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TEATRANDO ATRÁS DO PANO 37 deu que sim, que tinha chamado o gerente e exigido que, no dia seguinte, o café fosse diferente e que não iria sentar à mesa se só houvesse aquelas frutas e os mesmos queijos. Paulo disse apenas que, no dia seguinte, ia ser diferente sim, pois ela não iria tomar aquele café pobre naquele simples hotel, pois ele já estava providenciando a passagem dela de volta para que ela não passasse por aquele constrangimento na próxima manhã. À tarde, a arrogante camareira já estava na rodoviária local, retornando para o Rio de Janeiro. No dia seguinte, certamente, ela fez o seu breakfast com pão e manteiga, em casa. Falsa baiana Geraldo Pereira é um dos maiores compositores que o Brasil já teve. Sambista, boêmio e elegante, mais parecia um lorde na Lapa, que ele frequentava todas as noites. Uma de suas músicas mais importantes, Falsa baiana, está intimamente ligada ao Teatro João Caetano. Essa história me foi contada por Osmar Frazão, o grande estudioso da música brasileira. Foto: Reprodução Em Falsa baiana, Geraldo Pereira inspirou-se na mulher do amigo

Teatrando - Historia Falsa Baiana

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TeaTrando aTrás do pano 37

deu que sim, que tinha chamado o gerente e exigido que, no dia seguinte, o café fosse diferente e que não iria sentar à mesa se só houvesse aquelas frutas e os mesmos queijos.

Paulo disse apenas que, no dia seguinte, ia ser diferente sim, pois ela não iria tomar aquele café pobre naquele simples hotel, pois ele já estava providenciando a passagem dela de volta para que ela não passasse por aquele constrangimento na próxima manhã.

À tarde, a arrogante camareira já estava na rodoviária local, retornando para o Rio de Janeiro.

No dia seguinte, certamente, ela fez o seu breakfast com pão e manteiga, em casa.

Falsa baiana

Geraldo Pereira é um dos maiores compositores que o Brasil já teve. Sambista, boêmio e elegante, mais parecia um lorde na Lapa, que ele frequentava todas as noites. Uma de suas músicas mais importantes, Falsa baiana, está intimamente ligada ao Teatro João Caetano. Essa história me foi contada por Osmar Frazão, o grande estudioso da música brasileira.

Foto: Reprodução

Em Falsa baiana, Geraldo Pereirainspirou-se na mulher do amigo

38 PaulO RObeRtO de OliveiRa

Era o ano de 1944 e o baile mais importante do Carnaval acontecia no Teatro João Caetano. A mulher de Roberto Mar-tins, outro grande compositor brasileiro, marcou encontro com o marido na porta do teatro e foi acompanhada de um casal de amigos. Sua fantasia de baiana era de chamar a atenção, com abacaxi na cabeça e tudo mais. O tempo passava, mas o mari-do, que estava com os ingressos, não chegava, e ela começou a ficar irritada.

Resolveu sair à procura do Roberto. Foi encontrá-lo no lugar mais frequentado pelos boêmios da época: o Café Nice (hoje, é o prédio da Caixa Econômica, na Avenida. Rio Bran-co). Lá estava ele numa mesa, acompanhado de Lamartine Babo e Geraldo Pereira. Depois da bronca merecida, foram todos para o baile do João Caetano. Ela irritadíssima, e ele com cara de santo.

Ao chegarem ao teatro, apesar do baile estar animadíssimo, ela não conseguia disfarçar o mau humor nem adoçar a “cara amarrada”.

Na época, uma das maneiras de brincar carnaval era a seguinte: fazia-se uma roda, todos cantando e batendo palmas, uma pessoa entrava na roda, dançava, dava um showzinho particular e escalava outro para entrar na roda. Chegou a vez da baiana entrar na roda. Mal humorada e com desânimo na alma, não teve como escapar. Entrou com sua fantasia de baiana e com as mãos na cintura tentando dar alguns passos, mas não havia jeito: sambou em ritmo de funeral e Roberto Martins, tentando brincar, disse: “Isso mais parece uma falsa baiana”. Geraldo Pereira sentiu imediatamente a força da frase e disse para o Roberto: “Vou fazer um samba com essa sua frase: falsa baiana.”

Dias depois, chegou Geraldo com o samba pronto e mostrou ao Roberto Martins que recusou a parceria oferecida. Assim, nasceu Falsa Baiana, que foi gravada até por João Gilberto e ainda hoje é um sucesso. Eis a letra do samba:

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“Baiana que entra no samba e só fica paradaNão samba, não dança, não bole nem nadaNão sabe deixar a mocidade loucaBaiana é aquela que entra no samba de qualquer maneiraQue mexe, remexe, dá nó nas cadeirasDeixando a moçada com água na bocaA falsa baiana quando entra no sambaNinguém se incomodaNinguém bate palma, ninguém abre a rodaNinguém grita Oba, Salve a Bahia, Senhor!Mas a gente gosta quando uma baianaSamba direitinho, de cima em baixo,Revira os olhinhos dizendoEu sou filha de São Salvador...”

Amigos de longe

A gente pode amar o que não conhece e respeitar o que não sabe nem se é o certo. Pode-se odiar o desconhecido e até desprezar o que é vital para nós. Da mesma forma, podemos ter um amigo durante quarenta anos e só conhecê-lo pessoalmente há cinco anos.

Quem nos apresentou foi o Hilton Abi-Rihan. Em menos de um mês, eu estava assinando, pela primeira vez, a direção de um show e, justamente, um show dele. Logo eu, que sem-pre tive medo desses voos tão ousados, embora dirigisse, na época, o teatro mais popular do Brasil. Aquilo era diferente, era uma direção artística e, ainda por cima, para um dos meus ídolos. Naquele show, a minha direção resumiu-se a deixar fluir um espetáculo que era, na verdade, dirigido pela experiência de quem já tinha se apresentado em milhares de outros shows.

Estou falando em João Roberto Kelly.

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Quem primeiro me chamou a atenção para ele foi Sergio Bit-tencourt, em 1963, quando Kelly estourava nas paradas musicais do país, com uma música chamada Boato (“Você foi a mentira que deixou saudade, todo boato tem um fundo de verdade”). Daquele momento em diante, não sei por que, passei a ficar ligado à obra de Kellynho, acompanhava sua trajetória artística de longe, sem conhecê-lo, cruzávamos pela vida como se esses desencontros tivessem sido escritos por alguma obviedade do destino.

Foto: Arquivo pessoal

João Roberto Kelly: relação informal e amizade estreita

Um dia, convidei-o para a minha festa de aniversário, numa casa noturna. Fiz o convite como se convida um amigo de infância e ele apareceu como se fosse realmente um ami-go antigo. Dali em diante, tive a certeza que a nossa “antiga amizade” era recíproca, tal a informalidade da nossa relação. Claro que a estrela da noite foi ele, pois todos os artistas que subiam ao palco homenageavam e agradeciam sua presença. Mas, quem estava realmente agradecido era eu, por ter mais um grande amigo na minha festa e na minha vida.

Vou relatar um fato que aconteceu muito antes de nos co-nhecermos e foi responsável por essa estreita relação entre nós: