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TAI A FOTOGRAFIA NA ERA DO REMIX
Ana Carolina Teles Figueiredo 1
Renata Capuzo Mendes Carvalho 2 Laura Helena Rosa 3
Leonardo Eloi Soares de Carvalho 4
RESUMO Na contemporaneidade, tornam-se pertinentes as discussões sobre os direitos autorais das
propriedades intelectuais. Aqui será avaliada a legislação, a ética e a moral, o processo criativo da fotografia e a direção da originalidade artística, delineados pelas definições de cibercultura e os estudos da cultura do remix. Ainda explora a prática da questão no olhar do fotógrafo Kazuo Okubo. Palavras-chave: Direito autoral. Fotografia. Ética. Remix. _____________________________________________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
Medir a relevância de um trabalho fotográfico é contingente. Ainda que a
fotografia seja um recurso científico de fixação de imagem e um documento, é,
acima de tudo, aceita e estabelecida como forma de arte. Essa arte que tem o poder
de revelar ou transformar a realidade. A fotografia se dispõe em inúmeros ramos
sociais e culturais. Vemo-la em gêneros de eventos, como forma de publicidade, em
exposições e trabalhos culturais com diversos temas etc. Ao pensar no avanço
tecnológico e em seu abarcamento de possibilidades, pode-se introduzir uma
preocupação pertinente: os direitos autorais sobre as obras fotográficas em seu
processo criativo. Com o poder de tornar ilimitada a comunicação e o alcance,
facilitar cópias, reproduções, releituras etc., a internet traz um agravo aos fotógrafos
e profissionais que usam a criatividade como ferramenta, à medida em que se
identifica uma rigidez na Lei dos Direitos Autorais a proteger mais os interesses do
autor do que o bem comum (sociedade). Investiga-se uma exigência sociocultural da
democratização do processo criativo, ainda que se identifique dos profissionais que
1 Graduanda do curso de Fotografia e Imagem da Faculdade Cambury. Email: [email protected] 2 Graduanda do curso de Fotografia e Imagem da Faculdade Cambury. Email: [email protected] 3 Graduanda do curso de Fotografia e Imagem da Faculdade Cambury. Email: [email protected] 4 Orientador e co-autor deste artigo. Mestre em Cultura Visual pela FAV-UFG e professor na Faculdade Cambury, Senac e IPOG. Email: [email protected]
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vivem da arte, em suma os fotógrafos, uma diligência pelo direito autoral. Baseado
nisso o estudo tem relevância acadêmica e social enquanto propõe uma possível
conciliação entre a aclamação de propriedade criativa com a disseminação de
acesso que a internet proporciona.
Este artigo científico tem como objetivo geral identificar as leis dos direitos
autorais que regem a fotografia e explorar os estudos de sociologia da comunicação
que defendem a teoria da cultura do remix de autores como Kirby Ferguson, diretor
do documentário Everything is a Remix, André Lemos, autor do ensaio “Cyber-
Cultura-Remix” e Lawrence Lessig, autor do livro Free-Culture. Como objetivo
específico, serão analisados, nos preceitos da ética e da moral, os limites da
inspiração e da cópia, propondo uma discussão sobre a originalidade e a não
originalidade nas obras fotográficas. Utiliza-se o método dedutivo de pesquisa de
referencial bibliográfico (documental) qualitativo, na normativa da constituição em
que se encontra a lei dos Direitos Autorais, além de livros e ensaios sobre direito do
autor e ética. Decorrerá entrevista para obtenção de dados com o fotógrafo Kazuo
Okubo, que será a efetivação das análises propostas.
1. Direitos Autorais
Todas as obras de criação intelectual estão protegidas desde sua criação.
Direito Autoral ou Direito do Autor são os direitos legais, pessoais ou patrimoniais
dos autores sob suas obras intelectuais, sejam elas literárias, artísticas ou
científicas. Segundo o Escritório Geral de Arrecadação e Distribuição (ECAD5),
direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou
jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa aproveitar os benefícios
morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações.
