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Pormenores  | Fevereiro 2010 14/ - TAPETE DE ARRAIOLOS OU TAPETE DO TIPO ARRAIOLOS.  SABE QUAL É A DIFERENÇA? Talvez não saiba, mas a produção de tapetes do tipo Arraiolos não é exclusiva da típica vila alentejana. Impulsionada pela expansão portuguesa no mundo, lugares tão distantes como o Brasil têm grandes comunidades de tapeteiras, e até mesmo no norte da Europa há seguidores deste tipo de artesanato. Mais recentemente, e em consequência da abertura do mercado europeu à Republica Popular da China, o mercado foi inundado por um sem número de tapetes que podem ser confundidos com os tapetes feitos em Arraiolos. Resultado? A crise instalou-se entre as tapeteiras, tornando-se urgente regulamentar o sector antes que deixem de ser manufacturados os verdadeir os tapetes na região. [Economia/Artesanato] Texto Ângela Mendes Fotografia  Aminah Nunes 1 T apeteira dobra-se sobre a tela cozendo um tapete que levará aproximadamente seis meses a concluir. 2 Meadas de lã de cores que tradicionalmente fazem parte dos padrões dos tapetes de Arraiolos. 1

TAPETE DE ARRAIOLOS OU TAPETE DO TIPO ARRAIOLOS. SABE QUAL É A DIFERENÇA?

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Reportagem sobre o Tapete de Arraiolos e as ameaças que recaem sobre este produto tradicional nos dias de hoje. Publicada na 5ª edição da Revista Pormenores em 2010.

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-TAPETE DE ARRAIOLOS OUTAPETE DO TIPO ARRAIOLOS. SABE QUAL É A DIFERENÇA?

Talvez não saiba, mas a produçãode tapetes do tipo Arraiolos não éexclusiva da típica vila alentejana.Impulsionada pela expansãoportuguesa no mundo, lugares tãodistantes como o Brasil têm grandescomunidades de tapeteiras, e atémesmo no norte da Europa háseguidores deste tipo de artesanato.Mais recentemente, e emconsequência da abertura domercado europeu à RepublicaPopular da China, o mercado foi

inundado por um sem número detapetes que podem ser confundidoscom os tapetes feitos em Arraiolos.Resultado? A crise instalou-se entreas tapeteiras, tornando-se urgenteregulamentar o sector antes quedeixem de ser manufacturados osverdadeiros tapetes na região.

[Economia/Artesanato]

Texto Ângela MendesFotografia Aminah Nunes

1 Tapeteira dobra-se sobre a tela cozendo um tapete quelevará aproximadamente seis meses a concluir.

2 Meadas de lã de cores que tradicionalmente fazem partedos padrões dos tapetes de Arraiolos. 1

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daria 240€ por metro quadrado. Se for vendidoa menos de 240€, ou estão a fugir aos impostos

ou estão a perder a sua margem de lucro.Mesmo tendo em atenção os clientes e omomento de crise que vivemos, os preçosnunca se podem afastar dessa quantia. A não serque estejamos a enganar o cliente, comprando“tapetinhos” estrangeiros e vendendo-os comose fossem de Arraiolos”.

Com a proliferação da venda de Tapetes doTipo Arraiolos a preços abaixo do custo, astapeteiras foram perdendo o trabalho, já quedeixaram de ser apelativas para os agenteseconómicos. Segundo Avelino Pé-Leve, “muitasestão nos POC’s das Câmaras seis meses, e vãode novo para o desemprego. Estariam melhorse estivessem a coser tapetes, e gostariam de ofazer, mas os agentes económicos não as deixam.Não lhes dão trabalho. È mais fácil comprar ostapetes já feitos. Até fiscalmente é tudo muito

melhor e não precisam de ter pessoas parapreparar o trabalho e passar aquela fase difícilde fazer os “quartos”, que são os desenhos etodo o restante processo. É um enorme trabalhodo início ao fim. É mais fácil comprá-los já feitospor uma “bagatela” e vendê-los dizendo quesão de Arraiolos. A realidade é esta, custa-medizer isto”.

A FALTA DE CERTIFICAÇÃO E O DECLÍNIO DOSECTOR

Em 2002, um deputado do PCP, Joaquim Miranda,debruçou-se sobre esta matéria e apresentou

na Assembleia da República um proposta de Leicom vista à certificação dos tapetes produzidosem Arraiolos, lei essa que foi rejeitada. “A Lei sóprotegia os produtores aqui da região. E existemem Lisboa e Porto grandes empresas a lidar comos tapetes de Arraiolos, apesar de não serem cáfeitos, que não beneficiavam com esta lei. O queé certo, é que têm um grande peso e a lei nãopassou”, esclarece o presidente do CATA.Mais tarde, o PS voltou a pegar na lei,reformulando a proposta para fazer com queesta tivesse uma abrangência a nível nacional,o que levou à aprovação por unanimidade porparte de todos os partidos. “A lei inicialmente

Há aproximadamente duas décadas, cerca de 90%da população feminina da região de Arraiolos

dedicava a sua vida a cozer tapetes. Sentadas empequenas cadeiras de madeira, dobravam-sedurante horas a fio sobre a tela, que se iapreenchendo de cores conforme o padrãoescolhido. Esta é uma empreitada lenta. Umatapeteira, considerada média, cose à volta de ummetro e meio quadrado por mês. Por exemplo,uma carpete de sala com dois metros por três(seis metros quadrados) levará, em média, quatromeses a concluir.

