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Raul Velloso Paulo Springer de Freitas Omar Abbud Energia elétrica a caminho do estrangulamento Tarifas de energia artificialmente baixas e excesso de intervenção estatal provocam ineficiência econômica e inibem a expansão do setor

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Raul Velloso

Paulo Springer de Freitas

Omar Abbud

Energia elétrica a caminho do estrangulamentoTarifas de energia artificialmente baixas e excesso de intervenção estatal provocam ineficiência econômica e inibem a expansão do setor

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ConteúdoSUMÁRIO EXECUTIVO.................................................................................................4

Introdução........................................................................................................................21

Capítulo I – Macroeconomia e o investimento em energia.............................................26

Capítulo II – Considerações teóricas...............................................................................32

II.1 – Introdução.........................................................................................................32

II.2 – Necessidade de regulação no setor energético...................................................34

II.3 – Precificação da energia no modelo básico.........................................................37

II.3.1 – Precificação no início do contrato..............................................................37

II.3.2 Precificação ao longo do contrato..................................................................52

II.3.3 O custo marginal na atividade de geração.....................................................57

II.4 – Precificação da energia sob hipóteses de informação assimétrica e possibilidade

de comportamento oportunista....................................................................................60

II.4.1 – Precificação no início do contrato..............................................................60

II.4.2 – Revisão de preços ao longo do contrato.....................................................74

II.4.3 – Incentivos para ganhos de produtividade....................................................81

II.5 – Alternativas para redução do custo de energia..................................................84

II.5.1 – Redução dos riscos regulatórios e negociais...............................................84

II.5.2 – Maior celeridade no fornecimento do licenciamento socioambiental........86

II.5.3 – Redução da tributação e encargos do setor.................................................88

II.5.4 – Estímulo à construção de usinas com reservatórios....................................90

II.5.5 – Estímulo ao mercado livre..........................................................................90

Capítulo III - O marco regulatório do setor elétrico brasileiro........................................97

III.1 – Introdução.........................................................................................................97

III.2 – A Evolução do Marco Legal.............................................................................98

III.3 – As alterações recentes no marco regulatório da energia elétrica – a MP 579 105

III.3.1 – As alterações produzidas pela Medida Provisória nº 579, de 2012.........106

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III.3.2 – Os custos decorrentes da MP 579 e da política de contenção de tarifas. 111

III.4 Represamento de tarifas sem o repasse integral do aumento de custos decorrente

do despacho de energia térmica.................................................................................121

III.4.1 – Subsídios do setor público associados ao acionamento das usinas

termoelétricas........................................................................................................121

III.4.2 – Tentativa do Governo de transferir para o setor privado parte dos

subsídios associados ao acionamento das usinas termoelétricas: A Resolução

CNPE nº 3, de 2013...............................................................................................123

Capítulo IV – A viabilização da modicidade tarifária no setor energético brasileiro. . .126

IV.1 – Modicidade tarifária nos leilões de geração...................................................126

IV.2 – Modicidade tarifária nos leilões de transmissão............................................137

IV.3 – Revisões tarifárias e o impacto sobre as tarifas das distribuidoras................145

IV.3.1 Evolução recente das tarifas das distribuidoras..........................................146

IV.3.2 – Ajuste dos custos operacionais e no Fator X no 3CRTP.........................150

IV.3.3 – Remuneração do capital..........................................................................156

IV.4 – Novos desafios para a política de modicidade tarifária: a exposição

involuntária das distribuidoras..................................................................................164

Capítulo 5 – A necessidade de construir usinas com reservatórios...............................169

Conclusões.....................................................................................................................184

REFERÊNCIAS............................................................................................................191

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SUMÁRIO EXECUTIVO

Há cada vez mais consenso entre os diversos segmentos da sociedade

brasileira de que a deficiência em infraestrutura é um dos obstáculos para que possamos

alcançar taxas mais altas de crescimento. No caso específico da energia elétrica, o Brasil

ainda sofre o trauma do racionamento de 2001. Mesmo assim, decorridos mais de dez

anos do episódio, o problema da oferta insuficiente de energia não parece ter sido

devidamente solucionado. Em 2012, ano de hidrologia ruim, houve forte temor de que

faltasse energia elétrica. Foi necessário acionar todas as usinas termoelétricas e alguns

analistas acreditam que só não houve necessidade de racionamento porque a economia

havia crescido muito pouco naquele ano.

Este livro pretende discutir o que deve ser feito para garantir que o setor

elétrico seja capaz de suprir a energia de que o país tanto necessita.

O primeiro problema que se coloca é o do investimento e seu

financiamento. Apesar de o acesso à energia elétrica ser quase universal no Brasil, com

97,8% de cobertura em 2010, segundo o IBGE, outros indicadores não são tão bons. O

consumo de energia ainda é baixo, comparativamente aos países desenvolvidos e do

leste asiático. Indicadores de qualidade, como a Duração Equivalente de Continuidade

(DEC), que mensura o número de horas com interrupção de energia durante o ano, vem

crescendo desde 2008, assim como a insatisfação do consumidor, medida pela Agência

Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Por isso, tanto para aumentar o consumo, como

para melhorar a qualidade do serviço oferecido, é necessário muito investimento.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2022,

publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e

Energia, o consumo de energia elétrica deverá aumentar 51% entre 2013 e 2022, e o

investimento anual médio em geração e transmissão deve ser da ordem de R$ 26

bilhões, ou 0,6% do PIB estimado para 2013.

Uma identidade básica da economia é que poupança é igual ao

investimento. A poupança, por sua vez, compõe-se da soma da poupança doméstica

com a poupança externa. O grande problema do Brasil é que a taxa de poupança

doméstica é muito baixa, da ordem de 16% do PIB. Já a taxa de investimento está em

torno de 19% do PIB, indicando a necessidade de poupança externa da ordem de 3% do

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PIB. Contabilmente, a poupança externa corresponde ao déficit em transações correntes,

e é difícil sustentar esses déficits em valores acima de 4% ao ano indefinidamente.

Portanto, para aumentarmos a taxa de investimento, e sabendo que a poupança externa

dificilmente se manterá acima de 4% de forma sustentada, a solução é ampliar a

poupança doméstica. Se pensarmos em políticas públicas, o ideal é que haja aumento da

poupança do setor público.

Entretanto, para aumentar a poupança pública é necessário cortar gastos

correntes, o que pode trazer fortes prejuízos políticos, ou aumentar a tributação, o que é

difícil diante da já elevadíssima carga tributária brasileira. Uma terceira possibilidade

para o setor público financiar o setor elétrico é via aumento do endividamento. Aqui

também as possibilidades são limitadas, tendo em vista que a dívida bruta do Setor

Público tem aumentado fortemente, passando de 60,0% do PIB, em dezembro de 2006,

para 65,8% do PIB, em agosto de 2013. A Eletrobras tampouco dispõe de recursos

suficientes para investir, notadamente após a edição da MP 579, que a descapitalizou,

como se verá adiante.

Como o Setor Público, incluindo a estatal Eletrobras, possui capacidade

muito limitada de financiar a expansão do setor elétrico, não há como expandi-lo no

suficientemente para satisfazer o aumento projetado de demanda sem contar com o

investimento privado. Além de dispor de recursos, o investidor privado tende a ser mais

eficiente do que o setor público, havendo evidências de forte queda nos custos dos

empreendimentos de geração e transmissão a partir de 1995, quando empresas privadas

ingressaram no mercado brasileiro.

A ampliação da participação privada, contudo, requer um ambiente

favorável para atração de capital ao setor elétrico. Compete ao Governo e ao órgão

regulador, portanto, criar regras que garantam um retorno compatível com a escassez de

capital e com o risco assumido. Ao mesmo tempo, tais regras devem garantir a alocação

eficiente dos recursos da economia. Isso é particularmente importante em uma

economia como a brasileira, onde há forte escassez de capital.

A teoria econômica nos ensina que a alocação ótima dos recursos, tanto

na produção como no consumo, ocorre quando o preço se iguala ao custo marginal.

Como no setor elétrico há grande heterogeneidade de custos, dependendo do porte da

usina geradora e da fonte (os custos por MWh variam de R$ 84,58, para hidroelétricas

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de grande porte, a R$ 956,70, para térmicas a óleo diesel) há quem defenda a tese de

que a cobrança deveria ser feita pelo custo médio, e não pelo custo marginal, pois isso

permitiria baratear as tarifas, fazendo com que todo o potencial de lucro excedente

(correspondente à diferença entre o custo marginal e o custo efetivo de geração da

empresa) fosse repassado para os consumidores.

São, contudo, argumentos falaciosos. Se raciocinarmos dinamicamente, o

lucro extraordinário permite capitalizar as empresas e aumentar a oferta de energia no

longo prazo. Além disso, é um poderoso incentivo para as empresas investirem mais em

aumento de produtividade, permitindo redução de custos – e, consequentemente, de

tarifas – no longo prazo. Em relação aos supostos benefícios de uma tarifa menor,

decorrente da cobrança pelo custo médio, eles não existem quando analisamos o

problema sob uma perspectiva de equilíbrio geral. Sinteticamente, estabelecer uma

tarifa abaixo do custo marginal gera distorções na economia, que leva a preços mais

altos para os demais bens. No caso da energia elétrica, a distorção se traduz em

acionamento excessivo de usinas térmicas, mais caras e mais poluentes.

A regra de igualar o preço ao custo marginal não impede que, em

situações específicas, haja subsídios ao consumidor final. Exemplos comuns na

literatura para justificar subsídios são a geração de externalidades e maior justiça social.

Mas nem sempre os pressupostos que embasam as conclusões teóricas

são verificados na realidade. Para a atividade de distribuição, por exemplo, os

investimentos são feitos ao longo do contrato, de forma que, em qualquer momento,

haverá investimentos relativamente novos, e outros já realizados há mais tempo. Nesse

caso, se a tarifa recebida pelo produtor for igual ao custo marginal, não haverá

equilíbrio econômico-financeiro em caso de tendência de queda de custos ao longo do

período de concessão. Pode-se mostrar que a fixação da tarifa pelo custo médio,

remunerando o investimento de acordo com os custos vigentes na época de sua

contratação é uma opção melhor do que igualar o preço ao custo marginal vigente.

Outro problema, este mais associado à atividade de geração, refere-se ao

fato de a vida útil de uma usina – normalmente próxima de 100 anos – ser muito mais

longa do que o prazo de concessão, de até 30 anos. Isso gera forte descontinuidade de

custos, pois, nos primeiros 30 anos, é necessário remunerar todos os custos de

amortização e depreciação, além dos custos de operação e manutenção (O&M). Após os

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30 anos iniciais, os custos passam a ser somente os de O & M, uma queda de cerca de

70%. .

Quando houver várias usinas em operação, das mais diferentes idades –

abstraindo-se a questão de custos marginais crescentes –, a tarifa cobrada, ao ser uma

média do custo contábil das diferentes usinas, corresponderia ao custo marginal da

energia e seria uma tarifa eficiente.

Outras características importantes do mundo real que devem ser levadas

em consideração na definição de tarifas são a assimetria de informações e a

possibilidade de comportamento oportunista por parte das empresas ou do poder

concedente.

Havendo assimetria de informações, a determinação unilateral do preço é

claramente ineficiente. Se o órgão regulador impuser as tarifas, dificilmente

estabelecerá um preço que remunere adequadamente o regulado. A fixação da tarifa por

parte do regulado traz óbvios problemas de incentivos perversos, pois ele tenderia a

inflar artificialmente os custos para obter maior lucro.

A solução, portanto, seria encontrar algo que se aproximasse de um

resultado de um mercado competitivo. A literatura mostra que leilões podem ser um

meio eficaz de atingir esse objetivo. Se houver um número razoável de concorrentes e a

estrutura de custos não for muito díspar, o preço definido em leilão será próximo do

custo do participante mais eficiente.

Mas leilões também podem gerar resultados ineficientes. Isso pode

ocorrer se:

i) houver comportamento oportunista por parte de um licitante;

ii) os participantes avaliarem incorretamente os projetos;

iii) houver forte heterogeneidade no que diz respeito à atitude dos

licitantes em relação ao risco;

iv) houver um participante movido por outros interesses, que não a

maximização de lucros, como a Eletrobras.

Os riscos de um leilão mal conduzido vão além de os custos finais da

energia tornarem-se maiores do que os inicialmente acordados no leilão. Corre-se o

risco de, simplesmente, a oferta não ser concretizada.

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As soluções para reduzir a probabilidade de leilões ineficientes

dependem da natureza da ineficiência. Se considerarmos que o principal problema é o

comportamento da Eletrobras, seria necessário um comprometimento, por parte da

estatal, de apresentar propostas que reflitam, de fato, o custo do projeto, incluindo o

custo de oportunidade do capital e a remuneração pelo risco.

Quando a ineficiência tem origem no comportamento oportunista, na

avaliação incorreta da melhor estratégia, ou na maior disposição da licitante em assumir

riscos, a solução pode envolver diversas dimensões. Em primeiro lugar, requerer, na

fase de habilitação, que o candidato tenha experiência bem sucedida em

empreendimentos anteriores. O órgão regulador teria também de assumir uma posição

mais dura em relação a renegociações de contratos. Outra sugestão é introduzir uma fase

de pré-qualificação, onde os licitantes apresentariam um plano de negócios e uma

metodologia de execução. Do plano de negócios constaria a análise econômico-

financeira do projeto, bem como avaliação de riscos, com diferentes cenários de custos.

Já a metodologia de execução conteria as informações técnicas e operacionais referentes

à exploração da concessão e ao investimento. Se a proposta financeira do licitante não

for compatível com o plano de negócios e com a análise econômico-financeira, ele seria

desabilitado do certame.

A remuneração de novos investimentos ao longo dos contratos impõe

outros desafios, pois, nesse caso, não é viável utilizar o mecanismo de leilões para

determinar o preço ótimo. Esse problema é particularmente relevante para a atividade de

distribuição. No curto prazo, uma menor remuneração do capital permitiria reduzir as

tarifas, beneficiando os consumidores e rendendo fortes dividendos políticos. A

distribuidora, por sua vez, já tendo incorrido em elevados gastos iniciais, não desejará

abandonar o negócio (a não ser que a tarifa seja fixada em nível muito baixo,

insuficiente para cobrir os custos de operação e manutenção). Assim, a concessionária

pode se ver obrigada a realizar novos investimentos ao longo do contrato, mesmo

sabendo, de antemão que esses investimentos não serão devidamente remunerados.

As consequências do comportamento oportunista por parte do regulador

são péssimas para a oferta de energia no médio e no longo prazos. Em primeiro lugar, as

distribuidoras que se encontram no meio do contrato tenderão a fazer o menor

investimento possível compatível com a qualidade mínima requerida. Em segundo

lugar, as empresas antecipam o comportamento oportunista por parte do Governo ou do

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órgão regulador e passam a exigir, no leilão, preços maiores do que pediriam em

situações normais. Uma terceira consequência do comportamento oportunista por parte

do Governo ou do regulador é reduzir a eficiência dos leilões, devido ao fato de as

empresas valorizarem diferentemente o risco de sofrerem prejuízos em decorrência de

tal comportamento.

Uma solução óbvia para esse problema seria o Governo se comprometer

a não ter um comportamento oportunista, e agir de acordo. Mas se a credibilidade tiver

sido abalada, será necessário algum tempo para que seja recuperada. Nesse ínterim,

serão necessários instrumentos contratuais que tentem, pelo menos, mitigar os riscos.

Uma segunda opção é travar a Taxa Interna de Retorno (TIR) quando da assinatura do

contrato. O problema é que as condições macroeconômicas se alteram ao longo do

tempo. Outra possibilidade é o uso de árbitros. O próprio contrato de concessão já

poderia prever fóruns de renegociação caso haja divergências na remuneração dos

investimentos durante o processo de revisão tarifária.

Além da remuneração justa do investimento, é necessário incentivar as

empresas a buscarem ganhos de produtividade. O objetivo de modicidade tarifária deve

ser pensado dinamicamente. Ao longo de um contrato de longo prazo, novas tecnologias

surgem. Deve, portanto, haver incentivos para que o concessionário adote a melhor

tecnologia disponível. Isso permitirá redução de custos que, em algum momento, poderá

ser incorporada às tarifas.

A literatura define dois tipos básicos de regulação. A regulação por taxa

de retorno e a regulação por fixação de preços. No primeiro caso, o concessionário

apresenta os custos de produção para o regulador que, se aceitos, após uma auditoria,

aplica uma taxa de retorno para definir a tarifa. O grande problema da remuneração por

taxa de retorno é que não estimula a adoção de técnicas mais produtivas. Afinal, se

independentemente do que fizer, o investidor tiver seus custos ressarcidos, não há

porque se preocupar em inovar.

A segunda forma mais comum de regulação é por fixação de preço-teto

(price cap, em inglês). Nesse caso, como o nome sugere, o regulador fixa um preço-

teto, independentemente dos custos da concessionária. É fácil perceber que a fixação de

um preço-teto dá o máximo estímulo para que a empresa aumente a produtividade.

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Havendo assimetria de informações, o melhor que o regulador deve fazer

para estimular as empresas a adotar tecnologias mais eficientes é permitir que o

regulado se aproprie pelo menos de parte dos ganhos de produtividade que obtiver.

Quanto maior for a parcela apropriada, maior o estímulo para adoção de tecnologias de

menor custo e, portanto, maior a modicidade tarifária no longo prazo.

Da discussão teórica pode-se concluir que modicidade tarifária não deve

significar o menor preço a qualquer custo. Deve ser o menor preço compatível com a

sustentabilidade das empresas do setor; do contrário, trocam-se tarifas mais baixas no

presente por tarifas mais elevadas no futuro, com aumento do risco de a expansão da

oferta se revelar insuficiente para atender ao crescimento da demanda.

Para avaliar se o Governo vem propiciando os estímulos corretos ao setor

elétrico é necessário conhecer o marco regulatório. O setor elétrico brasileiro vem

passando por profundas modificações nos últimos vinte anos. Elas começaram na

década de 1990, com uma reforma de cunho liberal, que permitiu a entrada de capital

privado com o objetivo de retomar os investimentos e eliminar diversas distorções que

vinham se acumulando.

Os primeiros movimentos governamentais foram de privatização das

concessionárias de distribuição, estatais estaduais na sua larga maioria, o que resultou

na venda de distribuidoras responsáveis por cerca de 85% do mercado nacional. Já no

setor de geração, o processo foi tímido: foram privatizadas apenas a Gerasul (geradora

pertencente ao Grupo Eletrobras, com atuação no Sul do País) e algumas usinas da

CESP, empresa de energia elétrica do Estado de São Paulo. Ainda assim, na margem, a

participação do setor privado aumentou ao vencerem leilões de novos empreendimentos

de geração. O mesmo ocorreu na atividade de transmissão.

A reforma da década de 1990 também criou as figuras do Produtor

Independente de Energia (livre para empreender e vender a energia produzida), do

Consumidor Livre (inicialmente só para grandes consumidores), do comercializador

(broker) e do Mercado Atacadista de Energia (MAE), onde seriam fechados os negócios

de compra e venda; a garantia do livre acesso às redes de transmissão e de distribuição;

a criação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), agente público, neutro e

regulado pela ANEEL; e a criação de uma agência reguladora, a Agência Nacional de

Energia Elétrica (ANEEL). Com esse arcabouço, viabilizou-se a livre negociação de

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energia entre produtores e distribuidoras, consumidores finais (livres) ou

comercializadores, na forma de contratos bilaterais.

Em 2003, novas alterações foram feitas no marco regulatório.

Consolidou-se a segregação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização, concebida no modelo anterior. Também

foram criados o Ambiente de Contratação Livre (ACL), para o mercado livre de

energia, e o Ambiente de Contratação Regulado (ACR), que abrigou todo o mercado

cativo, atendido pelas distribuidoras. Mas, de forma geral, aumentou o predomínio do

Governo Federal sobre o setor elétrico, com o retorno ativo de estatais federais aos

leilões de novos empreendimentos de geração e transmissão e enfraquecimento da

agência reguladora. Com efeito, a partir de 2004, a Aneel passou somente a

operacionalizar os procedimentos licitatórios, seguindo as determinações que lhe fossem

dadas pelo Governo. Além disso, as distribuidoras não mais puderam adquirir

livremente o seu suprimento de energia, ficando restritas às aquisições nos leilões

estabelecidos pelo Governo. A concentração dos poderes nas mãos do Governo Federal

pode gerar importantes conflitos de interesse. Por exemplo, decisões relativas ao

volume de energia a ser licitado, bem como aos contratos das concessionárias, podem

estar subordinadas a objetivos não diretamente relacionados com a oferta e segurança

energéticas, como o controle da inflação. Similarmente, há um óbvio conflito de

interesses do Governo na condição de formulador da política energética e de controlador

da Eletrobras: nada impede que a política energética venha a ser decidida no sentido de

favorecer a estatal, ainda que em prejuízo do setor como um todo.

Em 2012, a Medida Provisória (MP) nº 579, convertida posteriormente

na Lei nº 12.783, de 2013, inaugurou o que alguns analistas denominam de novíssimo

modelo do setor elétrico, no qual o principal objetivo da política energética parece ser a

modicidade tarifária, mesmo que isso prejudique a oferta e ganhos de produtividade no

longo prazo.

O objetivo mais evidente da MP 579 (e de outras normas que se

seguiram) foi reduzir a tarifa ao consumidor do setor regulado em cerca de 20%. Isso foi

possível porque grande parte das concessões de geração e transmissão de energia

elétrica vencia até 2015, e o Governo Federal decidiu oferecer aos concessionários a

possibilidade de renovação antecipada das concessões, nos termos que propôs.

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A redução das tarifas se deu por meio dos seguintes mecanismos:

i) Fixação das tarifas com base nos custos de operação e

manutenção (O&M). Grosso modo, a geradora enfrenta dois custos: O&M e

amortização e depreciação do investimento. A tarifa é calculada de forma que, ao longo

do primeiro contrato de concessão (geralmente, com duração de até 30 anos), todas as

despesas referentes à depreciação e amortização sejam recuperadas pelo investidor.

Nesta fase, os custos de O&M representam cerca de 30% do total. Após o investidor

recuperar plenamente o capital investido, restam somente os custos de O&M e,

portanto, a tarifa pode cair substancialmente, para cerca de 30% do valor anterior. Como

os contratos renegociados estavam no fim do período de concessão, para muitas

geradoras os custos de depreciação e amortização já haviam sido integralmente

recuperados ou estavam quase que integralmente recuperados, o que permitiu forte

redução da tarifa;

ii) Eliminação de encargos da tarifa de energia, como a Conta de

Consumo de Combustíveis (CCC), a Reserva Global de Reversão (RGR) e redução,

para cerca de 25% do valor que vigorava, da Conta de Desenvolvimento Energético

(CDE). O Tesouro passou a assumir os custos da CCC e da CDE, que deixaram de ser

cobertos pelas tarifas. Em parte, esses encargos representavam subsídios cruzados e,

nesse sentido, a medida foi meritória, ainda que tenha custado em 2013, R$ 4 bilhões.

Adicionalmente, por determinação da medida provisória, a CDE destinou R$ 2,8 bilhões

para cobrir os gastos decorrentes do fim de outros subsídios cruzados associados a

descontos tarifários. Dessa forma, o efeito combinado da redução e eliminação de

encargos, bem como da eliminação de eliminação de subsídios cruzados atingiu

aproximadamente R$ 6,8 bilhões em 2013;

iii) Na antecipação das renovações, houve casos em que nem todo o

investimento havia sido integralmente depreciado e amortizado. Portanto, as empresas

tinham direito ao ressarcimento pelos investimentos realizados e ainda não depreciados.

Inicialmente, para viabilizar financeiramente a indenização das concessionárias, o

Governo pretendia utilizar os recursos da Reserva Global de Reversão, mas estimativas

preliminares apontavam para valores muito acima da disponibilidade de recursos da

RGR. Seria então necessário contar com aporte do Tesouro. Outro problema

relacionado foi como avaliar esses ativos. Decorrido mais de um ano desde a edição da

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MP 579, ainda não foi estabelecida a metodologia de definição do valor de todas as

indenizações, havendo risco de subavaliação. A Eletrobras, por exemplo, apresentou

estimativa de indenizações de parte de seus ativos no valor total de R$ 12,4 bilhões, ao

passo que estimativas preliminares da Aneel apresentavam indenização total de R$ 3,7

bilhões, gerando prejuízo potencial de R$ 8,7 bilhões para a estatal. Além do custo para

o Tesouro e para as empresas do setor, esse tipo de subsídio não é meritório, pois

barateia o preço da energia elétrica ao consumidor sem uma correspondente redução de

custos, ou seja, cria uma redução artificial no preço da energia;

iv) Subsídio para as distribuidoras pagarem as tarifas das geradoras

que não aderiram à prorrogação antecipada dos contratos. Nem todas geradoras

aderiram aos termos da MP 579, como planejava o Governo Federal, e mantiveram a

liberdade de negociar livremente a energia que produzem até o fim dos contratos de

concessão. Em razão disso, na implementação da MP, faltaram cerca de 3.700 MW para

abastecer as distribuidoras, que estão sendo obrigadas a adquirir essa energia para

fornecer aos seus consumidores ao preço spot, atualmente no teto legal de R$

822,00/MWh, dada a escassez de chuvas no período úmido. Para garantir a prometida

redução de 20%, o Tesouro passou a subsidiar as distribuidoras, via repasses da CDE,

com a diferença da tarifa cobrada pelas geradoras que não aderiram aos termos da MP.

Em 2013, o repasse acumulado da CDE por conta desse subsídio havia atingido R$ 260

milhões. Também aqui temos um subsídio não meritório, pois cria um preço

artificialmente baixo para as tarifas de energia à custa dos contribuintes.

Adicionalmente, houve um represamento de tarifas sem o repasse integral do aumento

de custos decorrente do despacho de energia térmica. Por coincidência, a MP 579 foi

editada em ano de hidrologia ruim. Em outubro de 2012, para garantir a oferta de

energia, já havia sido acionada a maioria das usinas termoelétricas disponíveis, que

funcionariam até o início de julho de 2013, quando as 34 mais caras foram desligadas.

Houve, assim, forte aumento de custos na geração de energia, fenômeno que se repete

em pleno período úmido, em janeiro de 2014, dada a já mencionada escassez de chuvas.

Mas como o Governo estava comprometido com a redução de 20% nas tarifas

residenciais, decidiu assumir esse custo adicional, evitando seu repasse para as tarifas.

Até outubro de 2013, os desembolsos para financiar os custos das termoelétricas haviam

atingido R$ 9,5 bilhões. Assim como nos casos anteriores, existe aqui um subsídio que

não encontra respaldo na teoria.

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Resumidamente, a MP 579, de 2012, permitiu a redução de tarifas ao

consumidor. Alguns mecanismos de redução são tecnicamente justificáveis, outros

(quando não há uma redução correspondente de custos) não. Independentemente do

mérito, a redução das tarifas custou, em 2013, quase R$ 10 bilhões ao Tesouro (ou seja,

aos contribuintes) e R$ 5 bilhões de fundos como o RGR. Poderá custar outros R$ 20

bilhões em 2014, só com a energia que faltou para a contratação pelas distribuidoras, em

razão da edição da MP, se o Governo optar por não repassar esses custos às tarifas.

Uma vez discutidos os princípios que devem nortear a precificação da

energia e a evolução recente do marco regulatório do setor energético brasileiro,

aprofundamos a discussão sobre os instrumentos que vêm sendo utilizados para se

atingir a modicidade tarifária.

Nos leilões de geração e transmissão, observamos um paradoxo: ao

mesmo tempo em que os investidores se queixam dos baixos preços-teto estabelecidos

para os leilões, muitos têm conseguido vender os lotes ofertados com deságios sobre os

preços-teto supostamente baixos.

Em primeiro lugar, há, de fato, leilões frustrados. Entre 2005 e 2011,

nada menos que quatorze aproveitamentos hidroelétricos deixaram de ser

comercializados em decorrência de preços-teto fixados em valores muito baixos. Outra

evidência de que preços-teto baixos afugentam investidores é a redução de até 47% no

número de empreendedores tecnicamente qualificados para participar dos leilões depois

que a EPE divulga o preço máximo.

Mesmo assim, o Governo tem sido bem sucedido em diversos leilões. O

preço da energia negociada caiu fortemente, de cerca de R$ 150,00 para uns R$

80,00/MWh, entre 2004 e 2010, segundo Rego (2012). Em 2012, os preços subiram

para cerca de R$ 100,00/MWh, bem abaixo, portanto, dos valores observados no início

da década passada.

A redução observada nos primeiros anos pode estar relacionada a um

processo de aprendizagem – afinal, eram os primeiros leilões de energia sob o novo

regime – e porque houve maior participação do setor privado, que permitiu ganhos de

eficiência. Adicionalmente, a melhora do ambiente macroeconômico observada ao

longo da década de 2000, evidenciada pela redução da taxa Selic, da relação dívida/PIB

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e de melhores perspectivas para o crescimento, certamente contribuiu para a redução do

custo Brasil e do custo do capital. Mas a queda de preços ocorreu também porque

alguns leilões falharam em selecionar os mais eficientes. Houve vencedores com pouca

experiência no setor, que provavelmente, não souberam precificar corretamente o

projeto ou estavam mais dispostos a correr riscos. O caso mais paradigmático nesse

sentido foi a participação do Grupo Bertin, originariamente controlador de frigoríficos,

que chegou a ter em carteira projetos de construção de termelétricas que totalizavam

quase 4.800 MW, cerca de 35% da capacidade de Itaipu, e que consumiriam R$ 7

bilhões em investimentos. Nenhum projeto foi concluído até agora.

A participação do Estado foi essencial para viabilizar os leilões dos três

projetos estruturantes: Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. No caso do leilão de Santo

Antônio, o Governo precisou lutar para promover concorrência, com as empresas do

Grupo Eletrobras concorrendo entre si, participando dos três consórcios, em proporções

societárias que variaram entre 39% e 49%.

Em Jirau, novamente as estatais federais competiram entre si, nos dois

consórcios participantes, em proporções de 39% e 40%. Além disso, houve

renegociação do projeto, com mudança do eixo da barragem. O baixo preço em Jirau

também pode ser justificado por uma avaliação inadequada dos riscos associados ao

projeto ou por uma atitude mais arriscada por parte dos vencedores do leilão. Greves,

atos de vandalismo e atrasos no desembaraço de equipamentos pela Receita Federal

atrasaram o início do fornecimento de energia em mais de seis meses. Também há

retardamento na integração da usina ao sistema, em razão do atraso de mais de um ano

na entrega das respectivas linhas de transmissão. .

Em Belo Monte, a competição no leilão só ocorreu por ação do Governo,

por meio da Eletrobras. Também foi necessário buscar outras formas de compensação

para o preço-teto baixo, como maior apoio do BNDES e desconto no Imposto de Renda.

Outro fator importante que ajudou a viabilizar os baixos preços ofertados

nos leilões dos projetos estruturantes foi a possibilidade de vender 30% da energia nova

para comercialização no mercado livre (ACL). Essa energia seria vendida a um preço

mais alto, fornecendo, assim, uma espécie de “subsídio cruzado” aos preços da energia a

ser vendida ao mercado cativo (ACR). O favorecimento do comprador do mercado

regulado, em detrimento do mercado livre, traz alguns problemas.

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A indústria nacional (principal consumidora do mercado livre) perde

competitividade ao ter de adquirir energia mais cara para “subsidiar” os consumidores

do mercado cativo. Além disso, os atuais participantes do mercado livre, para terem

acesso à energia mais barata, poderão se programar de forma a migrarem para o

mercado regulado, dentro dos prazos legais estabelecidos, à medida que se extinguir o

prazo dos contratos no mercado livre (usualmente entre 3 e 5 anos) . Isso poderá, ex

post, inviabilizar financeiramente os projetos de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte,

uma vez que eles dependem da energia mais cara vendida no mercado livre para se

viabilizarem financeiramente

Para os leilões de linhas de transmissão, a principal mudança observada

nos últimos anos foi a diretriz governamental no sentido de maior participação das

empresas do Grupo Eletrobras. Entre 1999 a 2002, empresas do grupo Eletrobras

arremataram menos de 5% dos lotes leiloados. Entre 2003 e 2013, essa participação

aumentou para 37%.

A maior participação estatal na atividade de transmissão tem impactado

negativamente o setor. O principal problema tem sido o de atraso nas obras das novas

linhas. Segundo levantamento da Aneel, 96 obras de transmissão da Chesf sofreram

atrasos e chegaram a apresentar um atraso médio de 495 dias. Já Furnas chegou a ter,

segundo a Aneel, 39 obras atrasadas, com um atraso médio de até 710 dias, e a

Eletronorte, 49 atrasos em obras, com média de 344 dias de atraso. Esses atrasos

levaram o Poder Concedente a instituir regra para impedir que as empresas

inadimplentes com suas obrigações continuassem arrematando empreendimentos.

No caso das distribuidoras não houve ainda leilões para que se pudesse

avaliar se foram bem sucedidos. Não se sabe ainda como serão as próximas concessões,

se haverá simples renovação dos atuais contratos ou se haverá algum processo

licitatório, com o uso de leilões ou de outro instrumento. Em qualquer caso, as

renovações só deverão ocorrer a partir de 2015. Por outro lado, as distribuidoras estão

submetidas a um maior risco de comportamento oportunista por parte do regulador

durante os chamados Ciclos de Revisão Tarifária Periódica (CRTP). Esses ciclos

ocorrem a cada quatro anos. Atualmente estamos no final do 3º ciclo (3RCTP), e a

Aneel está definindo as regras a vigorar para o 4º ciclo, com início em 2015.

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Do 2º CRTP para o 3º CRTP houve redução na remuneração do capital e

outras alterações nas regras de reajuste anual, o que levou a reduções mais acentuadas

de tarifas, impondo perdas às distribuidoras e consequentes ganhos para os

consumidores no curto prazo.

Em relação às regras de reajuste anual, a principal alteração foi no

cálculo do Fator X. O Fator X é um índice definido durante o processo de revisão

tarifária e que tem por objetivo compartilhar com o consumidor eventuais ganhos de

produtividade das concessionárias durante os reajustes anuais, entre os ciclos de revisão.

Grosso modo, o reajuste anual é dado pela inflação menos o Fator X. Quanto mais alto

for esse fator, maior o repasse de ganhos de produtividade para o consumidor. Do

segundo para o terceiro CRTP, o Fator X aumentou de 1,02% para 1,86%.

Quanto à remuneração do capital, o Weighted Average Cost of Capital

(WACC), taxa que remunera o capital das empresas, vem caindo sucessivamente ao

longo dos ciclos de revisão, passando de 11,26%, no primeiro ciclo, para 9,95%, no

segundo, até atingir 7,5% no terceiro. A questão que se coloca é: em que medida essa

redução no WACC reflete uma redução no custo de oportunidade do capital? E em que

medida a busca por modicidade tarifária está estimulando o regulador a agir de forma

oportunista?

Não se pode deixar de reconhecer que o ambiente macroeconômico

melhorou substancialmente no Brasil entre 2003 e 2011, e, portanto, há espaço para

redução do WACC. Mas também há evidências de que a redução do WACC pode ter

ido além da queda do custo de oportunidade. A rentabilidade das empresas do setor de

energia elétrica incluídas na relação Valor 1.000 caiu mais fortemente do que a média

nos últimos dois anos. Outra evidência importante nesse assunto é a Aneel ter deixado

de considerar o risco cambial e o risco regulatório neste 3º CRTP.

Outro problema que merece reflexão é sobre que base remuneratória

deve incidir o WACC. O WACC definido no mais recente ciclo de revisão é utilizado

para remunerar todo o capital elegível. Cabe discutir se cada ativo não deveria ser

remunerado de acordo com o WACC que vigia no período em que foi adquirido. As

condições de financiamento podem se alterar substancialmente entre uma revisão

tarifária e outra. Ao se remunerar todo o capital pelo WACC mais recente, está-se, na

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prática, exigindo que a empresa renegocie periodicamente todos os seus compromissos

financeiros, o que aumenta os custos de transação e desestimula fortemente a

contratação de financiamentos com juros fixos, o que certamente reduzirá a

probabilidade de a empresa conseguir atingir uma composição ótima em seu

endividamento.

Em 2012, único ano para o qual é possível estimar o impacto da mudança

de metodologia do 2º para o 3º CRTP, as novas regras levaram a reajustes em torno de 5

pontos percentuais mais baixos.

Ainda é uma questão em aberto como a busca da modicidade tarifária irá

afetar a vida futura das empresas e consumidores. É possível que as empresas viessem

gozando de rentabilidade elevada e, agora, em decorrência de pressões do Governo,

estejam obtendo uma remuneração justa. Mas é igualmente possível que a modicidade

tarifária esteja deprimindo os retornos do investimento em um nível que possa

comprometer a sustentabilidade do setor.

Nesse caso, os benefícios de curto prazo, traduzidos na forma de contas

de luz mais baixas, devem ser pesados contra possíveis consequências de longo prazo,

como queda na capacidade de investimento ou deterioração na qualidade do serviço

oferecido, experiência, aliás, já vivida no Brasil, na década de 1980, e que se revelou

um imenso fracasso.

A busca por modicidade tarifária enfrenta um novo desafio, como já

mencionado. Por uma série de motivos, que incluem a não adesão de geradoras aos

termos da MP 579 e leilões fracassados ou não realizados pelo governo federal, as

distribuidoras ficaram sujeitas a cerca de 3.700 MW de exposição involuntária no início

de 2014. Nesse caso, são forçadas a comprar energia no mercado spot, que chegou a

custar oito vezes mais do que o preço que vigia nos contratos anteriores já em janeiro de

2014, em razão da escassez das chuvas em pleno período úmido. Em princípio, o

aumento de custos é suportado pela distribuidora até o reajuste tarifário seguinte,

quando é repassado para as tarifas. Diante da magnitude do montante envolvido – o

aumento de custos está estimado em R$ 20 bilhões – o governo encontra-se diante de

um dilema: mantém as tarifas e fornece algum tipo de ajuda para as distribuidoras, que

não dispõem de caixa para suportar as maiores despesas, mas pressionando as contas

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públicas e gerando distorções no consumo, ou aumenta as tarifas ao consumidor,

pressionando a inflação e enfrentando o ônus político associado.

Por último, há a questão da construção de usinas hidrelétricas com

reservatórios, aproveitamento de uma condição natural rara no mundo. O Brasil é o

terceiro país do mundo em potenciais de geração hidrelétrica. Dispõe de 260 mil MW

de capacidade de geração, dos quais 85 mil MW já foram aproveitados. Estima-se que

mais de 126 mil MW ainda têm viabilidade. Contudo, restrições socioambientais

(interferências em terras indígenas, parques florestais e populações ribeirinhas) podem

reduzir a capacidade aproveitável a cerca de 60 mil MW, a depender de decisões de

Estado.

Em razão desse potencial natural, o sistema brasileiro de geração de

energia elétrica é hidrotérmico. As hidrelétricas, mais baratas e menos poluentes, geram

primeiro. Depois vêm as térmicas convencionais, bem mais caras – as mais baratas, a

carvão, geram a preço maior que o dobro das hidrelétricas –, usadas idealmente para

garantir o abastecimento quando falta água nos reservatórios. As demais fontes (eólica,

por exemplo) não asseguram o abastecimento, dada a sua intermitência, dependente de

fatores naturais.

Também é relevante entender que a hidrelétricas dotadas de reservatórios

podem armazenar água, combustível gratuito e natural para a geração de energia. Elas

oferecem ainda outros benefícios à sociedade como o suprimento de água, o controle de

cheias, a irrigação, a melhoria da navegação, o turismo e a recreação, o que as torna

mais vantajosas também do ponto de vista socioambiental.

Uma “política de fato”, contrária à lei vigente, tem feito com que o Brasil

abdique da construção de usinas com reservatórios, para evitar os problemas

socioambientais. O caso mais gritante é o ocorrido na Bacia do Xingu. O Governo abriu

mão de um potencial de cinco mil MWmédios de energia para evitar a construção de

Belo Monte com reservatório. Estima-se que essa energia seja R$ 13,6 bilhões/ano mais

barata do que se for gerada por térmicas a gás! Além disso, a Resolução CNPE nº 6, de

2008, determina que as demais hidrelétricas da Bacia não sejam mais construídas.

Todas as usinas construídas e a construir representam a ocupação de uma

área de apenas 0,16% do bioma amazônico, o lugar onde mais chove no mundo. Usinas

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com reservatório captam e permitem o uso dessa água. A capacidade de reservação das

nossas usinas, hoje, é suficiente para o abastecimento por apenas cinco meses, e o

Governo estima que será de apenas 3,24 meses em 2022. Seremos cada vez mais

forçados a utilizar usinas térmicas, muito mais caras e poluentes. Devemos fazer essa

opção e jogar fora essa riqueza?

Sintetizando, concluímos que não se deve buscar modicidade tarifária a

qualquer custo, pois os benefícios no curto prazo, traduzidos em tarifas mais baixas, se

revertem em fortes prejuízos no longo prazo, com custos de produção mais elevados e,

possivelmente, expansão da oferta em ritmo inferior à expansão da demanda, limitando

o crescimento potencial do país. Para reduções sustentáveis de tarifas, é necessário,

acima de tudo, criar condições para redução de custos no setor. Para tanto, as seguintes

ações devem ser implementadas: redução dos riscos regulatórios e negociais; estímulo

ao mercado livre; redução da tributação e encargos setoriais; estímulo à construção de

usinas com reservatórios; e maior celeridade no fornecimento do licenciamento

socioambiental.

No que diz respeito a este último quesito, é fundamental aprimorar o

processo de licenciamento ambiental. Duas medidas despontam como essenciais nesse

mister. A primeira se refere à obtenção da LP com antecedência, de modo que os

interessados conheçam as condicionantes dos empreendimentos e possam precificá-las

adequadamente. A outra iniciativa importante, reivindicação, aliás, do Fórum do Meio

Ambiente do Setor Elétrico, é a instituição de um interlocutor único na esfera

governamental com quem os empreendedores possam tratar das questões ambientais,

em vez de terem que lidar com diferentes órgãos de Governo para resolver essas

questões.

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Introdução

Há cada vez mais consenso entre os diversos segmentos da sociedade

brasileira de que a deficiência em infraestrutura é um dos obstáculos para que possamos

alcançar taxas mais altas de crescimento. A imprensa frequentemente noticia nossas

carências nas mais diversas áreas de infraestrutura. Estradas esburacadas, aeroportos e

portos congestionados e apagões que, não raro, atingem mais de um estado são temas

que, rotineiramente, aparecem nas páginas de nossos noticiários.

No caso específico da energia elétrica, o Brasil ainda tem o trauma do

racionamento de 2001. Mesmo assim, decorridos mais de dez anos do episódio, o

problema da oferta insuficiente de energia não parece ter sido devidamente solucionado:

há uma constante preocupação de que a oferta não venha sendo capaz de acompanhar a

expansão da demanda. Em 2012, ano de hidrologia ruim, houve forte temor de que

poderia haver racionamento. Foi necessário acionar todas as usinas termoelétricas e

alguns analistas acreditam que só não houve necessidade de racionamento porque a

economia havia crescido muito pouco naquele ano.

O objetivo deste livro é discutir o que deve ser feito para garantir que o

setor elétrico possa suprir a energia de que o país tanto necessita, a preços condizentes

com as nossas disponibilidades hídricas. Em linhas gerais, veremos que é necessária a

participação ativa do setor privado. Para tanto, deve haver um ambiente de estabilidade

regulatória. Ao órgão regulador incumbe a difícil tarefa de criar mecanismos em que as

tarifas cobradas sejam, ao mesmo tempo, módicas para o consumidor, e capazes de

remunerar adequadamente o capital das empresas.

A despeito de inúmeros avanços ocorridos desde os anos 1990, vimos

observando retrocessos em importantes aspectos: aumento da intervenção estatal, com

desestímulo para a participação privada, e aparente obsessão do governo por redução de

tarifas, mesmo que não acompanhada de redução de custos na mesma proporção. As

consequências são queda de rentabilidade das empresas do setor, o que compromete sua

capacidade futura de investimento; deterioração das contas públicas; e distorção de

preços relativos, estimulando o uso ineficiente da energia.

O livro está organizado em seis capítulos, além desta Introdução. No

Capítulo I discutimos a importância do investimento no setor elétrico para a economia

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brasileira. Mostraremos, inicialmente, a necessidade de se garantir oferta de energia

elétrica barata e em abundância para o desenvolvimento econômico e para o bem estar

social. Em seguida discutiremos como o modelo de crescimento da economia brasileira,

baseado no binômio crescimento do consumo/exportações de commodities, gera baixas

taxas de poupança, o que limita a capacidade de investimento agregada da economia.

Tendo em vista a dificuldade de ampliar o estoque de capital físico, é

necessário direcionar investimentos que ampliem a produtividade da economia. Nesse

contexto, investir em infraestrutura – transportes, eletricidade, comunicações – é

fundamental para se garantir aumento de produtividade. Para o Brasil, destaque-se ainda

o fato de que aumentar a produção de energia elétrica significa aproveitar melhor nossas

vantagens comparativas, tendo em vista o nosso potencial hidroelétrico e a presença de

matérias primas essenciais para o desenvolvimento de indústrias eletrointensivas, como

alumínio, siderurgia, papel e celulose.

No final do capítulo, concluímos que a participação do setor privado é

essencial para o setor elétrico. Isso se deve tanto à baixa poupança pública, que limita a

capacidade de investimento do Estado, quanto à maior eficiência do setor privado.

O Capítulo II faz uma discussão teórica sobre precificação de energia.

Partimos de uma situação hipotética, em que não há assimetria de informações, os

contratos são completos e os mercados são plenamente concorrenciais. Verifica-se,

então, que a regra geral deve ser igualar o preço ao custo marginal. Posteriormente

trabalhamos com hipóteses mais realistas. Quando há assimetrias de informações, nota-

se que leilões podem ajudar a determinar o preço correto, mas que é necessário estar

atento para situações em que leilões possam gerar resultados ineficientes.

Naquele capítulo discute-se também algumas especificidades do setor

elétrico. A primeira refere-se à determinação da tarifa, em um contexto em que a

depreciação do ativo é muito mais lenta do que o prazo para recuperação do

investimento realizado. Por exemplo, na atividade de geração, a maior parte do custo

corresponde ao investimento inicial, sendo a operação e manutenção (O & M) da usina

relativamente barata. Ocorre que o investimento tem de ser amortizado em um prazo

não superior a 30 anos, mas a vida útil da usina é muito maior, ultrapassando cem anos,

fazendo com que os custos caiam abruptamente ao término da amortização dos ativos.

Mostraremos que, no caso mais simples, em que não há aumento no custo marginal de

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longo prazo, a tarifa ótima cobrada ao consumidor equivale ao custo médio de

produção.

O segundo problema refere-se à remuneração de investimentos novos

feitos ao longo do período de concessão. Trata-se de um problema muito comum na

atividade de distribuição, pois a localização espacial da população e da atividade

econômica, que determina onde deve haver suprimento de energia, pode variar ao longo

do contrato de distribuição, sendo impossível de ser prevista quando da assinatura do

contrato.

Tendo em vista que os investimentos novos ocorrem somente após a

distribuidora ter incorrido em elevados custos fixos iniciais (que incluem não somente

os investimentos iniciais, mas todos os gastos necessários para organizar a empresa), há

o risco de ocorrer aquilo que se denomina comportamento oportunista por parte do

órgão regulador. Apesar de o comportamento oportunista permitir ganhos no curto

prazo, como redução de tarifas, pode trazer desastrosas consequências no longo prazo,

pois reduz a capacidade de financiamento do setor elétrico, induz os licitantes a

exigirem maior preço mínimo nos leilões, e reduz a eficiência alocativa, pois o licitante

vencedor pode não ser o mais eficiente, mas o que está mais disposto a correr riscos.

O Capítulo III discorre sobre o marco regulatório do setor elétrico

brasileiro e sua evolução, desde a reforma dos anos 1990. Basicamente, identificamos

três fases: a primeira, que foi a reforma empreendida pelo Governo Fernando Henrique

Cardoso, no sentido de liberalizar o mercado. Em 2003/2004, na esteira do

racionamento e do início do Governo do PT, houve a reforma do Governo Luiz Inácio

Lula da Silva que, em vista do trauma do racionamento, ainda fresco na memória, teve

como objetivos principais assegurar o abastecimento de energia elétrica e reduzir tarifas.

As alterações na legislação e as novas diretrizes de Governo também aumentaram a

participação do Estado no setor, por exemplo, com o retorno da Eletrobras como agente

importante no setor de transmissão.

A terceira fase pode ser caracterizada como um período em que a busca

por modicidade tarifária parece ter-se tornado o principal objetivo da política energética,

já no Governo Dilma Rousseff. O principal marco foi a Medida Provisória nº 579, de

2012 (posteriormente convertida na Lei nº 12.783, de 2013).

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Algumas medidas da MP são tecnicamente corretas: eliminação ou

redução de encargos e subsídios cruzados e fixação da tarifa das geradoras com base nos

custos de O&M, com eliminação da parcela que supostamente serviria para remunerar

os custos com amortização e depreciação. Essa nova regra de tarifação se justifica para

alguns contratos mais antigos, em que as despesas com amortização e depreciação já

haviam sido integralmente recuperadas. Outras medidas são mais criticáveis: decisões

tomadas de forma abrupta, sem o devido tempo para discussão e amadurecimento, prazo

curto para as decisões das empresas, dúvidas sobre o valor a ser indenizado para os

ativos que não foram integralmente depreciados e subsídios para aquisição de energia

das empresas que não optaram pela antecipação das renovações, uma vez que não eram

obrigadas a aceitar as condições para renovação antecipada das concessões propostas

pelo Governo.

Finalizamos o Capítulo III discutindo a iniciativa do Governo de evitar

que o aumento de custos decorrente do despacho de energia térmica seja repassado ao

consumidor. Em 2013, os subsídios governamentais correspondentes custaram quase R$

10 bilhões aos cofres públicos. Trata-se de um subsídio que não tem razão de existir,

exceto por uma política que tenha por objetivo evitar aumento nas tarifas de energia,

mesmo que à custa de desequilíbrios fiscais, de distorção de preços relativos e de

incentivos ao uso excessivo de energia térmica, mais cara e poluente do que a de fonte

hidroelétrica. Contudo, tendo em vista que as tarifas das distribuidoras ao consumidor

final são reajustadas apenas anualmente, alguma solução para esse problema precisa ser

encontrada, uma vez que essas empresas não têm capacidade financeira para bancar

tamanha diferença entre o valor de compra e de venda da energia, quando as térmicas

são despachadas maciçamente.

O objetivo do Capítulo IV é explicar um aparente paradoxo: ao mesmo

tempo em que participantes da indústria de energia reclamam dos preços-teto dos

leilões, que seriam fixados em níveis muito baixos, o que se observa, com bastante

frequência, são leilões que conseguem vender boa parte dos lotes ofertados, e com

deságio.

Como veremos, algumas explicações para esse paradoxo são: i) a

Eletrobras pode ser obrigada por seu controlador – a União – a participar

agressivamente dos leilões; ii) existência de incentivos como financiamento subsidiado

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por parte do BNDES; iii) licitantes com avaliação imprecisa dos custos e riscos ou com

maior predisposição a correr riscos excessivos.

Discutimos também naquele capítulo o problema do comportamento

oportunista por parte do Governo em relação aos contratos de distribuição. A queda na

remuneração do capital regulatório, a forma de mensurá-lo e o maior repasse dos ganhos

de produtividade para as tarifas podem vir a comprometer a viabilidade econômico-

financeira da atividade de distribuição.

Ao longo do livro, vimos que boa parte do esforço governamental para

alcançar modicidade tarifária foi via redução de preços, sem uma equivalente

preocupação com redução de custos. No Capítulo V discutimos a necessidade de o país

aproveitar plenamente o seu potencial hidroelétrico, como forma de efetivamente

reduzir os custos de produção. É necessário abandonar a prática de construir usinas a fio

d’água, que, por não terem reservatórios, geram menos energia e obrigam o uso mais

intenso de energia termoelétrica, mais cara e mais poluente. Esse capítulo discutirá as

consequências dessa política para o custo de energia no longo prazo.

Por fim, o Capítulo VI sumariza os principais resultados e conclui.

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Capítulo I – Macroeconomia e o investimento em energia

Analistas econômicos, empresários, políticos e a população em geral são

quase unânimes em identificar as baixas taxas de investimento, a baixa qualificação da

mão de obra e a infraestrutura deficiente como principais obstáculos para que o Brasil

atinja taxas sustentáveis de crescimento mais altas. Após um período de maior otimismo

nos anos que antecederam a crise financeira internacional, estudos apontam para uma

redução do crescimento do PIB potencial, para taxas anuais abaixo de 4% ou mesmo de

3%1, bastante aquém do que seria necessário para alcançarmos o status de nação

desenvolvida em um espaço de uma ou duas gerações.

Neste capítulo, mostraremos inicialmente a necessidade de se investir em

eletricidade. Posteriormente, discutiremos possíveis fontes de financiamento. Como

veremos, a opção de crescimento adotada pelo Brasil, baseada no binômio

consumo/exportação de commodities, tem como contrapartida a baixa formação de

poupança doméstica. Como não há mobilidade perfeita de capitais, não há oferta

suficiente de capitais externos para financiar o investimento no nível necessário para

garantir taxas de crescimento das economias mais robustas. Mostraremos também que

esse investimento deve ser preferencialmente realizado pelo setor privado. Em primeiro

lugar, pelas considerações usuais de eficiência. Em segundo lugar porque a poupança

pública é baixa.

