TCC Fé e Razão

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FUNDAO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS - FUNESA ESCOLA SUPERIOR DE CINCIAS HUMANAS E ECONMICAS DE PALMEIRA DOS NDIOS - AL - ESPI DEPARTAMENTO DE HISTRIA

ANTONIO DE MELO TORRES

F E RAZO:LIMITES E POSSIBILIDADES

Palmeira dos ndios 2005

ANTONIO DE MELO TORRES

F E RAZO:LIMITES E POSSIBILIDADES

Monografia apresentada a Escola Superior de Cincias Humanas e Econmicas de Palmeira dos ndios, como requisito para a licenciatura em Histria, sob orientao do professor Ms. Jos Adelson Lopes Peixoto.

Palmeira dos ndios 2005

ANTONIO DE MELO TORRES

F E RAZO:LIMITES E POSIBILIDADES

Monografia apresentada a Escola Superior de Cincias Humanas e Econmicas de Palmeira dos ndios, como requisito para a licenciatura em Histria, sob orientao do professor Jos Adelson Lopes Peixoto.

BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Prof. Ms. Jos Adelson Lopes Peixoto orientador

Prof. Ms. Luziano Pereira Mendes de Lima

_____________________________________ Prof. Roberto Calbria G. da Silva

Aprovado em 14 de dezembro de 2005. Palmeira dos ndios

A meus pais Jos Ferreira Torres e Maria de Melo Torres. E aos meus irmos. DEDICO.

AGRADECIMENTOS

Em especial, ao professor Jos Adelson, que me acompanhou durante a elaborao desta

Monografia, por seu indispensvel apoio, mesmo me alertando sobre as dificuldades que eu iria encontrar. Aos meus amigos, Ana Paula (Paulinha), Veroneide, e ao Ccero, pelo companheirismo durante esses anos de nossa graduao, pelo incentivo e por me agentar nos meus momentos de chatice. A Dom Fernando Irio, pelas conversas que travvamos, sem saber o tema de minha monografia, pelo apoio logstico, que foi indispensvel na realizao deste trabalho. A minha namorada, Elisandra Honrio, que quando estava desanimado para os estudos, surgiu em minha vida como uma luz que me inspira, e empurra a ver novos horizontes. Meu grande agradecimento os meus pais, razo de minha existncia. Que desde meus primeiros passos me apia e me ensina atravs de gestos concretos a viver a vida, alm de me incentivar a seguir os meus projetos, meu muito obrigado. A meu Senhor Deus, Jav, que minha fora de viver. E por ser meu ponto de apoio em minhas

horas inglrias, como tambm nos momentos gloriosos.

"O homem est sempre disposto a negar tudo aquilo que no compreende.(Pascal)

RESUMO

A f que em uma sociedade multifacetada, possui a funo de agregador ou mesmo desagregador no seio da sociedade, ela o elemento de ligao entre o divino e o humano. Neste contexto, ela, em muitas ocasies se choca com a razo, devido no ter como provar materialmente o objeto da f. Mesmo sendo crer sem ter provas materiais, ela tem que ser melhor estudada, j que compreendendo melhor, correse um menor risco de se enveredar paro fanatismo. A f no possui s um carter individual. Como tambm coletivo. Ela est passvel de promover conflitos, principalmente quando passa a defender aquilo em que se acredita. Atualmente est em discusso a questo das clulas-tronco embrionrias. Neste sculo, existem diversos fatores que se tornam barreiras entre essas duas grandezas, a saber: o racionalismo, o atesmo, o secularismo, o fideismo. Mas entre ambas deve haver um dialogo respeitoso e amistoso. Caracterizado como uma pesquisa bibliogrfica, mas, com a utilizao de entrevistas, como tambm, de uma analise observacional da realidade presente. dividido em trs captulos, sendo que os mesmo esto subdivididos, dos quais apresentam desde uma analise histrica da convivncia, passando por um estudo da importncia da f e a questo das clulas-tronco e por fim um estudo dos limites e das possibilidades entre as duas.

Palavras-chaves: F, Razo, Biotica, Cincia, Religio

SUMRIO

AGRADECIMENTOS RESUMO INTRODUO .................................................................................................... 09

CAPTULO I 1- DAS ORIGENS SECULARIZAO: Percurso Histrico............................. 1.1- O Nascimento do Pensamento: a antiguidade........................................ 1.2- Uma Questo de F: a submisso ......................................................... 1.2.1- O Perodo Medieval ...................................................................... 1.3- Em busca da luz: a negao................................................................... 1.3.1- Idade Moderna.............................................................................. 1.4- A concretizao e a negao.................................................................. 1.4.1- Da Revoluo Francesa ao Sculo XX......................................... 11 12 15 15 19 19 22 22

CAPITULO II 2- A CONSTRUO DA F E DA CINCIA A PARTIR DA TICA .................... 2.1. Eu Creio, Tu Crs, Ele Cr. Pra qu Acreditar?...................................... 2.2. O Preo de uma Vida .............................................................................. 2.2.1- O principio da vida ........................................................................ 2.2.2- Um dilema a ser pensado: as clulas-tronco ................................ 26 27 30 31 34

CAPTULO III 3- LIMITES E POSSIBILIDADES ........................................................................ 3.1- O Abismo: os limites ............................................................................... 3.1.1- A Secularizao: o mundo vira as costas para Deus.................... 3.1.2- Cientificismo ................................................................................. 3.1.3- O Racionalismo ............................................................................ 36 36 37 38 39

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3.1.4- O Atesmo ..................................................................................... 3.1.5- O Fideismo ................................................................................... 3.2- Uma Luz ao fim do tnel: Possibilidades ................................................

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CONCLUSO......................................................................................................

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REFERNCIAS ...................................................................................................

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INTRODUO

Tanto por parte dos cientistas, quanto por parte dos religiosos, a relao entre a f e a razo sempre causou grande preocupao. Vivemos em uma sociedade em que o mstico, o oculto e o profano regem uma parcela da populao, pois a f, que emana desses conceitos que desafia nossa compreenso, nossa razo. No mundo, que estamos, o caos e o medo do futuro fazem que cada vez mais pessoas busquem explicaes, apelando muitas vezes para o sobrenatural. A cincia, que em meio a sua vasta gama de estudo, a f que uma destes, ganha cada vez mais a ateno dos pesquisadores, a qual tem necessidade de meios que esclarea alguns pontos da religio, entre eles o fenmeno da f. No ser importante para pesquisadores da rea, como tambm para a sociedade, em seus anseios de conhecer a f em suas virtudes e problemas. Alm do mais a nossa sociedade, em pleno sculo XXI, demonstra que a f est no substrato do ser humano, isto , est em seu intimo. Tendo como objetivo geral, estudar os limites e as possibilidades de convvio entre a f e a cincia. Para uma melhor abordagem se faz necessrio caracterizar a tica dentro de um contexto (biotica); alm de pesquisar a influncia da igreja nos meios cientficos, j que ser de grande utilidade para uma melhor abordagem dos limites e possibilidades pra analisar a importncia da f na sociedade contempornea. E pleno sculo XXI, ainda um debate est em destaque, ser que os temas biotecnolgicos s podem ser tratados pelos cientistas? Mas nessa discusso podemos dizer, ou no, que a f seja um empecilho para o desenvolvimento da humanidade, com isso, ela pode ser considerada distante da razo cientifica. Percebe-se que quando se pe em discusso tais temas, que dizem respeito a vida e a tica, pouco se consulta as classes mais populares. Tipicamente bibliogrfica, a qual foi realizado levantamento de referencias, estudo e analise de livros, revistas, como tambm em alguns sites especializados em religio, como tambm aqueles que abordam o tema pesquisado. Dessas

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leituras, se destacam a Carta Encclica Fides et Ratio de Joo Paulo II, que aborda a f e a razo numa perspectiva de reencontro da f e da razo numa viso teofilosofica; tambm foi de grande utilidade o livro de Libanio, a qual apresenta o tema estudado sobre os aspectos relacionados religio e a cincia; outro livro, ou melhor, uma coleo de livros foi o de Realle e Antiseri em A Histria da Filosofia, que foi de grande contribuio ao traar a histria das relaes f/razo. Com o transcorrer da pesquisa foi necessrio realizar uma pesquisa de opinio, a qual foi distribudo alguns questionrios e desses s foi aproveitada apenas uma questo. Fez-se necessrio realizar uma anlise observacional, j que teria que fazer um estudo do sculo em que estamos. Sendo dividido em trs captulos, para facilitar o estudo. Estes foram subdivididos para uma melhor compreenso do tema. O primeiro captulo composto por uma anlise da histria das relaes f/cincia na viso de diversos pensadores. Abordando assim a Antiguidade, com a formao do pensamento religioso, o Perodo Medieval, que muitos o colocam como uma poca de submisso da cincia, a Idade Moderna, que seria o perodo que a humanidade passa a procurar a luz e por fim a concretizao da razo, isto , da Revoluo Francesa at o fim do sculo XX. J no segundo captulo foi procurado estudar a necessidade de se ter f, partindo do pressuposto de que a relao entre o tema abordado se d atravs da tica. Alm de lanar questionamentos a respeito da interferncia ou no da igreja nos assuntos ditos cientficos, colocando a problemtica das clulas-troco embrionrias em destaque. Enquanto no terceiro captulo, debate-se os limites e as possibilidades de relacionamentos, enfocando os primeiros, a saber: o secularismo, o cientificismo, o racionalismo, o atesmo e o fideismo. Tambm posto em questo da possibilidade, mas j que no pode haver igualdade de pensamento, mas deve haver um dialogo amistoso e respeitoso. Concluindo, sugerimos novas pesquisas, a respeito do tema, j que esta no esgotar os questionamentos de to vasto campo de pesquisa, sendo um debate que est em continua discusso.

CAPTULO I

1- DAS ORIGENS SECULARIZAO: Percurso Histrico

Como parar o homem, quando ele est utilizando uma de suas caractersticas que o diferencia dos demais animais: a sede de questionar? Ao longo da histria da humanidade, a busca pelo transcendente vem, em grande parte, dominando a curiosidade e o desejo de conhec-lo. Alguns tentaram conhecer, o que se pode ser chamado de mistrio, apenas atravs da f, o que levou ao fanatismo; porm, outros procuraram estudar o divino com base na razo, enquanto alguns se negaram a estudar o transcendental passando a menosprez-lo, tratandoo apenas como algo alheio humanidade. Nesse contexto, se confrontam alguns eixos de estudos sobre o fenmeno religioso: os que acreditam somente naquilo que se pode provar, materialmente, os materialistas; aqueles que s acreditam naquilo em que a cincia pode comprovar, os cientificistas; aqueles que acreditam, mas mesmo assim no deixam de questionar, o que podemos chamar de conscientes e sem falar naqueles que pem sua confiana, sem embasamento terico, na sua f, os fideistas. Esses casos podem resumir em duas palavras o racional e o religioso, que durante a histria vai conviver com intensos debates de defesa da unio e/ou a separao de ambos. comum, durante alguns perodos de nossa histria haver uma confuso entre f e razo, ora um absorve o outro, ora repelem-se. Para que se busque uma melhor compreenso se faz necessrio procurar dividir o percurso em algumas etapas de estudo. Vendo que na Antigidade a gestao do pensamento chegou ao seu fim, nascendo uma concepo de valorizao do homem em seus aspectos fsicos, culturais e religiosos; enquanto na Idade Mdia, aconteceu uma desacelerao no que se diz respeito busca pela verdade; j na Idade Moderna o homem passou a procurar-se mais num renascimento, num voltar-se para uma Antiguidade clssica; enquanto o homem contemporneo procura sistematizar todos os perodos anteriores na busca de seus problemas atuais. Sendo assim, esses perodos devem ser compreendidos, no em separados, mas como se cada um servisse de suporte para o outro, j que a Idade

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Antiga muito contribuiu para a formao do pensamento da Idade Moderna e Contempornea e nesse nterim, no se deve desprezar a Idade Mdia, que possui, mesmo que de forma acanhada, pequenas transformaes, e no podemos deixar de lado, j que um perodo oposto ao nosso.