Hoje em dia, o sector diminuiu drasticamente,segundo Avelino Pé-Leve, Presidente do Centrode Apoio às Tapeteiras de Arraiolos (CATA): “Há20 anos atrás, mais ou menos 90% do sectorfeminino fazia tapetes e vivia deles, era um postode trabalho normal. Os outros 10% laboravamaqui e ali noutros trabalhos, mas hoje em diaacontece o contrário. Haverá talvez 10% a viverdos tapetes e o resto a fazer outros trabalhos.Muitas nem estão empregadas, e as outras estão

empregadas temporariamente numa situaçãoprecária”.

Numa região onde o emprego é um bemescasso, o declínio do sector afectou todas as

faixas etárias. Apesar de mal pago, a produçãocaseira desde sempre se apresentou como um

complemento ao orçamento das famílias. Para asidosas, era um complemento das parcas reformas,para as jovens mães uma possibilidade detrabalhar em casa e olhar pelos seus filhos aomesmo tempo, e até para as jovens uma maneirade rentabilizar as férias e os tempos livres, oque lhes permitia avançar nos estudos.A base da economia local foi-se perdendo ecom o tempo, a perda dos postos de trabalhoserá agravada também pela perda de

conhecimento. Desde cedo que as jovensaprendiam com as suas mães a coser os tapetes.Se estes deixarem de fazer parte do quotidianodas suas casas, a arte acabará por cair noesquecimento. A ABERTURA DE MERCADOS E A CRISECOMERCIAL A entrada de Portugal na União Europeia abriu

caminho à entrada de mercadorias vindas doexterior. Isso permitiu a chegada a Arraiolos detapetes produzidos noutras partes do mundo,onde a mão-de-obra é mais barata, como é oexemplo da China ou do Brasil. Estes produtoscomeçaram a invadir o mercado silenciosamente,impondo-se pelo preço e muitas vezes sendovendidos como obras produzidas na região.O Tapete de Arraiolos é um produto manufacturadode alto valor, apesar de as tapeteiras ganharemmal e de o preço pago por metro quadradopraticamente não ter evoluído nos últimos 15anos. O metro quadrado, segundo AvelinoPé-Leve, “deveria vender-se a 200€+IVA, o que

“Esta é uma empreitada lenta. Umatapeteira, considerada média, cose àvolta de um metro e meio quadrado por mês. Por exemplo, uma carpetede sala com dois metros por três (seismetros quadrados) levará, em média,quatro meses a concluir.”

“O Tapete de Arraiolos é um produtomanufacturado de alto valor, apesar de as tapeteiras ganharem mal e deo preço pago por metro quadrado praticamente não ter evoluído nos

 últimos 15 anos.”

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pretendia proteger a região de Arraiolos, masrectificaram-na e aprovaram-na assim: o centroé em Arraiolos, mas podem abrir delegaçõesem qualquer parte do País. Com esta alteração,a lei foi aprovada por todos. Mas esse é ofundamento que, para mim e para as pessoasde cá, derrota tudo”.

Apesar de ter sido aprovada, a lei continua poraplicar. No entanto, e na opinião do Presidenteda Direcção do CATA, é preferível que assim seja.“Imaginemos que a lei já está em funcionamento.Quando abrir uma delegação em Lisboa e noPorto, é razão suficiente para as pessoas daquelaregião já não comprarem os tapetes em Arraiolos.Já podem comprar na sua zona um tapetecertificado, que tem garantias de seguro ougarantias de heranças. Com essas condiçõestodas, virão a Arraiolos fazer o quê?”.

Com este cenário, o sector do turismo étambém seriamente afectado. “O que estava

aqui em questão, era arranjar uma maneira daspessoas virem comprar a Arraiolos, o que seriapositivo para esta região se desenvolver”,sublinha Avelino Pé-Leve. A SOLUÇÃO EXISTE, APENAS NÃO É ACEITEPOR TODOS.

Para Avelino Pé-Leve, o problema da contrafacçãodos tapetes e da importação do estrangeiro temuma solução fácil e económica: a certificação.“A solução passa por haver qualquer coisa quediferencie os tapetes feitos em Arraiolos dosfeitos na China ou no Brasil, e até mesmo, dos

feitos noutros pontos do país. O cliente precisade saber que está de facto a comprar um tapete,que é feito ali naquela zona e com as técnicastradicionais.”Com esta ideia em mente é formado o CATA– Centro de Apoio às Tapeteiras de Arraiolos– uma associação sem fins lucrativos. Esta

associação criou um certificado que garante estadistinção. “Cada tapete tem uma certificaçãoprópria, e o que é importante, o nome datapeteira que o fez ou das tapeteiras. Se existiremduvidas, é possível verificar quem fez o tapetee ter a certeza que correspondem aos critériosde certificação“.

