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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus de Bauru DANIELE FORTES MARTIN A APRENDIZAGEM EM PAULO FREIRE E PIAGET BAURU 2007

TCC Daniele - Final

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências Campus de Bauru

DANIELE FORTES MARTIN

A APRENDIZAGEM EM PAULO FREIRE E PIAGET

BAURU 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências Campus de Bauru

DANIELE FORTES MARTIN

A APRENDIZAGEM EM PAULO FREIRE E PIAGET

Trabalho apresentado como exigência parcial para a Conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências UNESP – campus de Bauru sob a orientação do Prof Dr Marcelo Carbone Carneiro.

BAURU 2007

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Agradecimentos

À Deus pela vida,

dom divino que me possibilita experienciar muitas coisas boas.

Ao professor Dr. Marcelo Carbone Carneiro,

por seu esforço e paciência ao orientar o presente trabalho.

À professora Dra. Eliana Zanatta,

pela dedicação em auxiliar a todos os alunos em suas dificuldades e também por participar

da minha banca examinadora.

À professora Dra. Maria Antônia Vieira Soares,

por participar de minha banca examinadora.

Aos professores do curso de Pedagogia,

por transmitirem princípios para a minha formação.

Aos meus pais,

que mesmo sem entender a formação acadêmica sempre me apoiaram.

Às minhas amigas,

Que sempre torceram por mim.

.

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Dedicatória

À meus pais, José Luiz e Cristina.

À meus irmãos, Juliano e Fernanda.

À minha tia Fátima e a minha prima Lívia.

À meu namorado, Paulo.

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RESUMO

No processo de construção do conhecimento é necessário conhecer os constituintes epistemológicos que fundamentam o conceito de conhecimento e que oferecem recursos teóricos para a prática pedagógica. Norteados por esta necessidade trabalhamos as perspectivas de conhecimento do pedagogo Paulo Freire e do epistemólogo Jean Piaget, suas semelhanças e consecutivamente suas críticas aos modelos de construção do conhecimento. Os objetivos do trabalho foram: estudar a teoria de Jean Piaget e expor às criticas aos modelos tradicionais de educação; estudar a teoria de Paulo Freire e expor às críticas a pedagogia bancária; e após estes estudos estabelecer aproximações ou não entre as teorias freireana e piagetiana. Após concluirmos o primeiro e segundo objetivo, podemos afirmar que há semelhanças entre as teorias propostas para o estudo teórico. PALAVRAS CHAVES: Jean Piaget, Paulo Freire, pedagogia tradicional, pedagogia ativa e pedagogia progressista.

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Sumário Introdução 7

1. Metodologia 9

2. A Noção de Aprendizagem em Jean Piaget 11

2.1 O Método Empírico X Método Ativo 16

3. A Noção de Aprendizagem em Paulo Freire 32

3.1 A Pedagogia Bancária X Pedagogia do oprimido 37

4. Aproximações entre a teoria de Piaget e Paulo Freire 44

5. Considerações Finais 50

REFERÊNCIAS 52

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INTRODUÇÃO:

Os educadores necessitam ser conhecedores das teorias que norteiam sua prática.

Especificamente sobre as questões que envolvem o processo de ensino-aprendizagem. A

pesquisa que realizamos estudou as teorias de Jean Piaget e Paulo Freire. O objetivo da

escolha dos autores foi analisar as semelhanças que podem existir entre ambos.

Ambos influenciaram a educação brasileira com contribuições significativas para

pensarmos a aprendizagem. No entanto, Jean Piaget e Paulo Freire são criticados (de forma

superficial e ingênua) por suprimir o papel do professor, evidenciar o aluno como centro de

todo processo de construção do conhecimento e por desconsiderar os conteúdos

acadêmicos. Segundo essa leitura, o aluno estuda quando quer, o que quer e como quer.

Além disso, aparece a crítica política frente às concepções sobre a educação dos piagetianos

e dos freirianos.

Para suprir as necessidades almejadas neste trabalho estudaremos textos de Jean

Piaget e de Paulo Freire e também textos que fazem referências a estes teóricos da

educação, com o intuito de desmistificar as idéias que não condizem com a real tese destes

pensadores.

No primeiro capítulo trabalhamos com as concepções de Piaget sobre a

aprendizagem. Exploramos os conceitos biológicos básicos que explicam a construção do

conhecimento. Desenvolvemos suas perspectivas sobre a teoria empirista e confrontamos

com a metodologia que defende que é o método ativo.

No segundo capítulo exploramos a visão de Freire sobre as questões que norteiam a

educação. Trabalhamos as relações dialéticas existentes entre homem-mundo, educador-

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educandos, ação-reflexão. Estudamos algumas obras a fim de verificar as diferenças entre a

pedagogia bancária e a pedagogia do oprimido.

No terceiro capítulo é o momento de união entre as duas teses. Analisamos as

possíveis semelhanças existentes entre as teorias de Jean Piaget e Paulo Freire frente a

concepção de aprendizagem e a metodologia tradicional.

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1. METODOLOGIA

A pesquisa, por ser de caráter teórico, foi realizada fundamentalmente através de

análise de textos. Optamos por uma maneira clássica de interpretação de textos, que busca a

ordem interna das razões levantadas pelo autor. Na análise do texto, busca-se atingir as

justificações que um autor dá de seu próprio sistema (ordem das razões levantadas por ele).

Portanto, a metodologia adotada é a de interpretação do texto buscando re-apreender,

conforme a intenção do autor, a ordem das razões e sem jamais separar as teses dos

movimentos que as produziram (conforme a intenção de seu autor).

No primeiro momento nos atemos a estudar os textos de Jean Piaget, dada a

complexidade e abrangência de sua obra. Pesquisamos também autores que possibilitassem

uma maior compreensão de sua tese. Por conseqüência estas leituras originaram o primeiro

capítulo denominado A noção de aprendizagem em Jean Piaget. Buscávamos em cada

leitura a essência de sua concepção sobre a construção do conhecimento. Os livros

analisados estão sistematicamente descritos nas Referências.

No segundo momento realizamos a leitura das obras de Paulo Freire. Com o mesmo

propósito que é o de averiguar suas idéias sobre aprendizagem. Realizamos pesquisas em

sites de conteúdo acadêmico e cientifico para aprofundarmos nossos estudos. Por tanto,

descrevemos nossos estudos sobre este pensador no segundo capítulo denominado A noção

de aprendizagem em Paulo Freire. Os textos e livros também estão registrados na

referência.

Como seqüência deste estudo, estruturamos o terceiro capítulo denominado

Aproximações entre a teoria de Piaget e Paulo Freire. Neste momento nos atemos a

comparar ambas as teses, que é um de nossos objetivos. Realizamos esta análise com o

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auxílio da obra Da ação á operação: o caminho da aprendizagem em J. Piaget e P. Freire

de Fernando Becker, filosofo que se dedica a estudar as semelhanças entre Piaget e Freire.

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2. A NOÇÃO DE APRENDIZAGEM EM JEAN PIAGET

O presente estudo de cunho filosófico busca enfatizar as conceituações de Piaget

sobre aprendizagem, como esta ocorre e quais são os pressupostos que devemos considerar,

ou seja, problematizaremos este tema e esclareceremos as idéias deste renomado

pesquisador. Devemos lembrar que o campo de desenvolvimento teórico de Piaget é o da

psicogenética cujas perspectivas sobre aprendizagem são conceituadas nesta área de

conhecimento. Além disso, devemos considerar que este teórico não desenvolveu nenhuma

teoria da educação, como muito se afirma, mas suas idéias embasaram a teoria

construtivista pela qual defendia, devido suas experiências, um método que valorizasse o

ser humano e suas faculdades intelectuais. Elaborou a epistemologia genética, que entende

o conhecimento como uma construção progressiva de novas formas de organização do real.

Para discutir a questão do conhecimento propõe uma regressão aos estados mais primitivos

do desenvolvimento no sujeito, isto é, que recuemos a gênese do homem.

Podemos perceber nas leituras realizadas sobre este autor uma característica muito

forte de problematizar as questões clássicas do conhecimento e buscar uma resposta à luz

de uma epistemologia fundamentada nos fatos.

Dada a abrangência dos trabalhos de Jean Piaget1, podemos afirmar que este

investigou e explorou a mente humana. Muitos de seus trabalhos foram importantes para

diversas áreas do conhecimento, mas é, sobretudo na Educação e na Psicologia que

encontramos a repercussão de sua obra.

Encontramos, também, objeções a sua teoria, por vezes as críticas dizem respeito à

desconsideração da questão social, porém, o próprio Piaget destacou em muitos momentos

1A produção de Jean Piaget é extensa e complexa. Escreveu 96 livros (ele e colaboradores) e uma centena de artigos e textos.

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que o sujeito sem o social não teria a mínima condição de se constituir; Piaget2 apud La

Taille (1992) afirma que “a inteligência humana somente se desenvolve no individuo em

função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas.” O que

devemos compreender é que, para que haja socialização é necessário que haja equilíbrio

entre os sujeitos, entretanto o que há é uma diferenciação do ser social em fases distintas de

desenvolvimento. O ser social de uma criança de cinco anos não é o mesmo de um

adolescente. Há de se considerar o nível de desenvolvimento, as formas de pensamento, a

relação interindividual, o reconhecimento do eu e do outro. É nesta linha que caminha o

pensamento deste epistemólogo. Outro enfoque de crítica são as afirmações de que este

epistemólogo se restringiu apenas em evidenciar a aprendizagem como dependente da

maturação mental e física, ou seja, dependente do desenvolvimento biológico, no entanto,

restringir a aprendizagem somente a fatores biológicos é minimizar a vasta obra de Jean

Piaget. Negando esta questão da consideração apenas da maturação, Piaget (1974, p. 34)

desenvolve sobre está temática relacionada às estruturas lógicas do raciocínio:

“(...) a aprendizagem não se confunde necessariamente com o desenvolvimento, e que, mesmo da hipótese segundo a qual as estruturas lógicas não resultam da maturação de mecanismos inatos somente, o problema subsiste em estabelecer se sua formação se reduz a uma aprendizagem propriamente dita ou depende de processos de significação ultrapassando o quadro do que designamos habitualmente sob este nome.”

Piaget (1988) analisou os fatores biológicos e os sociais na constituição do ser

humano. Na análise da gênese do conhecimento, certamente o ser humano nasce com

estruturas inatas do sistema nervoso (próprio da espécie) e forma de adaptação biológica,

2 Piaget, Jean. Biologia e conhecimento: ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas e os processos cognoscitivos. Petrópolis: Vozes, 1973.

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no entanto, nossas ações que se elaboram a partir do estofo inicial biológico se constitui

progressivamente graças aos fatores sociais:

Desde que os homens falam, por exemplo, nenhum idioma se implantou por hereditariedade, e é sempre através de uma ação educativa externa do ambiente familiar junto à criancinha que essa aprende a sua língua, tão apropriadamente denominada “materna”. Sem dúvida as potencialidades do sistema nervoso humano tornam possível tal aquisição, negada aos antropóides, e a posse de uma certa ‘função simbólica’ faz parte destas disposições internas que a sociedade não cria mas utiliza; todavia sem uma transmissão social exterior (isto é, em primeiro lugar educativa), a continuidade da linguagem coletiva tornar-se-ia praticamente impossível (PIAGET, 1988, p. 30)

Diante desta questão, Piaget considera a aprendizagem e a maturação, porém, existe

uma complexa relação entre os processos biológicos (maturação de mecanismos inatos) e as

experiências físicas ou sociais, que resultam na aprendizagem, ou seja, este último não se

resume somente em desenvolvimento. Seria muito superficial uma teoria que admitisse a

necessidade de uma maturação e posteriormente um processo de aprendizagem. Piaget não

pensa a aprendizagem desvinculada do desenvolvimento, mas não possui a tese que

primeiro precisa desenvolver para depois aprender (essa foi uma má leitura de Piaget).

A união destes fatores originará um terceiro fator que não pode ser caracterizado

nem como uma estrutura inata (hereditária) nem como resultante da experiência do meio, é

o fator de equilibração, que na concepção de Piaget3 apud Becker (1997, p. 91):

Assim, parece altamente provável que a construção das estruturas seja principalmente obra de equilibração, definida não pelo equilíbrio entre forças opostas, mas pela auto-regulação; isto é, a equilibração é um conjunto de reações ativas do sujeito às perturbações externas [...]

Esta equilibração sinônimo de desenvolvimento cognitivo é resultante de atividades

intelectuais intensas, como: no momento da discussão de um problema, da reflexão para

3 Piaget, Jean. A teoria de Piaget. In: Carmichael, Leonard. Manual de Psicologia da criança; desenvolvimento cognitivo. São Paulo: EDUSP, 1977. v. 4, p. 70-115.

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garantir objetivos desejados que necessite de operação, da atividade produtiva que o sujeito

dedica-se a resolver problemas.

Neste momento da análise é necessário considerar as questões que norteiam o

processo de aprendizagem na perspectiva piagetiana. Deste modo, é preciso esclarecer as

idéias sobre assimilação, acomodação e equilibração das estruturas. Estes termos biológicos

são de grande importância na teoria de Piaget, pois é através deste que este estudioso

explica o processo de aprendizagem. Em todas as tarefas e desafios que devemos cumprir

possuímos esquemas para realizá-las com sucesso, quando nos deparamos com situações

jamais vistas não ignoramos estes esquemas, utilizamo-os como base para solucionarmos o

novo. Piaget4 apud Becker (1997, p. 34) explica o que são os esquemas: “Os esquemas são

unidades de comportamento suscetíveis de repetição mais ou menos estável e de aplicação

a situações ou objetos diversos.” Ou seja, são estruturas que norteiam nossas ações,

metaforicamente os esquemas são análogos a metodologias que utilizamos para

desenvolver tarefas.

A assimilação é definida por Piaget como uma forma de adaptação do sujeito ao

meio. Ocorre assimilação quando o sujeito incorpora os dados externos aos esquemas que

possui. A acomodação é a modificação necessária dos esquemas para poder incorporar

esses dados externos (PIAGET, 1973).

Diante de uma situação nova o sujeito utilizará esquemas já formados para explorar

o novo, ou seja, assimilar o objeto. Por exemplo, diante de uma situação problema que

nunca fora conhecida o indivíduo utilizará seus conhecimentos prévios para reconhecê-lo.

Utilizará seus conhecimentos físicos e lógico-matemáticos para resolver o que está

4 Piaget, Jean. Biologia e conhecimento: ensaios sobre as relações entre as regulações orgânicas e os processos gognoscitivos. Petrópolis: Vozes, 1973.

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pendente. Esta assimilação está longe de ser associação como diria os associacionistas.

Assimilar não é apenas associar situações que se cruzam é incluir nesta associação a

significação e incorporação dos dados. É um ato que possui significado para o sujeito, pois

a ação sobre o objeto possibilita transformá-lo, resignificá-lo, como Piaget descreve em

suas obras. Já copiar, memorizar e associar não envolvem a atividade do sujeito, pois estão

ligados à passividade, ao receber de um superior e arquivar o que fora transmitido. Piaget

(1973, p.14) expõe a necessidade da assimilação como um dos processos fundamentais para

o desenvolvimento cognitivo:

A importância da noção de assimilação é dupla. De um lado, implica, como acabamos de ver, a noção de significação, o que é essencial, pois todo conhecimento refere-se a significações (índices ou sinais perceptivos, tão importante desde o nível dos instintos, até a função simbólica dos antropóides e do homem, sem falar das abelhas e dos golfinhos). Por outro lado, exprime o fato fundamental de que todo conhecimento está ligado a uma ação e que conhecer um objeto ou acontecimento é utilizá-los, assimilando-os a esquemas de ação.

Todavia, a assimilação não é um esquema que por si só atinge a equilibração, deste

modo assimilação e acomodação são inseparáveis, assim, Piaget5 e Dolle6 apud Becker

(1997, p.48) definem com clareza as relações entre assimilação e acomodação:

Se a assimilação é a ‘incorporação do meio à estrutura’, acomodação é a ‘modificação dessa estrutura em função das modificações do meio’ (Dolle, 1981 p.50). ‘Se denominarmos acomodação a esse resultado de pressões exercidas pelo meio (...) poderemos dizer, portanto, que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação’ (Piaget, Nascimento da Inteligência p.117). “No domínio do comportamento chamaremos acomodação à variação de um esquema” (Piaget, Aprendizagem e Conhecimento -1, p. 63). Por exemplo, o esquema de preensão é modificado pelo esquema de puxar. Isto pode levar a descobertas inesperadas, daí sua relevância para a aprendizagem. Pois a impossibilidade de estender a tendência à assimilação para além de certos limites, corresponde ao inicio da aprendizagem (Piaget, Aprendizagem e Conhecimento -1, p. 62)

5 Piaget, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 389. 6 Dolle, Jean-Marie. Para compreender Jean Piaget. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 202.

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No processo de adaptação vemos com evidência os mecanismos indissociáveis de

assimilação e acomodação, independente da adaptação ser biológica ou intelectual. Na

adaptação biológica temos “[...] um equilíbrio entre a assimilação do meio ao organismo e

a acomodação deste aquele”. Na adaptação intelectual temos “o equilíbrio entre a

assimilação da experiência às estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos

dados da experiência” (PIAGET, 1976).

Como afirmamos acima estas definições são imprescindíveis para compreensão da

origem da aprendizagem na concepção de Piaget. Agora num próximo momento

exploraremos a sua perspectiva em relação ao método que considera equivocado e o que

defende.

2.1 O Método Empírico X Método Ativo

A origem da educação tradicional e conseqüentemente das metodologias clássicas

da educação são embasadas em conceituações da corrente filosófica empírica, pelo qual,

supunham que o conhecimento é do exterior para o interior e que a relação de

aprendizagem que envolve a mediação entre sujeito e objeto são dadas através dos sentidos,

da percepção. Esta teoria da aprendizagem desconsidera o sujeito como ativo na construção

do conhecimento. Piaget (1976, p.140), conceitua a perspectiva que se tem de criança

dentro das teorias clássicas:

[...] foi levado, implícita ou explicitamente, a considerar a criança seja como um homenzinho a instruir, moralizar e identificar o mais rapidamente possível aos seus modelos adultos, seja como o suporte de pecados originais variados, isto é, como uma matéria resistente que é preciso dobrar muito mais que modelar. Desse ponto de vista procede sempre a maior parte dos nossos métodos pedagógicos. Ele define os métodos “antigos” ou “tradicionais” de educação. Os métodos novos são os que levam em conta a natureza própria da criança e apelam para as leis da constituição

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psicológica do individuo e de seu desenvolvimento. Passividade ou atividade”.

O empirismo, que conceitua a criança como um homem em miniatura, considera

que o indivíduo ao nascer não possui estruturas inatas, sendo que a criança é definida

nesses termos como tabula rasa. Será através das experiências perceptivas que se moldará a

aprendizagem. Então é necessário moldar os métodos para determinada teoria da educação,

ou seja, de métodos que preconizem a percepção, a memória e a disciplina. Esta definição

pode ser concretizada nas palavras de Piaget (2003, p.45):

Pelo que toca às noções, a tese mínima do empirismo é que o seu conteúdo é tirado da percepção, consistindo simplesmente a sua forma num sistema de abstrações e generalizações, sem estruturação construtiva, ou seja, fonte de ligações estranhas ou superiores às relações fornecidas pela percepção.

Como fora dito anteriormente, na construção do conhecimento é necessário

considerar a maturação, a experiência e as relações educativas e sociais. Neste último como

nos outros pressupostos há diversas concepções, sendo que dentre as relações educativas

temos aquelas que são resumidas pelo verbo transmitir, fundamental para a visão empirista,

pela qual o individuo ao ser educado é concebido como receptor ou recipiente de

informações.

Neste método de trabalho educativo a criança não é conduzida a descobrir o

conhecimento, a investigar e elaborar conjecturas. Diante desta metodologia, podemos

perceber através de nossas análises a posição de Piaget (1976, p.98) frente aos métodos

tradicionais:

Foi visto, com efeito, o quanto a escola tradicional, inteiramente centrada no verbo e na transmissão oral, havia negligenciado este aspecto da formação intelectual, e como certos físicos tinham tomado a peito o problema, até se debruçarem sobre os inícios da formação experimental da escola primária.

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Os empiristas crêem que todos podem aprender neste formato de educação, aqueles

que fogem a regra são considerados anormais. Consideram que a inteligência é como um

dispositivo que sendo pressionado através da memorização se efetivará e dará seus frutos,

entretanto, não é por este caminho que desejamos desenhar a educação. A educação neste

método que é denominado tradicional somente marginaliza e molda o indivíduo para que

aceite as injustiças sociais e para a permanência do status quo.

A escola tradicional norteou muitas de suas idéias em equívocos que permaneceram

na ignorância por séculos, entre estes estão a concepção de que a linguagem, a lógica e

moral são inatas no ser humano. Deste modo, a lógica permaneceu por séculos como sendo

natural ao homem. Este equívoco norteou idéias da escola tradicional, Piaget (1988 p.31):

Estando o homem pré-formado já na criança, e consistindo o desenvolvimento individual apenas em uma atualização das faculdades virtuais, o papel da educação se reduz então a uma simples instrução, trata-se exclusivamente de enriquecer ou alimentar faculdades já elaboradas e não formá-las. Basta, em suma, acumular conhecimentos na memória , ao invés de conceber a escola como um centro de atividades reais (...).”

Neste paradigma de educação, Piaget caracteriza o conhecimento utilizando o termo

conhecimento – cópia, cuja aprendizagem se constituirá em somente reproduzir os

conteúdos das disciplinas através de memorizações que serão verificadas (medidas) com as

avaliações. Ou seja, não há abertura para que o aluno explore, manipule, formule e exponha

suas conjecturas sob determinado conhecimento.

Piaget (1974, p.42) menciona Hull7, defensor de métodos associacionistas, para

conceituar sobre o empirismo e o pseudoconhecimento denominado como dito

anteriormente de conhecimento-cópia. Piaget (1976) utiliza Hull para questionar a maneira

como ocorre a construção do conhecimento, indaga se é através das cópias da realidade ou

7 Hull, C. L. Knowledge and Purpose as Habit Mechanismus, Psycol. Ver., 1930, 37, pp. 511-525.

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se é através de metodologias que conduzem o sujeito à superação. Dentro deste

questionamento Piaget (1976, p. 36 e 37) expõe a questão:

As concepções do conhecimento–cópia, longe de terem sido abandonadas por cada uma das correntes, continuam a inspirar os métodos educativos, e freqüentemente até os métodos intuitivos, onde a imagem e as apresentações audiovisuais desempenham um papel que algumas delas são levadas a considerar como a etapa suprema dos processos pedagógicos. Em psicologia da criança são vários os autores que continuam a pensar que a formação da inteligência obedece as leis da “aprendizagem”, tomando por modelo certas teorias anglo- saxônicas do “learning”como a de HULL: respostas repetidas do organismo aos estímulos exteriores, consolidando dessas repetições por meio de reforços externos, consolidação de cadeias de associações ou de hierarquia de hábitos que fornecem uma “cópia funcional” das seqüências da realidade etc.

Este falso conhecimento é caracterizado por sua transposição ao sujeito de maneira

que este não possa assimilar, inferir, interagir com o conhecimento que fora transmitido.

Com este tipo de transmissão só cabe ao sujeito registrá-la, sendo amputado o direito de

desenvolver cognitivamente sobre este. Esta transmissão, despejo, se configura na natureza

das respostas, cuja contribuição para o desenvolvimento intelectual será mínimo. Piaget

(2003) critica a perspectiva empirista e a natureza deste conhecimento que provêm somente

das experiências e da percepção. Como podemos perceber em várias análises das leituras

realizadas, Piaget sempre confirma seu posicionamento frente as teorias clássicas de

educação.

Piaget critica como dissemos, a aprendizagem e o conhecimento na perspectiva

empirista, pois a aprendizagem das diversas disciplinas parecem estar encaixotadas, como

se houvesse um lacre que não poderíamos retirar, este lacre é a metodologia que

permanece sempre a mesma. Deste modo, a Matemática e a Geografia são ensinadas da

mesma maneira, desconsideram as especificidades de cada área de conhecimento e sua

natureza. Piaget (1988) evidencia que para cada aprendizagem há esquemas diferenciados

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para concebê-la. Como dito anteriormente, na construção do conhecimento devemos refletir

sobre: O quê ensinar? Para quem? E ao refletir sobre tais questões devemos pensar: Como

ensinar? Neste momento de reflexão deve-se considerar a idade das crianças, os objetivos a

serem alcançadas e, finalmente, a metodologia apropriada para a efetiva construção do

conhecimento, para que haja o movimento reflexivo de ação – reflexão – ação. Piaget

(1988) afirma que muitos dos problemas de aprendizagem são de ordem metodológica, ou

seja, o modo como o professor ensina possibilita ou não a compreensão da disciplina. Em

sua metodologia, o educador que considera a idade de seus educandos deve pensar o

conteúdo de modo concreto e abstrato, sendo que em cada fase as crianças possuem

necessidades a serem supridas para que construam o conhecimento. Considerando as

características de cada disciplina e a construção do conhecimento que não deve se dar de

modo condicionado, Piaget (1974, p. 51) menciona as especificidades da aprendizagem das

estruturas lógicas:

O interesse epistemológico desse problema da aprendizagem das estruturas lógicas é, pois que ele conduz à fonte mesma das relações entre o sujeito e os objetos. Reduzir a aprendizagem das estruturas lógicas às outras variedades de aprendizagem e todas elas a um esquema único de natureza associacionista será, naturalmente suprimir o papel do sujeito no conhecimento, esse conhecimento se limitando, sob sua forma sintética, a traduzir as propriedades físicas do objeto e, sob sua forma analítica, a combinar essas traduções sem entretanto enriquecê-las. Negar que as estruturas lógico-matemáticas se aprendem ou evidenciar a especificidade dessa aprendizagem seria ao contrário dissociar na constituição dos conhecimentos, a parte do objeto e as contribuições do sujeito sob uma forma contraditória com o empirismo.

Muitos dos problemas existentes no cotidiano escolar podem ser encaminhados com

práticas ativas, que desenvolvam espíritos inventivos e criativos, mas para termos práticas

mais coesas com a necessidade infantil é necessário que a formação dos professores se

adapte a esta demanda, Piaget (1976, p.130): “Portanto, sob todos os ângulos, o problema

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da formação de professores constitui a questão-chave, cuja solução comanda a solução de

todas as questões examinadas até o momento”.

Outra questão que envolve o desenvolvimento da aprendizagem é considerar os

conhecimentos prévios de cada indivíduo. Através deles teremos as primeiras noções sobre

o que a criança conhece mesmo que sejam idéias remotas, frágeis e sem argumento. O

necessário é que cada educador realizasse uma pesquisa para conhecer as formulações e

justificativas de cada criança sob o conteúdo a ser adquirido. Entretanto, no método que

estamos estudando o aluno é concebido como tábula rasa, sendo que este nada sabe

restando-lhe somente memorizar o que fora imposto. A importância de se considerar os

conhecimentos prévios é analisada através desta citação de Piaget (1974, p. 69):

Não somente uma aprendizagem não parte jamais do zero, quer dizer que a formação de um novo hábito consiste sempre numa diferenciação a partir de esquemas anteriores; mas ainda, se essa diferenciação é função de todo o passado desses esquemas, isso significa que o conhecimento adquirido por aprendizagem não é jamais nem puro registro, nem cópia, mas o resultado de uma organização na qual intervém em graus diversos o sistema total dos esquemas de que o sujeito dispõe.

Na metodologia tradicional a construção do conhecimento é camuflada, pois o que

norteia o trabalho pedagógico é um processo de indução, pois o sujeito realiza o que fora

pedido mediante um exemplo a ser seguido em todas as atividades, mas não compreende o

que fez e o porquê de estar fazendo tal tarefa, que a torna insignificante. Piaget (1974, p.53)

afirma:

Aquisições mediatas em função da experiência que não constituem aprendizagens: são as aquisições obtidas em função de uma indução propriamente dita o controle é sistemático e dirigido (direção se aplicando ao conjunto do processo e não somente a momentos particulares), enquanto esse não é o caso na aprendizagem.

Como podemos analisar no que dissemos antes, Piaget nega que no método

tradicional haja a aprendizagem propriamente dita nas conceituações de seu pensamento,

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pois memorizar não significa assimilar ativamente. Esta indução não passa de uma

compreensão instantânea para que o aluno possa ser capaz de solucionar aquilo que lhe fora

proposto no momento da tarefa. O que ocorre é que, passado algum tempo, quando refaz o

caminho em busca do estudo e da compreensão não entende o que fez, restando-lhe

somente memorizar o conteúdo.

Na estrutura do método tradicional temos as relações entre professor–aluno que são

de modo assimétrico, cuja educação é baseada no respeito unilateral, ou seja, cabe ao aluno

apenas receber e respeitar as ordens vindas de seus superiores, como no caso estamos

falando em educação estes superiores são os professores. Este respeito é caracterizado pelas

coações, sendo que o aluno respeita porque tem medo das punições que poderá receber.

