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7/25/2019 Suspense, Policial e ‘Noir’ _ Cultura _ EL PAÍS Brasil
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CULTURA
Suspense, policial e ‘noir’Romance policial evolui para incorporar novos temas, geografias
e tecnologia
29 JAN 2016 - 21:04 BRST
BERNA GONZÁLEZ HARBOUR
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Ilustração de Fernando Vicente.
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Existiu um campeonato de primeira divisão que não teve muitos campeões.
Chandler, Hammett e depois Patricia Highsmith – com a permissão de
Conan Doyle e Agatha Christie – se tornaram grandes com o aplauso do
público, mas sem grande reconhecimento porque o romance policial era um
gênero menor. Hoje, está na moda e seu reconhecimento ultrapassa às
vezes a própria qualidade da obra publicada porque (tenham cuidado): alémda primeira divisão existe a segunda, terceira e até a quinta, e nem sempre
estão diferenciadas. Mas o certo é que o
noir/suspense/intriga/thriller/policial/antipolicial e seus autores crescem
ao calor de prêmios (Leonardo Padura, Príncipe de Asturias; Jorge Zepeda e
Alicia Giménez Bartlett, Planeta; Víctor del Árbol, Nadal), do sucesso e de
uma renovação galopante ao ritmo da atualidade. Sua contaminação pelo
cinema e vice-versa também desempenhou um papel relevante, já que as
duas linguagens se alimentam de uma representação visual comum,
próxima ao público, e de uma sintonia que dividem intensamente com o
espectador/leitor.
Galveston de Pizzolatto veio antes ou foi True Detective?
Bron foi antes série ou romance, ou nunca foi romance?Boardwalk Empire foi antes um romance poderoso ou
sua potência cinematográfica atraiu depois um grande
como Dennis Lehane? Aqui vão algumas respostas:
—Sim, Pizzolatto escreveu Galveston antes da série, mas
a maioria de nós o leu depois.
—Não, Bron não foi um romance.
—E sim, Boardwalk... foi um romance de Nelson Johnson
que adquiriu fama após ser comprado pela HBO. Lehane
trabalhou depois como roteirista em alguns de seus
capítulos.
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O próprio Quirke, o lúgubre e pesaroso personagem de Benjamin Black que
coleciona sucessos em 30 países, foi uma criação para a televisão que não
deu certo e que John Banville transformou em livro com uma nova
assinatura noir para a ocasião: Black. Boa parte dos 14 autores
internacionais entrevistados para essa reportagem são roteiristas, desde
Peter May (a nova contratação da editora Salamandra) a Lauren Beukes(Siruela) e Pierre Lemaitre (Alfaguara). A Reservoir contratou Noah Hawley
(Bones, Fargo). E a trilogia de Erik Axl Sund (Roja & Negra) logo será uma
série, como antes Chandler encontrou aliados em Howard Hawks e Robert
Altman, levando em consideração as enormes distâncias entre eles.
A passagem entre os dois mundos, portanto, está pronta.
Gênero visual, de atmosfera e traços claros, de personagens empáticos e
enredos de cunho social, o certo é que o noir cresce, evolui, se adapta e
incorpora temas, geografias, tecnologia e recursos fantásticos e históricos
sem limitação.
Anik Lapointe, editora: "A qualidade sempre estevepresente no gênero para quem prestou atenção"
A ampliação de suas fronteiras sugere que a última aposta da Siruela, a sul-
africana Beukes, não enche as páginas de cadáveres com um tiro na
mandíbula ou uma facada no estômago. Isso, a rotina do crime comum,
parece superada ao segurarmos essas páginas sangrentas. A vítima de
Broken Monsters tem tronco de criança e pernas de cervo. E vocês me dirão:
a primeira vítima de Bron já fundia duas metades de mulheres diferentes sob
a aparência de um só cadáver, e além disso o fazia na linha fronteiriça da
ponte que une a Suécia e a Dinamarca em uma overdose de atmosferanórdica feita para derrubar os mais frágeis. Mas Beukes não nos fala de
mescla de humanos, mas de animal e humano que se unem como o
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Minotauro e as sereias na mitologia grega, e o fazem em Detroit, a cidade
metáfora das fraturas, da derrocada que vivemos.
As crianças-cervo de Beukes, construídas com uma prosa rápida, envolvente
e eficaz, são uma amostra de que o gênero amplia fronteiras e se atreve a
penetrar em mundos mais heterodoxos? “Existe um ponto de fratura”,
afirma Beukes. “E existe mais espaço para se trabalhar com elementos
sobrenaturais e de ficção científica”.
O mágico não é exatamente novo: há anos acompanhamos John Connolly à
região de sombras tão naturalmente que nem nos demos conta de que
aquilo era sobrenatural. A ficção científica também não é nova, a história emuitos outros caminhos aos quais os clássicos nunca nos acostumaram. O
que verdadeiramente é novo, afirma a editora Anik Lapointe (Salamandra), é
a receptividade que o gênero agora encontra entre o público.
“O que realmente mudou é nossa percepção do romance noir, que deixou de
ser considerado um gênero menor e conquistou totalmente o gosto de um
público massivo”, afirma Lapointe. “É difícil dizer se os autores
contemporâneos superaram ou não escritores clássicos como Chandler,
Hammett, Mcdonald, Crumley, etc. Mas o que está claro é que a qualidade
sempre esteve presente no gênero para quem verdadeiramente prestou
atenção”.
