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* TAMO LÁ! * 1 JUL E AGO/2014 JULHO E AGOSTO DE 2014 Nº4 ANO 1 GRATUITO POR UMA UNIVERSIDADE ABERTA, POPULAR E AGREGADORA Sebastião Henrique Lima compar- tilha sua trajetória linda de Belém, onde nasceu, passando por sua ex- periência de trabalho em comuni- dades quilombolas, até ingressar na UFRGS como estudante cotista. DICAS O Programa Convivências Restinga presenteou os educandos com uma aula interdisciplinar de Literatura e História sobre as leituras obrigatórias 2015. Não perca as dicas! PÁGINA 6 EXPERIÊNCIA Um depoimento emocionado de uma estudante da UFRGS, com destaque para a sua passagem como aluna e educadora comprometida do Cursinho Esperança Popular. PÁGINA 3 PÁGINAS 4 E 5 A professora Laura Fonseca, da Facul- dade de Educação da Ufrgs, sugere algumas reflexões que podem ser desencadeadas pelos cursinhos po- pulares, por exemplo, o debate sobre a garantia de acesso e permanência na Universidade. O educador do cursinho Gabriel Gonzaga fez uma entrevista com o Mestre de Capoeira Bolívar, que nos conta seu sonho de construir o projeto “Senzala Livre” na Restinga. COMUNIDADE PÁGINAS 7 PÁGINAS 8 FUTURO GALERIA Cintia Pereira Lucas, educanda do cursinho Esperança Popular, faz um- texto poético sobre infantilidade. PÁGINA 6 Foto de Cadinho Andrade

TAMO LÁ - JUL/AGO

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4ª edição do "Tamo Lá", jornal do cursinho Pré-Vestibular Esperança Popular Restinga

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Page 1: TAMO LÁ - JUL/AGO

* TAMO LÁ! * 1JUL E AGO/2014

JULHO E AGOSTO DE 2014Nº4 ANO 1 GRATUITO

POR UMA UNIVERSIDADE ABERTA,

POPULAR E AGREGADORASebastião Henrique Lima compar-

tilha sua trajetória linda de Belém, onde nasceu, passando por sua ex-periência de trabalho em comuni-dades quilombolas, até ingressar na UFRGS como estudante cotista.

DICASO Programa Convivências Restinga

presenteou os educandos com uma aula interdisciplinar de Literatura e História sobre as leituras obrigatórias 2015. Não perca as dicas!

PÁGINA 6

EXPERIÊNCIAUm depoimento emocionado

de uma estudante da UFRGS, com destaque para a sua passagem como aluna e educadora comprometida do Cursinho Esperança Popular.

PÁGINA 3

PÁGINAS 4 E 5

A professora Laura Fonseca, da Facul-dade de Educação da Ufrgs, sugere algumas refl exões que podem ser desencadeadas pelos cursinhos po- pulares, por exemplo, o debate sobre a garantia de acesso e permanência na Universidade.

O educador do cursinho Gabriel Gonzaga fez uma entrevista com o Mestre de Capoeira Bolívar, que nos conta seu sonho de construir o projeto “Senzala Livre” na Restinga.

COMUNIDADEPÁGINAS 7

PÁGINAS 8

FUTURO

GALERIACintia Pereira Lucas, educanda do

cursinho Esperança Popular, faz um-texto poético sobre infantilidade.

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* TAMO LÁ! *2 JUL E AGO/2014

HISTÓRIA NO CINEMA PARA VESTIBU-LANDOS 2014 - ANO 11Temática HISTÓRIA DO BRASIL: Sala PF Gastal, no 3° andar da Usina do Gasômetro - terceiro sábado do mês, pela manhã. Temática HISTÓRIA GERAL : CineBancári-os- Rua General Câmara, nº 424 - Centro Porto Alegre, primeiro e último sábado do mês, pela manhã.Programação: http://historianocinemaparaves-tibulandos.blogspot.com.br/