1.1- O Nascimento do Pensamento: a antiguidadeA Antiguidade foi um perodo repleto de mitos e lendas, tornou se tambm o que pode ser chamado de gnese do pensamento ocidental, diferente de hoje, na Antiguidade a f no estava to separada da razo, mas se entendia que a f necessitava da razo para legitimar a religio. Assim era com os egpcios, a preocupao religiosa no estava separada do interesse racional, um servia de suporte para o outro, numa religiosidade que tinha como fim vida aps a morte. Os egpcios buscavam ter uma vida que os propiciassem uma boa travessia para o transcendente, ou que pelo menos tivesse um local digno para repousar o corpo na espera de se tornarem deuses como os deuses, embora que em uma sociedade teocrtica, onde a religio exerce o papel de lder poltico, essa posio de deuses fica restrita aos poderosos. Para no perder o direito da travessia e para garantir o retorno do esprito ao corpo, no futuro, ele era submetido a um processo cientfico que lhe garantisse a conservao do corpo seguindo os mnimos detalhes. Segundo Mann (2003, p.6)

Um dos pontos-chave na religiosidade egpcia que a morte era considerada no o fim da vida propriamente dita, a apenas uma passagem para a outra etapa. A morte apenas era responsvel pela separao de seu corpo mas essa separao estava longe de constituir o fim.

Essa passagem para a outra etapa era garantida por uma srie de rituais, tanto religiosos quanto cientficos, processo esse que se iniciava bem antes da morte, num ritual cujo fim seria, no futuro, a volta do esprito ao corpo. Mas, no se pode negar a grande influncia que os gregos tiveram na formao do pensamento ocidental, j que aos gregos sistematizaram a razo, ou melhor, eles iniciaram atravs dos chamados poetas, que se utilizavam da poesia para transmitir os ideais religiosos, as notcias alm de dedicarem-se a educao

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que de acordo com Reale e Antiseri (1990, v. 1 p. 12): Antes do nascimento da filosofia, os poetas tinham imensa importncia na educao e na formao espiritual do homem. Nesse contexto, de formao espiritual, os poetas, atravs de suas poesias passaram a sistematizar os mitos, de uma forma que o racional no podia ficar indiferente com relao religiosidade grega. Na busca pela sistematizao da religio atravs dos mitos, se destacou o poeta Hesodo, que formulou a gnese dos deuses a Teogonia1, que colocou como parceiras a religio e a razo. Reale e Antiseri (1990, p.15) oferecem um contributo nessa discusso ao apresentarem a afirmao de que

A Teogonia de Hesodo narra o nascimento de todos os deuses. E, como muitos deuses coincidem com partes do universo e com fenmeno do cosmo, a Teogonia torna-se tambm cosmogonia, ou seja, explicao mtica potica e fantstica da gnese do universo [...] Esse poema aplainou o caminho para a cosmologia filosfica, que ao invs de usar a fantasia, buscaria coma razo o principio primeiro do qual tudo se originou.

Nessa procura pelo principio primeiro, os gregos criaram a mxima conhece-te a ti mesmo (orculo de Delfos), seguindo essa lgica passaram-se ento a perguntar De onde eu vim?, Qual o principio do universo?, Para onde eu vou?. Com a Filosofia, os pensadores passam a estudar no apenas os deuses nas voltam-se para si prprios, chegando a colocar o homem como a pea mais importante de seus estudos e questionamentos, chegando inclusive a duvidar da existncia dos deuses. Embora tivessem dvidas claras a respeito da existncia dos deuses, os filsofos no colocavam essa dvida em prtica, mas tentavam semear a idia de que a existncia da razo est condicionada a dvida, sendo assim alguns filsofos, em especial Scrates, cuidava de fazer com que seus discpulos pensassem. Scrates coloca-se como aquele que nada sabe, S sei que nada sei (Scrates), frase que levava seus discpulos a se sentirem provocados. Scrates se tornou o divisor da filosofia: os pr-socrticos, os socrticos e os ps-socrticos. Utilizando-se da arte da ironia e do questionamento, ele procurava em meio a dvida, chegar a verdade. Tal mtodo levou-o a morte, mesmo que, segundo Realle e Antiseri (1999, p. 94. v.1) [...] para Scrates Deus onipresente

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Mito da origem dos deuses.

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[estava em todos os lugares] e onisciente [conhecia tudo], estendendo o seu conhecimento do universo ao homem, sem qualquer espcie de restrio. O que se torna um contraste com o motivo de sua condenao a morte tomando a cicuta2 por influenciar os jovens ao caminho errado e blasfemar contra os deuses. Os seguidores diretos de Scrates, Plato e Aristteles, tinham concepes um pouco divergentes do seu mestre e mais divergentes entre si. Plato via o divino como algo impessoal, mas tambm como se o divino estivesse [...] no mundo das idias (idem, p. 145). Enquanto Aristteles dizia que o intelecto est na alma, sendo assim o intelecto o prprio Deus. Os filsofos gregos desempenharam o papel de assimiladores de diversas culturas, criando a seu modo a sua cultura, que apesar de ser uma sntese acima de tudo singular. Enquanto para os romanos, a filosofia no lhes parecia de grande utilidade, j que eles estavam mais preocupados com questes prticas. No chegam a desenvolver uma mitologia prpria, mas latinizaram a mitologia grega e alguns conceitos, diferenciando apenas na questo do culto que chegavam, inclusive a adorar o prprio imperador. Para os pensadores romanos, como defendia Epicteto, Deus seria a inteligncia, influenciando assim o conjunto de idias que deram sustento a religiosidade da Idade Mdia, que se obedecesse a deus estava fazendo o bem. Essa obedincia a Deus acarretaria em uma obedincia a razo, que teria como conseqncia, a formulao de conceitos que seriam bem acolhidos na Idade Mdia. Em meio a diversos povos, que cultuavam diversos deuses, um povo passa a adorar a um s Deus, os hebreus. Eles se afirmavam, atravs de sua ralao com seu Deus, Jav, passam a obedecer a leis, e a enfrentar seus adversrios numa luta que contaria com a interveno divina. O monotesmo dos hebreus veio influenciar o surgimento de duas grandes religies, o Cristianismo e o Islamismo. O cristianismo que com o declnio da Idade Antiga se tornou religio dominante na Europa Ocidental. Que aps os decretos que davam liberdade de culto e tornava-a religio oficial do Imprio, o cristianismo passou a crescer, criando em torno de si um conjunto de adversrios. Foi necessrio, que, para manter a superioridade do cristianismo, os cristos tivessem que se organizar em torno da

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Espcie de planta venenosa que base para preparao de uma bebida venenosa.

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razo. Com o intuito de defender dos acusadores surge a Patristica3, nesse contexto surgiram pensadores que defendiam a separao entre f e razo, como fez Tertuliano (leigo que exerceu forte influencia na igreja de Catargo), ou mesmo fazendo com que a f se encontre com a razo, como fez Santo Agostinho, A f no substitui nem elimina a inteligncia, pelo contrrio [...] a f estimula e promove a inteligncia [...] a inteligncia no elimina a f, mas fortalece e, de certo modo, ao clarifica. Em suma: f e razo so complementares. (REALLE e ANTISERI, 1999, p. 435, v 1). Ao dizer que f e razo so complementares, tem que ser analisado que nesse contexto, a f superior a razo. Idia que vai ser alimentada durante a Idade Mdia, a qual vai ganhando novas formas. Chegando a promover uma reviravolta na maneira de se ver a si prprio o mundo que o cerca.

1.2- Uma Questo de F: a submisso

1.2.1- O Perodo Medieval

A Idade Mdia surgiu num perodo em que o mundo civilizado passava por um momento de interiorizao. No sentido de que as populaes urbanas se viram obrigadas a se deslocarem para o meio rural e se agregarem em ncleos agrrios sob o comando de um proprietrio que lhes dessem proteo em um contexto de invases dos povos vindos do norte. O conhecimento ficou restrito aos que freqentavam os mosteiros, que se tornaram lugares privilegiados para o estudo, infelizmente, apenas uma minoria da populao tinha contato com o os livros, j que quase em sua totalidade no sabiam ler, incluindo nesse meio alguns clrigos. Esse perodo entrou para a histria como a Idade das trevas, principalmente na opinio dos iluministas. Perodo que se verificou certo

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Trata-se do estudo da doutrina crist baseada nos escritos dos padres no fim da Antiguidade.

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desaceleramento do processo iniciado na Antiguidade. Tornou-se tambm um perodo marcado pela submisso da razo F. Com a queda do imprio Romano, a Populao se retraiu. Os chamados civilizados cederam lugar aos brbaros. Nesse contexto a igreja passa a exercer manobras que visavam conquistar os chamados brbaros para a f crist. Vencendo esse processo, o cristianismo passa a presenciar a mistura da cultura helnica com as culturas dos hunos, vndalos entre outros povos, passou ento a surgir heresias4, o que levou a Igreja montar uma estrutura que barrasse tais distores da sua doutrina. A Escolstica que predominou durante toda a Idade Mdia que pode ser dividida em algumas fases, a mdia, a alta e a baixa Idade Mdia, serviu de base para que a Igreja combatesse os herticos e os pensadores saudosos da filosofia clssica dos gregos. Perodo este que, Reale e Antiseri (1990, p. 486. v. 1) assim dividiu,

[...] Parece conveniente distinguir quatro fases na Escolstica. A primeira [...] vai do sculo VI ao sculo IX, marcada por perodos de obscuridade cultural e decadncia moral, [...] a segunda fase, com momentos de instabilidades e redespertar, vai do sculo IX ao sculo XII: a poca da reforma monstica [...]: a poca das cruzadas [...]. A terceira fase, da urea Escolstica, abarca o sculo XIII [...]. A quarta e ltima fase, que encerra a escolstica e assinala o divorcio entre razo e f, se d no sculo XIV.

