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TABAGISMO: RELEVÂNCIA DA
TEMÁTICA NA EDUCAÇÃO
ISSN 1982 - 0283
Ano XXI Boletim 06 - Maio 2011
Sumário
Tabagismo: relevância da TemáTica na educação
Apresentação da série ................................................................................................. 3
Rosa Helena Mendonça
introdução ......................... ...................................................................................... 4
Cristina de Abreu Perez e Felipe Lacerda Mendes
Texto 1: Tabagismo: um problema globalizado ......................... ................................. 16
Cristina de Abreu Perez
Texto 2: Tabagismo entre adolescentes
Tabagismo como problema de saúde pública no mundo e no Brasil......................... . 24
Andréa Reis Cardoso
Texto 3: Fumicultura: impactos ambientais e na saúde ......................... .................... 32
Felipe Lacerda Mendes
3
Tabagismo: relevância da TemáTica na educação APrESENTAÇÃo DA SÉriE
Um tema complexo, necessário, urgente,
que tem reflexos na saúde, na economia, na
educação. Um produto que já foi símbolo
de emancipação, glamour e juventude. Que
passou por muitas bocas e rodou de mão
em mão nos mais diversos espaços. Ele já foi
associado a situações significativas da vida:
a momentos alegres, como festas e encon-
tros, e também a momentos tristes ou ten-
sos, como despedidas. Estamos falando do
cigarro e dos fumantes, mas na verdade es-
tamos abordando todo o universo que vai da
indústria do tabaco à fumicultura, da pro-
paganda à comercialização, passando pelos
muitos elos dessa cadeia. Mas estamos fa-
lando, sobretudo, de iniciativas e de políti-
cas que pretendem interferir de maneira in-
cisiva nessa questão do controle do tabaco
na sociedade.
Temática de grande alcance social, o en-
frentamento à indústria do tabaco envolve
profissionais de diferentes setores. No caso
dos educadores, a relevância se deve primor-
dialmente ao fato de que é na infância e na
adolescência que os primeiros cigarros são
experimentados. Assim, o espaço escolar se
apresenta como privilegiado no sentido de
informar e promover discussões que pos-
sam a um só tempo evitar a adesão de novos
consumidores e auxilar os já fumantes a pa-
rarem de fumar.
A série Tabagismo: relevância da temática
na educação, que a TV Escola apresenta por
meio do programa Salto para o Futuro, pre-
tende ser uma contribuição no sentido de
estimular a prevenção, compartilhando com
professores e professoras de todo o país in-
formações e ações no âmbito do Programa
Nacional de Controle do Tabagismo. A série,
que conta com a consultoria de Cristina Pe-
rez e Felipe Mendes (INCA – MS), aborda es-
tes temas, entre outros: o tabagismo como
um problema de saúde pública globalizado;
a disseminação do fumo entre os jovens; e
as questões ambientais e de saúde decorren-
tes da fumicultura e da indústria do cigarro.
Os textos relativos a esta série e os progra-
mas televisivos se apoiam em pesquisas e
experiências sobre a temática e poderão cer-
tamente sensibilizar professores, gestores e
comunidade escolar em geral no sentido de
se alinharem a essas iniciativas.
Rosa Helena Mendonça1
1 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC).
4
A proposta da série Tabagismo: relevância
da temática na educação visa possibilitar o
debate de um assunto polêmico, sem ques-
tionar posições individuais, com base em
dados e fatos científicos que muitas vezes
são desconhecidos, o que, infelizmente, leva
a decisões equivocadas ou desavisadas de
crianças e jovens que acreditam estar no ca-
minho certo.
A possibilidade do diálogo, principalmente
no ambiente educacional, proporciona esco-
lhas mais equilibradas e saudáveis. Quando
falamos de tabagismo, estamos numa seara
onde a manipulação dos fatos e o discurso
falacioso reinam há muitas décadas, tanto
nas propagandas que existiam na televisão
até o ano 2000, quanto indiretamente, como
ocorre atualmente nos locais de grande fre-
quência de jovens.
Essa abordagem negativa é exercida pelos
fabricantes dos produtos de tabaco, como
os cigarros, com o objetivo claro de captar
novos consumidores para seus produtos que
matam um em cada dois usuários regulares3!
CoNSiDErAÇõES gErAiS
O Brasil, historicamente, tem desenvolvido
um importante programa de controle do
tabaco e alcançado grandes avanços nesta
área, conforme demonstra o gráfico a se-
guir, que o coloca na vanguarda das ações
necessárias para se contrapor a essa pode-
rosa indústria.
Tabagismo: relevância da TemáTica na educação
iNTroDuÇÃo
Cristina de Abreu Perez1
Felipe Lacerda Mendes 2
1 Psicóloga. Técnica da Secretaria Executiva da Comissão Nacional de Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco / INCA- Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde. Consultora da série.
2 Advogado. Técnico da Secretaria Executiva da Comissão Nacional de Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco / INCA - Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde. Consultor da série.
3 Esson, Katharine M. The Millennium development goals and tobacco control: an opportunity for global. Page xi. World Health Organization 2004. http://www.who.int/tobacco/publications/mdg_final_for_web.pdf
5
gráFiCo
22,4
18.2
34.8
0
5
10
15
20
25
30
35
40
86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08
Ano
Prev
alên
cia
(%)
Legenda
1 Início das campanhas anuais de conscien-tização da população
2 Introdução de novas advertências sanitá-rias nas embalagens
3 Restrições na propaganda de produtos de tabaco
4 Proibição da venda de produtos de tabaco a menores de 18 anos
5 Proibição do tabagismo em recintos coleti-vos, exceto em fumódromos
6 Criação de uma comissão interministe-rial de controle do tabagismo
7 Proibição do uso de termos light, baixos teores e similares nas embalagens de pro-dutos de tabaco
8 Inclusão do telefone do serviço Disque Pare de Fumar nas embalagens
9 Inclusão do tratamento do tabagismo no Sistema Único de Saúde
10 Ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco no Congresso Nacio-nal
Fonte:
MS/Fiocruz, 2003. Pesquisa Mundial da Saúde MS/IBGE, 1989. Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição.
6
Essas estratégias envolvem não só esforços
de profissionais de saúde, mas também de
outros grupos sociais como educadores, le-
gisladores, advogados, economistas, profis-
sionais de comunicação social, governantes
e gestores.
A adoção dessas medidas contribuiu para
que a prevalência do tabagismo em nosso
país caísse de 33% em 1989 (havia cerca de
30 milhões de fumantes maiores de 15 anos,
sendo 40,3% homens e 26,2% mulheres)
para 17,2% em 2008, ou seja, 25 milhões de
fumantes (21,6% entre os homens e 13,1%
entre as mulheres), quando foi realizada
pela primeira vez a Pesquisa Especial sobre
Tabagismo dentro da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do IBGE.
Nosso país, desde 2003, é signatário da Con-
venção-Quadro para o Controle do Tabaco
(CQCT) – primeiro tratado internacional de
saúde pública da Organização Mundial da
Saúde que determina a adoção de medidas
para controlar a epidemia do tabagismo.
Com isso, a implementação nacional desse
tratado ganhou o status de uma política de
Estado, e o Programa Nacional de Contro-
le do Tabagismo, até então articulado pelo
Ministério da Saúde, passou a ter um cará-
ter multissetorial, norteado pelos objetivos,
princípios, obrigações e medidas na CQCT.
Entretanto, muito ainda precisa ser feito,
pois infelizmente as companhias transna-
cionais de tabaco estão sempre buscando es-
tratégias para diminuir o impacto das ações
de controle do tabaco e ampliar a quantida-
de de consumidores dos seus produtos.
A iNFLuêNCiA DA PromoÇÃo
DoS ProDuToS Do
TABACo ENTrE CriANÇAS E
ADoLESCENTES
Essa é uma das questões que merece aten-
ção. As pessoas começam a fumar prin-
cipalmente influenciadas pelas ações de
publicidade e promoção do cigarro, que
associam o fumo com um estilo de vida
aventureiro, a falsa imagem de que fumar
está ligado ao bom desempenho sexual e
esportivo, ao sucesso, à beleza, à indepen-
dência e à liberdade, com o intuito de fazer
com que o público identifique de alguma
forma, ainda que intangível e inconsciente,
o alinhamento de seu ideal de autoimagem
a essas situações.
Nesse processo, as ações de promoção tam-
bém buscam explorar a curiosidade própria
de crianças e adolescentes e incentivá-los
a experimentar seus produtos. Atualmente,
existe um bilhão de jovens no mundo, sendo
que 85% deles vivem em países em desenvol-
vimento. Segundo dados do Banco Mundial,
dos cerca de 100 mil jovens que começam a
fumar todos os dias, 80% vivem em países
em desenvolvimento.
7
Documentos internos de grandes compa-
nhias de tabaco abertos ao público, devido a
ações judiciais nos Estados Unidos, compro-
vam essas afirmativas. Em um desses docu-
mentos, uma grande companhia de cigarros
manifesta seu entendimento de que captar
os jovens para o consumo é essencial para a
sobrevivência econômica do negócio4.
Eles representam o negócio de cigarros
do amanhã. À medida que o grupo etário
de 14 a 24 anos amadurece, ele se tor-
nará a parte chave do volume total de
cigarros, no mínimo pelos próximos 25
anos (J. W. Hind, R. J. Reynolds Tobac-
co, internal memorandum, January 23,
1975).
Atingir o jovem pode ser mais eficiente,
mesmo que o custo para atingi-los seja
maior, porque eles estão desejando expe-
rimentar, eles têm mais influência sobre
os outros da sua idade do que eles terão
mais tarde, e porque eles são muito mais
leais a sua primeira marca (Escrito por
um executivo da Philip Morris em 1957).
Esses documentos também mostram nitida-
mente que, com o intuito de melhor conhe-
cer a percepção e as necessidades dos jovens
consumidores, a indústria realiza pesquisas
buscando conhecer os diferentes tipos de
família às quais pertencem, a classe social
dos que não fumam, os seus símbolos de in-
dependência e liberdade, sua necessidade de
afirmação. Além de procurar conhecer a cre-
dibilidade dos diferentes profissionais frente
ao público jovem, visando associar sua ima-
gem ao consumo de tabaco para que sirvam
de modelo de comportamento de fumar:
É importante saber tanto quanto possí-
vel sobre os padrões de tabagismo dos
adolescentes. Os adolescentes de hoje
são os potenciais consumidores regula-
res de amanhã, e a grande maioria dos
fumantes começa a fumar na sua ado-
lescência... Devido ao grande espaço que
ocupa no mercado entre os fumantes
mais jovens, a Philip Morris sofrerá mais
do que qualquer outra companhia com
o declínio do número de adolescentes
fumantes (Memorando enviado por um
pesquisador da Philip Morris, Myron E.