Eletricidade é um insumo indispensável para o aumento de bem estar da

população e para o crescimento da economia. No caso brasileiro, uma maior oferta de

eletricidade é fundamental para que aproveitemos melhor nossas vantagens

comparativas. O País dispõe do terceiro maior potencial hidroelétrico do mundo, o que

nos permite produzir energia da forma mais barata e limpa possível. Além disso,

dispomos de importantes matérias primas para indústrias eletrointensivas, como as de

alumínio, siderurgia e outras. O uso de energia elétrica também permite aumentar

significativamente a produtividade agrícola por meio da irrigação.

A energia elétrica traz também diversos benefícios, diretos e indiretos,

para a produtividade do trabalho. O maior conforto proporcionado pelo acesso à

1 Vide, por exemplo, Velloso et al (2013) e Barbosa Filho (2011).

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eletricidade certamente contribui para maior produtividade do trabalhador. O uso da

eletricidade na mobilidade urbana, como combustível para trens e metrôs, permite

redução significativa no tempo de locomoção. O uso de aparelhos eletrodomésticos,

como computador e televisão, também trazem óbvios impactos sobre a produtividade do

trabalho.

Atualmente, o acesso à energia elétrica é quase universal no Brasil. Em

2009, 98,3% da população tinha acesso à energia, ante uma média mundial de 74,1%

(Frischstak, 2013), e ficávamos próximos aos países com melhor cobertura, que

atingiam 100%. Já em relação a outros indicadores, sobretudo de qualidade, os

resultados não são tão animadores. A Duração Equivalente de Continuidade (DEC),

indicador que mensura o número de horas com interrupção de energia durante o ano,

vem crescendo desde 2008, passando de uma média em torno de 16,5 horas, entre 2005

e 2008, para um valor próximo a 18,5 horas, entre 2009 e 2012. Nos países com

melhores indicadores, a média é de 0,4 hora. A perda de energia na transmissão e na

distribuição no Brasil é de 17,2%, mais do dobro da média mundial, de 8,4%, e bem

distante dos 3,0% dos países com o melhor indicador (Frischstak, 2013).

Calderón e Servén (2010) construíram um índice de qualidade e

quantidade da infraestrutura ofertada em países latino-americanos. Para o período 2001-

2005, o índice de quantidade brasileiro, 0,93, estava bem abaixo do observado nos

países desenvolvidos (3,96) e no leste asiático (2,36). O índice de qualidade também era

mais baixo (0,856), porém a discrepância era menor (0,936 e 0,943 para os países

desenvolvidos e leste asiático, respectivamente).

Nosso atraso na produção de energia elétrica, como, de resto, na oferta de

infraestrutura em geral, deve-se, em grande parte, à falta de investimentos no setor. Na

década de 1970, o Brasil investiu 5,4% do PIB em infraestrutura, dos quais, 2,1% do

PIB em eletricidade (Frischtak, 2013). Essas proporções foram caindo ao longo do

tempo até chegarmos, na década de 2000, a 2,19% do PIB investido em infraestrutura e

somente 0,67% do PIB investido em eletricidade.

As consequências do baixo investimento em energia para a sociedade

podem ser dramáticas. Em 2001, o Brasil passou por um forte esquema de

racionamento, para evitar apagões descontrolados. Em 2012, o racionamento (ou,

talvez, o colapso) do sistema provavelmente só foi evitado porque a economia cresceu

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pouco no ano. Mesmo com baixo crescimento (de 1,0%), as usinas térmicas tiveram de

ser acionadas a plena carga, o que avançou pelo primeiro semestre de 2013.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2022,

publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e

Energia, o consumo de energia elétrica deverá aumentar 51% entre 2013 e 2022,

passando de 520 TWh para 785,1 TWh. Em valores per capita, o aumento será de 44%,

passando de 2,6 mil KWh para 3,8 mil KWh no período. Para ampliar a oferta, somente

para construção de usinas, serão necessários investimentos da ordem de R$ 200 bilhões.

Investimentos adicionais de R$ 60 bilhões serão necessários para adequar o sistema de

transmissão. Assim, o investimento anual médio deve ser da ordem de R$ 26 bilhões, o

que corresponde a 0,6% do PIB estimado para 2013.

Curiosamente, a projeção da EPE implica a manutenção dos atuais níveis

de investimento como proporção do PIB. Tendo em vista as carências no setor,

podemos interpretar esse montante como um piso para os investimentos, ou seja, o

mínimo necessário para que a expansão da oferta ocorra com qualidade

aproximadamente igual à que temos hoje.

Mesmo que corresponda a um piso para os investimentos em energia, os

R$ 26 bilhões anuais representariam mais da metade dos cerca de 1% do PIB (conforme

Frischtak, 2013) que o Estado investe anualmente em infraestrutura. Como mostraremos

a seguir, é pouco provável que a capacidade de investimento do setor público, incluindo

a Eletrobras, aumente nos próximos anos, especialmente após a MP nº 579, que retirou

da estatal importante fonte de receita.

Uma identidade básica da economia é que poupança é igual ao

investimento. A poupança, por sua vez, compõe-se da soma da poupança doméstica

com a poupança externa. O grande problema do Brasil é que a taxa de poupança

doméstica é muito baixa, da ordem de 16% do PIB, de acordo com o IBGE. Já a taxa de

investimento está em torno de 19% do PIB, indicando a necessidade de poupança

externa da ordem de 3% do PIB. Contabilmente, a poupança externa corresponde ao

déficit em transações correntes. Assim, se quisermos aumentar a taxa de investimento,

digamos, para 25% do PIB, mantendo a atual taxa de poupança doméstica, o déficit em

transações correntes teria de se elevar para 9% do PIB.

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Em tese, não há limites para o déficit em transações correntes. Na prática,

entretanto, observa-se que dificilmente um país emergente consegue manter déficits em

transações correntes acima de 4% do PIB por longos períodos. Déficits prolongados

dessa magnitude funcionam como um sinal de alerta aos investidores internacionais

sobre a nossa capacidade de honrar os compromissos em dólares (ou em outra moeda

forte). Mesmo que os investidores externos se dispusessem a financiar uma parcela tão

grande de nossos investimentos, um saldo em conta corrente fortemente negativo

somente pode ser viabilizado com o real sobreapreciado, o que reduziria

dramaticamente a nossa competitividade. Nesse caso, haveria uma forte pressão

doméstica contra a entrada de tanto capital externo, impedindo a concretização de

déficits tão acentuados em nossa conta corrente.

A solução para aumentarmos nossa capacidade de investir deve passar,

necessariamente, pelo aumento da taxa de poupança doméstica. Se pensarmos em

políticas públicas, o ideal é que haja aumento da poupança do setor público. Em

primeiro lugar, porque a baixa poupança doméstica está mais relacionada com o setor

público, que apresentou taxa negativa de -2,4% do PIB na média entre 2000 e o segundo

trimestre de 2013, ao passo que a taxa média de poupança do setor privado foi de 18,7%

do PIB no mesmo período (Rocca e Santos Junior, 2013). Em segundo lugar, porque é

mais fácil desenvolver políticas públicas destinadas a aumentar a poupança do setor

público do que a do setor privado. Velloso et al (2013) mostram que uma racionalização

de gastos correntes podem permitir uma economia de até 14% do PIB.

Entretanto, cortar gastos correntes pode trazer fortes prejuízos políticos,

pois levaria ao descontentamento de parcela do funcionalismo público e de aposentados

ou dos beneficiários de programas sociais. Seja por uma questão ideológica, seja por um

frio cálculo político, não parece haver interesse por parte dos gestores públicos em

ampliar a poupança por esse meio. Tampouco é viável aumentar a poupança pública via

aumento da tributação. A carga tributária brasileira, de 36% do PIB em 2012, já é

elevadíssima, muito acima de países com renda per capita similar à nossa.

Além de desestimular ainda mais o crescimento da economia, ao reduzir

a rentabilidade do setor privado, um aumento da tributação teria o impacto de reduzir

ainda mais a já baixa poupança doméstica. Afinal, maior tributação implica aumento da

participação do setor público e consequente redução da participação do setor privado na

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economia. Como o setor público poupa menos do que o setor privado, a taxa de

poupança agregada cairia.

Se a expansão do setor elétrico tiver de ser feita com financiamento

governamental, uma terceira possibilidade seria via aumento do endividamento. Aqui

também as possibilidades são limitadas. Em que pese a forte queda da relação dívida

líquida/PIB observada nos últimos anos, o endividamento bruto tem aumentado

fortemente, passando de 60,0% do PIB, em dezembro de 2006, para 65,8% do PIB, em

agosto de 2013, em razão, sobretudo, dos empréstimos do Tesouro para o BNDES e do

aumento das reservas internacionais2. Além de pressionar a taxa de juros, o aumento do

endividamento público, tal como ocorre com aumento dos tributos, reduz a capacidade

de investimento do setor privado, que é obrigado a transferir recursos para o setor

público.

Outra possibilidade de financiamento dos investimentos em energia

elétrica seria diretamente pela estatal Eletrobras, que, desde 2010, não integra mais o

setor público consolidado, para fins de contabilidade. Ocorre que a Eletrobras também

está com problemas de caixa. Conforme discutiremos no Capítulo III, a Medida

Provisória nº 579, de 2012, reduziu as perspectivas de receitas da empresa, ao impor

novas regras tarifárias para as geradoras. Em 2012 a empresa teve prejuízo de quase R$

7 bilhões e, até o 3º trimestre de 2013, o prejuízo acumulado no ano atingia R$ 800

milhões.

Um forte indicador da fragilidade do grupo Eletrobras é a sua

incapacidade de concretizar os diversos compromissos assumidos na construção de

linhas de transmissão. Esse tema será discutido com maior profundidade no Capítulo

IV, mas cabe aqui ressaltar que as subsidiárias da empresa, em especial a Chesf, não

vêm conseguindo cumprir os cronogramas no prazo contratual por falta de caixa. Os

atrasos na entrega de linhas de transmissão chegaram a tal ponto que a Aneel proibiu a

empresa, junto com Furnas e Eletronorte, ambas subsidiárias da Eletrobras, de participar

de novas licitações. Destaque-se que tais atrasos geram desperdício de energia porque as

usinas ficam prontas, mas não têm como fazer com que a energia gerada chegue ao

consumidor final. Isso também encarece a conta de luz, pois os consumidores acabam

2 Conforme Pellegrini (2013)

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sendo obrigados a pagar pela energia não gerada, uma vez que o empreendedor

construiu a geradora dentro do prazo estabelecido e tem direito à sua remuneração.

Vimos, portanto, que o setor público, incluindo a estatal Eletrobras,

possui capacidade muito limitada de financiar a expansão do setor elétrico.

Independentemente de preferências políticas ou ideológicas, não há como expandir o

parque energético brasileiro no montante necessário para satisfazer o aumento projetado

de demanda sem contar com o investimento privado. Além de dispor de recursos, o

investimento privado tende a ser mais eficiente do que o do setor público. Abbud e

Montalvão (2003) mostraram forte queda de custos na geração e transmissão a partir de

1995, superior a 50%, quando empresas privadas ingressaram no mercado brasileiro.

É necessário, portanto, que o Governo e o órgão regulador criem um

ambiente favorável para atração do capital privado ao setor elétrico. Para o investidor, é

irrelevante se irá aplicar seus recursos em eletricidade, estradas, automóveis ou em

artigos de higiene pessoal, aqui ou no exterior. O que importa é obter uma boa relação

risco/retorno. Infelizmente, no Brasil, a taxa de poupança é baixa, o que significa

escassez de oferta de fundos e, consequentemente, maior poder de barganha de quem

possui capital. O Governo precisa ter consciência dessa limitação de nossa economia e

se convencer de que, para atrair investidores para o setor de energia, deverá oferecer um

retorno compatível com a escassez de capital e risco assumido. No próximo capítulo

discutiremos como Governo e regulador devem atuar de forma a, simultaneamente,

conseguir atrair capital para o setor e, na medida do possível, assegurar modicidade

tarifária e expansão com qualidade da oferta de energia.

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Capítulo II – Considerações teóricas

II.1 – Introdução

Em 2003, com a edição da Medida Provisória (MP) nº 144, inaugurou-se

o que veio a ser conhecido como o novo marco regulatório do setor energético no País.

Os objetivos do novo marco regulatório, explicitamente citados na Exposição de

Motivos da referida MP foram: modicidade tarifária; continuidade e qualidade na

prestação de serviços; remuneração justa aos investidores; e universalização do

atendimento. Com ele, a expansão da oferta de energia elétrica foi atrelada às

necessidades de contratação de energia pelas distribuidoras, mecanismo supostamente

suficiente para garantir o abastecimento dos consumidores finais. As distribuidoras

passaram a ter que declarar suas necessidades de compra ao Governo, que conduziu

leilões de energia, inclusive de energia nova, vale dizer, de usinas a serem ainda

construídas.

Dependendo de como se interpretam esses objetivos, eles podem ser

contraditórios entre si. Mais especificamente, o barateamento das tarifas, se levado ao

extremo, pode comprometer a justa remuneração dos investidores e, por consequência,

sua capacidade de investimento. Nesse caso, compromete-se também a capacidade de

oferta energética, a qualidade do serviço e a universalização do atendimento. Dessa

forma, modicidade tarifária deve ser entendida como a menor tarifa compatível com a

justa remuneração dos investidores e, consequentemente, com os demais objetivos da

política energética. Não deve ser confundida, portanto, com o menor preço imaginável!

Neste Capítulo se discutirá que princípios básicos devem ser observados

para determinar a tarifa de energia. A tarifa “ótima” deve ser vista sob uma perspectiva

estática e dinâmica. Sob a perspectiva estática, a tarifa deve ser tal que remunere o

investidor de acordo com o custo de oportunidade de seu capital. Sob a perspectiva

dinâmica, a tarifa deve ser estabelecida de forma a incentivar o investidor a adotar

técnicas que incorporem ganhos de produtividade, de forma a garantir modicidade

tarifária no longo prazo.

Mostraremos, na próxima seção, que a estrutura do mercado de energia

requer regulação nos preços, isso porque há características técnicas e institucionais que

inibem a competição no setor. No Brasil, fatores institucionais, como a forte presença de

mercados cativos de consumidores e o subsídio a fontes alternativas, tornam ainda mais

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necessária a regulação. Com um mercado não competitivo, a ausência de regulação

pode levar a preços acima do socialmente ótimo e a uma produção ineficientemente

baixa.

Entendida a necessidade de regulação, a seção seguinte irá discutir a

precificação em um modelo básico, no qual adotamos as hipóteses de perfeita simetria

de informações e de ausência de comportamento oportunista por parte de regulados ou

reguladores. Perfeita simetria de informações significa que regulados e reguladores

dispõem do mesmo conjunto de informações, em especial os referentes a custos e

tecnologias. Dessa forma, todos no mercado conhecem o real custo de implantação,

operação e manutenção de uma planta. O termo comportamento oportunista refere-se a

ações que regulados ou o regulador podem tomar, durante o período de concessão (e,

consequentemente, após a assinatura dos contratos), no sentido de forçar alterações

contratuais que lhes sejam favoráveis.

A análise terá de levar em consideração três importantes características

do setor elétrico:

i) O descasamento entre o período de concessão e a duração real do

ativo. Principalmente no caso da geração, o prazo de concessão da usina, usualmente de

até 30 anos, é bastante inferior à duração efetiva do ativo. Uma vez construídas, usinas

são capazes de gerar energia por cerca de cem anos, com custo de manutenção

relativamente baixo. Mas a recuperação do investimento tem de ser feita ao longo do

contrato de concessão, o que gera forte descontinuidade na tarifa;

ii) A necessidade de inversões ao longo do contrato. Principalmente

para a atividade de distribuição, é impossível determinar, na assinatura do contrato,

onde, quando e qual o montante dos novos investimentos a serem realizados. As regras

devem ser tais que garantam que esses investimentos sejam efetivamente realizados e

incorporem as técnicas mais produtivas;

iii) Participação da Eletrobras. Apesar de ser uma empresa de capital

aberto, com mais de 80% das ações preferenciais em poder do setor privado, a

Eletrobras é uma empresa estatal e, portanto, suas decisões podem ser influenciadas por

decisões de seu controlador principal, a União. Isso possibilita que a empresa

desenvolva projetos pouco rentáveis, distorcendo os preços relativos do setor

energético.

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O modelo básico, estudado na Seção II.3, servirá como referência para a

Seção II.4, que analisará a precificação ótima quando há assimetria de informações e

possibilidade de comportamento oportunista por parte dos agentes. Como veremos, é

recomendável impor regras aos leilões para permitir a obtenção do preço justo e, ao

mesmo tempo, evitar comportamento oportunista por parte dos regulados. Também

veremos que é necessário impor cláusulas contratuais que deem maior segurança às

empresas do setor, como forma de desestimular comportamento oportunista por parte do

regulador.

Por fim, a Seção II.5 apresenta sugestões para se obter modicidade

tarifária sem interferir diretamente no mecanismo de formação de preços. É necessário

aprimorar o marco regulatório, dando maior segurança e previsibilidade ao investidor.

Também entendemos ser necessário rediscutir a carga tributária sobre o setor de

energia, que, a despeito de sua essencialidade e importância como insumo produtivo e

bem de consumo, é fortemente tributado. Outro caminho para reduzir os custos do setor

é racionalizar o procedimento de obtenção de licenças socioambientais. Por fim, é

necessário que o País rediscuta qual a matriz energética que deseja. Apesar do imenso

potencial hidroelétrico do Brasil, vimos desperdiçando esse potencial com a construção

de usinas a fio d’água. Esse desperdício traz como consequência a necessidade de

aumentarmos a participação de outras fontes, mais caras e mais poluentes, em nossa

matriz energética.

II.2 – Necessidade de regulação no setor energético

A teoria econômica diz que, em um mercado competitivo e sem outras

restrições3, o preço de um bem ou serviço irá refletir seu custo social e garantirá a

alocação eficiente dos recursos. No setor energético há importantes barreiras à

competição, que fazem com que o preço que decorreria da simples interação entre oferta

e demanda não reflita o custo social e seja, portanto, ineficiente.

As fontes da falta de competição no setor são tanto de natureza

tecnológica, quanto de caráter institucional. Do ponto de vista tecnológico, as linhas de

transmissão e de distribuição formam aquilo que se denomina monopólio natural. Não

3 As outras restrições incluem, entre outras, presença de externalidades, mercado de crédito imperfeito, informação incompleta e assimétrica.

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faz sentido haver multiplicidade de linhas de transmissão4 ou de postes, pois isso

representaria uso desnecessário de engenheiros, aço, cabos, madeira e demais insumos,

reduzindo a produtividade da economia.

Por isso é necessário estabelecer um sistema que limite a construção das

linhas de transmissão e distribuição e que haja um poder concedente capaz de exigir,

como contrapartida ao direito de exploração das linhas, o livre acesso ao sistema e a

obrigação de manutenção de um padrão mínimo de qualidade no serviço prestado a um

preço acordado.

Além de fatores tecnológicos, há também fatores institucionais que

geram necessidade de regulação. No Brasil, por exemplo, o consumidor final de

pequena carga faz parte de um mercado cativo. Mais especificamente, todos os

consumidores com carga inferior a 500 kW (o que inclui todos os consumidores

residenciais) são obrigados a contratar energia da distribuidora local5. Essa restrição

não decorre de limitações tecnológicas, mas de opção do Governo6. Basta ver que em

praticamente todos os países da União Europeia, o consumidor final, de qualquer

tamanho, é livre para escolher seu fornecedor de energia. Outro exemplo de fator

institucional são as políticas públicas voltadas para incentivar determinadas fontes de

energia que não são competitivas frente à geração convencional, baseada na

hidroeletricidade.

Por ora, sem entrar no mérito das vantagens ou desvantagens da maior

liberalização do setor, o fato é que, no desenho atual, com a figura do consumidor

cativo, a liberação total de preços no setor poderia provocar forte aumento de tarifas ao

consumidor final, pois ele não tem a opção de deixar de comprar de sua distribuidora e

passar a comprar de outra. Tampouco é viável para o consumidor deixar de consumir

energia ou reduzir substancialmente seu consumo em decorrência de um aumento de

preços. Tecnicamente, diz-se que a demanda por energia elétrica é pouco elástica ao

preço. Na prática, isso significa que, no modelo atual, o poder de barganha do

consumidor final é baixo e, portanto, é necessário que haja algum tipo de regulação para

evitar cobrança de preços abusivos. A possibilidade de preços abusivos desapareceria se 4Pode ser recomendável construir mais de uma linha de transmissão por motivos de segurança. Por exemplo, a energia de Itaipu é transmitida por cinco linhas. O problema é que quanto maior é a segurança, maior é o custo do sistema.5 Entre 500 kW e 3.000 kW, o consumidor somente terá liberdade de escolher seu fornecedor se adquirir energia de fonte incentivada. Somente consumidores com carga igual ou superior a 3.000 kW têm total liberdade de escolher a fonte e o fornecedor. 6 Uma análise dos problemas decorrentes da não expansão do mercado livre será feita na Seção II.5.5.

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fosse criado um ambiente competitivo, em que o consumidor pudesse escolher

livremente seu fornecedor de energia elétrica.

Outro aspecto institucional importante é que a Constituição Federal

estabeleceu que a União é proprietária do potencial hídrico (art. 20, VIII). Por ser bem

da União, é necessário estabelecer regras para que o setor privado utilize esse potencial.

Adicionalmente, existe o problema de externalidades no aproveitamento

de potenciais hídricos. Externalidades correspondem a ações não precificadas de um

agente econômico que afetam outro(s) agente(s), positiva ou negativamente. No caso de

construção de usinas, por exemplo, a construção de uma barragem a montante altera o

volume e a regularidade do fluxo de água (e, consequentemente, de energia) disponível

para as usinas a jusante. Além disso, a operação otimizada de uma usina não

necessariamente é a mesma da operação otimizada de todo o sistema. Para lidar com

esse problema, foi criado o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), que permite

que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) opere o Sistema Interligado

Nacional (SIN) de forma centralizada, otimizando a operação do sistema como um todo.

Assim como no caso do mercado cativo, a instituição do MRE7 é uma

opção do poder concedente. Alquéres (2012) propõe que, em vez de usinas, sejam

leiloados os potenciais hidráulicos de uma bacia, de forma que a questão das

externalidades seja tratada diretamente pelo outorgado, sem necessidade de regulação

por parte do Estado.

O objetivo desta seção não é discutir se a atual estrutura de mercado é a

mais adequada ou não, mas mostrar que, diante dessa estrutura, é necessário haver

algum tipo de regulação, tanto para definir regras de outorga e padrões mínimos de

qualidade, como para definir preços. O problema surge na implantação dessas regras.

Conforme discutiremos nas Seções II.3 e II.4, o estabelecimento de preços incorretos

pode causar sérios prejuízos para o setor e, consequentemente, para a garantia de

suprimento energético e para modicidade tarifária no longo prazo.

Antes de passarmos para a próxima seção, é importante esclarecer que a

essencialidade da energia e eventuais (e legítimos) objetivos de universalização do

acesso não constituem, per se, motivo para regulação do setor. Se o Governo entende

7 Estamos nos referindo aqui somente ao problema da externalidade decorrente de haver várias usinas em uma mesma bacia. O MRE também enseja o compartilhamento dos riscos hidrológicos em nível nacional, permitindo otimizar o despacho conforme as estações seca e chuvosa de cada região do País.

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ser necessário garantir o acesso à energia ou maior modicidade tarifária, pode atingir

esse objetivo via um sistema de subsídios sem precisar intervir diretamente no setor. Na

Seção II.3.1.a voltaremos a discutir esse tema.

II.3 – Precificação da energia no modelo básico

Esta seção discute a precificação ótima de energia supondo mercado

plenamente concorrencial, sem assimetria de informações e sem oportunidade de

comportamento oportunista por parte dos regulados ou do regulador. A partir dessas

hipóteses, que estamos denominando modelo básico, podemos compreender os aspectos

fundamentais da precificação no mercado de energia e em que medida a assimetria de

informações e a possibilidade de comportamento oportunista podem alterar os

resultados.

Inicialmente analisaremos o preço que deve ser fixado no início do

contrato. Na Subseção seguinte, trataremos da definição de preços ao longo do contrato,

por ocasião das revisões contratuais. Ao final dessa seção discutiremos algumas

idiossincrasias da indústria de energia elétrica, como a longa durabilidade das usinas em

comparação com o prazo de concessão e a impossibilidade de se fazer um contrato

prevendo todas as possibilidades, principalmente no caso das distribuidoras.

II.3.1 – Precificação no início do contrato

A teoria econômica nos ensina que a alocação ótima dos recursos, tanto

na produção como no consumo, ocorre quando o preço se iguala ao custo marginal. O

custo de um bem corresponde à remuneração dos fatores de produção – trabalho,

capital, terra, recursos minerais, etc – que foram utilizados em sua produção. O adjetivo

marginal refere-se ao custo da última unidade produzida.

No caso da geração, o custo marginal corresponde ao custo do MWh

associado à usina de maior custo necessária para o atendimento da demanda. Portanto,

esse custo marginal varia ao longo do tempo, pois dependendo da demanda e da

hidrologia, pode ser necessário despachar mais ou menos usinas térmicas.

Normalmente, são ativadas, em primeiro lugar, as usinas mais baratas, e, à medida da

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necessidade, são ativadas as usinas mais caras8. Entretanto, pode haver custos de

transação muito elevados para fazer com que a tarifa reflita, em tempo real, o custo

marginal do setor. Nesse caso, pode ser justificável cobrar um preço que reflita, na

média (digamos, ao longo do mês ou do ano), o custo marginal de produção da energia.

Na Subseção II.3.1.b discutiremos esse ponto em maior profundidade.

No setor elétrico há grande heterogeneidade de custos, em razão da

diversidade de fontes de geração: há usinas hidroelétricas velhas (onde o investimento

já foi depreciado) e novas; usinas de grande e de pequeno porte, que utilizam diferentes

fontes, como o vento, gás natural, óleo diesel, óleo combustível, resíduos sólidos, etc.

Os custos por MWh variam de R$ 84,58 para hidroelétricas de grande porte, passando

por R$ 124,43 para eólicas e por R$ 166,39 para térmicas nucleares, até atingir R$

956,70 para térmicas a óleo diesel.

Com base nessa heterogeneidade de custos, há quem defenda a tese de

que a cobrança deveria ser feita pelo custo médio, e não pelo custo marginal9. Em

primeiro lugar, isso garantiria tarifas mais baratas, pois, sendo o custo marginal

crescente,10 o custo médio será necessariamente menor do que o custo da geradora

menos eficiente. Adicionalmente, quando o preço iguala o custo marginal, as empresas

mais eficientes auferem um lucro extraordinário, correspondente à diferença entre o

preço e seu custo de produção. Quando a tarifa é estabelecida com base no custo médio,

e havendo uma câmara de liquidação que garanta que cada produtor receberá

exatamente de acordo com seu custo11, todo potencial lucro excedente será transferido

para os consumidores.

Os argumentos acima, entretanto, são falaciosos. Se raciocinarmos

dinamicamente, o lucro extraordinário permite capitalizar as empresas e aumentar a

8 Há, no entanto, regra que permite ao Estado despachar usinas fora da ordem de mérito econômico, de forma a garantir a segurança do abastecimento (Resolução nº 8, de 2007, do Conselho Nacional de Política Energética).9 Na Subseção II.3.3 mostraremos que há justificativa para utilizar o custo médio, em vez do marginal, em decorrência da discrepância entre a vida real do ativo e seu prazo contábil de depreciação. Mas esse é um problema distinto do que discutimos aqui, que é o custo marginal crescente.10 No curto prazo, algumas atividades do processo de produção de energia, como as linhas de transmissão e distribuição, apresentam custo marginal decrescente. Nesse caso, o custo médio é maior do que o custo marginal. No longo prazo, entretanto, podemos supor que o custo marginal é sempre crescente ou, pelo menos, não decrescente. À medida que as usinas geradoras passam a ser construídas em locais mais distantes, ou que as cidades (ou a atividade econômica, de forma geral) se expandem na direção das periferias, os custos marginais de transmissão e distribuição aumentam.11 O sistema atual comporta-se aproximadamente dessa forma. O consumidor paga a tarifa para a distribuidora que, por sua vez, remunera as transmissoras e geradoras de acordo com os respectivos custos de produção.

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oferta de energia no longo prazo. Além disso, é um poderoso incentivo para as empresas

investirem mais em aumento de produtividade, permitindo redução de custos – e,

consequentemente, de tarifas – no longo prazo. Discutiremos mais esse tema na

Subseção II.4.312.

Em relação aos supostos benefícios de uma tarifa menor decorrente da

cobrança pelo custo médio, eles não existem quando analisamos o problema sob uma

perspectiva de equilíbrio geral. Sinteticamente, estabelecer uma tarifa abaixo do custo

marginal gera distorções na economia, que leva a preços mais altos para os demais bens.

No caso da energia elétrica, a distorção se traduz em acionamento excessivo de usinas

térmicas, mais caras. Se a tarifa fosse mais alta (igual ao custo marginal), a demanda

seria menor e, consequentemente, haveria menor necessidade de acionar usinas mais

caras. Ao acionar tais usinas, a sociedade está utilizando fatores de produção

(engenheiros, óleo combustível ou gás, demais insumos necessários para construir a

usina) que seriam mais eficientemente empregados em outras atividades.

Um exemplo ajuda a compreender o ponto. Suponhamos haver dez

usinas, cada uma produzindo uma unidade de energia com custo crescente: a energia

produzida na primeira usina custa $ 1, na segunda usina, $ 2, e assim sucessivamente até

chegar à décima usina, que produz ao custo de $ 10. Suponhamos que a demanda por

energia seja tal que, se o preço for $ 1, os consumidores desejarão consumir 9 unidades

de energia; se o preço for $ 2, a demanda será de 8 unidades, e irá decrescendo uma

unidade por real, até que, ao preço de $ 10, a demanda seja nula. É fácil perceber que,

nesse mercado, o equilíbrio se dá com a produção e consumo de 5 unidades, ao custo de

R$ 5. O gráfico a seguir mostra a relação entre oferta e demanda do exemplo. Nesse

caso, a avaliação que a sociedade faz para o consumo de energia (o preço que está

disposta a pagar) iguala-se ao custo marginal (CMg) de produção. Observe-se que,

nesse caso, o custo médio de produção (CMe) é de $3.

12 Alternativamente, pode-se pensar em tributar parte do lucro extraordinário. O resultado final em termos de bem-estar, contudo, dependerá de como o Governo utilizará os recursos arrecadados. Se for para reduzir outros tipos de tributos, pode haver ganho de bem estar social. Se as receitas adicionais forem desperdiçadas, a sociedade estará pior porque não auferirá os benefícios de longo prazo decorrentes do estímulo à produtividade e à maior capitalização do setor.

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0

2

4

6

8

10

12

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Preç

o

Quantidade

Figura III.1: Exemplo de oferta e demanda por energia

Oferta

Demanda

5

3

Na posição inicial de equilíbrio, com a energia despachada a um preço p

= $5, todas as empresas, exceto a última, auferem um lucro extraordinário positivo e

decrescente: o primeiro produtor teria lucro de $4; o segundo, de $3; e assim

sucessivamente. Suponhamos que o regulador não esteja contente com o valor da tarifa,

nem tampouco com o lucro extraordinário dos produtores, e decida estabelecer a tarifa

de acordo com o custo médio (= $3), além de instituir uma câmara de compensação que

fizesse com que cada produtor recebesse exatamente de acordo com seu custo. Assim,

dos $15 arrecadados, o primeiro produtor receberia $1, o segundo, $2, e assim

sucessivamente até o quinto produtor, que receberia $5.

O problema é que, fazendo o preço igual a $3, a demanda aumentaria

para 7 unidades, gerando um desequilíbrio no mercado, tendo em vista que a oferta é de

somente 5 unidades. Pode-se mostrar que, havendo a câmara de compensação, que

remunere cada produtor na exata medida de seu custo, e estabelecendo a tarifa igual ao

custo médio, haveria um novo equilíbrio com preço aproximado de $3,6. Nesse caso, a

demanda total seria de aproximadamente 6,4 unidades. Esse é, aproximadamente, o

modelo seguido pelo setor elétrico brasileiro. Mas, qual é o problema?

Comparativamente à solução que iguala preço ao custo marginal (com cinco unidades

produzidas ao custo de $5), não seria a proposta de igualar preço ao custo médio mais

interessante ao gerar maior produção (6,4 unidades) a uma tarifa mais baixa ($3,6)?

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A resposta à pergunta acima é negativa. Observe-se que o custo da

energia marginal é $ 6,4. Esse custo reflete a remuneração de engenheiros, concreto,

aço, e dos demais insumos de produção. Financeiramente, podemos pensar nos juros do

capital empatado no investimento. Mas a sociedade somente valoriza em $3,4 essa

unidade adicional de energia. Ou seja, a sociedade despende $ 6,4, na margem, para

algo que valoriza somente em $3,4. Se transferíssemos aqueles engenheiros, concreto,

aço, etc. para a produção de outro bem, para o qual a sociedade estivesse disposta a

pagar $6,4, haveria ganho de bem-estar, já que, afinal, as pessoas estão dispostas a

pagar mais por aquilo que, na margem, lhes traz mais satisfação. À medida que

reduzimos a produção, deslocando-a para outras atividades que a sociedade valoriza

mais, a energia torna-se mais escassa e, portanto, passa a ser mais valorizada pela

sociedade. Quando a produção atinge 5 unidades, e o preço de equilíbrio é $5,

chegamos ao ponto mais eficiente, pois o custo da energia marginal corresponde

exatamente à valorização que a sociedade faz da energia.

Se aplicarmos os conceitos acima no mundo real, uma tarifa de energia

abaixo de seu custo marginal estimula o consumo e, para não haver desequilíbrio entre

oferta e demanda, torna-se necessário consumir energia proveniente de usinas

termoelétricas, bem mais caras. No exemplo dado anteriormente, quando a tarifa iguala

o custo médio, a ineficiência se traduz no acionamento de 1,4 usina termoelétrica (o

excesso de 6,4 sobre 5, correspondente à produção ótima). Em termos de utilização de

recursos, o petróleo utilizado para gerar o excesso de energia poderia ser transformado

em asfalto para duplicar rodovias, os engenheiros empregados na construção das usinas

poderiam ser aproveitados em outras obras civis, o capital empregado poderia ser

utilizado para financiar outros setores, como educação, saúde ou outras atividades de

infraestrutura. Ou seja, fixar o preço abaixo do custo marginal leva a um sobreconsumo

de energia e a um aumento de custos de produção.

Pode parecer estranho sugerir que a tarifa ótima, baseada no custo

marginal, é maior do que a tarifa vigente, considerando sermos um país com enorme

potencial hidroelétrico, com baixo consumo per capita de energia e com uma tarifa que

se encontra entre as mais elevadas do planeta13. Ocorre que, apesar de todos esses

fatores competitivos, o custo de produzir energia no Brasil é alto, e tentar reduzir a

tarifa sem redução correspondente nos custos irá magnificar as distorções hoje

13 Vide D’Araujo (2012).

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existentes. Na Seção II.5 discutiremos propostas para reduzir o custo de produção de

energia, o que, a nosso ver, é a melhor forma de garantir modicidade tarifária a médio e

longo prazo.

Quando as forças de mercado estão operando plenamente, os desvios

entre preço e custo marginal são corrigidos automaticamente. Se o preço estiver acima

do custo marginal, algum fator de produção estará recebendo remuneração acima da

média do que recebe no mercado. Se esse fator for o capital, isso implica que a taxa de

lucro naquele setor, devidamente ajustada pelo risco, é maior do que a obtida em outros

setores. Isso atrairá capital, o que fará com que a produção aumente, pressionando os

preços para baixo, até que a igualdade entre preço e custo marginal seja restabelecida.

Simetricamente, se o preço for inferior ao custo marginal, algum fator de

produção estará sendo sub-remunerado. Se esse for o capital, a taxa de lucro (ajustada

pelo risco) daquele setor será inferior à média dos demais setores. O capital tenderá

então a migrar para outras atividades, reduzindo a produção, o que pressiona os preços

até que a igualdade entre preço e custo marginal seja restabelecida.

Em um mercado regulado, entretanto, quem fixa o preço ou impõe

parâmetros14 para sua fixação é o órgão regulador ou o poder concedente. Nesse caso,

corre-se o risco de impor (direta ou indiretamente, via fixação de parâmetros) um preço

diferente do custo marginal, sem haver o mesmo mecanismo de correção que existe no

mercado concorrencial. Em uma situação de escassez de oferta, se o órgão regulador

impuser um preço muito alto, as empresas do setor poderão auferir um lucro

extraordinário, que as estimulará a produzir mais. Nesse caso, o órgão regulador teria

precificado a energia corretamente, pois o desequilíbrio inicial do mercado (o excesso

de demanda) tenderia a desaparecer mediante aumento da oferta, já que as empresas

estarão desejando investir mais. Contudo, não se pode esquecer que, para viabilizar o

aumento da oferta, será necessário que o Estado licite novos projetos e que mantenha

um ambiente regulatório tal que estimule os investidores privados a aplicar recursos no

setor. Já se houver excesso de oferta e o órgão regulador impuser um preço muito alto,

os desequilíbrios tendem a se acentuar. As empresas do setor, com o lucro

extraordinário, estarão dispostas a investir mais, o que só aumentará o desequilíbrio

14 Nos processos licitatórios do setor de energia, por exemplo, o Governo não fixa o preço diretamente, mas impõe parâmetros, como o preço-teto no leilão, que limitam o preço final.

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entre oferta e demanda. Uma atenuante, nesse caso, é que o órgão regulador pode tentar

limitar a oferta, deixando de licitar novos projetos.

A situação mais grave (e, conforme discutiremos no Capítulo IV, mais

provável) ocorre quando o órgão regulador impõe uma tarifa muito baixa e há excesso

de demanda por energia. Nesse caso, há uma tendência ao aprofundamento dos

desequilíbrios. A tarifa baixa incentiva o consumo e desestimula o investimento. Isso

faz com que, no médio prazo, a discrepância entre oferta e demanda se acentue. Nesse

caso, mesmo se o órgão regulador licitar novos projetos, não haverá investidores

interessados em realizá-los15.

II.3.1.a Exceções à regra básica de precificação – externalidades e equidade

A literatura16 prevê situações em que devem ser concedidos subsídios ao

consumidor final. Os subsídios ocorrem sempre que a tarifa for inferior ao custo

marginal. Os casos mais comuns são quando houver externalidades ou para garantir

padrões mínimos de bem estar.

Externalidades são ações não precificadas que afetam terceiros não

diretamente envolvidos na transação. As externalidades podem ser negativas, se os

terceiros são prejudicados, ou positivas, quando são favorecidos. Por serem ações não

precificadas, as externalidades constituem-se em falhas de mercado e, portanto, o

subsídio pode gerar ganhos de eficiência, se corrigir adequadamente a distorção

original. O risco que se corre é o Governo fornecer subsídios excessivos, de forma a

mais do que compensar as distorções decorrentes da externalidade. Observe-se também

que para conceder subsídios é necessário tributar. Como os tributos usualmente geram

outras distorções na economia, é necessário ter muita cautela ao analisar a relação custo-

benefício de um subsídio.

Argumentos de externalidade podem ser utilizados para justificar

subsídios em contas de luz de habitantes de regiões isoladas na Região Norte. Como os

habitantes de certas localidades da Região Norte não têm acesso ao Sistema Interligado

Nacional (SIN), por onde flui a energia mais barata, das usinas hidroelétricas, eles têm

15 No Capítulo IV mostraremos que o Governo tem sido aparentemente bem sucedido em encontrar investidores dispostos a construir novos projetos de geração, apesar de reclamações generalizadas de que o preço-teto dos leilões é inviável. Conforme argumentaremos, o sucesso dos leilões pode ser somente aparente; há um forte risco de estarmos comprometendo nossa oferta de energia no médio e longo prazos.16 Para uma compreensão geral de falhas de mercado, ver Stiglitz (1999).

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de consumir energia de térmicas a óleo, caríssimas, nos chamados sistemas isolados.

Ademais, a baixa densidade populacional da região torna mais caros e menos lucrativos

os serviços de distribuição, o que também encarece as tarifas. Por ser uma região

naturalmente mais inóspita, distante dos grandes centros, com enorme fronteira e

igualmente enorme potencial de recursos naturais, os moradores do Norte contribuem

para a segurança nacional, ao garantir a ocupação da área. Assim, os habitantes das

localidades isoladas da Região Norte impactam positivamente a vida de todos os

brasileiros, o que justificaria os subsídios que recebem para morar ali. Ademais, as

tarifas seriam inviáveis para eles se não houvesse subsídio.

Outro exemplo de externalidade positiva pode vir da indústria ou de

algum ramo de atividade. Se a indústria contribuir para a difusão da produtividade na

economia, por meio do que se denomina “efeito transbordamento”, pode ser justificável

oferecer tarifas mais baratas para aumentar sua competitividade.

Argumentos de externalidade também podem ser utilizados para

justificar programas de universalização de acesso. O resfriamento e congelamento de

alimentos, por exemplo, permite melhorar a saúde da população, reduzindo a

necessidade de gastos públicos para curar doenças. O acesso a telejornais e programas

educativos permite aumentar a produtividade do trabalhador. A iluminação noturna

aumenta a segurança pública.

Mesmo na ausência de externalidades ou da necessidade de correção de

qualquer falha de mercado, o ganho de bem estar proporcionado pelo acesso à energia

pode ser uma justificativa para o Governo oferecer subsídios na forma de tarifas mais

baixas para a população de baixa renda. Trata-se, aqui, de um argumento de equidade.

Nesse caso, a tarifa mais baixa (abaixo do custo marginal) gera necessariamente

ineficiência alocativa. Entretanto, mesmo que o número de beneficiados por tal política

seja significativo, o consumo total desse grupo, como proporção da produção total, pode

ser pequeno o suficiente para que as distorções geradas sejam somente de segunda

ordem. O que se deve evitar a qualquer custo são subsídios generalizados, que

beneficiam uma parcela razoavelmente grande dos consumidores, pois, nesse caso, as

distorções alocativas passam a ser significativas.

O maior acesso à energia pode ser obtido também por meio de políticas

que geram menos distorções. Por exemplo, uma política baseada em transferência direta

de renda para as famílias garante maior eficiência alocativa, pois a tarifa continuaria

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sendo igualada ao custo marginal. Não haveria, dessa forma, estímulo a um excesso de

consumo. Entretanto, essa política incorre no risco de as famílias utilizarem a renda

extra para o consumo de outros bens, que não energia.

Resumidamente, há argumentos de equidade ou eficiência que podem ser

invocados para justificar o uso de tarifas mais baixas para determinados grupos

populacionais ou setores da economia. O problema é quem deve pagar por esses

subsídios. Há três candidatos a financiá-los: Governo, consumidores não subsidiados ou

empresas do setor.

A pior das opções (embora seja a mais fácil politicamente) é transferir

para as empresas do setor o custo decorrente dos subsídios. Um exemplo recente nesse

sentido foi a Resolução CNPE nº 3, de 2013, que tentou obrigar geradoras e

comercializadoras a arcar com 50% do custo decorrente do despacho de usinas térmicas

para garantir o abastecimento (na Subseção III.4.2 discutiremos mais detalhadamente as

repercussões dessa Resolução). Obrigar as empresas do setor a arcar com os subsídios

representa, em verdade, uma tributação, em que elas ficam impedidas de repassar o

respectivo aumento de custos para as tarifas (do contrário, quem estaria, de fato,

arcando com os subsídios seriam os consumidores finais).

No mercado regulado, geradoras, transmissoras e distribuidoras definem

preços em leilão (ou por outro mecanismo) com base em previsão de custos. Se o

mecanismo de outorga for bem desenhado, a concessionária receberá somente a

remuneração justa (aquela dada pelo mercado) por seu capital. Acréscimos de custos

decorrentes de tributação irão gerar desequilíbrio financeiro. Se antes do aumento da

tributação as concessionárias recebiam uma remuneração justa, após a obrigatoriedade

de arcar com os subsídios, as empresas do setor energético passarão a ter retornos

inferiores à média do mercado. Isso reduzirá o caixa das empresas atuantes no setor,

bem como desestimulará a assunção de novos investimentos. O baixo retorno do capital

igualmente tornará menos atrativo o ingresso de novas empresas no setor ou o aporte de

capital, por terceiros, nas empresas já existentes. A consequência será redução na

capacidade e no interesse de investimento no setor de energia, comprometendo a

expansão da oferta energética.

No caso das empresas comercializadoras, que vendem energia no

mercado livre, não há impedimentos legais de repasse de aumento de custos para os

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preços17. Mas a teoria nos ensina que a capacidade de repasse é limitada, de forma que,

somente parte daquele aumento será repassada aos consumidores. Ou seja, as

comercializadoras também observarão redução de lucros, tornando-se menos atraentes

ao capital, comprometendo a oferta de seus serviços no médio e no longo prazos.

Ademais, no mercado livre, a busca por preços baixos de energia é incessante, dada a

sua grande influência nos preços finais dos produtos das empresas que dele participam,

em geral chamadas de eletro-intensivas.

Impor às empresas do setor energético a obrigação de subsidiar

consumidores também suscita outra questão: por que são essas empresas que devem

arcar com os subsídios, e não outras? Por que não siderúrgicas, fábricas de automóveis,

distribuidores de gasolina, operadoras de telefonia, bancos ou salões de beleza?

O grande atributo de um sistema de preços é sinalizar para a sociedade

onde devem ser investidos os recursos da economia. Ao tributar somente um setor, sem

justificativas técnicas para tal, está-se distorcendo artificialmente o sistema de preços, o

que gera graves distorções alocativas. O capital deixa de fluir para aquele setor que está

sendo mais pesadamente tributado – e que apresenta retornos menores – e passa a

privilegiar outros setores de atividade. Ao atrair menos capital, o setor energético perde

musculatura e capacidade de investimento, provocando os mencionados prejuízos para a

oferta no médio e no longo prazos.

Frequentemente o Governo transfere a conta dos subsídios para os

consumidores de energia, por meio de subsídios cruzados. Um exemplo típico de

subsídio cruzado são programas em que consumidores residenciais que consomem mais

(supostamente, de maior renda) subsidiam a conta de energia dos consumidores de

baixa renda. Outro exemplo é a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC, que será

discutida na Subseção III.3.2.b), em que os consumidores do ACR subsidiavam a conta

dos consumidores de energia de sistemas isolados do Sistema Interligado Nacional.

Tal como no caso das empresas, via de regra, não há justificativa

econômica18 para que um consumidor de energia subsidie outro. Podemos aqui

igualmente indagar por que é que quem utiliza o ferro elétrico em São Paulo deve ajudar

17 Em verdade, a liberdade que as comercializadoras possuem é só no momento da negociação de novos contratos. Uma vez assinados, com prazos que usualmente variam de 2 a 5 anos, qualquer aumento de custo impacta diretamente o resultado financeiro da comercializadora.18 O subsídio cruzado pode se justificar em situações específicas, como quando os custos de transação são muito elevados. Ver Freitas (2012).

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a pagar a conta de quem utiliza micro-ondas no interior da Amazônia ou a conta de luz

de uma pessoa pobre? Por que a conta não deve recair sobre quem vai ao cinema, ou

quem compra roupas, ou quem viaja? A discussão que vimos anteriormente sobre as

distorções causadas por alterações artificiais dos preços relativos se aplica, com poucas

modificações, sobre o consumo. O custo artificialmente mais elevado de consumir

energia irá afastar consumidores, que passarão a consumir outros bens e serviços, que,

se não houvesse o aumento da tarifa de energia, não seriam consumidos.

A questão, portanto, não é se deve ou não haver subsídio, mas, se se

chegar à conclusão de que o subsídio se justifica, sobre quem ele deve recair. Parece

mais adequado que a conta recaia sobre o contribuinte, via Orçamento Geral da União

(OGU)19, e não exclusivamente sobre o consumidor ou produtor de energia. É o

Governo e, por consequência, o contribuinte, quem deve arcar com os custos dos

subsídios tarifários, mediante autorização do Congresso Nacional.

Além de ser economicamente mais sensato, retirar os encargos da conta

de energia e transferi-los para o OGU traz o ganho adicional de lhes conferir maior

transparência. Na discussão do Orçamento, a sociedade, por meio do Congresso

Nacional, pode decidir se os recursos (sempre escassos) devem ser utilizados para

subsidiar o consumidor de energia das regiões isoladas, os consumidores de energia de

baixa renda, ou se devem ter outro destino, como educação, saúde, segurança,

previdência e assistência social, pagamento de funcionalismo público etc.

A mesma argumentação apresentada acima pode ser aplicada caso o

Governo decida, por algum motivo qualquer, que a tarifa de energia deva ser mais baixa

para todos, conforme expresso na Medida Provisória nº 579, de 2012 (e que

discutiremos com maior aprofundamento no Capítulo III). A redução tarifária, exceto

quando decorrente de redução de custos, deve ser custeada pelo Governo, e não pelas

empresas do setor ou pelos consumidores.

Uma solução que deveria ser evitada a qualquer custo é tentar transferir a

conta dos subsídios para a Eletrobras. A estatal é atualmente responsável por 35,5% da

geração, 55% da transmissão e por algumas empresas de distribuição no Norte e no

Nordeste do País. Devido à sua elevada participação no mercado, o Governo, seu

19 Para a discussão a respeito de encargos incidentes sobre a energia elétrica e quem deve pagá-los, ver Montalvão (2009).

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controlador, pode optar por utilizar a estatal como instrumento para implantar uma

política de modicidade tarifária.

O uso da estatal para atingir os objetivos de modicidade tarifária não

elimina os problemas decorrentes de os preços serem artificialmente definidos. O que

ocorrerá é que, ao longo do tempo, a estatal acumulará prejuízos ou, na melhor das

hipóteses, sofrerá redução nos lucros. Em ambos os casos, os acionistas privados, diante

dos menores dividendos e perspectivas de lucros, tenderão a se desfazer de suas ações,

reduzindo a capacidade de a empresa investir no aumento da capacidade, transmissão e

distribuição de energia elétrica.

Nos anos 1980, a prática de segurar as tarifas de energia com o objetivo

de controlar a inflação fez com que se formasse um “esqueleto”, só resolvido em 1993,

por meio da Lei nº 8.631, o que custou US$ 26 bilhões ao Tesouro. A atual política de

modicidade tarifária pode ter desfecho semelhante.

No Capítulo III mostraremos que o Tesouro deverá aportar cerca de R$10

bilhões em 2013 para assegurar a redução de tarifas prometida quando da edição da

Medida Provisória nº 579, de 2012. Em relação à Eletrobras, somente no último

trimestre de 2012, o prejuízo da estatal foi de R$ 10,5 bilhões. A persistir essa

tendência, o Governo será forçado a capitalizar a estatal, debitando a conta ao Tesouro.

Dependendo da forma de contabilização, os gastos decorrentes de uma

política de modicidade tarifária podem não sensibilizar o resultado primário do setor

público. Mas não há como evitar que, no futuro, o setor público (incluindo o setor

público financeiro) seja afetado, por exemplo, por meio de aumento da dívida bruta,

redução de receitas de dividendos ou deterioração do resultado do BNDES.

Cabe ainda ressaltar que o uso da Eletrobras para subsidiar tarifas, além

de deteriorar as contas públicas, é ineficiente. Se o objetivo do Governo é despender

recursos para manter tarifas artificialmente baixas, é mais eficiente que o faça dando um

subsídio para todas as empresas do setor, e não somente para a Eletrobras.

Antes de prosseguirmos para a próxima seção, convém fazer um breve

sumário da discussão acima. A teoria econômica recomenda o subsídio de tarifas em

determinadas situações, como no caso de existência de externalidades ou de atenção à

população de menor renda. Contudo, reduções generalizadas de tarifas sem a

correspondente redução de custos são ineficientes, pois distorcem as decisões de

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consumo e produção, podendo, inclusive, comprometer a futura capacidade de expansão

da oferta. Em qualquer caso, quem deve financiar subsídios a tarifas deve ser o Governo

– e não consumidores ou as firmas – e, preferencialmente, via orçamento. O uso da

estatal Eletrobras para viabilizar o subsídio às tarifas pode comprometer a capacidade de

investimento da empresa e tende a deteriorar as contas públicas no médio e no longo

prazo. Se o Governo pretende, de fato, utilizar recursos públicos (orçamentários ou

extraorçamentários) para reduzir tarifas, deveria subsidiar todas as empresas do setor, e

não somente a Eletrobras.

II.3.1.b Exceções à regra básica de precificação – suavização de preços

Como vimos, a regra básica ótima de precificação prevê a igualdade

entre preço e custo marginal. Ocorre que o custo da energia varia ao longo do tempo,

em função, por exemplo, do mix de energia utilizado. Assim, quando aumenta a

proporção de energia de origem térmica no total, aumenta o custo total de geração de

energia.

Entretanto, mesmo com o custo da energia variando ao longo do tempo, a

tarifa paga pelo consumidor se mantém constante por certo período. Observe-se que a

manutenção de preços não é prerrogativa do mercado regulado: também no ACL, o

preço pago pelo consumidor final pode se manter constante ao longo do tempo. Vamos,

entretanto, aprofundar a discussão para o mercado regulado, embora a extensão do

raciocínio para o mercado livre seja imediata.

