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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELÉTRICA – EEL CENTRO TECNOLÓGICO – CTC CAMPUS UNIVERSITÁRIO - TRINDADE - CEP 88040-900 FLORIANÓPOLIS- SANTA CATARINA Geração combinada utilizando turbinas a gás e a ciclo orgânico de Rankine para uso do biogás gerado em propriedades rurais. Monografia submetida à Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a aprovação da disciplina: EEL7890 –Projeto Final Acadêmico: Guilherme Ferreira Mendes Orientador: Prof. Dr. Cornélio Celso de Brasil Camargo Florianópolis, Junho de 2012.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELÉTRICA – EEL CENTRO TECNOLÓGICO – CTC

CAMPUS UNIVERSITÁRIO - TRINDADE - CEP 88040-900 FLORIANÓPOLIS- SANTA CATARINA

Geração combinada utilizando turbinas a gás e a ciclo orgânico de Rankine para uso do biogás gerado em propriedades rurais.

Monografia submetida à Universidade Federal de Santa Catarina

como requisito para a aprovação da disciplina:

EEL7890 –Projeto Final

Acadêmico: Guilherme Ferreira Mendes

Orientador: Prof. Dr. Cornélio Celso de Brasil Camargo

Florianópolis, Junho de 2012.

i

Geração combinada utilizando turbinas a gás e a ciclo orgânico de Rankine para uso do biogás gerado em

propriedades rurais.

Guilherme Ferreira Mendes

Esta monografia foi julgada no contexto da disciplina EEL 7890: Projeto Final

Banca Examinadora: Prof. Walter Pereira Carpes Junior

Prof. Roberto de Souza Salgado

__________________________ Prof. Cornélio Celso de Brasil Camargo, Dr. Eng.

Orientador do Curso de Engenharia Elétrica

ii

Resumo

Em um mundo onde a geração de energia elétrica está cada vez mais

dificultada, novas medidas devem ser tomadas para evitar um colapso futuro no

abastecimento energético brasileiro. A geração hoje já não é tão fácil como

antigamente, pois novas preocupações tomam a consciência da população.

Precisamos de energia elétrica, mas não podemos destruir o meio-ambiente. Uma

nova era está surgindo, a era da energia limpa ou como outros preferem chamá-la,

energia renovável.

Uma destas fontes renováveis de geração é o biogás. Este combustível para

produção de energia está começando a ganhar espaço no cenário brasileiro como

uma possível solução para os problemas do lixo orgânico nos grande aterros

sanitários, para alavancar a geração distribuída em regiões rurais ou como um

grande potencial energético a ser explorado em suas diversas formas de obtenção

para auxiliar na demanda crescente de energia elétrica.

Uma das fontes mais promissoras para obtenção de biogás é o meio rural,

pois existem muitas possibilidades de geração deste gás através de rejeitos

orgânicos existentes na propriedade, tais como excremento de animais, restos de

cozinha, silagem, entre outros.

Diante das diversas maneiras de converter o biogás em energia elétrica,

temos como um dos menos poluentes aquele via turbina a gás, com possibilidade de

geração adicional através de uma turbina a vapor operando em ciclo orgânico de

Rankine. Este ciclo ainda é pouco utilizado no mundo, porém representa um

potencial gigantesco para a geração através do aproveitamento de fontes de calor

de baixa temperatura, como por exemplo, calor de exaustão.

A geração de energia poderá tornar independente, do ponto de vista

energético, o produtor, com possibilidade da venda de excedente para a

concessionária local. Um fato interessante da geração do biogás, é que tudo se

aproveita, trazendo mais fontes de renda para a propriedade geradora.

iii

Neste trabalho será descrito o estudo de potencial energético de uma

propriedade rural a partir do biogás gerado por digestão de silagem e excrementos

de suínos.

iv

Sumário

Conteúdo

Resumo ............................................................................................................ ii

Sumário ........................................................................................................... iv

Simbologia ....................................................................................................... vi

Capítulo 1: Introdução ...................................................................................... 1

1.1: Objetivo .................................................................................................. 1

1.2: Justificativa............................................................................................. 1

1.3: Metodologia............................................................................................ 2

Capítulo 2: Cogeração ...................................................................................... 3

2.1: Energia elétrica ...................................................................................... 4

2.1.1: Turbinas a gás ................................................................................. 4

2.1.2: Turbinas a vapor .............................................................................. 6

2.1.3: Ciclo Combinado ............................................................................. 8

2.2: Ciclos térmicos de potência. .................................................................. 9

2.2.1: Ciclo de Rankine ............................................................................. 9

2.2.2: Ciclo Brayton ................................................................................. 14

Capítulo 3: Biogás .......................................................................................... 17

3.1: Biodigestor ........................................................................................... 17

3.1.1: Modelo Indiano .............................................................................. 18

3.1.2: Modelo Chinês ............................................................................... 19

3.1.3: Modelo Marinha Brasileira ............................................................. 21

3.1.4: Modelo Batelada ............................................................................ 22

3.2: Substrato .............................................................................................. 22

3.3: Componentes típicos do biogás ........................................................... 23

3.4: Biofertilizante........................................................................................ 24

v

Capítulo 4: Mecanismo de desenvolvimento limpo. ........................................ 26

Capítulo 5: Estudo do potencial energético de uma propriedade de

suinocultura em Santa Catarina. ............................................................................... 28

5.1: Cálculo da quantidade de biogás. ........................................................ 28

5.2: Geração principal de energia elétrica ................................................... 29

5.3: Cálculo da geração em ciclo combinado. ............................................. 31

5.4: Dimensionamento do biodigestor ......................................................... 32

5.5: Custos .................................................................................................. 33

5.6: Retorno do investimento. ..................................................................... 35

5.6.1: Venda de energia elétrica .............................................................. 35

5.6.2: Venda da produção de biofertilizante. ........................................... 37

5.6.3: Mercado de carbono. ..................................................................... 39

5.6.4: Valor presente líquido. ................................................................... 40

Capítulo 6: Conclusão .................................................................................... 43

vi

Simbologia

kW – Quilo watt.

ton – Tonelada.

°C – Graus celsius.

kg- Quilo grama.

s – Segundos.

K – Kelvin.

m³ - Metro cúbico.

h – Hora.

kWh – Quilo watt hora.

MWh – Mega watt hora.

atm – Atmosfera.

L – Litro.

MJ – Mega Joule.

cal – Caloria.

1

Capítulo 1: Introdução

A crescente demanda energética no Brasil preocupa cada vez mais os

setores de geração de energia elétrica que afirmam que o país pode passar na

próxima década por um colapso energético. O crescimento do setor industrial, aliado

à demanda do setor residencial, implicará em um grande aumento na demanda de

energia elétrica, que em alguns anos superará a matriz energética existente no

Brasil, colocando em risco o sistema de geração nacional.

1.1: Objetivo

O presente trabalho tem como objetivo a análise e estudo de viabilidade

econômica da cogeração de energia de uma planta de biogás fictícia utilizando

turbina a gás para geração principal e turbina operando a ciclo orgânico de Rankine

para cogeração assim como a descrição dos equipamentos utilizados, dos ciclos

existentes no processo e os benefícios que este sistema pode trazer a

empreendimentos, com foco no aproveitamento de restos orgânicos.

1.2: Justificativa

Nos dias de hoje, é visível a dificuldade para a construção de usinas de

grande porte no Brasil devido principalmente a questões ambientais e geográficas. O

mundo atual está cada vez mais convergindo para um sistema de geração de

energia descentralizado, sendo para o Brasil muito interessante adotar cada vez

mais projetos e iniciativas com esse aspecto, pois são usinas que não agridem de

forma impactante o meio ambiente e sua variedade pode ser empregada em

praticamente qualquer região do país. No Brasil, um problema muito comum nos

centros urbanos é o despejo inadequado de lixo orgânico, sendo este muitas vezes

depositado a céu aberto sem o devido tratamento. Aliando este problema ao

problema energético, podemos ter como possível solução a produção de biogás. O

biogás possui inúmeras aplicações, como geração de energia, combustível

automotivo, possibilidade de ser purificado ao nível de biometano para abastecer a

2

rede nacional de gás natural, além do rejeito de sua produção ser um adubo

altamente enriquecido (biofertilizante).