DICAS PARA O ENEM 2014: Provas dias 08 e 09 de novembroCartão de confirmação: será enviado, pelos correios, para o endereço informado pelo participante, no ato da inscrição; - data; hora; local de realização das pro-vas; - indicação do(s) atendimento(s) especializado(s) e/ou do(s) atendimento(s) específico(s), se for o caso; - opção de língua estrangeira; e - solicitação de certificação, se for o caso.Informações: http://enem.inep.gov.br/

AGENDAEDITORIAL

Te liga nessas dicas do Cursinho Pré-Ves-tibular Esperança Popular Restinga. Não es-quece dessas datas! Anota, memoriza, copia, recorta, circula, mas não perde!

TÁ SABENDO DE ALGUM EVENTO LEGAL? COMPARTILHA! Envie um e-mail para o Cursinho Esperança: [email protected]

Dados recentes levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), demons- tram que 25% dos cidadãos entre 16-17 anos tiraram seus títulos de eleitores em 2014. Esse percentual representa uma queda constatada desde 2006, quando o índice registrou 39%. Já em 2010, o percentual registrado foi de 32%. Vale lembrar que, esses índices não representam o efetivo que de fato vota nas eleições, pois os cidadãos entre 16-17 anos não são obrigados a comparecer no dia do pleito.Podemos construir diversas interpretações para refletir sobre essa queda no percentual. Após o lançamento dos dados, pode-se notar em alguns veículos da mídia brasileira, a utilização das manifestações de junho de 2013 como acontecimentos que representaram uma mudança na mentalidade desses jovens. Segundo essas análises, a diminuição no percentual se relaciona com os protestos e, assim, não tirar o título seria caracterizado como uma forma de contestar a situação dapolítica. Porém, é importante ressaltar que a queda tem sido notada desde 2006. Isso significa que, as manifestações podem ter um nível de importância significativo, todavia não podem ser utilizadas como acontecimento principal.Primeiro, precisamos discutir se é uma maneira de reivindicar ou de não se importar com as eleições. É bem provável que sejam os dois quadros, tendo em vista a política brasileira estar em descrédito em diversas faixas etárias de eleitores. Ou seja, aqueles entre 16-17 anos podem tanto estar desinteressados quanto desacreditados.O debate que poderia ser feito é: como discutir a inserção do voto enquanto mecanismo de participação e representação na esfera pú-blica? Ao mesmo tempo, o voto não é o único caminho e nem deve ser o único momento de se preocupar com o que se decide sobre o futuro da sociedade brasileira: o acompanhamento ao longo do mandato é imprescindível. Também deveríamos discutir sobre a obrigatoriedade do voto após os 18 anos, pois um dia esses cidadãos entre 16-17 anos completarão a maioridade, e deverão exercer seu direito/dever, senão terão alguns direitos restringidos.Ademais, outro debate que deveria ser feito é: estão esses candidatos interessados no voto desses eleitores facultativos? Se estão, quais são seus projetos políticos para eles? Os anseios desta parte da população estiveram presentes também nas manifestações de junho de 2013. Quem esteve lá sabe que a mídia conseguiu distorcer muitos dos ideais pretendidos pelos manifestantes. E que muitos deles tinham seus 16-17 anos.Assim, esses realmente contestam a forma que a política se insere no atual quadro das instituições brasileiras. Se não tiram seus títulos de eleitores num número maior, é porque há alguma razão, e já está mais do que na hora de nossa sociedade como um todo, e não apenas os políticos, atentarem para esses cidadãos, visto que eles fazem parte de um futuro que já está acontecendo no presente.

