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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ O HOMICÍDIO PASSIONAL E A PRIVILEGIADORA DA VIOLENTA EMOÇÃO TAYMARA TAVARES DE SOUZA MACAPÁ 2008

TAYMARA TAVARES DE SOUZA - ceap.br · RESUMO Este trabalho aborda aspectos do homicídio cometido em razão de relacionamentos afetivos ou sexuais, por influência da emoção ou

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ

O HOMICÍDIO PASSIONAL E A PRIVILEGIADORA DA VIOLENTA EMOÇÃO

TAYMARA TAVARES DE SOUZA

MACAPÁ

2008

TAYMARA TAVARES DE SOUZA

O HOMICÍDIO PASSIONAL E A PRIVILEGIADORA DA VIOLENTA EMOÇÃO

Monografia apresentada ao curso de Direito do

Centro de Ensino Superior do Amapá, como

requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor

Doutor Carmo Antônio de Souza.

MACAPÁ

2008

Coordenação de Direito

Taymara Tavares de Souza

O homicídio passional e a privilegiadora da violenta emoção.

Monografia avalidada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Direito, pela comissão formada pelos professores:

______________________________________________ - Nota: __________

Orientador: Doutor Carmo Antônio de Souza

______________________________________________ - Nota: __________

______________________________________________ - Nota: __________

Macapá

2008

Dedico este trabalho à minha família que, com amor e apoio incondicional, jamais mediu esforços para que eu chegasse até aqui.

Agradeço a Deus. Eu nada seria sem a fé e a força que encontro Nele. Agradeço aos meus pais, Roberto e Rosa, pelos ensinamentos, pela

paciência, pelo exemplo de conduta e caráter, e, especialmente, por terem me mostrado os reais valores da vida.

Agradeço aos meus irmãos, Robertinho e Tynalle, pela paciência e por poder contar com vocês.

Agradeço à Nia, aos tios Regina e Miranda, ao primo Álvaro, ao meu cunhado Alex, aos meus amigos e companheiros de vida, e à minha amada Cherry; a amizade de vocês foi muito importante nesta caminhada.

Agradeço ao meu namorado pela compreensão, carinho, estímulo e, especialmente, por motivar meus projetos de vida.

Agradeço às minhas amigas de faculdade, que sempre estiveram ao meu lado, dividindo as angústias, compartilhando as vitórias, fazendo esse percurso mais doce e agradável.

Agradeço ao meu orientador pela generosidade em compartilhar seus conhecimentos, pelo incentivo e pela dosagem perfeita de rigor e amizade.

Agradeço, enfim, a todos aqueles que passaram pela minha vida, acrescentando, ensinando e contribuindo para a construção do que sou.

“A clemência é a verdadeira virtude da Justiça.”

Willian Shakespeare

RESUMO

Este trabalho aborda aspectos do homicídio cometido em razão de relacionamentos afetivos ou sexuais, por influência da emoção ou paixão. Forte emoção ou paixão são estados psíquicos capazes de provocar violentas alterações no cenário consciente de uma pessoa. A partir daí, realizou-se uma análise no sentindo de descobrir se essas alterações são capazes de influir diretamente sobre a vontade de delinqüir de alguém. E, chegando a essa conclusão, buscou-se fazer uma apreciação crítica do tratamento dado a este delito, na legislação penal brasileira, para adequá-lo em uma figura penal específica. Palavras-chave: Homicídio – Forte emoção – Paixão – Pena.

ABSTRACT

This work approaches aspects of the homicide committed in reason of affective or sexual relationships, under the influence of emotion or passion. Strong emotion or passion is a psychic state capable of provoking violent alterations in the conscientious scene of a person. From then on, an analysis was made to learn if these alterations are capable of influencing directly on someone’s will to commit a crime. After coming to this conclusion, we tried to make a critical study of the treatment given to this offense, in the Brazilian penal legislation, to adjust it in to a specific criminal figure. Keywords: Homicide - Strong emotion - Passion – Penalty.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

I. HOMICÍDIO 11

I.1- Aspectos históricos 11

I.2- Generalidades 13

I.3- Homicídio privilegiado 14

II. HOMICÍDIO PASSIONAL 20

II.2- Emoção e paixão no crime de homicídio 20

II.3- Generalidades 21

III. ADEQUAÇÃO TÍPICA DO DELITO PASSIONAL 35

III.1- Excludente de ilicitude 35

III.2- Homicídio passional e infanticídio 36

III.3- Tipo penal autônomo 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS 40

REFERÊNCIAS 42

9

INTRODUÇÃO

Desde a origem da humanidade existem os delitos passionais. Esses delitos

não se restringem a uma sociedade ou grupo social específicos, estando presentes

em todas as épocas que se tem conhecimento.

Entretanto, as nossas leis ainda não encontraram solução para as

dificuldades advindas do amor. Isso porque não é possível determinar quem é capaz

de cometer um crime passional, já que os sentimentos de amor, paixão, ciúme, ódio,

entre outros, são inerentes a todos os homens.

Este trabalho ater-se-á aos crimes passionais decorrentes de relações

amorosas e sexuais. Tratando, portanto, dos casos em que emoção e a paixão

levam algumas pessoas a atentar contra outrem.

No tocante ao crime passional, a legislação brasileira não faz menção

explícita a este delito, possibilitando interpretações diversas capazes de provocar

grandes problemas.

E, ainda que o Direito não seja uma ciência exata, os legisladores não podem

se omitir na busca pela excelência normativa.

Para isso, é indispensável que os legisladores observem até as

características mais sutis e imperceptíveis da conduta humana, onde fatores

psicológicos e sociais animam a ação, de forma a dar maior precisão ao tipo penal.

Isso porque as normas jurídicas que tutelam o direito à vida e têm como

sanção a restrição do direito de liberdade devem ter o cuidado de adaptar

nomenclaturas e conceitos à realidade.

O interesse em desenvolver esta pesquisa decorreu da necessidade de

compreender as problemáticas que cercam esse crime, que fez com que algumas

pessoas, sem antecedentes criminais e precedência ilibada, tirassem a vida de

pessoas próximas, mesmo conhecendo a punição severa dada em resposta.

10

Para este estudo, foram utilizados dois tipos de pesquisas, a saber: a

pesquisa bibliográfica, constituída principalmente de artigos científicos e livros,

permitindo a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla; e a pesquisa

documental. Embora esta última se assemelhe à pesquisa bibliográfica, permitiu o

acesso a documentos como reportagens de jornal, relatórios de pesquisa, decisões

judiciais, entre outros.

Além disso, é conveniente mencionar como fonte de estudo e fundamentação

teórica, bibliografias de diversos doutrinadores renomados que possuem obras

relacionadas ao tema em estudo.

O trabalho foi dividido em três capítulos, sendo o primeiro sobre o homicídio,

dos aspectos históricos aos gerais.

Em seguida, foi abordada a influência da emoção e da paixão no homicídio e,

especificamente, o crime de homicídio passional.

Por fim, consta uma reflexão sobre a tipificação adequada para o delito em

tela, passando pelo benefício da excludente de ilicitude, da tipificação branda como

a concedida ao crime de infanticídio e pela tipificação penal penal autônoma.

11

I- HOMCÍDIO:

I.1- Aspectos Históricos:

Segundo Pierangeli (2005), o homicídio é comumente tratado nas legislações

modernas sob duplo enfoque, com denominação diferenciada, mas que produz

idêntico efeito.

A distinção de denominação era feita com base na maior ou menor gravidade

da execução do crime que, conseqüentemente, influenciaria no grau de reprovação

de culpabilidade.

Os diplomas legais estrangeiros traziam duas denominações para o crime de

suprimir a vida alheia, chamando de assassinato aqueles de maior gravidade e de

homicídio os que se enquadravam na modalidade comum.

Contudo, o que parece mais conveniente é uma tipificação mais clara, a qual

foi adotada na legislação brasileira, conforme Bitencourt (2001) que traz que o

Código Penal Brasileiro de 1890 não seguiu a orientação estrangeira.

Assim, optando pela simplificação na classificação dos delitos, o atual Código

não criou várias figuras especiais, como parricídio e matricídio, deixado a encargo

das particularidades e circunstâncias reais a adequação típica dentre as três

modalidades de homicídio: simples, privilegiado e qualificado.