No Brasil, a tarifa paga pelo consumidor final é usualmente fixada para

períodos de doze meses. Durante o período entre os reajustes, a distribuidora absorve as

flutuações de custo, sendo a diferença entre tarifa e custos20 contabilizada em uma

espécie de conta gráfica. Na época do reajuste tarifário anual, observa-se o valor dessa

conta gráfica: se o resultado for positivo (digamos, porque houve despacho de térmicas,

mais caras, acima do usual), o reajuste será mais elevado, de forma que a distribuidora

possa recuperar os gastos extras em que incorreu durante o ano. Já se o resultado for

negativo (digamos, porque uma apreciação cambial tornou a energia adquirida de Itaipu

mais barata), o reajuste tarifário será menor, de forma a compensar os consumidores

pela tarifa artificialmente mais alta paga no período anterior ao reajuste.20 Estamos nos referindo aqui somente aos chamados custos não gerenciáveis, como é o caso do custo da energia comprada pela distribuidora.

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A discussão sobre suavização de preços está intimamente relacionada

com a periodicidade ótima dos reajustes. Dois fatores são essenciais para definir essa

periodicidade: os custos de transação e as distorções alocativas no consumo.

Quanto mais frequentes forem os reajustes, maiores os custos de

transação. Como o ONS determina, a cada instante, a quantidade de energia que cada

usina irá despachar, e como o custo de produção é diferente para cada usina, na prática,

o custo de energia também irá variar a cada instante. No limite, fazer com que o preço

da energia acompanhe o custo marginal, implica informar ao consumidor, em tempo

real, o custo (marginal) da energia que está sendo gerada. O custo de informação (das

novas tarifas ao consumidor) em tempo real é bastante elevado. Se tomarmos períodos

maiores, de algumas semanas ou meses, o custo de informação deve cair

substancialmente.

O custo de informar o consumidor é somente uma das diferentes

manifestações do custo de transação. Cada vez que observa um novo preço, o

consumidor precisa reotimizar sua cesta de consumo, o que lhe custa, no mínimo,

tempo.

Dessa forma, quanto maior o custo de transação, mais espaçados devem

ser os reajustes. Por outro lado, à medida que o preço pago pelo consumidor se distancia

do custo marginal, geram-se ineficiências alocativas. Assim, se estamos em um ano de

hidrologia ruim e é necessário despachar maior quantidade de energia de fonte térmica,

o custo marginal da energia aumenta. Se o preço não acompanha esse aumento, a

tendência é que o consumidor final continue consumindo a mesma quantidade de

energia, agravando (ou, pelo menos, não amenizando) a escassez que vem sendo

observada. Um aumento na tarifa estimularia uma redução no consumo, reduzindo, em

parte, o excesso de demanda.

Portanto, a periodicidade ótima de reajustes irá depender desses dois

fatores. Quando o custo marginal varia relativamente pouco ao longo do ano, e se os

custos de transação forem relativamente elevados, a periodicidade ótima do reajuste

pode ser, de fato, anual, como ocorre no Brasil e em vários países.

Entretanto, quando a variação no custo marginal é muito alta, como

ocorreu ao longo de 2013, com o acionamento de todo o parque térmico, o mais sensato

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teria sido repassar o aumento de custos para os consumidores, para evitar as distorções

no consumo mencionadas acima. O Governo preferiu, contudo, que o Tesouro

assumisse o aumento de custos, o que será discutido com maior profundidade na Seção

III.4.

A suavização de preços também pode ser vista como uma transferência

de riscos do consumidor para a distribuidora. Afinal, será a distribuidora quem

absorverá, nos períodos entre os reajustes, as variações no custo de aquisição de energia.

Esse desenho traz duas consequências.

A primeira é um aumento médio da tarifa de energia ao consumidor final.

Do ponto de vista econômico, transferir o risco de variação de custos para a

distribuidora implica obrigá-la a oferecer um seguro para o consumidor. Ocorre que

firmas só oferecem seguro se forem devidamente remuneradas para tal. Na prática, isso

se manifestará de forma indireta, com a concessionária somente aceitando atuar no setor

se a tarifa acordada incluir o prêmio de risco.

A segunda é a possibilidade de inviabilizar financeiramente as

distribuidoras no curto prazo. Na Seção V.4 discutiremos um problema recente, de

aumento de custos decorrente da descontratação de energia, que vem obrigando as

distribuidoras a adquirir 3.700 MW no mercado livre, a um custo pelo menos cinco

vezes maior do que o que vinha sendo praticado, e sobre o qual se baseiam as tarifas.

Esse aumento de custos não representa um problema de longo prazo para as

distribuidoras, porque será integralmente repassado, na época do reajuste, diretamente

para o consumidor ou para a administração pública, se esta, de alguma forma, vier a

assumi-lo. Mas, no curto prazo, antes do reajuste seguinte, o aumento de custos pode ser

de tal ordem que gere uma crise de liquidez para as empresas. Sem reajuste imediato de

tarifas ou sem alguma forma de auxílio governamental, a continuidade dos negócios

poderá requerer que as distribuidoras recorram ao mercado financeiro, pagando juros

elevados, aumentando os custos e, consequentemente, encarecendo ainda mais as tarifas

no futuro.

Quando a variação de custos é pequena ao longo do período entre

reajustes, transferir o risco para as distribuidoras pode ser uma estratégia eficiente, se

supusermos que as empresas tendem a ser menos avessas ao risco do que os

consumidores. Se os custos variam pouco, o risco será baixo e, consequentemente, o

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prêmio do seguro também será baixo, de forma que os consumidores finais estariam

dispostos a pagá-lo. Além disso, a responsabilidade pelo risco estimula as distribuidoras

a administrarem melhor suas compras de energia.

Mas se a variação dos custos é alta, como a que vimos observando, a

melhor solução, com base no que discutimos acima, é transferir de imediato tal variação

para as tarifas. Deve-se evitar aportes governamentais que mantenham as tarifas

artificialmente baixas e, principalmente, a dilapidação do caixa das empresas, o que

pode inviabilizar a expansão do setor energético no futuro.

A Resolução Normativa da ANEEL nº 464, de 2011, tentou minorar esse

problema, ao criar mecanismos que transfeririam para o consumidor o sinal de preço de

curto prazo, ainda que parcialmente. São as chamadas bandeiras tarifárias, onde o

consumidor teria um custo adicional na conta de energia caso o preço de curto prazo

estivesse acima de um determinado patamar. Esse mecanismo estava previsto para

entrar em operação em janeiro de 2014, porém foi postergado para 2015, retardando

uma importante mudança na postura do consumidor em função da sinalização de preços.

II.3.2 Precificação ao longo do contrato

Vimos na seção anterior que a regra básica de precificação deve

estabelecer o preço igual ao custo marginal. Com essa regra, o sistema de preços emite

os sinais corretos de escassez para a economia, permitindo alocação mais eficiente dos

recursos. Ali, discutimos a precificação em um contexto estático: qual deve ser o preço

fixado em um contrato de concessão. Mas a economia é dinâmica: ao longo do período

de concessão, novos investimentos precisam ser realizados e há ganhos de

produtividade que permitem redução de custos. Conforme mostraremos nesta seção, em

um contexto de perfeita simetria de informações e ausência de comportamento

oportunista por parte dos agentes, a regra básica de precificação ótima não se altera: o

preço deve continuar sendo igual ao custo marginal. Na Seção II.4 veremos que,

havendo assimetria de informações e havendo perspectivas de ganhos de produtividade,

o melhor que o regulador preocupado com modicidade tarifária deve fazer é fixar o

preço acima do custo marginal vigente no momento da revisão tarifária.

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No caso da atividade de geração, sobretudo no caso de usinas

hidrelétricas, o problema do regulador é relativamente simples. Na geração, a maior

parte do investimento é feita no início do contrato de concessão. Após a construção da

barragem e instalação das turbinas, os principais gastos são com manutenção e operação

dos equipamentos, havendo muito pouco investimento adicional. Por isso, quando uma

geradora assina um contrato de concessão, ela já tem uma ideia bastante razoável do

projeto. Pode haver um ou outro risco de execução do projeto, mas, grosso modo, a

incerteza em termos de engenharia e da natureza do investimento a ser realizado é

relativamente baixa. Nesse caso, quando da assinatura do contrato de concessão, se o

preço é financeiramente viável, provavelmente continuará a sê-lo ao longo de todo o

contrato. Basta estabelecer uma regra mecânica de indexação de preços, para que a

tarifa possa acompanhar a evolução dos custos.

No caso das distribuidoras, o problema é bem mais complexo. Ao

assinar um contrato de concessão, a distribuidora não sabe (nem tampouco o regulador)

quanto, onde e quando ela terá de investir. Isso dependerá da expansão do mercado

consumidor. As cidades podem se expandir em determinada direção e a natureza da

ocupação do solo (se mais residencial, comercial ou industrial, bem como o gabarito)

igualmente varia ao longo do tempo. A tecnologia a ser empregada pode depender do

tipo de consumidor a ser atendido, de forma que o custo dos investimentos futuros é

igualmente incerto.

Por esse motivo, o contrato com a distribuidora é necessariamente

incompleto: não há como detalhar os investimentos a serem feitos (compare-se com o

caso das geradoras, onde se sabe que ela se compromete a construir uma usina com

determinadas características no rio X). Ademais, além de garantir que a demanda seja

atendida, o regulador também deve cuidar para que a expansão da oferta seja feita com

as técnicas mais eficientes possíveis.

Para o caso que estamos analisando, de ausência de assimetria de

informações e de comportamento oportunista por parte dos participantes do mercado, a

solução do problema é simples e é a mesma do caso estático: a quantidade ofertada deve

ser igual à demandada, e o preço deve ser igual ao custo marginal. Vejamos por que.

À medida que o período de concessão avança, a distribuidora e o

regulador passam a conhecer o volume de investimento necessário, onde deve ser

realizado e a tecnologia de menor custo. Quando o regulador fixa o preço igual ao custo

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marginal no nível em que oferta e demanda se equilibram, a distribuidora terá interesse

em concretizar todos os investimentos cujo custo seja igual ou inferior ao custo

marginal e deixará de efetuar aqueles investimentos mais caros. Mas é justamente esse o

objetivo do regulador: que a ampliação da oferta se dê na medida exata para satisfazer a

demanda.

É fácil verificar que a regra, além de garantir o equilíbrio entre oferta e

demanda, estimulará as empresas a adotarem a tecnologia de menor custo. Em qualquer

situação, dado um preço pré-definido, o melhor que uma firma pode fazer é produzir da

forma mais barata possível. Contudo, o incentivo para produzir mais barato torna-se

maior quando se leva em consideração que o preço fixado pelo regulador foi aquele

compatível com a tecnologia mais barata. Dessa forma, qualquer outra tecnologia

adotada pela firma resultará em custo acima do preço e, portanto, em prejuízo. Por isso,

no mundo de perfeita simetria de informações, a distribuidora escolherá a tecnologia de

menor custo.

Um complicador que existe no caso da distribuição21 é a diferente idade

dos investimentos. Os investimentos são feitos ao longo do contrato, de forma que, em

qualquer momento, haverá investimentos relativamente novos, e outros já realizados há

mais tempo. Nesse caso, se a tarifa recebida pelo produtor for igual ao custo marginal,

não haverá equilíbrio econômico-financeiro no caso de uma tendência de queda de

custos ao longo do período de concessão.

Um exemplo ajuda a ilustrar essa questão. Suponhamos que, no início do

contrato de concessão, havia um mercado de 1000 consumidores e, para atendê-los,

tenha sido necessário construir uma subestação que, à época, custava 600 unidades

monetárias (u.m.). A distribuidora faria o investimento e haveria uma amortização anual

de 20 u.m.22, para um contrato de 30 anos. Digamos que, após 10 anos, o mercado

tivesse aumentado em mais 1000 consumidores, exigindo a construção de uma nova

subestação. Mas, em decorrência de inovações tecnológicas, digamos que o custo da

nova subestação fosse de somente 200 u.m. Para os vinte anos restantes até o final da

concessão, isso representaria uma amortização anual de mais 10 u.m. Como precificar

agora a amortização do investimento feito no início do contrato?

21 Na geração e na transmissão também pode haver o mesmo problema, mas em grau bem menor, tendo em vista que são atividades em que a maior parte do investimento é feita no início do contrato de concessão.22 Haveria ainda a incidência de juros, mas estamos desconsiderando para simplificar a análise.

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No ano 10, o investimento de 600 u.m. feitos no primeiro ano já teria

sido amortizado em 1/3. Se o regulador entender que o custo marginal deve ser aplicado

sobre todo o investimento realizado, então consideraria que faltaria amortizar não 400

u.m. (= 2/3 de 600), mas 133,33 (=2/3 de 200). Assim, a amortização anual cairia de 10

para 6,67 u.m. (= 1/20 de 133,33), o que, provavelmente, agradaria muito os

consumidores de energia (e potenciais eleitores), mas imporia forte prejuízo à

distribuidora. Isso porque, das 600 u.m. investidas no primeiro ano, somente 233,33

u.m. seriam recuperadas (100 u.m. nos dez primeiros anos e 133,33 nos vinte anos

restantes).

Nesse exemplo, a distribuidora não pode fazer nada para evitar o

prejuízo, exceto antecipar a futura reação do Governo e, preventivamente, não assinar o

contrato. Afinal, a possibilidade de adquirir a subestação ao preço mais baixo, de 200

u.m., somente surgiu no décimo ano. A distribuidora, ciente de que, havendo ganhos de

produtividade23, incorrerá em prejuízo, não aceitará firmar o contrato, e a energia

elétrica não chegará aos consumidores finais.

Nessa situação um mercado regulado difere bastante de um mercado

livre. No início do século XX, Schumpeter já cunhara o termo “destruição criativa” para

descrever a situação de firmas (ou mesmo de setores inteiros) que desaparecem em

decorrência de novas tecnologias. Ainda assim, firmas continuam a surgir e várias

sobrevivem. Por quê?

O que ocorre, em verdade, é uma loteria. As firmas cobram um preço

acima de seus custos para remunerar o risco em que incorrem. É como uma espécie de

seguro. O prêmio arrecadado (no caso, o diferencial entre o preço cobrado e os custos

efetivos da firma) transforma-se em um ganho extra, caso o investimento mantenha-se

produtivo ao longo de todo o período de amortização. Em caso de avanço tecnológico, o

prêmio arrecadado cobre o prejuízo decorrente da obsolescência do capital.

Em um setor regulado, entretanto, não se pode fazer o mesmo raciocínio.

Mesmo reconhecendo haver leilões, o preço-teto é estabelecido como função dos custos

23 Estamos atribuindo a queda do preço a um termo bastante vago denominado “tecnologia”. O avanço tecnológico não necessariamente implica aumento de produtividade do ponto de vista de engenharia. A subestação pode ter-se tornado mais barata porque o país pode ter se aberto mais ao exterior, reduzido tributações, reduzido os custos de logística etc. Em todos esses casos diz-se que houve ganhos de produtividade.

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efetivamente esperados, havendo pouco espaço para remunerar o risco24. Assim sendo,

como exemplificamos anteriormente, a remuneração dos ativos com base em seu custo

de renovação causará prejuízos para as empresas.

Sendo assim, há duas opções para o regulador: i) estabelecer uma

margem razoável para o risco de obsolescência ao fixar o preço-teto e, nas revisões,

considerar sempre o custo marginal; ii) fixar o preço-teto sem considerar esse risco de

obsolescência, mas garantir ao distribuidor a remuneração de acordo com o custo de

aquisição dos equipamentos.

A segunda opção tem o grande atrativo de reduzir a tarifa média. Isso

porque se a distribuidora tiver de assumir o risco de obsolescência25 irá naturalmente

querer cobrar por isso. Cobrir riscos é uma atividade valorizada pela sociedade. Não é

por outra razão que companhias seguradoras lucram milhões mundo afora. Nesse caso

específico, a diferença entre a distribuidora e uma seguradora seria a forma de cobrar

pela assunção do risco: a seguradora exige o pagamento de um prêmio; a distribuidora

exigiria uma tarifa mais alta.

O raciocínio acima, aplicado ao caso de obsolescência do capital, pode

ser empregado para qualquer situação que implique alterações nos custos das empresas

decorrentes de custos de financiamento e de percepção de riscos. Para os investimentos,

as revisões contratuais deveriam considerar as condições de preço e de financiamento

vigentes na época da aquisição de tais ativos. As novas condições deveriam ser

aplicadas somente para os novos investimentos.

Destaque-se que movimentos nos custos de financiamentos e na

percepção de risco não são unidirecionais. Apesar de a experiência brasileira dos

últimos vinte anos ter sido no sentido de uma tendência de queda de juros e risco, nada

impede que haja uma reversão no futuro, e que as taxas de juros e o risco voltem a subir.

Por isso, uma regra que exclua das revisões contratuais os custos associados aos

investimentos antigos é neutra do ponto de vista da firma. Comparativamente a uma

regra que sempre remunera de acordo com o custo marginal, a distribuidora seria

favorecida quando a situação macroeconômica melhorasse; e seria prejudicada se a

situação macroeconômica se deteriorasse.

24 Em verdade, há vários tipos de risco e alguns são cobertos pelas tarifas, como o risco-País. Mas o risco de obsolescência usualmente não é reconhecido.25 Enfatizando, mais uma vez, que a distribuidora incorre em diversos outros riscos.

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A regra de aplicar a revisão contratual somente sobre os investimentos

novos, ou marginais, pode suscitar críticas de que geraria ineficiência no consumo, pois

a tarifa deixaria de refletir o custo marginal (associado ao período da revisão tarifária) e

passaria a refletir a média dos custos marginais observados nos diferentes períodos entre

revisões. Mas, nesse caso, é o que melhor se pode fazer.

Uma alternativa já foi apresentada: as distribuidoras teriam direito a

cobrar uma tarifa inicial mais cara, para remunerar o risco. É uma solução não

recomendada porque, conforme explicado, a oferta de seguro por parte da distribuidora

pressiona as tarifas, contrariando o objetivo de modicidade tarifária. Ademais, se a

empresa der azar e falir criam-se novos problemas para a sociedade, pois é inimaginável

que uma região possa viver sem energia elétrica.

Uma segunda alternativa é o Tesouro reembolsar as distribuidoras por

eventuais prejuízos decorrentes de avanços tecnológicos ou alteração nas condições de

financiamento ou percepção de risco. Também é uma alternativa com pouca

probabilidade de sucesso. Em primeiro lugar, há um elevado custo político, pois o

Governo enfrentaria imensa dificuldade para convencer a população a ressarcir as

distribuidoras. Em segundo lugar, o ressarcimento viria na forma de aumento da

tributação, o que também distorce o consumo.

Dessa forma, a fixação da tarifa pelo custo médio, remunerando o

investimento de acordo com os custos vigentes na época de sua contratação26 surge

como a melhor opção possível.

II.3.3 O custo marginal na atividade de geração

Antes de discutirmos a precificação sob informação assimétrica e

comportamento oportunista, iremos, nesta seção, aprofundar a aplicação do conceito de

custo marginal sobre a atividade de geração.

Com a edição da MP nº 579, de 2012, ficou claro que a geração de

energia podia ser estratificada em dois tipos de usinas, com diferentes custos: as novas,

que ainda não tiveram seus custos amortizados, e as velhas, cujo investimento já foi

integralmente, ou quase, recuperado pelas geradoras. A energia velha é

26 Alguns componentes do custo original podem se alterar ao longo do tempo. Por exemplo, um empréstimo a taxas variáveis tende a acompanhar os movimentos da macroeconomia. Outros custos, entretanto, não se alteram, como o custo de aquisição do equipamento ou do financiamentos a taxas fixas.

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substancialmente mais barata, custando cerca de 30% da energia nova, sendo essa

diferença atribuída, essencialmente, ao custo de depreciação de ativos e amortização da

dívida27.

Uma leitura desatenta desses valores sugeriria que a política ótima seria

fixar a tarifa de acordo com o custo da energia nova, pois esta representaria, mais

adequadamente, o custo marginal. Tomando por base os leilões ocorridos desde 2005

(excetuando os projetos estruturantes do Rio Madeira e Belo Monte), o custo da energia

nova de fonte hidroelétrica para o gerador estaria em torno de R$ 100,00/MWh. Como

as despesas com O & M correspondem a cerca de 30% das despesas totais da energia

nova, o MWh da energia velha custaria em torno de R$ 30,00. São esses valores que,

grosso modo, garantem o equilíbrio econômico-financeiro da geradora ao longo do

contrato de concessão. Assim, se os consumidores pagassem R$ 100,00/MWh para toda

a energia consumida, os fornecedores de energia velha teriam um lucro de R$ 70,00, o

que poderia suscitar outra discussão, sobre quem deve se apropriar desse lucro.

Conforme mostraremos a seguir, o correto não é estabelecer a tarifa em R$ 100,00, mas

como a média (ponderada pelas respectivas participações no produto) de custos da

energia nova e velha.

Apesar de os preços da energia nova e da energia velha serem diferentes,

seu custo econômico, entendido como os recursos (mão de obra, equipamentos, matérias

primas, etc.) necessários para prover o serviço, é o mesmo. O que explica a diferença de

tarifas é o fato de o ativo (no caso, a usina) ter uma vida econômica mais longa do que o

contrato de concessão.

Uma usina pode durar 100 anos ou mais. Suponhamos que esse seja, de

fato, o período de sua vida útil. Nesse caso, a tarifa correta (que reflete adequadamente

os custos de produção) seria uma que incorporasse, a cada ano, 1/100 do valor

investido28. Ao final de 100 anos, o investidor teria sido adequadamente ressarcido pelos

gastos de investimento em que incorreu e a usina não teria mais nenhum valor, pois teria

acabado sua vida útil.

Ocorre que os contratos de concessão são limitados a 30 anos, devendo,

após esse prazo, o concessionário reverter os bens para a União. Por isso, a tarifa tem de

27 Posteriormente comentaremos sobre outros fatores que encarecem a energia nova, como os maiores custos ambientais.28 Devidamente acrescido de uma taxa de juros que refletisse o custo de oportunidade do capital da geradora.

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incorporar, a cada ano, 1/30 do valor investido, ou seja, mais do que o triplo da tarifa

correta. Devido a esse arranjo institucional, quem paga pelo investimento são os

consumidores dos 30 primeiros anos de funcionamento da usina. Nos 70 anos seguintes,

os consumidores pagarão somente pela sua operação e manutenção (O&M). Se essa

fosse a única usina existente, ocorreria uma transferência intergeracional,em que a

geração atual subsidiaria a geração futura29.

Suponhamos agora que existam várias usinas em operação, das mais

diferentes idades. Mais especificamente, que houvesse uma distribuição uniforme

dessas usinas, digamos, 100 usinas, cada uma construída em diferentes anos

consecutivos. Nesse caso, a cada instante, os consumidores pagariam 1/30 do custo do

investimento para 30 usinas (além do custo de O & M), e somente a tarifa de O & M

para as 70 restantes. Em cada ano, portanto, a receita total dos consumidores seria

suficiente para remunerar as despesas de O & M e para construir uma nova usina

(correspondendo a 30 usinas cobrando 1/30 do investimento). Isso é equivalente,

portanto, aos consumidores pagarem 1/100 do investimento total (afinal, são 100 usinas

em operação). Portanto, a tarifa cobrada, ao ser uma média do custo contábil das

diferentes usinas, corresponderia ao custo marginal da energia e seria uma tarifa

eficiente.

Uma alternativa seria ampliar a duração das concessões, de forma a

igualá-las à vida útil da usina. Contudo, dependendo do desenvolvimento do mercado de

capitais, essa alternativa tampouco conseguiria resolver o problema. Usualmente, a

maior parte do investimento na construção de usinas é financiada. Se os prazos de

financiamento forem menores do que a vida útil do empreendimento – como geralmente

são, uma vez que raramente ultrapassam 30 anos – a amortização do investimento

continuará tendo de ser feita em prazos significativamente inferiores ao da vida útil da

usina.

O Governo, por meio da MP 579, sinalizou que, daqui para frente, para

as renovações ou as licitações de usinas que já tiveram seu capital depreciado, as tarifas

(que a geradora receberá) deverão embutir somente os custos de O & M. Para o

consumidor final, a tarifa será um mix do custo da energia das diferentes geradoras que

o abastecem (acrescido, obviamente, dos respectivos custos de transmissão,

29 Observe-se que a transferência se dá unicamente entre gerações, e não entre consumidores e geradoras. As geradoras têm de recuperar o capital investido e, pelo desenho institucional, o prazo de que elas dispõem é de até 30 anos, significativamente inferior à vida útil da usina.

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distribuição, tributos e encargos). Assim, a tarifa paga pelo consumidor será uma média

ponderada do preço pago ao produtor de energia nova (que, por ainda estar amortizando

o capital investido, terá uma energia mais cara) e ao produtor de energia velha (que

estará sendo remunerado somente pela O & M). Portanto, tendo em vista o raciocínio

exposto acima, a ideia que embasou a MP 579 é meritória. No Capítulo III mostraremos

que os problemas relacionados a essa Medida Provisória relacionam-se mais à forma

como ela foi implementada.

II.4 – Precificação da energia sob hipóteses de informação assimétrica e

possibilidade de comportamento oportunista

A seção anterior analisou os critérios que deveriam orientar a

precificação da energia em um mundo hipotético. No mundo real, as informações não

são compartilhadas por todos e existe a possibilidade de comportamento oportunista.

Por isso, em algumas situações, as regras de precificação devem ser diferentes daquelas

previstas no modelo básico.

Nesta seção, seguindo a estrutura da seção anterior, analisaremos

primeiro os critérios de fixação de preços para viger no início do contrato. Como

veremos, a heterogeneidade de agentes e a assimetria de informações recomendam a

instituição de algum mecanismo de mercado para fixar os preços, como leilões.

Entretanto, mesmo leilões, dependendo de como forem desenhados, podem levar a

resultados abaixo do ótimo. Na sua segunda parte discutiremos os problemas de como

fazer a precificação ao longo do contrato de concessão. Nessa situação há um forte risco

de o órgão regulador atuar de forma oportunista, com graves consequências para o

equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

II.4.1 – Precificação no início do contrato

A precificação ótima de um bem exige que se conheçam os seus custos

de produção. Tais custos, entretanto, variam de empresa para empresa, e muitos não são

de conhecimento público: a estrutura de remuneração de pessoal, a tecnologia que

pretende adotar, os custos logísticos, os custos de captação e os custos de reparação

ambiental, entre outros. Há ainda a remuneração pelo risco que o empresário requer

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para empreender determinado projeto. Trata-se de um custo importante e que,

posteriormente, será discutido em maior profundidade.

Os custos também variam de projeto para projeto e ao longo do tempo,

de forma que, por mais que se tenha conhecimento de experiências bem sucedidas, não

é possível transplantar integralmente os termos de um contrato para outro. Para cada

novo projeto será necessário um novo esforço de precificação.

A determinação unilateral do preço é claramente ineficiente. Ao contrário

do que ocorria no modelo básico, aqui, como o órgão regulador não conhece os custos,

dificilmente estabelecerá um preço que remunere adequadamente o regulado. Corre-se

sempre o risco de a tarifa ser definida em nível muito alto, o que implicaria

transferência injustificada de recursos dos consumidores para produtores; bem como de

a tarifa ser fixada em nível muito baixo, o que implicaria remuneração inadequada para

os produtores. Se os produtores não forem obrigados a aceitar os termos do contrato,

corre-se o risco de ficarmos sem oferta de energia. No contexto atual, em que há fortes

indicações de que a intenção do Governo é obter modicidade tarifária a qualquer custo,

o risco de definir uma tarifa irrealisticamente baixa é maior do que de definir uma tarifa

excessivamente elevada.

A fixação da tarifa por parte do regulado traz óbvios problemas de

incentivos perversos. Como os custos não são integralmente observáveis, a tendência do

regulado seria fixar a tarifa de acordo com a regra de maximização de lucro de um

monopolista, que gera preços acima – e produção abaixo – daqueles que seriam

considerados socialmente ótimos.

A solução, portanto, seria encontrar algo que se aproximasse de um

resultado de um mercado competitivo. A teoria mostra, em um trabalho clássico de

Vickerey (1961), que o valor arrecadado independerá do tipo de leilão30, e

corresponderá à avaliação do segundo melhor concorrente. Se houver um número

30 O trabalho de Vickerey analisa quatro tipos de leilão. O de envelope fechado de primeiro preço, onde ganha quem oferece a melhor proposta; o de envelope fechado de segundo preço, onde também ganha quem oferece a melhor proposta, mas o valor pago corresponde ao da segunda melhor proposta; o leilão inglês, que é o mais tradicional, onde os licitantes se encontram e vão apresentando preços sucessivamente maiores, até chegar a um vencedor; e o alemão (ou holandês) onde há um preço-teto, e o leiloeiro vai sucessivamente decrescendo o preço ofertado, vencendo o leilão o licitante que primeiro aceitar o preço corrente. No Brasil, os leilões para geração se dão em duas etapas: a primeira é de primeiro preço. Se as propostas vencedoras forem semelhantes, há um novo leilão, do tipo inglês reverso, ou seja, há um preço-teto e ganha o leilão quem oferecer a energia a um preço mais baixo.

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razoável de concorrentes e a estrutura de custos não for muito díspar, o preço definido

em leilão será próximo do custo do participante mais eficiente.

Vejamos por que. Simplificadamente, nos leilões de energia, o Governo

fixa um preço-teto e os licitantes concorrem, oferecendo preços sucessivamente mais

baixos. Para o potencial investidor, o preço mínimo que ele estará disposto a pedir para

construir e operar uma usina31 será aquele que lhe cobre os custos. Em um leilão de

preço descendente, como o que ocorre para definir o vencedor na geração de energia, à

medida que os licitantes fazem lances propondo oferecer energia a preços mais baratos,

os concorrentes de custo mais alto se retiram do leilão. Ao final, restariam somente os

dois concorrentes mais eficientes, aqueles que conseguem oferecer energia a um custo

mais baixo. Chamemos de licitantes A e B o mais eficiente e o segundo mais eficiente,

respectivamente. Durante o leilão, A e B ofereceriam lances sucessivamente mais

baixos, até que B fizesse um lance igual ao seu custo de produção. A partir daí, bastaria

A oferecer um preço marginalmente mais baixo que B para vencer o leilão. O

concorrente A, portanto, ao vencer um leilão, conseguirá obter uma tarifa

aproximadamente igual ao custo de produção de B.

Essa diferença entre tarifa e custo de produção (lembrando que o custo

embute a remuneração do capital e do risco) é justamente a vantagem que o licitante

obtém por dispor de informação privada. Como argumentamos na Subseção II.3.1, se

não houvesse assimetria de informações, bastaria ao regulador fixar a tarifa na exata

medida do custo de produção do produtor mais eficiente. Mas, havendo informação

assimétrica, o melhor que se pode fazer é deixar o preço ser definido em leilão. Nesse

caso, a empresa mais eficiente conseguirá uma tarifa acima de seus custos. Observe-se,

contudo, que se os concorrentes forem razoavelmente parecidos, o custo do concorrente

B será próximo ao do concorrente A, de forma que a tarifa irá se aproximar bastante do

custo de produção.

Apesar de conseguir resolver satisfatoriamente o problema da assimetria

de informações, o resultado do leilão pode ser ineficiente se houver comportamento

oportunista por parte de licitantes; se os licitantes não fizerem uma avaliação correta dos

riscos; se a atitude em relação ao risco for muito diferente entre os participantes do

leilão e, por fim; quando há uma empresa que não precisa maximizar seus lucros para

31 Vamos tomar o caso da geração como exemplo, mas pode ser estendido sem perda de generalidade para as outras atividades do setor elétrico.

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sobreviver, como é o caso da Eletrobras. Trataremos de cada um desses casos nas

subseções seguintes.

II.4.1.a – Por que um leilão pode ser ineficiente

II.4.1.a.i – Comportamento oportunista por parte dos regulados

O comportamento oportunista ocorre quando um agente assume

compromissos com o objetivo de viabilizar determinado projeto, sabendo, de antemão,

que terá grande probabilidade de forçar uma renegociação posterior. No caso de

concessões de serviços públicos, o comportamento oportunista pode ser caracterizado

pela oferta de preços irrealisticamente baixos nos leilões, que tem, como único objetivo,

permitir que a empresa vença a licitação. Uma vez assinado o contrato, a concessionária

solicita ao órgão regulador alteração de obrigações contratuais, como cronograma e

valor dos investimentos, níveis de qualidade e, principalmente, tarifas. A possibilidade

de comportamento oportunista, tanto por parte do regulado quanto por parte do

regulador, tem sido objeto de uma vasta literatura acadêmica32 .

O Governo tem a opção de cancelar o contrato, mas o custo pode ser

muito elevado. A concessionária que teve o direito de outorga cassado pode entrar na

Justiça, tentando anular o ato que cancelou o direito. Enquanto isso, a obra deixa de ser

realizada, gerando enorme custo político para o Governo, além da perda dos benefícios

econômicos decorrentes dos ganhos de produtividade que o investimento iria gerar.

Quando há comportamento oportunista, a empresa mais eficiente deixa

de ser aquela com mais chances de vencer o leilão. A provável vencedora será aquela

que acredita ter mais condições de alterar posteriormente as condições contratuais. Os

dois atributos podem até mesmo ser conflitantes: a empresa pode despender recursos

consideráveis para conseguir convencer o órgão regulador a alterar os termos do

contrato, de forma a sobrar menos recursos para investir em aumento de produtividade e

eficiência.

Em trabalho recente, Velloso et al (2012) analisaram o problema dos

leilões de rodovias federais no Brasil e concluíram que há comportamento oportunista.

No caso específico da 2ª etapa do programa de concessão de rodovias federais, em cujos

leilões foram definidas tarifas surpreendentemente baixas, o que se observou, decorridos

32 Ver, entre outros, Williansom (1976), Guash e Spiller (1998) e Guash (2004).

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alguns anos da assinatura do contrato, foi o atraso na entrega de obras e renegociações

de tarifas.

A possibilidade de comportamento aventureiro depende do poder de

barganha do concessionário. Na atividade de geração, como há várias usinas em

operação, o poder de barganha de cada usina, isoladamente, é relativamente baixo.

Ameaças de abandono da concessão por parte de concessionários de usinas são menos

críveis do que ameaças por parte de concessionários de rodovias. Isso porque há várias

usinas em construção/operação e, se alguma delas paralisar suas atividades, não trará

prejuízos significativos para a oferta agregada de energia. Compare-se com os

potenciais transtornos causados pelo abandono, digamos, da Via Dutra.

Além do poder de barganha, outra variável importante para explicar o

comportamento oportunista é a própria leniência do órgão regulador. Quando se

considera somente o contrato em questão, a estratégia ótima do regulador é renegociar o

contrato e garantir a execução da obra em prazos e condições razoáveis. Entretanto,

quando se pensa dinamicamente, a melhor estratégia pode ser não aceitar renegociações,

arcar com os prejuízos de eventuais obras paralisadas, mas desestimular

comportamentos oportunistas no futuro.

No setor elétrico, tanto o poder de barganha das usinas geradoras é

relativamente pequeno, como a Aneel não tem tradição de renegociar contratos. Ainda

assim, observam-se alguns comportamentos oportunistas ou quase oportunistas.

Em dezembro de 2012, por exemplo, a Aneel atendeu parcialmente a

solicitação do Grupo Bertin de alterar a especificação técnica de seis termoelétricas, em

troca, entre outras coisas, de a empresa se comprometer a colocar 1.056 MW em

operação comercial durante 201333.

Não necessariamente as alterações contratuais34 se dão em prejuízo do

consumidor. O Consórcio Energia Sustentável do Brasil, que venceu a concessão da

hidroelétrica de Jirau, anunciou, logo após a vitória do leilão, que faria alteração no eixo

da barragem, o que permitiria redução de custos. Provavelmente foi a possibilidade de

33 Jornal da Energia, 21/12/2012, “Aneel atende pleito da Bertin, mas determina revogação de mais 4 UTEs”, disponível em: http://www.jornaldaenergia.com.br/ler_noticia.php?id_noticia=12152&id_secao=14.34 Observe-se que, quando discutimos comportamentos oportunistas, estamos nos referindo a alterações contratuais já previstas pelo concessionário, quando da participação no leilão. Distingue-se, portanto, de alterações contratuais decorrentes de fatos não previstos (por exemplo, um desastre natural totalmente atípico para a região). Essas últimas não guardam nenhuma relação com comportamento oportunista.

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alterar o projeto que estimulou o Consórcio a oferecer uma tarifa mais baixa que a do

concorrente35. Observe-se que, pela dimensão do empreendimento, o concessionário de

Jirau tem maior poder de barganha do que o responsável pela construção de usinas

menores.

Considerando ainda o poder de barganha, é de esperar maior incidência

de comportamento oportunista nas linhas de transmissão, onde há um monopólio

natural. Apesar de não haver ainda números concretos que permitam validar tal

hipótese, levantamento recente do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico36

mostrou que somente 24% dos cronogramas das linhas de transmissão monitorados

estão dentro do cronograma. Para empreendimentos de geração, a proporção, embora

longe do ideal, é bem maior, 45%. Cabe lembrar que esses atrasos podem refletir outros

problemas, como a maior presença da Eletrobras no setor de transmissão, o que

discutiremos posteriormente.

Mas não deixa de ser preocupante, ainda mais se lembrarmos que, a

partir de 2015, as atuais concessões dos serviços de distribuição – onde também há

monopólio – começarão a vencer. Não se sabe ainda como serão as novas concessões,

se simplesmente haverá renovação das atuais (talvez condicionada a atendimento de

requisitos de qualidade e/ou preço), ou se haverá um processo licitatório, com realização

de leilões. Nesse último caso, é fundamental que os leilões sejam desenhados de forma a

evitar comportamentos oportunistas. Como o impacto provocado por falta de

investimentos da distribuidora local sobre a vida cotidiana pode ser devastador, é

importante que o órgão regulador fique muito atento aos leilões, para evitar

comportamentos oportunistas por parte dos concorrentes.

II.4.1.a.ii – Avaliação incorreta por parte dos participantes

Todo investimento envolve riscos. No caso do setor de energia, não é

diferente. Por mais que exista um projeto bem detalhado, somente na hora de executar o

projeto irá se conhecer plenamente a geologia do local onde será construída a barragem.

Riscos decorrentes da ação de movimentos sociais, como greves, ocupação da 35 Sobre as alterações do projeto de Jirau, vide as seguintes matérias:http://www1.folha.uol.com.br/mercado/890058-usina-de-jirau-tem-historico-de-polemicas.shtmlhttp://www.rondonoticias.com.br/ler.php?id=7044136 Ver a Ata da 121ª Reunião do Comitê, disponível em:http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/conselhos_comite/CMSE/relatorios_reunioes/2012/CMSE_-_Ata_da_121x_Reunixo_Plenxria_x22-11-2012x.pdf

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instalação por índios, ou simples vandalismo, são também de difícil mensuração. O

tempo gasto para se vencer obstáculos socioambientais pode variar bastante. Mesmo a

contratação de mão de obra pode ser difícil para trabalhadores com determinado tipo de

qualificação em um contexto de aquecimento econômico. Por fim, disputas judiciais

podem paralisar a obra por prazo indeterminado.

Se os riscos não estão bem avaliados, a empresa pode, inadvertidamente,

oferecer um lance baixo no leilão e vencê-lo. Nesse caso, não será a empresa mais

eficiente que vencerá o leilão, mas aquela que não avaliou corretamente os custos. A

diferença entre essa situação e a do oportunismo é mais de expectativas do que de

resultados. Em ambos os casos, se não houver renegociação dos termos contratuais, a

obra não será feita, ou seja, o preço baixo obtido no leilão não se materializará na forma

como se previa. Pode até ser que o órgão regulador ou o Governo não concordem em

renegociar a tarifa, mas podem oferecer outras contrapartidas, como redução das

exigências relativas à qualidade do serviço prestado, permissão para atrasos na entrega

da obra ou concessão de crédito subsidiado.

A diferença entre o comportamento oportunista e a má avaliação do

projeto é que, no caso do oportunismo, a concessionária já sabe, de antemão, que terá de

renegociar os contratos. No caso de avaliação incorreta, a concessionária descobre, ao

longo do contrato, que não terá condições de entregar o prometido, a não ser que haja a

renegociação. Mas, em ambos os casos, se não houver renegociação a oferta de energia

não se materializará.

II.4.1.a.iii – Atitude do licitante em relação ao risco

Mesmo que o licitante tenha avaliação correta dos riscos a que está

submetido, ele pode estar disposto a assumir um risco mais alto do que seus

concorrentes. Disposição para assumir mais risco implica requerer um menor valor para

exercer a mesma atividade. Seria como se houvesse dois concorrentes e um deles, mais

avesso ao risco, segurasse todos os ativos, ao passo que outro, menos avesso ao risco,

não estaria disposto a pagar o prêmio do seguro. O concorrente menos avesso ao risco

teria custos mais baixos e, por isso, seria um candidato mais competitivo no leilão.

Mesmo que não haja contratação formal de um seguro (e para bens de capital muito

específicos pode ser que sequer haja seguradoras dispostas a segurar o bem cobrando

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um prêmio razoável), a empresa avessa ao risco irá requerer uma tarifa maior, para que

se sinta devidamente compensada pelo risco. Se não conseguir essa tarifa mais alta, esse

licitante irá preferir investir seus recursos em uma atividade menos arriscada. Outra

forma de interpretar a maior tarifa é considerar esse aumento como um prêmio de

seguro que a empresa paga a si própria. A empresa poderia utilizar esses recursos para

fazer um fundo que, em caso de sinistro, seja acionado.

Semelhantemente ao que ocorre nos dois casos anteriores, a avaliação

diferente de riscos pode fazer com que o vencedor de um leilão não seja a empresa mais

eficiente, aquela que consegue construir a usina a um menor custo, mas o licitante que

menos se preocupa com o risco.

Nesse caso, se tudo correr bem, ex post, a concessão será bem sucedida.

O contratado receberá uma tarifa que lhe garanta equilibrar financeiramente suas

atividades e a tarifa, de fato, teria sido a mais baixa possível. Mas, se algo der errado,

corre-se o risco de a empresa não entregar a oferta de energia prometida ou de entregar

um projeto de má qualidade, com maior probabilidade de falhas.

No mundo real, não existe projeto que, com 100% de certeza, seja viável.

Tampouco há um valor bem definido a partir do qual se possa dizer que um projeto é

arriscado, ao passo que outro não. Há uma espécie de zona cinzenta, onde um projeto

pode ser considerado prudente por um número razoável de analistas, e arrojado por

outros tantos. Mas há regiões no espaço de probabilidade que estão claramente

associadas a decisões arriscadas ou, no extremo oposto, a decisões extremamente

seguras. Um projeto cuja tarifa garanta a sua viabilização financeira com probabilidade

inferior a 30% certamente será considerado arriscado. Já um projeto cuja tarifa garanta a

viabilidade do investimento com 95% de probabilidade deve ser considerado um projeto

seguro.

Se não for bem desenhado, um leilão corre sério risco de ter como

vencedor um concorrente que seja mais amante do risco. Como já dissemos, se tudo der

certo, o projeto se viabilizará. Mas, se houver algum problema, o projeto deixará de ser

financeiramente viável e, provavelmente, o regulador se verá forçado a renegociar os

termos do contrato ou a encontrar outro investidor. Nesse caso, contudo, ou o regulador

irá manter o preço artificialmente baixo ao consumidor, sendo necessário subsidiar a

tarifa, ou renegociará os termos contratuais. Se o licitante vencedor for aquele que

menos se preocupa com o risco, e não o mais eficiente, se o cenário ruim se concretizar

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esse licitante oferecerá energia a um custo maior do que outros, mais eficientes, mas que

perderam o leilão justamente porque vislumbraram uma probabilidade razoável de que o

cenário pior se materializaria.

II.4.1.a.iv – Participação da Eletrobras

O setor elétrico tem um elemento complicador da análise: a presença da

Eletrobras, responsável por quase 40% da potência instalada na geração e pela aquisição

de 36% das linhas de transmissão licitadas na última década. No Capítulo IV

argumentaremos que a Eletrobras tem sido um dos principais instrumentos utilizados

por seu controlador – a União – para viabilizar os baixos preços definidos nos leilões.

Se a Eletrobras atuasse como qualquer empresa do setor, não haveria

problemas. Mas há evidências de que a Eletrobras oferece preços artificialmente baixos

nos leilões, distorcendo os preços relativos e gerando ineficiências em um setor que

deveria contar com o maior zelo por parte dos planejadores. Ao mesmo tempo, a

associação com o grupo estatal pode oferecer a empresas privadas determinadas

facilidades que, por si, não obteriam do poder concedente.

A forma de atuação da Eletrobras pode ser um mix dos problemas

levantados anteriormente. A empresa pode estar ciente de que oferece preços que não

cobrem custos, certa de que obterá compensações por parte do Governo, que podem vir

tanto na forma de renegociação dos contratos, como na forma de créditos subsidiados ou

outras benesses fiscais. Pode ser também que a estatal não avalie corretamente os riscos,

ou que não se preocupe muito com eles. Afinal, se eventos ruins ocorrerem, o

controlador pode facilmente evitar a falência da empresa, aportando capital ou lhe

oferecendo outras benesses.

Há analistas que defendem a maior participação da Eletrobras nos leilões,

argumentando que a estatal não necessita ser lucrativa e que, ao abrir mão dos lucros,

consegue viabilizar a modicidade tarifária que tanto interessa à população. Eventuais

aportes de capital por parte do Tesouro (ou outras formas de apoio), quando necessários,

fariam parte da estratégia de fornecer energia elétrica a um preço acessível.

Esse tipo de análise mistura dois argumentos: i) a conveniência de

garantir modicidade tarifária; ii) a Eletrobras ser um bom instrumento para atingir esse

objetivo, pois pode abrir mão de seus lucros.

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Quanto ao primeiro argumento, na Subseção II.3.1.a explicamos que há

situações, normalmente relacionadas à inclusão social ou a externalidades, em que faz

sentido o Governo subsidiar o consumo de energia. Contudo, se houver entendimento

de que deve haver subsídios, o correto seria oferecê-los via orçamento, e disponibilizá-

los para todos os consumidores. Na prática, o consumidor não recebe diretamente o

subsídio, quem o recebe é a distribuidora, a transmissora ou a geradora. O consumidor

final sente o impacto do subsídio ao pagar tarifas mais baixas. Assim, se for para haver

subsídios, o correto seria as empresas oferecerem o preço que consideram justo nos

leilões e, posteriormente, o Governo as subsidiaria no montante desejado. Esse

procedimento garantiria que a empresa mais eficiente ganhasse o leilão, de forma que a

energia chegasse mais barata ao consumidor final. Além de eficiente, esse procedimento

garantiria maior transparência, pois o subsídio seria discutido na elaboração das leis

orçamentárias, quando seu mérito seria comparado com usos alternativos dos recursos

públicos, como educação, saúde, segurança pública, programas de transferência de

renda, etc.

Em relação ao segundo argumento, o lucro é a remuneração do capital.

Assim, se a Eletrobras está abrindo mão de seu lucro, o Governo, seu controlador, está

perdendo remuneração de seus ativos. O lucro da Eletrobras (distribuído na forma de

dividendos) poderia ser utilizado para financiar outras atividades do setor público ou

resgatar títulos da dívida. Assim, ao abrir mão do lucro, o Governo está, na verdade,

subsidiando a Eletrobras. Volta-se então ao argumento anterior: não se trata de proibir

subsídios para a energia elétrica, mas, sim, de direcioná-los somente para a Eletrobras.

O mais eficiente seria a Eletrobras auferir uma taxa de lucro justa, e a União, se assim

entender relevante, utilizar os dividendos recebidos, subsidiando a parte da cadeia de

produção de energia (ou seja, geração, transmissão ou distribuição) que considerar mais

relevante. Nesse caso o subsídio atingiria todas as empresas participantes do setor.

Observe-se que aqui estamos supondo que a Eletrobras consegue cobrir

os demais custos de produção (excluindo o custo de oportunidade de capital), e abriria

mão somente do lucro. A busca por modicidade tarifária pode ser ainda mais intensa,

fazendo com que a Eletrobras tenha prejuízos, não conseguindo, com as tarifas, sequer

recuperar o custo de produção. Esse caso torna o argumento acima ainda mais

contundente.

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Um segundo problema da redução de lucros da Eletrobras refere-se à

situação dos acionistas minoritários. A consequência natural de uma queda da

lucratividade é a redução do preço das ações da empresa, de forma a reduzir a

atratividade da empresa em caso de abertura de capital. Em outras palavras, lucros

abaixo do custo de oportunidade desestimulam a entrada de capital na empresa,

reduzindo suas opções para financiar o investimento.

A ação agressiva da Eletrobras nos leilões traz ainda um terceiro impacto

no setor de eletricidade. Dado o peso da estatal no setor, ela pode inviabilizar a

participação de outras empresas, especialmente as estrangeiras, que, por falta de

oportunidade de investir seu capital, migram para outros setores ou investem em

projetos no exterior. O Brasil, com baixas taxas de poupança, não deveria se dar ao luxo

de expulsar o capital de um setor tão estratégico como o de energia. A Argentina o fez,

no início do Governo Néstor Kirchner, e sofre consequências dessa medida até hoje.

Cabe aqui fazer uma analogia com o setor de petróleo. A Petrobras é

praticamente monopolista na atividade de refino. Já na distribuição, os postos BR

representam pouco menos de 40% do total. Para atingir o objetivo de controlar o preço

da gasolina, o Governo intervém no preço da refinaria, impondo prejuízos à estatal.

Cria-se, então, um círculo vicioso: o Governo intervém no preço do refino, para não

inviabilizar o setor de distribuição37. O refino torna-se então uma atividade não atrativa

para o setor privado, e a Petrobrás continua a ser a monopolista da atividade. Como a

Petrobras é a monopolista, o Governo sente-se mais confortável em controlar o preço do

refino. Ao final, a Petrobras fica sem recursos para desenvolver outras atividades mais

lucrativas, como a exploração do pré-sal38.

Em resumo, há ineficiência quando a Eletrobras vence um leilão ao

oferecer energia a preços irrealisticamente baixos. Isso porque a energia não será

produzida ao menor custo quando adicionarmos às tarifas os benefícios indiretos que o

Governo oferecerá à Eletrobras e o custo de oportunidade do capital. Adicionalmente,

reduz-se o funding de capital privado para o setor de energia, comprometendo a oferta

do serviço no longo prazo.

37 Lembrando que, se as distribuidoras privadas encerrarem suas atividades, a BR Distribuidora não teria como suprir os 60% do mercado, pelo menos no curto prazo.38 Ver Braga e Freitas: “A Petrobras conseguirá explorar plenamente o pré-sal?”, disponível em:http://www.brasil-economia-governo.org.br/2013/07/01/a-petrobras-conseguira-explorar-plenamente-o-pre-sal/

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II.4.1.a.v Como evitar leilões ineficientes

Vimos, ao longo desta Seção, que, na presença de informações

assimétricas, o melhor mecanismo para definição de preço deve ser por meio de um

leilão. Mas, mesmo um leilão não está isento de problemas. Comportamento

oportunista, avaliação incorreta de custos, maior preferência ao risco ou intervenção

governamental, via Eletrobras, são fatores que podem fazer com que o vencedor do

leilão não seja o fornecedor de menor custo.

Os riscos de um leilão mal conduzido vão além de os custos finais da

energia tornarem-se maiores do que os inicialmente acordados no leilão. Corre-se o

risco de, simplesmente, a oferta não ser concretizada. Nesse sentido, o exemplo do caso

Bertin foi emblemático. A solução do Governo, de utilizar a Eletrobras para garantir

modicidade tarifária, além dos problemas de ineficiência, também compromete a oferta

de energia no longo prazo. À medida que a participação da Eletrobras aumenta, menos

empresas conseguem se manter no setor. Por outro lado, a capacidade de investimento

do setor público, bem como da própria Eletrobras (em função das baixas tarifas), é

limitada. E o problema que se esperava resolver – conjugação de modicidade tarifária e

garantia de suprimento – transforma-se em outro: aumento da carga tributária e

desestímulo à atividade econômica em geral. Não é demais lembrar que a abertura do

setor à iniciativa privada, no início do Governo Fernando Henrique, decorreu do

esgotamento da capacidade de investimento estatal (leia-se Eletrobras), causada, entre

outras coisas, pela contenção de tarifas para tentar reduzir a inflação e do calote das

empresas estaduais de distribuição, que não pagavam seus fornecedores, as estatais

federais hoje agrupadas na Eletrobras39.

As soluções para reduzir a probabilidade de leilões ineficientes

dependem da natureza da ineficiência. Se considerarmos que o principal problema é a

Eletrobras, seria necessário um comprometimento, por parte da estatal, de apresentar

propostas que reflitam, de fato, o custo do projeto, incluindo o custo de oportunidade do

capital e a remuneração pelo risco. Entretanto, para ser crível, a empresa teria de se

comportar reiteradamente nos leilões de forma compatível com o compromisso

assumido.

39Ver o Relatório da Comissão Mista do Congresso sobre crise de abastecimento, Senado Federal, (2002).