Informações: http://www.ufrgs.br/deds

EDUCADORES Breno CostaBruno AffeldtCamila DemirofDaniel BomqueirozDenise SantosFilipe de ZanettiGabriel GonzagaGabriel PegoraroGabriela de MatosIgor BortolottiJulio BaldassoLucas EbbesenPedro CladeraRodrigo dos SantosSaul BastosLucas Sequeira

CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR ESPERANÇA POPULAR

RESTINGADEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL (DEDS)Daiane MoraesLuciane Bello Rita Camisolão

JORNAL TAMO LÁDIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICOGregory Benes RaabeMarília Bandeira

Descrença ou desinteresseKelvin Pereira da Silva

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* TAMO LÁ! * 3JUL E AGO/2014

FUTURO

Laura Souza Fonseca

NOTAS SOBRE A EDUCAÇÃO POPULAR

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Saúdo a organi-zação de cursos populares para ingressar na universidade pública, onde a classe traba-lhadora pre-cisa assegurar

nação neste movimento de garantia do direito de acesso/permanência à Uni-versidade, indica escassez de vagas diante da demanda, frágil democracia! Impossível deixar de referir à reali-dade (im)posta pelo REUNI, como expansão precária, sem garantia de permanência com qualidade.Com estes argumentos, quero apontar a contradição e o desafio que estes pré-vestibulares têm; valorizadora dos mesmos. A Universidade, como uma instituição do Estado liberal burguês, por definição, não acolhe a classe tra-balhadora. Uma classe cuja inserção na escola, permanece como indicador de quantidade, e cuja ausência de qualidade demonstra a desigualdade social e o autoritarismo da socie-dade capitalista, independente dos ocupantes na gestão do Estado. Referindo a esta tensão/desafio educação popular/institucionalidade burguesa, concluo a escrita em breve referência às categorias inclusão e

acesso/permanência com qualidade; um direito encharcado de luta política.Lutas que evidenciam a precarização das condições de trabalho e formação na escola básica; ausência de debate consistente e continuado sobre projeto político pedagógico, esgarçarmento do currículo na medida em que parce-rias público-privadas atravessam o cotidiano escolar. Determinações componentes do itinerário formativo de estudantes dos pré-vestibulares populares. A forma de ingresso (ENEM e/ou vestibular) constitui outra determi-

emancipação, porque mobilizadoras da práxis na educação popular.A matriz da educação popular está na defesa intransigente de que os conhe-cimentos produzidos pelos de baixo têm igual valor aos saberes corrobo-rados pela cientificidade burguesa. A negativa a esta premissa é uma inver-dade socialmente construída. Em uma sociedade de classes, num modo de produção assentado na exploração do capital sobre o tra-balho, as políticas conjunturais de inclusão contextualizam-se por ex-clusões. Do que decorre a necessidade de fazermos estes movimentos (de inclusão), inseridos no campo crítico: esclarecendo as possibilidades e os limites de tais ações, em especial, explicitando os limites estruturais da perspectiva emancipatória. Das informações que tenho sobre o Cursinho Pré-Vestibular Esperança Popular, vejo este caminho nos obje-tivos propostos.

Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular.

O saber popular nasce da experiência sofrida. Dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos.

O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes.

Quando esses dois saberes se unirem,

seremos invencíveis.

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* TAMO LÁ! *4 JUL E AGO/2014

POR UMA UNIVERSIDADE ABERTA, POPULAR E AGREGADORA

CAPA

Nasci em 1964 em Belém do Pará, sou o oitavo filho de uma família de nove irmãos, cinco homens e quatro mulheres.

E o sonho dos pais para seus filhos, principalmente para os filhos homens era que estudassem na Escola Técnica Federal do Pará (ETFPa), que além de ser uma das melhores escolas do es-tado, no fim da década de 70 também passou a ser a porta de entrada para um bom emprego em grandes empre-sas nacionais e internacionais. Dos meus quatro irmãos, dois já haviam estudado nessa escola. Em 1978, che-gou a minha vez e do meu irmão, um ano mais velho que eu.Quando eu tinha 14 anos e o meu irmão 15, fizemos a prova de ingresso na ETFPa (uma espécie de vestibular). Como tínhamos nos preparando muito bem, acreditávamos que passaría-mos, e passamos. Mas aconteceu algo muito estranho; eu me inscrevi para o curso de Mecânica e o meu irmão para Telecomunicações e fomos aprovados em Agrimensura e Estradas respecti-vamente. Nós não tínhamos a mínima ideia de como eram esses cursos e pra que serviam.Minha mãe procurou a direção da escola e pediu explicações. Foi acon-selhada a aceitar a situação, pois se insistisse poderia perder as vagas já conseguidas. Mas se ela quisesse in-sistir, que procurasse uma pessoa que não tinha qualquer cargo na direção da escola, mas era quem efetivamente mandava. Era um almirante da Mari-

