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Biblioteca Breve SÉRIE LITERATURA O TEATRO SIMBOLISTA E MODERNISTA (1890 - 1939)

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  • Biblioteca Breve SRIE LITERATURA

    O TEATRO SIMBOLISTA E MODERNISTA

    (1890 - 1939)

  • COMISSO CONSULTIVA

    JACINTO DO PRADO COELHO Prof. da Universidade de Lisboa

    JOO DE FREITAS BRANCO

    Historiador e crtico musical

    JOS-AUGUSTO FRANA Prof. da Universidade Nova de Lisboa

    JOS BLANC DE PORTUGAL

    Escritor e Cientista

    DIRECTOR DA PUBLICAO

    LVARO SALEMA

  • LUIZ FRANCISCO REBELLO

    O teatro simbolista e modernista

    (1890 - 1939)

    PRESIDNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS

    SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA

  • Ttulo O Teatro Simbolista e Modernista Biblioteca Breve / Volume 40 Instituto de Cultura Portuguesa Secretaria de Estado da Cultura Presidncia do Conselho de Ministros Instituto de Cultura Portuguesa Direitos de traduo, reproduo e adaptao, reservados para todos os pases 1. edio 1979 Composto e impresso nas Oficinas Grficas da Livraria Bertrand Venda Nova - Amadora Portugal Setembro de 1979

  • N D I C E

    Pg.

    I O simbolismo no teatro............................................. 6 II Entre o smbolo e a alegoria .................................... 15

    III A tragdia da saudade.............................................. 30 IV Do Orfeu Presena e depois ....................... 40 V Do livro ao palco .................................................... 70

    DOCUMENTRIO ANTOLGICO: Belkiss (Eugnio de Castro, 1894) ........................................ 86 O Pntano (D. Joo da Cmara, 1894) .................................. 89 O Fim (Antnio Patrcio, 1909) ........................................... 93 O Marinheiro (Fernando Pessoa, 1913).................................. 96 O Gebo e a Sombra (Raul Brando, 1923) ............................. 101 Deseja-se Mulher (Almada Negreiros, 1927-28) ..................... 105 Continuao da Comdia (Joo Pedro de Andrade, 1931) ........ 108 Gladiadores (Alfredo Cortez, 1934) ..................................... 111 Jacob e o Anjo (Jos Rgio, 1937) ........................................ 117 A Grande Estrela (Branquinho da Fonseca, 1939) ................ 121 Nota: As datas indicadas so as da primeira publicao (Belkiss, O Fim, O Gebo e a Sombra, Jacob e o Anjo, A Grande Estrela), da 1. representao (O Pntano, Gladiadores) ou da escrita (O Marinheiro, Deseja-se Mulher, Continuao da Comdia).

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    I / O SIMBOLISMO NO TEATRO

    Em 1891, quatro anos apenas depois de Antoine fundar em Paris o Teatro Livre, que foi o bero do naturalismo dramtico, o poeta Paul Fort criava na capital francesa o Teatro de Arte, contrapartida daquele na medida em que procedia de uma divergente opo esttica. O Teatro de Arte (que teve a preced-lo a breve experincia de um Teatro Mixto e a que sucederia, a partir de 1893, o Teatro de lOeuvre, sob a direco do actor Lugn-Po) foi o templo da dramaturgia simbolista, o essencial Teatro dos Poetas como lhe chamou Rachilde num artigo-manifesto de apresentao.

    As duras crticas endereadas pelos poetas e teorizadores do simbolismo contra o teatro naturalista que Mallarm desdenhosamente comparava a um espelho em que os espectadores se contemplavam a si prprios, tais como na rua ou em casa se conhecem e onde ouviam falar em voz superficial das nulidades de que cautelosamente a sua existncia feita poderiam levar-nos a concluir por uma radical oposio entre as duas tendncias e a encontrar para ela uma explicao em

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    termos puramente literrios e artsticos. O que seria duplamente errado.

    Em primeiro lugar, porque restringir a histria da literatura (da arte em geral) a uma sucesso de aces e reaces entre as vrias correntes e contracorrentes estticas, esquecer que a arte uma superestrutura, e que, portanto, a sua evoluo acompanha (ao mesmo tempo que a prepara tambm) a mutao das relaes de base que a condicionam. Se h entre o simbolismo e o naturalismo, como houve entre o realismo e o romantismo, uma diferena de perspectivas, uma mudana de atitude do artista perante o mundo, o que determina essa diferena, o que est na raiz dessa mudana, em ltima anlise um fenmeno de natureza extra-literria, ou melhor: pr-literria. A reaco simbolista, inscrevendo-se no movimento antipositivista que surgiu e se desenvolveu nos ltimos anos do sculo XIX, tem uma motivao ideolgica bem definida: recusando uma explicao cientfica do mundo e no se tratava j, apenas, de o interpretar, mas de transform-lo, na conhecida frmula de Marx e Engels , a burguesia, que o sobressalto da Comuna fizera estremecer em 1871 e sentir-se ameaada nos seus fundamentos, instalou-se numa atitude irracional, que transferia metafisicamente para uma ordem transcendental a explicao dos fenmenos humanos. O extreme catolicismo de um Claudel, o misticismo visionrio de um Edouard Schur, o esoterismo cabalstico de um Pladan, so, no que dramaturgia vinculada ao simbolismo se refere, os exemplos mais evidentes desta atitude idealista.

    Mas, por outro lado, o naturalismo, ao afastar-se progressivamente do realismo, substitua a viso dialctica da realidade, caracterstica deste, por uma imagem

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    mecnica e fragmentria da natureza, em que a captao de aspectos isolados de pormenor prescindia de toda e qualquer significao geral e a anlise objectiva se dilua na pura impresso subjectiva. Pode assim dizer-se que o simbolismo viria a ser, de certo modo, o desenvolvimento das clulas negativas do naturalismo. No se estranhe, portanto, que Antoine, ao registar no seu dirio a apario do Teatro de Arte, no visse nela uma concorrncia, mas antes um complemento na evoluo artstica que se acelera, pois, como diria Jorge de Sena, o simbolismo e o naturalismo eram ambos como irmos inimigos, e as duas faces complementares de um mesmo momento histrico-literrio.

    , de resto, significativo que a esttica simbolista (tomada aqui em sentido amplo, sem limitaes ortodoxas de escola) haja atrado muitos dramaturgos que militaram com xito nas hostes do naturalismo, onde alcanaram os seus ttulos de glria. Ibsen, Strindberg, Hauptmann, no foram apenas os autores dos Espectros, do Pai, ou dos Teceles obras-primas incontestadas do teatro naturalista , pois escreveram tambm A Dama do Mar, A Estrada de Damasco, O Sino Submerso; e um dos textos mais representativos do teatro simbolista, o poema Axel, que exemplarmente dramatiza essa perptua demanda de uma beleza que floresce num cu anterior aludida por Mallarm, tem a assinatura de um precursor do realismo dramtico, Villiers de lIsle-Adam, cujo drama em um acto A Revolta, estreado em 1870 e proibido na quinta representao por ferir a dignidade e a moralidade do pblico da Bolsa e dos boulevards, se antecipou nove anos Casa de Boneca de Ibsen e dezanove aos Credores de Strindberg. Seria, alis, um dramaturgo de estrita obedincia naturalista, Octave Mirbeau, o autor de

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    Negcios so Negcios, o primeiro a chamar a ateno para os dramas simbolistas de Maeterlinck, num artigo ditirmbico em que considerava A Princesa Maleine a obra mais genial deste tempo, a mais extraordinria e a mais ingnua tambm, comparvel e, ousarei diz-lo, superior em beleza ao que h de mais belo em Shakespeare. (Juzo este, diga-se de passagem, cujo rigor crtico deixa muito a desejar, e que s registamos aqui em ateno sua provenincia.) E quem por em dvida o que ao cdigo simbolista deve um mestre do realismo como Tchekov?

    Procurando surpreender, atravs da arte, a alma oculta das coisas e dos seres, o sentido do Mistrio e do Inefvel (como escreveu Jean Moras, o autor do Manifesto do Simbolismo, de 1886, a propsito de Mallarm), era evidente que o formulrio da cena naturalista no convinha aos simbolistas. Para Claudel, o simbolismo quer que a arte tenha por objectivo menos exprimir a realidade do que signific-la; ou, como proclama uma das personagens do seu drama A Cidade (1890): Tu nadas explicas, poeta mas todas as coisas graas a ti se tornam explicveis. Os simbolistas substituam pela sugesto e a aluso a descrio e a explicao dos naturalistas; negando realidade material todo e qualquer valor em si mesma no propunha Mallarm a excluso do real, porque vil?! , apenas viam nela o veculo imperfeito (que arte competiria iluminar e desvendar) de um determinado nmero de ideias abstractas, a mera aparncia ou sinal de um mundo invisvel e oculto em que citamos o prefcio que Maeterlinck escreveu, em 1901, para uma edio do seu Teatro completo se manifestam enormes potncias, cujas intenes ningum conhece, mas que o esprito do

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    drama supe malficas, vigiando todas as nossas aces, hostis ao sorriso, vida, paz, felicidade. A filosofia idealista, o intuicionismo de Bergson, cujo Ensaio sobre os Dados Imediatos da Conscincia se publica em 1889, viria dar, como tambm o lirismo filosfico de Nietzsche, um suporte terico ao movimento embora j ento Rimbaud tivesse publicado Uma Estao no Inferno (1873), Mallarm A Sesta dum Fauno (1876), Verlaine a sua Arte Potica (1882), Laforgue as Complaintes (1885), para no falar nessa obra precursora e seminal que foram As Flores do Mal, de Baudelaire (1857).

    Compreende-se que aos simbolistas o teatro parecesse demasiado banal para revelar a divina beleza do drama, e lhe preferissem a leitura sob a claridade solitria duma lmpada. So palavras de Mallarm, que acrescentava: Um livro, em nossa mo, se enuncia alguma ideia augusta, supre todos os teatros. O espao brutal da cena, a tirania da anedota enorme e fruste em que as paixes vulgares no deixam lugar para o Mistrio, a presena fsica do actor, esse usurpador dos nossos sonhos como lhe chamou Maeterlinck, sempre um mascarado, acrescentaria Claudel, tudo induzia os simbolistas a olharem com desconfiana, seno com hostilidade, o teatro que ento lhes oferecia o naturalismo. Por isso Charles van Lerberghe e Maeterlinck (tal como faria mais tarde, embora por outras razes, o seu compatriota Ghelderode) escreveram as suas primeiras peas para um teatro de fantoches e o autor da Intrusa sonhava substituir os actores por figuras de cera, personagens esculpidas ou, em rigor, por uma sombra, um reflexo, uma projeco de formas simblicas prefigurao da super-marionette idealizada por Gordon Craig, que este definiria como o actor com fogo a mais e egosmo a menos.

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    O desprezo pelos atributos exteriores do drama individualizao das personagens, aco dramtica, dilogo levou os simbolistas a preconizarem um teatro esttico, que fosse a ilustrao de uma ideia, no uma aco efectiva (Mallarm), a execuo figurativa de ideias actuantes (Gustave Kahn), e escapasse persistncia obstinada da efabulao (Charles Morice). Conceitos que vamos encontrar na doutrinao esttica de Fernando Pessoa, ao definir o teatro esttico (de que eloquente exemplo o seu Marinheiro) como aquele cujo enredo dramtico no constitui aco isto , onde as figuras no s no agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer tm sentidos capazes de produzir um enredo; onde no h conflito nem perfeito enredo ou ao referir-se a um processo simblico em que o drama a sombra, passo a passo, de uma ideia. Numa outra nota ainda, diria: O enredo do teatro , no a aco nem a progresso e consequncia da aco mas, mais abrangentemente, a revelao das almas atravs das palavras trocadas e a criao de situaes.