O Direito Moral diz respeito aos direitos pessoais do autor. Estes são
inalienáveis e irrenunciáveis, não há como vendê-lo ou transferi-lo, o que garante ao
autor a paternidade da sua obra e exige seus créditos e o direito de reivindicar sua
autoria. A lei também assegura a preservação da originalidade da criação.
O direito patrimonial é aquele que diz respeito ao direito de uso, reprodução,
tradução etc. do autor. Esse direito, pode-se vender, negociar, com ou sem valores
5 O ECAD é um escritório privado que, de acordo com o seu regulamento de definição de valores, cuida das arrecadações e distribuições dos direitos autorais das músicas para os autores.
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financeiros, mediante contrato. Este é um direito limitado e pode ser transferido total
ou parcialmente.
A autoria da criação é assegurada ao autor da obra intelectual por meio dos
direitos morais. Os direitos patrimoniais se referem principalmente à utilização
econômica da obra intelectual. Ao autor pertence o direito exclusivo da utilização de
sua obra conforme sua vontade, assim como permitir que terceiros a utilizem parcial
ou totalmente.
A Lei nº 9.610, de 1998, conhecida como Lei dos Direitos Autorais, regula os
direitos relacionados ao autor e suas criações. O Art. 5º prevê a publicação como
oferecimento da obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público,
com o conhecimento do autor ou de qualquer outro titular de direito de autor, por
qualquer forma de processo; prevê a distribuição de maneira que se coloque à
disposição do público o original ou cópia de obras, mediante a venda, locação ou
qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse; a reprodução
através da cópia de um ou mais exemplares de uma obra literária, incluindo qualquer
armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos, ou qualquer outro
meio de fixação que venha a ser desenvolvido; também previsto na lei os casos de
contrafação, ou reprodução não autorizada; no caso do editor, a lei respalda à
pessoa física ou jurídica o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de
divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição.
A fotografia é uma obra intelectual. Isso está descrito e afirmado por lei. E,
portanto pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou
(Art. 22, Lei 9610/98).
São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas
por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia. (Art. 7, Lei 9610/98)
Legalmente, existem meios de “provar” a autoria de uma obra com registros
documentais da produção da mesma e também com os registros oficiais em cartório.
A partir daí, os direitos patrimoniais do autor poderão vigorar. Visto que os morais
independem do registro.
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1.2 Plágio e Cópia
Os direitos autorais nas obras são simbolicamente representados pelo termo
copyright (©): s.m. (pal. ingl.) Direito exclusivo de imprimir, reproduzir ou vender
obra literária, artística ou científica. A marca © que indica a reserva dos direitos autorais de uma obra. (Dicionário Online,1999.)
O plágio constitui-se do ato de apropriar-se, reproduzir, imitar, assinar ou
apresentar uma obra indevidamente como se fosse de sua autoria quando essa não
é. O Art. 33 da Lei de Direitos Autorais diz: “Ninguém pode reproduzir obra que não
pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem
permissão do autor”.
O código penal constitui como crime qualquer violação dos Direitos Autorais.
Porém não é constituída como plágio a reprodução de trechos da obra ou cópias
para uso privado e sem obtenção de lucro, por exemplo, a reprodução para fins
acadêmicos e de aprendizado.
2.0 Ética e moral
Além do que está fixado na lei, existem normativas comportamentais sociais
que regem a boa conduta da sociedade, denominados ética e moral. O termo ética
vem do grego ethos, que significa caráter. São determinados tipos de
comportamentos corretos ou incorretos. A ética é essencial na sociedade para que
ela tenha equilíbrio e um bom funcionamento social, de maneira que ninguém seja
prejudicado. Busca avaliar os conceitos em seu individual, em que cada grupo
possui diferentes pensamentos e valores por conta da diversidade de culturas e
crenças, constituindo um sistema de argumentos por onde a sociedade justifica suas
ações.
