Tartarugas e vira-latas em movimento

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    zoom na ao de

    BAPTISTA

    BAPTIS

    LUIS ANTNIO BAPTISTA

    CARTOGRAFIA DO LIVRO

    cartografia

    55Luis Antnio Baptista

    A

    5uis Antnio Baptista

    A

    TARTARUGAS E V

    LATAS EM MOVIMEPOLTICAS DE MOBILIDA

    CI

    LUIS ANTNIO

    UIS ANTNIO

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    A cam a o pior lugar do mundo p ara o suje ito f icar pensa ndo

    Rubem Fonseca. Pequenas Criaturas

    ADVERTNCIA AO LEITOR

    As cita es neste ensai o no ter o o nome do auto r. Insp irado em Walter Benja min 1

    elas sero utilizadas como salteadores no caminho, que irrompem armadas e

    roubam ao passeante a convico. Os fragmentos salteadores no identificados

    desejam interromper a familiaridade do percurso, e a certeza das convices

    usadas como leme; insuflam o perder-se que induz no leitor movimentar-se

    curioso sem a segurana do que ir encontrar na travessia, mas atento ao que

    extrapole os limites daquilo que o defina como seu. As citaes como salteadores

    pretendem desviar a marcha do ele ou do eu imobilizados no conforto das suas

    diferenas ou certezas. Objetivam sujar a assepsia da autoria. Santos e monges

    no texto, propondo-nos movimentos para a salvao da alma, tero seus nomes

    revelados, no por reverncia ou respeito, mas porque so seres sem tempo,

    imaculados pela eternidade, e desta forma despossudos das misturas do mundo

    que incitam os corpos ao mover-se descontnuo e conflitivo da histria. Este ensaio

    deseja indagar sobre as polticas laicas da mobilidade do corpo na experincia

    urbana, as que combatemos e as que desejamos. A tcnica de montagem do

    cinema e as contribuies da literatura, em virtude de no dissociarem forma

    do contedo, sero a arma escolhida para o assalto. Desindividualizar autorias,

    profanar movimentos sagrados, ofuscar o brilho identitrio da diferena a aposta

    tica deste ensaio salteador. Aps o assalto, o leitor poder encontrar os seus

    pertences nas notas ao final do texto.

    57Luis Antnio Baptista

    PRLOGO

    Metaphorai, assim so chamados os transportes coletivos na Atenas

    contempornea.2 Atenienses usam metforas para ir ao trabalho ou voltar para

    casa. Metaphorai atravessa territrios urbanos, executa itinerrios que deslocam

    de um ponto ao outro seus usurios, produzindo-os mobilidade. As metforas,

    no entanto, nem sempre executam percursos de deslocamento. Em algumas

    escrituras elas apenas percorrem turisticamente paisagens evocando territrios

    familiares; em certos textos ilustram significados reconhecveis que representam,

    como ornamento, o j visto ou o j conhecido do espao literrio. So viagens

    aparentemente inocentes, neutras, das quais o estranhamento do usurio de si no

    percurso, e do que ele perceber, inexistente. A metfora ornamento apazigua o

    leitor incentivando-o a permanecer confortavelmente no mesmo posto, inspira-o o

    vislumbrar a si e o universo como obras prontas representadas em outros postos,

    ratificando-os em suas grandezas. Frente ao insuportvel peso do senso-comum

    que nos enraza no universo do natural, temos a oportunidade de us-las, ao

    contrrio da funo de ornamento, como meio de transporte para atravessarmos

    cidades ou textos, antes paralisados por modalidades de narrativas saturadas de

    representaes. A metfora ornamento anestesia o impacto legado pela literatura

    que nos oferece travessias desnorteadoras, anunciando-nos simultaneamente a

    violncia das naturalizaes e a transgressora virtualidade do por vir. A metfora

    destituda da meta de decorar incita o passageiro ou leitor a perder-se nos espaos

    protegidos do familiar, o desnorteamento que nos transporta para caminhos nos

    quais o pensamento no ter sossego.Por meio deste desassossego, o movimento

    se politiza, indicando-nos a inrcia do pensar deflagrada pela concluso de um

    percurso, ou a inconclusividade produzida por encontros do pensamento com o

    mundo, dos quais nada permanece intacto como antes da chegada. Mobilidades

    improvveis, corpos e formas de ser sujeito impensveis , impedem na travessia

    ao leitor passageiro o conforto do ornamento. Neste ensaio tartarugas parisienses

    e um vira-lata carioca, entre outros seres inumanos, ilustraro episdios urbanos,

    e simultaneamente metforas de mobilidades, polticas do movimento que nos

    possibilitem a ultrapassagem dos limites demarcados pela visibilidade de uma

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    cidade. Metaphorai, a mquina dos deslocamentos do espao e da palavra,

    inspira-nos a formular as seguintes questes:

    Cenas urbanas fragmentadas poderiam negar inocncia mobilidade? Imagens

    de aes midas do dia a dia teriam a chance de enfrentar a banalizao da

    mobilidade ou da inrcia? Metforas de episdios das cidades dariam ao

    deslocamento do homem comum o apelo de uma urgncia contempornea? Que

    polticas de montagem destes fragmentos estariam disponveis para uso ?Qual

    movimento desejamos?

    A pais agem congelad a por mu ros e gr ades. Mov imen tos im prov vei s anunciando a

    fora do gesto. O olho que arrasta o corpo na direo da falta. Imagens aceleradas

    na cidade vazia. O flanar do saco plstico na rua deserta. Projteis precisos na

    direo do alvo. Nuvens sobre o telhado escapando do desenho nico. O homem

    slido como o muro. O ir e vir na cidade ocupada por nada. Projteis perdidos. A

    cidade viva entre o muro e as nuvens. Algum imvel esperando. O vira-lata em

    ziguezague na calada reta. Gavies voando sobre a jaqueira. Imagens urbanas

    solicitando que algo fique. O sobe e desce no morro dos que no podem sair. A rua

    que insufla o corpo na direo do acontecimento. Janelas abertas descongelandoa paisagem. O corpo que arrasta o olho na direo do medo. Nuvens annimas em

    movimento. A alegria do gesto destitudo de autoria. O homem mvel atravessado

    por afetos.