    Esta recusa da aco como elemento integrante da fenomenologia dramtica (que, alis, equivalia sua prtica negao, e disso se ressentiu gravemente a quase totalidade dos dramas simbolistas) tinha, bem entendido, outras implicaes e consequncias. Uma delas seria a inexistncia de caracteres, no sentido aristotlico do termo, que a dramaturgia clssica fixou: as dramatis personnae so aqui, por via de regra, meros suportes das ideias que o drama se prope ilustrar (e da que a presena material do actor se antolhasse como um obstculo sua apresentao; da, tambm, a preferncia concedida sua designao abstracta, tornando assim

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    evidente o repdio de uma individualidade, se que no da sua intrnseca humanidade). Outra consequncia seria a ruptura com a Histria, a fuga do espao e do tempo imediatamente sensveis que levaria a situar a fbula dramtica num espao e num tempo lendrios, mticos, em que o sonho pudesse florescer na sua prpria Ptria, que sem hora nem lugar, como Charles Morice preconizava: assim, por exemplo, na antiguidade imemorial dos tempos (O Sol da Meia-Noite, de Catulle Mends); em qualquer parte, e de preferncia na Idade Mdia (A Donzela das Mos Cortadas, de Pierre Quillard); em vagos tempos pr-histricos (A Legenda de Antnia, de Edouard Dujardin); na Polnia, isto , em parte nenhuma (Rei Ubu, de Jarry); no fim de uma Idade Mdia de conveno, como os homens da Idade Mdia deviam imaginar a antiguidade (A Anunciao de Maria, de Claudel); num castelo antigo (O Marinheiro, de Pessoa); e quantas vezes num Oriente longnquo e convencional (Babilnia e O Prncipe de Bizncio, de Josphin Pladan; Belkiss, de Eugnio de Castro; Salom, de Oscar Wilde) Ao nvel do dilogo, enfim, o drama simbolista, voluntariamente refractrio ao discurso quotidiano, expresso trivial das paixes vulgares, ora se apresentava como uma espessa tapearia, rutilante de imagens preciosas ou enigmticas, ora como um frgil tecido de palavras balbuciadas, revestindo grandes muros de silncio. DAnnunzio e Maeterlinck seriam os mximos expoentes destes dois plos estilsticos extremos a que souberam escapar um Claudel com o seu lirismo telrico ou um Jarry com a sua rude veia sarcstica.

    Mas o teatro, de squilo a Shakespeare e de Molire a Brecht, tem os seus cnones, as exigncias especficas de

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    uma linguagem prpria (o que no implica serem aqueles fixos e invariveis, porque tambm esta evolui em funo do substracto histrico de que se nutre), e a transgresso dessas regras foi, quase sempre, fatal aos dramaturgos simbolistas. O sucesso literrio que algumas das suas obras (e nem todas) conheceram no teve correspondncia no palco, quando a ele eventualmente tiveram acesso; e em muitos casos a alegoria tomou o lugar do smbolo, dificilmente redutvel, na sua impondervel essncia, s dimenses fsicas do tablado, como j Mallarm havia intudo.

    Seria, no entanto, precipitado concluir pela total irrelevncia do contributo trazido pelo simbolismo evoluo da arte do teatro. Em dois aspectos a sua importncia se manifestou: por um lado, ao pr em causa as estruturas cnicas que o naturalismo anquilosara, abriu o caminho revoluo operada a partir dos comeos do sculo XX, obrigando a repensar o prprio conceito de teatro e restituindo-o sua especificidade; por outro lado, ao estabelecer um nexo profundo e subtil entre o teatro e a msica. No dissera Paul Valry que o que se baptizou de simbolismo resume-se muito simplesmente na inteno comum a vrias famlias de poetas, alis inimigas entre si, de reconquistar msica o que era sua pertena?

    Tambm Fernando Pessoa, num dos seus apontamentos, deixou escrito que o teatro tende a teatro meramente lrico e o futuro viria a corroborar, no que ao drama simbolista se refere, este juizo do autor do Marinheiro. Wagner e a sua concepo do teatro total influiram decisivamente nas ideias dos simbolistas sobre a arte do teatro: em 1885 funda-se em Paris, sob a direco de Edouard Dujardin (autor de uma trilogia dramtica, A

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    Legenda de Antnia, e inventor, antes de James Joyce, do monlogo interior na literatura romanesca), uma Revista Wagneriana, inteiramente devotada ao culto do autor da Tetralogia, que j Baudelaire saudara como o criador do drama futuro e a quem poetas como Mallarm e Claudel e encenadores como Adolphe Appia dedicaram importantes estudos. (Entre ns publicar-se-ia, em 1898, um longo volume de mais de quatrocentas pginas sobre A Msica de Wagner subintitulado Tendncias da Arte Moderna e do Teatro Wagneriano, da autoria de Jos Jlio Rodrigues, hoje totalmente esquecido.) De la musique avant toute chose, recomendara Verlaine logo no comeo da sua Arte Potica. E Charles Morice, um dos tericos do movimento, no hesitava em proclamar, enfaticamente: Que a Palavra deixe pois Msica que seja ela a criar a atmosfera em que o Verbo ir adquirir o seu pleno sentido como um rei ordena que preparem o caminho por onde vai passar

    Hoje, do teatro simbolista, parte algumas excepes toda a obra de Claudel, a caricatura genial do Rei Ubu de Jarry, as peas num acto de Maeterlinck (A Intrusa, Interior, Os Cegos), as fairy-plays e os folk-dramas do irlands Yeats, os contos dramticos de Antnio Patrcio entre ns o que resta a msica de Debussy para o Pllas e Mlisande de Maeterlinck (que, embora estreado em 1902, s em 1924 se cantaria em Portugal) ou de Ricardo Strauss para os libretos de Hugo von Hofmannstahl e a Salom de Wilde E, noutro plano, de mais fundas e fecundas consequncias, o contributo de encenadores como o ingls Gordon Craig e o suio Adolphe Appia para a formulao de uma teoria do espectculo teatral, considerado na sua especfica autonomia. E tudo o mais literatura, diria tambm Verlaine, a concluir a sua Arte Potica.

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    II / ENTRE O SMBOLO E A ALEGORIA

    Raros foram os poetas simbolistas que resistiram solicitao do teatro, desde Claudel, Yeats, Maeterlinck, Verhaeren, Tagore, Blok, Hofmannstahl, at autores de segunda fila, como Henri de Rgnier, Viell-Griffin, Albert Samain, Rmy de Gourmont, Jean Moras, o Sr Pladan O prprio Mallarm, alm de alguns projectos dramticos que desse estdio no passaram, concebeu para o teatro o monlogo do Fauno (que destinava a Coquelin) e ambicionava ver representada a sua cena Hrodiade, assim como Verlaine contribuiu para o Teatro de Arte de Paul Fort (tambm ele autor de dramas histricos) com uma pequena pea em um acto, Uns e Outros, alis de muito escassa significao no conjunto da sua obra. O mesmo sucedeu em Portugal, onde, com excepo de D. Joo da Cmara, foram tambm poetas como Eugnio de Castro, Antnio Patrcio e Fernando Pessoa que se aproximaram da dramaturgia simbolista.

    No volume desta coleco dedicado ao teatro naturalista, procurmos mostrar em que medida a influncia das companhias estrangeiras que nos visitaram no ltimo quartel do sculo XIX se fez sentir sobre os nossos dramaturgos e actores, impulsionando-os a uma

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    abordagem verista dos conflitos equacionados nas peas que aqueles escreveram e estes interpretaram. A prpria fundao de um Teatro Livre, em 1904, s se verificaria aps a passagem de Antoine por Lisboa, onde esteve por duas vezes (em 1896 e 1903). No aconteceu o mesmo em relao esttica simbolista, que chegou ao nosso teatro pelo canal da literatura: j D. Joo da Cmara havia estreado O Pntano e Meia-Noite, Eugnio de Castro publicado Belkiss e Sagramor, e Junqueiro a Ptria, quando Georgette Leblanc veio apresentar no Teatro D. Amlia (em 1904) as peas de Maeterlinck (Monna Vanna, Joyzelle, Aglavaine e Slisette, A Intrusa) que um crtico exigente, fervoroso defensor do credo naturalista, Joaquim Madureira, zurziu sem d nem piedade, apodando o dramaturgo belga de mistificador, autntico imbecil, pastichador idiota de Shakespeare. Tambm no mesmo palco se exibiram, pela mesma altura, a bailarina americana Loe Fuller e a actriz japonesa Sada Yacco, que ao apresentarem-se em 1900 na Exposio Universal de Paris haviam suscitado o entusiasmo dos simbolistas; e novamente Joaquim Madureira tomaria posio contra as piruetas e visualidades da primeira, os esgares e mistificaes e os guinchos agudos da segunda E quando, em 1906, Lugn-Po e a sua companhia nos visitaram, j o director do Thtre de lOeuvre havia rompido com os simbolistas, cuja incapacidade dramatrgica denunciara num violento manifesto, em que abria apenas uma excepo a favor dos admirveis dramas de Maeterlinck. Em 1912 a actriz Mimi Aguglia vem representar ao Teatro Repblica A Filha de Jorio de DAnnunzio e a Electra de Hofmannstahl. Mas h que esperar at 1925 para que Amlia Rey-Colao interprete a Salom de Wilde, com cenrios e figurinos de inspirao

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    nitidamente simbolista de Raul Lino. E s muito mais tarde Claudel seria representado entre ns (mas em verso original, por uma companhia francesa que em 1941 trouxe A Anunciao de Maria ao Teatro Nacional, onde no ano anterior tivera lugar a criao mundial da ltima pea de Maeterlinck, O Padre Setbal, que nada tinha j que ver com o simbolismo, nem com outra coisa nenhuma alis, e trs anos depois se estreava A Asceno de Joaninha, de Hauptmann); como s depois do 25 de Abril que pde subir cena o Rei Ubu, inapelavelmente proibido at ento pela censura fascista, que ter receado ver na personagem do grotesco tirano a imagem deformada do ditador domstico

    Duas revistas literrias que em 1889 comeam a publicar-se em Coimbra Bomia Nova e Os Insubmissos, volta das quais se reuniam jovens escritores como Antnio Nobre, Eugnio de Castro, Alberto de Oliveira, Osrio de Castro visavam, segundo um texto deste ltimo, dar Arte portuguesa do fim do sculo um frmito novo, j pressentido nas Prosas Brbaras de Ea de Queirs (1866-67), nas Claridades do Sul de Gomes Leal (1875), em certos poemas das Primaveras Romnticas de Antero (1872) ou de Cesrio (como Responso). Atravs delas, ou de outras publicaes afins como Os Nefelibatas portuenses (1893), a Revista de Hoje (1894-95), que se apresentava como publicao de Arte e de Sobrenatural, Arte (1895-96), dirigida por Eugnio de Castro e Manuel Silva Gaio, rgo por assim dizer oficial do movimento simbolista, Ave Azul (1899-1900), a esttica do simbolismo penetrava na literatura portuguesa. Mas, como lucidamente observa scar Lopes, os frutos da Bomia Nova ou de Os Insubmissos de Coimbra e

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    suas imediaes ou afinidades mais prximas, tm quase sempre o sabor de uma enxertia no tronco do romantismo sentimental O S, de Antnio Nobre, publicado em 1892, ser disto o exemplo mais convincente.

