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CARLOS ALBERTO LACERCA CARVALHO “E ELE MESMO DEU UNS PARA APÓSTOLOS...” (Ef 4:11a - ERC) POR UM RESGATE DO VALOR DOS DONS MINISTERIAIS E DO DOM APOSTÓLICO BÍBLICO PARA O CUMPRIMENTO DA MISSÃO DA IGREJA ATÉ OS CONFINS DA TERRA.

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CARLOS ALBERTO LACERCA CARVALHO

“E ELE MESMO DEU UNS PARA APÓSTOLOS...” (Ef 4:11a - ERC)

POR UM RESGATE DO VALOR DOS DONS MINISTERIAIS E DO DOM

APOSTÓLICO BÍBLICO PARA O CUMPRIMENTO DA MISSÃO DA IGREJA

ATÉ OS CONFINS DA TERRA.

Londrina2012

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CARLOS ALBERTO LACERDA CARVALHO

“E ELE MESMO DEU UNS PARA APÓSTOLOS...” (Ef 4:11a - ERC)

POR UM RESGATE DO VALOR DOS DONS MINISTERIAIS E DO DOM

APOSTÓLICO BÍBLICO PARA O CUMPRIMENTO DA MISSÃO DA IGREJA

ATÉ OS CONFINS DA TERRA.

Monografia apresentada em cumprimento às exigências do curso de Bacharel em Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, sob a orientação do Prof. Ronaldo Lidório.

Londrina2012

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DEDICATÓRIA

Ao meu orientador e amigo Prof. Ronaldo Lidório.

Pela orientação firme e dedicada e pelo incentivo ao desenvolvimento deste trabalho. Minha oração ao Deus eterno é que ele continue a abençoá-lo rica e poderosamente e a usá-lo com toda a autoridade na sua obra entre as nações.

AGRADECIMENTOS

Ao Senhor Deus pelas forças e capacidade para a conquista de mais este objetivo. À minha querida família pelo carinho e estímulos. Aos meus colegas de ministério pelo companheirismo, ânimo e contribuições.Ao meu orientador e amigo Prof. Ronaldo Lidório, pela paciência, pelos incentivos e

pelo interesse em minha vida e em meu trabalho.À Faculdade Teológica Sul Americana pela oportunidade desta formação cuja

contribuição tem sido imensa para a qualidade do serviço no Reino de Deus.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo, resgatar, por meio de uma breve avaliação da história

da missão, o valor e a necessidade de bases teológicas escriturísticas para o cumprimento da

mesma; despertar, por uma análise bibliográfica de comentaristas e diferentes traduções e

versões bíblicas, um novo interesse em uma nova abordagem dos Dons Ministeriais,

especificamente o dom do apostolado bíblico; demonstrar a centralidade, a atualidade e a

imprescindível necessidade de um resgate, na prática da Igreja Cristã, do dom do apostolado,

declarado por Paulo em sua carta à Igreja de Éfeso, como atual e em pleno exercício.

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

1. “EU EDIFICAREI A MINHA IGREJA...”

2. MISSIO DEI – A MISSÃO DE DEUS

3. A MISSIO ECCLESIAE - A NECESSIDADE DE UMA BASE TEOLÓGICA

ESCRITURÍSTICA PARA A SUA EXECUÇÃO.

3.1. O Chamado de Deus – A 1ª Base Bíblica para a Execução da Missio Ecclesiae

3.1.1. O que diz o Velho Testamento

3.1.2. O que diz o Novo Testamento

3.2. A Capacitação de Deus – A 2ª Base Bíblica para a Execução da Missio Ecclesiae

4. OS DONS MINISTERIAIS – “... E DEU DONS AOS HOMENS” (EF 4:8)

5. O APÓSTOLO NA CAMINHADA DA IGREJA

5.1. AS ORIGENS DO TERMO APÓSTOLO

5.2. OS CONTEXTOS BÍBLICOS

5.2.1. Os 12 (Critérios Exclusivos)

5.2.2. Paulo, o “fora de tempo”

5.2.3. Os Outros

6. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

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Chama a atenção que ao longo de séculos de movimento missionário a Igreja tenha

perdido ou desconsiderado aquela motivação e chamamento do próprio Deus sobre elementos

do Corpo que deveriam liderar o movimento em direção aos confins da Terra. Homens e

mulheres imbuídos de um caráter essencialmente móvel, dinâmico, desbravador, caráter este

inerente àqueles a quem Deus reserva a missão de ir, sempre e cada vez mais longe, lançando

a semente do Evangelho e estabelecendo os alicerces da Igreja.

Preocupante é, também, a escassez de literatura sobre este assunto específico, isto é, os

dons ministeriais na sua integralidade (Ef 4:11ss). Comumente, é possível encontrar trabalhos

que abordam os dons de Evangelista e Pastor Mestre, mas, a maioria, senão todos os escritos

encontrados hoje na literatura evangélica, evita tocar nos dois primeiros dons mencionados no

mesmo texto, isto é, Apóstolos e Profetas. Quando muito, enveredam pela via da interpretação

simplista, reducionista, descontextualizada ou desprovida de uma abordagem hermenêutica ou

exegética de qualidade dos textos envolvidos. Outras vezes, simplesmente não tratam o

referido texto evitando confrontos com o senso comum. Assim, a afirmação geral é de que tais

ministérios estão restritos ao passado e não têm mais lugar na Igreja dos nossos dias.

Este trabalho tem por objetivo, portanto, resgatar, por meio de uma breve avaliação

da história da missão, o valor e a necessidade de bases teológicas escriturísticas para o

cumprimento da mesma; despertar, por uma análise bibliográfica de comentaristas e

diferentes traduções e versões bíblicas, um novo interesse em uma nova abordagem dos Dons

Ministeriais, especificamente o dom do apostolado bíblico; demonstrar a centralidade, a

atualidade e a imprescindível necessidade de um resgate, na prática da Igreja Cristã, do dom

do apostolado, declarado por Paulo em sua carta à Igreja de Éfeso.

1. “EU EDIFICAREI A MINHA IGREJA...” (Mt 16:18)

A Igreja ( vocábulo formado de (para fora de) e (chamado) era

usado pelos gregos para descrever um corpo de cidadãos “reunidos” com a finalidade de

discutir assuntos do Estado (At 19:39). Na Septuaginta, é usado para designar o

“ajuntamento” de Israel, convocado para qualquer propósito definido. No Novo Testamento,

na maior parte de suas ocorrências, significa uma congregação local de cristãos. Ainda que

frequentemente usemos o termos no sentido plural ou coletivo, nenhum escritor do Novo

Testamento empregou o termo neste sentido, e jamais como um edifício.

Ao longo de toda a sua história, desde que foi fundada pelo próprio Senhor Jesus

Cristo, a Igreja tem vivido momentos de grande euforia e vitória sobre seus muitos inimigos,

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de dentro e de fora. Mas também tem enfrentado momentos de grande aflição e de aparente

derrota mesmo com a promessa do próprio Senhor de que Ele a edificaria. Assim é que cada

crente, embora passando por lutas, tem a promessa da vitória a seu tempo.

De fato, Bosh, em sua introdução nos propõe que a Missão da Igreja, ou, a missão de

Deus compartilhada com a Igreja, vem sofrendo, ao longo dos séculos de história, diversas

transformações em sua compreensão e em sua prática. Afirma ainda que este processo jamais

terá conclusão, pelo menos dentro da história da humanidade. O próprio título de seu livro

“Missão Transformadora” é ambíguo, pois tanto propõe que a Missão da Igreja é de cunho

transformador das realidades humanas, como também ela mesma sofre transformações em sua

compreensão pelos agentes da missão como em suas práticas. Contudo, há algo nela que não

deve sofrer alteração: sua natureza salvífica e reconciliatória expressa nas palavras do próprio

Senhor Jesus Cristo: “(...) buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19:10).

As muitas vicissitudes e sofrimentos causados pela perseguição sempre foram um

instrumento e uma motivação para o crescimento e fortalecimento da Igreja, enquanto que

outro inimigo, bem mais sorrateiro e poderoso que o chicote e as prisões, tem, este sim,

provocado grandes danos e considerável retardo à realização da obra proposta a ela, isto é,

testemunhar do seu Senhor ao mundo, de perto e de longe, em sua própria língua ou em

línguas distintas, em seu próprio ambiente sociocultural ou em meio a povos de estranhas

crenças, valores e comportamentos.

Este inimigo, embora assuma diferentes formas ao longo do tempo e em cada uma de

suas aparições, tem uma mesma natureza sempre e sempre, isto é, a de roubar da igreja sua

vitalidade e/ou suas ferramentas de trabalho. Isto se dá, em primeiro lugar, através da

alteração ou supressão de verdades fundamentais declaradas pela Palavra de Deus acerca da

Igreja, as quais conhecidas e cridas lhe transmitem força e direcionamento perfeitos. Bem

assim o abandono e o desuso de certas ferramentas imprescindíveis a uma obra tão grandiosa

e delicada como a conquista de mentes e corações, escurecidos pelo domínio do pecado, para

o reino da Luz. Vou chamar estas ferramentas de Dons!

2. MISSIO DEI – A MISSÃO DE DEUS

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Em um trabalho lido na Conferência Missionária de Brandemburgo, na Alemanha, em

1932, Karl Barth tornou-se um dos primeiros teólogos a articular a missão como atividade de

Deus mesmo. Do início ao fim da conferência, a influência de Barth foi crucial. Essa

influência no pensamento missionário atingiria seu auge na Conferência de Willingen, em

1952. Ali, reviveu um antigo termo: Missio Dei. Foi lá que a ideia da Missio Dei emergiu,

pela primeira vez, de maneira clara. Compreendeu-se a missão como derivada da própria

natureza de Deus. Ela foi colocada no contexto da doutrina da Trindade, não da eclesiologia

ou da soteriologia.

