Upload
rodikami
View
376
Download
1
Embed Size (px)
Citation preview
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 1/8
70 71
Corbu ier enuncia clara mente a ezuinte alternativa: a arquitectura - ler: a
programacao e a reorganizacao planificada da producao de ediffcios e da ci-
dade como organismo produtivo - deve sobrepor-se a revolucao.
Entretanto, e precisarnente a partir dos circulos mais politicamente
ernpenhados - da Novembergruppe a s revistas «Ma» e «Vesc» e ao Ringberlinense - a ideologia arqui tectonica ganha precisao tecnica. Aceitando
com lucida objectividade todas as conclusoes sabre a «morte da aura» e sa-
bre a funcao puramente «tecnica» do intelectual, enunciadas apocal ipt ica-
mente pelas vanguardas, a Neue Sachlichkeii c en tr o- eu ro pe ia a de qu a ° pro-prio rnetodo de planificacao a estrutura, idealizada, da cadeia de montagem.
A s f ig ura s e a s rn eto do s do trabalho industrial entram na organizacao do
projecto e reflectern-se nas propostas de consumo do objecto.
Do elernento padronizado a celula, ao bloco singular, a Siedlung, a ci-
dade: esta e a cadeia de montagem implant ada com excepcional cIareza e
coerencia pela cultura arquitectonica de entre as duas guerras. Cada «peda-
co» e cornpletamente resolvido em si e tende a desaparecer , au melhor , a
diluir-se formalrnente na montagem.
Tudo isto revoluciona a propria experiencia estetica. Agora, jii nao sao
objectos q ue s e a pr es en ta rn a apreciacao, mas sim um processo, a viver e a
frui r enquanto tal . 0 fruidor, charnado a completar espacos «abertos» de
Mies van der Rohe ou de Gropius, e 0 elemento central desse processo. Aarquitectura chamando 0 publico a cornparticipar na planificacao , dado que
as novas formas ja nao pretendem ser valores absolutes mas propostas de
organizacao da vida colectiva - a arquitectura integrada de Gropius - faz
com que a ideologia do publico de urn saito em frente. 0 sonho do socialis-
rna rornantico de Morris - lima arte feita por todos para todos - toma for-
ma ideologies no interior das lei s ferreas da mecanica do lucro. Tambern sob
este aspecto, a cidade e 0 ultimo terrno de comparacao para a v e ri fi ca c ao
das hip6teses teoricas.
v
ARQUlTECTURA «RADICAL» E CLDADE
«A arquitectura da grande cidade» - escreve Hilberseimert'"] - «de-
pende essencial rnente da solucao dada a dois factores: a celula elernentar e a
con junto do organismo urbano. 0 simples espaco vazio como elemento
constitutive da habitacao determinar-lhe-a a aspecto, e na medida em que as
habitacces formam, par sua vez, as quarteiroes, Q._espar;o vazio tornar-se-aurn factor de configuracao urbana, aquilo que representa a v e rd ad ei ra f in al i-dade da arquitectura; reciprocamente, a estrutura planimetrica da cidade
- tera l ima influencia substancial no projecto da habitacao e do espa\;o vazio».A grande cidade e portanto uma verdadeira unidade. Fazendo uma lei-
tura do autor para alern clas suas proprias intencoes, podemos traduzir as
suas afirmacoes nesta outra: 0 conjunto da cidade moderna e na sua estru-
tura, uma enorme «rnaquina social». Hilberseimer selecciona - contraria-
mente ao que fazem muitos teoricos alernaes entre 1920 e 1930 - este ulti-mo aspecto da econornia urbana isolando-o para poder analisa-lo e tratar
resolver separadamente as suas cornponentes. 0 que escreve sobre as rela-
~<;6es entre a celula e 0 organisrno urbane e portanto exemplar, pela lucidez
cia exposicao e a essencialidade a que as problemas sao reduzidos. A celula
nao e apenas 0 primeiro elemento da cadeia de producao continua que tern
a sua resultante na cidade, mas tarnbern 0 elemento que condiciona a dina-
mica dos agregados de construcoes. 0 seu valor de tipo perrnite que seja
analisada e solucionada em abstracto. A celula construida, nesta acepcao,representa a estrutura de base de urn programa produtivo, da qual e excluf-
da qualquer componente tipologica ulterior. Agora, a unidadc construfda
nao e mais urn «objecto». E apenas 0 lugar em que a montagern elementar
das celulas individuais assume forma ffsica. Estas ultimas, enquanto elemen-
tos reprodutfveis ao infinito, encarnam conceptualmente as est ruturas pri-
meiras de urna cadeia de producao , que prcscinde do antigo conceito de «lu-
gar» e de «espaco». Coerentemente com os pressupostos que assume, Hil-
( 6 . 1 ) Ludwig Hilberseimer , Grossstadtarchisektur, cit ., Cfr . G. Grass i, Introducao Ii edicao iialiana
de Enftaltung einer Planungsidee, Ullsiein Bauwe lt Fundamente , Ber lim 1963 {Un'idea di piano,
Marsilio, Padua 1967) .