Ressalte-se que desde o Código Criminal do Império (Lei de 16 de dezembro

de 1830) até o atual Código Penal (Decreto-Lei nº. 2.848 de 07 de dezembro de

1940), todos os códigos adotaram idêntica orientação quanto à previsão do crime de

homicídio, definindo-o como o crime de matar alguém.

Quanto às penas aplicadas, comumente o crime era punido com pena de

morte, como ocorria em Roma e na Itália.

Nas Ordenações Filipinas, ensina Pierangeli (2001), foi seguida a orientação

das duas primeiras Ordenações – Afonsinas e Manuelinas -, buscando substituir a

vingança privada pela pública. Com exceção de dois momentos em que se admitia a

12

vingança privada: em caso de morte dada à adúltera e ao seu parceiro e na hipótese

de aberta admissão à vingança particular consistente na perda da paz.

Nessas Ordenações, as penas eram, constantemente, a de morte. Outras

penas graves, de conteúdo infamante, eram: açoites, galés, corte de membros e

trabalho público. Também sendo cominadas penas de multa e degredo.

No Título XXXV, do Código Filipino, encontra-se:

Qualquer pessoa, que matar outra, ou mandar matar, morra por ello morte natural. Porém se a morte fôr em sua necessária defensão, não haverá pena alguma, salvo se nella excedeo a temperança, que devêra, o poderá ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso. (PIERANGELI, 2001, p. 120)

Assim, no mencionado título já é possível observar a excludente de ilicitude

decorrente da legítima defesa, bem como a punição do excesso doloso.

Essas Ordenações são consideradas a primeira legislação que orientou,

efetivamente, o Brasil, visto que, segundo Pierangeli (2001), vigeram em nosso país

por mais de dois séculos. Sendo, portanto, destaque entre as Ordenações do Reino.

O Código Criminal do Império, de 1830, deu início à legislação

verdadeiramente brasileira, revogando a vigência das Ordenações Filipinas em

matéria criminal.

E, dentre as penas cominadas para o crime de homicídio (arts. 192 a 196), o

Código de 1830 estabeleceu pena de morte, galés perpétuas e prisão com trabalho.

O grau de aplicação das penas variava de acordo com a ingerência ou não de

circunstâncias agravantes.

A partir do Código de 1890, que tratou do homicídio no Título X, Capítulo I, foi

possível notar que houve uma humanização das penas, priorizando-se a prisão

celular, que variava de 6 (seis) a 24 (vinte e quatro) anos, para homicídio simples, e

de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, para o qualificado.

Por fim, o Código Penal de 1940 versou sobre o crime de homicídio no art.

121, estabelecendo pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

13

Pena esta que pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o

homicídio se enquandrar entre as causas de diminuição de pena do art. 121, §1º, ou

aumentada, variando de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, se o homicídio for qualificado

pelas circunstâncias elencadas no art. 121, §2º.

I.2- Generalidades:

O homicídio, conforme define a legislação penal brasileira, é a morte de um

homem praticada por outro homem.

Bitencourt (2001) afirma que “matar alguém” é o enunciado mais conciso,

objetivo, preciso e inequívoco de todo o Código Penal. Segundo Ripollés e Martíns

(1993, apud PIERANGELI, 2001), este é um crime de resultado em que o tipo não

estabelece meios específicos de execução da ação, pelo que, em princípio, admite

qualquer tipo de ação dirigida pela vontade do autor à produção do resultado morte.

A partir do caput é possível extrair com clareza os sujeitos ativo e passivo,

que podem ser qualquer pessoa, por ser um crime comum. Também se identifica o

objeto jurídico, que é a vida extra-uterina, o elemento objetivo do tipo que é matar

alguém e o subjetivo, que é intenção de matar, admitindo-se, porém, a forma

culposa. E, sendo um crime material, a consumação se dá com a morte da vítima,

havendo, contudo, a previsão de tentativa.

Portanto, o crime de homicídio, que se processa mediante ação pública

incondicionada, classifica-se em simples, comum, material e de dano, este último por

afetar um bem.

Além disso, esse tipo se decompõe em várias formas, podendo ser

classificado como: simples (art. 121, caput), privilegiado (art. 121, §1º), qualificado

(art. 121, §2º), culposo (art. 121, §3º) e, finalmente, culposo qualificado, previsto no

art. 121, §4º.

A tipificação do crime de homicídio busca coibir o ato humano de ceifar a vida

de outra pessoa, querendo, sobretudo, resguardar o bem jurídico mais importante: a

vida humana. E, para tanto, o legislador brasileiro não restringiu a tipificação ao

14

crime de homicídio, tutelando, também, em nosso Código Penal, suicídio, infanticídio

e aborto. Tipos autônomos que são, na essência, extensão do delito em tela.

Greco (2006) assevera em sua obra que o homicídio, dentre todas as

infrações penais, é aquela que desperta mais interesse, em virtude de reunir uma

mistura de sentimentos – ódio, rancor, inveja, paixão, etc.-, tornando-o um crime

especial, diferente dos demais. E vai além ao dizer que, normalmente, quando não

estamos diante de criminosos profissionais, o homicida é autor de um crime único,

do qual, geralmente, arrepende-se.

Destarte, esse delito pode se apresentar de várias maneiras, de acordo com

os fatos e as circunstâncias que o cercam. E são essas circunstâncias que, no caso

concreto, tornarão a conduta do homicida mais aceitável ou reprovável sob o

enfoque social e jurídico.

I.3 - Homicídio Privilegiado:

Na exposição de motivos da Parte Especial do Código Penal Brasileiro, diz-se

que o projeto de lei mantém uma diferença entre a forma simples e a forma

qualificada de homicídio e que as circunstâncias expressas no art. 121, §2º, dizem

respeito ora a intensidade do dolo, ora ao modo de ação e ora em relação à

natureza dos meios empregados, mas todas revelando a maior periculosidade ou

extraordinário grau de perversidade do agente. Conforme transcrição a seguir:

Homicídio simples Art 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

15

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Maggiore (1948, apud PIERANGELI, 2005) diz que o motivo é o antecedente

psíquico da ação, a força que põe em movimento o querer e o transforma em ato.

Pierangeli (2005) assevera que, atualmente, toda a ciência e as legislações

orientam-se por uma decisiva valorização dos motivos.

E, como base na inexistência de crime gratuito ou sem motivo, o tipo penal

básico “homicídio” se divide surgindo o homicídio privilegiado e qualificado por

motivos subjetivos.

A causa de diminuição de pena inserta no art. 121, §1º, denominada pela

doutrina de homicídio privilegiado, por não ser um tipo autônomo, apenas reduz de

1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) a pena prevista em razão de circunstâncias especiais

que se agregam ao tipo fundamental. Isto quer dizer que descrição típica não é

alterada, pois são apenas minorantes, incapazes de transformar sua composição.

Nelson Hungria (19??, apud BITENCOURT, 2001), já dizia que os motivos

que conduzem ao crime de homicídio podem ser morais, imorais, sociais e anti-

sociais. A partir daí, privilegia-se a ação de ceifar a vida de alguém quando os

motivos têm natureza moral ou social.

De tal modo, é a escala de valores da sociedade que determinará a

relevância social ou moral do ato, conforme assevera Bitencourt (2001) ao escrever

que a ação continua punível, ocorrendo apenas uma mitigação da reprovabilidade,

na medida em que diminui o afronta às exigências ético-jurídicas da consciência

comum.

A referida diminuição é possível quando o agente comete o crime impelido por

motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo

em seguida a injusta provocação da vítima. A partir, daí depreendem-se três

hipóteses para concessão do privilégio:

a) homicídio praticado por relevante valor social;

b) homicídio praticado por relevante valor moral;

16

c) homicídio praticado sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida de

injusta provocação da vitima.

Quando se fala em relevante valor social, não se trata tão-somente no que vai

no íntimo do agente, mas sim se está acolhido pelo corpo social, atendendo aos

interesses da sociedade. Exemplificando, é possível citar a morte de um traidor da

pátria, aquela resultante de amor paterno ou em defesa das instituições

democráticas.

Já quanto ao motivo de relevante valor moral, este se refere aos interesses

particulares do agente, na sua individualidade, tais como os sentimentos de piedade

e compaixão, como o clássico exemplo da eutanásia, que é considerado homicídio

piedoso por colocar fim a consternação que envolve a vítima, ou também o caso em

que o pai mata aquele que violentou a filha.

Enfim, no homicídio praticado em razão de relevante valor social ou moral,

necessário se faz, sobretudo, que o motivo seja realmente importante. E a relevância

desse valor, não obstante seja subjetiva, não é aferida apenas pela a percepção do

sujeito ativo, mas sim pela sensibilidade média da sociedade, que deve ser apurada

com base nos padrões da sociedade e de acordo com a cultura de determinado

tempo e local.

Em se tratando de homicídio praticado sob o domínio da violenta emoção,

logo em seguida a uma injusta provocação da vítima, surge o que se denomina

homicídio emocional.

Emoção, conforme Hungria (1958), é um estado de ânimo ou de consciência

caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória

perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou

modificações particulares das funções da vida orgânica.

Pierangeli (2005) vai além descrevendo as características da emoção ao

relatar que tal estado anímico produz vários reflexos fisiológicos, como palidez,

tremor das mãos e dos lábios, calafrios, sudorese, enrijecimento, alterações

17

urinárias e taquicardia. E cita Aristóteles, ao dizer que emoção é uma agitação do

coração.

Conclui Pierangeli (2005), elucidando que tal situação emocional de um

agente que normalmente é fiel ao direito e que não deu causa à sua eclosão, não

pode ser censurada quando leva à prática de um delito, porquanto tal estado decorre

de uma injusta provocação, a que o agente não deu causa, mas que é suficiente

para fazer surgir essa emoção incontrolável.

Quanto à provocação injusta, a traição, certamente, é um comportamento

equivalente a esta conduta. Visto que, fidelidade, e, sobretudo, respeito, são deveres

mais que jurídicos, morais, inerentes a qualquer compromisso.

Por isso, flagrar a esposa na cama do casal com outro homem ou a visão de

amantes trocando carícias é, certamente, capaz de desencadear uma violenta

emoção.

E, da mesma forma que é insuficiente para o reconhecimento da

privilegiadora o valor social ou moral, sendo imperativo que o motivo seja relevante,

não é qualquer emoção que pode ostentar a qualidade de privilegiadora, mas

apenas aquela que realmente é intensa, violenta, que absorve o agente e reduz

consideravelmente o seu entendimento.

Essa potencialidade provocadora, conforme ensinam renomados autores,

deve ser apreciada com critério relativo, tendo em vista as qualidades pessoais do

provocado, as do provocador, as relações anteriores entre ambos, a educação que

receberam, as circunstâncias, entre outras.

Ponto relevante dessa redação é “logo em seguida a provocação”, pois,

embora exigível, não é completamente preciso, surgindo diversas interpretações por

não ser possível mensurar com exatidão esse lapso temporal, ficando a critério do

juiz o reconhecimento.

De acordo com Jesus (2004), para a caracterização do homicídio privilegiado,

o agente precisa estar sob domínio de uma emoção descontrolada, abrupta e

rompante, devendo a emoção ser imediata, sem qualquer intervalo.

18

Já Greco (2006) esclareceu que essa expressão denota relação de

proximidade e imediatismo. Porém, admite que não significa que o “logo em seguida”

impossibilite qualquer espaço de tempo. Finaliza, o mencionado autor,

reconhecendo a hipótese daquele que, tendo conhecimento da provocação injusta,

se desloca para buscar a arma do crime.

Ademais, Bitencourt (2001) ressalta que, na Exposição de Motivos do Código

Penal de 1940, o ministro Francisco Campos afirmou que o legislador não deixou de

transigir, até certo ponto, cautelosamente, com o passionalismo: não o colocou fora

da psicologia normal, isto é, não lhe atribuiu o efeito de exclusão de

responsabilidade, só reconhecível no caso de autêntica alienação ou grave

deficiência mental; mas reconheceu-lhe, sob determinadas condições, uma

influência minorativa da pena. E, em consonância com o Projeto Alcântara, não só

incluiu entre as circunstâncias atenuantes explícitas a de ter o agente cometido o

crime sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto de outrem,

como fez do homicídio passional, dadas certas circunstâncias, uma espécie de delito

excepcional, para o efeito de facultativa redução da pena, art. 121, 1º.

No mesmo sentido, Couto (2003) assenta que, de qualquer maneira, o que

fica claro é que a lei penal, ao encarar a questão do amor, acabou por ceder diante

dos sentimentos que atingem o coração humano.

Isso é possível perceber, especialmente, quando admitiu, por exemplo, a

tipificação do chamado homicídio privilegiado, após o próprio Código, inútil e

passionalmente, querer negá-los em seu ordenamento através do art. 28.

Couto (2003) afirma que este artigo é uma tentativa de aprisionar a paixão

sem qualquer mitigação da pena desta gente que, embora faça parte de um corpo

social, traz em seu corpo biológico leis que somente uma justiça que carregue no

peito a emoção e a paixão dos mortais e ostente nas mãos humanas um coração ao

invés de uma espada, é capaz de minimamente compreender. Principalmente, numa

terra onde são raros os homens que sabem suportar nobremente as dores do amor,

essas mesmas que, às vezes, integram uma etapa tormentosa da peregrinação do

homem pelo mundo.

19

E, apesar de, na Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro, ter-se

afirmado que a redução da pena é uma faculdade do juiz, há interpretações

conflitantes na doutrina e na jurisprudência quanto à obrigatoriedade da redução.

Mirabete (2006) entende que, face a redação da lei, onde lê-se “pode”, está

claro que a redução é facultativa.

Bitencourt escreve:

O Supremo Tribunal sumulou cominando nulidade absoluta à não-formulação de quesito de defesa relativamente ao homicídio privilegiado, antes das circuntâncias agravantes (Súmula 162). Não se pode esquecer, ademais, que se trata de um quesito de defesa. Logo, não teria sentido atribuir extraordinária importância à necessidade da formulação de tal quesito, a ponto de inquinar de nulidade absoluta a sua omissão, e, num segundo momento, deixar a exclusivo arbítrio do juiz a redução ou não da sanção penal reconhecida pelo corpo de jurados. (2001, p.65)

Bitencourt (2001) segue esclarecendo que se trata de um direito público

subjetivo do condenado, quando reconhecida a privilegiadora pelo Tribunal do Júri,

limitando a discricionariedade do juiz à fixação da quantidade de redução.

O pensamento de Greco (2006) não é distinto, ao afirmar que, uma vez

comprovado ter o agente atuado sob o domínio de violenta emoção, logo em

seguida a injusta provocação da vitima, deverá o juiz reduzir a pena de 1/6 (um

sexto) a 1/3 (um terço), percentual variável conforme maior ou menor intensidade da

situação em que estava envolvido.

Sendo, portanto, direito subjetivo do autor da infração penal ver aplicada a

minorante.

Deste modo, com base no princípio de que deve ser aplicado o que for mais

favorável ao réu, parece inequívoco que, reconhecido o privilégio pelo Conselho de

Sentença do Tribunal do Júri, a pena deve ser reduzida em respeito à soberania dos

veredictos instituída pela Constituição Federal.

20

II- HOMICÍDIO PASSIONAL:

II.2- Emoção e paixão no crime de homicídio:

Emoção é um estado afetivo capaz de perturbar o equilíbrio psicológico de

uma pessoa, alterando sua maneira de pensar e agir.

E paixão, conforme define a maioria dos doutrinadores, é uma emoção ou

sentimento que, de tão intensa, é capaz de fazer sucumbir a lucidez e a razão,

sendo considerada por muitos como um sentimento crônico, doentio.

Matos (2006), considera ameaçadora a paixão e a define como uma

afetividade duradoura e prolongada, capaz de desencadear no indivíduo um grau

descontrolado de “cegueira” em relação aos seus limites diante da sociedade.

Admite, o citado autor, o grande poder que este sentimento exerce sobre o homem.

Bitencourt (2001) relata que paixão é a emoção em estado crônico,

perdurando como um sentimento profundo e monopolizante.