1.3: Metodologia

Através de estudos, pesquisas e práticas durante estágios realizados, foi

possível levantar dados para a formulação da viabilidade econômico-financeira de

sistemas de cogeração a biogás. Um modelo foi implementado em Excel para

cálculo da capacidade de produção de biogás utilizando diversos tipos de rejeitos

orgânicos, permitindo obter facilmente a quantidade de metano existente no total do

biogás e consequentemente a quantidade de energia que será possível gerar

primariamente. Tendo em mãos a quantidade de combustível disponível para

geração, será feita a análise da melhor forma de convertê-lo em energia elétrica.

Para a geração secundária, analisaremos a quantidade de rejeitos a alta

temperatura que poderão ser aproveitados e como isso será feito.

3

Capítulo 2: Cogeração

A cogeração é definida pela produção simultânea de diferentes formas de

energia útil, destacando-se entre elas as energias elétrica e térmica, para suprir um

processo, seja ele do setor industrial, agrícola, terciário ou mesmo de um sistema

isolado, a partir de uma mesma fonte de energia primária. De uma maneira mais

ampla, é o aproveitamento de uma quantidade de energia que seria rejeitada pelo

processo, em concordância com a Segunda Lei da Termodinâmica, o que aumenta a

eficiência global do ciclo térmico. (BALESTIERI, 2002, p. 22)

De acordo com BRASIL (2005), a cogeração é um processo que pode

viabilizar economicamente a autoprodução de energia. No Brasil, é mais comum a

geração adicional de energia elétrica (ciclo combinado) a partir da energia térmica

contida nos gases de exaustão e fluidos de refrigeração do sistema (rejeitos

térmicos) utilizada na geração de energia elétrica principal, como simplificado na

Figura 1. As principais motivações para a implantação de um sistema de ciclo

combinado são autossuficiência energética e venda do excedente de energia

produzida.

Figura 1: Diagrama de cogeração em ciclo combinado simplificado.

Existem hoje variados tipos de acionamentos empregados às centrais de co-

geração em ciclo combinado, como a turbina a vapor, turbina a gás, motor e suas

combinações. Já a cogeração propriamente dita pode ser classificada em dois ciclos,

Topping ou Bottoming. (BALESTIERI, 2002, p. 38)

Em um ciclo Topping, primeiro é aproveitada a geração de energia mecânica

e depois a recuperação do calor residual para a geração de vapor. Em um ciclo

Bottoming, primeiro é gerada energia térmica, geralmente vapor em alta pressão e

alta temperatura, e depois as outras formas de energia. (BALESTIERI, 2002, p. 38)

4

Os setores considerados promissores para a instalação de um sistema de co-

geração apresentam geralmente como característica, razoável potência instalada por

unidade de consumo, elevados fatores de carga, considerável demanda de energia

térmica e abundância de matéria-prima para geração. (BALESTIERI, 2002, p. 38)

2.1: Energia elétrica

2.1.1: Turbinas a gás

A turbina a gás não é uma máquina isolada, mas sim composta por uma

combinação de elementos geralmente construídos de forma compacta: são eles o

compressor, câmara de combustão e turbina. Na câmara de combustão podem ser

utilizados como combustível, óleo desmineralizado, gás natural, gases originados em

processos de gaseificação do carvão e biogás (BALESTIERI, 2002, p. 102).

As turbinas a gás podem operar de duas maneiras diferentes, ciclo aberto e

ciclo fechado. Na Figura 2, temos o esquemático de operação em ciclo aberto.

Nesse tipo de configuração, o ar entra no compressor (1) e passa para a câmara de

combustão (2). Nesse ponto, o combustível é queimado continuamente sempre sob

pressão constante. Os gases em alta temperatura são expandidos na turbina, que

além de acionar o compressor, gera também potência para um gerador (3). Em ciclo

aberto, os gases de exaustão (4) não são aproveitados, sendo liberados para

atmosfera. No ciclo fechado, os processos de compressão e expansão continuam os

mesmos; a mudança está na combustão. A queima do combustível ocorre

externamente à turbina e por meio de um trocador de calor a energia de combustão

é entregue ao gás de trabalho, que será expandido na turbina, como é

esquematizado na Figura 3. Nesta configuração, os fluidos de exaustão

permanecem no sistema, sendo normalmente reaproveitados para geração

combinada. (LANE, p. 3)

A tecnologia das turbinas a gás é excelente para atendimento a picos de

cargas pois possuem um curto tempo de partida e baixo custo de investimento do

ciclo simples. Para os tempos modernos, um ponto forte da turbina a gás é sua baixa

emissão de NOx, uma vez que as legislações ambientais estão cada vez mais

rígidas. (BALESTIERI, 2002, p. 102)

5

Figura 2 – Esquemático de turbina a gás em ciclo aberto. (SINGH, 2009)

Figura 3 - Esquemático de turbina a gás em ciclo fechado. (SINGH, 2009)

Figura 4 – Concepção gráfica de turbina a gás. (GE LM25000 Gas Turbine).

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2.1.2: Turbinas a vapor

Turbinas a vapor são usadas para converter a energia térmica contida no

vapor em energia mecânica. Se a turbina alimentar um gerador, a energia mecânica

gerada será convertida, no seu último estágio, em energia elétrica. A turbina a vapor,

propriamente dita, é uma máquina muito simples, com poucas partes móveis. Isto é

proferível para aumentar a confiança no equipamento. É muito comum para uma

turbina a vapor funcionar por mais de 1 ano sem ser desligada. (HPC Technical

Services, 1999, p.29)

A turbina a vapor possui basicamente bocal e anel com lâminas que se

movem em um eixo chamado rotor. O movimento do eixo depende unicamente da

ação dinâmica do vapor. Conforme a Figura 5, o vapor é injetado através dos bocais

sobre os anéis de lâminas móveis. A energia térmica do vapor é parcialmente

convertida em energia cinética devido à queda da pressão estática no bocal. Vapor

em alta velocidade passa através do bocal e entra nas lâminas móveis, mudando a

direção do fluxo de vapor da entrada para sair. Esta mudança de direção de fluxo

provoca variação no momento, o que resulta em força dinâmica que atua como

condutor de impulso para rotação do eixo. (SINGH, 2009, p.612)

As turbinas a vapor possuem como característica de operação a utilização de

vapor a alta pressão e alta temperatura. Essas turbinas se dividem em quatro

classificações, de acordo com a aplicação da turbina. A primeira, chamada de

turbina a vapor de condensação, é aquela em que todo o vapor de exaustão é

direcionado para um condensador. Esse tipo de turbina permite a recirculação do

condensado que sai do condensador. Outro ponto é que a pressão no fim da

expansão pode ser reduzida a valores muito abaixo da pressão atmosférica, já que o

rejeito de vapor expandido é direcionado para o condensador onde o vácuo é

mantido. Este tipo de turbina é muito utilizado em termelétricas. (SINGH, 2009,

p.618)

A segunda é a Turbina a vapor de não condensação. Neste tipo de turbina a

vapor, o rejeito da turbina é liberado para a atmosfera sem ser reutilizado.(SINGH,

2009, p.618)

Outro tipo é a turbina a vapor de contrapressão, em que os rejeitos de vapor

deixam a turbina em uma pressão muito superior a atmosférica. Esses rejeitos em

7

alta pressão podem ser utilizados para diversos propósitos, como aquecimento e

para alimentar pequenas turbinas a vapor de condensação.(SINGH, 2009, p.618)

O quarto tipo é chamado de turbina de extração a vapor. Neste tipo de

turbina, certa quantidade de vapor é continuamente extraída para fins de

aquecimento, sendo que o restante do vapor continua o processo para manter a

turbina funcionando. Em turbinas de extração a vapor, é necessário que haja uma

válvula de controle de pressão e uma engrenagem de controle para que seja

possível manter a velocidade do rotor e a pressão de vapor constantes,

independente da variação de potência ou da demanda térmica.(SINGH, 2009, p.618)

Figura 5 – Esquemático de turbina a vapor acoplada a um gerador.