Outro nome que se destacou na Conferência de Willingen foi o de George Vicedom,

autor da famosa obra A missão como obra de Deus: Introdução à Teologia da Missão. A

ênfase de Vicedom foi: “Deus é o sujeito ativo da missão”. Ele expõe em profundidade o

conceito de missão sob o ponto de vista da doutrina da justificação e retoma o conceito que

foi assumido em 1952, segundo o qual missão não é somente obediência a uma palavra do

Senhor, mas é participação na missão da Trindade, na Missio Dei, com o objetivo de

estabelecer o senhorio de Cristo sobre toda a criação. Para Vicedom: “O conceito de Missio

Dei deve ser entendido como genitivo atributivo, por meio do qual Deus não se torna apenas o

enviador, mas também o enviado”. Isto significa que todo envio da pessoa divina implica a

presença da própria Trindade divina. O Pai enviou o Filho e este envia o Espírito. Este envio

serve à salvação do mundo (1996, p. 16, 17).

Nesta concepção mais complexa de missão nos encontramos diante do que Vicedom

considera o “derradeiro mistério” da ação ou presença de Deus, pois, de nossa parte, só

podemos perceber de Deus aquilo que ele faz na relação com os seres humanos. Na missão

nos defrontamos, portanto, com o próprio mistério de Deus: Ele é o enviado, mas,

simultaneamente, é o conteúdo do envio e aquele que envia. Este pensamento tem enormes

consequências para a missio ecclesiae (a missão da Igreja) e o seu serviço no mundo. Para

Vicedom, a missão da igreja se encontra “prefigurada na missão divina”. Serviço, sentido e

conteúdo de sua atividade prática estão configurados ou conformados a partir da Missio Dei.

Por ser ação soberana, a Missio Dei não se deixa prescrever por ninguém. Religiões,

governos, potestades, ciência, incredulidade, piedade (especialmente a piedade cristã), não

podem conter a ação livre desse Deus.

Na teologia da missão nos referimos de modo especial à ação de Deus em Jesus e seu

Espírito, à ação de Deus na igreja, sem olvidar sua atuação na história do povo de Israel, por

intermédio dos profetas e outros de seus enviados. Ademais, Deus ainda envia ou atua por

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meio de outras realidades totalmente impessoais. Assim, Deus, por meio de sua missio,

sustenta o mundo e conduz os seres humanos. Em resumo, Vicedom assim definiu Missio

Dei:

A missão como obras da misericórdia divina, que Deus iniciou através do envio de

seu Filho, é continuada por ele agora ao incumbir sua comunidade, por meio de seu

enviado, da propagação e da proclamação de sua vontade salvadora. Assim o Senhor

dá a ordem missionária [...] mas esse serviço da Igreja somente é possível porque ela

mesma experimentou compaixão através da ação redentora do Filho de Deus e agora

representa a comunidade dos crentes e justificados... Por conseguinte, esse serviço é

engajamento na atuação de Deus, obediência da fé, não estar desligado de Deus, mas

ser tomado por ele, não é algo que é acrescentado à ação de Deus, mas é submeter-se

ao agir de Deus. (1996, p. 107)

3. A MISSIO ECCLESIAE - A NECESSIDADE DE UMA BASE TEOLÓGICA

ESCRITURÍSTICA PARA A SUA EXECUÇÃO.

Como a Missão é de Deus, por ter ele mesmo se proposto de livre vontade e iniciativa

a “buscar e salvar o que se havia perdido”, a coparticipação da Igreja na realização da mesma

tem que seguir a vocação e a instrumentalização que ele mesmo prevê em sua revelação.

Contudo, é facilmente comprovável que a Igreja, ao longo de sua história, tem enfrentado

diversas crises de identidade que envolvem as bases corretas para o desempenho da missio

ecclesiae.

STEVENS diz:

Ironicamente, em sua constituição, a Igreja é um povo sem leigos no sentido usual

dessa palavra, mas cheia de clérigos no verdadeiro sentido dessa palavra – dotado,

comissionado e apontado por Deus para continuar o Seu serviço e missão no mundo.

A Igreja não “tem”, então, um ministério; ela é um ministério, o ministério de Deus.

Ela não tem uma missão; é uma missão. Há um povo, um povo trinitariano, um povo

que reflete o Deus uno que é amante, amado e amor, como disse certa vez

Agostinho, é um Deus que envia, é enviado e está enviando. (2005, p.15)

Bosh afirma que “a crise contemporânea se manifesta, no que diz respeito à missão,

em três áreas: o fundamento, os motivos e a natureza da missão [cf. Gensichen 1971, pg. 27-

29]” (2002, p. 21). Bosh também afirma que por muito tempo o trabalho missionário foi

“orientado por uma base mínima”, advinda principalmente de Gustav Warneck (1834-1910) e

de Josef Schmidlin (1876-1944), que foram os fundadores da missiologia protestante e

católica romana, respectivamente.

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Warneck foi quem propôs um duplo fundamento para a execução da Missão, isto é,

um sobrenatural e um natural, sendo o sobrenatural o fato de que a Missão está fundamentada

na Escritura, especialmente em Mateus 28:18-20 (v.t. Mc 10:45; Jo 17:18), e na natureza

monoteísta da fé cristã.

Quero aqui me ater a examinar com um pouco mais de atenção a proposta de uma base

Escriturística que deve motivar e nortear a tarefa de levar o conhecimento de Cristo ao

mundo, quer geográfica, quer cultural e linguisticamente definido. A princípio pode-se pensar

que não existe dificuldade para se aceitar que a Missão de Deus, partilhada com a Igreja de

Cristo no mundo, somente pode ser executada com a motivação e a orientação corretas na

medida em que se olha para a Escritura e dela se obtém tais coisas. Mas a história da missão

nos mostra que não foi sempre assim.

Verkuyl (1978) também identifica o que ele chama de “motivos impuros” que ao

longo do tempo foram usados como força motora para a empreitada missionária no mundo.

Seriam eles: “O motivo imperialista (...) o motivo cultural (...) o motivo romântico (...) e o

motivo do colonialismo eclesiástico”. Creio não haver qualquer dificuldade em perceber uma

característica comum a todas estas motivações, isto é, elas carecem da base Escriturística, ou

ainda, baseiam-se muito mais em aplicações politicamente direcionadas do que numa correta

interpretação bíblico-teológica.

No dizer de Bosh, “um fundamento inadequado para a missão e motivos e metas

missionários ambíguos estão fadados a acarretar uma prática missionária insatisfatória”.

Creio não ser falso afirmar que, dentre estes falsos motivos apresentados o mais comum e

danoso, embora aparentemente natural, é o do colonialismo eclesiástico. Este não plantava a

Igreja de Cristo, mas como um subproduto dela, uma cópia da igreja enviadora, da agência

missionária, implantadas nos campos da missão e “abençoadas” com toda a sorte de

mecanismos e superfluidades, como indumentária, música e seus instrumentos e até modelos

de liderança estrangeiros, muito mais políticos que espirituais.

Assim, este modelo de igreja clone das igrejas ocidentais, levado para os confins da

terra então conhecida, com toda sua estrutura eclesial política, tornou-se um “sucesso” que

legitimava a prática como aprovada por Deus e como fundamento teológico da missão e para

a continuidade do mesmo. No dizer de Bosh: “O sucesso da missão cristã tornou-se o

fundamento da missão”.

Muitas projeções foram feitas à época que preconizavam que em pouco mais de um

século a religião cristã dominaria o cenário mundial (Sundkler 1968:121). Segundo elas,

aqueles antes mencionados “sucessos” do cristianismo provavam sua superioridade. Mas tal

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previsão, no mínimo otimista demais, não se cumpriu. Na verdade todas as religiões

chamadas pagãs cresceram e se fortaleceram ao longo do tempo, enquanto que o cristianismo

tornou-se uma bolha, uma criatura que, embora se reproduza e cresça, o faz de forma

atrofiada e lenta, cada vez mais perdida em um emaranhado de práticas, regras e formas que

tanto a descaracterizam como a tornam infrutífera. Bosh pergunta: “Se o cristianismo não é

mais bem-sucedido, será ainda singular e verdadeiro?”.

Embora não deseje me alongar demais nestes pensamentos, creio ser interessante ainda

dizer que àquela geração de crentes não faltou uma coragem intrépida para ir e sacrificar, até

as últimas consequências, bens, saúde e esforço no sentido de levar adiante a “pregação” do

evangelho aos povos distantes. Contudo, todo aquele esforço e sacrifício não são louváveis

apenas por terem sido feitos, e digo isto com todo o respeito que aqueles irmãos merecem.

Entretanto, aqui mais do que qualquer outro lugar, os fins não justificam os meios porque os

fins determinados por Deus para o trabalho da Igreja só podem ser alcançados se buscados de

acordo com os meios que Ele mesmo traçou. Estes são uma pregação verdadeiramente bíblica,

isenta de segundas intenções políticas, colonialistas ou denominacionalistas, realizada com

base nas escrituras e por homens e mulheres preparados por Deus através de um chamamento

e uma capacitação espiritual.

3.1 O CHAMADO DE DEUS – A 1ª BASE BÍBLICA PARA A EXECUÇÃO DA

MISSIO ECCLESIAE

Não é preciso discorrer longamente sobre o fato de que o “Chamado” de Deus é

imprescindível para que alguém pertença a Ele ou O sirva de alguma forma e em algum

ministério. Contudo, creio ser de grande valor investir algum esforço em observar algumas

caraterísticas deste chamado Divino.

Muitas vezes o chamar (kalein) divino traz consigo, necessariamente, a ideia de

aceitação para que alguém seja reconhecido como uma pessoa que recebe o chamado de

Deus (kletos) como em Romanos 1: 1, 6, 7; Judas 1; 1Corintios 1: 2, 24.

São três os chamados de Deus endereçados aos homens: o chamado à salvação, o

chamado à santidade e o chamado ao serviço. Quero, a título de poupar tempo e concentrar

esforços, aplicar algum tempo em analisar o chamado ao serviço, para o qual,

demonstraremos, torna-se vital a capacitação da parte de Deus.

Spurgeon diz que “todo cristão capaz de disseminar o Evangelho tem o direito de fazê-

lo. Ainda mais, não só tem o direito, mas é seu dever fazê-lo enquanto viver (Ap 22:17)”.

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Deus decidiu compartilhar conosco, sua Igreja, a missão e o privilégio de sermos testemunhas

ao mundo de sua graça e de seu desejo profundo de resgatar para si mesmo todo e qualquer

homem e mulher que deseje voltar ao lar e à comunhão com Ele. Onde e como são questões

que não cabe a nós responder, senão a Ele, na medida em que Ele é que detém o poder, a

sabedoria e a autoridade de designar e distribuir o trabalho segundo lhe apraz. Um testemunho

perfeito de uma fonte improvável. White nos diz:

Em Atos 10:5 Deus deu prova de Sua atenção para com o ministério evangélico e

Sua igreja organizada. O anjo não foi incumbido de contar a Cornélio a história da

cruz. Um homem sujeito a fragilidades e tentações humanas, como o centurião

mesmo, deveria ser aquele que lhe contaria a respeito do Salvador crucificado e

ressuscitado.

O anjo enviado a Filipe poderia ter ele próprio feito a obra pelo etíope, mas essa não

é a maneira de Deus agir. É Seu plano que os homens trabalhem por seus

semelhantes.

"Temos, porém, este tesouro", prosseguiu o apóstolo, "em vasos de barro, para que a

excelência do poder seja de Deus, e não de nós." (2 Co 4:7). Deus poderia ter

proclamado Sua verdade por meio de anjos sem pecado, mas esse não é Seu plano.

Ele escolheu seres humanos, homens cheios de fraquezas, como instrumentos na

execução de Seus desígnios. Os tesouros de valor inapreciável são colocados em

vasos terrestres. Por intermédio de homens Suas bênçãos devem ser transmitidas ao

mundo. Por meio deles Sua glória deve brilhar em meio às trevas do pecado. (1925,

p. 7)

O mesmo Spurgeon ainda diz:

Cremos que o Espírito Santo designa na Igreja de Deus alguns para agirem...

tampouco devem todos aspirar a essas obras, uma vez que em parte nenhuma os

dons necessários são prometidos a todos. Mas aqueles que, como o apóstolo, creem

que receberam “este ministério”, devem dedicar-se a essas importantes ocupações.

Homem nenhum deve intrometer-se no rebanho como pastor (por exemplo), mas

deve ter os olhos postos no Sumo Pastor e esperar Seu sinal e Sua ordem. Antes que

um homem assuma a posição de embaixador de Deus deve esperar pelo chamamento

do alto. Se não o fizer, mas se lançar às pressas ao cargo sagrado (qualquer que seja)

o Senhor dirá dele e de outros semelhantes: “Eu não os enviei, nem lhes dei ordem;

e não trouxeram proveito nenhum a este povo, diz o Senhor. (Jr 23:32)” (1990, p. 2)

3.1.1 O que diz o Velho Testamento

Todo cristão verdadeiro é chamado a pregar o evangelho (1Pe 2:9; Mt 28:18-20), pois

todo crente é batizado no Espírito Santo, é habitado por ele e dele recebe motivação e

capacidade para testemunhar (At 1: 8). Mas o chamamento da parte de Deus para aqueles que

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deverão assumir uma posição de servos e exercer uma função específica dentro da obra dele

não é algo restrito ao Novo Testamento. Em verdade, o Antigo Testamento está cheio de

exemplos de homens e mulheres que reivindicavam a autoridade da comissão divina para o

exercício de seu ministério. Spurgeon nos diz:

Consultando o Velho Testamento, vocês verão os mensageiros de Deus, da velha

dispensação, reivindicando comissionamentos da parte de Jeová.

Os profetas, ministros do Velho Testamento, todos baseavam seu ministério na

especifica chamada divina: Isaías conta-nos que um dos serafins tocou os seus

lábios com uma brasa viva tirada do altar, e que a voz do Senhor lhe disse: "A quem

enviarei, e quem há de ir por nós?" (Is. 6:8). Então disse o profeta: "Eis-me aqui,

envia-me a mim". Não se apressou antes de ter sido visitado dessa maneira tão

especial pelo Senhor, e de ser por Ele qualificado para a sua missão.

Jeremias narra em detalhe a sua vocação no primeiro capítulo do seu livro: "Assim

veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Antes que te formasse no ventre te

conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta (...)

Olha, ponho-te neste dia sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares, e para

derribares, e para destruíres, e para arruinares; e também para edificares e para

plantares" (Jr. 1:4-10). (1990, p. 2)

E também:

Diferindo em sua forma externa, mas com o mesmo propósito, foi a comissão de

Ezequiel. É como se segue, em suas palavras: "E disse-me: Filho do homem, põe-te

em pé, e falarei contigo. Então entrou em mim o Espírito, quando falava comigo, e

me pôs em pé, e ouvi o que me falava. E disse-me: Filho do homem, eu te envio aos

filhos de Israel, às nações rebeldes que se rebelaram contra mim, até este mesmo

dia" (Ez 2:1-3).

A vocação de Daniel para profetizar, conquanto não registrada, é fartamente

atestada pelas visões a ele outorgadas, e pelo grandíssimo favor que desfrutava da

parte do Senhor, quer nas suas meditações solitárias, quer nos atos públicos. (1990,

p. 3)

3.1.2 O que diz o Novo Testamento

Ninguém pense que a chamada dos ministros atuais é pura ilusão ou imaginação deles

para a peculiar obra de ensino e direção da igreja. Os pregadores do Novo Testamento,

incluindo obviamente a atualidade, devem estar certos de sua vocação e chamado celestial

assim como estavam os profetas do Velho Testamento, como nos atesta ainda Spurgeon:

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Não há necessidade de passar em revista todos os outros profetas, pois todos se

arrogavam falar com a autoridade do "assim diz o Senhor". Na presente dispensação,

o sacerdócio é comum a todos os santos. Mas, profetizar, ou fazer aquilo que se lhe

assemelha, a saber, ser movido pelo Espírito Santo para entregar--se totalmente à

proclamação do evangelho, é, na verdade, dom e vocação de apenas um número

relativamente pequeno. E certamente estes precisam estar tão seguros da veracidade

da sua posição como os profetas estavam da sua. E mais, como podem justificar o

seu ministério senão por um chamamento semelhante? (1990, p. 3, 4)

Preocupa-me extremamente o fato de que nos nossos dias o ministério tem se tornado

um mero “emprego”, um trabalho como qualquer outro na visão do povo de Deus em geral e

até na visão de alguns líderes. Neste caso o ministério se torna uma questão de escolha do

ministro e sua capacitação não tem que ser necessariamente uma tal advinda do céu, senão da

academia secular. Mas não é assim! Algumas outras observações quanto à importância do

chamado divino para o Seu serviço se fazem relevantes. Ainda que não evidenciem

diretamente um chamado, há títulos que a Palavra de Deus atribui aos obreiros e que

expressam a natureza de sua autoridade.

Embaixadores em nome de Cristo – Um embaixador só passa a existir depois do

chamado do governo que ele representa, e, se tentar fazer isto sem o devido chamado, cairá no

ridículo (2 Co 5:18, 19).

Despenseiros dos mistérios de Cristo – Um despenseiro é alguém que toma conta da

propriedade de alguém, e se quiser tomar conta da propriedade de alguém sem a devida

chamada desagradará a dono da mesma (1 Co 4:1). Por isso deve haver chamada (autorização,

nomeação e envio) antes de alguém poder tornar-se legítimo bispo, “despenseiro da casa de

Deus”(Tt. 1:7).

Anjo, que significa mensageiro – E como os homens poderão ser arautos de Cristo,

senão por sua eleição e ordenação? Mas, verdade tão importante quanto esta, ainda que nem

tanto considerada na prática, é que Cristo é o Senhor da Seara e da obra, e é ele que convoca,

capacita e coloca cada um em uma tarefa e em uma função especifica, concedendo e

designando o dom para cumprir cada função na sua Igreja (Mt 9:38; 1Co 12: 11, 18; Ef 4:11-

16).