E, Hungria, comungando da opinião de Bitencourt, escreve:

“A paixão é a emoção que se protrai no tempo, surdamente, introvertidamente, criando um estado contínuo de perturbação afetiva em torno de uma idéia fixa, de um pensamento obsidente. A emoção dá e passa; a paixão permanece, incubando-se. Mas paixão é como o borralho que, a um sopro mais forte, pode chamejar de novo, voltando a ser fogo crepitante, retornando a ser estado emocional agudo”. (1981, apud PIERANGELI, 2005, p. 66)

Pierangeli (2005) ressalta que já se comparou o homem sob o influxo da

violenta emoção a um carro tirado por bons cavalos, mas tendo à boléia um cocheiro

bêbado. Na crise aguda da emoção, tornam-se inócuos os freios inibitórios e são

deixados a si mesmo, ao desgoverno, os centros motores de pura execução. Isso

tudo porque desintegra-se a personalidade psíquica do homem tomado por forte

emoção.

21

Rabinowicz (2000, apud BENEDITO JUNIOR, 2004) profere que uma grande

paixão cria no homem algo como uma segunda natureza, fazendo com que todas as

leis da sua psicologia normal percam o valor.

A partir desses entendimentos, fica claro que a pessoa acometida por uma

violenta paixão ou emoção, pode ser incapaz de entender o caráter ilícito da ação ou

de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Por tudo isso, o Código Penal Brasileiro ainda não encontrou uma solução

para tratar da emoção e da paixão, sendo contraditório ao demonstrar seu

posicionamento, considerando-se que dispõe que emoção e paixão não excluem a

imputabilidade e, em seguida, admite que o agente acometido por violenta emoção

merece ter sua pena minorada.

II.2- Generalidades:

Na seara do homicídio privilegiado, surge o que denominamos “homicídio

passional”. Tema de grande polêmica, é tratado na legislação penal subjetivamente,

fazendo com que as sanções aplicadas fujam a uma regra geral.

De Plácido e Silva, em dicionário jurídico, escreve que crime passional é o

que se faz por uma exaltação ou irreflexão conseqüente de um desmedido amor à

mulher ou de contrariedade a desejos insopitados.

Entretanto, ainda que alguns autores façam maior menção àqueles praticados

por homens, não rara vezes têm-se notícia de mulheres como autoras de tais

crimes, como nos casos célebres de Zulmira Galvão Bueno e da atriz Dorinha

Durval.

Zulmira Galvão Bueno por estar convencida da infedelidade de seu marido,

Stélio Galvão Bueno, alvejou-o com dois tiros de revólver, matando-o. (ELUF, 2007,

p. 33)

Eluf (2007) conta que, em uma manhã, Zulmira entrou no quarto em que

Stélio dormia, apossou-se da arma do marido e lhe desferiu um tiro. O homem,

22

ferido, disse à esposa: “Ai meu bem, você está me matando”, ao que ela respondeu:

“Eu sempre fui tua e você judiou comigo”. Seguiu-se um segundo tiro e a

empregada, ouvindo a conversa e os disparos, interveio. Segue narrando que

Zulmira guardou a arma e saiu pela rua feito louca, em total desalinho. Depois,

entregou-se à Polícia, ainda de pijama, chinelo e roupão.

Já quanto à Dorinha Durval, Eluf (2007) relata que a atriz matou, com três

tiros, seu marido, o cineasta Paulo Sérgio Alcântara, com quem estava casada há

seis anos. A própria mulher levou o marido ao hospital e retirou-se em seguida. O

cineasta não resistiu aos ferimentos no abdômen e no peito.

Dorinha teve que ser assistida por psiquiatra e foi medicada com fortes

sedativos, pois a família temia a tentativa de suicídio, devido ao seu estado

depressivo. E o advogado dela declarou à impressa: “O amor e o ódio, quando muito

intensos, chegam a se confudir, por isso, Dorinha Durval era a vítima sobrevivente

de uma tragédia”. (ELUF, 2007)

Eluf (2007) escreve que a atriz depôs que, após chegar de uma festa com o

marido, aproximou-se dele carinhosamente, mas foi repelida. Ela reclamou e iniciou-

se uma discussão, até que o marido disse que não gostava mais dela. Em seguida,

a chamou de velha e falou que só apreciava meninas novas, de corpo rijo.

Dorinha Durval tentou contornar a situação dizendo que faria uma operação

plástica, mas ele respondeu: “Você não dá mais, nem com operação”. A partir daí a

discussão tornou-se violenta, ele a agrediu física e moralmente, até que ela pegou o

revólver que o marido havia comprado e desferiu os tiros que o atingiram.

Assim, Beraldo Junior (2004), ao falar sobre crime passional, esclarece que é

errônea a impressão de que o homem, o ser masculino, é o único a portar o ciúme

capaz de levar ao crime, visto que as mulheres ciumentas são piores que aqueles.

Afirma, Beraldo Junior (2004), que a mulher ciumenta transfere o ciúme para

além da ameaça feminina, sente ciúme do amado em relação aos amigos e ao

trabalho, sente-se preterida quando não está com seu homem e, as conseqüências

do ciúme feminino, na maioria das vezes, excedem as do homem.

23

E, por se tratar de um crime praticado sob a influência de um sentimento

dominador, o homicídio passional é uma categoria especial do privilegiado e,

juridicamente, convencionou-se chamar de passional os crimes praticados em

decorrência de relacionamentos afetivos ou sexuais.

Assim, conforme afirma Leal (2005), a doutrina utiliza o termo para designar,

de forma restrita, a conduta do cônjuge traído que, por ciúme, amor incontrolável ou

desvairado, mata o seu cônjuge adúltero ou o amante deste.

De tal modo, o estigma de homicida passional é dado àquele que mata em

razão de flagrante de traição, por ciúmes, ou pela perda da pessoa amada que o

abandonou. Esse crime, algumas vezes, traduz a cólera súbita de quem, ao se ver

surpreendido pela recusa ou pelo adultério daquele com quem mantinha relações,

não suporta a força de uma paixão dominadora.

Ferri (2003) explica que o verdadeiro e próprio delito emotivo é aquele que se

diria reafigurar a antiga força irresistível. E orienta dizendo:

Tais delinqüentes apresentam habitualmente, os seguintes caracteres constantes estabelecidos pela antropologia criminal: são homens jovens, na idade em que o incêndio e a erupção vulcânica da emoção e da paixão atingem ao paroxismo; perpetram o delito, às claras, sem preparação, como dizia um grande psiquiatra inglês: como estouro de uma máquina explosiva; são de sensibilidade sempre superior e mais intensa que o normal e de aguda emotividade que, segundo estudos de Lange e Mosso, parece partir dos centros cardíacos, quase confirmando a intuição popular: são pessoas de ‘coração terno’ ou de ‘coração grande’. (FERRI, 2003, p. 43)

Ferri (2003) prossegue afirmando que tais homens têm precedentes ilibados e

conduta honesta em todas as atitudes na existência. Ajustando-se, ainda, ao seu

comportamento imediatamente após cometimento do delito, com espontânea

apresentação a autoridade e com remorso sincero do mal feito, que freqüentemente

se expressa no imediato suicídio ou tentativa séria de suicídio.

O criminalista Valdir Troncoso Peres, em entrevista a Eluf (2007), comenta

que é terrível quando se fere o mais intenso de todos os afetos do homem e

sobrevém uma ruptura unilateral na forma de infidelidade. E afirma que influenciam

uma série de outros problemas, porque o criminoso passional é, em regra, homem

que tem pouco recurso fabulatório, imaginativo, criativo, que tem poucos anseios e

24

poucas aspirações, de forma que a vida dele se reduz àquela inter-relação dele com

o parceiro. Ele não tem amor à ciência, não tem amor à literatura, não tem amor à

arte, entre outros, ele tem amor ao parceiro. O outro é a vida dele.

Valdir Peres (ELUF, 2007) segue explicando como surge o ímpeto de matar

ao falar que arrancar o amor de dentro do homem, arrancar o sentimento de vida,

arrancar aquilo que lhe é imanente, aquilo que lhe é próprio, aquilo que é a matriz

que conduz a sua vida, é a mesma coisa que matá-lo. Por isso, ele se sente no

direito de matar porque ele está em legítima defesa.