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 2/8
berseimer coloca como segundo termo do seu teorema a globalidade do or-
ganismo citadino: a conformacao da celula predisp6e as coordenadas de pla-
nificacao do conjunto urbane; a estrutura da cidade, ditando as leis de mon-
tagem da celula, podera deforrnar a tipologia desta ultimar"),
Na articulacao ferrea do plano de producao desaparece a dimensao es-
pecffica da arquitectura, pelo menos na sua acepcao tradicional. 0 objecto
arquitectonico considerado como «excepcional- relativamente a hornogenei-
dade da cidade dissipou-se completamente.
Tendo que «modelar grandes massas segundo uma lei geral, dominan-
do a rnult iplicidade» - escreve Hilberseirner - «[ . . . J a caso geral, a lei, ga-
nharn relevo e evidencia, enquanto a excepcao se vi: posta de parte, os mati-
zes se apagam, impera a rnedida que obriga 0 caos a transforrnar-se em for -
ma logica, uruvoca, matematica-t'").
E mais ainda: «a exigencia de modelar uma massa heterogenea e fre-
quentemente gigantesca de materiais segundo uma lei formal igualmente va-
lida para cada elemento, comporta uma reducao da forma arquitectonica asua exigencia mais sobria, rnais necessaria, mais geral: i sto e , uma reducao
a s formas geometricas cubicas, que representant os elementos fundamentais
de qualquer arqui tectura-r").Estas posicoes nao equivalern a um simples «manifesto» purista. As
consideracoes de Hilberseimer sobre a arqui tectura da Grossstadt, per fei ta-
mente em consonancia com observacoes analogas formuladas por Behrens
em 1914(1)7) , constituern uma de duca o logica ext rafda de hipoteses que se
conf inam obstinadamente a uma elaboracao conceptual de Iaboratorio. Nao
apresentando «model os. para 0 projecto mas situando as coordenadas e as
dimens6es do proprio projecto ao nivel rnais abstracto possrvel, por ser 0
mais geral, Hilberseimer revela, mais do que Gropius, Mies ou Bruno Taut
o fizeram nesses mesmos anos, quais sao as novas tarefas a que a fase de
reorganizacao produ tiva chama os arqui tectos.
A «cidade-maquina» de Hilberseimer, imagem da Grossstadt de Sim-
mel, capta, e certo , apenas aspectos marginais da nova funcao atribuida pela
reorganizacao capitalists a s grandes concentracoes de trabalho terciario . Em
todo 0 caso, acontece que perante a actual izacao das tecnicas de producao e
a expansao e racional izacao do mercado, 0 arquitecto produtor de «objec-
tOS))passa a ser urna figura inadequada, 18 nao se trata agora de dar forma
( " ' J Daqui 0 esque rna de «cidadc vert ica l» que , s egundo Grass i (op, cit ., p. 10J se coloca como
alternativa teorica da «cidade para tn," rn ilhoes de hab itan tes» apre sentada por Le Corbus ie r em
1922 no Salon d'Autornne. De notar ainda que - mau grado o nororio rigor de Hilberseirner e
de todos 0, grupos inrclccruais «radicais» dai em diant e - a autocrit ica feita pouco depois da
sua ida para os EU A 0 aproxirnaria U05 mi tes cornunitarios e naturali stas que nao serao des
ult irnos ingredientes ideologicos do New Deal.
(") L. Hilberseimer, op . cit., p. 21.
("") Ibid.(") Cfr . Peter Behrens , Einfluss vOIl Zeit ,md Raumausnutzung auf Moderne Formentwicklung,
in D er v e rk eh r, Jahrbuch des Deustschen Werkbundes 1914, Engen Diederichs Verlag, lena
1914, pp. 7-10.
72
j~
:----......._..;,._._.,. ~~r--____,~I--------!IIII If
o G J G J 0= = = n ......
A ~N mAJl o • 4C Jo ~'Q~.,.~..~. : I I I H ~. "
[ . _ , . ' M4 T~~ . : 1 0 ( , 0 0 1 1 1 ' 1 . " It· I Y t J l ,. l l l, I I j P l " I l ' lo l ; ! '
13 - Ludwig Hilberseirner, ilustracoes do volume Grossstadtarchitektur, Stull-
gar t 1927.