Mas será que a Igreja dos nossos dias perdeu de vista esta verdade? Será que estamos

vivendo num mundo tão envolvente de empresas e empresários, de propaganda e marketing,

de lucro e capital, que nos esquecemos que Deus, o dono de Sua própria obra, já tem provido

a Igreja com as pessoas e com as capacidades necessárias para que o trabalho seja executado

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com acerto e com os resultados desejados? Em que igrejas locais hoje se encontra um trabalho

sério de ensino, de formação de mentalidade, de busca consciente da direção e da capacitação

de Deus, da colocação de obreiros na posição correta? Onde é que os professores para a

Escola Bíblica Dominical, por exemplo, são escolhidos após uma avaliação consistente de

uma vida cristã madura e dos dons necessários para o exercício da atividade de ensino

bíblico? Onde os seminaristas aspirantes ao pastorado são seriamente confrontados com o fato

de que Pastores são aqueles que dão suas vidas pelas ovelhas, para conduzi-las à vida cristã

madura e ao serviço dedicado? Onde os missionários, aqueles que deveriam ser enviados aos

confins da Terra, são preparados com a convicção de que estão sendo dados por Deus às

nações e que precisarão estar dispostos a adaptarem-se alegremente a um estilo de vida

estranho e a uma língua pesada, a não ter morada certa, nem cidade, nem pátria, na tarefa de

dar a vida em resgate de muitos? Em quais igrejas um trabalho sério e objetivo de descoberta

e aplicação dos Dons que Deus distribuiu ao Corpo de Cristo, a todos e a cada um, em cada

ministério ou cada área do ministério? (1 Cor 12:7). Por isso, com muita propriedade,

Champlin afirma: “Absolutamente nada, dentro do serviço cristão, é deixado ao critério do

julgamento humano” (2002, p. 600,1).

E Lidório ainda diz:

Desta forma podemos concluir que, se a Missio Dei envolve a vinda e expansão de

Seu Reino, que Ele é o responsável e único capaz para fazê-lo, a missão da Igreja é

servi-lo, participar de sua missão, cumprir seus propósitos. Desta forma, a igreja é

conclamada a não olhar para si, mas para Ele. Não viver para satisfazer a si, mas a

Ele. Não procurar na própria comunidade a motivação certa para o serviço, mas nas

Escrituras. A missão da igreja é clara: servir a Deus. (2007, p. 54)

3.2 A CAPACITAÇÃO DE DEUS – A 2ª BASE BÍBLICA PARA A

EXECUÇÃO DA MISSIO ECCLESIAE

Os dons espirituais são vitais e nenhum cristão ou igreja pode funcionar como Deus

quer e cumprir o propósito de Deus sem capacitação espiritual. São indispensáveis, tanto na

vida particular do cristão quanto no testemunho coletivo da igreja, pois o trabalho do Senhor é

um trabalho espiritual que só pode ser feito por meios espirituais.

As palavras do Senhor Jesus aos discípulos confirmam isto. Ele lhes disse: “Sem Mim,

nada podeis fazer” (Jo 15:5). Lucas, ao escrever o seu relato do Evangelho, também registrou

com muita propriedade o aviso do Senhor aos seus discípulos dizendo-lhes que cumpriria

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sobre eles a promessa do Pai e lhes enviaria o Espírito Santo para que fosse o companheiro e

consolador fiel na caminhada. Mas também os alertou a que esperassem a Sua vinda antes que

saíssem a pregar e a testemunhar, pois, apesar do ânimo e da alegria de contar a história da

salvação, a resposta dos homens ao plano de Deus dependeria de um convencimento que não

poderia ser produzido pela boa vontade nem pela força do braço humano (Lc 24:49 v.t. At

1:8)

O apóstolo Paulo afirmou que “os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Rm

8:8). Portanto, é impossível fazer a vontade do Senhor na força e na sabedoria da carne. A

obra do ministério não depende de melhores métodos, ainda que estes tenham lugar,

eventualmente, mas sim da dependência no Espírito, que operará através dos dons que

concedeu aos salvos.

Curvinel diz:

No final do século XIX, muitos teólogos semeavam uma crítica extremamente

perniciosa à Palavra de Deus. Ensinos como a teologia da crise e a teologia da

desmitologização foram de certa forma minando a crença de muitos na atuação de

Deus. Não é raro encontrarmos cristãos adeptos da teologia cessacionista, isto é, que

entendem que a manifestação dos dons espirituais cessou com a morte do último

apóstolo ou que a utilização desses dons estava circunscrita somente ao período do

Novo Testamento.

Por certo alguém pode avaliar serem desnecessárias intervenções sobrenaturais de

Deus no cotidiano do ser humano, uma vez que contamos com tantos recursos e o

homem julga-se autossuficiente. Todavia não é assim que nos ensina a Bíblia.

O texto sagrado nos ensina que a autossuficiência é um equívoco (Jr 17.5). Mostra-

nos que Deus tem interesse em nos capacitar para a realização de sua obra (Lc

24.49; At 1.8). Deus nos quer capacitar (...) concedendo dons espirituais para serem

usados em sua obra. Apesar da formação teológica do apóstolo Paulo, ele mesmo

testifica de sua dependência da ação de Deus em sua vida e ministério (1 Co 2.4). 1

4. OS DONS MINISTERIAIS – “... E DEU DONS AOS HOMENS” (Ef 4:8)

Quero iniciar este ponto, que é o clímax deste trabalho, dizendo que ao falar de Dons

Ministeriais excluo aqueles Dons Espirituais como capacitações dadas aos salvos para o

1 Roberto Carlos CURVINEL, em http://www.guiame.com.br/v4/10288-1596-Necessidade-dos dons

espirituais.html, acessado em 13/09/2011

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exercício sadio e edificante da vida cristã rumo à maturidade, os quais, creio, estão descritos

no capítulo 12 de Romanos. Também excluo as chamadas Manifestações do Espírito

mencionadas de forma geral no capítulo 12 de 1Corintios, manifestações estas que são de

exclusiva decisão de Deus, com toda a polêmica existente sobre sua continuidade ou não nos

nossos dias.

Quanto aos Dons Ministeriais, refiro-me a eles como ofícios e funções determinadas a

certos membros do Corpo de Cristo pela vontade e chamamento de Deus e à capacitação dada

a estes ministros para a realização de seus ofícios ou funções.

Muitas vezes nós, na condição de seres humanos limitados a uma visão e compreensão

sensíveis, isto é, capaz apenas de explicar o que os sentidos podem interpretar, somos tentados

a reduzir o valor dos caminhos e dos objetivos de Deus em seu plano para com a Humanidade

e para com toda a criação.

Certas passagens no Novo Testamento nos dão um vislumbre destas coisas, como a

grandeza e a profundidade do propósito de Deus em restaurar e trazer de volta para Si mesmo

toda a criação, desde a natureza até sua coroa máxima, aquele que foi criado conforme a Sua

imagem e semelhança. A declaração em Efésios 4:9, 10 “que significa ele subiu, senão que

também havia descido às profundezas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que

subiu muito acima de todos os céus, a fim de encher todas as coisas” (NVI), nos remete ao

texto de Efésios 1:10 que fala do propósito de Deus “de fazer convergir em Cristo todas as

coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos“ (NVI).

Ainda, através da Igreja, Cristo está e estará, com maior perfeição, demonstrando a

grandeza de seus propósitos resgatadores e restauradores a todos os seres inteligentes

conforme Ef 3:10 “A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme

sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais...”

(NVI). Dentro deste propósito e por sua autoridade ele concede à Igreja os poderes para

realizar sua parte na Missão de Deus, isto é, ser agente de restauração e de transformação.

Estes se traduzem em dons (carismata) como capacidades, motivações, operações espirituais

em Rm 12:6, e em dons (dómata) dádiva ou presente em Ef 4:8. Sobre esta diferença,

Champlin diz:

Não estão aqui em vista, especificamente, os dons do Espírito e nem está em foco o

próprio dom do Espírito; (...) O propósito de Cristo é restaurar e unir todas as coisas.

É no seio da igreja que Cristo exibe pela primeira vez esse ministério utilizando-se

dela como o teatro de demonstração de como seus propósitos eventualmente se

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cumprirão, aos olhos dos seres celestiais. A fim de produzir a unidade, a maturidade

e a perfeição da igreja, ele confere dons (carismata) espirituais aos homens, e então

presenteia (dómata) esses homens bem dotados à Igreja. (grifo meu) (2002, p. 599,

600)

Parece-me muito interessante que estes dons (dómata) são pessoas, crentes, com seus

dons (carismata) específicos e úteis, que são escolhidos dentre o Corpo de Cristo, que é a Sua

Igreja, com o fim de desempenharem um ofício, um ministério. Estes dons/pessoas são

apresentados não numa ordem hierárquica nem numa ordem histórica, mas numa ordem de

edificação, isto é, numa ordem lógica em que o Corpo de Cristo, por vezes prefigurado como

um edifício, será edificado, literalmente construído. Acerca desta igualdade de valor, Cabral

nos diz o seguinte:

A lição prática da ‘unidade do Espírito’ quanto aos ministérios distribuídos, é que

‘cada um’ deve assumir seu trabalho na Igreja, porque assim Deus o quer. Assim

sendo, cada qual poderá dar o melhor de si para a unidade da obra do Senhor. Esses

dons são enumerados pelo apóstolo Paulo sem a preocupação de ordem ou grau. São

dons concedidos àqueles que são nomeados ou ordenados para o ministério do seu

Corpo, a Igreja, no mesmo nível de valor e propósito. (1999, p. 50)

E ainda:

Esses ministérios se completam e satisfazem plenamente, à medida que eles

funcionam objetivando a unidade dos crentes em Cristo. Esses ministérios são

espirituais, pois são dados por Deus [...] nada têm a ver com funções eclesiásticas

profissionais. Esses ministérios são funções naturais. Eles não visam “posições” nem

“senhorios”, mas existem da mesma forma que outras atividades espirituais na

igreja, ou seja, para o aperfeiçoamento do corpo de Cristo. (1999, p. 554)

Se é que compreendemos que no Reino de Deus é Ele quem escolhe, chama, capacita

e envia os obreiros, se é que descobrimos ou redescobrimos que dentro da estrutura do Corpo

de Cristo já existem elementos, capacitações e funções determinados para que a obra seja

levada adiante e executada com acerto e resultados segundo Deus, se faz necessário voltar à

Palavra de Deus e resgatar verdades fundamentais da vida e do trabalho no Reino.

Embora haja pouca literatura que trate destes dons chamados ministeriais, e, apesar

disto, uma diversidade de abordagens dadas ao texto de Efésios 4, quero aqui apresentar

resumidamente os pensamentos de alguns dos principais comentaristas bíblicos e alguns

artigos publicados.

Cabral, em seu comentário de Efésios diz:

“Ele mesmo deu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e

outros para pastores e mestres”. Na mente de Deus não há uma hierarquia ministerial

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seguindo uma ordem de valor, pois não teria sentido então a unidade do corpo. O

destaque de uma função não representa uma posição mais importante que outra.

Paulo fez questão de ensinar isso à igreja de Corinto com essas palavras: ‘Porque

também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se o pé disser: Porque não sou

mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?’ (1Co 12:14,15). Esses dons são

enumerados pelo apóstolo Paulo sem a preocupação de ordem ou grau. São dons

concedidos àqueles que são nomeados ou ordenados para o ministério do seu corpo,

a Igreja, no mesmo nível de valor e propósito. (1999, p. 49, 50)

Creio que Cabral é muito feliz quando diz não existir uma ideia de hierarquia no texto

que se refere aos quatro (não cinco) dons ministeriais. Mas há mais...

Cabral ainda faz um comentário sobre o propósito destes dons ministeriais, o qual,

creio, nos esclarecerá bastante. Não creio haver dificuldade em perceber que estamos lidando

com dons que não são coisas ou capacidades, poderes ou habilidades, mas pessoas que

receberam seus dons e que agora são designadas pelo Senhor do corpo como dons para o

próprio corpo. É interessante perceber que os dons, enquanto capacitações, são concedidos

sempre para o bem comum do corpo e nunca para o bem particular. Existe, sim, uma linha

que quer afirmar que há dons, ou melhor, dom, que existe exclusivamente para a edificação

pessoal, em detrimento ou pelo menos independentemente do corpo. Mas isto destoa do todo

da revelação do Novo Testamento acerca dos dons espirituais (1Coríntios 14:1, 12; 14:3-5).

GILL, em seu manual de estudos ‘Os Dons Ministeriais’, nos diz que “O chamado ministerial

é um chamado para ser um servo para o corpo de Cristo. Nunca devemos pensar nisto como

algo do que se orgulhar ou uma posição que tenha sua própria importância. Como sempre,

Jesus é o nosso exemplo”. (p. 10)

Assim, os dons ministeriais são concedidos ao corpo e não ao indivíduo, com o

propósito da edificação do mesmo corpo. O mesmo Cabral diz:

Há um tríplice propósito para os dons ministeriais: O aperfeiçoamento dos santos, a

obra do ministério, a edificação do corpo de Cristo.

A palavra ‘aperfeiçoamento’ deve ser entendida no contexto da frase em todo o

texto de Paulo. Várias interpretações tem sido dadas à expressão. Pelo menos cinco

ideias são sugeridas:

1. A complementação do numero de santos no corpo de Cristo

2. A renovação e a restrição do numero de santos

3. Limpeza que reduz e ordena a unidade perfeita do corpo de Cristo

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4. Reporta ao sentido literal da palavra, isto é, completar o que estava

incompleto, ‘acabar com perfeição’.

5. Um estado de dinamismo que reporta ao trabalho.

(1999, p. 53, 54)

Creio que a interpretação mais coerente e textual é a de que o aperfeiçoamento dos

santos, a quem se destinam os dons ministeriais, se refere ao trabalho dinâmico, se

observarmos o seguimento do mesmo texto, quando diz “... para a obra do ministério...”.

Aqui, o objetivo direto da concessão e da existência destes dons/pessoas é que a obra seja

executada e levada adiante, de forma dinâmica e efetiva, enquanto ela precisa ser feita,

enquanto ainda não está terminada.

Já a continuação do trecho nos fala dos propósitos finais destes dons e de suas

atuações: “Para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo. Até que todos

cheguemos à 1unidade da fé, 2ao conhecimento do Filho de Deus, 3 a varão perfeito, à medida

da estatura completa de Cristo.” Creio ser coerente com análise anterior que tanto 1 como 2 e

3 não podem ser compreendidos como algo que tenha cumprimento na igreja local de

qualquer tempo ou lugar, pois este nível de ‘perfeição’ só se realizará quando a Igreja estiver

completada, arrebatada e glorificada.

Assim, percebemos a existência e a operação de dons (dómata) que não dizem respeito

à igreja local no sentido de operar nela, ainda que existam e se manifestem nela e que na

realização destes ministérios exista claramente uma progressão que vai da total mobilidade à

total imobilidade, ou seja, de um ministério itinerante caracterizado pelo “indo” em um

extremo e outro caracterizado pela permanência e a administração local noutro extremo.

Ainda existe uma variedade de interpretações desta passagem acerca dos dons

ministeriais, e gostaria de mencionar algumas para a apreciação do leitor. Algumas são do

tipo literal históricas, isto é, afirmam que o texto fala de uma realidade histórica, com relação

à existência de alguns destes dons apenas no passado, como no caso do dom apostólico e do

dom profético, os quais, segundo ele, já completaram a obra, que era apenas a da revelação. Já

nos casos dos dons de evangelista e de pastor-mestre, estes são atuais. Vejamos alguns

pensamentos:

Ballard:

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"Com vistas ao aperfeiçoamento" (4:7-16). Pela graça de Deus, muitas "dádivas" são

dadas àqueles que participam da vitória da salvação (4:7-11). As dádivas que Cristo

dá são as pessoas que ajudam os cristãos enquanto crescem no Senhor. Os

"apóstolos" e os "profetas" completaram a obra do Senhor revelando toda a vontade

de Deus (veja João 14:26 e 2 Pedro 1:3). Os "evangelistas" espalham a boa nova do

evangelho através do mundo, ensinando todas as coisas que Cristo manda (veja

Mateus 28:20). "Pastores e mestres" cuidam das necessidades dos cristãos nas

congregações locais, das quais eles também são membros (veja 1 Pedro 5:1-4).

Todos estes homens servem para preparar outros cristãos no trabalho de "edificação

do corpo de Cristo" (4:12). (grifos meus) 2

Partain:

4:11 – E ele mesmo constituiu a uns como apóstolos..., E ele deu alguns como

apóstolos...(BAS); E ele mesmo deu a uns como apóstolos...(H_A). Há dois grupos

de ofícios no verso 11:

A. Apóstolos e profetas, homens inspirados encarregados de revelar a vontade de

Cristo, e de pregar e edificar a igreja; seguem em seu ofício até o dia de hoje através

de seus escritos inspirados (o Novo Testamento)

B. O outro grupo, evangelistas e pastores que também são mestres, homens que

também receberam dons espirituais no primeiro século, mas cujo ofício continua até

o dia de hoje em homens vivos na terra, mas não inspirados. (Tradução Livre) 3

Alvarenga:

“E ele mesmo constituiu a uns, apóstolos; a outros profetas; a outros evangelistas; a

outros pastores e mestres” (Ef 4:11). Cristo mesmo constituiu estes postos para

poder contribuir com a edificação do Corpo de Cristo. Quem são eles?

Apóstolos – um delegado, um enviado, um embaixador do Evangelho, um

comissionado, um mensageiro. Os apóstolos foram os enviados a pregar o

Evangelho de Cristo, começando desde Jerusalém até o último da terra (At 1:8).

Eles foram os que receberam o batismo do Espírito Santo, e tinham a capacidade de

realizar milagres e de fazer grandes sinais. Eles eram os únicos que podiam impor

as mãos sobre outros cristãos para que recebessem o poder do Espírito Santo (At

8:14, 17)

Os requisitos para ser um apóstolo se mencionam em At 1:21, 22 (testemunho ocular

da ressurreição de Cristo) Hoje em dia, não importando o que grupos religiosos

2 Carl BALLARD, 2000, Estudos em Efésios, p. 5, em http://www.estudosdabiblia.net/studiestext.htm, acessado em 05/10/2011

3 Wayne PARTAIN, 1985, Comentários em Efésios, em http://www.waynepartain.com/Comentarios/c704.html, acessado em

05/10/2011.

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digam e ensinem, já não podemos ter apóstolos como os que haviam nos tempos da

igreja do primeiro século. Ninguém tem os poderes do Espírito Santo como os

tinham naquele tempo. Por conseguinte, ninguém pode chegar a ser um apóstolo.

(Tradução Livre) (2005, p. 49, 50)

Ainda que haja esta diversidade de pensamentos, creio que Foulkes é muito feliz em

seu comentário sequente que estabelece dois princípios fundamentais para a compreensão do

valor destes dons ministeriais. Primeiro, eles são designados e capacitados por Deus para a

realização da obra de Deus. Qualquer tentativa de realização desta obra por mera inteligência

ou decisão humana estará fadada ao fracasso, o qual mesmo mascarado por uma fachada de

sucesso humano expresso em números, em ativismo e em barulho, não passará para a

eternidade:

Paulo passa a falar agora dos dons específicos que Ele deu aos homens. A luz dos

versículos 7, 8 não devemos entender “concedeu” como um mero equivalente para

"designou". Todos, em seus ministérios particulares, são dons de Deus (Cristo) à

lgreja. "Devemos a Cristo o fato de termos, ministros do evangelho", diz Calvino.