Também diz ter conhecimento de casos em que passionais deformaram a

realidade e as idéias para construir e legitimar a conduta homicida, como o exemplo

do rapaz que imaginou ver a mulher amada sendo seqüestrada pelo noivo dela,

matando-o na cerimônia de casamento. Demonstrando, assim, a falta de lucidez que

lhes é imanente.

E, respondendo àqueles que falam em homicidas passionais aparentes,

comenta o advogado Valdir Peres a frase que proferiu o diretor de um manicômio:

“Não existe simulação na vida. Ninguém simula, cada um é o que é. Quando você verificar que um cidadão está simulando que é ladrão é porque ele tem um impulso; quando o cidadão está simulado que é pederasta é porque tem o impulso da pederastia. Quer dizer, o homem existe na sua integralidade, ele pode simular em um determinado momento, mas ele tem o impulso da simulação, se ele não tiver a propensão, simulação não existe.” (ELUF, 2007, p. 197-198)

Isso mostra que não seria fácil para alguém alegar que matou por amor ou

paixão, se assim não o fosse. Essa pessoa simplesmente não teria as conhecidas

características de um apaixonado, por não ser capaz de compreender os

sentimentos deles.

O elemento propulsor do homicídio passional é não conseguir suportar a

perda pessoa amada. Alguém que estivesse fingindo ser um autêntico passional

certamente não teria a linguagem e emotividade imanentes a essas pessoas. Não

seriam, sobretudo, capazes de simular a falta de lucidez inerente ao momento do

arruoubo emocional.

25

Aliás, a obra “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, mostra a incapacidade

humana de conviver com a ausência do ser amado, fazendo com que os amantes se

desesperem ante a impossibilidade de ver seu desejo consolidado, levando-os a por

fim às próprias vidas.

O advogado Couto (2003) constata que, para o Código Penal Brasileiro, tanto

os estados emotivos quanto os passionais não afastam a imputabilidade penal, que

é pressuposto da culpabilidade. Entretanto, concorda que tais estados têm força de

diminuir a sanção.

Esses estados podem servir como atenuante ou caso de diminuição de pena.

E a distinção entre essas duas situações está no fato de que para a configuração da

atenuante, basta a influência da emoção ou paixão, ao passo que, para que seja

uma causa de diminuição de pena, o agente deve ter atuado sob o domínio de tais

sentimentos.

Machado (2006) assegura que a emoção e a paixão podem tomar conta do

ser humano, reduzindo, inegavelmente, a fronteira entre o certo e o errado. Portanto,

considera que o art. 28, I, do Código Penal, que preceitua que a emoção e a paixão

não excluem a imputabilidade penal, é um dispositivo muito rigoroso e inflexível.

Leal (2005) entende que o legislador de 1940 adotou um critério de

severidade que, com base na teoria da culpabilidade atualmente predominante,

pode ser questionado. E o fez por motivo de Política Criminal, simplesmente

ignorando que a paixão intensa pode perturbar a consciência, o discernimento e o

autocontrole humanos. Dessa forma, admitida esta possibilidade, é claro que a

capacidade de o agente conhecer a natureza ilícita de seu comportamento pode

ficar comprometida.

O pensamento de Noronha (2003) é nesse sentindo ao escrever que a

posição do Código Penal de negar a emoção e paixão como causas inimputabilidade

é antes ditada por motivos de política criminal. E salienta que há paixões que são

doenças mentais e, assim, excluem a imputabilidade, na forma do art. 26. Patológica

que seja, estamos que o art. 28 deve ceder a essa e a emoção.

26

Assim, não compreende tal autor como o nosso legislador foi capaz de

estipular que, mesmo nos casos em que a emoção e a paixão atingem altos graus

de interferência na capacidade de entendimento e determinação dos homens, o

agente ainda seja considerado imputável.

Partindo desta constatação, pergunta-se: até que ponto a política criminal

deve ser priorizada em detrimento à liberdade do agente? A Justiça, objetivo

supremo do Direito, está sendo posta abaixo da busca pela “segurança penal”.

Por tudo isso, obviamente a realidade de dominação e perda de

discernimento, a qual o agente está sujeito, não poder ser desconsiderada pelo

Direito Penal.

E, embora não se possa negar que a paixão e a emoção são estados

psíquicos tão próprios da pessoa humana, a ponto de sequer ser possível deixá-los

de fora da nossa legislação, este homicida ainda parece ser mal visto por algumas

pessoas.

Isto é possível observar nas opiniões mais contraditórias daqueles que,

embora condenem veementemente os homicidas passionais, acabam por admitir a

debilidade que os levou a praticar a conduta criminosa.

A Procuradora de Justiça, Eluf (2007), conquanto trate o homicida passional

como um ser possessivo e narcisista, escreve que essas pessoas, sem qualquer

tendência para criminalidade, em situações de grande impacto emocional, são

acometidas de estranha e insuperável obsessão, apresentando um estado mental

quase-patológico.

Ora, no momento em que ela fala em insuperável obsessão e patologia,

pergunta-se: se é insuperável, como evitar o crime? A essa pergunta é possível

responder, com segurança, que se alude, sobretudo, a alguém incapaz de dominar

suas atitudes, que não age com frieza, mas sim em virtude de uma violenta emoção,

que reduziu sensivelmente sua capacidade de determinação. E, sendo a ação

decorrente de uma patologia, a punição, obviamente, não é a resposta ideal ao

crime praticado.

27

Silva (1991, p. 28) defende:

Se um médico fosse chamado para tratar um caso de febre tifóide, provavelmente tentaria descobrir que espécie de leite ou de água bebia o paciente, e talvez limpasse o poço para que ninguém mais pudesse pegar tifo naquela mesma fonte. Mas, se um bacharel fosse chamado para tratar um paciente de tifo, daria a ele trinta dias de cadeia, e depois pensaria que ninguém mais teria coragem de apanhar tifo. Se o paciente sarasse dentro de quinze dias, ficaria preso até terminar sua sentença; se a doença estivesse pior, ao fim de trinta dias, o paciente seria posto em liberdade, porque sua sentença teria expirado.

O citado autor arremata explicando que não isso não é uma caricatura, mas

sim a realidade do Direito Penal, dogmático, normativo, formalista, ainda nos nossos

dias. Estima-se a pena, o tempo de duração, o prazo para a cura do doente.

Quando, na verdade, as doenças da alma não se tratam com fórmulas algébricas,

porque não está em causa uma reação química, mas o destino inteiro, a liberdade

de uma criatura.

Portanto, enclausurar um doente da alma em um presídio, certamente não iria

ajudá-lo. Ao contrário, faria com que se fechasse ainda mais no seu mundo interior,

alimentando sua enfermidade e tornando-se ainda mais insano.

Couto (2003) menciona o dramaturgo Dias Gomes que, ao responder se

quem ama mata, responde que, por mais paradoxal que seja, todo grande amor traz

em si o sentimento de morte e que toda grande paixão faz fronteira com a tragédia,

bastando para ultrapassar essa fronteira apenas uma centelha de loucura.

Fala também Dias Gomes (apud COUTO, 2003) que isso se dá em razão da

subumanidade humana, pois o homem mata o seu semelhante, apesar de amá-lo,

por ainda não ser capaz de amá-lo como a si mesmo.

O promotor Roberto Lyra (apud COUTO, 2003) escreve que, embora o

homicida passional não seja o juiz da questão conjugal, o fato é que o amor continua

sendo a mais humana das paixões, mas também a mais terrível de todas. Porque,

quando nos transferimos inteiramente para a pessoa amada, sem nos darmos conta

disso, e o desfecho do retorno resultar em sofrimentos, não pode compará-lo a

nenhum outro.

28

Isso se dá em virtude do sentimento de perda, de ter que prosseguir na vida

sem a pessoa amada, capaz de fazer a vida perder o encanto e a alegria, fazendo

com que o curto sonho de viver perca completamente o sentido e o mundo se torne

absolutamente sem graça.

Por isso, Willian Shakespeare já dizia, em sua obra Muito Barulho Por Nada,

“todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”.

Da mesma forma o Desembargador Barbosa Pereira (apud FRANCO e

STOCO, 2001), do Tribunal de Justiça de São Paulo, com sua experiência

profissional, admite que, exigir conduta contida do indivíduo que apanha a esposa

em flagrante com um amigo seu, é coisa já difícil mesmo em decisões de juízes

togados.