    Na verdade, ainda o esprito romntico que se nos depara como ponto de interseco das vrias linhas estticas e correntes ideolgicas que se cruzam na ltima dcada do sculo XIX, como raiz ou denominador comum a todas elas, desde o neo-romantismo propriamente dito (de que o teatro e o romance histricos e o neo-garrettismo de um Alberto de Oliveira foram as expresses mais significativas) ao simbolismo (que sendo, para Fernando Pessoa, um estdio na evoluo de uma nova arte, nem por isso deixava de ser tambm uma fase decadente do Romantismo) e ao prprio naturalismo (que, as mais das vezes, entre ns se reduziu a um ruralismo e um panfletarismo de fundo romntico e que nunca se desprenderia inteiramente desse mesmo fundo e, at, de um certo vocabulrio inerente ao romantismo). No , de resto, por acaso que assim acontece: o Ultimatum de 1890, que veio dissipar o sonho quimrico de expanso africana, e a grave crise econmica e financeira consequente, se por um lado deram novo alento propaganda republicana, justificada pela degradao progressiva do regime monrquico e das instituies em que se apoiava, por outro favoreciam o surto de um nacionalismo irracionalista, saudoso do passado e receoso do futuro, que Alberto de Oliveira vinha defendendo desde as pginas da Revista de Portugal, dirigida por Ea de Queiroz (1889-92) e desenvolveria no seu livro-manifesto de 1894, Palavras Loucas em que o apelo criao dramatrgica aparece

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    formulado em termos de mstica exaltao: Num povo de to sobrexcitada sensibilidade, para quem os mais simples episdios da vida logo se complicam de vises, milagres e voos para o cu, criar o Teatro, a tragdia, o drama, ao mesmo tempo impressionando pelo terror e pela piedade, e guardando em snteses claras o nosso passado e a nossa poca, seria uma grande obra a fazer. Mas o seu contributo pessoal para a nossa dramaturgia limitar-se-ia a uma adaptao, elaborada com o Conde de Arnoso, do conto de Ea O Suave Milagre, que se representou em 1901 no Teatro Nacional, e para o qual scar da Silva comps a msica de cena.

    neste quadro histrico-literrio que, entre exaltadas proclamaes e violentos ataques, o simbolismo se instala nas letras nacionais. Eugnio de Castro (1869-1944), tido dentro e fora do pas como o sumo-sacerdote do novo culto privara em Paris e correspondia-se com os grandes vultos do movimento, nomeadamente Mallarm publica em 1890 os Oaristos, cujas inovaes rtmicas e estilsticas justificaria mais tarde pela necessidade de sublinhar com um violento trao vermelho a estagnada vulgaridade das formas poticas de ento. No ano seguinte, os poemas de Horas, escritos com nobre e altivo desdm de nefelibata, longe dos brbaros, para os raros apenas, tornariam mais evidente a predileco do autor pelos aspectos exteriores, decorativos, ornamentais, do movimento, que iria culminar no poema dramtico em prosa Belkiss, publicado em 1894.

    A composio que punha termo ao livro imediatamente anterior de Eugnio de Castro, Silva, editado no mesmo ano, tendia j para a forma dramtica: Filha de Rei Guardando Patos , como A Sesta dum Fauno de Mallarm, um breve monlogo teatralizvel.

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    Aventurando-se nesta senda, Belkiss, Rainha do Sab, de Axum e de Himiar (que nunca foi levada cena, a no ser numa verso opertica de Rui Coelho, em 1928, embora tivesse havido o projecto de faz-la interpretar por Sarah Bernhardt no Teatro da Renaissance) no logra atingir, nas suas quinze cenas, o equilbrio estrutural de uma autntica obra dramtica: a profuso de imagens e metforas, de vocbulos inslitos, a descrio fastidiosa, quase obsessiva, de pedras preciosas e mgicas, perfumes raros, plantas exticas, tecidos sumptuosos, instrumentos de msica inusitados, no chegam evidentemente para suprir o vazio e a anemia das personagens, a comear pela protagonista, parente prxima da Herodade de Mallarm, mais que das alucinadas virgens sonmbulas de Maeterlinck, que dilui num fluxo torrencial de palavras a sensualidade e a angstia que a devoram. Eis como, por exemplo, na cena V (Interlnio), a rainha de Sab exprime a sua lassido face ao desejo de posse que se no consuma: Morrerei virgem! O meu corpo ser uma roseira numa cisterna () Florirei para regalo dos meus olhos Desejada, pisarei os desejos que suscito S eu sei abrir com cinco chaves de ouro o cofre onde tenho as minhas jias mais amadas e as mais amadas s as ponho quando estou sozinha, porque s eu as mereo A minha tnica ser um cofre mais forte que um baluarte. Fech-la-ei com cinco alfinetes de ouro, seguros como cinco chaves A minha pureza ser mais alta e mais dura que os obeliscos Se os meus olhos queimarem, porque a neve queima Viverei a amar-me! Guardando o que todos apetecem, escondendo o que todos querem ver! () Os meus desejos morreram de frio, como leezinhos na neve

    No ano seguinte, Sagramor, em que houve quem benevolamente quisesse ver uma tentativa realizada de criar um Fausto portugus, acasala o poema dramtico

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    com o poema narrativo (todo o 2. canto puramente descritivo, e o 5. e 6. cantos limitam-se a longos monlogos do protagonista) e o que desse acasalamento resulta , como no podia deixar de ser, um produto hbrido, que, por outro lado, cede alegoria o lugar que o smbolo ocupava na obra precedente. Sucedendo busca do tesouro oculto, que constitui a trama de Axel de Villiers de lIsle-Adam, e antecipando-se demanda do Pssaro Azul da felicidade, de Maeterlinck, o jovem pastor de olhos cndidos ideado por Eugnio de Castro debalde procura o amor, a glria, a riqueza, a sabedoria e acaba por encontrar o Tdio, essa deserta praia / onde o oceano a rugir antemas e adgios / vem trazer, com fragor, restos de mil naufrgios. Deserto em que o protagonista se encontrar, na cena final, com os fantasmas de Sardanpalo e Clepatra, Belkiss e Salomo, Calgula e Frei Gil de Santarm, Luis II da Baviera e Baudelaire, todos como ele envenenados pela cicuta do Tdio, que o leva a responder, quando lhe perguntam o que quer (e com esta rplica o poema se conclui): No sei No sei

    Este pessimismo que extrapola da realidade positiva para o sobrenatural, como notou scar Lopes, e j se pressentia em Belkiss (uma das personagens, o velho sbio Zophesamin, dir que o destino a vontade embuada dos deuses e gosta de fazer surpresas, mas desta vez despiu todos os disfarces, abandonou todos os embustes e mostra-se como : pavoroso, inexorvel, mortfero), subsistir nos textos seguintes em que o pendor alegorizante se acentua (Os Olhos da Iluso, 1896; O Rei Galaor, 1897; O Anel de Polcrates, 1907; O Filho Prdigo, 1910). Mas entre os dois primeiros destes textos e os dois outros consumara-se a ruptura do autor com a esttica simbolista, assinalada na viragem do sculo

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    pelo poema narrativo Constana: O Anel j uma obra declaradamente neo-clssica, enquanto O Filho Prdigo se aproxima do naturalismo, assim como O Cavaleiro das Mos Irresistveis (1916), que, tal como Belkiss, serviu de pretexto a uma pera de Rui Coelho, cantada pela primeira vez em 1927. Seria, pois, de relembrar aqui (guardadas, claro est, as devidas propores) o que se escreveu no captulo anterior sobre as relaes, que o simbolismo explorou e aprofundou, entre a msica e o drama e, a propsito, citar dois livros, contemporneos do ltimo poema dramtico oriundo de Eugnio de Castro um, e da pera dele extrada o outro: A Msica e o Teatro, esboo filosfico de J. Reis Gomes (1919) e Ideias de Outros, ensaios de literatura e esttica teatral de Eduardo Scarlatti (1927). O primeiro, analisando, na sequncia da obra j citada de J. J. Rodrigues, o drama lrico de Wagner, conclui que, nele, em vez de a poesia dar a mo msica, esta arte que invade os domnios da outra, desnaturando-se e perdendo a sua espontaneidade de aco; o segundo, num breve ensaio sobre o teatro de Maeterlinck, alude arquitectura musical das obras do poeta belga, tema que ser ampliado e desenvolvido, um ano depois em A Religio do Teatro, ensaio sobre a determinao das leis estticas no teatro novo, cujas raizes Scarlatti perscruta na msica sinfnica, de que o drama seria a expresso intelectual.

    No mesmo ano em que Eugnio de Castro dava

    estampa a Belkiss, estreava-se no Teatro Nacional uma pea de D. Joo da Cmara (1852-1908), O Pntano, que surpreendeu, desconcertou e acabou por deixar indiferente um pblico acostumado cadncia dos alexandrinos do teatro histrico, aos lances e s tiradas

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    grandiloquentes do melodrama romntico. Joaquim Miranda, director e crtico da Revista Teatral, filiava o drama na nova religio que as brumas do norte nos vo infiltrando e Fialho de Almeida, indo mais longe, escrevia: D. Joo da Cmara estudou alguns dramaturgos modernos, espritos pervertidos ou iluminados, que sofregamente anseiam por trazer a lume os pesadelos que lhes agitam o sono, e sonhou tambm. Pensou em adiantar-se a Maeterlinck, procurando realizar por figurao viva o que o poeta flamengo escrevera para marionettes, tendo o cuidado de suavizar as arestas mais escabrosas.

    No por acaso que o nome do autor do Pllas aqui aparece citado. Se o primeiro e o ltimo actos de O Pntano, mas especialmente o primeiro, no destoam da comdia romntica de salo ao tempo em voga, os dois actos intermdios, que decorrem num palcio arruinado, de telhados corcovados, com janelas a que faltam as portas interiores, lembrando o olhar das caveiras (cujo cenrio foi pintado por um estreante, Augusto Pina, que viria a ser um dos melhores cengrafos deste perodo), mergulham em plena atmosfera simbolista uma atmosfera sombria, carregada de torvos pressgios, em que a paisagem exterior traduz o estado de alma das personagens. Desce a noite nos campos, sobe a noite c dentro em nossas almas, diz uma dessas personagens. E outra: Passam as sombras sobre o pntano e muda-se a neblina em roupa de fantasmas. neste ambiente lgubre, roando o macabro por vezes, sobre o qual paira a presena invisvel mas obsidiante da morte, que se desenrola uma anedota de fundo romntico de amor e traio, a que um dilogo entretecido de repeties e reticncias e entrecortado de angustiantes silncios, que o autor pe na boca de

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    mrbidas personagens, confere estranhas ressonncias, como nos dramas de Maeterlinck, e nomeadamente o primeiro, A Princesa Maleine, que a pea de D. Joo da Cmara a vrios nveis evoca. Perpassa, nos seus quatro actos, uma humanidade angustiada e inquieta, dominada por paixes doentias e impelida para um destino fatal e inexorvel por obscuras foras malficas, de que as emanaes do pntano beira do qual se ergue o velho palcio assombrado (o pntano alastrou), o gemido do vento, o rumor surdo da trovoada, o bater de asas das corujas contra as vidraas, o uivo dos ces, so mais o sinal alegrico do que simblico e da que, oscilando entre os plos da tragdia e do melodrama, o pendor para este ltimo se acentue ao longo da aco e dela se apodere por completo nas desequilibradas sequncias finais, em que o pattico quase soobra no ridculo.

