisso de cessação não poderá ser celebrado se a SDE dispuser de provas suficientes

para assegurar a condenação do representado, relativamente à prática sob investigação, no momento de

assinatura do respectivo instrumento.

Art. 42. Suspenso o processo administrativo com a assinatura do termo de compromisso, o mesmo será

encaminhado ao CADE para que adote as providências legais de sua alçada.”

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76

2.2. Da competência regulatória

A Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 8, dando

nova redação ao inciso XI, do artigo 21, removeu os limites antes estabelecidos à participação

do setor privado nos serviços de telecomunicações. In verbis:

“Art 21. Compete à União:

[...]

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou

permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá

sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros

aspectos institucionais”.

Vê-se, em consonância com o já observado, que se trata de serviço público

privativo, tendo em vista que compete à União82

explorar o serviço, sendo possível que ela

delegue sua exploração ao particular. Neste caso o Estado não intervém, mas atua no

mercado, por meio de um órgão regulador criado e disciplinado com base em uma lei

especificamente criada para este fim.

A Lei n 9.472/97, denominada de Lei Geral das Telecomunicações,

conferiu à ANATEL, conforme estabelece o art. 19, com exclusividade, a regulação do setor

de telecomunicações.

“Art 19. À AGÊNCIA COMPETE adotar as medidas necessárias para o

atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das

telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade,

legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de

telecomunicações;

[...]

IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços

de telecomunicações no regime público;

[...]

82

Estabelece a LGT: “Art. 1° Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas

estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de

telecomunicações.”

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77

VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços

prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas

nesta Lei, bem como homologar reajustes;

[...]

XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de

serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;

[...]

XVII - compor administrativamente conflitos de interesses entre

prestadoras de serviço de telecomunicações;

[...]

XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a

operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo

inclusive os equipamentos terminais.”83

Estabelecida as competências gerais da ANATEL no artigo 19, da LGT, esta

lei explicita nos demais artigos como deve ser realizado o exercício desta competência. Para o

presente trabalho cumpre observar, principalmente os dispositivos que estabelecem sua

competência quanto a: obrigatoriedade de universalização (art. 79), exploração do serviço no

regime público, por meio da concessão (art. 83), estruturação da tarifária (art.103), e

disciplina de interconexão (arts. 150 e 151)84

.

83

É importante observar, também, os seguintes incisos, do artigo 19, da LGT:

“V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;

VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando

sanções e realizando intervenções;

[...]

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando

sanções;

[...]

XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;

XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e

repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de

Defesa Econômica - CADE;

XX - propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministério das Comunicações, a declaração de

utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, dos bens necessários à

implantação ou manutenção de serviço no regime público.” 84 “Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de

serviço no regime público.

Art. 83. A exploração do serviço no regime público dependerá de prévia outorga, pela Agência, mediante

concessão, implicando esta o direito de uso das radiofreqüências necessárias, conforme regulamentação.

Parágrafo único. Concessão de serviço de telecomunicações é a delegação de sua prestação, mediante contrato,

por prazo determinado, no regime público, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais,

remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitas alternativas e respondendo

diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos que causar.

Art 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.

[...]

§ 2º São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de usuários, ressalvado o disposto no

parágrafo único do art. 81 desta Lei.

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78

Vemos, portanto, que a competência da ANATEL é exclusiva quanto à

disciplina regulatória. A simples leitura dos dispositivos insertos na LGT, aplicando-se a regra

de hermenêutica literal que, frise-se, não conflita, neste caso, com as regras de hermenêutica

sistêmica, história e teleológica, permite levar a esta conclusão. Isso porque, ao estabelecer as

competências regulatórias, não fez qualquer ressalva, sendo que, quando foi necessário fazê-

la, a fez expressamente, como no caso da do CADE, em matéria concorrencial. Ademais, esta

é a teleologia da disciplina deste setor, criada historicamente para este fim e em consonância

com o sistema legal pátrio.

Não obstante, como visto no capítulo anterior, a própria LGT, em inúmeros

dispositivos, prevê expressamente a observância da competição entre as prestadoras, de modo

que deve ser realizado permanentemente o cotejo destas normas com a Constituição e a Lei

Antitruste, para que se promova a livre concorrência.

[...]

§ 4° Em caso de outorga sem licitação, as tarifas serão fixadas pela Agência e constarão do contrato de

concessão.

Art. 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das redes obedecerão à regulamentação editada pela

Agência, assegurando a compatibilidade das redes das diferentes prestadoras, visando à sua harmonização em

âmbito nacional e internacional.

Art. 151. A Agência disporá sobre os planos de numeração dos serviços, assegurando sua administração de

forma não discriminatória e em estímulo à competição, garantindo o atendimento aos compromissos

internacionais.

Parágrafo único. A Agência disporá sobre as circunstâncias e as condições em que a prestadora de serviço de

telecomunicações cujo usuário transferir-se para outra prestadora será obrigada a, sem ônus, interceptar as

ligações dirigidas ao antigo código de acesso do usuário e informar o seu novo código. 84

Estabelece o Regulamento Geral de Interconexão:

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79

3. ANÁLISE DO SUMIDOURO DE TRÁFEGO À LUZ DA REGULAÇÃO

E DA CONCORRÊNCIA

3.1. Surgimento do problema

Como já observado, a privatização do setor brasileiro de telecomunicações

ainda é recente e, por isso, faz suscitar, novos questionamentos com relação às influências

advindas das novas tecnologias, suas implicações no modelo regulatório nacional e o impacto

causado na dinâmica concorrencial nos mercados envolvidos.

Estas transformações e seus resultados são conseqüência da evolução pela

qual o setor vem passando, de modo que se faz necessário fazer uma análise da evolução

histórica das implicações concorrenciais, até o momento estanque sob a perspectiva de uma

regulamentação, das recentes e constantes associações entre provedores de acesso à Internet

via linha discada e as empresas operadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC na

sua modalidade local.

O STFC é o serviço responsável pela transmissão da voz, ou outros sinais,

de um ponto fixo onde se encontra o usuário final a outro ponto fixo com o qual este deseja se

comunicar. Compreende, portanto, as modalidades Local, Longa Distância Nacional (LDN) e

Longa Distância Internacional (LDI).85

85

Estabelece o Regulamento Geral de Interconexão:

“Art.3º. Para efeito deste regulamento, considera-se:

[...]

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80

O Plano Geral de Outorgas – PGO86

– dividiu o Brasil em quatro regiões87

para a concessão de Serviço de Telefone Fixo Comutado e fixou que para cada uma dessas

regiões haveria, inicialmente, duas operadoras do serviço, garantindo-se a competição nos

mercados. Uma delas, a chamada “detentora da infra-estrutura” e cujo serviço era objeto de

concessão, operaria sob o regime público e estaria obrigada ao cumprimento das metas de

universalização e continuidade, enquanto que a outra, chamada “espelho” e habilitada por

meio de autorização, operaria sob o regime privado, e estaria autorizada a também operar com

outras tecnologias.

Essa dinâmica de mercado foi concebida com o objetivo de compensar,

através de assimetrias regulatórias positivas, as vantagens competitivas inicialmente

conferidas às concessionárias, que receberam, com a concessão, toda a rede instalada e os

clientes da respectiva área concedida.

Consoante está disposto no PGO, a partir de 31 de dezembro de 2001,

qualquer nova prestadora poderia ingressar no mercado e as empresas espelhos, caso tivessem

antecipado, até essa data, as obrigações de expansão e atendimento estabelecidas na licitação,

poderiam passar a atuar em outras regiões, do contrário só o poderiam fazer a partir de 31 de

XII - serviço telefônico fixo comutado local: modalidade de serviço telefônico fixo comutado, destinado ao uso

do público em geral, que permite a comunicação entre pontos fixos determinados situados dentro de uma mesma

Área Local;

XIII - serviço telefônico fixo comutado de longa distância nacional: modalidade de serviço telefônico fixo

comutado, destinado ao uso do público em geral, que permite a comunicação entre pontos fixos determinados

situados em Áreas Locais distintas do território nacional;

XIV - serviço telefônico fixo comutado de longa distância internacional: modalidade de serviço telefônico fixo

comutado, destinado ao uso do público em geral, que permite a comunicação entre um ponto fixo situado no

território nacional e outro ponto no exterior;” 86

O PGO foi aprovado pelo decreto n.º 2.534, de 02 de abril de 1998. 87

Nas regiões I, II e III, as operadoras estariam habilitadas para a prestação dos serviços de telefonia local e

longa distância nacional intra-regional nas respectivas áreas, na região IV as operadoras estariam habilitadas a

prestar os serviços de longa distância nacional e internacional. As áreas geográficas correspondentes a cada

uma das regiões são: Região I – Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe,

Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas e

Roraima; Região II – Distrito Federal e Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso

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81

dezembro de 2002. Quanto às concessionárias, estas poderiam atuar em outras regiões a partir

se 31 de dezembro de 2003, ou 31 de dezembro de 2002 caso antecipassem suas metas de

universalização e expansão88

.

A Lei 9.472/97, a Lei Geral de Telecomunicações - LGT, instrumento que

instituiu o ente regulador, estabeleceu as diretrizes gerais do novo modelo do setor de

telecomunicações. Neste sentido, determinou uma série de obrigações às operadoras, de forma

a garantir a operação integrada dessas redes em âmbito nacional e internacional, e permitindo

que o usuário dos serviços de uma das redes pudesse se comunicar com usuários de outra, ou

acessar serviços nela disponíveis. Deste modo, estabeleceu a obrigatoriedade de interconexão

entre as redes existentes (disciplinada entre os artigos 145 a 156, da LGT).

Ao final do processo de privatização havia, portanto, duas empresas

prestando serviços de telefonia fixa local em cada uma das três regiões definidas para essa

modalidade pelo PGO – Telemar e Vésper na Região I, Tele Centro-Oeste e GVT na Região

II, Telefónica e Vésper na Região III e duas operadoras de LDN e LDI – Embratel e Intelig,

na Região IV. A partir do final de 2001, entretanto, novas empresas passaram a atuar nesses

mercados e as antigas prestadoras começaram a expandir suas atuações para outras regiões.

Como já observado, a ANATEL tem competência exclusiva para realizar a

regulação no setor de telecomunicações, sendo que para a presente análise torna-se necessário

verificar, principalmente, como era (e é até o momento) a disciplina da interconexão.

Ademais, o serviço de telecomunicações é um serviço público, de modo que recebe uma

disciplinação legal especial por meio de legislação e agência reguladora específicos.

do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre; Região III – Estado de São Paulo; e Região IV –

nacional. 88

Cumpre observar que as operadoras da Região I e III (Telemar e Telefonônica) anteciparam suas metas, o que

não foi feito pela operadora da Região II (Brasil Telecom).

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82

O Serviço de Telefonia Fixo Comutado, sendo um serviço de interesse

coletivo prestado no regime público, consoante estabelece o artigo 64, da LGT, tem um

aspecto relevante a ser observado, qual seja a obrigação, por parte das concessionárias, de

promover a universalização do serviço. O PGO garantiu a política de universalização dos

serviços de telecomunicações e estabeleceu as linhas de competição entre as empresas do

setor.

A obrigatoriedade de interconexão entre as redes de telecomunicações está

regulada pelo “Regulamento Geral de Interconexão” (aprovado pela Resolução 040/98 da

ANATEL) e os critérios tarifários para remuneração das redes de telecomunicações do STFC

destinado ao uso do público em geral, quando interconectadas a redes de outros prestadores,

estão definidos no Regulamento de “Remuneração pelo Uso das Redes das Prestadoras do

STFC” (aprovado pela Resolução 033/98).

A regulamentação vigente estabelece que a parte que originou o tráfego

telefônico, e que será a responsável pela cobrança do usuário pelos serviços prestados, deve

remunerar a parte responsável pela entrega (ou término) do tráfego ao seu destinatário final. O

Regulamento sobre Remuneração pelo Uso das Redes das Prestadoras do STFC dispõe,

entretanto, que a remuneração será devida, no caso do acesso local, somente quando for

necessária uma compensação ao desequilíbrio na troca de tráfego entre as redes das duas

operadoras. Destarte, a tarifa de interconexão será devida somente quando o tráfego originado

por uma das operadoras for 55% ou mais do tráfego total trocado entre elas. O art. 3º, § 2º do

citado Regulamento estabelece que:

“§2° - No relacionamento entre Prestadoras de STFC na modalidade Local,

quando o tráfego local sainte, em dada direção, for superior a 55% do tráfego

local total cursado entre as prestadoras, será devido pela prestadora onde é

originado o maior tráfego, à outra, a TU-RL nas chamadas que excedam este

limite”.

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83

O modelo regulatório acima descrito foi elaborado quando as redes de

telefonia fixa eram utilizadas basicamente para o tráfego de voz – as ligações telefônicas

comuns – e mostrou-se, à época, suficiente para tal fim, já que o tráfego entre redes locais

concorrentes tendia a ser relativamente equilibrado, não havendo fatores que levassem um

operador a originar muito mais tráfego do que outro operador com o qual estivesse

interconectado.

Não obstante, o desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novos

serviços e tecnologias de transmissão de dados, em especial a conexão via linha discada à

rede mundial de computadores – Internet, alterou significativamente o equilíbrio do atual

modelo de remuneração pela utilização de redes de operadoras nas interconexões locais.

A situação atual, na qual uma série de provedores surgem ancorados em

operadoras de telefonia, está, como se demonstrará adiante, visivelmente vinculada à

necessidade das operadoras de evitar os possíveis gastos excessivos causados pelas tarifas

interconexão e, simultaneamente, atrair novos consumidores para sua rede.

Especialmente após as operadoras Telemar, Telefônica, Embratel e Intelig e

Brasil Telecom terem obtido autorização da ANATEL para prestar o STFC local em todo o

país, tal situação tende a ser agravada, com a utilização de provedores gratuitos para sua

proteção, o que já vem sendo feito por quase todas as concessionárias, ou até mesmo como

meio de obtenção do lucro advindo da interconexão.

Observa-se que as operadoras têm se manifestado publicamente no sentido

contrário à utilização da Internet como uma forma de aferir receita, senão como um

mecanismo de defesa diante do surgimento de associações entre operadoras e provedores e da

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distorção na receita de interconexão. O trecho a seguir demonstra parte do que tem sido

veiculado na mídia, in verbis:

“Oficialmente, as companhias telefônicas condenam o uso do acesso gratuito

à internet como instrumento de disputa de receita de telefonia. Em agosto, os

dirigentes das três empresas enviaram ao presidente da ANATEL, Luiz

Guilherme Schymura, uma carta dizendo que os 1.219 provedores de acesso

pago à internet existentes no Brasil estão ‘fadados a desaparecer’ se as

distorções no cálculo de tarifação do uso das redes de telecomunicações

persistirem. O documento diz que as distorções são de tal gravidade que

impedem e aniquilam qualquer esforço para que se amplie o alcance e a

utilização da internet pela população brasileira’”.89

O texto traz explicações técnicas para o mecanismo batizado pelas empresas

de "sumidouro de tráfego", que estaria por trás da nova onda de lançamento dos provedores

de acesso gratuito.

3.2. Mercados Relevantes sob a ótica do produto

Os serviços prestados pelos Provedores de Acesso à Internet – ISPs90

, via

linha discada, criam situações em que há um grande fluxo de ligações originadas pelos

usuários desses serviços em direção, sempre unilateral (tendo em vista que os provedores não

efetuam, mas apenas recebem ligações), à rede onde os ISPs estão instalados, sem que haja

uma contrapartida de fluxo de ligações no sentido contrário, provocando um grande

desbalanceamento, conforme será analisado adiante.

Os Serviços de Valor Adicionado não são considerados serviços de

telecomunicações. Conforme a norma 04/9591

do Ministério das Comunicações, o Serviço de

Valor Adicionado é o “serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de

89

A carta foi assinada por Fernando Xavier Ferreira, presidente da Telefônica, por José Fernandes Pauletti,

presidente da Telemar, e por Manuel Ribeiro Filho, superintendente da Brasil Telecom. O presidente da Abranet

(Associação Brasileira dos Provedores de Acesso à Internet), Roque Abdo, também subscreveu a carta.

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85

telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas

atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e

recuperação de informações”. O serviço de acesso à rede mundial de computadores, ou

melhor, à Internet é, portanto, um serviço de valor adicionado, já que acrescenta ao STFC um

serviço que cria novas utilidades específicas.