Indo ao encontro desse entendimento, o Desembargador Gilberto Pinheiro, do

Tribunal de Justiça do Amapá, proferiu voto mencionando música Nervo de Aço, de

Lupicínio Rodrigues, que entoa: “há pessoas com nervos de aço, sem sangues nas

veias e sem coração, mas não sei se, passando o que passo, talvez não lhes venha

no peito qualquer reação”.

Essa música traduz o que vai ao coração de uma pessoa, como todas as

demais, que, ao se ver surpreendida pela visão de quem ama nos braços de outra,

tem grandes dificuldades de suportar a dor que lhe finca o peito. Por isso, o

desembargador conclui o pensamento escrevendo:

Nós, julgadores, também somos humanos, e temos na veia sangue e coração, por isto entendo que no caso concreto a emoção está patenteada, pois afetou o estado emocional do agente, que não pode ser censurado. Não se trata de qualquer valoração social, mas sim, de um estado de afeto, de um conflito espiritual, de uma cláusula de exigibilidade diminuída, fartamente concretizada. Não queria ele, no fundo, ceifar a vida de sua amada, mas sim, acabar com a desdita que lhe martelava a cabeça. Não se pode, pois, realizar uma avaliação individual, mas sim, num conjunto global da situação, concluindo que a violenta emoção está concretizada, diminuindo, portando, sensivelmente a culpa do agente. (TJAP - ACr n.º 1673/ - Acórdão n.º 6108 - Rel. Des. GILBERTO PINHEIRO - Câmara Única - j. 23/09/2003 - v. Unânime - p. 10/11/2003 - DOE n.º 3154)

A par disso, percebe-se é impiedoso demais ser inflexível com essa categoria

de criminosos que matam em decorrência de um sofrimento insuportável.

29

Evandro Lins e Silva (apud COUTO,2003) diz que o Código Penal, ao se

lançar na difícil missão de disciplinar a emoção e a paixão derivadas de uma

injustiça, acabou, ainda que implicitamente, por condescender que não é possível

excluir do texto penal o coração do homem, com todas as suas fraquezas, com

todos os seus mistérios.

Portanto, apesar de o nosso legislador penal dispor no art. 28 que não

excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão, admitiu, no art. 121, §1º, que

a violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação, deve ser levada em

consideração para reduzir a pena.

Não obstante, Couto (2003) conclui que aquele que mata por se sentir

rejeitado por seu amor, o faz por ser uma vítima de um afeto desecudado, mas cuja

reação extremada ele sempre julgará absolutamente necessária e, portanto,

justificável naquela situação. E, por incrível que pareça, até esperada em

determinados meios sociais.

Na matéria “O dilema entre o perdão e a vingança”, a revista VEJA traz o que

o filósofo americano Jeffrie Murphy (apud LIMA e ROMINI, 3 set. 2008, p. 90-91)

disse sobre as qualidades que podem existir no ressentimento:

“São três: auto-respeito, autodefesa e respeito pela ordem moral. A pessoa que nunca se ressente, seja de qual for a ofensa, pode ser um santo. Mas a falta de ressentimentos pode também revelar uma personalidade servil e sem respeito por seus direitos e sua condição de indivíduo livre e moralmente respeitável.”

Na referida matéria também consta que entendedores da mente humana

enxergam em boa parte episódios que chamamos de vingança apenas explosões

momentâneas de ódio e reflexos de defesa.

E, sustentam as jornalistas:

A vingança é um impulso que se desenvolve basicamente em quatro etapas. A pessoa entende que sofreu dado e conclui que este dano este foi causado por outra pessoa. Em seguida, acredita que esse dado foi injusto. E, por último, sente o desejo de retaliar. A questão que se coloca a partir desse ponto é a seguinte: por que o homem carrega dentro de si o espírito vingativo? Duas teorias estão entre as mais prováveis. A primeira é que o desejo de vingança é um tipo de toxina existente na mente apenas das pessoas rancorosas. Isso pode ser atribuído a perturbações mentais ou morais, a pais ausentes na infância, a fatores culturais. A outra possibilidade

30

é a que se trata de um sentimento tão natural no ser humano quanto o amor, o ódio e o medo. Um século de pesquisas sociais e biológicas deu aos cientistas a certeza de que a segunda é a mais sólida. (LIMA e ROMINI, 3 set. 2008, p. 88-89)

A psicanalista Ana Cecília Carvalho (apud LIMA e ROMINI, 2008) explica: “A

urgência da restauração de um rombo no ego, seja por uma injustiça pessoal, seja

pela perda brutal de alguém querido, impede que a pessoa tenha clareza para julgar

em que medida o agressor deve pagar pelo que fez”.

Por tudo isso, concluem os jornalistas da reportagem que o nó da questão é

que o desejo de vingança constitui uma parte da natureza humana, pois refrear o

desejo de vingança não é fácil quando alguém sente o coração trasbordar de fúria.

Assim, Beraldo Junior (2004) diz que o homicida passional não elimina sua

vítima, pois, na concepção do homicida passional, ele é a própria vítima dos atos do

outro.

Relata também que o passional não tem medo de zombarias, visto que,

quando do cometimento do crime, não pensa no futuro e sim no passado. Sente-se

lesado, ofendido, na honra e no sentimento pessoal. Pensa no passado, como se

fizesse um retrospecto de todas as boas lembranças, lembra-se dos carinhos

dispensados ao outro, lembra-se das juras amor e das vezes que juraram fidelidade

e amor eterno.

Neste ínterim, a emoção toma conta de si, tudo num intervalo de tempo que

pode variar de caso a caso, conforme o cenário e a vida pregressa de cada um dos

amantes.

Beraldo Junior (2004) comenta o questionamento de Luiza Nagib Eluf: “Se

para solucionar a insatisfação amorosa-sexual entre parceiros há várias alternativas,

dentre as quais o diálogo, a compreensão, o perdão ou a separação, sem violência.

Por que alguns matam?”.

A partir daí, Beraldo Junior (2004) responde que a mesma pergunta deveria

ser feita ao adúltero. Ou seja, se para solucionar a insatisfação amorosa-sexual

31

entre parceiros há várias alternativas, dentre as quais o diálogo, a compreensão, o

perdão ou a separação, sem violência. Por que trair?

Isso torna evidente que, no processo penal, a vítima é vista apenas como

vítima, desconsiderando qualquer colaboração que tenha feito para o cometimento

do crime.

Nesse momento, vê-se a necessidade de um olhar mais cauteloso,

aprofundado, para observar com mais clareza o que cerca e impulsiona o crime.

Para tanto, o ideal seria a aplicação prática da Criminologia, pois ela vai além da

visão superficial do crime, fazendo o estudo do delito, mas também do delinqüente e

da vítima.

Desse modo, através do uso da Criminologia, seria possível encontrar as

causas do crime, bem como o grau responsabilidade dos envolvidos.

Beraldo Junior (2004) explica que o comportamento da vítima pode incitar a

conduta violenta, impulsiva e agressiva do vitimizador. Ribeiro (2001, apud

BERALDO JUNIOR, 2004) escreveu que perigosidade vitimal é um estado psíquico

e comportamental em que a vítima se coloca estimulando a sua vitimização.

E. Bittencourt (1971, apud BERALDO JUNIOR, 2004) aponta que o grau de

inocência da vítima em confronto com o grau de culpa do autor compõe

precisamente os aspectos que têm sido negligenciados e que podem contribuir para

a explicação de numerosos casos.

Assim, a personalidade da vítima não pode ser descartada do contexto do

crime, devendo ser observada a colaboração do ofendido e sua conseqüente

responsabilidade.

Pois, Beraldo Junior (2004) garante que resposta do passional nada mais é

do que o uso dos meios que considerava necessários no momento de sua exaltação

emocional e psicológica. Isso porque, na verdade, a sociedade, no geral, ainda não

está disposta a conviver com a traição.

32

J. B. Cordeiro Guerra (apud COUTO, 2003), no livro “A arte de acusar”,

sustenta que, na Inglaterra, quando se diz que alguém matou outra pessoa, a reação

natural do inglês é de espanto e eles perguntam como aquilo pôde ocorrer, porque

eles não entendem que a morte seja solução para as dificuldades humanas.