Durante todo esse perodo, a escolstica tentou conciliar a f e a razo, se afirmando em seus pensadores, e se baseando na lgica, procuravam provar a existncia de Deus, da alma, do inferno, levando a crer que a razo caminha como auxiliar da f. Alguns pensadores, dentre eles, Cassiodoro, colocavam a razo como uma ferramenta para uma melhor compreenso das sagradas escrituras, alm de defenderem que no poderia haver nenhum conflito entre as duas (a f e a razo). Esse ponto de vista influenciou toda escolstica. Fazendo com que os estudos ficassem restritos a teologia e em uma Filosofia voltada doutrina crist, desfazendo a idia de que a razo era adversria da f. Embora que a pesquisa deveria est sobre a tutela da religio, no podendo ir de encontro as verdades da f.

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Ao contrria a doutrina da Igreja.

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No perodo medieval alguns pensadores e filsofos procuraram demonstrar uma face crist, na qual a razo serviria a f e a filosofia serviria a teologia. A dogmtica5 e a exegese6 abriram um caminho para a racionalizao dos estudos referentes f; mas, mesmo assim, a razo no poderia inferiorizar a f, mas apenas auxili-la. Por isso a pesquisa feita de forma autnoma era vista com maus olhos por parte de alguns pensadores, j que toda e qualquer pesquisa necessitaria do aval da Igreja para poder ser publicada. Sendo que esses estudos deveriam buscar compreender e no negar os dogmas, conforme afirma Reale e Antiseri (1990, p. 482)

A pesquisa racional autnoma deve ser vista no quadro do problema religioso da conveno crist com base em argumentao racional. No basta crer: preciso compreender (interlligare) a f[...]. A utilizao dos princpios racionais primeiros platnicos e depois aristotlicos, era feita para demonstrar que as verdades da f no so disformes ou contrarias as exigncias da razo humana [...]

Seguindo por esse princpio, podemos entender porque a pesquisa cientifica eram to raras, sendo que a maioria eram referentes a teologia, a vida dos santos, estudos filosficos, em especial o estudo dos textos e fragmentos dos escritos de Plato e Aristteles. Cabia aos monges a tarefa de traduzir e interpretar a luz do Magistrio da Igreja, dando um posicionamento apologtico em beneficio da Igreja Catlica. No se pode afirmar que esse perodo, como qualquer outro, foi uniforme, no que se diz respeito ao modo de ver a f, ou mesmo com relao cultura. A maioria dos europeus no sabia ler em sua prpria lngua, e a pior, a maioria dos livros era escrita em latim, inclusive a Bblia, isso se verifica em Manchester (2004, p. 97) Embora se dissessem cristos, os europeus medievais desconheciam os evangelhos. A bblia s existia em uma s lngua que eles no sabiam ler [...] eles acreditavam em feitiaria [...] amuletos e magia negra. Nessa perspectiva, temos uma populao alheia a f que professam. Herdeira da religio de seus ancestrais, na qual a feitiaria, os objetos encantados conviviam harmonicamente como os princpios religiosos no meio popular. Sendo que esse modo de viver a religio seja fruto de uma mentalidade que desprezava a5 6

Estudo dos dogmas luz da razo. Estudo da Bblia luz da razo.

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razo, ento, para crer no necessitaria de grande esforo j que de acordo com Reale e Antiseri (1990, v.1, p. 501) No prlogo de Proslogian, Anselmo7 assim invoca a Deus:[...]. Eu no procuro compreender-te para crer, mas creio para poder compreender. Esse ponto de vista vai de encontro ao principio de s aquilo que se conhece que se pode acreditar. Principio este que era defendido por alguns estudiosos da poca. Assim, os estudos da poca continuaram a se basearem na teologia e na filosofia crist. Um grande estudioso desse conflito foi so Toms de Aquino (1221-1274). Em suas teses ele afirmava a superioridade da f com relao razo, j que uma pode servir a outra e Reale e Antiseri (1990, v. 1, p. 501) afirma que Portanto, a f melhora a razo assim como a teologia melhora a filosofia [...] assim como a f orienta a razo, no a elimina, sendo, portanto, necessria uma correta filosofia para ser possvel uma boa teologia. Toms de Aquino via essa boa relao entre a f e a razo, mas as coisas, na prtica estavam mudando. Em Manchester (2004, p. 385) Os lideres da cristandade, tanto catlicos quanto protestantes, demoraram a entender a ameaa que pairava sobre eles; enquanto isso, medida que o sculo XVI se transformava no sculo XVII, a ameaa da cincia tornou-se uma hidra. J que quanto mais cortavam as idias racionalistas mais elas cresciam, quanto mais se preocupavam em proibir livros, mais eles eram lidos s escondidas, mesmo com as dificuldades econmicas e culturais. A descrena nas academias passou a aumentar, chegando a afirmaes de que entre f e razo no poderia haver harmonia j que tudo o que for relacionado a razo deve ser tratado pela razo enquanto tudo o que for referente f deve ser tratado exclusivamente pela religio. O fim da Escolstica, como tambm com o fim da Idade Mdia, fez com que surgissem grupos que passavam a defender claramente a unio entre a f e a razo. Muito embora que alguns tericos atuais vem o fim da Idade Mdia como um perodo em que muitos pensadores se auto-enganavam, achando que tinha f, enquanto no fundo duvidavam, ou simplesmente tinham medo de se tornarem incrdulos publicamente. J que era dificultoso viver fora da sombra da Igreja.

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Santo Anselmo de Aosta (1033-1109)

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Que segundo Manchester (2004, p. 388)

Os adoradores querem acreditar e na maioria das vezes se convencem que acreditam; mas difcil exterminar a dvida. A sociedade secular torna isso mais difcil. Mais difcil ainda o sentimento de perda, a conscincia de que a serenidade da f medieval e a certeza da glria eterna se foram para sempre.

Mas bom lembrar que o processo de dvida da f no atingiu a todos, da mesma forma, j que enquanto uma pequena parte da populao estava em busca de respostas, pesquisando e tentando apontar caminhos, a maioria da populao continuava com a sua f tipicamente popular e os tericos a favor ou contra a Igreja arrastariam as discusses para a Idade Moderna.

1.3. Em busca da luz: a negao

1.3.1- Idade Moderna

O desejo de estudar e entender os pensadores da Antiguidade, em especial os filsofos gregos, tomou de conta do tempo de alguns homens de uma Europa mergulhada na tentativa de renovar. Parece at uma contradio, mas a histria nos mostra que seria necessrio ser feita uma visita e um mergulho no que restou da sabedoria dos antigos, para depois se dedicar de fato ao tempo presente. Esse perodo foi denominado de Idade Moderna pelos estudiosos posteriores a esse perodo. A Idade moderna tambm ficou conhecida como Idade das Luzes, numa aluso a Idade Mdia, que para os renascentistas era a Idade das Trevas. A Idade Moderna foi uma tentativa de resgate do homem, colocando-o de volta como objeto de pesquisa nos estudos e reafirmando a importncia do homem para a cincia e para as artes, alis, tentou resgat-lo colocando-o no centro das discusses filosficas, era o antropocentrismo. Iniciou a partir da uma espcie de introspeco, um voltar-se para dentro de si, inspirado na essncia do pensamento greco-romano, possibilitou rupturas, tanto de ordem social, quanto de ordem religiosa.

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Neste perodo as rupturas existentes de ordem religiosa aumentaram as diferenas entre a f e a razo. O que chegou, inclusive, a despertar a ira de Lutero, que passou a condenar a razo, elegendo-a como a maior inimiga da f J que segundo Lutero apud Manchester, 2004, p. (159) a razo a maior inimiga da f; ela luta contra o mundo divino, tratando com desprezo tudo que emana de Deus. Esse confronto fez com que a humanidade repensasse diversos conceitos presentes na sociedade, conceitos esses que iriam desde a ligao f e razo e at mesmo a relao do homem com o mundo. Sendo inimiga da razo, a religio passou a combat-la utilizando-a para reforar as suas prprias idias. Mesmo com as criticas presentes nos debates com relao da Idade Mdia, se torna inevitvel dizer que a Idade Moderna andou com alguns conceitos da Idade Mdia, no podendo assim desprezar as conquistas muito menos apagar um perodo de nossa histria, mas sim procurar compreender os mecanismos que interagem e fazem com que discusses presentes na Idade Mdia, continuam na Idade Moderna e cheguem a atualidade com as mesmas polmicas. Se de um lado a Igreja v na cincia uma inimiga, do outro lado, os iluministas, vem na f uma espcie de barreira, quase intransponvel, que impede a humanidade de pensar, ou mesmo, a consideram como uma espcie de concorrente, segundo Gonsales (2005, p. 42) [...] essa noo de humanismo enxerga em Deus uma espcie de concorrente do individuo, uma barreira para a liberdade e a plena realizao humana. Essa liberdade se diz respeito s pesquisas, que para alguns cientistas e at mesmo pessoas leigas, a religio passa a ser uma espcie de lembrete moral, na qual vem sempre a noo de culpa. Para os pesquisadores da Idade Moderna, a religio vinha como um poder que se tinha que obedecer, para se livrar de futuras penas, ou at da morte. Nesse rebolio de mudanas, no se pode deixar de fora a questo da reforma religiosa protestante, que marcou a mudana, do ponto de vista, centrado na Igreja catlica, e passou para uma fase de reajuste religioso, afinal, apareceram pessoas que tiveram a coragem de afrontar diretamente a Igreja catlica. Mas esses movimentos reformistas vieram recheados de vrios conceitos e de preconceitos marcados numa mentalidade com bases no pietismo8 ou mesmo em um fideismo9

Movimento de renovao religiosa protestante, posterior a Reforma. Identifica-se pela luta contra a ortodoxia protestante, tendo como finalidade promover a individualidade e uma f pessoal. 9 Movimento de reao razo, relegando a f o nico meio de se chegar ao conhecimento religioso.

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que se tornavam uma barreira no mundo protestante contra a razo que no dava margem ao dialogo. Cada qual buscava defender o seu ponto de vista a seu modo e mtodo, no medindo, s vezes, conseqncias. Embora que os protestantes tiveram que se adaptarem e se renovarem, deixando de lado um pouco do pietismo e abraando alguns ideais iluministas para que pudessem ser aceitos pelos racionalistas. Que de acordo com Lacoste (2004, p. 1484)O rm [racionalismo] protestante recebe sua forma acabada com os telogos neologos (...). A f numa revelao permanece, seus dogmas, todavia no podem ser mantidos a no ser passado pela prova da razo e da conscincia moral.

Esse racionalismo, que os protestantes tentaram abraar, teve como conseqncia bsica o desprezo dos conceitos catlicos com relao aos santos, a me de Jesus, procurando dessa forma agradar uma parcela da populao, mas no se pode afirmar que os ideais racionalistas abraaram a todos, algumas igrejas a comearem a dividir-se, como ainda hoje comum. Os ideais iluministas, que inspirados na frase de Protgoras apud Macedo (2003, p. 107) O homem a medida de todas as coisas, passaram a influenciar nas pesquisas do homem com relao ao ambiente em que ele vivia, sua mentalidade passou de uma atitude exterior para uma voltada para o interior. Quanto religio, os pesquisadores no viam com maus olhos a essncia das religies, mas criticavam a intolerncia e as supersties, viam a razo como um guia da f, um orientador, para que a f no casse em erros. Conforme Reale e Antiseri (1990, v.2, p. 676)E tarefa da razo iluminar as trevas das religies[...]. Ecrasez I infame! 10 esse foi o grito de guerra de Voltaire , no contra a crena em Deus, mas sim, como dizia ele, contra as supersties, a intolerncia e os absurdos das religies positivas.

Essa funo, de iluminar conceitos que dominaro a Idade Mdia fez com que surgisse o termo iluminismo. Embora que a palavra iluminismo s venha surgir nos sculos seguintes. Esse movimento, mais cultural que cientifico vinha mergulhado na vontade de conhecer partindo do principio de que se devia negar tudo que se dizia respeito ao perodo medieval. No se pode descartar que no10

Franois-marie Arouet, VOLTAIRE (1694-1778).

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iluminismo existiu uma semente de atesmo, mas ao mesmo tempo esses que se diziam ateus acreditavam em alguma divindade, esse desmo11, estava presente em quase todos os discursos filosficos. Que de acordo com Reale e Antiseri (1990, v.2, p. 676)

Existe, portanto, uma tendncia atesta e materialista no interior do iluminismo. Mas isso no deve nos fazer esquecer que o iluminismo substancialmente permeado de desmo, isto , uma religiosidade racional natural e leiga qual se vincula uma moralidade laica.

A Idade Moderna, embora seja, considerada como um marco na histria do pensamento ocidental, no Renascimento, a humanidade e os cientistas estavam ainda com fortes influncias da Idade Mdia; no era ter o homem como o centro do universo (Antropocentrismo), mas era o perodo em que o homem estava margem com o pensamento no centro do universo. Limitado apenas medida de si mesmo. Ai se vem a pergunta, ser que houve um renascimento? Que Marques (2004, p. 13) afirma [...] Renascimento, bem ao contrario do que o seu nome sugeriria, um dos perodos mais profundamente ancorados em angustias escatolgicas e em uma filosofia pessimista da histria, [...]. Ento a Idade Moderna, mesmo com erupo de idias, o progresso ficou apenas restrito a uma parcela da populao, isto , entre os filsofos e alguns que detinham o poder econmico e cultural. A grande parte da populao continuou com sua f profunda, repleta de crenas supersticiosas, ligadas num mundo mgico, apenas isso lhes satisfazia, longe dos grandes filsofos, que apenas maculava o nome de Deus.

1.4- A concretizao e a negao

1.4.1- Da Revoluo Francesa ao Sculo XX

Uma parte dos ideais iluministas foi concretizada com a Revoluo Francesa, dentre os quais, a idia de um Estado sem a tutela da Igreja, ou mesmo o possvel banimento da religio, passando por um rpido momento filosfico de

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Desmo: rejeitam a revelao divina, mas acreditam em alguma divindade.

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valorizao da concepo pantesta12 sobre Deus e uma procura pela valorizao da pesquisa cientifica, ou mesmo, pelos altos e baixos das cincias humano-sociais. Deste perodo, rico em pensadores, seguindo o pensamento pantesta pode ser citado o filosofo Johonn Wolfgang Von Goethe. Que para Reali e Antiseri (1990,v.3, p. 41)

A sua [Goethe] concepo de Deus predominantemente pantesta, mas sem a rigidez dogmtica. Com efeito, ele disse ser politesta como poeta e pantesta como cientista, mas acrescentou ter espaos, pelas exigncias de sua pessoa moral, tambm para um Deus pessoal.

Neste perodo notrio o que os pensadores como Goethe no se fixavam em apenas um ponto de vista, mas sim procuravam os mais diversos conceitos a fim de formar o prprio. Nisto que se distingue este perodo dos demais. A averso ao cristianismo se tornou evidente (no de uma critica direta a f, mas, a principio, era mais uma crtica a instituio que a representava); a Igreja Catlica representava o antigo regime, a monarquia, isto para os revolucionrios seria inconcebvel, j que era tolerar um organismo com caractersticas monrquicas em um Estado republicano. Foi pregada a idia de uma religio que valorizasse a razo, sendo que todo aquele que fosse de encontro as verdades dos revolucionrios corriam o risco de parar na guilhotina. O perodo do terror da Revoluo francesa foi o que mais bem caracterizou este perodo, que para Comby (1994, p. 94) A averso pelo cristianismo e o desejo de destru-lo atinge seu auge durante o terror [...] o calendrio republicano, destruio dos edifcios religiosos, [...] culto da razo. Essa averso tinha como base o princpio de que deveria se eliminar tudo aquilo que pudesse minar a revoluo. Indo de encontro a super valorizao da razo, passou-se a criticar a razo pura, alguns cientistas e pensadores, dentre eles Karl Leohard Reinhold (17581823), que acreditavam que fosse apenas uma razo preparatria, que necessitava de maiores estudos para se chegar a verdade. Na procura de respostas a respeito dos problemas que envolviam a cincia e a f, alguns filsofos passam a conceber a f como algo que poderia se tornar uma12

Teoria que prega que Deus est presente em todo o universo, ou seja, nas coisas criadas.

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cincia, neste momento o filosofo Georg Wilheem Friedrich Hegel (1770-1831), procura enxergar a religio como sendo uma cincia filosfica, numa tentativa indireta de conciliar a filosofia com a religio. Conforme Reale e Antiseri (1990, v.3, p. 168)A filosofia tem o mesmo contedo, mas tambm dissera que a religio expressa esse contedo na forma de representao, ao passo que a filosofia o expressa na forma de conceito. [...] o verdadeiro contedo da religio devia ser retomado pela filosofia, transformando em conceitos, desaparecer enquanto verdade religiosa e torna-se razo filosfica.

Hegel s queria confirmar que tudo poderia se visto sobre uma perspectiva racional, desprezando assim as particularidades que a f apresenta, tais como aquilo que se diz respeito ao transcendente que no se pode provar materialmente, muito embora que Feuerbach (1804-1872) afirmava segundo Reale e Antiseri (1990, v. 3 p. 167) O atesmo [...] uma nova forma de humanismo, sendo que [...] a religio fato humano. Com Karl Marx (1818-1883) foi reforada a idia de uma religio que cultuasse a razo, muito embora que para ele a religio poderia ser vista como algo imaginrio, tendo por isso que ser abolido, para que se d lugar a uma religio plena, j, que para ele, a f no passa de iluso. Conforme Reale e Antseri (1990, v. 3, p. 192)Existe um mundo fantstico dos deuses porque existe o mundo irracional e injusto dos homens [...] Marx no ironiza o fenmeno religioso: a religio no para ele a inveno dos padres enganadores, mas muito mais obra da humanidade sofredora e oprimida, obrigada a buscar consolao no universo imaginrio da f.

O surgimento das idias de religio, f e Deus, partiram da necessidade da humanidade de buscar um conforto ou mesmo uma explicao pra os males que vinha sofrendo, sendo assim, para Marx, para eliminar os deuses seria necessrio acabar com as injustias presentes no mundo, recriar um mundo livre de toda a opresso, ou seja, ele sonhava um mundo utpico, um paraso terrestre. Mas coube a Friedrich Nietzsche (1844-1900) decretar a morte de Deus, e acusa o cristianismo de ser contra a vida, e concordando com Marx, j que ele via no medo o motivo para o surgimento dos deuses, alm de ver na crena em Deus uma barreira para a humanidade, j que para ele acreditar em Deus entregar a vida para que o outro opine sobre ela.

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Que para Nieto (2004, p. 31)[...] O antiteismo de Nietzsche, radical e indiscutido desde os anos da universidade: crer em Deus significa permitir que outro me guie, me diga o que devo fazer, dite as leis da minha vida, marque o rumo dos meus passos. [...] que me impede de viver a minha vida, de tomar minhas prprias decises e de criar os meus prprios valores. [...], ento Deus torna-se inimigo de minha vida, de qualquer vida, e deve ser, no apenas esquecido, mas morto. Matar Deus afirmar a minha vida, vida que eu perderia se acreditasse nEle,

Conhecido como o Profeta da Morte de Deus, Nietzsche, passa a criticar abertamente o cristianismo, vendo que se livrar dos conjuntos de normas da f, ela tomaria decises, que se acaso acreditasse no as tomaria, sendo assim para ele a religio se torna um empecilho em sua vida, numa concepo tpica entre os pesquisadores de sua poca. No Conclio Vaticano I, ficou claro que sua inteno seria a rejeio da idia da soberania da razo sobre a f, embora que no a descarte plenamente, voltando a idia de que a razo apenas uma auxiliar da f j para o Conclio segundo Zaghen (1999, p.155) No existe duas verdades. Sendo assim, se a razo no concorda com a religio se torna mentirosa, problema que s comeou a se resolver a partir do Concilio Vaticano II, que se tornou a clara a separao dos procedimentos na busca da verdade, demonstrando que poderia a f conviver com a razo, despertando o interesso pelo estudo da Teologia, da Exegese como tambm da Filosofia. No transcorrer do sculo XX, a humanidade presenciou um acelerado progresso das cincias, e um rpido desenvolvimento de tecnologias, muito embora que ficou claro que a cincia no poderia responder tudo, ela tambm limitada, passando a haver certa descrena com relao a ela, afinal, a cincia era passvel a erros. Nesse momento a cincia cai do seu altar e passa a ser vista com um olhar mais crtico. O sculo XX, com suas Guerras, o surgimento de armas nucleares a humanidade passou a cobrar da cincia uma tica humanitria que dessem vez ao progresso, surgindo nesses debates relao Cincia/tica/F. A tica passou a se tornar o ponto divisor entre de ligao e ter a religio e a cincia, na qual foram relacionados a assuntos que dentre os quais se destacam o aborto, a eutansia e a concepo in vitro, com debates que se arrastaram para o sculo XXI.

CAPTULO II

2- A CONSTRUO DA F E DA CINCIA A PARTIR DA TICA

A f, que no mundo globalizado em que vivemos, assume um papel de intercambio entre diversos povos. comum, em manchetes de jornais, a vermos como piv de muitos acontecimentos, ora ela pode provocar o dio ou mesmo guerra entre povos, ora ela pode unir os povos em torno do bem comum, ou mesmo em torno de si prpria. bastante claro, neste tempo em que vivemos, o interesse dos povos em conhecer os mais diversos tipos de culturas, no ficando, assim, centralizada em sua prpria crena. Muitas dessas trocas de culturais acarretam um enriquecimento cultural, ou mesmo um empobrecimento da mesma. O papel que a f desempenha na cultura, e no s nela, mas tambm, na sociedade que faz despertar algumas concepes baseadas em crenas que no se tem uma prova material, que vo de encontro com a lgica e com a razo. A cincia, que busca o aperfeioamento da humanidade, no admite hipteses improvveis, a exatido o seu objetivo. Porm, percebe-se que a f por si prpria algo presente em todos os seres humanos, j que homem necessita crer, mesmo que seja em si prprio. Ento no se pode desprezar a religio j que ela vem carregada de valores culturais que a sociedade, de acordo com Pessini (1999, p. 318)[...] Mesmo quem rejeita as religies tem que lev-las a serio como realidade social e existencial bsica. Elas tm a ver com sentido e no-sentido da vida, com a liberdade e a escravido das pessoas, com a justia e a opresso dos povos, com a guerra e a paz na histria e no presente.

evidente que sendo um objeto de estudo bastante complexo e propcio ao surgimento de grandes conflitos. Fica tambm claro, no texto supra citado, que a f, atravs da religio tenta assumir um papel de controladora da sociedade. Produzindo assim embates infindos. J que cada grupo tenta defender suas idias e credos. Nesses embates, nota-se que, na atualidade, sobressaem-se aqueles de ordem, que podemos chamar de prticos, j que os debates procuram questionar o

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que pode e o que no pode a cincia fazer? Qual o limite da medicina? At onde iremos chegar? Procurando responder esses questionamentos insere-se outro componente entre a f e a razo, a tica, que assume um papel de mediador entre ambas. Sendo comum o uso do termo Biotica para definir as questes relacionadas a assuntos que mexem com a vida humana, tais como o experimento e a utilizao das clulas-tronco. Tendo como base idia de que a cincia necessita de provas, como conceber que exista uma possibilidade de convivncia? Ou mesmo, como se pode afirmar que os possveis elos entre a cincia e a religio esto definitivamente cortados? Muitas perguntas como estas podem surgir em uma analise sobre esse tema. Muito embora, que muitos questionamentos ficam sem respostas, devido ser um assunto em continuo desenvolvimento, necessitando tambm de constantes estudos e debates.