Piaget (2003) utiliza-se das conceituações de Bovet para caracterizar os sentimentos e

julgamentos morais. Segundo Bovet8 apud Piaget (2003) o sentimento de obrigação é um

sentimento moral específico, se constitui segundo condições que são: as orientações

fornecidas ao sujeito de caráter indeterminado, ou seja, uma conduta que este deve seguir

por toda vida ou até mesmo um valor (não mentir, por exemplo) e consecutivamente a

aceitação do sujeito à submissão da orientação fornecida. Esta aceitação é o respeito que

nada mais é que um misto de afeição e temor. Mas Piaget (2003, p.111) questiona esta

conceituação:

Entretanto, o respeito descrito por Bovet constitui apenas uma das duas formas possíveis de respeito. Nós lhe chamaremos “unilateral”, porque liga um inferior a um superior considerado como tal, e o distinguiremos do “respeito mútuo” fundado na reciprocidade da estimação.

8 Bovet, P. Les conditions de l’obligation de conscience. Anne psychologique, 1912.

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Da relação no cotidiano escolar baseada no respeito unilateral, teremos a supressão

da classe inferior e valorização apenas da classe superior constituindo uma relação

caracterizada pela hierarquia, deste modo Piaget (1988, p.67):

Com efeito, a educação baseada na autoridade e no respeito apenas unilateral apresenta os mesmos inconvenientes, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista intelectual: ao invés de levar o individuo a elaborar as regras e a disciplina que o obrigarão, ou a colaborar nessa contradição, ela lhe impõe um sistema de imperativos pré-estabelecidos e imediatamente categóricos.

Como resultante desta relação unilateral, La Taille (1992, p. 19) expõe sobre a

condição e característica do sujeito que fora coagido:

Verifica-se que o indivíduo coagido tem pouca participação racional na produção, conservação e divulgação das idéias (...) Uma vez aceito esse produto, o individuo coagido o conserva, limitando-se a repetir o que lhe empuseram (...) Em uma palavra ele passa a impor o que num primeiro momento lhe impuseram.

Nesta condição, podemos afirmar que a educação tradicional age como mantedora

do status quo e da ideologia dominante9. Infelizmente o problema persiste na vida de cada

aluno, pois se este indivíduo tem a possibilidade de uma mobilidade social atingindo uma

classe de nível econômico melhor, continuará a agir do mesmo modo que fizeram com ele,

ou seja, será autoritário e exercerá a coerção para obter fins desejados. Caso isso não ocorra

9 Marx e Engels (1974 p. 55-56) contextualizam o conceito de ideologia relacionado ao homem e ao trabalho dentro da sociedade. Expõe sobre as relações de trabalho entre os homens na história e a produção de idéias ligadas à atividade material: “O pensamento da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual estão submetidos a classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de idéias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as idéias de seu domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem entre outras coisas uma consciência, e é em conseqüência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de idéias, que regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos de sua época; as suas idéias são, portanto, as idéias dominantes de sua época.”

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continuara na condição passiva, porque como não desenvolveu a autonomia na infância

tornará mais difícil desenvolvê-la na vida adulta, não terá autonomia para decidir por si

próprio e não terá desenvolvido o senso crítico e argumentação.

A justificativa para tal situação é declarada por Piaget (1988, p.61):

Na realidade, a educação constitui um todo indissociável, e não se pode formar personalidades autônomas no domínio moral se por outro lado o indivíduo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem que tenha de se limitar a aprender por imposição sem descobrir por si mesmo a verdade: se é passivo intelectual, não conseguiria ser livre moralmente. Reciprocamente, porém, se sua moral consiste exclusivamente em uma submissão à autoridade adulta, e se os únicos relacionamentos sociais que constituem a vida da classe são os que ligam cada aluno individualmente a um mestre que detém os poderes, ele também não conseguiria ser ativo intelectualmente.

Assim como as fases de desenvolvimento infantil que Piaget (2003) descreve, há

também as fases do desenvolvimento moral da criança, definidas também por Piaget10 apud

La Taille (1992), sendo que ambos se relacionam e são semelhantes. No caso de uma

educação baseada na hierarquia de classes e na relação assimétrica existente entre professor

e aluno o que se constituíra na personalidade da criança é a heteronomia, o sujeito se

acomete apenas a receber ordens e respeitá-las, não tendo a autonomia para realizar suas

tarefas. Ou seja, a criança se caracteriza por atitudes passivas, pela qual respeita de forma

heterônoma as regras, seguindo-as sem perceber outras possibilidades. O que se deve

considerar é que esta categoria das fases do desenvolvimento moral e afetivo, que se

constitui pela: anomia, heteronomia e autonomia; não é passageira em crianças que

vivenciam práticas pedagógicas coercivas, desta maneira a criança não supera a

heteronomia e, conseqüentemente, não atingira a autonomia e liberdade de expressão.

Além de todas estas questões que envolvem a Educação Tradicional temos que

considerar como ocorre a avaliação dentro desta metodologia de trabalho educativo. 10 Piaget, Jean. Estudos Sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

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Observa-se então que a avaliação tem caráter discriminatório, punitivo e seletivo. Separa-se

o bom e o ruim, o inteligente e o incapaz através de atividades que não consideram o

desenvolvimento cognitivo global, ou seja, os outros trabalhos em sala não são

considerados, o comportamento, os valores e etc.

Percebemos que Piaget tem um posicionamento contrário diante desta avaliação que

exclui o indivíduo, pois esta não examina de fato toda aprendizagem, o desenvolvimento do

aluno, mesmo que não seja o desejável ou ao nível do currículo de determinada série,

também podemos afirmar que este defende a avaliação que considera o cotidiano escolar, as

relações que os alunos estabelecem e seu desenvolvimento individual.

Diz Piaget (1988, p. 47):

Se o ensino consiste em simplesmente em dar aulas, em fazê-las repetir por meio de ‘exposições’ ou de ‘provas’, e aplicá-las em alguns exercícios práticos sempre impostos, os resultados obtidos pelo aluno não tem significação que no caso de um exame escolar qualquer, deixando-se de lado o fator sorte. Unicamente na medida que os métodos de ensino sejam ‘ativos’ – isto é, confiram uma participação cada vez maior as iniciativas e aos esforços espontâneos do aluno – os resultados obtidos serão significativos. Nesse último caso, trata-se de um método bastante seguro, que consiste, se assim pode se dizer, em um espécie de exame psicológico continuo, em oposição àquela espécie de amostragem momentânea que, apesar de tudo, constitui os testes.

Infelizmente a escola tradicional também não se preocupou com as atividades que

estimulam o pensamento e o raciocínio, entre elas o jogo. É através do jogo que a criança

assimila o real ao eu. Piaget (1976, p.158) expõe sobre a concepção de jogo à metodologia

empírica: “O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pela escola tradicional,

dado o fato de parecerem destituídas de significado funcional. Para a pedagogia corrente,

é apenas um descanso ou o desgaste de um excedente de energia.”.

Para superação deste modelo tradicional de educação Piaget (1976) expõe a

necessidade de refletirmos sobre os objetivos da educação e o jogo de interesse que está

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inserido nas práticas descritas anteriormente. Os educadores comprometidos com a

educação e conscientes de sua função social devêm se questionar sobre: quais cidadãos

desejamos formar? Aliás, qual é conceito de cidadania dentro de nossa sociedade? E para

quê ou para quem estes serão educados? Piaget (1976, p. 61) expõe o objetivo central da

educação:

O objetivo da educação intelectual não é saber repetir ou conservar verdades acabada, pois uma verdade que é reproduzida não passa de uma semi-verdade: é aprender por si próprio a conquista do verdadeiro, correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os rodeios que uma atividade real pressupõe.

.Para Hutchins11 apud Piaget (1976) o ensino tem como objetivo fundamental

desenvolver a inteligência, esta afirmação é muito aceita por várias linhas de pensamento.

Entretanto Piaget nos apresenta que é necessário definir o que é inteligência e quais são

suas funções, sendo que estas se resumem nos verbos compreender e inventar. Nas diversas

pedagogias estas duas ações são colocadas como subordinadas entre si, nas antigas teorias,

como o empirismo, o compreender sobrepõe o inventar “consideravam a invenção uma

simples descobertas de realidades já existentes” e nas teorias mais recentes, que

consideram as questões psicológicas, o contrário nos apresenta, pois a invenção é

considerada “a expressão de um organismo contínuo de estruturas de conjunto” (PIAGET

1976, p.36).

Como conseqüência dos objetivos que a educação almeja, há de se considerar como

esses objetivos serão alcançados ou qual é melhor método para se atingir o desejado. Piaget

(1976, p. 34 e 35), defende indiscutivelmente o método ativo independente do que se deseja

alcançar, cremos que mencionou abaixo até com certo sarcasmo:

11 Hutchins, R. M. Enciclopédia Britânica.

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Se se deseja, como necessariamente se faz cada vez mais sentir, formar indivíduos capazes de criar e de trazer progresso à sociedade de amanhã, é claro que uma educação ativa verdadeira é superior a uma educação consistente apenas em moldar os assuntos do querer pelo já estabelecido e os do saber pelas verdades simplesmente aceitas. Mas mesmo caso se tenha por objetivo formar espíritos conformistas prontos a trilhar os caminhos já traçados das verdades adquiridas o problema implica em determinar se a transmissão das verdades estabelecidas terá mais êxito mediante o procedimento de simples repetição ou mediante uma assimilação mais ativa.

Piaget defende um ensino que seja experimental, que mobilize o indivíduo a pensar

e principalmente estruturar aquilo que pensa estabelecendo relações e hipóteses. Entretanto

a experiência que expõe não é aquela colocada pelo empirismo clássico, mas as de natureza

física (explorar os objetos e formular certas hipóteses a respeito destes) e lógico –

matemática (realizar ações e descobrir a partir destas ações propriedades do objeto).

Como explica Piaget, a construção do conhecimento não deve se constituir por

práticas coercivas simplesmente através do monólogo como menciona Paulo Freire, é

necessário que o indivíduo reconstrua e faça que este conhecimento se torne significativo.

Os métodos ativos são criticados por “estereótipos” que não condizem com a real

teoria. Piaget (1976) apresenta equívocos que foram cometidos na interpretação do método

ativo: primeiro a idéia que nesse método os trabalhos escolares são todos manuais.