Johnston, para Robert B. Seligman, vice-
presidente de pesquisa e desenvolvimen-
to da Philip Morris, 1981).
(…) um cigarro para o iniciante é um ato
simbólico. Eu não sou mais a criança
da minha mãe, eu sou forte, eu sou um
aventureiro, eu não sou quadrado... Na
medida em que a força do simbolismo
psicológico diminui, o efeito farmacoló-
gico assume o papel de manter o hábito
(Rascunho de relatório do Quadro de Di-
retores da Phillip Morris, 1969).
4 http://www.ash.org.uk/html/conduct/pdfs/bat2005.pdf
8
Os fabricantes de tabaco têm amplo co-
nhecimento de que raramente alguém ex-
perimenta seu primeiro cigarro depois da
infância e adolescência. Diferentes compa-
nhias de tabaco têm manifestado seu enten-
dimento sobre a importância do marketing
para os jovens como uma estratégia de so-
brevivência no mercado.
Se a companhia quiser sobreviver e pros-
perar no longo prazo devemos conseguir
uma fatia de mercado jovem... Assim nós
precisamos elaborar novas marcas que
sejam particularmente atraentes para
o jovem fumante, e ao mesmo tempo
agradem todos os fumantes... Talvez es-
sas questões possam ser melhor aborda-
das considerando os fatores que influen-
ciam os pré-fumantes a experimentarem
um cigarro, aprender a fumar, e se tor-
nar fumantes definitivos (R. J. Reynolds,
1973).
A adolescência é caracterizada por transfor-
mações biológicas e psicossociais que tor-
nam essa fase do ciclo de vida um momen-
to de especial suscetibilidade a estímulos
externos, principalmente para aqueles que
não contam com um sólido suporte social
da família. É nesse período que o indivíduo
busca formar sua futura identidade enquan-
to adulto, a partir de seus sonhos e aspira-
ções de ideais de autoimagem.
Assim, sofisticadas propagandas transfor-
mam as marcas de cigarros em um passa-
porte para o mundo adulto. Diferentes mar-
cas são construídas e associadas a imagens
e ideias para atingir os jovens que gostariam
de se ver como adultos arrojados ou como
intelectuais ou, quem sabe, como esportis-
tas radicais ou artistas ousados e criativos.
Há também marcas para os que se identifi-
cam com o mundo rural ou com o mundo
zen, ou mesmo para os que querem se sentir
“cidadãos do mundo”.
IMAGEM 1
9
EmBALAgENS DoS ProDuToS DE
TABACo Como ESTrATÉgiA PArA
CAPTAr NovoS FumANTES E
mANTEr CoNSumiDorES
Há mais de um século, companhias de taba-
co desenvolvem sofisticadas estratégias de
marketing para as embalagens de seus pro-
dutos, com o objetivo de reforçar a iniciação
do tabagismo entre jovens e a manutenção
da dependência e do consumo entre os usu-
ários regulares. Essa estratégia tem se torna-
do cada vez mais utilizada, principalmente
devido à tendência mundial de banir a pro-
paganda dos produtos de tabaco.
Os documentos internos de companhias de
tabaco abertos ao público por ações judiciais
também demonstram o quanto o design das
embalagens é essencial para a expansão do
consumo.
A percepção dos consumidores é basea-
da no design da embalagem, nos pontos
de vendas e nos padrões de uso (...).
A construção da marca do cigarro está
no maço – o ‘crachá’ que as pessoas
mostram... Fora das embalagens os ci-
garros são virtualmente indistinguíveis…
Cores e desenhos devem ser levados para
o próprio cigarro – uma extensão visível
da personalidade da marca (e do consu-
midor) (...) (Phillip Morris, 1989).
Nosso veículo final de comunicação com
nosso fumante é o maço propriamente
dito. Na falta do qualquer outra mensa-
gem de marketing, nossa embalagem… é
a única forma de comunicação da essên-
cia de nossa marca. De qualquer forma –
quando você não tem nada mais – nossa
embalagem é nosso marketing (...) (The
Philippine tobacco industry).
Ao contrário de outros produtos onde a em-
balagem é descartada depois de aberta, os
fumantes geralmente mantêm o maço até
consumir todos os cigarros. Ou seja, os ma-
ços ficam 24 horas por dia com os fumantes,
que os levam para todos os lugares, deixan-
do-os constantemente expostos. Por isso, as
embalagens funcionam como uma forma de
propaganda, permitindo um alto grau de vi-
sibilidade social do produto. Daí o reconhe-
cimento dos maços de cigarros como produ-
to “crachá”, “emblema” ou “símbolo”5.
Desde a restrição da promoção e da publici-
dade de produtos do tabaco, a indústria do
tabaco passou a buscar brechas legais que
permitissem manter e diversificar as estra-
5 Wakefield, M.; Morley, C.; Horan J. K.; Cummings, K.M. The cigarette pack as image: new evidence from tobacco industry documents. Tob Control, 2002, Mar. 11 (Suppl. 1): S73-80. Lewis, M. J.; Wackowski, O. Dealing with an innovative industry: a look at flavored cigarettes promoted by mainstream brands. Am J. Public Health. 2006, Feb., 96 (2): 244-51.
10
tégias de promoção dos seus produtos, tal é
a importância da propaganda na expansão
do consumo de produtos de tabaco, espe-
cialmente de cigarros.
Alguns exemplos das estratégias da indús-
tria do fumo são: a utilização do chamado
patrocínio institucional, em que o nome e
a logomarca do fabricante são utilizados
na promoção de eventos, shows e ativida-
des culturais; a colocação da publicidade
em pontos de maior visibilidade, como su-
permercados e padarias; a diversificação da
propaganda no próprio ponto de venda; sua
proximidade com produtos para crianças,
como doces e balas, etc.
IMAGEM 2
É importante observar o destaque dado aos
investimentos nas embalagens dos produ-
tos derivados do tabaco, que se tornaram
ainda mais atraentes, ostentando formas
coloridas, referências a esportes, moda, mú-
sica. Para enfrentar esta estratégia, o Brasil
vem investindo em imagens de advertência
sanitária nas embalagens, as quais buscam
informar a população sobre a realidade e
a dimensão dos riscos do tabagismo e, ao
mesmo tempo, gerar entre os consumidores
dos produtos de tabaco uma reação de rejei-
ção aos produtos.
11
IMAGENS 3 E 4
Outra ação da indústria é a venda comparti-
lhada, ou seja, a venda de maços de cigarros
casada com outros produtos, principalmen-
te os que despertam interesse nos jovens,
como relógios, bolsas de viagens, CDs de
música, estojos de maquiagem e cinzeiros.
IMAGEM 5
12
A venda compartilhada de cigarros e pro-
dutos que agradam os jovens mobiliza o
interesse e, consequentemente, leva ao au-
mento da experimentação e da iniciação ao
tabagismo. Soma-se a isso o fato de que a
rede varejista não tem como prática solici-
tar aos seus consumidores uma comprova-
ção da maioridade civil no ato da compra,
razão pela qual certamente os maços de ci-
garros são plenamente acessíveis aos meno-
res de 18 anos.
Nesse sentido, a legislação brasileira preci-
sa avançar, tornando mais rígidas as regras
de restrição da publicidade, podendo chegar
até mesmo à proibição total da promoção e
da comercialização dos produtos de tabaco.
O apoio dos educadores também é funda-
mental. É preciso que o tema tabagismo seja
trabalhado desde a infância e inserido trans-
versalmente no currículo escolar sob seus
diferentes ângulos (saúde, ecologia, cidada-
nia, histórico, econômico). Outro enfoque é
estimular nas crianças e adolescentes uma
consciência crítica em relação às manipula-
ções publicitárias que promovem estilos de
vida nocivos, entre eles o tabagismo.
ouTroS DESAFioS imPorTANTES
Hoje uma das prioridades da saúde pública
é aprimorar a legislação federal para prote-
ger integralmente a sociedade dos riscos do
tabagismo passivo. O Brasil precisa aperfei-
çoar a Lei Federal n. 9.294/96, hoje em vigor,
pois esta se encontra defasada quanto às
recomendações da OMS e às diretrizes da
Convenção-Quadro para o Controle do Taba-
co (artigo 8º do tratado).
Para tal, contamos com o Projeto de Lei nº
315/08, de autoria do senador Tião Vianna,
que concerne à efetiva proteção tanto dos
fumantes quanto dos não fumantes expos-
tos à fumaça dos produtos de tabaco. O PLS
n. 315/08 foi aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça em 10 de março deste
ano e, desde então, se encontra na Comissão
de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal.
Os baixos preços e impostos dos produtos
derivados do tabaco também devem ser en-
frentados. O preço do cigarro brasileiro ainda
é muito baixo em comparação com outros
países, o que facilita o acesso de jovens e das
classes economicamente desfavorecidas.
A partir de dezembro de 2003 ocorreram su-
cessivos aumentos do Imposto sobre Produ-
tos Industrializados (IPI) de cigarros. No mais
recente, em março de 2009, o Governo bra-
sileiro promoveu um aumento da ordem de
49% dos impostos federais aplicados aos ci-
garros importados ou de fabricação nacional.
Apesar do cenário de tributação forte apli-
cada aos cigarros no Brasil, o Governo bra-
sileiro precisa continuar promovendo uma
política de incremento sistemático da tribu-
tação aplicada a estes produtos, pois esta é
uma medida comprovadamente efetiva para
13
redução de consumo principalmente entre
os jovens, em consonância com os objetivos
de Saúde Pública trazidos pela Convenção-
Quadro para Controle do Tabaco.
Embora o Brasil tenha reduzido o consumo
de tabaco, nosso país ainda é o maior expor-
tador de fumo do mundo e o segundo maior
produtor de tabaco, e isso implica uma res-
ponsabilidade de buscar alternativas eco-
nomicamente viáveis ao plantio do fumo.