O principal uso da ética pela sociedade costuma ser na solução de conflitos
de interesse, por entre argumentos universais. Entretanto, ocorre um impasse, uma
vez que nem sempre o que é ético para um grupo de pessoas é para outros. A ética
está associada ao sentimento de justiça social, não podendo ser confundida com
leis. Segundo a Filosofia, a ética é uma ciência que estuda os valores e princípios
morais de uma sociedade e seus grupos.
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Enquanto conhecimento científico, a ética deve aspirar à
racionalidade e objetividade mais completas e, ao mesmo tempo, deve proporcionar conhecimentos sistemáticos, metódicos e, no limite do possível, comprováveis. (VAZQUEZ, 2008, p.13).
Além dos princípios gerais que definem o bom comportamento e
funcionamento social, existe também a ética de determinados lugares e também de
certos grupos em específico. Como exemplo, temos a ética profissional, e nesse
cenário será abordado o ramo da ética na Fotografia, que rege os preceitos do
comportamento ético nos trabalhos fotográficos para o profissional.
O termo moral vem do latim morales, que se relaciona ao sentido de
costumes. A moral é definida por ser um conjunto de regras que servem como
orientação ao comportamento humano, as quais são adquiridas através do cotidiano,
da cultura, da tradição e da educação. São normas de conduta que permitem um
estado de equilíbrio entre as ambições individuais e os interesses da sociedade.
A moral influencia diretamente na conduta e no modo de agir das pessoas,
constitui-se portanto de uma orientação de conduta pessoal no que tange o que é
correto ou não, moral ou imoral.
A necessidade de ajustar o comportamento de cada membro aos
interesses da coletividade leva a que se considere como bom ou proveitoso tudo aquilo que contribui para reforçar a união ou a atividade comum e, ao contrário, que se veja como mau ou perigoso o oposto. (VAZQUEZ, 2008, p.27)
Na filosofia, a moral tem uma definição mais ampla que a ética e que
estabelece as “ciências de espírito’’ que possuem todas as informações que não são
demonstradas fisicamente no ser humano.
2.1 Diferenças e semelhanças: ética e moral
Ainda que no contexto filosófico, ética e moral tenham diferentes significados,
elas possuem finalidades semelhantes. Ambas são responsáveis por construir as
bases que guiam a conduta do homem, pois atuam na delimitação de seu caráter,
altruísmo e virtudes, e designam a melhor forma de agir e de se comportar em
sociedade. A ética age nas regras de conduta da sociedade enquanto a moral age
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nas regras de conduta de uma pessoa. Enquanto considera-se ético que uma
pessoa coma carne por ela não deixar de cumprir nenhuma norma social, para outro
grupo pode ser considerado imoral, pois para comer carne tem que se matar o
animal, e essa prática atenta contra a liberdade do mesmo.
A moral engloba uma referência de conduta pessoal, já a ética agrega um
grupo de diretrizes ou normas que definem as práticas aceitas.
Ambas constituem nossos costumes e formas de agir incorretamente ou
corretamente. Uma das diferenças é que a moral define as normas e critérios de
atuação, enquanto a ética fundamenta essas normas de forma racional. Em resumo,
ética é o conjunto de determinados tipos de comportamento corretos ou incorretos e
moral é o que estabelece as regras para determinar se foi ou não correto.
2.2 Ética na Fotografia
É complexo definir o que é ético ou não, pelo próprio conceito ser passível a
múltiplas interpretações. Desse modo, cada pessoa ou grupo tem seu juízo do que é
ou não ético de acordo com os valores culturais no contexto da situação. Na
fotografia, não é diferente; para algumas pessoas, tirar uma foto de um urubu se
preparando para alimentar-se de uma criança não é ético, para outros é arte, e o
conceito de ser ou não ético não se aplica.