    Atra vs dest as cena s urba nas em peda os nos depa ramos com a poli ssem ia

    do sentido do que seja a mobilidade ou a sua recusa; polissemia que desloca

    dos corpos, objetos, paisagens a origem ou a propriedade exclusiva dos seus

    movimentos. O cinema, a fotografia e a literatura legaram-nos a oportunidade para

    dissolvermos a solidez presente na naturalizao do mover-se e da imobilidade,

    forneceram-nos, por meio das tcnicas de montagem 3, a desnaturalizao

    transgressora daquilo que os olhos veem ou nos incitaria a pensar, abrindo espao

    para a criao de metodologias singulares sobre o estudo da subjetividade, das

    quais a centralizao no sujeito hermeneuta que preexistiria as tramas da histria,

    ou das estrias, no encontraria lugar. Essas modalidades da arte teriam a

    59Luis Antnio Baptista

    chance de interpelar verdades da palavra e da imagem, assim como a do sujeito

    que as consome e as d significado. Nos filmes e na literatura, os movimentos

    e a inrcia do humano so indissociveis dos modos de narrar produzidos

    artesanalmente pela montagem de fragmentos de imagens, artfices de formas de

    existncias alheias ao reino do natural, ou das narrativas saturadas pelo peso do

    fim. Por meio destas tcnicas de montagem o mover-se seria convocado a incitar

    estranhamento familiaridade do perceptvel, a violar funes ou necessidades

    do humano das quais a histria, ou a arte, seriam meros adereos da realidade,ou do sujeito, cristalizada em nica verso, adereo que definiria a arte como

    o espelho da alma, a representao das emoes e dos sonhos universais, ou

    a utopia libertria desatenta as tramas que sucedem, sucederam ou poderiam

    suceder ao seu redor.

    Para a montagem literria e cinematogrfica, o movimento no incidiria na

    subjetividade ou nos corpos, ou deles seria derivado, mas os forjariam em formas

    singulares de estilos desfocando do sujeito ou do real o protagonismo da cena.

    No filme, o pedao de um corpo deixa de ver a cidade; o tempo de uma ao

    recusa incio e fim; o silencio diz e nada diz; o hbito cotidiano se desprende do

    significado que o aprisiona; um pedao de corpo no deixa ver absolutamente

    nada. Na sala escura, o desejo do reencontrar o j visto, a busca do viver mais

    uma vez uma emoo que sabemos o seu nome poder ser frustada. Ao silncio

    lhe negado o sentido da falta do que dizer; na tela ele teria a chance de ganhar

    a fora de cesura, de interromper a ida apressada do pensamento ao conforto

    do reconhecimento. Dele podemos podemos estilhaar totalidades harmoniosas e

    abrir caminhos antes insuspeitveis. Deste ato cortante, teremos a oportunidade de

    obtermos do estranhamento a tensa desacomodao produzida pelo inominvel.

    O cinema nasceu silencioso e continua a amar o silncio. Mas tambm pode

    amar a ambigidade, a emoo indefinida. 4 Na literatura, como na tela, o silncio

    oferta-nos a chance de abafarmos o alarido insistente de vozes do eu ou de

    um ns que bloqueiam a presena de formas ainda informes, inominveis, a

    espera do por vir, esse silncio, essa fora viril pela qual aquele que escreve,

    tendo-se privado de si, tendo renunciado a si, possui nesse apagamento mantido,

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    entretanto, a autoridade de um poder, a deciso de emudecer, para que nesse

    silncio adquira forma, coerncia e entendimento aquilo que fala sem comeo

    nem fim5. Dessa renncia, algo poder acontecer, ofertand o-nos a generosi dade

    insuportvel da arte.

    Na sala escura o manejo de sombras e luzes, o corte inesperado, a cena silenciosa,

    o detalhe ao fundo do plano, insuflam o olhar a usufruir o que lhe familiar,

    agora irreconhecvel, como se fosse a primeira vez. Antes da inveno da stimaarte, nossos cafs e nossas ruas, nossos escritrios e nossos quartos alugados,

    nossas estaes e nossas fbricas pareciam aprisionar-nos inapelavelmente. Veio

    ento o cinema, que fez explodir esse universo carcerrio com a dinamite dos

    seus dcimos de segundo, permitindo-nos empreender viagens aventurosas entre

    as runas arremessadas distncia. O espao se amplia com o grande plano, o

    movimento se torna mais vagaroso com a cmera lenta. evidente, pois, que

    a natureza que se dirige cmera no a mesma que a que se dirige ao olhar.6

    Na tela, ou no texto literrio, um mundo impregnado de significados e concluses

    poder ser implodido, e dos seus pedaos, ou fragmentos, outras narrativas seriam

    montadas inspiradas nos apelos do agora, exigindo-nos que a abertura de umahistria sugira-nos que algo deva ser feito, mesmo que provisrio.

    A mont agem prop icia ria o desp ejo 7 do sujeito hermeneuta da comodidade da

    sua hermtica morada. Destruiria a arquitetura dos limites que o circundam,

    implodindo paredes que ratificam a autonomia ou a incompatibilidade entre os

    espaos: interno, externo, aqui, l, dentro e fora criando uma outra espacialidade.

    Arrancar ia-o do sedentar ismo do seu post o no qual o tempo e o espa o no

    deflagram nenhum sobressalto. Este ato desestabilizador do despejo no teria o

    propsito de ocupar o territrio desocupado com uma outra verdade, mas de abri-

    lo para que algo atravesse o espao vazio e produza o acontecimento inesperado,

    impedindo soberania do sujeito a insistncia pela busca do significado a

    ser desvendado no conforto do seu posto inviolvel. Neste ato de expulso, a

    montagem abriria e desdobraria caminhos, tornando o sujeito irreconhecvel,

    vulnervel ao que as foras do mundo possa oferecer-lhe como oxignio.

    61Luis Antnio Baptista

    Mobilidades desencadeadas por encontros, produzidas por atravessamentos,

    destruiriam implacavelmente qualquer ideia, corpo, alma, assentados na grandeza

    ou falncia da sua particularidade. Do espao vazio, teramos sopros de ar, a brisa

    que subtrai do humano o destino traado por essncias que o determinariam

    e da histria o seu desfecho, deixando em aberto a plasticidade das formas

    de ser sujeito e o inacabamento de narrativas supostamente encerradas. Nada,

    tocado por este sopro de ar, por esta generosidade insuportvel da arte, estaria

    definitivamente acabado ou imvel; nem o aniquilamento da barbrie ou qualquerindcio de felicidade.

    O cinema e a literatura fornecem-nos a chance de escaparmos da imobilidade

    turbulenta das emoes enraizadas na solido do eu, da qual as foras dspares

    de mltiplos espaos que o perpassa e o produz neste atravessamento,

    so desprezadas dando lugar a onipotncia do sujeito assptico; um desprezo

    enaltecedor do criador e intrprete de tudo que o cerca, porm imobilizado pela

    vaidade da sua solido que lhe nega o revide do olhar de tudo que lhe extrapole,

    ou lhe transfigure. Nesta assepsia que desqualifica as misturas do mundo e a

    desestabilizadora potncia da alteridade, pensamento e afeto so gerados no

    impermevel universo privatizado carregado de movimentos que no saem do

    mesmo lugar: sofre-se, ama-se, desespera-se, entedia-se, alegra-se como se a

    existncia fosse inspirada em nico texto escrito por um nico autor. Em filmes e

    romances tambm encontramos a mobilidade sedentria da privatizao do existir,

    enredos psicolgicos sedutores que nos impedem de dectar a lgica da feitura

    das verdades daquilo que somos, e a possibilidade de recus-la. Por meio desta

    particular edio de imagens, de palavras e silncios, reencontramos a blindagem

    do sujeito asfixiado em si mesmo, assim como a inrcia de uma realidade exigindo-

    nos apenas reconhecimento ou identificao; porm, este seria um estilo, entre

    outros, de montagem.