Já no Brasil, a questão é diferente, pois, ao saber da morte de alguém, os

brasileiros costumam perguntar o porquê. Alega, ainda, que, no subconsciente do

brasileiro, há uma tendência natural a acreditar que, em determinadas

circunstâncias, a violência pode ser a solução para as dificuldades humanas. E

assegura que essa pergunta decorre da curiosidade de saber se nós também não

seríamos capazes de matar nas mesmas circunstâncias.

Nessa mesma linha de pensamento, Couto (2003) ressalta o que o

criminalista Waldir Troncoso Peres respondeu ao ser questionado se o homicida

passional é louco: “Nada disso, ele é um homem que nós – eu, você – poderíamos

ter sido”.

Afirma, Beraldo Junior (2004), que, se fizéssemos uma análise histórica da

defesa da honra, ampliando seu conceito até o crime passional, passando pela

Escola Clássica e Positivista, verificaríamos que seus defensores, como César

Lombroso e Enrico Ferri, demonstravam enorme indulgência pelos criminosos

passionais.

E conclui que as paixões são veículos que levam à prática de atos violentos,

obstando que o agente tenha plena consciência de sua ilicitude e que seja capaz de

analisar as conseqüências.

O argentino Soler (1992) entende que o correto é trabalhar com a idéia de

que, em certas circunstâncias, determinadas emoções ou paixões poderão

realmente excluir a culpabilidade do agente. E afirma: “es psicologicamente

impróprio y juridicamente desprovido de objeto todo itento de classificar

abstractamente y a priori las pasiones humans”. (SOLER, 1992, p. 57)

Assim, analisando o pensamento de Hungria e Rabinowicz, Leal (2005)

entende que eles emitiram prognósticos equivocados em relação ao criminoso

passional. Falavam em epidemia de criminalidade passional, mas não se tem

33

qualquer evidência sobre um vago surto epidêmico de tal delito, além dos índices

normais de qualquer sociedade de preconceitos e desigualdades.

Ressalta, também, que o homicida passional, nos termos em que foi estudado

por ambos, sempre foi um ocasional. Por isso, conclui que são cada vez menos

numerosos os casos de delitos passionais, acompanhado o aprimoramento da

civilização e a maior compreensão para solução de conflitos gerados pelo adultério.

Garante, portanto, com base em filtro histórico e estatísticas, que a

preocupação de Hungria e Rabinowicz quanto a essa categoria de criminosos era

desprovida de qualquer fundamento.

Sustenta Leal (2005) que não é a delinqüência passional que assusta,

amedronta e atinge a coletividade de forma significativa e cotidiana. A criminalidade

violenta do dia a dia, que gera insegurança e pânico entre os cidadãos, está

relacionada ao tráfico de entorpecentes e aos assassinatos que lhe estão

associados. Sendo também preocupante o grande índice de homicídios culposos,

decorrentes de um trânsito caótico e motoristas deseducados.

Estes sim são fatos realmente corriqueiros, pavorosos e insuportáveis pela

sociedade, merecendo medidas preventivas e repressivas eficazes, pois as

estatísticas demonstram que um percentual grande de pessoas estão presas em

virtude do tráfico, sem falar das dezenas de milhares de mortes que acontecem

todos os anos nas estradas brasileiras.

Além disso, não se pode dizer que a Justiça é tolerante com o delinqüente

passional, a ponto de o agente atuar com a esperança de absolvição. Na verdade,

ainda que assim o fosse, fica difícil imaginar que alguém, acometido de insuperável

emoção, seja capaz de lembrar qual sanção é aplicada ao ato que julga precisar

cometer.

A verdade é que criminalidade passional jamais constituiu numa delinqüência

quantitativamente expressiva a ponto de evidenciar uma ameaça para a segurança

coletiva.

34

Eluf (2007) diz que a conduta do homicida passional beira o inexplicável, pois

matar a pessoa objeto de desejo é um contra-senso, mesmo que seja para satisfazer

o sentimento de posse frustrado. Comenta que o passional destrói também sua vida

com o ato tresloucado; suas amarguras se multiplicam: além do julgamento judicial e

eventual punição, ele sofre a reprovação social e passa a carregar um estigma.

Conclui, Eluf (2007), que o passional mata, embora a dor decorrente do crime,

a punição da Justiça e a repercussão social do fato possam ser terríveis.

Se a autora admite todo o sofrimento que o crime causa ao agente passional,

é difícil imaginar como é possível que queira que ele ainda seja severamente punido.

O crime, em si, já traz dores muito maiores do que sanção que a Justiça pode vir a

aplicar.

E, relembrando a frase de Shakespeare, “o espírito culpado sempre abriga

suspeita. Em cada moita o ladrão pensa que se esconde um soldado”, não faz

sentido o passional ter tratamento tão rígido, em face do sofrimento que já abriga em

sua alma.

Na verdade, conforme explica Beraldo Junior (2004) o amor é como um

desequilíbrio afetivo para o qual não fomos educados. Sendo, portanto, uma

afluência de sentimentos que se transformam em algo superior e diferente,

possuidor de um poder irresistível e capaz de resultar conseqüências desastrosas.

Pelo exposto, o homicida passional não é um criminoso comum e não deve

ser tratado como um criminoso comum. Normalmente, tem passado ilibado e

conduta social honesta, praticando o crime apenas em virtude da perturbação

psicológica que o atinge temporariamente.

Ele também não reincide e, muitas vezes, em virtude da dor e desespero,

tenta o suicídio. Portanto, a explicação do crime está na perda da razão em virtude

da emoção ou paixão dominadora, capaz de influenciar fortemente a vida e os atos.

Dessa forma, o passional faria jus a uma menor reprovação penal em razão

da perda da plena capacidade de determinação.

35

III- ADEQUAÇÃO TÍPICA DO DELITO PASSIONAL:

Reale (2000) explicou que, infelizmente, na Ciência do Direito, não é possível

ter a precisão terminológica própria do saber matemático ou físico, porquanto certas

palavras básicas servem para exprimir conceitos diversos. E completa dizendo que

isto tem grandes inconvenientes, especialmente no que se refere à própria

denominação dos principais tipos de regras jurídicas.

Assim, Rawls (1981, apud MATTOS, 2006) diz que a justiça é a primeira

virtude das instituições sociais e que, por isso, leis e instituições, por mais eficientes

e engenhosas que sejam, deverão ser reformuladas ou abolidas se forem injustas.

Destarte, a ciência jurídica deve promover o contínuo ajuste do Direito,

adequando suas leis, suprimindo as lacunas e sanando os defeitos, de acordo com

as transformações da sociedade, para que alcancemos a tão sonhada Justiça.

III.1- Excludente de ilicitude:

O homicídio passional é um crime de ímpeto. Por isso, tem que ser avaliado

no contexto em que foi cometido. Se praticado no calor de uma determinada

situação, é imprescindível considerar todas as circunstâncias que o envolveram, pois

é com base nestas circunstâncias que o agente deve ser julgado.

Machado (2006) garante que tanto a emoção quanto a paixão são estados

psíquicos ou estados da alma, causadores de violentas alterações no cenário

consciente da pessoa. Tais violências, que são exercidas sobre a vontade do

agente, evidentemente reduzem a espontaneidade de determinação do sujeito,

influindo diretamente sobre a vontade de delinqüir, tornando-a menos livre.

Assim, as atitudes dos passionais seriam decorrentes de reações internas,

somadas ao sentimento de amor que nutre o agente por outra pessoa e pela

sensação de perda ou ciúme e ainda pelo flagrante de traição. Isso tudo capaz de

desencadear um processo violento de alterações psicológicas.

36

Portanto, Mattos (2006) entende que deve ser feito um exame detalhado a

respeito do estado psíquico do passional, a fim de submetê-lo a uma medida de

segurança, na qual o indivíduo é oferecido à apreciação de um tratamento

psicológico até o saneamento de sua periculosidade.

Comprovado que a paixão e emoção reduzem efetivamente o discernimento

do agente, levando-o a cometer o delito, não há que se falar em dar gravame à

punição. Pelo contrário, o ideal seria julgá-lo com base em sua incapacidade de

resistir ao ímpeto de matar.