(Disponível em: <http://geothermal.marin.org/geopresentation/sld038.htm>. Acesso

em: 25/03/2012)

Figura6 – Turbina a vapor Siemens. (Disponível em:

<http://www.siemens.com/press/en/presspicture/?pre

ss=/en/pp_pg/2007/pg200711008-01.htm>. Acesso

em: 25/03/2012)

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Figura 7 – Turbina a vapor de condensação. (SINGH, 2009, p.618)

Figura 8 – Turbina a vapor de não condensação. (SINGH, 2009, p.618)

2.1.3: Ciclo Combinado

O ciclo combinado é resultado do emprego de mais de um ciclo térmico de

potência, geralmente Brayton-Rankine. As características da turbina a gás e da

turbina a vapor tornão o acoplamento entre elas muito eficaz. Em um ciclo

combinado (utilização de turbina a gás e a vapor), a alimentação da caldeira da

turbina a vapor é realizada pelos gases de exaustão da turbina a gás. Esse

acoplamento resulta na termelétrica mais eficiente em relação à potência gerada por

combustível queimado. (VENES, 2009)

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2.2: Ciclos térmicos de potência.

Em todos os ciclos termodinâmicos existe uma substância chamada de fluido

de trabalho, que tem como principal objetivo transformar calor em trabalho. Uma

instalação térmica a vapor possui geralmente quatro elementos fundamentais, onde

ocorrem as transformações do fluido de trabalho. A caldeira, onde geralmente a

substância de trabalho é a água, recebe calor de uma fonte quente transformando

essa água em vapor. A turbina, onde o vapor que veio da caldeira expande-se,

desde a alta pressão da caldeira até a baixa pressão do condensador, realizando um

trabalho de acionamento de uma máquina, o gerador elétrico. A bomba de água de

alimentação da caldeira, que eleva a pressão do condensador para reinjeção na

caldeira, onde o condensado será novamente transformado em vapor, reiniciando o

ciclo. (CARVALHO, 2002, p.19)

Todos os ciclos de potência térmicos são baseados no ciclo de Carnot. Este

ciclo é baseado em quatro processos e proporciona o rendimento máximo de 100%

para uma máquina térmica, consistindo em 2 transformações adiabáticas e duas

isotérmicas, conforme a Figura 9. (CARVALHO, 2002, p.15)

Figura 9: Ciclo de Carnot. (CARVALHO, 2002, p.16)

2.2.1: Ciclo de Rankine

Vamos primeiramente considerar um ciclo baseado em quatro processos que

ocorrem em regime permanente (Figura 10). Observando a Figura 10, vamos admitir

que o estado 1 seja líquido saturado e que o estado 3 seja vapor superaquecido.

Este é o ciclo de Rankine e é o ideal para unidades motoras simples a vapor.

10

Através do gráfico T-s, apresentado na Figura 11 , podemos determinar os

processos envolvidos no ciclo:

1-2 – Bomba: Processo reversível adiabático.

2-3 – Caldeira: Transferência de calor a pressão constante.

3-4 – Turbina: Expansão adiabática reversível.

4-1 – Condensador: Transferência de calor a pressão constante. (VAN

WYLEN, et al., 1997, p.259)

Figura 10 - Ciclo termodinâmico baseado em 4 processos. (VAN WYLEN, et

al., 1997, p.258)

Figura 11 – Unidade motora simples a vapor que opera segundo ciclo de

Rankine. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.260)

Devemos considerar ao analisar o ciclo de Rankine que o rendimento

depende da temperatura média de fornecimento e rejeição de calor, ou seja,

11

qualquer variação que aumente a temperatura média na qual o calor é fornecido ou

que reduza a temperatura média do calor rejeitado aumenta o rendimento. (VAN

WYLEN, et al., 1997, p.259)

� =����������� − ������� ��

�����������

η - Rendimento

q – Calor (Joules)

Outro fator importante a ser considerado é a pressão no fornecimento de

calor, pois este é diretamente proporcional ao rendimento. Entretanto, ao aumentar

esta pressão, também é aumentado o teor de umidade do vapor nos estágios de

baixa pressão da turbina (o que pode causar danos por cavitação). Por este motivo,

foi desenvolvido o ciclo com reaquecimento, que tira vantagem do maior rendimento

por aumento de pressão evitando que os níveis de umidade alcancem valores

excessivos nos estágios de baixa pressão da turbina. A característica única deste

ciclo é que possui um estágio inicial onde o vapor se expande até uma pressão

intermediária na turbina. O vapor é então reaquecido na caldeira e novamente se

expande na turbina até a pressão de saída. Apesar da diminuição no teor de

umidade no vapor, este ciclo apresenta um ganho muito pequeno no rendimento

final do sistema. Um esquemático do ciclo com reaquecimento é mostrado na Figura

12. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.264)

Figura 12: Ciclo com reaquecimento. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.264)

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Uma outra variação muito importante do ciclo de Rankine é o ciclo

regenerativo, que envolve a utilização de aquecedores da água de alimentação.

Analisando inicialmente um ciclo regenerativo ideal (Figura 13), este apresenta como

aspecto único, quando comparado com o ciclo de Rankine, a circulação do líquido

que deixa a bomba ao redor da carcaça da turbina em sentido contrário ao do vapor

na turbina. Desta forma, é possível a transferência de calor do vapor, enquanto este

escoa na turbina, para o líquido que escoa na periferia da turbina. A análise gráfica

do diagrama T-s deste ciclo nos dará um rendimento idêntico ao do ciclo de Carnot.

Logo, podemos concluir que este ciclo não é implementável na prática.

Primeiramente não seria possível realizar a transferência de calor necessária do

vapor na turbina para a água de alimentação. Outra ponto falho é o fato da umidade

do vapor que deixa a turbina aumentar consideravelmente, gerando um aspecto

muito indesejado para o sistema. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.267)

Figura 13: Ciclo regenerativo ideal. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.267)

Para contornar os problemas, o ciclo regenerativo real (Figura 14) extrai

apenas uma parte do vapor que escoa na turbina, após ter sido parcialmente

expandido, e faz-se utilização de aquecedores de água de alimentação. (VAN

WYLEN, et al., 1997, p.267)

13

Figura 14: Ciclo regenerativo real. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.267)

Em centrais térmicas, é muito comum a utilização de vários estágios de

extração. Evidentemente que a utilização de um grande número de estágios de

extração aproxima o ciclo regenerativo real do ideal, porém, normalmente nunca são

utilizados mais do que 5 estágios de extração, uma vez que a implantação destes é

determinada por consideração econômicas. Na Figura 14 podemos observar o

esquema de uma central térmica real. Podemos observar que um dos aquecedores

de água de alimentação de mistura é um aquecedor de água de alimentação

desaerador. Este equipamento apresenta duas funções: aquecimento e remoção de

ar da água de alimentação. Outro ponto a ser observado é que o condensado dos

aquecedores de alta pressão escoa, através de um purgador (aparelho que permite

o líquido, e não o vapor, escoar para uma região de pressão inferior) para um

aquecedor intermediário, então o condensado do aquecedor intermediário é drenado

para o aquecedor desaerador e o condensado do aquecedor de baixa pressão drena

para o condensador. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.271)

14

Figura 15: Central térmica. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.270)

2.2.1.1.1: Ciclo orgânico de Rankine

O ciclo orgânico de Rankine (ORC em inglês) é basicamente o mesmo ciclo

descrito anteriormente, porém neste é utilizado um fluido orgânico (como por

exemplo n-pentano e tolueno) como fluido de trabalho, em vez de água e vapor.

