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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
TEATROS FEMINISTAS NA ILHA DAS BRUXAS: MEMÓRIAS E
“HERSTORY” DE PRÁTICAS TEATRAIS FEMINISTAS EM
FLORIANÓPOLIS
Maria Brígida de Miranda1
Resumo: Nesta comunicação pretendo apresentar axs participantxs do Simpósio Temático
“Engendramentos da cena: práticas teatrais feministas na contemporaneidade”, que coordeno junto
a professora Dra. Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro), um panorama dos estudos teatrais feministas em Florianópolis na última década. Meu
propósito é estimular a “herstory” teatral ou seja uma escrita que torne visível práticas e ativismos
de mulheres de teatro feminista nesta cidade. Como professora e pesquisadora do Departamento de
Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina percebo o florescimento e
amadurecimento de uma profusão experimentos teatrais que se inserem no campo de estudos e
produção artística feminista e essas ações não estão isoladas, elas dialogam, reverberam e
proliferam outros artivismos para muito além do campus. Mas é necessário que divulguemos essas
experiências! Assim, abertura deste S.T., e o objetivo desta comunicação é ser um relato, uma
escrita dentre muitas escritas sobre nossas “herstories”.... Meu relato primeiro situa a criação formal
de nossa área de estudos a partir da abertura de um simpósio específico na área de Teatro em
edições anteriores do Fazendo Gênero, e paralelamente destaca algumas ações, eventos e
produções cênicas de várias mulheres e grupos que disseminaram temas, conceitos, conteúdos,
estratégias e estéticas do que podemos chamar “Teatro Feminista” na Ilha de Nossa Senhora do
Desterro, também chamada de Ilha das Bruxas.
Palavras-chave: Teatro Feminista. Memorial. “herstory”. Estudos teatrais.
Um Tsunami no Brasil?
Movimentos organizados e manifestações de rua relacionados às causas feministas e de
gênero ganharam mais visibilidade no Brasil na última década. Pela primeira vez tenho a sensacão
de que estou em meio a uma onda feminsta. Essa onda ganha força a medida que discursos
feministas se proliferam em images. Imagens que popularizam conceitos e ideias sobre respeito as
mulheres e diversidade gênero. Na grande mídia, as temáticas das políticas de identidade ganham
destaque e por outro lado, são paulatinamente apropriadas pela indústria. Neste ano, ri sozinha em
salas de espera quando via que declarações como “eu sou feminista” descolou-se das camisetas de
1 Doutora. Professora Associada do Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa
Catarina, Florianópolis, Brasil.
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ativistas para revistas comerciais direcionadas ao público feminino como Claudia2 e Quem3. Em
meio as dicas de beleza, saúde e relacionamento as celebridades como Juliana Paes, Ana Paula
Padrão declaram-se feministas e a atriz britanica Emma Watson4 icône do feminismo atual,
embaixadora ONU Mulheres trás pitadas de engenhosidade e inteligência à princesa do filme A
Bela e a Fera da Disney. Já as propogandas de cosméticos populares investem em imagens sobre a
diversidade de gênero e etnia. Por exemplo, as marcas Natura e Avon celebram a diversidade
identitária em campanhas de marketing (2017)5 com modelos de diferentes origens étnicas, tipos
físicos e padrões corporais e também apostam na maquiagem como performatividade de gênero e
dão visibilidade para consumidoras transgêneros e travestis. Estas são apenas algumas das imagens,
que abordam feminismo e gênero, criadas por artistas empregados pela grande midia.
Mergulho nesta onda feminista para sentir sua velocidade e principalmente seu repuxo...
Para onde ela pode nos levar? Na década de 1990 Naomi Wolf já havia apontado em seu livro The
Beauty Mith [O Mito da Beleza] (1991) como a mídia apropria-se de imagens e discursos
produzidos pelos movimentos feministas para criar novos desejos e vender novos produtos para as
mulheres. A tese defendida por Wolf é que ao conquistar espaço e direitos na sociedade capitalista o
sistema não empodera as mulheres mas, cria novas armadilhas. Ou seja, se você entra no mercado
de trabalho, o marketing instaura a necessidade de consumir produtos que restabelecem os símbolos
do feminino reiterando, assim, valores patriarcais. Wolf demonstra que se no século XX as
feministas defenderam a ideia um vestuário igual a de seus colegas homens – com o objetivo de
minimizar as diferencas de gênero, diminuir a erotização do corpo feminino e o assédio nos
ambientes de trabalho, logo em seguida a indústria da moda lançou o terninho da executiva com
uma modelagem que enfatizava e/ou criava curvas da cintura, quadril e seios. Vale observar que as
mulheres que empregam seus corpos, personalidades e histórias pessoais para vestir esses figurinos
da 'mulher vitoriosa', da 'bela feminista' são principalmente atrizes e modelos professionais. São
artistas que criam representações específicas sobre “as mulheres” e que trabalham em determinado
setor da indústria do entretenimento e do consumo.