Delmanto (2002) notou que, embora o art. 28, I, do CP, disponha que o

agente responderá penalmente ainda que se encontre no estado de emoção ou

paixão, caso a emoção ou a paixão tenha se tornado estado patológico, enquadrável

nas hipóteses do art. 26, caput, ou de seu parágrafo único, poderá ser reconhecida a

inimputabilidade ou semi-responsabilidade do agente.

O inimputável é aquele inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do

fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento. Para esses, a pena

adequada é a medida de segurança.

E essa patologia a que se refere Delmanto é presente em muitos casos, mas

não é apreciada pelos julgadores. Na verdade, as decisões muitas vezes não

observam o que vai ao coração do réu e o que cada um é capaz de suportar. Julgam

com base em uma utopia, em um padrão ideal de conduta, modelo este ao qual a

grande maioria de nós está longe de se adequar.

Além disso, grandes paixões, levadas a graus extremos, muitas vezes atuam

como uma força coercitiva irresistível, tal qual faz menção o Código Penal em seu

art. 22, que dispõe que o coagido não deve ser punido.

III.2- Homicídio passional e infanticídio:

Não é novidade na legislação brasileira o tratamento diferenciado em algumas

situações específicas, como no caso do crime de infanticídio.

37

Infanticídio é o crime de matar o próprio filho, durante o parto ou logo após. É

uma espécie de homicídio privilegiado, mas foi definido em dispositivo à parte, com

denominação jurídica própria, tornando-se crime autônomo.

E, baseado no sistema fisiopsicológico ou fisiopsíquico, em virtude do estado

puerperal, o legislador de 1940 entendeu que é crime menos grave do que os

cominados no art. 121, §1º, atribuindo-lhe pena sensivelmente inferior do que a do

homicídio privilegiado.

O tratamento dado a este delito é bastante peculiar, pois, objetivamente

falando, é extremamente mais reprovável a ação de matar o próprio filho, visto que a

mãe tem o dever objetivo de cuidado para com o filho.

Além disso, a redação do nosso Código Penal é “matar, sob a influência do

estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”, sendo, no mínimo,

vaga, surgindo, portanto, várias indagações.

O que realmente a elementar “durante o parto ou logo após” deve abranger?

Essas expressões, corriqueiras em nosso ordenamento, conforme também se

observa no art. 121, §1º, dificultam a interpretação exata em razão da imprecisão

com que se apresentam.

No caso específico do infanticídio, doutrinadores como Nelson Hungria e

Romeu de Almeida Salles Jr. se manifestam de maneira mais condescendente,

sustentando que a interpretação deve ser a mais ampla possível, abrangendo todo

período de choque do estado puerperal.

Contudo, esse tempo ainda é muito incerto e, além disso, será que realmente

avaliam se o estado puerperal efetivamente provocou perturbações na mãe para

conceder-lhe adequação típica mais branda? Aliás, não são poucos os julgados no

sentido de que o estado puerperal é presumido. Beneficiando, mais uma vez, a

autora do crime.

Por tudo isso, é difícil compreender o motivo que fez com que o crime de

infanticídio fosse tratado de maneira mais branda do que o homicídio passional,

levando em consideração que esse crime mais parece qualificado do que

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privilegiado, já que o amor de mãe é muito superior a qualquer outro amor, como o

de homem e mulher. E, ainda porque, neste caso, não resta dúvida sobre a

impossibilidade completa de defesa por parte da vítima.

Ao crime de infanticídio é cominada a pena de detenção de 2 (dois) a 6 (seis)

anos, enquanto que para o homicídio a pena é de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte)

anos, podendo ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se privilegiado.

Ou seja, considerando que, antes da fase de aumento e diminuição, a pena

para o homicídio praticado sob influência de violenta emoção, esteja em 6 (seis)

anos, ainda que se conceda a maior diminuição – 1/3 (um terço) -, a pena será

cominada em 4 (quatro) anos, o que ainda é superior à pena mínima conferida ao

crime de infanticídio.

Além disso, o regime de cumprimento de pena por crime de infanticídio

também é menos rigoroso do que o atribuído ao de homicídio privilegiado. Já que a

pena de reclusão, segundo art. 33, do Código Penal, deve ser cumprida em regime

fechado, semi-aberto ou aberto, enquanto que para a detenção os regimes são

semi-aberto ou aberto, sendo o fechado apenas uma exceção.

III.3- Tipo penal autônomo:

Atualmente, é notável a grande influência que a opinião pública tem sobre os

processos criminais. Esta opinião é formada, especialmente, por informações

jornalísticas, muitas vezes manipuladas por interesses de grupos sociais específicos,

que, usando de artifícios como destaques para os aspectos dramáticos, comoventes

ou chocantes, acabam por envolver a sociedade, formando uma pré-convicção.

Silva (1991) escreveu que numerosos jornalistas revelaram pleno

conhecimento da força de pressão que seus comentários exerciam nos julgamentos,

ressaltando a influência da imprensa sobre os veredictos tomados. Isso porque

durante meses aquecia a opinião, dramatizava o processo, privando o acusado de

uma vaga simpatia que poderia decidir sua sorte.

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Esse julgamento prévio, feito no íntimo da população, com base em dados

cuidadosamente selecionados entre tantos, acaba acompanhando o jurado para o

Tribunal do Júri, aonde são julgados os crimes de homicídio, fazendo com que o

jurado não se atenha apenas às reais circunstâncias ligadas ao delito.

Por tudo isso, é imperativa uma redação mais clara e concisa, resultando em

um tipo penal conciso e específico para o delito, necessário para resguardar reais

doentes de amor de julgamentos injustos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho não busca a descriminalização do homicídio passional,

tampouco garantir a inimputabilidade do agente, face a ampla falibilidade dos

critérios de aferição da responsabilização do agente hoje utilizado.

O que se pretende com este trabalho é encontrar uma penalidade mais justa

e adequada ao delito cometido por aqueles que não têm completa percepção do que

fazem.

O processo normativo ainda não é perfeito, por isso, produz leis que ou são

extensas ou econômicas demais, clamando por uma interpretação que as ajuste as

necessidades sociais.

Deste modo, há um pluralismo de entendimentos divergentes, que mortificam

a segurança daqueles que são levados a julgamento. O que é visivelmente contrário

aos princípios da igualdade e legalidade.

Na verdade, a sociedade não pode ignorar a diminuída consciência de

ilicitude que o sofrimento ou transtorno emocional, causados por um afronta ou

provocação injusta, provocam. Isso porque a dor atua como uma força que impede a

correta análise e determinação do agente sobre seus pensamentos e condutas.

Desse modo, ainda que não se fale em inimputabilidade, não há como negar

a exigibilidade diminuída de conduta diversa

Pelo exposto, em relação àquele que matou em razão impossibilidade de

resistir a um impulso demasiado forte, decorrente de provocação injusta, vê-se a

desnecessidade de sua total segregação.

Afinal, não apresenta periculosidade para pôr em risco a sociedade, visto que

o delito passional é um ato isolado. E, incontáveis vezes, foi o censurável

comportamento da vítima que impulsionou o agente à prática do ato lesivo.

Comportamento este que não pode ser esquecido no julgamento do agente

passional.

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Isso porque a vida pregressa desse agente normalmente fornece razões para

crer que não tem propensão natural para o crime. Somado a isso, nos casos em que

o agente passional foi absolvido, raramente se falou em reincidência, de modo que o

encarceramento teria caráter puramente retributivo, não agindo como fator de

ressocialização do condenado.

Portanto, a inadequação do isolamento delongado em cárcere é ainda mais

manifesta se considerarmos a realidade do sistema penitenciário brasileiro que,

infelizmente, atua mais como curso de formação e aperfeiçoamento de delinqüentes

do que como um local de ressocialização.

Além disso, as causas que levam o passional a praticar o crime não poderão

ser sanadas com anos de prisão.

Por tudo isso, sugere-se a solução de um tipo penal próprio para o homicídio

passional, com toda a condescendência que o delito merece, punindo-o com pena

inferior à cominada no art. 121, §1º, do Código Penal e aplicando-se como regime de

cumprimento de pena a detenção.

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