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 3/8
a elementos isolados do teeido citadino nem , no l imite, a simples prototipos.
Individualizando na eidade a unidade real do cielo de producao, a unica ta-
refa adequada para a arquitecto e a da organizacao desse mesrno ciclo: Le-
vando esta proposta ao extreme, a actividade de elaborador de modelos de
organizacao, da qual Hi lberseirner faz questao de nao se desviar, e a (mica
em que se conjugam completamente a necessidade da raylorizacao da produ-
c;:aoconstrutiva e a nova tarefa do tecnico, nela integrado ao nfvel maximo.
E com base neste posicionamento que Hilberseimer pode evitar envol -
ver- se na «cr ise do objecto- enunciada em tom ansioso por arquitectos comoLaos au Taut. Para Hilberseimer, 0 «objecto» nao entra em crise: este ja
desapareceu do seu horizonte de consideracoes. 0 unico imperative que so-
bressai e 0 ditado peJas leis da organizacao; nisto reside, como correctamen-
te se compreendeu, 0 maior valor do contributo de Hilberseimer.
Aquilo que, em contrapartida, nao se compreendeu foi a renuncia to-
ta l do mesmo Hilberseimer em considerar a arquitectura como urn instru-
mento de conhecimento. Ate Mies van der Rohe diverge sobre este lema.
Bastante proximo da posicao de Hilberseimer nas casas berlinenses da Afri-kanische Strasse e incerto na apreseutacao da Weissenhofsiedlung de Stutt-
gart, no projecto para 0 ar ranha-ceus curvilineo em vidro e ferro, no monu-
mento a Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, no projecto para habitacoesde 1935, e no fundo tarnbern na casa Tugendhat, ele sonda as margens de
recuperacao de que a arquitectura ainda dispoe.Nao nos interessa aqui acompanhar, nas suas articulacoes internas, a
dialectica, que, em tais bases serpenteia no interior do movimento moderno.
Interessa sobretudo subl inhar que uma boa parte das contradicoes e dos obs-
taculos com que este se depara nascem da tentativa de separar propostas
tecnicas e fins cognitivos.
A Frankfurt planificada de Ernst May, a Berlim adrninistrativa de
Martin Wagner, a Hamburgo de Fritz Shumaeher, a Arnsterdao de Cor van
Eesteren, sao os capitulos mais importantes da historia da gestae social -de-
mocrata da cidade. Mas lado a lado com os oasis de ordem das Siedlungen
- verdadeiras utopias construidas, a margem de uma realidade urbana por
elas bern pouco condicionada - as cidades hist6ricas e os territories produ-
tivos continuarn a aeumular e a multiplicar as suas contradicoes. E Sao em
grande par te contradicoes que bern depress a se revelarao rnais decisivas dosinstrumentos elaborados pela cultura arqui tectonica nurna tentativa para as
controlar.
E a arqui tectura do expressionismo a recolher a ambfgua vital idade da-
quelas contradicoes, Os Hoje de Viena e os edificios publicos de Poelzig ou
de Mendelsohn sao, sem duvida, estranhos as novas metodologias de inter-
vencao elaboradas pelos movimentos de vanguarda. Mas, apesar de estas ex-
periencias recusarem, de modos diversos, situar-se dentro de novos horizon-
tes descobertos pela arte que aceita a propria «reprodutividade tecnica»
como meio para influenciar a cornportamento humano, eles parecern assu-
mir urn valor crftieo precisamente quanta aos desenvolvimentos das moder-
nas cidades industriais.
74
1;:1
,)
14 - Peter Behrens, vistas do hall central dos services administrativos da
Hoechst, em Frankfurt, 1920-1928.
75
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 4/8
Obras como a Grosses Schauspielhaus em Berlim, de Poelzig, a Chile-
haus ou as outras obras de Fritz Hoger, as fabricas berlinenses de Hans Her-tlein ou dos 'Paulus, nao constituem, decerto, uma nova realidade urbana,
mas testemunham, recorrendo a s exacerbacoes forrnais rep Jetas de pathos,
as cont radicoes da realidade operante.
Os dois p6los do expressionisrno e da Neue Sachlichkeit simbolizarn de
novo a cisao imanente 11ad ialectica da cultura europeia.