Fotografia 1 – Struggling Girl
Fotografia de Kevin Carter realizada no Sudão em 1993.
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Alvo de muitas críticas, Kevin Carter, fotógrafo sul-africano, atingiu a fama
com esta foto tirada no Sudão. Ganhou diversos prêmios, como o Pulitzer de
Fotografia, e depois suicidou por conta das críticas. Foi julgado por ter uma frieza
extrema e ser capaz de tirar essa foto ao invés de ajudar a criança, porém tiveram
aqueles que se sensibilizaram com a imagem por introduzir pensamentos sobre a
fome extrema do lugar. São dois pontos de vista éticos diferentes.
A prática fotográfica exige um zelo pelo comportamento ético. Investiga-se no
mercado fotográfico que não é considerado ético, por exemplo: cobrar muito barato
para conseguir clientes, não saber lidar com as críticas dos próprios trabalhos,
fotógrafos que não mantêm sigilo das informações de seus clientes, não cumprir
com os compromissos assumidos com todos os envolvidos no trabalho, entre outras
questões relacionadas à ética na fotografia e no comportamento profissional.
Para os fotógrafos, a Associação Brasileira de Fotógrafos, a ABRAFOTO, que
foi criada em 1985 vem como parceira no estabelecimento dos princípios éticos e
profissionais deles no mercado. Zela pelos direitos de autor, morais, patrimoniais e
pelos interesses coletivos culturais em geral de fotógrafos e empresas que
produzem obras fotográficas para a publicidade.
Um dos objetivos da ABRAFOTO é a aproximação entre os
profissionais, com a intenção de evitar os abusos antes cometidos. É um trabalho de conscientização difícil e demorado, devido às características de nosso mercado. Porém, um grupo coeso tem muito mais chances de resolver seus problemas comuns. (ABRAFOTO)
Além dos limites da ética, o descumprimento das normas comportamentais na
fotografia entra no âmbito legislativo e está sujeito às inferências da Lei dos Direitos
Autorais. Como exemplo: copiar uma imagem e utilizar imagens de outros fotógrafos
sem autorização é uma ação antiético e pode terminar em processo por infração dos
direitos do autor, segundo a Lei nº 9.610 , Art. 5º e Art. 33°, em específicos já
descritos neste artigo. Compreende-se que plagiar ou utilizar imagens de outras
pessoas sem especificar o copyright é antiético e ilegal e que a tecnologia
juntamente com todos os seus benefícios e a democratização do acesso a
informação trouxe essa perigosa descompensação, onde há um desregrado praxe
de cópia, plágio e releituras de obras criativas pela internet.
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3.0 Cultura do remix
A expressão cibercultura foi prevista por volta de 1999, quando Pierre Lévi
publicou a versão brasileira do livro Cyberculture, de 1997. Desde a convergência
das tecnologias da comunicação, configurou-se a contemporaneidade como a
cultura da massa, do acesso e do remix. Várias discussões puderam ser possíveis e
hoje há um interesse significativo nas análises sobre a propriedade criativa. Pode-se
investigar com autores como André Lemos, professor da Faculdade de
Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor do ensaio “Ciber-
Cultura-Remix”, os hodiernos comportamentos da sociedade em relação a
cibercultura. Segundo André, a mesma caracteriza-se por três “leis” fundadoras: a
liberação do polo da emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de
formatos midiáticos e práticas sociais. Esse processo é como um tripé; há uma
emissão do feito, em seguida, uma conexão disso na “rede” seguida pelas
reconfigurações.
Na cibercultura, a criatividade é conceituada pelo poder de “re-criação”.
Assim, a partir do século XX, podemos compreender por remix, “as possibilidades de
apropriação, desvios e criação livre” (Lemos, 2005, p.2).