Atualmente o Brasil tem 200.000 famílias
fumicultoras que estão em vulnerabilidade
social, econômica e também sanitária, pois
a produção do tabaco traz sérios prejuízos
aos produtores de fumo, como a doença da
folha do tabaco (envenenamento agudo por
nicotina – pele), intoxicação por pesticidas
e agrotóxicos, problemas respiratórios e ou-
tros agravos à saúde.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário
coordena o Programa de Diversificação em
Áreas Cultivadas com Tabaco, em implemen-
tação desde novembro de 2006, que tem por
objetivo proteger as gerações presentes e
futuras das devastadoras consequências sa-
nitárias, sociais, ambientais e econômicas
geradas pelo consumo e pela exposição à
fumaça do tabaco. A implantação do progra-
ma necessita ser fortalecida e sua cobertura
ampliada, oferecendo assistência técnica e
financeira para auxiliar a transição econô-
mica dos fumicultores e trabalhadores cujos
meios de vida hoje dependam da produção
do fumo.
A proposta da série Tabagismo: relevância da
temática na educação está baseada nas se-
guintes abordagens:
• A contextualização do tabagismo como
um problema globalizado, tendo em vista
que vários países encontram as mesmas
dificuldades que o Brasil. Por isto o tema
do próximo Congresso Mundial Tabaco ou
Saúde (The 15th World Conference on To-
bacco or Health - WCTOH) é “Rumo a um
mundo livre de tabaco: Planejando glo-
balmente, agindo localmente”, unindo es-
forços mundiais, porém atuando em cada
país de forma única, levando em conside-
ração suas especificidades. O tema taba-
gismo também pode ser considerado um
problema multissetorial, pois envolve não
só a área da saúde, mas também econo-
mia, legislação, educação, comunicação,
entre outras;
• A educação na construção de espaços que
estimulem a discussão e a visão crítica
dos jovens, por meio do conhecimento, e
o papel dos professores e dos jovens neste
panorama, evitando que novos consumi-
dores sejam capturados e promovendo a
cessação de fumar entre os já fumantes;
• O cenário nacional da produção de taba-
co, ainda desconhecido, que apesar de
enaltecido como fonte de riqueza para o
país, esconde uma dura realidade de do-
enças, condições de trabalho degradan-
tes, dependência econômica e pobreza.
14
TExToS DA SÉriE Tabagismo: relevância da TemáTica na educação6
A série tem como objetivos fomentar ações educativas e promover debates qualificados que
contribuam para que a sociedade – e em particular os profissionais de educação – tenham
acesso às informações relativas à garantia de direitos de saúde da sociedade brasileira, princi-
palmente no que se refere aos jovens. Tendo em vista que desde 2003 o Brasil é signatário da
Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) – tratado internacional de saúde pública
que determina a adoção de medidas para controlar a epidemia do tabagismo, pretende-se,
nesta série, discutir a temática do tabaco de forma ampla, abordando as questões individuais,
sanitárias, sociais, econômicas, ambientais, institucionais e populacionais e o papel da escola
no enfrentamento dessas problemáticas.
TEXTO 1: TABAGISMO: UM PROBLEMA GLOBALIzADO
Este primeiro texto apresenta um panorama do problema tabagismo, com dados relativos ao
impacto do uso do tabaco sobre a saúde de quem fuma e de quem convive com o fumante e
também sobre a economia, abordando o quanto custa para o governo o tratamento das doen-
ças. O programa discutirá questões relacionadas à dependência da nicotina, a razão pela qual
o tabagismo é reconhecido como doença pediátrica pela Organização Mundial da Saúde e as
estratégias utilizadas pela indústria do tabaco para conquistar novos consumidores no Brasil e
no mundo. O texto aborda também o primeiro tratado internacional de saúde – a Convenção-
Quadro para o Controle do Tabaco – e como essa obrigação legal exige que o Brasil avance com
sua política de controle do tabagismo.
TExTo 2: TABAgiSmo ENTrE ADoLESCENTES
O segundo texto apresenta dados que mostram ‘como’ e ‘porque’ os jovens são um impor-
tante alvo da indústria do tabaco, que procura formas cada vez mais sofisticadas para captar
adolescentes, cada vez mais cedo. Destaca as estratégias da propaganda ainda existente nos
pontos de venda, que utiliza simbolismos próprios da fase da adolescência para motivar os
jovens a experimentar e a usar o cigarro como um passaporte para o mundo adulto. Comenta
a introdução das marcas aromatizadas com sabores adocicados em embalagens cada vez mais
6 Estes textos são complementares à série Tabagismo: relevância da temática na Educação, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola de 23/05/2011 a 27/05/2011.
15
sofisticadas e bonitas, visando aumentar a atratividade para os jovens, melhorar o sabor ruim
do cigarro, transmitir sensações agradáveis e a ideia de sabores diferenciados, facilitando,
dessa forma, a experimentação e o caminho da dependência para o consumo regular. Outro
ponto abordado neste texto é como o aumento de impostos e, consequentemente, o aumento
dos preços dos cigarros pode ser uma das medidas mais efetivas para reduzir o consumo do
tabaco. Estima-se que o adolescente é três vezes mais sensível ao preço que os adultos na com-
pra dos produtos de tabaco. Isso se deve ao fato de os adolescentes terem níveis menores de
dependência da nicotina, tendo em vista que eles usam tabaco há menos tempo, e ao fato de
que eles têm menor poder aquisitivo.
TExTo 3: FumiCuLTurA: imPACToS AmBiENTAiS E NA SAúDE
O terceiro texto apresenta um panorama da produção de tabaco no Brasil, incluindo seus as-
pectos econômicos (dependência financeira dos produtores, contratos abusivos), sociais (tra-
balho infantil, más condições de trabalho) e sanitárias (doenças e mortes na lavoura do fumo).
Este texto também aborda os futuros impactos da produção em consequência da diminuição
global do consumo e os esforços governamentais para oferecer alternativas economicamente
viáveis e saudáveis para os fumicultores.
Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais para as entrevistas e debates do PGM 4: Outros olhares
sobre Tabagismo e educação e do PGM 5: Tabagismo e educação em debate.
16
TExTo 1
Tabagismo: um problema globalizado Cristina de Abreu Perez1
TABAgiSmo Como ProBLEmA DE
SAúDE PúBLiCA
O tabagismo é o mais importante fator de ris-
co isolado para várias doenças, muitas delas
graves e fatais como o câncer, doenças car-
diovasculares e o enfisema. É reconhecido
como uma doença crônica e, por isso, está
inserido na CID-10 (Classificação Internacio-
nal de Doenças) da Organização Mundial da
Saúde (OMS) como dependência da nicotina.
Morrem no mundo cerca de cinco milhões
de pessoas por ano devido ao tabagismo,
sendo 200 mil no Brasil. Segundo estimativas
da OMS, só no século XX a epidemia de taba-
co matou cerca de 100 milhões de pessoas e,
caso as atuais tendências de consumo sejam
mantidas, no século XXI poderá matar cerca
de 1 bilhão de pessoas. A OMS também esti-
ma que, a partir de 2020, de cada 10 mortes
atribuídas ao tabaco, sete ocorrerão nos paí-
ses em desenvolvimento, onde hoje já se con-
centram 80% do consumo mundial de pro-
dutos de tabaco, principalmente de cigarros.
Atualmente existem cerca de 1,3 bilhões de
tabagistas no mundo, sendo que 80% deles
vivem em países pobres2. Trata-se de um
consumo fortemente induzido e estimula-
do por grandes companhias transnacionais
de fumo que atuam de forma globalizada,
buscando garantir a continuidade do ne-
gócio em qualquer parte do planeta3. Essas
companhias têm conquistado novos merca-
dos, principalmente onde existem amplas
vulnerabilidades coletivas, traduzidas por
insuficiência de conhecimento da popula-
ção sobre a realidade dos riscos do tabagis-
mo e pela existência de representações so-
ciais positivas relativas ao consumo de seus
produtos. As vulnerabilidades coletivas se
tornam ainda maiores, quando a elas se as-
sociam as vulnerabilidades políticas habil-
mente construídas pelas companhias pro-
dutoras de fumo em vários países, visando
criar um clima de “boa vontade política” e
assim bloquear ações de saúde pública que
visam reduzir o tabagismo e suas conse-
quências.
1 Psicóloga. Técnica da Secretaria Executiva da Comissão Nacional de Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco / INCA - Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde. Consultora da série.
2 World Health Organization 2008 – WHO Report on the Global Tobacco Epidemic – The MPOWER Package p. 21. http://www.who.int/tobacco/mpower/mpower_report_full_2008.pdf
3 Derek Yach, Douglas Bettcher. Globalisation of tobacco industry influence and new global responses Tob Control 2000;9: 206-216. http://tobaccocontrol.bmj.com/cgi/content/abstract/9/2/206
17
Essa perspectiva da epidemia do tabagismo
se tornou clara quando, em meados da dé-
cada de 90, ações judiciais movidas por 46
estados dos Estados Unidos contra compa-
nhias de tabaco atuantes em seu mercado
confiscaram e tornaram públicos milhões de
páginas de documentos confidenciais dessas
companhias. Esses documentos expuseram
práticas desleais e fraudulentas para promo-
ver a iniciação de crianças e adolescentes no
tabagismo, manipular informações relevan-
tes para a saúde pública e, sobretudo, para
influenciar governantes, políticos e regula-
dores no sentido de impedir a adoção de me-
didas para redução do tabagismo4,5.
A análise e a divulgação do conteúdo desses
documentos contribuíram para fortalecer o
entendimento de que a indústria do tabaco
e suas práticas representam um fator causal
da expansão global da epidemia do tabagis-
mo e das cerca de 5 milhões de mortes pro-
vocadas por tabaco relacionadas no mundo
(World Health Organization, 2002)6,7,8 e das
cerca de 5 milhões de mortes provocadas
por tabaco relacionadas no mundo (World
Health Organization, 2002)9,10,11.