    J, de resto, nos dramas anteriores de Joo da Cmara, Afonso VI (1890) e Alccer-Quibir (1891), ambos de tema histrico, a presena dessas foras ocultas, transcendentes razo, se fizera sentir, em versos como estes: H quantos dias / Vem-me o sono escoltar cruis vises sombrias! / Logo medonho espectro agita-se e me assombra! / Deixa-me vivo o sonho!, ou: E queres tu que eu fuja / Se toda a noite ouvi gemer uma coruja, / Se o cometa do cu me adivinhou desgraa! (Afonso VI), ou ainda, em Alccer-Quibir, nas imprecaes e gemidos de Sancha Mocho, a pobre demente, sinistramente prenunciadores da catstrofe iminente. Os Velhos, obra-prima do nosso teatro naturalista, de todas as peas maiores deste dramaturgo a nica em que a memria do simbolismo no aflora: ela porm evidente numa comdia burguesa como A Toutinegra Real (1895), num breve drama histrico como O Beijo do Infante (1898), no discreto intimismo, quase impressionista, de uma

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    comdia como A Triste Viuvinha (1897), at num melodrama de folhetinesca efabulao como A Rosa Enjeitada (1901). Mas onde o simbolismo de Joo da Cmara se afirma com mais autenticidade, desprendido de uma disciplina escolar demasiado visvel no Pntano, mas no inteiramente ainda do formulrio romntico, nos trs actos de Meia-Norte, que um elenco de escol (Joo e Augusto Rosa, Brazo, Rosa Damasceno, recm-sados do Teatro Nacional) interpretou no Teatro D. Amlia, no comeo do ano de 1900. E significativo que a primeira pea portuguesa a estrear-se no nosso sculo assim rompesse, de modo to deliberado, com esquemas e convenes solidamente implantados na dramaturgia nacional.

    Localizando a aco em pontos altos os aposentos de um velho cnego, nos telhados da S de Lisboa, e o coro desta, para alm do qual o templo se esfuma , o conflito, muito tnue alis, como que se imaterializa (A vida um sonho outro sonho Nunca se bem acordado!, dir uma das personagens) e a viso que do mundo estas tm ressente-se da perspectiva que da resulta (Parece-me que ando desencaminhado no labirinto de um sonho, perdida a perspectiva do tempo, outra dir). Tal como o interior da catedral visto do coro, ou o casario da cidade visto do telhado, a realidade esbate-se, perde os seus contornos; o amor terreno fecha-se numa renncia, transmuda-se em saudade, sublima-se em criao artstica, e o drama trava-se entre as conscincias ou dentro da prpria conscincia de cada personagem: A mim mesma digo o que sinto, e me respondo, que alma no h que no tenha duas vozes. Os sinais misteriosos que eram, no Pntano, terrficos e ameaadores, so aqui vagos e indefinidos; e a clebre teoria das correspondncias do soneto de Beaudelaire,

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    que Gomes Leal retomou no Visionrio, repercute nesta fala do organista Crisstomo: Quisera que as ondas sonoras vibrassem como num fundo de alvorada pedaos de luz celeste, to vivas como o vermelho que a suprema glria, to doces como o azul do znite, que a tranquilidade imensa. E como a alegria da cor verde que a esperana, os brados do oiro fulvo que a opulncia, o tom menor de ametista, em que o riso do cu se anuvia numa saudade, seriam as melodias em que o desejo cantasse, tirariam seu voo gigante as girndolas de notas triunfais pela posse adquirida, gemeria um queixume sem dar tempo a que iriasse uma lgrima. A alegria final deveria transbordar, toda sair fora do mundo! Assim o drama de D. Joo da Cmara se afasta do decadentismo escolar de um Eugnio de Castro para se aproximar da face mais recolhida e autntica do simbolismo portugus, que Jacinto do Prado Coelho identificou com a poesia secreta de um Camilo Pessanha e que, na esfera do teatro, corresponde obra de Antnio Patrcio.

    Na orla do simbolismo e correntes afins ou derivadas,

    alguns poetas se acercaram tangencialmente da literatura dramtica, neste fim de sculo que Meia Noite encerrava. Mas ou no perseveraram nessa senda ou fizeram inflectir a sua obra noutras direces. Seria este ltimo o caso de D. Joo de Castro (1871-1955), o autor dos sonetos nefelibatas de Alma Pstuma, publicados em 1890 na Revista de Portugal de Ea de Queiroz, e do romance Os Malditos, que na Revista de Hoje dirigida por Jlio e Raul Brando escreveu sobre a nova literatura dramtica e em 1898 deu estampa o poema-drama Via Dolorosa, narrativa versificada do triplo itinerrio de um velho, um prncipe e um escravo rumo morte que pacifica e liberta, nitidamente inspirada no Sagramor de Eugnio de

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    Castro. Concebido como primeiro volante de um dptico que se intitularia O Pas da Quimera, e no se oferecendo a apoteoses negativas das maiorias (tal como a silva esotrica para os raros apenas de Eugnio de Castro), a sua continuao, Vida Eterna, embora ento anunciada, nunca chegou a aparecer. As subsequentes produes teatrais do autor nada teriam de comum com a esttica simbolista: um drama interpretado por ngela Pinto em 1913 no Teatro Repblica (antigo D. Amlia e actual S. Luiz), A Desonra, alis extrado de um seu romance homnimo, que com alguma ousadia punha em cena um caso de incesto filial, uma comdia de costumes, tipos e figuras lisboetas de meados do sculo XIX, O Marqus de Carriche (1927) e duas peas histricas em verso, Brasil e Por Bem, na linha do neo-romantismo finissecular, que em 1931 reuniu em volume. Uma trajectria semelhante haveria de percorrer Manuel da Silva Gaio (1860-1934), secretrio da Revista de Portugal e fundador, com Eugnio de Castro, de quem foi bigrafo e prefaciador, da revista Arte, que, depois de um fruste poema dramtico orientado para a alegoria, O Mundo Vive de Iluso (1895), tambm ensaiou o drama histrico, escrevendo para o concurso comemorativo do quarto centenrio da viagem de Vasco da Gama (a que entre outros concorreram Marcelino Mesquita, Cipriano Jardim, Sousa Monteiro, Faustino da Fonseca) Na Volta da ndia, definido por Urbano Tavares Rodrigues como uma construo melodramtica atolada em nfase. Junte-se a estes ainda o nome de Manuel Penteado (1874-1911), tradutor do Pap Lebonnard de Jean Aicard, e, com Jlio Dantas, do Cyrano de Rostand, por um pequeno acto de inspirao oriental, Lei-San, representado em 1903 no Teatro D. Amlia por Luclia

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    Simes e Chaby Pinheiro e acrescentem-se-lhes, com mais interesse, os de Guerra Junqueiro (1850-1923), Raul Brando (1867-1930) e Jlio Brando (1869-1947): o primeiro por via do poema dramtico em vinte e trs cenas, Ptria, publicado em 1896, e de que at hoje apenas se representaram alguns excertos no Teatro Nacional, por ocasio do centenrio do nascimento do seu autor, os outros dois como co-autores das peas Noite de Natal (Teatro Nacional, 1899) e O Maior Castigo (Teatro D. Amlia, 1902), aquela ainda indita e esta provavelmente desaparecida no incndio que em 1914 consumiu o teatro em que subiu cena. Dela apenas sabemos o que nos jornais da poca se escreveu acerca do seu modernismo nevoento, que certamente viria na linha do naturalismo impressionista da pea anterior, composto de resduos nefelibatas do simbolismo que ambos os autores cultivaram no incio da sua carreira literria e, como diria Fialho de Almeida (que alis considerou Noite de Natal uma obra de rapazes, desconexa, dialogada por forma que nem sempre as respostas seguem a linha lgica e racional das perguntas), de reminiscncias de alguns romances e peas russas. Porm, com todas as suas debilidades de construo, que o talento dos principais intrpretes, um Ferreira da Silva, uma Virgnia, uma Delfina Cruz, ter ajudado a suprir, ela apresenta j uma personagem tpica do universo brandoniano, o santeiro Damio, um daqueles desgraados que toda a vida so perseguidos pela m sorte, batidos e escarnecidos: se tm chagas so ridculos, se se queixam so grotescos, e aproxima-se daquele teatro cuja linguagem sem frases se no perdesse em palavras no qual o futuro autor do Gebo e a Sombra, em crnica publicada no Correio da Manh

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    (1895), via a nica possibilidade de revelar-se a alma descarnada dos homens e das coisas.

    Repercutindo ainda a indignao suscitada pelo Ultimatum, a Ptria de Junqueiro , simultaneamente, uma alegoria histrica e um panfleto poltico, em que ressoa, oscilando entre o sarcasmo e a clera, a voz de uma nao trada e humilhada, saudosa de uma grandeza que se desfez em runas e ansiosa de reencontrar o seu destino perdido. Nela se entrelaam os temas da propaganda republicana (patentes na imputao dinastia dos Braganas das causas da decadncia nacional) e anticlerical com a exaltao idealista do herosmo, comum s correntes nacionalistas e tradicionalistas que ento se afirmavam. Essa como que ambiguidade comunica-se prpria estrutura da obra, que hesita entre o poema e o drama, e ao seu estilo, que combina uma romntica oratria Victor Hugo com ritmos e imagens emprestados pelo simbolismo (cuja liturgia cenogrfica de bric--brac deliquescente o mesmo Junqueiro poucos anos antes havia criticado). Implicitamente anunciando, nas ansiosas perguntas formuladas na rubrica final Nobre montante, qual o teu destino? Sulcars, relha do arado, a gleba deserta desse campons? Nas mos dessa criana, um dia homem, brilhars acaso, espada de fogo e de justia? a madrugada redentora de 5 de Outubro de 1910, a Ptria , talvez, a obra mais significativa e mais perfeita do seu autor, e, se bem que apenas tangencial expresso dramtica e esttica simbolista, de citao obrigatria aqui.

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    III / A TRAGDIA DA SAUDADE

    Para scar Lopes, o poema dramtico de Junqueiro uma composio ao mesmo tempo pessimista e saudosista da ptria portuguesa, deixando ver certos laos subtis que ligam a gerao de 70 ao saudosismo do comeo do sculo XX. E talvez no seja inteiramente errado considerar a corrente esttica e ideolgica que por esta designao ficou conhecida como um ramo lusada da rvore simbolista, que viria a florescer por conta prpria nos anos que imediatamente precederam e sucederam implantao da Repblica.

    Confluem no saudosismo as tendncias nacionalistas de fins do sculo, quer na sua vertente positivista (de que era Tefilo Braga o principal expoente), quer idealista (encabeada por Alberto de Oliveira), virada para o futuro e republicana aquela, respeitadora do culto da tradio e monrquica esta. A coexistncia, no movimento da Renascena Portuguesa, fundado em 1911 por Jaime Corteso, lvaro Pinto, Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, de republicanos e monrquicos, embora com predomnio daqueles, se por um lado trai a ambiguidade do seu substracto ideolgico (que era, afinal, o da burguesia detentora do poder

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    econmico e poltico), explica por outro lado a srie de dissidncias que o acompanharam, a primeira das quais logo em 1913, ano em que Raul Proena e Antnio Srgio dele se afastam e, por coincidncia, se funda o Integralismo Lusitano. O movimento teve na revista A guia, a partir de 1912, o seu rgo por assim dizer oficial; e a Pascoaes, seu teorizador principal, definiria metafisicamente a saudade como o sentimento-ideia, a emoo reflectida, onde tudo o que existe, corpo e alma, dor e alegria, amor e desejo, terra e cu, atinge a sua unidade divina.

    J, nas suas incurses dramticas, os nossos primeiros autores simbolistas acumularam notaes do que poderia designar-se como uma potica da saudade: no termo da sua trajectria v, Sagramor exclama, desalentado: O cu todo feito de saudade; no Pntano, o Duque evoca a saudade de uma hora de amor desaparecida no sorvedouro do tempo (Minha saudade, quis hoje dormir contigo Invoquei o perfume com cujas asas, doido, voguei no espao rutilante, invoquei toda a luz dos olhos em que um dia banhei toda a minha alma; batendo os dentes, trmulo de frio, invoquei no meu leito solitrio a tepidez da estufa em que desabrocharam os meus sonhos. Invoquei-te, saudade, pedi-te o aroma dos seus beijos. Quando acordei, s vi as trevas e os meus sonhos sumirem-se to mansinho como o fumo que sobe de uma tocha num quarto morturio!) e pede saudade que o leve sua infncia, esse paraso perdido a que debalde aspiram os protagonistas de Meia-Noite (Saudade? um anseio doloroso, um querer fugir para uma outra vida donde vim alguma vez sonhada? Nem eu sei!, murmura o organista Crisstomo). E, anos mais tarde, a saudade de um passado inventado que no tivssemos tido que se infiltra por entre as rplicas, sonambulamente ditas, do Marinheiro de

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    Pessoa o qual foi, alis, um dos colaboradores da guia em cujas pginas escreveu (1912) uma srie de artigos encomisticos sobre a nova poesia portuguesa, culminando pelo anncio do advento de um Super-Cames mas onde, por outro lado, lhe seria, significativamente, recusada a publicao do seu drama esttico.