2.1. Eu Creio, Tu Crs, Ele Cr. Pra qu Acreditar?

Ter f hoje se revela como uma opo de algum, por algo ou algum em que se tem confiana. Muito embora, que se deve notar, que ela se encontra em intima ligao com o desconhecido, levando a humanidade a buscar respostas na religio (religare = ligar) que se torna um elo entre o humano e o divino. Acreditar, se torna, num contexto humano, uma tentativa do homem atravs de sua crena em Deus, ou em outros, construir o seu prprio eu, num processo de busca do Outro em funo de si prprio, alm do mais a f num contesto de acreditar no outro faz com que tenhamos confiana, primeiramente em ns mesmos. Segundo Libanio (2001, p. 27):O processo da f se faz no duplo movimento da construo do nosso prprio eu e do acolhimento do dom do chamado de Deus para apostar num tipo de vida. A f se experimenta como construo e aposta em Deus. No so duas coisas. So duas faces de uma experincia nica.

Nesse contexto pode-se entender a f como algo to humano quanto divino. Enquanto humana, ela pode mudar algumas caractersticas culturais, sociais e econmicas do individuo. Muito embora que a mesma tenha uma origem

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transcendental, mas, o ser religioso presente no homem mais do que algo adquirido pela cultura, muito embora que o individuo isolado da sociedade no desenvolva ou passe a acreditar em religio a ou b, mas esse individuo passa a cultuar nem que seja a sua sombra j que o homem um ser religioso ou por natureza ou por vocao como afirma o Compndio do Catecismo da Igreja Catlica (2005, p. 21)O prprio Deus, ao criar o homem prpria imagem, inscreveu no corao dele o desejo de o ver. Ainda que esse desejo seja com freqncia ignorado, Deus no cessa de atrair o homem a si para que viva e encontre nele a plenitude de vontade e de felicidade que procura sem descanso. Por natureza e por vocao, o homem , por tanto, um ser religioso, capaz de entrar em comunho com Deus. Essa intima e vital ligao com Deus confere ao homem a sua fundamental dignidade.

Pode-se perceber que mesmo possuindo aspectos divinos e naturais, ela se apresenta atravs do cotidiano, por isso, fala muito mais do cotidiano em que o fiel vive e pratica a sua religio. Nesse contexto esse ato de acreditar singular em cada cultura e pas que se estudado. Se levarmos em conta o tamanho do Brasil, veremos que a prtica da f assume caractersticas variadas, repletas de regionalismos e religiosidades populares. Essa religiosidade, em muitas ocasies, pode se tornar um meio pelo qual o fanatismo pode nascer. Est longe de ser um movimento esttico, mas sim dinmico, ao ir de encontro, em muitas ocasies, com a razo. Mesmo com a necessidade de fixar bases em algo que a fundamente, numa tentativa de racionaliza-la, a humanidade, mesmo com o avano da cincia, procura respostas a respeito de si e do transcendente. No se pode negar que a f seja um dos determinantes do carter humano, que em muitas ocasies se torna uma espcie de ponto de apoio, na qual no se pode desligar do fato de que quanto mais se crer, mais se existe a necessidade de conhecer, caso contrario, uma simples crena pode se tornar uma tragdia tanto social quanto religiosa. Exemplos no faltam, basta olharmos para a antiguidade, para a Idade Mdia (principalmente), Idade Moderna e a nossa volta, estamos rodeados de exemplos de intolerncia e de fanatismo. No sculo XX, quantos guerras foram creditadas a questes religiosas no mundo? So incontveis, ao passo que a humanidade se v despreparada para enfrentar o futuro, busca solues muitas vezes equivocadas e que conduzem a momentos de violncia. Mas sabemos que

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essas tragdias so efetivadas quando se quer que algum acredite por fora de coeso e de violncias, tanto fsicas quanto morais, ento, para evitar essa violncia, o crer e o conhecer tem que andar juntos. Segundo Barbosa (2003, p. 57) A f, em primeiro lugar, um ato existencial, um abandonar-se nas mos de Deus; mas ela pode tambm ser considerada objetivamente, como um conhecimento sobre Deus e seu plano salvfico. Na maioria das vezes abandonar-se nas mos de Deus interpretado como uma entrega inconsciente e sem embasamentos, como popularmente se fala um confiar s cegas. Do contrrio, acreditar dar uma resposta consciente e embasada em algo concreto, mesmo que esta resposta da f se d de forma interior, j que um ato existencial, por isso, no se pode ser tratado como algo subjetivo. Mas para muitos estudiosos, que se dedicam ao estudo das religies em seus mais diversos aspectos, e at mesmo para alguns cientistas de tantas reas humanas e biolgicas, entre outras reas do saber, a questo que gera continuas polmicas, que a f se baseia em crer, sem mesmo ter visto, j que nessas circunstncias o testemunho no digno de confiana (levando em conta que a mesma, embora social, tem um carter intimo); ento entra em choque f e razo, j que de acordo com Lacoste (2004, p. 727): O motor da f (seu objeto formal) a autoridade de Deus que [se] revela; por haver livre obedincia que a f. Consentimento em crer quando no se v. Mesmo se configurando como uma autoridade de Deus sobre o individuo, no se deve entender que essa autoridade se manifesta de forma tirnica, mas de um jeito que respeita a cada um, j que uma resposta pessoal. Segundo o Catecismo da Igreja Catlica (2000, p. 55)A f um ato pessoal: a resposta livre do homem iniciativa de Deus que se revela. Ela no , porm, um ato isolado. Ningum pode viver sozinho. Assim como ningum pode viver sozinho. Ningum deu a f a si mesmo, assim como ningum deu a vida a si mesmo

Este carter comunitrio imprescindvel na constituio do ser humano. A f, que no deixa de ser uma atividade social, vem alicerada em teorias que regem determinadas aes. Algumas atitudes de fiel proveniente de uma espcie de tradio, que se passa de pai para filho, caracterizando desta forma, em algumas ocasies, ela aparece como algo hereditrio. No sendo incomum rompimentos, j

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que a mesma uma atitude pessoal e muitos no do continuidade aos costumes e tradies familiares. Neste mundo, contemporneo, em que a tecnologia avana constantemente, aparecendo a cada dia mais novidades, surgem diversos questionamentos, tais como: Ser que a f, a religio tem espao num mundo que cobra constantes mudanas? Muitos tentam responder, mas o certo que a resposta vem a cada dia. No estamos mais no mundo da Religio, mas no mundo das religies, no estamos mais no mundo da crena, j so to difusas, podemos dizer que estamos no mundo dos mais diversos credos. Nesse espao confuso, em que se tornou o ambiente da religiosidade, coloca-se, a cada dia, e cada vez com mais intensidade o fator razo. Nossa sociedade no quer mais sofrer, como faziam os penitentes da Idade Mdia, hoje se pergunta; qual o sentido da autoflagelao, da penitencia no mundo das facilidades, da boa vida. Ento se coloca em cheque a opinio da igreja, quando ela passa a criticar algumas atitudes de alguns cientistas, que muitas vezes fazem a humanidade pensar, se igreja deve opinar sobre assuntos biolgicos e sobre a medicina, mesmo utilizando a tica como instrumento de luta.

2.2. O Preo de uma Vida

Nossa existncia permeada de momentos felizes e tristes. O ser humano no est apto para encarar o sofrimento como algo natural, nem pode. Mesmo sabendo que nossa vida, do ponto de vista biolgico limitada: nascemos, crescemos e morremos. No paramos de buscar meios que perpetue nossa permanncia aqui na terra, o sonho da imortalidade, to decantada nas mais diversas mitologias, e como tambm, pelos poetas contemporneos. Nessa busca de mecanismos, a biotecnologia no para de evoluir, desde a procura da fonte da eterna juventude at os dias de hoje, com a possvel clonagem humana. Mas h um entrave que podemos chamar de tico, ou biotico, na qual podem surgir diversas perguntas, do tipo qual o limite tico das cincias para salvar uma vida? Podemos matar o outro para que possamos salvar uma outra

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vida? A partir de que momento a vida para a existir de fato? As respostas, em sua maioria, diferem de acordo da pessoa que est sendo indagada, demonstra uma certa subjetividade. No se pode afirmar, quem que est com razo, no esse o objetivo deste estudo, mas deviemos ter em mente que se torna de grande importncia lanar sementes para um debate fundado na tica e na perspectiva do dialogo sobre temas biotecnologicos. No ficando no desespero de achar respostas prontas, j que temos a vida como um bem inestimvel, e cabe a ns defende-la.

2.2.1. O principio da vida

Para se estudar a polmica gerada em torno das clulas-tronco, se faz necessrio fazer uma anlise sobre a pergunta, que marca toda essa discusso: Quando se inicia a vida humana? Parece uma pergunta simples, mas de uma resposta complexa e que vem sendo discutida desde a Antiguidade. Hoje, essa pergunta toma um novo corpo, ela se torna mais desafiadora. De um lado aqueles que defendem o incio da vida com o momento da fuso dos gametas; outros defendem que a vida humana s existe aps o nascimento, fora outras opinies. O impasse est sendo gerado devido a essa polmica questo, sobre o uso das clulas-tronco embrionrias. Analisemos a tabela que LINO; GUERRA (Set. 2005) que nos apresenta:

INCIO DA VIDA BIOLGICA Tempo decorrido Caracterstica 0 minuto 12 a 24 horas 2 dias 3 a 6 dias 6 a 7 dias 14 dias Fecundao fuso de gametas Fecundao fuso pr-ncleos Primeira diviso celular Expresso do novo gentipo Implantao uterina Critrio Celular Genotpico estrutura Divisional Genotpico funcional Suporte materno

Clulas do indivduo diferenciadas das Individualizao

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clulas dos anexos 20 dias 3 a 4 semanas 6 semanas 7 semanas 8 semanas 10 semanas 12 semanas 12 a 16 semanas 20 semanas Notocorda macia Incio dos batimentos cardacos Aparncia humana e rudimento de todos os rgos Respostas reflexas dor e presso Registro de ondas eletroencefalogrficas Movimentos espontneos Estrutura cerebral completa Movimentos do feto percebidos pela me Probabilidade de 10 % Neural Cardaco Fenotpico Sencincia Enceflico Atividade neocortical Animao Viabilidade

LINO, Maria Helena; GUERRA, Rodrigo. O inicio da vida humana: uma abordagem tica e jurdica da utilizao de clulas-tronco embrionrias. Disponvel em: acesso dia 18 de setembro de 2005.