A Internet, rede mundial de computadores, é constituída por um conjunto de

redes de voz e/ou dados interligados. Cada uma dessas redes, composta por cabos, satélites,

fibras ópticas, roteadores e comunicadores, constitui um backbone92

pertencente a uma

empresa de telecomunicações (em regra, operadoras de telefonia fixa). Os backbones,

portanto, devem estar conectados uns aos outros – diretamente ou por intermédio de outras

redes – de maneira que ao estar conectado a uma dessas redes, o usuário tem acesso a toda a

rede mundial, ou seja, à Internet.

O acesso a um backbone se dá por meio de uma porta IP (do inglês Internet

Protocol). As portas (ou canais) de comunicação IP são links dedicados que conectam o

usuário diretamente a um backbone Internet de sua localidade, sem a necessidade da discagem

a um provedor de acesso via STFC. Este tipo de acesso proporciona uma conectividade à

Internet ininterrupta e com alta capacidade de transmissão de dados, tendo, portanto, um custo

elevado e uma demanda específica. Seus usuários são grandes clientes corporativos que

necessitam de alta capacidade em suas redes, como os provedores de acesso à Internet.

O valor cobrado pela conexão, por meio de uma porta IP, a um backbone

Internet deve ser, em regra, fixo e mensal, já que demanda um custo pela prestação deste

serviço (realidade deturpada pelos efeitos decorrentes da regulamentação da TU-RL, como

90

Do inglês Internet Service Providers. 91

Publicada pela Portaria nº 148, de 31.05.1995.

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86

adiante se demonstrará), determinado em razão da distância entre os pontos conectados e da

capacidade de transmissão contratada.

As empresas contratantes de portas IP dedicadas podem ainda compartilhar

a capacidade contratada com outras empresas, o que pode ocasionar queda na qualidade do

serviço em razão das configurações específicas. Ressalte-se que é crescente o número de

empresas que têm migrado para a utilização de linhas dedicadas, em função de identificarem

uma melhor relação custo/benefício quando suas taxas de transmissão de dados são

elevadas93

.

Para a análise do presente trabalho importa observar como se dá o

provimento de acesso à Internet via linha discada. Nesta modalidade de acesso à Internet, o

usuário conecta seu computador a um ISP por meio de uma ligação telefônica comum,

utilizando-se dos serviços da operadora de STFC à qual está conectado, e remunerando-a

diretamente pelo serviço prestado (da mesma forma que o faz quando realiza uma ligação

telefônica comum). O trecho de ligação entre o computador do usuário e seu provedor de

acesso (ou seu ponto de presença)94

é chamado de “última milha”.

92

Backbone significa “espinha dorsal” em inglês, nome dado às redes de transmissão em virtude de seu formato. 93

Estas definições foram extraídas dos pareceres da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE do

Ministério da Fazenda elaborados a respeito dos Atos de Concentração nºs. 08012.006316/00-96 (Requerentes:

UOL Inc. S/A e Embratel – Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A.); 08012.000257/2001-23 (Tele Norte

Leste Participações S/A – Telemar, e Internet Group do Brasil Ltda. - iG); 08012.007968/2001-29 (Brasil

Telecom S/A e Vant Telecomunicações S/A); 08012.007309/2001-92 (Brasil Telecom S/A e iBest Holding

Corporation). 94

“Pontos de Presença (PDP)” representam a infra-estrutura por meio da qual o usuário pode acessar a

Internet fazendo uma chamada telefônica local, mesmo que seu provedor esteja sediado em outra

cidade. Funcionam como filiais em mercados regionais ou podem ser supridos por um provedor de

“backbone” (empresa que detenha a infra-estrutura de telecomunicações necessária), que estabelece um

contrato de serviço específico com o provedor de acesso para tal finalidade. Muitos provedores têm utilizado

esses equipamentos para oferecer acesso em várias cidades.” Definição extraída do parecer SEAE/MF nº

08012.006253/99-46.

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87

O ISP é, portanto, o ponto mais próximo ao backbone para o usuário e o

conecta, por meio de uma porta IP dedicada95

, à “espinha dorsal” do seu backbone. A

qualidade do serviço depende da infra-estrutura de telecomunicações da “última milha”, da

capacidade do canal de transmissão de dados da porta IP à qual o provedor está conectado, da

capacidade do próprio backbone, e ainda da quantidade de usuários (tanto do ISP quanto da

porta IP acessada).

A infra-estrutura necessária para o provimento de acesso discado à Internet,

que engloba um conjunto de serviços e equipamentos, como moldens, linhas telefônicas e

gerenciamento de sistemas, nem sempre é mantida diretamente pelo ISP, sendo mais usual seu

aluguel dos próprios provedores de portas IPs às quais estão conectados, que, por sua vez,

costumam ser empresas operadoras de STFC local. O aluguel da infra-estrutura tem sido uma

medida eficaz adotada pelos provedores de acesso para concentrar suas atividades no

conteúdo disponibilizado em suas páginas, no atendimento aos usuários, e em outros serviços

correlatos, reduzindo então seus custos com ativos fixos.

Estabelecida a lógica de funcionamento de acesso à Internet, podemos

estabelecer sumariamente com se dá o processo em análise:

1º - o usuário faz uma ligação discada utilizando a infra-estrutura da

prestadora na qual sua linha telefônica está instalada;

2º - os dados são transmitidos, pela infra-estrutura da prestadora na qual o

Provedor de Acesso à Internet (ISP) está localizado, à última milha. Caso o ISP utilize a infra-

estrutura de prestadora diversa da do usuário será cabível o pagamento da interconexão, pela

utilização da rede onde a última milha se localiza;

95

O comum é que os provedores disponibilizem uma porta IP para cada 10 usuários conectados à Internet.

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3º - para conectar o usuário da Internet, o ISP contrata a utilização de uma

porta IP dedicada, por meio do qual conecta-se à “espinha dorsal” do seu backbone,

pertencente a uma empresa de telecomunicações;

4º - o Provedor de Acesso discado à Internet presta seu serviço ao usuário;

Quando o usuário e o ISP utilizam a mesma rede de STFC, não será cabível

a TU-RL. Quando esta hipótese não se verificar, será cabível o pagamento de tarifa pela

interconexão das redes das prestadoras, hipótese esta que é a relevante para a análise do

presente estudo. Verifica-se, portanto, a existência de três mercados relevantes verticalmente

integrados: o serviço de STFC ao usuário que efetua a ligação, conectando-o à prestadora

onde se localiza o ISP (podendo ser duas etapas); o serviço de acesso ao backbone por meio

das portas IP; e o serviço de acesso à Internet por meio do ISP.

O valor cobrado pelo provimento de acesso discado pago é definido pela

adesão do usuário a um plano de utilização, que varia principalmente em função dos minutos

de acesso contratados, além do valor pago pela utilização da linha telefônica. No caso do

provimento de acesso discado gratuito o custo ao usuário é somente o valor pago pela

utilização da linha telefônica da prestadora à qual pertence.

A receita dos provedores de acesso discado que não são gratuitos, em geral,

advém principalmente dos valores cobrados de seus usuários, e em menor medida da

comercialização de espaços publicitários em suas páginas na Internet (websites) e do

comércio eletrônico de produtos. Mais recentemente, no entanto, o compartilhamento das

tarifas de interconexão recebidas pela rede de telefone fixo local (por meio do

compartilhamento de receitas ou dos contratos de fomento de tráfego) ao qual o ISP está

conectado, tem afetado substancialmente o mercado de provimento de acesso discado.

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Há, também, os provedores de acesso discado gratuitos, que não cobram de

seus usuários pelo serviço prestado. Sua receita provém essencialmente do repasse (subsídio

cruzado de um serviço prestado em atividade econômica em sentido estrito por um serviço

público), pelas operadoras de STFC às quais estão conectados, de parcela dos valores

recebidos a título de tarifa de interconexão e da comercialização de espaços publicitários.

Por fim, há os provedores de acesso de banda larga, que têm características

semelhantes ao dos provedores de acesso discado, agregando um serviço ainda mais

diferenciado, dentre eles uma maior qualidade e velocidade na transmissão de dados. Sua

receita advém, principalmente, dos valores cobrados de seus usuários, e em menor medida da

comercialização de espaços publicitários em suas páginas na Internet (websites) e do

comércio eletrônico de produtos.

Para a análise do presente problema este último tipo de acesso à Internet não

tem maior relevância, tendo em vista que não utiliza o acesso discado de STFC, mas

tecnologia diferenciada.

Os provedores de acesso discado não gratuito e os gratuitos devem ser

diferenciados. Embora ambos tenham as mesmas características técnicas, o modelo de

negócios desempenhado por cada tem características diferenciadas.

Enquanto os primeiros centram-se no provimento de acesso discado,

conteúdo exclusivo e outros serviços a seus assinantes como fontes de receita, os provedores

gratuitos declaram ter como atividade-alvo a venda de espaço para publicidade em seus

websites, para os quais buscam atrair o maior número de visitantes, oferecendo

conteúdo/serviços não-exclusivos e, principalmente, o acesso gratuito, sendo o usuário

direcionado à página principal da empresa com o propósito de que seja autenticada sua senha.

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É importante observar que o mercado de provimento gratuito foi sempre

considerado como um mercado complementar ao acesso cobrado. Isto porque sempre existiu

uma disparidade entre o serviço prestado por ele e o pago, sobretudo no que toca à qualidade

e à velocidade de conexão entre o usuário e a rede, à eficácia da assistência técnica e ao

conteúdo disponibilizado nos portais de acesso. Contudo, uma vez capitalizados por um

eventual compartilhamento de receita de tarifas e diminuição de custos, certamente essa

discrepância deve diminuir e a quantidade de usuários desse serviço tende a se expandir.

Assim, sob a perspectiva da demanda, serviços pago e gratuito não devem

se confundir. Mesmo considerando a semelhança técnica entre os serviços, há incerteza

quanto à forma de utilização pelos usuários e faltam evidências que comprovem que o serviço

gratuito tenha se consolidado a ponto de se tornar um substituto perfeito (do ponto de vista da

demanda) a todo e qualquer usuário do acesso pago.

Corrobora com esse posicionamento o fato de que parte dos usuários

contrata serviços de um provedor pago e, ainda assim, utilizam um ou mais provedores

gratuitos quando a conexão com o provedor pago está em condições técnicas desfavoráveis

(linhas ocupadas ou “baixa velocidade” de conexão).

Há ainda assinantes que contratam um determinado provedor pago por um

tempo mínimo de conexão mensal, mas permanecem como usuários do(s) provedor(es)

gratuito(s) a fim de “economizar tempo de conexão” cobrado pelo outro provedor ou como

forma de ter acesso a seu conteúdo exclusivo.

Da perspectiva da oferta, entretanto, pode-se considerar provedores de

serviços gratuitos e cobrados por acesso discado como participantes do mesmo mercado de

potenciais ofertantes de curto prazo. Em resposta a qualquer ação com referência a mudança

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91

nas variáveis de competição (ou de preços relativos) por parte de um provedor de serviços

gratuitos, haveria efetiva probabilidade, em um período não superior a um ano e sem a

necessidade de incorrer em custos significativos de entrada ou de saída, de um provedor de

serviços cobrados passar a ofertar esses mesmos serviços.

Tanto o provedor de acesso discado gratuito e não gratuito, entretanto,

geram unidirecionalmente (do usuário ao provedor) tráfego para os websites do provedor,

aumentando o rendimento de tráfego terminado nas redes da empresa de telecomunicações

que conecta os servidores do provedor, sendo, portanto, alvo da análise que ora se pretende

fazer.

Poderia-se presumir que as transformações que vêm ocorrendo no mercado

de provimento gratuito e pago teriam um valor benéfico à competitividade do mercado, já que

os provedores pagos seriam forçados a ressaltar seu diferencial em relação aos gratuitos e a

competir entre si, bem como traria o aspecto de expandir a universalização do sistema de

acesso à Internet.

Por outro lado, em que pese o argumento de que seria uma forma de

democratização do acesso à rede de Internet, isto não pode ser efetivado às custas de

diferenciais competitivos artificiais e financiado à custa da universalização do sistema de

telefonia fixa discada, cuja previsão de universalização é legalmente prevista na LGT, ao

contrário do acesso à Internet.

Ou seja, é evidente que os usuários do mercado de acesso à Internet irão se

beneficiar com a existência de provedores gratuitos de Internet e é extremamente salutar que

estes atuem como efetivos concorrentes dos provedores de acesso pagos, inclusive

aumentando sua participação de mercado.

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92

No entanto, isto não pode ser alcançado através de mecanismos artificiais,

em que lhes é conferido um diferencial competitivo por meio de indevidos privilégios

conferidos pelas empresas de telefonia fixa, em razão de estarem com elas integrados. Neste

contexto, desaparece o aspecto positivo de democratização do acesso à Internet, restando

tanto o aspecto deletério de inviabilização dos provedores de acesso que não estiverem

integrados verticalmente (sendo estes principalmente os pagos), como a democratização de

uma atividade econômica em sentido estrito em detrimento de um serviço público, com uma

distribuição de renda às avessas (já que, em geral, os usuários de internet são pessoas com

poder aquisitivo maior, em razão dos custos de se ter um computador e uma linha telefônica

disponível para o acesso) e com flagrante desrespeito à justiça social.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico já exarou opinião no sentido

de que:

“Resta evidente que, se por um lado, as requerentes traçaram estratégias que

parecem beneficiar os usuários pelo acesso gratuito, não há dúvidas de que,

por outro, provedores não integrados nesta área, obrigados a custear todo e

qualquer investimento na aquisição de infra-estrutura de acesso e repassar

estes custos na forma de cobrança a seus assinantes, não desfrutam de

tratamento isonômico com relação aos seus fornecedores dessas infra-

estruturas”.96

Acrescente a isso o fato de que a primeira geração de provedores de acesso

gratuito não conseguiu se sustentar baseada apenas no mercado publicitário virtual e no

comércio eletrônico. Realmente, o mercado de provimento de serviços pagos sobrevive à base

das assinaturas dos clientes, que proporciona aproximadamente 80% de sua receita.

Isto sem dúvida aponta para a atual existência de subsídio cruzado neste

mercado. Por isso, o CADE inclusive já se manifestou sobre a necessidade de que não haja o

96

Medida Cautelar n. 08700.002729/2002-13 envolvendo a Requerente a ABRANET – Associação Brasileira

dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações de Rede Internet/SP e como Requeridas a Tele Norte Leste

Participações S/A e a Internet Group do Brasil.

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93

compartilhamento de receitas entre as empresas detentoras da infra-estrutura de acesso à

Internet e os provedores97

.

Infere-se, portanto, que a disputa das operadoras, manejada

principalmente através dos provedores a elas integrados, pode vir a debilitar o mercado

de provimento de acesso Internet (já que até o momento é um mercado ainda

relativamente pulverizado), de modo a inibir a expansão do mercado de Internet como

um todo no país, uma vez que tiraria o foco da qualidade do serviço prestado para a

busca de tráfego no STFC.

3.3. Implicações concorrenciais do Sumidouro de Tráfego - análise dos efeitos

estruturais e da potencialidade de condutas anticompetitivas

O modelo regulatório para remuneração do uso de rede local, conforme

referido anteriormente, foi idealizado quando a utilização das redes local era feita

essencialmente para a transmissão de voz. Com a difusão da Internet, ocorrida em larga escala

nos últimos anos, a forma como essa remuneração está prevista passou a gerar distorções no

mercado de telecomunicações, alterando as relações de concorrência entre as operadoras do

STFC local e os provedores de acesso discado à Internet, já que passa a haver grande

desequilíbrio no tráfego trocado entre as operadoras.

Esta dinâmica de mercado faz com que surjam implicações que demandam

uma análise preventiva, do ponto de vista de estrutura, e repressiva, do ponto de vista de

condutas que venham a ser praticadas.

97

Ato de Concentração n.º 08012.006253/99-46 envolvendo as Requerentes Telefônica Interactiva S.A. e RBS

Administração e Cobrança Ltda; Ato de Concentração nº. 08012.006688/2001-01 envolvendo as Requerentes

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Do ponto de vista estrutural pode se verificar duas grandes distorções. Uma

do ponto de vista horizontal e outra do ponto de vista vertical. Do ponto de vista horizontal,

ou seja, da relação entre provedoras de acesso, tem-se que os provedores que não estiverem

associados verticalmente às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações podem

competir em condições desiguais, caso não sejam oferecidas condições isonômicas na

prestação dos serviços por eles contratados.

Outra distorção pode ser verificada do ponto de vista vertical98

, tendo em

vista que, em função da atual formatação regulatória e concorrencial dos mercados

envolvidos, há um grande estímulo (aplicando-se a teoria dos jogos) a que as empresas

prestadoras de serviços de telecomunicações paulatinamente se integrem verticalmente99

com

os provedores de acesso discado à Internet, com o escopo de aferir receita proveniente da

tarifa de interconexão.