Entre a destruicao do objecto e sua substituicao pOT urn processo de
viver como tal, operada pela revolucao art fstica do Bauhaus e pelas corren-
tes construt ivistas, e a exacerbacao do objecto propria do arnbiguo eclectis-mo expressionista n3.0 ha possibi lidade de dialogo.
Mas nao nos deixernos confundir pelas aparencias. Trata-se de urnadialectica entre intelectuais que reduzem 0 proprio potencial ideologico ainstrumentalizacao de programas avancados por urn sistema produtivo em
via de reorganizacao, e intelectuais que dao resposta a s «necessidades secun-
darias. da burguesia europeia. 0 subjectivismo de Haring ou Mendelsohn
assume sern diivida, neste sentido, um certo significado crftico relativamente
ao taylorismo de Hilberseimer ou de Gropius. Mas, objectivarnente, t rata- se
de uma cntica feita a y_artir de posicoes retr6graaas e portanto, peJa SLllC
propria natureza, - incapazes de proper alternativas giobaisr").
A arquitectura autopublicitaria de Mendelsohn e criacao de «menu-
mentes» persuasivos ao service do capital comercial; 0 intimismo de Haring
li ra partido das tendencias tardo-romant icas da burguesia alema. Todavia,
quem apresenta a dialectica da arquitectura de 1900 como ciclo unitario naoesta totalmente errado.
A recusa da contradicao, como premissa de object ividade e racionali-
zacao da programacao, revela a parcialidade do seu prop6sito , precisamente
no momenta de maxima tangencia com as estruturas do poder politico. A
experiencia centro-europeia dos arqui tectos social-dernocratas tern como
(") Nes te sent ido, conside ra rnos multo d iscut fvel a lei tu ra , rece ruemente reproposta por Zevi ,
de ur n Mende lsohn «expr es sion is ta» e cou tcs tatar io . Cfr. Bruno Zevi , Erich Mendelsohn, opera
completa. Architeuura e immagini architettoniche, Etas Kornpass, Milao 1970 , Toda a prirneira
producao de Mendelsohn se situa sob 0 signo de uma ace it acao n ie tz scheana do real . Nao se ria
d ifl ci l dernonst ra r que tan to as collages ilescala ur bana ( a r enovacao da sede do «Berl iner Tage-b lat t» e rn Berl im e os armazens Epstein em Duisburg), como as suas intervencoes no coracao da
Ber lim ter ciari a e stao profundarnen te imbuidas da cul tu ra soc io logica a lema dos primord ios do
secu lo XX, em re lacao ao comportarnen to me tropo li tano . as instrurnentos Iormais especificos
usados por Mendelsohn - que alias Zevi Ie cor rectarnerue ~ tendern clararnente p!! ,:a~Sllela in-
tensi /icm;ao d o estimulo sensorial sobre a «vi da nefvosa» (- ervenlebenj que 'Georg Simmel, no
ensaio arras invocado, reconhecc como 'cteito ttpico da Grossstadt, I ;obre_0 .:<individuo i T I e t I o j l o h -t ano». E couvem nao esquecer que, t an to para Sirnrnel como para Mende lsohn , t al intensi fi ca 30
dos es t fl l l ll ios mio passa-de u;i1a condicao para alcancar nina racionalidade sllPCrJOf erstand}.
So6relVrelliJelsiiJ'ln"';"'iio 'que sC'refere a estes aspectos, ha dois ensaios jil tcrcss il llfcs que sao nor-
rnalmente esquecidos pelos h is to ri adore s que se tern debrucado sobre 0 arquitecto alernao: Kar l
Weidle , Goethehaus lind Einsteinturm. Zwei Pole heutiger Baukunst, Wissenschsftlicher Verlag
Dr, Zaugg u. Co., Stuttgart 1929, e Werner Hegernann, «Mendelsohn und Hoetger ist «nicht»
[ast Gani; Dasselbe»? Eine Betrachtung Neudeutscher Baugesinnung, «Wasmuths Monatwhef te f iir
Baukunst» XII, 1928, heft, 9, pp. 419-26.
76
D IE R E IH E N S TA D TE S CHDORM<ROHB ERG
.~
,ep
15- Plano regional do sistema Eschbom-Cronberg, 1931.
77
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 5/8
condicao propria respeitar a unificacao entre poder adrninistrativo e propos-
ta intelectual. Neste sentido, nao e fruto do acaso que May, Wagner ou
Taut assumarn cargos polfticos na adrninistracao das cidades social-democra-
ticas. Se agora e a cidade no seu conjunto que assume a estrutura de uma
maquina industrial, nela deverao encontrar solucao diversas categorias de
problemas: primeiro que tudo, 0 que deriva do conflito entre 0 estatuto da
r~nda fundiaria, q~e com os seus rnecanismos parasitarios bloqueia a expan- ~sao e a actualizacao do mercado da construcao civil,
ea necessidade de or-
ganizar a rnaquina-cidade de modo global.