    No ato inesgotvel de compor, editar e desmontar histrias finalizadas, sentidos

    polticos de movimento so acionados. A tcnica de montagem, longe de nos

    propor um inocente relativismo esttico, do qual o sujeito que relativiza no seria

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    colocado em anlise, ou despejado de si e do seu posto de intrprete, oferta-

    nos o imperativo tico que efetiva-se na violao dos crceres do real, e dos

    modos universalizados de se operar a existncia; o universal indiferente tanto aos

    sofrimentos que teimam em permanecer, afirmando a falncia das promessas de

    felicidade contidas na impermeabilidade do sujeito, quanto s formas singulares

    para dissipar essas dores. Uma tica que se afirma na criao de modos de

    existncia que interpelem a neutralizao das intensidades de dores e alegrias

    forjadas nos territrios dos homens comuns, do annimo destitudo de qualqueradjetivao, onde nem vtimas ou heris seriam protagonistas. Criaes inspiradas

    no combate barbrie entranhada nas insignificantes aes cotidianas ou no

    decreto de um mundo sem sada, onde tudo estaria irremediavelmente acabado.

    Para este ato de criar, a soberania da vontade ou das qualidades contidas no

    sujeito, seriam desprezadas. No lugar da sensibilidade teramos a ateno. Esta

    aposta tica requer o estar atento ao que se passa, ao que acontece, ao que

    nos passa, arrancando-nos dos limites daquilo que somos, e dos hbitos que

    anestesiam a potncia daquilo que no podemos nomear; um estar atento

    desencadeador de peculiares formas de mobilidade. A primeira de todas as

    qualidades a ateno.(...). No entanto, ela divide a primazia com o hbito queluta com ela desde o primeiro momento. Toda ateno deve desembocar no

    hbito se no pretende desmantelar o homem; todo hbito deve ser estorvado

    pela ateno se no pretende paralisar o homem. Ateno e hbito, assim como

    repulsa e aceitao, constituem cristas e depresses de ondas no mar da alma.

    Mas este mar tem suas calmarias. Sem dvida, uma pessoa que se concentre

    totalmente num pensamento aflitivo, numa dor e seus abalos, pode se tornar presa

    do rudo mais tnue, de um murmrio, do vo de um inseto, os quais um ouvido

    mais atento e mais aguado no teria talvez percebido de modo algum. A alma -

    assim se pensa - se deixa desviar tanto mais facilmente quanto mais concentrada

    est8

    . Nesta tica-esttica, tenta quilo que o contemporneo nos oferece comourgncia, a imobilidade do hbito ser interpelada; urgncia que nos solicita o

    que temos a dizer ou fazer, despossudos do leme da convico, o ponto de

    partida da sua poltica. Para esta aposta tica, o otimismo ou o pessimismo sobre

    o mundo nunca encontraro a palavra fim.

    63Luis Antnio Baptista

    A par tir desta s conside raes, reto mamos as s egui ntes ques tes que r esum em os

    objetivos deste artigo: que mobilidade humana desejamos para as nossas cidades?

    Que subjetividades, matria-prima das nossas intervenes, seriam produzidas

    pelas polticas do movimento? Que polticas desejamos?

    Psicologia em movimento, metamorfoses ou devires do humano, produo

    de novas subjetividades so expresses adjetivantes comumente utilizadas

    nas publicaes psi, no intuito de marcar a oposio a qualquer espcie de

    conserv adorismo. Para esta linha de pensament o, que denota ao movimento

    a anunciao do novo, inrcia e mobilidade abririam portas do paraso ou do

    inferno, espaos da transcendncia povoados por boas ou ms conscincias ou

    ideologias. Alojados neste plano, imunizam-se das inquiries s suas promessas

    e fracassos realizados na materialidade do cotidiano, onde nada se assenta na

    eternidade. Adjetivados, desmaterializariam-se indo ao encontro do espao onde

    nada acontece ou interpelado. Nestes reinos da imaterialidade, onde perdura

    o isolamento das palavras e dos conceitos, movimentos inertes, nomadismos

    sedentrios, o apressar-se com vagar restringiriam-se a metforas - ornamentos

    que representam ou evocam algo ou algum. A polissemia de mover-se e da

    inrcia gerada da histria e da literatura inexistiria. No reino dos universais forjados

    pela transcendncia , religios a ou laica, palavras, conceitos, imagens brilham

    solitrios no desprezo ao mundo desacomodador da empiria, com suas misturas

    e imprevisibilidades criadas pelo conflitivo mundo da imanncia. Das tramas

    da literatura e da histria compondo suas matrias, no brilhariam fincadas no

    isolamento do perene, mas pela intensidade dos sentidos criados a cada encontro,

    ou acontecimento, onde existia a cortante presena da alteridade. Atravs dessa

    cesura, a produo do novo ou o devir transformador anunciado no movimento

    seria chamado a prestar contas daquilo que a sua fora prometeu ultrapassar

    ou nos ofertar.

    Teriam os movimentos das nossas intervenes a recusa dos destinos sagrados

    ou laicos? A histria do mover-se nas cidades teria algo a nos dizer sobre estes

    destinos? Que poltica da mobilidade desejamos?

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    O MOVIMENTO DAS ALMAS SEM CIDADE

    Rpteis puxados por senhores elegantes amansavam o impacto do tempo nervoso,

    no qual tudo fenecia rapidamente. Passeios com tartarugas nas galerias parisienses

    foi moda na cidade luz9. Burgueses atnitos, devido ao frentico ritmo da produo

    de mercadorias e sonhos dos oitocentos, sentiam-se em casa nas galerias;

    freavam a acelerao do aniquilamento dos velhos valores da metrpole, modelo

    das utopias do capitalismo do momento. Tartarugas urbanas, presas em correntes,

    resistiam ao tudo o que slido se desmancha no ar10 da modernidade europeia,o desmanche enaltecedor das virtualidades da criatividade humana. Paris, a cidade

    luz, movimentava-se entre o fascnio e o temor da burguesia atenta s promessas

    da nova era, que politizava a fora da criao, retirando-a dos desgnios divinos.

    Esta fora fascinava, porm amedrontava a perda dos bens materiais e espirituais

    acumulados. O vagar dos rpteis neutralizava esta ambivalncia retardando

    a acelerao das tecnologias da cidade, produtoras da mobilidade singular de

    coisas e de sensibilidades. A velocidade dos artifcios urbanos aturdiam naturezas

    humanas e inumanas, at ento assentados na eternidade. Luz, cmera, ao no

    cinema, nas fbrica s, nas ruas, eliminav am do mover-se a inocncia das fun es do

    reino do natural. O sentir-se em casa nas galerias de teto de vidro, sustentada porferro, retardava a rapidez dos acontecimentos do lado de fora. Nas ruas, as horas

    cronometradas dos relgios eram ameaadas por coletivos que tramavam um

    outro tempo. O flanar das tartarugas contrastava com a fugacidade da coreografia

    das multides provocadora da insegurana dos citadinos temerosos de perderem

    a estabilidade da conquistada identidade. Na cidade turbulenta, os rastros do eu

    viviam constantemente ameaados por multides sem rosto portando os riscos do

    estranho. Fora do lar, o habitat sagrado da manuteno do equilbrio da psich,

    a turbulncia encarnada na imprevisibilidades das ruas deveria ser domada.

    Parasos e infernos, da Paris iluminada pelos sonhos do capitalismo, negavam a

    seus consumidores o equilbrio do esprito. Anonimato, massa humana disforme,o perder-se na turba perigosa insuflaram as tartarugas a flanar, na tentativa de

    retardar o comeo permanente da modernidade. Movimentos urbanos singulares

    iam temerosos com seus vagarosos rpteis em direo ao progresso, deixando

    para trs as ambiguidades da nova era.

    65Luis Antnio Baptista

    A inveno do cinema, o movi ment o nas fbr icas, das loco moti vas, do corpo

    estimulado pelos choques urbanos negaram mobilidade do humano e do

    inumano a naturalidade de qualquer gesto forjado pela histria. O aturdimento da

    cidade luz anunciava a potncia do artificial; oxignio para uns, asfixia para outros.

    Na Paris dos oitocentos, mercadorias e as novas almas brilhavam irradiadas por

    foras nem sempre visveis. O capitalismo desta era confeccionava-as carregadas

    de aura, de fantasmagorias, semelhana dos entes sagrados dos espaos da

    transcendncia. A luminosidade das estrelas, a grandeza do natural , as certezasda tradio ruam arrancando dos citadinos o rumo previsvel do amanh.. Tudo

    que era slido, fora ou dentro de si, se desmanchava no ar implacavelmente.

    Os segredos dos astros, das foras da natureza davam lugar aos mistrios

    das mercadorias e da alma urbana: para homens, dos quais toda natureza foi

    subtrada, cada gesto torna-se um destino. E quanto mais os gestos perdiam a

    sua desenvoltura sob a ao de potncias invisveis, tanto mais a vida tornava-

    se indecifrvel. nesta fase que a burguesia, que poucos decnios antes ainda

    estava solidamente em posse dos seus smbolos, vitimada pela interioridade e se

    consigna psicologia.11 A vida torna-se indecifrvel, sedutora e angustiante, mas

    circunscrita ao movimento delimitado pelas paredes impermeveis da existnciaprivatizada. Modos de viver, mercadorias, almas, ganhavam a aura do sagrado,

    ofuscando a visibilidade das lgicas que as produziam. No conforto do espao

    privado, exercitavam o misterioso conhecimento de si e protegiam-se da perda

    das suas sombras. Fora deste territrio, profanaes iminentes poderiam ocorrer.

    A c idade g rada tiva ment e sa i de cena como parc eira para desv enda r, ou p rofanar,

    este indecifrvel enigma. Nos cinemas, nas fbricas, nas ruas, no anonimato das

    massas, movimentos hbridos aniquilavam o destino dos gestos que anunciassem

    a aura de qualquer coisa. Nesses lugares inexistia conforto, tanto para a alma,

    quanto para os msculos. Na urbe, onde o brilho dos mistrios das mercadorias e

    das sensibilidades poderia ser ofuscado, nenhuma eternidade assentava-se.Tartarugas vagarosas, multides em trnsito, multides em revolta executaram

    polticas do movimento na cidade luz, indicando paradoxos do capitalismo dos

    oitocentos. Nas galerias parisienses, modas exticas ilustraram a falncia das

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    mobilidades assentadas no destino; ali o tempo demolidor da modernidade

    era amansado nos passos dos rpteis urbanos. A cidade, entre construes e

    demolies, anunciava a finitude dos atos humanos e o poder infinito da criao.

    Almas e obje tos sacr aliz ados eram gradativ amen te prof anad os pela s nova s

    modalidades de arte inspiradas nos choques do urbano. O que as cidades teriam

    a nos dizer sobre movimentos e inrcias da psich? O que os desgnios da

    transcendncia tem a nos dizer sobre o mover-se?

    No mundo que precedeu o passeio urbano dos rpteis dos oitocentos, a mobilidade

    dos corpos e do esprito diferenciou-se dos ditames da Civilizao iluminada pelo

    progresso. A polise os deuses inspiravam homens a andar, a correr, a usar a

    cidade como lugar no qual o movimento ia ao encontro do sagrado. Deuses

    gregos com suas asas nos tornozelos foram a inspirao dos maratonistas

    na antiguidade.12 O movimento dos jovens atletas na busca da vitria imitava

    a excelncia divina. Corriam na tentativa de assimilar qualidades sagradas; ao

    vencedor, no s os louros da vitria, mas a divinizao que o assemelhava aos

    entes do Olimpo. Na ginstica grega, os valores do mundo da antiguidade clssica

    eram cantados e ritmados pela dana. Nas maratonas, e nas ginsticas, moviam-

    se na direo do encontro com as divindades cantadas nos poemas de Homero.

    Para os maratonistas da Grcia arcaica e clssica, a experincia do eu, ou a dos

    seus corpos, desconhecia o temor da turbulncia do esprito como nas cidades

    dos oitocentos. Os rpteis amansadores do ritmo cortante do mover-se em direo

    ao futuro seriam inteis na polis. Os jovens ginastas desconheciam a introspeco,

    ou o mergulho nas almas apartado do que os seus olhos vissem. Talvez dissessem

    no uso da cidade: Existo porque tenho mos, ps, sentimentos, porque caminho,

    corro, vejo e sinto. Fao tudo isso e sei que fao. Mas nunca penso a minha

    existncia atravs da conscincia que tenho dela. A minha conscincia est

    sempre agarrada ao exterior; tenho a conscincia de ver determinado objeto,

    de ouvir determinado som, de sofrer determinada dor 13. Os gregos livres, nocolher com os olhos o que a cidade lhes apresentava atravs de seus templos,

    mercados, lugares de encontro, encontravam os instrumentos para a feitura das

    suas existncias. O movimento das suas almas era inseparvel dos limites que a

    67Luis Antnio Baptista

    polise o Olimpo lhes ofertavam para o domnio de si. Deveriam estar atentos s

    diferenas dos perfumes, ritmos, imagens, aos estmulos capazes de enfraquecer

    ou fortalecer a alma. Aos gregos livres, a atitude do indivduo em relao a si

    mesmo, a maneira pela qual ele garante sua prpria liberdade no que diz respeito

    aos seus desejos, a forma de soberania que ele exerce sobre si, so elementos

    constitutivos da felicidade e da boa ordem da cidade.14 O conhecimento de si era

    regido por uma tica inseparvel dos sentidos e sensaes do mundo que os

    rodeava. A pergunta, quem sou eu ? apartada do entorno visvel aos seus olhosinexistia na Grcia politesta. No uso da ateno, da coragem e da prudncia

    exercitavam uma tica- esttica para a soberania das suas existncias. Moviam-se

    atentos na e com a cidade.