A divulgação pela OMS de relatórios sobre
esses documentos levou a 54a Assembleia
Mundial de Saúde (AMS) a publicar em 2001
uma resolução sobre “Transparência para o
4 Office of the Attorney General . Master Settlement Agreement - http://ag.ca.gov/tobacco/msa.php
5 British American Tobacco Master settlement 1998 -
http://www.bat.com/group/sites/uk__3mnfen.nsf/vwPagesWebLive/DO725LRG?opendocument&SKN=&
6 Lista de relatórios e publicações baseadas nos documentos da indústria do tabaco - Tobacco Documents Research: - A Bibliography - http://tobacco.health.usyd.edu.au/site/gateway/docs/Hirschhorn_List_A&B.htm
- Campaign for Tobacco-Free Kids (USA) Action on Smoking and Health (UK) May 2001 TRUST US: WE’RE THE TOBACCO INDUSTRY http://www.ash.org.uk/html/conduct/html/trustus.html#_Toc514752786
- Pan American Health Organization, Regional Office of the World Health Organization, 2002, Bialous SA, Shatenstein S. Profits over people: tobacco industry activities to market cigarettes and undermine Public Health in Latin America and the Caribbean. Washington http://www.paho.org/English/HPP/HPM/TOH/profits_over
- Derek Yach, Douglas Bettcher. Globalisation of tobacco industry influence and new global responses. Tob Control 2000; 9:206-216 - http://tobaccocontrol.bmj.com/cgi/content/abstract/9/2/206
7 Pan American Health Organization, Regional Office of the World Health Organization, 2002, Bialous SA, Shatenstein S. Profits over people: tobacco industry activities to market cigarettes and undermine Public Health in Latin America and the Caribbean. Washington- http://www.paho.org/English/DD/PUB/profits_over_people.pdf
8 World Health Organization 2008. Tobacco industry interference with tobacco control.
http://tobacco.georgetown.edu/tobprac/doc/TobaccoIndustryInterferencewithTobaccoControl.pdf
9 Lista de relatórios e publicações baseadas nos documentos da indústria do tabaco - Tobacco Documents Research: - A Bibliography - http://tobacco.health.usyd.edu.au/site/gateway/docs/Hirschhorn_List_A&B.htm
- Campaign for Tobacco-Free Kids (USA) Action on Smoking and Health (UK) May 2001 TRUST US: WE’RE THE TOBACCO INDUSTRY http://www.ash.org.uk/html/conduct/html/trustus.html#_Toc514752786
10 - Pan American Health Organization, Regional Office of the World Health Organization, 2002, Bialous SA, Shatenstein S. Profits over people: tobacco industry activities to market cigarettes and undermine Public Health in Latin America and the Caribbean. Washington http://www.paho.org/English/HPP/HPM/TOH/profits_over
11 - Derek Yach, Douglas Bettcher. Globalisation of tobacco industry influence and new global responses Tob Control 2000; 9:206-216 - http://tobaccocontrol.bmj.com/cgi/content/abstract/9/2/206
18
Controle do Tabaco” (Resolução n.18/2001),
na qual solicitava a seus Estados Membros
que se mantivessem alertas quanto a afilia-
ções entre a indústria do tabaco e os mem-
bros de suas delegações e orientava a OMS
e seus Estados Membros a monitorar qual-
quer esforço da indústria do tabaco para mi-
nar os esforços para o controle do tabagis-
mo (World Health Assembly, 2001).
Esse reconhecimento é também traduzido
na seguinte declaração da OMS no Relatório
“A Epidemia Global de Tabaco”, publicado
em 200812:
Todas as epidemias têm um meio de con-
tágio, um vetor que dissemina doença e
morte. Para a epidemia do tabagismo, o
vetor não é um vírus, uma bactéria ou
outro microrganismo – ele é uma indús-
tria e sua estratégia de negócio (World
Health Organization, 2008).
Esse foi um dos cenários que levou à ne-
gociação e à adoção da Convenção-Quadro
para o Controle do Tabaco (CQCT), o primei-
ro tratado internacional de saúde pública
negociado sob os auspícios da Organização
Mundial de Saúde (OMS) por 192 países.
Em novembro de 2005, a adesão do Brasil a
CQCT foi ratificada pelo Congresso Nacional
e promulgada pelo presidente da República
em janeiro de 2006. Com isso, a implemen-
tação nacional desse tratado ganhou o sta-
tus de uma Política de Estado, e o Progra-
ma Nacional de Controle do Tabagismo, até
então articulado pelo Ministério da Saúde,
passou a ser a Política Nacional de Controle
do Tabaco de caráter multissetorial, nortea-
da pelos objetivos, princípios, obrigações e
medidas da CQCT.
O Brasil tem avançado consideravelmente
no controle do tabaco através de impor-
tantes medidas desenvolvidas desde 1989,
como as campanhas de informação públi-
ca, implementação de leis para proteger os
fumantes e não fumantes da exposição pas-
siva, aumento dos preços dos cigarros, res-
trição à publicidade do tabaco, proibição de
venda a menores, advertências nas emba-
lagens dos produtos de tabaco, as ações de
regulação dos produtos em termos de con-
teúdo e emissões, a proibição do patrocínio
de eventos culturais e esportivos por produ-
tos de tabaco, a proibição dos descritores
de marcas de cigarros tipo light, ultra light,
suave, os programas educativos em escolas,
ambientes de trabalho e unidades de saúde,
dentre outros. Essas estratégias envolvem
não só esforços de profissionais de saúde,
mas também de outros grupos sociais como
educadores, legisladores, advogados, econo-
mistas, profissionais de comunicação social,
governantes, gestores, etc.
12 World Health Organization 2008 – WHO Report on the Global Tobacco Epidemic – The MPOWER Package p. 21 http://www.who.int/tobacco/mpower/mpower_report_full_2008.pdf
19
A adoção dessas medidas contribuiu para que
a prevalência do tabagismo em nosso país
caísse de 33% quando foi realizado o primei-
ro estudo que apresentou dados sobre a pro-
porção de fumantes em 1989, e mostrou que
havia cerca de 30 milhões de fumantes, entre
pessoas de 15 anos ou mais, sendo 40,3% ho-
mens e 26,2% mulheres13, para 17,2% ou seja,
25 milhões de fumantes, sendo 21,6% entre
os homens e 13,1% entre as mulheres em
2008, quando foi realizada pela primeira vez
a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domi-
cílios/PNAD, incluindo
a Pesquisa Especial so-
bre Tabagismo/Petab,
que apontou a preva-
lência de fumantes na
população brasileira
acima de 15 anos14.
O tabagismo está as-
sociado ao desenvol-
vimento e/ou agravo de mais de 50 doenças,
entre elas as doenças cardiovasculares e vá-
rios tipos de câncer, principalmente o cân-
cer de pulmão. O risco atribuível do taba-
gismo como agente etiológico do câncer de
pulmão é superior a 90%. Através da análise
das taxas de mortalidades de doenças como
essas, podemos verificar importantes im-
pactos positivos na saúde como o declínio
da mortalidade por neoplasia de traqueia,
brônquios e pulmão no Brasil em homens de
30 a 69 anos. A redução das taxas de morta-
lidade por câncer entre homens mais jovens
pode ser o resultado das ações nacionais
para a redução da prevalência do tabagismo
no país nas últimas décadas15.
As taxas de mortali-
dade por doença is-
quêmica do coração
também caíram em
todas as faixas etárias
e em ambos os sexos
no Brasil e nas regi-
ões Sudeste e Sul en-
tre 1990 e 2006. Essas
tendências de declínio
nas principais causas
de morte entre as doenças do aparelho cir-
culatório provavelmente refletem mudanças
no comportamento relacionadas ao contro-
le dos principais fatores de risco, como por
exemplo, o tabagismo16.
13 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA, 1989. Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição/ PNSN. Rio de Janeiro, 1989.
14 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA, 2008. Pesquisa Especial de Tabagismo. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro, 2009.
15 Apresentação Dra. Deborah Malta. A Vigilância do Tabagismo no contexto da Vigilância de Doenças Crônicas não transmissíveis. Coordenação de Doenças e Agravos Não Transmissíveis / Departamento de Análise de Situação de Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde / Ministério da Saúde.
16 Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2008: 20 anos de Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação em Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 416 p. : il. – (Série G. Estatística e Informação em Saúde).
O tabagismo está associado ao desenvolvimento e/
ou agravo de mais de 50 doenças, entre elas as
doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer,
principalmente o câncer de
pulmão.
20
CuSToS Do TABAgiSmo
Além dos gastos públicos com ações educa-
tivas e assistenciais para a redução do taba-
gismo, a sociedade brasileira arca com um
enorme ônus decorrente das doenças rela-
cionadas ao tabaco. Só em 2005, o Sistema
Único de Saúde (SUS) gastou cerca de 339
milhões de reais (R$ 338.692.516,00) apenas
com hospitalização para casos de câncer,
doenças cardiovasculares e respiratórias
atribuíveis ao tabagismo. Esse montante
correspondeu a quase 30% dos custos hos-
pitalares totais do SUS para o tratamento de
apenas três das cerca de cinquenta doenças
tabaco relacionadas17.
Vale ressaltar que este é um problema que
aflige também os não fumantes, pois ao se
exporem à fumaça de produtos de tabaco
(tabagismo passivo) correm sérios riscos
de desenvolverem câncer, infarto, infecções
respiratórias, dentre outros agravos. Por
isso, quando ocorre nos ambientes de traba-
lho, o tabagismo passivo é considerado um
risco ocupacional.
TABAgiSmo PASSivo
A ciência demonstrou de maneira inequívo-
ca que o consumo e a exposição à fumaça do
tabaco são causas de mortalidade, morbida-
de e incapacidade e que as doenças relacio-
nadas ao tabaco não se revelam imediata-
mente após o início da exposição à fumaça
do tabaco e ao consumo de qualquer produ-
to derivado do tabaco18.
O ar nas imediações de um fumante ativo
contém uma mistura da fumaça que sai da
ponta do cigarro aceso e da fumaça assopra-
da no ambiente pelo fumante após a tragada
e contém pelo menos 250 substâncias quí-
micas tóxicas, incluindo mais de 50 que po-
dem causar câncer 19.
Entre os adultos, globalmente, em torno de
1/3 estão expostos regularmente ao tabagis-
mo passivo20. Vale ressaltar que grande par-
te da exposição ao tabagismo passivo ocorre
em residências e locais de trabalho21.
Não somente o cigarro é responsável por
esta exposição, existem vários produtos de-
rivados do tabaco, que também produzem
17 Pinto, M. F. T. – Custos de Doenças Tabaco-relacionadas. Uma Análise sob a Perspectiva da Economia e da Epidemiologia. Tese de doutorado, Fundação Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, 2007.
http://thesis.icict.fiocruz.br/cgi-bin/wxis1660.exe/lildbi/iah/?
18 http://www.who.int/fctc/text_download/en/index.html
19 http://www.cdc.gov/tobacco/data_statistics/fact_sheets/secondhand_smoke/general_facts/index.htm#overview
20 http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241563918_eng_full.pdf
21 http://www.surgeongeneral.gov/library/secondhandsmoke/report/
21
fumaça, como charuto, cachimbo, cigarro
de palha, narguilé ou outro produto que
contenha em sua composição tabaco. A ex-
posição à fumaça de todos esses produtos
faz igualmente mal à saúde.