Esta solução aparece como uma alternativa à leique demora a entrar em vigor e principalmentecomo medida de protecção do trabalho dastapeteiras e dos clientes, que desta forma podemter a certeza do que estão a comprar.No entanto, esta medida tem sido difícil deaplicar, uma vez que encontrou a resistênciados agentes económicos e, principalmente, adificuldade que é mobilizar as tapeteiras daRegião. “Para proteger as tapeteiras, o CATA tem

“A solução passa por haver qualquer coisa que diferencie os tapetes feitosem Arraiolos dos feitos na China ou no Brasil, e até mesmo, dos feitos noutros pontos do país. O cliente precisa de saber que está de facto a comprar um

tapete, que é feito ali naquela zona ecom as técnicas tradicionais.”

COMO IDENTIFICAR UM TAPETE DEARRAIOLOS Tenha em atenção as franjas: num tapetegenuíno, as cores usadas no debruado dasfranjas são as três cores dominantes do

padrão do Tapete.Um Tapete de Arraiolos é feito com lãde alta qualidade e por isso pesada. Aodeixar-se cair no chão, o tapete não sedobra, fará antes uma espécie de onda,uma vez que é produzido com materialde alta densidade.Tenha em atenção o factor preço/qualidade. Um tapete, vendido abaixo dospreços mencionados acima, apresenta umagrande probabilidade de não ser produzidoem Arraiolos.Se quiser ter a certeza do que está acomprar, procure um produto certificado

pelo CATA.

[Economia/Artesanato]

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3 Padrão típico de um tapete de Arraiolos. Os tapetes deArraiolos são constituídos por “quartos” e o padrão étradicionalmente simétrico.

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vários tipos de sócios, singulares, empresas e temas sócias tapeteiras. Mas estamos a passar poruma grande crise. As outras duas associaçõesacabaram por fechar portas e muitos ficaram nadefensiva e não se colabora”.“È difícil encontrar um consenso”, esclareceAvelino Pé-Leve, acrescentando ainda que “o

Certificado pretende proteger as tapeteiras daregião. O que acontece, é que há poucas pessoasactivas a cozer tapetes, logo certificam-se poucostapetes. Os tapetes à venda em Arraiolos feitos cásão poucos. Se 10% do sector é que pode estara trabalhar, os outros 90% não têm trabalho...”.

CERTIFICADO DE ORIGEM E SELO DECONTROLO Promovido pelo CATA, este Certificado éuma prova de autenticidade do Tapete de

Arraiolos. Para que um tapete possa seracompanhado deste documento, terá depassar um processo de avaliação quecomprova as características e a origem domesmo. Os critérios utilizados para estaavaliação, centram-se no emprego dastécnicas tradicionais utilizadas pela tapeteirae também pela comprovação da naturalidadee residência da mesma. Só é dado o privilégiode certificação às tapeteiras que pertençama freguesias num raio de aproximadamente3.5 kms da Vila de Arraiolos.

O CERTIFICADO DE ORIGEM É UMDOCUMENTO NUMERADO E INCLUI ASEGUINTE INFORMAÇÃO:

- As características do Tapete, Painel, ou

outro;- O nome da (s) Tapeteira (s) e assinatura(s) desta (s) ou de um parente, em caso defalecimento;- A assinatura/Selo Branco do CATA - Centrode Apoio às Tapeteiras de Arraiolos.

O Selo de Controlo é afixado por detrásde um dos cantos do tapete e terá anumeração igual à do respectivo Certificadode Origem, servindo para evitar as imitaçõesde Tapetes Certificados em nome do CATA.

A proliferação do certificado do CATA não evitariaa venda de tapetes produzidos no exterior, maspermitiria ao cliente fazer uma escolha conscienteentre comprar mais barato ou comprar umproduto original.O que falta então para que a certificação doCATA se generalize? Segundo Avelino Pé-Leve,

basta que os interesses partidários deixem deestar acima dos interesses locais. Com a aprovaçãoexpressa de todos os partidos à Lei 7/2002,apesar desta ainda não estar em vigor, o poderlocal deixou de poder tomar medidasproteccionistas contra esta “nacionalização”

de um produto tradicionalmente produzido emArraiolos. “Politicamente funciona assim, há umalei e ela é defendida, mas depois nem issoacontece. E se nem isso acontece, há que apoiaruma organização local, regional, que atinja omesmo fim”.Apesar do apoio logístico atribuído ao CATA

pela Câmara Municipal, fica por fazer, na opiniãodo Presidente da Associação, um trabalho defundo capaz de projectar a imagem dos Tapetesde Arraiolos e principalmente de os proteger deagentes económicos, que tendo em vista o lucrofácil, destroem a economia basilar de uma região. [P]