. A proposta arquitectonica, 0 modele urbano que com base nela se ar-
ticula, ~s premissas economicas e tecnol6gicas que ela pressupoe - propr ie-
dade publica do solo e estruturas de industrial izacao da construcao civil ' c l i -
mensionadas com base em ciclos de producao programados para 0 ambito
urbano - estao indiscutivelmente ligados ent re si, A ciencia arqui tectonica
integra-se totalmente na ideologia do plano, e as proprius opcces formaisnao passam de variaveis que dela dependern.
_ To?a a obra de May em Frankfurt pode ser interpretada como expres-
sao maxima de uma tal «poli tizacao» concreta da arquitectura. A industriali -
zacao do estaleiro de const rucao civi l adere a unidade minima de producao
particularizada na Siedlung; dentro dela, 0 clemente primario do cicio indus"
trial conjuga-se com0
micleo dos services (a Frankfurter Kuche};0
dirnen-sionarnento das Siedlungen e a sua deslocacao na cidade sao autorizados
pela politica comunal sobre os terrenos directarnente geridos em comum: a
flexibiliclade do modele formal da Siedlung passa a ser aqui 0 elemento que
confere 0 cunho cultural, que torna «reais» os objectives polit icos plenamen-
te assumidos pela arquitectura.
A propaganda nazi fala dos bairros de Frankfurt como socialismo cons-
truido: n6s devemos interprets-los como social-dernocracia realizada. Mas
atencao: a coincidencia de autoridade polftica e intelectual tem urn objective
de simples mediacao entre estruturas e superestruturas. E isto reflecte-se
clararnente na propria organizacao da ciclade. A economia techada da Sie-
dlung espelha-se na cornpartimentacao da intervencao, que deixa intactas as
contradicces de uma cidade que nao e controlada nem reest ruturada en-
quanta sistema face a nova deslocacao dos centres produtivos no terri torio.o utopismo da cultura arquitectonica da Europa central entre 1920 e
1930 consiste precisarnente no seguinte: na relacao fiduciaria insti tuida entre
intelectuais de esquerd a, sectores avancados do «capitalismo democratico»
(pense-se , por exemplo, num Rathenau) , e administracces democraticas.
Num tal quadro, as solucoes sectoriai s, apesar de tenderern a apresentar-se
como modelos al tarnente generalizados - polf tica de expropriacoes, exper i-
mentacoes tecnologicas, elaboracao formal da tipologia da Siedlung - sao
boas provas da sua limitada eficienciar").
(' '' ) Nao ex is re a inda um estudo comple te sobre a h is to ria da gestae soc ial -der nocr ata das cidades
europe ia s ent re as duas guer ra s. Pa ra urna anal is e do terna torna-s€ necesa rio recorre r a s fontes,
", reco lhas dJS r ev istas «Das neue Fr ankfurt», «Die neue Stad t» , "Die Form». etc. (Cf r, agora 0
A Frankfurt de May, como a Bedim de Machler e Wagner, tende, sern
rhivida , a reproduzir 0 modelo de propriedade a nivel social, a fazer com que
a cidade assuma a «f igura» de maquina produtiva, a concret izar na est rutura
urbana e no mecanisme de distribuicao e consumo a aparencia da proletari-
zacao geral (0 interclassisrno das propostas urbanfsticas da Europa central eo object ive continuamente proposto a nivel teorico).