    Certo que, excepo feita de Teixeira de Pascoaes (1877-1952), nenhum dos intelectuais congregados em torno da guia e do movimento da Renascena Portuguesa que pelo teatro de algum modo se interessaram, dele se serviu para exprimir por seu intermdio as ideias subjacentes ao saudosismo. Se a campanha vicentina louvavelmente empreendida por Afonso Lopes Vieira (autor, tambm, de um acto em verso, o poemeto Rosas Bravas, de buclica inspirao, representado no Teatro Repblica em 1912, ante um cenrio de Raul Lino que irresistivelmente evoca Lon Bakst e a esttica dos Ballets Russos) e os dramas histricos de Jaime Corteso (O Infante Santo e Egas Moniz, no mesmo Teatro estreados em 1916 e 18) se inscrevem num propsito de recuperao do passado, de reencontro com as foras radiculares da nacionalidade, e por a algo tero ainda que ver com o iderio saudosista, que visava, em palavras do segundos destes autores, restituir Portugal conscincia dos seus valores espirituais, j o naturalismo dos dramas de tese de um Manuel Laranjeira, o simbolismo do Marinheiro de Pessoa, o didactismo da Antgona de Antnio Srgio ou o regionalismo de O Bero de Hiplito Raposo, so de todo estranhos s grandes linhas do movimento, bem como o drama contemporneo, e de fundo social, de Corteso, Ado e Eva, estreado em 1921, precisamente o ano em que o seu

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    autor se afasta da Renascena Portuguesa para fundar, com outros dissidentes, como Augusto Casimiro e Raul Proena, a Seara Nova. Pouco antes, em 1919, escrevera Pascoaes o drama em verso D. Carlos, que s em 1925 seria editado (e no representado at hoje), em que, no comentrio de Duarte Ivo Cruz, repassa, atravs dos seus quatro actos, toda a problemtica peculiar do saudosismo, toda a temtica que lhe cara: a evocao tradicionalizante, o mistrio, a profecia, o amor pantesta da Ptria, a nsia e luta de redeno, enfim, o apelo s foras telricas e espirituais do devir histrico portugus.

    A verdade, porm, que a Histria aqui substituda, metafisicamente, pela fatalidade (de certo modo encarnada na personagem simblica do Alma, espcie de poeta louco e visionrio que atravessa as ruas da Capital e a aco do drama como se fosse a voz inaudvel e misteriosa do destino) e as personagens, mesmo as que reproduzem figuras extradas da realidade histrica, como o Rei, a Rainha, o prncipe Luis Filipe, os Condes de Arnoso e de Sabugosa, conselheiros do monarca, ou os revolucionrios Costa e Buia, so antes manequins a que o autor faz envergar os suas prprias ideias e enunciar os seus prprios conceitos. A confiana idealista do rei no povo, o povo antigo, simples, campesino / os velhos pescadores das nossas praias / () e os pastores das altas serranias / () os fortes aldees de Trs-os-Montes, / das Beiras e do Minho E aqueles rudes / ceifeiros do Alentejo, bronzeados / do Sol, confiana que a sua incapacidade para a aco, a sua entrega passiva fora do destino a que impossvel fugir, impedem de transformar-se em fermento de uma renascena nacional; o sebastianismo irracional do prncipe ( natural / que um prncipe na flor da sua idade / ame esse Rei da lenda e da

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    aventura, / e o deseje imitar em seus desvairos / e sublimes loucuras de herosmo); a tragicidade premonitria da Rainha (Sinto nos olhos uma fora estranha / que penetra, violenta, nos recantos / mais escuros das almas Vejo tudo, / diante de mim, em clara transparncia / onde apenas palpitam negras sombras, / figuraes de medos e fantasmas ); o dio vermelho e verde que cresce nas ruas da cidade contra a Casa de Bragana e arma o brao dos regicidas, fazendo deles a sombra do Destino / a quem os prprios deuses obedecem todos estes ingredientes que poderiam (deveriam) constituir as linhas de fora motriz da aco dramtica, aparecem reduzidos mecnica dimenso de conceitos abstractos, despidos de qualquer carga dialctica, desintegrados da realidade scio-econmica do pas, suportes de uma filosofia brumosa que o lcido racionalismo de um Antnio Srgio certeiramente alvejou ao dizer que o saudosismo no passava de uma renovada manifestao do temperamento fatalista, impulsivo, inconsistente por uns classificado de idealista e por outros de retrico , que nos formou a velha sina de conquistadores e aventureiros, retardatrios da Cavalaria.

    Drama de smbolos, a resvalar aqui e alm para a alegoria, mais do que propriamente drama simbolista, o D. Carlos de Pascoaes reflecte uma viso pessimista e idealizada das realidades nacionais que reaparece, mas a estruturada em termos de uma maior eficcia dramtica, na outra incurso teatral do poeta das Sombras: a tragicomdia Jesus Cristo em Lisboa, publicada em 1927, e em que teve Raul Brando como colaborador. Alis, Pascoaes considerava que depois de Gil Vicente e Garrett, teatro coisa que no existe em Portugal. O portugus muito espontneo e sincero. A sua arte d-

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    se imediatamente ao leitor, sem intrpretes; e quando tenta adaptar-se representao e ao cenrio artificial, desfalece e vulgariza-se.

    Com todas as suas limitaes e insuficincias, o poema

    dramtico de Pascoaes seria o nico testemunho da presena do saudosismo no nosso teatro se outro grande escritor, tambm poeta, mas exterior ao movimento, no tivesse conferido saudade, nos seus dramas como observou scar Lopes uma tenso trgica inapreensvel musa elegaca de Pascoaes. Esse escritor foi Antnio Patrcio (1878-1930), que entre 1909 e 1924 publicou cinco textos teatrais (O Fim, histria dramtica em 2 quadros, 1909; Pedro o Cru, drama em 4 actos, 1918; Dinis e Isabel, conto de Primavera em 5 actos, 1919; D. Joo e a Mscara, uma fbula trgica em 3 actos, e Judas, acto nico, 1924) e deixou incompletos vrios outros: Rei de Sempre, tragdia nossa em 5 actos (1914), A Paixo de Mestre Afonso Domingues, drama histrico em 3 actos, Auto dos Reis ou da Estrela (1929) e Teodora, o sonho duma noite de Bizncio. A designao por ele dada ao drama com que contribuiu para o vasto ciclo de peas que, desde A Castro de Ferreira, glosaram o tema dos amores de Pedro e Ins, Tragdia da Saudade, poderia aplicar-se a quase todo o seu teatro. Alheio a todo e qualquer esprito de escola, Antnio Patrcio foi o grande, para no dizer o nico, autor dramtico que em Portugal a esttica simbolista produziu, j que o Pntano e Meia-Noite lhe so apenas tangenciais, enquanto os esboos dramticos de Eugnio de Castro, Pessoa e Pascoaes o so em relao ao teatro. Nenhuma das suas peas teve acesso ao palco em sua vida: apenas em 1931, por ocasio de um Congresso Internacional dos Crticos

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    de Teatro (que trouxe Pirandello a Portugal) se representaram no Teatro Nacional algumas cenas do 1. acto de Dinis e Isabel; e s muito mais tarde, em 1971, O Fim subiu cena na Casa da Comdia e foi uma revelao fulgurante.

    Esta alucinada anteviso da queda iminente da monarquia (recorde-se que a sua publicao data de 1909), oferece alguns pontos de contacto com o D. Carlos de Pascoaes, cuja aco decorre imediatamente antes e depois do regicdio de 1908. Ambos transpem literariamente, mitificando-o, o mesmo tempo histrico, que o dos dois derradeiros anos da monarquia. E em ambos, tambm, como na Ptria de Junqueiro, que fruto do mesmo pomar (como seriam igualmente, mais tarde, o Indesejado de Jorge de Sena e El-Rei Sebastio de Jos Rgio), um regime agoniza, e aqueles em que se encarna buscam desesperadamente uma iluso de sobrevivncia, confundindo a sua morte, historicamente inevitvel, com a morte da ptria, redimida no entanto pelos que trilham os caminhos do futuro e anunciam, nas palavras do Desconhecido (em O Fim), a primeira trgica de um povo que hibernava h sculos. O monlogo desvairado da velha rainha louca da histria de Patrcio ecoa no pavor que encrespa os versos postos por Teixeira de Pascoaes na boca de D. Maria Pia: Quero fugir! Acendam luzes, luzes!/Ai que medo e que frio! Tenho medo!/Tremo de frio! Acendam luzes, luzes!/Vejo sombras, espectros de assassinos!/Perfis de ferro em braza que me queimam!/Perfis de cera morta, num sorriso/que escorre dos seus lbios, como sangue/Fico a tremer gelada! Acendam luzes! As vrias cenas que, no drama de Pascoaes, se sucedem no pao de Belm, aps o regicdio, do bem a imagem da corte pstuma a que alude uma das ltimas rplicas de O Fim, e o desenlace trgico de ambos os

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    poemas encerra-os no crculo fechado do pessimismo nacional: Venham os corvos!, grita uma personagem de Patrcio; chora nas ruas de Lisboa o vento; / voz do cu em lgrimas de agouro, exclama o Alma, no eplogo de D. Carlos. Mas, no final da histria de Patrcio, o Desconhecido annimo entreabre uma via de salvao, embora apenas sugerida

    A presena obsidiante da morte essa terceira personagem enigmtica, invisvel, mas sobretudo presente, a que se poderia chamar a personagem sublime aludida por Maeterlinck e que levou Patrcio a escolher, para epgrafe de D. Joo e a Mscara, a sua frase preferida de Shakespeare (Bem nossa, s a Morte) confere uma unidade profunda a todo o seu teatro, que da esttica simbolista reteve a essncia e desprezou os ornatos exteriores. A Rainha Velha de O Fim de si prpria diz que a ama da Morte e que a ouve em tudo: nos gritos dos paves, nas portas e estradas, de noite, no ranger dos ossos no silncio; diante do corpo exumado de Ins, Pedro, num encantamento mstico, proclama que o nosso amor s abraado morte inicia: s a Saudade revela, sabe a Deus; a Morte, a outra face de Deus, que se interpe entre Dinis e Isabel como a espada entre Tristo e Iseu; para D. Sebastio, a morte a forma nupcial do (seu) destino; e ela que, sob os traos de Soror Morte, acalmar a sede de eterno e absoluto de D. Joo.