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Quando a ineficiência tem origem no comportamento oportunista, na

avaliação incorreta da melhor estratégia, ou na maior disposição da licitante em assumir

riscos, a solução pode envolver diversas dimensões. Em primeiro lugar, requerer, na

fase de habilitação, que o candidato tenha experiência bem sucedida em

empreendimentos anteriores. A desvantagem dessa abordagem é limitar os potenciais

concorrentes a quem já está no mercado. O órgão regulador teria também de assumir

uma posição mais dura em relação a renegociações de contratos.

A dificuldade surge em estabelecer que tipo de renegociação deve ser

aceita e qual tipo não. Há situações em que é bom renegociar. São eventos não previstos

na época da assinatura do contrato, ou previstos, mas com baixíssima probabilidade de

ocorrência, e que, ao se materializarem provocam aumento inesperado de custos. Um

exemplo extremo: a probabilidade de terremotos na maior parte do território brasileiro é

próxima a zero, mas não é nula. Assim, um aumento de custos decorrente de um

terremoto é um caso que justificaria a renegociação contratual. Outro exemplo, mais

próximo da realidade. Uma licença ambiental para uma usina de geração demora em

média, digamos, um ano para ser obtida. Em 95% dos casos, ela é concedida em até 18

meses. Se a concessionária provar que fez todos os esforços necessários, mas a licença

só foi concedida depois de 24 meses, haveria justificativa para renegociar os termos do

contrato. Uma depreciação cambial abrupta também justificaria renegociação dos

termos contratuais.

Por outro lado, há negociações ruins. São aquelas situações em que o

licitante sabe de antemão, ao assinar o contrato, que provavelmente terá de renegociar.

Voltando ao exemplo da licença ambiental, se sua concessão demorar, digamos, 15

meses, não seria motivo para renegociar o contrato, pois, apesar de a média ser mais

baixa, é comum as licenças demorarem até 18 meses para serem emitidas. Da mesma

forma, se é comum greves de até duas semanas, a empresa não deveria pedir

renegociação para gastos extras decorrentes de greves com duração próxima ao padrão

da normalidade.

Compete ao órgão regulador construir uma reputação de renegociador

justo: aceita renegociar nos casos em que deve fazê-lo e não aceita quando não deve

fazê-lo. O problema dessa estratégia é que, no curto prazo, algumas empresas não

conseguirão entregar a energia (ou a linha de transmissão) acordada no contrato.

Dependendo do caso, pode haver uma paralisia dos negócios, em que a concessionária

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não consegue concluir a obra e aciona a Justiça para impedir que seja substituída por

outra. Esse custo pode ser elevado, e as opções para o regulador são poucas no curto

prazo:

i) aceita os termos da concessionária, incentivando comportamentos

oportunistas (ou referendando empresas ineficientes, que não avaliam corretamente os

custos e riscos do projeto);

ii) não aceita os termos da renegociação e permite que a oferta de

energia fique abaixo do esperado;

iii) já antevendo possíveis frustrações de oferta, licita energia em

volume superior à demanda estimada. Nesse caso, corre-se o risco de ser gerado um

excesso de energia, aumentando o custo para os usuários.

Além de um comportamento mais rígido por parte do órgão regulador,

uma alternativa para reduzir a probabilidade de leilões gerarem resultados ineficientes é

introduzir uma fase de pré-qualificação, onde os licitantes apresentariam um plano de

negócios e uma metodologia de execução. Do plano de negócios constaria a análise

econômico-financeira do projeto, bem como a avaliação de riscos, com diferentes

cenários de custos. Já a metodologia de execução conteria as informações técnicas e

operacionais referentes à exploração da concessão e ao investimento. Se a proposta

financeira do licitante não for compatível com o plano de negócios e com a análise

econômico-financeira, ele seria desabilitado do certame.

A desvantagem do requerimento de plano de negócios e metodologia de

execução é o aumento da burocracia. Os custos de transação, entretanto, não devem

aumentar de forma significativa, pois, acredita-se, os consórcios não participariam do

leilão sem antes fazer uma análise criteriosa dos custos e riscos associados ao

desenvolvimento do projeto. Ainda assim, pode haver um aumento de morosidade nos

processos licitatórios, em decorrência do prazo necessário para analisar as propostas.

Mas é uma opção preferível a arriscar conceder o empreendimento a um licitante que

tenha oferecido preços abaixo dos custos de produção e que, no futuro, ou não oferecerá

o serviço prometido, ou conseguirá recuperar, seja diretamente via tarifas, seja

indiretamente via outras benesses, os prejuízos em que incorreu.

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II.4.2 – Revisão de preços ao longo do contrato

As concessões no setor de energia elétrica são, via de regra, de longo

prazo. As concessionárias e a União firmam contratos que, não raro, atingem trinta

anos. É importante, nesses casos, estabelecer regras que permitam revisões ou alterações

ao longo do contrato para dar maior segurança ao concessionário e ao contratante (que,

em tese, representa os interesses do consumidor).

Para as geradoras e transmissoras, conforme discutimos na Subseção

II.4.1, o problema é relativamente simples de ser resolvido. Como a maior parte do

investimento é feito no início do contrato, a maior incerteza refere-se à evolução dos

custos de operação e manutenção(O & M). Nesse caso, regras de indexação a algum

índice de preços que reflita adequadamente a evolução dos custos da empresa

mitigariam os principais riscos.

Na Subseção II.3.2 também explicamos que, para a atividade de

distribuição, o planejamento do investimento é muito mais difícil. O contrato celebrado

é necessariamente incompleto, pois não pode estabelecer quais investimentos, onde e

quando deverão ser efetuados. Surge então o problema de como estimular a empresa a

investir, adotando as técnicas mais eficientes, e como remunerá-la. No caso de perfeita

informação, não haveria muita dificuldade: a empresa deveria ser ressarcida dos custos

do investimento. A remuneração deve ser feita de acordo com o custo histórico de

aquisição dos equipamentos, e não com seu custo corrente, para garantir o equilíbrio

econômico-financeiro do contrato.

Observe-se que a possibilidade de um leilão, que, se bem desenhado,

permite que se encontre um preço “justo” não pode ser utilizada aqui. Isso porque os

custos de transação, tanto para fazer o leilão, como para realizar e manter o

investimento poderiam ser muito altos.

Imaginem que, com o passar do tempo, determinado bairro de uma

cidade se expande, passando ser necessário atendê-lo. Se a população atendida for

pequena, não vale a pena fazer um leilão, que, possivelmente teria custos acima de

possível economia que a escolha de novo concessionário proporcionaria. Mesmo que

seja uma área maior, ficaria difícil interligar todas as redes de distribuição. A situação

ficaria mais complexa se, em vez de uma, surgissem dez novas áreas a serem atendidas.

A cidade poderia se tornar um mosaico de distribuidoras, com elevados custos. Por

exemplo, seria necessário interligar as redes, haveria duplicidade de equipes de

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manutenção e operação, e se perderiam prováveis economias de escala relativas a

despesas de administração.

Portanto, não é viável desmembrar uma concessão, deixando uma

empresa responsável pela parte antiga do contrato e outra pela parte nova. Uma única

concessionária deverá realizar todos os investimentos necessários em uma determinada

área. Com assimetria de informações, o regulador se encontra diante do problema de

estabelecer a remuneração correta pelos investimentos feitos.

Há o risco de a concessionária informar ao regulador custos

artificialmente elevados para, com isso, aumentar sua receita. Por isso, o regulador tem

que fiscalizar as contas da empresa e, dependendo do caso, deve ter a prerrogativa de

autorizar os investimentos, para evitar gastos supérfluos. Uma forma de aprimorar o

processo de revisão tarifária atual é o órgão regulador autorizar a realização do

investimento antes que seja executado. Atualmente, a concessionária realiza os

investimentos para depois solicitar seu reconhecimento para fins de inclusão nos custos.

Esse procedimento aumenta os riscos da concessionária desnecessariamente,

desestimulando novos investimentos. Entretanto, de forma geral, é possível, com

fiscalização, bom senso e algum aprimoramento na metodologia de revisão tarifária,

reduzir substancialmente o risco de sobreprecificação das tarifas.

Toda a discussão da Subseção II.4.1.a sobre comportamento oportunista

por parte da concessionária também pode ser aplicada no processo de revisão tarifária.

As soluções são as mesmas: modificar o mecanismo de leilão para reduzir a

probabilidade de comportamento oportunista e o órgão regulador se mostrar mais firme

nas renegociações contratuais.

A novidade que surge agora é a possibilidade de comportamento

oportunista por parte do órgão regulador. Para tanto, basta entender os potenciais

benefícios para o regulador de remunerar inadequadamente o capital da concessionária

após a realização dos investimentos. No curto prazo, uma menor remuneração do capital

permitiria reduzir as tarifas, beneficiando os consumidores e rendendo fortes dividendos

políticos. Afinal, a maior parcela do eleitorado enxerga somente o benefício de uma

redução tarifária em sua conta, sem conseguir distinguir se essa redução é sustentável no

longo prazo ou se terá de ser compensada via aumento de tarifas ou de tributos no

futuro. Daí a importância da neutralidade do órgão regulador, que deve ser órgão de

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Estado, não de Governo, deve ter independência administrativo-financeira e diretoria

que devida em regime colegiado com mandato pré-estabelecido.

Mas, voltando ao tema, quão longe o Governo pode ir na compressão da

remuneração do capital? A resposta depende de quanto a empresa investiu até o

momento.

Ainda que não seja tão forte quanto no caso da geração e transmissão, na

distribuição parte significativa dos custos corresponde ao investimento inicial. Esses

custos referem-se não somente à aquisição de máquinas e equipamentos, como também

à montagem da estrutura administrativa, formação de recursos humanos etc. Em larga

medida, esses custos são denominados “custos afundados”. Isso significa que, caso a

empresa opte por devolver a concessão, não conseguirá recuperá-los.

Por exemplo, vários equipamentos são feitos sob medida para atender

demandas muito específicas. Em caso de revenda, os custos de readaptá-los para outras

demandas podem ser tão elevados que esses equipamentos seriam vendidos como

sucata. Parte dos gastos referentes à montagem da estrutura administrativa também são

de difícil recuperação. Caso a empresa decida abandonar a concessão e se transferir para

outra região, não conseguiria levar consigo toda a mão de obra para o novo local, nem

tampouco os fornecedores. As despesas com publicidade naquele mercado seriam

igualmente perdidas.

Sendo assim, a concessionária investe em custos afundados iniciais com

o objetivo de recuperá-los ao longo do período de concessão. Para tanto, é necessário

que a receita supere os custos de O & M, pois é com esse excedente que a empresa

conseguirá equilibrar financeiramente o contrato. Suponhamos que, inicialmente, a

tarifa seja fixada de forma a permitir recuperação dos custos afundados. Ocorre que,

depois de incorridos os gastos iniciais, a concessionária continuará operando desde que

a tarifa cubra, pelo menos, os custos de O & M. Afinal, se a empresa se retirar do

negócio, perderá todo o investimento realizado. Se ela continuar operando, qualquer

receita acima dos custos de O & M permitirá que pelo menos parte dos investimentos

seja recuperado. Ou seja, a estratégia da concessionária passa a ser minimizar o

prejuízo, e não mais tentar recuperar o investimento.

Observe-se que, após incorrer nos custos afundados, a concessionária

pode se ver obrigada a realizar novos investimentos ao longo do contrato, mesmo

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sabendo, de antemão que esses investimentos não serão devidamente remunerados. Para

entender melhor esse ponto vamos utilizar um exemplo. Suponhamos um investimento

inicial de $ 100 e que, quando da revisão tarifária, o Governo altera as regras e decide

que a empresa poderá recuperar, no máximo, $ 60. Como vimos, diante da situação em

que se encontra, a melhor estratégia para a empresa é continuar operando a concessão,

pois, nesse caso, seu prejuízo, de $ 40, é inferior à perda total, de $ 100. Imaginemos

mais, que o Governo, para garantir a qualidade do atendimento e ao mesmo tempo a

modicidade tarifária, exige do concessionário que realize novos investimentos, no valor

de $ 59, e informa que esse investimento não poderá ser recuperado via aumento de

tarifas. Ainda assim valerá a pena para a concessionária realizar o novo investimento,

pois ela recuperaria os $ 59 do investimento adicional e ainda contaria com mais $ 1

para ajudar na recuperação dos $ 100 investidos inicialmente.

O exemplo anterior pode exagerar em alguns aspectos dos termos

contratuais, mas revela a essência do raciocínio. Na realidade, a concessionária que

desiste da concessão pode ter direito a alguma indenização pelo investimento não

amortizado e existe a possibilidade de o concessionário reaver seus direitos na Justiça.

Os problemas são que as indenizações podem subavaliar o custo de aquisição dos

equipamentos. Além disso, elas costumam incidir somente sobre ativos físicos, que

podem ser revertidos para o órgão regulador. Não incluem, portanto, outros custos fixos

e afundados como a organização administrativa, seleção de mão de obra e fornecedores,

publicidade no mercado local etc. Quanto à Justiça, pode ser morosa e não

necessariamente decidirá a favor das concessionárias. Pinheiro (2003) fornece

evidências de que, no Brasil, há uma tendência de os juízes considerarem aspectos

sociais em suas decisões, independentemente do que dizem os contratos.

As consequências do comportamento oportunista por parte do regulador

são péssimas para a oferta de energia no médio e no longo prazos. Em primeiro lugar, as

distribuidoras que se encontram no meio do contrato tenderão a fazer o menor

investimento possível compatível com a qualidade mínima requerida. Afinal, se sabem

que não serão devidamente remuneradas por esse investimento, a tendência será reduzir

seus gastos ao máximo possível. A redução dos investimentos pode ser não somente

consequência de uma estratégia de minimização de prejuízos, mas simplesmente

ausência de caixa. Em algumas atividades do setor de energia, é desejável que haja

investimentos em “redundâncias”, equipamentos e instalações que são utilizados para

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suprir falhas de outros equipamentos, garantindo maior estabilidade na oferta de

energia. Uma das consequências da redução de investimentos pode ser a redução de

gastos com estruturas redundantes, aumentando a probabilidade de ocorrência de

problemas, como mini apagões.

Em segundo lugar, as empresas anteciparão o comportamento oportunista

por parte do Governo e passarão a exigir, no leilão, preços maiores do que pediriam em

situações normais. Digamos que o contrato estabeleça devida e irretratavelmente a

remuneração do investimento inicial e que somente os investimentos novos estariam

sujeitos ao comportamento oportunista por parte do Governo. Suponhamos que a

empresa espere que esses investimentos novos, ao longo da vigência do contrato, sejam

de $ 1.000, mas que ela só conseguirá recuperar 90%, ou seja, $ 900. Os $ 100 de

prejuízo ela tenderá a embutir no preço ofertado.

Em verdade, ela tenderá a embutir um valor acima de R$ 100, se estiver

incerta em relação ao montante de investimento que terá de realizar. Suponhamos que

os novos investimentos ao longo do contrato possam ser de $ 1000 (que geraria perda de

$ 100) ou $ 1500 (com perda de $ 150) ou $ 500 (e prejuízo de $50). Se a probabilidade

de cada evento for de 1/3, a perda esperada é de $ 100. Entretanto, para aceitar incorrer

no risco, a concessionária exigirá um valor acima de $100, digamos, $ 110. Se todas as

concessionárias forem igualmente avessas ao risco, o resultado final do leilão será a

oferta de energia a um custo maior do que seria necessário.

Ou seja, a tentativa de impor modicidade tarifária por parte do regulador

é bem sucedida somente para as distribuidoras que se encontram no meio do contrato e

já incorreram em elevados custos afundados. Para os futuros contratos, o custo da

energia será, em média, mais elevado do que seria na ausência de comportamento

oportunista. Ou seja, troca-se modicidade tarifária hoje por tarifas maiores amanhã.

Uma terceira consequência do comportamento oportunista por parte do

Governo é reduzir a eficiência dos leilões, devido ao fato de as empresas valorizarem

diferentemente o risco. Conforme discutimos na Subseção II.4.1.a, vencerá o leilão não

necessariamente a empresa mais eficiente, mas aquela que menos valoriza o risco.

Voltando ao exemplo anterior, em que há possibilidades de prejuízo de $ 50, $ 100 e $

150. A firma que se comporta de forma neutra em relação ao risco irá se satisfazer com

um sobrepreço de $ 100. Quanto mais avessa ao risco, mais próximo de $ 150 será a

oferta da firma. Dessa forma, a tendência é o leilão ser vencido pela licitante que

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oferecer $ 100 como prêmio de risco, mesmo que seu custo de produção seja superior ao

de outras firmas40, ou seja, a vencedora não seria a empresa mais eficiente.

Tendo em vista que tal risco seria totalmente evitável (bastaria remunerar

adequadamente os novos investimentos), o comportamento oportunista por parte do

regulador gera ineficiência alocativa, traduzida, no caso, em tarifas mais elevadas e

concessionárias menos eficientes. Se as empresas mais sérias forem também as mais

avessas ao risco, a prática de sub-remunerar investimentos adicionais aumenta a

probabilidade de o leilão ser vencido por empresas oportunistas.

Um quarto problema é que, com o aumento do risco, haverá uma

tendência de saída de capital do setor. Isso decorre não só do menor interesse que a

atividade de distribuição irá provocar, mas também porque algumas empresas não

conseguirão recuperar os investimentos realizados. Em ambos os casos, compromete-se

a oferta de energia no médio e no longo prazo.

Passemos então a nos preocupar em como resolver o problema. Já vimos

que, simplesmente aceitar o pedido da concessionária não é solução, pois ela tenderia a

dizer que seu custo de oportunidade é muito elevado. Leilões tampouco são opções

viáveis.

Outra solução óbvia seria o Governo se comprometer a não ter um

comportamento oportunista, e agir de acordo. Mas se a credibilidade tiver sido abalada,

será necessário algum tempo para que seja recuperada. Nesse ínterim, serão necessários

instrumentos contratuais que tentem, pelo menos, mitigar os riscos.

Uma possibilidade é travar a Taxa Interna de Retorno (TIR) quando da

assinatura do contrato. Assim, ao longo de todo o período de concessão, a licitante teria

garantido um retorno para os novos investimentos equivalentes à TIR. O problema é que

as condições macroeconômicas se alteram ao longo do tempo. Assim, travar a TIR pode

gerar lucros excessivos para a distribuidora, se a taxa de juros e a percepção de risco

caírem após a realização do leilão, ou gerar prejuízos caso o ambiente macroeconômico

se deteriore.

Pode-se tentar utilizar a TIR ou a remuneração do capital (WACC – do

inglês Weighted Average Cost of Capital) associada a contratos recentes, desde que

40 Mais precisamente, considerando os exemplos extremos de firmas que exigem $ 100 ou $ 150, a firma mais propensa ao risco vencerá o leilão, mesmo se seu custo de produção for até $ 49 superior ao custo de produção da firma mais avessa ao risco.

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sejam justas41. O problema é que, não necessariamente, serão celebrados contratos na

mesma época em que as concessionárias farão os novos investimentos. Além disso, os

contratos poderão ser para áreas com características muito diferentes daquelas em que

os novos investimentos irão ocorrer. Compare-se, por exemplo, o risco e os custos para

eletrificar uma pequena e pacífica cidade do interior de porte médio, com os

investimentos novos para eletrificar uma região de uma metrópole, com altos índices de

violência e, provavelmente, alto nível de roubo de energia.

O contrato pode prever indenizações justas caso a empresa desista da

concessão. A indenização deveria envolver não somente os ativos não depreciados,

como também outros custos não afundados. No caso de ativos não reversíveis, a

indenização não deveria ser integral, para não estimular comportamento oportunista por

parte do regulado42. Mas deveria ser alta o suficiente para desestimular comportamento

oportunista por parte do regulador.

Uma possibilidade é o uso de árbitros. O próprio contrato de concessão já

poderia prever fóruns de renegociação caso haja divergências na remuneração dos

investimentos durante o processo de revisão tarifária. Os árbitros poderiam estipular a

remuneração a ser adotada, bem como definir os critérios de indenização caso a

concessionária optasse por devolver a concessão. O contrato poderia até mesmo prever

o modelo de arbitragem a ser adotado. Por exemplo, há arbitragens em que o árbitro se

compromete a escolher uma solução intermediária entre as propostas. Em outros tipos

de arbitragem, o árbitro se obriga a escolher somente uma das propostas. Há ainda a

possibilidade de o árbitro definir um preço que esteja fora do intervalo dos preços

reivindicados.

Até o momento consideramos somente o problema de remuneração de

investimento, sem considerar ganhos de produtividade. O contrato, entretanto, deve ser

tal que estimule as empresas a perseguir ganhos de produtividade. Na próxima seção

discutiremos esse problema.

41 No Brasil, contratos entre a estatal Eletrobras e o órgão regulador podem embutir taxas de retorno muito abaixo do que aquilo que poderia ser considerado justo e, portanto, não deveriam servir como parâmetro para negociações com o setor privado.42 Se a empresa não tiver custo algum em devolver a concessão, ela terá maior poder de barganha para pressionar o regulador a aceitar novas condições contratuais. Isso porque a empresa que viesse a substituí-la incorreria em novos custos não afundados (por exemplo, para montar a estrutura administrativa). A substituição de concessionárias impõe, portanto, custos mais altos para a atividade de distribuição. Diante disso, o regulador poderia aceitar rever os contratos, desde que os ganhos da atual concessionária sejam inferiores ao aumento de custos que a troca de concessionárias provocaria.

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II.4.3 – Incentivos para ganhos de produtividade

O objetivo de modicidade tarifária deve ser pensado dinamicamente. Ao

longo de um contrato de longo prazo, novas tecnologias surgem. Vimos que, no caso de

perfeita informação, bastaria ao regulador fixar a tarifa em valor compatível com o

menor custo de produção possível. Com assimetria de informações, entretanto, o

regulador não conhece que custo é esse. Deverá então fornecer incentivos para que o

concessionário adote a melhor tecnologia disponível. Isso permitirá redução de custos

que, em algum momento, poderá ser incorporada às tarifas.

A literatura43 define dois tipos básicos de regulação. A regulação por taxa

de retorno e a regulação por fixação de preços. No primeiro caso, o concessionário

apresenta os custos de produção para o regulador que, se os aceitar após uma auditoria,

aplica uma taxa de retorno para definir a tarifa. Se a auditoria for bem feita, esse sistema

garante que o concessionário terá uma remuneração justa – nem abaixo nem acima do

que seria merecido.

O grande problema da remuneração por taxa de retorno é que não

estimula a adoção de técnicas mais produtivas. Afinal, se independentemente do que

fizer, o investidor tiver seus custos ressarcidos, não há porque se preocupar em inovar,

principalmente quando se leva em consideração os custos e riscos associados à adoção

de novas tecnologias. O termo “novas tecnologias” deve ser entendido de forma ampla,

englobando não somente a aquisição de equipamentos mais modernos, mas qualquer

alteração que permita ganhos de produtividade. Pode ser uma reestruturação

administrativa, uma nova política de formação de estoques ou de relacionamento com

fornecedores, novos métodos de cobrança de contas etc. Para que novas tecnologias

sejam adotadas, é necessário experimentar e, eventualmente, errar, o que implica que há

sempre um risco envolvido. Se o custo decorrente das experimentações não for

devidamente validado pelo órgão regulador, a concessionária se verá na situação em que

se tentar inovar e for mal sucedida sofrerá prejuízo, e se for bem sucedida não auferirá

ganhos extraordinários. O incentivo, nesse caso, é claramente no sentido de não inovar.

Por isso, a regulação por taxa de retorno é um tipo de regulação classificado como de

baixo poder de incentivos.

A segunda forma mais comum de regulação é por fixação de preço-teto

(price cap, em inglês). Nesse caso, como o nome sugere, o regulador fixa um preço-

43 Sobre formas de regulação, ver Laffont e Tirole (1993).

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teto, independentemente dos custos da concessionária. Para garantir modicidade

tarifária, o preço-teto deve ser fixado em um valor que permita a devida cobertura de

custos, mas não gere grandes excedentes para a concessionária. A dificuldade está

justamente em fixar o preço-teto, pois, se for muito baixo, poderá afugentar potenciais

investidores e estimulará comportamento oportunista por parte do regulado.

É fácil ver que a fixação de um preço-teto dá o máximo estímulo para

que a empresa aumente a produtividade, pois qualquer ganho que obtiver em termos de

redução de custos será integralmente apropriado por ela. Ao renovar as concessões, a

empresa, dominando uma tecnologia de menor custo, poderá fazer ofertas mais

competitivas no leilão. Se várias empresas (nas respectivas concessões) tiverem tido a

oportunidade de adotar técnicas mais produtivas, o resultado final será uma redução das

tarifas no longo prazo.

Para alguns reguladores, esperar vencer o período de concessão pode ser

um prazo muito longo. Por isso estabelecem regras que permitam que parte dos ganhos

de produtividade seja transferida para os consumidores já ao longo do contrato de

concessão. Para cumprir esse objetivo os contratos preveem revisões tarifárias,

realizadas normalmente a cada quatro ou cinco anos, em que é avaliada a evolução dos

custos do setor e aplicado o chamado “fator X”. Esse fator corresponde a uma redução

percentual nas tarifas, pré-fixada, e que busca refletir os ganhos de produtividade

ocorridos no intervalo entre duas revisões.

Assim, na revisão tarifária, o regulador olharia para dois custos. Aqueles

custos que não são administrados pela distribuidora – como tributos, tarifas pagas para

transmissão e geração –, são integralmente repassados para as tarifas. Já os custos

administráveis pela distribuidora são reajustados pela inflação (ou por algum outro

índice pré-definido, como variação cambial ou índice de custos do setor) e, sobre eles,

aplica-se o redutor previsto no fator X para se chegar à tarifa final.

Por ser pré-fixado, o fator X também é uma forma de regulação de alto

poder de incentivos. Afinal, como a distribuidora sabe que independentemente do que

fizer a tarifa após a revisão tarifária será a mesma, ela terá o máximo incentivo em

adotar a tecnologia que lhe garanta maior produtividade.

Há dois comportamentos que o regulador deveria evitar a qualquer custo.

O primeiro é após observar ex post o ganho de produtividade obtido pela

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concessionária, tentar repassá-lo integralmente para o consumidor final. Essa estratégia

garantiria no curto prazo a menor tarifa possível, mas desestimularia a empresa a

investir em novas tecnologias. Afinal, se todo o ganho de produtividade que conseguir

for repassado para os consumidores, não haverá incentivos para a concessionária

aumentar sua produtividade44. Retorna-se, então, a um modelo de regulação de baixo

poder de incentivos, que não gera modicidade tarifária no longo prazo.

O segundo perigo é o regulador exagerar no fator X. Se o redutor for

muito elevado, as empresas terão pouco incentivo para atuar no setor, pois sabem, de

antemão, que, por um lado, todo ganho de produtividade será repassado para os

consumidores, e, por outro, que se não conseguirem reduzir os custos na mesma

velocidade do fator X incorrerão em prejuízo. Nesse caso, ou o setor elétrico observa

uma maior participação de aventureiros, ou as empresas interessadas em atuar na área

de energia passarão a exigir tarifas iniciais mais altas para se precaverem do risco de

não conseguirem reduzir os custos na velocidade requerida.

Em outras palavras, havendo assimetria de informações, o melhor que o

regulador deve fazer para estimular as empresas a adotar tecnologias mais eficientes é

permitir que o regulado se aproprie de pelo menos parte dos ganhos de produtividade

que obtiver. Quanto maior for a parcela apropriada, maior o estímulo para adoção de

tecnologias de menor custo e, portanto, maior a modicidade tarifária no longo prazo.

A questão do estímulo à adoção de tecnologias mais modernas tem-se

tornado particularmente importante nos últimos anos, com o advento do smart grid. Os

smart grids são redes inteligentes, que permitem transmissão em tempo real sobre o

consumo. Também permitem diferenciar consumidores prioritários (por exemplo,

hospitais) de não prioritários. Outros possíveis usos do smart grid são a inserção de

microprodutores de energia (por exemplo, consumidores residenciais que possuem placa

solar) no sistema, que poderiam vender eventuais excessos de produção; a tarifação

diferenciada ao longo do dia; e a possibilidade de leitura da conta de luz a partir de uma

central, sem necessidade de deslocamento de pessoas até as casas.

Enfim, são inúmeras as possibilidades de uso do smart grid, bem como

as possibilidades de ganhos de produtividade e redução de custos. Entretanto, uma

política em que quase todo ganho de produtividade é transferido para o consumidor 44 Em verdade, os incentivos não são nulos porque a distribuidora poderia se apropriar dos ganhos de produtividade nos intervalos entre duas revisões. Mas, considerando os riscos envolvidos, os incentivos, apesar de não nulos, são muito baixos.

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reduz drasticamente os incentivos para as distribuidoras investirem em tais redes. O

resultado, no longo prazo, é o atraso tecnológico das redes de distribuição e custos mais

elevados.

II.5 – Alternativas para redução do custo de energia

Na seção anterior vimos que modicidade tarifária não deve significar o

menor preço a qualquer custo. Deve ser o menor preço compatível com a

sustentabilidade das empresas do setor; do contrário, trocam-se tarifas mais baixas no

presente por tarifas mais elevadas no futuro, com grande probabilidade de oferta

insuficiente para atender à demanda. Exemplo disso já houve no passado recente, com o

racionamento de 2001: as tarifas comprimidas no passado tiveram que ser bastante

elevadas, e a oferta falhou, exigindo sacrifícios e novos hábitos de consumo por parte da

população.

Assim, apesar de uma percepção generalizada de que as tarifas de energia

elétrica são altas no Brasil, principalmente quando se considera o nosso potencial

hidroelétrico, não se deve esperar que a modicidade tarifária seja obtida por meio de

redução unilateral de tarifas, somente por desejo do Governo ou do regulador. É

necessário haver reduções efetivas no custo marginal de produção de energia. As

alternativas apresentadas a seguir sugerem formas de reduzir as tarifas de maneira a não

comprometer o equilíbrio no setor.

II.5.1 – Redução dos riscos regulatórios e negociais

Quanto mais alto for o grau de incerteza, maior retorno um empresário

irá exigir para realizar determinada atividade. Essa regra vale para produtores de

banana, de automóveis, bancos, prestadores de serviços em geral e, naturalmente, para

empresários do setor elétrico. A intuição é simples: para uma dada taxa de retorno

esperada, o empresário irá escolher a atividade que lhe garante essa taxa com menor

risco.

Por exemplo, se puder optar por um empreendimento A, que gere taxas

de retorno de 8%, 9% ou 10% ao ano, com igual probabilidade, ou um empreendimento

B, cujas taxas de retorno são 2%, 9% ou 16% ao ano, também com igual probabilidade,

a maioria dos investidores optará pelo empreendimento A, que oferece menor risco,

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embora gerem o mesmo retorno esperado (9%). Não é por outro motivo que os títulos

públicos são tão atraentes, pois oferecem baixíssimo risco (pelo menos comparados a

outros títulos brasileiros). Para induzir os empresários a investir no empreendimento B,

será necessário aumentar seu retorno esperado.

Nas seções anteriores, vimos que há características inerentes ao setor

elétrico que se constituem em fontes de risco. Em especial, a longa maturação dos

investimentos e a impossibilidade de prever todas as circunstâncias no contrato

aumentam substancialmente a probabilidade de comportamento oportunista por parte do

Governo.

Para mitigar o risco regulatório, é necessário, em primeiro lugar, contar

com instituições estáveis. Um Poder Judiciário independente e eficiente é importante

para barrar eventuais ações oportunistas por parte do Governo. Recentemente, por

exemplo, o CNPE publicou resolução obrigando os agentes de geração e

comercialização de energia elétrica a arcar com metade dos custos do acionamento das

térmicas. O resultado foi a judicialização da questão, que levou, entre outros prejuízos, à

paralisação da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) por dois meses. A

decisão foi temporariamente suspensa por força de liminar, mas a análise do mérito

pode demorar anos.

O Poder Judiciário também pode contribuir para o desenvolvimento do

setor energético, se conseguir punir exemplarmente ações como atos de vandalismo nos

canteiros de obras e roubo de energia, desestimulando a recorrência de tais atos.

Tão ou ainda mais importante do que um Judiciário independente e

eficiente, é o próprio Poder Executivo emitir sinais críveis de que está comprometido

com a estabilidade das regras. Para ganhar credibilidade, são necessárias ações

reiteradas no sentido de preservar a viabilidade dos negócios. Isso implica estabelecer

preços-teto capazes de atrair o setor privado nos leilões e estabelecer parâmetros que

garantam remuneração adequada do capital por ocasião das revisões tarifárias, bem

como somente alterar as regras com prévia discussão com o mercado, mediante

audiências públicas ou outros mecanismos bem aceitos pelas empresas.

Conforme discutimos anteriormente, o Governo tem um incentivo de

curto prazo no sentido de pressionar as tarifas para baixo, pois as empresas, após terem

incorrido nos custos afundados iniciais, têm pouco incentivo para devolver a concessão.

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Mas, no longo prazo, a consequência dessa política é afugentar o investimento privado,

comprometendo a oferta de energia.

O Governo também pode reduzir riscos se delinear claramente a política

energética de longo prazo. Na Medida Provisória nº 579, de 2012, o Governo deu o

prazo de um mês para que as concessionárias decidissem se antecipariam ou não a

renovação das concessões. A partir de 2015, várias distribuidoras terão de renovar os

contratos de concessão. Até o momento não foram divulgadas as regras da renovação, e

representantes do Governo já disseram à imprensa que não há pressa na definição dos

termos da renovação. Isso encurta o horizonte de planejamento das empresas do setor, o

que tende a aumentar os custos, pois algumas opções estratégicas somente estão

disponíveis no longo prazo.

II.5.2 – Maior celeridade no fornecimento do licenciamento socioambiental

Um dos custos que muito oneram a construção de novas usinas e linhas de

transmissão é o licenciamento socioambiental. As empresas construtoras desses

empreendimentos, em particular as usinas hidrelétricas, obras maiores e mais

complexas, enfrentam uma série de dificuldades para obter as licenças necessárias à sua

construção, especialmente a Licença Prévia, que viabiliza o início da obra.

A primeira dificuldade pode ser encontrada na falta de uma legislação

adequada ao disciplinamento de todo o processo de licenciamento socioambiental.

Grande parte do assunto está tratado em resoluções do Conselho Nacional do Meio

Ambiente (CONAMA) e em outras normas esparsas, não havendo uma legislação única

e bem articulada sobre todo o processo de licenciamento socioambiental. A fragilidade

das normas do CONAMA, que não têm força de lei, e outros motivos têm levado à

judicialização do processo decisório, motivada principalmente pela ação do Ministério

Público. Assim, uma legislação única, racional e coerente, destinada a sanar esses

problemas, certamente reduziria os custos do setor.

Em decorrência da falta de uma legislação capaz de racionalizar o processo,

o empreendedor tem que bater à porta de uma quantidade de órgãos públicos que

precisam autorizar a obra e sua posterior operação. Atualmente, além dos órgãos

ambientais, os empreendedores precisam obter anuência da Fundação Nacional do Índio

(Funai), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), da

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Fundação Palmares, e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre

outras instituições públicas. Há casos em que até 15 diferentes órgãos precisam ser

consultados, segundo o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, órgão formado por

19 associações de empresas geradoras, transmissoras, distribuidoras e de consumidores

do setor elétrico.

Essa peregrinação adiciona custos ao empreendimento e comumente gera

atrasos no início das obras e da operação do empreendimento, que também se

transformam em custos. De acordo com o Fórum, o maior problema está na obtenção da

Licença Prévia, que demora, em média, de quatro a cinco anos para ser obtida.

Em razão disso, o Fórum entregou proposta ao Governo Federal para a

criação de um “balcão único” para o licenciamento dessas obras, o que pouparia tempo

e esforço dos empreendedores e reduziria os custos das obras e, consequentemente, da

energia. O “balcão único” agilizaria o licenciamento ao concentrar o processo numa

instância responsável por sua gestão e coordenação, interagindo com as entidades que

precisam se manifestar sobre o licenciamento, segundo o Fórum.

Outro aspecto que tem pesado nos custos desses empreendimentos são

exigências de contrapartidas pelo licenciamento que nada têm a ver com o impacto do

empreendimento. Tornou-se comum exigir dos empreendedores obras de saneamento

básico para as cidades afetadas pela obra ou a construção de rodovias. Tratadas como

contrapartidas, demandas dessa natureza são muitas vezes respaldadas pelos órgãos que

devem licenciar o empreendimento e acabam fazendo parte do custo da obra, na falta de

legislação que discipline adequadamente o que pode e o que não pode fazer parte das

compensações socioambientais. Seria adequado que houvesse normas específicas sobre

isso, para reduzir a margem de discricionariedade dos agentes públicos e as incertezas

do empreendedor e, com isso, os custos do empreendimento e da energia.

Ademais, é importante lembrar a existência da Compensação Financeira

pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH)45, paga pelas usinas, da qual 45% são

45 Criada pela Lei n.º 7.990, de 28 de dezembro de 1989. O cálculo da CFURH baseia-se na geração efetiva das usinas hidrelétricas, de acordo com a seguinte fórmula: CFURH = TAR x GH x 6,75%, onde TAR refere-se à Tarifa Atualizada de Referência estabelecida anualmente pela ANEEL (em R$/MWh) e GH é o montante (em MWh) da geração mensal da usina hidrelétrica.Destina-se a compensar os municípios afetados pela perda de terras produtivas, ocasionada por inundação de áreas na construção de reservatórios de usinas hidrelétricas. Do montante arrecadado mensalmente a título de compensação financeira, 45% se destinam aos Estados, 45% aos Municípios, 3% ao Ministério de Meio Ambiente, 3% ao Ministério de Minas e Energia, e 4%

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destinados aos municípios atingidos pelos seus reservatórios, o que dispensaria

quaisquer outras formas de compensação prévia à construção de hidrelétricas.

II.5.3 – Redução da tributação e encargos do setor

A energia elétrica é dos serviços mais fortemente tributados no Brasil. De

acordo com estudo da ABRADEE, para um consumidor residencial com consumo

acima de 200 KwH/mês na Região Sudeste46, nada menos que 41% de sua conta de luz

era representada por encargos e tributos. Para um consumidor médio, representando

todas as classes de consumo e todos os estados brasileiros, a soma de encargos e tributos

era de 39%. As estimativas da Abradee referem-se a 2012 e, por isso, provavelmente

não incorporam as recentes desonerações decorrentes da MP 579, editada no final

daquele ano.

A Aneel também fez uma estimativa para um consumidor residencial

com conta no valor de R$ 100,00. Nesse caso, os tributos e encargos representavam

34% do valor da tarifa, antes da MP 579, e 30%, após a MP. Destaque-se que tanto a

Aneel como a Abradee incorporam como tributos somente o PIS/Pasep, Cofins e o

ICMS. Outros impostos como o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido não são considerados nos cálculos.

Se considerarmos a carga de 39% calculada pela Abradee para um

consumidor médio como a mais representativa, concluímos que a carga tributária do

setor elétrico é mais alta do que a brasileira, que se encontra em 36%47. Para um setor

que produz um insumo tão essencial para a produção e para o consumo final, a

tributação certamente deveria ser mais baixa.

Na comparação internacional, estudo publicado pela Abradee48 concluiu

que, para uma amostra de 18 países, todos da OCDE, com exceção do Brasil, o Brasil

ao Ministério de Ciência e Tecnologia. A gestão da sua arrecadação fica a cargo da ANEEL.46 A participação de encargos e tributos na conta de luz depende de vários fatores, como a classe do consumidor (residencial, industrial etc.), do consumo e da Unidade da Federação em que se localiza (pois as alíquotas de ICMS variam).47 A carga efetiva sobre o setor elétrico pode ser mais baixa que os 39% mostrados acima. As desonerações promovidas pela MP 579 podem ter feito a carga cair para 35%, se utilizarmos o mesmo impacto de 4 pontos percentuais estimado pela Aneel. Por outro lado, esses valores não incluem IR e CSLL. Dessa forma, a carga tributária do setor elétrico está sendo, no mínimo, tão elevada quando à carga tributária média do País. 48 Vide a apresentação intitulada: “Comparação Internacional de Tarifas de Energia Elétrica”, disponível em: http://www.abradee.org.br/imprensa/noticias/1136-abradee-divulga-novo-estudo-comparativo-de-tarifas

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aparece como o 9º país no ranking dos que mais tributam energia elétrica. Contudo, há

países onde a tributação sobre o setor elétrico também é mais elevada, como na

Escandinávia, França e Alemanha. Proporcionalmente à carga tributária geral, o Brasil

foi o 6º país da amostra onde o setor de energia é mais fortemente taxado49.

Além da alta incidência tributária, há vários encargos que representam

subsídios cruzados. Alguns foram eliminados recentemente pela MP 579, como a RGR

e a CCC. Outros, como a CDE, que foi reduzida no âmbito da mesma MP, tem por

função, entre outras, subsidiar os consumidores de baixa renda. Conforme discutimos na

Subseção II.3.1.a, subsídios devem ser arcados pelo Governo (isto é, pelo contribuinte),

e não pelo consumidor de energia. Outro exemplo de distorção é a Taxa de Fiscalização

de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), destinada a cobrir as despesas da Aneel, mas

que, na prática, sofre contingenciamento por parte do Tesouro. Isso prejudica o

consumidor de energia duplamente: pelo impacto sobre a tarifa e pelo enfraquecimento

da Aneel, que passa a não dispor dos recursos necessários para o bom desempenho de

suas funções50.

O grande desafio na redução de encargos e tributos deve-se à baixa

elasticidade de demanda da energia. A receita total arrecadada de um tributo depende da

alíquota e da quantidade consumida. Como a elasticidade de demanda por energia é

baixa, um aumento de tarifas provocado por um aumento na tributação tende a não

reduzir significativamente a demanda dos consumidores, permitindo forte arrecadação

tributária. Adicionalmente, o ICMS incidente sobre a conta de energia é um imposto

fácil de ser arrecadado, sem probabilidade de sonegação, porque mesmo quando o

consumidor não paga a conta a distribuidora recolhe o imposto. Por isso, na média dos

estados, o ICMS incidente sobre o consumo de energia representa 9% da arrecadação

total do tributo, o que explica a forte resistência das Fazendas estaduais em abrir mão

dessa receita.

Um programa de desoneração do setor deveria passar por redução dos

encargos, principalmente aqueles que envolvem subsídios cruzados e que deveriam ser

bancados pelo Tesouro. É também necessário um pequeno pacto federativo, onde União

49Neste estudo, a Abradee considerou que uma carga tributária sobre o setor de energia elétrica de 28% para o Brasil, abaixo das estimativas anteriormente apresentadas. Provavelmente foi um ajuste metodológico para permitir comparabilidade entre os valores da amostra.50 Para uma discussão sobre a adequação dos diferentes encargos incidentes sobre a conta de luz, ver Montalvão (2009).

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e Estados entrem em um acordo para reduzir os respectivos tributos incidentes sobre o

setor.

II.5.4 – Estímulo à construção de usinas com reservatórios

O Brasil é dos poucos países que tem a sorte de contar com imenso

potencial hidroelétrico. Trata-se de uma energia renovável e de baixo custo. Entretanto,

na última década, tem-se consolidado uma estratégia de desperdiçar esse potencial,

estratégia essa consubstanciada em uma espécie de veto branco à construção de usinas

com grandes reservatórios. O caso mais emblemático é o de Belo Monte, usina com

potência de 11 mil MW, mas que irá gerar uma média de somente 4,5 mil MW, porque

foi construída sem reservatório, de forma que, na época da seca, não terá água suficiente

para acionar as turbinas.

O grande impedimento para construção de usinas com grandes

reservatórios são elevados custos socioambientais decorrentes da inundação dessas

áreas. Paradoxalmente, a solução que tem se viabilizado é a construção de mais usinas

termoelétricas, que produzem energia bem mais cara e mais poluente do que a

hidroelétrica.

O Capítulo V discutirá em mais detalhes esse grande entrave para uma

efetiva redução de custos de geração no País.

II.5.5 – Estímulo ao mercado livre

A reforma do setor de energia promovida nos anos 1990 foi de cunho

liberalizante. Por um lado, deu-se início às privatizações, sobretudo na atividade de

distribuição. Outro importante passo foi a criação do Mercado Atacadista de Energia,

onde os agentes poderiam negociar livremente preços e quantidades. Foi criada,

também, a figura do consumidor livre51. Em 2003, no âmbito da nova reforma do setor

elétrico, esse mercado foi substituído pelo Ambiente de Contratação Livre (ACL).

O ACL foi inicialmente instituído para atender somente a consumidores

com carga igual ou superior a 3 MW. São os chamados consumidores livres.

51 Lei nº 9.074, de 1995 estabeleceu como consumidores livres aqueles com carga superior a 3.000 kW, que podem optar pela contratação do fornecimento de qualquer empresa concessionária, permissionária ou autorizada para a comercialização.

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Posteriormente, o mercado livre passou a permitir também a participação dos chamados

consumidores especiais, definidos como aqueles com carga entre 0,5 MW e 3 MW,

desde que adquiram energia de fontes incentivadas52.

A liberalização do mercado iria requerer importantes alterações no atual

modelo. A atividade de distribuição passaria a se responsabilizar somente pelo

cabeamento e manutenção dos postes. Por ser um monopólio natural, essa atividade

teria de continuar sendo regulada, com tarifas definidos pelo órgão regulador e regras

que garantissem igualdade de acesso. Já o fornecimento de energia ao consumidor final

ficaria a cargo das comercializadoras53.

A nova estrutura de mercado apresentaria diversas vantagens. A

competição entre as diferentes comercializadoras aumentaria o poder de barganha do

consumidor final e pressionaria os preços para baixo. Como a competição seria pelo

consumidor, que se encontra no final da cadeia de produção, a pressão sobre os preços

se refletiria em todas as etapas anteriores da produção de energia. Essas vantagens

devem ser ainda mais evidentes no longo prazo, pois um ambiente mais competitivo

estimula as empresas a buscarem maior produtividade, produzindo mais barato (com

reflexos nas tarifas) ou melhorando a qualidade do produto.

A segunda vantagem é que o mercado livre sinaliza melhor a escassez. O

preço no mercado livre, de uma forma simplificada, deve refletir o preço esperado ao

longo do contrato do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que é o preço spot,

utilizado para a liquidação de excedentes54, e é calculado de forma a estimar o custo

marginal de operação do sistema (CMO) 55. Dessa forma, quando há um desequilíbrio

estrutural entre oferta e demanda, provocando um aumento do custo marginal, o CMO

sobe, fazendo com que o PLD também suba. Isso, por sua vez, deve aumentar o preço

da energia no mercado livre. Observe-se que o preço no mercado livre subirá mais

fortemente quanto maior for a percepção de que o aumento do PLD é duradouro.

52 São fontes incentivadas eólica, Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs, biomassa ou solar. O incentivo oferecido para adquirir esse tipo de energia é redução na tarifa de transmissão.53 Em tese, as geradoras poderiam vender diretamente energia para os consumidores, como ocorre atualmente. Entretanto, devido à pequena escala de consumo, é pouco provável que as geradoras venham a se interessar pelo mercado de pequenos consumidores.54 A comercializadora tem a opção de fechar um contrato de médio prazo, digamos, de três anos, ou de negociar diariamente sua energia pelo valor do PLD. O preço fixado em contrato deve, portanto, refletir o custo de oportunidade da comercializadora, que é vender no mercado à vista. Há, contudo, outros fatores, como o risco de flutuação de preços, que faz com que o valor no mercado livre não seja exatamente igual ao valor médio esperado do PLD durante a vigência do contrato.55 O PLD é calculado semanalmente pela CCEE a partir de um software chamado Newave, que leva em consideração as condições de demanda, de oferta e diferentes cenários hidrológicos.

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Cabe destacar que o mercado regulado também será afetado, uma vez

que as distribuidoras recontratam parte de sua energia (energia existente) anualmente.

Quando da recontratação, os geradores também irão cobrar um prêmio sobre a

expectativa do PLD, tal como ocorreu no leilão A-1, realizado em dezembro de 2013.

Entretanto, o impacto de um aumento do PLD sobre o preço do mercado regulado dá-se

apenas de forma marginal, sobre a energia recontratada. Já no mercado livre, o impacto

é imediato sobre todos os novos contratos. Por esse motivo, o mercado livre é capaz de

sinalizar melhor a escassez de energia.

Observe-se, contudo, que a flutuação de preços no mercado livre não

decorre somente de alterações na relação entre oferta e demanda. Em situações

excepcionais, principalmente quando há desequilíbrio na alocação de energia entre o

ACR e o ACL, pode haver falta de liquidez no mercado livre, permitindo aos agentes

que possuam energia auferir um prêmio elevado. Assim como ocorre em outros

mercados financeiros, o prêmio de liquidez pode ser elevado. No início de 2010, por

exemplo, vários empreendimentos que deveriam entrar em operação atrasaram e foram

forçados a comprar energia no mercado livre para honrar seus compromissos com as

distribuidoras. Em 2015, quando a energia da CESP, da CEMIG e da COPEL será

convertida em cotas e deverá migrar compulsoriamente para o ACR, poderá haver novo

problema de liquidez no mercado livre. Uma maior comunicação entre os dois mercados

(ou, no limite, a total liberalização do mercado) poderá contribuir para que eventos de

falta de liquidez se tornem menos frequentes, fazendo com que o preço no mercado

livre reflita mais adequadamente a escassez relativa de energia.

Além de aumentar a competição e sinalizar melhor a escassez ao

consumidor, a terceira vantagem de uma maior liberalização do mercado é permitir que

a demanda reaja adequadamente aos preços. Maiores preços no mercado livre somente

irão se materializar em aumento de oferta se houver perspectiva de que a maior oferta

será acompanhada por maior demanda. Mas o ACR, responsável por 75% do mercado,

não pode contratar livremente a energia e estimular a expansão da oferta de forma

rápida.

Em resumo, é necessário expandir o mercado livre para que a escassez de

energia seja corretamente sinalizada e para que a demanda forneça os estímulos

necessários para viabilizar a expansão da oferta. Devemos lembrar, contudo, que

mercado livre não significa mercado desregulamentado. Para que o mercado livre

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funcione adequadamente é necessário dispor de instituições que impeçam o abuso de

poder econômico e garantam efetiva concorrência nas etapas de produção onde a maior

competitividade é desejável56.

A liberalização do mercado também permitiria ganhos de eficiência no

consumo. A comercializadora pode oferecer produtos diferenciados que atendam à

necessidade de produtores e consumidores beneficiando-se de economias de escala e

escopo e, por consequência, incorporando eficiência e redução e custos. Um mercado

mais competitivo também facilita a diversificação de contratos, com a possibilidade de

as empresas oferecerem pacotes com preços diferenciados para determinadas horas do

dia, otimizando o uso da energia. Um regulador, por mais competente que seja, não

dispõe de informações suficientes para precificar a energia de forma tão precisa, ao

longo do dia, do período do ano ou das condições hidrológicas.

O ACL é um mercado importante, que respondeu por 27% do consumo

de energia elétrica em 2012, e que cresceu muito, tendo em vista ser um mercado

recente e em consolidação. De 974 consumidores em 2006, passou-se para 1.632 em

2010, até atingir 3.017 em 2012, aumento de mais de 200% no período57! Contraste-se

com o número de consumidores cativos, que passou de 59 milhões para 72 milhões

entre 2006 e 2012, um aumento de 22%.

Por ser um mercado restrito a grandes consumidores, o ACL apresenta

distribuição extremamente heterogênea. Mais de 90% de seus consumidores são da

classe industrial. Visto por outro ângulo, se restringirmos a análise ao setor industrial,

desde 2006 a energia vendida no ACL vem representando mais de 50% do consumo de

energia do setor. Nos últimos anos observa-se, inclusive, uma tendência de crescimento,

partindo de 53%, em 2009, e atingindo 62% em 2012.

Contudo, quando se olha para a evolução recente, percebe-se que o ACL

está relativamente estagnado, com participação relativa flutuando em torno de 25%

desde 200658. De uma forma geral, o que se percebe é uma falta de estímulo para

expansão desse mercado, a despeito de medidas pontuais no sentido de favorecê-lo.

56 Tanto a atividade de transmissão como a rede de postes são monopólios naturais e, por isso, devem sofrer maior regulamentação. Já geração e comercialização ao consumidor final podem ser atividades concorrenciais, cabendo ao órgão regulador garantir as devidas condições de concorrência.57 Informações extraídas dos Anuários Estatísticos de Energia Elétrica de 2011 e 2012, publicados pela EPE.58 A participação mínima foi de 23,2%, em 2009, e a máxima, de 27,5% em 2007.

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O modelo implantado quando da reestruturação do setor elétrico nos anos

1990 previa aumento gradual da abrangência do mercado livre. Uma proposta que

chegou a ser estudada pela Aneel previa o acesso de todos os consumidores ao mercado

livre a partir de 2005.

A expansão do mercado livre é realidade em vários países. Na Europa,

Austrália, Nova Zelândia, o mercado encontra-se totalmente aberto, inclusive a

consumidores residenciais, no mínimo, desde 2007. Destaque-se, o crescimento do

mercado livre não é privilégio somente dos países desenvolvidos. Na Colômbia,

Guatemala e Panamá, quem consome acima de 100 kW pode escolher livremente seu

fornecedor. No Uruguai, o limite mínimo é de 250 kW, no Chile, de 500 kW, e na

Bolívia e Peru, 1.000 kW59.