Desta forma é possível o uso de calor com baixa temperatura, dadas as

propriedades térmicas dos fluídos de trabalho. Trabalhar em baixas temperaturas

também implica em menor eficiência, mas isso pode valer a pena, em decorrência

do baixo custo em obter calor de baixa temperatura. (QUOILIN, 2008) (ŞANLISOY,

2011)

Na indústria, 50% do calor gerado é, de forma geral, calor de baixa

temperatura. O calor com temperatura abaixo de 370ºC é considerado calor de

temperatura moderada/baixa, sendo muito relevante para unidades geradoras a

vapor em ciclo de Rankine. Como existe uma ampla quantidade de fluidos orgânicos

que podem ser utilizados, o ORC tem a vantagem de operar com boa eficiência em

uma grande faixa de temperatura (120ºC – 370ºC). (ŞANLISOY, 2011)

2.2.2: Ciclo Brayton

Denominamos ciclo de Brayton quando o fluido de trabalho não apresenta

mudança de fase (está sempre na fase vapor). Este é o ciclo ideal para as turbinas a

15

gás simples, que foram mostradas nas Figuras Figura 2 e Figura 3. Os diagramas T-

s e P-v são mostrados na Figura 16. O rendimento deste ciclo é dado pela equação

apresentada a seguir:

��é ���� = 1 −��

��

Figura 16 – Diagramas do ciclo Brayton. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.276)

A turbina a gás ideal difere da real, geralmente, em decorrência de processos

não reversíveis que ocorrem na turbina e no compressor, devido à perda de carga

no escoamento do fluido e na câmara de combustão. Outro ponto importante que

deve ser citado do ciclo Brayton é o fato de seu compressor utilizar grande

quantidade de trabalho na sua operação, comparando com o trabalho gerado na

turbina. A potência utilizada no compressor pode atingir valores de 40% até 80% do

total gerado na turbina. Esse é um fator muito importante quando estamos

considerando o ciclo real, onde o efeito das perdas faz com que a turbina gere

menos potência e o compressor consuma mais. Com a diminuição dos rendimentos

do compressor e da turbina, temos uma queda rápida da eficiência global do ciclo.

Caso essas eficiências caiam abaixo de 60%, todo o trabalho realizado pela turbina

será utilizado para acionamento do compressor, nos retornando a um rendimento

global nulo. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.277)

Assim como no ciclo de Rankine, existem várias maneiras de aumentar a

eficiência do ciclo de Brayton. Podemos adicionar um regenerador como na Figura

17, ou incrementar ainda mais o sistema, adicionando compressão em vários

estágios com resfriamento intermediário, expansão em vários estágios com

reaquecimento e um regenerador, de acordo com a Figura 18. (VAN WYLEN, et al.,

1997, p.281)

16

Figura 17 – Ciclo de Brayton com regenerador. (VAN WYLEN, et al., 1997,

p.282)

Figura 18 - Ciclo de Brayton com compressão em vários estágios com

resfriamento intermediário, expansão em vários estágios com reaquecimento e

regenerador. (VAN WYLEN, et al., 1997, p.284)

17

Capítulo 3: Biogás

O biogás é originado por bactérias em um processo de biodegradação de

matéria orgânica em condições anaeróbias (sem a presença de ar). A geração

natural de biogás é uma parte importante do ciclo biogeoquímico do carbono. As

bactérias metanogênicas que produzem metano são o último elo na corrente de

microorganismos que degradam matéria orgânica e devolvem os produtos da

decomposição para o meio-ambiente. (KOSSMANN, et al.)

A composição do biogás varia conforme o substrato utilizado, a temperatura

no interior do biodigestor, o tempo de fermentação e o biodigestor utilizado, mas sua

maior parte consiste geralmente em metano (50-70%) e dióxido de carbono (30-

50%), mas pode conter diversas impurezas, que podem prejudicar o biodigestor, o

processo de fermentação e equipamentos conversores de energia, tais como

motores e turbinas. (DEUBLEIN, et al., 2008)

3.1: Biodigestor

A produção de biogás só é possível graças à existência de um equipamento

chamado biodigestor. Trata-se de uma câmara de armazenamento onde ocorre a

digestão da matéria orgânica, em condições anaeróbias, e uma campânula

(gasômetro) para acumular o gás desprendido do processo. Sua principal finalidade

é o armazenamento e transmissão do biogás (mais especificamente o metano) e

possui como subproduto o biofertilizante, que por ser rico em nutrientes é

considerado um excelente adubo orgânico. Existem dois tipos de biodigestores

quando nos referimos ao seu funcionamento. Nos contínuos, a alimentação de

matéria orgânica é feita continuamente, resultando em uma produção constante. Os

biodigestores do tipo descontínuo recebem sua carga de forma inconstante, o que

acontece por diversas razões, como falta de substrato ou baixo consumo. De acordo

com MAGALHÃES (1986, p. 47), no caso de baixo consumo de biogás, é possível

que seja desenvolvida uma técnica especial para estocagem ou para expelir o gás

para a atmosfera através de dispositivo de segurança (se a capacidade do

gasômetro estiver submetida a pressão máxima), ou por meio de registro de gás. A

utilização do dispositivo de segurança se dá quando a formação do gás é total e

18

mesmo assim é realizada uma nova carga de material orgânico no biodigestor. À

medida que o gasômetro encontra-se em capacidade máxima e tem-se a

continuidade na geração de gás, o dispositivo vai liberando o excesso para a

atmosfera. Nos próximos itens serão apresentados os modelos mais comuns de

biodigestores usados no Brasil.

3.1.1: Modelo Indiano

As características mais marcantes do modelo Indiano são o fato de ser

composto por uma campânula como gasômetro, podendo esta estar mergulhada no

substrato ou em um selo d’água externo e uma parede central que divide o tanque

de fermentação em duas câmaras (Figura 19) (DEGANUTTI, et al., 2002). À medida

que o substrato vai sendo colocado na caixa de entrada, este é conduzido por um

tubo até o fundo do depósito para que possa se iniciar a fermentação. (SANTA

CATARINA, 1980, p. 12)

Como o biodigestor está sempre cheio de mistura, quando este recebe novas

cargas, um material completamente digerido transborda na saída. Esse material

transbordado é um biofertilizante muito rico em nitrogênio. (SANTA CATARINA,

1980, p. 12). Para que o material que entrou na câmara de digestão fique o maior

tempo possível e não transborde diretamente na saída, é construída uma parede

divisória, cuja altura alcança quase o fim da parte de cima do biodigestor. Desta

forma, o material que entra tem que passar por cima da parede para depois descer e

poder transbordar na saída.(SANTA CATARINA, 1980, p. 12)

Figura 19: Biodigestor modelo indiano – Vista Geral. (MAGALHÃES, 1986)

19

Figura 20 – Biodigestor modelo indiano. (Disponível em:

<http://www.vibeflog.com/biodigestores/p/19264200>. Acesso em: 22/02/2012)

O modelo Indiano geralmente é construído em alvenaria de tijolos e concreto

e abaixo do nível do solo (para evitar variações de temperatura). Para o

compartimento de armazenamento de gás (gasômetro), normalmente usa-se chapa

de aço, com teto cônico ou reto, podendo também ser usada a fibra de vidro. A

vedação do sistema é garantida pelo peso do gasômetro. (MAGALHÃES, 1986, p.

49)

3.1.2: Modelo Chinês

Neste modelo, a fermentação ocorre em uma câmara cilíndrica com teto

abobadado e impermeável. Assim como o modelo indiano, é construído abaixo do

nível do solo para evitar mudanças bruscas de temperatura na câmara de

fermentação. Seu funcionamento segue o princípio da prensa hidráulica, ou seja, o

acúmulo de gás na câmara cilíndrica aumenta a pressão interna que ocasiona o

deslocamento dos efluentes digeridos para a câmara de saída. O contrário também

ocorre em caso de descompressão. Uma esquematização deste modelo pode ser

observada na Figura 21 (DEGANUTTI, et al., 2002).

20

No modelo Chinês, a estrutura é construída em alvenaria, inclusive o

gasômetro que é fixo e dotado de uma válvula, sendo esta composta por uma tampa

e pressionada por um selo d’água. Neste modelo, o desperdício é mais presente,

logo, é aconselhado que se esgote totalmente o gás frequentemente e que não seja

construído em grande porte (DEGANUTTI, et al., 2002) (BARREIRA, 2011, p. 20).

Figura 21 - Modelo chinês de cúpula fixa (BARREIRA, 2011).

Figura 22 – Biodigestor modelo chinês. (Disponível em:

<www.alibaba.com/productgs/319529857/Steel_mould_for_100m3_PUXIN_biogas.ht

ml>. Acesso em: 22/02/2012)

21

3.1.3: Modelo Marinha Brasileira

O modelo desenvolvido pela Marinha brasileira possui gasômetro de lona

preta, impermeabilizada. Normalmente são de baixa profundidade, porém mais

longos, oferecendo uma maior produtividade de gás por massa fermentada

(BARREIRA, 2011, p. 23). Sua construção é tal que facilite acoplar em série diversos

módulos, o que constitui um conjunto de 4 ou 5 unidades digestores, como

demonstrado na Figura 23 (MAGALHÃES, 1986, p. 49).