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Sebastião Henrique Lima

nha do Brasil, e se ele mandasse (estávamos em plena ditadura militar), as vagas nos cursos em que fomos inscritos seriam regularizadas.Lembro de ter acompanhado a minha mãe em uma noite à casa do almirante e ele em menos de cinco minutos “ex-plicou” que as vagas dos cursos “mais importantes” não poderiam ser para alunos que fizeram o primeiro grau (era assim chamado o ciclo da primei-ra a oitava série) em escolas públicas, pois as empresas que contratariam exigiam alunos mais preparados. Coincidentemente, os alunos mais preparados eram filhos de militares, estudantes de escolas particulares e na grande maioria, brancos.Eu e meu irmão nos formamos em Agrimensura e Estradas e por vinte nove anos trabalhei como agrimensor, até me formar na primeira turma de cotistas, como bacharel em Ciências Sociais na UFRGS em 2011. Em 1982, então com meus dezoito anos já estava formado na Escola Téc-nica Federal do Pará em Agrimensura. Comecei a trabalhar na medição e na demarcação de terras para a reforma agrária. Era um técnico de uma em-presa contratada pelo Grupo Execu-tivo das Terras do Araguaia/Tocantins – GETAT, que era um órgão federal militarizado, dirigido por Generais e Coronéis do Exercito.Trabalhei durante um ano no sul do estado do Pará e norte do então estado de Goiás, hoje Tocantins. Nesta região conhecida como bico do papagaio (ainda estávamos em uma ditadura militar), convivemos com comunidades rurais diferentes na sua composição, formadas por famílias

originais da região e outras vindo de vários estados do Brasil. Diferentes na sua forma de se relacionar com o ambiente e consequentemente com a agricultura, estas tinham em comum a desconfiança, o medo e o rancor em relação a esses governos.De 1983 a 2014, trabalhei como fun-cionário do INCRA. Nos estados do Acre e Amazonas com comunidades de seringueiros e indígenas. No estado do Pará com comunidades assentadas da reforma agrária, no Rio Grande do Sul com assentados da reforma agrária e, ultimamente, com comuni-dades quilombolas. Com exceção do trabalho com comunidades quilom-bolas a relação com as outras comu-nidades sempre foi como agrimensor em demarcação de terras.Em 2004, quando comecei a trabalhar na identificação para posterior regu-larização dos territórios quilombolas no Rio Grande do Sul, meu trabalho não era mais apenas como topógrafo, passei a visitar comunidades quilom-bolas. Visitei mais de cem comuni-dades no Rio Grande do Sul e também no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Pará.Atualmente trabalho no Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, programa de educação voltado para os assentados da reforma agrária e que será estendi-do às comunidades tradicionais, entre as quais as comunidades quilombolas.Baicharel em Ciências Sociais pela UFRGS desde 2011 com trabalho de conclusão (TCC) intitulado: “Entre as Lógicas do Estado e as Comunidades Quilombolas: Reflexões Sobre os Percursos Administrativos da Regu-

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* TAMO LÁ! * 5JUL E AGO/2014

POR UMA UNIVERSIDADE ABERTA, POPULAR E AGREGADORA

CAPA

larização Fundiária.”, disponível no repositório digital da UFRGS. Atual-mente estou terminando a Licenciatu-ra em Ciências Sociais, também pela UFRGS.Esses mais de trinta anos trabalhando e convivendo com comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e

“Nós, cotistas, ao ingressar nos es-

paços antes nega-dos também os

qualificamos, pois levamos conosco nossas vivências,

incluindo o racismo e preconceitos que

enfrentamos “

de mim um dos dois aju-dantes que trabalhavam como mateiros na aber-tura das picadas, morador local, e perguntou-me se não havia outra forma de continuar os trabalhos que não fosse derrubar aquela seringueira. Respondi a ele com a segurança de um topó-grafo inseguro, de que não havia alternativa que não colocasse em risco o trabalho. Ele então me pediu alguns minu-tos pra se despedir da

agricultores familiares me fizeram um pesquisador na prática, mesmo sem ter a formação acadêmica. Só descobri isto depois de ingressar na UFRGS.