Salomão Filho, quando trata dos efeitos da cláusula de exclusividade em

mercados verticalizados, traz importantes conceitos, que se amoldam ao caso em análise. Isso

porque, estas distorções geradas pelo modelo regulatório, induzem ou à exclusividade na

contratação do serviço, os chamados contratos de fomento de tráfego, ou, até pior do ponto de

vista estrutural, à integração verticalmente, levando a uma maior concentração do mercado.

CTBC Celular S/A e Net Site S/A; Ato de Concentração nº. 08012.004818/2000-82 envolvendo as

Requerentes Terra Networks Brasil S/A e Internet Digital Boulevard S/C Ltda. 98

Uma integração vertical envolve firmas que operam em diferentes, mas complementares, níveis na cadeia de

produção ou distribuição. A característica fundamental de uma integração vertical é que o produto ou serviço

produzido por uma firma pode ser usado como insumo do produto ou serviço oferecido por outra firma 99

Cite-se, a título de exemplo, os seguintes atos de concentração apresentados ao Sistema Brasileiro de Defesa

Econômica – SBDC: (i) a aquisição pelo grupo Telefônica de 99,26% do capital social da Terra Networks do

Brasil S/A (AC n.º 08012.006253/99-46); (ii) a aquisição pelo grupo Embratel da empresa AcessoNet

responsável pelo provimento de acesso discado à Internet antes detida pelo grupo UOL, e celebração de um

Contrato de Prestação de Serviços entre a adquirida e a UOL (AC n.º 08012.006316/00-96); (iii) a celebração

de um Contrato de Cessão de Direitos e outras Avenças entre o grupo Telemar e o Internet Group do Brasil

Ltda – provedor IG (AC n.º 08012.000257/2001-23); e (iv) a aquisição pelo grupo Brasil Telecom de

participação societária nas empresas Vant Telecomunicações (AC n.º 08012.007968/2001-29) S/A e iBest

Holding Corporation (AC n.º 08012.007309/2001-92), sendo que estes dois últimos casos citados ainda

encontram-se em análise no SBDC.

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95

A sistemática do contrato de fomento de tráfego se assemelha à de um

contrato de exclusividade, tendo em vista que, como o escopo é oferecer descontos

progressivos e a partir de certo ponto de geração de tráfego a operadora de telecomunicações

remunerar pela grande quantidade de tráfego gerado, não haveria lógica, ou melhor,

racionalidade econômica, para o provedor de Internet contratar o serviço de mais de uma

prestadora. Caso o fizesse, ele estaria deixando de aproveitar a totalidade da potencial aferição

de receita obtida pela geração de tráfego, já que estaria repartindo sua quantidade total de

tráfego gerado entre duas ou mais operadoras.

Além do fato de não haver racionalidade econômica em realizar contrato

com mais de uma operadora, estes contratos podem ser celebrados levando-se em conta seu

prazo de vigência, de modo que, em razão das condições temporais que se poderá contratar,

seja também economicamente inviável uma rescisão contratual para se utilize os serviços das

outras prestadoras.

Vejamos o que nos ensina Salomão Filho, ao concluir que a concorrência é

um valor institucional a ser protegido, de modo que a análise da exclusividade deve partir

necessariamente do estudo de seus efeitos sobre a concorrência, e não de seu potencial criador

de eficiências:

“Fundamental, então, é traçar os princípios teóricos que informam os efeitos

concorrenciais das cláusulas de exclusividade. Várias são as possíveis

conseqüências das cláusulas de exclusividade sobre a concorrência.

O efeito mais óbvio é a potencial dominação do mercado. Essa pode ocorrer

de duas formas diversas. Em ambas as hipóteses, o resultado, além de

anticoncorrencial, e exatamente por causa disso, é contrário à eficiência

econômica.

[...]

Conseqüentemente, além do aumento de participação no mercado e potencial

dominação por parte do agente que é beneficiado pela cláusula de

exclusividade, cria-se ainda uma ineficiência econômica (dead weigh loss)

oriunda do decréscimo de produção e aumento de preço decorrentes da

exclusividade.

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96

O que foi dito, portanto, joga luz sobre a segunda e mais comum forma de

dominação de mercado decorrente da exclusividade. Exatamente por ter o

potencial de levar à dominação do mercado por parte de um dos agentes, A

CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE TENDE A SE DIFUNDIR EM

UM MERCADO, DESDE QUE USADA (E AUTORIZADA) PELA

PRIMEIRA VEZ.

[...]

Também a concorrência potencial se limita substancialmente. Novos

potenciais concorrentes que queiram entrar em um dos mercados deverão

entrar em ambos para ter alguma chance de concorrer. As cláusulas de

exclusividade tornam-se uma importante barreira à entrada de concorrentes,

tanto quanto as concentrações verticais.

Assim, passa a ser estratégico para os concorrentes, uma vez iniciado o

processo de verticalização, a ele aderir, com a maior agressividade possível.

Pode-se afirmar, então, que em um mercado dotado de certo grau de

concentração é muito comum, e até mesmo necessário, que ao primeiro

processo de integração vertical se sigam outros, por parte dos principais

concorrentes, até que grande parte, se não a totalidade, do mercado esteja

verticalmente integrada.

Esse processo constitui uma real ameaça para os pequenos produtores

independentes e potenciais entrantes, para os quais restarão poucas

alternativas para o fornecimento e/ou distribuição em condições

concorrenciais.

[...]

No que toca às cláusulas de exclusividade isso leva a uma conseqüência

interessante. Trata-se de algo que pode ser denominado “teoria do dominó”.

Toda vez que for possível determinar, em um mercado oligopolizado, que já

há intenção (e/ou possibilidade) de limitar de forma relevante de distribuição

ou matéria-prima a dominação do mercado é iminente, ainda que

permaneçam no mercado inúmeras fontes alternativas de fornecimento ou

distribuição. ISSO PORQUE NESSAS HIPÓTESES O JOGO SERÁ DE

DURAÇÃO FINITA E A ESTRATÉGIA DOMINANTE DE TODOS

OS AGENTES ECONÔMICOS SERÁ VERTICALIZAR-SE. PODE-

SE PRESUMIR QUE À PRIMEIRA INTEGRAÇÃO VERTICAL SE

SEGUIRÃO OUTRAS.

Esse resultado, obtido por raciocínio lógico, encontra confirmação valorativa

na lei concorrencial brasileira.

[...]

A CONSEQÜÊNCIA NECESSÁRIA, ENTÃO, SERÁ A

VERTICALIZAÇÃO DE TODO O MERCADO E A CONSTRUÇÃO

DE IMPORTANTES BARREIRAS À ENTRADA DE NOVOS

CONCORRENTES E IMPORTANTE DIFICULDADE À

PERMANÊNCIA DAQUELES PRODUTORES INDEPENDENTES

(ISTO É, NÃO VERTICALIZADOS).

SE ASSIM É, UMA POLÍTICA ANTITRUSTE COERENTE É

AQUELA QUE REPRIME A INTEGRAÇÃO VERTICAL EM SUA

INCIPIÊNCIA, DESDE QUE NÃO EXISTAM JUSTIFICATIVAS

QUE PERMITAM ELIMINAR O EFEITO ANTICONCORRENCIAL

DA CONDUTA”.100 (grifo nosso)

100

SALOMÃO Filho, Calixto. Direito Concorrencial – As Condutas. 2 ed. Malheiros Editores: São Paulo,

2003, p. 252-257.

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97

Uma vez iniciado o jogo estratégico de verticalização em função desta falha

regulatória, consoante nos ensina Salomão Filho ao aplicar a teoria dos jogos, a perspectiva é

que o mercado relevante envolvido seja paulatinamente verticalizado, levando a grandes

concentrações no mercado de provimento de acesso discado gratuito e não gratuito.

O desequilíbrio é agravado, ainda, pelo fato de que os usuários de Internet

costumam concentrar suas conexões nos horários em que o desbalanceamento entre a tarifa

sobre os pulsos e a tarifa de interconexão (TU-RL) é maior – durante a madrugada e fins de

semana, por exemplo. Ademais, o sentido unidirecional dessas ligações é ainda potencializado

em razão da duração dessas ligações costumar ser mais longa de que aquelas ligações

convencionais.

Nestes horários, o valor pago pelos usuários de Internet referente à

utilização do STFC é extremamente reduzido (durante os fins de semana, por exemplo, chega-

se a cobrar apenas um pulso por ligação local realizada), enquanto o valor da TU-RL pago

pela operadora de origem à operadora que termina o tráfego não se altera, sendo não por

pulso, mas por minutos. O desequilíbrio entre o que a empresa arrecada de seus usuários e o

que paga a outra operadora a título de TU-RL é, portanto, maior nestes períodos.

Tendo em vista que esta tarifa é calculada em função de minutos, sendo a

operadora devedora, contudo, remunerada pelos usuários do STFC em função dos pulsos

utilizados, esse tipo de ligação acaba gerando mais despesas do que receitas para estas

empresas (e, ao mesmo tempo, torna vantajoso que as operadoras de STFC local mantenham

esses “sumidouros” conectados às suas redes).

Em entrevista à Folha, o vice-presidente de estratégia corporativa e

regulatória da Telefônica, Eduardo Navarro, deu um exemplo de como funciona o sumidouro

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98

de tráfego. Se uma pessoa usar a Internet por uma hora todas as madrugadas e duas horas

durante o final de semana, ela vai pagar R$ 2,70 à empresa de telefonia, no final do mês, por

38 horas de conexão -porque nesses dias e horários há desconto, isto é, cada ligação, não

importa quanto ela dure, é cobrada como um único pulso (em dias e horários normais, um

pulso tem quatro minutos).

Se o provedor de internet desse usuário estiver numa rede concorrente, a

companhia telefônica pagará R$ 51 pelo tráfego gerado por aquele internauta, porque conexão

entre as redes é faturada por minuto. Segundo Navarro, a Telemar, Telefônica e Brasil

Telecom podem perder R$ 1,3 bilhão de receita por ano nessa competição. Por isso, as três

empresas defendem oficialmente a mudança das regras101

.

Cumpre, para se ter uma real noção da distorção gerada por esta disposição

regulatória, analisar os estudos realizados pela Tendências Consultoria Integrada e pela

SEAE, respectivamente:

“A situação é agravada pela diferença nos sistemas de tarifação envolvidos

nessa operação, que é prejudicial à empresa de telefonia fixa que origina a

chamada. O valor recebido por esta operadora é de R$ 0,10257/pulso. Do

outro lado, esta operadora tem que arcar com um custo de interconexão de

R$ 0,05084/minuto [valores referentes às principais áreas de operação da

Telesp]. Assumindo que o sistema de tarifação do STFC local contra um

pulso ao completar a chamada do usuário e um pulso a cada 4 minutos de

duração da chamada, conclui-se que o resultado líquido (receita menos

custo) dessa operação para a operadora de SFTC que origina a chamada com

destino ao provedor de conexão à Internet é negativo para chamadas com

duração superior a 6 minutos. As ligações para um provedor superam os 6

minutos na maioria dos casos [estimativas dos provedores são de que uma

ligação típica tenha a duração de 50 minutos].

Esse cálculo poderia trazer resultados ainda mais negativos se fosse

considerado o fato de que a tarifação das chamadas de STFC aos domingos,

feriados, na madrugada (das 24:00 hs às 6:00 hs) e parte dos sábados é feita

por pulso único (ou seja, o usuário paga apenas o equivalente a um pulso à

operadora de STFC, independentemente da duração da chamada). Mais uma

vez, é importante notar que boa parte das chamadas dos internautas ocorre

nos finais de semana e durante as madrugadas”.

101

Disponível em:<http://noticias.uol.com.br/mundodigital/ultimas/ult1345u8.jhtm.>. Acesso em: 22.nov.04.

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“Assim, tomando-se como exemplo a situação extrema de uma conexão

discada à Internet que tenha início no sábado, às 14:00, e termine na

segunda-feira , às 6:00, a operadora X poderá tarifar o usuário A em até R$

0,10 (aproximadamente), enquanto terá que pagar à operadora Y cerca de R$

120,00 em tarifa de interconexão”. 102

Ressalte-se que existe ainda um outro fator que intensifica o

desbalanceamento entre as operadoras, relacionado à dinâmica estabelecida pelo modelo de

privatização e concessão dos serviços de telecomunicações adotados.

Passado o período inicial de entrada das empresas espelho e, posteriormente,

as novas autorizadas que surgiram em cada região, verificou-se, que estas não foram capazes

de entrar satisfatoriamente no mercado de STFC local. Com isso, as concessionárias ainda

possuem a maior parcela de participação nos seus respectivos mercados de concessão, sendo,

portanto, responsáveis por originar a grande maioria das chamadas do público em geral.

Assim, a partir de 2002, quando algumas operadoras passaram a ter o direito

de atuar em outros setores além daqueles onde já detinham concessão ou autorização para

prestar serviços de telecomunicações, o problema do desbalanceamento em virtude dos

sumidouros de tráfego se acentuou.

Quando uma operadora passa a atuar em uma dada região, o risco de

desequilíbrio no tráfego trocado entre esta operadora e aquela que já atuava na localidade (a

concessionária original) é maior.

Este risco origina-se do fato de que a maior parte (senão a quase totalidade)

das linhas telefônicas em utilização pertencerá à operadora já instalada. Neste caso, supondo

que a empresa entrante naquela área conecte um ISP à sua rede, a grande parte das chamadas

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para este ISP será originada na rede da empresa concessionária e terminada na rede da

empresa entrante.

A entrante terminará, neste caso, muito mais tráfego do que originará,

passando a receber o valor correspondente a este desequilíbrio - o valor da TU-RL vigente -

da operadora que já estava instalada na região.

Destarte, o desbalanceamento na troca de tráfego tende a beneficiar a

operadora com menor participação de mercado na localidade em questão, em prejuízo da

empresa cuja base de assinantes seja maior.

Entretanto, apesar do efeito ser maior em relação a uma delas, ambas sofrem

os efeitos decorrentes do sumidouro de tráfego (levando a uma disputa pelos provedores).

Além do que este benefício não pode ser concedido às custas de um serviço público, em

relação ao qual as concessionárias têm a obrigação de universalizar.

Por um lado, a empresa com menor participação têm o estímulo de se

integrar e celebrar contratos com exclusividade porque, proporcionalmente, tem maior

probabilidade de aferir receita. Por outro lado, as concessionárias têm o estímulo de se

integrarem para amenizar os efeitos do desbalanceamento, em razão da compensação que se

fará ao final, ou para eliminar a possibilidade de sua geração, já que, se estiverem a ela

integrados ou com ela contratado, esta distorção lhe trará prejuízos.

É importante observar, portanto, que a gravidade desta distorção dependerá

da quantidade de fluxo gerado por cada uma delas em razão do sumidouro de tráfego. Tendo

102 Ambos acostados nos autos do Pedido de Medida Preventiva Nº 08700.001639/2003-88, no Processo

Administrativo nº 53500.002336/2003, envolvendo a Requerente Telecomunicações de São Paulo (Telesp) e a

Requerida Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A (Embratel). Fls. 150 e 217, respectivamente.

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em vista que se realiza a compensação entre os fluxos de ligações, há um permanente

estímulo a que gere este fluxo unilateral, ocasionando os efeitos deletérios, que já foram

elecandos, do ponto de vista estrutural, para que não se tenha que pagar a tarifa de

interconexão. Esta lógica poderia ter sentido em uma dinâmica de mercado em que a

compensação entre o tráfego era realizada entre ligações bidirecionais, de modo a amortizar

as barreiras à entrada das empresas de telefonia que não detêm a infra-estrutura original.

No entanto, esta nova dinâmica de mercado envolvendo os sumidouros de

tráfego permite uma fonte de receita que desestimula o investimento em infra-estrutura

(principalmente sob o aspecto de universalizá-la, já que nas regiões onde é necessária esta

universalização, em geral, não há um retorno econômico compensatório) por parte destas

empresas. É mais interessante, portanto, focar a estratégia empresarial em criar este fluxo

unidirecional, gerando receita a custos bem mais baixos (investimento em infra-estrutura de

acesso à Internet), do que promover investimentos em infra-estrutura em mercados que não

gerem significativo lucro e com rápido retorno de investimento, como os mercados não

corporativos.