Figura 23: Modelo Marinha – Unidade especial de 3 módulos acoplados

(invento do Professor Bela John Edward Zettl) (MAGALHÃES, 1986).

Figura 24 – Biodigestor modelo Marinha Brasileira. (Disponível em:

<http://blogdoplastico.wordpress.com/>. Acesso em: 02/04/2012)

22

3.1.4: Modelo Batelada

Modelo simples de biodigestor descontínuo, próprio para baixa produção de

biogás. É um pequeno tanque construído em alvenaria, metal ou fibra de vidro. Após

sua carga com substrato, o biodigestor deve ser fechado e espera-se que após 15 a

20 dias de fermentação a produção de biogás inicie. A produção é contínua

enquanto estiver ocorrendo a fermentação do biogás, o que leva aproximadamente

20 dias. Após a total digestão do material orgânico, o tanque deve ser aberto, limpo

e recarregado, para que o processo se reinicie.

Figura 25: Biodigestor tipo batelada em funcionamento. (Disponível em:

<http://permaculturalagooeste.blogspot.com/2011/04/experiencias-com-biodigestor-

na-toca-da.html>. Acesso em: 22/02/2012)

3.2: Substrato

Conforme DEUBLEIN e STEINHAUSER (2008, p. 57), de um modo geral,

todos os tipos de biomassa podem ser usadas como substrato desde que

contenham carboidratos, proteínas, gorduras, celulose e hemicelulose como

componentes principais. É importante considerar alguns pontos ao escolher a

biomassa:

23

• O conteúdo de substância orgânica deve ser apropriado para o

processo de fermentação escolhido;

• O valor nutricional da substância orgânica, por isso, o potencial para

formação de gás deve ser o maior possível;

• O substrato deve ser livre de patógenos e outros microorganismos;

• A quantidade de substâncias nocivas e lixo deve ser baixa para permitir

que o processo de fermentação ocorra sem problemas;

• A composição do biogás deve ser apropriada para diversas aplicações;

• A composição dos resíduos da fermentação deve ser de tal forma que

este possa ser utilizado como fertilizante.

3.3: Componentes típicos do biogás

A composição do biogás varia conforme o material (substrato) utilizado, a

temperatura interna do biodigestor e o tempo de fermentação. De acordo com

BARREIRA (2011), o valor comum da quantidade de metano no biogás está na faixa

de 50-70% com um poder calorífico situado entre 5000 kcal/m³ e 7000 kcal/m³. Os

demais componentes do biogás serão descritos de forma mais detalhada na Tabela

1.

Tabela 1: Componentes do biogás e seus efeitos. (DEUBLEIN, et al., 2008)

Componente Quantidade Efeito

CO2 30-50% do volume. Diminui o poder calorífico.

Causa corrosão (baixas concentrações de ácido

carbônico) se o gás estiver úmido.

Causa danos a células combustíveis alcalinas.

H2S 0-0,5% do volume. Efeito corrosivo em equipamento e encanamentos.

Apesar da porcentagem que pode compor o gás, muitos

fabricantes de motores fixam um limite máximo de

0,05% do volume.

Emissões de SO2 após combustão completa ou H2S no

24

caso de combustão incompleta. Limite máximo em 0,1%

do volume.

Danifica catalisadores.

NH3 0-0,05% do volume. A emissão de NOx depois da queima danifica as células

combustível.

Vapor de

água

1-5% do volume. Causa a corrosão de equipamentos e encanamentos.

Condensação danifica instrumentos.

Poeira >5µm. Bloqueia orifícios e células combustível

N2 0-5% do volume. Abaixa o poder calorífico.

Siloxanos1 0-50mgm-3. Atua como abrasivo e danifica motores.

3.4: Biofertilizante

Após o processo de fermentação em que o biogás é produzido, o resíduo

líquido efluente possui excelentes propriedades fertilizantes. É um adubo rico em

nitrogênio e húmus, sendo ótimo para uso agrícola, constituído de nitrogênio (1,4 e

1,8%), fosfato (1,1 e 2,0%) e óxido de potássio (0,8 e 1,2%), após a secagem da

pasta. Esse resíduo pode ser manuseado sem maiores problemas por não

apresentar cheiro, não atrair insetos e não transmitir doenças. Caso apresente

algum dos aspectos mencionados, recomenda-se aumentar o tempo de retenção do

gás. (MAGALHÃES, 1986, p. 13)

Após sua fermentação, a matéria orgânica adquire um aumento de nitrogênio

e de outros nutrientes. Isso se deve à perda de carbono no processo, sob a forma de

CH4 e CO2. A redução do fator C/N (carbono/nitrogênio) traz benefícios para a

massa orgânica quando o produto final é para fins agrícolas. O fator C/N de um

adubo é o índice que indica as formas crua, semidigerida ou totalmente digerida do

material orgânico. Esta relação é obtida pela divisão do teor de carbono pelo de

nitrogênio, sendo que o nitrogênio deve ser sempre representado pela unidade.

Exemplificando, a palha de milho contém 54% de C e 0,49% de N e tem uma relação

C/N igual a 110/1. Num adubo composto humificado, obtido pelo processo

bioquímico de decomposição a partir dos mesmos insumos (matéria orgânica)

25

utilizados na biodigestão, tem-se uma relação C/N próxima a 10/1. Relações maiores

ou igual a 30/1 indicam que o composto se encontra bioestabilizado. Para melhor

fermentação dentro do biodigestor, uma relação de 30/1 é recomendada, pois as

bactérias utilizam em torno de 25 a 30 vezes mais rápido o nitrogênio (contido nos

estercos) do que o carbono (existente nos restos de culturas, etc). (MAGALHÃES,

1986, p. 14)

Em 1986, engenheiro agrônomo Ralph Wagner, conversando com o repórter

Roberto Manerada revista Globo Rural, alertou: “O pouco interesse pelos

biodigestores no Brasil, nestes últimos dez anos, deve-se ao fato de eles terem sido

apresentados apenas como alternativa energética (...) O que mais interessa é

divulgar o biofertilizante como substituto vantajoso dos adubos e defensivos

industriais”. Diversas experiências realizadas no Brasil confirmam a afirmação do

engenheiro agrônomo. (BARREIRA, 2011, p. 29)

Uma destas experiências foi em Minas Gerais, onde o pesquisador Ivanildo

Marriel, do Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo (CNPS), em Sete Lagoas,

triplicou a produtividade do milho combinando biofertilizantes produzidos em

biodigestores com a adubação química. Ainda descobriu que o solo tratado com

biofertilizante perdeu todo o alumínio tóxico produzido pela acidez. (BARREIRA,

2011, p. 29)

Uma outra experiência ocorreu no início dos anos 80, em uma área arrendada

pela Sendas. O solo desta área, localizada no fundo da baía da Guanabara, era

extremamente ácido (pH em torno de 3,5). Mesmo com o solo sendo impróprio para

plantio, a área foi utilizada para criação de gado e plantio, mesmo que as

expectativas para fins agrícolas fossem baixas. Para aproveitar a grande quantidade

de esterco proveniente da pecuária, foi instalado um biodigestor desenvolvido pela

Marinha Brasileira. A terra começou a ser tratada utilizando o biofertilizante

resultante e de maneira inesperada o pH do solo começou a melhorar. Ainda não

são certas as razões pelo qual o tratamento utilizando biofertilizante corrigiu o pH do

solo, mas experiências mostram que isso ocorre. O pH médio do biofertilizante é 7,5

(levemente alcalino), o que é considerado um excelente índice para proliferação de

microorganismos úteis ao solo. Estes microorganismos, de acordo com os

especialistas, podem ser a razão da restauração da qualidade do solo, equilibrando

o pH. (BARREIRA, 2011, p. 30)

26

Capítulo 4: Mecanismo de desenvolvimento limpo.

O mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) tem como objetivo prestar

assistência aos países em desenvolvimento para que seja viabilizado o

desenvolvimento sustentável e aos países desenvolvidos para atingirem sua meta

de redução de gases de efeito estufa no âmbito do Protocolo de Quioto. Esse

acordo, firmado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, envolve

investimento por parte da nação desenvolvida em implementação de projetos nas

nações em desenvolvimento que resultem na redução da emissão de gases de

efeito estufa. Para isso, a nação desenvolvida pode investir em tecnologias mais

eficientes, realizar projetos de substituição de combustíveis fósseis para geração de

energia por fontes renováveis, fazer racionalização do uso da energia, florestamento

ou reflorestamento, entre outras. Os países desenvolvidos podem adquirir todos ou

parte dos créditos (redução certificada de emissões – RCEs) gerados no projeto.

(FGV, 2002)

As RCEs são medidas em toneladas de carbono equivalente, calculadas de

acordo com índice GWP (Global Warming Potential). Este índice é utilizado para

uniformizar as quantidades dos diversos gases de efeito estufa em termos de

carbono equivalente, o que possibilita que a redução na emissão de diversos gases

diferentes seja somada. Em relação à destinação das RCEs, os países

desenvolvidos podem comprá-las para cumprimento de suas metas na redução dos

gases de efeito estufa e os participantes de atividades de projeto podem ter como

objetivo a comercialização/revenda dos créditos com a expectativa de valorização

futura e realização de lucros, dada a demanda pelas partes compromissadas a

reduzir suas emissões. (FGV, 2002)

27

Figura 26: Ciclo do crédito de carbono. (FGV, 2002)

28

Capítulo 5: Estudo do potencial energético de uma

propriedade de suinocultura em Santa Catarina.

Atualmente, a suinocultura catarinense possui o melhor nível de produtividade

do País, com índices semelhantes ou até mesmo superiores ao de países europeus

e dos EUA. Com uma produção de cerca de 0,7% da mundial, a suinocultura

catarinense é competitiva internacionalmente. (EPAGRI, 2012)

O estado possui um rebanho permanente de aproximadamente 4,5 milhões

suínos, representando 16% do rebanho nacional e produz mais de um terço dos

abates totais, o que representa 7,8 milhões de cabeças/ano. Com apenas 19% do

rebanho industrial (3,4 milhões de cabeças), Santa Catarina detém o controle de

aproximadamente 40% dos abates industriais do País (6,6 milhões de cabeças).

(EPAGRI, 2012)

O mercado de suínos se concentra em 5 empresas de grande porte, todas

com matriz em Santa Catarina. Estas detêm mais de 60% dos abates e de 70% dos

negócios suinícolas do país. (EPAGRI, 2012)

5.1: Cálculo da quantidade de biogás.

Vamos considerar uma propriedade agrícola hipotética (com dados baseados

em propriedades reais obtidos em publicações da EMBRAPA) no oeste de Santa

Catarina, representando uma carga de 22,3 kW para o SIN, que tenha como um de

seus ramos de produção a suinocultura. Esta propriedade possui um rebanho

permanente de 1060 suínos e estes são alimentados com silagem de milho

contendo 33% de volume seco. A silagem é produzida na propriedade, sendo uma

parte destinada à alimentação dos animais e outra à venda. O excedente (destinado

à venda) médio por safra (aproximadamente 6 meses) é de 1464,66 toneladas, a um

custo de produção aproximado de R$ 65,00 por tonelada (disponível em

<www.milkpoint.com.br>, acesso em 13/12/2011). Usando estes dados, e

considerando duas safras por ano, podemos chegar a um valor de 8,137 t/dia de

silagem de milho. Embora no Brasil esta prática não seja muito utilizada, a silagem

29

possui um grande potencial para a produção de biogás, sendo amplamente utilizada

em países europeus para este fim.

De acordo com Santos (2000), porcos em exploração pra engorda fornecem,

por cabeça, matéria prima para a produção de cerca de 0,799 m³ diários de biogás,

como mostrado na Tabela 2.

Tabela 2: Produção diária de biogás por suíno. (SANTOS, 2000)

Sendo assim, podemos estimar que para 1060 suínos em exploração de

engorda, teremos uma produção diária de 846,94 m³ de biogás. E de acordo com os

dados fornecidos pela NNFCC, é possível obter uma produção aproximada de 200

m³/t de biogás para a silagem de milho com cerca de 30% de massa seca na sua

composição. Fazendo os cálculos, obtém-se uma média 1627,4 m³/dia de biogás

através da silagem. Abaixo está a memória de cálculo do total de biogás produzido

diariamente:

QTBE – Quantidade total de biogás gerado pelos excrementos de porco.

QTBS – Quantidade total de biogás obtido pela Silagem.

QTB – Quantidade total de biogás.

���� = 0,799�1060 = 846,94#³/&'(

���) = 200�8,137 = 1.627,4#³/&'(

��� = ���� + ���) = 2.474,34#³/&'(

O total diário então é de 2.474,34 m³/dia de biogás disponível.

5.2: Geração principal de energia elétrica

Para o cálculo da geração de energia, é necessário primeiramente

dimensionar a turbina adequada para a geração principal. Após pesquisar diversos

30

modelos de turbinas, foi encontrado o modelo c200 da CAPSTONE, com capacidade

de 200 kW. Os dados principais desta turbina estão expostos na Tabela 3

De acordo com Santos (2000), a equivalência energética do biogás é de 6,5

kWh/m³ ou 23,37 MJ/m³. Lembrando, enfaticamente, que esta é uma aproximação,

uma vez que a qualidade e o poder calorífico do biogás dependem de inúmeros

fatores e não é possível ser calculado com precisão. Porém, esta é uma

aproximação válida para realização de estudos de dimensionamento.

CDB – Consumo diário de biogás pela turbina.

QDD – Quantidade diária disponível de biogás.

Cálculos de consumo da turbina:

./� = 240001. ℎ34. 24ℎ

./� = 5760001 ou 666,667 kW

Cálculos da quantidade disponível biogás:

�// = 2474,34#³. 23,3701.#36

�// = 57825,32601 ou 669,274 kW

Logo, podemos concluir que temos energia suficiente para geração

ininterrupta a plena carga durante 24 horas por dia. A quantidade gerada deverá

garantir a autossuficiência da propriedade e a possibilidade de venda do excedente

para a concessionária local. Há também cerca de 9,64 m³ de biogás que não serão

utilizados na geração. Essa pequena quantidade pode ser utilizada como substituto

do gás de cozinha ou para aquecer água.

31

Tabela 3: Dados turbina CAPSTONE C200. (CAPSTONE)

5.3: Cálculo da geração em ciclo combinado.

Não existem muitos fabricantes de microturbinas operando a ciclo orgânico de

Rankine disponíveis atualmente, mas sendo a temperatura dos gases de exaustão

da turbina 280ºC, estes podem ser considerados de baixa temperatura. Esses dados

tornam mais atrativa a aplicação de um modelo de turbina em ciclo orgânico, dado

que seu fluido de trabalho é escolhido para operar com recuperação de gases em

baixas temperaturas.

Após contato com alguns fabricantes, foi obtida uma resposta positiva da

Infinity Turbine ®. O fabricante não possuía nenhum data-sheet disponível, porém,

me passou as informações necessárias e um modelo adequado para o meu caso.

Os modelos deste fabricante possuem eficiência em torno de 10% do total de

energia que está em exaustão.

32

Cálculo da quantidade de energia recuperável:

QEE – Quantidade de energia em exaustão.

QER – Quantidade de energia recuperável.

��� = 142001/36007

��� = 394,4489

��: = 0,1.394,4489

��: = 39,44489

Após esta breve análise, optou-se pelo modelo IT50, que possui capacidade

de geração de 50 kW em plena carga. Os principais dados relativos a este gerador

são apresentados na Tabela 4

Tabela 4: Descritivo IT50. (INFINITY TURBINE ®)

Aspecto Descrição

Capacidade 50kWe

Rotação 15000-18000 rpm

Pressão de trabalho 150-200 psi

Fluido de trabalho R134a e R245fa

Eficiência ~10%

5.4: Dimensionamento do biodigestor

De acordo com BARREIRA (2011), é recomendado para a digestão do

material orgânico que a proporção substrato-água seja de 1:1 até 1:2 para maior

eficiência do processo de decomposição. Para este caso, adotou-se por manter a

proporção de 1:1, tendo em vista que ambos os substratos apresentam grande

quantidade de água em sua composição. Essa quantidade de água adicionada

também evitará entupimento dos canos caso os substratos não estejam bem

diluídos.