Relacionado à educação infantil é necessário considerar que é de extrema importância

atividades que motivem as sensações e percepções, entretanto, Piaget sempre ressalta que a

ação implica assimilação e atividade. A idéia de percepção equivocadamente reduz a

aprendizagem a contatos manuais, a atividade sob o objeto de estudo; a esse respeito Piaget

(1976, p. 104) afirma: “Ora sabemos hoje que a inteligência procede antes de mais nada

da ação e que um desenvolvimento das funções sensório-motoras no pleno sentido da livre

manipulação, constitui uma espécie de propedêutica indispensável à formação intelectual

propriamente dita”.

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Outra idéia de princípios errados é a afirmação de que neste método de trabalho não

há regras, que cada um faz o que bem entende e no momento que deseja, entretanto Piaget

(1976, p.75) nega esta falsa conceituação:

Os métodos ativos não levam, de forma alguma, a um individualismo anárquico, mas, principalmente quando se trata de uma combinação de trabalho individual e do trabalho por equipes, a uma educação da autodisciplina e do esforço voluntário.

Piaget (1988) aponta alguns princípios que nortearão uma aprendizagem bem

sucedida: a reconstrução do conhecimento pelo aluno, a busca da verdade e

conseqüentemente da compreensão. Que o conhecimento não seja simplesmente

transmissão e passividade, mas que haja atividade e ação sobre o conhecimento a ser

assimilado. Também é preciso que haja um trabalho unificado com equipes escolares

motivadas por objetivos e finalidades coerentes com o que às crianças necessitam sendo

imprescindível a relação entre professores e psicólogos.

Porém, Piaget (1988, p.15) nega uma afirmação que muitos pedagogos julgam ser

mencionada por esta linha de pensamento:

O primeiro receio (e, para alguns, a esperança) de que se anule o papel do mestre, em tais experiências, e que, visando ao pleno êxito das mesmas, seja necessário deixar os alunos totalmente livres para trabalhar ou brincar segundo melhor lhes aprouver. Mas é evidente que o educador continua indispensável, a título de animador, para criar as situações e armar os dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis à criança, e para organizar, em seguida, contra – exemplos que os levam à reflexão e obriguem ao controle das soluções demasiado apressadas: o que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções prontas.

Neste formato de educação, o educador ou como denominado mestre–animador terá

que dominar as peculiaridades das crianças, ou seja, conhecer o desenvolvimento da

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inteligência e suas capacidades e limitações em cada fase. Estes pressupostos nortearão sua

prática, cuja informação refere-se às questões pedagógicas e psicológicas:

Uma coisa, porém é inventar na ação e assim aplicar praticamente certa operações; outra é tomar consciência das mesmas para delas extrair um conhecimento reflexivo e sobretudo teórico, de tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas “naturais” (PIAGET 1988, p. 16).

Em sua defesa ao método ativo, Piaget fala sobre a questão das disciplinas

científicas (matemática, física etc) que requer o pensamento abstrato e a necessidade de

buscar nas ciências as explicações dos fenômenos, ou seja, enfatiza que a metodologia ideal

é aquela que possibilita que o sujeito se motive a buscar respostas a suas dúvidas, com um

objetivo maior que é o de tornar a aprendizagem significativa. Em suma, defende o método

ativo devido o alto nível de compreensão que a criança adquire a respeito de um fenômeno.

Diz Piaget (1988, p. 17):

[...] o principio fundamental dos métodos ativos só se pode beneficiar com a História das Ciências e assim pode ser expresso: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.

Outro enfoque que mereceu a preocupação de Piaget é a discussão sobre a

interdisciplinaridade. Defende-a em nome da globalização do conhecimento cientifico, ou

seja, para que o homem não seja um ser técnico somente em dada área, mas que seja

conhecedor dos mais diversos campos que diretamente ou indiretamente influenciem sua

técnica. A fragmentação do conhecimento é desfavorável à formação do homem que busca

a verdade. Piaget (1988, p. 21) menciona que esta fragmentação das disciplinas tem origem

nos preceitos positivistas:

Em uma perspectiva onde apenas contam os observáveis, que cumpre simplesmente descrever e analisar para então daí extrair as leis funcionais, é inevitável que as diferentes disciplinas pareçam separadas por fronteiras

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mais ou menos definidas e mesmo fixas, já que estas se relacionam com a diversidade das categorias de observáveis que, por sua vez estão relacionadas com nossos instrumentos subjetivos e objetivos de registro (percepção e aparelhos).

A interdisciplinaridade possibilita ao educando ter uma visão global do mundo em

que vive tendo a capacidade de relacionar fatos a conceitos e a valores, desenvolvendo no

sujeito o senso crítico e eliminando a visão sincrética dos conteúdos. Neste mundo

globalizado, em que as especializações se intensificam cada vez mais e a educação

tradicional continua sendo metodologia de trabalho dos professores é praticamente raro

encontrar sujeitos que busquem na ciência a origem de fenômenos, estudando as relações

entre as áreas de conhecimento (PIAGET, 1988).

Diante das argumentações da necessidade de um trabalho que seja reflexivo e ativo,

que tornem os sujeitos construtores de sua própria história é preciso que haja uma

reestruturação do currículo, Piaget (1988, p.23):

Do ponto de vista pedagógico, é evidente que a educação se deverá orientar para uma redução geral das barreiras ou para a abertura de múltiplas portas laterais a fim de possibilitar aos alunos [...] a livre transferência de uma seção para outra, com a possibilidade de escolha para múltiplas combinações.

Piaget (1988, p.32) faz uma releitura do art. 26 da Declaração Universal do Direito

do Homem que diz “Toda pessoa tem direito a educação” expondo que: “Todo ser humano

tem o direito de ser colocado, durante a sua formação, em um meio escolar de tal ordem

que lhe seja possível chegar ao ponto de elaborar até à conclusão, os instrumentos

indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica.”

Se a educação é direito de todos, para que seja direito de todos é necessário que esta

seja gratuita e de qualidade. Para que seja de qualidade é preciso como afirmamos

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anteriormente de profissionais capacitados, com uma formação completa e que também

haja a gratuidade do material escolar.

Todo trabalho escolar pressupõe um material, é quanto mais ativos são os métodos, maior é a importância do material utilizado. [...] Nos sistemas tradicionais de educação cogita-se apenas manuais para estudo, de cadernos, papel, e algum material indispensável para as lições de desenho e de trabalhos manuais. PIAGET (1988, p. 37-38).

Enfim, Piaget revolucionou a educação, implantou uma nova visão aos problemas

metodológicos, “explorou” a infância por meio do método clínico e apresentou uma criança

que jamais tínhamos visto. Aposta que a através da educação podemos chegar à cidadania e

a democracia. Democracia dos direitos, dos métodos, dos recursos, dos acessos, do

conhecimento científico, que mobiliza o sujeito a se tornar humano, assim, com o

conhecimento o sujeito pode agir e transformar. Menciona Piaget (1976, p.37):

Conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa transformação vinculando com as ações transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar o real às estruturas de transformação, e são as estruturas elaboradas pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação.

Imbuídos na atividade, na realização e na transformação transportaremos os valores

da ação para as mais distintas áreas que envolvem nossa vida social, cultural, política e

econômica. Piaget (1988) relaciona o intelecto com a moral estabelecendo uma

reciprocidade entre ambas, pois o trato com uma destas partes reflete também em formação

para outra. Direcionando o trabalho educativo nestes nortes apresentados, teremos um vasto

campo de possibilidades para a formação de um adulto participativo, possuidor de uma

visão global dos problemas que envolvem a nossa sociedade, interativo e consciente de sua

importância dentro da sociedade.

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3. A NOÇÃO DE CONHECIMENTO EM PAULO FREIRE

Paulo Freire em sua longa caminhada em busca da educação problematizadora e

libertadora se empenha nos seus trabalhos em expressar o seu sentimento de transformação

da realidade opressora em realidade igualitária, sua luta é a favor dos menos favorecidos, os

marginalizados da sociedade.

A educação tradicional consente que os excluídos/marginalizados da sociedade

permaneçam no estado de consciência ingênua e alienação. No contexto capitalista, a

educação é moldada a atender os interesse do capital, deste modo os oprimidos não

compreendem a realidade que vivem (FREIRE, 2005).

O dominador faz do dominado massa de manobra, o sujeito é educado para não

desenvolver a consciência crítica, é negado o direito do homem de se humanizar e o direito

do pensar autêntico como menciona Freire (2005). Freire coloca a Humanização como algo

que é vocação de todos os homens e a desumanização, que está presente na realidade

opressora, como uma distorção histórica. Entretanto a realidade opressora apresenta o

direito de o ser mais como vocação dos dominadores e o ser menos como a vocação dos

dominados.

Freire busca como ideal a conscientização para o conhecimento da realidade e das

relações de poder existente na sociedade, isto para que o indivíduo possa transformar,

modificar o que lhe é oferecido como se fosse o máximo que poderíamos ter e muitas vezes

ver o dominador como um sujeito generoso, porque sua ideologia já corrompeu e alienou o

cidadão.

Nesta realidade o termo cidadão não está presente ou é camuflada como se

estivesse, tudo é falso, há uma pseudoparticipação, pseudoconsientização, pois o que há é

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uma cultura do silêncio, desumanização e exploração do homem pensante, que é colocado

como coisa, como domesticado.

Para este pedagogo, o conhecimento é algo a ser construídos na coletividade, pelo

qual o movimento da ação–reflexão é tida como fundamental. Sua pedagogia se caracteriza

por ser dialógica e também dialética, dialética porque não podemos dicotomizar os

fundamentos da educação que são: ação – reflexão, subjetivo – objetivo, homem –mundo,

educador – educando; nestas relações não há o que é mais importante e o menos

importante, não há a hierarquia de um sobre o outro. Nestes parâmetros a educação não é

via de mão única, mas via de mão dupla, não é assimétrica, mas é simétrica. Dialógica

porque é através da comunicação que estabelecemos relações com o outro, que edificamos

a dialética em nossa vida (FREIRE, 2005).