A Igreja pode indicar homens para diferentes trabalhos e funções, mas, a menos

que tenham os dons do Espírito e sejam, portanto, eles mesmos os dons de Cristo à

Sua Igreja, sua indicação será sem valor. A expressão também "serve para lembrar

aos ministros que os dons do Espírito não são para enriquecimento pessoal, e sim

para enriquecimento da Igreja" (Inserção minha) (1989, p. 97)

Segundo, o mesmo autor, com muita propriedade, esclarece que estes dons ministeriais

não são meros oficiais locais como presbíteros e diáconos, e ainda que Paulo nos fala de

ministérios que, ainda que nasçam e saiam da igreja local, não estão no âmbito da localidade,

mas no âmbito da Igreja Invisível, da Igreja Universal, e seus objetivos são a completação da

mesma no mundo como um todo:

Se esta epístola tivesse sido escrita numa data posterior, conforme o pensamento de

alguns, seria quase impossível não existir referência ao ministério local dos bispos,

presbíteros e diáconos, os quais se tonaram da maior importância para a lgreja.

Assim, o apóstolo não está pensando nos ministros de Cristo em seus ofícios, mas

sim em seus dons espirituais específicos e suas tarefas, e havia muitos que não

estavam limitados a uma determinada localidade no exercício de suas funções

para a edificação da Igreja. Este fato explica a seleção que encontramos aqui e na

lista semelhante em 1 Coríntios 12:28. (1989, p. 97)

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Creio, portanto, poder já aqui afirmar que os Dons Ministeriais, conforme os vemos no

escrito de Paulo aos Efésios, são dons pessoas (dómata), diferentes em natureza dos dons

“coisas” de outros ensinos, quer sejam capacitações, operações, ou manifestações. Estes são

também dons concedidos por Cristo, especificamente, e estão diretamente ligados ao seu

ministério salvador, preenchedor, e ao crescimento e à multiplicação da Igreja em seu âmbito

maior, universal, mundial. Ainda, que estes Dons Pessoas (diferente de dons pessoais) são

diferentes dos ofícios locais de liderança e serviço, ainda que não lhes sejam superiores em

hierarquia, mas em alcance.

5. O APÓSTOLO NA CAMINHADA DA IGREJA

Segundo o Novo Dicionário da Bíblia, volume 1, de 2002, há mais de oitenta

ocorrências do termo grego apóstolos no Novo Testamento, sendo sete oitavos das mesmas

nos escritos de Lucas e Paulo. A importância deste ministro na plantação e na caminhada da

igreja é notável e requer uma observação cuidadosa. Sua origem, seu trabalho e sua

contemporaneidade são temas de suma importância para uma igreja bíblica que vê o mundo e

sente sua necessidade de testemunhas que vão onde ninguém ainda foi ou, por outra, onde

ninguém quer ir.

5.1. AS ORIGENS DO TERMO APÓSTOLO

Faz-se importante observar cuidadosamente as origens do termo Apóstolo para

podermos estabelecer uma base de compreensão da natureza e da extensão deste ministério.

Tostes nos diz o seguinte:

Há vários exemplos do uso corriqueiro e óbvio de apostello no NT. Veja que

Herodes envia soldados com a finalidade de matar os meninos até dois anos de idade

(Mt. 2:16). Os fariseus enviaram seus discípulos para surpreender Jesus, com a

pergunta sobre pagamento de imposto (Mt. 2:17). Há muitas outras passagens com

este óbvio uso de apostello. (Mt. 11:1; 14:35; Mc. 3:31; Mc. 4:29; Mc. 6:7) 4

Um outro termo grego também é usado como um sinônimo de apostello, que é pempo,

o qual apoia o fato que há tanto um uso comum para enviar como um outro que denota que

alguém foi enviado por Deus, para realização de uma tarefa. Tostes diz:

Um exemplo foi Elias, que foi enviado a viúva (Lc. 4:26).

4 Silas TOSTES, “Sou eu um Apóstolo?”

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Os Profetas e Jesus foram enviados com propósitos divinos (Lc. 20:11-13).

João Batista era enviado do Senhor (Jo. 1:33).

O anjo do Senhor foi enviado (Ap. 22:16).

O Espírito Santo seria enviado (Jo. 14:26, Jo. 15:26; Jo. 16:7).

Jesus era enviado (pempo) do Pai para salvar (Jo. 5:23, 24, 30, 37; Jo. 6:38, 39, 40,

44). 5

Tendo como contexto o uso de apostello e pempo no NT, fica evidente para mim que

sempre houve pessoas ao longo da história enviadas por Deus. Pessoas como Moisés, Elias,

João Batista e Jesus. Estes prévios envios por parte de Deus, consiste no contexto histórico

para o posterior envio dos apóstolos no NT. A cerca disto, disse Jesus. “Por isso, também

disse a sabedoria de Deus: Enviar-lhes-ei profetas e apóstolos, e a alguns deles matarão e a

outros perseguirão,” (Lucas 11:49).

Embora o significado do verbo apostello no grego não-cristão quase nunca se referisse

a uma pessoa enviada e sim a um comandante de uma flotilha e talvez à própria flotilha (uma

subunidade de uma esquadra), talvez o sentido de ‘enviado’, ‘mensageiro’ tenha sobrevivido

no grego popular, pois algumas ocorrências na LXX e em Josefo sugerem que este significado

era conhecido no meio judaico.

Tanto no grego, como no português, é um substantivo masculino formado pela

preposição apo, a qual significa a ‘separação de um lugar para o outro’, ou ‘de uma parte do

todo’, e pelo verbo stello, que refere-se a por, colocar, arranjar, trazer junto. Apostello,

portanto, significa enviar/enviado (algo ou alguém separado do todo e colocado de um para

outro local), como ocorre quando algo ou alguém é enviado sob ordem ou mandato. O verbo

carrega em si o peso de envio oficial ou autorizado. Num sentido mais forte significa

expulsar, havendo assim o envio de um para outro local, porém, pela força como sugere

expulsar (Mt. 2:16, 17; Mt. 11:1; 14:35; Mc. 3:31; Mc. 4:29; Mc. 6:7).

Num sentido comum do significado de enviado, Epafrodito era uma mensageiro (Fp.

2:25), assim como os irmãos companheiros de Tito na tarefa de levar a oferta para Jerusalém

(2Co 8:18, 22, 23). Nestes casos, eram meros mensageiros ou acompanhantes, mas Apóstolos

no texto original.

Mas há casos especiais que se referem a pessoas especiais e ministérios especiais, e é a

estes que quero me referir mais detalhadamente agora. Dentre estes pode-se identificar três

grupos distintos: 1 – o grupo singular dos Doze, também chamados de colégio apostólico,

com uma chamada específica e inigualável, portanto insubstituíveis. 2 – Há Paulo, que apesar

5 ibid

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de ter recebido uma chamada também sem igual, destaca-se dos Doze em sua chamada bem

como em seu ministério. 3 – E, finalmente, há os outros, pessoas mencionadas no Novo

Testamento como apóstolos, com chamados diferentes dos Doze, diferentes de Paulo, e com

ministérios diferentes, embora em parte iguais aos de Paulo.

Tostes diz acerca destes:

Apóstolos no sentido de missionários transculturais, (im)plantadores de igrejas.

Pessoas que transpuseram barreiras culturais no exercício de fazer discípulos de

todas as nações (Mt. 28:19). Tanto evangelizaram, como ensinaram. Bons exemplos

no NT são Barnabé, Andrônico, Júnias, Timóteo, Lucas, Silas e outros. (grifo meu)6

5.2. OS CONTEXTOS BÍBLICOS

Quero fazer aqui uma breve observação destes contextos e particularidades que podem

nos fazer perceber tanto as semelhanças quanto a alteridade envolvida no ministério

apostólico nestes três ambientes ministeriais citados. Vejamos:

5.2.1. Os 12 (Critérios Exclusivos)

Muito pouca discussão coerente pode ser desenvolvida no intuito de afirmar ou

reafirmar a existência de uma continuidade no ministério apostólico do mesmo tipo e

qualidade do daqueles Doze. Seu chamado e ministério estão ligados diretamente à revelação

e ao estabelecimento do alicerce da Fé cristã, os quais foram completados durante suas vidas.

Alegar uma continuação desta representatividade é o que faz a Igreja Católica Romana, que

vê no texto de Mateus 16:18, 19, dentre outros, o estabelecimento de Pedro, sua pessoa e

ministério, como a pedra fundamental do cristianismo e na substituição ou continuação do

apostolado de Judas através de Matias. Também a posterior mudança da liderança da Igreja

das mãos dos Apóstolos para a dos Bispos, seus substitutos ou continuadores segundo a visão

da igreja romana. Daí desenvolve-se toda uma doutrina de sucessão apostólica. Nascimento,

catequista católico romano diz:

Chama-se Sucessão Apostólica à relação de validade dos Bispos como sucessores

diretos dos Apóstolos. Cristo confiou a continuação do Seu ministério aos Apóstolos

que, por sua vez, se tornaram os fundadores e os chefes das primeiras comunidades

dos fiéis seguidores de Cristo e da Sua mensagem doutrinal.

6 ibid

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Na dependência dos Apóstolos e em reconhecimento do seu especial empenhamento

com Cristo, as novas Comunidades de Cristãos foram autorizadas a conduzir o seu

ministério de ensinar, santificar e guiar a Igreja.

A primeira responsabilidade destes ministérios foi investida em homens designados

pelos Apóstolos e, subsequentemente, chamados Bispos. Estes primeiros Bispos, por

sua vez, elegeram e ordenaram outros e assim sucessivamente até aos nossos dias. O

significado desta prática tornou-se evidente logo no século II, no decurso da disputa

com os heréticos Gnósticos que pretendiam a posse de uma mensagem secreta, cuja

transmissão tentava ignorar ou negar os sucessores dos Apóstolos. Como resultado

desta disputa, a importância da intima união dos Bispos com os Apóstolos - em

muitos casos em autêntica linhagem - foi articulada como a fundação para a

autenticidade e unidade da Fé proclamada nas Comunidades da primeira linha. 7

E aqui, então, surge a afirmação por dedução da chamada sucessão apostólica que

garantiria a continuidade do ministério apostólico do mesmo tipo e qualidade dos Doze:

A doutrina cristã, portanto, que afirma a íntima conexão entre os Bispos e os

Apóstolos chama-se "Sucessão Apostólica".