O processo de digestão da matéria orgânica leva algum tempo para ser

concluído, sendo este um fator importante na hora de dimensionar o biodigestor. De

33

acordo com BARREIRA, para os biodigestores contínuos mais comuns utilizados no

Brasil (Indiano e Chinês), o tempo de retenção varia entre 40 e 60 dias. Dado o fato

de que a maior parte do substrato é silagem e que este demora mais do que o

esterco de porco para ser totalmente digerido, optou-se por um tempo de retenção

de 60 dias, para máxima obtenção de biogás.

A maneira mais simples de dimensionar o volume do biodigestor é pelo

produto do volume de carga diário pelo tempo de retenção:

VB – Volume do biodigestor.

VCD – Volume da carga diária de substrato.

;� = ;./. �:

Sabendo que a densidade da silagem de milho com 34% de massa seca é de

aproximadamente 690 kg/m³(MUCK, et al., 2000) e que o volume diário de

excremento que um porco em exploração de engorda é 6,3 litros (TAKITANE, 2001),

obtemos o volume total diário de 36,94 m³, o que nos estima um biodigestor de

2216,4 m³

5.5: Custos

Para levantamento dos custos, foram levadas em conta publicações

cientificas e pesquisas de mercado, com contato direto com o fabricante ou

representante da marca.

Tabela 5: Especificações turbina CAPSTONE. (CAPSTONE)

Turbina C200 CAPSTONE

Custo unitário. R$345.600,00

Custo O&M. R$0,0864/kWh

Manutenção preventiva. A cada 8.000 horas de uso.

Tempo de vida útil. 20 anos.

Tabela 6: Especificações turbina IT. (INFINITY TURBINE)

Turbina IT50 INFINITY TURBINE

34

Custo unitário. R$224.640,00

Custo de O&M. R$0,0864/kWh

Manutenção preventiva. A cada 10.000 horas de uso.

Tempo de vida útil. 20 anos.

O custo de O&M para a turbina em ciclo orgânico de Rankine não foi

fornecido pelo fabricante, logo, para questões de estimativa foi utilizado o mesmo

custo da turbina C200. Como as manutenções preventivas das turbinas são

próximas, optou-se por realizar a manutenção de ambas as turbinas após cada

8.000 horas de operação, evitando assim duas paradas em um intervalo de 2.000

horas.

De acordo com (ZANIN, et al., 2010), o custo para a construção de um

biodigestor de 900 m³ é R$ 102.426,00 e para um de 1400 m³ é R$ 131.700,00. Para

o primeiro podemos calcular um preço de R$ 113,80/m³ e para o segundo R$

94,07/m³. Podemos perceber que o preço cai conforme aumenta o tamanho do

biodigestor. Aproximando essa variação para uma reta (linear), encontrou-se a

equação:

<=>ç@ = 58,548. ;@AB#> + 49732,85

Podendo desta forma calcular para um volume de 2216,4 m³

<=>ç@ = 58,548.2216,4 + 49732,85

<=>ç@ = :$179.498,64

Em contatos realizados com alguns fabricantes, foi informado que este preço

representa uma boa estimativa, dado que o custo do biodigestor varia de acordo

com os preços dos materiais de construção e mão de obra em cada região.

Levando em conta que a manutenção preventiva das duas turbinas leva cerca

de 4 dias e que essa parada seja aproveitada para ser efetuada para a limpeza do

biodigestor, estimamos que o sistema fique parado durante 5 dias no ano. Na Tabela

7 estão descritos os custos totais.

Tabela 7: Custos totais

Custos Fixos

35

Turbina C200 R$ 345.600,00*

Turbina IT50 R$ 224.640,00*

Biodigestor R$ 179.498,64

Custos variáveis anuais

Silagem R$ 190.405,80

O&M R$ 178.744,30*

Custo total

Investimento inicial no 1º ano. R$ 1.118.888,74

*De acordo com a cotação do dólar em 02/03/2012 (R$1,728).

5.6: Retorno do investimento.

5.6.1: Venda de energia elétrica

Com a quantidade de energia que será gerada, será possível suprir toda a

demanda da propriedade e ainda vender o excedente para a concessionária local.

Na Tabela 8 temos os valores da tarifa cobradas pela CELESC. Como se trata de

uma propriedade rural, o custo do kWh é de R$ 0,19593, o que nos permite calcular

a economia anual proporcionada pelo sistema de geração combinada.

Tabela 8: Tarifa convencional de energia elétrica CELESC.

36

(Disponível em:

<http://portal.celesc.com.br/portal/grandesclientes/index.php?option=com_content&ta

sk=view&id=57&Itemid=106>. Acesso em: 18/05/2012)

.D� = .. 8640ℎ

.D� = 22,38E. 8640ℎ

.D� = 192.67289ℎ

�.F = .D�. 0,19593

�.F = :$37.740,22

De acordo com a APINE (Associação Brasileira dos Produtores

Independentes de Energia Elétrica), os preços de venda da energia se dividem nas

regiões do Brasil conforme a Tabela 9, em 3 horários distintos e o patamar de carga

está demonstrado na Tabela 11.

Tabela 9: Preço de venda do MWh em 10/05/2012.

(Disponível em:

<http://www.apine.com.br/site/zpublisher/secoes/Precos_Energia.asp>. Acesso em:

18/05/2012)

Tabela 10: Patamar de carga. (ALVES DE FARIAS, 2008)

37

Conclui-se que, de segunda a sábado, cada dia possui 7 horas de carga leve,

14 horas de carga média e 3 horas de carga pesada. Com auxilio de um calendário,

observa-se que em 2012 teremos 53 domingos e 10 feriados que não caem no

domingo. Com o abatimento do consumo próprio de energia elétrica, restam

1.876.124,16 kWh para serem comercializados como produção independente de

energia. Feito os cálculos da venda de energia, os valores são apresentados na

Tabela 11.

Tabela 11: Receita com venda de energia em 2012.

Horas/Ano Receita

Leve 3276 horas/ano R$ 127.533,29

Média 4473 horas/ano R$ 175.025,60

Pesada 891 horas/ano R$ 35.028,70

Total 8640 horas/ano R$ 337.587,59

5.6.2: Venda da produção de biofertilizante.

Para calcular a quantidade de biofertilizante produzido, primeiramente

precisamos saber a parte do volume total do substrato que será convertido em CH4 e

CO2 (consideraremos aqui somente estes dois gases por serem a maior parte da

composição do biogás). Na literatura encontramos esse valor situado entre 4% e 7%

(OLIVEIRA, 2005).

A maneira mais simples de calcular a quantidade do volume do biodigestor

que corresponde ao biogás é calcular qual a massa do gás formado. De acordo com

a equação de Clapeyron, um mol de um gás contém sempre um número fixo de

moléculas:

<. ; = G. :. �

P – Pressão (atm)

V – Volume (L)

n – Número de mols

R – Constante dos gases (0,082 atm.L.K-1)

38

T – Temperatura (K)

Uma mistura gasosa com gases que não reagem entre si, se comporta como

um gás único puro. Embora a lei do gás ideal seja uma lei limite, é razoável em

pressões normais para uma análise primária do comportamento dos gases. Desta

forma, podemos utilizar a equação de Clapeyron para estimar a quantidade de

metano (CH4) e gás carbônico (CO2) presente na mistura. (BOSQUILHA, 2003,

p.195)

Como dito anteriormente, o biogás tem composição de metano na mistura

entre 50% e 70% e poder calorífico situado entre 5000 kcal/m³ e 7000 kcal/m³

(BARREIRA, 2011, p.10). Como o poder calorífico utilizado foi de 6,5 kWh/m³

(5598,1 kcal/m³), podemos calcular uma quantidade de aproximadamente 56% de

metano na mistura. Como vamos considerar apenas o metano e o gás carbônico,

deste último teremos 44% na mistura.

Para aplicar a equação de Clapeyron, vamos considerar pressão de 1 atm e

temperatura de 25ºC (298K). O volume diário de biogás produzido, como já

calculado anteriormente é de 2474,34 m³.