Relato abaixo uma das experiências que

mais me marcaram, acon-tecida em 1983, em uma demarcação de terras no seringal Independência, no estado do Acre: “Du-rante a demarcação do seringal Independência, o alinhamento topográ-

fico aberto por uma picada (caminho aberto na mata), foi interrompido por uma árvore de seringueira, isto é, esta árvore estava impedindo a continuidade da demarcação. Eu, como topógrafo teria duas opções: a primeira, fazer um desvio, saindo do alinhamento naquele local onde estava a seringueira e depois voltar ao mesmo e seguir os trabalhos. O risco desta opção era não conseguir retor-nar exatamente ao alinhamento com a precisão necessária, o que poderia comprometer irremediavelmente todo o trabalho. Para mim, topógrafo em início de carreira, este risco me deixava muito inseguro. A segunda opção, mais simples de realização, era

derrubar aquela árvore que atrapalha-va a continuação dos trabalhos, sem nenhum risco à precisão as medidas. Optei pela segunda e solicitei ao ope- rador de motosserra, da minha equipe de trabalho, que derrubasse aquela ár-vore. Imediatamente, a minha ordem de derrubada da árvore, aproximou-se

seringueira. Mesmo não entendendo aquele pedido, concordei. Ele então se aproximou da seringueira e começou de uma forma quase inaudível a conversar com ela. Agradeceu pelos muitos anos que ela o ajudou a susten-tar a sua família, ofertando o seu látex todos os dias. Essa conversa já durava aproximadamente dez minutos, e então o seringueiro começou muito discretamente a chorar abraçado aquela árvore. Depois se aproximou de mim e disse que poderia derrubar a seringueira. Depois de presenciar aquela cena de respeito e cumplicidade entre aquele seringueiro e a natureza, foi impossí-vel derrubar a árvore ou qualquer

outra que encontrasse na continu-ação dos trabalhos. Fiz os desvios necessários, retornei ao alinhamento e continuei a demarcação do seringal Independência”.A minha trajetória e as experiências relatadas não foram só para me apre-sentar aos leitores, mas também para apoiar uma tese que defendo cada vez com mais convicção.Nós, alunos cotistas, não somos ape- nas os beneficiados por uma política correta de promoção de igualdade racial e social. Só por esse motivo as políticas de cotas nas universidades e nos serviços públicos, para citar apenas dois exemplos, já seriam indis-cutivelmente justificadas, mas é muito mais que isso.Nós, cotistas, ao ingressar nos espaços antes negados também os qualificamos, pois levamos co- nosco nossas vivências, incluindo o racismo e preconceitos que enfren-tamos (como o que pasamos na casa do almirante), mas também levamos o nosso aprendizado na convivência com quem sofre os preconceitos por não terem res-peitados, pela ignorância, as suas formas tradicionais de convivência, como aconteceu com o seringueiro que quase perdeu um membro de sua família que era aquela seringueira.É muito bom saber que nós, cotistas, podemos fazer das universidades o que elas devem ser: uma universidade que não se restrinja a seus muros e seja uma universidade aberta, popular e agregadora. Não só de conhecimen-tos científicos, mas também de conhecimentos populares.