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<https://www.facebook.com/Claudiaonline/photos/a.10150153100176263.285290.193640871262/10154891501066263
/?type=3&theater> 3 <http://revistaquem.globo.com/> 4 http://emais.estadao.com.br/blogs/leticia-sorg/emma-watson-peitos-e-sovacos-e-o-feminismo/ 5 Assista Avon #EAí,TAPRONTA? <https://www.youtube.com/watch?v=YDoZhwECjJ4>
Assista Natura Toda Beleza Pode Ser. <https://www.youtube.com/watch?v=krT5xlHjp3E>
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Ao mesmo tempo penso que, se este processo de apropriação de discursos está acontecendo
agora diante de nossos olhos, nas grandes mídias (um feminismo pop), esse fenômeno pode indicar
que os movimentos feministas mais radicais estão, por sua vez, causando impacto em estruturas
conservadoras. E não se trata de considerar como estruturas conservadoras apenas instituições como
a familia, as igrejas, a mídia de massa ou os governos mas, perceber como o cinema e o teatro criam
imagens conservadoras sobre a mulher. Assunto amplamente discutido pela teoria crítica feminista
desde as décadas de 1970 e 1980 em estudos seminais da britânica Laura Mulvey da estadunidense
Jill Dolan. Mas as mulheres de teatro não enfrentam apenas o problema das tramas das peças que
reforçam a lógica binária, heteronormativa e garantem aos homens o protagonismo do espetáculo.
As trabalhadoras do teatro convivem com a desigualdade de gênero principalmente no que diz
respeito às oportunidades no mercado de trabalho profissional nas artes da cena.
Há alguns anos observei a programação de um dos principais festivais de teatro profissional
do Brasil, o Festival de Curitiba de 2010, percebi que das 22 produções profissionais selecionadas
apenas 4 eram dirigidas por mulheres, sendo que duas eram compartilhadas com homens. Um
desquilibrio similar aconteceu no quesito dramaturgia: apenas 5 peças foram escritas por mulheres,
e desse montante 3 foram em co-autoria com homens. No quesito composição de elenco observei
que a maioria das produções contabilizava mais atores que atrizes, enquanto o número de mulheres
era insignificante na composição das equipes técnicas. A partir desta amostragem podemos nos
perguntar o quão representativa ela é quando pensamos em oportunidades de trabalho profissional e
remunerado para as trabalhadoras do teatro. Mas para que essa pergunta seja respondida,
precisamos observar mais eventos profissionais em outros contextos brasileiros e compará-los com
o número de mulheres e homens que entram no mercado da artes da cena após concluirem cursos
técnicos e superiores em teatro. O que eu posso dizer é que o número de mulheres graduadas em
Licenciatura em Teatro na UDESC costuma ser pelo menos o dobro do número de homens.
Então, vamos olhar para essas mulheres de teatro formadas na Universidade do Estado de
Santa Catarina e observar como essas pesquisadoras e artistas da prática teatral geram a onda
feminista nas artes da cena, e lutam para transformar a cena patriarcal em cada metro quadrado de
palco.
Uma herstory
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Neste item, atenho-me a produção de teatro feminista no escopo da pesquisa acadêmica-
artística realizada no Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Como professora efetiva das areas de direção e interpretação teatral desde 2006 pude acompanhar,
nestes mais de 10 anos, a germinação e amadurecimento de uma profusão de experimentos teatrais
que se inserem no campo de estudos e produção artística feminista. Essas ações não estão isoladas,
elas dialogam, reverberam e proliferam outros artivismos para muito além do campus.