A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura assim, não
uma novidade, mas uma radicalidade: uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por outros. (LEMOS, 2005, p.2)
O discurso moderno do comportamento sociocultural é de que se na internet
tem tudo, nela pode tudo. E como consequência do seu potencial, o envolvimento
em massa e as reconstruções da criatividade jogada na rede são suas
consubstancias. Essa participação coletiva se daria a livre circulação das ideias na
internet. “Estamos testemunhando a emergência de novas formas de consumo
cultural e de novas práticas sociais.” (Lemos, 2005, p.8)
O documentário Everything is a Remix, de Kirby Ferguson é uma série de
quatro vídeos que examinam a influência (remixagem) de outras obras em algumas
criações musicais, cinematográficas, entre outras. Kirby afirma: “Criação requer
influência. Tudo o que nós fazemos é um remix de criações existentes, nossas vidas
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e as vidas dos outros”. O documentário defende que não existe mistério nem
genialidade na criação original. E que a criatividade pode ser explorada e
desenvolvida por todos os outros elementos existentes na terra e isto é: cópia. “Nós
precisamos copiar para construir as fundações do conhecimento e da
compreensão”, declarou Ferguson.
Nessa altura já se questiona o paradeiro da originalidade e se é possível criar
algo novo. Kirby Ferguson explica que o processo criativo é composto por três
elementos: copiar, transformar, combinar.
A interdependência da nossa criatividade foi obscurecida por ideias culturais poderosas, mas a tecnologia agora está expondo essa conectividade. Estamos lutando legalmente, eticamente e artisticamente para lidar com essas implicações. (FERGUSON, 2010.)
Houve ainda um tempo em que todas as ideias eram livres. As maiores obras
da história já foram livremente abertas à reprodução e cópia. Foi o crescente
domínio da economia de mercado que gerou o efeito da competição agressiva, e
assim, a obsessão pelos direitos autorais, principalmente pelos direitos patrimoniais
das obras.
Isso leva a propor um gerador do problema da cópia. Uma vez que o inventor
da obra (produto/mercadoria/serviço) agrega o valor de venda ao seu produto não só
os custos de produção, mas também o valor da criatividade, por sua vez o copiador
não precisa dessa cotação, o que barateia sua “mercadoria”. “Como resultado:
criações originais não conseguem competir com o preço das cópias”, afirma Kirby na
quarta parte do documentário Everything is a Remix. Portanto, a feitura dos direitos
do autor veio com o objetivo de equilibrar esses impasses, para garantir respeito e
uma exclusividade temporária aos autores.
Segundo o documentário, a evolução da economia, a indômita luta por lucro
em todos os segmentos e a aversão natural do homem a perda transformou esse
“bem comum” em uma preocupação muito mais incisiva, a surgir então o direito de
propriedade de todas as ideias, a Propriedade Intelectual, privatizando a criatividade.
Assim, o conceito de propriedade intelectual se estendeu do seu plano, procriando
legislações, conjecturadas por leis, regulamentos e acordos variados pelas leis de
direitos autorais regentes em cada país do mundo. A carregar sempre com seu
rompimento recompensas mais atrativas ao homem, do que suas obras em si.
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3.2 Creative Commons Licenses
Lawrence Lessig é um professor de Direito, fundador da School’s Center for
Internet and Society e visionário cultural. Autor de vários livros que discutem o
comportamento sociocultural das implicações da cibercultura e principalmente do
livro liberado on-line sob licença de creative commons “Free-culture”, criou em 2001
uma organização não governamental em Mountain View, na Califórnia, que tem
como finalidade ativar licenças alternativas com menos restrições que as originais
(copyright) em prol da disseminação das obras. Creative Commons Licenses são
seis tipos de licença que nos aplicam a filosofia do copyleft6, o qual libera
permissões alternativas de compartilhamento das obras de acordo com o tipo de
licença escolhida pelo autor.
