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Súmula 605-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Súmula 606-STJ Márcio André Lopes Cavalcante DIREITO PENAL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Não se aplica o princípio da insignificância para transmissão clandestina de sinal de internet via rádio (art. 183 da Lei 9.472/97) Súmula 606-STJ: Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018. Imagine a seguinte situação hipotética: Os fiscais da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) constataram que João mantinha um provedor de internet, via rádio, no qual os clientes pagavam a ele mensalmente e recebiam em suas casas o sinal da internet. Ocorre que João não tinha autorização da ANATEL para exploração desse serviço. Foi, então, lavrado auto de infração e encaminhada notícia do fato ao MPF. O Procurador da República denunciou João pela prática do delito do art. 183 da Lei nº 9.472/97: Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Segundo a tese do MPF, o provedor de acesso à Internet via radiofrequência (internet via rádio) desenvolve dois serviços: • um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia); e • um Serviço de Valor Adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Dessa forma, a chamada “internet via rádio” pode ser considerada também um serviço de telecomunicação. A jurisprudência acolhe a tese do MPF? A conduta de transmitir sinal de internet, via rádio, como se fosse um provedor de internet, sem autorização da ANATEL, configura algum crime? Amolda-se ao art. 183 da Lei nº 9.472/97? SIM. É pacífico no STJ que a transmissão clandestina de sinal de internet, via radiofrequência, sem autorização da ANATEL, caracteriza, em tese, o delito previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97. Não há se falar em atipicidade do delito pela previsão de que se trata de serviço de valor adicionado, uma vez que referida característica não exclui sua natureza de efetivo serviço de telecomunicação. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1077499/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/09/2017. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 971.115/PA, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/04/2017. E no STF? Apesar de existir um recente julgado em sentido contrário (STF. 1ª Turma. HC 127978, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 24/10/2017. Info 883), o entendimento que prevalece no STF é o mesmo do STJ. Veja:

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Súmula 605-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 606-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Não se aplica o princípio da insignificância para transmissão clandestina

de sinal de internet via rádio (art. 183 da Lei 9.472/97)

Súmula 606-STJ: Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018.

Imagine a seguinte situação hipotética: Os fiscais da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) constataram que João mantinha um provedor de internet, via rádio, no qual os clientes pagavam a ele mensalmente e recebiam em suas casas o sinal da internet. Ocorre que João não tinha autorização da ANATEL para exploração desse serviço. Foi, então, lavrado auto de infração e encaminhada notícia do fato ao MPF. O Procurador da República denunciou João pela prática do delito do art. 183 da Lei nº 9.472/97:

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Segundo a tese do MPF, o provedor de acesso à Internet via radiofrequência (internet via rádio) desenvolve dois serviços: • um serviço de telecomunicações (Serviço de Comunicação Multimídia); e • um Serviço de Valor Adicionado (Serviço de Conexão à Internet). Dessa forma, a chamada “internet via rádio” pode ser considerada também um serviço de telecomunicação. A jurisprudência acolhe a tese do MPF? A conduta de transmitir sinal de internet, via rádio, como se fosse um provedor de internet, sem autorização da ANATEL, configura algum crime? Amolda-se ao art. 183 da Lei nº 9.472/97? SIM. É pacífico no STJ que a transmissão clandestina de sinal de internet, via radiofrequência, sem autorização da ANATEL, caracteriza, em tese, o delito previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97. Não há se falar em atipicidade do delito pela previsão de que se trata de serviço de valor adicionado, uma vez que referida característica não exclui sua natureza de efetivo serviço de telecomunicação. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1077499/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/09/2017. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 971.115/PA, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 27/04/2017. E no STF? Apesar de existir um recente julgado em sentido contrário (STF. 1ª Turma. HC 127978, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 24/10/2017. Info 883), o entendimento que prevalece no STF é o mesmo do STJ. Veja:

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O desenvolvimento clandestino de atividade de transmissão de sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia, sem a autorização do órgão regulador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, pois se trata de crime formal, inexigindo, destarte, a necessidade de comprovação de efetivo prejuízo. STF. 1ª Turma. HC 152118 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07/05/2018.

Em sua defesa, João invocou o princípio da insignificância, considerando que seu provedor operava com a potência de 0,5 Watts, que é muito baixa. Tal alegação é aceita pela jurisprudência majoritária? NÃO. Não é possível a aplicação do do princípio da insignificância no crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97. Isso porque a instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização, já é, por si, suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva. Diante do entendimento pacificado, o STJ editou a Súmula 606. Essa é também a posição do STF: 1ª Turma. HC 118400/RO, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 04/10/2016 (Info 842). O acusado argumentou também que não deveria ser condenado, considerando que não ficou provado que ele causou prejuízo, seja para os clientes, seja para os serviços de telecomunicações. Essa alegação é acolhida pelos Tribunais? NÃO. O delito do art. 183 da Lei nº 9.427/97 é crime de perigo abstrato. Isso significa que, para a sua consumação, basta que alguém desenvolva de forma clandestina as atividades de telecomunicações, sem necessidade de demonstrar prejuízo concreto para o sistema de telecomunicações (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1560335/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/06/2016). Confira julgado que sintetiza esses entendimentos:

(...) 1. Este Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de que a transmissão de sinal de internet via rádio sem autorização da ANATEL caracteriza o fato típico previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, ainda que se trate de serviço de valor adicionado de que cuida o artigo 61, § 1º, da mesma lei. 2. É também pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito de natureza formal de perigo abstrato que, por si só, é suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não tendo aplicação o princípio da insignificância mesmo que se trate de serviço de baixa potência. (...) STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1566462/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/03/2016.