No Brasil, a única ampliação que houve no ACL desde a sua criação foi a

inclusão de consumidores especiais, definidos como aqueles cuja carga seja igual ou

maior que 500 kW e que adquiram energia de fontes incentivadas. Ou seja, pelo lado da

demanda tem havido estímulos insuficientes para a ampliação do ACL.

Em relação à oferta, na maioria dos leilões de energia nova de fonte

hidroelétrica, a parcela destinada ao atendimento do mercado livre está limitada a 30%.

A manter essa prática, no longo prazo, o ACL ficará limitado a consumir 30% da

produção da geração hidroelétrica, justamente a fonte de energia mais barata e de maior

interesse para tornar a indústria nacional mais competitiva no mercado internacional.

Expansões mais acentuadas do mercado livre podem se tornar inviáveis, pois a carência

de oferta fará com que o preço no mercado livre deixe de ser competitivo.

Outro fator que pode comprometer o desenvolvimento do mercado livre

no médio e no longo prazos é o seu uso para viabilizar preços baixos de energia no setor

regulado. Conforme argumenta Rego (2012)60, os leilões de energia nova dos grandes

projetos estruturantes, como Belo Monte, Santo Antônio e Jirau foram viabilizados com

um preço surpreendentemente baixo, em grande parte, porque as concessionárias

59 Informação disponível em: http://mercadolivredeenergia.com.br/post/mercado-livre-de-energia-eletrica/60 Rego, Erik Eduardo: “Proposta de aperfeiçoamento da metodologia dos leilões de comercialização de energia elétrica no ambiente regulado: aspectos conceituais, metodológicos e suas aplicações.” Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2012.

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esperam recuperar receita vendendo energia mais cara no ACL, compensando, assim, as

baixas margens obtidas no mercado regulado.

Ocorre que esse é um equilíbrio instável. Se o preço no ACL tornar-se

sistematicamente superior ao do mercado regulado, as empresas do mercado livre

tenderão a retornar para o mercado cativo. Reconhece-se que há fortes restrições à

mobilidade: a empresa tem de comunicar à distribuidora a intenção de voltar para o

mercado regulado com antecedência mínima de cinco anos. No longo prazo, entretanto,

tais regras não impedirão tal retorno.

Por fim, o ACL pode também ser vítima de uma melhora do ambiente

macroeconômico. O que se viu na última década foi o encolhimento da participação da

indústria no PIB. Como os clientes do ACL são majoritariamente do setor industrial,

isso ajuda a explicar a relativa estabilidade da participação do ACL no consumo

agregado de energia.

Em parte, o encolhimento da participação da indústria no PIB deve-se a

fatores de longo prazo. Mas há causas conjunturais que, uma vez devidamente

encaminhadas, podem permitir uma recuperação de nossa atividade industrial. Mais

especificamente, a retomada do crescimento nas economias centrais propiciará maior

demanda por nossas exportações; uma maior preocupação com estabilidade fiscal

permitirá maior depreciação do câmbio; e um aumento de investimentos em

infraestrutura permitirá aumentar a competitividade da indústria nacional.

Se a produção industrial brasileira vier a crescer em ritmo mais forte, a

demanda por energia no ACL tenderá a crescer mais rapidamente do que a demanda

geral por energia. Nesse cenário, restrições à oferta elevarão o preço da energia no

mercado livre, eventualmente, tornando-a mais alta do que no mercado regulado. O alto

custo da energia no ACL poderá não somente inviabilizar a expansão do mercado livre,

poderá mesmo prejudicar a expansão da indústria, retirando parte significativa de

eventuais ganhos de competitividade.

A mais recente ameaça à expansão e até à manutenção do mercado livre

no médio prazo é a conversão da energia das hidrelétricas, que, nas concessões que

estão sendo renovadas, vem sendo alocada, em cotas, somente para o ambiente

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regulado. A manter-se essa tendência, o mercado livre terá ainda menor disponibilidade

da fonte de energia mais barata e flexível. Cabe ressaltar que a simples alocação de

cotas para o mercado livre não pode ser encarada como a solução para esse problema,

tendo em vista os problemas apontados anteriormente. É necessário endereçar uma

solução para a disponibilidade de energia hidroelétrica para o mercado livre nos

processos de renovação de concessões que ocorrerão a partir de 2017.

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Capítulo III - O marco regulatório do setor elétrico brasileiro

III.1 – Introdução

No Capítulo I vimos que, por considerações fiscais e de eficiência, o

capital privado tem um papel imprescindível na oferta de energia elétrica brasileira. No

Capítulo II discutimos a precificação eficiente da energia. Neste Capítulo veremos como

o marco regulatório do setor elétrico tem evoluído no Brasil, tanto no que diz respeito à

participação do setor privado, como à precificação da energia.

O setor elétrico brasileiro vem passando por profundas modificações nos

últimos vinte anos. Iniciou-se na década de 1990, com uma reforma de cunho liberal

que permitiu a entrada de capital privado, com o objetivo de retomar os investimentos e

eliminar diversas distorções que vinham se acumulando.

Em 2003, novas alterações foram feitas no marco regulatório. Ainda que

algumas medidas fossem na direção de liberalizar o mercado, como a criação do

Ambiente de Contratação Livre (ACL), de forma geral essa reforma aumentou o

predomínio do Governo Federal sobre o setor elétrico, com enfraquecimento da agência

reguladora e o retorno ativo de estatais federais aos leilões de novos empreendimentos

de geração e transmissão.

Em 2012, a Medida Provisória (MP) nº 579, convertida posteriormente

na Lei nº 12.783, de 2013, inaugurou o que alguns analistas denominam de novíssimo

modelo do setor elétrico. Esse normativo, junto com outros que se seguiram, permitiu a

renovação de concessões sem licitação, desde que as empresas aceitassem as condições

impostas pelo Governo. Além disso, dentro de um contexto de busca por modicidade

tarifária, o Tesouro Nacional passou a subsidiar a tarifa de energia, dentro de uma

estratégia de impedir que aumentos de custos chegassem ao consumidor final.

Este Capítulo está dividido em três seções, além desta Introdução. A

Seção III.2 descreve a evolução do marco legal do setor elétrico nos últimos vinte anos,

com ênfase no modelo introduzido em 1995 e na reforma do primeiro Governo Lula, em

2003 e 2004.

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A Seção III.3 descreve a Medida Provisória (MP) nº 579, de 2012, e seus

principais objetivos, e analisa os custos decorrentes das mudanças propostas. Como

veremos, de uma estimativa inicial, contida na Exposição de Motivos da MP, de R$ 3,6

bilhões, atingiu-se uma conta que deverá ultrapassar R$ 10 bilhões, em 2013, e chegar a

até R$ 20 bilhões em 2014.

Já a Seção III.4 trata de medidas que o Governo Federal vem tomando

para impedir que aumento de custos no setor sejam repassados ao consumidor. Trata-se

da assunção, pelo Tesouro (via aportes na Conta de Desenvolvimento Energético), dos

custos decorrentes do despacho de energia elétrica pelas usinas térmicas, de custo mais

alto do que as hidroelétricas. Também nesse contexto, discutiremos a Resolução CNPE

nº 3, de 2013, que tentava obrigar todos os agentes de geração e comercialização de

energia elétrica a pagar metade dos custos decorrentes do acionamento das usinas

térmicas. Essa Resolução trouxe algo relativamente raro no setor elétrico do País: a

judicialização. A guerra judicial teve consequências graves, como a paralisação da

Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) por dois meses.

III.2 – A Evolução do Marco Legal

Para entender a reforma da legislação do setor elétrico brasileiro,

promovida a partir de 1995, é importante mostrar como o modelo de negócios que

vigorava até então se mostrou totalmente inadequado para garantir o crescimento da

oferta de energia elétrica no País. Conforme descrito no relatório final da Comissão

Especial Mista do Congresso Nacional destinada a estudar as causas da crise de

abastecimento de energia no país61, concluído em 2002, o financiamento da expansão do

setor elétrico brasileiro apoiava-se, até certo momento, em recursos orçamentários, em

empréstimos externos e na receita própria do setor.

A crise da dívida pública, que se agravou na década de 1980, impediu os

investimentos orçamentários, bem como a tomada de novos empréstimos pelas

empresas estatais. Somou-se a isso uma enorme inadimplência intrassetorial, que

debilitava as empresas do setor, estatais na sua ampla maioria.

61 A Crise de Abastecimento de Energia Elétrica, Relatório, 2002, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=57728.

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Essa inadimplência, é relevante notar, foi fruto de uma frustrada tentativa

de fazer da política tarifária do setor elétrico um mecanismo de contenção da inflação.

Aliou-se a isso o fato de que as distribuidoras estaduais frequentemente deixavam de

honrar o pagamento das aquisições de energia feitas junto às geradoras federais,

valendo-se de influência política. Tarifas inadequadas e calotes levaram ao “rombo”

finalmente debitado ao Tesouro.

Para se ter uma ideia de valores, a utilização da contenção tarifária como

instrumento de controle da inflação e a inadimplência intrassetorial geraram um rombo

de US$ 26 bilhões, valor entre 20% e 25% da dívida nacional da época, que só veio a

ser equacionado pela Lei nº 8.631, de 1993. Essa Lei proporcionou um encontro de

contas entre Estados e União, coberto com recursos do Tesouro. Ainda assim, os

investimentos seguiram paralisados.

De outra parte, mesmo que a Constituição de 1988 houvesse previsto a

concessão de serviços públicos em seu art. 175, a legislação necessária para que isso

fosse feito ainda não existia. Assim, entre 1988 e 1995, quando foram finalmente

aprovadas as Leis nºs. 8.987 e 9.074, nenhuma concessão nova para empreendimento de

geração de energia elétrica no País foi outorgada para produção independente.

Pouco se acresceu ao parque gerador no período, o mesmo ocorrendo

com a chamada Rede Básica de Transmissão, que interliga todo o Sistema Elétrico

Brasileiro. A falta desses investimentos e dessas obras seria uma das causas do

racionamento de energia elétrica experimentado em 2001, ao lado de uma grande

estiagem, como descrito no mencionado relatório. Como se sabe, a falta de

investimentos leva tempo para produzir efeitos.

Foi esse ambiente de baixo nível de investimentos e de um longo período

de descapitalização das empresas que levou a uma enorme reforma na legislação do

setor elétrico a partir de 1995. Havia uma clara diretriz do novo Governo de privatizar o

setor elétrico, que encontrou forte resistência nos anos seguintes, principalmente por

parte da oposição e da corporação estatal.

A proposta de novo arcabouço legal para o setor foi elaborada pela

consultoria Coopers&Librand, sendo, depois, submetida pelo Ministério de Minas e

Energia a uma ampla consulta pública, da qual participaram centenas de experientes

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técnicos do setor. Só depois disso a proposta foi enviada ao Congresso Nacional, onde,

graças ao debate prévio havido, foi rapidamente aprovada.

A reforma, de natureza liberal, permitiu o ingresso da iniciativa privada

nos negócios do setor elétrico (Lei de Concessões, regulamentando a Constituição de

1988), notadamente nas atividades de geração e transmissão, mediante licitação de

novas concessões.

Os primeiros movimentos governamentais foram de privatização das

concessionárias de distribuição, estatais estaduais na sua larga maioria, o que resultou

na venda de distribuidoras responsáveis por cerca de 85% do mercado nacional. O

segmento de geração da Eletrosul, subsidiária da Eletrobras, também foi vendido. Foi,

entretanto, a única geradora federal licitada, junto com parte do parque gerador da

CESP, do Governo de São Paulo. As demais geradoras e as linhas de transmissão

existentes seguiram sob controle estatal, via subsidiárias da Eletrobras.

Na margem, entretanto, a participação do setor privado aumentou.

Criaram-se leilões de linhas de transmissão, a partir de 1999, no modelo que perdura até

hoje. Entre 1996 – considerando-se as obras que já vinham em andamento – e 2002

foram agregados novos 11.144 quilômetros62 de linhas à Rede, o que contribuiu para

aumentar a segurança do sistema.

Buscou-se a retomada de 22 empreendimentos de geração já outorgados,

mas que não saiam do papel, num total de 11.549 MW, dos quais 10.489 MW

provenientes de hidrelétricas e 1.060 MW de térmicas, segundo dados da Agência

Nacional de Energia Elétrica. A condição para isso era que 1/3 dos investimentos

fossem privados. A participação do investimento privado nesses empreendimentos

acabou chegando, em média, a 2/3, tal o interesse que despertaram, dada a nova

legislação.

Ao mesmo tempo, foram criados leilões de novos empreendimentos de

geração, em regime de maior lance pelo Uso de Bem Público (UBP). O Governo

Federal precisava arrecadar, frente à crise fiscal, e esse era o modelo que melhor lhe

62Boletim Energia nº 387, Agência Nacional de Energia Elétrica, http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias_boletim/boletins/boletim_387.html, acessado em 06/11/2009.

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convinha, embora tivesse maior impacto nas tarifas ao consumidor, já que os custos dos

lances seriam repassados às tarifas. Esse modelo, de maior ágio, também foi adotado,

pelos mesmos motivos, pelo Governo Federal, nos atuais leilões de privatização dos

principais aeroportos do País.

As reformas da década de 1990, contudo, não se limitaram às

privatizações e participação do capital privado nos novos investimentos. Antes

rigidamente controlado, o setor passou a ser mais livre e competitivo, com a criação das

figuras do Produtor Independente de Energia (livre para empreender e vender a energia

produzida), do Consumidor Livre (inicialmente só para grandes consumidores)63, do

comercializador (broker) e do Mercado Atacadista de Energia (MAE), onde seriam

fechados os negócios de compra e venda; a garantia do livre acesso às redes de

transmissão e de distribuição; a criação do Operador Nacional do Sistema Elétrico

(ONS), agente público, neutro e regulado pela ANEEL; e a criação de uma agência

reguladora, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Outro importante pilar do arcabouço jurídico dessa reforma liberalizante

era a desverticalização do setor elétrico, com a segregação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização. Pelas dificuldades inerentes ao processo de implantação dessas regras, inclusive com reação das empresas, que não queriam perder vantagens, a desverticalização somente foi consolidada em 2003, com as novas regras instituídas no Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de Medida Provisória. O que vinha sendo implantado gradualmente, por meio de negociação, foi imposto pelo Governo.

63 Atualmente, todos os consumidores com carga superior a 3.000 kW, atendidos em tensão igual ou

superior a 69 kV, podem optar pela contratação do fornecimento de qualquer empresa concessionária,

permissionária ou autorizada para a comercialização. A redução de tais limites chegou a ser estudada pela

Aneel. A proposta previa que, a partir de 2003, seriam livres todos os consumidores atendidos em tensão

primária de distribuição e com demanda contratada igual ou maior que 500 kW. A partir de 1º de janeiro

de 2005, todos os consumidores, em qualquer classe de tensão ou carga/demanda, passariam a exercer a

opção de serem livres. Esse mecanismo deveria estabelecer a concorrência de preços e qualidade do

serviço no setor.

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Por essas novas regras do Governo Lula, a distribuição passou a estar segregada da geração e da transmissão. As empresas tiveram um prazo para se adaptar ao novo ambiente, em que somente a geração continuou sendo considerada competitiva, com seus preços fixados em leilões com preço-teto. A geração e a transmissão poderiam estar verticalmente integradas, desde que a contabilização e a apropriação dos custos dessas atividades fossem inteiramente separadas. A autocontratação (compra de energia por distribuidoras a geradoras do mesmo grupo) passou a não ser mais permitida, com exceção dos concessionários com mercado inferior a 300 GWh/ano, que ficaram autorizados a adquirir energia das Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs64.

A principal premissa do modelo instituído a partir de 1995 era que a

competição, estimulada pela liberdade de escolha do consumidor final de energia,

deveria contribuir, junto com a regulação feita pela Agência, para o aumento da

eficiência, para a queda dos preços e para a melhoria da qualidade do serviço.

Todo esse esforço, no entanto, não foi suficiente para superar a falta de

investimentos de mais de uma década. Veio a crise de abastecimento de 2001, que

contribuiu para a vitória da oposição, francamente contrária à privatização, em 2002.

A vitória do PT, em 2002, pôs em marcha o processo de mudança da

legislação, liderado pela então Ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. O simples

anúncio de mudança de regras, feito em 6 de fevereiro de 2003, paralisou os

investimentos no setor. Todos queriam conhecer as novas regras de negócios antes de os

continuar realizando. A mudança, propriamente dita, somente viria em 11 de dezembro

daquele ano, por meio das Medidas Provisórias nos 144 e 145 – transformadas nas Leis

nos 10.847 e 10.848, respectivamente, em 15 de março de 2004, após duros embates no

Congresso – e dos decretos que as regulamentaram.

As intenções do Governo foram claramente explicitadas na Exposição de

Motivos da Medida Provisória nº 144/2003: 64 Teodoro, Dilma M., A reestruturação do setor elétrico brasileiro e os reflexos em uma empresa estatal: um estudo de caso nas Centrais Elétricas de Santa Catarina – CELESC, disponível em https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/88350/236828.pdf?sequence=1

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“2. Os objetivos primordiais das mudanças propostas

são a correção das deficiências diagnosticadas no Sistema Elétrico

brasileiro e a adequação de rumos tomados no passado que

comprometeram a eficácia do planejamento e inibiram os investimentos

na expansão desse Setor, necessários para dar suporte ao crescimento

econômico e ao desenvolvimento social do País.

3. Os princípios básicos para um arranjo institucional

adequado ao Setor Elétrico devem permitir atender às seguintes

finalidades: modicidade tarifária para os consumidores; continuidade e

qualidade na prestação do serviço; justa remuneração aos investidores,

de modo a incentivá-los a expandir o serviço; universalização do

acesso aos serviços de energia elétrica e do seu uso.”.

Vale notar a premissa falaciosa de que “...rumos tomados no

passado(...)inibiram os investimentos na expansão desse Setor...”, quando ocorreu

exatamente o inverso. Independentemente da correção ou não do diagnóstico, o fato é

que, passados dez anos, nenhum dos objetivos declarados das mudanças foi atingido: as

tarifas continuam elevadas e os recentes alívios, como a redução de 20% no Ambiente

de Contratação Regulada (ACR) somente vem se viabilizando a custa de generosos

subsídios do Tesouro e prejuízos impostos a algumas geradoras; os apagões estão aí a

atormentar a população, principalmente por falta de investimentos das estatais na

construção e na manutenção das linhas de transmissão; os investidores reclamam da

remuneração proposta pelo Governo; a universalização ainda não foi atingida, embora

também largamente subsidiada; e a qualidade do serviço vem caindo.

A Lei nº 10.848, de 2004, introduziu inúmeras alterações na legislação do

setor, entre as quais merecem ser destacadas as seguintes: (i) tornou obrigatória a

participação das concessionárias de distribuição em leilões para compra de 100% da

energia necessária à expansão do seu mercado, mediante contratos de longo prazo no

ambiente de contratação regulada (ACR); (ii) obrigou os investidores de geração a

vender energia ao mercado regulado somente através desses leilões; (iii) criou o

ambiente de contratação livre (ACL), onde produtores independentes de energia e

consumidores livres e especiais podem negociar livremente a energia; (iv) transformou

o Mercado Atacadista de Energia, cuja criação fora autorizada pela Lei nº 10.433, de

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2002, em Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); (v) destinou 3% da

Reserva Global de Reversão (RGR)65 e 20% dos recursos de P&D (vide Lei nº 9.991, de

2000) para a Empresa de Pesquisa Energética; e (vi) criou a Empresa de Pesquisa

Energética (EPE), com o objetivo de elaborar estudos e pesquisas destinados a subsidiar

o planejamento do setor energético.

É importante mencionar, também, o Decreto nº 5.163, de 2004, baixado

pelo Governo em função da nova legislação, que regulamentou a comercialização de

energia elétrica, o processo de outorga de concessões e de autorizações de geração de

energia elétrica e deu outras providências.

Por último, o Decreto nº 5.177, de 2004, regulamentou o funcionamento

da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), destinada a viabilizar a

comercialização de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional, tanto no Ambiente

de Contratação Regulada (ACR), quanto no de Contratação Livre (ACL), além de

efetuar a contabilização e a liquidação financeira das operações realizadas no mercado

de curto prazo.

O predomínio do Governo Federal sobre o setor elétrico tornou-se

enorme com essas alterações na legislação. Tudo passou a acontecer sob a sua tutela e,

como consequência, a agência reguladora perdeu força. Como diretriz de Governo, as

empresas estatais federais voltaram a participar ativamente dos leilões de novos

empreendimentos de geração e de transmissão. O Capítulo IV discutirá em maior grau

de detalhes os problemas decorrentes do excesso de intervenção estatal nesses leilões.

A grande prioridade do Governo Federal era o Ambiente de Contratação

Regulada (ACR), no qual se abastecem as distribuidoras responsáveis pelo atendimento

à população e às empresas não participantes do mercado livre (ACL). Foi, portanto, um

movimento no sentido oposto ao que se defendia no governo anterior, de uma gradual

liberação do mercado, por meio da qual, no futuro, até mesmo os consumidores

residenciais poderiam escolher seus fornecedores de energia elétrica, a exemplo do que

ocorre na Europa e em outros países, como já visto.

65 Encargo criado com a finalidade de prover recursos para reversão e/ou encampação dos serviços públicos de energia elétrica, como também para financiar a expansão e melhoria desses serviços. Foi extinto pela MP nº 579, de 2012.

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A primeira grande constatação a ser feita sobre a nova legislação foi que

ela deu ao Governo Federal um controle quase absoluto do setor. Se antes as licitações

de novos empreendimentos eram decididas pela Agência Nacional de Energia Elétrica

(Aneel), um órgão de Estado, não subordinado ao Governo, a partir de 2004, a Aneel

passou somente a operacionalizar os procedimentos licitatórios, seguindo as

determinações que lhe fossem dadas pelo Governo.

A concentração dos poderes nas mãos do Governo Federal podem gerar

importantes conflitos de interesse. Por exemplo, decisões relativas ao volume de energia

a ser licitado, bem como aos contratos com as concessionárias podem estar

subordinadas a objetivos não diretamente relacionados com a oferta e segurança

energéticas, como o controle da inflação. Similarmente, há um óbvio conflito de

interesses dentro do governo, na sua dupla condição de formulador da política

energética e de controlador da Eletrobras: nada impede que a política energética venha a

ser decidida no sentido de favorecer a estatal, ainda que em prejuízo do setor como um

todo.

Uma alteração importante no novo modelo foi a alteração do critério de

outorga, que passou do maior valor pago pelo Uso de Bem Público (UBP) para a menor

tarifa oferecida, ainda que os vencedores dos leilões continuem pagando taxas por UBP.

Esse critério tem o mérito de permitir redução das tarifas e permite, em tese, que o

produtor mais eficiente passe a fornecer energia. No Capítulo II, entretanto, vimos que

nem sempre o leilão de menor tarifa garante que o agente mais eficiente irá vencer o

leilão. No Capítulo IV veremos que, na experiência brasileira recente, houve, de fato,

situações em que a busca excessiva por modicidade tarifária levou ao desalinhamento de

preços e a leilões em que o licitante vencedor não teve condições de cumprir os

compromissos assumidos.

III.3 – As alterações recentes no marco regulatório da energia elétrica – a MP 579

A edição da Medida Provisória nº 579, de 2012, introduziu o que alguns

analistas vêm denominando de novíssimo marco regulatório. Em verdade, o alcance da

MP deveria ser bem mais modesto: trataria, basicamente, de permitir a prorrogação do

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contrato de concessão para as empresas que concordassem com os termos propostos.

Entretanto, o alcance foi bem mais amplo.

Em primeiro lugar, porque o Governo sinalizou que, em futuras

renovações de concessões, as empresas somente serão remuneradas pelos serviços de

operação e manutenção. Em segundo lugar, porque o Governo passou a assumir

diretamente parte do custo das tarifas, em uma política clara de tentar controlar seu

preço final ao consumidor.

A seguir, discutiremos as principais alterações introduzidas pela MP nº

579, de 2012. Na segunda, avaliaremos os custos, para o Tesouro e para as empresas do

setor, decorrentes da MP e da política de controle de preços.

III.3.1 – As alterações produzidas pela Medida Provisória nº 579, de 2012

"Vou ter o prazer de anunciar a mais forte redução que se tem notícia

neste país, nas tarifas de energia elétrica das indústrias e dos consumidores domésticos.

A medida vai entrar em vigor no início de 2013. A partir daí, todos os consumidores

terão sua tarifa de energia elétrica reduzida. Ou seja, a sua conta de luz vai ficar mais

barata. Os consumidores residenciais terão uma redução média de 16,2%. A redução

para o setor produtivo vai chegar a 28% (...).".

Foi, literalmente, com essas palavras que a presidente da República,

Dilma Rousseff deu início à série de mudanças regulatórias por meio do

pronunciamento oficial de 7 de setembro de 201266.

A ação governamental necessária a que essa redução acontecesse se

consubstanciou na Medida Provisória nº 579, de 2012. Aproveitando o fato de que

grande parte das concessões de geração e transmissão de energia elétrica vence até

2015, o Governo Federal decidiu oferecer aos atuais concessionários a possibilidade de

renovação antecipada das concessões, condicionando essa renovação à redução das

tarifas, segundo regras que propôs.

66 CanalEnergia, 06/09/2013, in “MP 579: um ano do 11/9 do setor elétrico”.

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Isso se tornaria possível porque as tarifas de geração passariam, como já

visto, a remunerar tão somente os custos de O&M das usinas e dariam uma margem de

remuneração ao seu operador. Além disso, o Governo extinguiu e reduziu encargos

setoriais, como a RGR e a Conta de Consumo de Combustíveis para os Sistemas

Isolados (CCC)67.

É importante registrar que, embora a Medida não tenha recebido maiores

contestações, exceto quanto ao uso de Medida Provisória pelo Governo e ao pouco

tempo para a opção dos agentes, o caminho natural previsto na legislação e desejável

numa economia de mercado seria o da licitação dessas concessões antes do seu término,

de modo que o próprio mercado decidisse o valor dos serviços prestados, segundo sua

lógica de negócios.

O Governo deu prazo exíguo, de apenas trinta dias, aos concessionários

para manifestar adesão à sua proposta. O texto da Lei nº 12.783, de 2013, em que foi

convertida a MP 579, determinava o seguinte:

Art. 11.  As prorrogações referidas nesta Lei deverão ser requeridas pelo concessionário, com antecedência mínima de 60 (sessenta) meses da data final do respectivo contrato ou ato de outorga, ressalvado o disposto no art. 5o. 

§ 1o Nos casos em que o prazo remanescente da concessão for inferior a 60 (sessenta) meses da publicação da Medida Provisória no 579, de 2012, o pedido de prorrogação deverá ser apresentado em até 30 (trinta) dias da data do início de sua vigência.  

§ 2o A partir da decisão do poder concedente pela prorrogação, o concessionário deverá assinar o contrato de concessão ou o termo aditivo no prazo de até 30 (trinta) dias contados da convocação. 

§ 3o O descumprimento do prazo de que trata o § 2o implicará a impossibilidade da prorrogação da concessão, a qualquer tempo. 

§ 4o O contrato de concessão ou o termo aditivo conterão cláusula de renúncia a eventuais direitos preexistentes que contrariem o disposto nesta Lei

A decisão governamental foi amparada, de acordo com Exposição de

Motivos da Medida, em “estudos e avaliações sobre os ativos dessas concessões [que]

demonstraram que a maioria desses ativos encontra-se fortemente amortizada e

depreciada, proporcionando aos consumidores de energia elétrica do País a

possibilidade de se beneficiarem, agora, de menores tarifas para a utilização da energia

elétrica, insumo básico para o setor produtivo e serviço essencial para a sociedade.”.67 Subsídio cruzado destinado a custear a geração de energia por fontes térmicas nos sistemas isolados, localizados, em geral, na Região Norte do País. É gerido pela Eletrobras.

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Desse modo, ainda segundo a Exposição, a MP “busca a captura da

amortização e depreciação dos investimentos realizados nos empreendimentos de

geração e nas instalações de transmissão e de distribuição de energia elétrica,

alcançados pelos artigos 19 e 22 e pelo § 5º do art. 17 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de

1995, em benefício da modicidade tarifária, e visa garantir a segurança energética,

pilares do modelo atual.”. Transferia, assim, de imediato, os ganhos das geradoras para

os consumidores.

Em linhas gerais, a MP tratou de:

i) prorrogar as concessões vincendas de geração, transmissão e

distribuição de energia elétrica pelo prazo máximo de até 30 anos e as concessões de

geração de energia termelétrica pelo prazo máximo de até 20 anos, por uma única vez,

desde que as atuais concessionárias aceitassem as condições impostas;

ii) facultar ao segmento de autoprodução a prorrogação, uma única

vez, das concessões de usinas hidrelétricas com potência inferior a 50 MW, pelo prazo

máximo de até 30 anos e a título oneroso, desde que toda a energia produzida seja

destinada para consumo próprio;

iii) explicitar que as concessões que não forem prorrogadas seriam

licitadas;

iv) dar diretrizes à questão da indenização dos investimentos

vinculados a bens reversíveis ainda não amortizados ou não depreciados, definindo a

metodologia de valor novo de reposição para calculá-la. Essas indenizações deveriam

ser pagas com recursos da Reserva Global de Reversão (RGR). Caso fossem

insuficientes, os custos ainda a serem amortizados continuariam sendo incluídos nas

tarifas;

v) permitir a antecipação, em até cinco anos, dos pedidos de

prorrogação a serem apresentados pelos titulares das concessões vincendas (parte da

negociação envolveu a garantia de renovação da concessão desde que o concessionário

aceitasse antecipar a renovação nos termos propostos pelo Governo);

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vi) estabelecer redução de encargos setoriais como a Conta de

Desenvolvimento Energético – CDE68 e a Conta de Consumo de Combustíveis – CCC,

bem como a extinção do recolhimento das cotas da Reserva Global de Reversão – RGR

para os contratos de geração, transmissão e distribuição prorrogados no âmbito da MP69;

vii) estabelecer que a CDE deverá prover recursos para: a) subvenção

econômica aos consumidores de baixa renda; b) promoção da universalização do

serviço de energia elétrica; c) dispêndios da Conta de Consumo de Combustíveis –

CCC; d) reembolso às usinas termelétricas que utilizam carvão nacional como

combustível; e) promoção da competitividade da energia elétrica a partir de fontes

alternativas; e f) eventual necessidade de indenização aos concessionários de energia

elétrica por ocasião da reversão das concessões;

viii) determinar o uso de até R$ 3,3 bilhões de créditos que a União e

Eletrobras detêm contra Itaipu70 para financiar os gastos decorrentes da redução ou

eliminação de encargos setoriais;

ix) retirar do consumidor final de energia elétrica os efeitos da

variação cambial decorrentes do uso da energia de Itaipu, por meio de operações

financeiras entre a Eletrobras e o Tesouro, que transfiram, para esse último, o impacto

da depreciação cambial sobre as tarifas. Isso decorre do fato de que a tarifa de repasse

de Itaipu é fixada anualmente em dólares americanos. A variação cambial era

acumulada durante o ano e repassada ao consumidor final a cada reajuste tarifário, o que

passou a ser, a partir da edição da MP, custeado pelo Tesouro.

A Exposição de Motivos da MP destacou ainda que não haveria impactos

para o exercício de 2012. Para o exercício de 2013, estimou impacto de R$ 3,3 bilhões

com a Medida, a serem custeados pelo Orçamento. Para o exercício de 2014, calculou

68 A CDE é um fundo setorial que tem seus objetivos fixados no art. 13 da Lei nº 10.438, de 2002, com alterações introduzidas, entre outras, pelas Leis nos 12.783 e 12.839, de 2013 (oriundas das MPs. 579/2012 e 609/2013, ambas mencionadas neste texto).69O Governo reorganizou os encargos setoriais: extinguiu a RGR para os contratos de geração, transmissão e distribuição prorrogados no âmbito da MP; inseriu o custeio da CCC no âmbito da CDE, que, por sua vez, ganhou nova fonte de recursos (créditos da União contra a Itaipu Binacional), o que diminui o seu impacto nas tarifas ao consumidor. Além disso, fixou na MP os objetivos da CDE, alguns pré-existentes e outros novos, de forma a disciplinar em definitivo o funcionamento dessa Conta.70 Para viabilizar sua construção, a Itaipu Binacional contraiu dívida junto à Eletrobras e à União na década de 1970. O Tesouro e a Eletrobras recebem, em conjunto, cerca de R$ 2,3 bilhões anualmente. Esse débito deverá ser quitado somente em 2023.

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um gasto de R$ 3,6 bilhões, sendo R$ 3,3 bilhões correspondentes aos créditos que a

Eletrobras e o Tesouro Nacional detêm junto à Itaipu, e R$ 300 milhões

correspondentes às operações entre Eletrobras e Tesouro Nacional para atenuar os

efeitos cambiais da tarifa de Itaipu. E concluiu acrescentando que “dessa forma, os

efeitos da redução do custo de energia elétrica, conforme citado anteriormente, trarão

uma série de benefícios com destaque para a redução do custo para as empresas, o que

propiciará o aumento do poder aquisitivo da sociedade com a redução de preços ao

consumidor final.”.

Contudo, as coisas não ocorreram conforme o Governo havia planejado.

Várias empresas, em especial, as estatais estaduais Cesp, Cemig e Copel – responsáveis

por cerca de 40% da geração elegível para prorrogação de contratos, nos termos da MP

– não aderiram ao plano proposto e esse fato ameaçou a redução tarifária prometida pela

Presidente Dilma Rousseff em seu pronunciamento de 7 de setembro de 2012. Essa

atitude das geradoras estaduais faria com que as suas tarifas – parcela considerável dos

custos de geração que se tinha expectativa de reduzir – não alcançassem a redução

considerável ensejada pela adesão às regras da MP.

Adicionalmente, a má hidrologia em 2012 obrigou o acionamento de

térmicas, cuja energia é mais cara, para garantir o abastecimento energético71. Para

evitar que as tarifas fossem aumentadas, o Tesouro assumiu o aumento de custo.

Todos esses fatores somados fizeram com que, em vez dos R$ 3,6

bilhões inicialmente previstos, a conta atingisse R$ 15 bilhões72, em 2013, além de R$ 9

bilhões já orçados para 2014, que, provavelmente, necessitarão ser suplementados em

função do maciço despacho de térmicas, já a partir de janeiro, em decorrência da

escassez de chuvas. Para garantir o cumprimento de pelo menos parte da promessa, a

presidente da República lançou mão de recursos do Tesouro. Para tanto, editou o

Decreto nº 8.020, de 2013, e a Medida Provisória nº 609, também de 2013, que foi

convertida na Lei nº 12.839, para permitir que os recursos da CDE pudessem ser

71 Quando os reservatórios das hidrelétricas chegam a determinado nível de esvaziamento, as termelétricas, que funcionam como reserva segura de geração, são acionadas para garantir o abastecimento. Mesmo as térmicas mais baratas têm um custo de geração de, no mínimo, o dobro das hidrelétricas. Contudo, por razões de segurança energética, o Governo pode decidir o despacho das termelétricas fora da ordem de mérito econômico, como aconteceu em 18 de outubro de 2012.72 Esse valor corresponde aos R$ 10 bilhões transferidos pelo Tesouro e os R$ 5 bilhões transferidos pela RGR.

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utilizados também para compensar descontos aplicados sobre as tarifas de energia

elétrica, bem como para compensar os efeitos da não adesão das geradoras que optaram

por não prorrogar seus contratos.

Na próxima seção discutiremos mais detalhadamente os impactos

financeiros da MP 579, tanto para o Tesouro, como para as empresas.

III.3.2 – Os custos decorrentes da MP 579 e da política de contenção de tarifas

O objetivo desta seção é mostrar que parte significativa dos custos

decorrentes da MP e de outras ações do Governo para controlar as tarifas recaiu sobre o

Tesouro e sobre o setor elétrico. Como se sabe, o principal objetivo da MP era reduzir o

custo da energia ao consumidor final. Essa redução teria importantes impactos positivos

sobre a economia:

i) aumento da renda real dos consumidores pessoas físicas,

significando ganho de bem estar;

ii) redução de custos para a indústria, gerando ganhos de

competitividade e, possivelmente, aumento da atividade econômica e do emprego;

iii) redução da inflação, aliviando pressões sobre a política

monetária, o que também contribuiria para dinamizar a atividade econômica.

A lógica que embasou a MP 579 foi a possibilidade de redução tarifária

por dois canais:

i) eliminação da parcela associada à depreciação dos investimentos

nas tarifas de energia das geradoras e transmissoras que aderiram aos termos da MP;

ii) supressão ou redução de encargos.

Além desses, outros três mecanismos foram utilizados para garantir a

meta de redução da tarifa ao consumidor final em torno de 20%:

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iii) nem todas as geradoras que aderiram aos termos da MP haviam

depreciado integralmente seus ativos objeto de reversão. A solução encontrada pelo

Governo foi excluir das tarifas as despesas de amortização referentes aos ativos ainda

não depreciados. Esse custo foi parcialmente suportado pelos fundos setoriais e pelo

Tesouro, e parcialmente suportado pelas empresas que não foram integralmente

indenizadas pelos ativos objeto de reversão;

iv) houve geradoras que não aderiram aos termos da MP. Para

garantir a redução prometida nas tarifas, o Governo passou a assumir parte da diferença

entre o preço anteriormente cobrado por essas geradoras e seu custo de O & M;

v) transferir para o Tesouro, geradoras e comercializadoras (para

essas últimas, por meio da Resolução nº 3, de 2013, do Conselho Nacional de Energia

Elétrica-CNPE) o custo decorrente do despacho de usinas termoelétricas. Observe-se

que essa desoneração não é consequência direta da MP 579, nem tampouco da Lei

12.783, que se originou da MP. Mas faz parte da lógica de redução das tarifas a

qualquer custo, que motivou a MP, e será tratada na Seção III.4 deste Capítulo.

Analisaremos, a seguir, com maior detalhamento os itens descritos

acima.

III.3.2.a Eliminação da parcela referente à depreciação dos investimentos nas

tarifas de energia

O fim da cobrança da depreciação dos investimentos foi, provavelmente,

o principal fator que propiciou a redução das tarifas. Isso decorre do fato de, no Brasil, o

prazo das concessões de usinas hidroelétricas ser de até 30 anos, período muito inferior

à efetiva vida útil da usina. As tarifas são calculadas de forma tal a permitir ao

empreendedor recuperar o capital investido no período da concessão. Ocorre que, finda

a concessão, as usinas ainda apresentam plena capacidade de operar. Há usinas em

operação há mais de 50 anos. Estima-se, por exemplo, que a vida útil de Itaipu seja

superior a 100 anos.

Além do descompasso entre o período de concessão e a vida útil da

usina, outra característica importante da atividade de geração é que o maior custo

incorrido é do investimento. Uma vez que o investimento esteja devidamente

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remunerado, o custo de manutenção e operação (O & M) é muito baixo. Assim, de

forma simplificada, a evolução do custo de um empreendimento de geração ao longo do

tempo é extremamente descontínua. Nos seus primeiros trinta anos (ou durante o

período que durar a concessão inicial), o custo é extremamente elevado, pois é quando

todo o investimento é recuperado. A partir do término da primeira concessão, resta

somente O & M, e o custo cai abruptamente.

No caso específico das geradoras que participaram da renovação da

concessão no âmbito da MP, a tarifa média caiu de cerca de R$ 100,00/MWh para algo

em torno de R$ 30,00, ou seja, uma queda de 70%. Observe-se que essa redução de

custos ocorreu na geração, e não na distribuidora, que atende o consumidor final. Como

o custo de geração e transmissão é somente parte do custo total das distribuidoras (em

torno de 45%), e como nem todas as usinas aderiram à proposta do Governo ou

puderam reduzir seu preço73, o impacto final da redução dos custos de geração sobre a

tarifa ao consumidor foi bem menor, estimado em 13%74.

Na Subseção II.3.3 vimos que, para esse caso de descontinuidade de

custos, o correto é a tarifa embutir somente os custos de O & M após o capital ter sido

integralmente depreciado. O problema da MP foi ter imposto ao Governo (e, talvez, às

geradoras) o ônus decorrente da parcela dos investimentos que não havia sido ainda

depreciada. Dessa forma, reduziu artificialmente as tarifas, gerando os problemas de má

alocação discutidos no Capítulo II.

III.3.2.b – Eliminação de encargos da tarifa de energia

A Lei nº 12.783, de 2013, eliminou dois encargos da conta de energia – a

Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e a Reserva Global de Reversão (RGR)75 –

73Várias usinas estão ainda na fase de recuperação do investimento. Itaipu, por exemplo, somente amortizará seu investimento em 2023. Até lá, os consumidores de sua energia terão de continuar arcando com os elevados custos da amortização e depreciação.74 Vide: Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro. “Nota técnica explica as consequências da MP 579” disponível em: http://www.sengerj.org.br/posts/202-nota-tecnica-explica-as-consequencias-da-mp-57975 Os dispêndios relativos à CCC passaram a ser debitados à CDE, conforme a nova redação para o inciso III do art. 13 da Lei nº 10.438, de 2002. Já a RGR foi extinta para: i) as concessionárias e permissionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica; ii) as concessionárias de serviço público de transmissão de energia elétrica licitadas a partir de 12 de setembro de 2012; e  iii) as concessionárias de serviço público de transmissão e geração de energia elétrica prorrogadas ou licitadas nos termos da Lei 12.783/2013. 

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e reduziu a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) a 25% do valor que

vigorava76. Adicionalmente, a Medida Provisória nº 609, de 2012, convertida

posteriormente na Lei nº 12.839, de 2013, alterou o art. 13 da Lei nº 12.438, de 2002,

para autorizar a CDE a prover recursos para compensar descontos aplicados nas tarifas

de energia elétrica e o efeito da não adesão à prorrogação de concessões de energia

elétrica.

Os efeitos da não adesão serão discutidos posteriormente. Exceto por

essa última, todas as medidas são meritórias, conforme será explicado adiante. No caso

da CCC, da CDE e dos descontos aplicados nas tarifas de energia elétrica, eliminam-se

subsídios cruzados que não deveriam mesmo existir. Já no caso da RGR, ela perde o

sentido quando as geradoras e as transmissoras passam a ser remuneradas somente por

O & M.

Até a edição da MP, a CCC era um encargo destinado a subsidiar a conta

dos consumidores de sistemas isolados (do Sistema Interligado Nacional - SIN),

situados no Norte do País. Por não terem acesso às linhas de transmissão do SIN, esses

sistemas isolados utilizam energia predominantemente térmica, muito mais cara que a

hidroelétrica. Para baratear a tarifa paga pelos consumidores desses sistemas isolados,

os recursos da CCC ajudam a subsidiar o custo do combustível utilizado pelas usinas

que os atendem.

Pode-se justificar a concessão desses subsídios utilizando argumentos de

integração nacional, pois o acesso à energia mais barata ajudaria a fixar o homem nas

regiões mais remotas, como já dito. Adicionalmente, a CCC pode ter um impacto

positivo sobre a distribuição de renda, tendo em vista que a renda média dos moradores

das regiões isoladas tende a ser menor do que no restante do País. Destaque-se que

algumas áreas isoladas são áreas relevantes do ponto de vista de ocupação demográfica

e econômica. Manaus, por exemplo, somente foi interligada ao SIN em 2013. Até então

era abastecida pela Usina de Balbina, mas dependia fortemente de energia térmica.

76 A redução a 25% do valor original não foi diretamente imposta pela MP, mas foi consequência da forma como as quotas-parte passaram a ser calculadas. A MP autorizou a União a destinar à CDE os créditos que possui diretamente e indiretamente, via Eletrobras, junto à Itaipu Binacional. A quota-parte das distribuidoras, cooperativas permissionárias e transmissoras seria calculada a partir da diferença entre as necessidades de recursos do fundo e a arrecadação proporcionada pelos créditos de Itaipu e outras fontes, como multas aplicadas pela Aneel. Ao fazer o cálculo, chegou-se à redução de 75% da quota-parte das distribuidoras, que impacta diretamente a tarifa ao consumidor final.

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Já a CDE é utilizada majoritariamente para subvencionar a tarifa de

energia para população de baixa renda e para promover a universalização do acesso77,

além das destinações descritas na Seção III.1. Em 2013, a CDE também passou a

financiar a CCC, a compensação referente às geradoras que não aderiram à MP 57978, e

os encargos decorrentes do acionamento das usinas térmicas.

Várias categorias de consumidores usufruem de descontos tarifários.

Sãos os casos de consumidores de baixo poder aquisitivo; de energia adquirida de

empreendimentos hidroelétrico com potência igual ou inferior a mil kW ou de outras

fontes incentivadas; de energia para uso de irrigação e aquicultura; para empresas

fornecedoras de serviços de água, esgoto e saneamento; para consumidores rurais etc.

Até a edição da MP 609, de 2013, quem pagava por esses descontos eram

os demais consumidores da mesma área de distribuição, ou seja, havia um subsídio

cruzado. Com a edição da MP (e, posteriormente, com sua conversão na Lei nº 12.839,

de 2013) esses descontos passaram a ser custeados pela CDE.

Nos casos apresentados anteriormente, há um subsídio cruzado. A CCC

faz com que o consumidor das regiões isoladas seja subsidiado por todos os

consumidores do Sistema. A CDE faz com que o consumidor de energia de maior renda

ajude a pagar a conta do consumidor de menor poder aquisitivo79. Não há qualquer

justificativa econômica para que isso ocorra. Por que é que quem utiliza o ferro elétrico

em São Paulo quem deve ajudar a pagar a conta de quem utiliza microondas no interior

da Amazônia? Por que a conta não deve recair sobre quem vai ao cinema, ou quem

compra roupas, ou quem viaja? Similarmente, por que é que o consumidor de Recife

deve ser responsável por subsidiar projetos de irrigação do Vale do São Francisco? A

questão não é se deve ou não haver subsídio, mas, uma vez entendido que o subsídio se

justifica, a conta deve recair sobre o contribuinte, via o Orçamento Geral da União

(OGU), e não exclusivamente sobre o consumidor de energia.

77 Ver Abrace: “Encargos Setoriais”. 3ª edição. Acessível para download em: http://www.cni.org.br/portal/data/pages/FF808081272B58C001273386EAA80353.htm78 Vide discussão na Subseção III.3.2.d.79 Estamos nos referindo aqui somente ao uso dos recursos da CDE, financiados pelo consumidor de energia elétrica, para subsidiar o consumo de baixa renda. O uso recente da CDE para subsidiar o despacho de térmicas e a compensação referente às geradoras que não aderiram à MP 579 não pode ser interpretado como subsídio cruzado.

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Além de ser economicamente mais sensato, retirar os encargos da conta

de energia e transferi-los para o OGU tem o ganho adicional de permitir maior

transparência ao uso dos recursos públicos. Na discussão do Orçamento, a sociedade,

por meio do Congresso Nacional, pode decidir se os recursos (sempre escassos) devem

ser utilizados para subsidiar o consumidor de energia das regiões isoladas, os

consumidores de energia de baixa renda, ou se devem ter outro destino, como educação,

saúde, segurança, previdência e assistência social, pagamento de funcionalismo público

etc.

A Lei nº 12.783, de 2013, permitiu, portanto, um ganho de eficiência ao

transferir para o Tesouro um custo que, de fato, deveria ser suportado por todos os

contribuintes, e não pelos consumidores de energia ou pelos consumidores de

determinada classe de renda. Em setembro de 2012, previa-se que o Tesouro teria de

aportar R$ 3,3 bilhões à CDE para compensar a supressão ou redução dos encargos.

Essa conta foi subestimada. A quota-parte mensal das distribuidoras,

principal fonte de receitas da CDE, caiu de R$ 284 milhões em janeiro para R$ 76,5

milhões a partir de fevereiro, o que perfaz uma redução mensal de aproximadamente R$

200 milhões, ou R$ 2,2 bilhões em onze meses. Adicionalmente, a CDE transferiu R$

1,7 bilhão para a CCC ao longo do ano. Dessa forma, a extinção da CCC e a redução da

alíquota da CDE terão um impacto aproximado de R$ 4 bilhões, 20% maior do que o

estimado na MP.

Adicionalmente, a CDE destinou R$ 2,8 bilhões em 2013 para cobrir os

gastos decorrentes do fim dos subsídios cruzados associados a descontos tarifários

(rubrica “pagamento modicidade tarifária” da CDE). A redução e eliminação de

encargos, juntamente com a eliminação de subsídios cruzados gerou queda de

arrecadação e aumento de despesas cujo efeito combinado atingiu aproximadamente R$

6,7 bilhões em 2013.

A RGR, o terceiro encargo afetado pela MP, conforme já dito, tem por

objetivo constituir um fundo para indenizar investimentos não amortizados de

empreendimentos do setor ou a reversão de suas concessões. No caso das usinas que

optaram por renovar os contratos no âmbito da MP, suas tarifas passariam a embutir

somente os custos de O & M. Como não haverá mais ativos a serem amortizados, não

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faria sentido que a RGR continuasse a ser cobrada da energia gerada por essas usinas.

Observe-se, contudo, que o encargo segue sendo cobrado das demais geradoras.

De acordo com matéria do Valor Econômico, intitulada “Pacote

Recheado”, de 29 de outubro de 2012, a eliminação desses três encargos permitiria

redução de aproximadamente R$ 25,00 por MWh. Considerando as tarifas médias pagas

pelos consumidores residenciais em 2012 no ambiente regulado (R$ 333,47/MWh) e

industriais (R$ 262,32), a eliminação/redução dos encargos permitiria redução

aproximada de 7,5% e 9,5%, respectivamente, de suas contas.

III.3.2.c – Assunção pelo Tesouro e geradoras dos custos associados ao

ressarcimento de investimentos ainda não integralmente depreciados

Para os casos em que não houve ressarcimento integral do valor investido

na data de aplicação da MP foi necessário encontrar uma solução para o valor residual.

O dilema existente é quem irá financiar esse ressarcimento. Uma opção seria permitir

que a parcela não depreciada continuasse a ser incluída na tarifa paga pelo usuário. Só

que tal procedimento contrariava o objetivo principal da política governamental, a

redução tarifária.

Inicialmente, para viabilizar financeiramente a indenização às

concessionárias, o Governo pretendia utilizar os recursos da Reserva Global de

Reversão, que, conforme explicado na Seção II, foi um encargo criado justamente para

indenizar os ativos reversíveis quando do término da concessão80. Ao final de 2012, a

RGR dispunha de R$ 15 bilhões.

Estimativas preliminares, com base em critérios contábeis, apontavam

para valores que chegavam a até R$ 48 bilhões (R$ 11,1 bilhões no setor de geração, R$

21,1 bilhões no setor de transmissão e R$ 14,9 bilhões na distribuição)81 para todas as

concessões que expiram até 2015. Nesse caso, como a RGR não disporia de tantos

80 Ativos reversíveis são aqueles que, após o término da concessão, revertem para a União. No caso de geradoras, por exemplo, as barragens, turbinas e todo equipamento elétrico é entregue à União ao final do contrato de concessão, para que possam ser operados pela concessionária que vier a assumir a usina.81 Valor Econômico, 05/12/2011, “Indenização a elétricas pode custar R$ 47 bilhões”, disponível em https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/12/5/indenizacao-a-eletricas-pode-custar-r-47-bilhoes/

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recursos, não se sabe quem assumiria a diferença: as geradoras, que amargariam um

prejuízo; o Governo; ou os consumidores, na forma de tarifas mais elevadas.

Ainda não é possível saber se os recursos da RGR serão ou não

suficientes e, caso não sejam, quem arcará com a diferença. Isso porque, decorrido mais

de um ano desde a edição da MP 579, ainda não foi estabelecida a metodologia de

definição do valor de todas as indenizações. Em setembro de 2013 a Aneel realizou a

92ª Audiência Pública para regulamentar o cálculo da parcela dos investimentos que não

constavam do projeto básico, realizados até 31 de dezembro de 2012, vinculados a bens

reversíveis dos empreendimentos de geração e que ainda não foram integralmente

amortizados ou depreciados. Similarmente, apenas em dezembro de 2013 a Aneel

consolidou a metodologia para apurar o valor da indenização para investimentos em

ativos de transmissão realizados até maio de 2000.

Como ocorre em qualquer indenização, o risco de subavaliação dos

ativos existe. O próprio método escolhido, de valor novo de reposição, tende a

subavaliar o ativo das empresas. Isso porque esse método precifica o ativo de acordo

com o custo de aquisição de um equipamento novo, capaz de realizar (pelo menos

aproximadamente) as mesmas funções do equipamento que está sendo avaliado, e existe

uma tendência de queda no preço dos bens de capital ao longo do tempo, em

decorrência de inovações tecnológicas. Assim, a empresa que teve um gasto de X para

adquirir determinado equipamento há dez anos, teria, em tese, o direito de recuperar

(com os devidos descontos dos gastos de amortização e depreciação) esses X gastos.

Ocorre que o valor do equipamento novo deve ter preço inferior a X, de forma que a

diferença entre o valor original do equipamento e o atual passa a constituir prejuízo para

a empresa.

Na Audiência Pública nº 92/201382, a Eletrobras apresentou estimativa de

indenizações no valor total de R$ 12,4 bilhões, dos quais R$ 6,7 bilhões referentes a

ativos de geração, e R$ 5,7 bilhões relativos a ativos de transmissão. Estimativas

preliminares da Aneel, entretanto, apresentavam indenização total de R$ 3,7 bilhões (R$

1,7 bilhão na geração e R$ 2 bilhões para a transmissão). Nesse caso, no total, o

prejuízo estimado para o grupo Eletrobras atinge R$ 8,7 bilhões, sendo R$ 5 bilhões 82 Documento disponível em http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/audiencia/arquivo/2013/092/apresentacao/expositor_-_pedro_hosken_-_eletrobras_-_5_min.pdf

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decorrentes de subavaliação de ativos de geração, e R$ 3,7 bilhões para os de

transmissão.

Matéria publicada pelo Brasil Econômico83 diz que, de acordo com a

Companhia Energética de São Paulo (CESP), o valor da indenização devida pelo

Governo Federal à hidroelétrica Três Irmãos é de R$ 3,8 bilhões, mas o Governo

Federal estima essa indenização em somente R$ 1,7 bilhão. Calcula-se que, juntas, a

Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (Cteep), a Cemig (Minas

Gerais), a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e a Companhia Estadual de

Geração e Transmissão de Energia Elétrica (CEEE), do Rio Grande do Sul, tenham

direito a R$ 5,6 bilhões.

Essa situação de incerteza claramente afeta a capacidade de

planejamento das empresas. Além de descapitalizá-las, elas têm de registrar em seus

balanços provisões para perdas. Se os prejuízos estimados vierem efetivamente a

ocorrer, a indenização parcial deverá se traduzir em redução de investimentos no médio

e no longo prazos, tanto em decorrência de descapitalização das empresas, como porque

o interesse em investir no setor elétrico deve diminuir.

III.3.2.d Subsídio às distribuidoras para pagar a conta das geradoras que não

aderiram à prorrogação antecipada dos contratos

Em que pese o descontentamento de várias geradoras, transmissoras e

distribuidoras com os termos da MP 579, todas as transmissoras aderiram à prorrogação

do contrato de concessão, bem como a grande maioria das usinas: somente 14, em um

universo de 123, não aderiram84. A maior resistência veio das estatais estaduais Cesp,

Cemig e Copel, que não aceitaram os termos da renovação de concessão de suas usinas

(apesar de terem renovado a concessão de transmissoras). Juntas, essas empresas

respondiam por cerca de 40% da potência instalada das concessões passíveis de

renovação no âmbito da MP.

83 Vide reportagem intitulada: “União deve R$ 21 bi a elétricas”, de 12/11/2013, disponível em: https://www1.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=93126584Valor Econômico, 17/10/2012, “De 123 usinas, 14 não se interessam por renovação”. Não se pode esquecer que parte significativa das renovações ocorreu com empresas do grupo Eletrobras que, ainda que não concordasse com os termos das renovações, tinha de atender as decisões de seu controlador, a União.

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Diante da recusa daquelas empresas em aceitar os termos da renovação,

restava ao Governo duas opções. A primeira seria manter suas tarifas. Isso impactaria o

preço final das distribuidoras que compram energia dessas usinas. Os problemas dessa

opção seriam o custo político de não entregar a redução prometida de 20% e o fraco

impacto que a redução das contas de energia teria sobre o IPCA, índice que orienta as

decisões do Banco Central sobre taxa de juros.

A segunda alternativa, que foi a escolhida pelo Governo, foi subsidiar a

energia daquelas empresas. Como essas geradoras não prorrogaram suas concessões,

suas tarifas continuaram a embutir o ressarcimento dos investimentos e os custos de O

& M. Para reduzir o custo das distribuidoras (e, consequentemente, do consumidor

final), o Tesouro passou a pagar para as distribuidoras, via CDE, parte da diferença

entre a tarifa cobrada por aquelas geradoras e seu custo de O & M. Em 2013, o repasse

acumulado da CDE havia atingido R$ 260 milhões.

Assim como não faz sentido econômico o subsídio cruzado, em que

consumidores de energia financiam o consumo de outros (conforme argumentamos na

Subseção III.2.1, o correto é cobrar o subsídio dos contribuintes), tampouco faz sentido

que os contribuintes subsidiem os consumidores, como vem ocorrendo no caso em tela.

Ou seja, o governo está criando um preço artificialmente baixo para as tarifas de energia

à custa dos contribuintes, o que gera sérias distorções alocativas, conforme discutido no

Capítulo II.

III.4 Represamento de tarifas sem o repasse integral do aumento de custos

decorrente do despacho de energia térmica

III.4.1 – Subsídios do setor público associados ao acionamento das usinas

termoelétricas

Na Seção anterior discutimos como a MP 579 pretendia reduzir as tarifas

ao consumidor final. Parte dessa redução (depreciação completa dos ativos e redução ou

eliminação de encargos) decorria de uma redução genuína de custos. Parte, entretanto,

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decorria de reduções tarifárias artificiais, sem contrapartida na efetiva redução de custos

(indenização incompleta de ativos não depreciados e subsídios decorrentes da não

aceitação da Cemig, Copel e Cesp dos termos da MP).

Nesta Seção discutiremos outro importante fator que vem contendo

artificialmente a tarifa de energia ao consumidor final: a assunção (ainda que

temporária) pelo Tesouro dos custos decorrentes do acionamento das usinas

termoelétricas.

O parque gerador brasileiro tem por base a energia hidroelétrica,

responsável por mais de 68% da potência instalada. As usinas térmicas respondem por

cerca de 29% do sistema e funcionam como uma espécie de seguro: como a energia

termoelétrica é mais cara, tais usinas somente são acionadas quando o sistema

hidroelétrico não consegue suprir toda a energia de que necessitamos85. No Capítulo II

discutimos que o encarecimento do custo de energia em decorrência do acionamento das

usinas termoelétricas deveria se refletir nas tarifas, de forma a sinalizar corretamente

para o consumidor a maior escassez do produto.

Por coincidência, a MP 579 foi editada em um ano de hidrologia ruim.

Em 18 de outubro de 2012, para garantir a oferta de energia, já haviam sido acionadas a

maioria das usinas termoelétricas disponíveis, que funcionariam até o início de julho de

2013, quando as 34 mais caras foram desligadas. Houve, assim, forte aumento de custos

na geração de energia. Mas como o Governo estava comprometido com a redução de

20% nas tarifas residenciais, decidiu assumir esse custo adicional, evitando seu repasse

para as tarifas. Na ausência do subsídio do Tesouro, a redução do preço das tarifas teria

sido somente de 10%, conforme estimativa da Confederação Nacional da Indústria

(CNI)86.

O custo do acionamento das térmicas tem sido o principal custo

decorrente da política de redução das tarifas. A operacionalização do subsídio

governamental tem sido feito por meio de repasses da CDE. Em 2013, os repasses para

85 Trata-se aqui de uma simplificação, pois parte do parque gerador é formado por fontes não convencionais de energia. Isso, contudo, não invalida o raciocínio.86 CNI. “Relatório de Infraestrutura”. Ano 10 • Número 8 • Setembro de 2013 • www.cni.org.br.

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financiar os custos das termoelétricas e cobertura da Conta de Compensação de

Variação de Valores de Itens da Parcela A (CVA87) atingiram R$ 9,5 bilhões.

A CDE também foi assumiu outros gastos, como os custos associados da

exposição involuntária das distribuidoras, devido à não realização do leilão A-1 em

dezembro de 2012 e à frustração do leilão A de energia existente, em junho de 201388.

Até outubro de 2013, os gastos da CDE para cobrir a exposição involuntária das

distribuidoras havia atingido R$ 200 milhões. Além disso, também tem que ser custeado

pela CDE o risco hidrológico dos geradores – que tiveram suas concessões renovadas –

transferido aos consumidores junto com as cotas de energia “velha” distribuídas pelo

Governo, como determinou a MP 579.

Para possibilitar o pagamento dessas despesas e outras já mencionadas,

como a subvenção para modicidade tarifária, a RGR transferiu cerca de R$ 5 bilhões

para a CDE em maio e junho, e o Tesouro, outros R$ 9,9 bilhões entre junho e

dezembro. Provavelmente o Tesouro só começou a financiar diretamente os custos

decorrentes da nova política tarifária quando constatou que a RGR não dispunha mais

de saldo suficiente para ser transferido para a CDE: o saldo disponível da RGR caiu de

R$ 15,3 bilhões, em janeiro, para pouco mais de R$ 500 milhões em julho de 2013,

chegando, em 2014, com pouco mais de R$ 2 milhões. Essa redução foi, em larga

medida, provocada pelo pagamento de R$ 12 bilhões referentes a indenizações das

geradoras e transmissoras que renovaram suas concessões, no âmbito da MP 579.

Observe-se que a soma das transferências do Tesouro e da RGR – R$

14,8 bilhões – superaram os gastos decorrentes do despacho das térmicas. Ocorre que a

MP 579 impôs outros gastos à CDE, como a transferência de recursos para a CCC, que

totalizou R$ 1,7 bilhão. A decisão de compensar as distribuidoras pela não adesão da

Cemig, Cesp e Copel também gerou gastos de R$ 260 milhões. Por fim, a CDE

devolveu R$ 1,5 bilhão para o fundo RGR.

87 A CVA é uma conta gráfica que acumula os custos decorrentes da aquisição de energia elétrica ao longo do ano, posteriormente incorporados na tarifa da distribuidora quando do reajuste tarifário, a cada doze meses. Em 2013, o aumento excepcional desses custos obrigou a Eletrobras a cobrir pelo menos parte da CVA.88 A Seção IV.4 discutirá em maior profundidade a questão da exposição involuntária, que se agravou substancialmente no início de 2014,

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Em 2014, Tesouro Nacional continua repassando recursos para a CDE. A

previsão orçamentária é de R$ 9 bilhões, mas, provavelmente, essa conta será

ultrapassada em decorrência da exposição involuntária das distribuidoras, que

discutiremos na Seção IV.489. No primeiro trimestre do ano, os repasses já haviam

atingido R$ 2,8 bilhões.

Nesta Seção discutiram-se os subsídios do Tesouro e de outros fundos

públicos para evitar que o aumento de custos decorrente do acionamento das usinas

termoelétricas se refletisse na tarifa ao consumidor final neste ano. Na próxima Seção

será tratada a tentativa do Governo de transferir parte desses custos para as empresas do

setor elétrico, por meio da Resolução CNPE nº 3, de 2013.

III.4.2 – Tentativa do Governo transferir para o setor privado parte dos subsídios

associados ao acionamento das usinas termoelétricas: a Resolução CNPE nº 3, de

2013

A Resolução nº 3, de 6 de março de 2013, do Conselho Nacional de

Política Energética (CNPE), determinou, unilateralmente, que todos os agentes de

geração e de comercialização de energia elétrica deveriam pagar metade do custo

adicional da geração térmica despachada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico

(ONS) fora da ordem de mérito econômico90, em razão da falta de água nos

reservatórios das hidrelétricas. Esse custo é denominado pelo setor como Encargo de

Serviços do Sistema por Segurança Energética. Essa medida deveria valer até que nova

metodologia, destinada a levar em conta esses custos, fosse implantada nos programas

computacionais do setor elétrico, o que ocorreria em 1º de setembro de 2013.

Em linguagem mais simples, metade do custo maior de geração das

usinas termelétricas a gás e a óleo, despachadas desde 18 de outubro de 2012, por falta

89 Até a edição deste livro, a solução do problema não estava ainda definida. É provável que o Tesouro venha a desembolsar recursos, mas talvez não seja via aportes na CDE.90 O despacho das usinas é feito pelo ONS e segue, em princípio, uma ordem de mérito econômico, isto é, as usinas de menor custo de geração (as hidrelétricas, em geral) são despachadas prioritariamente. Contudo, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) baixou a Resolução nº 8/2007, autorizando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a acionar extraordinariamente usinas termelétricas fora da ordem do mérito econômico, com vistas à garantia do suprimento energético, por decisão do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE, presidido pelo Ministro de Minas e Energia e composto por representantes dos principais órgãos do setor elétrico.

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de água nos reservatórios das hidrelétricas, teria de ser paga pelos comercializadores e

geradores, inclusive as usinas térmicas, entre abril e julho de 2013.

Não bastasse a ilegalidade e a ilegitimidade da medida – o CNPE é órgão

de assessoramento da Presidência da República, com a atribuição de propor ao

Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas, e suas resoluções não

têm força de lei –, o custo da operação não é pequeno.

Durante o pico de acionamento, 65 das 70 térmicas brasileiras estiveram

ligadas, gerando, a preços que variaram entre 330 e 600 R$/MWh, cerca de 18% da

energia consumida no País. Para se ter ideia do custo adicional com a geração térmica,

as hidrelétricas geram a preços entre 85 e 160 R$/MWh. Paga-se, no mínimo, o dobro

pelo MWh de fonte térmica.

Para reduzir o impacto dessa geração sobre as tarifas ao consumidor, o

Governo anunciou o desligamento de 34 térmicas a óleo diesel e combustível, as mais

caras (num total de 3.800 MW), no dia 3 de julho de 2013. Contudo, estima-se que as

demais térmicas devem ficar ligadas pelo menos até novembro deste ano, quando

termina o período seco.

A Resolução CNPE nº 3, de 2013, provocou uma verdadeira guerra

judicial entre empresas e associações de empresas do setor e o Governo Federal, evento

raríssimo no setor elétrico, tradicionalmente avesso à via judicial. A gravidade da

intervenção fez com a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia

(Abraceel) dissesse aberta e oficialmente, em artigo publicado na sua newsletter de

maio, que “o ambiente de negócios no nosso setor está cada vez mais confuso”, ao

referir-se ao assunto.

Cerca de uma dezena de liminares foi concedida a associações do setor

contra a aplicação dessa parte da Resolução nº 3, do CNPE, o que, inclusive, paralisou a

Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) por dois meses.

Com isso, ficaram pendentes de liquidação cerca de dois bilhões de reais

relativos aos valores de geração térmica contestados por geradores e comercializadores,

relativos aos meses de abril a junho. Estima-se que mais um bilhão tenha sido suspenso

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judicialmente em julho, o que soma um total de três bilhões. Foram, ainda, suspensas,

naquele período, liquidações de negócios que nada têm a ver com a Resolução nº 3, em

valor superior a 400 milhões de reais, dada a paralisação da Câmara.

Na primeira semana de junho uma decisão judicial destravou a

contabilização e a liquidação na Câmara. Com isso, ela retomou as operações de

liquidação financeira do mercado de curto prazo, ao menos parcialmente. Mas a

liquidação deverá levar em conta as liminares ainda em vigor em favor de agentes e

associações, que serão excluídos do rateio dos custos de geração térmica. A CCEE

também voltou a calcular e publicar os Preços de Liquidação de Diferenças, que não

eram divulgados desde a publicação das liminares que prejudicaram o seu

funcionamento.

A tentativa do setor público de empurrar para empresas do setor elétrico

parcela do custo decorrente do acionamento das térmicas pode ser considerada

desastrada. Em primeiro lugar porque, em decorrência da judicialização do processo,

não conseguiu gerar a receita que esperava. As consequências de longo prazo,

entretanto, devem ser mais graves. O intervencionismo estatal gerou confusão no

ambiente de negócios, reduziu a previsibilidade e tornou mais incerto o retorno

esperado. Isso reduz os incentivos do setor privado de investir no setor elétrico e

aumenta o retorno exigido por parte dos empresários para compensar pelo maior risco

assumido, ou seja, justamente o oposto do que se espera de uma boa regulação:

ampliação da oferta e custos mais baixos.

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Capítulo IV – A viabilização da modicidade tarifária no setor energético brasileiro

No Capítulo II discutimos os princípios que deveriam nortear a

precificação no setor elétrico, de forma a assegurar o incentivo ao investimento privado

e à eficiência econômica. Mostramos também que a precificação correta não é trivial,

com possibilidade de surgirem problemas tanto na definição do preço inicial do

contrato, definido em leilões, quanto nas revisões tarifárias, ao longo dos contratos de

concessão.

Neste capítulo mostraremos que há evidências de que o Governo vem

buscando modicidade tarifária excessiva no setor elétrico. Nas duas primeiras Seções se

discutirá a modicidade tarifária nos leilões de geração e transmissão, respectivamente.

Conforme veremos, ocorrência de leilões com preços baixos tem sido viabilizada, em

grande parte, pela forte presença estatal. Pudemos constatar que, em alguns casos, a

modicidade tarifária foi atingida em consequência de comportamento oportunista ou de

má avaliação por parte do concessionário. Na terceira Seção se tratará da queda recente

das tarifas pagas às distribuidoras. Como poderemos ver, essa queda é consistente com

o comportamento oportunista por parte do regulador, discutido no Capítulo II. A última

Seção cobre os desafios que a exposição involuntária das distribuidoras vem trazendo

para a política de modicidade tarifária. Trata-se de um problema que se manifestou com

maior intensidade no início de 2014 e para o qual não foi encontrada ainda solução: o

aumento de custos terá de ser bancado pelo Tesouro (leia-se, contribuintes) ou pelos

consumidores, provocando deterioração das contas públicas ou aumento das tarifas e

das pressões inflacionárias.

IV.1 – Modicidade tarifária nos leilões de geração

Um dos paradoxos do setor elétrico brasileiro são as constantes queixas

dos empreendedores em relação aos preços-teto estabelecidos para os leilões de geração

e transmissão e, simultaneamente, um aparente sucesso desses leilões, que têm

conseguido vender os lotes ofertados, frequentemente, com deságios sobre os preços-

teto supostamente baixos.

Vimos no Capítulo II que os leilões, se bem desenhados, conseguem

resolver o problema de assimetria de informações e fazer com que a energia elétrica seja

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ofertada ao menor preço possível capaz de cobrir os custos do empreendedor e

remunerá-lo adequadamente. Vimos também, contudo, que leilão não é garantia de

eficiência: licitantes oportunistas, má avaliação de projetos ou a presença de um

participante que não se preocupa com o lucro (mais especificamente, a estatal

Eletrobras), todos esses são fatores que podem fazer com que o resultado do leilão seja

um preço excessivamente baixo, no sentido de ser incapaz de viabilizar

financeiramente, e de forma sustentável, a atividade.

Antes de discutirmos os resultados dos leilões, é importante relembrar

que, conforme discutimos no Capítulo III, o novo marco regulatório do setor elétrico,

instituído pela Lei nº 10.847, de 2004, e pelos decretos que a regulamentaram, buscou

reverter a tendência liberalizante do modelo anterior. Nesse contexto, um aumento da

participação da Eletrobras seria consequência natural de um modelo que favorece o

fortalecimento do papel estatal.

Em relação aos leilões de energia, o critério de outorga nos anos 1990

baseava-se na maior oferta pelo direito de exploração. A vantagem desse modelo é o

aumento da arrecadação federal, algo particularmente importante em um período em

que o Governo necessitava fazer um forte ajuste fiscal. Cabe lembrar que esse modelo,

de maior ágio, também foi adotado, provavelmente pelos mesmos motivos

arrecadatórios, pelo Governo Federal, nos atuais leilões de privatização dos principais

aeroportos do País. No marco regulatório pós 2004, o critério de outorga de leilões,

consistentemente com o objetivo de modicidade tarifária, passou a ser o de menor preço

oferecido para a tarifa91. O órgão regulador define um preço-teto e os licitantes

concorrem oferecendo preços menores.

O problema que tem ocorrido é que, no afã de buscar menores tarifas, o

Governo Federal tem utilizado preços-teto excessivamente baixos, especialmente para

hidrelétricas. Isso tem o óbvio impacto de afastar os investidores e reduzir a

competição. Ou seja, quando a remuneração não é atraente, o capital privado não

aparece.

91 Não cabe discutir aqui as vantagens e desvantagens de cada modelo. Mas vale lembrar que, quando o critério de outorga é o maior valor pago pelo direito de exploração do serviço, quem ganha é o contribuinte, pois a arrecadação do Governo pode reduzir a tributação. Já no critério de menor preço, quem ganha é o consumidor de energia elétrica.

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Em análise dos leilões de energia nova ocorridos entre 2005 e 2011, Rego

(2012) mostrou que nada menos que quatorze empreendimentos hidroelétricos não

foram comercializados em decorrência de preços-teto fixados em valores muito baixos.

Desde então, houve outros leilões frustrados.

Os aproveitamentos Estreito e Cachoeira, integrantes do chamado

Complexo do Baixo Parnaíba, entre Piauí e Maranhão, tiveram sua venda frustrada em

duas ocasiões, nos Leilões de Energia Nova de 2010 e de 2012, quando foram postos à

venda em conjunto com o aproveitamento Castelhano e leiloados em bloco.

O aproveitamento Sinop, em Mato Grosso, também teve de ser colocado à

venda por duas vezes, por falta de interessados na primeira oportunidade. Foi

arrematado, finalmente, por um consórcio liderado pela Alupar (51%), com Chesf

(24,5%) e Eletronorte (24,5%), mas logo após o leilão o sócio privado declarou que não

iria continuar no consórcio92. Contudo, ele só deixaria o consórcio após a assinatura do

contrato, quando poderá ser substituído pela Electricité de France (EDF)93, que

participou do leilão junto com a Cemig e está em tratativas com a Eletrobras com essa

finalidade.

O caso mais notório de preço-teto inadequado, entretanto, é dos

aproveitamentos Barra do Pomba e Cambuci, que tiveram seus custos de viabilidade

fixados pela própria EPE em R$ 125,41/MWh e R$ 152,54/MWh, respectivamente, o

que as retirava previamente de um leilão com preço-teto a R$ 125,00. Nesse mesmo

leilão, a EPE permitiu que as térmicas vendessem energia até a R$ 138,00/MWh, valor

que tornaria viável Barra do Pomba Nesse exemplo, portanto, o poder concedente

escolheu uma combinação de preços teto duplamente infeliz, sem sentido do ponto de

vista econômico, pois afugentou potenciais interessados em construir usinas

hidroelétricas e atraiu interessados em construir usinas térmicas, mais caras e mais

poluentes.

Conforme argumenta Rego (2012), além da frustração dos leilões, outra

evidência de que preços-teto baixos afugentam investidores é que até 47% dos

empreendedores tecnicamente qualificados para participar dos leilões deixam de

participar deles após a divulgação do preço máximo pela EPE.

92 Jornal do Commercio, 30/08/2013.93 Agência CanalEnergia, 22/11/2013.

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Apesar da frustração de diversos leilões, o Governo tem conseguido, ao

longo do tempo, reduzir o preço da energia contratada nos leilões de energia nova,

conforme pode ser visto na figura abaixo.

Figura IV.1 – Preço médio da energia por ano de contratação

Fonte: Rego (2012)

Nos dois primeiros anos do modelo iniciado em 2003, a energia nova de

fonte hidrelétrica foi contratada aos preços médios atualizados para 2012 de R$

153,00/MWh e de R$158,22/MWh. Entretanto, depois do leilão da Usina Santo

Antônio, o primeiro projeto estruturante do Governo, em 2007, o preço tem caído a cada

certame. Nos três leilões de energia nova de fonte hidrelétrica, realizados em 2010, o

preço médio ponderado de contratação foi de R$ 84,01/MWh, uma diferença

considerável (Rego, 2012). Isso se deve, em parte, aos projetos estruturantes, Jirau,

Santo Antônio e Belo Monte, com peso grande nessa ponderação.

Nos leilões de energia nova de 2012, o preço médio de venda de energia de

fonte hidrelétrica subiu em relação ao dos leilões de 2010, ficando, em média sem

ponderação, em R$ 101,67/MWh, valor, ainda assim, muito abaixo do preço praticado

no início da década anterior.

A redução observada nos primeiros anos pode estar relacionada a um

processo de aprendizagem – afinal, eram os primeiros leilões de energia sob o novo

regime – e porque a referência, até então, era eminentemente estatal, apesar de algumas

privatizações que ocorreram94. Como se sabe, empresas estatais não chegam a ser um 94 Conforme explicamos no Capítulo III, na primeira reforma do setor elétrico, nos anos 1990, o processo de privatização avançou mais fortemente no setor de distribuição, tendo a atividade de geração permanecido predominantemente estatal. Nos leilões de novos empreendimentos desse período, contudo,

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modelo de eficiência95. Como já vimos, Abbud e Montalvão (2003) apontaram a queda

de custos nos empreendimento de geração e transmissão a partir de 1995, quando as

empresas privadas ingressaram no mercado brasileiro, tornando-se um novo parâmetro

de eficiência. O custo do kW instalado de hidrelétricas, que oscilava entre US$ 1500,00

e US$ 2.000,00 estimados nos custos modulares da Eletrobras até então, passou a ficar

entre US$ 600,00 e US$ 800,00 nos investimentos privados, a preços de 2003. No

segmento de transmissão, o custo do quilômetro de linha de 500 KV, que chegou a

superar valor equivalente a US$ 300.000,00 no período anterior a 1995, situava-se, em

2003, na faixa de US$180.000,00, com chances de chegar a US$ 150.000,00.

Evidentemente, toda essa queda não pode ser creditada exclusivamente a avanços

tecnológicos. Parte importante dela deve-se, certamente, à eficiência empresarial

privada quando cotejada com a gestão estatal.

A redução de preços decorrente de ganhos de eficiência é uma redução boa

para a economia. É justamente esse tipo de evolução de preços e custos que o marco

regulatório deve buscar. Infelizmente, contudo, essa parece ser somente parte da

história. A queda no preço da energia obtida nos leilões pode ser explicada também

pelos motivos expostos no Capítulo II, não ligados a ganhos de eficiência, conforme

veremos nos exemplos a seguir.

No setor elétrico, via de regra, os participantes são empresas com larga

experiência e conhecimento. Isso, entretanto, não impede que, eventualmente, empresas

aventureiras aportem no setor. O caso mais paradigmático nesse sentido foi a

participação do Grupo Bertin, originariamente controladores de frigoríficos, que chegou

a ter em carteira projetos de construção de termelétricas que totalizavam quase 4.800

MW, o equivalente a quase 35% da capacidade de Itaipu, e consumiriam R$ 7 bilhões

em investimentos.

De acordo com reportagem da Revista Exame96, o Grupo Bertin atuou

agressivamente em leilões de 2008, logo após a quebra do Banco Lehman Brothers, sem

avaliar adequadamente como o novo cenário macroeconômico mundial iria alterar as

condições de crédito. De fato, o que veio a ocorrer é que, nesse novo cenário, o Grupo

prevaleceu a iniciativa privada. 95 Abbud, O. e Montalvão, E., “A crise de energia de 2001 deveu-se à reestruturação do setor elétrico? Para onde seguir após a crise?”, 2003, disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/840/R157-08.pdf?sequence=4.96 http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/104402/noticias/o-jeito-e-brigar-na-justica?page=3

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teria de oferecer R$ 2 bilhões em contragarantias, montante de que não dispunha. O

resultado é que das 22 concessões ganhas, 16 foram revogadas pela Aneel ou vendidas

pelo Grupo. As seis restantes iniciaram obras que, pelo menos desde setembro de 2012,

não apresentam avanço. A experiência mal sucedida levou inclusive o Governo a alterar

as regras de leilão, exigindo garantias maiores.

Trata-se, portanto, de uma situação em que o licitante não conhece

adequadamente os riscos do projeto. O vencedor do leilão, no caso, não foi o licitante

mais eficiente, mas o que menos valorizava o risco. Um leilão mais rigoroso, com

exigência de um plano de negócios e metodologia de execução, certamente teria evitado

esse problema.

No Capítulo II discutimos a importância do Estado na viabilização de

leilões. Nesse sentido, é interessante examinar o que ocorreu com os leilões dos três

projetos estruturantes do Governo, Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, para

compreender como esses leilões foram viabilizados, com a venda de energia a preços

considerados, em princípio, inviáveis para os demais participantes do mercado.

No caso do leilão de Santo Antônio, o Governo precisou lutar para

promover concorrência. Um consórcio, do qual faziam parte uma grande empresa de

construção, um gerador estatal e potenciais usuários de grande porte, estava em posição

privilegiada, já que a construtora fizera os estudos de inventário e de viabilidade do

projeto. Além disso, o consórcio tinha acordos de exclusividade com os três maiores

fornecedores de turbinas do mundo.

Superados os acordos de exclusividade, com a interferência da Aneel e do

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), três consórcios participaram

do leilão. A presença estatal foi essencial, com as empresas do grupo Eletrobras

concorrendo entre si, participando dos três consórcios, em proporções societárias que

variaram entre 39% e 49%. O lance vencedor, de R$ 78,90/MWh, do Consórcio

Madeira Energia foi mais de 35% menor que o preço-teto, uma redução de preço de R$

43,10/MWh.

No leilão de Jirau, novamente as estatais federais competiram entre si, nos

dois consórcios participantes, em proporções de 39% e 40% - neste último caso com

20% da Chesf e 20% da Eletrosul. Isso resultou em constrangimento para essas

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empresas. Dada a liderança privada dos consórcios, o Consórcio Jirau Energia ameaçou

entrar na Justiça contra o Consórcio Energia Sustentável do Brasil, vencedor do

certame, sob o argumento de que não tinha havido isonomia no leilão. Isso porque o

Consórcio vencedor propôs mudança do local da barragem originalmente previsto no

projeto, com economia estimada de R$ 1 bilhão, o que permitiu a oferta de lance mais

baixo no leilão. Para um preço-teto definido de R$85/MWh, o lance vencedor, no valor

de R$ 71,40/MWh, representou um deságio de 21,5% em benefício do consumidor.

Se o projeto colocado em leilão fosse aquele com o eixo da barragem no

local onde acabou sendo construído, é possível que outros competidores tivessem feito

ofertas mais baixas. Nesse sentido, ainda que o resultado final da renegociação tenha

sido benéfico para a sociedade, o resultado do leilão provavelmente teria sido melhor se

a informação sobre o melhor local para a localização do eixo da barragem tivesse sido

compartilhada entre os participantes.

O baixo preço em Jirau também pode ser justificado por uma avaliação

inadequada dos riscos associados ao projeto ou por uma atitude mais arriscada por parte

dos vencedores do leilão. Greves, atos de vandalismo e atrasos no desembaraço de

equipamentos pela Receita Federal atrasaram o início do fornecimento de energia em

mais de seis meses. A Aneel já havia permitido o adiamento de 52 dias para o

fornecimento de energia em decorrência do atraso da Receita Federal. Já a autorização

para adiamento em decorrência de greves e atos de vandalismo ainda está sob análise do

órgão regulador.

Independentemente da decisão da Aneel, o fato é que, pelo menos as

greves estão, em larga medida, sob o controle da concessionária. Por isso, os custos

decorrentes dessas greves deveriam ser integralmente suportados pela geradora. Pode

ser, entretanto, que o consórcio não tenha condições financeiras de suportar esse risco.

A renegociação de prazos transforma-se, assim, em um típico problema do

comportamento oportunista: a empresa vence o leilão oferecendo um preço muito baixo,

ciente de que poderá renegociar os termos contratuais caso cenários adversos, ainda que

evitáveis, se materializem. Afinal, para o órgão regulador, a opção à renegociação pode

ser, em casos mais extremos, a falência do consórcio e paralisação total do restante das

obras.

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O atraso nas obras tem um impacto direto sobre a viabilidade do projeto.

Em princípio, o consórcio responsável por Jirau teria de adquirir energia no mercado

livre (mais caro) para fornecer às distribuidoras, conforme havia previsto nos contratos.

Esse custo pode chegar a R$ 400 milhões97.

O impacto indireto é que, originariamente, o consórcio vencedor pretendia

não só não atrasar as obras, como antecipar o início de fornecimento de energia. Nesses

meses de antecipação, poderia vender a energia no mercado livre e, com isso, recuperar

parte dos custos.

Assim, o baixo preço ofertado em Jirau é consistente com a hipótese

levantada no Capítulo II, de que alguns licitantes podem fazer suas ofertas considerando

somente a viabilidade financeira associada ao cenário mais provável, sem considerar os

riscos associados a cenários menos favoráveis.

No caso de Belo Monte, o preço-teto de venda da energia foi considerado

insatisfatório pelo mercado. As construtoras Odebrecht e Camargo Corrêa, que haviam

disputado as duas usinas do Madeira desistiram de participar do leilão. Até a data do

início do depósito das garantias para participar do leilão, que precisou ser prorrogada,

não havia dois consórcios. A competição só ocorreu por ação do Governo, em conjunto

com a Eletrobras.

Também foi necessário buscar outras formas de compensação para o

preço-teto baixo, com o BNDES alongando para 30 anos o prazo de financiamento,

elevando sua participação no limite permitido pelo Conselho Monetário Nacional e

reduzindo custos. A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia também

colaborou, concedendo desconto de 75% do Imposto de Renda do projeto.

Nesse contexto, o Consórcio Norte Energia ofereceu um lance de R$

77,97/MWh, 6% inferior ao teto permitido de R$ 83,00/MWh, e venceu o leilão, o de

menor deságio dos três certames de projetos estruturantes, certamente pela baixa

concorrência. O Consórcio Belo Monte Energia ofereceu seu lance exatamente no valor

do preço-teto, como se estivesse apenas cumprindo papel figurativo no leilão.

Dessa forma, vimos que os baixos preços obtidos nos leilões estruturantes

podem ser explicados pela participação estatal, seja diretamente (via Eletrobras) ou

97Ver: http://www.cerpch.unifei.edu.br/noticias/atrasos-encarecem-jirau-e-hidreletrica-espera-perdao.html

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indiretamente (via BNDES e outros benefícios concedidos), e pela avaliação inadequada

dos riscos envolvidos.

Há ainda um último fator importante que pode ter viabilizado os baixos

preços ofertados nos leilões dos projetos estruturantes: o fato de que 30% da energia

nova é, em geral, reservada para comercialização no mercado livre (ACL), do qual

participam grandes consumidores de energia. Por serem vendidos a preços mais altos,

representam uma espécie de “subsídio cruzado” aos preços da energia a ser vendida ao

mercado cativo (ACR), abastecido pelas distribuidoras de energia ao valor do lance

vencedor dos leilões. Ou seja, a energia vendida a valores mais altos no mercado livre

faz parte dos cálculos dos valores dos lances a serem ofertados nos leilões pelos

consórcios participantes.

No caso de Santo Antônio, de acordo com matéria do jornal Valor

Econômico98, sob o título “Tarifa no mercado livre será decisiva para definir leilão”,

esses 30% teriam que ser comercializados no mercado livre entre R$ 130,00 e

140,00/MWh (valor acima do teto de R$ 122,00/MWh) para viabilizar o lance ofertado

de R$ 78,90/MWh, o que elevaria o preço médio de comercialização da energia da usina

para R$ 95,00/MWh.

O mesmo ocorreu no leilão de Jirau. Segundo matéria do jornal O Estado

de S. Paulo, os 30% da energia da usina não poderiam ser comercializados em valor

inferior a R$ 130/MWh para tornar viável o atendimento do mercado cativo ao preço do

lance vencedor de R$ 71,40.

Observe-se que, nesse caso, o preço baixo não decorre de nenhum

comportamento oportunista por parte do regulado, nem tampouco de uma avaliação

incorreta dos riscos. O que estaria explicando o baixo preço é a intervenção do Governo,

distorcendo o mercado de modo a favorecer o ambiente regulado, em detrimento do

ambiente livre. A modicidade tarifária, portanto, tem de ser entendida como modicidade

ao consumidor regulado. Destaque-se que a distorção de preços a favor do mercado

regulado também esteve presente na MP 579, que determinou que toda a energia barata,

decorrente da renovação dos contratos, fosse vendida no mercado cativo.

98 Valor Econômico, 10/12/2007.

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A prática de favorecer o mercado regulado, em detrimento do mercado

livre, traz alguns problemas. O primeiro é que a indústria nacional perde

competitividade ao ter de adquirir energia mais cara para “subsidiar” os consumidores

não participantes do mercado livre. A participação no ACL, que deveria constituir fator

de competitividade para as grandes empresas atuantes no Brasil, deixa de ser vantajosa.

Se isso ocorrer, gradualmente os atuais participantes do mercado livre

poderão deixá-lo, em busca de energia mais barata, o que gerará a perda dessa

capacidade de “subsídio” do mercado livre ao mercado cativo, podendo até chegar a

extingui-lo. Por outro lado, a migração de empresas do ACL para o ACR poderá, ex

post, inviabilizar financeiramente os projetos de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte,

uma vez que eles contam com a energia mais cara vendida no mercado livre para

compensar a energia mais barata vendida no mercado regulado. Esse cenário, apesar de

pouco provável, pois dependeria de migração em massa das atuais empresas do ACL

para o ACR, não pode ser descartado.

Dessa forma, o aparente sucesso dos leilões dos projetos estruturantes

pode ser creditado à forte participação estatal, tanto diretamente, via Eletrobras, como

indiretamente, via oferta de crédito subsidiado por meio do BNDES; à mudança do

projeto original, como em Jirau; e à possibilidade de ganhos extras decorrentes da venda

no mercado livre.

A distorção de preços não está limitada ao ACR e ACL. A definição de

diferentes preços-teto para diferentes fontes de energia teve como consequência o

aumento da participação da energia térmica em nossa matriz energética. Assim, a

modicidade tarifária que o Governo vem buscando, intencionalmente ou não, é restrita à

geração hidroelétrica e direcionada ao mercado cativo.

No primeiro leilão de novos empreendimentos, realizado em 2005, o preço

de R$ 116,00/MWh não viabilizou a venda de 4.352 MWmédios de fonte hidrelétrica.

Em contrapartida, 2.278 MWmédios de fontes térmicas (biomassa, carvão, gás natural e

óleo) foram contratados a R$ 127,60/MWh (para um preço-teto fixado em R$

139,00/MWh), em claro prejuízo da eficiência econômica. Um potencial de energia

renovável deixou de ser contratado por uma diferença de apenas R$ 11,60/MWh, sendo

substituído por fontes poluentes e mais caras, um paradoxo para quem busca

modicidade tarifária tão avidamente.

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Essa tendência prosseguiu nos leilões subsequentes. No segundo Leilão de

Energia Nova, em junho de 2006, o preço-teto para fontes hidrelétricas foi elevado para

R$ 125,00/MWh e o de térmicas foi fixado em R$ 140,00/MWh. Embora isso tenha

permitido uma venda maior de energia de fonte hidrelétrica (51,3% do total ofertado) e

de PCH (27,5% da oferta), ainda assim 654 MWmédios de fontes térmicas foram

comercializados, dos quais 574 MWmédios de térmicas a óleo diesel e combustível,

mais caras.

A tendência manteve-se igual nos quatro leilões subsequentes de energia

nova. No quarto, em julho de 2007, só térmicas a óleo foram contratadas, num total de

1.304 MWmédios. 1.545 MWmédios de hidrelétricas não foram negociados. No quinto,

em outubro de 2007, 69% da energia contratada era térmica. 561 MWmédios de fonte

hídrica sobraram. No sexto, só foram vendidos 1.076 MWmédios de térmicas, oito a

óleo e duas a gás. No sétimo Leilão de Energia Nova, foram comercializados 3.004

MWmédios de fonte térmica e 121 MWmédios de fonte hídrica.

O que se pode concluir, a partir do exame feito por Rego (2012) dos

diversos leilões de geração, é que preços-teto elevados não causam dano ao consumidor,

já que estimulam a participação de um maior número de competidores, aumentam a

competição e derrubam o preço-teto fixado. Em contrapartida, a adoção de preços-teto

baixos pode, sim, causar danos ao consumidor, tanto pela redução na oferta de produtos,

que pode até não ocorrer, quanto pela baixa competição. Adicionalmente, preços-teto

inadequados, sobretudo nos leilões de energia hidroelétrica, inibem novos investimentos

e acabam por aumentar os preços médios ao consumidor, uma vez que centrais

geradoras térmicas, com custos variáveis elevados serão despachadas com maior

frequência.

Em linhas gerais, o que se observa é que a falta de crença na capacidade

que o mercado tem de fazer baixar os preços da energia nova, por meio de competição

entre os agentes, aliado à ansiedade de reduzir as tarifas de energia elétrica, tem feito

com que o Governo empurre os preços-teto para baixo, afastando competidores, o que

surte efeito contrário ao desejado ou mesmo a frustração dos leilões, por falta de

participantes interessados, o que também tem se verificado.

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IV.2 – Modicidade tarifária nos leilões de transmissão

Na Seção anterior, vimos que comportamentos oportunistas, má

avaliação de riscos e voluntarismo estatal podem ser as principais explicações para

preços exageradamente baixos observados em leilões de geração. No caso dos leilões de

transmissão, o que chama mais atenção não são os baixos preços, mas o forte aumento

da participação estatal, que tem trazido, como consequência, a não entrega das linhas no

prazo contratual. Isso reforça a necessidade de o processo licitatório impor maior rigor

na análise técnica e na capacidade econômico-financeira do licitante.

Diferentemente do ocorrido com os leilões de geração, as regras dos

leilões de linhas transmissão de energia elétrica integrantes da chamada Rede Básica de

Transmissão, que interliga produtores e consumidores de praticamente todo o território

nacional, foram mantidas inalteradas na reforma da legislação do setor elétrico

empreendida em 2003. O critério de outorga permaneceu sendo as ofertas de maior

deságio em relação à Receita Anual Permitida (RAP), previamente estabelecida pela

EPE.

Se isso não mudou, a diretriz governamental sobre a participação das

empresas do grupo Eletrobras nos leilões foi radicalmente alterada. Onde antes havia

restrição quase total à participação dessas empresas nos leilões de novas linhas, a partir

de 2003, com as mudanças de Governo e da legislação, foi estabelecida nova orientação

no sentido de que elas participassem ativamente dos leilões de linhas de transmissão. Os

números são eloquentes, como se pode ver na Figura IV.2.

Figura IV.2 – Vencedores dos leilões de linhas de transmissãoTipo de empresa

(só ou como líder de consórcio)

% do total

03/12/1999 a 15/08/2002

% do total

23/09/2003 a 12/07/2013

Privada 71,43 57,23

Grupo Eletrobras 4,76 36,75

Estatal estadual 23,81 6,02

Total 100,00 100,00

Fonte: Aneel

Na primeira fase dos leilões, de 1999 a 2002, a iniciativa privada e as

estatais estaduais ficaram com 95,24% dos lotes leiloados, restando apenas 4,76% para

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Furnas. Esse percentual refere-se, neste caso, a apenas um dos 21 lotes leiloados, a LT

Bateias-Ibiuna, componente da Interligação Sul-Sudeste. Três lotes não tiveram

interessados nesse período: dois foram leiloados posteriormente, e um foi atribuído a

Furnas, por se tratar de obra prioritária.

Cabe lembrar que nos três anos em que foram realizados os seis

primeiros leilões de linhas de transmissão, essa era uma experiência inteiramente nova

para o setor, tanto para quem leiloava as linhas, no caso, a Aneel, que atuava em nome

do poder concedente, sem interferência governamental, quanto para as empresas.

Na ausência das empresas do Grupo Eletrobras, tradicionais construtoras

e operadoras de linhas de transmissão, a iniciativa privada e as estatais estaduais

começaram a participar dos leilões. A julgar pelo número de participantes nos dois

últimos leilões desse período, os de nº 03/2001 e 02/2002, o número de interessados em

disputar essas linhas crescia a cada leilão. No leilão de 2001, dez empresas e cinco

consórcios depositaram as garantias para poder oferecer seus lances. No de 2002, seis

empresas e 17 consórcios depositaram garantias. A grande maioria era de

empreendedores privados.

Curiosamente, a despeito do número de interessados, o deságio no leilão

de nº 03/2001 foi de apenas 0,87%. No de nº 02/2002, o deságio foi maior, alcançando

9,82%. A média do valor de deságio nos lotes dos seis leilões desse período foi de

apenas 7,07%, sendo o maior deles de 20,27%, alcançado exatamente no primeiro leilão

de linhas de transmissão realizado no País, em 1999. Mas essa era uma realidade que

estava prestes a mudar com a participação ativa das empresas estatais do Grupo

Eletrobras, a partir de 2003.

A partir do momento em que foram autorizadas a participar dos leilões de

linhas de transmissão, as estatais federais do Grupo Eletrobras lançaram-se a eles com

disposição. Já no primeiro leilão de 2003, elas participaram de sete dos 17 consórcios

que depositaram garantias. A Eletrosul liderou dois deles e Furnas, Chesf e Eletronorte

participaram de outros cinco. Essa atuação iria se repetir nos leilões seguintes, com pelo

menos uma das estatais participando ativamente de todos eles, sozinha ou em consórcio.

Os números apresentados na Figura IV.2 mostram que as empresas do

Grupo Eletrobras aumentaram a sua participação de 4,76%, no período de 1999 a 2002,

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para expressivos 36,75%, entre 2003 e 2013. Ganharam, sozinhas ou liderando

consórcios, 61 lotes, dos 166 leiloados, e participaram minoritariamente de consórcios

que venceram outros 22.

Perderam apenas para a iniciativa privada, que continuou com a maior

fatia dos leilões, mas com uma queda expressiva, de 71,43% do total, no primeiro

período, para 57,23%, de 2003 para cá. Empresas privadas adquiriram 95 lotes, sozinhas

ou liderando consórcios. As estatais estaduais perderam espaço, até porque uma delas, a

CTEEP, de propriedade do Governo paulista, foi vendida à iniciativa privada em 2006.

Ficaram com apenas dez lotes nos casos em que entraram sós na disputa ou liderando

consórcios. Treze lotes apenas não tiveram interessados.

Certamente graças à participação das estatais do Grupo Eletrobras e

também por causa da experiência adquirida pelos participantes nos leilões, o deságio

médio nos leilões aumentou bastante entre 2003 e 2013. A média do período foi de

28,45% contra os poucos mais de 7% do período 1999/2002. Houve 133 lotes, em 166

leiloados, com deságio igual ou superior a 10%, maiores que o deságio médio de cerca

de 7%, praticado no período de 1999 a 2002. Além disso, 87 lotes tiveram deságio

maior que 28,45% e outros 50 tiveram deságio igual ou maior que 40%. Os detalhes dos

deságios entre 2003 e 2013 podem ser vistos na Figura IV.3.

Figura IV.3 – Deságios nos leilões de linhas de transmissão 2003-2013Vencedor Deságio igual ou

superior a 10%

(80% dos leilões)

Deságio superior à

média de 28,45%

(52% dos leilões)

Deságio igual ou

superior a 40%

(30% dos leilões)

Privado 59,40% 58,82% 57,14%

Eletrobras 36,84% 36,47% 38,78%

Estaduais 3,76% 4,70% 4,08%

Fonte: Aneel

Várias considerações podem ser feitas sobre esse fenômeno. A primeira

delas é o fato conhecido de que empresas privadas só pagam deságios altos quando os

preços-teto estão inflados ou quando há alguma possibilidade de lucro desconhecida dos

demais participantes do leilão. O mesmo não ocorre com as empresas estatais federais,

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que, não tendo objetivo de lucro e sendo suportadas pelo Governo, além de orientadas

por ele nesse sentido, podem ir bastante mais longe na sua disposição de pagar ágios

altos. Tendo em vista que a iniciativa privada venceu mais lotes que as estatais do

Grupo Eletrobras e as estaduais juntas, não é demais supor que os preços iniciais dos

leilões de transmissão estavam superestimados. Nesse caso, a causa de tantos deságios

altos eram mesmo preços limites mal estimados, trazidos para baixo com folga pela

competição nos leilões.

Outro aspecto a concluir é que a participação das subsidiárias da

Eletrobras não trouxe benefícios do ponto de vista da redução de tarifas ao

consumidor99. Se não era para implementar uma política de redução tarifária, porque a

estatal participou dos leilões de linhas de transmissão, por meio de suas subsidiárias?

A primeira resposta que vem à mente é a crença estatista e o desejo de

controle sobre os leilões e sobre o setor por parte do novo Governo, o que seria mais

fácil por meio das empresas nas quais ele é acionista majoritário. Nesse sentido, é

bastante esclarecedora a declaração de Adão Linhares Muniz, presidente da Câmara

Setorial de Energia Eólica do Ceará, ao jornal O Estado de S. Paulo, por ocasião do

leilão de reserva de energia (geração eólica), realizado em 23 de agosto de 2013, em que

CHESF e Furnas arremataram 38 dos 66 projetos oferecidos. Segundo ele, a CHESF

entrou “pesado” no leilão "porque queria o domínio do Nordeste", isso apesar de ter tido

prejuízo de R$ 5,2 bilhões, em 2012, e de R$ 265 milhões, no primeiro semestre deste

ano.

A segunda causa sobre a qual se pode especular é o corporativismo

dessas estatais, que possuem forte poder de pressão sobre as autoridades. Por último,

resta a hipótese de que os políticos gostam de empresas estatais, porque podem nomear

seus “afilhados” para os cargos nelas existentes, prática de pleno conhecimento público,

na raiz de muitos escândalos da história recente do País.

Tão importante quanto avaliar as causas, é entender as consequências

dessa política, que aparentemente não vem sendo boa para o País. Tem havido atrasos

nas obras, que fragilizam o Sistema Interligado Nacional e, junto com a falta de

99 Destaque-se que estamos falando em redução das tarifas. Certamente, se uma empresa do grupo Eletrobras venceu o leilão é porque ofereceu um preço mais baixo que as demais, de forma que, na ausência da estatal, o consumidor iria pagar uma tarifa mais alta. Assim, ainda que a Eletrobras não tenha contribuído para uma queda na tarifa, certamente contribuiu para que ela não aumentasse.

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manutenção, ensejam a ocorrência de apagões, que têm se tornado mais frequentes de

2003 para cá. Apenas entre 22 de setembro e 26 de outubro de 2012, foram registrados

cinco apagões de maior ou menor monta, um deles afetando inclusive a Capital Federal.

Em decorrência do apagão que afetou o Nordeste do País em agosto de

2013, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico autorizou o acionamento de usinas

termelétricas naquela região, que geraram 1,1 mil MW, para compensar a redução do

intercâmbio de energia do Sudeste/Centro-Oeste e Norte de 3,8 mil MW para 2,7  mil

MW. A decisão, segundo o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, 

Márcio Zimmermann,  foi uma medida de segurança para  evitar que a possível

ocorrência de mais queimadas provocasse um novo blecaute na região.

Esse despacho, feito em setembro de 2013, adicionou R$ 200 milhões

aos custos da energia para o consumidor, de acordo com o diretor-geral do Operador

Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp. Segundo Chipp, o mês de

setembro é um mês de alta intensidade de queimadas e o despacho teve de ser aplicado

pelo menos por todo mês de setembro100.

Outro problema decorrente da participação das estatais do Grupo

Eletrobras nos leilões tem sido o atraso nas obras de novas linhas. Chesf, Furnas,

Eletronorte e Eletrosul estão engasgadas com o naco que abocanharam nos leilões de

transmissão. Segundo levantamento da Aneel, 96 obras de transmissão da Chesf

sofreram atrasos e chegaram a apresentar um atraso médio de 495 dias. Havia, entre as

obras atrasadas, linhas que chegaram a ter atrasos de até 2.294 dias.

O caso mais notório de atraso em obras de transmissão da Chesf é o dos

28 parques eólicos, construídos na Bahia e no Rio Grande do Norte, com potência de

678 megawatts, prontos para gerar energia desde julho de 2012, mas que ainda não

entraram em operação até agora, por falta de linhas de transmissão, que deveriam ter

sido entregues pela Chesf em maio de 2012.

Só os parques da Bahia possuem quase 300 megawatts de potência,

formam o maior conjunto eólico da América Latina, e têm capacidade para abastecer

uma cidade do porte de Brasília. Custaram R$ 1,2 bilhão, em 17 meses de obras.

100CanalEnergia, 12/09/2013.

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Poderiam estar ajudando a economizar água dos reservatórios das usinas hidrelétricas

desde 9 de julho de 2012, ou gerando energia mais barata do que a das térmicas,

acionadas em outubro de 2012 para enfrentar essa falta d’água. A energia dos parques

eólicos baianos, mesmo não sendo gerada, está sendo paga pelo consumidor desde

julho, já que o cronograma do empreendimento de geração foi cumprido. Essa

remuneração soma um prejuízo total estimado pela Aneel em cerca de 770 milhões de

reais.

A Agência, que multou a Chesf em 11,5 milhões de reais pelos atrasos,

só nesse caso, encaminhou relatório detalhado à Advocacia-Geral da União (AGU),

apontando as causas do problema. A AGU terá que decidir se vai à Justiça para cobrar

esse prejuízo da Chesf, mas, de uma forma ou de outra, a conta desse desastre

certamente irá para o bolso do consumidor de energia elétrica. As linhas de transmissão

que ligarão os parques eólicos ao SIN, ao que se sabe, só ficarão prontas em 2014.

No total, a Chesf já foi multada pela Aneel – com 26 penalidades

irrecorríveis em âmbito administrativo – em mais de R$ 25 milhões, aí incluída essa

multa pelas linhas de conexão dos parques eólicos.

Já Furnas chegou a ter, segundo a Aneel, 39 obras atrasadas, com um

atraso médio de até 710 dias. Entre as obras não concluídas havia atrasos de até 2.525

dias. Furnas tinha cinco infrações administrativas irrecorríveis, num total de mais de R$

4,5 milhões.

A Eletronorte tinha cinco multas irrecorríveis. Chegou a ter 49 atrasos

em obras, tendo alcançado a média de 344 dias de atraso. Havia obra com atraso de

1.736 dias em sua carteira. A estatal federal em melhor situação era a Eletrosul, que

tinha apenas três infrações irrecorríveis, relativas a um atraso médio que chegou apenas

a 51 dias.