Os commons são a efetivação dos manifestos de cultura livre de todos os
defensores da remixagem; “(...)freedom to create, freedom to build, and ultimately,
freedom to imagine.”7 A preocupação não é ir contra os direitos do autor, e, sim,
transpor seu enrijecimento; é a liberdade da criatividade artística e cultural, a
expansão do volume de obras criativas acessíveis ao público.
Culturalmente, a liberdade de disseminação das obras têm bons desígnios,
mas o impasse se instala na prática quando pela visão do fotógrafo, que é um artista
mas também é um profissional e corriqueiro cidadão, tem compromissos financiais.
O fotógrafo vive e sobrevive da sua arte, portanto, para ele, os direitos patrimoniais
são mais do que significativos, por isso, tão pleiteados. Um exemplo dessa
divergência está nas obras do fotógrafo secundário de uma equipe de fotografia
social. O que acontece geralmente é que um fotógrafo é contratado para cobrir um
evento social, e esse, na maioria das vezes, usa o seu nome como nome
profissional, ex. “João da Silva Fotógrafo”. Mas, de acordo com a dimensão do
evento, ele precisará contratar um ou mais fotógrafos para a equipe que produzirá
fotografias em massa sem assinar. Outro exemplo é a disseminação das imagens
pela rede:
6 É um método de liberação do licenciamento de obras/trabalhos para reprodução, divulgação e edição livres. É o contrário de copyright que reserva os direitos do autor, é a liberdade da cópia. Criado pelo GNU Project (Free Software Foundation). 7 Ver em http://www.free-culture.cc/about/
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(...) as pessoas têm que entender que não é porque está na internet
que é de graça, ali existe o criador que fez aquelas imagens, ele merece ser respeitado e existe a lei pra isso e se for identificado, cada um tem que procurar o seu direito. (Entrevista Kazuo Okubo, 2014).
4.0 O fotógrafo: Kazuo Okubo
Kazuo Okubo nasceu em Brasília no ano de 1959, na cidade satélite do
Núcleo Bandeirante, que na época era chamada Cidade Livre. Em 1961, seu pai
montou a primeira loja, onde Kazuo cresceu entre filmes e fotografia. Trabalhou
desde cedo, lavava a loja, cortava foto 3x4 e acompanhava seu pai, que também
fotografava eventos. Iniciou graduação de Engenharia Mecânica na Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), tentou se engajar em outros cursos como
Administração e Economia, mas sem sucesso. Em 1981, voltou para Brasília, onde
trabalhava durante a semana na loja e, nos finais de semana, passou a se dedicar
aos eventos sociais. Depois da morte de seu pai, assumiu totalmente os negócios da
família, fazendo da fotografia seu principal ofício. Dedicou-se intensamente aos
estudos e, por meio da sua influência comercial, pôde conviver com grandes
profissionais, acompanhar e aprender com seus trabalhos. Como resultado disso foi
um grande fotógrafo de casamentos em Brasília.
Kazuo migrou para fotografia publicitária e se revelou em 2004 também um
grande artista que hoje é reconhecido pela sua singularidade e personalidade nas
fotografias artísticas de nu, que celebram o espírito do corpo e da cidade de Brasília,
onde comanda uma galeria de arte. Com mais de 30 fotógrafos, a Casa da Luz
Vermelha é a primeira galeria de arte do Distrito Federal especializada em fotografia.
4.1 Processo criativo
Para Kazuo Okubo, que atua na fotografia publicitária, em que, segundo ele,
tudo é muito bem definido e atestado através de contratos, a criação do fotografo é
limitada. Esse recebe as encomendas dos trabalhos pré-definidas e criadas pelas
agências que, por meio de layouts, produz o que for requisitado. O que tipificará
essa fotografia são os pequenos detalhes de personalidade e olhar do fotógrafo.
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“Ser original fica cada vez mais difícil, mas é possível, com certeza, você pode
reinventar”, evidencia Kazuo.