Mas a unidade da imagem urbana, rnetafora formal da «nova sfntese-
proposta, sinal leglvel do exaltante dominic cotectivo sobre a natureza e 50-
bre os meios de producao, presos no ambito de uma nova utopia «humana»,
nao e realizada pelos arquitectos alernaes nem pelos holandeses, Estes, es-
t reitarnente integrados em poltticas de plano especlficas a nfvel urbane e re-
gional, elaboram modelos de integracao generalizaveis, como 0 modele da
Siedlung 0 prova.Mas tal constante teorica reproduz na cidade a forma desagregada da
cadeia de montagem paleotecnica. A cidade mantem-se como urn agregado
de partes, unificadas funcionalmente ao nivel minima; e mesmo dentro do
«bloco» individual - 0 bairro operario - a unificacao dos rnetodos nao tar-
da a revelar-se urn instrumento aleatoric.A crise, no ter reno especifico da arquitectura, explode em 1930 na Sie-
mensstadt de Berlim. E incrivel como a historiografia conternporanea nao
tenha ainda reconhecido, na farnosa Siedlung berlinense planificada por
Scharoun, 0 nohistorico no qual se evidencia uma das mais graves fracturas
110 seio do «movimento moderno».o postulado da unidade metodologica do design nas suas diversas esca-
las dimensionais revela na Siernensstadt 0 seu proprio caracter utopico Com
base num desenho urbane (que se pretendeu, talvez correctamente, referir
as deforrnacoes ir6nicas de urn Klee), Bartning, Gropius, Scharoun, Haring,
Forbat demonstram que a diluicao do objecto arquitect6nico no processo
formativo do conjunto choca com as contradicces do proprio movimento
moderno. Contra Gropius e Banning, que se rnantem fieis a concepcao da
Siedlung como cadeia de montagem, colocarn-se as alusivas ironias de Scha-
roun e 0 alardeado organicisrno de Haring. Se , para usar 0 bem conhecido
termo de Benjamin, na ideologia da Siedlung se consuma a «destruicao da
aura», tradicionalmente ligada ao «bloco» arquitectonico, os «objectos» de
Scharoun e de Haring tendern, peJo contrario, para a recuperacao de uma«aura», mesmo se condicionada pelos novas modos de prcducao e por novas
estruturas formais.
volume Die form. S timme des deu tschen werkbundes , Ber telsrnann Fachver lag, Bcr lim 1969) .
Consultar ainda: Justus Buekschmirt, E rn st M a y, A. Koch Ver lag, Stuttgart 1963; Barbara Miller
Lane, Architecture and Polit ics in Germal1Y, 1918-1945, Harvard Univers ity Press , Cambr idge
(Mass .) 1968; Enzo Collott i, 11Bauhaus nell' esperienza polit ico-sociule del/a Repubblica di Wei-
mar , «Controspazio», 1970, n. 4-5, pp, 8-15; Carlo Aymoriino (organizado por), L 'ab i ta z io n e r a -z ionale . Att i dei Congressi ClAM, 1929-1919, Marsilio, Padua , 1971; Manfredo Tafur i , Socialde-
mocrazia e cilia nella Germania di Weimar, «Contropiano», 1971 n. 1, pp. 207-23; M, Tafuri,
A us tr om a rx is mo e cilia, « D as r ot e Wiel1», «Cont ropiano» , 1971>n . 2 , pp. 259-311 , Sobre os re -
, 1 . 1 l tados da exper icncia alerna, ver 0 documentado volume de Marco De Michel is c Erne510 Pasi-
ni, La cilia sovietica 1925·1937, Marsilio, Veneza, 1976.
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 6/8
.. t dt ttuaco em Frankfurt, l oi cons-o Bairra Economico Romersda Splelairma Mietheim A.G., ou-nu ido em terrenos oxpropna 05
rante 0 bianio 19?7f8. . ' I En Q Ernst May emo project? do Bairro toi organlzad~ts~r~ aogBoehm, q planocolaooracao com a empr_esade -se 9deuma rnanerra bas-de edificaG8.0da s hablta~es :~ecd~O~strada no "Ringmauer»,tante unl torrne. Na cons rU9 . BDA Schaupp: na es-
colaborararn os ~r~iterO:m d~sf~~~itectos da BDA' Blattner;trada -trn Heiden e »or - d entrada sui do Sairro, nano bloeo octdentai de nabnacoes ~r uitectos da BDA Franz
ZWEIFAMILIEWWOHNHAijl «Hadrianslrasse», cooperar~m :Iab~rou 0 Eng.' May que era'OD. UNDOeeOGBCHOSI Schuster e nas reslantes pa eS
BDAC -H Rudol f.
tuncionario da firma Architekt ..
,. .. dt em Frankfurt, planimetria, tipos16 - Ernst May e co le g as , .':iledlun
g. ~o(~"e~~~a~ ne u Frankfurt», 1928, n. '" 7-8).
de construcao e tabelas cornparanvas e
r
;
I,I
80
S IE DlU N G R CMER ST A DT !AUHE " MIEIHEIM A. G.
F r an k f. K i ic h ie
Haus-
ZCl'oha lne ilL" '9
u,W"rmwalfer'...arforgllng
Ourdlrchnith'We:t1e b~iden HC!lupt.E i nr ic h 1u I1 I ge n 2 .
Elle ic ll~ .erL .ng d.