    Vamos encontrar no teatro de Antnio Patrcio tudo o que j dissemos caracterizar a dramaturgia simbolista, nas suas formas mais ortodoxas: o repdio da anedota (que, na nota introdutria a D. Joo e a Mscara, ele dir reduzida ao mnimo, ao que h de essencial no destino das personagens) e das categorias convencionais de um tempo e um espao imediatos (os relgios pararam

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    o fumo tolda o ar de tal maneira que se no faz ideia do tempo: uma rplica de O Fim), a aco mais sonhada que vivida (Dinis e Isabel -nos apresentado como o sonho de algum que uma manh de primavera entrasse numa igreja e adormecesse, sob a influio fulgurante dos vitrais) e posta ao servio da revelao das almas (esta ltima pea definida pelo autor como uma pequena tragdia, toda ntima, sem indicaes de costumes ou cenrios mais que os estritamente indispensveis para situar um drama de conscincias [em que] a aco finda no 4. acto [e] ecoa, em tragdia esttica, no quinto), uma linguagem de uma intensa musicalidade, em que o verso e a prosa se indistinguem, to funda a sua interpenetrao Mas, e a reside a superioridade do seu teatro sobre o da imensa maioria dos poetas simbolistas que, dentro e fora de Portugal, se abeiraram da expresso dramtica, Patrcio soube conferir s personagens histricas ou lendrias que ps em cena uma dimenso mtica que, mau grado certos preciosismos verbais com que sacrifica ao gosto decadente da poca, as no despojou todavia da sua mais profunda humanidade. Nenhum poeta, depois de Ferreira, exprimiu em to patticos acentos a dor e o desejo que desvairadamente se enleiam no corpo e na alma de Pedro, enlouquecendo-o; nenhum soube dizer, como ele, a apetncia de morte de D. Joo e D. Sebastio. E, tal como do amante de Ins, no faltaram na literatura dramtica (ou circum-dramtica) do seu tempo as tentativas de levar ao tablado estas duas figuras que simultaneamente participam da lenda e da histria: recordemos, quanto ao burlador de Sevilha, a fantasia lrica em um acto de Rui Chianca A Alma de D. Joo (1914), de um serdio romantismo, e o poema em trs quadros de Joo de Barros D. Joo (1920),

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    em que, ao invs da fbula trgica de Patrcio, a alegria de viver que se exalta; e quanto ao Rei Desejado, o drama histrico, de recorte naturalista, O Pasteleiro de Madrigal, de Augusto de Lacerda (1924) e o poema dramtico em trs cantos e doze quadros de Toms Ribeiro Colao D. Sebastio (1933), ainda impregnado, aqui e ali, de reminiscncias da esttica simbolista. Mesmo entre os projectos dramticos irrealizados de Fernando Pessoa, a que iremos aludir no captulo seguinte, se nos deparam fragmentos de dois poemas tendo por eixo a personagem do jovem rei desaparecido nos areais de Alccer-Quibir: Catstrofe e O Encoberto que seriam outras tantas variaes sobre o tema sebastianista da Tragdia da Saudade.

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    IV / DO ORFEU PRESENA E DEPOIS

    Dizia Fernando Pessoa (1888-1935), repetidamente, que o ponto central da minha personalidade como artista que sou um poeta dramtico, por ter continuamente em tudo quanto escrevo a exaltao ntima do poeta e a despersonalizao do dramaturgo: seria essa a chave da (sua) personalidade, munido da qual a crtica poderia abrir lentamente todas as fechaduras da (sua) expresso e descobrir por trs das mscaras involuntrias do poeta, do raciocinador e do que mais haja, o dramaturgo. Mas, embora no seu esplio literrio figurassem algumas dezenas de fragmentos e apontamentos para dramas que ficaram inacabados (e no de excluir que outros ainda venham a aparecer), num dos quais, uma parfrase em verso do Fausto, trabalhou ao longo de vrios anos, apenas um texto dramtico nos deixaria completo: o drama esttico em um acto O Marinheiro, publicado em 1915 no primeiro nmero do Orfeu, mas escrito dois anos antes.

    Outro colaborador da revista, o poeta e pintor Almada Negreiros (e havemos de ver que tambm dramaturgo), escreveu um dia que foi com a gerao do Orfeu que teve lugar a primeira descoberta de

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    Portugal na Europa do sculo XX. Descoberta que, todavia, no passou pelo meridiano do teatro e, que at, praticamente, o ignorou: com a nica ressalva, precisamente, de Almada (e atento o carcter fragmentrio das tentativas de Pessoa), as eventuais incurses dos colaboradores do Orfeu pelos domnios da expresso dramtica eram muito mais tributrias de uma esttica finissecular (quer esta fosse o simbolismo, quer o naturalismo) do que premonitrias da grande aventura da arte moderna, cujos riscos a obra potica de um Pessoa ou um S-Carneiro corajosamente assumiu.

    Deixando para mais adiante o estudo do teatro de Almada, e feita uma passageira referncia aos dramas regionais de Armando Crtes-Rodrigues (O Milhafre, 1927; Quando o Alar Galgou a Terra, 1938) e aos seus Autos do Natal (1926) e do Esprito Santo (1957), que valem sobretudo como documentos etnogrficos, do drama psicopatolgico de Raul Leal O Incompreendido, to arbitrrio conceptualmente quanto cenicamente rudimentar, e s duas peas que Antnio Ferro, editor do Orpheu, talhou pelo mais convencional e mundano figurino do boulevard francs, Mar Alto (1923) e O Estandarte (1932), ambas as quais desencadearam polmicas motivadas por razes estranhas aos seus (escassos) mritos e (limitados) propsitos literrios, detenhamo-nos um pouco nas tentativas teatrais das duas figuras cimeiras da gerao rfica.

    Na sua breve existncia (1890-1916), o teatro foi uma preocupao constante de Mrio de S-Carneiro. Das quatro peas que se sabe haver escrito, duas se perderam (O Vencido e Irmos), uma est publicada (Amizade, 1912) e a quarta permanece indita (Alma). As trs primeiras foram representadas por grupos de

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    amadores, de que o poeta dos Indcios de Oiro foi entusistico impulsionador; e nas duas ltimas teve como colaboradores, respectivamente, Toms Cabreira Junior e Antnio Ponce de Leo. Com este traduziu Os Fsseis, de Franois de Curel um dos dramaturgos que Antoine revelara atravs do Teatro Livre e que, num artigo sobre O Teatro-Arte, publicado em 1913 no jornal O Rebate, S-Carneiro colocava ao lado de Claudel para os contrapor aos fornecedores mundiais de fino esprito requintado, de emoo forte, de lirismo, de profunda intelectualidade para todas as bolsas e todas as medidas: os Flers e Caillavet, os Bernstein e os Kistemaeckers, os Capus e os Gavault que, em subtradues, inundavam os palcos portugueses da poca.

    Nesse artigo se definia uma esttica do teatro singularmente prxima do simbolismo, mediante conceitos como este: Uma obra dramtica uma obra plstica porque para l das suas palavras existe qualquer outra coisa que nela o principal: suscita um arcaboio, uma arquitectura. A obra-prima teatral completa, lana mesmo duas arquitecturas: uma exterior, mera armadura, outra interior () que a alma, a garra de ouro, (e que) consiste no ambiente que a grande obra dramtica () cria em torno de si: de maneira que ns temos a sensao ntida de que a sua mxima beleza no reside nem nas suas palavras, nem na sua aco (arquitectura exterior), mas em qualquer outra coisa que se no v: uma grande sombra que se sente e se no v.

    Entre esta orientao esttica e os trs actos de Amizade, que no ano anterior a Sociedade de Amadores Dramticos levara cena no Clube Estefnia (mas que havia sido escrita em 1909-10), nenhum ponto de

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    contacto se vislumbra. Quer pela sua estrutura, quer pela caracterizao das personagens, quer pelo estilo dialogal, a pea obedece aos cnones do mais estrito naturalismo. Tematicamente, ser no entanto possvel detectar nela uma das ideias-chaves da potica do seu autor que alis a foi buscar ao naturalismo, com o apoio de uma citao de Zola , segundo a qual a amizade entre dois seres tende inevitavelmente para a posse. O que nos traz lembrana uma das quadras do poema Como eu no possuo do seu primeiro livro de versos: No sou amigo de ningum. Pra o ser/Foroso me era antes possuir/Quem eu estimasse ou homem ou mulher./ E eu no logro nunca possuir!

    Mais do que Amizade, Alma, a outra pea subsistente do autor de Disperso, cuja factura contempornea dos versos deste livro e da novela A Confisso de Lcio, aproxima-se do ideal artstico defendido naquele artigo, que lhe alis posterior em alguns meses. A dualidade alma-corpo, a que S-Carneiro alude explicitamente em vrios passos do artigo cujo ltimo pargrafo termina por essas duas palavras-chaves: para saber a que arte pertence qualquer obra, h primeiro que a pesar, que reflecti-la com todo o cuidado em alma e corpo , e que constitui um dos temas obsessivos da sua obra, o verdadeiro motor da aco desta pea em um acto, em que se esboa uma sexualizao das relaes afectivas qual o nosso teatro at ento ainda no havia ousado, ao mesmo tempo que, num outro plano mais recuado, se insinua uma crtica acerada do matrimnio como instituio burguesa e que, excepo feita para a Sabina Freire de Teixeira-Gomes (1905), s em moldes naturalistas os nossos dramaturgos haviam tentado.

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    Nos trs anos seguintes, que foram os ltimos da sua vida, o teatro no volta a aparecer na obra de S-Carneiro; a sua morte, alis, seria dramatizada por Jos Rgio, a partir de uma parfrase de um dos seus ltimos poemas, Fim, em Mrio ou Eu Prprio o Outro (1957). Mas, no trilho aberto por Alma, o seu colaborador nesta pea, Ponce de Leo (1891-1918), escreveria duas outras comdias de um sensualismo exacerbado (A Onda, 1915; Venda, indita ainda) que com o simbolismo tm em comum certos recursos estilsticos e, sobretudo, a ateno dispensada s foras inconscientes e ocultas que agem na antecmara do ser. Era j a sombra tutelar de Freud que se projectava no horizonte.

    Ao considerar O Marinheiro a coisa mais remota que

    existe na literatura, Fernando Pessoa acrescentava que a melhor nebulosidade e subtileza de Maeterlinck grosseira e carnal em comparao o que era ainda uma forma de reconhecer os nexos que prendiam o seu drama esttico ao simbolismo em geral e em particular ao autor da Intrusa (a quem, atravs do seu heternimo lvaro de Campos, sensacionista, sarcasticamente chamaria fogo do Mistrio apagado no Ultimatum de 1917). Ele prprio, alis, explicitou o que da esttica simbolista o aproximava e afastava, num texto em que dela declara rejeitar a exclusiva preocupao do vago, a exclusiva atitude lrica, e, sobretudo, a subordinao da inteligncia emoo e aceitar a preocupao musical, a sensibilidade analtica (e) a sua anlise profunda dos estados de alma, (que) procura intelectualizar. Mas o Marinheiro foi escrito numa fase da sua carreira literria em que esta demarcao no era ainda muito ntida; com a criao dos heternimos (Alberto Caeiro, Ricardo

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    Reis, lvaro de Campos) que ela ir precisar-se. Ora esta criao situa-se entre a escrita inicial do drama (1913) e a sua publicao, dois anos depois, no primeiro nmero do Orfeu: da que nele subsistam indcios daqueles aspectos do simbolismo que, mais tarde, Pessoa diria rejeitar.