A receita aferida a título de tarifa de interconexão pode constituir, ademais,

um desestímulo para que as operadoras entrantes invistam na expansão de suas redes locais e

procurem apenas atender clientes corporativos que prestem serviços que se caracterizam por

serem grandes receptores de tráfego telefônico, realizando, principalmente, contratos de

fomento de tráfego, além de buscar se integrar verticalmente com provedores de acesso

discado. Através dessas associações, as operadoras de STFC atraem para suas redes os

provedores de acesso discado à Internet, que, pelos motivos até aqui expostos, proporcionam

um aumento na receita das operadoras através do incremento de valores recebidos a título de

TU-RL, e assim compartilham essas receitas de interconexão com os provedores.

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102

O estímulo ao compartilhamento de receitas, entretanto, não se limita ao

caso das conexões à Internet em que o tráfego se inicia em uma operadora e termina nas redes

de outra. Nas regiões em que uma mesma operadora é responsável tanto pela origem quanto

pela terminação do tráfego de Internet, não havendo pagamento de interconexão, também é

vantajoso para esta empresa ter provedores de acesso em sua rede, pois, quanto mais usuários

acessarem a Internet em suas redes, maior tráfego é garantido e, portanto, maior a receita

aferida pela empresa com a cobrança dos pulsos locais.

Sendo esta responsável tanto pela origem quanto pela terminação do tráfego,

não há pagamento de TU-RL desta a qualquer outra operadora, ficando a receita obtida

integralmente com a operadora em questão. Como se nota, há incentivos para a prática do

compartilhamento de receitas mesmo onde não há pagamento de tarifa de interconexão.

Embora nem sempre haja referência expressa ao compartilhamento da

receita nos documentos apresentados em anexo à notificação dessas associações ao Sistema

Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, é possível identificar certos casos em que ela é

feita. Efetivamente, no caso Telemar e IG e no caso Brasil Telecom e iBest há expressa

obrigação da operadora de STFC transferir ao provedor de acesso associado uma quantia

determinada.

No caso Brasil Telecom e iBest o valor devido compõe-se por uma equação

em que são consideradas: (i) as receitas creditadas à Brasil Telecom em razão do aumento do

tráfego nos casos em que a chamada trafega unicamente por sua rede, mais (ii) o que ela afere

de TU-RL quando apenas termina chamada originadas na rede de concorrente no provedor

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iBest, e ainda (iii) o que a Brasil Telecom deixa de gastar a título de TU-RL, que seria devido

caso o iBest estivesse instalado na rede de outra operadora de STFC local103

.

Igualmente a Embratel104

propõe-se a pagar às empresas que criem

determinado volume de tráfego à sua rede, ainda que não integradas a ela, por meio do

contrato de fomento de tráfego. Chega-se, portanto, ao absurdo de se pagar para que uma

empresa celebre contrato com a prestadora, caso alcançado o patamar de tráfego estipulado,

além da existência dos descontos progressivos.

Tendo em vista que na realidade quem presta o serviço ao provedor é a

empresa prestadora do serviço de acesso local, esta incide em custos. Se ao invés de cobrar

pela prestação do serviço, ela faz, ao contrário, remunerar a empresa contratante, fica evidente

que este serviço está sendo subsidiado. Subsidiado (explicitamente, na maioria dos casos,

como se observa da análise da natureza dos contratos analisados nos processos já citados) não

pela empresa contratada por meio de empréstimos ou lucros obtidos, mas, por empresa que

não possui qualquer relação contratual com o provedor, que é obrigada a pagar à outra

prestadora a TU-RL.

Observa-se, portanto, que a associação entre as operadoras de STFC e

provedores de acesso à Internet via linha discada tornou-se uma saída encontrada, em razão da

falha regulatória, pelas operadoras para se protegerem dos sumidouros de tráfego criados por

suas concorrentes. Ademais, mostra-se uma nova fonte de receita para os provedores de

103

De fato, além da previsão de pagamento ao iBest de R$ 0,0065 por minuto de tráfego gerado pelos seus

usuários na rede da Brasil Telecom (aí incluídos tanto o tráfego originado e terminado da rede da Brasil

Telecom, quanto aquele apenas terminado), há a previsão de que, caso haja alterações no critério de

remuneração de redes por interconexão local adotado pela ANATEL, a Brasil Telecom passará a repassar ao

iBest 30% do crédito pela remuneração devida por outras operadoras a título de tarifa de interconexão, e 30%

do pagamento evitado pela Brasil Telecom com despesas de remuneração de interconexão a outras redes,

calculado sobre a totalidade das chamadas originadas na rede da Brasil Telecom e geradas para a utilização dos

serviços de conexão à Internet do iBest.

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acesso discado à Internet, permitindo até mesmo a recuperação financeira e a volta dos

provedores gratuitos, já que o enfoque passa a ser não a qualidade do serviço, mas a geração

de tráfego.

Em que pese a vantagem, ao menos aparente, gerada para os usuários finais

dos serviços de provimento de acesso à Internet, em razão da diminuição dos custos dos ISPs,

proporcionado em virtude do compartilhamento de receitas, é preciso verificar quais os reais

impactos desse modelo tanto no mercado de provimento de acesso, como no de STFC.

No presente caso, a integração vertical é verificada na medida em que as

operadoras de telefone fixo, com as quais os portais têm se associado, são fornecedoras da

infra-estrutura de telefonia fixa que conecta os usuários dos serviços de acesso discado à

Internet. Como referido, em geral, a principal fonte do faturamento dos ISPs é a remuneração

proveniente dos usuários pelo provimento de acesso discado à Internet.

Uma operação que envolva verticalização, entretanto, somente é passível de

causar problemas à concorrência quando pelo menos um dos mercados relevantes definidos

for altamente concentrado, havendo a possibilidade de exercício de poder de mercado. Apenas

nestes casos sugere-se que seja verificado se a integração pode gerar algum tipo de problema.

O mercado de acesso discado à Internet é pulverizado, entretanto, não é o

que se verifica no mercado de infra-estrutura para provimento deste acesso, já que é bastante

concentrado. Sua análise estará centrada em dois possíveis efeitos: i) no fechamento de

mercado ("foreclosure"); e (ii) extensão do poder monopólio.

104

Medida Preventiva Nº 08700.001639/2003-88 no Processo Administrativo nº 53500.002336/2003,

envolvendo a Requerente Telecomunicações de São Paulo – Telesp, Relator: Conselheiro Roberto Pffeifer.

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O fechamento do mercado ocorre quando a integração vertical limita ou

impede que novas empresas entrem no mercado de insumos (upstream), ou no mercado final

(downstream). Isso acontece quando a demanda (ou oferta) residual for tão pequena que uma

firma, para entrar no mercado upstream (ou downstream) deverá considerar a entrada no

mercado downstream (ou upstream) também.

O fechamento de mercado pode resultar o aumento das barreiras à entrada, o

aumento dos custos dos rivais e a exclusão de empresas do mercado relevante, sendo que, em

todos os três casos apontados, resultará no aumento dos preços para o consumidor.

Para que uma operação que envolva uma integração vertical possa levar ao

fechamento de mercado e gerar problemas à concorrência, pelo menos três condições devem

ser satisfeitas: i) em primeiro lugar, o grau de integração entre os dois mercados foco da

análise deve ser de tal ordem que uma possível nova firma que queira entrar no mercado

primário tenha que entrar ao mesmo tempo no mercado secundário; ii) em segundo, a

necessidade da entrada no mercado secundário torne a entrada no mercado primário mais

difícil e menos provável de ocorrer em um prazo inferior a dois anos; e iii) em terceiro, as

características vigentes no mercado primário favoreçam a existência de condutas

anticompetitivas neste mercado. Verifique-se que a existência de parcela substancial de

mercado que não esteja integrada em cada um dos mercados a serem analisados torna

desnecessária a entrada simultânea nos dois mercados.

No que diz respeito ao possível fechamento do mercado downstream,

poderia se alegar que os provedores integrados que ofertam o serviço de provimento de acesso

discado não utilizam toda a infra-estrutura disponibilizada pelas operadoras locais, ou seja,

existe uma "oferta residual" bastante ampla. Como evidência, tem-se que há diversos outros

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provedores que também adquirem serviços e infra-estrutura de uma mesma prestadora,

principalmente por meio dos contratos de fomento de tráfego.

Assim sendo, não haveria, em tese, evidências de que uma empresa, para

atuar no mercado de Internet, precisaria também entrar no mercado de telefonia fixa a fim de

ofertar infra-estrutura telefônica para sua eventual subsidiária. No entanto, alguns pontos

devem ser observados no que atine ao mercado de provedores de acesso de Internet.

Em primeiro lugar, a existência de disponibilidade de infra-estrutura, por si

só, não garante que esta seja ofertada de forma equânime para todos os provedores. Havendo,

portanto, o estímulo a que toda a capacidade ociosa seja aproveitada para gerar receita

proveniente do pagamento de tarifa de interconexão, a prestadora de acesso local tende a

compartilhar discriminadamente suas receitas com a empresa integrada, o que faria com que o

ISP integrado estivesse em vantagem em relação aos demais. Deste modo, o provedor poderia

realizar maiores investimentos, ou melhor, discriminar o compartilhamento de receitas, para,

por sua vez, gerar maiores fluxos de ligações à prestadora do serviço de STFC.

Em segundo lugar, há que se verificar que não há dados que confirmem que

há realmente disponibilidade de infra-estrutura de telefonia em todas as regiões referentes a

cada código geográfico, o que seria uma barreira à entrada em determinadas regiões.

Dada as grandes diferenças regionais do Brasil, não é possível obter

informações conclusivas a respeito de todos mercados relevantes geográficos, mas é certo que

nas cidades com baixo grau de desenvolvimento econômico a oferta, tanto de STFC como de

acesso à Internet, ainda é baixa ou inexistente. Assim, o fechamento de mercado nestas

regiões poderia implicar problemas de concorrência em mercados de provimento de acesso

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discado à Internet com alto grau de concentração, onde as condições de mercado favorecem o

exercício do poder de mercado.

Em grandes mercados, o grau de concentração tende a ser menor e as

demais condições tendem a dificultar o exercício do poder de mercado. Assim sendo, não há

como garantir, a priori, que as integrações verticais ora analisadas poderão deixar de gerar

problemas de concorrência em algumas cidades menores. Frise-se, ademais, que como já

visto, não obstante o mercado de provedores seja relativamente pulverizado, aplicando-se a

teoria dos jogos, pode-se concluir que este mercado tende paulatinamente a se concentrar cada

vez mais.

Por outro lado, as condições ora destacadas são apenas necessárias, mas não

suficientes, para o favorecimento do exercício do poder de mercado. Existem outros fatores

que, como destacado mais adiante, poderiam determinar o comportamento anticompetitivo

por parte dos players.

Quanto ao fechamento do mercado upstream, é importante observar que, no

que diz respeito às condições de entrada, houve, a partir de 2002, abertura geral à

concorrência para novos entrantes, e a maior parte das empresas que já atuavam no mercado

já receberam autorização da ANATEL para atuarem em outras regiões, além daquelas para as

quais receberam concessão originariamente. Dadas as barreiras à entrada elevadas no mercado

de STFC, tem-se observado que têm entrado neste mercado, fundamentalmente, as empresas

que já atuam neste setor em outras regiões.

Desta forma, existe um nexo causal entre as operações de integração vertical

e a criação ainda maior de barreiras à entrada de novas prestadoras de STFC, levando à

dificuldade de que novas empresas entrem neste mercado. A solução encontrada pelas

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entrantes é a atuação, fundamentalmente, em nichos específicos do mercado de STFC,

principalmente no que diz respeito à transmissão de dados corporativos.

Há que se destacar, ainda, que mesmo que a demanda dos provedores de

Internet por infra-estrutura telefônica possa representar uma parcela relativamente baixa do

faturamento total das empresas de telefonia, em relação à parcela de receita referente à tarifa

de interconexão, pode ser elevada. Nesse sentido, e dadas às características do mercado, não

se pode afirmar que a entrada no mercado de infra-estrutura de telefonia, não depende em

parte da demanda das empresas de provimento de acesso à Internet, já que a receita oriunda

desta distorção pode significar um importante diferencial competitivo.

As integrações verticais podem, freqüentemente, representar reações

eficientes às imperfeições de mercado, no entanto, há casos em que as concentrações verticais

podem suscitar preocupações de cunho concorrencial105

. Os principais efeitos deletérios são:

aumento dos custos dos rivais (o que pode ocorrer a médio e longo prazo), o fechamento de

mercado (que pode ocorrer quando houver o monopólio do mercado upstream, já que não

haveria competição) e a facilitação de condutas coordenadas entre concorrentes (hipótese que,

em princípio, não se aplica, tendo em vista que em ambos os mercados haverá disputa pela

dominação do mercado).

Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1997) afirmam que a possibilidade de

efeitos anticoncorrenciais está atrelada à existência de poder de mercado em algum dos elos

da cadeia106

. No que se refere à extensão do poder de monopólio, é necessário destacar que

105

CF. HAY, George A. An Economic Analysis of Vertical Integration. Industrial Organization Review, 1

(1973): 188-198.; SCHMALENSEE, Richard. A Note on the Theory of Vertical Integration. Journal of

Political Economy, 81 (March/April 1973): 442-449; SALOP, Steven and SCHEFFMAN, David. Raising

Rivals´ Cost. American Economic Review, 73 (May 1983): 267-271. SCHERER, F. M., The Economics of

Vertical Restraints. Antitrust Law Journal, 52 (1983): 687-707. 106

VISCUSI, W.K.; VERNON, J.M.; HARRINGTON JR.; J.E.; Economics of Regulation and Antitrust. 2ª

ed., MIT Press: Cambridge, 1997.

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em determinadas circunstâncias, uma firma com poder de mercado em um dos níveis da

cadeia produtiva ou distributiva pode estender este poder para o mercado verticalmente

relacionado, reduzindo, assim, a competição.

Isso ocorre por meio da discriminação das condições de acesso ao insumo

básico ou mesmo pela recusa em fornecê-lo107

. Como exemplo de discriminação, pode-se

citar estratégias de fixação de preços que possam implicar efeitos anticompetitivos, tais como

preço predatório, subsídio cruzado ou mesmo a compactação de preços/margens no mercado

downstream (price squeezing).

A estratégia de preço predatório consiste em, deliberadamente, cobrar

preços inferiores àqueles que vigorariam em mercados competitivos, incorrendo em perdas de

curto prazo, tendo por objetivo eliminar concorrentes do mercado e, assim, cobrar preços mais

elevados no futuro.

No caso em tela, não há uma busca, em uma perspectiva de curto prazo, pela

eliminação do concorrente do provedor que está integrado à prestadora de telecomunicações,

já que em razão de sua capacidade ociosa ocorre, na realidade, um disputa por estes

provedores, seja por integração vertical ou realização de contratos de fomento de tráfego. No

entanto, em uma perspectiva de médio ou longo prazo em que sua capacidade ociosa esteja

completamente utilizada e em um mercado que venha a ser concentrado, pode se verificar a

ocorrência de uma prática de preços predatórios, tendo em vista que se desejará que aquele

tráfego potencial seja capturado pela empresa que esteja integrada verticalmente com a

empresa upstream.

107

Estas questões são debatidas na Medida Preventiva nº 08700.001639/2003-88 no Processo Administrativo nº

53500.002336/2003, envolvendo a Representante Telefônca e a Representada Embratel.

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O subsídio cruzado ocorre quando uma empresa usa a receita aferida

em um dos mercados em que atua para subsidiar suas vendas em outros mercados.

Quando uma empresa usa as receitas derivadas de um mercado em que ela tem posição

dominante, isto poderá eventualmente representar um problema de concorrência.

É justamente o que se verifica no caso em tela, já que um mercado, o STFC,

subsidia um outro mercado, provimento de acesso à Internet. Entretanto, esta prática é

realizada pela prestadora de telecomunicações com relação à empresa integrada e à não

integrada. Neste sentido, a prática se verificaria caso a empresa tenha posição dominante e

venha a realizar este subsídio de forma discriminatória.

A compactação de preços/margens ocorre quando uma empresa

verticalmente integrada, e dominante no mercado upstream, coloca as suas concorrentes no

mercado downstream em condições desvantajosas, através da compressão dos preços ou das

margens dos seus competidores.

Este efeito pode se dar através do aumento do custo do insumo principal ou

mesmo via redução do preço praticado por sua subsidiária no mercado downstream. Note-se

que, apesar da perspectiva de se incorrer em perdas no mercado downstream, existe a

possibilidade de que a receita total da firma verticalmente integrada não se altere ou mesmo

aumente.

No caso em tela, verifica-se que não há, a priori, aumento do custo nem do

provedor não integrado, tendo em vista que os contratos de fomento de tráfego chegam a

pagar a eles pela criação do tráfego. No entanto, como observado, caso este compartilhamento

seja realizado de forma discriminatória, haveria aumento dos custos na medida em que, como

estaria em posição competitiva desfavorável, incorreria em maiores gastos para acompanhar

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os repasses do provedor integrado ao consumidor de acesso à Internet em termos, por

exemplo, de qualidade do serviço ou de inovação tecnológica.

O mesmo se dá quanto à redução do preço praticado pela subsidiária, já que

pode se observar que, em razão de um possível compartilhamento de receitas entre as

empresas integradas, maior do que o realizado entre a empresa upstream e a não integrada a

ela, a subsidiária seja favorecida no mercado de provedores de Internet. Ou seja, apesar de

ambos os provedores (integrados ou não) se beneficiarem desta distorção, o que estiver a ela

integrado pode ter uma vantagem competitiva em relação à outra.

Para que a estratégia de extensão do monopólio seja bem sucedida, e gere

problemas sob o ponto de vista da concorrência, duas condições devem ser satisfeitas: em

primeiro lugar, ela deve implicar aumento de lucros para a empresa verticalizada (o que se

pode verificar, caso haja tratamento discriminatório) e, em segundo, implicar "perda de

eficiência alocativa" para a sociedade e conseqüente redução do bem-estar econômico

(também verificável: após a concentração do mercado, quando consolidado os efeitos

previstos com escopo na teoria dos jogos, há possibilidade de diminuição da oferta, com o

aumento de preço; além da ocorrência de uma distribuição de renda às avessas)108

.

Há que se notar que a infra-estrutura telefônica é um dos principais insumos

para o provimento de acesso discado à Internet. Assim, a sua oferta em condições equânimes

é fator chave para se garantir o ambiente competitivo entre os provedores estabelecidos no

mercado (e também garantir a possibilidade de entrada).

A situação atual é a de que, em teoria, parece ser vantajoso que as

fornecedoras de infra-estrutura para provimento de acesso discado à Internet atraiam o maior

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número possível de ISPs para suas redes, pois o aumento do tráfego na rede impulsionado

pelos usuários dos provedores de Internet resulta em tarifas de interconexão geradas quando

os usuários estão conectados à outra rede fixa local. Tendo em vista que tendem a ser uma

fonte adicional de receita para essas empresas, é pouco provável que essas empresas não

diferenciem qualidade entre provedores concorrentes aos seus associados, estratégia que

equivaleria a aumentar os custos dos rivais, em uma análise de médio e longo prazo.

Entretanto, havendo outras empresas que forneçam infra-estrutura telefônica

para provimento de acesso à Internet, não é razoável supor que uma fornecedora aumentaria,

de forma elevada, em uma estratégia de curto prazo, o custo de insumos a provedores rivais

ao seu, pois isso os incentivaria a migrar para outro fornecedor. Na realidade, como já

observado, no curto prazo pode-se verificar a existência de capacidade ociosa e um mercado

relativamente pulverizado, havendo, portanto, uma disputa por geração de tráfego.

No entanto, é possível que, ao subsidiar os custos do provedor integrado de

forma discriminatória (já que ambos acabam sendo subsidiados), este possa fazer mais

investimentos que o concorrente, que levem a um fluxo maior do que não adotando tal

estratégia. Isso porque, partindo de uma estratégia, que não a de curto prazo, poderia ser mais

vantajoso fomentar o crescimento do provedor verticalmente integrado, já que reverteria um

crescimento de fluxo de ligações que não estariam sujeitas a perda de tráfego em função, por

exemplo, de uma possível rescisão contratual ou qualquer outra situação em que o provedor

não integrado passasse a contratar os serviços de outra empresa de telecomunicações.

Ademais, passando o mercado a ser concentrado e não havendo capacidade ociosa, tender-se-

ia à prática de eliminação dos concorrentes do mercado.

108

A perda de eficiência alocativa, ou perda de peso morto, é representada pela redução da quantidade ofertada e

pelo aumento de preços dos serviços fornecidos para o consumidor.

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A extensão do poder de monopólio pode permitir que uma empresa com

poder de mercado em um dos níveis da cadeia produtiva (ou distributiva), em determinadas

circunstâncias, possa estender este poder para o mercado verticalmente relacionado, seja

através do fechamento de mercado, seja pela discriminação das condições ao insumo básico

fornecido.

Neste sentido, a possibilidade de extensão de poder de mercado ao mercado

downstrem poderá ser verificada quando a empresa no mercado upstream for a monopolista

na prestação do insumo, que é a infra-estrutura de telecomunicações, já que, neste caso,

utilizada toda a capacidade ociosa, poder-se-ia verificar a prática de condutas anticompetitivas

como preços predatórios ou a elevação dos custos dos rivais, levando ao fechamento do

mercado, já que a empresa teria que entrar em ambos os mercado, e à discriminação das

condições ao insumo básico, levando à eliminação dos concorrentes do mercado de

provedores.

No presente caso, pode-se dizer que o aumento dos custos dos provedores

rivais aos coligados poderia se dar por meio de um subsídio discriminatório em relação aos

provedores não integrados, já que aquele estaria competitivamente em vantagem, tendo em

vista o incremento desigual nas receitas proporcionadas em função do aumento do tráfego na

rede da operadora.

Com efeito, a receita aferida com TU-RL gerada pelos ISPs conectados às

suas redes, reduz os custos incorridos pelas operadoras de STFC no fornecimento de infra-

estrutura para provimento de acesso à Internet, e, na medida que estes ganhos não são

repassados de maneira equânime a todos os provedores de acesso discado, pode-se afirmar

que há um aumento injustificado nos custos dos provedores preteridos.

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A íntima relação entre a infra-estrutura para provedores de acesso à Internet

(doravante ISP) e as empresas de telefonia fixa também não passou desapercebida pelo

legislador, tanto que a Lei Geral de Telecomunicações em seu art. 61, § 2º, estabelece a

igualdade no compartilhamento da infra-estrutura da rede, enquanto o art. 3º, inciso III,

garante aos ISPs o direito de não serem discriminados no acesso e fruição do serviço prestado

pelas operadoras.

A propósito, faz-se importante notar que a ANATEL, com o intuito de

prevenir a possibilidade de vir a ocorrer tratamento desigual, editou a norma 004/95 que

regula o uso de meios da rede pública de telecomunicações para o provimento e utilização de

Serviços de Conexão à Internet. Este dispositivo legal versa em seu item 5.4:

“5.4. As Entidades Exploradoras de Serviços Públicos de Telecomunicações

não discriminarão os diversos PSCIs10 quando do provimento de meios da

Rede Pública de Telecomunicações para a prestação dos Serviços de

Conexão à Internet. Os prazos, padrões de qualidade e atendimento e, os

valores praticados serão os regularmente fixados na prestação do Serviço de

Telecomunicações utilizado”.

Considerando que esse mercado é alvo de constantes transformações

tecnológicas ou regulatórias109

, é necessário o efetivo acompanhamento das atividades dessas

empresas e a exigência do cumprimento do dispositivo legal acima transcrito.

109

Verifica-se que não há perspectivas concretas de se editar um novo regulamento para o “Uso De Serviços de

Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet”, embora essa matéria tenha sido objeto da recente

Consulta Pública nº 417 daquela autarquia. Segundo o texto dessa consulta, as ligações a provedores de acesso

discado à internet se daria por meio de números de telefone com códigos não-geográficos (utilizável em todo

território nacional, sem diferenciar chamadas de longa distância nacional, e que identificariam condições

específicas de prestação de STFC), de forma que toda rede de STFC acessaria uma rede específica para esse

serviço, onde todos ISPs estariam conectados, sem necessidade de realizar interconexão com outras operadoras

de STFC. Contudo, verifica-se que há a indicações no sentido de que os contratos de

concessão/autorização para prestação do STFC celebrados a partir de 2006 não mais obrigarão as

operadoras a se remunerarem quando realizarem interconexão entre redes locais em uma mesma área

geográfica, independente do fluxo de chamadas originadas/terminadas. Esta nova diretiva, caso efetivamente

implementada, certamente representará um novo marco nas relações entre operadoras de STFC e os

provedores de acesso discado à internet.

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115

Os artigos 106 e 107 da LGT admitem a possibilidade de desconto na tarifa

do serviço de telecomunicações desde que "se baseie em critério objetivo e favoreça

indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico". São, assim, lícitos

tais descontos "quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições,

precisas e isonômicas, para sua fruição". O problema é que isto é feito a custo de uma

distorção que está longe da razoabilidade.

Dentro deste panorama mercadológico, verifica-se que, não obstante o

compartilhamento de receitas possa gerar discriminação de provedores de acesso,

teoricamente, esta falha regulatória provocada pela dinâmica da TU-RL poderia ser

neutralizada pela concorrência entre operadoras de STFC na busca pelo maior número de ISPs

conectados às suas redes, aos quais deveriam ser oferecidas as melhores condições como

atrativos. No entanto, esta neutralização levaria, como já observado, a uma elevada

concentração no mercado de provedores, já que, estrategicamente, o mais interessante para

ambas seria se integrar. Isso porque, a empresa que detém a infra-estrutura da STFC teria um

aumento no fluxo de recepção de chamadas e o provedor poderia se beneficiar em razão de

um tratamento discriminatório.

É importante destacar que, os ISPs, por sua vez, operando em um mercado

competitivamente desnivelado e visando atrair o maior número de usuários, seriam motivados

a repassar esse ganho para os consumidores de acesso à Internet, em detrimento, entretanto,

dos consumidores de STFC, já que estes estariam financiando este subsídio, o que não se pode

conceber.

Como já observado, verifica-se que esta realidade cria uma realidade

artificial prejudicial tanto ao mercado de provimento de acesso, principalmente quando há

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116

discriminação, como ao de STFC. Além disso, como se demonstrará adiante, não há

razoabilidade e nem respaldo infralegal, legal e constitucional suficientes para impor que um

serviço público esteja subsidiando uma atividade econômica em sentido estrito.

3.4 Desconformidade da norma regulatória com o sistema legal

Com efeito, a distorção causada pela prática do sumidouro de tráfego enseja,

ainda, uma espécie de subsídio cruzado entre os usuários que utilizam a telefonia fixa (STFC)

apenas para transmissão de voz (ligações convencionais) e usuários de Internet. Estes, ao

utilizarem os provedores ditos gratuitos, ou qualquer outro que gere tarifa de interconexão,

não são sinalizados dos reais custos do serviço, pois estão sendo subsidiados pela tarifa de

interconexão paga de uma operadora a outra (empresa que não possui qualquer relação

contratual com o provedor).

Esta tarifa, por sua vez, tem que ser financiada de algum modo pela

operadora que a paga - e este modo só pode ser, naturalmente, a tarifação de seus usuários.

Como já observado, tendo em vista que a empresa prestadora do serviço de acesso local

incide em custos e, ao invés de cobrar pela prestação do serviço, ela remunera a empresa, fica

evidente que este serviço está sendo subsidiado. Subsídio este realizado explicitamente, na

maioria dos casos, como se observa da análise da natureza dos contratos analisados nos

processos já citados. Dessa forma, todos os usuários da operadora pagam por esta distorção,

inclusive aqueles que não navegam na Internet e acabam financiando os usuários de Internet

da operadora rival.

Ocorre, portanto, a democratização de uma atividade econômica em sentido

estrito em detrimento da democratização de um serviço público, com uma distribuição de

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renda às avessas (já que, em geral, os usuários de internet são pessoas com poder aquisitivo

maior, em razão dos custos de se ter um computador e uma linha telefônica disponível para o

acesso) e com flagrante desrespeito à justiça social.

Assim, mesmo que o repasse da operadora aos provedores de acesso à

internet seja realizado de maneira isonômica, sendo até mesmo benéfica, no curto prazo, ao

mercado de provimento de acesso à Internet (na medida que reduz os custos dos provedores),

isto não seria suficiente para justificar este subsídio cruzado entre usuários de Internet e

usuários de STFC.

Essa assimetria é especialmente preocupante na medida em que, hoje, o

STFC apresenta custos muito elevados, o que impossibilita sua utilização por uma imensa

parcela da população. Este fato pode ser verificado, por exemplo, pela constatação de que

alguns consumidores têm migrado para a telefonia móvel pré-paga, no intuito de fugir dos

altos valores cobrados a título de assinatura mensal pelas prestadoras de STFC local. Serviço

aquele no qual não há a obrigação de universalização, sem a conseqüente democratização de

seu acesso, o que mais uma vez demonstra que a atual formatação regulatória tem levado

tanto os consumidores como as empresas a encontrarem mecanismos alternativos, em

detrimento do desenvolvimento do mercado de STFC.

Vê-se, portanto, que um serviço público está flagrantemente

subsidiando a prestação de uma atividade econômica em sentido estrito, o que afronta a

razoabilidade, bem como toda a lógica constitucional, legal e até infralegal que disciplina

a questão.

Cumpre iniciar a análise do problema sob perspectiva constitucional. Como

já visto, o inciso XI, do artigo 21, da Constituição de 1988 prevê que o serviço de

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telecomunicações é um serviço público privativo, sendo que é de titularidade da União sua

prestação, podendo delegar ao ente privado sua prestação, nos termos da lei que cria e

disciplina a agência reguladora deste setor. Sendo um serviço público, seu tratamento é

diferenciado em relação à atividade econômica em sentido estrito, para que se alcance a

justiça social.

A Constituição Federal prevê em seu artigo 3º, incisos I e III, que

constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade

justa, solidária, além de erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades

sociais e regionais. O artigo 5º, desta Carta Magna, em seu inciso XXIII, estabelece que a

propriedade atenderá a sua função social. A função social da propriedade também é inserta no

artigo 170, inciso III, deste mesmo diploma, como instrumento para que se alcance a justiça

social. Deste modo, sendo o serviço de telecomunicações um serviço público, o legislador lhe

conferiu uma disciplina especial para que fosse, por meio da utilização social desta

propriedade, alcançada a justiça social.

Cumpre, portanto, ao Poder Público, que seja garantido a toda a população o

acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, bem como estimulando a expansão

das redes e serviços públicos, como o STFC, com base em conduções justas de competição,

atendendo à função social da propriedade e promovendo, assim, o desenvolvimento social do

país por meio da diminuição das desigualdades sociais. Esta sistemática pode ser observada

da leitura do artigo 2º, 5º e 6º,da LGT:

“Art. 2° O Poder Público tem o dever de:

I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e

preços razoáveis, em condições adequadas;

II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações

pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;

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III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos

serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade

compatíveis com a exigência dos usuários;

IV - fortalecer o papel regulador do Estado;

V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento

tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;

VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico

com as metas de desenvolvimento social do País”.

“Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações

observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania

nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre

concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e

sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço

prestado no regime público”.

“Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no

princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras,

devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os

efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem

econômica”.

Conforme estabelece o artigo 38 desta mesma Lei, a atividade da Agência

será juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade, finalidade,

razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal,

publicidade e moralidade. No presente caso, tendo em vista o já exposto, verifica-se que

houve, por parte da agência flagrante violação ao princípio da finalidade, razoabilidade e

proporcionalidade, ao editar e não realizar a devida revisão da norma (dever expressamente

previsto em dispositivos já citados), na medida em que cria uma situação desarrazoada,

desproporcional e injusta, tendo em vista que afronta toda a lógica de utilização do serviço

público, prestado em regime público, que visa à diminuição das desigualdades sociais.

Dentre os serviços de telecomunicações, o que mereceu maior atenção e

disciplina legal diferenciada para que sua função social fosse alcançada foi o STFC, dando

amplo acesso deste serviço a toda a população brasileira. É o que dispõe a LGT ao estabelecer

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120

que o serviço de STFC, sendo prestado em regime público, tem como obrigação sua

universalização, in verbis110

:

“Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de

telecomunicações classificam-se em públicos e privados.

Parágrafo único. Serviço de telecomunicações em regime público é o

prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora

de obrigações de universalização e de continuidade.

Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço

de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e

continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.

Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço

telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público

em gera”.

Art. 65. Cada modalidade de serviço será destinada à prestação:

I - exclusivamente no regime público;

II - exclusivamente no regime privado; ou

III - concomitantemente nos regimes público e privado.

§ 1° Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as

modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam

sujeitas a deveres de universalização.

§ 2° A exclusividade ou concomitância a que se refere o caput poderá

ocorrer em âmbito nacional, regional, local ou em áreas determinadas.

Art. 66. Quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes

público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade

econômica de sua prestação no regime público.

Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de

continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.

§ 1° Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o

acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de

telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-

econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das

telecomunicações em serviços essenciais de interesse público”.