    Yaveh, o Deus errante do antigo testamento, inspirou o seu povo a no se fixar

    em lugar nenhum. Os hebreus diferenciavam-se do resto da humanidade por no

    reconhecerem-se ou habitarem uma cidade como se fosse sua. Para eles cada

    pas estrangeiro era uma ptria, e cada ptria um pas estrangeiro. 15 A cidade

    verdadeira eleita pelos escolhidos, iluminados pela luz de Yaveh, seria a terra

    prometida. Desenraizados espiritualmente, sem pouso fixo, os hebreus do antigo

    testamento exercitavam a experincia da f aprendendo a ver o que deveria ser

    visto e principalmente suspeitar da visibilidade mundana. Santo Agostinho em sua

    obra, A Cidade de Deus, justifica a razo da suspeita frente aquilo que os olhos

    veem na cidade dos homens:

    Sabemos que est registrado sobre Caim que ele edificou uma cidade, enquanto

    Abel , como se fosse um simp les anda rilh o, nada cons trui u. Pois a verd adei ra

    Cidade dos Santos est no paraso, embora aqui, na terra, haja cidados que

    erram como numa peregrinao atravs do tempo, procurando pelo Reino da

    eternidade. 16

    Na Cidade de Deus os estmulos do mundo exterior so desprezados, colocadossob suspeita, para que o cristo, em sua errncia, no seja desviado, ou

    ludibriado, pelas sensaes mundanas. O corpo deveria ser deixado em paz

    frente as interferncias do mundo para que o desejo no eclodisse, ou desviasse

  • 7/30/2019 Tartarugas e vira-latas em movimento

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    68 Tartarugas e vira-latas

    os conflitos da f. A carne deveria manter-se adormecida. O fora da alma,

    materiali zado nas imagens, no tato, no olfato, no paladar, converte- se em perigo

    iminente no exerccio espiritual. As prticas crists inauguraram a turbulncia do

    esprito onde urbe negada a parceria para a compreenso daquilo que o

    estorva, ou que possa trazer-lhe o alvio da dor. O movimento das almas sem

    ptria e sem pouso fixo, no deveria ser perturbado. Nmades, desenraizados,

    exercitavam a elevao do esprito na direo do eterno. Nesta ascese, sai de

    cena a cidade, dando lugar a luminosidade do sujeito apartado daquilo que lheextrapola, hermeticamente fechado em uma viagem interior, acompanhado de

    luzes e mistrios intransponveis e solitrios. No s as sensaes da carne foram

    objeto de suspeita para os nmades cristos; nas pregaes no deserto, o

    monge das primeiras prticas monsticas alertava aos homens sobre um outro

    iminente perigo:

    Oh vida, quantos enganaste, quantos seduziste, e quantos cegaste! Tu que no

    teu escapar no s nada; embora te vejamos, s como sombra; que enquanto

    te exaltamos, s simplesmente fumaa. Tu que um dia vens e no outro foges; tu

    que s sempre diversa no teu fluir, mas sempre igual na origem......Que coisa tu

    s vida humana? s um caminho para os mortais. Caminho mas no isento de

    dificuldades; para alguns longo, para outros breve, para uns alegre, para outros

    triste; porm para todos fugidia e irrevogv el. Tu, desta forma, s um caminho

    mas no visvel a todos e precisa-te fazer perguntas e no acreditar-te, e nem

    mesmo tentar conquistar-te; precisa-se atravessar-te mas no permanecer. Oh

    infeliz vida humana....Precisa-se desta forma temer-te, e ser prudente no teu

    confronto, porque tu s perigosa, breve, incerta, igual a uma sombra, ou a um

    fantasma, ou a uma nuvem, ou um nada que no nada se dissolve.17

    Igual a uma sombra, a uma fumaa, a uma nuvem, a vida deveria ser temida. O

    caminho no visvel aos imprudentes seria a perdio aos mortais. A fora amorfa einominvel assustava Colombano. O monge nmade vagou pelo deserto, percorreu

    cidades, alertando sobre o perigo de algo que no seu devir escapava da certeza do

    nome. O religioso, em seu vagar sem pouso fixo, movia-se de um ponto ao outro,

    69Luis Antnio Baptista

    mas a ele era impossvel desvencilhar-se das angstias da alma ameaada pela

    incerteza do inclassificvel. S, despojado dos bens materiais, movia-se como se

    o seu corpo, ou tudo ao seu redor, fosse um ilimitad o deserto. O nomadismo dos

    monges do deserto pouco a pouco ser combatido. A evangelizao itinerante de

    Colombano, inspirada nos pastores do Oriente, ser criticada pela insuficincia de

    normas claras e por excesso de particularismos na divulgao do evangelho. A

    Regola di Benedetto, autora das crticas, fortalece o seu domnio no sculo VI,

    exigindo estabilidade e discrio para a ascese crist. Na defesa da stabilitas, aestabilidade das normas, a ordem beneditina defender o nomadismo em recinto

    fechado.18 Enclausurado em sua cela, isolado do mundo, o monge encontrar

    meios para combater os perigos da fora malfica que atormentou Colombano.

    A a rqui tetu ra m ons tica , rep rodu zindo em se u es pao uma pequena cidade, se r

    o lugar apropriado para a viagem interior, para a mobilidade da alma rumo

    revelao. Fora dali existiriam somente perigosas nuvens, sombras, fumaas,

    anunciando a fora da inominvel presena. A cidade do lado de fora sai de cena

    para qualquer parceria.

    O flanar do saco plstico na rua deserta. A alegria do gesto destitudo de autoria.

    O olho que arrasta o corpo na direo da falta. Algum imvel esperando. O sobe

    e desce do morro dos que no podem sair. Nuvens sobre o telhado escapando

    do desenho nico. O vira-lata em ziguezague na calada reta. O homem mvel

    atravessado por afetos. A paisagem congelada por muros e grades. Imagens

    urbanas solicitando que algo fique. Projteis precisos na direo do alvo. A cidade

    viva entre o muro e as nuvens. O ir e vir na cidade ocupada por nada. Gavies

    voando sobre a jaqueira. Janelas abertas descongelando a paisagem. O homem

    slido como o muro Movimentos improvveis que anunciam a fora do gesto.

    Janelas abertas descongelando a paisagem. O corpo que arrasta o olho na direo

    do medo. A rua que insufla o corpo na direo do acontecimento.

    Cenas urbanas fragmentadas negariam inocncia mobilidade? Que polticas de

    montagem estariam disponveis para uso? Metforas de episdios das cidades

    teriam o apelo de uma urgncia contempornea? Qual movimento desejamos?