Fotografia 2 - Campanha 2008 Ministério Fotografia 3 - Capa do filme Beleza da Saúde AIDS Americana
Esta foto foi criada pela Master para Imagem do filme Beleza Americana, dirigido o Ministério da Saúde para uma por Sam Mendes, em 1999 (http:/minhavisao campanha sobre a AIDS docinema.blogspot.com.br/2013/02/classico (http://olhares.sapo.pt/kazuookubo) -em-cena-beleza-americana.html) Uma campanha feita em 2008 para o Ministério da Saúde do governo federal,
com fotografia de Kazuo Okubo, ilustra uma forte referência de inspiração da
publicidade no cinema. A capa do filme Beleza Americana, dirigido por Sam Mendes,
em 1999, é reproduzida por uma modelo com seu significado reconfigurado.
Na publicidade, a certificação de autoria criativa, dos direitos de autor e de
imagem é assegurada de maneira forense. Sujeita a descumprimentos como toda
norma, tem sua sanção garantida no Código Penal.
Sobre o processo de criação das obras artísticas, Kazuo Okubo é bastante
rígido. Diferente da fotografia publicitária, encomendada, a arte do fotógrafo é
totalmente pessoal e íntima.
O artístico é o ‘eu’. O “Eu Kazuo” com minha ideia doida(...). Quando
se é contratado para realizar obras comerciais ou quando se comercializa obras artísticas, me pertencem os direitos morais, porém, não mais os direitos patrimoniais, pois estes são de quem os pagou. O patrimônio é comercializado, a autoria jamais, a autoria eu diria que é intransferível. É como um filho tem DNA, é seu pra sempre. (Entrevista Kazuo Okubo, 2014).
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Há uma estima do criador pela sua obra. Apesar da consciência de influências
externas e variadas em todo processo de criação, o que se investiga através do
fotógrafo é que no mundo da fotografia o que é apelidado por “chupada crua” é mal
visto. A cópia eminente nas obras, o que ficar explícito as percepções não é bem
aceito. Ainda que a arte pareça aceitar esses remixes, o processo de criação
artística para o fotógrafo ainda é muito delicado.
Para Kazuo Okubo, proteger sua criatividade é importante. Quando se dispõe
a um trabalho fotográfico, mesmo publicitário, é ponderoso não entrar em contato
com o tema através de obras de outras pessoas, isso pode mantê-lo absolvido das
influências e da tentação da “cópia”. Mas, também, o fotógrafo é consciente da
condição fugaz da criação e sabe que, por todo o mundo, todos os seres estão
sujeitos às mesmas ou outras influências que ele e que poderão gerar fins análogos.
(...) às vezes você está num mesmo lugar com uma pessoa, com um mesmo equipamento, com a mesma lente, um recorta de um jeito e o outro recorta de outro. Eu acredito que você pode copiar uma imagem, mas uma história inteira, eu acho que já fica um pouco mais complicado. Eu vejo o novo fotógrafo como um contador de história. (Entrevista Kazuo Okubo, 2014).
Fica evidente que o artista põe muito esforço em sua obra. Principalmente na
fotografi, que é uma ferramenta tão poderosa de comunicação e geração de ideia.
Uma mesma imagem pode conter uma narrativa inteira, histórias, ideias. Esse é o
poder de síntese que a fotografia tem. “(...) Busco um espaço com menos gente que
possa copiar. A fotografia vai mostrar dentro dela mesma o que é o fotógrafo, é tudo
muito pessoal”, manifesta Kazuo. Observa-se, então, que toda forma criativa é
sujeita a influências no seu processo, o que é preservado nas obras são sua
essência.
4.2 Comercialização
O mercado artístico cultural para o fotógrafo ainda é um anseio. Ele busca
seu espaço e quer ser comprado, quer viver da arte, quer vender seu produto. As
leis de incentivo propiciam lugar para a fotografia, mas ela ainda não é totalmente
estimada como outras formas de arte são. A Casa da Luz Vermelha é uma galeria
de arte especializada em fotografia, onde Kazuo Okubo, a curadora Rosely
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Nakagawa e mais de 30 fotógrafos pleiteiam introduzir a fotografia na indústria
artística.