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* TAMO LÁ! *6 JUL E AGO/2014

DE ALUNA A EDUCADORA DICAS

Gregório de Matos Guerra - «Boca do Inferno»*Poesia Religiosa = Pecado x Perdão*Poesia Satírica = Crítica Social*Poesia Lírico-Amorosa 1636

1696Brasil Colônia-Ciclo do Açúcar - Nordeste*Monocultura/Plantation/Patriarcalismo*Crise do açúcar: concorrência Holandesa

1831

1861

Manuel Antônio de Almeida«Memórias de um Sargento de Milícias»...»Era no tempo do Rei»...*Romance de costume*Relativismo Moral

1839

1908

Machado de Assis - «Esaú e Jacó»*Conflito entre irmãos-Monarquista/Republicano-Triângulo Amoroso- Flora=Brasil

Período Joanino*Vinda na corte ao Brasil*Invasões Napoleônicas*Transformações culturais no Brasil*Estabilidade Política*Início da cultura do café

República*Crise Política *Abolição *Auge do café*Machado Negro

Alberto Caeiro «Guardador de Reban-hos»heterônimo Fernando Pessoa*Vida simples/Objetivismo/«Deus em todas as coisas» 1888

19351ª Guerra Mundial - 1914-19182ª Guerra Mundial - 1939-1945-Estado Novo-1930/1937/1945«Tendências Fascistas»

1912

1980

Nelson Rodrigues - «Boca de Ouro» (teatro)*Subúrbio*Contravenção*Crítica Imprensa*Futebol*Carnaval *«Era do Rádio»*Jornalismo/Revistas Murilo Rubião «Contos Selecionados»

*Realismo Mágico Fantástico *Cotidiano Absurdo*Epígrafes - Bíblia 1916

1991JK (1959) Jânio/Jango (1964)*Abertura Capitalismo *Reformas de base-Legalidade -Golpe Militar

Para o Concurso Vestibular de 2015, será exigida a leitura prévia e completa de 12 obras. Em aula/show no dia 30 de julho, durante o Programa Convivências, foram apresentadas estas leituras aos estudantes do Cursinho Pré-Vestibular Esperança Popular. A dinâmica da aula se pautou por uma linha de tempo que buscou a interlocução da Literatura com a História, construída a partir dos nomes dos autores, os títulos das leituras obrigatórias e suas principais características. Abaixo da linha do tempo, definida pelas datas de nascimentos dos escritores, foram elencados alguns aspectos sócio-históricos do período em que as obras foram criadas. A reprodução da aula se dará em duas etapas. A primeira apresentamos abaixo e a continuação estará no próximo núme-ro do jornal. Esperamos que sirva de apoio para o estudo de Literatura Brasileira e História aos estudantes do Cursinho.

VESTIBULAR 2015: LEITURAS OBRIGATÓRIAS

Adiles Lima, Daniel Bomqueiroz, José Antônio dos Santos e Pedro Cladera

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* TAMO LÁ! * 7JUL E AGO/2014

DE ALUNA A EDUCADORA EXPERIÊNCIA

Denise Cardona

Sempre amei estudar, mas os obstáculos de uma vida pobre materialmente, não me permiti-ram continuar os estudos. Pensava em retornar, mas

GALERIAEspaço cultural do jornal em que iremos expor a cada edição a arte de nossos educandos e educadores, e da comunidade

Quer que seu trabalho apareça aqui?Envie para [email protected]

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o dinheiro que eu ganhava com meu trabalho tinha destino certo: a família. Então, ficava bem difícil, realizar este sonho. Na verdade, aos 46 anos de idade, já com meus dois filhos cresci-dos, eu achava praticamente impos-sível.Então eu descobri o cursinho! Pensei: já estou um pouco velha, mas vou tentar. Fui me inscrever. Na entrevista, parte do processo seletivo, comentei que havia sido liderança comunitária e eu mal sabia que este era um critério de seleção! Consegui a vaga em 2009, fui para aula, adorei! Eram aulas bem dife-rentes da escola, bem mais esclarece-doras; os educadores traziam seus conhecimentos com amor e interesse por nós alunos, nos estimulavam a continuar e não achar impossível entrar numa Federal. Quando a gente esmorecia, pois eram muitos conteú-dos a serem estudados, os educadores nos davam injeções de ânimo. Espe-rei sofrer algum tipo de preconceito por causa da minha idade, mas que nada, pelo contrário, me sentia total-mente à vontade com todos. Essas aulas alegres mudaram a minha vida, criei alma nova com a meta de entrar na faculdade. Dentro do cursinho começou uma democratização para lutar por mais melhorias e fui eleita vice-líder, sempre houve reuniões mensais no cursinho que envolvia todos os parceiros: os educadores, o DEDS e os alunos. Era gratificante