    Logo a denominao escolhida drama esttico (como, ao Fausto, aplicaria a de tragdia subjectiva) revelava sem rodeios uma identificao com a esttica do simbolismo, confirmada pela prtica inexistncia de uma aco e de personagens individualizadas e pelo corte radical com a realidade, qual se vai sobrepondo, at acabar por anul-la, uma realidade outra que pura criao do esprito. neste sentido apenas que pode aqui falar-se em aco: atravs do tecido verbal das palavras e das imagens, as trs veladoras, que so alis o desdobramento de uma nica personagem inindividualizada, inventam um passado que no tivessem tido e nesse passado instalam a fico do marinheiro que vai ganhando consistncia dentro de cada uma delas at se tornar na nica realidade, como em dado momento uma das veladoras intui: Porque no ser a nica coisa real nisto tudo o marinheiro, e ns e tudo isto apenas um sonho dele? Situada, como os tericos do simbolismo preconizavam, fora do tempo e do espao a rubrica inicial indica um quarto que sem dvida num castelo antigo e nas duas primeiras rplicas diz-se que ainda no deu hora nenhuma e no h relgio aqui perto a aco do Marinheiro situa-se igualmente fora do mundo real: como diz a segunda veladora, no rocemos pela vida nem a orla das nossas vestes, e mais adiante, construda j pelo exclusivo poder mgico da palavra a fico do marinheiro: Talvez nada disto seja verdade Todo este silncio () e este dia que

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    comea no so talvez seno um sonho Olhai bem para tudo isto Parece-vos que pertence vida? Assim O Marinheiro, levando porventura at s ltimas consequncias e em todos os planos as ideias de Mallarm e de Maeterlinck sobre o que o teatro simbolista deveria ser, correspondia em absoluto ao conceito de Pessoa sobre a arte: uma tentativa de criar uma realidade inteiramente diferente. De estranhar que, at agora, nenhum compositor se tenha deixado atrair pelas potencialidades musicais deste texto, para extrair deles, como Debussy do Pllas ou Strauss da Salom, o drama lrico que em germe contm

    Tambm uma Salom figura no esplio de Pessoa: a perversa e sensual filha de Herodes, que inspirou Oscar Wilde, Mallarm, os pintores simbolistas, a quem Eugnio de Castro consagrou, em 1896, um poema decadentista, em que a descreve ora altiva, ora lnguida, ora inquieta / traando no ar gestos macios como rosas e a compara a navio, serpente e borboleta, e que num dos fragmentos do drama incompleto de Pessoa diz de si prpria que fatal como as noites e os outonos. O tom desses fragmentos, se evoca a aco sonhada do Marinheiro, no deixa de manter pontos de contacto muito estreitos com o poema homnimo de Wilde, que na sua original verso francesa data de 1892 e, como j dissemos, se estreou entre ns em 1925; cerca de vinte anos decorridos publicava-se uma nova e admirvel traduo, assinada pelo poeta Armindo Rodrigues.

    Tal como O Marinheiro, Salom inscrever-se-ia num projecto, a que o autor alude num apontamento de 1914, do que ele designava por Teatro de xtase. Maria Teresa Rita, a quem devemos um importante levantamento da obra dramtica de Pessoa, fragmentria e dispersa, e um estudo profundo das suas relaes com a

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    esttica simbolista, que estamos aqui seguindo, inclui ainda nesse ciclo o dilogo Mereia, A Morte do Prncipe e Dilogo no Jardim do Palcio, que considera as peas mais conseguidas e mais originais de Pessoa. Esse teatro indito e incompleto, que abrange ao todo trs dezenas de ttulos, compreende obras de muito diversas pocas e concepes; desde peas de inspirao shakespeareana, escritas em ingls (duas na adolescncia, Marino e The Multiple Gentleman, a terceira aos 30 anos, The Duke of Parma), uma pea de enredo policial, tambm redigida em ingls, uma stira poltica com canes intercaladas (Circo Internacional Schildroth), duas peas sobre o tema da difcil comunicao entre os seres (Amor e Interveno Cirrgica), um Auto da Morte (em que seria glosado o tema da pluralidade dos deuses como outras tantas faces de uma verdade mltipla), cinco textos sobre figuras e assuntos nacionais (Portugal, O Encoberto, poema em quatro cantos subdivididos em sonhos, Catstrofe, uma Ins de Castro, uma Leonor Teles) e uma vasta sequncia de obras, apenas esboadas, em que abordava os grandes mitos: Prometeus Revinctus, uma trilogia dos Gigantes, Briareu, Livor e Encelado, completada por Typhon, Cephisa e Lygeia, A Sesso dos Deuses, dois painis de uma trilogia inacabada, Sakyamuni e Calvrio alm do Fausto em que desde 1908 at quase ao fim da sua vida no deixaria de trabalhar, mas de que apenas se conhecem fragmentos de uma primeira parte (o plano inicial comportava duas, a que mais tarde veio juntar-se o projecto de uma terceira). No pensamento do seu autor, o Primeiro Fausto, que se dividiria em cinco actos, representava a luta entre a Inteligncia e a Vida, em que a Inteligncia sempre vencida. (O tema de Fausto inspirou, alis, directa ou indirectamente, vrias obras escritas no perodo analisado

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    neste livro, desde o Sagramor de Eugnio de Castro, 1895, ao poema dramtico em prosa de Fernando Amado O Pescador, 1926, do qual um crtico escreveu que escondia numa nuvem de smbolos todas as lutas do pensamento na hora que passa, tragicomdia de Coelho de Carvalho O Gr-Doutor, 1926, e at uma comdia burguesa de Ramada Curto, Colombina e o Telefone, 1940 assim como um outro mito clssico iria, mais tarde, alimentar a Trilogia de dipo, de Joo de Castro Osrio, publicada em 1955, e o Antnio Marinheiro de Bernardo Santareno, 1960. O nome de Joo de Castro Osrio deve mencionar-se ainda como autor de duas tragdias corais publicadas em 1921 e 23, A Horda e O Clamor, de uma alegrica Tetralogia do Prncipe Imaginrio, 1940-41, e de uma tragicomdia, O Baptismo de Dom Quixote, editada no mesmo ano, 1944, em que Carlos Selvagem faria representar no Teatro Nacional a sua farsa herica Dulcineia ou a ltima Aventura de D. Quixote.)

    Se, na sua grande maioria, os trechos que de todas as obras de Pessoa at agora foram divulgados consistem em monlogos, ainda que distribudos por vrias personagens, isso se deve concepo do teatro que o seu autor perfilhava e repetidamente deixou espalhada por diversos escritos: revelao das almas, monlogo prolongado e analtico, em que as perguntas e as respostas se sucedem no interior do prprio eu em luta consigo mesmo. Assim, escrevendo, em vez de dramas em actos e aco, dramas em almas, Pessoa mantinha-se fiel ao que chamava o temperamento dramtico elevado ao mximo. Da que as personagens do mais autntico e intenso drama que Pessoa concebeu ele que de si prprio dizia que nem pensou nunca, nem sentiu, seno dramticamente fossem as vrias individualidades em

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    que desdobrou a sua multmoda personalidade, os seus heternimos, que advertia deverem ser consideradas como distintas do autor delas, formando cada uma uma espcie de drama; e todas juntas outro drama: () um drama em gente, em vez de em actos. Como no aproximar esta frmula do teatro de Pirandello e das suas mscaras nuas, que por igual testemunham a fractura do homem contemporneo? Compare-se, por exemplo, este poema (atribudo ao heternimo Ricardo Reis): Vivem em ns inmeros;/Se penso ou sinto, ignoro/Quem que pensa ou sente./Sou somente o lugar/Onde se sente ou pensa./Tenho mais almas que uma./H mais eus do que eu mesmo, com a clebre rplica das Seis Personagens Procura de Autor do grande dramaturgo siciliano: O drama est na conscincia que cada um de ns tem de ser apenas um, quando afinal tantas vezes um quantas as possibilidades que nele existem: um para este, outro para aquele inumerveis!

    O drama de Pirandello (em cujo ventre o teatro

    moderno se gerou) de 1921; o Orfeu aparecera em 1915 e com ele morre o sculo XIX e nasce o sculo XX nas letras e nas artes nacionais. Nos versos de S-Carneiro e Pessoa ouvem-se ainda os ltimos ecos do simbolismo e irrompem j os primeiros acordes da poesia a que, em termos englobantes, chamaremos modernista, e de que o simbolismo continha alis as sementes. significativo desta dicotomia e da fractura consequente que nos seus dois nicos nmeros publicados, coexistissem O Marinheiro e o Opirio lado a lado com a Ode Triunfal e a Manucure. Mas, no que ao teatro se refere, nem Pessoa nem S-Carneiro transcenderam os limites da esttica finissecular.

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    Quem decididamente os transps, e por isso representa neste sector particular o esprito vanguardista do movimento rfico, foi Jos de Almada Negreiros (1893-1970) que logo no furibundo Manifesto Anti-Dantas, de 1915, alm de alvejar certeiramente (e por extenso) o acadmico autor da Ceia dos Cardeais, tomando como pretexto a estreia recente da sua Sror Mariana, no poupava tambm as pinoquices de Vasco Mendona Alves passadas no tempo da avozinha, as infelicidades de Ramada Curto, as gaitadas de Brun e os actores de todos os teatros, e assim punha em causa as estruturas oficiais do teatro ento vigente. Que estas o ignorassem, no por isso de surpreender: grande parte do teatro que Almada escreveu manteve-se longamente indito e seria preciso aguardar at 1949 para que uma das suas peas (e mesmo assim um breve dilogo apenas) fosse enfim representada

    Na multmoda personalidade de Almada, era o artista plstico que dominava e ter sido ele que o levou ao teatro, como por esta sua declarao se adverte: No conheo pintor vivo ou morto que na palavra Teatro no fosse como em coisa sua: o Teatro nosso, dos pintores, o escaparate das artes plsticas, porque se em pintura e nas artes plsticas a aco s vendo, e na msica s ouvindo, no Teatro com todos os sentidos. Esta concepo eminentemente visual da arte dramtica, que recusa a hegemonia da literatura e que se apoia na linguagem cnica encarada como um tecido complexo de palavras e gestos, de sons e movimentos, de luzes e cores, atravs do qual se insinua aquela ligao de tudo o que em cena se pe diante dos espectadores, explica que os dois bonecos do seu lever-de-rideau Antes de Comear (escrito em 1919, anunciado para abertura do espectculo

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    inaugural do Teatro Novo em 1925, mas s estreado no Estdio do Salitre em 1949), o Pierrot e Arlequim dos dois ensaios de dilogo (cmico e trgico) publicados em 1924, as personagens de commedia dellarte de Deseja-se Mulher (espectculo em trs actos e sete quadros escrito em 1927-28, publicado em 1959 e estreado em 1963), vivessem j nos seus desenhos e nas suas telas antes de serem transportados para o palco. Como se Almada sentisse a necessidade de lhes emprestar palavras, de lhes dar voz, de os animar em suma, para que a sua existncia se completasse.