Vê-se, portanto, que a LGT dá uma disciplinação especial e diferenciada ao

STFC, não permitindo que sua exploração se dê apenas no regime privado, além de não

110

Outros dispositivos atinentes à universalização:

Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto:

(…)

III - aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de serviço prestado no regime público;

Art. 48. A concessão, permissão ou autorização para a exploração de serviços de telecomunicações e de uso de

radiofreqüência, para qualquer serviço, será sempre feita a título oneroso, ficando autorizada a cobrança do

respectivo preço nas condições estabelecidas nesta Lei e na regulamentação, constituindo o produto da

arrecadação receita do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL.

(…)

§ 2º Após a criação do fundo de universalização dos serviços de telecomunicações mencionado no inciso II do

art. 81, parte do produto da arrecadação a que se refere o caput deste artigo será a ele destinada, nos termos da

lei correspondente.

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permitir que este inviabilize a prestação no regime público, já que a própria União se

compromete a garantir a universalização do serviço.

Cumpre observar, portanto, que por um lado, a Constituição estabelece que

o serviço de telecomunicações é um serviço público, e, por outro lado, a LGT, estabelece que,

dentre os serviços de telecomunicações, o que merece uma disciplina mais cuidadosa é o

STFC, em função de sua relevância no papel de universalização. Esta universalização é

buscada para que seja alcançada a justiça social, prevista nos artigos 3º, inciso I e 170, caput,

de modo a concretizar os ditames previstos no artigo 3º, da Carta Magna, quais sejam a

erradicação da pobreza e da marginalização, e a redução das desigualdades sociais e regionais.

É importante também destacar que, em razão de suas especificidades, a

infra-estrutura necessária à promoção deste serviço deve ser compartilhada, o que dá ensejo à

tarifa de interconexão pela remuneração em razão do compartilhamento desta rede, com já

observado. Neste sentido, ganha significativo relevo que se observe o cumprimento da função

social desta infra-estrutura, ou melhor, desta propriedade.

Já foi observado que este é um dos princípios norteadores ou instrumentais

para que se promova a, permanentemente, almejada justiça social em todos os seus termos.

Convém que as autoridades mantenham um acompanhamento cuidadoso

desse mercado, verificando constantemente as estratégias que estão sendo adotadas por essas

empresas, e assim tenham condições de evitar a prática de condutas anticompetitivas.

A remuneração pelo provimento da interconexão deverá ser realizada em

termos não discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos

e justos, atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço, consoante dispõe o já

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citado artigo 152 da LGT. Esta é igualmente a lógica utilizada nas normas infra-legais que

regem a matéria.

Assim dispõe o Regulamento Geral de Interconexão:

“Art.8º. Nas negociações destinadas a estabelecer os contratos de

interconexão são coibidos os comportamentos prejudiciais à livre, ampla

e justa competição entre prestadoras de serviço, no regime público e

privado, em especial:

I-prática de subsídios, para redução artificial de tarifas ou preços;

[...]

IV - exigência de condições abusivas para a celebração do contrato de

interconexão, tais como, cláusulas que impeçam, por confidencialidade, a

obtenção de informações solicitadas pela ANATEL ou que proíbam

revisões contratuais derivadas de alterações na regulamentação;

Art.9º. É vetada a utilização do contrato de interconexão com o objetivo

de alterar condições regulamentares de provimento de serviço de

telecomunicação.

Art.19. A interconexão deve ser objeto de planejamento contínuo e

integrado entre as prestadoras envolvidas.

Art.28 As redes de telecomunicações, destinadas a dar suporte à prestação de

serviços de interesse coletivo, no regime público ou privado, devem ser

organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:

I – é obrigatória a interconexão entre redes;

III – o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever

de cumprimento de sua função social.

Art.31. É vetado o uso de rotas de interconexão para cursar tráfego

artificialmente gerado ou excedente de outras rotas internas às redes

interconectadas.

Art.40. No relacionamento entre prestadoras de serviços de interesse coletivo

deverá ser utilizada a exploração industrial de meios, que deve ser oferecida

em bases justas e não discriminatórias”. (grifo nosso)

Verifica-se, portanto, que igualmente a norma infra-legal que disciplina a

matéria estabelece que deve ser: atendida a função social da propriedade; oferecida em bases

justas e não discriminatórias; vedado o curso de tráfego artificialmente gerado; objeto de

contínuo planejamento; realizada as revisões contratuais cabíveis e coibida a prática de

subsídio.

Observa-se, portanto, que o §2º, do artigo 3º, do Regulamento de

Remuneração pelo Uso das Redes das Prestadoras do STFC, aprovado pela Resolução nº 33

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da ANATEL, de 13 de julho de 1998, afronta flagrantemente os dispositivos infralegais,

legais e constitucionais que regem a matéria, tendo em vista a distorção provocada (a qual

prejudica a concorrência, afrontando o princípio constitucional – previsto no inciso IV, do

artigo 170, da Constituição Federal – e legal – previsto no caput do artigo 1º, da Lei nº

8.884/94 – da livre concorrência, cujos os efeitos deletérios já foram demonstrados, e afronta

a justiça social, ao fazer uma distribuição de renda às avessas em um mercado, que ao

contrário, tem por escopo promover esta justiça).

Outra não poderia ser a conclusão, já que se evidencia utilizando-se as

regras de hermenêutica histórica (o STFC, como serviço público, teve, historicamente,

disciplina legal diferenciada, em razão de sua natureza especial), teleológica (a finalidade

deste serviço ter um tratamento diferenciado se deve ao fato de atende um fim, que é a

diminuição das desigualdades sociais, para que se alcance a justiça social, o que não pode ser

deturpado) e literal e sistêmica (observa-se da simples leitura dos artigos supra-citados a

lógica que busca estabelecer o sistema legal vigente). Verifica-se, portanto, afronta também

aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Neste diapasão, questionamentos surgem quanto às possíveis soluções que

podem ser dadas pela autoridade antitruste, tendo em vista que a competência para regular

esta matéria, como já observado, é exclusiva do ente regulador deste setor, que tem se

mantido inerte frente a esta realidade flagrantemente distorcida. É o que se passa a fazer a

seguir.

3.5. Possíveis soluções

A regulação e a concorrência são esferas que se intercambiam, como já

observado. Isso pode ser facilmente depreendido ao se analisar a LGT, onde reiteradamente

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dispõe que, não obstante a existência de uma regulamentação específica, deve ser sempre

observada e buscada a livre concorrência e a justa competição entre as empresas.

Desta forma, apesar da autoridade antitruste e o ente regulador terem

competências distintas, muitas vezes é tênue este limite. Não obstante a existência de uma

regulação no setor de telecomunicações, as competências do CADE não estão afastadas

quanto à observância do respeito à livre concorrência. É o que dispõe o já citado artigo 7º da

LGT. A autoridade antitruste não tem competência para regular, estabelecendo diretrizes

gerais aplicáveis a todas as empresas que nela se enquadrem, mas para adotar as medidas

cabíveis, no caso concreto, para que os efeitos deletérios à livre concorrência cessem. A

competência da autoridade antitruste, observada anteriormente, pode se dar preventivamente,

analisando-se as estruturas de mercado, ou coibindo as condutas anticompetitivas, analisando-

se os atos dos agentes se amoldam às infrações previstas em lei.

No caso de análise de ato de concentração envolvendo a aquisição de

provedor será, como já visto, exclusivamente de competência da ANATEL a instrução do

caso no que atine ao mercado de telecomunicações envolvido e da SDE e SEAE, quanto ao

mercado de provimento de acesso à Internet, já que não se trata de mercado de

telecomunicações, devendo estas secretarias fazer o cotejo entre aquele mercado de

telecomunicações e o mercado de provimento de acesso à Internet.

Após, deverá o ato de concentração ser encaminhado ao CADE, para que

este julgue se o caso tem condições de ser aprovado e, se necessário, imponha as restrições

cabíveis para a sua aprovação ou, se for necessário, sua reprovação.

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A autoridade antitruste brasileira tem competência exclusiva para a

celebração de Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação, de Medida Cautelar111

ou de Termo de Compromisso de Desempenho (a competência para a celebração deste

instrumento já foi analisada supra).

Quaisquer um destas medidas podem ser adotadas, desde que respeitados os

limites da atuação da autoridade antitruste, como instrumentos para se acautelar (APRO e

medida cautelar) ou garantir o cumprimento das determinações impostas (o Termo de

Compromisso de Desempenho).

Sob o ponto de vista estrutural, como já analisado, a atual dinâmica do

mercado de provedores de acesso discado à Internet ainda é pulverizado, de modo que, apesar

de se poder inferir que este mercado tende a se concentrar, não há como a autoridade

antitruste impedir que uma operação de integração vertical (pelas diversas formatações

contratuais e societárias que se possa utilizar) entre as empresas prestadoras do serviço de

telecomunicações e o provedor venha a ocorrer, já que não ocasiona o fechamento de mercado

e extensão do poder de monopólio.

111

A Resolução do CADE nº 28/98 dispõe, a respeito do APRO e da medida cautelar, que:

Art. 8º. Até a decisão que conceder ou indeferir a medida cautelar, poderá ser celebrado Acordo de

Preservação de Reversibilidade da Operação (APRO).

§ 1º O acordo acima referido, que possui supedâneo legal nos artigos 55 e 83 da Lei 8884/94 e nos artigos 5o e

6º da Lei 7347/85, estabelecerá as medidas aptas a preservar as condições de mercado, prevenindo as

mudanças irreversíveis ou de difícil reparação que poderiam ocorrer na sua estrutura até o julgamento do

mérito do Ato de Concentração, evitando o risco de tornar ineficaz o resultado final do processo.

Art. 9º O APRO poderá ser celebrado por iniciativa do Conselheiro-Relator ou por requerimento das

partes envolvidas no ato de concentração.

§ 1º O requerimento de celebração do APRO não gera às requerentes direito subjetivo à sua celebração,

resguardando-se ao CADE o juízo sobre a conveniência de celebrá-lo.

§ 2º Nas hipóteses em que o CADE entender conveniente a celebração do APRO, serão efetivadas negociações

com as requerentes tendentes à elaboração de uma minuta, coordenadas preferencialmente pelo Conselheiro-

Relator.

Art. 1º A medida cautelar poderá ser deferida de ofício, pelo Relator ou pelo Plenário, ou em virtude de

requerimento escrito e fundamentado da SEAE, SDE, Procuradoria do CADE ou qualquer legítimo interessado

no ato de concentração analisado.

Parágrafo único. O CADE poderá, por provocação de qualquer dos membros do Plenário, convocar os

representantes legais de empresas que estejam realizando ou tenham realizado ato de concentração que possa

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Não obstante, como já visto, desta operação não pode acarretar ao mercado

prejuízos anticompetitivos, resultantes do compartilhamento discriminatório de receitas entre

as prestadoras de serviço de telecomunicações e o provedor. Neste sentido, cabe à autoridade

antitruste realizar a aprovação do Ato de Concentração, desde que seja obedecida a restrição

de concessão de tratamento isonômico aos provedores de acesso à Internet.

Face à lacuna regulatória, torna-se necessária a imposição de condição que

neutralize a possibilidade de adoção de compartilhamentos de receita discriminatórios,

condicionando à disponibilização de tratamento isonômico no que diz respeito ao

fornecimento de infra-estrutura de telecomunicações, em todos os seus aspectos, inclusive no

que diz respeito ao compartilhamento de receita.

Neste sentido, pode a autoridade antitruste brasileira celebrar APRO e

determinar a adoção de medida cautelar nos termos referidos. Igualmente, com o fito de

assegurar a determinação constante na decisão de mérito, pode aprovar a operação,

condicionando-a à celebração de Termo de Compromisso de Desempenho, que assegure o

cumprimento desta determinação.

Somente com aumento de concentração neste mercado, o que tende a

ocorrer em uma análise de médio e longo prazo, a níveis que pudessem configurar o

fechamento de mercado e a extensão do poder de monopólio, poderia a autoridade antitruste

estabelecer outras restrições ou, até mesmo, decidir pela impossibilidade de sua

concretização.

Assim como na análise estrutural, no caso de processo administrativo

envolvendo o mercado de provedor de acesso discado à Internet e prestadora do serviço de

ensejar a adoção de medida cautelar prevista nesta resolução, tão logo tenha notícia da operação, para prestar

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telecomunicações será, como já observado, exclusivamente de competência da ANATEL a

instrução do caso no que atine ao mercado de telecomunicações e da SDE e SEAE, quanto ao

mercado de provimento de acesso à Internet, devendo estas secretarias fazer o cotejo entre

aquele mercado de telecomunicações e o mercado de provimento de acesso à Internet.

Após, deverá o processo administrativo ser encaminhado ao Conselho

Administrativo de Defesa Econômica, para que este julgue se houve a prática das condutas

investigadas e, caso necessário, imponha as penalidades cabíveis aos infratores.

Tanto a autoridade antitruste brasileira, como SDE, como a ANATEL, têm

competência para determinar uma medida preventiva (cujas competências para sua adoção já

foram estabelecidas supra), tendo em vista que o caso envolve tanto o mercado de

telecomunicações, como o mercado de provimento de acesso discado à Internet. Desta decisão

cabe Recurso Voluntário ao CADE.

A SDE e a ANATEL podem celebrar Termo de Compromisso de Cessação

de Prática (a competência para a celebração deste instrumento já foi analisada supra), ad

referendum do CADE ou pode este ser celebrado pelo próprio CADE. Quaisquer um destes

instrumentos podem ser celebrados, desde que respeitados os limites da atuação da autoridade

antitruste, como meios para se acautelar (medida preventiva) ou garantir o cumprimento das

determinações impostas (Termo de Compromisso de Cessação de Prática).

Na análise de condutas deve-se observar que a existência de dano ou

potencialidade de dano à concorrência é pressuposto para diversas decisões do órgão de

defesa da concorrência. Assim, a demonstração da existência, ou inexistência, de tais

elementos pode ser suficiente para determinar, ou não, a condenação de determinado agente

esclarecimentos, ou deles requisitar informações, documentos e manifestações. (grifo nosso)

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às sanções estabelecidas pelo CADE. Se a potencialidade de dano ou a ocorrência de dano à

concorrência estiverem vinculadas à percepção de poder de mercado, tal verificação será o

fundamento de toda a análise antitruste.

No caso de mercados regulados, onde se verifica a existência de monopólios

naturais, observar-se-á, em geral, empresas com alto poder de mercado. A definição de

existência de poder de mercado está diretamente ligada à delimitação do mercado relevante,

que no caso envolve tanto o mercado de telecomunicações (infra-estrutura de provimento de

acesso à Internet), como o mercado de acesso à Internet. Entretanto, como se analisará a

seguir, estas condutas serão praticadas, em regra, no mercado upstream.

O problema do enquadramento da conduta do agente econômico, no caso do

sumidouro de tráfego, surge do fato deste, em tese, estar amparado por uma norma regulatória

contrária ao direito concorrencial, que não encontra fundamento jurídico ou econômico para,

validamente, afastar a aplicação deste direito. Faraco apresenta a solução para o problema:

“Se houver a clara e efetiva imposição de uma obrigação (ainda que

ilegítima) à empresa regulada por parte de uma autoridade pública, a qual

não lhe deixa outra alternativa, sob pena de vir a ser sancionada por agir de

forma diversa, seria desarrazoado pretender lhe imputar o cometimento de

uma infração contra a ordem econômica. Quaisquer medidas nesse sentido

deveriam ser tomadas diretamente contra a autoridade pública envolvida,

inclusive por iniciativa dos outros agentes econômicos que estivessem sendo

prejudicados.

AGORA, SE A REGULAÇÃO ILEGÍTIMA NÃO TEM ESSE

CARÁTER TAXATIVO, EXISTINDO ALGUMA MARGEM DE

ESCOLHA À EMPRESA REGULADA, A SOLUÇÃO NÃO PODE

SER A MESMA. SE ELA PODERIA AGIR CONFORME O DIREITO

CONCORRENCIAL E NÃO O FEZ INVOCANDO UMA

REGULAÇÃO QUE NÃO PDOERIA SER TIDA COMO VÁLIDA,

ESTARÁ INFRINGINDO A ORDEM ECONÔMICA. RETOMA-SE

AQUI O CRITÉRIO REFERIDO NO TÓPICO ANTERIOR. COMO A

REGULAÇÃO NÃO ESTÁ OBSTANDO O EXERCÍCIO DO PODER

ECONÔMICO (IMPONDO UMA CONDUTA COMO NECESSÁRIA),

O AGENTE DEVE RESPONDER PELAS OPÇÕES QUE FIZER NO

DESENVOLVIMENTO DE SUA ATIVIDADE.”.112

(grifo nosso)

112

FARACO, Alexandre Ditzel. op. cit. p. 234

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Tendo em vista todo o exposto acima, evidencia-se a afronta da norma aos

ditames constitucionais, legais e até infra-legais, com violação ao direito da concorrência, o

que foi demonstrado, sob os aspectos jurídico e econômico. Cumpre verificar, portanto, se

havia liberdade à conduta dos agente ou se estes estavam obrigados a aplicar o dispositivo que

afronta toda esta lógica (§ 2º, do artigo 3º, da Resolução nº 33/98 da ANATEL).