Nosso pensamento caminha também nesta vertente de Freire e percebemos que

quando o indivíduo entende isto que fora mencionado, um grande e vasto caminho se abre e

passamos a entender muitos fatos ou condições que nunca fora compreendido por nós.

Na visão de Freire, para que haja equilíbrio na sociedade não é necessário que os

papéis sejam trocados, ou seja, que opressores se tornem oprimidos e oprimidos se tornem

opressores, se isto ocorresse teríamos um grande equívoco e uma grande contradição. Sua

luta é para equalizar com qualidade e quantidade. Defende uma Pedagogia que liberte os

marginalizados de sua condição de explorado e alienado, que estes possam se comunicar,

agir e pensar.

Diz Freire (1977, p. 118):

Na realidade, na medida em que esta modalidade educativa se reduz a um conjunto de métodos e de técnicas com as quais educandos e educadores observam a realidade social (quando a observam), simplesmente para descrever, esta educação é tão domesticada como qualquer outra. A educação para libertação não pode ser a que procura libertar os educandos

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das pirraças para lhes oferecer projectores. Pelo contrário, é a que se propõe, como praxis social, contribuir para libertar os seres humanos da opressão que se encontram na realidade objectiva. Por isto mesmo, é uma educação, tão política como aquela que , servindo as elites do poder, se proclama apesar de tudo neutra. Daí que esta educação não possa ser posta em prática, em termos sistemáticos, antes da transformação radical da sociedade.

O que podemos analisar nesta citação é que Freire também nega as práticas que se

dizem educativas em que somente é necessário observar e descrever a realidade, é

necessário uma postura frente esta realidade, uma subjetividade que seja coesa e que tenha

argumentos, por isso a afirmação de que a educação é um ato político.

Em outros estudiosos da educação podemos perceber que eles negam esta postura

política da educação, entre eles, Saviani (2000) explica que em cada prática social temos

suas especificidades e objetivos, se dissolvemos uma a outra teremos um “politicismo

pedagogico” e um “pedagogismo político”. Mas Freire (1996, p.115) explica a sua

perspectiva, pois nada mais político que defender um posicionamento, um ideal:

Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto ou aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.

Dentro da perspectiva de Freire há um posicionamento sociológico e antropológico

da condição do homem participante de um meio e dos pressupostos que envolvem a

educação, ou seja, analisa a problemática dos processos de ensino aprendizagem através do

jogo de interesses políticos, econômicos, sociais e culturais, em suma através de nossa

realidade. Por isso que suas obras são uma denúncia aos modos que constituem a educação

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oferecida aos homens das camadas populares. Diz Freire (2005, p. 46) sobre a pedagogia

que defende:

A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na praxis, com sua transformação; o segundo, em que transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.

Freire (2005) expõe que está disseminada na sociedade a questão do perigo da

conscientização crítica que conduz a uma pedagogia libertadora, um dos argumentos é que

a conscientização conduzir à anarquia. Entretanto, esta afirmação é pertencente ao senso

comum elaborada pelos dominantes como forma de se defender dos movimentos e

pedagogias progressistas, estes grupos elencam como necessidade primeira o

desenvolvimento de um processo de conscientização. Mas Freire (1977, p.118) faz uma

ressalva sobre o modo como se dá a conscientização:

Não há conhecimento se da sua prática não surge a acção consciente dos oprimidos, enquanto classe social explorada, na luta pela sua libertação. Por outro lado, ninguém conscientiza ninguém. O educador e o povo conscientizam-se através do movimento dialéctico entre a reflexão crítica sobre a acção interior e a acção subsequente no processo daquela luta.

Freire (1983) define a conscientização como sendo uma extensão da tomada de

consciência. Há três tipos existentes em nossa sociedade de consciência, suas características

antagônicas são conseqüentes de estruturas sociais também contrárias.

Freire (1983) expõe que dentro de uma sociedade fechada teremos nos oprimidos

uma consciência intransitiva, estática, imutável, uma consciência que não compreende a

dinâmica da sociedade e os problemas existentes nelas, apenas entende os problemas

pertencentes a esfera biológica, não tem domínio histórico cultural de sua própria vida e

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não entende sua situação dentro da sociedade. Esta consciência também é denominada

consciência mágica, Freire (1983 p.105) a define:

A consciência mágica, por outro lado, não chega a acreditar-se ‘superior aos fatos, dominando-os de fora, nem se julga livre para entendê-los como melhor lhe agrada’. Simplesmente os capta, emprestando-lhes um poder superior, que a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeter-se com docilidade. É próprio desta consciência o fatalismo, que leva ao cruzamento dos braços, à impossibilidade de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica vencido o homem.

Já as consciências transitivas estão presentes em sociedades em transição ou em

sociedades abertas. Como o próprio nome diz o homem é transitivo, ele pensa e age neste

meio, olha as coisas e as relações, é um observar aguçado. Há diferenciação entre duas

formas de consciência transitiva. Primeiramente num período de transição de uma

sociedade temos um estado de consciência transitiva ingênua que significa que o homem

começa a compreender a problemática existente na sociedade, entretanto, compreende de

um modo simplista. Não encontra a verdadeira origem destes problemas, utiliza ainda de

argumentos mágicos para fenômenos que não entende. Nesta fase de desenvolvimento da

consciência é necessário muita cautela, pois Freire (1983) explica que é neste fase que se

desenvolve um tipo de consciência denominada fanática que leva o homem a praticar

atrocidades. Vieira12 apud Freire (1983) explica “A consciência ingênua (…) se crê

superior aos fatos, dominado-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los

conforme melhor lhe agradar”.

Por superação desta fase teremos numa sociedade aberta à consciência transitiva

crítica. É esta consciência que Freire deseja alcançar com métodos educativos que

preconizem o ser humano em sua totalidade. Freire (1983, p. 61) explica detalhadamente

esta fase:

12 Vieira, Álvaro Pinto. Consciência e realidade nacional. Rio de janeiro: ISEB, M.E.C., 1961.

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A transitividade crítica por outro lado, a que chegaríamos com uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição de explicações mágicas por princípios causais. Por procurar testar os ‘achados’ e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de preconceitos, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a transferência da responsabilidade. Pela recusa a posições quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo e pela não recusa ao velho, só porque velho, mas pela aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a argüições.

A educação progressista que Freire defende desenvolve a consciência crítica, sendo

que para a transformação social este tipo de consciência é condição primordial. Já a

educação bancária que Freire (2005) descreve trabalha com a consciência ingênua, esta

educação está presente em sociedades divididas em classes e eminentemente capitalistas

que excluem as camadas populares do processo de democratização, designando a estes

apenas uma educação de despejo de conteúdos alheios a ele. O objetivo desta educação é

manter o status quo e formar uma parcela de trabalhadores alienados, que desconhecem a

sua função dentro da sociedade.

3.1 Pedagogia Bancária X Pedagogia do Oprimido

Um dos primeiros contrapontos existentes entre a pedagogia bancária e a do

oprimido é que na primeira a relação comunicativa é unilateral, sendo que corresponde

apenas a um dos lados, quem exerce o poder da palavra é o professor e sua fala é

caracterizada por monólogos.

A educação bancária caracteriza-se pela relação entre o educador (que tudo sabe) e

o educando (que não sabe). O educador por ser aquele que tudo sabe deposita seus

conhecimentos nos educandos, que na sua total ignorância recebem passivamente os

conhecimentos.

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Nesta condição o aluno é mero ouvinte. Como conseqüência deste procedimento

baseado na fala temos uma cristalização da realidade, pois o aluno não participa do

processo, pelo qual deveria ser sujeito ativo. Freire (2005, p. 65), explica a condição do

professor:

[...] o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e me cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que deveria ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação, assim, melhor seria dizê–la.

Nesta citação temos a definição da pedagogia bancária. Freire quando fala em

encher é realmente o significado de depositar conteúdos desvinculados da realidade nos

alunos, como são recipientes devem cumprir a tríade receber, memorizar e arquivar. Esta

“habilidade” de processar e memorizar a informação são averiguados pelo educador através

das avaliações. Entretanto, este conhecimento insignificante não serve para ser utilizado no

cotidiano dos alunos, assim, há uma dicotomia entre a escola e a vida cotidiana.

Se apenas fosse transmissora de conhecimentos talvez os danos não fossem tão

grandes, mas além disso, transfere valores, comportamento, modos de agir e de aceitar

passivamente condicionamentos. Em suma, forma uma personalidade passiva, apática, sem

identidade, nem opinião, acrítica. A escola nesta dimensão é uma extensão da sociedade

opressora, que baseia suas relações através da cultura do silêncio.

Segundo Paulo Freire os oprimidos, neste panorama, são vistos como os “anormais”

da sociedade. Freire (2005, p. 69) expõe o pensamento desta pedagogia bancária: “Os

oprimidos, como casos individuais, são patologia, da sociedade sã, que precisa, por isto

mesmo, ajustá-los a ela, mudando–lhes a mentalidade de homem ineptos e preguiçosos”.

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Como já dito anteriormente, na educação bancária o objetivo é manter tudo como

está dentro da sociedade, manter a classe dos pobres que servem como mão de obra barata e

a classe dos ricos que dirigem os negócios e governam estes trabalhadores. Estes primeiros

já incorporaram que são incapazes e desajustados a sociedade, por tanto ouvir de seus

superiores, e crêem que esta sociedade que os marginaliza é boa. Então Freire (2005, p.70)

conclui que “Daí que a educação bancária, que a eles serve, jamais possa orientar-se no

sentido da conscientização dos educandos”. Pois a conscientização é o primeiro passo para

a mudança. Diz Freire (1983, p.106):

[...] é próprio da consciência crítica a sua integração com a realidade, enquanto que a ingênua o próprio é a superposição à realidade. (...) a propósito da consciência fanática, cuja patologia da ingenuidade leva ao irracional, o próprio é a acomodação, o ajustamento, adaptação.