Especificamente o uso do tabaco é a prin-
cipal causa de morte evitável e atualmente
continua a matar mais de 5 milhões de pes-
soas no mundo a cada ano, e esse número
tende a aumentar. No caso o tabagismo pas-
sivo, isoladamente, é responsável por mais
de 600 mil mortes ao ano no mundo, en-
tre as quais 165 mil
crianças, segundo
estimativas publi-
cadas em dezembro
de 2010 pela revista
britânica The Lan-
cet sobre o primeiro
estudo que avalia o
impacto global do
tabagismo passivo,
cujos autores são do Instituto Karolinska
de Estocolmo e da Organização Mundial da
Saúde (OMS).
Se somadas estas 600 mil mortes aos 5,1 mi-
lhões de falecimentos atribuídos a cada ano
ao tabagismo ativo, chega-se a um total de
5,7 milhões de vítimas fatais causadas pelo
tabagismo anualmente.
O estudo acima citado apresentou que, no
total, 40% de crianças, 33% de homens e 35%
de mulheres não fumantes estavam expostos
ao tabagismo passivo em 2004. Segundo as
estimativas do estudo, a exposição provocou
379 mil mortes coronarianas, 165 mil por in-
fecções das vias respiratórias, 36,9 mil por
causa da asma e 21,4 mil por causa de câncer
de pulmão. Assim, no total, foram constata-
dos 603 mil óbitos por fumo passivo.
Apenas 7,4% da população mundial vivem
hoje sob legislação “não fumante”. Os au-
tores do estudo recomendam “um reforço
imediato” da Convenção - Quadro para o
Controle do Tabaco
da OMS, que inclui a
adoção de ambientes
100% livres da fuma-
ça do tabaco, taxas
mais elevadas para os
produtos derivados de
tabaco, embalagens
de cigarros genéricas
(sem cores e imagens,
com letras padronizadas) e com mensagens
de advertências sanitárias.
CuSToS Do TABAgiSmo PASSivo
No Brasil, um estudo sobre os custos do
tabagismo passivo realizado em 2008 pelo
Programa de Pós-Graduação de Engenharia
da Universidade Federal do Rio de Janei-
ro (Coppe/UFRJ) mostrou que o tabagismo
passivo custa aos cofres públicos pelo me-
nos R$ 37 milhões todos os anos. O Sistema
O Sistema Único de Saúde
gasta R$ 19,15 milhões
por ano com diagnóstico
e tratamento de doenças
causadas pelo tabagismo
passivo.
22
Único de Saúde gasta R$ 19,15 milhões por
ano com diagnóstico e tratamento de doen-
ças causadas pelo tabagismo passivo. O INSS
desembolsa mais de R$ 18 milhões por ano
com pensões e benefícios relacionados ao
fumo passivo. Vale salientar que foram con-
siderados nesse estudo apenas a exposição
domiciliar ao tabagismo passivo22.
EFEiToS NA SAúDE
Entre as crianças, o tabagismo passivo causa:
• Infecções de ouvido
• Mais frequentes e severas crises de asma
• Sintomas respiratórios (tosse, espirros,
falta de ar)
• Infecções respiratórias (bronquite, pneu-
monia)
• Maior risco para a síndrome da morte sú-
bita infantil23.
EFEiToS NA SAúDE DoS ADuLToS
Em adultos que nunca fumaram, o tabagis-
mo passivo pode causar doenças cardiovas-
culares e/ou câncer24.
Doença cardiovascular - Para os não-fuman-
tes, o tabagismo passivo tem efeitos nocivos
imediatos no sistema cardiovascular que
pode aumentar o risco de ataque cardíaco.
Pessoas que já possuam doenças cardíacas
têm um risco ainda mais elevado25,26.
22 INCA e UFRJ, 2008. Governo gasta R$ 37 milhões por ano com vítimas do fumo passivo http://www.inca.gov.br/impressao.asp?op=pr&id=1958
23 U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Involuntary Exposure to Tobacco Smoke: A Report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, Coordinating Center for Health Promotion, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health, 2006.
http://www.surgeongeneral.gov/library/secondhandsmoke/report/executivesummary.pdf
24 U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Involuntary Exposure to Tobacco Smoke: A Report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, Coordinating Center for Health Promotion, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health, 2006.
http://www.surgeongeneral.gov/library/secondhandsmoke/report/executivesummary.pdf
25 U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Involuntary Exposure to Tobacco Smoke: A Report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, Coordinating Center for Health Promotion, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health, 2006.
http://www.surgeongeneral.gov/library/secondhandsmoke/report/executivesummary.pdf
26 Institute of Medicine. Secondhand Smoke Exposure and Cardiovascular Effects: Making Sense of the Evidence. Washington: National Academy of Sciences, Institute of Medicine, 2009.
http://www.iom.edu/~/media/Files/Report%20Files/2009/Secondhand-Smoke-Exposure-and-Cardiovascular-Effects-Making-Sense-of-the-Evidence/Secondhand%20Smoke%20%20Report%20Brief%202.ashx
23
Não Fumantes que estão expostos ao taba-
gismo passivo em casa ou no trabalho au-
mentam o seu risco de desenvolver doença
cardíaca em 25-30%27.
Câncer de pulmão - Não Fumantes que es-
tão expostos ao fumo passivo em casa ou
no trabalho aumentam o risco de câncer de
pulmão em 20-30%28.
O Brasil está na vanguarda do controle do
tabaco no mundo, entretanto ainda enfren-
tamos importantes desafios como a legisla-
ção referente ao artigo 8º da CQCT – “prote-
ção contra a exposição à fumaça do tabaco”.
O Brasil precisa aperfeiçoar a Lei Federal n.
9.294/96, hoje em vigor, pois esta se encon-
tra defasada quanto às diretrizes do aludido
artigo, ainda permitindo áreas reservadas
para fumar (fumódromos). Para tal, conta-
mos com o Projeto de Lei de nº 315/08, de
autoria do Senador Tião Vianna, que atende
às recomendações da OMS no que concerne
à efetiva proteção tanto dos fumantes quan-
to dos não fumantes expostos à fumaça dos
produtos de tabaco. Este PLS foi aprovado
pela Comissão de Constituição e Justiça
em 10 de março de 2010 e, desde então, se
encontra na Comissão de Assuntos Sociais
(CAS) do Senado Federal.
27 U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Involuntary Exposure to Tobacco Smoke: A Report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, Coordinating Center for Health Promotion, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health, 2006.
http://www.surgeongeneral.gov/library/secondhandsmoke/report/executivesummary.pdf
28 U.S. Department of Health and Human Services. The Health Consequences of Involuntary Exposure to Tobacco Smoke: A Report of the Surgeon General. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, Coordinating Center for Health Promotion, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health, 2006.
http://www.surgeongeneral.gov/library/secondhandsmoke/report/executivesummary.pdf
24
TExTo 2
Tabagismo enTre adolescenTes
Tabagismo como problema de saúde pública no mundo e no brasil
Andréa Reis Cardoso 1
O tabagismo é reconhecido como uma do-
ença crônica gerada pela dependência da
nicotina, estando por isso inserido na Clas-
sificação Internacional de Doenças (CID10)
da Organização Mundial da Saúde (OMS). É
também o mais importante fator de risco
isolado para cerca de 50 doenças, muitas de-
las graves e fatais, como o câncer, doenças
cardiovasculares (angina e infarto), enfisema
pulmonar, derrame cerebral, entre outras.
Um destaque considerável deve ser dado
para o câncer de pulmão, que em cerca de
90% dos casos ocorre em fumantes, o que
reforça a forte correlação dessa doença com
o tabagismo (P. Vineis et al., 2004).
Além disso, o tabagismo é uma doença pe-
diátrica, pois quase 90% dos fumantes regu-
lares começam a fumar antes dos 18 anos
de idade. No Brasil o tabaco, especialmente
cigarro, é a segunda droga mais consumida
entre adolescentes (B. Travessa et al., 2001).
TABAgiSmo E PoBrEzA: um
CiCLo viCioSo
Segundo entidades ligadas às Nações Uni-
das, como a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a Organization for Economic Coope-
ration and Development (OECD) e o Banco
Mundial, o consumo de tabaco vem impon-
do uma carga econômica e social cada vez
mais pesada sobre muitos países de média
e baixa rendas. O tabagismo vem sendo
cada vez mais reconhecido como um fator
agravante da pobreza, da fome e da desnu-
trição, e, portanto, um entrave ao desen-
volvimento sustentável de um país (Paho,
2004).
Pesquisas nacionais mostram que o tabagis-
mo tende a se concentrar nas populações
de menor renda e menor escolaridade, que
apresentam uma maior vulnerabilidade às
estratégias de mercado para estimular o
consumo (IBGE, 2008).
1 Pedagoga. Técnica do Programa Nacional de Controle do Tabagismo - Instituto Nacional de Câncer.
25
TABAgiSmo: umA EPiDEmiA
ESTrATEgiCAmENTE
CoNSTruíDA PELo mArkETiNg
Uma das questões que merece atenção es-
pecial é a estratégia de marketing aplicada
pelas indústrias fumageiras. As pessoas co-
meçam a fumar principalmente influencia-
das pela publicidade do cigarro nos meios
de comunicação. Essa publicidade associa o
fumo com um estilo de vida aventureiro, ao
sucesso, à beleza, à independência e à liber-
dade, com o intuito
de fazer com que o
público identifique
de alguma forma,
ainda que intangí-
vel e inconsciente,
o alinhamento de
seu ideal de autoi-
magem a essas situ-
ações.
Nesse processo, as propagandas também
buscam explorar a curiosidade própria de
crianças e adolescentes e incentivá-los a ex-
perimentar seus produtos. Atualmente, há
um bilhão de jovens no mundo, sendo que
85% deles vivem em países em desenvolvi-
mento, que podem ser considerados fuman-
tes. Segundo dados do Banco Mundial, dos
cerca de 100 mil jovens que começam a fu-
mar todos os dias, 80% vivem em países em
desenvolvimento.