1.2474340H = G. 0,082atm. L. K34. 298K

G = 101257,98#@A7

Ou seja, temos 56.704,47 mols de metano e 44.553,51 mols de gás

carbônico. Conhecidas as massas molares do metano como 16,04 g/mol e do gás

carbônico 44,01 g/mol (BOSQUILHA, 2003), calculamos que a massa total de

substrato transformada em biogás é 1,624 toneladas aproximadamente. Agora

precisamos calcular o peso que entra diariamente no biodigestor. Sabemos que

diariamente temos 8,137 toneladas de silagem e 18,47 toneladas de água e que de

acordo com BARREIRA (2011), um suíno produz cerca de 2,25 kg de esterco por

dia. Assim, chegamos em um total de 28,992 ton/dia de mistura dentro do

biodigestor. Subtraindo este total da quantidade que é transformada em gás, temos

uma exaustão de 27,368 ton/dia de biofertilizante, correspondendo a 5,6% da massa

total da parte líquida/sólida se transformando em biogás. Isto nos representa uma

excelente aproximação comparado aos casos retratados na literatura. (OLIVEIRA,

2005).

39

Como a tonelada do biofertilizante é comercializada entre 30 e 90 reais

(OLIVEIRA, 2009), podemos calcular os valores mínimos e máximos que poderão

ser obtidos com a comercialização deste.

Tabela 12: Receita anual com venda de biofertilizante.

Venda Receita/ano

R$30/ton R$295.574,40

R$90/ton R$886.723,20

5.6.3: Mercado de carbono.

Caso esse projeto seja enquadrado em um projeto de MDL, será possível

comercializar os créditos obtidos pela redução na emissão dos gases de efeito

estufa. De acordo com o índice GWP, obtemos que 1 kg de CO2 equivale a 0,2727

kg de carbono equivalente e que 1 kg de CH4 equivale a 5,7267 kg de carbono

equivalente. Vamos supor que na propriedade, após a geração da energia, toda e

qualquer exaustão de gás seja tratada, reduzindo as emissões de gases de efeito

estufa a um valor muito próximo de zero. Sendo assim, podemos calcular o total de

carbono equivalente produzido em um ano.

Gás metano: Total = 360x56704,47molsx16.04g.mol34 = 327.434,3kg

Carbono equivalente do metano: Total = 327.434,3x5,7267 = 1.875,12ton.

Gás carbônico: �@V(A = 360�44.553,51#@A7�44,01W.#@A34 = 705.8888W

Carbono equivalente do gás carbônico: �@V(A = 705.888�0,2727 = 192,5V@G.

Coletando os dados dos cálculos acima, chegamos a uma quantidade anual

de créditos de carbono igual a 2067,62. Como essa redução será constante

anualmente, podemos vender os créditos gerados em 20 anos de duração do projeto

em leilões do BM&F BOVESPA. Nesses 20 anos seriam gerados 41.352,4 créditos

de carbono, com o valor de cada crédito de acordo com o último leilão do BM&F

BOVESPA (25/09/2008) a 19,20 euros. A cotação do euro no dia do leilão era de

2,67 reais, o que resultaria em R$ 2.119.889,43 ao longo de 20 anos de operação da

pequena central de cogeração.

40

5.6.4: Valor presente líquido.

Considerando que o sistema de geração tem um tempo de vida útil de 20

anos, podemos calcular o VPL. No dia 19/05/2012, a taxa de juros da economia

brasileira era de 9% (Brasil Econômico). A fórmula do VPL é muito comum e

utilizada nas áreas de projeto e investimento.

;<H = ∑YZ[

(4]�)[�_

FC – Fluxo de caixa

i – Taxa de juros

t – Quantidade de tempo em anos

n – Duração do projeto

Tabela 13: Valor Presente Líquido

Dados Gerais

Investimento inicial R$ 1.118.888,74

Custo anual R$ 369.150,10

Lucro anual com

venda/economia de energia

elétrica

R$ 375.327,81

Lucro com venda de

biofertilizante (R$30/ton)

R$ 295.574,40

Lucro com venda de

biofertilizante (R$90/ton)

R$ 888.723,20

Lucro com a venda dos

créditos de carbono gerados

ao longo de 20 anos de

projeto.

R$ 2.119.889,43

41

Valores anuais

Ano VPL com valor mínimo

do biofertilizante

VPL com valor máximo do

biofertilizante

0 -R$ 1.118.888,74 -R$ 1.118.888,74

1 R$ 276.836,80 R$ 821.010,01

2 R$ 253.978,71 R$ 753.220,19

3 R$ 233.001,00 R$ 691.027,70

4 R$ 213.768,80 R$ 633.970,36

5 R$ 196.118,17 R$ 581.624,19

6 R$ 179.924,92 R$ 533.600,17

7 R$ 165.068,74 R$ 489.541,44

8 R$ 151.439,21 R$ 449.120,59

9 R$ 138.935,05 R$ 421.037,24

10 R$ 127.463,35 R$ 378.015,82

11 R$ 116.938,85 R$ 346.803,50

12 R$ 107283,35 R$ 318.168,35

13 R$ 98.425,10 R$ 291.897,57

14 R$ 90.298,25 R$ 267.795,93

15 R$ 82.842,43 R$ 245.568,34

16 R$ 76.002,23 R$ 225.398,48

17 R$ 69.726,82 R$ 206.787,60

18 R$ 63.969,56 R$ 189.713,39

19 R$ 58.687,67 R$ 174.048,98

20 R$ 53.841,90 R$ 159.677,96

Total R$ 1.635.662,17 R$ 7.059.139,07

42

Total com os créditos de

carbono

R$ 3.755.551,60 R$ 9.179.028,50

Fazendo algumas projeções, aproximamos um tempo de retorno de

investimento para caso de menor preço do fertilizante de 4 anos e 9 meses, e de 1

ano e 7 meses para o caso de maior preço.

43

Capítulo 6: Conclusão

O biogás representa um enorme potencial de geração de energia elétrica para o

Brasil. O seu uso já é amplamente distribuído em países desenvolvidos ou super-

populosos como China e Índia, porém no Brasil, a sua utilização está apenas no

inicio. Com a utilização desta fonte renovável, problemas de fornecimento de energia

em regiões remotas não seriam mais tão numerosos, assim como o fato de termos

uma matriz de geração distribuída totalmente nova à disposição.

A primeira coisa a se fazer é conscientizar todo e qualquer proprietário que

tenha uma fonte de matéria orgânica em quantidade que está sendo jogada fora e

deixada para ser decomposta de maneira inapropriada, dos benefícios da geração

do biogás. A maior parte dos aterros, estações de tratamento de esgoto e produtores

agropecuários não utiliza a decomposição de rejeitos orgânicos para obtenção de

biogás por desconhecerem sua existência ou por acharem que o investimento não

se pagará, trazendo um enorme prejuízo.

Para a propriedade agrícola apresentada, podemos perceber que embora o

custo inicial seja alto, o retorno será em um curto prazo de 1 ano e 7 meses até 4

anos e 9 meses. Isso representa um investimento sólido, que proporcionará não

apenas a independência energética da propriedade, mas também lucros

razoavelmente altos em duas décadas.

Observe bem que esse sistema demonstra a grande eficiência de um sistema

de cogeração a biogás. Além de obtermos grande eficiência na produção de energia

elétrica, temos um aproveitamento da matéria orgânica que margeia os 100%, pois

além de uma parte ser convertida em gás para alimentar a turbina, a parte

descartada pode ser utilizada como biofertilizante de alta qualidade.

Com a preocupação mundial em relação ao meio ambiente, um projeto como

este possui uma significância muito grande no que se diz respeito à redução nas

emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. A digestão em local fechado

da matéria orgânica impede que o metano escape para o ambiente, e sua queima

reduz o seu potencial agressivo contra a camada de ozônio. Com estas medidas,

ainda é possível gerar renda com a venda dos certificados de redução de emissão

44

(créditos de carbono), o que representa mais um atrativo para o investimento em um

projeto como este.

A implantação deste sistema de geração na propriedade rural estudada, pode

ser o incentivo necessário para que as outras propriedades da região também

adotem o aproveito do biogás. Toda a região agrícola das proximidades poderá se

tornar autossuficiente em geração de energia e biofertilizante. Essa idéia poderá se

ampliar e trazer uma nova visão de prosperidade para o estado.

45

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