Podemos perceber que os critrios elaborados para definir o momento exato do inicio da vida, em quanto ser humano, so vrios, nota-se tambm que em cada etapa que defendida, se na fase celular (defendida pela Igreja), se neural e enceflico (defendido por alguns cientistas) os critrios so subjetivos, j que os mesmos, em muitas ocasies, podem parecer fruto da cultura e do momento em que se est sendo pesquisando. Dentre estes o mais aceito seria o critrio celular, no s pela Igreja catlica, mas tambm por muitos bilogos e pesquisadores. Tornando-se assim uma verdade defendida a todo custo, j que envolve diversas questes, no apenas as clulas-tronco, como tambm o aborto (que no nosso objeto de estudo). Quanto ao inicio da vida no se chega a um conceito claro, mas um dos documentos da Confederao dos Bispos do Brasil (CNBB) (2005, p.121) salienta:Para justificar todo tipo de manipulao gentica e embrionria, volta-se sempre de novo ao argumento de que o vulo fecundado ainda no vida humana. Nessa pressuposio apresentam-se vrias teorias sobre o incio da vida humana. Hoje torna-se sempre mais claro que a vida humana tem inicio no momento da fecundao ou da concepo. O que ocorre aps a fecundao so desdobramentos, que, alis, s terminam na hora da morte. verdade que o embrio se encontra na fase inicial da existncia. Mas a dignidade no se vincula a esta ou quela fase da vida: ela inerente condio humana. Se assim no fosse, estaramos abrindo as portas para

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todo tipo de arbtrio, onde os mais fortes decidiriam pela sorte dos mais fracos.

Nesse caso, a vida no vista em partes, mas num todo, isto , cada fase apenas uma etapa a ser seguida, mas em cada etapa a vida e a dignidade humana est presente. A cincia quanto promotora de pesquisas procura ver o sujeito em parte, buscado classificar a vida a depender da fase em que se o objeto de pesquisa se encontra. Fora esse debate, nota-se que nossa sociedade no chegou, e possivelmente to cedo chegar a um acordo a respeito deste assunto, por enquanto as respostas se tornam subjetivas, j que como visto na tabela acima, existe diversos critrios e cada um passa sugerir outro. Ou mesmo com um forte apelo doutrinrio, j que normalmente se utiliza deste meio para justificar sua posio perante os assuntos ditos contrrios a vida. Mas de forma lcida Guimares juntamente com Piovesan (setembro de 2005) apresentam-nos uma pista para um estudo sobre o inicio da vida.A cincia traz uma definio para a morte e no para a vida. [...] Quanto ao incio da vida, no h definio cientifica. Sob o prisma da moral Catlica e crist, a vida considerada sagrada desde a concepo. Somam-se, no entanto, outros entendimentos, que sustentam que o inicio da vida ocorre com a implantao do embrio no tero; com a formao do sistema nervoso; a partir do 3 ms; [...]; ou apenas com a vida extra uterina (como, por exemplo, acredita o judasmo) todas as religies convergem no absoluto respeito ao valor da prpria vida e no modo como seu valor intrnseco h ser desenvolvido e potencializado

notrio que nos preocupamos mais com a morte do que com a vida, isto est estampado diariamente nos noticirios, ultimamente vem se tornando comum nas religies, meios de comunicao, setores mdico e cientfico, como tambm entre polticos o debate a respeito do momento em que a vida passa a existir, notase tambm que esses debates convergem, como o texto supra citado bem coloca, como um valor essencial. Nesse buscar por respostas, se torna cada vez mais confuso, no s no campo das cincias biomdicas ou no campo da moral religiosa, mas na esfera poltico-judicial. Quando foi aprovada a lei de Biosegurana (11.105/05, de maro de 2005) o Procurador Geral da Repblica, Cludio Fonteles, entrou no Supremo Tribunal Federal com uma ao direta de inconstitucionalidade contra alguns artigos que tratam das clulas-tronco da lei da Biosegurana, o que gerou um certo

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desconforto para os defensores da utilizao das clulas-tronco embrionrias e entusiasmo para aqueles que so contrrios. E de acordo com Melar (2005, 18 de Setembro):Os bilogos so quase unnimes em afirmar no existir definio cientifica formal para quando comear a vida. Existem 16 critrios viveis [ver tabela acima] para definir o inicio da vida alguns cientistas sustentam no existir vida fora do tero, portanto, os embries congelados, fertilizados in vitro, no estariam caracterizados como seres vivos.

Percebe-se que esse debate, sem respostas concretas est envolto da moral crist, em torno do tema, enquanto os cientistas procuram provas para firmar quando se d o momento do incio da vida, no existem respostas claras, j que fundamenta em suposies, e at supersties a respeito. O certo que se tem tornado uma celeuma, tanto para alguns catlicos, quanto para alguns movimentos que defendem o uso das clulas-tronco embrionrias.

2.2.2 Um dilema a ser pensado: as clulas-tronco

Buscamos a felicidade e meios que facilitem a nossa vida. Como se voltssemos no tempo, temos diante de nossos olhos, cientistas buscando a fonte da eterna juventude, isto , a eternidade, onde a dor seja apenas uma lembrana guardada em, algum museu, j que segundo Brauner (Jul. 2005)O grande desfio enfrentado pela biotica conciliar o saber humanista com o saber cientifico. Na busca da felicidade do ser humano. Afinal parece ser este o objeto de desejo que buscamos da cincia: a realizao de nossas expectativas de vida longa e saudvel.

Para manter essa vida sem sofrimento, os cientistas nos apresentam as clulas-tronco como um meio capaz de regenerar o que estava perdido, dando assim, nem que seja uma esperana de dias melhores para alguns portadores dos mais variados problemas que atinge a humanidade. Mas o que gera polemica, no se as clulas-tronco salvam ou no; muito embora que alguns cientistas colocam que as clulas embrionrias podem provocar cncer, de acordo com Batista (2005, p. 18)

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Pouco se sabe a natureza dessas duas clulas [embrionrias e adultas]. Acredita-se que as de embries sejam mais plsticas, ofeream mais opes para obter uma terapia celular. Mas, por outro lado, sabe-se que so tumorignicas (geram tumores). J as adultas, so teoricamente menos plsticas mas os resultados que tivemos em pacientes foram surpreendentes, o que indica que elas so muito mais plsticas do que antes se acreditava.

A Dra. Cludia (biloga, mestre em Histologia pela Universidade de So Paulo, e doutora em Neurobilogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Ps-doutorado em Biologia das clulas-tronco pela university of Toronto, Canad) nos apresenta mais uma problemtica a respeito das clulas-tronco, antes a discusso era a respeito da tica e da moral crist, agora a questo outra, ela pode salvar vidas, mas, pode tambm prejudicar. Tratando-se de uma questo que existe poucos estudos a respeito, est se tornando mais propagada do que questionada. Ultimamente, a mdia est em continua propagao de informaes sobre os benefcios teraputicos do uso das clulas tronco embrionrias. Grupos de portadores de algumas deficincias fsico/mental se unem em um clamor para que tais pesquisas sejam liberadas, sem, em muitos casos, saberem que tal uso pode acarretar uma problemtica maior. O possvel surgimento de cncer no paciente que venha a ser tratado com essas clulas embrionrias, o que segundo Dra Cludia, no ocorre em clulas adultas. A Igreja parece gritar: no, antitico, numa tentativa de barrar o que ela chama de desrespeito a vida, esse grito vem acompanhado de organizaes humanitrias, cientistas que colocam a questo da tica como balizador da prtica cientifica, classificando o uso das clulas-tronco embrionrias como um atentado a tica, a humanidade. Para a resoluo da problemtica que envolve a utilizao, ou no, dessas clulas, de suma importncia o esclarecimento da populao, em todos os seus nveis e classes. J que com orientaes seguras, a mesma poder, ou no, decidir quem est com a razo, buscando atravs de debates claros e precisos, esclarecer os aspectos morais, religiosos, jurdicos, cientficos. Debate este que busque ouvindo todos os interessados o lanamento de caminhos a ser seguidos pela sociedade fundada na tica. J que de acordo com Goldim (julho de 2005)

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O esclarecimento da populao sobre os aspectos sociais, legais e tcnicos das clonagens teraputica e reprodutiva exatamente importante. Seja para fins reprodutivos ou pra fins teraputicos o processo o mesmo. A clonagem teraputica teria dois agravantes: 1) os embries gerados seriam obrigatoriamente mortos, com finalidade de serem obtidas as clulas-tronco desejadas; 2) existem duas linhagens, no embrionrias, que poderiam ser utilizadas.

Mas, o que mais acontece, nas informaes veiculadas na imprensa so pouco trabalhadas, j que so jogadas sem a mnima reflexo, levando a populao a um clima de duvidas, ou mesmo reacendendo diversos preconceitos a respeito das instituies religiosas ou mesmo sobre cientistas. Sendo assim, de vital importncia, o estudo e o lanamento de resultados seguros, j que quando se fala em clulas-tronco embrionrias no podemos afirmar que temos resultados concretos, j que ainda, tais pesquisas se encontram em fase de, do que podemos chamar, pr-pesquisa. Seguindo esse principio de que a vida humana, as experincias com tais clulas barram no principio tico da preservao da vida humana, sendo que quando se fala em pesquisas com clulas embrionrias temos que ter a conscincia de que tais embries tero que ser sacrificados, sendo assim, a mentalidade

contempornea ainda no admite tais atitudes de forma espontnea, sempre h choques. E que de acordo com Ferreira (2005, p. 36)

inaceitvel a utilizao de clulas-tronco embrionrias humanas porque para se obter estas clulas se mata o embrio humano. No est havendo a devida preocupao tica quanto utilizao de clulas tronco embrionrias humanas na pesquisa [...].

Nisso, podemos perceber que tudo passa pela questo de quando se inicia a vida humana, o que muda de acordo coma sociedade pesquisada e com quem est abordando tal assunto, como foi trabalhado anteriormente, quando foi tratado do principio da vida, se a de convir que, nossa sociedade est em continua mudana, os princpios defendidos outrora por essa mesma sociedade. Hoje se apresentam como um entrave para o progresso, mesmo assim quando o assunto a vida e a perpetuao da mesma, passamos a olhar com outros olhos, no estamos dispostos a ceder aos caprichos de idias improvveis,

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mas, em algumas ocasies cedemos entramos em choque com idias fundadas em ideologias ou mesmo seguindo conceitos que so jogados de cima para baixo, sem a mnima discusso ou analise de maneira sbria e imparcial, visando no o interesse pessoal, mas o global. Conforme Fernandes (2000, p. 39)No fcil abordar esses problemas em clima sereno e racional, sem a interferncia de fortes emoes e at de posturas agressivas. Se sempre difcil criar um clima de objetividade em qualquer debate humano, a dificuldade parece aumentar quando esto em pauta esses temas relacionados com o comeo e o fim da existncia humana.