A doutrina da Sucessão Apostólica significa mais do que uma continuidade de fé e

de doutrina ; o seu requisito básico é a Ordenação que permanece ainda nas mãos

dos sucessores dos Apóstolos. 8

Por outro lado e opostamente a esta visão continuísta, Foulkes diz:

A partir da própria definição de apóstolo é evidente que seu ministério devia cessar

com a morte da primeira geração da Igreja. O ministério, ou pelo menos o nome, de

profeta também logo morreu na lgreja. Sua obra, que era receber e declarar a palavra

de Deus sob inspiração direta do Espírito, era mais vital antes da existência de um

cânon das Escrituras do Novo Testamento. Em escritos do segundo século lemos

acerca de profetas, mas em importância decrescente. Os escritos apostólicos

começavam a ser lidos largamente e aceitos como autorizados, e estes foram

paulatinamente substituindo a autoridade dos profetas. (1993, p. 98)

Importa observar que Foulkes se refere aos Doze e a seu ministério fundamental

quanto à Fé Cristã e não considera (se propositalmente ou descuidadamente não sei) os

contextos apostólico e profético no novo testamento como dons, conforme Ef 4:11 e Rm12: 6.

Ehrhardt ainda nos diz:

7 John NASCIMENTO,em http://www.exsurge.com.br/apologeticas/primadodepedro/artigos_primado/sucessao, acessado em

02/01/20128 Ibid.

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Na natureza das coisas, o ofício jamais poderia ser repetido ou transmitido: assim

como as experiências históricas profundas não poderiam ser repetidas para aqueles

que nunca conheceram o Senhor encarnado, nem receberam alguma aparição do

ressuscitado. Nem era também necessária tal transmissão. O testemunho apostólico

tem sido mantido na obra permanente dos apóstolos, e o que se tornou normativo

(em termos de fé) para os séculos vindouros é o que ficou escrito no Novo

Testamento. (1953)

Creio que estes Doze são de fato algo único e portanto não podem ser reproduzidos,

continuados, substituídos ou outro termo qualquer que se queira usar, conquanto suas

qualificações são únicas e seus ministérios tiveram haver com o estabelecimento do alicerce

da Fé Cristã, o qual foi estabelecido nos tempos do Novo Testamento e ainda hoje permanece.

5.2.2. Paulo, o “fora de tempo”

Sem dúvida, Paulo sabe distinguir bem o seu caso do de quantos "tinham sido

apóstolos antes" dele (cf. Gl 1, 17): reconhece-lhes um lugar totalmente especial na vida da

Igreja. Contudo, sua compreensão de seu próprio chamado e do ministério que recebera

também é muito clara e marcada de forma indelével pelo seu propósito específico. Champlin

nos diz que:

O vocábulo grego utilizado aqui para “fora de tempo”, é ektroma, forma jônica de

ektrauma, que significa “proveniente de trauma”, isto é, de injúria, de dor; e isso é

uma alusão à experiência dolorosa da maioria dos abortos. Tal palavra indica

“nascimento abortivo” [...] Paulo se refere à subtaneidade, à violência, ao inesperado

de sua transição para a vida em Cristo, bem como de sua comissão subsequente

como apóstolo. (2002, p. 239, 40).

A ideia que prevalece neste texto e na expressão “fora de tempo”, é de que ele ainda se

mostrava bastante sensível quanto à sua vida anterior como “blasfemo, perseguidor e

insolente” (1Tim 1:13). Ele ainda se considerava imerecedor e incapaz de arcar com tais

privilégios. Também, a maneira como ele havia “nascido” em Cristo havia sido muito

traumática se comparada com a dos seus antecessores, os doze, que foram treinados e

atingiram a maturidade de maneira paulatina e crescente. Para Paulo, a transição seria

extremamente abrupta e, por isso mesmo, dolorida. Olhando deste ângulo ele era um abortivo

prematuro, fora do tempo como “antes do tempo”.

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Há, contudo, outro ângulo pelo qual se pode olhar. A própria ênfase que é dada no

Novo Testamento, pela história da Igreja e pelos estudiosos, na centralidade dos doze

apóstolos originais, em seu chamamento e comissionamento baseados em qualificações únicas

e que não podem se repetir, nos mostra que Paulo também se via fora do tempo por ter ele

sido chamado e comissionado quando o assim chamado colégio apostólico já estava completo.

Ele era algo além da conta, extra, que parecia estar atrasado, fora de lugar e fora de hora. Esta

ideia se materializa no fato de que os doze, ao ouvirem sobre Paulo e do que Deus estava

fazendo através dele sentiram que deviam arguí-lo para verificarem mais objetivamente a

veracidade e a procedência do seu ministério, só então reconhecendo sua validade. Alia-se a

isto o fato de que Paulo também seria, junto com os Doze, fonte inegável e relevante de

revelação e, portanto, de fundamentação da fé cristã, tanto quanto ou mais que eles.

O Próprio Papa Bento XVI em uma de suas audiências gerais fala do apostolado

Paulino, nos seguintes termos:

[...] a grande mudança que se verificou na vida de São Paulo após o encontro com

Cristo ressuscitado. Jesus entrou na sua vida e transformou-o de perseguidor em

apóstolo. Aquele encontro marcou o início da sua missão: Paulo não podia continuar

a viver como antes, agora sentia-se investido pelo Senhor do encargo de anunciar o

seu Evangelho como apóstolo. É precisamente sobre esta sua nova condição de vida,

isto é, de ser apóstolo de Cristo, que hoje gostaria de falar. Normalmente, seguindo

os Evangelhos, identificamos os Doze com o título de apóstolos, pretendendo desta

forma indicar os que eram companheiros de vida e ouvintes do ensinamento de

Jesus. Mas também Paulo se sente verdadeiro apóstolo e torna-se claro, portanto,

que o conceito paulino de apostolado não se limita ao grupo dos Doze. [...] Mas,

como todos sabem, também São Paulo se define a si mesmo como Apóstolo em

sentido estrito [...]. Portanto, ele tinha um conceito de apostolado que ultrapassava o

que se relaciona apenas com o grupo dos Doze, transmitido sobretudo por São Lucas

nos Atos (cf. At 1, 2:26; 6, 2). De fato, na primeira Carta aos Coríntios Paulo faz

uma clara distinção entre "os Doze" e "todos os apóstolos", mencionados como dois

grupos diversos de beneficiários das aparições do Ressuscitado (cf. 14, 5.7). (Grifo

meu) 9

A Paulo, portanto, cabe uma posição sem igual tanto em qualidade como em valor. Ele

não faz parte do grupo dos Doze, ainda que lhes alcance enquanto testemunha tanto da vida

como da ressurreição do Senhor. Iguala-os também no sentido de ter sido fonte de revelação

9 BENTO XVI, Audiências Gerais - A concepção paulina do apostolado - www.ventania.org, acessado em

28/11/2011)

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fundamental da fé cristã, mas difere em termos da missão que lhe foi conferida, de ser

testemunha aos confins da terra, aos gentios e à fundação de igrejas locais, conforme descrito

por ele mesmo em At 26: 15-18 e Rm 15:20, 21.

Relevante é pensar que Paulo, como membro de dois universos diferentes, sendo ele

mesmo a intercessão entre os dois, é ponte para uma nova realidade de apóstolos, isto é, os

que não fazem parte dos Doze, também não se igualam a Paulo naquilo o iguala aos Doze,

mas herdam dele a missão de ir e estabelecer o alicerce, não da fé cristã, mas da igreja local,

nos confins da terra, onde Cristo ainda não fora anunciado, não edificando sobre fundamento

alheio... os Outros !

5.2.3. Os Outros

Resta ainda pensar sobre o ministério daqueles que também foram chamados de

apóstolos no Novo Testamento. Quando Paulo recebeu seu chamado para sair e ir, e continuar

indo, sempre em busca dos que ainda não ouviram, ele aplica a si, ou por outra, ele reivindica

para si o cumprimento da profecia de Isaías quando diz: “como está escrito, hão de vê-lo

aqueles que não tiveram notícia dele...”. Escrevendo aos Romanos, Paulo faz uma descrição

de seu ministério como apóstolo, coisa única no Novo Testamento, a qual não se aplica a

todos os apóstolos que foram antes dele, mas, quero crer, a ele e aos seus colegas após ele.

Uma pergunta que não cala é porque havendo diversos textos que falam da existência

deste ministério apostólico desbravador, pioneiro, itinerante, como Efésios 4, onde também

nos é dito que deve durar “até que todos cheguemos à unidade da fé, à medida da estatura

completa de Cristo” e “para a edificação do Corpo de Cristo”, ainda assim a quase totalidade

dos comentaristas evita fazer esta junção ou mesmo este questionamento?

O Reverendo Angus Stewart, em seu artigo intitulado Apóstolos, Profetas e

Evangelistas, faz o seguinte comentário quanto à possibilidade de um ministério apostólico

além dos onze apóstolos originais, de Matias e de Paulo:

Consideremos cada um desses ofícios, começando com aquele primeiro listado,

o de “apóstolos”. Os apóstolos, no sentido técnico na Bíblia, são os onze

discípulos (Judas sendo um apóstata), Matias (Atos 1) e Paulo (Atos 9).