Os atrasos levaram o Poder Concedente a instituir regra para impedir

que as empresas inadimplentes com suas obrigações continuassem arrematando

empreendimentos. Passou a fazer parte dos editais dos leilões regra que inviabiliza a

participação de empresas que apresentem tempo médio de atraso na entrada em

operação comercial de instalações de transmissão superior a 180 dias em relação às

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datas previstas nos respectivos contratos de concessão ou atos de autorização,

considerando as obras concluídas nos últimos 36 meses, ou que deveriam ter sido

concluídas até a publicação do Edital, e que tenham sofrido, no mesmo período, três ou

mais penalidades relacionadas a atraso na execução de obras de transmissão, já

transitadas em julgado na esfera administrativa.

Em razão dessa nova regra, Furnas e Chesf ficaram impedidas de

participar dos quatro últimos leilões só ou na liderança de consórcio e não puderam

participar do leilão do dia 13 de dezembro de 2013. A Eletronorte ficou impedida de

participar do leilão de 19 de dezembro de 2012.

Fora essas estatais, apenas a CEEE-GT, empresa de economia mista

gaúcha, e a IESul, privada, foram proibidas de participar de leilões. A IESul não pode

participar do leilão de dezembro de 2013, e também não havia participado dos três

anteriores (três atrasos, três multas irrecorríveis e atraso médio de 812 dias). A CEEE-

GT não pode participar dos dois últimos leilões (55 atrasos e quatro multas

irrecorríveis).

Uma última questão em relação aos leilões de linhas de transmissão

ainda merece análise. É fato que os deságios vêm caindo nos três últimos leilões –

14,67% em 10/05/2013; 11,63% em 12/07/2013; e 7,15% em 14/11/2013, o valor mais

baixo desde 2008 – e que dos 30 lotes oferecidos, nove (quase 1/3) não receberam

ofertas.

Há duas causas para isso. A primeira seria a taxa de retorno oferecida

nesses leilões aos empreendedores, que desde julho de 2013 caiu de 5% para 4,6%, no

momento em que os juros e o câmbio começavam a subir101. Tanto isso parece ser

verdade, que a Aneel está colocando em audiência pública proposta em que sugere o

valor real de 10,45% ao ano para o custo de capital próprio, mas mantém o custo do

capital de terceiros em 3,31% ao ano, em termos reais, como previsto na Resolução

Normativa 539, de 2013102. Esses valores influem no cálculo da receita permitida dos

leilões de linhas de transmissão.

101 Valor Econômico, 20/11/2013.102 CanalEnergia, 19/11/2013.

143

Page 144: SUMÁRIO EXECUTIVO - Blog Raul Velloso – … · Web viewIV.3.2 – Ajuste dos custos operacionais e no Fator X no 3CRTP150 IV.3.3 – Remuneração do capital156 IV.4 – Novos

O outro aspecto que prejudicou os leilões foi uma ação do próprio

Governo, com a MP nº 579, de 2012, convertida na Lei nº 12.783, de 2013. 67% do

sistema de transmissão foi incluído na renovação de concessões e faz jus a algo como

R$ 13 bilhões a receber em indenizações. Só a Eletrobras, entre geração e transmissão,

tem algo como R$ 14 bilhões a receber103.

As estatais foram as mais atingidas. Dessa forma, mesmo se todas as

empresas do grupo Eletrobras estivessem habilitadas a participar dos leilões, sua

participação ficaria comprometida, pois estão descapitalizadas e não sabem quando

receberão as indenizações a que têm direito. O Governo chegou a cogitar um

empréstimo da Caixa para a Eletrobras pagar dívidas com o setor elétrico, operação que

teve de ser cancelada diante da repercussão negativa.104 Com isso, segundo a Associação

Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), cerca de

R$ 500 milhões em investimentos foram represados em 2013.105

Os efeitos da MP 579 se fizeram sentir no leilão de 13 de dezembro de

2013. Três lotes não tiveram interessados. No leilão anterior, outros quatro já não

tinham tido ofertantes. CPFL, Cemig e Cteep, esta a maior empresa privada de

transmissão do Brasil, não participaram do leilão. "A Cteep não entrou por causa do

impacto da prorrogação das concessões na companhia", segundo Carlos Ribeiro,

presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Concessionárias

de Energia e gerente do Departamento de Operação da Empresa. Além da queda na

receita causada pela MP 579, por causa da redução das tarifas, a Cteep aguarda o

pagamento de parte da indenização por ativos não amortizados. Até lá, a empresa não

deve participar de nenhum leilão, incluindo o da linha de Belo Monte. A falta de

competição ajudou a derrubar o deságio, que ficou em 7,15%, ante a média histórica de

28,45% registrada a partir de 2003106.

Em síntese, vimos que a situação no setor de transmissão é um pouco

diferente do que ocorre na geração. A forte competição no setor tem permitido deságios

importantes nos leilões, independentemente da participação estatal. Contudo, os leilões

não têm sido eficazes em revelar o licitante capaz de oferecer o serviço de transmissão a

103 Valor Econômico, 20/11/2013.104 Folha de S. Paulo, 05/12/2013.105 O Estado de S. Paulo, 14/10/2013.106 Folha de S. Paulo, 15/11/2013.

144

Page 145: SUMÁRIO EXECUTIVO - Blog Raul Velloso – … · Web viewIV.3.2 – Ajuste dos custos operacionais e no Fator X no 3CRTP150 IV.3.3 – Remuneração do capital156 IV.4 – Novos

um menor custo e, simultaneamente, com qualidade. Os constantes atrasos na entrega

das linhas, sobretudo das subsidiárias do grupo Eletrobras, mostram a necessidade de

uma avaliação rigorosa do plano de negócios e de uma metodologia de execução em

uma fase prévia à qualificação dos candidatos.

Um melhor desenho dos leilões torna-se ainda mais necessário quando

se lembra que, de acordo com o próprio Governo Federal, será necessário investir cerca

de R$ 15 bilhões, até 2017, em 10,5 mil quilômetros de novas linhas e 21 subestações.

Somente na linha de Belo Monte será necessário investir cerca de R$ 4 bilhões para

construir a linha com 2,1 mil quilômetros de extensão107.

IV.3 – Revisões tarifárias e o impacto sobre as tarifas das distribuidoras

No Subseção II.4.1 vimos que, para geração e transmissão, o leilão pode

levar a uma precificação incorreta da energia produto. Na seção anterior constatamos

que o que poderia ser um bom princípio revelador de eficiência e de custos do setor,

parece ter-se transformado em instrumento governamental para obtenção de modicidade

tarifária a qualquer custo e maior participação estatal no setor. Para as distribuidoras,

esse problema ainda não se colocou porque os primeiros contratos de concessão

firmados sob o novo regime, na década de 1990, somente serão renovados a partir de

2015.

Nesta seção iremos discutir as principais características das revisões

tarifárias. As revisões tarifárias estão previstas nos contratos de concessão de

distribuidoras e transmissoras, além das geradoras que aderiram à prorrogação dos

contratos no âmbito da Lei nº 12.783, de 2013. A seguir, iremos analisar as revisões

aplicadas às tarifas das distribuidoras, uma vez que elas impactam diretamente as tarifas

de todos os consumidores do mercado regulado e já embutem todos os custos da cadeia

produtiva.

Na primeira parte desta Seção iremos mostrar o impacto do 3º Ciclo de

Revisão Tarifária Periódica (3CRTP) sobre as tarifas de distribuição, e possíveis

consequências futuras para distribuidoras e consumidores. Em seguida discutiremos os

principais determinantes da redução tarifária: a nova metodologia para o cálculo do

107 O Estado de S. Paulo, 14/10/2013.

145

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Fator X, a ser definido adiante, e a menor remuneração do capital regulatório108. Por

fim, comentaremos sobre outros aspectos da metodologia de determinação das tarifas.

IV.3.1 Evolução recente das tarifas das distribuidoras

Em 2003 teve início o primeiro ciclo de revisões tarifárias. Os ciclos são

de quatro anos, de forma que o segundo ciclo iniciou-se em 2007, e o terceiro, em 2011.

Para cada ciclo são estabelecidas regras que deverão ser aplicadas para todas as

distribuidoras que forem submetidas à revisão tarifária, nos termos contratuais. Para a

grande maioria das distribuidoras, as revisões ocorrem a cada quatro ou cinco anos.

Somente para a Escelsa (que atende à maior parte do Espírito Santo) o contrato prevê

revisões a cada três anos.

Conforme se argumentará ao longo desta seção, o 3º Ciclo de Revisão

Tarifária Periódica (3CRTP) alterou a remuneração do capital e as regras de reajuste

anual, o que levou a reduções mais acentuadas de tarifas, impondo perdas às

distribuidoras e consequentes ganhos para os consumidores no curto prazo. A Figura

IV.4, a seguir, mostra a evolução média das tarifas ao consumidor final para as maiores

distribuidoras que passaram pelo processo de revisão tarifária em 2011, doravante

denominadas Distribuidoras 2011, e para aquelas que passaram pelo processo somente

em 2013, que denominaremos Distribuidoras 2013. Por maiores distribuidoras

queremos dizer as maiores distribuidoras de cada estado, com um mercado mínimo de

500 mil consumidores, ou as distribuidoras que, mesmo não sendo as maiores de sua

respectiva área de concessão, tenham um mercado mínimo de um milhão de

consumidores109.

Conforme discutimos no Capítulo III, a MP 579, ao transferir para as

tarifas a redução de custos com a depreciação das geradoras, permitiu uma queda de

tarifas da ordem de 20%. Como o objetivo aqui é analisar o impacto das alterações

metodológicas introduzidas no 3CRTP sobre as tarifas, expurgamos, na figura abaixo, o

108 A forte queda nas tarifas entre 2012 e 2013 deve-se, em grande parte, ao impacto da MP 579, de 2012/Lei nº 12.783, de 2013, tema tratado no Capítulo III.109 Com esses critérios, nossa amostra é composta por:

i) Distribuidoras com revisão tarifária em 2011: Coelce, Eletropaulo, Celpa, Elektro, Bandeirante e CPFL Piratininga;

ii) Distribuidoras com revisão tarifária em 2013: Cemat, Cemig-D, CPFL Paulista, Enersul, AES Sul, Coelba, Cosern, Celpe, RGE, Escelsa, Ceal, Cemar, Cepisa, EPB, Celg, Amazonas e Light.

146

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impacto da MP 579. Também normalizamos em 100 o valor das tarifas em 2010 para

facilitar a comparação.

Figura IV.4: Evolução das tarifas de energia elétrica entre 2010 e 2013 para as distribuidoras com revisão tarifária em 2011 e 2013.

80,00

85,00

90,00

95,00

100,00

105,00

110,00

115,00

120,00

2010 2011 2012 2013

Revisão 2011 sem MP 579

Revisão 2013 sem MP 579

Fonte: Aneel, dados trabalhados pelos autores.

Para interpretar o gráfico acima, é importante ter em mente que, entre

2010 e 2012, os reajustes tarifários anuais para as empresas cuja revisão tarifária

ocorreu em 2013 foram feitos com base na metodologia do 2º Ciclo de Revisões

Tarifárias Periódicas (2CRTP). Já os reajustes anuais para as empresas com revisão em

2011 foram determinados de acordo com as regras do 3CRTP. Entre 2010 e 2012, a

diferença entre as duas trajetórias reflete, em grande parte, o impacto das alterações

metodológicas embutidas no 3CRTP110.

As Distribuidoras 2011 mantiveram suas tarifas inalteradas quando da

revisão tarifária. Se não tivesse havido a revisão, provavelmente teriam tido um reajuste

próximo ao que as Distribuidoras 2013 tiveram, de 8,2%, refletindo a inflação e a

variação dos custos não gerenciáveis no período. A diferença mais clara entre o 2CRTP

e o 3CRTP pode ser vista na variação entre 2011 e 2012. Nesse período todas as

concessionárias sofreram somente reajuste. Para as Distribuidoras 2011, o reajuste

médio foi de -0,1%, enquanto que, para as Distribuidoras 2013, foi de 5,3%. Essa

110 Há aspectos idiossincráticos tanto nos reajuste anuais, como na revisão periódica. Em relação aos reajustes anuais, o índice de cada empresa depende do custo da energia que adquiriu, e isso depende, entre outros fatores, da proporção da energia comprada de Itaipu (cujo preço é fixado em dólar) e da compra de energia gerada por usinas termoelétricas. O fato de a maioria das empresas que sofreram revisão em 2011 ser de São Paulo pode distorcer um pouco os resultados quantitativos. Observe-se, contudo, que as tarifas da CPFL-Paulista, cuja revisão ocorreu em 2013, tiveram comportamento mais semelhante ao das outras empresas que tiveram revisão em 2013 do que ao de suas congêneres paulistas.

147

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diferença, superior a 5 pontos percentuais, pode ser vista, grosso modo, como resultante

do impacto das alterações metodológicas embutidas no 3CRTP.

Por fim, em 2013, as Distribuidoras 2011 tiveram um reajuste positivo de

2,8%, revertendo a redução próxima a 18%, observada no início do ano em decorrência

da MP 579. No caso das Distribuidoras 2013, a revisão tarifária garantiu que, em média,

a variação de preços continuasse negativa, mas o reajuste médio final, de -6% ficou bem

aquém da redução média de 18% decorrente da revisão extraordinária111.

Ainda é difícil avaliar o impacto da redução tarifária sobre as

distribuidoras e consumidores. Para as distribuidoras, uma das poucas evidências é a

queda em suas margens de lucratividade observada nos últimos anos. A Figura IV.5

mostra a média aritmética da margem líquida e da rentabilidade sobre o patrimônio

líquido de uma amostra de empresas de energia controladoras de concessionárias de

distribuição, bem como o resultado para a média das empresas listadas no anuário Valor

1000, publicação do jornal Valor Econômico, que lista os resultados das mil maiores

empresas brasileiras do setor não financeiro por ativos.

Figura IV.5: Margem líquida e rentabilidade sobre o PL de empresas do setor elétrico e de empresas que formam a base do Valor 1000

2012 2010 Variação 2012 2010 VariaçãoAmostra distribuidoras 6,8 12,4 -5,6 9,3 15,5 -6,3Distribuidoras 2011 7,6 13,8 -6,2 9,5 19,6 -10,1

Valor 1000 8,5 10,4 -1,9 6,9 13,8 -6,9

Margem Líquida Rentabilidade sobre o PL

Fonte: Valor 1000, 2013, e Valor 1000, 2011.

Os resultados acima devem ser lidos com bastante cautela, pois os

balanços referem-se a grupos empresariais, e não a distribuidoras específicas. Assim, na

linha “Distribuidoras 2011”, utilizamos os resultados referentes aos grupos

controladores das distribuidoras que passaram por revisões tarifárias em 2011112. Como 111 Esses valores parecem contradizer fortemente os resultados coletados pelo IBGE, que, até outubro de 2013, mostram que o custo da energia elétrica caiu 15%. Alguns fatores que explicam essas diferenças são o fato de a inflação calculada pelo IBGE levar em consideração somente as principais regiões metropolitanas do Brasil, com as devidas ponderações pela população, ao passo que aqui utilizamos a média aritmética simples. Além disso, o IBGE considera a média das tarifas ao longo do período, e aqui estamos considerando somente um valor final. Assim, se o preço de um serviço é alterado somente no último mês do ano, seu impacto sobre a inflação em doze meses será mínimo, pois não influenciará significativamente o preço médio do período. Já aqui estamos considerando somente o preço de final de período.112 Os grupos que fazem parte da amostra Distribuidoras 2011 foram: Endesa, controladora da Coelce; Brasiliana de Energia, controladora da Eletropaulo; Equatorial Energia, controladora da Celpa; Elektro; EDP, controladora da Bandeirante; e CPFL, controladora da Piratininga. Para a amostra geral, incluímos ainda Eletrobras, Cemig, Neoenergia, Copel, Light, Celesc, CEEPar e Energisa. Todos esses grupos

148

Page 149: SUMÁRIO EXECUTIVO - Blog Raul Velloso – … · Web viewIV.3.2 – Ajuste dos custos operacionais e no Fator X no 3CRTP150 IV.3.3 – Remuneração do capital156 IV.4 – Novos

pode ser visto, na média, a margem líquida de todas as grandes empresas caiu entre

2010 e 2012. Entretanto, a queda foi mais acentuada para as empresas do setor elétrico,

e foi particularmente mais aguda para os grupos que controlam as Distribuidoras 2011.

Observe-se que, em 2010, os grupos controladores de distribuidoras tiveram, em média,

margem líquida superior à das empresas que integram o Valor 1000. Já em 2012, a

margem líquida daquelas empresas havia ficado aquém da média do Valor 1000.

Já a redução da rentabilidade sobre o patrimônio líquido (PL) foi

ligeiramente menor para as empresas do setor elétrico em geral, porém, mais acentuada

para as controladoras das Distribuidoras 2011. Observe-se que a rentabilidade sobre o

patrimônio líquido tende a ser superestimada para as empresas do setor elétrico, uma

vez que há exigência de elevados investimentos iniciais que, para efeitos de balanço,

não são corrigidos. Isso subestima contabilmente os ativos e, consequentemente, o

patrimônio líquido (que corresponde à diferença entre ativo e passivo), aumentando

artificialmente a rentabilidade sobre o PL.

O que se vê, então, é que a contrapartida da redução das tarifas tem sido a

menor rentabilidade das distribuidoras. Ao contrário do que possa parecer em uma

primeira leitura, essa não é uma conclusão tautológica. Conforme discutido na Seção

II.5, as tarifas podem ser reduzidas por meio de efetivas reduções de custos, sem

prejudicar a rentabilidade das distribuidoras. Ainda é uma questão em aberto como a

busca da modicidade tarifária irá afetar a vida futura das empresas e consumidores. É

possível que as empresas viessem gozando de rentabilidade elevada e, agora, em

decorrência de pressões do Governo, estariam obtendo uma remuneração justa. Mas é

igualmente possível que a modicidade tarifária esteja deprimindo os retornos do

investimento a um nível que possa comprometer a sustentabilidade do setor. O fato de,

em 2012, três empresas da amostra113 terem apresentado margem líquida negativa e de a

média das empresas ter obtido rentabilidade menor que a média das mil maiores são

indícios de que a busca por modicidade tarifária pode ter sido excessiva.

Nesse caso, os benefícios de curto prazo, traduzidos na forma de contas

de luz mais baixas, devem ser pesados contra possíveis consequências de longo prazo,

como queda na capacidade de investimento ou deterioração na qualidade do serviço

oferecido, experiência, aliás, já vivida no Brasil, na década de 1980. Uma maior

foram listados na publicação Valor 1000 de 2013 e 2011.113 Eletrobras, Celesc e CEEE-Par.

149

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capacidade de o órgão regulador conseguir extrair todos os ganhos de eficiência também

pode se traduzir, no longo prazo, em custos mais altos para o setor, conforme

discutimos na Seção II.4.3.

Nas próximas seções, discutiremos mais detalhadamente as alterações

metodológicas do 3CRTP que permitiram a redução (ou, pelo menos, aumentos mais

parcimoniosos) das tarifas de energia elétrica. A discussão se centrará sobre os

chamados custos gerenciáveis das distribuidoras, também conhecida como Parcela B. A

Parcela A, que representa cerca de 75% da tarifa final, é composta dos chamados custos

não gerenciáveis, aqueles custos em que a distribuidora é obrigada a incorrer, mas que

não é capaz de influenciar. Tais custos incluem a compra e transmissão de energia, as

perdas técnicas, os encargos setoriais e respectivos custos financeiros. Uma vez que a

distribuidora não tem controle sobre a Parcela A, esses custos não são objeto de

discussão quando das revisões tarifárias.

IV.3.2 – Ajuste dos custos operacionais e no Fator X no 3CRTP

Nesta seção iremos inicialmente descrever as novas metodologias

incorporadas no 3CRTP para o cálculo do custo operacional regulatório e do Fator X. O

custo operacional regulatório corresponde ao custo operacional que o regulador

considera justo para a concessionária exercer suas atividades. Não é, portanto, o custo

operacional efetivamente incorrido pela empresa, mas o custo que, idealmente, essa

empresa deveria ter. O custo operacional regulatório é essencial para se estabelecer o

reposicionamento tarifário (ou seja, a tarifa que irá vigorar imediatamente após a

revisão tarifária) e para o cálculo do Fator X.

O Fator X é um índice definido durante o processo de revisão tarifária e

que tem por objetivo repassar ao consumidor eventuais ganhos de produtividade das

concessionárias durante os reajustes anuais, entre os ciclos de revisão. Grosso modo, o

reajuste anual é dado pela inflação menos o Fator X. Quanto mais alto for esse fator,

maior o repasse de ganhos de produtividade para o consumidor. Como veremos, um dos

componentes do Fator X depende da comparação entre o custo operacional efetivo da

concessionária e o custo operacional regulatório.

150

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Os custos operacionais compreendem despesas com pessoal, materiais,

serviços de terceiros, seguros, etc., e representam, em média, 60% da Parcela B. Além

disso, eles são mais flexíveis, podendo ser ajustados com maior rapidez,

comparativamente aos custos com capital. Por sua maior flexibilidade, a experiência de

diversos países tem demonstrado que são os custos operacionais que sofrem maior

redução em resposta a mecanismos de incentivo à eficiência114.

Nos dois primeiros ciclos tarifários, a Aneel adotava o conceito de

Empresa de Referência (ER) para estimar os custos operacionais regulatórios. Trata-se

de uma empresa fictícia, eficiente, e cujos custos deveriam balizar o valor das tarifas.

Os custos da ER eram calculados a partir de centenas de parâmetros e, para cada

empresa, havia uma análise de fatores específicos, que permitiria ajustar a tarifa final às

idiossincrasias da concessionária. No terceiro ciclo, buscou-se alterar a base de

referência, saindo-se do conceito de ER para o de benchmarking. No benchmarking, a

Aneel compara as concessionárias, e a meta de eficiência passa a ser a eficiência média,

onde a média é estimada considerando somente as empresas que apresentaram ganho de

produtividade entre os ciclos de revisão.

Para não alterar substancialmente as tarifas em decorrência da mudança

de metodologia, a Aneel optou por uma transição gradual do modelo de ER para o de

benchmarking. Didaticamente, a nova metodologia de precificação foi dividida em três

etapas.

Na primeira etapa é calculado o custo operacional regulatório para fins de

reposicionamento tarifário. Esse custo corresponde ao custo da ER obtido no 2CRTP,

após alguns ajustes115, com as seguintes alterações:

i) Atualização monetária;

ii) Atualização pela variação do produto, sendo o produto um índice

que sintetiza a variação da extensão da rede, dos consumos de alta, média e baixa 114 Vide Nota Técnica nº 452/2013 – SRE/ANEEL, disponível em: http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/consulta_publica/documentos/Nota%20T%C3%A9cnica_452_2013_SRE%20Aprimoramentos%20da%20Metodologias%20de%20Revis%C3%A3o%20Tarif%C3%A1ria%20Discuss%C3%A3o%20Conceitual.pdf115 Os ajustes referem-se à: i) dedução dos custos relativos à geração própria, que são tratados na Parcela A; ii) dedução das receitas com serviços taxados, que são tratadas na metodologia de Outras Receitas; iii) exclusão dos custos de capital associados às anuidades relativas a veículos, sistemas de informática e aluguel de móveis e imóveis administrativos, que são tratados como Base de Anuidade Regulatória – BAR na metodologia de definição da Base de Remuneração Regulatória; iv) exclusão dos custos adicionais relativos ao crescimento dos processos e atividades comerciais e de operação e manutenção.

151

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tensão, e do número de consumidores em cada mercado. O objetivo desse procedimento

é ajustar o custo total à produção efetiva da concessionária;

iii) Desconto pela produtividade, calculada pela média do período,

definida em 0,782% ao ano.

A segunda etapa corresponde a uma análise de eficiência relativa, e é

feita em dois estágios. No primeiro, avalia-se como a produtividade da empresa116 se

posiciona na média do setor, lembrando que a média é calculada considerando somente

as empresas nas quais houve ganhos de produtividade no período. Digamos que uma

empresa tenha um índice de eficiência de 110%. Isso significa que seu custo operacional

eficiente será o seu custo operacional real multiplicado por 110%.

O primeiro estágio considera somente a produção e os custos totais das

empresas. Para refinar o cálculo, foi adicionado o segundo estágio, que analisa os

chamados fatores ambientais, que podem influir na produtividade. São fatores

ambientais o nível médio salarial na região (salários maiores estão associados a custos

mais altos), regime pluviométrico (regiões com mais chuvas requerem maior

manutenção), concentração do mercado (os custos por unidade de produto caem quando

os consumidores estão mais próximos uns dos outros), e nível de complexidade no

combate a perdas não técnicas (que inclui a probabilidade de furto de energia). Esse

segundo estágio é utilizado para estabelecer um intervalo de confiança para o custo

operacional encontrado no primeiro estágio. Assim, definem-se um limite inferior e um

limite superior para o custo operacional efetivo ajustado pela eficiência relativa.

Se o custo operacional da ER calculado na primeira etapa se situar dentro

do intervalo de confiança, não há ajustes a fazer. Se o custo se situar acima do limite

superior do intervalo de confiança, o que significa que a empresa foi mais eficiente do

que a média, há uma queda nas tarifas, mas a redução não é imediata. Ela é feita ano a

ano, por meio do componente T do Fator X. O Componente T do Fator X pode variar

entre -2% (para as empresas menos eficientes) a 2% (para as empresas mais eficientes).

Resumidamente, o componente T é um fator de ajuste, que tem por objetivo ajustar o

custo operacional de forma a fazer a transição entre o custo regulatório estimado pela

ER (modelo que vigorou até o 2CRTP) para o custo decorrente do modelo de

benchmarking.

116 A produtividade é medida pela relação entre o custo e o índice de produto.

152

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Além do Componente T, o Fator X contém outras duas parcelas: o termo

Pd, que reflete ganhos de produtividade, e a parcela Q, que tem por objetivo estimular

as empresas a prestarem serviços de melhor qualidade.

Até o 3CRTP, a qualidade era mensurada pelo fator Xc, mensurado com

base em pesquisa de avaliação dos consumidores de energia, consolidada no Índice

Aneel de Satisfação do Consumidor (IASC). O problema desse índice é que incentivava

os consumidores a avaliarem negativamente sua distribuidora, pois isso se refletiria em

fator Xc mais baixo e, consequentemente, em tarifas menores. No 3CRTP, o fator Xc foi

substituído pela parcela Q para mensurar a qualidade.

A qualidade é mensurada por um índice formado por dois indicadores:

DEC (Duração Equivalente de Interrupção), que mede o tempo em que, em média, o

consumidor ficou sem luz, e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção), que mede o

número de vezes em que houve queda do fornecimento. Quanto maiores forem DEC e

FEC, pior a qualidade do serviço. A parcela Q varia de -1% (para as empresas que

apresentaram melhor qualidade) a 1%. Lembrando que, como o Fator X entra com sinal

negativo no cálculo do reajuste tarifário, isso significa que as empresas que oferecerem

serviços de melhor qualidade terão direito a uma tarifa mais alta. Trata-se, portanto, de

um estímulo para que as empresas busquem aumentar a qualidade de seus serviços. A

parcela Q não é definida ex-ante, quando da revisão contratual. Ela é calculada

anualmente, com base no desempenho ocorrido, para integrar o reajuste tarifário.

Quanto à parcela Pd, ela já existia nos ciclos anteriores (com o nome de

Parcela Xe), mas a forma de cálculo era diferente. A produtividade é medida,

basicamente, em função da variação do consumo e do número de unidades atendidas. A

hipótese subjacente é que há fortes ganhos de escala no consumo, de forma que

aumentos no consumo permitem aumentar a receita sem aumentos equivalentes de

custos. Já aumentos no número de consumidores tendem a impactar os custos mais

fortemente do que as receitas, pelo menos em um primeiro momento, quando é

necessário expandir os serviços.

No 2º Ciclo, a Parcela Xe era estimada a partir de projeções para as

receitas, consumo e número de consumidores para os anos seguintes. Também havia um

componente que captava a diferença entre o investimento planejado, anunciado pela

distribuidora, e o investimento efetivamente ocorrido. Esse componente representava,

então, um importante mecanismo para lidar com o problema de assimetria de

informações, pois deixava para a própria distribuidora declarar o quanto iria investir. Se,

153

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ao final do período, o investimento não tivesse sido efetivado, ela seria penalizada, com

redução na tarifa.

No 3º Ciclo, a parcela Pd passou a ser estimada com base nos dados

efetivamente ocorridos entre as duas revisões. Em princípio, como o fator X incidirá

sobre reajustes futuros, o mais correto seria utilizar uma estimativa do crescimento

esperado da produtividade. Ocorre que, na prática, as estimativas de crescimento

baseiam-se em dados ocorridos e estão mais sujeitas a erros.

Por outro lado, utilizar ganhos de produtividade ocorridos no passado

pode ser inadequado quando há motivos para se acreditar que o ambiente

macroeconômico se alterou. Um dos principais determinantes da demanda por energia –

o crescimento da economia – caiu substancialmente entre 2007-2010 e 2011-2014

(considerando as projeções). Nesse cenário de desaceleração econômica, o cálculo de

ganhos de produtividade considerando valores passados tenderá a superestimar os

ganhos efetivamente observados.

Exceto pelo problema acima, a alteração metodológica do 3º Ciclo parece

ter sido adequada e, em princípio, é neutra para empresas e consumidores. Tudo

depende de como era a qualidade das estimativas antes e após a alteração metodológica.

Outra alteração entre o 2º e o 3º Ciclos de Revisão foi a eliminação do

componente Xa. O objetivo desse componente era ajustar a tarifa em decorrência de

variações de preços relativos. Mais especificamente, o reajuste básico é dado pela

variação do IGP-M, que é um índice geral, formado por uma média ponderada da

inflação no atacado, ao consumidor e na construção civil. Entretanto, a evolução de

alguns custos, como salários, pode ser mais bem descrita pela evolução de um índice de

preços ao consumidor, como o IPCA. Dessa forma, quando o IPCA subia mais

fortemente que o IGP-M, o fator Xa era negativo, levando a um reajuste mais elevado

das tarifas (lembrando que para estabelecer a nova tarifa, o Fator X é subtraído do IGP-

M), o que refletia adequadamente o aumento de custos das empresas. Similarmente,

quando o IGP-M subia mais fortemente, o reajuste tarifário era mais baixo.

Como, a priori, não há porque esperar que a inflação medida por um

índice seja maior que outra, a exclusão do componente Xa do Fator X, em princípio, é

neutra para consumidores e distribuidoras. Entretanto, gera um aumento desnecessário

de risco para as empresas, pois o reajuste anual das tarifas passa a refletir com menor

fidelidade o real aumento de custos dos insumos. Em 2009, por exemplo, a inflação

medida pelo IPCA foi de 4,1%, enquanto que a do IGP-M foi negativa, de -1,72%. Ou

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seja, houve um diferencial de quase seis pontos percentuais que deixaria de ser

considerado caso o 3º Ciclo já estivesse em vigor.

A Figura IV.6 mostra o Fator X estabelecido no 2º e 3º Ciclos de Revisão

para as vinte maiores distribuidoras, segundo o número de consumidores atendidos117.

Para o 2º Ciclo não estamos considerando o componente Xa, que é definido a cada ano.

No caso do 3º Ciclo não consideramos a Parcela Q, pois essa também é definida ex post.

Figura IV.6 Componentes do Fator X no Terceiro e Segundo Ciclos de revisão tarifária, por concessionária118.

Pd T Total Xe Total

CEMIG 1,15 0,68 1,83 0,84 0,84

ELETROPAULO 1,03 0 1,03 2,42 2,42

COELBA 0,84 2 2,84 1,15 1,15

CPFL Paulista 1,25 0 1,25 0,83 0,83

CELPE 1,27 0,51 1,78 0,37 0,37

COELCE 1,53 2 3,53 2,82 2,82

Celesc 1,33 0 1,33 1,08 1,08

CELG 1,29 0 1,29 0 0

ELEKTRO 1,33 2 3,33 1,24 1,24

CEMAR 1,31 1,45 2,76 1,06 1,06

CELPA 0,46 2 2,46 0,43 0,43

BANDEIRANTE 1,08 0 1,08 0,74 0,74

RGE 0,77 0 0,77 0,66 0,66

ESCELSA 0,99 1,68 2,67 0,95 0,95

AES SUL 1,12 0 1,12 1,5 1,5

Média 1,13 0,72 1,86 1,02 1,02

terceiro ciclo segundo ciclo

A Tabela acima permite concluir que, na média, o Fator X aumentou do

2º para o 3º Ciclo de Revisões, o que implica reajustes tarifários mais baixos. Das 16

concessionárias da amostra, em somente uma (Eletropaulo), houve queda no Fator X. O

componente T, que, em tese, poderia variar entre -2% e mais 2% foi sempre não

negativo para as maiores distribuidoras do País.

117 As distribuidoras Ampla e Copel não foram incluídas na amostra porque ainda não tiveram o 3CRTP concluído ou porque não havia dados disponíveis.118 Para o segundo ciclo, a tabela considera os valores de Xe homologado nas revisões tarifárias. O Xe efetivo poderia ser recalculado, caso o valor investido pela distribuidora fosse menor do que o anunciado.

155

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Sem uma análise caso a caso de cada distribuidora, e sem conhecer

detalhadamente os modelos utilizados, não é possível, em princípio, definir qual medida

de crescimento da produtividade é mais correta – se a que embasou Xe ou Pd. Mas o

fato é que, para a grande maioria das concessionárias, o 3º Ciclo incorporou nas tarifas

um ritmo mais rápido de aumento de produtividade. Se, por um lado, isso contribui para

a modicidade tarifária, por outro, pode comprometer a sustentabilidade do setor. A

redução da rentabilidade das empresas, discutida na seção anterior, pode ter sido, em

parte, influenciada pela nova metodologia de cálculo do Fator X.

IV.3.3 – Remuneração do capital

Além dos custos operacionais, as revisões tarifárias têm de definir o

custo do capital. Conforme discutido no Capítulo II, o objetivo do regulador é estimular

o regulado a incorrer nos chamados custos eficientes, de forma que os investimentos

garantam o suprimento adequado de energia com um nível de qualidade satisfatório.

Compete ao regulador, por um lado, evitar gastos excessivos e desnecessários, e, por

outro, garantir que os investimentos necessários sejam realmente concretizados, em um

ambiente caracterizado por fortes assimetrias de informação.

O custo do capital depende de dois fatores: da base de remuneração e da

taxa que irá remunerar o capital investido. Em linhas gerais, a base de remuneração

regulatória, que representa o valor do capital que a Aneel reconhece para fins de

remuneração, depende, grosso modo, dos gastos efetivamente ocorridos. Já a

remuneração do capital é estimada pelo órgão regulador independentemente do real

custo de oportunidade das empresas. O objetivo, nesse caso, é estimulá-las a encontrar a

forma mais barata de financiamento. Trataremos desses dois tópicos a seguir.

Em princípio, integram a base de remuneração regulatória o ativo

imobilizado em serviço (AIS) 119, avaliado e depreciado; o almoxarifado de operação; o

ativo diferido; e as obrigações especiais. Porém a Aneel somente reconhece os ativos

considerados necessários para o provimento de serviços. Em geral são reconhecidos

todos os ativos, exceto os não utilizados diretamente na atividade fim do serviço

público. Por exemplo, imóveis da concessionária utilizados para clubes de funcionários

119 Alguns ativos fixos, como veículos e imóveis de uso administrativo e softwares não integram a base de remuneração regulatória, mas fazem jus a uma anuidade.

156

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não são considerados investimentos elegíveis para fins de composição da base de

remuneração regulatória.

Uma vez precificado o ativo, é feita nova correção pelo índice de

aproveitamento, que vai de 0% (situação hipotética em que nenhum ativo é

efetivamente utilizado) a 100% (quando todos os ativos são utilizados). O objetivo

desse índice é evitar o sobreinvestimento por parte da concessionária.

Para calcular o índice de aproveitamento no caso de uma subestação, por

exemplo, projeta-se a demanda para os dez anos seguintes. Se algum equipamento, por

exemplo, um transformador, se mostrar redundante para essa demanda projetada, esse

equipamento será considerado como reserva e não integrará o índice de aproveitamento.

Em termos práticos, os equipamentos de reserva, por não integrarem a base de

remuneração regulatória, transformam-se em um custo não recuperável para as

empresas e, por isso, há forte desestímulo para que sejam adquiridos120.

A questão que se coloca para os ativos elegíveis para compor a base de

remuneração é sua precificação. Para tanto, a Aneel os divide dois grupos. O primeiro é

formado pela chamada “base blindada”. Trata-se dos ativos reconhecidos no ciclo de

revisão tarifária anterior. No caso dos bens de capital, expurgam-se da base blindada os

ativos que foram baixados no período, e os remanescentes são corrigidos

monetariamente pelo IGP-M, bem como sofrem o desconto referente à depreciação do

período. Os itens que compõem a base blindada, portanto, não estão sujeitos a nova

avaliação.

Para os investimentos incrementais, a metodologia utilizada é a do Valor

Novo de Reposição (VNR). De forma geral, o VNR corresponde ao custo de se adquirir

um equipamento novo igual ou similar ao que está em operação. Para tanto, a Aneel

utiliza o banco de preços da distribuidora, formado com base nas informações de todas

as compras efetivamente realizadas pela concessionária nos dois anos que antecedem a

data-base do laudo. Assim, o VNR corresponde a um valor de referência para o

equipamento, que pode divergir do valor efetivamente pago para sua aquisição.

A proposta de precificar o ativo pelo valor de referência é meritória, se o

valor de referência, de fato, for compatível com a média de preços praticada no

120 Em situações excepcionais a Aneel pode reconhecer alguns equipamentos de reserva para fins de compor a base de remuneração regulatória.

157

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mercado. Conceitualmente, as principais vantagens de se utilizar o valor de referência

são a menor probabilidade de sobreavaliação de custos e o incentivo para as empresas

buscarem fornecedores mais baratos. A desvantagem é dificultar a escolha de produtos

customizados. Por exemplo, um fornecedor “A” pode oferecer um equipamento por um

preço mais baixo do que um fornecedor “B”, mas este, no pacote, incluiria melhor

assistência técnica ou melhores condições de financiamento, de forma que o pacote

agregado de serviços e produto torna-se mais barato. Embora haja espaço para

renegociação junto à Aneel, o excesso de burocratização pode desestimular escolhas

eficientes.

Do ponto de vista prático, o problema mais sério da precificação pelo

Valor Novo de Reposição (VNR) é que ela só considera o valor médio do equipamento

referente aos dois últimos anos. Ocorre que equipamentos adquiridos na primeira

metade do ciclo tarifário, de quatro anos, podem sofrer significativas alterações de

preços, principalmente em decorrência da variação cambial.

Observe-se que a formação da base blindada encontra pleno respaldo na

teoria. Conforme discutimos no Capítulo II.4.2, precificar os investimentos incrementais

ocorridos ao longo do contrato pelo VNR (ali falávamos no custo marginal) iria

requerer uma remuneração para o risco de obsolescência. Como esse risco não é

reconhecido pelo órgão regulador, a viabilidade financeira do investimento requer que o

custo considerado seja o custo de aquisição do equipamento, e não seu custo corrente.

Entretanto, também dentro de um ciclo de revisões tarifárias – e não somente entre

ciclos – existe o risco de o preço de um equipamento variar. Isso requer que o preço

correto a ser considerado deveria ser o da época de aquisição do bem, e não o preço que

vigeu nos dois últimos anos do ciclo tarifário.

Uma vez definida a base de remuneração regulatória, o passo seguinte é

determinar como essa base será remunerada. Em um mundo sem assimetria de

informações, a remuneração correta seria o custo de oportunidade do capital. Remunerar

acima desse custo faria com que os consumidores pagassem uma tarifa

desnecessariamente mais elevada. Já remunerar abaixo desse custo não atrairia

investidores interessados. Afinal, os proprietários do capital avaliam as diferentes

oportunidades de negócio, sendo o setor de energia somente um deles. O investimento

158

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fluirá para o setor somente se a perspectiva de remuneração do capital oferecida por

aquele setor for compatível com os demais usos possíveis para esse mesmo capital.

O mundo, entretanto, não é de perfeita simetria de informações, e a

agência reguladora não conhece o custo de oportunidade dos investidores em energia.

Dessa forma, a Aneel tenta estimar esse custo através do Custo Médio Ponderado do

Capital – WACC (do inglês Weighted Average Cost of Capital). O termo “ponderado”

refere-se à proporção de capital próprio e de terceiros utilizados no financiamento da

empresa.

Resumidamente, a Aneel estimou a remuneração do capital próprio a

partir de um modelo CAPM121, que analisa a combinação risco/retorno eficiente para

diferentes ativos. Como a remuneração do capital próprio está intrinsecamente

associada ao retorno de ações, a Aneel utilizou como base o comportamento acionário

norte-americano, que possui uma série histórica mais longa. Para a remuneração do

capital de terceiros, a Aneel considerou a remuneração de títulos do governo norte-

americano como proxy de um ativo livre de risco, adicionou o risco de crédito para

empresas com classificação de risco Baa3, segundo classificação da Moody’s

(correspondente à nota mínima para o emissor obter o “grau de investimento”), e o risco

Brasil. A metodologia detalhada do cálculo do custo do capital encontra-se em Aneel

(2011). Quanto à ponderação entre capital próprio e de terceiros, a Aneel utilizou os

dados observados para as empresas entre 2006 e o ano de revisão tarifária no 2CRTP, e

encontrou uma razão capital de terceiros/capital total de 55%.

Observa-se que o WACC vem caindo sucessivamente ao longo dos ciclos

de revisão, passando de 11,26%, no primeiro ciclo, para 9,95%, no segundo, até atingir

7,5% no terceiro. A questão que se coloca é, em que medida essa redução no WACC

reflete uma redução no custo de oportunidade do capital? E em que medida a busca por

modicidade tarifária está estimulando o regulador a agir de forma oportunista na forma

descrita na Seção II.4.2? Afinal, as empresas de distribuição estão em certa medida

presas ao contrato, e, exceto no caso de a remuneração do capital cair a níveis

absolutamente insustentáveis, será vantajoso para tais empresas manterem a concessão,

mesmo que os investimentos estejam sendo remunerados abaixo de seu custo de

oportunidade.

121 Sobre o modelo CAPM, ver Ross et al (2006).

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Não se pode deixar de reconhecer que o ambiente macroeconômico

melhorou substancialmente no Brasil entre 2003 e 2011, quando foram definidos os

parâmetros do primeiro e terceiro ciclos de revisão: a taxa Selic caiu de 26% ao ano,

para 11,5% (dados referentes ao início dos respectivos anos), e o risco País, medido

pelo Embi-Br, caiu de aproximadamente 1.400 pontos base para cerca de 200 pontos

base. Igualmente houve ampliação do mercado de crédito e concomitante queda dos

spreads. Assim, seria bastante razoável esperar que o custo de oportunidade caísse no

período.

Mas também há evidências de que a redução do WACC pode ter ido

além da queda do custo de oportunidade. Conforme discutimos anteriormente, a

rentabilidade das empresas do setor de energia elétrica incluídas na relação Valor 1.000

caiu mais fortemente do que a média nos últimos dois anos. Outra evidência importante

é a Aneel ter deixado de considerar o risco cambial e o risco regulatório neste 3CRTP.

De acordo com a Aneel, o risco regulatório pode até existir, mas vários

autores já tentaram mensurá-lo e, se encontraram algum resultado, foi que as empresas

do setor elétrico apresentam menor risco que as demais. Quanto ao risco cambial, a

Aneel argumenta que ele já está embutido no risco País.

Trata-se de argumentos incorretos, em nossa opinião. Qualquer risco

varia ao longo do tempo e utilizar os valores passados, fixando-os para um período de

quatro anos, pode ser temerário, principalmente para uma economia volátil como a

brasileira. No Capítulo III mostramos como tem havido um crescente intervencionismo

do Estado brasileiro no setor elétrico, o que tende a aumentar o risco regulatório.

Tome-se como exemplo as idas e vindas com a MP 579. Já se passou

mais de um ano desde sua edição e ainda não está definido o valor que será utilizado

para indenizar os ativos não depreciados. Para as várias concessões que irão se encerrar

a partir de 2015, o Governo já anunciou – reiteradamente – que irá alterar as regras, mas

ainda não as anunciou. Um reflexo da maior instabilidade do setor pode ser visto no

comportamento das ações das empresas do setor elétrico, que, nos doze meses

encerrados em 1º de novembro de 2013, apresentaram volatilidade média acima da

média das ações das empresas que compõem o IBOVESPA.

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Concordamos, entretanto, que é difícil mensurar o risco regulatório.

Ainda assim, isso não é motivo para excluí-lo das contas. Especialistas do mercado

financeiro certamente poderão precificar o risco.

No que diz respeito ao risco cambial, defendemos a tese de que se trata

de um risco diferente do risco Brasil, ainda que ambos possam ser fortemente

correlacionados. O risco País tenta capturar a probabilidade de o país honrar seus

compromissos em moeda estrangeira. Já o risco cambial busca mensurar a volatilidade

do preço da taxa de câmbio. São, portanto, riscos distintos. Conforme esclarece Hall

(2013)122, bônus emitidos na moeda local por países emergentes são inerentemente mais

voláteis que bônus emitidos pelo mesmo país, porém denominados em dólar. Deve-se

ter em consideração que o investidor internacional está preocupado com sua

remuneração em dólar, e não em reais, pesos, rúpias ou yuans. Além disso, mercados

emergentes apresentam maior volatilidade na taxa de juros (com óbvios reflexos sobre a

taxa de câmbio) e estão mais sujeitos a riscos regulatórios, como controle de saída de

capitais. Por esse motivo, não se pode concluir que o risco País representa

adequadamente o risco cambial. São dois riscos a que estão sujeitos os investidores no

Brasil.

Além da eliminação dos riscos cambial e regulatório – que tem o claro

propósito de reduzir o WACC –, a metodologia está sujeita a outras críticas, como se

verá a seguir.

Em primeiro lugar, não nos parece correto o uso da média de mercado

para estabelecer a estrutura ótima de capital próprio/terceiros. O capital de terceiros é

substancialmente mais barato do que o capital próprio – custos de 11,26% ante 13,43%,

respectivamente. Como mais da metade da chamada estrutura ótima de capital é

constituída por capital de terceiros, isso contribui para reduzir o WACC. Sem uma

análise de risco/retorno não há porque utilizar a média do mercado e rotulá-la como

estrutura ótima. Além disso, a diferença de acesso ao capital de terceiros pode ser muito

diferente entre as empresas. Por exemplo, se a Eletrobras tiver maior facilidade de

acesso ao crédito subsidiado do BNDES do que a média do mercado, a estrutura ótima

dessa empresa deveria conter uma maior parcela de crédito de terceiros.

122 Ver https://www.mfs.com/wps/FileServerServlet?servletCommand=serveUnprotectedFileAsset&fileAssetPath=/files/documents/news/mfse_emdusd_wp.pdf

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O cálculo da taxa de retorno do capital próprio a partir de dados norte-

americanos também é criticável. Entende-se perfeitamente que, para os Estados Unidos,

há séries mais longas e menos quebras estruturais, por se tratar de uma economia mais

estável do que a nossa. Assim, as estimativas são mais confiáveis. Entretanto, isso não

quer dizer que essas estimativas sejam mais representativas de nosso custo de

oportunidade. Por exemplo, um parâmetro importante na determinação do custo de

oportunidade, o parâmetro beta, que mede a correlação entre os retornos do ativo em

questão e uma cesta de ativos, pode ser totalmente diferente do que o observado no

Brasil. Igualmente diferentes podem ser (e provavelmente o são) a relação entre o

retorno da bolsa de valores e de títulos do Tesouro no Brasil e nos Estados Unidos. Por

fim, no caso do capital de terceiros, consideraram-se as taxas referentes a dez anos.

Como os prazos de concessão são usualmente mais longos, se a Aneel tivesse

considerado prazos mais compatíveis, como de trinta anos, provavelmente teria

encontrado um valor mais alto para a remuneração do capital.

Há outros riscos idiossincráticos à atividade de distribuição. A parcela A,

que representa os custos não gerenciáveis, representa cerca de 80% da tarifa ao

consumidor. Ou seja, sobre esses 80%, a distribuidora não tem qualquer controle,

embora seja obrigada a pagar mensalmente o custo da energia que adquire. A flutuação

do custo da energia pode influenciar dramaticamente o caixa das empresas e, portanto,

representa um risco que deveria ser devidamente remunerado no WACC. Na próxima

Seção discutiremos o problema recente de exposição involuntária das distribuidoras,

onde veremos que esse risco pode ser extremamente alto.

Outro problema que merece reflexão é sobre que base remuneratória

deve incidir o WACC. Atualmente, o WACC definido no mais recente ciclo de revisão

é utilizado para remunerar todo o capital elegível. Cabe discutir se cada ativo não

deveria ser remunerado de acordo com o WACC que vigia no período em que foi

adquirido. Trata-se de um argumento similar ao que justificou a blindagem dos

investimentos que já haviam sido precificados no ciclo de revisão anterior. As

condições de financiamento podem se alterar substancialmente entre uma revisão

tarifária e outra. Ao se remunerar todo o capital pelo WACC mais recente, está-se, na

prática, exigindo que a empresa renegocie periodicamente todos os seus compromissos

financeiros, o que aumenta os custos de transação e, ainda assim, isso pode ser

insuficiente para resolver o problema.

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Pode-se pensar que se a empresa contratar somente empréstimos com

taxas flutuantes estará protegida de variações do WACC. Afinal, se as condições

econômicas melhorarem, os juros pagos automaticamente cairiam, o que viabilizaria

uma redução do WACC. Isso é parcialmente correto. Juros flutuantes, de fato, podem

resolver parte do problema de adaptação a alterações no ambiente macroeconômico.

Mas somente parte. Em primeiro lugar, uma estratégia ótima de composição de ativos

dificilmente será uma constituída por 100% da dívida com juros flutuantes. O portfolio

ótimo certamente conterá títulos em renda fixa e mesmo denominados em outras

moedas.

Mesmo para operações com juros flutuantes é necessário levar em

consideração que, quando uma operação é contratada, há também um spread que reflete

o risco do tomador. Esse spread usualmente é fixo, de forma que, ainda que a percepção

de risco oferecido por aquele agente melhore ao longo do tempo, ele continuará

pagando spreads mais altos referentes aos empréstimos mais antigos. Dessa forma, o

ideal seria que a WACC refletisse, pelo menos em parte, a parcela do financiamento que

é pouco sensível a variações no custo de oportunidade.

As questões aqui levantadas têm como objetivo não somente uma

eventual alteração da metodologia adotada, mas, principalmente, chamar atenção para a

necessidade de árbitros, quando uma das partes se julgar prejudicada. Conforme

argumentamos no Capítulo II, a necessidade de pesados investimentos iniciais favorece

o comportamento oportunista por parte do órgão regulador. A escolha da metodologia

de definição da base de remuneração e da metodologia de cálculo pode ser

adequadamente manipulada de forma a forçar uma redução excessiva da remuneração.

A possibilidade contratual de levar demandas para arbitragem pode contribuir

fortemente para a redução de comportamentos oportunistas.

A melhor solução, entretanto, é o órgão regulador evitar se comportar de

forma oportunista, e reconhecer que modicidade tarifária deve ser obtida dentro dos

limites do possível, no caso, respeitando o custo de oportunidade do investidor.

IV.4 – Novos desafios para a política de modicidade tarifária: a exposição

involuntária das distribuidoras

A partir da Lei nº 10.848, de 2004, as distribuidoras passaram a ser

obrigadas a contratar 100% da sua demanda via leilões de compra e venda de energia.

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Para tanto, as distribuidoras devem planejar sua demanda e informá-la ao Governo,

encarregado de organizar os leilões de suprimento, segundo o decreto nº 5.163, de 2004.

Os leilões organizados pelo Governo são A-5, para suprimento às distribuidoras em

cinco anos (energia nova, hidrelétrica); A-3, para suprimento em três anos (energia

nova, em geral térmica ou eólica); A-1, que funciona como leilão de ajuste da demanda

das distribuidoras, para entrega de energia existente (energia velha) no ano seguinte, e

Leilão de Ajuste, para entrega imediata, um ajuste finíssimo da demanda.

O suprimento às distribuidoras tem apresentado alguns problemas. Tem

sido comum a realização dos leilões de energia nova no final do ano calendário, o que

reduz o prazo dos empreendedores para a construção das usinas123. Da mesma forma, os

leilões de novas linhas de transmissão somente são realizados após os leilões de

geração, o que também diminui o prazo dos seus vencedores para a construção das

linhas. Em ambos os casos, o licenciamento ambiental e a ação do Ministério Público e

de ONGs ligadas aos movimentos socioambientais têm sido as causas mais frequentes

de atraso na entrega da energia. Contudo, com a edição da MP nº 579, de 2012, surgiu

um novo problema para o suprimento das distribuidoras.

O atendimento da demanda das distribuidoras de energia elétrica

mediante os contratos firmados no 1º Leilão de Energia Existente, realizado em

07/12/2004, para suprimento de energia no período entre 01.01.2005 e 31.12.2014 –

ocasião em que foram negociados 17.000 MWmed –, foi feito em conformidade com

determinação constante do decreto nº 5.163, de 2004, editado para regulamentar a Lei nº

10.848, de 2004. Esses contratos, oriundos do 1º Leilão de Energia Existente,

começaram a vencer em 31.12.2012.