Segundo documentos internos das compa-
nhias de tabaco (abertos ao público, devido
a ações judiciais nos Estados Unidos):
Eles representam o negócio de cigarros
do amanhã. À medida que o grupo etário
de 14 a 24 anos amadurece, ele se tor-
nará a parte chave do volume total de
cigarros, no mínimo pelos próximos 25
anos (J. W. Hind, R. J. Reynolds Tobac-
co, internal memorandum, January 23,
1975).
o TABAgiSmo
E A PromoÇÃo
DA SAúDE
A prevenção e o con-
trole do tabagismo
compõem o quadro
de ações específicas
a serem desenvolvidas para o alcance dos
objetivos da Política Nacional de Promoção
da Saúde. Frente a todo o exposto, torna-se
evidente que o tabagismo é absolutamente
incompatível com a saúde.
E é sob a ótica da Promoção da Saúde que,
desde 1989, a gestão e a governança do con-
trole do tabagismo no Brasil vêm sendo ar-
ticuladas pelo Ministério da Saúde, através
do Instituto Nacional de Câncer, o que inclui
um conjunto de ações nacionais que com-
As pessoas começam a
fumar principalmente
influenciadas pela
publicidade do cigarro nos
meios de comunicação.
26
põem o Programa Nacional de Controle do
Tabagismo (PNCT), tendo o INCA como ór-
gão responsável por esse processo.
O Programa Nacional de Controle do Taba-
gismo tem como objetivo geral reduzir a
prevalência de fumantes e a consequente
morbimortalidade relacionada ao consumo
de derivados do tabaco no Brasil, seguindo
um modelo lógico onde ações educativas,
de comunicação, de atenção à saúde, jun-
to com ações legislativas e econômicas, se
potencializam para
prevenir a iniciação
ao tabagismo, pro-
mover a cessação do
tabagismo e prote-
ger a população dos
riscos do tabagismo
passivo, alcançando
assim o objetivo aci-
ma mencionado.
E, para tanto, um
dos marcos estratégicos fundamentais tem
sido a articulação de uma rede de parcerias
envolvendo representações de Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde e Educa-
ção, de outros setores do Ministério da Saú-
de, de outros Ministérios do governo, assim
como de organizações não governamentais
e de organizações internacionais intergo-
vernamentais em nível regional e global.
O Programa Saber Saúde, desenvolvido nas
escolas, é uma das principais estratégias do
PNCT para prevenir a iniciação dos jovens
ao consumo do tabaco. A razão para abor-
dar o tema tabagismo entre crianças e jo-
vens, a importância da escola e do professor
e o que pode ser feito para este público se-
rão os temas abordados a seguir.
A imPorTâNCiA DA ESCoLA
Como CANAL DE iNFormAÇÃo
PArA A SoCiEDADE
A informação da
população sobre as
doenças crônicas
e o estímulo a mu-
danças de compor-
tamento são ações
fundamentais para
a prevenção de do-
enças. Esse proces-
so tem como base
o desenvolvimento
de ações educativas,
no sentido de des-
mistificar as doenças, assim como informar
sobre as possibilidades de evitá-las, estimu-
lando a adoção de comportamentos saudá-
veis dentro da ótica da Promoção da Saúde.
Para que isto seja possível, é necessário pro-
mover uma ampla difusão de conhecimen-
tos aliada à reflexão crítica, contribuindo
para formar cidadãos capazes de optar por
comportamentos responsáveis em relação à
sua saúde e à saúde coletiva.
O Programa Saber Saúde,
desenvolvido nas escolas,
é uma das principais
estratégias do PNCT para
prevenir a iniciação dos
jovens ao consumo do
tabaco.
27
A escola, espaço educativo por excelência,
é um dos locais privilegiados para o desen-
volvimento de um programa de educação
para a saúde entre crianças e adolescentes.
Distingue-se das demais instituições por ser
aquela que oferece a possibilidade de educar
através da construção de conhecimentos
resultantes do confronto dos diferentes sa-
beres: aqueles trazidos pelos alunos e seus
familiares, e que expressam crenças e valo-
res culturais próprios; aqueles contidos nos
conhecimentos científicos veiculados pelas
diferentes disciplinas; os divulgados pelos
meios de comunicação, muitas vezes frag-
mentados e desconexos, mas que devem ser
levados em conta por exercerem forte influ-
ência sociocultural; e aqueles trazidos pelos
professores, constituídos ao longo de sua ex-
periência, resultantes de vivências pessoais
e profissionais, envolvendo crenças e se ex-
pressando em atitudes e comportamentos.
Esse encontro de saberes gera o que se con-
vencionou chamar “cultura escolar”, que
assume expressão própria e particular em
cada estabelecimento, embora apresente
características comuns a tudo aquilo que é
típico do mundo escolar.
Portanto, a cultura escolar configura e é
instituinte de práticas socioculturais (inclu-
sive comportamentos) mais amplas, que ul-
trapassam as fronteiras da escola. É dentro
deste enfoque que se entende e se justifica
um programa de educação para a saúde, in-
serido e integrado no cotidiano e na cultu-
ra escolar, irradiando-se, dessa forma, além
dos limites da escola.
Nesse contexto, os profissionais de educa-
ção têm um papel fundamental que não se
restringe apenas ao fato de serem meros re-
passadores de informações. Sua atuação é,
sobretudo, a de educar a partir da constru-
ção de conhecimentos dentro do contexto
da cultura escolar. Nesta concepção, é im-
portante que se reconheçam como modelos
(suas atitudes e comportamentos também
ensinam) nos quais não só os alunos mas
também toda a comunidade se inspiram
para adotar ou mudar comportamentos que
podem contribuir para uma melhor qualida-
de de vida.
Por quE TrABALhAr Com
CriANÇAS E ADoLESCENTES?
De acordo com a Organização Mundial da
Saúde, o tabagismo já é considerado como
uma doença pediátrica, e é nessa fase tran-
sitória entre o “mundo infantil” e todas as
suas brincadeiras lúdicas, de faz-de-conta, e
a adolescência, que é um período caracte-
rizado por transformações biológicas e psi-
cossociais, que tornam essa fase do ciclo de
vida um momento de especial suscetibilida-
de a estímulos externos. É nesse período – a
adolescência – que o indivíduo busca formar
sua futura identidade enquanto adulto, a
partir de seus sonhos e aspirações de ideais
de autoimagem.
28
Quanto mais precocemente se der a exposi-
ção aos fatores de risco, maiores as chances
de adoecimento. Além disso, nas faixas etá-
rias mais jovens, alguns estudos comprovam
que, em muitos casos, a experimentação se
dá entre os 9 e os 13 anos de idade, quando a
dependência à nicotina se instala, iniciando
o processo acumulativo que aumenta o ris-
co de que as doenças se instalem.
Outro aspecto é que a utilização da nicoti-
na é considerada por muitos como sendo a
droga “porta de entrada” para o uso de dro-
gas ilícitas, pois, frequentemente, tanto os
usuários de álcool como os da maconha e
de outras drogas ilícitas fizeram uso, inicial-
mente, de cigarros (USDHHS, 1994). Embora
uma droga não leve necessariamente à uti-
lização de outra, é pouco provável o uso de
uma droga sem o envolvimento prévio de
outra (USDHHS, 1994).
Um dos grandes obstáculos para o contro-
le do tabagismo é o fato de a dependência
à nicotina ser aceita por nossa sociedade e
reforçada pela publicidade indireta de seus
produtos, como um estilo de vida. As crian-
ças crescem num ambiente onde os cigar-
ros são anunciados e vendidos em qualquer
lugar; onde o ato de fumar é inserido como
comportamento desejável pelos meios de
comunicação; onde pessoas respeitadas e
admiradas fumam.
É fundamental, portanto, contribuir para
uma mudança de comportamento da socie-
dade através deste grupo, mostrando que
fumar não é apenas antissocial, mas, acima
de tudo, uma doença caracterizada pela de-
pendência, cujos malefícios não se limitam
só aos fumantes, atingindo de forma ampla
e danosa a todos e ao meio ambiente. As
crianças são especialmente prejudicadas, ao
fumarem passivamente.
As ações preventivas junto às crianças e aos
adolescentes incluem o envolvimento das
escolas como um todo, no sentido de inserir
conteúdos informativos sobre os malefícios
do tabaco e sobre os fatores de proteção no
currículo escolar, auxiliando os alunos a de-
senvolver uma vida saudável.
Para tal, é importante o desenvolvimento de
ações que levem as escolas a se tornarem es-
paços livres do consumo de derivados do ta-
baco. Além disso, é importante garantir que
os professores, que são modelos de compor-
tamento nessa fase da vida, engajem-se nesse
trabalho de forma coerente, deixando de fu-
mar ou não fumando na presença de seus alu-
nos. Também é essencial que os pais e mem-
bros da comunidade local participem deste
processo, reconhecendo-se como modelos e
agentes de mudança de comportamento.
o ProgrAmA SABEr SAúDE
O Programa Saber Saúde possui como obje-
tivo formar cidadãos responsáveis e críticos,
capazes de decidir sobre a adoção de estilos
29
de vida saudáveis, com responsabilidade so-
cial e sobre o meio ambiente, dentro de uma
concepção mais ampla de saúde, ou seja,
“completo bem-estar físico, mental e social, e
não apenas ausência de doença” (OMS, 1948).
O Programa Saber Saúde, portanto, requer
uma abordagem multi e interdisciplinar em
suas diferentes instâncias, tanto na concep-
ção como na execução, capaz de dar conta
dos desafios decorrentes dos seus objetivos,
e cuja efetivação torna necessário o estudo
dos diferentes aspectos relacionados à saú-
de, para possibilitar
a adoção consciente
de comportamentos
e estilos de vida.
Como um programa
de educação para a
saúde a ser desen-
volvido nas escolas
implica, também,
ações concebidas, implementadas e avalia-
das com a parceria de profissionais de edu-
cação. O Programa Saber Saúde tem no pro-
fessor o profissional melhor qualificado para
a ação direta com os alunos.
imPLEmENTAÇÃo Do ProgrAmA
SABEr SAúDE
A prevenção da exposição aos fatores de ris-
co é um dos desdobramentos possíveis do
tema Saúde, que deve se apresentar trans-
versal ao currículo escolar.
Assim, o trabalho a ser realizado não é uma
simples campanha que chame a atenção
para esse ou aquele fator de risco, para esta
ou aquela doença. É um programa de Pro-
moção da Saúde, que implica o envolvimen-
to de todos os profissionais e alunos das
escolas durante todo o ano letivo, fazendo
parte do projeto pedagógico da escola.