    Alis, o seu primeiro encontro com o teatro dera-se por intermdio das artes plsticas; em 1918, um ano depois do polmico espectculo futurista que levara a efeito no Teatro Repblica, desenhava os figurinos para o bailado de Rui Coelho A Princesa dos Sapatos de Ferro, danado em So Carlos, a que no ter sido estranha a influncia esttica dos Ballets Russos de Diaghilew, que poucos meses antes se apresentaram no Coliseu. Mais tarde, dever-se-lhe-iam as maquetas dos cenrios e os figurinos para a farsa herica de Carlos Selvagem Dulcineia ou a ltima Aventura de D. Quixote (Teatro Nacional, 1944), para a comdia de Alejandro Casona La Sirena Varada (Teatro Monumental, 1952), para o Auto da Alma (que ele prprio encenou em 1965, no Teatro So Carlos, por ocasio das comemoraes do 5. centenrio do nascimento de Gil Vicente) e para o poema dramtico de Miguel Torga Mar (Teatro Experimental de Cascais, 1966). Cenrios e figurinos que no eram a simples transcrio de um desenho, ampliado para as dimenses da cena, mas uma criao original, autnoma, nascida de uma exigncia especificamente cenoplstica. Ou no estivesse o pintor no teatro como em coisa sua

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    Das peas que escreveu (e algumas cujos nomes anunciou no tero passado de projectos) apenas se publicaram, em sua vida, Antes de Comear, Pierrot e Arlequim, Deseja-se Mulher e, em traduo inglesa de Charles David Ley, O Pblico em Cena, alm de dois quadros de S. O. S. (que, com Deseja-se Mulher, deveria constituir a Tragdia da Unidade, alis, o autor informa que estes dois textos foram redigidos originariamente em castelhano, sob o ttulo comum El Uno, tragedia documental de la colectividad y el individuo); postumamente, foram divulgados o dilogo Aquela Noite (1949), trs quadros de uma parfrase de Apuleio, O Mito de Psique (1949) e duas peas em um acto, Galileu, Leonardo e Eu (1965) e Aqui Cucaso, variaes sobre o mito de Prometeu. Em todas estas obras, mas sobretudo em Deseja-se Mulher, de todas a mais equilibrada, assiste-se a uma tentativa, quase mpar na nossa dramaturgia contempornea, de recuperar a pureza do discurso teatral mediante um revirginizado sentido da conveno cnica, por um lado, e por outro uma espantosa agilidade verbal e uma constante inveno plstica, que deliberadamente recusam o cdigo naturalista. O maior estorvo para a representao da realidade a presena da prpria realidade, escreveu ele num dos muitos apontamentos sobre teatro que deixou espalhados por livros, revistas e programas; razo tiveram os gregos ao pr mscaras nas caras dos seus actores: as caras so realidade e esta est simbolizada nas mscaras: o smbolo realidade imaginada, e com smbolos que se expressa a arte transcrio que nos vem confirmar a raiz simbolista da esttica subjacente s vrias correntes do modernismo. E Almada, que por caminhos muito diferentes dos de um Copeau, um Gmier, um Jean Vilar, perseguia tambm

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    sua maneira o sonho de um teatro comunitrio (atravs da intuio, abstracta embora, de que nenhuma arte tem de falar para todos a no ser o teatro porque grandes e pequenos, instrudos e analfabetos, sbios e ignorantes, no teatro todos so um), conclua pela condenao sem apelo do naturalismo: A decadncia do teatro est na razo directa das toneladas de realismo importado para cima das tbuas. Se quisssemos encontrar, alm das nossas fronteiras, um termo de comparao para o teatro de Almada (em que a dominante preocupao de unidade, patente na frmula 1+1=1 sobre a qual construiu Deseja-se Mulher, se estende simbiose de uma antiga sabedoria com uma ingenuidade provocativamente moderna), teramos de ir procur-lo entre as snteses dos futuristas, com Marinetti cabea, o Lorca e o Cocteau da fase surrealista, o Roger Vitrac dos Mistrios do Amor. Compreende-se que a cena portuguesa dos anos 20 e 30, subordinada lei frrea do naturalismo (com excepes que se contam pelos dedos de uma nica mo), no estivesse apta a receb-lo.

    Dois quadros de S. O. S. e um de Deseja-se Mulher foram publicados em 1935, o primeiro na revista Sudoeste, de que ele mesmo, Almada, era director, o segundo na presena, folha de arte e crtica que se editava em Coimbra desde 1927. Acerca do papel que esta revista desempenhou nas letras nacionais, na evoluo da cultura portuguesa durante o segundo quartel do sculo, muito se tem escrito e, certamente, haver ainda de escrever-se: quer para considerar que ela foi o rgo do segundo modernismo, e portanto a herdeira e continuadora do Orfeu, quer para acoim-la de contra-revoluo do modernismo; e se nenhum destes juzos inteiramente certo, nenhum deles ser tambm

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    completamente errado Disto mesmo se pode colher uma prova atravs dos nexos que existiram entre a presena e o teatro.

    Desfraldado, logo no primeiro nmero e sob a assinatura de um dos seus directores, o poeta Jos Rgio, o pendo da Literatura Viva (em oposio a uma literatura livresca), mal se compreenderia que a presena exclusse do mbito das suas preocupaes o teatro: e de facto, nesse artigo-manifesto, no deixava de conter-se uma referncia aos autos de Gil Vicente, espantosamente vivos, em contraste com as comdias de S de Miranda, irremediavelmente mortas. E num texto ulterior, em que Rgio tornava a abordar polemicamente o mesmo tema, desenvolvendo-o, indicava-se entre as raras excepes mediocridade triunfante nas letras ptrias, e como afirmao de gnio, O Doido e a Morte, de Raul Brando que uma obra de teatro; e entre os autores contemporneos a que a gerao presencista a rendia o seu preito de pblica homenagem, figuravam dramaturgos como Strindberg, Ibsen, Claudel, Cocteau alm de Pirandello, poeta de ideias que se fazem carne, malabarista esfomeado de Absoluto, arrastando os homens compreenso irnica de todos os seus relativismos, e de Bernard Shaw, Narciso sarcasta e lrico, violador de falsas honestidades, escrevendo stiras sobre os cenrios convencionais. Ibsen e Pirandello, alis, seriam estudados em artigos autnomos, o primeiro por ocasio do centenrio do seu nascimento, o segundo num ensaio de Jos Rgio acerca das Seis Personagens Procura de Autor, que uma companhia italiana havia trazido a Lisboa em 1923 e que s em 1959 a censura fascista acabaria por autorizar na verso portuguesa, vencidos os ridculos preconceitos

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    supostamente morais que durante mais de trs dcadas lhe vedaram o acesso ao palco.

    A presena surge no mesmo ano em que instituda a censura prvia aos espectculos, em que se publica o tristemente clebre decreto de 6 de Maio, que explicitamente atribui Inspeco dos Espectculos a funo de fiscalizar e reprimir a actividade teatral a pretexto de evitar as ofensas lei, moral, aos bons costumes e s instituies vigentes O golpe militar de 1926 viera estancar o movimento de renovo que, desde o comeo dos anos 20, se esboava na cena portuguesa. Novos autores, como Alfredo Cortez, Carlos Selvagem, Vitoriano Braga, Raul Brando (que recomeava uma carreira de autor dramtico, interrompida no dealbar do sculo), uma nova gerao de actores cultos e esclarecidos, a colaborao de artistas plsticos de gosto moderno (Jorge Barradas, Antnio Soares, Milly Possoz, Leito de Barros), algumas tmidas tentativas de teatro experimental (o Teatro Novo de Antnio Ferro e o Teatro Juvnia de Arajo Pereira), a presena, certo que descontnua e muito irregular, de autores como Pirandello, Lenormand, Chiarelli, Jules Romains, Shaw, Jean-Jacques Bernard, nos cartazes dos teatros, eram outros tantos prenncios de uma transformao cuja necessidade se fazia imperiosamente sentir mas que o novo regime ditatorial veio abrupta e violentamente paralisar. A presena acusava com dureza os nossos escritores e artistas de se deixarem corromper, amolentar, degradar naquilo mesmo que tinham de mais prprio, pessoal e humano, de no terem possibilidades de alargamento, de renovao e de enriquecimento, ou de terem esterilizado essas possibilidades pela sufocao do meio, pelo seu

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    espantoso desconhecimento da Arte Moderna, pela sua manifesta ou esconsa hostilidade contra todas as ousadias, at as mais fecundas mas em rigor dessa corrupo, dessa moleza, dessa degradao, a responsabilidade era mais imputvel s estruturas da praxis teatral, s infrastruturas socioeconmicas do pas, s limitaes da censura, do que propriamente aos autores, vtimas primeiras desse condicionalismo.

    Tal, porm, como no houve uma dramaturgia do Orfeu, no existiu uma dramaturgia da presena: nenhum denominador comum esttico permite ligar entre si obras to desiguais (sem aludir sequer s grandes diferenas qualitativas que as separam) como Jacob e o Anjo e O Vestido de Noiva, A Posio de Guerra e Terra Firme. Foi, alis, depois de sair o ltimo nmero da revista coimbr que Rgio desenvolveu a sua obra dramtica (at a, publicara apenas a fantasia Trs Mscaras e o mistrio Jacob e o Anjo), que Torga e Gaspar Simes divulgaram os seus primeiros tentames teatrais. Mas o teatro de Rgio cresce ainda no terreno do simbolismo; e quem, de entre os colaboradores da folha de arte e crtica, recolheu a herana do primeiro modernismo (representado nas pginas da presena por um quadro de Deseja-se Mulher, de Almada), garantindo assim a ligao entre as duas geraes, seria um dissidente, Branquinho da Fonseca (1905-1974), que em 1930, juntamente com Miguel Torga e Edmundo de Bettencourt, dirigiu aos dois outros directores uma carta aberta em que proclamava a sua deciso de sair de uma barca que no ia com os seus rumos nem para o Norte de cada um e de partir aventura, sem rei nem roque, pelo mundo de todas as latitudes e longitudes. A sua produo teatral cessa, no entanto, bruscamente, em

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    1939, quase na mesma altura em que deixa de publicar-se a revista de que fora um dos fundadores e de que nove anos antes se afastara. E s mais tarde, em 1947, um agrupamento experimental, o Teatro-Estdio do Salitre, levaria cena o seu poema dramtico Curva do Cu. tambm nesse ano que se estreiam, no mesmo palco, uma pea de outro dramaturgo revelado pela presena (O Saudoso Extinto, de Joo Pedro de Andrade) e, no Teatro Nacional, a Benilde de Rgio.

    O poema dramtico de Branquinho em que possvel detectar certos vestgios do simbolismo, atravs das afinidades que o unem a um texto de Tagore, Amal e a Carta do Rei, divulgado entre ns na verso de Andr Gide - fora, pela primeira vez, publicado na revista Sinal, que em 1930 fundou com Miguel Torga, logo aps a ciso aberta na frente presencista. Nas pginas da folha coimbr haviam aparecido em 1928 A Posio de Guerra e em 1929 Os Dois; dez anos depois desta ltima data, um volume de Teatro, assinado com o pseudnimo Antnio Madeira, referido como I mas a que nenhum outro sucedeu, reproduzia a Curva do Cu acrescentando-lhe a parbola A Grande Estrela, o aplogo Rs, tambm designado como episdio de circo, e Quatro Vidas, apontamento para uma pea. A estes seis ttulos se limita o teatro de Branquinho; mas deve juntar-se-lhes a adaptao da sua novela O Baro, por muitos considerada a obra-prima do autor, elaborada por Luis Sttau Monteiro e que, publicada em 1962, quatro anos depois a censura proibiu de representar-se nas vsperas da estreia.

    Com excepo da parbola, composta de nove quadros, muito breves alis, todas as restantes peas constam de um acto apenas e as suas personagens, tal como vimos acontecer no Marinheiro de Pessoa, so

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    praticamente o desdobramento de uma personagem nica, o que alis reforado (e confirmado) pela estrutura monodramtica de todas elas. Na Posio de Guerra, o Dono da Casa e o seu melhor Amigo so figuras opostas mas complementares uma da outra, tal como os dois homens que no aplogo Rs vo subindo uma escada que sai dum abismo entre duas montanhas, enquanto as rs coaxam no fundo do abismo (e o que cede ao clamor no o mais desprevenido); o Anjo que em dado momento interrompe a aco da primeira destas peas apresenta a mesma fisionomia do Amigo, tal como o Poeta de Os Dois se desdobra em duas aparncias, a dele prprio e a do Outro; as trs sombras que dialogam em Quatro Vidas acabam por fundir-se e transformar-se na presena nica do Homem Necessrio. E, apesar da multiplicidade de personagens de A Grande Estrela, mesmo quando o protagonista com elas parece que dialoga, a sua prpria identidade que procura surpreender at encontrar aquele caminhozito s nosso que andamos todos os dias e que falta sempre andar no dia seguinte.

    Assim se esboa, neste apontamento de teatro que o conjunto das peas de Branquinho da Fonseca constituem, uma dialctica do eu e do outro que caracterstica da dramaturgia post-pirandelliana, mas que j havia aflorado na nossa poesia com S-Carneiro (eu no sou eu nem sou o outro,/sou qualquer coisa de intermdio) e, sobretudo, com Pessoa e a prodigiosa inveno dos