As qualificações desses homens incluíam ter visto o Cristo ressurreto; ter sido

designado diretamente por ele; ter autoridade sobre todas as igrejas (2 Co. 11:28);

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ter terríveis perseguições (1Co. 4:9); e a operação genuína de milagres no

serviço do verdadeiro evangelho (2Co. 12:12).

O Cristo assunto ao céu deu a esses homens a graça e a autoridade para

lançar os fundamentos da igreja do Novo Testamento pelo evangelho de Jesus

Cristo e escrever a Escritura canônica (pense nos escritos inspirados de Pedro, João

e Paulo).

Essas qualificações excluem qualquer e toda alegação de ser um apóstolo desde a

morte do amado João até o retorno triunfante de Cristo no final do mundo –

contrário às alegações de Roma que o papa é o sucessor do apóstolo Pedro e

as pretensões dos “apóstolos” da Igreja Católica Apostólica de Edward Irving

(1792-1834), os mórmons e muitos pentecostais. 10

Curioso é que Stewart descarta, ou melhor, sequer menciona a possibilidade bíblica

textual de haverem outros apóstolos afora os Doze. Ele faz uma afirmação que quero mais

uma vez reforçar e concordar, isto é, de que os chamados Doze foram especiais e únicos no

sentido de que tiveram características que não se repetem, a não ser ultimamente e ainda de

forma especial em Paulo, e que eles foram de fato habilitados e usados por Deus para

estabelecerem a Escritura Canônica, isto é, os fundamentos da igreja cristã em termos de fé

bíblica.

Mas ainda que Paulo tenha sido igualmente usado para estabelecer os fundamentos da

fé (revelação inspirada), ele também fala de seu ministério como o de ir onde ninguém havia

ido e ali estabelecer os alicerces da Igreja, não da fé, plantar o corpo de Cristo de forma local

fazendo cumprir a profecia de Isaías (52:15) a qual Paulo associa ao seu próprio ministério

(Rm 15:21), gozando, para isto, do chamado, do envio e da unção do Senhor enquanto ía,

constantemente em direção aos não alcançados.

A isto se somam aqueles que são chamados no Novo Testamento de apóstolos, os

quais não faziam parte do Colégio especial dos Doze e também não constituíam outro

colegiado com Paulo, o fora de tempo. Quem eram estes outros apóstolos? Qual o seu

ministério? Foulkes diz:

Mas lemos a respeito de outros como apóstolos, não apenas o próprio Paulo e

Barnabé (At l4:14), mas também Tiago, o irmão do Senhor (Gl 1:19), Silas (1 Ts

2:7), e Júnias e Andrônico que são mencionados apenas em Romanos16:7. De fato,

10 Angus STEWART, Covenant Reformed News, Novembro 2007, Volume XI, Issue 19, em

www.monergismo.com, acessado em 28/11/2011)

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parece terem existido alguns que podem ser verdadeiramente chamados de apóstolos

(1 Co 15:7), mas que não conhecemos nem de nome. (1993, p. 97, 98)

Não saberia dizer com certeza qual a razão que faz com que os comentaristas bíblicos

faça um tipo de vista grossa para um fato facilmente comprovável de que há “outros” homens

e mulheres chamados de apóstolos nas páginas do Novo Testamento. Talvez para não saírem

do senso comum e correrem o risco de serem criticados. Talvez por descuido, já que ao fato

da existência destes “outros” se une o fato de que o texto de Paulo em Efésios 4 fala de um

período existente de forma continuada, não apenas o período inicial da nova aliança, ou

mesmo o período da existência de Paulo ou dos demais apóstolos originais. Tostes nos diz:

Há também no NT, apóstolos no sentido de missionários transculturais,

implantadores de igrejas. Pessoas que transpuseram barreiras culturais no exercício

de fazer discípulos de todas as nações (Mt. 28:19). Tanto evangelizaram, como

ensinaram. Bons exemplos no NT são Barnabé, Andrônico, Júnias, Timóteo, Lucas,

Silas e outros.11

Notemos que Tostes nos apresenta à possibilidade de que o ministério apostólico

também se refira a estes outros como continuadores, não do grupo seleto dos Doze, nem da

qualidade de homens fonte de revelação, mas do tipo pioneiro, desbravador. Ele ainda diz:

A palavra missionário é de origem latina e possui o mesmo significado da palavra

apóstolo, ou seja, enviado.[19] No NT a palavra apostolos também foi utilizada para

os missionários transculturais implantadores de igreja, companheiros de Paulo, que

como ele labutaram em missões. “ Saudai Andrônico e Júnias, meus parentes e

companheiros de prisão, os quais são notáveis entre os apóstolos e estavam em

Cristo antes de mim.” (Romanos 16:7). Vemos que Andrônico e Júnias eram

missionários (apóstolos) e companheiros de Paulo, até mesmo nas prisões, devido à

obra missionária. Neste caso, e em outros a seguir, vemos que a palavra apóstolo,

também se refere a Paulo como missionário transcultural.

Outros companheiros de Paulo em missões, que padeciam perseguições foram

chamados apóstolos. “ Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os

apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos

tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.” (1 Coríntios 4:9). É

verdade que 1Co. 4:9 também pode se referir aos membros do grupo seleto. Mas é

igualmente verdade, que vários missionários transculturais, companheiros de Paulo,

11 SILAS Tostes, “Sou eu um Apóstolo?”

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padeceram perseguições como espetáculo ao mundo, por exemplo Silas em Filipos

(At. 16:22, 24). A passagem 1Co. 4:9, pode portanto, também ser entendida como se

referindo a missionários transculturais do primeiro século. 12

Barnabé, outro missionário do primeiro século, foi chamado apóstolo, em pleno

exercício do ministério missionário. “ Mas dividiu-se o povo da cidade: uns eram pelos

judeus; outros, pelos apóstolos.” (Atos 14:4). “ Porém, ouvindo isto, os apóstolos Barnabé e

Paulo, rasgando as suas vestes, saltaram para o meio da multidão, clamando:” (Atos 14:14).

Na ocasião estavam em Icônio (At. 14:4). Depois em Listra (At. 14:14). As barreiras

transculturais eram tantas em Listra, que nem entendiam a língua, por isso, demoraram para

perceber o mal entendido que ocorria (At. 14:11-14). Fica claro que Barnabé e Paulo são aqui

incluídos numa mesma categoria de apóstolos, a qual, creio, não é a de testemunha da

ressurreição do Senhor, muito menos de fonte de revelação bíblica. Tostes diz:

Não há dúvida, portanto, que missionários transculturais do primeiro século eram

chamados apóstolos. Eram pessoas cuja tarefa designada por Deus, incluía a

implantação da igreja em áreas não evangelizadas. (At. 13:1-2; At. 16:7-10). Pessoas

como Barnabé, Andrônico, Júnias, Timóteo, Silas, Lucas, Paulo e outros (1Co. 4:9).

(grifo meu)

Minha pergunta final é, porque considerar, como faz também Tostes, estes outros

apóstolos como existentes, sim, mas apenas no primeiro século, já que sua existência se

destina e é exigida para o cumprimento da obra aos confins da terra? Porque considera-los

extintos enquanto ainda precisamos encontrar aqueles que por convicção de chamado e envio

se desprenderão das amarras culturais e linguísticas e se deixarão levar aos nunca alcançados?

Porque pensar que este dom ministerial não mais existe enquanto a obra não foi terminada e a

Igreja não foi completada, enquanto ainda não chegamos lá? Quero finalizar meus

pensamentos com as palavras de Tostes quando diz:

A passagem: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas,

outros para evangelistas e outros para pastores e mestres,” (Ef 4:11). Pode também

ser entendida das duas maneiras. Ou apóstolos em Ef 4:11 são os membros de grupo

seleto, nosso fundamento (o que não creio), ou são os missionários transculturais do

primeiro século. Contudo, como Ef. 4:11 parece se referir a ministérios das igrejas

12 Ibid

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locais, e uma vez que os membros do grupo seleto são insubstituíveis, então neste

caso, Ef. 4:11 diz respeito aos apóstolos, missionários transculturais...13

6. CONCLUSÃO

Se é assim, como esperar que a Igreja dos nossos dias consiga levar a cabo a obra de

testemunhar de Cristo aos povos distantes, de plantar a Igreja de Jesus até os confins da Terra,

quando ela se esqueceu do suprimento de Deus para esta realização? Como esperar que a

Igreja vá até os nunca alcançados quando ela negligencia o fato de que Deus tem chamado,

designado e capacitado alguns do seu meio com os dons e com o caráter necessários para

uma vida nômade, porém com objetivo, simples, porém de suma importância, desprendida de

amores locais, porém inseparavelmente atada por laços de amor aos povos aos quais são

enviados? Como disse no início, com este trabalho tenho o desejo de demonstrar a

centralidade, a atualidade e a imprescindível necessidade de um resgate, na prática da Igreja

Cristã, do dom do apostolado, declarado por Paulo em sua carta à Igreja de Éfeso e levantar

um questionamento que nos faça voltar às orientações bíblicas e a uma busca e recuperação

dos dons e chamados de Deus para o cumprimento da Sua obra. Precisamos como igreja

voltar à simplicidade da obediência e deixar de lado a ostentação do orgulho pessoal de alguns

que se chamam apóstolos mas não o são (Ap 2:2) que foram “chamados” por si mesmos, não

para dar a vida em resgate de muitos, mas para serem chefes idolatrados, pregadores de um

poder de Deus que eles mesmos negam pela desobediência à Palavra de Deus quando diz: “A

quem enviarei e quem há de ir por nós?” Os povos aguardam em sofrimento que os apóstolos

do nosso tempo se levantem e entendam, como Jeremias, que foram dados ás nações por

testemunhas (Jr 1:5).

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13 ibid

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