Sendo abordado de uma forma que desperta algumas asperezas, temas ligados a biotica, em especial as clulas-troco, as trocas de informaes a respeito destes assuntos so pouco esclarecedoras, revelando assim uma sociedade que busca o progresso, mas que est presa a pequenas as crenas, o que resulta em embates entre a f a e razo, j que se torna importante definir os limites e as possibilidades de dilogos entre essas duas grandezas distintas.

CAPTULO III

3- LIMITES E POSSIBILIDADES

De aparente facilidade, delimitar os limites e as possibilidades de convvio, mas de uma dificuldade impar, j que se trata de um objeto de estudo subjetivo, temse que colocar na balana de estudo do tema: a poca que se est estudando, que no caso o principio do sculo XXI ao ano de 2005; como tambm o tipo de estudo aplicado e os objetivos preliminarmente determinados. Este estudo, voltamos a salientar, no tem como objetivos apontar culpados e inocentes; certos e errados, mas sim apontar caminhos para estudos mais abertos sobre o tema proposto. s portas do sculo XXI, a humanidade se viu diante de dilemas, tanto de ordem biofsicas, quanto de ordem espiritual, j que em cada passagem de ano, as crenas supersticiosas, como tambm as duvidas e as esperanas se renovam, mas, no caso, no era apenas a virada de um ano, e sim do milnio, o que fez com que surgissem grupos predizendo coisas fantsticas e terrveis. Diante disso podemos perceber que em uma sociedade que busca a perfeio cientifica, a mesma est imersa numa religiosidade um tanto quanto supersticiosa, que faz-nos a ter diversos questionamentos, tais como: Por que, mesmo com o avano da cincia, a humanidade continua com tais crenas? (Pergunta estudada no 2 Capitulo). Ento, para que o estudo se torne mais fluente necessrio dividi-lo em etapas tais como: Os Limites; As Possibilidades e por fim o estudo crtico comparativo sobre os limites e as possibilidades.

3.1 O Abismo: os limites

Ao tratarmos sobre os abismos existentes entre a f e a razo, entre a religio e a cincia, temos que perceber que quase se tratam de grandezas com objetivos distintos: uma trata da vida espiritual, enquanto a outra trata da vida

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fisiolgica e intelectual dos indivduos. Surgindo assim um grande abismo entre as mesmas. Fatores que procuram justificar essa separao no faltam, a comear por acusaes por parte dos racionalistas, que apontam a f como algo voltado ao mundo do imaginrio, do mito; mas, o que vem a ser o mito? Jobim (nov. 2005) nos fornece uma valiosa definio[...] o mito ignora a realidade, ou uma irrealidade; ele nega a racionalidade natural e afirma verdades irracionais e no admite a impossibilidade das proposies. Ele constri uma realidade fantasiosa, uma iluso, a partir da vida concreta dos homens em sociedade.

Convm termos por critrio, o estudo dos fatores que delimitam, ou mesmo que tornam a relao f e razo impossvel, tais como a secularizao, o cientificismo, o racionalismo, o atesmo e o fideismo.

3.1.1 A Secularizao: o mundo vira as costas para Deus.

Observando a sociedade em que estamos vivendo, e comparando-a com a do sculo passado, bastante perceptvel a mudana das relaes, tanto sociais quanto polticas. Mas a mudana de ordem religiosa foi imensa. No estamos em um mundo voltado, quase que exclusivamente em funo da f, que por algumas vezes a nega. Fisichella e Latourelle (1994, p.872) nos trazem uma importante contribuio, ao tratar de uma caracterstica da secularizao, j que segundo elesUma outra caracterstica do homem secular constituda por seu interesse pela vida presente, em sua concretude e historicidade, prescindindo da nostalgia do eterno e rejeitando um modo puramente contemplativo de viver da mesma forma o homem secular perde o interesse pelo universo das idias eternas, concentrado a sua ateno na fenomenologia e na dinmica daquilo que verificvel e controlvel. [...] A vida individual e social torna-se mais racional e mais profana, acentuando sua separao, ou tambm, sua ruptura com numerosas crenas do passado religioso ou cultural. [...].

Mesmo sendo editado em 1994, pode-se perceber que em pleno sculo XXI, a relao entre o homem e a religio sofreu poucas mudanas, e nossa sociedade est cada vez mais secularizada; tornando assim um ponto fundamental no que se

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refere o limite de convvio entre a f e a razo e entre a religio e a cincia. Deste modo, o secularismo ps-moderno coloca o homem a procura daquilo que tocvel, isto racional. O homem alheio aos interesses religiosos, chegando a algumas pessoas, em conversas informais, dizem que o tempo da religio est com seus dias contados. Na qual a cincia abre seu espao. Nisso alguns preferem dissociar a f da religio, muito embora que com isso leve a f a se tornar algo subjetivo ou mesmo abstrato, como afirma Lacoste (2005, p. 1.631).

3.1.2- Cientificismo

O secularismo, na atualidade, est sendo empurrado por um outro movimento que se torna uma espcie de religio do racionalismo, quando coloca a religio e, por conseguinte a f contra a parede, desacreditando tudo que provem dos sentimentos. O cientificismo, em sua mentalidade, aponta como aceitvel somente aquilo que a cincia pode provar atravs de pesquisas tecnicamente comprovadas. O que levou a Joo Paulo II (1998, p. 133) afirmar que,[...] o cientificismo. Esta concepo filosfica recusa-se a admitir como validas, formas de conhecimento distintas daquelas que so prprias de cincias positivas, relegando para o mbito da pura imaginao, tanto o conhecimento religioso e teolgico como o saber tico e esttico.

Pode-se perceber que essa linha filosfica, parece uma imensa barreira, j que a mesma no pode ser quantificada nem qualificada atravs de pesquisas laboratoriais, ou mesmo, em experincias fisiolgicas.

3.1.3- O Racionalismo

Alm da secularizao e do cientificismo, podemos apresentar o racionalismo que durante um bom tempo da histria veio encantado alguns

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estudiosos, na qual procuravam por respostas que no tivessem caractersticas subjetivas e que os estudos demonstrassem a verdade e que esta verdade fosse realmente demonstrada por meio do pensamento lgico, como bem explica Fisichella e Latorelle (1994, p. 724)O racionalismo clssico [...] que opera uma ntida distino entre o conhecimento verdadeiro e as simples opinies e supersties. O conhecimento verdadeiro distingui-se destas simples opinies por causa de seus fundamentos. Sua verdade garantida por demonstraes.

Ento se observa, que a f para o racionalismo clssico, herdado em parte dos socrticos e enriquecido pela poca das luzes, no passa de um mero sentimentalismo, na qual no tem nenhum valor para a pesquisa, j que para eles, ela no consegue provar aquilo que , ou seja, no podemos afirmar ou mesmo negar algo que no vemos, da o carter subjetivo da f. Hoje, em nossa sociedade, pode-se observar que o racionalismo continua presente, mas com uma caracterstica prpria de nossa poca, passam inclusive a afirmar que no existe uma cincia ou uma razo infalvel, a qual complementa Fisichella e Latorelle (1994, p.725)[...] o racionalismo critico renuncia este ideal [infalibilidade cientifica] e se torna defensor de um falibilismo conseqente: nenhum conhecimento absolutamente seguro, por que o ser humano sempre pode errar na soluo de seus problemas cognoscitivos. A certeza do conhecimento no concilivel com o anelo da verdade.

Tendo como base neste pensamento, a teoria da relatividade de Ainstein toma conta do pensamento racional contemporneo e critico, mas no deixa de ser um limite para a relao f e razo / cincia e religio. J que no sculo XXI, continua a combater de forma categrica aquilo que pode ser considerado uma superstio, sendo assim no campo da f, a religiosidade popular se torna uma espcie de desculpa para os racionalistas defenderem que a f e a razo so incompatveis, e analisando-a se torna notrio que essa crena popular neste sculo, est carregada de superstio e magia, mas diferente de outrora, esse estado popular da religio vem em busca da verdade atravs de explicaes ilgicas e que muitas vezes se tornam um empecilho nas relaes de ambas.

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3.1.4- O Atesmo

Acreditar ou no acreditar? Esta questo se torna comum na sociedade contempornea, que se revela em um atesmo, tpico de um ambiente imediatista e consumista. Mas tambm que busca, em meio negao de deus, reafirmar suas crenas e aes, como em outras palavras argumenta Lacoste (2005, p.205)[...]o acusador [ateu] nega que seja ateu, invocando uma idia de divindade superior dos acusadores [...] o verdadeiro ateu no aquele que se pensa, mas o que reduz Deus ao um dolo e a verdadeira religio superstio. [...]; em um sentido, o ateu se define por oposio a uma obrigao de crer e de praticar os rituais da piedade[...]

Nisso o ateu no necessariamente aquele que no tem f, mas, aquele que no acredita em uma divindade, mas Poe sua f em algo que contradiga aquilo que ele combate. Mesmo assim, o atesmo, no deixa de ser um empecilho nessa possvel relao (f e razo).

3.1.5- O Fideismo

Ao contrario das barreiras anteriores, o fideismo, prope esquecer tudo o que racional, passar a pregar que a f o nico instrumento que pode favorecer na busca pela verdade. Pode parecer vantajosa para a f, e, por conseguinte, para religio, mas, ele traz em si uma certa possibilidade de alienao, j que o sujeito em contato com essa linha de pensamento passa a combater tudo o que provm de outros meios que no passe pela f, que vem atravs da religio. Sendo assim, o fideismo passa a ser uma barreira entre a f e a razo, j que segundo Lacoste (2005, p. 733)reagindo ao racionalismo [...] o f. [fideismo] permanece contudo tributrio de certos pressupostos fundamentais da posio que combate: no apenas perpetua a oposio entre a razo f, concebida como duas entidades independentes.

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Essa viso, alm de colocar uma dificuldade de ralao, tenta impor tambm, hoje, mesmo sendo descaracterizada com a Revoluo Francesa (que marcou de forma visvel separao) a prioridade da f com relao a possveis dilogos entre ambas.

3.2 Uma Luz ao fim do tnel: Possibilidades.

Mesmo cercado de motivos que nos levem a crer que seja impossvel que elas possam trabalhar juntas, alguns autores, ou mesmo pessoas de modo geral acreditam que haja possibilidade de que ambas caminhem uma colaborando com a outra. Numa pesquisa de amostragem realizada entre acadmicos de diversas reas de estudo, foram lanadas algumas questes que dentre elas foi colocada uma frase de Einstein: Cincia sem religio manca e a religio sem cincia cega. Ento foi perguntado se eles concordariam com essa afirmao. Das respostas, que foram as mais diversas, sendo que a maioria concordou, embora que com restries, se destacou a de Soraya, quando ela comentou queSe a religio funcionar sem a cincia ficar vaga pois tem coisas que a cincia descobriu e a igreja deve consider-la a mesma coisa a religio, tem coisa que ela tem o controle e a cincia no entende. Portanto as duas 13 andando juntas uma completar a outra e vice-versa

Quando foi procurado saber a opinio de populares, as respostas a respeito do convvio entre a f e a razo foi diferente, mormente quando foi feito a seguinte pergunta: A Igreja tem o direito de intervir em assuntos considerados cientficos, tais como o aborto, a eutansia e a clonagem humana? E para analisarmos as respostas, se faz necessrio analisarmos o grfico abaixo:

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Soraya de Oliveira Morais acadmica de Histria da FUNESA-ESPI, em uma entrevista concedida atravs de questionrio no dia 05 de outubro de 2004.