colaborar com este projeto social. Fiz a inscrição no vestibular em licenciatura em matemática, como cotista. Estudei dez horas por dia e passei pelo acesso universal, em 2010. Maravilhada lá estava eu na UFRGS assistindo aulas bem difíceis de matemática e consegui ir bem na faculdade! A UFRGS ampliou minha visão de vida, me fez crescer e pen-sar em nível de mundo!Então voltei para o cursinho como educadora de matemática em 2011, fazia ofici-nas aos sábados para os alunos que tinham maiores dificuldades, pois a gente constatou que havia uma dis-paridade de conhecimento entre eles, uns sabiam o suficiente para acom-panhar uma aula normal outros não e essa era a área que eu sempre quis trabalhar: oferecer oportunidades de recuperação as pessoas traumatizadas com matemática. Os alunos de várias idades que frequentavam minhas aulas adoraram e conseguiram entender matemática. Foi maravilhoso. Eu ter sido aluna me ajudava a entender o que os alunos estavam sentindo ali sentados esperando conhecimentos, eu sabia as sensações, as inseguranças, as dúvidas corriqueiras... Em 2012 tivemos duas turmas no cursinho. E nesta oportunidade tive o privilégio de dar aula no horário normal. Também foi maravilhoso e enriquecedor. Neste mesmo ano fui vice-cordenadora do cursinho junto ao grupo de educadores maravilhosos e dedicados ao projeto e todos fomos fazendo mudanças para melhorar o cursinho! Enfim, esta ex-periência mudou pra melhor a minha vida. Tenho certeza que ele sempre acrescenta observações valiosas à vida das pessoas que passam por ele, mesmo os que não conseguem uma vaga na Federal!

Infantilidade

Cintia Pereira Lucas

“To feliz! Amanhã é meu ani-versário”. Disse uma pequena cri-ança de mãos dadas a um adulto ao atravessar a rua no centro da cidade.É certo que ela não se importou de envelhecer mais um ano. O brilho em seu olhar relatava o lado bom da vida. Queria sim, envelhecer e comemorar mais um ano de vida. Queria sim, que o mundo soubesse que amanhã era seu aniversário e nem se importaria em ouvir dizer “você está ficando mais velha”. Ru-gas em sua face, perda ou ganho de peso, estatura, cor dos olhos, pleni-tude, maturidade, nem ai! Sequer mencionou a palavra trabalho, regras ou responsabilidades. Sua única an-siedade era o tempo, aguardava cada minuto para ele passar até o outro dia chegar.Ah! Que grande inveja daquela menina que sonha, brinca e come-mora o seu dia como se fosse o único dia do ano. Nos presenteia com a infantilidade e a pequena sabedoria de viver cada dia como se fosse o melhor último dia da sua vida.Comemore também, desperte sua infantilidade.FELIZ ANIVERSÁRIO.