A gente está disputando um metro de parede, eu acredito muito na
possibilidade de mercado real, vários fotógrafos poderem viver das suas obras criativas e não dos mercados convencionais. (...) a Galeria é uma forma de patrocinar algo criativo. (...) Eu digo que a gente trabalha com formação de público, (...) lutamos com muito esforço e o papel da galeria é expor o artista, para que as pessoas sintam vontade de tê-lo. (Entrevista Kazuo Okubo, 2014).
Kazuo alerta que até a sistemática de impressão e ampliação de fotografias
deve ser cuidadosa. Ao enviar fotos para empresas que farão a impressão, o
fotógrafo fica sujeito à cópia sem qualquer controle. Esse trabalho precisa ser
acompanhado de um aviso importante: “Após a utilização, deletar todas as imagens.
O uso dessas imagens implicará na Lei”. Paralelamente, a imagem digital carrega
seus dados de composição, portanto, para o fotógrafo, do mesmo modo que a
internet democratizou a entrada, o artista espera da tecnologia melhores métodos de
identificação de imagem.
Esses sentimentos tornam complexa a aceitação do remix e do conteúdo livre
pelos fotógrafos, uma vez que a originalidade é o que parece ser a garantia do êxito
comercial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O avanço tecnológico e o rompimento das barreiras do acesso à informação
sugerem que a cultura do remix é algo agregado à internet e a seus efeitos. O fácil
acesso a todo tipo de informação, arte e cultura facilita as intervenções e
aprimoramentos intelectuais e complica na mesma proporção a vida de profissionais
artísticos que se apoiam na internet. Porém, com o empenho dos estudos da era
que antecede a internet, pode-se lembrar de um conceito expressado há 237 anos:
“Na natureza, nada se cria (...) tudo se transforma” (LAVOISIER, 1777). O que a
cultura contemporânea e a internet parecem fazer é expor essa condição.
Detecta-se com o estudo que as noções de autoria de obras entraram em
crise, pois a ideia de propriedade intelectual nascida pelo capitalismo da
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modernidade industrial está ameaçada pela quebra de fronteiras da tecnologia.
Assim, a presente realidade cultural potencializa a necessidade de um novo
comportamento social de cooperação ainda sem desrespeitar os direitos autorais,
mas incentivar o compartilhamento e as releituras livres da criatividade. As licenças
creative commons apresentam-se como pioneiras desse incentivo e proporcionam
ao artista formas alternativas de compartilhamento cultural e, com isso, o
rompimento da privatização criativa. Além disso, como foi investigado, o autor ganha
autonomia da sua obra, em oposição à lei que induz o autor a aspirar maiores lucros
com o confronto dos direitos autorais do que com sua obra em si.
O que vemos a partir da visão de um artista, o fotógrafo que quer e precisa
viver da sua arte, são na prática supostamente o que o copyleft tem de dificuldade
para se sustentar na fotografia. Porém a concorrência é um fenômeno comum em
todas as eras nas relações profissionais. É possível transformar a partir de uma ideia
ou significativas combinações delas, algo novo. Há um potencial poderoso nas
combinações.
Conservar e valorizar a criatividade é aceitar o processo: copiar, transformar e
combinar. A criatividade vem de fora e não de dentro como pensamos, somos
interdependentes. Portanto, propõe-se que o limite moral entre a cópia e a
“inspiração” relaciona-se às recombinações e variantes significados. Copiar é
apropriar-se; inspiração são infinitas formas de releituras e adaptações de uma
criatividade não privatizada.
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REFERÊNCIAS
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ANEXO
Tabela 1 – Licenças do Creative Commons
Tabela traduzida das definições das licenças do creative commons.