É importante destacar que a LGT, em seu artigo 155, e o Regulamento Geral

de Interconexão, em seus artigos 7º e 8º, atribuem ao agente econômico a liberdade de

contratação, restando homologado pelo ente regulador o contrato fixado pelas partes. Veja-se,

respectivamente:

“Art. 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre

negociação entre os interessados, mediante acordo, observado o disposto

nesta Lei e nos termos da regulamentação.

§ 1° O acordo será formalizado por contrato, cuja eficácia dependerá de

homologação pela Agência, arquivando-se uma de suas vias na Biblioteca

para consulta por qualquer interessado.

§ 2° Não havendo acordo entre os interessados, a Agência, por provocação

de um deles, arbitrará as condições para a interconexão”.

“Art.7º. As condições para interconexão de redes são objeto de livre

negociação entre os interessados observado o disposto na Lei n.º. 9.472, de

1997, o presente Regulamento e a regulamentação própria de cada

modalidade de serviço.

Art.8º. Nas negociações destinadas a estabelecer os contratos de

interconexão são coibidos os comportamentos prejudiciais à livre, ampla e

justa competição entre prestadoras de serviço, no regime público e privado,

em especial:

I- prática de subsídios, para redução artificial de tarifas ou preços”.

Deste modo verifica-se que, sendo de livre acordo das partes e sendo esta

uma norma sabidamente ilegal, também pelo seu aspecto anticoncorrencial, caso a

prestadora se recuse a contratar em condições justas e razoáveis, esta estará incorrendo

em conduta anticompetitiva. Neste caso, portanto, está presente a competência da

autoridade antitruste para aplicar as sanções cabíveis a esta infração à ordem

econômica. É justamente o que ocorre no caso do sumidouro de tráfego.

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No que atine ao enquadramento de possíveis condutas (principalmente

recusa de contratar em condições justas, tratamento discriminatório e prática de preços

predatórios, dentre outros), o caso em tela pode ser enquadrável, o que dependerá da análise

do caso concreto, nos incisos I, II, III e IV do artigo 20 da Lei Antitruste Brasileira. Veja-se:

“Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de

culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou

possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a

livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante”.

Observa-se, portanto, da leitura dos dispositivos acima elencados, que

constituem infração contra a ordem econômica, independentemente de culpa, os atos que

possam produzir, ainda que não sejam alcançados, o exercício abusivo de posição dominante.

Face aos efeitos deletérios que a inclusão no contrato do tráfego gerado por provedor pode

ocasionar, pode-se inferir que se estará limitando, falseando ou prejudicando, tanto o mercado

downstream, como upstream.

Os efeitos do inciso II também podem ser verificados, caso se observe no

caso em que se analisar, que a conduta da Representada teve por objeto dominar mercado

relevante de bens ou serviços, na medida em que a prática de incluir no contrato o tráfego

gerado pelo acesso à Internet poderia levar à exclusão do concorrente do mercado de STFC,

com a conseqüente dominação deste.

A hipótese do inciso III, aumento arbitrário dos lucros, pode ser verificada

na medida em que a inclusão deste tráfego no contrato venha aumentar arbitrariamente os

lucros em razão de aferir elevada receita de interconexão por possuir quantidade superior de

contratos de fomento de tráfego e/ou esteja integrado verticalmente a uma quantidade também

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superior, o que levaria a um tráfego superior ao da outra prestadora. Observe-se, ainda, que a

existência de posição dominante não enseja per se a condenação do Representado, devendo-se

demonstrar, pela regra da razão, que houve o abuso desta posição dominante.

Ora, havendo tal comprovação (existência de posição dominante e do abuso

desta condição), tem a Representada o ônus de demonstrar que existem eficiências para o

mercado suficientes a afastar os efeitos deletérios de sua conduta. Isto, igualmente, não resta

verificado no caso do sumidouro. Tanto a inclusão no contrato não apresenta qualquer

eficiência como ela não é exigida, como se demonstrou.

No caso em tela, ao se incluir no contrato cláusula que inclua o tráfego

gerado pelos provedores de acesso à Internet, verifica-se, independentemente de seu

enquadramento nos incisos II, III ou IV, do artigo 20, da Lei de Defesa da Concorrência, o seu

enquadramento no inciso I do referido dispositivo, já que limitou, falseou e prejudicou a livre

concorrência e a livre iniciativa, criando barreiras artificiais à entrada.

3.6. Da análise dos casos concretos

3.6.1. Análise de estrutura

Cumpre observar o que foi decido na Medida Cautelar n.

08700.002729/2002-13, no Ato de Concentração n. 08012.000257/2001-23, envolvendo a

Requerente ABRANET – Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e

Informações de Rede Internet/SP e as Requeridas Tele Norte Leste Participações S/A e

Internet Group do Brasil, cujo Relator foi o Conselheiro Roberto Castellanos Pfeiffer.

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Cuida a medida cautelar em análise, apresentada pela Associação Brasileira

dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações de Rede Internet/SP (Abranet), em face do

ato de concentração n. 08012.00257/2001-23, realizado pelas empresas Tele Norte Leste

Participações S.A (Telemar) e Internet Group do Brasil Ltda (IG).

A requerente do pedido de medida cautelar alegava que estavam, as

empresas requeridas, empreendendo um negócio envolvendo compartilhamento de receita

oriunda de serviços de telefonia e assunção pela Telemar de custos com infra-estrutura de

rede de acesso discado e backbone IP, incorridos pelo IG na prestação dos serviços de acesso

à Internet.

A Secretaria de Direito Econômico exarou parecer entendendo estar

presente o fumus boni iuris, mormente a alta concentração do mercado de infra-estrutura de

telecomunicação para provedores de internet e a grande possibilidade de que, uma vez

diminuídos os custos do IG, este incorresse em risco de eliminação da concorrência pelo

incremento da qualidade em seus serviços. Entendeu, entretanto, não estar configurado o

periculum in mora.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico manifestou-se por meio do

parecer que instruiu o ato de concentração a que se refere esta medida cautelar, o qual sugeriu

a aprovação da operação, ressalvando, contudo, a necessidade da Telemar promover

tratamento isonômico no fornecimento de infra-estrutura "em todos os seus aspectos,

inclusive no que diz respeito ao compartilhamento de receita".

No que atine ao fumus boni iuris, o Conselheiro-Relator entendeu que a

disputa das operadoras, manejada através de seus provedores gratuitos, pode vir a debilitar o

mercado de provimento de acesso pago à Internet e conseqüentemente inibir a expansão do

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mercado de Internet como um todo no país, uma vez que tiraria o foco da qualidade do

serviço prestado para a busca de tráfego no STFC.

Quanto ao periculum in mora entendeu restar evidenciado, sobretudo a

partir do momento em que se tornou iminente a atuação da Telemar e da Telefônica em áreas

estranhas ao âmbito da concessão original, tornando assim concretas todas as questões

relacionadas com a geração de receitas de interconexão.

No entanto, em 05 de fevereiro de 2003, as requeridas apresentaram um

termo de distrato, com previsão de indenização por parte da Telemar, referente ao contrato de

fornecimento e expansão regional da infra-estrutura do IG que deu causa à interposição da

cautelar.

Restou, portanto, prejudicado o pedido de medida cautelar, em virtude da

aludida rescisão contratual. Contudo, o Conselheiro-Relator entendeu que os indícios

suscitados, no despacho proferido na medida cautelar, autorizavam a investigação a respeito

de possível cometimento de infração à ordem econômica em razão do teor do contrato

rescindido e da multa estipulada. Desta forma, determinou a remessa do despacho à SDE, para

ser efetivada a abertura de averiguações preliminares ou a instauração de processo

administrativo, caso se entendesse presentes os indícios necessários.

O Ato de Concentração ao qual se refere esta Medida Cautelar foi arquivado

por perda de objeto, tendo em vista o distrato do contrato que deu ensejo à apresentação do

Ato. Tendo havido o arquivamento deste caso, em razão da perda de objeto, nada poderia

fazer o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Neste sentido, é importante destacar,

que, não obstante o arquivamento do caso, o Conselheiro-Relator acertadamente analisou as

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alegações de indícios de prática anticompetitiva, determinando a remessa da decisão para a

averiguação de sua procedência.

Recentemente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem

entendido que, pelas razões expostas no presente trabalho, deve a autoridade determinar

condições à aprovação, no sentido de estabelecer o tratamento isonômico do

compartilhamento de receitas.

O Ato de Concentração n.º 08012.006253/99-46 envolvendo as Requerentes

Telefônica Interactiva S.A. e RBS Administração e Cobrança Ltda, trata da aquisição, pela

Telefônica Interactiva S.A. (Telefônica), da empresa NUTEC Informática S.A. (NUTEC),

anteriormente pertencente à RBS Administração e Cobrança Ltda. (RBS).

A Telefônica, antiga denominação da Terra Networks S.A., atua no

provimento de acesso à Internet por meio da conexão via linha discada. A Telecomunicações

de São Paulo S.A. (TELESP), concessionária do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC)

no Estado de São Paulo, pertence ao grupo Telefônica, que atua na área de telecomunicações

e infra-estrutura, oferecendo diversos serviços como telefonia fixa e móvel, acesso à Internet,

serviços de teleatendimento (call centers), rede de transporte de telecomunicações, entre

outros.

O Grupo Telefônica não atuava no mercado brasileiro de serviços

relacionados à Internet antes da aquisição da NUTEC. No entanto, atuava no País no mercado

de telefonia. Deste modo, apesar de inexistir concentração horizontal em virtude da operação,

ocorreu, no caso, uma integração vertical, na medida em que a TELESP, pertencente ao grupo

Telefônica, passou a ser a fornecedora de infra-estrutura de telefonia fixa que conecta os

usuários da NUTEC no Estado de São Paulo.

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Verifica-se reduzida a probabilidade de fechamento de mercado, uma vez

que existe a possibilidade de outras empresas ingressarem no mercado de infra-estrutura de

telecomunicações e que existem diversos outros provedores que contratam os serviços da

TELESP, além da NUTEC, gerando receita para aquela empresa. Todavia, devido ao fato da

TELESP concentrar praticamente toda a infra-estrutura de telecomunicações para provedores

de acesso à Internet no Estado de São Paulo, ela poderia praticar preços diferenciados,

discriminando qualidade ou mesmo condições de pagamento entre provedores concorrentes

da NUTEC.

Entretanto, em tese, é vantajoso para uma companhia telefônica competir

por um maior número de provedores (mesmo que rivais da empresa adquirida) que utilizem

sua infra-estrutura, pois o aumento do tráfego na rede gerado pelos usuários dos provedores

de Internet tende a ser uma fonte adicional de receita para essas empresas.

A SEAE fez recomendação no sentido de que a aprovação do ato estar

condicionada ao compromisso do Grupo Telefônica manter um tratamento isonômico em

relação ao fornecimento da infra-estrutura de telecomunicações, em todos os seus aspectos,

inclusive no que diz respeito ao compartilhamento de receita.

O Conselheiro Roberto Pfeiffer, em voto prolatado em pedido de vista,

entendeu que a operação, apesar de apresentar integração vertical, não possuía o condão de

ocasionar o fechamento de mercado, extensão do poder de monopólio e a facilitação do

comportamento colusivo das empresas integradas.

No entanto, face à lacuna regulatória, entendeu ser necessária a imposição

de condição à aprovação da operação, no sentido de determinar que o Grupo Telefônica

disponibilizasse tratamento isonômico no que diz respeito ao fornecimento de infra-estrutura

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de telecomunicações, em todos os seus aspectos, inclusive no que diz respeito ao

compartilhamento de receita, aos concorrentes da NUTEC.

O Conselheiro Pfeiffer foi vencido quanto a esta recomendação, tendo sido

o Ato de Concentração aprovado sem a imposição de quaisquer restrições. No entanto, tal

resultado modificou-se nos dois últimos julgados do CADE sobre esta matéria.

O Ato de Concentração nº. 08012.006688/2001-01 envolvendo as

Requerentes CTBC Celular S/A e Net Site S/A, trata da aquisição, pela CTBC Celular S/A

(CTBC Celular), de 56% das ações ordinárias na empresa Net Site S/A (Net Site).

Cerca de 86,8% das ações ordinárias da CTBC Celular113

são detidas pelo

Grupo Algar, que, por meio desta subsidiária, fornece serviço de infra-estrutura para

telecomunicações em determinados municípios dos estados de São Paulo, Minas Gerais,

Goiás e Mato Grosso do Sul. A Net Site, por sua vez, tem como principal atividade o serviço

de conexão à Internet via linha discada.

A operação gerou uma concentração horizontal, entretanto, esta não

apresenta danos à concorrência. Também foi verificada a constituição de uma relação vertical

entre a Net Site (empresa adquirida) e o Grupo Algar (grupo adquirente), na medida em que a

CTBC Telecom – empresa pertencente ao Grupo Algar –, é a fornecedora de infra-estrutura

de telefonia fixa que conecta os usuários da Net Site.

O Conselheiro Cleveland Prates, em voto de vista, verificou que a

probabilidade de fechamento de mercado é reduzida, tendo em vista que a demanda potencial

113

A CTBC Telecom é a Empresa Concessionária Independente na prestação de Serviço Telefônico Fixo

Comutado (STFC) nos setores de concessão no 3, 22, 35, 33, conforme definidos no Plano Geral de Outorgas

(PGO) aprovado pelo decreto no 2534/98.

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da Net Site é substancialmente inferior à capacidade de oferta de linhas fixas pela CTBC

Telecom. Assim, qualquer restrição da oferta de STFC pela CTBC Telecom poderia

representar perdas de receita, tornando irracional a adoção de tal prática.

Quanto à possibilidade extensão do poder de monopólio, tendo em vista ser

a CTBC o único fornecedor no mercado de fornecimento de infra-estrutura telefônica para

provimento de acesso discado à Internet nas cidades de Uberaba e Uberlândia, esta poderia

diferenciar em preços, qualidade ou condições de pagamento e serviços prestados aos

provedores concorrentes da Net Site. Além disso, uma prática que tem se verificado em

operações envolvendo prestadoras de telefonia fixa e provedores de acesso à Internet, é o

chamado compartilhamento de receitas114

.

Entendeu-se que, se, por um lado a CTBC Telecom não teria incentivos a

compartilhar as receitas com os provedores de Internet, mesmo estes sendo os responsáveis

pela geração do recurso, por outro poderia ser interessante para a operadora repartir essas

receitas apenas com o seu provedor, criando uma nítida desvantagem para os demais

competidores, já que uma empresa do seu grupo tinha mais recursos para investir em

estratégias mais agressivas e ficar em melhor condição de competição no mercado.

Apesar da legislação hoje vigente (LGT e a norma 04/95, entre outras) que

proíbe a discriminação pelos ofertantes do uso das redes públicas de telecomunicações, a

norma 04/95 apenas estabelece genericamente a necessidade de critérios isonômicos no

fornecimento de serviços prestados, não sendo específica quanto às possibilidades de

tratamento diferenciado em relação a associados e concorrentes, no que diz respeito ao

compartilhamento de receitas geradas pelo uso da linha telefônica para o acesso à Internet.

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Neste sentido, concluiu o voto do Conselheiro Cleveland Prates, condutor

do acórdão, nos seguintes termos:

“Pelo exposto, aprovo a presente operação com o compromisso por parte da

CTBC de manter um tratamento isonômico com relação ao

compartilhamento de receita aos concorrentes da Net Site no mercado

relevante definido. Tal compromisso deverá ser estabelecido através de TCD

(Termo de Compromisso de Desempenho), contendo critérios objetivos,

adotados de maneira transparente, e que tenham um efeito neutro sobre a

concorrência. O compromisso deverá ser mantido enquanto as atuais

condições de mercado forem vigentes, estando sujeito a alterações na

ocorrência de um dos seguintes fatos: (i) forem apresentadas por alguma das

partes comprovações de que as atuais condições competitivas do mercado

mudaram significativamente ou; (ii) edição por parte da Anatel de uma

Norma que determine critérios específicos com relação ao compartilhamento

de receitas. Além disso, determino que, na medida em que forem firmados

ou renovados contratos com os concorrentes da Net Site, sejam estes

apresentados à CAD/CADE para a verificação das condições estabelecida”.