Hau.$hal~duhrlt,
end Z en . t r i ! : 1 3 1 ' 1 -
ta gE l 1'1
1'211
"' "00
Ku¢he rs-~, Kammer
395 Bad ss~"I.
4 ' 106.. .,l : J D
De resto, 0 episodic da Siemensstadt e apenas 0 rnais clamoroso. Ex-
ceptuando 0 caso da Arnsterdao planificada por Cor van Eesteren, entre
1930 e 1940 0 ideal dos movimentos const rut ivistas europeus, que consiste
em dar vida a uma cidade de tendencia, entra decisivarnente em crise.
Mas a crise e principal mente inerente a poli tica urbarust ica duplarnen-
te desastrosa accionada pela social-democracia europeia . Enquanto tentativade controlo dos movirnentos de classe revela-se imediatamente contraprodu-
cente; e enquanto tentative para dernonstrar a superioridade de uma cons.
trucao directamente gerida pelas organizacoes operarias e sindicais (a De-wog e a Gehag, ua Alernanha), a cidade das Siedlungen rnantem-se alheiaaos processos de reorganizacao global do terri torio produt ivo.
Existe, no entanto , uma razao ulterior devido a qual 0 balanco da ges-
tao social-demoeratiea da cidade se salda em passive. Eo proprio modele de
intervencao baseado na Siedlung que faz parte de uma ideologia ant iurbana
global: uma ideologia que, se por urn Iado se entrelaca na jeffersoniana, por
outro Jado tern profundas raizes na tradicao do pensamenro socialista (mas
nao no pensarnento de Marx: recordern-se as passagens sobre 0 significado,
polit ico da grande cidade, no Capital enos Grundrisse). Na base da reorga-
, nizacao urbanfstica conduzida por May e pOl' Martin Wagner esta 0 postula-
, do da negatividade ern absolute da Grossstadt. A Siedlung e , porranto, um
'oasis de ordern , urn exernplo de COmo se torna possrvel, atraves das organi-
zacoes da classe operaria, propor urn rnodelo alternativo de desenvolvimento
urbane, urna utopia realizada Mas essa mesma Siedlung contrapoe declara-
damente 0 modelo do '<campo» ao da grande cidade. E Tennies contra Sirn-
mel e Webert"). A tecnologia renovada dos estaleiros de const rucao civil de
Frankfurt , por Ernst May, insiste nurna proposta globalmente antici tadina.
Assim, naqueles bai rros e legfvel a intencao de unir solidamente 0 desenvol-
vimento dos novos sistemas de producao na const rucao civil a uma organiza-~ ao fragmentada e estatica da cidade
o que nao esta parado, A cidade do desenvolvimento njio aceita
«equilfbrio» no s eu se io : ta mbe rn a ideologia do equilfbrio se revel a politica-mente desastrosa.
Convem em todo 0 caso referi r que as utopias antiurbanas tern um a
continuidade historica, que vai das propostas iluministas -e, a proposito,
nao se deve esquecer que as prirneiras teorias anarquistas sobre a necessida-de de urna «dissolucao das cidades» surgem precisamente na segunda meta-
de do seculo dezoitot?') - a teoria da cidade-jardim, ao desurbanisrno 50-
vietico , ao regionalismo da Regional Planning Association of America
(RPAA), ii Broadacre City de Frank Lloyd Wright. Do ant i-industrial ismo
(m) 0 volume de Ferdinand Tunnies, Gemeinschait und Gesellschajt [Comunidade e Sociedade],
e publicado ern 1887,mas com a sua propaganda nosralgica a «comunidade originari a». contra "sociedade organizada, exprirne uma ideologia que se ra apropriada pela urbamsuca de entre asduas guerras, para alern das tendencias populisras dos anos 50 ,
C ') DO maximo interesse, sobre esta materia, e 0 volume de William Godwin, Enquiry Cancer-
nillg Poli tical Justice, Londres 1793, no qual 0racionalisrno i luminisra e levado ao ponto de pro-
II I
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 7/8
1/~ Il"LAG ENGLERT VNO ICHLOISER IN fR ANK fURT AM MAIN
d <n\
0\
~i<-
0"'1
~
~. .""" " " '< r
-J,
.;::t
d
17- Capa da rcvista «Das neue Frankfur t", 1929, n." 7-8, dedicada aos trans-
partes.
82
j effersoniano , manifestamente influenciado pelas teorias fisiocraticas france-
sas, ao Auflosung der Sti id te cleBruno Taut, explicitamente referido ao pen-
sarnento de Kropotkin, ao modelo da Siedlung (heranca de propostas oito-
centistas), em Broadacre aquilo que se exprirne e uma profuncla nostalgia
pela «comunidade organica» de Tonnies, pela sei ta religiosa alheia a organi-
zacoes externas, por urna comunhao de individuos que nao conhecarn a an-
gustia da alienacao metropolitana.