  • 7/30/2019 Tartarugas e vira-latas em movimento

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    70 Tartarugas e vira-latas

    O nmade do deserto teve o seu objeto de temor nos sculos seguintes finalmente

    domado. Nas cidades laicas, tuteladas pela cincia, a vida perde o seu devir

    incerto, e ganha a certeza de um peculiar movimento. Domada pela ordem mdica

    e pelo capitalismo do momento, ela circula, aloja-se em corpos, multiplica riquezas,

    perdendo o perigo das formas inclassificveis. O devir ter um objetivo claro e

    rumar em direo ao futuro. A urbe transforma-se em organismo passvel de

    tratamento. Gestos, ruas, comportamentos, mercadorias, residncias, almas, sero

    meticulosamente medidos e tratados. O inominvel, o improvvel ou o ambguoconvertem-se em perigo. Tudo dever estar no seu devido lugar: loucos, sonhos,

    criminosos, trabalhadores, mistrios da alma, vegetais, animais, coisas mveis e

    imveis. Qualquer fluxo incerto ameaar a sade da urbe ou da alma. A cidade

    da ordem do capital domar a vida tornando-a assptica.

    Sangue movimento. Nas galerias parisienses dos passeios das tartarugas os

    deuses e o paraso do lugar a uma outra forma de mobilidade. A Paris dos

    oitocentos inspira-se na circulao sangunea para tornar-se a cidade saudvel. O

    capitalismo moderno, inspirado na descoberta cientfica do sculo XVII, refuta os

    princpios do calor do corpo para explicar diferenas entre homens e mulheres,

    homens e animais, sade e doena. O corpo, a urbe, a produo de riqueza s mudamseus significados e funes: a felicidade humana deve ser mvel. Construtores

    e reformadores passaram a dar maior nfase a tudo que facilitasse a liberdade

    do trnsito das pessoas e seu consumo de oxignio, imaginando uma cidade de

    artrias e veias contnuas, atravs das quais os habitantes pudessem se transportar

    tais quais hemcias e leuccitos no plasma saudvel. A revoluo mdica

    parecia ter operado a troca de moralidade por sade e os engenheiros sociais

    estabelecido a identidade entre sade e locomoo/circulao. Estava criado um

    novo arqutipo da felicidade humana.19 A livre circulao de mercadorias e almas

    em movimento concretizaro os sonhos do capitalismo do oitocentos. A cidade

    organismo, na qual o bombeamento do corao no pode parar, far de cadacitadino um ser mvel responsvel pela sua sade e a da cidade. A ordem social

    no encontrar entraves para o seu devir. A vida assptica gradativamente tornar

    as ruas passagem, lugar temido onde se passa, circula-se e nenhuma surpresa

    71Luis Antnio Baptista

    poder acontecer; becos sinuosos, ruas estreitas sofrero drsticas cirurgias que

    desobstruiro o impedimento de uma vida sadia. A medicina e a polcia sero os

    gerentes deste novo traado urbano. E o que sucederia quando o corao no

    conseguisse bombear o sangue? O que faz um corpo enrijecer e a circulao

    urbana falhar? Teria a cidade contempornea a eficincia da felicidade mvel?

    Qual mobilidade?

    O gavio sobrevoa a jaqueira, e l em baixo, na Avenida Brasil no Rio de Janeiro,

    galpes vazios, escombros de empresas anunciam a paisagem peculiar do

    capitalismo do momento. Passeios de tartarugas, auras de mercadorias, a fumaa

    das fbricas, multides perigosas, sensibilidades em perigo do lugar a uma outra

    cidade, na qual o fluxo sanguneo e do capital possuem outra coreografia. A cidade

    dos produtores envelheceu. A ave sobre a jaqueira descortina a urbe vazia,

    atravessada por carros em alta velocidade dirigidos por olhos de consumidores

    que arrastam corpos na direo da falta, de desejos que fenecem antes de serem

    saciados. Ali a vida assptica do passado d lugar a uma sobrevida frouxa. Nas

    margens da Avenida Brasil avista-se no seu incio um cemitrio, depois runas

    fabris, terrenos baldi os, depsitos aband onados, e mais adiante favelas, dos dois

    lados, onde habitam movimentos peculiares de uma cidade que no se deixacongelar, inacabada pela vida intensa que enfrenta os desgnios da barbrie do

    Estado. Para esta barbrie ali estaria tudo concludo, finalizado, predestinado por

    um passado morto do Rio de Janeiro. No asfalto muros e grades congelam a

    paisagem, projteis precisos vo em direo ao alvo, consumidores passam

    acelerados, corpos arrastam o olho na direo do medo. Risco e insegurana

    bloqueiam desejos afrouxando a passagem de produtivas carncias que no se

    sabe de que, e nem para onde vo. O lema circula e o tema do passado, inspirado

    nos batimentos cardacos, d lugar a um medo diverso daquele produzido pelo

    estranho do capitalismo dos produtores. A cidade perde a aura do paradigma

    civiliza dor. A rua morre. O estranho agora no porta o risco do cont gio, da violncialatente atrs da aparncia, do cio patolgico, do entrave a sade pblica. O risco

    atual seria a bala perdida no meu condomnio, na minha rua, na minha cerca, no

    meu quintal. O medo contemporneo seria um estorvo privado. A sobrevida frouxa

  • 7/30/2019 Tartarugas e vira-latas em movimento

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    72 Tartarugas e vira-latas

    feita de excesso e misria, abundncia e pobreza. Vista do alto da jaqueira a

    cidade parece quase morta.

    Certo dia o gavio em seu voo percebeu um homem duro como um muro; era

    um jovem enrijecido a espera de algo.20 Atravessou os limites da comunidade e

    parou na beira da Avenida. Estava desesperado. O corpo do morador da favela

    do Jacarezinho endurecia a cada minuto da espera. Perto dele o corao de um

    outro homem enfartava. O homem duro de nervoso, morador da comunidade

    dos que no podem sair e nem entrar, saiu a procura de socorro para o pai. O

    gavio chegou mais perto da cena, prxima Avenida Brasil, e viu o homem duro

    amolecer; ele caa como uma tripa no cho aps o tiro. Foi confundido como

    assaltante por policiais. O homem duro de 19 anos trabalhava em Benfica como

    entregador de pizza. A polcia no percebeu o seu desespero, ignorou os seus

    msculos como suportes de narrativas dspares, de histrias sem o peso do fim,

    de gestos desprovidos de autoria; viu somente o destino conclusivo selado no seu

    corpo. O pai morreu de enfarte. A mobilidade permitida comunidade dos que

    no podem sair e nem entrar dura como um muro, frouxa como tripa. O gavio

    subiu mais alto e descortinou a cidade em pedaos, composta por peas de carne

    de diferentes texturas. No avistava um organismo, mas fragmentos vivos, quasevivos, frouxos por abundncia e por quase morte. Entre os pedaos, a ave que

    sobrevoa as superfcies, via a cidade onde circula-se, passa-se e nada acontece.