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graf. 1

12%Sim

88%No

TORRES, Antonio de Melo. F e Cincia, em seus encontros e desencontros: Idade Moderna e sculo XXI Palmeira dos ndios: FUNESA ESPI, 2004 (relatrio XXI. de Pesquisa).

Pelo grfico, percebemos que, dos cinqenta e um entrevistados (100%), cinqenta quarenta e cinco (88%) responderam que sim, enquanto seis (12%) responderam que no. Demonstrado, com isso que, mesmo estando em uma sociedade dita secularizada, a mesma carrega em si uma f que muitas vezes transpe os limite limites postos pela razo, que em algumas ocasies, possui aspectos de uma religiosidade popular, cercada de questionamentos e de duvidas a respeito da f e de como expressa-la. Em um outra pesquisa, desta feita realizada pelo Portal de Teologia a qual foi perguntado Qual sua opinio em relao a f e cincia?, as respostas ao contrario do que a que segue um estilo parecido com a aplicada no questionamento anterior, mas as respostas esto bem divididas j que 72 votantes responderam que f e cincia no se misturam, enquanto 45 acham que entre elas no h atrito vejamos o uram, grfico abaixo.

F e cincia divergem divergem-se, no se misturam

1% 34% 40%F e cincia caminham juntas sem atrito F e cincia andam juntas s em alguns pontos

25%No tenho opinio formada

TORRES, Antonio de Melo. F e Cincia, em seus encontros e desencontros: Idade Moderna e sculo XXI Palmeira dos ndios: FUNESA ESPI, 2004 XXI. (relatrio de Pesquisa).

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Nesta pesquisa percebemos o quanto esse tema tem espao para ser debatido, muito embora que ela tenha sido realizada em setembro de 2003, o seu resultado bem atual. O interessante que apenas 3 votos de 181, no tm opinio formada a respeito deste tema, sendo assim, pode-se dizer que vive uma nova religiosidade, desta feita, mais consciente? Talvez, mas temos a certeza de que esse sculo em que estamos religio e a f passam a ser ingredientes de consumo. Voltando a temtica da f, interessante fazer um estudo em algumas analises feitas de alguns textos que trabalham esse tema, nos deparamos com a Carta Encclica Fides et Ratio, a qual Joo II procura reconciliar a f e razo deixando claro uma superioridade da f, apesar de o mesmo afirmar (Joo Paulo II, 1998, p. 75) que ilusrio pensar que, tendo pela frente uma razo dbil, a f goze de maior incidncia; pelo contrario, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstio. Da mesma maneira, uma razo que no tenha pela frente uma f adulta no estimulada a fixar o olhar a novidade e a realidade do ser.

Nisso notrio o desejo de concili-las, mas, na mesma, ele incentiva a razo a se interrogar sobre as verdades, no perdendo em ideais cientificista, quando ele, coloca que a razo, por sua vez, no dever perder nunca a sua capacidade de interrogar-se e de interrogar, consciente de no poder avorar-se em valor absoluto e exclusivo. Pode ate parecer uma contradio, mas, perceptvel que com essa afirmao, ele procura traar um chamado a unio entre elas, j que pede para a os pesquisadores, no idolatrar a razo. Se parssemos para observar, a nossa sociedade, podemos chegar a diversas concluses, dentre as quais perceptvel que ela busca por uma religiosidade mais intimista, isto , pessoal, como bem colocado por Bingemer (2000, p. 22) Essa seduo do sagrado e do religioso que domina a vida contempornea, implica, por sua vez, uma volta aos paradigmas pessoais e aos modelos individuais como inspiradores da religio e da tica. Ento, para a autora o mundo no est to secularizado, como se pensa, j que a sociedade passa a voltar-se ao religioso e ao sagrado. O mundo contemporneo est imerso em perguntas, e por isso exigem respostas claras e eficazes a seus questionamentos, pedindo por vezes respostas que dem sentidos claros e racionais a sua vida espiritual.

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No conveniente, colocar a f como inimiga da razo, ao contrario, do que afirmava Martinho Lutero (Cf. p.17). Mas entre ambas possvel ter um dialogo amistoso como bem coloca Libanio (2001, p. 63)F e razo viveram as mais diversas vicissitudes. Conheceram figuras em que o plo da razo oscilou entre a prepotncia prescutadora e sua demisso cptica. A f Crist nunca se deu bem com essas posies estremas. Podese-ia pensar que a razo fosse sua grande inimiga e quanto mais fraca ela se sentisse, mais espao se abriria para a f. Puro engano. O enfraquecimento da razo pode favorecer experincias religiosas, mas certamente perturba a limpidez da f crist.

Por isso, a f, neste caso, no importando em que, tem que vir auxiliada pela razo. J que, como o autor acima citado afirma, preciso ter um certo equilbrio entre a f e a razo, para que a f no se contradiga e a razo, e nem a razo se dobre sobre si mesma. Uma opo para eliminar a contradio entre a f e a cincia seria adequ-la aos princpios da razo, mas, com certeza isso faria com que a f perdesse sua essncia, e perdendo-a, deixaria de s-la o que ; pois segundo Fideli, (novembro de 2005) impossvel eliminar a discordncia entre os que tm f e os ateus, pela eliminao dos dogmas, porque essa eliminao faria dos crentes ateus, negadores da veracidade de Deus, e, portanto, negadores de Deus. se os ateus aceitassem o que deus revelou j no seriam ateus, mas crentes em Deus . claro que impossvel haver uma igualdade de pensamento entre ambos, mas o que pode ocorrer um continuo colaborar. No conveniente conceber uma religiosidade fechada em si prpria, j que em pleno sculo XXI, onde a tecnologia, tanto nas cincias biolgicas, quanto na ciberntica impe um mundo de facilidades, que to propagada pela mdia. Como tambm no prudente desprezar a influencia dos meios de comunicao, em especial a imprensa, j que ela se torna um dos principais meios de formao da opinio pblica, neste caso a televiso, que alcana as classes mais baixas e um vinculo a qual transita conceitos que so absorvidos e transformados em aes prticas por seus espectadores, isto , o simulacro da realidade. Transformando assim as bases que sustentam a sociedade que passa a viver o irreal, ou o irreal passa a concretizar, passando, assim, a ser um ponto de apoio sobre as opinies a respeito e, por conseguinte da f, como salientado por Carrazar (novembro de 2005)

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A relao do mundo moderno com a religio, que medida pelos meios de comunicao e a telemtica, criando uma cultura alicerada no espetculo e no simulacro. Assim, a experincia de novidade, de hiperestmulo, gerando crentes que procuram a religio s pra consumir [...]. Na procura de satisfazer suas necessidades, curiosidades e desejos de experimentar algo novo, tornando-se consumidores religiosos [...].

Com isso, as relaes f/cincia, na atualidade, esta balizada pela mdia, ento, entre as classes populares, na qual sua influencia mais direta, observa-se que existe uma certa confuso ao se tratar de temas que se referem religio, a qual permanece a emoo do momento em que se debate esses temas. Mas quando falamos de assuntos referentes religio, desperta certa polmica, e no poderia ser diferente. A f religiosa se torna essencial a nossa sociedade, ela que expressa atravs de uma religio, j que faz parte da cultura, muito embora que seja, por alguns, vista de forma equivocada, tais como Martins (1998,p.120) quando ele afirmaA religio, especialmente para os homens sem cultura, to necessria como o po para a boca, porque, no tendo noes do bem e do mal, s a religio lhes pode indicar o caminho da vida virtuosa. Por isso mesmo a religio eterna, resistindo a todos os embates do materialismo.

Torna-se equivocada, porque, ao fazer o julgamento de que quem tem f em uma religio seja devido o sujeito no ter noes de bem e de mal, j que a f algo que est no intimo do ser humano, como estudado no segundo captulo II (Cf. p.25). Ao certo que quando tratamos deste tema, que complexo e, alm do mais, de uma extrema dificuldade de se elaborar conceitos sobre o mesmo se tratando de algo que mexe com a cultura e at mesmo com o intimo de muitos, j que a f est intimamente ligada ao modo de viver j que faz parte da cultura,, que podemos afirmar como imaterial. Tem-se, por isso, que deixar claro que no se pode haver igualdade, mas colaborao, volto a repetir, j que se tratam de grandezas distintas, como bem frisou Morra (2001, p.35)Antes de mais nada, religio e filosofia possuem finalidades distintas [como procuramos indicar] [...] a filosofia responde a pergunta advinda do espanto com relao a possibilidade da existncia, [...] ao contrario, a religio tem como objeto um principio pessoal capaz de oferecer aos homens e a todas as coisas uma salvao definitiva. A finalidade da filosofia cogniciva; a finalidade da religio salvfica e escatolgica.

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........................................................................................................................... O mtodo da filosofia racional: o filosofo ao menos assim se espera serve-se da razo, dela no podendo prescindir. O mtodo da religio, ao contrario diverso: a religio tem seu ponto de partida no dado objetivo da revelao, ao qual o homem responde com empenho subjetivo da f.

Deste modo, sendo grandezas diferentes, entre ambas, podem se abrir a uma colaborao mutua, j que seu principal objetivo seria o progresso da humanidade, muito embora que, com certeza surgira discordncias a exemplo da que foram discutidas no capitulo II. Quanto dizer o que est certo ou errado, no cabe a ns julgarmos, nem esse o objetivo deste trabalho, como j foi frisado, pois qualquer julgamento tem-se que passar pela prudncia de se estudar a poca e o lugar em especifico. Porm, como Aquino (2002, p.31) coloca que ainda que os racionalistas tivessem muitas outras provas da divindade de Jesus, ainda assim no aceitariam [...], em outras palavras, essa briga ter uma longa durao.

CONCLUSO

Ao longo deste trabalho, foram discutidos diversos problemas de relacionamento existentes entre a f e a razo. Do qual foi estudado os limites e as possibilidades de convvio. Neste estudo foi caracterizada a tica dentro de um contexto biolgico, j que se tornou evidente que quando se trata de questionamentos que pe em destaque a vida humana, os debates ficam acirrados e a tica entra como base para um dialogo respeitoso e claro. Quando foi proposto analisar a importncia da f na sociedade contempornea, ficou bastante claro que nossa sociedade, apesar da secularizao que crescente, ver-se ainda a procura por explicaes que o deixe ciente do por qu de sua existncia, e na maioria das vezes acabam procurando esse sentido em uma religio. Mas, explicito que o ser humano, psicologicamente falando, necessita ter f, mesmo que seja uma f materialista e ou em si prprio. Durante a pesquisa e a elabora