Paco Camarasa, curador da BCNegra: "O romance 'noir' setronou mais global, mas também mais local"
Paco Camarasa, de quem o fechamento de sua livraria barcelonesa, Negra y
Criminal, não irá retirar seu título tão informal como vitalício de livreiro porantonomásia do gênero noir, acredita que este progrediu à medida que a
realidade evoluiu, incorporando temas que antes não existiam. “O Alzheimer,
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por exemplo, há 10 ou 12 anos não se sabia bem o que era e agora já existem
5 romances nos quais essa doença é um elemento fundamental”, afirma
Camarasa. “Hoje temos romances que se passam desde a Lapônia e o
mundo sami, de Olivier Truc, a países subsaarianos e as profundas florestas
do Canadá”.
Camarasa é curador da BCNegra, o grande encontro do gênero que ocorre
por esses dias na cidade de Vázquez Montalbán e que ao lado da Semana
Noir de Gijón abriu o caminho a uma dúzia de festivais noir que se espalham
pela Espanha (e o Facebook), como antes se espalharam pelas cidades da
França. Uma grande mudança no panorama, na opinião de Camarasa: “O
novo romance noir-policial se tornou mais global, mas também mais local”.
O noir pode se utilizar de elementos irreais como os de Connolly e Beukes e
rolar na poeira até senti-la na garganta como o já citado e imbatível
Galveston (Salamandra). Tudo está aberto.
Élmer Mendoza, autor: "É um gênero que cresce na arteda possibilidade. E amplia fronteiras ao ritmo dosdelinquentes"
Mas o que conseguiu, sobretudo, foi desenhar um novo mapa do mundo no
qual sem a Wikipedia, sem lições de geografia e política, sem jornais à
disposição, a pessoa pode se inteirar da truculência a qual são expostas as
mexicanas que viajam aos Estados Unidos através de uma fronteira sinistra
(Yuri Herrera); da penúria na qual sobrevivem estaticamente os gregos
(Petros Markaris); da crueldade da Operação Condor, que fulminou milhares
de jovens esquerdistas no Cone Sul pelas mãos do terrorismo de Estado
(Santiago Roncagliolo); as negociatas e corrupção da Sicília (AndreaCamilleri); da grosseira destreza dos funcionários chineses corruptos (Qiu
Xiaolong); da perfídia vital do modelo de família numerosa com altas doses
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de alcoolismo, abuso e precariedade na Irlanda (Tana French, Benjamin
Black); das falhas do aparentemente perfeito Estado de bem-estar social dos
países nórdicos (Henning Mankell, Stieg Larsson); do submundo de Los
Angeles (Michael Connolly); e da ríspida hostilidade do clima e da natureza
da Islândia(Arnaldur Indridason). Pudemos apalpar, cheirar, imaginar,
recriar e sentir desertos, povoados devastados pelo abandono e cidadesdesumanizadas, como antes nos sujou o barro dos caminhos de Devon e
saboreamos o chá inglês com Agatha Christie e alucinamos com as drogas
de Conan Doyle.
“Ele se tornou mais sociológico e cultura e por isso é mais atrativo aos
leitores de todo o mundo”, afirma o chinês Qiu Xiaolong (Tusquets). “Osromancistas noir se transformaram em romancistas nacionais. Os autores
cruzam fronteiras ao não cruzá-las, mantendo-se fiéis às preocupações de
seus países”, diz o peruano Santiago Roncagliolo (Alfaguara). “Estamos na
era pós-moderna, no sentido de que foi eliminada a hierarquia entre cultura
popular e alta cultura”, afirma o francês Bernard Minier (Salamandra). “O
romance noir se transformou em um gênero social”, diz o polonês Zygmunt
Miloszewski (Alfaguara).
O mexicano Élmer Mendoza explica dessa forma a evolução do gênero: “Ele
se desenvolve à medida que os delinquentes aperfeiçoam seus métodos. Os
crimes resolvidos por Marlowe nada têm a ver com os de Filiberto García de
El Complot Mongol [Rafael Bernal] e os resolvidos por Bevilacqua e
Chamorro [Lorenzo Silva]. Os temas aumentaram, do crime estilo tragédiagrega ao narcotráfico, a corrupção e a espionagem industrial”. A qualidade,
afirma, também evoluiu, mas com um requisito imprescindível: “Os modelos
de qualidade são estabelecidos pelos escritores que não têm pressa.
Decidem um estilo e o conseguem”.
Claudia Piñeiro: "O gênero é eterno e se reinventa. Já nãoimporta quem matou e por que, o que vale é um estado decoisas"
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A qualidade nem sempre é acompanhada pela quantidade que hoje chega às
livrarias, como lembra Camarasa: “Existe mais qualidade, mas com uma
quantidade maior também existe mais mediocridade”.
A eclosão, entretanto, é realidade, e tem uma causa maior apontada pela
editora Anik Lapointe: “É um gênero extremamente manejável, dotado ao
mesmo tempo de bases estruturais muito definidas e uma grande
flexibilidade. É capaz de absorver e incorporar elementos de diversos
gêneros sem perder sua identidade”. E essa característica de esponja,
afirma, o enriquece sem que perca seu caráter.
O gênero, portanto, dá jogo. E campeonato mundial.
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