Adiles Lima, Daniel Bomqueiroz, José Antônio dos Santos e Pedro Cladera

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* TAMO LÁ! *8 JUL E AGO/2014

A Capoeira pelo Mestre BolívarEntrevista por Gabriel Gonzaga

COMUNIDADE

Todas as palavras desTe arTigo são de iNTeira respoNsabilidade do auTor

A história do Mestre Bo-livar dentro da capoeira Meu pai era químico e físico do exército,

viajava muito para o Rio de Janeiro. No Rio eu conheci a capoeira com 9 anos. Foi quando eu entrei pela pri-meira vez em um estádio de futebol, fui ver um jogo do Flamengo, em uma peleia onde vi Zico. Eu ia pra Niterói e ficava na casa da minha tia, onde tinha muito guri capoeirista. Comecei a aprender a capoeira de lá pra cá. Vim pra Porto Alegre e treinava em uma roda no Brique da Redenção com o Mestre Churrasco, que era capoeira angola. Até os 24 anos eu treinei sem-pre sem mestre. Quando fui pra Bahia fiquei na Academia de São Jorge do Mestre Caiçara, no Pelourinho. Fiquei 6 meses lá treinando com ele. Aqui no Rio Grande do Sul fiquei 18 anos levando o grupo de Guerreiros da Libertação do Mestre Farol. Eu sou formado em Kung Fu também. Mas nunca larguei a capoeira. Eu lutei Boxe, Judô, Kung Fu. Mas larguei tudo pra focar na capoeira: a capoeira que eu senti que é uma luta que tem expressão. Ela ensina hoje uma cri-ança, ou adolescente, a tocar um tam-bor, um reco reco, um berimbau, toca o amor, toca a guerra. Ensina uma

ladainha que tem muito mais funda-mento. Eu vi o Claudinho e Bochecha, que era capoeirista cantar essa: “Sou feito de sangue e suor. Movido por orgulho e magia. Meu pai foi criado sem dó, minha mãe sofredora Maria. Nasci no cantinho do inferno no qual tudo chama senzala.” E assim vai. A ladainha de capoeira conta a história verdadeira do que a gente tá passando, e a gente ensina essa gurizada a tentar a ser pelo menos um artista, fazer confecção de instrumento, berimbau, tudo.

Sobre a Senzala Eu tenho a Senzala como um ter-reiro onde o branco, o dominador na época, colocava o negro bem longe. E eles ficavam na casa grande. Quando o negro treinava a capoeira dentro da Senzala, tinha os caras que ficavam longe. Quando o encarregado vinha ver o que os negros estavam fazendo, o negro tocava o toque de cavalaria no berimbau. Iam repassando o toque de cavalaria por que vinha o cavaleiro. Dai quando o encarregado da Senzala chegava, cada um pegava sua negra e fazia um samba de roda. Ele voltava na fazenda e dizia que os negros esta-vam dançando. Dai os negros retoma-vam para o jogo de capoeira, pra de-pois brigar ou fugir. A Senzala então é a casa do negro. Por isso queremos fazer desse projeto uma casa, onde negro e branco possam ir. Por que hoje é uma miscigenação. Queremos fazer ali uma escola de cultura popu-

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lar brasileira.

Sobre o projeto Senzala Livre O projeto nasceu faz mais de 20 anos dentro do orçamento participativo da Restinga. A princípio seria um “ca-poeiródromo”, mas deu um problema lá, mas ia sair, por que tudo é política. Então, por que senzala? É o projeto vinculado ao negro. O negro treinava dentro da senzala, tanto o batuque quanto a capoeira. Ali ele formava o seu corpo para a luta mais tarde. Para correr para o quilombo, para ser livre. É algo de fundamento. É por isso que se criou esse projeto, na ânsia de liberdade. O Lula implantou no Brasil a lei que a cultura afro-brasileira tem que entrar pra dentro das escolas, mas não é isso que acontece. Pra nós tem um monte de gente mentindo. En-tão nós queremos fazer a criação de lugares pra professores de capoeira de dentro do Rio Grande do Sul, somos fortíssimos nesse assunto. Temos aqui professores de educação popular tam-bém. Mas o que falta pra Restinga? A Restinga é uma panela de pressão da cultura afro-brasileira, aqui dentro da Restinga nós temos “940” Igrejas falando de brinquedo, mas não temos nenhuma entidade que provoque uma educação da cultura afro-brasileira. E a capoeira está inserida nesse con-texto. Então nós estamos tentando viabilizar uma escola popular de educadores tanto de capoeira quanto de outras coisas.