O Ato de Concentração nº. 08012.004818/2000-82 envolvendo as

Requerentes Terra Networks Brasil S/A e Internet Digital Boulevard S/C Ltda, por sua vez,

trata da aquisição, pela Terra Networks Brasil S/A, da carteira de clientes do serviço de acesso

à Internet, hospedagem de páginas, registro de domínio e equipamentos da Internet Digital

Boulevard S/C Ltda.

A operação em comento, assim como a acima analisada, apresentou

aumento de concentração horizontal, entretanto, apesar disso, constatou-se que a

probabilidade de exercício de poder de mercado seria pequena.

Os efeitos verticais foram os mesmos verificados nos dois casos acima

analisados, de modo que foi verificada a constituição de uma relação vertical entre a

Boulevard (empresa adquirida) e o Grupo Telefônica (grupo adquirente), na medida em que a

114

CF. Despacho proferido na Medida Cautelar n° 08700.002779/2002-13, envolvendo a Requerente

ABRANET – Associação Brasileira dos provedores de Acesso, Serviços e Informações de Rede Internet/SP e as

Requeridas Tele Norte Leste Participações S/A e Internet Group do Brasil.

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Teslep – empresa pertencente ao Grupo Telefônica –, é a fornecedora de infra-estrutura de

telefonia fixa que conecta os usuários da Boulevard.

A conclusão sobre a possibilidade de fechamento de mercado e extensão de

poder de monopólio foram os mesmos do caso acima, tendo sido, portanto, estabelecidas as

mesmas determinações constantes na conclusão do caso acima analisado, nos termos do voto

do Conselheiro Cleveland Prates, também condutor deste acórdão.

Observou-se, que do ponto de vista estrutural, o Conselho, nestas duas

últimas decisões, chegou à conclusão mais adequada, no sentido de utilizar o instrumento do

Termo de Compromisso de Desempenho, com o escopo de assegurar o cumprimento da

determinação realizada, no que se refere ao tratamento isonômico aos provedores de acesso.

Caso não verificado o cumprimento deste tratamento isonômico, são cabíveis as penalidades

por descumprimento da decisão e pela prática de atos anticoncorrenciais.

É importante destacar que a prática de descontos a provedores não é, em

princípio, uma prática anticoncorrencial. Não obstante, práticas anticompetitivas podem estar

revestidas de descontos, como no caso em que as empresas telefônicas não realizem este

desconto em termos isonômicos, consistindo em discriminação, prática realizada por

operadoras detentoras da infra-estrutura de telecomunicações contra provedores de acesso à

Internet.

3.6.2. Análise de conduta

No que tange às condutas, é interessante o caso que ainda em sede de

Medida Preventiva Nº 08700.001639/2003-88, no Processo Administrativo nº

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140

53500.002336/2003, envolvendo a Requerente Telecomunicações de São Paulo (Telesp) e a

Requerida Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A (Embratel), cujo Relator é o

Conselheiro Roberto Pffeifer.

Alega a Telesp ser necessária a adoção de medida preventiva para que se

evite a ocorrência de lesão irreparável no mercado de serviços de telecomunicações de suporte

ao provimento de acesso discado à Internet, causada pelas condutas da Embratel, contrárias à

regulação específica do setor de telecomunicações, as quais configuram infração à ordem

econômica.

A Requerente alega que: a ANATEL omitiu-se na adoção de providências

contra a Representada para se evitar os efeitos deletérios do sumidouro de tráfego,

principalmente após o despacho em que esta autarquia determinou-lhe a implementação da

fixação das condições comerciais necessárias, ignorando a divergência contratual entre a

Requerente e a Requerida para a pactuação dessa interconexão de redes e o pedido de

arbitragem formalmente postulado pela Requerente; a Embratel tem, em razão da inércia da

ANATEL, focado seus negócios principalmente na busca do sumidouro de tráfego; tem

ocorrido prejuízo ao mercado de infra-estrutura de telecomunicações para o acesso à Internet;

tal situação tem compelido as concessionárias de STFC a criarem seus próprios provedores

gratuito; que o precedente firmado no julgamento da Medida Cautelar requerida pela

ABRANET (acima analisado) constatou a existência de indícios de prejuízos tanto aos

princípios isonômicos regedores do sistema de telecomunicações, com da concorrência no

mercado de provimento de acesso discado à Internet; a existência de um subsídio que gera

distribuição de renda às avessas.

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Por todo o exposto, a Telesp requer a concessão da medida preventiva para

que a Embratel fique impedida de: (i) incluir as chamadas destinadas a provedores de acesso à

Internet trocadas entre os usuários das redes da Requerente e da Requerida nos documentos de

apuração de tráfego (Detraf) ou que, por qualquer medida ou artifício, sejam consideradas

para a aplicação da regra do art. 3º, § 2º, da Resolução ANATEL nº 33 e cumulativamente:

(ii) compelir a Requerida Embratel a se omitir de cobrar ou de compensar, com eventuais

créditos existentes, quaisquer valores relativos à tarifa de uso de rede local (TU-RL) apurados

em função de desequilíbrio de tráfego destinado a provedores de acesso à Internet; e (iii)

compelir a Requerida Embratel a se omitir de oferecer aos provedores de acesso à Internet

quaisquer descontos, bonificações, repasses ou transferências de receitas para que venham a

se conectar à sua rede de suporte ao STFC prestado em regime privado; ou alternativamente:

(iv) obrigar a Requerida Embratel a praticar, na contratação com provedores interessados na

utilização de sua rede do STFC para receber chamadas destinadas ao acesso à Internet, preços

compatíveis com os custos de mercado sem qualquer hipótese de compartilhamento das

receitas advindas da remuneração pelo uso de redes locais do STFC pelo tráfego gerado.

A SEAE manifestou-se no sentido de haver pleno fundamento nas alegações

da Representante quanto à conduta da Representada, constituindo infração enquadrável no

inciso I, do artigo 20 e nos inciso V e XIV, do artigo 21, todos da Lei nº 8.884/94.

Observou a Secretaria que as práticas de sumidouro de tráfego têm sido

comuns entre as operadoras telefônicas e os provedores de acesso à Internet. Prova da

existência desta prática encontra-se configurada pela afirmação pública do Sr. Roberto

Durães, gerente geral de serviços locais da Embratel, a qual alude ao desejo desta empresa em

compartilhar receita de interconexão com os provedores que desejarem associar-se a ela. Este

fato também foi destacado no parecer da Tendências Consultoria Integrada, que salientou que

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quanto maior o tráfego gerado pelo provedor nas redes da Embratel, mais elevada será a

receita de interconexão compartilhada ao provedor, motivando-o a maximizar o tempo de

navegação na Internet dos usuários.

Desta forma manifestou-se favoravelmente à concessão parcial da Medida

Preventiva, quanto aos pedidos (i) e (ii) acima elencados. Quanto aos itens (ii) e (iv) observa

que adotadas as solicitações constantes nos itens (i) e (ii), cessa o incentivo principal da

Representada para compartilhar receitas com provedores de acesso.

Recomendou, ademais, a SEAE, que os itens (i) e (ii) sejam aplicados

também à Representante, ou seja, que esta seja igualmente impedida, para todos os efeitos, de

incluir as chamadas destinadas a provedores de acesso no cálculo dos valores de interconexão

a ela devidos pela Embratel. Tal recomendação teve por base o fato de haver provedores

atualmente instalados na rede da Telesp, especialmente o iTelefônica, lançado em 2002 com o

objetivo declarado de contrabalançar as despesas com pagamento de TU-RL a outras

prestadoras.

A Embratel alega: que realiza pagamento de TU-RL com base na regra

45/55 quando utiliza o serviço de STFC local; serem expressivos os pagamentos relativos à

tarifa de interconexão feitos à Telefônica, o que constitui barreira à entrada de novo entrante;

ser matéria de direito privado; não haver subsídio cruzado ou preço predatório; não haver

fumus boni iuris e nem periculum in mora.

A SDE entendeu ser improcedente o pedido de Medida Preventiva, por não

ter sido demonstrado pela Telesp o fumus boni iuris e o periculum in mora, não obstante tenha

ressalvado que, embora seja relevante a questão relativa ao desequilíbrio entre as tarifas de

público e de interconexão em horários específicos, a Representante não demonstrou a

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proporção do volume de tráfego na Internet nos horários em relação ao tráfego total em sua

rede e a existência de ilegalidade da conduta atribuída à Embratel, sendo que eventuais danos

poderão ser reparados.

A Procuradoria do CADE manifestou-se pela concessão parcial da Medida

Preventiva nos mesmos termos da SEAE, apenas quanto aos itens (i) e (ii) do pedido,

entendendo haver geração artificial de tráfego pela empresa entrante, possuidora de menor

quantidade de assinantes que, para compensar o desequilíbrio no tráfego de chamadas com as

operadoras concessionárias, estimula a instalação de provedores de acesso à Internet em suas

redes, compensando a TU-RL com as operadoras locais, desequilibrando a relação, porquanto

a duração das chamadas feitas pelos usuários da Internet (transmissão da dados) são

superiores às realizadas para conversação (transmissão de voz).

A Procuradoria do CADE entendeu haver a existência do fumus boni iuris,

em razão de se verificar a existência de subsídios cruzados entre os valores dos serviços dos

usuários de telefonia fixa e os de Internet, principalmente quando se trata do uso da Internet

gratuita. O periculum in mora reside na necessidade de garantir-se o resultado útil do processo

administrativo em análise

O Ministério Público Federal entendeu, preliminarmente, pela

incompetência do CADE para a análise da medida preventiva. No mérito, manifestou-se pelo

indeferimento do pedido, por entender que depende de prova a ser feita durante a instrução do

Processo Administrativo, não se evidenciando os requisitos de fumus boni iuris e periculum in

mora.

O caso encontra-se concluso, aguardando a apreciação do Conselheiro-

Relator.

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Tendo em vista toda a análise desenvolvida no presente trabalho, seria o

mais razoável, com base nos elementos constantes nos autos, a adoção de medida preventiva

neste caso, nos termos expostos nos pareceres da SEAE e da Procuradoria do CADE. Os

pedidos (iii) e (iv), sendo atendidos os dois primeiros pedidos, não seriam capazes de causar

dano ao mercado. Isso porque o problema não reside no fato de se conceder descontos aos

provedores de acesso, mas destes descontos serem realizados com base em um subsídio

cruzado. Cessando a distorção que enseja tal subsídio, passa-se a uma questão de estratégia

empresarial, respeitados os limites legais que regem a concorrência.

Quanto à existência de condutas, estas devem ser comprovadas nos autos.

Não obstante, pelos elementos até então existentes, pode-se concluir que, como já tratado

acima, houve a liberalidade da empresa em incluir no contrato de interconexão esta flagrante

distorção, de forma consciente, consoante se observou da declaração pública do gerente geral

de serviços locais.

Frise-se que, caso verificado tratamento discriminatório entre os provedores

integrados à empresa telefônica e os não integrados, igualmente é possível o enquadramento

deste ato como sendo uma conduta anticompetitiva.

Cabe, por fim, ressaltar que conforme sugerido pelo Conselheiro Roberto

Pfeiffer, no despacho referente ao pedido de medida cautelar realizado pela ABRANET, o

ideal seria a instauração de um processo administrativo. Entende-se que este processo

administrativo deveria ser instaurado contra todas as prestadoras de STFC, por cautela, para

que se verificasse quais delas poderiam estar praticando condutas anticompetitivas, em

relação ao sumidouro de tráfego.

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CONCLUSÃO

A evolução legislativa referente ao direito concorrencial tem ocorrido de

forma espantosamente rápida nos últimos anos. Isto implica o surgimento de novas questões e

indecisões acerca desta parte do sistema jurídico. O presente trabalho teve por escopo buscar

elucidar especificamente uma questão: o sumidouro de tráfego. Face à disciplina especial do

setor de telecomunicações, em contraposição ao regime geral aplicável à concorrência,

buscou-se delimitar as competências definidas por um e pelo outro, bem como quais as

possíveis soluções que a autoridade antitruste pode dar, enquanto não haja uma modificação

na norma regulatória.

Da interpretação do conjunto de regras da LGT, deduz-se que o legislador

outorgou à ANATEL competência exclusiva para a regulação do setor de telecomunicações,

bem como para a tarefa de realizar a análise instrutórias de condutas e de estruturas. Isto

significou que se excluiu a competência da SDE e da SEAE, para a análise do mercado de

telecomunicações. Tendo em vista, entretanto, que o problema do sumidouro de tráfego

envolve não apenas o mercado de telecomunicações, a instrução deve ser feita por estes três

órgãos, no que diz respeito às suas competências.

Tal conclusão pôde ser alcançada através de uma análise dos métodos

tradicionais de hermenêutica jurídica (a interpretação literal da norma, a interpretação

histórica, a interpretação teleológica e a interpretação sistemática), que foram analisados sob

uma perspectiva de complementaridade e interdependência.

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Partindo-se da concepção sistêmica do direito, tais regras de hermenêutica

foram ainda cotejadas com os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e

administrativos (razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade).

Face à patente incoerência e incompatibilidade surgidas, pode-se dizer que

houve derrogação da Lei nº 8.884/94, no que tange à competência instrutória da SDE e da

SEAE, quanto ao que diz respeito à análise concorrencial no mercado de telecomunicações.

Frise-se que para a configuração de incidência da competência para a

análise de atos ou condutas, não é condição o fato de uma das empresas envolvidas no ato ser

prestadora de tal serviço, devendo estar envolvido na operação o mercado relevante de

telecomunicações.

Ocorrendo a hipótese de, o caso concreto analisado, envolver tanto o

mercado relevante de telecomunicações, como outro qualquer, deveria a ANATEL

pronunciar-se sobre a matéria de sua competência e, após, a SDE e a SEAE, quanto aos

demais aspectos, remetendo, por fim, ao julgamento do CADE.

Conclui-se, ademais, que a norma atual que rege a compensação no mercado

de STFC para a definição da tarifa de interconexão que será devida à empresa que ultrapasse

em 55% o uso da rede da outra é flagrantemente contrária a toda a lógica do sistema jurídico

brasileiro, seja do ponto de vista constitucional, legal ou infralegal.

Não é possível de se admitir que um serviço público, constitucionalmente

previsto como tal, com o dever inclusive de universalização, para que se promova uma

política distributiva em respeito à justiça social, subsidie uma atividade econômica em sentido

estrito, com inclusive uma distribuição de renda às avessas.

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Falta, portanto, a adequação da relação de equivalência entre as regras de

tarifação do usuário pela utilização da rede local de STFC, em especial daqueles que a

utilizam para conectarem-se à Internet por meio de acesso discado, e as regras de

compensação mútua operadora/operadora nas interconexões de redes locais. Isso porque, o

assinante de um telefone fixo utiliza o provedor localizado em uma rede rival, gerando tráfego

excedente, sem que seja sinalizado corretamente do custo efetivo do serviço utilizado.

Urge, portanto, que seja elaborado um novo marco regulatório para

disciplinar a remuneração pela utilização das redes de telefone locais, diversa da atual TU-RL.

Acrescente-se que, embora as autoridades de defesa da concorrência possam garantir que não

haja efeitos adversos, especificamente no que tange à nivelação dos competidores no mercado

de provimento de acesso discado, fazendo cumprir a obrigatoriedade de tratamento isonômico

que deva ser dado pelas operadoras de STFC a todos os provedores de acesso à Internet via

linha discada, o cerne da questão continuará inalterado, posto que os usuários finais

continuarão a ser erroneamente sinalizados com relação aos reais custos da utilização do

STFC.

A competência da autoridade antitruste só surtirá efeito quanto à aplicação

de determinações e/ou limitações, do ponto de vista estrutural, ou determinações e/ou

condenações de prática anticoncorrencial, quando provocada para a análise de um caso

concreto. O que não seria suficiente para afastar os efeitos deletérios, desta norma regulatória

atentatória a toda o sistema legal brasileiro, ao mercado como um todo, mas somente para

afastar estes efeitos nas relações entres as partes envolvidas na análise do caso concreto.

O ideal seria, portanto, a instauração de um processo administrativo

instaurado contra todas as prestadoras de STFC, por cautela, para que se verificasse quais

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delas poderiam estar praticando condutas anticompetitivas, em relação ao sumidouro de

tráfego.

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