E certo que a ideologia antiurbana se apresenta sempre com um rostoanticapital ista, quer se trate do anarquismo tautiano, quer do social isrno el i-
co clos desurbanistas sovieticos, quer das libertinagens dornesticas de
Wright(2). Mas a sua revolt a angustiada contra a «metropole desumana»,
dominada pelo fluxo cia corrente rnonetaria, nao passa, af inal, de nostalgia,
de recusa des niveis mais elevados cia organizacao capitalista, de aspiracao a
regress6es a infancia da humanidade. E quanclo essa icleologia se insere
numa perspectiva avancada de reorganizacao cia construcao residential e c1e
reestruturacao territorial - como e 0 caso da RPAA(3) - esta inevitavel-
mente destinada a ser reabsorvida e deformada pelas contingentes exigencias
das medidas anticonjunturais: a pol itic a territorial irnpulsionada pelo New
Deal nao satistara as expectativas de Henry Wright, Clarence Stein, nem de
Lewis Mumford.
omodelo do «paese» articulado regionalmente - retomado ap6s1945
em Italia com explicitas tonalidacles populistas - nao subsiste perante a
nova dirnensao urbana subsequente aos novos nfveis de organizacao produti-
va. A aspiracao a Gemeinschaft, a comunidade organica, nao por acaso tam-
bern tao viva DOpensamento das esquerclas alernas dos aDOS20, esta clestina-
da a sucumbir, como hip6tese sem possibilidade de exito, perante a Gessel-schaft , 0 elo irnpessoal-alienado da sociedade organizada na e pela grande
metr6pole.
Esta ultima, par sua vez , ao pretender estender a toclo a territorio os
seus modos de existencia, coloca 0 problema cia espiral desenvolvimento-de-
sequilfbrio: as teorias clo plano baseadas na hip6tese c10 reequilfbrio - com
jectar uma sociedade na qual 0 cstado e dissolvido e os individuos - guiados por urna raison
autolibertadora - sao reunidos ern pequenas comunidades, privadas de leis e de instituicoes cs-taveis. err. G _ O _ H _ Cole, Socialist Thought: the Forerunners (I789-J850), Macmillan, Londres
1925_
( 7 2 ) Sobre a ideologia wrightiana da «wilderness" c da anticidade , cfr. Edgar Kaufmann jr.,
Frank Lloyd Wright : the l lth. Decade, «Architectural Forum», CXXX, 1969, n." 5; Norris K.
Smith, F . L/. Wrigh t. A S tudy in Arch it ec tura l Conten t, Prent ice Hal l Inc. , Englewood Cl iffs (N.
J.) 1966 ; Reiner Banharn, The Wi lderness Year s o f Frank Lloyd Wrigh l, "RIBA Journa l», 1969,
Dezernbro, e principalmente Giorgio Ciucci, Frank Lloyd Wrigh l, J908-1938, dal la c ri si a t mi to ,
«Ange lus Novus» 1971, n." 21, pp. 85- 117.
('l) Sobre a ac tividade da Regional Planning Assoc iat ion of America, clr. Roy Lubove, Commu-
n it y Planning in the 1920's .· t he Cont ribu tion of RPAA , Univers ity of Pittsburgh Press , Pit tsburgh
1963. e Mel Sco tt , American City Planning since 1890, Unive rs ity of Cal ifo rn ia P re ss , Be rkeley c
Los Angeles 1969. Sobre a actividade e sobre 0 si gnificado hisrorico da RPAA. cfr. F. Dal Co,
Dai parchi alia regione, in La dud americana dalla guerra civil e al New Deal, Laterza, Rorna-
Bari 1973, pp. 149 e scgs.
83
5/9/2018 TAFURI - Projeto e Utopia cap tulo V - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/tafuri-projeto-e-utopia-capitulo-v 8/8
18- Karl Schneider, bloco residcncial «Raurn», na Jarrestrasse de Hamburgo,
1929. Em cirna , axometria e tipos de const rucao; em baixo, fotografia do con-
junto realizado.
84
as sovieticas a cabeca - acabarao tarnbern por ser revolucionadas apos a
grande crise de 1929.
A improbabilidade, a poli funcionalidade, a multiplicidade e a desorga-
nicidade , em todos os aspectos cont radit6rios assumidos no seio da moderna
metr6pole terciaria , mantern-se assim alheias a s tentativas de racionalizacao
da arquitectura centro-europeia.
8 S