Nesta prática desumanizante, o homem não se torna participante e integrante da

realidade, é moldado, adaptado ao sistema, ou seja, a sociedade permanece imutável e

quem precisa se ajustar é o homem. Ele está imerso nela, é como se não estivesse presente

dentro dela, é “puramente espectador do processo”, o que ocorre é que entende que as

relações sociais são inerentes a ele e não há nada que possa ser feito. Este panorama dá

margem a outra questão que Freire (2005, p.72) conceitua: “Sugere uma dicotomia

inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os

outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência

como algo espacializado neles e não aos homens como ‘corpos conscientes’.”.

Assim tudo caminha a favor do dominador, os homens se tornam cada vez mais

passivos graças a educação imposta pelo dominador. Quanto mais passivos mais adaptados

ao mundo capitalista. Mas isto não ocorre por acaso, há um objetivo que norteia esta prática

massificadora. A este respeito Freire (2005 p.73) explica:

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[...] um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico. Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos ‘conhecimentos’, nos chamado ‘controle de leitura’, na distancia entre educador e os educandos, os critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há sempre a conotação ‘digestiva’ e a proibição ao pensar verdadeiro.

Antagonicamente a está prática desumanizante e massificadora, temos a proposta de

Freire e sua defesa por um ensino que valorize o homem, desenvolva suas capacidades e

corresponda com a própria natureza do ser humano que é de se humanizar e ser mais dentro

da sociedade configurando-se participante e principalmente transformador de uma realidade

injusta e discriminatória. Freire (1977, p.40 e 41) expõe a natureza e condição do homem

na sociedade:

[...] a vocação do homem é a de ser sujeito e não objecto. A falta de uma análise do meio cultural corre o perigo de realizar uma educação pré-fabricada, hiper-postiça – e, por isso inoperante que não está adaptada ao homem concreto a que se destina. (...) A educação para ser válida deve ter em conta por um lado a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito – e as condições em que ele vive: num preciso lugar, em tal momento, em tal contexto.

Para atingirmos o ideal e superarmos a educação que discrimina e introduz

preconceitos na sociedade é necessário que primeiramente haja uma modificação das

relações sociais existentes nesta prática, sendo elas definidas no educando e no educador.

Nesta nova práxis haverá uma relação dialética através do diálogo, que será à base desta

proposta. Com o diálogo o professor dominará o que o aluno conhece os seus argumentos

para a problemática social objetivando interferir nos conhecimentos equivocados. Sobre a

importância das relações Freire (2005, p. 79) afirma:

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que , enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem.

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Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.

Entretanto o nível de conhecimento não se estagna somente no que o educando

conhece, pelo contrário, é preciso superar por incorporação para compreender melhor o

conhecimento estruturado, crítico e argumentativo. Freire (2005, p. 80) explica:

Pelo fato mesmo de esta prática educativa constituir-se em uma situação gnosiológica, o papel do educador problematizador é proporcionar, com os educandos, as condições em que se dê a superação do conhecimento no nível da doxa pelo verdadeiro conhecimento, o que se dá no nível do logos.

Partindo da realidade social, o educador reconhecerá as necessidades a serem

supridas, as idéias equivocadas e o conteúdo a ser trabalhado com os educandos. Através do

diálogo o professor investigará seus alunos a fim de estruturar um trabalho pedagógico que

mobilize a todos os envolvidos neste processo de conscientização. Dentro deste processo de

conscientização, temos a valorização do homem como ser histórico e atuante na sociedade

que é o que nos diferencia dos animais, esta ação é um dos primeiros momentos para a

tomada de consciência, é compreender a sua própria história. Reconhecer a própria história

é se situar no tempo e espaço, é reconhecer o contexto que está inserido, é estabelecer

relações entre eu–mundo–outro. É perceber que estas relações são mediadas pelo mundo, e

o mundo é o objeto cognoscente que se deseja desvendar, é o olhar crítico e clínico sob o

mundo, é ‘ler as entrelinhas’. Diz Freire (2005, p.106 e 107):

E é como seres transformadores e criadores que os homens, em suas permanentes relações com a realidade, produzem, não somente os bens materiais, as coisas sensíveis, os objetos, mas também as instituições sociais, sua idéias, suas concepções. (...) ao contrário do animal, os homens podem tridimensionar o tempo (passado – presente - futuro) que, contudo, não são departamentos estanques, sua história, em função de suas mesmas criações, vai se desenvolvendo em permanente devenir, em que se concretizem suas unidades epocais.

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Investigar e conhecer a realidade dos educandos são os alicerces desta pedagogia. Ir

a campo, dialogar com a comunidade para que futuramente possam ser estabelecidos os

temas a serem desenvolvidos são os pré-requisitos básicos para a pedagogia do oprimido.

Toda investigação temática de caráter conscientizador se faz pedagógica e toda autêntica

educação se faz investigação do pensar (FREIRE, 2005).

Neste modelo não há currículos pré-estabelecidos, não há disciplina estanques. Isto

não quer dizer que Freire nega a ciência, pelo contrário, ao elencar os temas, é necessário

um estudo preciso e profundo de cada um destes, as origens, circunstância que se dão,

causalidade e etc.

Podemos perceber que há uma globalidade nos estudos dos temas, ou seja, a

construção do conhecimento não se baseia em conhecimentos fragmentados, Freire (2005

p.133) expõe um exemplo:

O tema desenvolvimento, por exemplo, ainda que situado no domínio da economia, não lhe é exclusivo. Receberia, assim, o enfoque da sociologia, da antropologia, como da psicologia social, interessadas na questão do câmbio cultural, na mudança de atitudes, nos valores, que interessam, igualmente, a uma filosofia de desenvolvimento.

Diante desta explanação, podemos analisar que Freire não estabelece a construção

do conhecimento como uma receita muito bem elaborada, muito pelo contrário, Freire

denuncia a sociedade de classes, capitalista e preconceituosa, conseqüentemente nega o

formato de educação inserida nesta sociedade que apenas advoga a favor dos dominadores.

Como defensor de práticas críticas e progressistas Freire (2005) expõe a condição do

educador, define as características de sua pedagogia para obter resultados que possibilitem

aos marginalizados das sociedade o direito de SER e também de TER, pois na sociedade

capitalista o que mais importa é o verbo TER, ter posses, ter status, ter dinheiro.

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Os marginalizados não possuem este pré-requisito para participação social e com a

educação bancária o direito de SER também lhes é amputado. Entretanto, se rompermos

com este tipo de educação e implantarmos um ensino que possua a dialética entre

quantidade e qualidade o direito de ser já é garantido e o ter torna-se uma possibilidade,

porém não estamos falando num Ter no sentido mais profundo, é um Ter que, no mínimo,

garanta aos pobres os direitos básicos: o direito à saúde, à alimentação, à moradia, à

emprego e etc. É a possibilidade de orientar o homem a voltar a suas origens, que é o de ser

mais e ser humano, é o direito de transformar, mas acima de tudo ser consciente do que faz,

é ser solidário com o outro e enxergar no outro o próprio eu, é viver a práxis. Freire (2005

p.141):

[...] os homens são seres da práxis. [...] como seres do quefazer ‘emergem’ dele e, objetivando-o podem conhecê-lo e transformá-lo com seu trabalho. [...] Mas, se os homens são seres do quefazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. Oquefazer é teoria e prática. É reflexão e ação.”

Assim, Freire nos conduz à reflexão crítica da sociedade, do mundo, nos faz pensar

sobre as relações de poder, para a construção de uma nova práxis pedagógica que valoriza o

ser em sua integridade.

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4. APROXIMAÇÕES ENTRE A TEORIA DE PIAGET E A DE PAULO FREIRE

No primeiro e segundo capítulo exploramos a concepção de conhecimento e

aprendizagem de Piaget e de Freire.

Nesse capítulo buscamos as semelhanças existentes nas teses elaboradas por Jean

Piaget e Paulo Freire sobre a Educação e, em particular, sobre aprendizagem.

O que nos é mais visível é que ambos negam o modelo tradicional de educação.

Enquanto Piaget nos apresenta a educação tradicional como empirista, Freire a

denomina como pedagogia bancária e expõe a ideologia intrínseca nesta concepção,

portanto a essência é a mesma. A crítica que fazem a educação tradicional é devida ao seu

caráter seletivo, discriminatório e ineficaz. A escola tradicional oculta responsabilidades, se

coloca na posição de vítima frente os problemas e transfere a culpa aos alunos, que se

caracterizam nesta prática como incapazes, inoperantes, ignorantes, passivos.

Na defesa por uma educação de qualidade, percebemos que ambos embasam suas

teorias na ação, na conscientização, enfim num método que conduza o educando à

autonomia, a criatividade, curiosidade e a inventabilidade. Defendem que uma nova

educação faz-se necessária para que mudanças sociais ocorram.

Para Freire estes alicerces são encontrados dentro da própria sociedade, na

conscientização, na investigação de temas geradores, no diálogo entre iguais. Já para Piaget

a reestruturação está em implantar uma pedagogia ativa na educação das crianças, incluindo

a psicologia na educação como forma de organizar e orientar o trabalho do educador.

Considera que o educador que tem domínio da psicologia do desenvolvimento infantil

conhecerá mais as crianças e poderá melhorar a sua prática, pois poderá estruturar

estratégias de trabalho que sejam condizentes com as necessidades infantis.

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Freire e Piaget advogam, também, por uma boa formação de professores, formação

esta crítica e dialógica. Com educadores conscientes e conhecedores profundos das relações

e realidades sociais, poderemos construir novas relações, que possibilitarão aos educandos

desvendar o mundo do conhecimento, o mundo da informação, o mundo político, o mundo

da cultura, o mundo social e orientar para que o educando se descubra como ser histórico e

produtor de cada um destes mundos. Afirma Freire (2001):

O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática.

Piaget não nega os conteúdos como muito se afirma. Defende que o educador utilize

estratégias que mobilizem os alunos a participar e a descobrir o mundo. Afirma que o

importante é que o professor concilie a utilização do concreto para a construção do

conhecimento de modo significativo. Considera igualmente importante partir dos

conhecimentos prévios do aluno, para contextualizar aquilo que se ensina. Freire também se

importa com estas questões. Contextualizando seu trabalho com a realidade do educando, o

educador partirá do conhecimento do nível da doxa, que são os conhecimentos que a

criança adquire nas relações sociais e no cotidiano, e superará este nível por incorporação

alcançando o nível do logos, que é o conhecimento sistematizado.

Na atual realidade, infelizmente os professores não são autônomos para delimitarem

os rumos da educação, não são livres para estruturar o currículo com seus alunos, pois

dentro das relações hierárquicas são cobrados de seus superiores a contemplação de todos

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os conteúdos, pré-dispostos em parâmetros nacionais. Ou seja, há toda uma contrariedade

com que Piaget e Freire defendem que é a necessidade de buscar na prática social de seus

educandos os conteúdos ou temas a serem trabalhados. Com os parâmetros o que temos é

universalização de conteúdos, as crianças de diferentes regiões estudarão os mesmos

conteúdos. É como se todos vivessem uma mesma realidade.

De modo intrínseco, Piaget e Freire expõem uma das capacidades do professor que

é a de contextualizar o conhecimento. Tornando a construção do conhecimento algo

dinâmico e ativo. Negando deste modo qualquer forma de conteúdo que apenas aliena e

molda os alunos para a ordem social e econômica vigente.

Para a construção do conhecimento crítico é necessário que as relações sociais na

educação sejam reestruturadas. Na perspectiva de Freire temos a defesa por uma educação

baseada na relação dialógica e dialética entre educador e educando. Em Piaget temos a

relação simétrica e o respeito mútuo entre os sujeitos da educação. Negam, portanto, o

modelo tradicional que coloca o professor como o grande sábio e o aluno como ignorante,

pelo qual a comunicação se caracteriza pelos monólogos do possuidor de conhecimentos

aos seres ignorantes. Educador e educando são sujeitos da educação, aprendem e ensinam

ao mesmo tempo. Diz Freire (2001):

É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos.

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As teorias de Piaget e Freire se assemelham, também, ao colocarem a ação como

condição necessária a uma educação que tem como objetivo a qualidade, a transformação, a

mudança. A ação como sinônima da significação é um ato que embasa o conhecimento

crítico. Este conhecimento significativo é exposto por Freire13 apud Becker (1997, p. 104):

“o ato de conhecer ilumina a ação que é fonte de conhecer”.

Freire coloca como necessário para a educação o diálogo, que pressupõe trocas

entre sujeitos. Através do diálogo, os sujeitos podem pensar juntos e recriar a realidade,

desde que este diálogo tenha como fundamento a verdade. Diz Freire (2005, p. 90): “(...) a

palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra

não é privilegio de alguns homens, mas direito de todos os homens”.

A palavra verdadeira possibilita a dialética da ação e reflexão que

conseqüentemente viabilizará a conscientização. Estes processos são essenciais para a

educação problematizadora.

Na pedagogia libertadora, Freire coloca a tecnologia como instrumento para

possibilitar ao educando a ação sobre o objeto de estudo. Por meio da tecnologia o aluno

conceberá novas visões de mundo, pois não assimila passivamente o conteúdo, mas

trabalha com ele de diversos modos. Assim Gadotti (1997) caracteriza Freire como um

construtivista crítico:

Aprende-se quando se quer aprender e só se aprende o que é significativo, dizem os construtivistas. Paulo Freire também foi um dos criadores do construtivismo, mas do construtivismo crítico. Desde suas primeiras experiências no nordeste brasileiro, no início dos anos 60, ela buscava fundamentar o ensino-aprendizagem em ambientes interativos, através do uso de recursos audiovisuais. Mais tarde reforçou o uso de novas

13 Freire, Paulo. Conscientizar para libertar. In. : Torres, Novoa, Carlos Alberto. A práxis educativa de Paulo Freire. São Paulo: Loyola, 1979, p. 105-180.

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tecnologias, principalmente o vídeo, a televisão e a informática. Mas não aceitava a sua utilização de forma acrítica.

Para Piaget também é através das ações que o sujeito extrai o conhecimento. Pela

via da experiência física e lógico-matemática o indivíduo estrutura seu conhecimento. Agir

sobre as coisas de forma consciente e autônoma permite transformar, interagir, relacionar.

Estes pensamentos norteiam a escola a ser arquitetada.

Como citamos no primeiro capítulo, Piaget (1973, p.14) expõe a importância da

assimilação, que esta em ter consciência do que se faz através da ação, operação e

manuseio por parte do sujeito sobre o conhecimento. Esta significação está em trazer para a

realidade aquilo que se aprende. É utilizá-lo para transformar a sociedade atual.

Piaget defende a escola que seja inovadora, que seja ativa, que motive o sujeito a

realizar suas descobertas. Que faça com que educando possa se ver dentro da educação,

como parcela importante do processo de ensino-aprendizagem. É uma educação

compromissada com suas responsabilidades e conhecedora de sua importância para a

mudança social. Por isso, este epistemólogo elogia a escola nova. Diz Piaget (1974, p. 48):

O interesse não é outra coisa, com efeito, senão o aspecto dinâmico da assimilação. Como foi mostrado profundamente por Dewey, o interesse verdadeiro surge quando o eu se identifica como uma idéia ou objeto, quando encontra neles um meio de expressão e eles se tornam alimento necessário à sua atividade. Quando a escola ativa exige que o esforço do aluno venha dele mesmo sem ser imposto, e que sua inteligência trabalhe sem receber os conhecimentos já todos preparados de fora, ela pede simplesmente que sejam respeitadas as leis de toda inteligência.

Como podemos perceber ambos podem ser considerados como otimistas da

educação, pois vêem nela a chave para a resolução de muitos problemas de ordem social e

econômica. Concordamos com esta visão de que uma educação que mobiliza os

educandos, que os faça sentir sujeitos históricos e autônomos, pelo qual sentimentos de

respeito mútuo e afeição envolvem as relações interpessoais são valores necessários para

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transformação do mundo capitalista. Também não pactuam com as mazelas que a educação

tradicional acarreta para a sociedade. Diz Freire (1996, p.115) enfático:

Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura.

Freire caracteriza a implantação da metodologia dialógica como algo utópico e não

idealista. Pois a posição idealista pressupõe que seja necessária a mudança da estrutura

educacional, social e econômica. Freire14 apud Becker (1997, p. 103) define a utopia: “[...]

a utopia é, por um lado, um ato de conhecimento da realidade opressora que será

denunciada – é, por outro lado, compromisso histórico permanente com a transformação

desta mesma realidade.”

Freire e Piaget expõem que para a transformação dos paradigmas educacionais é

necessário uma mudança na postura do educador e na sua formação. Para que ele possa

modificar primeiramente os educandos, conduzindo-os a conscientização, à ação-reflexão,

para futuramente pensarmos em mudanças de maiores proporções. Consideramos estas

perspectivas algo desejável e importante para toda sociedade. É necessário que os

precursores da educação, que são os educadores: rompam com o modelo tradicional de

educação, que como já fora mencionado apenas marginaliza os oprimidos; neguem a

condição que o capitalismo nos oferece que são as diferenças sociais e o preconceito sobre

os menos favorecidos.

14 Freire, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação; uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979, p. 97.

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VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como um dos objetivos definidos quanto ao estudo das concepções de Piaget e

Freire era desmistificar ou confirmar as críticas que sofrem estes teóricos. Concluímos

através de nosso estudo que ambos se assemelham e as críticas não passam de uma má

leitura de suas obras. Já que propõem uma nova metodologia para superar o modelo de

educação autoritário e antidemocrático da educação tradicional.

Piaget e Freire de modos diferentes explicam o processo de aprendizagem que em

sua essência é a mesma. Piaget utiliza os termos biológicos para explicar os processos

cognitivos que ocorrem. Considera importante para a construção do conhecimento o

desenvolvimento orgânico, as experiências físicas e lógico-matemáticas e

conseqüentemente sua adaptação ao meio social. Em suma, a atividade, a ação é que

nortearão o processo de ensino aprendizagem. Freire considera importante as relações

dialéticas intrínsecas na educação, propõe a ação-reflexão como fonte para a

conscientização e para a mudança social. A ação-reflexão se caracteriza por um movimento

circular, ou seja, não tem fim em si mesma. O sujeito age, pensa o que fez e novamente age

de modo reflexivo.

Esses autores procuram uma nova prática para a Educação, baseada na crítica dos

processos que perpetuam a alienação, da relação monológica, da escola que reproduz o

conhecimento, da educação sem criatividade, criticidade, reflexão.

Mas, principalmente inserir nesta nova educação o ato criativo, a ação cultural para

obtermos a conscientização, nos termos de Freire. Inserir esquemas de assimilação ao ato

cognitivo para obtermos a significação, a tomada de consciência, mencionando deste modo

Piaget, que se dedicou a formulação de uma epistemologia genética que entendesse o

conhecimento como construção histórica e social.

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A educação não pode prescindir da contribuição desses teóricos (Piaget e Freire),

que proporam uma educação como prática da liberdade, do sujeito histórico e

transformador, do humanismo.

Neste trabalho buscamos apresentar uma fundamentação teórica que proporcionasse

suporte às mudanças na práxis do educador que possui valores éticos e compromisso

profissional com seus educandos. Este objetivo foi alcançado.

Foi extremamente válido realizar este trabalho, pois pude estudar a teoria de Jean Piaget

(desconhecida até o inicio desta monografia) e aprofundar as idéias de Paulo Freire, pois

proporam uma educação que evidenciasse a ação e a reflexão como forma de democratizar

os conhecimentos acadêmicos, necessários para a compreensão da realidade atual.

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