Ao final de 2013, verificou-se que, quando do término desses contratos,

havia, por uma série de motivos que serão descritos a seguir, uma falta de 3.700

MWmed de energia no suprimento das distribuidoras, que necessariamente terá que ser

comprada ao Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), o preço spot do mercado de

energia elétrica. Esse preço já havia chegado a R$ 822,00/MWh em 31 de janeiro de

2014, em razão da falta de chuvas em pleno período úmido,um salto enorme comparado

com o valor de em torno de R$ 100,00/MWh que vinha sendo praticado nos contratos

123 Os leilões A-5 preveem a entrega de energia a partir de 1º de janeiro do quinto ano adiante, independentemente da época do ano em que foi realizado. O mesmo ocorre com os leilões A-3, com entrega para o terceiro ano.

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que se encerraram, ou com os R$ 192,00/MWh que foram acordados nos leilões de

energia A-1 no último bimestre de 2013.

Como dito, há várias causas para essa situação. Um delas é que usinas

vencedoras de leilões não foram construídas, ou seja, a oferta de energia nova cresceu

menos do que se esperava. Os casos mais conhecidos são do grupo Bertin (610 MWmed

previstos para 2011 e 920 MWmed para 2012) e Multiner (os dois casos com térmicas a

óleo), que deveriam estar suprindo um volume total em torno de 2.000 MWmed.

Também houve algumas térmicas a biomassa de cana que não entraram em operação.

Em 2012, a Aneel revogou as concessões de cerca de 800 MWmed desses contratos que

não vingaram e considerou a exposição das distribuidoras como involuntária. O custo

decorrente dessa exposição foi para a tarifa e acabou sendo paga pelo consumidor.

Em 11 de setembro de 2012 – quando os reservatórios das hidrelétricas já

prenunciavam a inevitabilidade do despacho maciço das térmicas –, a Medida

Provisória nº 579, transformada na Lei nº 12.783, e regulamentada pelo decreto nº

7805/12 e pela resolução Aneel nº 1.410/13, ao renovar as concessões das usinas

hidrelétricas e se apropriar da energia existente para fins de redução tarifária, destinou

toda essa energia ao mercado cativo (distribuidoras), na forma de cotas de garantia

física de energia e de potência da usina hidrelétrica, a serem alocadas pela Aneel às

distribuidoras, de forma a reduzir a tarifa aos consumidores finais de todas elas por

igual.

Por essa ocasião, as distribuidoras já tinham demanda declarada de 9.800

MWmed, necessária para cobrir o término dos mencionados contratos, firmados em

2004, que estavam terminando. A alocação de cotas de energia existente, feita pela

Aneel às distribuidoras, em obediência à MP 579, cobriu cerca de 7.800 MWmed.

Ficaram faltando, portanto, 2.000 MWmed para cobrir a demanda existente.

Em razão da edição da MP 579 o Governo não realizou o leilão A-1, de

energia existente, previsto para 2012, porque tinha a expectativa de que toda a energia

das usinas com concessões renovadas se transformasse nas cotas a serem alocadas às

distribuidoras pela Aneel, como mandava a MP. Isso não ocorreu porque CESP,

CEMIG e COPEL não concordaram em renovar suas concessões de geração nos termos

propostos pela Medida Provisória, o que gerou déficit da quantidade de energia prevista

nas contas do Governo para ser alocada em cotas às distribuidoras.

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Em vista do problema criado, o Governo tentou realizar o Leilão A, em

24/06/2013, para negociar Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente

Regulado por quantidade, para suprimento no período de 1º de julho de 2013 a 30 de

junho de 2014, para todas as fontes energéticas, com o objetivo de suprir a demanda das

distribuidoras, mas o leilão resultou vazio em razão do preço-teto fixado pelo Governo,

de R$ 171,80/MWh, considerado insuficiente pelos agentes que tinham energia para

vender. O problema continuou vivo.

No leilão A-1, realizado em 17/12/2013, havia uma demanda declarada

pelas distribuidoras de 6.300 MWmed, mas foram negociados apenas 2.600 MWmed, a

um preço-teto de R$ 192,00/MWh. Esse preço foi definido pelo Ministério de Minas e

Energia, conforme o disposto no art. 19, § 3º, do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de

2004, que regulamentou o modelo estabelecido pelo Governo em 2003. O decreto diz

que esse preço “não poderá superar o valor médio resultante dos leilões de compra de

energia elétrica proveniente de novos empreendimentos realizados no ano "A - 5" de

2009”, uma das medidas adotadas na ocasião, com o objetivo de redução tarifária. Por

sorte, o preço foi alto no leilão de 2009, o que permitiu a oferta de R$ 192,00/MWh.

Ainda assim, restou uma falha de suprimento de 3.700 MWmed para 2014.

Embora o preço desse leilão A-1, de 2013, tenha sido estimulante para a

comercialização de energia em um horizonte de 12 meses, os preços para contratos de

18 e 36 meses não foram bons, o que resultou em baixa venda de energia. Para 18

meses, só foram vendidos 98 MWmed da CESP. Para 36 meses, foram vendidos 819

MWmed, dos quais 783 MWmed foram vendidos pela Eletronorte, estatal federal,

possivelmente compelida a vender esse montante pelo seu acionista majoritário.

Os detentores de energia que participaram desse leilão certamente não

venderam tudo o que tinham na expectativa de venda dessa energia a PLD, no futuro,

com expectativa de bom preço, uma vez que o PLD estava alto naquela ocasião (em

torno de R$ 250,00/MWh em 31/12/2013) e já chegou aos R$ 822,00/MWh, por causa

da falta de chuvas no período úmido 2013/2014. Como os reservatórios ficaram baixos

em 2012/13, a escassez deve permanecer ainda que chova bem na estação úmida

2013/14, o que não ocorreu até o fim de janeiro.

O resultado é que esse montante que falta, de 3.700 MWmed, terá que ser

comprado pelas distribuidoras ao preço spot do mercado de energia elétrica (PLD), um

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valor maior que o quádruplo do preço de contratação do leilão A-1, de 2013.

Considerado um PLD atual de R$ 822,00/MWh e um valor de R$ 192,00/MWh, do

leilão A-1, de 2013, o custo adicional desse suprimento poderá chegar a algo em torno

de R$ 20 bilhões!

As oscilações de preço da energia que as distribuidoras têm que comprar

e que não são repassadas automaticamente (por mecanismo pass through, estabelecido

em lei ou contrato) às tarifas ao consumidor vão para uma conta gráfica, cujo repasse de

valores somente é autorizado pela Aneel nos reajustes tarifários ordinários, realizados

apenas uma vez por ano. Só então esses valores vão para a tarifa ao consumidor final e

são recuperados pelas distribuidoras, que os financiaram até então. Incluem-se aí ESS

(despacho térmico quando falta água nos reservatórios das usinas) e as cotas de energia

demandadas pelas distribuidoras não satisfeitas (como na exposição involuntária das

distribuidoras no caso presente ou como na ocorrida quando a Aneel cancelou os 800

MWmed, conforme já citado).

Quando esses valores ficam muito altos e comprometem o caixa das

distribuidoras, tem havido, em regra, duas soluções possíveis: revisão tarifária

extraordinária – com repasse imediato desses custos ao consumidor, como ocorrido no

passado, por causa de variações cambiais nas cotas da energia de Itaipu, cotadas em

dólar e compradas obrigatoriamente pelas distribuidoras – ou socorro do Tesouro, via

Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Em resumo, resta decidir quem pagará a

conta, se o consumidor de energia elétrica ou o contribuinte. Considerando que 2014 é

um ano eleitoral, a última hipótese será a mais provável.

Mas há outro efeito colateral da MP 579, que também terá impacto sobre

os consumidores. Os riscos do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), bolsa que

equalizava os recebimentos dos geradores que são despachados pelo Operador Nacional

do Sistema Elétrico (ONS), e, portanto, têm sua geração de energia e seus ganhos

determinados por um terceiro, em razão da necessidade de otimização do Sistema

Interligado Nacional (SIN), passaram dos geradores para as distribuidoras, isto é, para o

consumidor final.

Em outras palavras, quando a produção total das usinas do MRE for

inferior a garantia física total, que é o lastro que as geradoras podem comercializar em

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contratos, os geradores devem comprar essa diferença a PLD na proporção de sua

garantia física. Agora, como eles são apenas operadores de usinas, remunerados pelos

custos de O&M, por determinação da MP 579, não têm mais essa responsabilidade e a

diferença de preço da energia que faltar terá que ser custeada pelo consumidor final,

porque essa diferença, quando ocorrer, irá para os distribuidores e repassada à tarifa.

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Capítulo 5 – A necessidade de construir usinas com reservatórios

Por diversas motivações de natureza socioambiental (para evitar

interferências com terras indígenas e parques florestais, bem como conflitos com

ambientalistas), o Brasil tem abdicado de construir usinas hidrelétricas com

reservatórios, ainda que isso esteja previsto em Lei, uma vez que os potenciais

hidrelétricos nacionais são considerados bens da União, vale dizer, de todos os

brasileiros, de acordo com a Constituição Federal.

Neste capítulo, examinaremos essa questão para mostrar que há uma

“política pública de fato”, que gera uma perda irremediável de energia elétrica barata e

limpa, por causa da construção de hidrelétricas “a fio d’água”, aquelas que geram

energia elétrica apenas com o fluxo natural do curso d’água onde são construídas.

Trataremos inicialmente do potencial hidrelétrico nacional, da nossa

matriz energética e das vantagens das hidrelétricas sobre as demais fontes de geração, a

começar pelos seus custos. Posteriormente abordaremos o catastrofismo criado por

visões ambientalistas equivocadas, que se recusam a ver as hidrelétricas como fontes

limpas, e querem a preservação absoluta da Floresta Amazônica.

Por último, discutiremos as contradições da política governamental para

o setor e as suas consequências: a Lei prevê o aproveitamento pleno dos potenciais, os

dirigentes governamentais negam restrições aos reservatórios, mas, na prática, poucas

usinas com reservatórios têm sido construídas no País, ainda que isso seja tecnicamente

viável.

O potencial hidrelétrico brasileiro é de 260 mil MW, de acordo com o

último inventário realizado no País, em 1992124. Para dar uma ideia dessa grandeza,

Itaipu – ainda hoje a maior hidroelétrica do mundo naquilo que verdadeiramente

interessa, a quantidade de energia gerada – tem uma potência instalada de 14 mil MW.

Em 2008, quando bateu seu recorde histórico até então, a usina produziu energia

suficiente para suprir todo o consumo mundial por dois dias ou o de 23 aglomerados

urbanos do porte da grande Curitiba por um ano125. Esse recorde foi novamente

124 Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 3ª. ed., 2008, Agência Nacional de Energia Elétrica.125 Ver http://www.itaipu.gov.br/?q=pt/node/418&foto=sli_faq.jpg, acessado em 01/10/2009.

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quebrado em 2012, com uma geração de 98,2 milhões de MWh, quase quatro milhões

de MWh de energia gerados a mais que em 2008.

Esse potencial coloca o Brasil num seleto grupo de países privilegiados

pela natureza com a fonte mais barata e mais limpa de geração de energia elétrica.

Dispomos do terceiro maior potencial hídrico do mundo, com 10% da disponibilidade

mundial, atrás da China, que tem 13% do total, e da Rússia, que conta com 12%. Depois

do Brasil, vêm o Canadá, com 7%; o Congo e a Índia, com 5%, cada; e os Estados

Unidos, com 4%.

Do total desse potencial, mais de 85.000 MW já se transformaram em

usinas em produção, o que representa quase 70% da capacidade de geração nacional. O

restante ainda está por ser explorado. Desse conjunto de potenciais hidrelétricos, estima-

se que mais de 126 mil MW têm viabilidade efetiva, de acordo com o Plano Nacional de

Energia 2030, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão de planejamento

energético nacional, vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Contudo, se se quiser

evitar interferências em florestas e parques nacionais e em terras indígenas, esse

potencial inexplorado cai para pouco mais de 77 mil MW, 48 mil MW a menos,

segundo o Plano.

Mas é importante notar que desses 77 mil MW ainda não foram descontados

os volumes de potência instalada previstos no projeto da Usina Hidrelétrica (UHE) Belo

Monte, no Rio Xingu, nem os das UHEs Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira.

Deduzida essa capacidade, o potencial ainda aproveitável reduz-se a menos de 60.000

MW, volume cuja escala chega a ser comparável com os quase 50.000 MW que foram

aprioristicamente restringidos no Plano por motivos socioambientais. Trata-se de um

aproveitamento sobre o qual o País ainda terá que decidir, mas dada a vantagem

comparativa espetacular que isso representa, é necessário avaliar bastante antes de

abdicar do seu uso.

O sistema brasileiro de geração de energia elétrica, conhecido como

Sistema Interligado Nacional, é hidrotérmico. A geração hidroelétrica precisa de

complementação e a maneira mais segura de se fazer essa complementação é por meio

de geração térmica (a gás, a óleo, a carvão ou nuclear). Essa forma de geração,

entretanto, é mais cara e mais poluente, especialmente no que diz respeito à emissão de

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gases de efeito estufa – exceção feita à geração nuclear. Quando não chove o bastante e

não há água suficiente nos reservatórios das hidrelétricas nos períodos de estiagem, as

térmicas são acionadas, gerando prontamente a energia necessária ao abastecimento do

País.

Em razão disso 28,5% da capacidade instalada nacional são provenientes

de térmicas convencionais. 1,7% provem de parques eólicos, cujos preços se tornaram

mais competitivos recentemente, e 1,58% é originário das Usinas Angra I e Angra II, as

termonucleares de que dispomos atualmente. Como se sabe, está em construção a Usina

Angra III, que, em 2018, deverá agregar mais 1.405 MW ao parque gerador nacional.

É importante ter em mente que somente a energia elétrica gerada por

fontes hídricas ou térmicas asseguram abastecimento. No debate sobre fontes de

energia, há quem sustente que a expansão do parque eólico ou de energia solar poderia

ser uma alternativa ecologicamente mais correta à energia hidroelétrica. Trata-se,

contudo, de um erro conceitual. A geração de fonte eólica e solar, por ser intermitente,

não pode figurar na base de qualquer matriz energética. São fontes eminentemente

complementares à energia hidráulica ou térmica. Além disso, conforme se mostrará

mais à frente, a geração de fonte solar também traz problemas ambientais.

O principal aspecto que torna os potenciais hídricos uma dádiva da

natureza é o custo da geração, conforme se nota na Figura V.1 a seguir.

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Figura V.1 - Preço de geração de energia elétrica por fonte (R$/MWh)126

Fonte Custo fixoCVU

(R$/MWh) Preço final

Hidroelétrica de grande porte 84,58 – 84,58

Eólica (*) 124,43 – 124,43

Hidroelétrica de médio porte 147,46 – 147,46

Pequena central hidroelétrica 158,94 – 158,94

Térmica nuclear 145,48 21,44 166,92

Térmica a carvão 159,34 176,85 336,19

Térmica a biomassa (*) 171,44 186,98 358,42

Térmica a gás natural 166,94 259,3 426,24

Térmica a óleo combustível 166,57 669,24 835,81

Térmica a óleo diesel 166,57 790,13 956,7

Solar Fotovoltaica (*) Não informado

Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). (*) Fontes intermitentes, que não podem operar na base da matriz. 127

Para se ter uma ideia do impacto que os preços da geração térmica

convencional causam nas tarifas de energia elétrica, examinemos o ocorrido a partir do

dia 18 de setembro de 2012, quando, por escassez de água nos reservatórios das usinas

brasileiras, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinou o despacho

térmico maciço de algo em torno de 13.200 MW médios, de acordo com dados do

próprio ONS, energia equivalente à geração de mais de uma Itaipu128.

Isso fez com que os Encargos de Segurança Energética, que cobrem os

custos desse despacho superassem os R$ 6 bilhões nos doze meses completados em

126 Os custos fixos de geração da Figura V.1 são preços médios dos Leilões de Energia Nova do período de 2005 a 2010, com exceção do custo da energia eólica, que é o valor médio alcançado no Leilão A-3 de 18/11/2013. O custo fixo de geração de térmica nuclear é o valor da tarifa estabelecida pela ANEEL para as Usinas Angra I e II. Os valores de CVU médios (custo variável de geração quando a térmica é chamada a gerar), informados pelo ONS, são os considerados na elaboração do Plano Mensal de Operação Março/2013. Para as UTEs participantes dos Leilões de Energia, os valores são atualizados mensalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), com base no reajustes dos respectivos combustíveis no mercado internacional. 127De acordo com a página da Norte Energia, concessionária da Usina Belo Monte (http://pt.norteenergiasa.com.br/2011/04/26/por-que-belo-monte/), acessada em 19/12/2011, o preço da energia de fonte solar fotovoltaica é estimado em R$ 500,00/MWh.128 Adotado neste trabalho o valor refencial de 10.500 MW médios para a Usina de Itaipu.

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setembro de 2013129. A média desses Encargos ficou em R$ 150 milhões entre 2003 e

2007, para efeito de comparação130.

Para os consumidores do mercado livre, o impacto financeiro da geração

termelétrica foi imediato, já que eles têm que pagar mensalmente o sobrecusto da

geração térmica. Esse impacto no mês de fevereiro de 2013 praticamente anulou os

ganhos da redução tarifária implantada pelo Governo Federal, por meio da MP nº 579,

de 2012, de acordo com a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais

de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE)131. A tarifa caiu, em média, R$ 24 por

MWh, vantagem praticamente anulada pelo custo adicional da geração térmica, que

chegou a R$ 22 por MWh, segundo a ABRACE. Mas essas foram apenas algumas das

consequências do maciço despacho térmico de outubro de 2013. O tema foi bastante

discutido por Tancredi e Abbud (2013).

Voltando à discussão sobre as vantagens das hidrelétricas, outros fatores

que as tornam uma fonte de primeira grandeza é o fato de que elas geram energia

renovável e oferecem, além disso, múltiplos benefícios à sociedade, como, por exemplo,

o suprimento de água, o controle de cheias, a irrigação, a melhoria da navegação, o

turismo e a recreação. Assim, consideradas as características do nosso Sistema, as

usinas hidrelétricas são também mais vantajosas do ponto de vista socioambiental. Isso

decorre do fato de que a única alternativa que pode dar confiabilidade ao abastecimento

em substituição à geração hidrelétrica são as usinas térmicas, mais caras e mais

poluentes

As fontes eólica e solar, favoritas dos ambientalistas, assim como as

térmicas a bagaço de cana, também consideradas limpas, não podem operar na base,

dada a sua intermitência, conforme assinalado na Figura V.1. Servem, como já dito,

apenas como fontes complementares, capazes de economizar água dos reservatórios das

usinas. Em resumo, a única alternativa segura à geração hidrelétrica é a geração térmica,

bastante poluente, como veremos a seguir. As emissões provenientes da geração térmica

têm aumentado no Brasil, dado o aumento de sua participação na matriz energética,

notadamente a partir de 2001, quando entraram em operação os primeiros 951,8 MW de

129 Boletim Infomercado, da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), novembro/2013, disponível em www.ccee.org.br.130 O Estado de S. Paulo, 10/2/2013.131 Folha de S. Paulo, 28/2/2013

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usinas do Programa Prioritário de Termeletricidade, instituído pelo Governo Federal em

2000.

Para ficar apenas nos anos mais recentes, entre 2008 e 2012, as emissões de

CO2 geradas por usinas térmicas, no Brasil, aumentaram 42,7%, com um crescimento,

de 2011 para 2012, da ordem de 91,6%132, o que indica uma aceleração, possivelmente

causada pelo despacho térmico maciço de outubro de 2012. E a tendência ao aumento

de emissões de CO2 continua firme, em paralelo à necessidade da participação das

térmicas na matriz de geração nacional. Tanto isso é verdade que a própria EPE, ao

preparar o Plano Decenal de Expansão de Energia para o período de 2012 a 2022,

projetou um aumento de 106,8% nas emissões nesse período, um crescimento de 44

para 91 MtCO2eq133.

Num mundo em que a escassez de água fresca é tão alardeada, a maior

parte do armazenamento de água fresca em reservatórios artificiais brasileiros é feita em

aproveitamentos hidrelétricos: 653 km³ dos 724 km³ totais. Segundo Gomide (2012), os

reservatórios pertencentes ao setor elétrico brasileiro que permitem essa acumulação

benéfica ocupam 37.000 km², muito pouco se levarmos em conta os 8.500.000 km² do

território nacional. Para efeito de comparação, o autor mostra que 90% dos 90.990 km³

de água fresca armazenada em lagos naturais no mundo estão concentrados em apenas

onze sítios, com ocupação média de 44.800 km². Oito desses lagos estão no hemisfério

norte, três na África e nenhum na América do Sul. Só os Estados Unidos dispõem de

mais de 75 mil barragens em seu território, com idade superior a 50 anos na média.

Essas barragens respondem pela acumulação de algo entre 800 e 1.000 km³ de água

fresca, contra os 19.000 km³ de água fresca armazenada em lagos naturais.

Entretanto, se não dispomos de lagos naturais, contamos com um nível de

pluviosidade excepcional em relação ao resto do mundo. Ainda de acordo com Gomide,

“a precipitação pluvial média anual medida em terra firme é inferior a 800 milímetros

(Shiklomanov and Sokolov, 1983). Não muda muito de continente para continente

(Europa, 790 mm; Ásia, 740 mm; África, 740 mm; América do Norte, 756 mm;

Austrália e Oceania, 791 mm). A exceção é a América do Sul, onde a precipitação

anual é de 1600 mm, o dobro dos 800 mm médios. No Brasil, é maior ainda: 1800 mm.

Na Amazônia Brasileira, excede 2200 mm. Na Amazônia como um todo, excede 2400 132 Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2013, Empresa de Pesquisa Energética, Ministério de Minas e Energia.133 MtCo2eq. – milhões de toneladas de CO2 equivalente

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mm, mais que o triplo dos 800 mm médios!”. Essa seria, sem dúvida, uma forte razão

adicional para construirmos hidrelétricas com reservatórios de forma a nos

beneficiarmos desse regime de chuvas.

Mas há uma militância ambientalista radical e equivocada, que, sem

qualquer base científica, se opõe fortemente à construção de novas usinas hidrelétricas

desde os anos 1980. Em nome da proteção ambiental e da preservação dos sistemas

naturais, passaram a exercer pressão, inclusive com forte campanha de imprensa, sobre

os órgãos multilaterais de crédito, como o Banco Mundial, para reduzir o apoio técnico

e financeiro à construção de hidrelétricas. Segundo esses grupos, a hidreletricidade não

poderia ser considerada energia limpa e renovável por causa dos reservatórios.

A raciocinar por essa lógica, reservatórios também não seriam aceitáveis

para suprimento de água, para o controle de cheias, para a irrigação, a melhoria da

navegação, o turismo e a recreação etc., os usos múltiplos dos reservatórios criados pela

geração hidrelétrica que nenhuma outra forma de geração oferece. A oposição irracional

a barragens, reservatórios e outras obras de infraestrutura contribuiu, segundo o já

citado Gomide, para que o século XX se encerrasse com 850 milhões de pessoas sem

acesso adequado à água, 1,6 bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade e 2,9 bilhões de

pessoas tentando sobreviver com renda inferior a 2 dólares por dia.

É certo que a preservação da natureza é um imperativo, mas, como alerta

Gomide o “desenvolvimento sustentável implica a ‘conversão ótima dos recursos

naturais em benefícios para a humanidade’ (atual e futura geração). Não há conflito

algum entre o avançado grau de consciência ambiental felizmente predominante e o

aproveitamento efetivo, oportuno e conveniente dos extraordinários recursos hídricos

brasileiros.”

Há elementos que demonstram isso fartamente. A grande maioria dos

aproveitamentos hidrelétricos viáveis no Brasil está na Amazônia, tida pelos

ambientalistas mais radicais como um santuário natural intocável. Mas de acordo com

dados da Empresa de Pesquisa Energética, todas as usinas hidrelétricas existentes e a

serem ainda construídas ocupariam menos de 10.500 km² de floresta, ou seja, apenas

0,16% de todo o bioma amazônico, com seus 6,5 milhões de km², se incluída a sua parte

situada em território estrangeiro, como apontaram Abbud e Tancredi (2010).

Para efeito de comparação, entre agosto de 2007 e julho de 2008, as

queimadas destruíram 12.911 km² da Floresta Amazônica, segundo o Instituto Nacional

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de Pesquisas Espaciais (INPE). Esse número caiu bastante nos últimos anos, mas agora

revela nova tendência de alta. De acordo com o INPE, o desmatamento na Amazônia

Legal entre agosto de 2012 e julho de 2013 foi de 2765 km², uma alta de 35% em

comparação com o período entre agosto de 2011 e julho de 2012, quando houve a

derrubada de 2.051 km² de vegetação. O total de floresta destruída é duas vezes superior à

área do município do Rio de Janeiro.

Não parece difícil concluir que a utilização da área de Floresta Amazônica

necessária ao pleno aproveitamento da nossa capacidade de geração hidrelétrica – coisa

que a maioria dos países que dispõem dessa fonte já esgotou – não representa uma ameaça

terrível de destruição desse importante patrimônio nacional. Ademais, é necessário lembrar

que após o impacto inicial da obra de uma hidrelétrica, a própria natureza se encarrega do

estabelecimento de um novo ecossistema estável, embora diferente do original.

Também é interessante notar que quando se fala em utilização de uma

determinada área para geração de energia elétrica, vem à baila outro aspecto nunca

considerado pelos defensores do uso das fontes ditas limpas, eólica e solar. São os

efeitos colaterais do uso dessas fontes para abastecimento em larga escala. Exemplo

evidente disso é citado por Montalvão, Faria e Abbud (2012), que discutiram em

trabalho recente os impactos ambientais das diversas fontes de geração de energia

elétrica.

Nesse trabalho, os autores se referem à inutilização das extensas áreas

ocupadas pelos parques solares, que se tornam praticamente inservíveis para outros fins.

Por exemplo, o parque Solar Waldpolenz, na Alemanha, instalação que pode ser

considerada modelar do ponto de vista de aproveitamento de energia solar, é capaz de

gerar 18,2 GWh/ano por km2 ocupado. Já Belo Monte, com seus 516 km², tem uma

produtividade energética de 77,6 GWh/ano por km2, cerca de quatro vezes maior!

Assim, como conclui o estudo, para gerar a mesma quantidade de energia que Belo

Monte, uma usina solar com as mesmas características técnicas de Waldpolenz

precisaria ocupar uma área equivalente a 2.200 km² com painéis solares, esterilizando

essa imensa área para efeito de quaisquer aproveitamentos em outras finalidades úteis,

uma vez que toda ela teria uma única destinação: produzir energia elétrica quando

houver insolação.

Mas há ainda outro aspecto relevante em discussão quando se trata da

construção de usinas hidrelétricas no Brasil. É a questão dos reservatórios, importantes

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para retardar o despacho de usinas termelétricas, mais caras e mais poluentes, nos

períodos de estiagem. Por uma série de motivos, o Brasil vem abandonando a

construção de usinas hidrelétricas com os reservatórios que seriam ideais, preferindo

construir as chamadas “usinas a fio d’água”.

De início, é preciso chamar a atenção para o fato de que esse é um

prejuízo irreversível para o País. Uma vez que uma usina tenha sido assim construída,

estará perdido, durante o seu tempo de vida útil (que não raro ultrapassa um século!),

todo o potencial de geração que aquela usina poderia ter caso tivesse um reservatório

adequado e, eventualmente, o de outras usinas construídas rio abaixo (a jusante), já que

a água poupada pelo reservatório de uma usina também é usada para gerar em usinas a

jusante. Vale notar que esse patrimônio desperdiçado é bem da União, segundo o inciso

VIII, art. 20, da Constituição Federal. Logo, é bem de toda a população brasileira,

inclusive daqueles que se insurgem contra o seu melhor aproveitamento, seja por que

motivos for. Como bem descreveu tecnicamente o já citado Gomide,

“Há um tamanho ótimo para reservatórios: nem tão pequeno que se torne pouco útil, nem tão grande que viole a lei dos rendimentos marginais decrescentes. (...) [Já] foi mostrado (Gomide, 2012) que, para uma curva de regularização aplicável a condições brasileiras típicas, pode-se “firmar” mais de 85% da vazão média de longo termo (VMLT) com menos de 30% do armazenamento necessário para “firmar”100% da VMLT.

A localização do aproveitamento hidráulico (“tomada de água”) pode não ser compatível com a implantação de um reservatório de certo porte. A solução, que sempre existe, é mover-se para montante, à procura de sítios mais adequados. (...)No caso de regularização de energia e não simplesmente de vazão fluvial, a flexibilidade é imensa: o armazenamento nem precisa estar a montante! O adequado sistema de transmissão transportará a energia de um ponto (onde está disponível) a outro (onde é necessária). Adicionalmente, à medida que o sistema cresce, integrando usinas novas localizadas em regiões hidrologicamente diversas, o desvio padrão da afluência total cresce menos que a sua média. Em outras palavras, o coeficiente de variação decresce e a eficiência do armazenamento aumenta. O sinérgico setor elétrico brasileiro tem sido, há décadas, uma demonstração interessante dessa propriedade matemática das somas parciais de variáveis aleatórias.”

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O autor se refere ao Sistema Interligado Nacional, já mencionado

anteriormente, que graças à cobertura de praticamente todo o território nacional, integra

as diversas bacias hidrográficas brasileiras por meio de linhas de transmissão, operando

com tal sinergia que permite que o Sistema possa ser manobrado conforme as condições

hidrológicas de cada região se mostrem mais ou menos favoráveis. Essa interligação,

rara no mundo, oferece ao Brasil enorme vantagem comparativa. Estima-se que a sua

existência gere um efeito sinérgico tal que agrega uma capacidade adicional de 30% à

toda energia gerada no País. Para ser mais bem explorada, no entanto, ela precisa dos

reservatórios das usinas.

A regra para se projetar reservatórios adequados é definida, no Brasil,

pela Lei nº 9.074, de 1995. No § 3º, do art. 5º, essa Lei estabelece o que se chama de

aproveitamento ótimo: “Considera-se ‘aproveitamento ótimo’, todo potencial definido

em sua concepção global pelo melhor eixo do barramento, arranjo físico geral, níveis

d’água operativos, reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para

divisão de quedas de uma bacia hidrográfica.”

No entanto, como apontaram os já mencionados Abbud e Tancredi

(2010), o embate entre a urgente necessidade de construir novos empreendimentos

hidrelétricos e a forte oposição que vários grupos de pressão fazem a isso, por razões

socioambientais equivocadas, repita-se, acabou por instituir uma “política pública de

fato”, que não encontra amparo na Lei.

Essa política pública de fato, de construção de usinas a fio d’água, que

teoricamente teriam menores custos e menos problemas de licenciamento

socioambiental, passou a vigorar nos últimos dez ou quinze anos, em que pesem as

declarações públicas de autoridades do setor de que não há nenhuma diretriz nesse

sentido.

Os fatos contradizem as declarações oficiais e o resultado dessa política

pode ser constatado pelos dados da Aneel relativos às hidrelétricas leiloadas de 2000 a

2012. De 42 empreendimentos, que somam 28.834,74 MW, apenas dez são usinas com

reservatórios. Essas usinas agregam somente 1.940,6 MW de potência instalada ao

sistema elétrico. Os outros 32 empreendimentos, com 26.894,14 MW, são de usinas a

fio d’água, ou seja, sem qualquer capacidade de guardar água para geração de

eletricidade nos períodos secos. Como se vê, apenas 6,73% da capacidade de geração

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desses empreendimentos são provenientes de usinas com reservatório (Tancredi e

Abbud, 2013).

É necessário reconhecer que não haveria o menor sentido em construir

usinas com reservatórios em muitos casos, tendo em vista o fato de que o relevo da

região onde se encontram os empreendimentos seria totalmente desfavorável a isso. É o

caso das usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, que somam 6.900 MW, e que

não comportariam reservatórios, dada a suave topografia da região em que se

encontram.

Em contrapartida, a viabilização da Usina Belo Monte, o empreendimento

que se tornou o ícone da contestação do radicalismo socioambiental, transformou-se no

principal exemplo de concessões feitas pelo Governo Federal a essas pressões. Em

síntese, sacrificou-se, ali, na bacia do Xingu, mais do que uma Belo Monte equivalente,

do ponto de vista do ótimo legal, representando um total não aproveitado de mais de 5

mil MWmédios de energia firme. Para que se tenha noção da escala desse valor, basta

dizer que ele é equivalente à metade do valor alcançado pela Usina de Itaipu, maior

produtora mundial de energia hidrelétrica. O trade off estabelecido nesse caso está

detalhadamente descrito por Abbud e Tancredi, em “Por que o Brasil está trocando as

hidrelétricas e seus reservatórios por energia mais cara e poluente?”, citado

anteriormente.

Mas, de qualquer forma, é importante ressaltar que a diferença entre os

custos de geração desses 5 mil MWmédios – que seriam gerados por Belo Monte a R$

77,97/MWh, num valor total de R$ 3,37 bilhões/ano, e os mesmos 5 mil MWmédios,

gerados por térmicas a gás, a R$ 393,33/MWh, num total de R$ 16,9 bilhões ano –

montaria a R$13,6 bilhões/ano! – isso sem contar os prejuízos ambientais das emissões

de CO2 decorrentes da geração térmica.

Além dessa concessão, o Governo Federal assumiu compromisso público,

por meio da Resolução CNPE nº 6, de julho de 2008, de resumir a exploração do

potencial energético do Rio Xingu ao aproveitamento de Belo Monte. Foi, na prática,

uma rendição ao radicalismo socioambiental, ainda insuficiente para conter os ânimos

que insistem em inviabilizar a construção de Belo Monte e, a cada dia, até com ações

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violentas, contribuem para encarecer a obra que, a esta altura, já não tem como ser

interrompida. Resulta disso que todo o potencial hidrelétrico da Amazônia está em risco

de não ser adequadamente explorado para o bem do País.

Demonstração clara disso é o que está acontecendo com o projeto da Usina

São Manoel, que faz parte do conjunto de usinas a serem construídas no Rio Teles Pires,

na divisa entre Mato Grosso e Pará. O projeto original foi reduzido de 900 para 700

MW, uma perda que poderia abastecer uma cidade com 700 mil pessoas, para evitar que

o lago atingisse terras indígenas. A área alagada, no projeto reduzido, é de apenas 66

km² e a usina está situada a quase dois quilômetros do limite da terra dos Kayabi, onde

vivem cerca de mil índios. A cerca de 150 quilômetros abaixo da represa encontra-se

ainda a terra Munduruku, onde cerca de nove mil índios não querem nem ouvir falar em

construção de hidrelétricas.

Por causa disso, a usina, com previsão de ser licitada no leilão de 13 de

dezembro de 2013, teve a sua licitação proibida pela Justiça Federal. Segundo o MP,

que representou à Justiça contra o leilão da usina, a sua construção hidrelétrica causará

significativo impacto para os povos indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, e o Estudo

do Componente Indígena (ECI), feito para a usina – necessário para a obtenção da

licença –, estaria incompleto, sem ter o reconhecimento da Fundação Nacional do

Índio134.

Recentemente, lideranças dos índios munduruku pediram ao Ministro de

Minas e Energia que suspenda a construção de usinas no Rio Tapajós. As lideranças

desses indígenas querem que o Tapajós permaneça intocado e garantem que vão resistir.

“Não vamos permitir que usinas ou até mesmo estudos sejam feitos. Vamos unir nossa

gente e vamos para o enfrentamento. O Tapajós não vai sofrer como sofre hoje o

Xingu”, disse à imprensa o cacique Arnaldo Munduruku135.

Como consequência do aumento do consumo de energia elétrica no País e

da política de construção de usinas a fio d’água, a capacidade de armazenamento dos

reservatórios das hidrelétricas integradas ao Sistema Interligado Nacional, que já foi

plurianual, vem caindo ano a ano. Desde a década de 1990 o Sistema perdeu essa

capacidade e a tendência para o futuro é de piora, conforme dados do ONS, expressos na

134 CanalEnergia, 10/12/2013.135 Extra, 22/02/2013

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Figura V.2, a seguir, que mostra a evolução da relação entre a energia armazenada

máxima nos reservatórios e a carga do SIN.

Figura V.2: Relação entre Energia Armazenada Máxima e Carga do SIN (projeção 2012-2016)

Fonte: Relatório do Plano Anual da Operação Energética – PEN 2012.

A tendência de queda nessa capacidade de reservação continua acentuada.

As previsões do já mencionado Plano Decenal apontam para uma capacidade de apenas

3,35 meses, em 2021, e de 3,24 meses, em 2022136, uma tendência que somente poderá

ser atenuada por uma política clara de construção de usinas com reservatórios onde isso

for recomendável pela boa técnica estabelecida na legislação em vigor.

Felizmente, as instâncias decisórias nacionais já começam a dar atenção ao

tema. No dia 13 de agosto de 2013, as Comissões de Serviços de Infraestrutura e de

Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal

realizaram audiência pública conjunta para que fossem prestadas informações a respeito

da construção de usinas hidrelétricas a fio d’água como opção preferencial para a

expansão da geração hidrelétrica no Brasil.

Entre outras personalidades, participaram da audiência o Secretário

Executivo do Ministério de Minas e Energia, Marcio Zimmermann, que declarou, na 136 Agência CanalEnergia, 14/11/2013.

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ocasião, desconhecer qualquer política de Governo que fosse vinculada a usinas a fio

d’água, e que a construção de usinas a fio d’água ou com reservatório não é uma opção

política de Governo, mas uma questão técnica137.

Mas é preciso mais que isso. Há um compromisso expresso do Governo

com a preservação ambiental. Além disso, a modicidade tarifária foi transformada em

importante diretriz governamental, expressa, aliás, na Exposição de Motivos da Medida

Provisória nº 144, de 2003, que alterou a legislação do setor no início do Governo do

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com esse objetivo, entre outros. Assim, é

fundamental que haja também diretrizes e ações objetivas, claramente expressas para

agentes governamentais e empresariais, no sentido do aproveitamento ótimo do

potencial hidrelétrico nacional, na forma que determina a Lei.

Em razão disso, a construção de hidrelétricas com reservatórios na

Amazônia parece uma decisão acertada para o País em termos de modicidade tarifária e

de preservação ambiental. Para um desmatamento ínfimo da Floresta Amazônica

(0,16% do total do bioma, como visto), que resultará em novos ecossistemas estáveis

após as obras, teremos energia barata e evitaremos grandes e prejudiciais emissões de

CO2.

A contribuição da construção de usinas hidrelétricas com reservatórios para

essa finalidade é inestimável, como se procurou demonstrar, especialmente porque o

País poderá se beneficiar dos baixos custos de geração dessas usinas após a amortização

dos investimentos feitos na sua construção, o que corresponde a estimados 70 anos.

Como bem questionam Tancredi e Abbud (2013), “quando o País abre mão

de seu potencial hidrelétrico, em nome de questões de natureza socioambiental, o

ambiente passa a sofrer com quantidades crescentes de carbono jogadas na atmosfera,

perdendo-se, ao mesmo tempo, um poderoso fator de desenvolvimento tão importante

para uma economia como a brasileira: a energia barata. Qual a racionalidade de tal

encaminhamento?”

137 Jornal do Senado, 15/08/2013.

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Conclusões

A economia brasileira tem crescido pouco nos últimos anos, e as

perspectivas não são muito animadoras. Dificilmente conseguiremos, de forma

sustentável, atingir taxas de crescimento muito acima de 3% ao ano, o que está longe de

ser suficiente para nos levar ao patamar de desenvolvimento que a sociedade almeja.

Um dos principais limitadores de nossa economia são os baixos níveis de investimento

que, por sua vez, são limitados por baixas taxas de poupança.

Tendo em vista nossa reduzida capacidade de investir, é necessário que,

pelo menos, o investimento seja feito em ativos que permitam maiores ganhos de

produtividade. Por esse motivo, investimentos em infraestrutura são tão importantes,

pois permitem que o aumento de produtividade se irradie por toda a economia. No caso

específico da energia elétrica, trata-se de um insumo fundamental para o bem estar das

famílias e para a produtividade da economia.

Considerando o enorme potencial hidroelétrico do País e nossa dotação

de recursos, expandir o parque gerador de energia permitirá aproveitar plenamente

nossas vantagens comparativas, em indústrias eletrointensivas como a metalúrgica (com

destaque para o alumínio) e a siderúrgica. A energia elétrica também é importante

insumo para a irrigação, permitindo fortes ganhos de produtividade para a agricultura. A

produtividade do trabalho pode igualmente ser fortemente beneficiada pela energia

elétrica, por meio de diversos mecanismos: aumento do conforto, que torna as pessoas

mais dispostas a produzir; maior eficiência dos gastos, com a possibilidade de estocar

alimentos em geladeiras e freezers; aumento da informação, com o uso de televisão e

computadores; redução do tempo de deslocamento, com a construção de linhas de metrô

e trens urbanos, etc.

A baixa capacidade de investimento do setor público e a tendência de o

setor privado ser mais eficiente faz com que a participação do capital privado seja

essencial para expansão de nosso parque elétrico. Contudo, para que isso se viabilize, é

necessário garantir um ambiente propício para o investimento.

Há várias peculiaridades no setor de energia elétrica que fazem com que

a atividade precise ser regulada pelo setor público. No caso da hidroeletricidade, o

principal insumo – a água – é de propriedade da União. As linhas de transmissão e

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distribuição formam monopólios naturais. Os diferentes regimes pluviométricos do Sul

e Norte do Brasil requerem um sistema de coordenação e interligação nacional que

garanta o melhor aproveitamento da água, do qual, felizmente, já dispomos.

No Brasil, optou-se por um sistema em que o setor fosse dividido em

quatro grandes segmentos: geração; transmissão, responsável por levar a energia até os

centros de distribuição; distribuição, responsável por levar a energia até o consumidor

final, que, via de regra, não tem opção de fornecedor (no chamado Ambiente de

Contratação Regulada – ACR); e comercialização, responsável pela venda de energia

para grandes consumidores, no chamado Ambiente de Contratação Livre – ACL.

No ACR, que atende à imensa maioria dos consumidores e responde por

cerca de 70% da energia consumida no País, os preços são regulados. Nesse contexto, a

definição do preço é fundamental para o bom desempenho do setor. O que se tem

observado, contudo, é uma preocupação aparentemente excessiva com modicidade

tarifária e na participação estatal no mercado, que podem comprometer a oferta de

energia, a qualidade do serviço prestado e até mesmo a própria modicidade tarifária no

longo prazo. Na medida em que parte da modicidade tarifária tem sido financiada pelo

Tesouro, há ainda o efeito colateral de deterioração das contas públicas.

Em um mundo sem assimetria de informações, o preço da energia

elétrica deveria refletir o custo marginal de longo prazo. Isso garantiria a eficiência

alocativa dos fatores de produção e sinalizaria adequadamente, para o consumidor, a

escassez relativa do produto. Em certas situações, como aquelas em que o uso de

energia possa trazer importantes externalidades ou onde a energia mais barata possa ser

uma forma de inclusão social, justifica-se o uso de subsídios. Mas, como regra geral, é

ineficiente vender a energia a um preço abaixo do custo marginal, e é isso que tem

ocorrido na prática, com o consumidor pagando uma tarifa que corresponde à média das

diferentes geradoras. Ao se cobrar uma tarifa abaixo do custo marginal, gera-se uma

demanda artificialmente elevada pela energia, o que força a expansão ineficiente do

setor, com aumento da produção de energia oriunda de fonte termoelétrica, mais cara e

poluente do que a hidroelétrica.

Quando há assimetrias de informação, o problema do regulador consiste

em desenvolver instrumentos que lhe permitam obter uma estimativa dos custos

eficientes dos produtores. Afinal, havendo assimetria de informações, há um incentivo

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natural para os produtores inflarem seus verdadeiros custos de produção e se

acomodarem em processos não eficientes. Uma forma de resolver esse problema são os

leilões. Ao forçar a competição entre os diferentes produtores, eles tenderiam a fazer

propostas que se aproximem de seu verdadeiro custo de produção.

Contudo, mesmo o mecanismo de leilões pode ser falho. Existe a

possibilidade de licitantes apresentarem propostas irrealisticamente baixas em

decorrência de avaliação incorreta do projeto, de não computar todos os riscos, ou de

acreditar que, uma vez outorgada a concessão, poderá renegociar os termos do contrato

de forma que lhe seja favorável. Uma forma de contornar esse problema é evitar a

inversão de fases nos leilões e exigir plano de negócios detalhado na fase de

qualificação.

Um problema específico do Brasil é a forte presença da Eletrobras,

empresa estatal do setor elétrico e principal geradora do País. Por pressões de sua

controladora – a União – a Eletrobras pode se ver forçada a fazer propostas que não

remuneram adequadamente seu capital. No longo prazo, isso implica menor capacidade

de investimento da estatal ou necessidade de aportes do Tesouro, com prejuízo para

todos os contribuintes e para seus acionistas minoritários.

O poder concedente também tem de ficar atento para as condições dos

leilões. Em algumas situações, a busca excessiva por modicidade tarifária fez com que o

preço-teto fixado não fosse suficiente para atrair empresas interessadas em oferecer

energia, nem mesmo a Eletrobras. Trata-se de uma estratégia equivocada. Em vários

leilões, se fosse oferecido um preço-teto mais alto, a competição poderia ter sido mais

acirrada e o preço final obtido poderia refletir mais adequadamente os reais custos de

produção. É, aliás, o que ensina a teoria: preços-teto altos atraem um maior número de

competidores e a disputa se encarrega de reduzir o preço de forma eficiente.

A definição do preço inicial do contrato não é o único desafio do poder

concedente. Como os contratos são de longo prazo, muitas vezes de 30 anos, é

necessário estabelecer regras que estimulem a empresa a investir adequadamente

durante o período de concessão, buscando obter ganhos de produtividade. Isso é

particularmente importante para as distribuidoras, para as quais é impossível definir,

quando da assinatura do contrato, onde, quanto e quando investir, pois isso dependerá

de se e como ocorrerá a expansão geográfica em sua área de concessão.

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É necessário criar regras claras e estáveis para a remuneração desses

investimentos adicionais. Corre-se o risco de o regulador adotar uma postura

oportunista, reduzindo o retorno desses investimentos, pois sabe que, diante dos

elevados custos afundados já incorridos, dificilmente a concessionária cancelará o

contrato de concessão. No médio e no longo prazos, contudo, esse comportamento

oportunista reduz o interesse de empresas atuarem no setor e aumenta o risco

regulatório, o que acaba por aumentar os preços exigidos e comprometer a oferta de

energia. Além disso, cai a qualidade do serviço.

É igualmente necessário criar incentivos para que a empresa invista em

equipamentos e processos que permitam alcançar ganhos de produtividade. Tendo em

vista a existência de assimetria de informações, a teoria e as melhores práticas

recomendam permitir que a empresa se aproprie de parte daqueles ganhos, na forma de

maiores lucros. Se todos os ganhos de produtividade forem transferidos para os

consumidores, via menores tarifas, as concessionárias não terão incentivos para buscar

reduções de custos, frustrando o objetivo de se obter modicidade tarifária no longo

prazo.

Os preços de energia definidos nos leilões de geração e transmissão

caíram substancialmente desde o início da década de 2000. As revisões tarifárias a que

estão sujeitas as distribuidoras têm levado a reduções cada vez mais fortes das tarifas,

via menor taxa de remuneração do capital regulatório ou aumento do chamado Fator X.

Desde a primeira revisão tarifária, o WACC (Weighted Average Cost of Capital), que

define a taxa de remuneração do capital, caiu de 11,26% para 7,5%. O Fator X, que

consiste em um desconto nas tarifas com o objetivo de repassar para o consumidor os

ganhos de produtividade das empresas, aumentou de 1,02% para 1,86% do segundo

(entre 2007 e 2010) para o terceiro (entre 2011 e 2014) ciclo de revisão tarifária.

Em parte, a redução de tarifas pode estar associada a uma redução de

custos. Afinal, certamente houve ganhos de produtividade ao longo dos últimos anos. O

simples fato de haver economias de escala, conjugado com o forte aumento do consumo

de energia ocorrido na última década, já justifica tais ganhos. Mas há evidências de que

a redução tarifária está indo além da redução de custos: a forte presença estatal nos

leilões, denotando o desinteresse do setor privado de participar no setor aos preços

estabelecidos; a incapacidade de empresas do grupo Eletrobras de entregarem linhas de

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transmissão no prazo contratual; a queda na rentabilidade das empresas de energia; o

aumento da participação dos financiamentos subsidiados pelo BNDES nos gastos totais

de investimento, como forma de viabilizá-los financeiramente; a possibilidade de

vender 30% da energia no mercado livre, viabilizando tarifas mais baixas no mercado

regulado e a ausência de ofertas em alguns leilões. Todos esses são fatores que sugerem

que a modicidade tarifária pode estar ultrapassando o limite daquilo que seria prudente,

comprometendo a capacidade do setor de investir e de se manter de forma sustentável

no futuro.

Um importante passo na busca de redução das tarifas foi dado com a

edição da Medida Provisória nº 579, de 2012. Ali, em troca da possibilidade de

renovação antecipada de contratos, a concessionária de geração deveria aceitar as novas

tarifas impostas pela Aneel, substancialmente mais baixas do que as que vigoravam. A

forte redução nas tarifas deve-se ao fato de que as geradoras já amortizaram os

investimentos feitos para a construção das usinas, ao longo dos quase 30 anos de

contrato de concessão, e de que, a partir de agora, somente incorreriam nos custos de

operação e manutenção, cerca de 70% mais baixos. Também pode se considerar

meritória a redução de alguns encargos, como a CDE e a CCC, bem como a extinção da

Reserva Global de Reversão.

Apesar de a ideia que norteou a redução de custos ser tecnicamente

correta, a implementação pode ter gerado fortes prejuízos para algumas empresas. O

principal problema foi a indenização pelos ativos ainda não depreciados, que, no caso

da Eletrobras, pode ter atingido R$ 14 bilhões. Outro problema da MP é que a redução

de custos favoreceu somente o mercado cativo. O ideal é que o desconto também tivesse

beneficiado o mercado livre, que atende a parcela significativa de nossa indústria

eletrointensiva, garantindo-lhe maior competitividade.

Em parte devido à hidrologia ruim, em parte devido à fraca expansão do

parque gerador de fonte hídrica, em parte devido à forte expansão do parque térmico

entre 2006 e 2008, foi necessário acionar usinas termoelétricas a partir de outubro de

2012 para garantir o abastecimento. Em longos períodos de 2013 esse acionamento foi

máximo. Entretanto, apesar de as usinas termoelétricas fornecerem energia mais cara, a

tarifa ao consumidor final ainda não foi afetada porque o Tesouro e a CDE bancaram o

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aumento de custos decorrente do despacho das térmicas, que, em 2013, consumiu R$

9,5 bilhões.

Em princípio, trata-se somente de uma espécie de empréstimo, pois tais

custos irão acabar se refletindo na conta de luz. Entretanto, diante do calendário

eleitoral; do objetivo de se controlar preços de serviços públicos para controlar inflação;

e, talvez, da uma crença na capacidade do Estado de precificar corretamente os bens e

serviços, não se sabe se aqueles custos serão repassados para a conta de luz, quando e

em qual proporção. Mesmo que o repasse venha a ser integral, de forma a não

pressionar as contas públicas, cabe criticar a distribuição temporal do aumento de

custos. O correto seria que tais custos fossem repassados quando a energia estivesse

cara, o que sinalizaria corretamente a escassez do produto para o consumidor, forçando

a racionalização do seu consumo.

Em janeiro de 2014, a exposição involuntária de mais de 3.700 MW das

distribuidoras, que pode representar gastos adicionais de R$ 20 bilhões para as

distribuidoras, impôs novo dilema à política energética. Como as distribuidoras estão

com dificuldades de caixa para honrar esse aumento de despesas, restam ao governo

duas opções: i) manter as tarifas ao consumidor e fornecer algum tipo de ajuda

financeira para as distribuidoras, pressionando as contas públicas e gerando distorções

no consumo; ou ii) aumentar as tarifas ao consumidor, pressionando a inflação e

enfrentando o ônus político associado.

Conclui-se este trabalho lembrando que a melhor forma de se obter

modicidade tarifária não é via controle de preços, mas por meio de reduções

sustentáveis de custo. Para tanto considera-se recomendável:

i) Redução dos riscos regulatórios e negociais;

ii) Maior celeridade no fornecimento do licenciamento ambiental;

iii) Redução da tributação e encargos do setor;

iv) Estímulo ao desenvolvimento do mercado livre;

v) Estímulo à construção de usinas com reservatórios.

Sobre esse último ponto, cabe destacar que o Brasil é dos poucos países

que tem a sorte de ainda contar com imenso potencial hidroelétrico a ser explorado, que

permite a geração de energia limpa, renovável e de baixo custo. Entretanto, o país vem

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desperdiçando esse potencial em decorrência de uma espécie de veto branco à

construção de usinas com grandes reservatórios, como em Belo Monte, onde a opção de

construir uma usina a fio d’água pode, como visto, custar R$ 13,6 bilhões por ano ao

país.

Em síntese, sem mecanismos que garantam a remuneração adequada aos

investidores, o aumento de produtividade e um ambiente sem demasiada interferência

estatal, podemos nos ver no médio e longo prazo sem a ampliação da oferta de energia

de que o Brasil tanto precisa.

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