Para contar um pouco da história do teatro feminista que floresceu no Departamento de
Artes Cênicas da UDESC6, eu adoto o termo herstory7 do feminismo estadunidense da década de
1970. Trata-se de um neologismo criado pela escritora e ativista norte-americana Robin Morgan
com o objetivo de provocar a aparente neutralidade da língua. Morgan brinca com o termo history
ao colocar entre parenteses (his)story – traduzindo literalmente -- [a história deles] ela separa o
pronome masculino (his – dele) do substantivo story (história) para propor uma outra possibilidade,
uma perspectiva feminista na narrativa de fatos, ou seja uma (her)story, uma [história dela]. Esse
uso do termo por pesquisadoras foi feito por outras autoras8 e aqui eu penso que pode ser um
caminho para registrarmos o que estamos vivendo, a meu ver, trata-se de uma grande onda de
teatros e performances feministas no Brasil. Dito isso, eu proponho a escolha de alguns fios de
meadas diferentes para começar a tecer um relato que envolve não apenas minha pesquisa
acadêmica e artística mas também as ações de outras mulheres que trabalham no teatro e na
universidade tanto em Florianópolis como em outras cidades. Vou nomear algumas colegas e
amigas, apontar algumas experiências e eventos e comentar alguns espetáculos que considero de
teatro feminista. Contudo, esta é apenas uma mirada, uma voz , uma trama da minha memória e
como tal, precisa ser entrelaçada a outras vozes, outras tramas para criar uma imagem mais
complexa e dialógica sobre a herstory do teatro feminista gerado na UDESC.
Classifico a produção do Departamento de Artes Cênicas relativa a estudos teatrais
informados pelas teorias feministas e estudos de gênero de 2006 a 2017 em diversas ações:
6 Em outro artigo entitulado 7 “Robin Morgan, in a book of her selected writings states that the debut of the word "herstory" was in the
byline of her article Goodbye to All That, in early 1970, in the first issue of the "underground" New Left newspaper
Rat after it was overtaken by women to clean it of sexism. She writes that she identified herself as a member of
W.I.T.C.H., decoding the acronym as ""Women Inspired to Commit Herstory"
<https://en.wikipedia.org/wiki/Herstory>
8 Elaine Showalter em Histeria Beyond Freud aponta como os estudos sobre a histeria na decada de 1980 por
historiadoras feministas criou uma perspectiva diferente da que associava a patologia a natureza feminina. (p. 286)
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1. espetáculos (de teatro, dança e performance)
2. capacitação (oficinas, disciplinas, bolsas, palestras)
3. foruns (encontros, mostras, simpósios, seminários)
4. publicações (monografias, dissertações, teses, artigos e dossies temáticos)
Sabendo que muitas dessas ações aglutinam-se em mais de uma produção, neste momento
proponho selecionar e comentar apenas alguns destes itens para rememorar um pouco da nossa
herstory.
Foruns
O que estamos fazendo agora, neste Simpósio Temático (S.T.), é uma ação de pesquisa
acadêmica sobre o teatro feminista. Me lembro que em 2006, participei pela primeira vez do
Seminário Internacional Fazendo Gênero, na época apresentei uma comunicação9 em um S.T. sobre
representações de gênero no cinema, literatura e artes. Ou seja, naquele momento não havia nenhum
forum dedicado exclusivamente aos estudos teatrais. Isso me motivou a propor dois anos depois, na
edição seguinte do Fazendo Gênero o S.T. Teatro e Gênero. Este simposio inaugural foi elaborado e
proposto por mim junto a Dra. Lúcia Romano (UNESP), e a Dra. Ciane Fernandes (UFBA)10, e
reuniu o primeiro grupo de pesquisadoras/es interessadas/os em refletir sobre as práticas
espetaculares a partir de um viés gendrado. Em 2010 propus com a Dra. Katia Paranhos (UFU) uma
segunda edição e novamente reunimos pesquisadoras/es com um amplo leque de temas no âmbito
do feminismo nas artes da cena. Portanto, esta é a terceira edição deste Simpósio Temático no
Fazendo Gênero, desta vez compartilho a proposta e coordenação com a Dra. Luciana Lyra (UERJ).
E com alegria observo que a área de teatro ganhou mais espaço com o S.T. cujo foco é relação entre
gênero e voz na cena11. Neste ano, além desse espaço acadêmico a prática teatral é tema de várias
9 MIRANDA, Maria Brigida de. "Mulheres em Cena: Representações Teatrais do Feminino", Gênero e
Preconceitos, Seminário Internacional Fazendo Gênero 7, Florianópolis, Brazil, 2006. 10 A Dra. Ciane Fernandes (UFBA) foi uma das coordenadoras deste primeiro S.T. mas, não pode comparecer
ao evento.