Deve ser desenvolvido de forma contínua,
por professores das diferentes disciplinas,
nas diferentes séries, inserido no currículo e
no cotidiano da escola.
O programa requer
ações que envolvam
atividades de sala de
aula e projetos mais
amplos, que possibi-
litem a discussão e
a aquisição de infor-
mações de base cien-
tífica, instrumentos
para o repensar, modificar ou adotar atitu-
des, práticas e comportamentos, a partir de
um trabalho crítico e da vivência de novas
experiências.
Com essa finalidade, foram elaborados di-
versos materiais de apoio ao Programa Sa-
ber Saúde. E estes materiais visam instru-
mentalizar o professor para que ele possa,
junto com os alunos, construir uma base de
conhecimentos que proporcionem a adoção
de comportamentos saudáveis.
O Programa Saber
Saúde tem no professor
o profissional melhor
qualificado para a ação
direta com os alunos.
30
O objetivo deste material é apoiar e reforçar,
de maneira formal e informal, os trabalhos
da sala de aula, oferecendo informações so-
bre o tema através de linguagem lúdica e
adequada à idade. A riqueza de mensagens
contida em cada um desses materiais propi-
cia sua larga utilização como ponto de parti-
da para diferentes atividades, dentro das vá-
rias disciplinas, permitindo que, ao mesmo
tempo em que são ensinados os conteúdos
curriculares, as mensagens sobre o tabagis-
mo sejam abordadas de forma incidental.
Para saber mais sobre as ações desenvolvi-
das pelo Programa Nacional de Controle do
Tabagismo, dentre elas o Programa Saber
Saúde, procure a Secretaria Estadual de Saú-
de do seu estado ou acesse o site do INCA
– www.inca.gov.br/tabagismo
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Acessado em 12 de outubro de 2006
32
TExTo 3
FumiculTura: impacTos ambienTais e na saúde
Felipe Lacerda Mendes1
O tabaco é hoje considerado uma epidemia,
responsável por um em cada 10 óbitos em
adultos, o que representa cerca de 5 milhões
de mortes ao ano e projeta um cenário de 10
milhões de mortes ao ano em 2020 (OMS,
2007).
Os níveis de prevalência do tabagismo têm
chamado a atenção dos governos de todo
mundo, que vêm investindo esforços para
reduzir a demanda pelo produto e para es-
timular a cessação do consumo. Todavia,
existem aspectos sociais, ambientais e eco-
nômicos da produção de tabaco que preci-
sam ser observados e contemplados pelas
políticas governamentais. Além de contri-
buir para o empobrecimento dos fuman-
tes e de suas famílias, especialmente as de
menor renda, devido às doenças e possíveis
perdas de produtividade, o tabaco também
colabora para doenças e pobreza nas famí-
lias envolvidas no plantio e beneficiamento
do tabaco (ECOSOC, 2006).
A FumiCuLTurA E o BrASiL
A indústria do fumo se organiza num pe-
queno número de grandes empresas que
dominam o mercado internacional e as ati-
vidades de produção e comercialização de
tabaco se estendem por mais de 50 países.
São essas empresas transnacionais que or-
ganizam todo o complexo agroindustrial de
tabaco, composto basicamente pela produ-
ção, processamento, beneficiamento e co-
mercialização do fumo em folha e de seus
produtos derivados
Atualmente, os principais produtores de ta-
baco no mundo são a China, o Brasil, a Índia,
os EUA, o zimbábue e a Indonésia. Somente
esses países são responsáveis por aproxi-
madamente 70% da produção mundial de
tabaco (DESER, 2003a). Como as principais
empresas da indústria são transnacionais,
os lucros auferidos nos países onde se lo-
calizam suas subsidiárias são enviados às
suas matrizes, localizadas em países de-
1 Advogado. Técnico da Secretaria Executiva da Comissão Nacional de Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco / INCA - Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde. Consultor da série.
33
senvolvidos, como é o caso da Souza Cruz,
que remete seu lucro para o Reino Unido, e
a Philip Morris para os EUA (Campaign for
Tobacco Free Kids, 2001).
A posição alcançada pelo Brasil de 2º maior
produtor de folhas de fumo se deve a fato-
res como os reduzidos custos internos de
sua produção (emprego de fumicultores e
suas famílias, resultando em menores gas-
tos com salários) e a não mecanização da
lavoura (que fornece uma melhor qualidade
ao produto, pois recebe maiores cuidados
manuais) (Ministério da Saúde, 2000).
A Região Sul concentra a maior produção de
fumo nacional, com 96,4% do total da pro-
dução brasileira. Todos os estados do Sul são
produtores, destacando-se o Rio Grande do
Sul. Também há produção de fumo em me-
nor quantidade em Alagoas, Bahia e Sergipe
(DESER, 2003b).
Embora a indústria do tabaco apresente a
produção de tabaco como uma atividade
que gera riqueza, desenvolvimento e empre-
go para o país, não se pode dizer que os be-
nefícios sociais dessa inserção se traduzam
em melhor qualidade de vida e saúde para os
indivíduos envolvidos na produção agrícola
- o elo mais vulnerável da cadeia produtiva.
CArACTEríSTiCAS SoCiAiS E
ECoNômiCAS DA FumiCuLTurA
Atualmente, a fumicultura é integrada ao
complexo agroindustrial do fumo, composto
basicamente por empresas transnacionais
que operam com a produção, o processa-
mento, o beneficiamento e a comercializa-
ção do fumo em folha e de seus produtos de-
rivados. Essas empresas se articulam com os
fumicultores em todas as fases da produção
agrícola e na sua organização financeira.
Essa integração com os produtores se dá
através de contratos pelos quais as empresas
se comprometem a fornecer assistência téc-
nica gratuita, a repassar somente insumos
certificados e aprovados para uso na cultu-
ra, a avalizar os financiamentos de insumos
e investimentos, a custear o transporte da
produção, desde a propriedade dos agricul-
tores até as empresas, e a comprar integral-
mente a safra contratada por preços nego-
ciados com a representação dos produtores.
Cabe aos produtores produzir os volumes de
fumo contratados, utilizar somente insumos
recomendados pela empresa e comercializar
a totalidade de sua produção contratada aos
preços negociados (DESER, 2003a).
Nesse contexto, os fumicultores são obriga-
dos a usar tecnologia, sementes, fertilizan-
tes e pesticidas fornecidos pelos técnicos
da companhia de tabaco e a assumirem os
custos dos insumos e infraestrutura exigi-
dos (a construção de fornos de tijolos para
a secagem e os custos do reflorestamento
para a reposição da madeira, como a lenha
utilizada nos fornos) (Erdmann & Pinheiro,
1998).
34
Os contratos estabelecidos entre a indús-
tria e os produtores funcionam feito um
regimento, com regras definidas unilateral-
mente pelas fumageiras, num modelo que
sugere inúmeras facilidades e conveniên-
cias apresentadas como vantagens, princi-
palmente, para os agricultores descapitali-
zados. As indústrias controlam também o
sistema de classificação das folhas de fumo,
onde conseguem reduzir o valor pago ao re-
baixar a classificação feita pelo fumicultor e
sua família, amarrando-o num ciclo de en-
dividamento, dependência e subordinação.
A atual estraté-
gia organizacional
tem permitido que
a indústria do ta-
baco se mantenha
conectada com a
produção agrícola
e exerça um absoluto controle sobre o pro-
cesso produtivo e as atividades dos fumicul-
tores. Ao mesmo tempo, tem evitado todas
as responsabilidades de uma relação formal
empregador-empregado.
A mão de obra envolvida na cultura do fumo
é predominantemente familiar. Em média,
trabalham na lavoura do fumo cerca de 3 a
4 integrantes de cada família, o que equiva-
le a cerca de 520 mil pessoas atuando nes-
sa atividade, principalmente nos períodos
do plantio, colheita, classificação e cura do
fumo. Grande parte das regiões produtoras
constitui-se de topografia acidentada, onde
a utilização da mecanização é quase impra-
ticável, tornando o trabalho na lavoura in-
tensivo e extenuante.
oS rENDimENToS ProvENiENTES
DA ProDuÇÃo AgríCoLA
As companhias de tabaco e a Associação dos
Fumicultores do Brasil (AFUBRA) divulgam
amplamente que produzir tabaco gera um
rendimento elevado para os fumicultores e
que nenhuma outra atividade agrícola pro-
duz a mesma rentabi-
lidade.
No entanto, análi-
ses mais cuidado-
sas mostram que a
renda média mensal
das famílias por tra-
balhador é de um terço do salário mínimo
nacional (ETGES et al., 2002). Uma análise
dos diversos indicadores que compõem o
Índice de Desenvolvimento Humano - IDH
(expectativa de vida, taxa de alfabetização,
as taxa de frequência escolar e renda per ca-
pita), mostram que as principais áreas pro-
dutoras de fumo na Região Sul apresentam
média abaixo do índice estadual; e, inclusi-
ve, as taxas de frequência escolar e de renda
nos municípios onde predomina a atividade
agrícola com o fumo são inferiores às dos
municípios onde não se produz tabaco (Bo-
nato, 2007).
A mão de obra envolvida
na cultura do fumo é
predominantemente
familiar.
35
Se por um lado a fumicultura não parece
contribuir para o desenvolvimento social,
para as companhias de tabaco essa ativida-
de continua sendo excelente sob o ponto de
vista financeiro, uma vez que os lucros aufe-
ridos pelas transnacionais continuam cres-
cendo por anos sucessivos. De acordo com
a própria companhia, a busca constante de
racionalização dos custos, a queda nos pre-
ços pagos aos seus fornecedores e o bom vo-
lume obtido com as exportações permitiram
a concretização desses resultados.
o uSo DE
PESTiCiDAS
E oS riSCoS
PArA A
SAúDE DoS
ProDuTorES
Uma das principais
causas de insatisfa-
ção entre os fumi-
cultores refere-se
aos riscos a que se submetem devido à into-
xicação por uso de agrotóxicos. Estudos re-
alizados nas regiões fumicultoras do Brasil
têm demonstrado uma forte associação en-
tre o aparecimento de problemas de saúde
em agricultores e o cultivo de tabaco (Falk
et al., 1996).
Para garantir uma folha de boa qualidade,
a produção de tabaco requer o uso intensi-
vo de pesticidas, que têm provocado danos
à saúde dos agricultores e de suas famílias,
como intoxicações agudas e incapacida-
de para o trabalho, danos ao ecossistema
com a contaminação do solo, de alimentos,
da fauna e dos rios. Como se trata de uma
produção familiar, as crianças também são
atingidas.
Cabe ressaltar que os dados oficiais de en-
venenamento por agrotóxicos em muitos
países em desenvolvimento, provavelmente,
subestimam a incidência dos mesmos devi-
do à carência de médicos nas áreas rurais e
também pelo fato de
que muitos profis-
sionais de saúde não
noticiam os casos de
envenenamento por
agrotóxicos que pre-
senciam.
Um levantamento
realizado entre fu-
micultores na Re-
gião Sul do Brasil concluiu que 55% destes
não usam roupas de proteção, tais como
máscaras, luvas e botas. Os agricultores
justificam-se fazendo menção aos altos cus-
tos dos equipamentos e ao fato de que estes
não são adequados ao clima tropical. Esse
levantamento também concluiu que cerca
de 48% dos familiares dos agricultores so-
frem problemas de saúde associados ao uso
de substâncias químicas, como dores de
cabeça persistentes e vômitos e 42% conhe-
Uma das principais causas
de insatisfação entre os
fumicultores refere-se aos
riscos a que se submetem
devido à intoxicação por
uso de agrotóxicos.
36
cem alguém com defeitos físicos de nascen-
ça. O estudo revelou que aproximadamente
80% das famílias se desfazem dos resíduos
inadequadamente, jogando os recipientes
de agrotóxicos já utilizados nas florestas ou
queimando-os (Campaing for Tobacco Free
Kids, 2001).
Ainda em relação ao uso de agrotóxicos e
seus efeitos sobre a saúde física e mental
dos indivíduos, verifica-se entre os fumicul-
tores um maior risco de desenvolver altera-
ções neurocomportamentais, as quais po-
dem evoluir para um quadro de depressão e
até de suicídio. Um
estudo realizado em
1996 apresenta for-
tes indícios de uma
relação entre a utili-
zação de pesticidas
na fumicultura e o
aumento das taxas
de suicídio em Ve-
nâncio Aires, município localizado no RS
e um dos maiores produtores de fumo em
folha da região. Segundo esse estudo, este
município apresenta coeficiente de mortali-
dade por suicídios bem maior do que todo o
estado do RS.
DoENÇA Do TABACo vErDE
Ao contrário de muitas plantações de ali-
mentos, lidar com a folha do tabaco pode
ser tóxico para os trabalhadores. A nicotina,
o ingrediente ativo nos cigarros, é tão po-
tente que tem sido usada como um pestici-
da e um inseticida desde 1763.
A doença do tabaco verde é uma doença
ocupacional encontrada entre trabalhado-
res que lidam com tabaco. Ela é causada
pela absorção, através da pele, da nicotina
proveniente do contato com as folhas de ta-
baco. A doença da folha verde é caracteriza-
da por sintomas que incluem náusea, vômi-
to, fraqueza, dor de cabeça, tonteira, dores
abdominais e dificuldade para respirar, as-
sim como flutuações na pressão sanguínea.
Agricultores e pro-
fissionais de saúde
muitas vezes con-
fundem estes sinto-
mas com cansaço
ou envenenamen-
to por agrotóxicos,
principalmente se
estes tiverem sido aplicados recentemente
nas plantações (Campaign for Tobacco Free
Kids, 2001).
TrABALho iNFANTiL NA
LAvourA
É importante salientar que o sistema de
produção de fumo atua também na manu-
tenção de uma ideologia que apela para a
valorização cultural da plantação de fumo
pautada pela tradição familiar do trabalho.
A doença do tabaco verde
é uma doença ocupacional
encontrada entre
trabalhadores que lidam
com tabaco.
37
Impregnada de uma conotação cultural-va-
lorativa, a manutenção do trabalho infanto-
juvenil é reforçada através da ideologia das
agroindústrias do fumo e da dependência
econômico-financeira dos produtores rurais,
bem como da insuficiente e inadequada rede
de serviços públicos existente na zona rural,
principalmente na área da educação. A parti-
cipação ativa de crianças e adolescentes nas
etapas do processo do plantio de fumo se,
por um lado, visa assegurar o aumento da
renda familiar, por outro, penaliza aqueles
em diversas áreas do seu desenvolvimento
biopsíquico e sociocultural.
A Pesquisa Nacional por Amostragem de Do-
micílio (PNAD) de 2001 indica que, dentre as
crianças de 5 a 15 anos envolvidas em ativi-
dades agrícolas na Região Sul do Brasil, 14%
trabalham no cultivo do tabaco, uma situ-
ação preocupante em função da exposição
a grandes quantidades de agrotóxicos e que
pode causar danos à saúde das crianças (Kas-
souf, 2004).
Além desse aspecto, embora hoje exista uma
campanha de erradicação do trabalho in-
fantil promovida pelas companhias de taba-
co, grande parte dos agricultores familiares
não tem condições financeiras de contratar
mão de obra, de forma que se torna inviá-
vel garantir o sustento da família se os filhos
não participarem do trabalho. Dessa forma,
acredita-se que o trabalho infantil na lavou-
ra do fumo só poderá ser erradicado através
da melhor remuneração dos agricultores, de
forma que possam contratar serviços tem-
porários sempre que necessário e assim ga-
rantir o sustento e a qualidade de vida de sua
família (DESER, 2003c).
A oPorTuNiDADE DE
DivErSiFiCAr
Na Região Sul, duas tensões ligadas à fumi-
cultura coexistem: de um lado há as compa-
nhias de tabaco buscando expandir e promo-
ver a produção e, de outro, uma crescente
consciência por parte dos fumicultores so-
bre os riscos inerentes à produção de taba-
co para sua saúde, de sua família e para o
meio ambiente. Essa conscientização tem
gerado um crescente desejo de mudar que,
no entanto, está associado à impotência de
encontrar uma atividade tão segura quanto
a produção de tabaco, do ponto de vista de
garantias técnicas e de comercialização.
Pesquisas realizadas entre os fumicultores
na maior região produtora de fumo do país
mostram que 74,7% dos produtores têm von-
tade de deixar de plantar fumo, mas sentem
falta de um apoio mais concreto para que
esse desejo se realize (ETGES et al., 2002).
Dentre as experiências positivas da região,
destaca-se o Projeto Esperança/Cooesperan-
ça, empreendido com o apoio da Igreja Cató-
lica, desde 1986. Este projeto é uma iniciativa
da diocese do município de Santa Maria, lo-
38
calizado no RS, tendo como uma de suas ca-
racterísticas principais a atuação de líderes
locais da região de Santa Maria, na mobili-
zação dos atores envolvidos em sua propos-
ta. Tal proposta baseia-se no associativismo,
no cooperativismo e na autogestão.
Os princípios norteadores do projeto envol-
vem ainda o desenvolvimento sustentável
rural, a agroecologia, a educação e a parti-
cipação, o fortalecimento da agricultura fa-
miliar e da agroindústria familiar, a comer-
cialização direta, o trabalho e a geração de
renda.
Os principais motivos que levaram os fu-
micultores à busca de outras atividades em
substituição à cultura do fumo foram: a
percepção negativa que os fumicultores ti-
nham em relação à dependência econômica
da indústria do tabaco e os constantes pro-
blemas de saúde observados nos fumiculto-
res e em seus familiares devido à utilização
de agrotóxicos e à intoxicação pela nicotina
presente na folha de tabaco.
Já as principais dificuldades no processo de
substituição são a dificuldade de acesso aos
créditos agrícolas para ampliar a nova pro-
dução/atividade, a ausência de uma assis-
tência técnica mais ativa, como nos moldes
adotados pela indústria do tabaco, e a am-
pliação da rede de escoamento e comercia-
lização dos novos produtos.
o ProgrAmA NACioNAL DE
DivErSiFiCAÇÃo Em árEAS
CuLTivADAS Com TABACo
A partir da ratificação da Convenção-Quadro
para o Controle do Tabaco (tratado interna-
cional de controle do tabaco do qual o Bra-
sil é parte desde 2005), o Ministério do De-
senvolvimento Agrário (MDA) assumiu um
importante compromisso com a instituição
do Programa Nacional de Diversificação em
Áreas Cultivadas com Tabaco. Baseado nos
princípios do desenvolvimento sustentável,
segurança alimentar, diversificação produ-
tiva e participação social, o programa atua
na qualificação do processo de produção e
de desenvolvimento nas áreas de fumicultu-
ra, assim como na perspectiva da produção
ecológica, mediante a redução do uso de
agrotóxicos.
Para implementar o programa, são firmadas
parcerias com organizações governamen-
tais, não governamentais, universidades e
sociedade civil que viabilizam a execução
dos projetos de assistência técnica e exten-
são rural, capacitação e pesquisa. Sua ges-
tão é coletiva e realizada pelas instituições
que compõem a Rede Temática da Diversifi-
cação na Agricultura Familiar Fumicultora.
A seleção das instituições se dá por meio de
chamadas públicas de projetos, onde é ana-
lisada a qualificação técnica, a partir dos
princípios, diretrizes e orientações meto-
39
dológicas previstas na Política Nacional de
Ater e no Programa Nacional de Diversifica-
ção em Áreas Cultivadas com Tabaco.
O programa já atingiu 30 mil famílias fumi-
cultoras, envolvendo 80 mil pessoas, em 600
municípios. Até o momento, o MDA apoiou
60 projetos de assistência técnica e exten-
são rural, capacitação e pesquisa, em sete
estados produtores de fumo, totalizando R$
12 milhões investidos. O objetivo desses pro-
jetos é criar referências que ajudem a captar
recursos para que mais agricultores sejam
atendidos.
A iniciativa do MDA cumpre uma importan-
te responsabilidade social de criar meca-
nismos que protejam os fumicultores bra-
sileiros de uma situação de vulnerabilidade
frente à provável redução do consumo glo-
bal de fumo, principal objetivo da Conven-
ção-Quadro.
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41
Presidência da república
ministério da Educação
Tv ESCoLA/ SALTo PArA o FuTuro
Coordenação-geral da Tv Escola
Érico da Silveira
Coordenação Pedagógica
Maria Carolina Mello de Sousa
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Simone São Tiago
Coordenação de utilização e Avaliação
Mônica MufarrejFernanda Braga
Copidesque e revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV BrasilGerência de Criação e Produção de Arte
Consultores especialmente convidados
Cristina de Abreu Perez e Felipe Lacerda Mendes
E-mail: [email protected]
Home page: www.tvbrasil.org.br/salto
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Maio 2011