    Do alto da jaqueira o olhar do gavio sentenciava a agonia da cidade,

    Na Paris das galerias citadinos temerosos de perderem a solidez das suas

    identidades usaram rpteis para neutralizar o comeo permanente da modernidade;

    temiam, como agora, a fora inominvel, a generosidade insuportvel da arte, o

    devir incerto da vida que atormentou os monges do passado. Nesta cidade, um

    poeta contrastava com os limites do seu tempo; usava a ateno pelas ruas,

    pelos dejetos humanos e inumanos em seu ato literrio. Sua obra era inseparveldo lixo urbano, das dores e alegrias da cidade. Detestava a solidez das almas, a

    eternidade das formas e as promessas de salvao de um mundo sem cidade.

    Para ele, interromper o curso do mundo - era esta a vontade mais profunda.

    73Luis Antnio Baptista

    Dessa vontade emergia sua violncia, sua impacincia e sua ira; dela emergiam

    tambm as tentativas sempre reiteradas de golpear o corao do mundo. A morte

    de qualquer eternidade era seu desejo; o nico eterno que o fascinava era o da

    arte, o que viola o humano no prprio humano, transgredindo qualquer limite que

    encarcere uma forma na solido do seu significado. Seu sonho de uma existncia

    melhor rejeita a comunho com qualquer natureza terrena e se prende s nuvens.

    A pr ofan ao mais terr vel a das nuve ns 21

    Certo dia, segundo o poeta das profanaes, um estrangeiro chega a uma cidade

    indeterminada e sucede o seguinte dilogo:

    A quem mais amas, responde, homem enigmtico: a teu pai, tua me, tua irm

    ou teu irmo?

    -No tenho pai, nem me, nem irm, nem irmo.

    -Teus amigos.

    -Eis uma palavra cujo sentido, para mim, at hoje permanece obscuro.

    -

    Tua ptria?- Ignoro em que latitude est situada.

    -A be leza ?

    -Gostaria de am-la, deusa e imortal.

    -O ouro?

    -Detesto-o como detestais a Deus.

    -Ento! a que que tu amas, excntrico estrangeiro?

    -

    Amo as nuve ns... as nuve ns que passam.. .lon ge...l muit o long e... asmaravilhosas nuvens!22

    Metforas de episdios urbanos dariam ao deslocamento do homem comum o

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    apelo de uma urgncia contempornea?23 Que polticas de montagem de cenas

    despedaadas estariam disponveis para uso? Qual movimento desejamos? A

    cidade estaria morta?

    A POLTICA DAS NUVENS

    O gavio sobrevoa a jaqueira, mas l embaixo algum permanece duro como

    o muro.24 S, no ptio, um homem imvel veste um uniforme azul. Parece uma

    grade que congela a paisagem, sabotando o desassossego da cidade. Estehomem est no mesmo lugar h vrios anos. Quem o v avalia que nada entra

    ou sai da sua solidez gradeada. Fora do ptio, olhos arrastam corpos, corpos

    arrastam olhos, palavras vo e vem, gestos desdobram-se, projteis se perdem,

    pessoas se imobilizam e movem-se vivas ou quase mortas. Mas onde ele est

    nada acontece. O ptio que o acolhe insinua ser uma cidadela vazia, cercada por

    muralhas indiferentes aos marcos que delimitem o aqui e um fora, pois neste lugar

    nada passa, nada ultrapassa, nada acontece. O rapaz no fala e no se move, faa

    chuva ou faa sol. indefinida a sua idade, o tempo da sua pele confunde-se com

    o silncio da hera enraizada no cimento a sua volta. Nuvens acima do telhado

    do hospcio onde ele habita escapam de um desenho nico, mas ele no. Dizemque a solidez de seus nervos e msculos encarna a esquizofrenia catatnica. O

    suposto diagnstico justifica sua indiferena a tudo e a todos. As nuvens sobre

    o velho telhado ganham a forma dos encontros com aquilo que as tocam ou as

    atravessam; tocadas pelo vento, ou por sua ausncia, libertam-se do fardo de

    cristalizarem-se em nico desenho. Para o homem duro como o muro, segundo

    o diagnstico psiquitrico, ningum o perturba, o afeta, ou o impele a ser outro;

    falta-lhe a curiosidade pelo mundo, a vulnerabilidade para ser contagiado por algo

    vivo, talvez o prprio mundo. Diz o diagnstico que o paciente sofre um dficit

    relacional irreversvel; vive s entre dores e fantasias. No hospcio do Engenho de

    Dentro, localizado no subrbio do Rio de Janeiro, pssaros sobrevoam jaqueiras,nuvens escapam do isolamento, cachorros percorrem o ptio, mas ele mantm-se

    l como uma janela fechada que asfixia a cidade, apagando o que ela possui de

    possvel. Muros e nuvens fazem poltica no subrbio carioca.

    75Luis Antnio Baptista

    Quando, a cada manh, levado pelo enfermeiro, o homem duro sai do quarto para

    o banho de sol, o vira-lata lambe a sua perna catatnica como se o conhecesse h

    muito tempo. O co lambe a pele que cheira a remdio, pula, circula sua frente,

    late, e o rosto do homem continua o mesmo, impassvel. O vira-lata pulguento

    entra e sai do hospcio; ignora muros e grades que sabotem a cidade decretando

    o seu fim; circula na calada reta em ziguezague, corre ao lado do saco plstico

    soprado pelo vento, cheira tudo o que encontra, atravessa o porto do hospcio

    cata de restos de comida, e para ao lado do homem de uniforme azul. O coprenuncia que algo pode acontecer; o diagnstico de seu parceiro no bloqueia

    a efusividade de seus atos. Este animal, conhecido por todos do bairro, tambm

    faz parte daquele lugar onde nada acontece. O vira-lata pulguento, entre muros

    e nuvens, parece com a cidade ocupada por um emaranhado de histrias com

    diferentes intensidades, impedindo-a de concluso ou de ser fixada em natureza

    morta.

    Certo dia, ao atravessar a rua, o co foi atropelado por um carro. A notcia chegou

    ao ptio, e o homem duro comeou a dissolver-se, a perder gradativamente o

    fardo da catatonia. Os msculos das mos, das pernas, dos ps comearam a

    descongelar. Nervos amoleciam. O rosto perdia o semblante rijo e, com lentido,descontraa as linhas da face sem prazer, sem medo, sem tristeza; apenas movia-

    se com a alegria do gesto despossudo do peso do eu. Nesta metamorfose, o

    corpo tremia, um tremor que se iniciava nos msculos dos olhos e logo aps

    arrastava-o para fora do ptio. O co na calada, atropelado, convocava-o

    para que alguma coisa fosse feita. O ocorrido na rua percorria os seus nervos,

    interferindo drasticamente na sina do seu destino catatnico. Pouco a pouco,

    a imobilidade do diagnstico transformava-se no peculiar movimento: movia-se

    saindo de si, desvencilhava-se da solido do nome escapando da lgica que o

    definia. Descongelado, sem o peso da imobilidade, iniciava o percurso com outro

    corpo, produzido pelo acontecimento inesperado. O paciente psiquitrico era agorainominvel. O azul do uniforme se esmaecia, dando lugar a uma cor inclassificvel.

    Atra vess ado pela cida de, libe rtav a-se do dest ino enra izad o em seus msc ulos.

    O homem mvel abriu sem dificuldade o porto do hospcio e foi ao encontro

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    do co que gemia na calada, com a pata dianteira ferida o co, porm, era

    muito sagaz; o atropelamento no conseguiu causar-lhe maiores problemas. O

    homem mvel pegou o co e levou-o para a enfermaria do hospital. L, pediu

    ao enfermeiro mercrio cromo e esparadrapo e realizou sozinho o curativo. O

    vira-lata medicado fugiu para a rua em ziguezague, e o homem, caminhando vivo,

    contrastava com a paisagem muda a sua volta, seguia em direo ao seu velho

    posto; um outro corpo o esperava. A fora do gesto que recusa a sina do eu era

    lentamente dissipada.

    O acontecimento acabou. Nervos e msculos comeam a enrijecer. A identidade

    dura como muro retorna. Gavies sobrevoam as jaqueiras. Nuvens sobre o telhado

    transfiguram-se em inesgotveis formas, praticando a poltica dos encontros.

    Projteis perdidos atravessam o bairro. O gesto catatnico cumpre a misso do

    seu destino. No corpo do interno de uniforme azul reverbera a fora do lugar

    onde nada acontece, nada ultrapassa, nada atravessa. O homem mvel que foi

    perpassado por afetos torna-se gradativamente imvel. A vida institucionalizada

    daquele lugar afirma-se apenas como ausncia de morte. A alegria do inominvel

    expurgada daquele corpo. Sai de cena a cidade.

    EPLOGO

    O co retorna. A parede coberta pela hera silenciosa sombreia a existncia vegetal

    do interno de uniforme azul. A instituio entranhada no espao sentencia que ali

    nada acontece, aconteceu ou acontecer. No espao institucional do manicmio,

    hera hera, nuvem nuvem, bicho bicho, morte morte, e as metforas inexist em

    como meio de transporte. A mobilidade do vira-lata continua subvertendo o tempo

    e o espao da lgica manicomial. O movimento descontnuo do ziguezague

    anuncia que algo suceder, interrompendo o silncio e o tempo contnuo dos

    vegetais. No hospital do Engenho de Dentro, o vai e vem do animal ao lado do

    homem duro como o muro prenuncia que a vida se desinstitucionaliza atravs dodesdobrar do gesto que recusa o fardo da sua natureza. O desassossego de uma

    outra cidade entra em cena. Sobre os limites do velho hospcio, o movimento das

    nuvens as transfigura em formas inesgotveis, geradas do encontro entre dspares

    77Luis Antnio Baptista

    modalidades de vida. Ar, vento, gua, matrias que se atravessam, ausncia ou

    presena de ar, compem este encontro, apresentando-nos a fria do inominvel,

    como no cinema ou na literatura.

    Na cidade visvel projteis precisos vo em direo ao alvo. Grades sabotam um

    outro mundo por vir. O olho arrasta o corpo na direo do medo. Algum imvel

    espera. O sobe e desce do morro dos que no podem sair persiste. O corpo arrasta

    o olho na direo da falta. Imagens aceleradas na urbe vazia prosseguem. A rua

    continua quase morta. Diferenas brilham solitrias para ningum. A paisagem

    congelada em uma nica verso. Na urbe invisvel, 25 onde o olhar de cima dos

    gavies no consegue alcanar, nada est irremediavelmente concludo, porque

    a barbrie insustentvel. A cidade vive. Cenas urbanas, entre muros e nuvens,

    esto disponveis para uma prxima montagem. O cinema , a dana e literatura

    exigem-nos certa urgncia.

    * Esta artigo um produto da discusso metodolgica da pesquisa Histrias Annimas doCotidiano Carioca. Narrativas Urbanas de Moradores que Vivem S, coordenada pelo autordeste ensaio.

    NOTAS

    1. BENJAMIN, Walter,1987,p.61

    2. CERTEAU, Michel De, 1998, p.199

    3. Segundo Benjamin: Mtodo deste trabalho: montagem literria. No tenho nada adizer. Somente a mostrar. No me apropriarei de formulaes espirituosas, no surrupiareicoisas valiosas. Porm, os farrapos, os resduos: estes no quero descrever e sim exibir.(BENJAMIN, W. 2006, p.943 ). A primeira etapa desse caminho ser aplicar histriao princpio da montagem. Isto : erguer as grandes construes a partir de elementosminsculos, recortados com clareza e preciso. E, mesmo, descobrir na anlise do p equenomomento individual o cristal do acontecimento total. (BENJAMIN, W.,2006, p.503).Vertambm MACHADO, Carlos Jordo, 2006, p.48; BOLLE, Willi, 1994, p.88 e OTTE, Georg.,2007, p.230

    4. CARRIRE, Jean-Claude, 2006, p.14

    5. BLANCHOT, Mauri ce, 1987, p.18

    6. BENJAMIN, Walter, 1994, p.189. Sobre cinema e narrativa ver COSTA, Flavia Cesarino,2005, p.109-210.

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    7. Sobre o despejo, ver BENJAMIN, Walter., 1987, p.235

    8. BENJAMIN, Walter., 1987, 247

    9. BENJAMIN, Walter., 2006, p. 467 e p.960. Ver JACQUES, Paola Berenstein, 2006,p.124.

    10. Sobre esta frase utilizada por Marx no Manifesto Comunista, ver BERMAN, Marshall,1986, p. 85

    11. AGAMBEN, Giorgio, 2008, p.11

    12. BORNHEIM, Gerd., 1992, p.84

    13. VERNANT, Jean-Pierre, 1987, p.3914. FOUCAULT, Michel. ,1984, p.74

    15. SENNETT, Richard.,1997, p.114

    16. SENNETT, Richard., 1997, p.115

    17. BARONE, Giorgio., 1987, p.49. Ver Baptista, Luis Antonio, 2009, p.47

    18. ARCHETTI, Marcello.,1992, p.99

    19. SENNETT, Richard.,1997, p.214

    20. Episdio ocorrido no Rio de Janeiro em novembro de 2006. Bruno Ribeiro de Macedo, 19anos, foi assassinado pela polcia na favela do Jacarezinho. Sobre muros e grades da cidadecontempornea, as articulaes entre experincia urbana e capitalismo ver MIZOGUCHI,Danichi Hausen, 2007, p.10-51 e AMENDOLA, Giandomenico,1997, p,208 -234.

    21. BENJAMIN, Walter.,2006, p.377

    22. BAUDELAIRE, Charles.,2006, p.279

    23. Sobre o apelo de uma urgncia contempornea ver FOUCAULT, Michel.,2005, p.335

    24. Episdio narrado pela Psiquiatra Nise da Silveira ao autor deste ensaio nos anos setentadurante o seu estgio no Hospital Psiquitrico do Engenho de Dentro.

    25. Sobre a cidade invisvel ver CALVINO, Italo, 2004.

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