11 S.T. coordenado pelas professoras Dra. Daiane Dordete S. Jacobs (UDESC) e Dra. Janaina T. Martins
(UFSC).
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das Oficinas do evento que conta também com uma mostra de espetáculos com temáticas
feministas na sessão de cultura.
Em eventos de grande porte como o F.G. 11 e o M.M.C. 13, são os pequenos grupos,
Simpósios Temáticos (S.T.), ou Grupos de Trabalho (G.P.), ou Grupos de Pesquisas (G.P.) que
geram espaços mais aconhegantes para expor ideias, trocar conhecimentos, divulgar práticas locais
e fortalecer nossas redes. Ao focar em questões feministas na prática teatral esses espaços tornar-se
grupos de conscientização das mulheres e de criação de estratégias de luta por políticas de gênero
em espaços institucionais como companhias teatrais, escolas de teatro e cursos superiores de artes
cênicas.
A organização em rede tem sido um dos debates de muitas vertentes feministas
contemporâneas em várias áreas do conhecimento e do ativismo. Por exemplo, em redes
campesinas como o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC-SC) a estrutura reúne agricultoras
mobilizadas em prol de uma agenda específica definada pelo movimento social12. No caso da
prática teatral temos exemplos recentes, e do início do século XX de mulheres de teatro que se
organizaram enquanto categoria para lutar por causas específicas ligadas ao feminismo e ao teatro.
Em 2016 as trabalhadoras da prática teatral da Irlanda criaram a explosiva e bem sucedida
campanha de marketing Waking the Feminists13 [Acordando as Feministas] – popularizado como
WTF (What the F---?) – contra a misogênia da programação de peças do mais importante teatro do
país, o Abbey Theatre. O movimento de base reuniu as trabalhadoras do teatro (primeiro via rede e
depois em assembléias) para lutarem contra a política de curadoria do evento Waking the Nation. O
evento nacional, que pretendia celebrar o centenário do movimento de independência da Irlanda ,
selecionou 10 peças teatrais a serem montadas ao longo do ano de 2016. Dessas 10 peças, apenas 1
foi escrita por uma mulher – e era uma peça de teatro infantil, o recado estava dado “mulheres
fiquem em casa, ou cuidem das crianças”14. E apenas 3, das dez montagens seria dirigida por
mulheres15. A luta das trabalhadoras teatrais envolvidas no WTF focou em políticas de igualdade de
12 <http://www.mmcbrasil.com.br/site/> 13 Para saber mais visite a página <http://www.wakingthefeminists.org/> 14 Em recente palestra no colóquio Women in Theatre a pesquisadora irlandesa Miriam Haughton (NUIG)
apresentou e discutiu as estratégias ativistas de Walking the Feminists. Ela apontou a luta das trabalhadoras do teatro
contra as imagens opressivas e machistas dos governos e instituições irlandesas. Uma dessas imagens é da mulher como
dona de casa e mãe resignada. The 13# Annual Irish Theatrical Diaspora Conference Irish, realizada de 27 a 28 de
abril de 2017 na UFSC, em Florianópolis, S.C.. 15 <http://www.wakingthefeminists.org/about-wtf/how-it-started/>
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gênero em instituições como o Abbey Theatre -- que recebe anualmente a maior parte do orçamento
de cultura teatral do país.
O mais interessante é que os movimentos de atrizes em luta feminista pode ser escavado em
ações do início do século XX. Durante a Primeira Onda do Feminismo, agremiações como o
Actress Franchise League [Franquia da Liga das Atrizes], fundada em 1908, atraiu mulheres de
teatro em prol do sufrágio feminino. Atrizes, diretoras e dramaturgas que atuaram na liga criaram,
encenaram e sairam em tour com peças teatrais que defendiam a emanciapação feminina, como The
Pageant of Great Women16. E essa foi apenas uma das inúmeras peças inteiramente criadas por
mulheres de teatro da Liga. Vale lembrar que este espaço político tornou-se também o berço de
grupos como o Pionner Players e o Women's Theatre Company -- espaços teatrais criados por e
para mulheres de teatro exercerem suas capacidades em todas as áreas da prática teatral. Esses
espaços, eu considero como “espaços teatrais ginocêntricos”17, ou seja espaços de proteção,
empoderamento e construção de redes entre mulheres que trabalham no teatro.
Um dos primeiros foruns que teve esse carácter de “espaço ginocêntrico” da prática teatral
em Florianópolis foi o Encontro Vértice Brasil18 em 200819, uma iniciativa da atriz, produtora e
pesquisadora Dra. Marisa Naspolini. Junto as colaboradoras Dra. Bárbara Biscaro, Cleide de
Oliveira, Gláucia Grígolo, Mst. Monica Siedler e Nilce Silva, Naspolini reuniu mais de 40 mulheres
de teatro em um evento que durou seis dias. O projeto Vértice foi uma empreitada das
organizadoras que conseguiram editais e apoios de diversas instituições públicas e empresas
privadas. Na época contou com o suporte do Departamento de Artes Cênicas, que sedeu espaços
para as oficinas e espetáculos e atraiu professoras e discentes da universidade. Embora o evento não
impedisse a participação de homens, ele abriu um espaço para as mulheres começarem a perceber
16 <http://womenslibrary.org.uk/2014/12/16/the-actresses-franchise-league/> 17 Apresentei pela primeira vez esse conceito “espaço ginocêntrico” na minha tese de doutorado (2004), e em
2008 ao participar do Primeiro Vértice Brasil, eu dei a palestra sobre teatro feminista, a convite da organizadora do
evento Marisa Naspolini. "Mulheres de Teatro: Sobre Mulheres Invisíveis e Espaços Ginocêntricos", The Magdalena
Project-Vértice Brasil: Encontro e Festival de Teatro Feito por Mulheres, Florianópolis, Brazil, 2008. 18 “A proposta de criar uma versão brasileira teve início em 2004, quando a coordenadora do evento Marisa
Naspolini participou do encontro e festival Roots in Transit, realizado em Holstebro, na Dinamarca. Desde então, ela
vem fomentando encontros de discussão e trocas com atrizes, pesquisadoras e diretoras de Florianópolis sobre as
questões levantadas pelo Projeto Magdalena. A partir da realizaçao do evento Vertice Brasil 2008 esta rede se
estabeleceu efetivamente no Brasil com a presença das fundadoras do The Magdalena Project Julia Varley e Jill
Greenhalgh. Esta iniciativa pretende manter-se continuamente atualizada e ativa através das continuas parcerias entre
artistas brasileiras e do resto do mundo, alimentada pelas conexões estabelecidas pela rede The Magdalena Project e
pelos frutos dos encontros do Vértice Brasil.” (acesso em 04 de julho de 2017) <http://verticebrasil.blogspot.com.br/p/> 19 O evento aconteceu de 14 a 19 de julho de 2008 em Florianópolis. Mais sobre a edição na página:
<http://verticebrasil.blogspot.com.br/p/edicoes-anteriores.html>
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sua condição enquanto categoria de gênero. Participei deste primeiro encontro que teve um clima
festivo e bastante emotivo. Minha impressão é de que o Vértice fez com que muitas atrizes,
diretoras, professoras e estudantes de teatro iniciassem uma jornada de descobertas, reflexão e
questionamentos sobre a posição das mulheres na prática artística brasileira. Mesmo que aquela
primeira edição do evento não tenha tido uma vinculação imediata com discursos ou movimentos
feministas, o encontro criou uma rede de mulheres que ao longo dos anos foi assimilando teorias e
práticas feministas. Essa rede associada ao Magdalena Project, toca em questões de visibilidade do
trabalho feminino no teatro e oportunidades de trabalho, conforme explica o texto das organizadoras
do Vértice:
O Projeto Vértice Brasil é uma iniciativa que visa ampliar e sedimentar uma
versão brasileira para o Projeto Magdalena (The Magdalena Project) – uma
rede internacional de mulheres de teatro contemporâneo, criada em 1986
pela atriz e diretora Jill Greenhalgh, no País de Gales. O Projeto Magdalena
tem o compromisso de fomentar a consciência da contribuição da mulher ao
teatro e apoiar a experimentação e a pesquisa, oferecendo oportunidades
concretas para o maior número possível de mulheres. Ele conta com uma
estrutura singular que lhe permite funcionar internacionalmente e de ser
adotado e ampliado por mulheres em todo o planeta.(VERTICE BRASIL,
página <http://verticebrasil.blogspot.com.br/p/sobre-o-vertice.html>)
Espaços ginocêntricos como berços de pesquisas acadêmicas e espetáculos teatrais
Espaços exclusivamente femininos têm sido um investimento de alguns grupos e ações no
Departamento de Artes Cênicas da UDESC. O coletivo (Em)Companhia de Mulheres20 teve como
propósito inicial ser um espaço de investigação da prática cênica para pesquisadoras do mestrado
e/ou doutorado do Programa de Pós-graduação em Teatro (PPGT). (Em)Companhia teve desde sua
criação em 2010 um engajameto direto na produção de experimentações teatrais feministas.
Conforme o blog do grupo:
(Em) Companhia de Mulheres- Coletivo de pesquisa teatral feminista,
nasceu em 2010, na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC-
PPGT), por iniciativa das mestrandas em Teatro, Priscila de Azevedo Souza
Mesquita, RosiMeire da Silva e Lisa Brito e da Profª Drª Maria Brigida de
Miranda, orientadora dos projetos de pesquisa e coordenadora do grupo de
estudos ‘Teatro e Gênero. ((EM)COMPANHIA DE MULHERES, página
<http://emcompanhiademulheres.blogspot.com.br/>
20 <http://emcompanhiademulheres.blogspot.com.br/>
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Na época eu orientava mestrandas e bolsistas de iniciação cientíca e um grupo de
aproximadamente oito mulheres se reunia para ler textos sobre teatro feminista. Como
coordenadora do Grupo de Estudos Teatro e Gênero eu sentia além das leituras sobre teoria e
história do teatro feminista era necessário estimular as experiências locais e as questões daquelas
atrizes. Como descrevi em um artigo recente:
Meire [Rosimeire Silva] e um pequeno número de alunas e alunos21 se reuniu
comigo para criarmos em 2006 o grupo de estudos Teatro e Gênero, aliado ao
meu primeiro projeto de pesquisa na UDESC entitulado Poéticas Feministas.
Além de leituras sobre teatro feminista e peças feministas organizamos
exibições de filmes, mesas redondas e palestras com professoras da UFSC e
da UDESC, ligadas ou Instituto de Estudos de Gênero. As palestras abertas ao
público externo ajudaram a introduzir para as pessoas interessadas do CEART
a história do desenvolvimento tanto dos estudos da mulher como dos estudos
de gênero no Brasil. Esses eventos propiciaram a formação de jovens
mulheres interessadas em fazer e pensar teatro a partir de uma reflexão sobre
o corpo engendrado e a idéia de visibilidade da produção teatral feminina.
(MIRANDA, 2016)
Sugeri que as três mestrandas Priscila Mesquista, Rosimeire Silva e Lisa Brita liderassem as
outras participantes em oficinas e experimentações teatrais semanais e descobrissem por si mesmas
o que era o teatro feminista que elas queriam fazer. O experimento conduzido por elas durou o
primeiro semestre de 2010 e gerou bastante material, além do desejo de produzirem um espetáculo
teatral. No segundo semestre daquele ano fui convidada por elas a conceber e dirigir o primeiro
espetáculo. Jardim de Joana (2010) foi criado a partir de improvisações guiadas e do conceito de
devised theatre (teatro feito sem texto prévio). A trama explorava as temáticas do relacionamento
homoafetivo, o envelhecimento, a invisibilidade do trabalho feminino e a perda de memória.
Outro grupo de mulheres com grande visibilidade na cidade e voltado para o ativismo nas
questões de identidade racial é o Coletivo NEGA. A companhia teve sua origem em um Projeto de
Extensão de ações afirmativas proposto e coordenado pela Dra. Fátima Costa de Lima em 201122 e
ao longo dos anos foi-se transformando de grupo misto de estudantes e interessados em
questionamentos sobre etnia e teatro em um espaço ginocêntrico. Hoje com um grupo consolidado
de jovens estudantes-artistas negras o Coletivo NEGA mantem seu vículo com a universidade e
apresenta espetáculos como Preta-à-Porter entrelaçado a pesquisas acadêmicas que abordam
gênero, feminismo, pós-colonialismo, identidade racial e negritude.
Destaquei estes dois exemplos de companhias teatrais porque elas tiveram como berço os
espaços criados no Departamento de Artes Cênicas. O compromisso de professoras da instituição
21 Cito algumas pessoas que participaram ativamente das reuniões quinzenais do grupo de estudo Teatro e Gênero
em 2006-7: Denise Krieger, Lara Matos, Rosimeire Silva, Claúdia Mussi, Maria Fernanda Jacobo e Luana Garcia. 22 <http://www1.udesc.br/arquivos/id_submenu/2553/46.pdf>
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em abrir esses espaços facilita uso de espaços de ensaio, equipamentos, trabalho de técnicas/os e
divulgação de espetáculos. Mas, além disso somos nós, professoras e pesquisadoras de teatro que ao
elaborarmos projetos de pesquisa ou de extensão sobre políticas de identidade, abrimos áreas de
conhecimento e iniciamos a transformação de estruturas conservadoras como as instituições de
ensino. O resultado desses investimentos pessoais e institucionais vão além dos espetáculos teatrais
pois proliferam-se em artigos e monografias, dissertações e teses que problematizam a prática
teatral a partir da teoria crítica feminista23.
Disciplinas e produções de teatros feministas
Atualmente, o Departamento de Artes Cênicas da UDESC, passa por um processo de
reforma curricular, e foi uma alegria saber que uma das demandas das/dos discentes é uma
disciplina na graduação que trate de questões de gênero e teatro feminista. Diferente da realidade
que encontrei em 2006 ao entrar para o quadro de efetivos, o número de professoras engajadas em
discussões sobre políticas de identidade tem se multiplicado nos últimos anos.
Em 2007-2008 ministrei as disciplinas curriculares de Montagem Teatral I e II.
Compreendida em dois semestres, estas disciplinas têm a função de produzir um espetáculo teatral
(ou de dança) e realizar a circulação do mesmo em difentes espaços da cidade. Sob a direção de
uma professora ou um professor as/os discentes exercitam suas habilidades como atrizes e atores e
testam sua capacidade para o trabalho em equipe. Foi nessa circunstância que há dez anos atrás, eu
propus ao departamento e ao grupo de discentes a montagem de uma peça icônica do teatro
feminista. Com uma equipe de 21 pessoas produzimos a peça Vinegar Tom (1976) da dramaturga
inglesa Caryl Churchill. Além das intensas atividades na disciplina de doze créditos, foi um
momento de muita atividade do Grupo de Estudos Teatro e Gênero para introduzir noções básicas
sobre a história do movimento feminista no departamento de Artes Cênicas.
Se Vinegar Tom foi o primeiro espetáculo de teatro feminista da UDESC, foi também o que
colocou pela primeira vez a realização de uma disciplina da graduação na programação da mostra
principal do Festival de Teatro Isnard Azevedo. Apresentado no Teatro do CIC em 2008, a peça que
focava nos autos de bruxaria da Inglaterra do século XVI para problematizar a representação
histórica da mulher como bruxa, trazia as questões da agenda feminista de Segunda Onda para o
centro do palco. Embalada por uma banda de rock só de mulheres (que no modelo brechtiano
comenta a peça episódia), o espetáculo foi aplaudido de pé pela platéia de quase 1000 pessoas. Em
contraste, me lembro como um jornal da cidade em um artigo crítico -- que raramente é publicado
sobre peças deste festival de teatro – foi presteiro em “condenar” a montagem.
23 Para saber mais consulte online os artigos publicados na Revista Da Pesquisa e Trabalhos de Conclusão de
Curso disponíveis no site da Biblioteca do CEART: Lara Matos, Rosimeire Silva, Claúdia Mussi, Denise Krieger, Júlia
Oliveira, Luana Tavano Garcia, Renata Swoboda, Juliana Riechel. Consulte as dissertações de mestrado de Priscila
Mesquita, Rosimeire Silva, Stephanie Polidoro e Jurandir Mendes e a tese de doutorado de Daiane Dordete S. Jacobs.
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Acho que condenações cansam e desestimulam muitas mulheres que emprendem ações
feministas na cena de Florianópolis. Ao mesmo tempo percebo que a onda feminista atual nos ajuda
a reunir forças para continuar transformado. Em 2017, propus pela primeira vez uma disciplina
específica sobre teatro feminista no Programa de Pós-graduação em Teatro da UDESC. Introdução
ao Teatro Feminista consistiu em um curso de 15 semanas (4 créditos) que pretendeu propor
caminhos para debater e refletir sobre este campo ainda pouco visível na academia brasileira.
Apresento abaixo um trecho do programa que elaborei para o curso:
“O que é Teatro Feminista?” é a questão guia deste curso. Enquanto campo
de estudos o “Teatro Feminista” conjuga práticais teatrais, movimentos
feministas, teoria crítica feminista, filosofia, historiografia, ativismo político
e uma pletora de movimentos sociais. Além deste aspecto rizomático o
Teatro Feminista como prática e construção epistemológica floresce em
diversos contextos geo-político-culturais, o que lhe confere uma pluralidade
de histórias, teorias, políticas, ativismos e práticas teatrais. Este curso
prentende pontuar algumas das origens e manifestações de teatros feministas
e propõe estudos de caso para refletir sobre as tensões entre teoria, estética e
ativismo. (MIRANDA, 2017 – Ementa da Disciplina)
Herstory para meninas
Na onda que transforma Florianópolis, a Ilha das Bruxas, há vários os grupos de mulheres
empenhadas em criar cenas feministas, nas ruas, nos palcos e nas escolas – e vejo que este
Simpósito reúne algumas delas para contar suas herstories. Gostaria de concluir mencionando o
espetáculo Anti-princesas24 criado a partir de três livros infantis da Coleção Anti-princesas da
editora Chirimbote. O processo concebido e desenvolvido por Isabela Lunge e Emili Barossi
fundadoras da Companhia Duas e Só apoiou-se primeiramente na pesquisa de contação de histórias
que a professora de técnica vocal Dra. Daiane Dordete S. Jacobs desenvolve no Departamento de
Artes Cênicas e em projetos junto a instituições premiadas como A Barca dos Livros. Lunge e
Barossi conceberam um formato que funciona tanto como contação de histórias como uma cena
teatral. Essa estratégia cênica faz com que o espetáculo leve e portátil viage para ações em livrarias
com sessões dedicadas às crianças (o caso da Sur Livraria); manifestações feministas nas ruas da
cidade e salas de espetáculo. As personalidades históricas Violeta Parra, Clarice Lispector e Frida
Kahlo transformadas em personagens pela literatura são corporificadas em heroínas feministas na
montagem Anti-princesas. Ao assistir esse espetáculo em 2016 tive a impressão que eu e outras
meninas e mulheres da platéia suspiramos juntas, não mais pelo mocinho heróico... mas, por nos
sentirmos representadas na herstory das heróinas feministas.
24 <http://obaratodefloripa.com.br/espetaculo-antiprincesas-conta-historia-de-inspiradoras-mulheres-latino-
americanas/>
12
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Referências
PAES, Thuanny e LIMA, Fátima Costa de. Performance Preta-à-Porter do Coletivo NEGA:
Reflexões sobre imagens políticas colhidas em cenas do teatro negro. Seminário de Iniciação
Científica. 26º SIC. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis. Disponível em:
<http://www1.udesc.br/arquivos/id_submenu/2553/46.pdf>. Acesso em: 04 de julho de 2017.
MIRANDA, Maria Brígida de. 2004. Playful Training: Towards capoeira in the physical training
of actors. 366. (Tese de doutorado, Teatro) – La Trobe University, Melbourne, Australia.
-------. Ilhas Feministas: Experiências de engendramento na universidade. In: Daiane Dordete,
Sandra Meyer e Vera Collaço, Imagens e Falas: 30 anos de teatro na UDESC. Florianópolis:
UDESC. 2016. 179-190.
WOLF, Naomi. The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Used Against Women. London:
Vintage, 1991.
Title: Feminist Theatres in the Witches Island: memories and “herstory” of feminist theatre
practices in Florianópolis.
Astract: In this paper I wish to present to the participants of the Thematic Simposium: Engendering
the scene: contemporary feminist theatres' practices – which I proposed with Dr. Luciana de Fátima
Rocha Pereira de Lyra (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) -- a panorama of the
developments of the feminist theatre as field of study that occurred in the last decade in
Florianópolis. My aim is to stimulate a “herstory” of theatre – by that I mean, a kind of writing that
makes visible practices and ativism by female theatre makers engaged with feminist theatre in the
city. As a lecturer and researcher working in the Theatre Department of the University of the State
of Santa Catarina I see the flowershing and the growth of a great variety of theatrical experiments
that can be perceived to be in the field of feminist theatre. These are not isolated actions, instead
they dialogue and ressonate with other artivisms way beyond the university campus. However, it is
time to publish these experiencies! Thus, the opening of this S.T., as well as my aim with this text is
to be a story, a paper among many other writings about our local “herstories”... My story starts by
indicating the creation (as a formal act) of the first simposium exclusively dedicated the to field of
theatre studies in earlier editons of the International Seminar Making Gender.
Keywords: Feminist Theatre. Florianópolis. Theatre Practice.